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A Escola dos Glosadores ter-se-ia iniciado com Irnério (princípios do século XII)

e terminado com Acúrsio, cuja obra máxima (a Magna Glosa ou,


simplesmente, Glosa) elaborada entre 1220 e 1234, se poderia tomar como
respectivo termo.

A escola dos Comentadores iniciou com as obras de Jaques de Révigny e de


Pierre de Bélaperche tendo atingido o apogeu nos séculos XIV, entrando em declínio
com a crítica dos humanistas (séculos XV e XVI).

– O verdadeiro renascimento do direito romano, quer dizer, o A escola dos


glosadores estudo sistemático e a divulgação, em largas dimensões, da obra
jurídica justinianeia, inicia-se apenas no século XII, com a Escola dos Glosadores.
Esta escola teve como fundador Irnério , um magister in artibus , a quem se
reconhece ter emancipado o estudo do direito, ter conferido o estudo do direito
autonomia em relação à dialéctica e a retórica, no qual até então se achava integrado.
Cabe-lhe também a glória de estudar os textos justinianeus no seu conjunto,
numa versão completa e originária, pois até ele, apenas se consideravam
algumas das respectivas partes dessa compilação.

A acção de Irnério possui ainda o dom de conduzir ao exame directo dos


textos, estudados até então – com excepço das Institutas – mediante resumos e
compêndios organizados para circunscritos fins.

Irnério trouxe para essa obra os conhecimentos gramáticos e dialécticos da sua


formação de mestre em artes liberais.

A Escola de Bolonha não nasceu logo como uma Universidade. Limitou-se a


construir, ao estilo do tempo, um pequeno centro de ensino baseado nas prelecçes de
Irnério – “a candeia do direito” (lucerna iuris), segundo o cognome que lhe
ficou. Este centro ia formando discípulos e o seu prestígio ia transpondo os
limites da cidade e da Itália. De toda a parte vinham estudantes em número
elevado. Paulatinamente a pequena escola transformou-se numa Universidade,
que era o pólo europeu de irradiação da ciência jurídica.

A obra escrita de Irnério compreende uma recolha de Quaestiones, um tratado


De Actionibus, um formulário notarial e numerosas glosas (explicaçes singulares de
temas, conceitos e passos de um escrito) feitas quer ao Código quer ao Digesto.

Entre os discípulos imediatos de Irnério, que morreu talvez em 1130,


destacam-se os chamados “quatro doutores”: Búlgaro, Martim de Gósia ,
Hugo e Jacobo . Em época mais tardia, sobressaem Placentino e Azo .

A todos avulta, porém Acúrsio , já na fase da decadência, que elaborou uma


colectânea em que sistematiza a obra dos doutores precedentes - a Magna Glosa,
Glosa Ordinária ou simplesmente Glosa -, formidável trabalho de compendiaço
das glosas dos seus predecessores ao Corpus Iuris Civilis que se estima
compreender 96000 delas, num acompanhamento contínuo do texto justinianeu.
Acúrsio incluiu, aliás, algumas glosas da sua própria autoria e conciliou textos
antagónicos.

A Escola de Bolonha recebe também o nome de Escola Irneriana e de


Escola dos Glosadores . A primeira em homenagem ao fundador, enquanto a
segunda deriva do método científico ou género literário fundamental utilizado por
Irnério e seus seguidores, que era a glosa.

Sistematização do Corpus Iuris Civilis adoptada pelos Glosadores:


Os glosadores estabeleceram uma divisão das várias partes do Corpus Iuris
Civilis diferente da originária.
Como já tínhamos referido aquando do estudo do Corpus Iuris Civilis este
era constituído por: O Código (Codex), colecço de leis dividida em doze livros,
promulgada em 529 e, depois emendada em 534; o Digesto ou Pandectas
promulgado em 533, constituído por iura (ou doutrina dos jurisconsultos) e
repartido em cinquenta livros; as Instituiçes (Instituitiones), por vezes também
chamadas Institutas – manual escolar para aprendizagem do direito a que foi
atribuída força legal em 533; e as Novelas (Novellae),
conjunto de constituições imperiais posteriores a Justiniano.

Essa nova sistematização feita pelos glosadores é devida a razões históricas e


didácticas: por um lado, as colectâneas justinianeias não foram conhecidas, no
seu conjunto, ao mesmo tempo. E, por outro lado, uma vez que tais colectâneas
tinham características e amplitude muito diversas, tornava-se necessário dividi-las
de modo a facilitar o seu ensino em cadeiras autónomas.

Os Glosadores dividiram as colectâneas justinianeias em cinco partes:

I – Digesto Velho (“Digestum vetus”) , que abrangia os livros I a XXIII e


os dois
primeiros títulos do livro XXIV do Digesto; (“Digestum infortiatum”),
II – Digesto Esforçad compreendendo os livros XXIV, este
desde o título III, inclusive, a XXXVIII do Digesto;
(“Digestum Novum”),
III – Digesto Novo integrado pelos livros XXXIX a L, ou seja, até
final do Digesto;
– Código (“Codex”), IV composto simplesmente pelos nove primeiros livros do
Código
Justinianeu, que tinha, como já se recordou, doze livros;

V – Volume Pequeno (“Volumen parvum” ou só “Volumen”), que incluía os


últimos (“Três Libri”), três livros do código justiniane as Instituiçes e uma
colectânea de “Authenticum” Novelas conhecida pelo nome de ; mais tarde,
foram-lhe acrescentadas certas fontes de direito feudal (“Libri Feudorum”) e
algumas constituiçes extravagantes de imperadores do Sacro Império Romano –
Germânico.

Método de Trabalho dos Glosadores O principal instrumento dos juristas


pertencentes a esta escola foi, como já tínhamos observado, a Glosa.

Consistia num processo de exegese textual. Cifrava-se, de início, num pequeno


esclarecimento imediato, normalmente, numa simples palavra ou expressão,
com o objectivo de tornar inteligível algum passo considerado obscuro ou de
interpretação duvidosa. Eram notas tão breves que se inseriam entre as linhas dos
manuscritos – glosas interlineares.

Com tempo, as interpretações tornaram-se mais completas e extensas. Passaram a


referir- se, também, não apenas a um trecho ou a um preceito, mas a todo um título.
Escreviam-se, por isso, na margem do texto – glosas marginais.

Quando era preciso ir mais longe, redigindo um texto contínuo que alcançava
as proporçes de um tratado teórico, chamava-se apparatus.

Foram ainda usados outro meios técnicos: as regulae iuris (também


designadas generalia e brocarda ), que eram definiçes que enunciavam de
forma sintética princípios ou dogmas jurídicos fundamentais, depois
normalmente reunidas em colectâneas;

Os casus , de início eram meras exemplificações de hipóteses concretas a que as


normas se aplicavam, mais tarde vindo a transformar-se em exposiçes interpretativas;

As dissenssiones dominorum , que davam a conhecer os entendimentos


diversos de autores consagrados sobre problemas jurídicos relevantes;

As quaestiones , através das quais, a propósito de casos jurídicos


controvertidos, se enunciavam os textos e as razões favoráveis e desfavoráveis
às soluções em confronto, (“solutio”); concluindo-se pela interpretação própria

As distinctiones , que se traduziam numa análise dos vários aspectos em que


o tema jurídico considerado podia ser decomposto;

As summae , podem definir-se como exposiço sistemática, feita com propósitos


compendiários e ao menos tendencialmente integrais, de uma parte, de um título
ou de um livro do CIC.

Trata-se de um género difícil, em que os Glosadores mais famosos, como os


filósofos e os teólogos, abordavam de maneira completa e sistemática certos
temas, superando a
“littera” que tinha representado o seu primitivo objecto de estudo.

Pode considerar-se que as glosas constituíram apenas um ponto de partida. Ao


lado delas, os Glosadores, consoante a sua preferência e o seu fôlego
dedicaram-se aos diferentes géneros literários que acabámos de referir.

Os Glosadores perante o texto do Corpus Iuris Civilis – Um aspecto


a pôr em destaque, a propósito do método de trabalho dos Glosadores, é o do
respeito quase sagrado que tinham pelo Corpus Iuris Civilis.
Estudaram-no com uma finalidade essencialmente prática: a de esclarecer as
respectivas normas de forma a poderem aplicá-las às situaçes concretas .
Todavia, nesse esforço interpretativo, os Glosadores nunca se desprenderam
suficientemente da letra dos preceitos romanos.
Os Glosadores encararam o Corpus Iuris Civilis como uma espécie de texto
revelado e, portanto, intangível. Eles deslumbravam-se com a perfeiço técnica dos
preceitos dessa colectânea, que consideravam a última palavra em matéria
legislativa.
O papel do jurista, nesta perspectiva, deveria reduzir-se ao esclarecimento dos
preceitos da colectânea justinianea com vista à soluço das hipóteses concretas
da vida. Não se procurava elaborar doutrina que superasse e muito menos
contrariasse as estatuições aí contidas.
É tradicional caracterizarem-se os Glosadores como simples exegetas dos textos
legais.
Eles tiveram, de facto, uma atitude tipicamente dogmática e legalista em face do
Corpus Iuris Civilis. Atribui-se-lhes, também, uma profunda ignorância nos
domínios filológico e histórico. Desconheceram as circunstâncias em que as
normas do direito romano haviam surgido; e isso levou-os, não raras vezes, a
interpretações inexactas ou à manutenço de princípios obsoletos perante as
realidades do tempo.
Os glosadores esgotaram-se na exegese dos textos, pois esta constituía a
metodologia natural, mas como vimos, a própria glosa sofreu uma evolução.
Porém, os juristas desta escola, esporadicamente, utilizaram o silogismo e
outros processos lógicos para da letra da lei chegar ao seu espírito. Aí se
reconhece já alguma influência escolástica.
A obra dos Glosadores foi significativa pois procuraram transformar o
conjunto de normas justinianeias, consabidamente inorgânico e diversificado,
num todo unitário e sistemático.
Mercê da sua actividade de exegese, de conciliaço de princípios e da
colaboraço de regras, os Glosadores chegaram a uma estrutura doutrinal de
conjunto. Criaram talvez a primeira dogmática jurídica autónoma da história
universal.
A Escola dos Glosadores teve o seu período áureo no século XII. Durante as
primeiras décadas do século XIII tornaram-se manifestos os sinais de
decadência da sua metodologia.
As finalidades que se propusera, as virtualidades do método exegético
estavam, pois, definitivamente esgotadas.
Já não se estudava directamente o texto da lei justinianeia, mas sim a glosa
respectiva.
Faziam-se glosas de glosas. Isto é, cada mestre acrescentava a sua própria glosa às
glosas anteriores.
Pelo segundo quartel do século XIII, Acúrsio, que viria a falecer antes de 1263,
ordenou esse enorme material caótico.
Procedeu a uma selecço das glosas anteriores relativas a todas as partes do Corpus
Iuris Civilis, conciliando ou apresentando criticamente as opiniões discordantes
mais credenciadas. Deste modo, surge a chamada Magna Glosa ou,
simplesmente, Glosa (exposiço crítica confrontando todas as glosas anteriores
sobre o CIC; compilação de todas as glosas, anteriormente produzidas), que
encerra o legado científico acumulado por gerações sucessivas de juristas.
Acúrsio, nascido em Florença, deve ser considerado um dos maiores
expoentes da Escola dos Glosadores. Justifica-se a difusão enorme que a sua obra
alcançou.
A partir daí, as cópias do Corpus Iuris Civilis apresentam-se acompanhadas da
glosa acursiana, contornando as folhas ou páginas.

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