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Direito Prudencial:

O que é:
Representa, com o costume, um setor do ordenamento jurídico que se situa, originariamente,
fora da esfera da ação criativa do poder. Trata-se de uma ordem normativa criada pelos
prudentes, isto é, aqueles que conhecem o direito, justo e injusto, aqueles cuja auctoritas lhes
permitia declarar a verdade jurídica no caso concreto.
Este direito apoiava-se na auctoritas dos juristas, isto é, o saber socialmente reconhecido, e na
inventio, ou seja, na capacidade de inventar, criar e adequar os textos de modo a chegar a
novas soluções.

Causas do Renascimento das ideias romanas:


A definição “prudencial” transmite logo a ideia de construção. Isto porque os juristas partiram
do direito romano justinianeu (Codex, Digesto, Institutiones, Novelae), mas os textos tinham
de ser adaptados e adequados ao seu tempo. O produto final seria um direito romano
justinianeu transformado pelos juristas.
São várias as razões que levaram os juristas dos séc. XII e seguintes a recorrer aos textos de
direito romano justinianeu. Desde logo causas jurídicas, pois o direito existente era insuficiente
para dar resposta às novas questões e problemas que se iam colocando, aliado ao carácter
fragmentado e localista do costume. Era preciso colmatar as lacunas de um ordenamento
jurídico escasso. Além disto era necessário responder às exigências de uma sociedade em
desenvolvimento político, com a emergência de cidades-estados em Itália e a tentativa de
centralização dos Reis; religiosos, nomeadamente o desenvolvimento do direito canónico, que
crava uma luta contra o Ius Regni, e o primeiro encontrará no direito romano justinianeu o rico
manancial técnico e conceptual de que podia abastecer-se; económicos, com o maior fluxo de
trocas nacionais e internacionais, gerado pelo clima de paz na Europa Ocidental (excetuando a
Península Ibérica que tinha muitos momento de guerra e reconquista); culturais, com o
movimento geral da cultura, no sentido de um alargamento de horizontes, e a inerente ânsia
de saber e descoberta aliados ao posterior surgimento das Universidades.

Como se comporta o renascimento:


Então, ao ser “redescoberto” o direito romano justinianeu é sobre ele que os juristas
medievais erguerão um vasto labor exegético de adaptação e criação, com vista a ministrarem
à sociedade do seu tempo os instrumentos jurídicos adequados. Esta vai ser a fonte de
excelência dos juristas.

Escolas jurídicas prudenciais medievais:


É costume apresentar a jurisprudência medieval como duas escolas sucessivas: a Escola dos
Glosadores e a Escola dos Comentadores. A primeira teve início com Irnério (princípios do séc.
XII) e terminou com Acúrsio e a sua obra máxima, a Magna Glosa, de 1234. A segunda cujos
inícios se radicaram nas obras de Révigny e Belleperche, haveria atingido o apogeu no séc. XIV,
entrando em declínio com as críticas humanistas. A doutrina moderna vê a Magna Glosa com
uma função de continuidade, dando origem a uma escola que fez ponte entre as outras duas, a
Escola dos Pós-Acursianos.
Tal como foi dito, foi Irnério que deu origem à primeira escola sendo o primeiro a centrar a
atenção e a estudar e aplicar os textos de direito romano justinianeu. A partir daí vão
aparecendo uma pluralidade de juristas que se enquadram na sua escola. Dá-se um conjunto
de pessoas com dois objetivos: uns formam-se e tornam-se professores e outros exercem
funções jurídicas ou cargos próximos destas.
Inicialmente o professor ensinava na sua própria casa e os alunos pagavam ao professor.
Todavia, com o aumento da procura por conhecimento por parte dos alunos, isto torna-se
impossível. Para resolver esta situação criam-se as escolas, nas quais os alunos se separavam
por nationes conforme a sua terra, que mais tarde se unirão para criar a Universitas, conjunto
de todas as nações, a Universidade. Este universalismo possibilitou que o ensino fosse feito
numa só língua, latim, e que versassem sobre os mesmos textos, DRJ.
Tal como foi dito a Escola dos glosadores irá terminar com Acúrsio, que realizou uma das obras
capitais da história da jurisprudência, a Magna Glosa, um trabalho de compilação de glosas
suas e seus precedentes, reunindo cerca de 96 mil glosas. Esta obra pode tanto ser
considerada como o apogeu ou decadência da respetiva escola. Considero que seja ambos, é o
apogeu de uma escola que não poderia ir para além da obra e por isso entrou em decadência.
Acúrsio é então considerado o maior pensador da escola dos glosadores.
Seguiu-se a escola dos pós-acursianos. Este nome transmite logo uma ideia de idolatria de
Acúrsio, dedicando-se essencialmente ao estudo da sua obra. Teve como principais nomes o
de Odofredo, Alberto Gandino e Guilherme Durante.
Por sua vez, a escola dos comentadores terá sido como figuras iniciais Révigny e Belleperche.
Dentro dos comentadores destaca-se Bártolo, pelo seu brilhantismo, como o maior dos juristas
medievais.
Existem várias diferenças entre as escolas, nomeadamente a altura do seu apogeu. A primeira
remota ao séc. XII, enquanto que a segunda corresponde ao séc. XIV. Todavia, a maior
diferença entre as duas escolas à o seu objeto de estudo. A primeira foca-se no direito civil
(DRJ), estudando também o direito canónico. Desta irão dar origem a um direito romano
justinianeu ampliado e transformado pelo direito canónico. Existe uma simbiose entre estes
direitos, na medida em que, o direito canónico recebe do DRJ o apuramento técnico que
precisava e por sua o direito canónico irá ter uma influência valorativa no DRJ. Muitos
professores irão estudar tanto direito canónico como direito romano (in utroque). Assim, os
glosadores identificavam o direito positivo com o direito romano-canónico e fora deles não
havia lex ou ratio. Daqui sairá o ius commune, composto por DRJ e direito canónico que atuam
reciprocamente um sobre o outro confirmando-se, contradizendo-se e completando-se.
Por sua vez, os comentadores faziam a conciliação e adaptação destes dois direitos com os
ordenamentos dos territórios, os iura propria. Vão-se articular textos de DRJ com os iura
propria.

Géneros Literários:
Os juristas medievais utilizavam vários géneros literários. Podemos salientar 5: glosa, quaestio,
concilia, comentário e lectura.
A glosa é uma explicação singular de termos, conceitos ou passos. Existem dois tipos de glosas,
as lineares, isto é escritas entre linhas, e marginais, exaradas nas margens das páginas. Há
ainda quem distinga glosas técnicas, ou seja, propriamente jurídicas, das de índole filológica,
histórica e retórica-dialética.
Tem-se detetado nas glosas a dilucidação de termos ou frases, a indicação do conteúdo de um
título ou lei, a consignação das relações entre vários títulos e leis, o recurso a lugares paralelos,
afins e antagónicos, a ponderação da intentio e da conclusio da lei, retirando-lhe assim o seu
espírito.
É da glosa que partem todos os outros géneros. É dela que nasce a essência do trabalho do
texto, da sua análise, explicação e colocação do texto em relação com outros textos.
Já a quaestio é uma forma dialogada e, portanto, ao princípio da contradicto como
instrumento de apuramento da verdade. Era praticada maioritariamente pelos glosadores. Ela
podia reportar-se a um facto (quaestio facti) ou dizer respeito à interpretação do direito
(quaestio iuris).
Podiam dizer respeito a um conflito real de interesses ou a um exercício académico (quaestio
disputata). Nesta o mestre enunciava o problema jurídico aos estudantes. Um deles fazia de
actor e outro de reus. No dia marcado, ambos os alunos enunciavam os seus argumentos, em
regra invocando textos e leis para favorecer a sua tese. O mestre presidia ao debate e
determinava qual dos argumentos deveria ser escolhido (determinatio).
A disputa académica não se restringia sempre ao círculo dos alunos. Muitas vezes participavam
nela outros professores e até quem quer que fosse (disputas publicas). Por vezes a quaestio
era dirigida ao mestre, formulada por um assistente, aluno ou até um rival. Deste modo, na
Idade Média, a quaestio representava o torneio dos intelectuais.
Em função destas diferentes modalidades, a doutrina distingue dois tipos de diálogos: o
catequístico, entre mestre e aluno, informado pelo princípio da autoridade, e o
controversístico, forma de discussão entre pares, entre iguais.
O reconhecimento do valor científico e pedagógico da quaestio disputata levou ao registo,
inicialmente em forma de simples apontamento do tema, dos argumentos pro e contra e da
determinatio feita por um reportator (por hábito um aluno ou assistente). Este chegava a
acrescentar argumentos por si excogitados, de críticas às posições assumidas, juntando ainda
um exordium e um titulus. É a chamada quaestio reportata, que se distingue da quaestio
redacta, que assumia a forma de pro e contra daquela, sendo da autoria do mestre, que
aproveitava as virtualidades do método para ensinar certas matérias, numa configuração de
um diálogo controversísitco e com o fito de acentuar o carácter apenas provável da solução.
Muitos argumentos adotados eram meramente persuasivos ou baseados na auctoritas do
mestre. Assim servia maioritariamente para expor opiniões persuasivas. A quaestio ligava-se
assim a uma forma de pensar probabilística, isto é, a posição tinha de ser provada com
argumentos que a favorecessem.
Por sua vez, os consilia equivalem aos modernos pareceres. O jurisconsulto pronunciava-se
neles sobre uma consulta que lhe era feita. A sua estrutura é muitas vezes semelhante à da
quaestio , com a utilização de argumentos justificantes da solutio proposta e impugnação dos
adversos.
Destinava-se a solucionar um caso prático, repercutindo-se em interesses reais. Como tal, isto
implicava a necessidade de garantir a sua idoneidade material e formal. Daqui serem os
consilia, por vezes, jurados e normalmente escritos sob a invocação do nome de Deus e da
Virgem. Daqui também formalidades como a aposição do selo do autor, a intervenção de
notários da universidade a que o mestre pertencia, a presença de testemunhas. Isto também
para garantir a sua autenticidade.
Por sua vez, Lombardi vê nos comentários trabalhos elaborados com o intento de estabelecer
uma visão sintética de um instituto pela consideração exaustiva de todos os seus aspetos feita
sobre uma base lógica.
De acordo com os Professores Ruy e Martim de Albuquerque as principais características deste
género são a sua índole extensamente discursiva, a sua independência ao texto e ao seu
espírito, incluindo neles uma posição crítica do autor e a conjugação que nele se faz de
preceitos justinianeus com os de outras ordens jurídicas.
Por fim, a lectura designa as lições universitárias, que é provável que seguiam o seguinte
esquema: ilustração sumária do título dos textos de objeto da exposição; resumo do seu
conteúdo; leitura do texto intercalada das necessárias explicações; confronto com passos
paralelos e contrários, para o superamente de contradições; formulação de conceitos jurídicos
contidos no texto; elaboração de distinctiones; discussão das quaestiones relativas ao texto já
lidos e comentados.

Ars Inveniendi:
A metodologia dos glosadores e comentadores apresenta-se-nos como predominantemente
analítico-problemática.
O jurista medieval aproximou-se da lei com o intuito essencial de determinar os preceitos não
pela consideração da globalidade do ordenamento jurídico, mas vendo algo de imediato, uno,
dotado de individualidade, a apreender a si mesmo. É analítico, pois o dado a priori para o
jurista medieval não é o sistema, mas sim a norma singular.
Para o jurista medieval a solução não se obtinha através da subsunção do facto a uma norma
legal, mas pela ponderação de soluções possíveis, analisando o facto de todos os ângulos
possíveis, escolhendo a solutio mais adequado e perto da verdade (nunca uma verdade
absoluta), justificando e provando através de argumentos, daqui dizer-se que é um método
problemática, pois cada conclusão necessita de ser provada.
Trata-se de um método complexo uno, todavia faz-se uma divisão formal em 3 elementos por
razões pedagógicas e um para ser mais fácil de o entender. Divide-se, assim, em leges (textos),
rationes (razões/argumentos) e auctoritates (opiniões de quem tem auctoritas).
A ciência jurídica medieval parte e baseia-se em textos. O preceito encontra a sua expressão
num texto, num elemento escrito. Estes textos obedecem às regras da gramática, a ars pela
qual o espírito se exprime.
A gramática é entendida com um sentido diferente que tem hoje em dia. Quintiliano define-a
como a ciência de falar corretamente e interpretação dos poetas. Ora, sendo uma ciência tem
de obedecer e seguir regras. São estas que fazem com que a gramática seja universal, comum
a todas as línguas (“sabendo a gramática num idioma sabemo-la noutro”).
É possível distinguir duas vertentes da gramática: discritiva, que está relacionada com as regras
estéticas da gramática, que dominou até ao séc. XIII; e especulativa, que a partir do séc. XIII é
dada a conhecer e daí começa o seu reinado. Baseia-se nas regras universais, transcendendo-
se às regras da gramática descritiva. Através desta os juristas destruturam as regras da
gramática, tendo um carácter inovativo, mas ainda sendo possível entendê-la.
Era o conhecimento da gramática que permitia aos juristas ler e adaptar os textos de outras
línguas, levando à consideração lógica dos textos e dominado o seu significado literal e
espírito.
As rationes designam os argumentos de equidade, de direito natural, de oportunidade e de
lógica. Desde já trata-se de um elemento alegal, isto é, não depende da lei. Vão para lá do
texto e da lei, não ficam presos. Podem servir para construir base legal.
Eram argumentos utilizados pelos juristas para reforçar e justificar a sua solutio. Na teoria
eram a prova de uma solução provável, ou seja, algo que não é certo ou errado, verdadeiro ou
falso, mas que depende da argumentação e da prova e admite vários graus de probabilidade e
nunca estando excluída a probabilidade contrária.
Partindo do provável, o pensamento medieval teorizou duas vias: a dialética, que consiste na
arte da discussão entre iguais, como um debate controversístico. O jurista procura através das
suas proposições e argumentos conseguir a adesão do ouvinte para uma conclusão prática; a
retórica, a arte da persuasão. Apresenta-se como um discurso feito por um para todo um
auditório, de forma a persuadi-lo. Usavam-se não só argumentos puramente racionais, mas
também emotivos, valorativos, que também eram usados, embora em menor escala, na
dialética.
A sua eficácia depende principalmente da força dos argumentos. Só através destes obterá a
adesão dos destinatários.
Na filosofia grega a dialética era comparada a um punho fechado e a retórica a uma mão
aberta. Na época medieval a primeira é representada por uma mulher armada com um punhal
e a retórica como uma mulher sedutora. O contraste é claro. Enquanto a primeira está
preparada para entrar numa batalha de argumentos, a segunda para seduzir e aliciar e
convencer o auditório com argumentos.
Outra diferença entre ambos é que são muito mais conhecidos casos de uso de dialética do
que retórica. Lucas de Penna chega mesmo a denunciar o exagero da aplicação da dialética.
Tanto a dialética como a retórica, enquanto lógicas do provável, pressupõem e arrancam de
uma arte prévia e comum: a tópica, ou arte de encontrar argumentos. Liga-se ao domínio do
deliberativo e, portanto, a problemas que consentem mais de uma resposta. A consideração
da tópica do problema implica, então, o levantamento de todas as razões que ele é suscetível
de motivar. Há que encará-lo de todos os modos e lados. Traduz-se numa metodologia de
procurar encontrar as premissas da argumentação.
Por fim, as auctoritates são as opiniões daqueles que tem auctoritas.
Com o trabalho de múltiplos juristas começavam a surgir cada vez mais opiniões e divergentes
entre si. Isto gerou a necessidade de construir alguns critérios para trazer maior segurança,
para tentar chegar a uma opinião comum (commune opinium). O primeiro critério era
quantitativo, ou seja, a opinião comum será aquela que reúne maior número de juristas.
Depois, visto que o primeiro não teve os resultados pretendidos, criou-se o critério qualitativo,
definindo que importavam as opiniões dadas pelos melhores, os que têm mais auctoritas.
Surge o problema de aferir quem tem mais auctoritas. Para superar este entrave criou-se um
último critério, sendo um híbrido dos anteriores, que prevaleceu a partir do final do séc.
XIV/XV. Trata-se de um critério misto. Definia que deveria prevalecer a maioria qualificada, ou
seja, a maior quantidade de melhores.
A auctoritas funcionava como um elemento de legitimidade.
Estes 3 elementos estão sempre juntos, é um método uno e indivisível. Há uma conjugação
dos três elementos para a construção da solutio. Há que ser colocado um problema, que será
respondido através de textos e argumentos, para chegar a uma opinião que no fim irá conduzir
à solutio.

Direito Prudencial em Portugal:


A primeira prova incontestada de conhecimento de direito romano justinianeu em Portugal
constitui o testamento do bispo do Porto D. Fernando Martins. Neste estavam textos de
direito canónico (comprovando também a sua existência em Portugal) e textos do Corpus Iuris
Civilis.
A influência do DRJ na legislação portuguesa é um caso controverso. Certos autores defendem
que já se tenha sentido no reinado de D. Afonso II, nas Ordenações Afonsinas, nas quais se
suspende a pena de morte e a mutilação de membros, inspiradas no Código de Justiniano.
Outros discordam dessa influência. O Professor Paula Merêa atrasa a influência até ao reinado
de D. Afonso III.
Em todo o caso, é indiscutível que se fez sentir no reinado de D. Dinis, no qual o DRJ não só
influenciava o direito nacional como se sobrepunha a este.
Além do testamento do bispo do Porto, servem como prova as dezenas de volumes de DRJ nas
bibliotecas medievais portuguesas. A estas juntam-se alusões a obras de glosadores no
testamento de D. Afonso Pais, numa doação feita por D. Vasco, bispo do Porto, etc.
Para este resultado contribuiu a ida de juristas portugueses para universidades estrangeiras.
Alguns ficavam no estrangeiro e outros regressavam. Deste modo, já no séc. XIII, Portugal tinha
juristas de formação universitária e até junto do Rei, integrando a Cúria Régia. A isto é possível
juntar a passagem de alguns juristas estrangeiros por Portugal. Isto tudo foi fundamental para
que o DRJ fosse conhecido em Portugal.
Outro processo, este atípico, de influência do DRJ em Portugal são as Siete Partidas,
monumento jurídico castelhano da autoria de Afonso X, de Castela, do séc. XIII. Tratou-se de
uma influência mediata do DRJ.
Foi fulcral também a fundação do Estudo Geral em Lisboa, raiz da futura Universidade, por D.
Dinis, conferindo ao processo um impulso decisivo. O estudo dionísino conferia, entre outros,
o estudo de direto civil e canónico.

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