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O que é:
Representa, com o costume, um setor do ordenamento jurídico que se situa, originariamente,
fora da esfera da ação criativa do poder. Trata-se de uma ordem normativa criada pelos
prudentes, isto é, aqueles que conhecem o direito, justo e injusto, aqueles cuja auctoritas lhes
permitia declarar a verdade jurídica no caso concreto.
Este direito apoiava-se na auctoritas dos juristas, isto é, o saber socialmente reconhecido, e na
inventio, ou seja, na capacidade de inventar, criar e adequar os textos de modo a chegar a
novas soluções.
Géneros Literários:
Os juristas medievais utilizavam vários géneros literários. Podemos salientar 5: glosa, quaestio,
concilia, comentário e lectura.
A glosa é uma explicação singular de termos, conceitos ou passos. Existem dois tipos de glosas,
as lineares, isto é escritas entre linhas, e marginais, exaradas nas margens das páginas. Há
ainda quem distinga glosas técnicas, ou seja, propriamente jurídicas, das de índole filológica,
histórica e retórica-dialética.
Tem-se detetado nas glosas a dilucidação de termos ou frases, a indicação do conteúdo de um
título ou lei, a consignação das relações entre vários títulos e leis, o recurso a lugares paralelos,
afins e antagónicos, a ponderação da intentio e da conclusio da lei, retirando-lhe assim o seu
espírito.
É da glosa que partem todos os outros géneros. É dela que nasce a essência do trabalho do
texto, da sua análise, explicação e colocação do texto em relação com outros textos.
Já a quaestio é uma forma dialogada e, portanto, ao princípio da contradicto como
instrumento de apuramento da verdade. Era praticada maioritariamente pelos glosadores. Ela
podia reportar-se a um facto (quaestio facti) ou dizer respeito à interpretação do direito
(quaestio iuris).
Podiam dizer respeito a um conflito real de interesses ou a um exercício académico (quaestio
disputata). Nesta o mestre enunciava o problema jurídico aos estudantes. Um deles fazia de
actor e outro de reus. No dia marcado, ambos os alunos enunciavam os seus argumentos, em
regra invocando textos e leis para favorecer a sua tese. O mestre presidia ao debate e
determinava qual dos argumentos deveria ser escolhido (determinatio).
A disputa académica não se restringia sempre ao círculo dos alunos. Muitas vezes participavam
nela outros professores e até quem quer que fosse (disputas publicas). Por vezes a quaestio
era dirigida ao mestre, formulada por um assistente, aluno ou até um rival. Deste modo, na
Idade Média, a quaestio representava o torneio dos intelectuais.
Em função destas diferentes modalidades, a doutrina distingue dois tipos de diálogos: o
catequístico, entre mestre e aluno, informado pelo princípio da autoridade, e o
controversístico, forma de discussão entre pares, entre iguais.
O reconhecimento do valor científico e pedagógico da quaestio disputata levou ao registo,
inicialmente em forma de simples apontamento do tema, dos argumentos pro e contra e da
determinatio feita por um reportator (por hábito um aluno ou assistente). Este chegava a
acrescentar argumentos por si excogitados, de críticas às posições assumidas, juntando ainda
um exordium e um titulus. É a chamada quaestio reportata, que se distingue da quaestio
redacta, que assumia a forma de pro e contra daquela, sendo da autoria do mestre, que
aproveitava as virtualidades do método para ensinar certas matérias, numa configuração de
um diálogo controversísitco e com o fito de acentuar o carácter apenas provável da solução.
Muitos argumentos adotados eram meramente persuasivos ou baseados na auctoritas do
mestre. Assim servia maioritariamente para expor opiniões persuasivas. A quaestio ligava-se
assim a uma forma de pensar probabilística, isto é, a posição tinha de ser provada com
argumentos que a favorecessem.
Por sua vez, os consilia equivalem aos modernos pareceres. O jurisconsulto pronunciava-se
neles sobre uma consulta que lhe era feita. A sua estrutura é muitas vezes semelhante à da
quaestio , com a utilização de argumentos justificantes da solutio proposta e impugnação dos
adversos.
Destinava-se a solucionar um caso prático, repercutindo-se em interesses reais. Como tal, isto
implicava a necessidade de garantir a sua idoneidade material e formal. Daqui serem os
consilia, por vezes, jurados e normalmente escritos sob a invocação do nome de Deus e da
Virgem. Daqui também formalidades como a aposição do selo do autor, a intervenção de
notários da universidade a que o mestre pertencia, a presença de testemunhas. Isto também
para garantir a sua autenticidade.
Por sua vez, Lombardi vê nos comentários trabalhos elaborados com o intento de estabelecer
uma visão sintética de um instituto pela consideração exaustiva de todos os seus aspetos feita
sobre uma base lógica.
De acordo com os Professores Ruy e Martim de Albuquerque as principais características deste
género são a sua índole extensamente discursiva, a sua independência ao texto e ao seu
espírito, incluindo neles uma posição crítica do autor e a conjugação que nele se faz de
preceitos justinianeus com os de outras ordens jurídicas.
Por fim, a lectura designa as lições universitárias, que é provável que seguiam o seguinte
esquema: ilustração sumária do título dos textos de objeto da exposição; resumo do seu
conteúdo; leitura do texto intercalada das necessárias explicações; confronto com passos
paralelos e contrários, para o superamente de contradições; formulação de conceitos jurídicos
contidos no texto; elaboração de distinctiones; discussão das quaestiones relativas ao texto já
lidos e comentados.
Ars Inveniendi:
A metodologia dos glosadores e comentadores apresenta-se-nos como predominantemente
analítico-problemática.
O jurista medieval aproximou-se da lei com o intuito essencial de determinar os preceitos não
pela consideração da globalidade do ordenamento jurídico, mas vendo algo de imediato, uno,
dotado de individualidade, a apreender a si mesmo. É analítico, pois o dado a priori para o
jurista medieval não é o sistema, mas sim a norma singular.
Para o jurista medieval a solução não se obtinha através da subsunção do facto a uma norma
legal, mas pela ponderação de soluções possíveis, analisando o facto de todos os ângulos
possíveis, escolhendo a solutio mais adequado e perto da verdade (nunca uma verdade
absoluta), justificando e provando através de argumentos, daqui dizer-se que é um método
problemática, pois cada conclusão necessita de ser provada.
Trata-se de um método complexo uno, todavia faz-se uma divisão formal em 3 elementos por
razões pedagógicas e um para ser mais fácil de o entender. Divide-se, assim, em leges (textos),
rationes (razões/argumentos) e auctoritates (opiniões de quem tem auctoritas).
A ciência jurídica medieval parte e baseia-se em textos. O preceito encontra a sua expressão
num texto, num elemento escrito. Estes textos obedecem às regras da gramática, a ars pela
qual o espírito se exprime.
A gramática é entendida com um sentido diferente que tem hoje em dia. Quintiliano define-a
como a ciência de falar corretamente e interpretação dos poetas. Ora, sendo uma ciência tem
de obedecer e seguir regras. São estas que fazem com que a gramática seja universal, comum
a todas as línguas (“sabendo a gramática num idioma sabemo-la noutro”).
É possível distinguir duas vertentes da gramática: discritiva, que está relacionada com as regras
estéticas da gramática, que dominou até ao séc. XIII; e especulativa, que a partir do séc. XIII é
dada a conhecer e daí começa o seu reinado. Baseia-se nas regras universais, transcendendo-
se às regras da gramática descritiva. Através desta os juristas destruturam as regras da
gramática, tendo um carácter inovativo, mas ainda sendo possível entendê-la.
Era o conhecimento da gramática que permitia aos juristas ler e adaptar os textos de outras
línguas, levando à consideração lógica dos textos e dominado o seu significado literal e
espírito.
As rationes designam os argumentos de equidade, de direito natural, de oportunidade e de
lógica. Desde já trata-se de um elemento alegal, isto é, não depende da lei. Vão para lá do
texto e da lei, não ficam presos. Podem servir para construir base legal.
Eram argumentos utilizados pelos juristas para reforçar e justificar a sua solutio. Na teoria
eram a prova de uma solução provável, ou seja, algo que não é certo ou errado, verdadeiro ou
falso, mas que depende da argumentação e da prova e admite vários graus de probabilidade e
nunca estando excluída a probabilidade contrária.
Partindo do provável, o pensamento medieval teorizou duas vias: a dialética, que consiste na
arte da discussão entre iguais, como um debate controversístico. O jurista procura através das
suas proposições e argumentos conseguir a adesão do ouvinte para uma conclusão prática; a
retórica, a arte da persuasão. Apresenta-se como um discurso feito por um para todo um
auditório, de forma a persuadi-lo. Usavam-se não só argumentos puramente racionais, mas
também emotivos, valorativos, que também eram usados, embora em menor escala, na
dialética.
A sua eficácia depende principalmente da força dos argumentos. Só através destes obterá a
adesão dos destinatários.
Na filosofia grega a dialética era comparada a um punho fechado e a retórica a uma mão
aberta. Na época medieval a primeira é representada por uma mulher armada com um punhal
e a retórica como uma mulher sedutora. O contraste é claro. Enquanto a primeira está
preparada para entrar numa batalha de argumentos, a segunda para seduzir e aliciar e
convencer o auditório com argumentos.
Outra diferença entre ambos é que são muito mais conhecidos casos de uso de dialética do
que retórica. Lucas de Penna chega mesmo a denunciar o exagero da aplicação da dialética.
Tanto a dialética como a retórica, enquanto lógicas do provável, pressupõem e arrancam de
uma arte prévia e comum: a tópica, ou arte de encontrar argumentos. Liga-se ao domínio do
deliberativo e, portanto, a problemas que consentem mais de uma resposta. A consideração
da tópica do problema implica, então, o levantamento de todas as razões que ele é suscetível
de motivar. Há que encará-lo de todos os modos e lados. Traduz-se numa metodologia de
procurar encontrar as premissas da argumentação.
Por fim, as auctoritates são as opiniões daqueles que tem auctoritas.
Com o trabalho de múltiplos juristas começavam a surgir cada vez mais opiniões e divergentes
entre si. Isto gerou a necessidade de construir alguns critérios para trazer maior segurança,
para tentar chegar a uma opinião comum (commune opinium). O primeiro critério era
quantitativo, ou seja, a opinião comum será aquela que reúne maior número de juristas.
Depois, visto que o primeiro não teve os resultados pretendidos, criou-se o critério qualitativo,
definindo que importavam as opiniões dadas pelos melhores, os que têm mais auctoritas.
Surge o problema de aferir quem tem mais auctoritas. Para superar este entrave criou-se um
último critério, sendo um híbrido dos anteriores, que prevaleceu a partir do final do séc.
XIV/XV. Trata-se de um critério misto. Definia que deveria prevalecer a maioria qualificada, ou
seja, a maior quantidade de melhores.
A auctoritas funcionava como um elemento de legitimidade.
Estes 3 elementos estão sempre juntos, é um método uno e indivisível. Há uma conjugação
dos três elementos para a construção da solutio. Há que ser colocado um problema, que será
respondido através de textos e argumentos, para chegar a uma opinião que no fim irá conduzir
à solutio.