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Sumários de Aula
Antonio Sá da Silva
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O conteúdo programático
A metodologia
A abordagem dos conteúdos em geral será iluminada pela utilização de obras filosófico-literárias que de modo
exemplar estimulem, por meio do diálogo com as personagens da obra, a reflexão acerca dos problemas
levantados pelo curso, conforme especificação no item seguinte.
A avaliação
Cada uma das provas da primeira e segunda unidade distribuirá os pontos da seguinte forma: 1,0 ponto para um
exercício jurídico-literário da obra que ilustrará os estudos de cada unidade; 3,0 pontos para um trabalho original,
feito em equipe e a partir de questões suscitadas pelos textos de apoio; 6,0 pontos para uma prova escrita que
conterá três questões objetivas valendo 1,0 ponto cada e uma questão dissertativa valendo 3,0 pontos.
Os critérios de correção das questões dissertativas serão a riqueza do conteúdo, a objetividade e a clareza do
texto, sendo certo que a resposta deverá conter, no máximo, 25 linhas; a correção dos trabalhos observará, para
além dos critérios firmados para a questão dissertativa, a pertinência entre a argumentação, o conteúdo da aula
referido e o caso pesquisado; esses trabalhos deverão ser entregues na data da prova e cada um deve ter entre
100 e 120 linhas (total) digitadas na fonte 12, Times; os exercícios jurídico-literários terão, cada um, dez questões
objetivas sobre a obra.
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PRIMEIRA UNIDADE: O DESAFIO HISTÓRICO DA INTERPRETAÇÃO NA ANTÍGONA, DE
SÓFOCLES
CAPÍTULO I: O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO E AS TEORIAS INTERPRETATIVAS NA
HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO OCIDENTAL
Textos 1: NEVES, António Castanheira. Método Jurídico. In: ______. Digesta: escritos
acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra
Editora, 1995, v. 2º, p. 283-336; NEVES, António Castanheira. Interpretação Jurídica. In:
______. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e
outros. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, v. 2º, p. 337-377; PALMER, Richard
E. Hermenêutica. Tradução Maria Luisa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006;
ATIENZA, Manuel. Las razones del derecho: teorias de la argumentación jurídica.
Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997; SOARES, Ricardo Maurício
Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
β. Haverá uma teoria que garanta uma intepretação clara e estável? A superação da tese
in claris non fit interpretatio. As interpretações legislativa, administrativa e judicial. As
interpretações histórica, filológica, sociológica e sistemática. Questões relativas à tradicional
diferenciação.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 338-341).
AULA 2: A NATUREZA CRIATIVA E JURISPRUDENCIAL DA INTERPRETAÇÃO NO DIREITO
ROMANO CLÁSSICO E RENASCENTISTA.
α. O contexto prático-interpretativo anterior ao da iurisprudentia.
Tudo começou decerto com o contributo do pensamento grego, mas longe de aí ter ficado
definido o que de essencial só veio depois. Os gregos não pensaram verdadeiramente o direito
na sua diferenciação específica, e não tiveram, justamente por isso, uma palavra para a denotação
de "direito" – invocavam Dike, que cumpre e controla os ditames de Themis (as themistes) numa alegoria
mitológico-filosófica (o mythos e logos ainda confundidos) que estava longe de pensar o direito e
apenas aludia a uma qualquer necessidade (metafísica) regulativa em geral. E assim continuou
até o fim, não obstante toda a evolução filosófica. A prática em geral era perspectivada por um
holismo ético-político em que o direito como tal, na sua diferenciação problemático-institucional,
se diluía. O problema era antes o problema da "justiça”, enquanto expressão intencionada da
ordem do ser (de novo o cosmos) metafisicamente pressuposta e inteligível como logos, não o
direito especificamente – a justiça como referência simultaneamente ontológica, ética, política, e
também, mas indiferenciadamente e decerto menos importante, jurídica. A essencial ou exclusiva
referência entre direito à justiça não é grega, não obstante Aristóteles, sequer romana, e sim
medieval (de S. Agostinho a S. Tomás) (NEVES, António Castanheira. Digesta: escritos acerca do
direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora,
2008, vol. 3º, p. 111 e seg.).
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Uma outra, e de todo distinta, estação foi a romana. Aí se afirmaria já nuclearmente o direito na bem
diferenciada "experiência jurídica", com base constitutiva em cinco pólos capitais. 1) a sua "Isolierung” (F.
Schulz) contextual – política, econômica, mesmo ética, não excluindo esta última a particular axiologia
diferenciadamente jurídica que os tria principia sintetizavam –, isolamento que a prática jurídica
manifestava e que apenas no séc. XIX a dogmática também jurídica de novo se propôs e teorizou; 2) o
problema especificamente jurídico – e a que a fórmula também de F. Schulz deu expressa acentuação: "in
the beginning was the case"; 3) o direito a encarnar em titularidades jurídicas (iura, res, actiones) num
contexto de respondere social; 4) a intencionalidade prático-normativa, a assumir a intersubjetividade e a
exprimir o sentido da justiça estritamente jurídica na fórmula agora de Cícero, suum cuique tribuere; 5) o
logos ou a racionalidade também especificamente jurídicos no juízo prudencial. E como resultado, o direito
como jurisprudentia, categoria e universo de pensamento autónomo referido também a uma classe sócio-
cultural diferenciada – juristas, não os filósofos, não obstante a leitura tivessem feito dos filósofos gregos.
O direito manifesta-se, pela primeira vez, nestes termos como uma entidade prático-cultural muito própria
que se subtrai ao normativismo ético-político grego enquanto uma muito distinta prática sócio-prudencial-
judicativa – o seu domínio não é o filosófico-especulativo e antes o sócio-jurisprudencial. E em que
manifestamente vai in nuce a problemática específica do direito no contexto global da experiência humana
– numa dialética entre autonomia e responsabilidade – e se constitui um sentido que traduz
intencionalmente a passagem do problema filosófico da liberdade transdeterminada ao problema prático da
liberdade autonomamente assumida responsabilizada no contexto social. Assim emerge um sentido
civilizacionalmente novo que começa constitutivamente a caracterizar, como uma sua dimensão específica,
também uma civilização (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 112 e seg.).
A crise do ius commune, visível já no século XV, irá acentuar-se com a emergência
do jusnaturalismo racionalista. Ao refutar a tradição, esta corrente mostra os seus intuitos
destruidores no que respeita aos princípios nucleares que constituem o cimento da formação
organizacional da ordem instituída. Começam a perfilar-se os pressupostos que irão
conduzir à ideia de código como um conjunto de normas simples, claras e autossuficientes,
impostas pelo Estado. A crença na capacidade intrínseca do homem põe em causa a
credibilidade dos velhos instrumentos metodológicos de obtenção da verdade (MARQUES,
Mário Reis. Codificação e paradigmas da modernidade. Coimbra: Edições do Autor, 2003,
p. 355)
β. Os dogmas do conceitualismo.
γ. As características especificadoras.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 213-214).
β. O “direito livre” como movimento (antes de uma nova escola) de busca do justo, antes e para
além do direito legislador.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 193).
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 194-195).
......
KELSEN
Unidade garantida pela
institucionalização dinâmica de um
processo normativamente estruturado
de aplicação-produção do direito [que
a ciência do direito reconstitui
analiticamente invocando a
pressuposição transcendental de uma
Grundnorm ou norma fundamental]”.
1. O Realismo Jurídico
2. A Escola de Frankfurt
A situação concreta na qual pensa Aristóteles, ao teorizar a ciência apodíctica, é aquela constituída por
um cientista, por exemplo um cultor de gometria que, já estando de posse da ciência em questão, se propõe
a expô-lo a outros, isto é, a ensiná-la. O discurso de tal cientista é, na essência, um monólogo, ainda que se
volte aos ouvintes, porque estes últimos não têm nada a dizer e devem somente aprender, isto é, ser ajudados
a ver com clareza o que lhes é ainda obscuro, por exemplo a verdade de determinado teorema. Demonstrar
significa, com efeito, essencialmente mostrar a verdade de alguma coisa a quem ignora, a partir da premissa
segundo a qual a verdade é, ao contrário, já conhecida a quem escuta; isto é, significa ensinar, no sentido
mais rigoroso do termo (BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Tradução Dion Davi Macedo. São Paulo
Loyola, 1998, p. 11).
Por fim, ele conclui especificando que nem a dialética nem a peirástica são propriamente ciências, isto
é, fazem verdadeiras demonstrações, porque se ocupam de tudo e procedem por meio de perguntas,
ambas coisas incompatíveis com o demonstrar (171a11-b1). Constituem, portanto, uma forma de
racionalidade específica, em tudo independente daquela constituída pela ciência apodíctica (o que
significa a longa exposição que lhe dedicamos). Isso não exclui, todavia, como logo veremos, que a
dialética possa ser usada também pela ciência, o que a torna particularmente interessante do ponto de
vista filosófico (BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles, cit., p. 31).
Consequentemente, são conclusões dialéticas, aquelas que têm como premissas opiniões
respeitadas [acreditáveis] e verossímeis, das quais se possa presumir a aceitação (endoxa). Porém,
endoxa são aquelas proposições – afirma Aristóteles – que como tais “parecem verdadeiras a todos
ou a maior parte ou aos sábios e, também, entre os sábios a todos e a maior parte dos mais
conhecidos e respeitados” (Top. I. I, 5, 3). Aristóteles parte, portanto, da afirmação de que a tópica
tem por seu objeto conclusões que decorrem de premissas que parecem verdadeiras com base numa
opinião respeitável. Não é difícil de se supor como será desenvolvido adiante o pensamento.
Considerando-se que depende da natureza das premissas – que são as bases sobre as quais se ilustra
um juízo – pertence a elas todo o seu interesse. A tentativa de classificá-las numa ampla medida
se encontra a seguir. Assim o faz Aristóteles. Ele considera que toda disputa surge das proposições,
nas quais se encontram problemas e, toda proposição e problema se referem ou a um acidente, ou
ao gênero, ou ao proprium ou à definição (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma
contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Tradução Kelly Susane Alflen
da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 2008, p. 24).
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Frente a la ley vigente uno vive en la idea natural de que su sentido jurídico es unívoco e que la praxis
jurídica del presente se limita a seguir simplemente su sentido original. Y si esto fuese siempre así no habría
razón para distinguir entre sentido jurídico y sentido histórico de una ley. El mismo jurista no tendría como
tarea hermenéutica sino la de comprovar el sentido originário de la ley y aplicarlo como correcto. El propio
Savigny em 1840 entiende la tarea de la hermenéutica jurídica como puramente histórica (em el System des
römischen Recbts). Igual que Schleiermacher no veía problema alguno en que el intérprete se equipare com
el lector ariginario, también Savigny ignora la tensión entre sentido jurídico originário y actual.
El tempo se ha encargado de demostrar con suficiente claridade hasta qué punto esto es juridicamente
uma ficción insostenible. Ernst Forsthoff há mostrado en una valiosa investigación que por razones
estrictamente jurídicas es necesário reflexionar sobre el cambio histórico de las cosas, pues sólo éste permite
distinguir entre sí el sentido original del contenido de uma ley y el que se aplica em la praxis jurídica. Es
verdade que el jurista siempre se refiere a la ley em sí misma. Pero su contenido normativo tiene que
determinarse respecto al caso al que se trata de aplicarla. Y para determinar con axactitud este contenido
normativo no se puede prescindir de un conocimiento histórico del sentido originário; por esso el intérprete
jurídico tiene que implicar el valor posicional histórico que conviene a una ley em virtude del acto
legislador. Sin embargo no puede sujetarse a lo que, por ejemplo, los protocolos parlamentários le
enseñarían respecto a la intencion de los que elaboraron la ley. Por el contrario está obligado a admitir que
las circunstancias han ido cambiando y que en consecuencia la funcion normativa de la ley tiene que ir
determinándose de nuevo (GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método: fundamentos de uma hermenéutica
filosófica. Tradujeron Ana Agud Aparicio y Rafael Agapito. Salamanca: Sígueme,1977, p. 398 e seg.).
A tópico-retórica [...] bem se sabe que é um pensar dialéctico de problemas práticos (controvérsias práticas)
que mobiliza as referências prático-culturais comungadas pelos membros esclarecidos e razoáveis de uma
certa comunidade histórica e tidas também por eles como critérios relevantes e adequados para problemas
concretos desse tipo (os topoi, os locii comuni), em ordem a operar com esses critérios segundo uma
argumentativa dialéctica inveniendi (ars inveniendi) situacionalmente pragmática em que participam os
interessados no problema e com o objetivo de um consensus (consensus-solução) que essa dialéctica
possibilite. A perspectiva argumentativa – com base quer na teoria da argumentação [...] quer na “teoria do
discurso prático” (trabalhado de modo especial por HABERMAS) e em renovadas reflexões sobre a “razão
prática” [...], quer mesmo na última filosofia linguística de sentido pragmático de WITTGENSTEIN –
acentua particularmente a estrutura discursiva, as condições, os princípios e as regras da argumentação e
bem assim os tipos desta. Mas acabam por convergir – embora com maior peso dado pela tópica ao
problema, aos critérios e à pragmática inveniendi, e pela argumentação ao discurso, aos princípios e às
regras da dialética – não apenas no consensus que ambas intencionalmente visam, como último critério de
validade, mas ainda na circunstância de a tópica implicar uma argumentação no actuar da sua dialéctica e
a argumentação uma tópica na procura dos seus argumentos (NEVES, A Castanheira. Metodologia
Jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 72).
A lógica se ocupa da solidez das alegações que fazemos – da solidez dos fundamentos que
produzimos para apoiar nossas alegações, da firmeza do suporte que lhes damos – ou, para
trocar de metáfora, com o tipo de precedente (no sentido em que os advogados usam este termo)
que apresentamos em defesa de nossas alegações. A analogia com o Direito, implícita neste
modo de expor os problemas, pode, desta vez, ser muito útil. Assim, deixemos de lado a
Psicologia, a Sociologia, a tecnologia e a Matemática, ignoremos os ecos da engenharia
estrutural e da collage nas palavras “fundamentos” e “suporte”, e tomemos a jurisprudência
generalizada. Os argumentos podem ser comparados a processos judiciais; e as alegações que
fazemos e os argumentos que usamos para “defende-las”, em contexto extra-legais, são como
as alegações que as partes apresentam nos tribunais; e os casos que oferecemos para provar
cada uma de nossas alegações são jurisprudência consagrada – para a lógica, num caso, e para
o Direito, no outro. Uma das principais funções da jurisprudência é garantir que se conserve o
que é essencial no processo legal: os procedimentos pelos quais as alegações devem ser
apresentadas em juízo, discutidas e estabelecidas, e as categorias segundo as quais se devem
apresentar, discutir e estabelecer as alegações. Nossa investigação visa a um objetivo
semelhante: temos de caracterizar o que se pode chamar de “ o processo racional” – os
procedimentos e as categorias mediante os quais se podem discutir e decidir todas as “causas”
(TOULMIN, Stephen E. Os usos do argumento. Tradução Reinaldo Guarany e Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 9).
A tentativa de expressar princípios para a ação pertence ao terreno da argumentação voltada para as
questões práticas da vida. Ela se interessa pela orientação de decisões, julgamentos, avaliações e
tudo o mais. Isso não quer dizer que todas as nossas razões para agir sejam baseadas em princípios,
nem que as pessoas não costumem agir de modo meramente impulsivo. Contudo, na medida em que,
pelo menos às vezes, agirmos e julgarmos com base em princípios em vez de por alguma razão ad
hoc, é nossa natureza racional tanto quanto de fato nossa natureza afetiva que se manifesta nesse
ato. É isso o que ocorre mesmo que se deva admitir que a afetividade, no mínimo tanto quanto a
racionalidade, está envolvida em nossa adesão a alguns princípios específicos de preferência a outros
(MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução Waldéa Barcellos. São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 8).
A questão de como se distingue a argumentação jurídica da argumentação prática geral é uma das questões centrais
da teoria do discurso jurídico. Aqui se pode estabelecer um ponto: a argumentação jurídica se caracteriza pela
vinculação ao direito vigente (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como
teoria da justificação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2008, p. 210).
O núcleo da tese do caso especial consiste por isso em sustentar que a pretensão de correção também se formula
no discurso jurídico; mas esta pretensão, diferentemente do que ocorre no discurso prático geral, não se refere à
racionalidade das proposições normativas em questão, mas somente a que, no ordenamento jurídico vigente, possam
ser racionalmente fundamentadas (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 217).
AULA 11: A QUESTÃO DOS “JOGOS DE LINGUAGEM” E DOS FALSOS LITÍGIOS: REFLEXÕES
SOBRE WITTGENSTEIN E LYOTARD.
(LYOTARD, Jean-François. La diferencia. Tradução Alberto L. Bixio. Barcelona: Gedisa Editorial, 1999, p. 175).
(LYOTARD, Jean-François. La diferencia, cit., p. 129).
Entre os graves problemas de que tratamos aqui, existe aquele do estrangeiro que, desajeitado
ao falar a língua, sempre se arrisca a ficar sem defesa diante do direito do país que o acolhe ou
que o expulsa; o estrangeiro é, antes de tudo, estranho à língua do direito na qual está
formulado o dever de hospitalidade, o direito ao asilo, seus limites, suas normas, sua política,
etc. Ele deve pedir a hospitalidade numa língua que, por definição, não é a sua, aquela imposta
pelo dono da casa, o hospedeiro, o rei, o senhor, o poder, a nação, o Estado, o pai, etc. Estes
lhe impõem a tradução em sua própria língua, e esta é a primeira violência. A questão da
hospitalidade começa aqui: devemos pedir ao estrangeiro que nos compreenda, que fale nossa
línhua, em todas as extensões possíveis, antes e a fim de poder acolhê-lo entre nós? Se ele já
falasse a nossa língua, com tudo o que isso implica, se nós já compartilhássemos tudo o que se
compartilha com uma língua, o estrangeiro continuaria sendo um estrangeiro e dir-se-ia, a
propósito dele, em asilo e em hospitalidade? É este paradoxo que vamos precisar) (DERRIDA,
Jacques; DUFOURMANTELLE, Anne. Da hospitalidade. Tradução Antonio Romane. São Paulo:
Escuta, 2003, p. 15).
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Levinas habla de un derecho infinito: en eso que él denomina el «humanismo judío» cuya base
no es el «concepto de hombre» sino el del otro; «l’étendue du droit d’autrui» es «un droit
pratiquement infini**» («Un droit infini», in Du sacré au Saint. Cinq Nouvelles Lectures
Talmudiques, pp. 17-18). La equidad, aquí, no es la igualdad, la proporcionalidad calculada, la
distribución equitable o la justicia distributiva, sino la disimetría absoluta. La noción levinasiana
de la justicia se acercaría más bien al equivalente hebreo de lo que nosotros traduciríamos quizás
como santidade dominante (DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley: el “fundamento místico de la
autoridade”. Traducción Adolfo Barberá y Antonio Peñalver. Doxa. Alicante, nº 11, p. 148).
“[DERRIDA] Por certo a tolerância é antes de mais nada uma forma de caridade. Uma caridade
cristã, portanto, ainda que judeus e muçulmanos pudessem parecer se apropriar dessa
linguagem também. A tolerância está sempre do lado da “razão dos mais fortes”, onde o “poder
está certo”; é uma marca suplementar de soberania, a boa face da soberania, que fala ao outro
sobre a posição elevada do poder, estou deixando que você exista, você não é aceitável, estou
lhe deixando um lugar em meu lar, mas não se esqueça de que este é o meu lar...” (BORRADORI,
Giovanna. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Tradução Roberto Muggiati.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 137).
Pero más allá de su principio y de su resorte, esta pensée pascaliana se refiere quizás a una
estructura más intrínseca que una crítica de la ideología jurídica no podría nunca desatender. El
surgimiento mismo de la justicia y del derecho, el momento instituyente, fundador y justificador
del derecho implica una fuerza performativa, es decir siempre una fuerza interpretativa: esta vez
no en el sentido de que el derecho estaría al servicio de la fuerza, instrumento dócil, servil y por
tanto exterior, sino en el sentido de que el derecho tendría una relación más interna y compleja
con lo que se llama fuerza, poder o violencia. La justicia en el sentido del derecho (right or law)
no estaría simplemente al servicio de una fuerza o de un poder social, por ejemplo económico,
político o ideológico que existiría fuera de ésta o antes que ésta y al que la misma debería
someterse o con el que debería ponerse de acuerdo, según la utilidad. El momento mismo de
fundación o de institución (que por otra parte no es nunca un momento inscrito en el tejido
homogéneo de una historia, puesto que lo que hace es rasgarlo con una decisión), la operación
que consiste en fundar, inaugurar, justificar el derecho, hacer la ley, consistiría en un golpe de
fuerza, en una violencia performativa y por tanto interpretativa que no es justa o injusta, y que
ninguna justicia ni ningún derecho previo y anteriormente fundante, ninguna fundación
preexistente podría garantizar, contradecir o invalidar por definición. Ningún discurso
justificador puede ni debe asegurar el papel de metalenguaje con relación a la performatividad
del leguaje instituyente o a su interpretación dominante (DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley, cit.,
p. 139).
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La deconstrucción está comprometida con esta exigencia de justicia infinita que puede
tomar el aspecto de la «mística» de la que hablaba hace un momento. Hay que ser
justo con la justicia, y la primera justicia que debe ser hecha es la de escuchar, leer,
interpretar intentar comprender de dónde viene aquella, qué es lo que quiere de
nosotros, sabiendo que ella lo hace a través de idiomas singulares (Diké, Jus, justitia,
justice, Gerechtigkeit, por limitarnos a idiomas europeos que sería también necesario
delimitar a través o a partir de otros; volveremos sobre esto) y sabiendo también que
esta justicia se dirige siempre a singularidades, a la singularidad del otro, a pesar, o en
razón mismo de su pretensión de universalidade dominante (DERRIDA, Jacques.
Fuerza de ley, cit., p. 145-146).
The encounter between deconstruction and justice has changed both parties; yet, of the two,
deconstruction appears to be the more transformed. If deconstructive practice is to be of any
use to the questiono f justice, it must become a transcendental deconstruction. It must
Exchange the logico f the infinite for that of the indefinite. It must act in the servisse of human
values that go beyond culture, convention, and law. It must recognize the chasm that
differentiates human value from articulated conceptions of it, and it must identify
Deconstruction with that chasm. Finally, one must understand deconstructive practice as a
rhetorical practice that employes Deconstruction but is not identifical to it. Because
deconstructive practice is a practice, it is repeatable, teachable, and alterable like any other
human convention. Because it is rethorical, it can be used for good good or for ill (BALKIN,
Jack M. Deconstructive practice and legal theory. Disponível em:
<http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 12 Jan. 2017, p. 66).
β. O direito como jogo e a definição de uma teoria dos jogos aplicada ao direito: a origem
matemática, a plicação nos campos das ciências naturais e sociais e os paradigmáticos exemplos
do “dilema do prisioneiro” e do “equilíbrio de Nash”.
(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 15).
Game theory can be applied in legal analysis in a descriptive and normative manner. In its descriptive
usage game theory is treated as a tool for explaining and thereby predicting human behaviour, and in its
normative usage – as a tool for determining the content of normative concepts, especially, the concept
of justice. Given that game theory can be applied both in the area of legal philosophy and legal dogmatics,
one can distinguish four ways of applying game theory in legal analysis: (a) normative in legal philosophy,
(b) normative in legal dogmatics, (c) descriptive in legal dogmatics, (d) descriptive in legal philosophy
(ZALUSKI, Wojciech. Game Theory and Legal Interpretation. Disponível em:
<http://www.tilburguniversity.edu/upload/5a203de0-74c2-425a-bf99-3ed1fcd6da81_paper-
WZaluski.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017).
The Athenian's game dominates the city. Everything in the city is based on
it and sustains it. The rules of the game come from nature—from human
nature and the nature of things—so long as nature, in turn, is understood as
a second game, played by the gods. The city can have laws only because
the gods are playful. It does have laws because certain divine men are play-
ful as well. At the core of both games, the human game of law and the divine
game of nature, is intelligence or god. Intelligence leads both the gods and
men to create law. [...] Both the Athenian and modern game theorists are
interested in the same question: Under what circumstances is maximizing,
rational behavior possible in conditions of strategic interaction?
(JACOBSON, Arthur J. Origins of the game theory of law and the linits of
harmony in Plato’s Laws. Cardozo Law Review. New York, v. 20,
1998/1999, p. 1397).
Um processo diante de um juiz é enfocado por cada parte com uma estratégia diferente com o objeto de
levar a decisão ao terreno do benefício próprio ou da parte representada. Um advogado sabe que tem
que preparar, para a defesa de seu cliente, uma estratégia, basicamente argumentativa, que contradiga
a elaborada pela parte oposta, de tal modo que as probabilidades de êxito, pelo menos de êxito relativo,
sejam maiores que as de fracasso. Na estratégia o papel mais importante é a informação correta, tanto
em relação à própria situação e capacidade, quanto às do oponente (ROBLES, Gregorio. As regras do
direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Tradução Polyana Mayer. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 13).
Espero que meus ouvintes concordem que introduzi o autor empírico neste jogo só para
enfatizar sua irrelevância e reafirmar os direitos do texto.
δ. A dialética do texto com o leitor, a ideia de intepretação e a intentio operis: a noção de texto e
sua natureza lacunosa, os direitos do texto e do autor e as condições de leitura.
AULA 18: O PRAGMATISMO INTERPRETATIVO DE RICHARD RORTY.
α. A recusa da distinção entre natureza e cultura, linguagem e fato, assim como do paradigma
interpretativo do conhecimento como representação: a inexistência de métodos que decifrem os
códigos secretos de leitura ou a metafísica oculta por trás de sua criação.
β. A inutilidade de qualquer crítica que pretenda se erguer acima do propósito do texto: a crítica
ao estruturalismo e ao pós-estruturalismo e a tese de que o texto se serve da linguagem comum
para sugerir como o leitor deve agir.
γ. A improdutiva diferenciação entre usar e interpretar um texto e o apelo ao “leitor ironista” capaz
de modificar (permanentemente) seu “vocabulário final”: o que faz o leitor nominalista-historicista.
δ. A distinção entre sermos mais autônomos e sermos menos cruéis como o melhor uso que
podemos fazer de um texto: as exigências de um leitor “ironista liberal” e a diferença entre
interpretação metódica e interpretação inspirada.
AULA 19: O DIREITO COMO INTERPRETAÇÃO E HIPÓTESE ESTÉTICA NO “ROMANCE EM
CADEIA” DE RONALD DWORKIN.
Na ética ou Axiologia, o utilitarismo – também ele uma renovação do eudemonismo do século XVIII
– é a sua doutrina mais característica. BENTHAM é aqui, sabe-se, o representante típico, britânico,
da doutrina positivista. A moralidade da acção não se afere pela atitude espiritual interna do
agente, como queria KANT, mas pelo seu êxito, segundo o maior ou menor grau de bem entendido
prazer que ela provoca no sujeito moral (hedonismo). A ética é, portanto, a regulamentação
científica e inteligente do egoísmo, a aritmética do prazer. É HOBBES reeditado, correcto e
aumentado, e através dele o sábio EPICURO ressuscitado. No direito e no Estado, a mesma
concepção eudemonista, ou mais individualista ou mais social, mas ainda, quando mais social,
sempre essencialmente mecânica e atomística: o Estado ao serviço do bem-estar dos indivíduos
(MONCADA, L. Cabral de. Filosofia do direito e do estado. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, vol.
1, p. 312 e seg.).
_____
(α) De tal modo que o projecto da societas seja aquele que, permanecendo fiel à
narrativa de uma criação ex nihilo e ao homem desvinculado (“independente de toda e
qualquer tradição”) que por ela se responsabiliza — se não mesmo ao status naturalis e (ou)
à original position (universalmente representados) que a tornam possível —, nos incita a
descobrir na emancipação lograda dos interesses e na equivalência (ou mesmo na
comensurabilidade quantitativa) dos fins — mas também na redução dos referentes (e dos
critérios) materiais a um acervo de afirmações de preferência (subjectivamente
experimentadas) — as coordenadas decisivas do seu problema (e da ordem que o assimila).
Mas então também aquele que encontra a resposta instituinte (capaz de hierarquizar estes
interesses, fins ou preferências) num processo-modelo de decisão — e no artefacto sócio-
político que legitima colectivamente esta decisão (e a cadeia de decisões em que esta se
integra).
Pode acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, seja,
em certos casos, rigorosa demais. Mas os juízes de nação são apenas, como
dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não
podem nem moderar a força nem o rigos dessas palavras (MONTESQUIEU. Do
espírito das leis. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret,
2010, p. 175).
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Era também característico da teoria tradicional da I.J [interpretação jurídica] a formal discriminação
metodológica de interpretação e aplicação, por um lado, e de interpretação e integração, por outro
lado, considerando-as operações discretas e distintas umas das outras. E também aqui a índole
problemática-concreta e prático-normativa da I. J. impõe a superação deste esquema discriminatório
(NEVES, António Castanheira. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, vol. 2º, p. 370).
A ciência jurídica tem por missão conhecer – de fora, por assim dizer – o Direito e descrevê-lo com
base no seu conhecimento. Os órgãos jurídicos têm – como autoridade jurídica – antes de tudo por
missão produzir o Direito para que ele possa então ser conhecido e descrito pela ciência jurídica. É
certo que também os órgãos aplicadores do Direito têm de conhecer – de dentro, por assim dizer –
primeiramente o Direito a aplicar. O legislador, que, na sua atividade própria, aplica a Constituição,
deve conhecê-la; e igualmente o juiz, que aplica as leis, deve conhecê-las. O conhecimento, porém, não
é o essencial: é apenas o estádio preparatório da sua função que, como adiante melhor se mostrará, é
simultaneamente – não só no caso do legislador como também no do juiz – produção jurídica: o
estabelecimento de uma norma jurídica geral – por parte do legislador – ou a fixação de uma norma
jurídica individual – por parte do juiz.
Também é verdade que, no sentido da teoria do conhecimento de Kant, a ciência jurídica como
conhecimento do Direito, assim como todo o conhecimento, tem caráter constitutivo e, por
conseguinte, “produz” o seu objeto na medida em que o apreende como um todo com sentido. Assim
como o caos das sensações só através do conhecimento ordenador da ciência se transforma em cosmos,
isto é, em natureza como sistema unitário, assim também a pluralidade das normas jurídicas gerais e
individuais postas pelos órgãos jurídicos, isto é, o material dado à ciência do Direito, só através do
conhecimento da ciência jurídica se transforma num sistema unitário isento de contradições, ou seja,
numa ordem jurídica. Esta “produção”, porém, tem um puro caráter teorético ou gnoseológico. Ela é
algo completamente diferente da produção de objetos de trabalho humano ou da produção do direito
pela autoridade jurídica (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado.
7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 81-82).
Em lo que atañe a la función, se puede determinar que el derecho opera normativamente clausurado y,
al mismo tempo, cognitivamente abierto [...] Por lo tanto, “abierto cognitivamente” no significa outra cosa
que el sistema general as informaciones correspondientes desde la posición de la heterorreferencia y
atribuye a diferencias situadas em el entorno (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 133 e
141).
β. A irreversível situação de entropia social hoje vivida e a concepção de direito positivo como
resposta estabilizadora de pretensões (mediante códigos binários e próprios ao modo
lícito/ilícito e de sim/não).
│Como se aprecia, se han producido innumerables teorias jurídicas, pero
ninguna teoria del derecho. Se há llegado a la representación casuística por
médio de teorias referidas a problemas específicos, pero no se há llegado a um
entendimento apropriado del derecho como uma unidad que se produce a sí
misma. El resultado há sido la existência de multiplicidade de teorias, pero no
uma autorrepresentación del derecho como derecho (LUHMANN, Niklas. El
derecho de la sociedade, cit., p. 73).│
γ. O abandono da concepção clássica de justiça: da resposta ao apelo exterior à lei (ou à metalei)
no paradigma clássico ao exercício de adequação da complexidade do direito à complexidade
social.
Devemos, em primeiro lugar, considerar que o funcionalismo que nos nossos dias está
a atingir tão fortemente o pensamento jurídico, como que numa diferente
recompreensão do direito, não deixa de ser a expressão final, e justamente no universo
jurídico, de certa atitude da cultura europeia que se começou a forjar também no
pensamento moderno, em ruptura com o paradigma cultural clássico, e que se
radicalizou no nosso século (NEVES, A. Castanheira. Teoria do direito: lições
proferidas no ano lectivo de 1998/1999. Coimbra: Policopiado, 1998, p. 128).
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En el hábito que desarolla la profesión se puede observar, a veces, una cierta distancia
ironica hacia las ideas y los medios de la argumentacion, a la par de una esmerada
atención fijada en aquello que, en última instancia, es lo que verdaderamente soporta
la decisión: usos del tribunal, tradición. Las razones últimas son siempre, pues, las
penúltimas (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 471).
E uma palavra também quanto ao funcionalismo sistêmico, que renunciando a uma regulação material da
sociedade (seja finalística, seja consequencial), dada a sua complexidade e a pluralidade dos seus pólos
auto-organizatórios e auto-poiéticos, vê no direito só um subsistema social, seletivo e estabilizador de
expectativas, numa organização estruturalmente invariante e de intencionalidade auto-referente,
segundo um código binário lícito/ilícito, legal/ilegal, que reduziria aquela complexidade em termos de um
mero sistematizador da contingência continuamente reconstruído numa circularidade recursiva (NEVES,
António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 184 e seg.).
γ. A vinculação ao direito vigente (o direito positivo) e a sua compreensão, com o auxílio dos
conceitos e instituições oferecidos pela da dogmática jurídica, a partir de sua função: montando
sentinela junto ao sistema social e garantindo a estabilização programada pela norma.
De maneira distinta, nuestra teoria parte de la afirmación de que el sistema del derecho es um sistema
parcial (subsistema) del sistema de la sociedade. Por eso, los análisis próximos se compreenden también
como uma contribución a la teoria de la sociedade. De la misma manera, em abierto contraste com los
análisis científicos usuales sobre el derecho, no interessan en primer lugar las influencias que ejerce las
sociedade sobre el derecho (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 88).
V.5. A superação dos juízos morais e políticos da jurisdição e a sua substituição por modelo de
engenharia: o esforço de harmonização-maximização dos interesses como único recurso capaz
de fazer frente à complexidade social do nosso tempo.
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Los juristas mismos tienden em la actualidad a tomar uma sana distancia. Enjuician las construcciones
jurídicas a partir de sus consecuencias; es decir, a partir de la pregunta: y qué se gana com ello. Es claro
que la respuesta no la podrían obtener si sólo admitieran las consecuencias empíricas; porque orientarse
por las consecuencias no es outra cosa que um indicador de la positividade del derecho: competência de
decidir según la propia valoración. De cualquier manera esto no es ningún principio generador de teoria
(LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Traducción Javier Torres Nafarate et alii. México:
Universidad Iberoamericana, 2002, p. 71)
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Quanto ao direito em si, consideremos o modelo que HANS ALBERT,
assumindo as sugestões de POPPER, propõe para uma por ele dita pratica
racional. Trata-se, no fundo, da aplicação ao domínio jurídico-social do
modelo epistemológico, e de racionalidade, definido pelo racionalismo
crítico. Segundo esse modelo, como se sabe, a ciência é a resolução dos
problemas pela formulação de hipóteses sistematicamente explicativas
(teóricas), sujeitas não a uma directa comprovação ou verificação (que seria
impossível, por razões que aqui não relevam), mas a uma crítica falsificação
(invalidação) através de experiências decisivas que solicitariam outras
hipóteses-explicações alternativas com que as primeiras se haviam de
confrontar (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 56).
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V.7. O exame crítico e o método heurístico de pesquisa judicial: a iniludível falibilidade das
decisões judiciais e os princípios da congruência, realizabilidade e explicabilidade das escolhas.
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Totalmente independente da questão de como se deve conceber a Ciência Jurídica exercida nas
faculdades jurídicas, pode-se examinar a questão da possibilidade de uma disciplina social-tecnológica,
que trata do problema da ordem social, incluindo também o direito como componente central de tal
ordem em uma sociedade moderna. Tal disciplina tecnológica, já mencionada, deve se aproveitar dos
conhecimentos das respectivas ciências reais teóricas e históricas acerca dos contextos de atuação social
e, a partir deles, obter enunciados sobre possibilidades da ação humana capazes de servir de base para
decisões. Evidentemente, não se podem derivar as respectivas decisões de tais enunciados mediante
dedução lógica (ALBERT, Hans. O direito à luz do racionalismo crítico, cit., p. 129).
Por sua vez, a antinomia rules/values consubstancia o argumento central dos Criticals Legal
Studies para a impossibilidade da neutralidade jurídica. A neutralidade política do direito
encontrar-se-ia afectada pelas concepções de valor e de justiça defendidas pelos diferentes
grupos numa sociedade plural, independentemente dos procedimentos adoptados na
constituição e mobilização prática dos critérios jurídicos. Assim, a neutralidade jurídica
aparece, desde logo, condicionada pela antinomia rules/principles, que implicaria que a
interpretação jurídica nunca lograsse manter-se alheia à diversidade concepções
normativas que se debatem numa sociedade pluralista (GAUDÊNCIO, Ana Margarida
Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 58 e seg.).
Para corrigir esse problema, a sociedade civil pode adquirir elementos de uma
organização de direito público. Tal estrutura pode ser organizada com
fundamento em vizinhança, trabalho ou preocupações e responsabilidades
compartilhadas. Pode criar normas e redes de vida em grupo fora do Estado,
paralelas ao Estado e inteiramente livres de influência ou tutela estatal.
Grupos e movimentos diferentes podem competir por uma posição nesses
múltiplos arranjos da sociedade civil da mesma forma que partidos políticos
competem por um lugar no governo. Assim, teríamos enfim logrado êxito em
conferir conteúdo prático e progressivo a uma das ambições do pensamento
jurídico europeu do período entreguerras – a ambição do desenvolver um
direito social distinto tanto do direito do Estado como do direito da iniciativa
privada. Em tal direito, a prática fortalecedora de associação voluntária
encontraria um lar adequado (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o
futuro da democracia, cit., p. 30).
Mesmo que o juiz escolha sensatamente a linha do avanço democrático, descobre mais que
freqüentemente que a sua deficiência de poder e legitimidade o impede de lidar com as estruturas
institucionalizadas de onde a maior parte da desigualdade e exclusão se origina, que a fuga de causas
últimas é logo tratada com a sua santificação; que seus benefícios acabam desviados para os
segmentos não merecedores de grupos merecedores; que sua arrogância e casuísmo ajudam a
manter aqueles em situação de desvantagem desorganizados e divididos; e que os efeitos práticos
sejam tão ínfimos quanto a intervenção corretiva é ruidosa. Além disso, usar qualquer litígio concreto
para levar a história para frente pode, com freqüência, corromper o ideal de preocupação com as
pessoas, bem como o ideal de autogoverno popular, ao subordinar os problemas dos litigantes às
aspirações de uma providência togada (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 146).
O cerne da maior parte da análise jurídica num contexto de aplicação do direito deveria e deve ser a
prática do raciocínio analógico orientado contextualmente na interpretação de leis e decisões judiciais
passadas. Esse raciocínio analógico deve ser guiado pela atribuição de fins aos materiais
interpretados, uma determinação que pode com frequência permanecer implícita em situações de
práticas estabelecidas, mas que deve ser trazida a lume sempre que significados e objetivos são
contestados. Os objetivos precisam ser explicados quando contestados de fato, na experiência mais
ampla da sociedade e da cultura e nas circunstâncias de vida dos litigantes, em vez de apenas pelos
advogados em juízo (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 142).
Não existe tal coisa como o “raciocínio jurídico”: uma parte imutável de um corpo imaginário de formas
de investigação e discurso, dotado de um núcleo permanente de alcance e método. O que temos são
apenas estruturas institucionais historicamente localizadas e discussões historicamente localizadas.
Não faz sentido perguntar "Que é a análise jurídica?", como se o discurso (dos profissionais do direito)
a respeito do direito tivesse uma essência imutável. Ao lidar com esse discurso, o que podemos
corretamente perguntar é “Sob que forma o recebemos e no que devemos transformá-lo?”. Neste livro,
sustento que hoje podemos e devemos transformá-lo num diário logo continuado sobre nossas
estruturas (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 53 e seg.).
A prática da análise jurídica construída a partir dessa perspectiva teórica goza, atualmente, de grande
e crescente influência. Ela pode dominar apenas uma pequena parcela do discurso prático dos
advogados e juízes de instâncias inferiores, absorvidos com o propósito de evitar conflitos, controlar
a violência e mediar acordos. Não obstante, está começando a ocupar o principal espaço imaginativo
em que as elites do judiciário e as elites acadêmicas e profissionais do direito discutem o direito e
desenvolvem seu conhecimento prático e aplicado. No mínimo, ela evita que uma conceituação
alternativa do direito tome esse espaço e exerça essa influência (UNGER, Roberto Mangueira. O
direito e o futuro da democracia, cit., p. 55).
γ. A estrutura complexa da consciência jurídica: da invenção do método jurídico no séc. XIX para
a teoria racionalizadora do direito e desta para uma “reinterpretação tática do direito”.
A questão da decisão judicial não merece tal privilégio. O privilégio encobre acertos indefensáveis
e antidemocrático assumidos de antemão, e sua continuidade ajuda a interromper o progresso
da teoria jurídica. De forma específica, o privilégio serviu tanto como causa quanto consequência
da incapacidade do pensamento jurídico contemporâneo em passar de sua eterna preocupação
com o gozo efetivo de direitos para sua pouco desenvolvida compreensão dos caminhos
institucionais alternativos de desenvolvimento do exercício de direitos em sociedades livres. A
obsessão com o judiciário ajudou a lançar um encanto antiexperimentalista sobre o pensamento
jurídico, seduzindo-o a trair sua vocação original numa democracia. Precisamos relegar a
questão, "como os juízes devem julgar?”, a uma condição especializada e secundária, como uma
questão que exige respostas especiais, mas que deixa o campo aberto para práticas de análise
jurídica direcionadas a outros fins (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 134).
Uma objeção inicial a essa ligação exemplar entre raciocínio jurídico e decisão judicial é que ser
juiz é um papel conformado institucionalmente, e não uma atividade social como um núcleo
permanente e com limites constantes. É um papel cujos contornos variam de uma sociedade e de
uma época para outra. Um simples experimento mental revela essa condição. Deveriam a tarefa
de resolver conflitos de direito entre litigantes individuais, e a tarefa de reorganizar práticas
organizacionais que frustram o gozo de direitos (por exemplo pela execução complexa) ser
conduzidas pelo mesmo agente institucional, como é mais ou menos o caso agora, ou deveriam
ser separadas e atribuídas a dois agentes diferentes? (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o
futuro da democracia, cít., p. 138 e seg.).
Suponha, então, que tratemos a questão "como devem os juízes julgar?" como uma
questão especial, que exige uma solução especial. Suponha, ainda, que ao sugerirmos essa
resposta especial tomemos cuidado para evitar as ilusões da análise jurídica
racionalizadora, suas ilusões sobre a analogia, sobre arbitrariedade e sobre reforma.
Devemos definir o método de uma maneira que respeite a realidade humana e as
necessidades praticas das pessoas que vão a juízo sem que as subordinemos a um esquema
reluzente de aperfeiçoamento do direito. Devemos estar certos de que nossa prática judicial
deixa aberto e disponível, na prática e na imaginação, o espaço onde o trabalho real da
reforma social pode ocorrer. Devemos evitar o dogma e aceitar fazer concessões na nossa
descrição da prática e também no nosso entendimento da sociedade para o qual a prática
contribui. Devemos tentar permanecer próximos ao que as decisões judiciais nas
democracias contemporâneas realmente são.
A visão da análise jurídica num cenário de aplicação de direito que eu agora sugiro
esvazia as vastas esperanças políticas e intelectuais da doutrina jurídica. Ela é menos
ambiciosa na aplicação do direito, contudo, só porque é mais ambiciosa fora dela. Além
disso, tem a virtude do realismo: ela descreve o corpo de decisões judiciais reais muito
melhor do que o faz o cânone da análise jurídica racionalizadora. Que ela tivesse que ser
superior ao seu rival estabelecido nesse mesmo aspecto é surpreendente quando
lembramos a tendência de qualquer prática discursiva a se tornar uma profecia auto-
realizável e a susceptibilidade de qualquer prática discursiva para ser influenciada por uma
concepção prestigiosa do seu trabalho (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 141 e seg.).
O que importa é que o juiz forme uma visão desses objetivos que tenha relação com o mundo real de
discurso e conflito do qual aquele fragmento do direito surgiu. Além disso, a visão deve reconhecer o
caráter controverso e parcial de cada um dos interesses, preocupações e pressupostos a que ele recorre.
Eles contam não porque sejam os melhores ou mais racionais, mas porque venceram e se estabeleceram
há muito tempo no caminho da produção do direito. A deferência a significados literais e expectativas
partilhadas é simplesmente o caso limite de um compromisso mais geral com o respeito à capacidade de
partidos e movimentos para vencer na política, e para inscrever e guardar suas vitórias no direito (UNGER,
Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 143).
AULA 25: OS CUSTOS DA INTERPRETAÇÃO: O MODELO DE “JUIZ INVESTIDOR” DA
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO EM POSNER.
O projeto de reduzir o common law – com seus muitos campos distintos, seus
milhares de doutrinas independentes, suas centenas de milhares de decisões relatadas
– a um punhado de fórmulas matemáticas pode aparecer quixotesco, mas o analista
econômico pode fornecer razões para se pôr em dúvida tal avaliação. Boa parte da
exuberância doutrinária do commom law é tida como superficial uma vez que se
compreenda sua natureza essencialmente econômica. Alguns princípios, como a análise
de custo benefício, a prevenção de free-riding, a decisão em condições de incerteza, a
aversão ao risco e a promoção de trocas mutuamente vantajosas pode explicar a maioria
das doutrinas e decisões. Os casos de responsabilidade civil extracontratual podem ser
convertidos em casos contratuais ao se recaracterizar a questão do ilícito civil com o
encontro do contrato de pré-acidente implícito pelo qual as partes teriam optado se os
custos de transação não tivessem sido proibitivos, e os casos contratuais podem ser
convertidos em casos de responsabilidade civil extracontratual ao se perguntar que
remédio legal, se algum existe, poderia maximizar os benefícios esperados da iniciativa
contratual considerada ex ante. A decisão criminal de cometer ou não um crime não é
diferente, em princípio, da decisão do promotor de processar ou não; uma negociação
da pena é um contrato; os crimes são, na verdade, ilícitos civis praticados por réus
insolventes, porque se todos os criminosos pudessem pagar pela totalidade dos custos
sociais de seus crimes, a tarefa de dissuadir o comportamento anti-social poderia ficar a
cargo da responsabilidade civil extracontratual. Esses exemplos sugerem não apenas
que a lógica do common law é realmente econômica, mas também que o ensino do
direito poderia ser simplificado ao se expor os estudantes à estrutura econômica concisa
e simples que existe por baixo da roupagem multicor da doutrina jurídica.
Se tudo isso parece fazer lembrar Langdell, difere fundamentalmente por ser
verificável do ponto de vista empírico. O teste fundamental de uma regra derivada da
teoria econômica não é a elegância ou a logicidade da derivação, mas o efeito da regra
sobre a riqueza social. A extensão da regra da captura ao petróleo e ao gás natural foi
submetida a esse teste, foi reprovada e substituída (ainda que por meio de ação
legislativa, e não judicial) por regras eficientes. As outras regras com common law podem
e devem ser da mesma forma (POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito,
cit., p. 485 e seg.).
│Becker’s work can help us see the limitations of bentham’s approach. Bentham proclaimed the
universality of what in modern terminology would be called cost-benefit analysis, but a manifesto is not
a research program. What Bentham failed to show, with the exception of his treatise on crime and
punishment, was how the model that he had propounded of people as rational actors in all departments
of activity could be used to explain or regulate behavior (POSNER, Richard A. Frontiers of legal theory.
Cambridge: Harvard University Press, 2001, p. 61.). │
Esto significa, sin embargo, que lo que cuenta como una resolución pragmática
aceptable de un conflicto depende de cuales sean las normas dominantes en una
determinada sociedad. El pragmatismo nos ofrece entonces una guía local más que
una universal para la acción judicial. Y su utilidad a nivel local depende del grado
en que la sociedad sea normativamente homogénea. Cuanto más homogénea y,
por tanto, más amplio el acuerdo acerca de qué tipo de consecuencias son buenas
y cuales malas (y hasta qué punto buenas y hasta cual malas) mayor será la guía
que aportará el pragmatismo (POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces.
Traducción Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 270).
De Hobbes a Blackstone e de Dworkin aos analistas econômicos do direito, o papel real e o papel
apropriado dos juízes (os incentivos e as restrições que encontram, o equilíbrio que devem procurar
manter entre a interpretação das leis e a obediência a estas, bem como entre a criatividade e o respeito
às regras; as condições de que depende sua excelência, suas fontes de sabedoria e a dupla dificuldade
representada pela usurpação e pela passividade) sempre ocuparam lugar de destaque na narrativa da
teoria do direito anglo-americana. Seja como defensor da liberdade, mestre do autodomínio, oráculo
da lei ou analista econômico presciente, o herói dessa narrativa é... heroico; todos os refletores apontam
para o titânico magistrado, o que condiz perfeitamente com a inflada autoimagem da profissão. Neste
capítulo, tomo um caminho diferente e proponho uma teoria do comportamento dos juízes centrada
no juiz "convencional", de tribunal recursal e com cargo vitalício, como, por exemplo, um juiz do Tribunal
Recursal Federal ou da Suprema Corte. A mudança de foco do juiz extraordinário para o convencional
ilustra o interesse do pragmatista pelo mundo dos fatos, visto que a maioria dos juízes é, de fato, comum.
Não são, em sua maior parte, nem indivíduos sedentos de poder, como alguns políticos (apenas uma
pequena minoria deles pretende-se visionária ou defensora de alguma causa), nem paladinos da
verdade, como muitos cientistas. Os métodos de seleção e recompensa, entre outras restrições
institucionais que tornam a busca da verdade uma meta aceitável, embora não totalmente realista,
atribuível aos cientistas, não caracterizam o ambiente profissional dos juízes (POSNER, Richard A. Para
além do direito. Tradução Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 116 e seg.).
The term “theory” has long been used in law as a pretentious term for a litigant’s submission (“the
plaintiff’s theory of the case is that the defendant’s conduct amounted to na interference with the
plaintiff’s contractual rights”), or as a generalization proposed to organize a body of case law (“the theory
of the injurer was blameworthy”), or as a purely internal theory of law, a theory ginned up by law
professor with little use of insights or methods from other fields –most constitutional “theory” is of that
character. These uses of the word “theory”, which amount to equating “theoretical” with systematic,
comprehensive, or fundamental, are a tribute to the hold that Science has over the modern mind. But as
the only approaches to a genuinely scientific conception of law are those that come from other disciplines,
such as economics, sociology, and psychology, it is appropriate when speaking of “legal theory” at large
to confine the term to theories that come from outside law (POSNER, Richard A. Frontiers of legal theory,
cit., p. 2 e seg.).
La ideología no es el único recurso al que acceden los jueces cuando han de tomar decisiones em aquellas
cuestiones que caen en la zona abierta. Pero tal y como sugere la literatura actitudinal, es uno de los más
importantes, de modo que habremos de reflexionar sobre las fuentes de la ideología judicial, tema
fascinante donde los haya y, sin embargo, poco estudiado. Los valores religiosos y morales están entre
tales fuentes y son a su vez producto de como crecimos, de qué educación recibimos, de cuáles son
nuestras principales experiencias vitales, nuestras experiencias laborales, y características personales que
pueden, a su vez, traer aparejadas el tipo de experiencias que un individuo trata de tener. Las
características personales incluyen la raza, el sexo, la etnia y otros elementos innatos que identifican a la
persona, pero también el temperamento, que conforma no sólo nuestros valores, sino también
predisposiciones tales como la timidez y la audácia, que influyen el modo en que una persona responde
ante las circunstancias (POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 112).
Para que uno pueda verse a sí mismo y que los demás, especialmente nuestros
colegas, nos vean como buenos jueces es preciso que conformemos nuestra forma
de actuar a las normas del ejercicio de la función judicial. Así, uno no será visto como
un buen juez si acepta sobornos, si dicta sentencia lanzando una moneda al aire, si
se queda dormido en la sala de juicios, si hace caso omiso de la doctrina jurídica, si
no es capaz de tomar decisiones, si basa sus decisiones en el atractivo personal de
los litigantes o de sus abogados, o si decide los casos que se presentam ante sí
atendiendo a consideraciones «políticas» (dependiendo de cómo sea definida esta
resbaladiza palabra). Prácticamente a todos los jueces les resultaría incómodo ser
percibidos como políticos com toga. Y es que si se vieran bajo esa luz no se
considerarían a sí mismos como buenos jueces. Esto, que supondría negarles una
una de las más grandes satisfacciones del rol judicial, bien podría llevarles a acabar
ejerciendo como abogados, a a la enseñanza o a alguna otra vocación no judicial
(POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 75).
⸢ En cuanto que teoria normativa, el análisis económico del derecho es controvertido. Que el juez la utilice
para generar resultados en el área abierta es fruto de uma opción ideológica, a menos que haya un amplio
acuerdo em que las consideraciones e económicás sean las que han de guiar la decisión; el consenso
reprime el conflito ideológico. En cuanto teoria positiva, sin embargo, el análisis económico del derecho
explica bien las doctrinas jurídicas de uma variedad de âmbitos del derecho mercantil y no mercantil,
incluyendo amplias franjas del derecho de daños, del de contratos, del penal, de la propiedad intelectual,
del derecho del medioambiente; del laboral e incluso del derecho constitucional, junto con importantes
partes del derecho relativo a las acciones para reclamar ante lo tribunales y al processo judicial (POSNER,
Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 266 e seg.)⸣.
_____
De tal modo que se torne possível sustentar uma compreensão drasticamente amplificada de
realismo, capaz de cobrir tudo aquilo que (na prática e no pensamento jurídicos) não seja ou
não possa dizer-se formalismo (my approach is (...) realistic, in the sense of rejecting formalista
approaches to law, legal realism (...) is everything in legal thought and practice that is not
formalism). De tal modo sobretudo que, deste vasto espectro de realismos possíveis, se
distinga aquele que hoje importa potenciar (realism, the path forward): um assumido anti-
formalismo que, impondo-se-nos embora rigorosamente sustentado pelo discurso das ciências
sociais empírico-explicativas – mais próximo portanto do legado da sociological jurisprudence
do que do dos legal realists propriamente ditos (the judiciary needs a return to legal realism,
but this time realism with depth, realism grounded in modern analytical and empirical methods,
realism that goes beyond the hunch) – não se nos exponha menos vinculado a um
pragmatismo de common sense (understanding interpretation in realistic commonsensical
terms) – e tudo isto sem que a adjudication perca sua identidade como um exercício da escrita,
inteiramente compossível com a exigência de entregar (preservar) o discurso jurídico no
elenco das humanidades (law must come to terms with modernity but will remain a humanity,
and should). O que significa ainda pedir ao juiz que se torne consciente das limitações e
proconceitos – bias (se não priors) que condicionam a sua tomada de decisão (a judge must
try to be aware of his priors, so that they do not exert an excessive influence on his decision)...
para enfim chegar a uma compreensão moderada (limitada) da discricionariedade que nessa
decisão (enquanto tal) se manifesta (LINHARES, José Manuel Aroso. Decisão judicial,
realismo de “complexidade” e maximização da riqueza, cit., p. 1779-1781]).
The extremes presented by textual originalism and unanchored imagination are equally unacceptable—
which leaves us with interpretation understood in realistic, commonsensical terms.135 Interpretation is
a natural mental activity. It is also ubiquitous. It is not improved by rules of interpretation. Literature
professors and literary critics address daunting problems of interpretation in classics of literary
modernism without benefit of canons of construction. Does anyone think they are worse at interpreting
difficult texts than judges are? (POSNER, Richard A. Reflections of judging, cit., p. 231 e seg.).
Quantas vezs não nos dexámos já arrebatar pela eloquência elegante e pesuasiva dda prosa
de um jurista? Ora numas alegações orais de um julgamento mediático, frente a uma platéia
ávida de razões, ora na argumentação de um parecer bem elaborado que, redigido em estilo
cuidado e persuasor, convoca de forma quase irresistível uma pacífica aquiescência.
Quantos não demos por nós, em alguma altura, a ensaiar as formas mais adequadas a cada
conteúdo? E quantos de nós, algures no meio desse processo, não teremos arriscado a ideia
de que a forma pode ser mais do que forma, anódina e transparente? (AGUIAR E SILVA,
Joana. A prática judiciária entre direito e literatura. Coimbra: Almedina, 2001, p. 7).
│O discurso sobre o qual falei, proferido por um filósofo e estadista romano, é um convite para
refletirmos, inicialmente, sobre a garantia ou não, pela nossa Constituição, de um direito à
literatura. É preciso admitir que a poesia não encontra no direito positivo brasileiro atual a
dignidade que Cícero reclama, e neste aspecto a legislação, a doutrina e a jurisprudência terão
muito que avançar. Se pensarmos a educação ou a saúde do ponto de vista dos direitos
fundamentais, somente por um desvio de caráter alguém diria que esses bens são mais devidos
a certas pessoas que a outras. Mas será que pensaríamos o mesmo quanto ao direito de todo
brasileiro ler Shakespeare, ouvir uma recitação de Homero, assistir a um concerto da Filarmônica
de Berlim ou visitar uma exposição de Portinari? (SILVA, Antonio Sá da. O direito constitucional
da literatura: reflexões sobre os argumentos de Cícero em Defesa do Poeta Árquias e sobre os
fundamentos filosóficos do direito à educação. In: COELHO, Nuno Manuel M. S. Coelho;
TROGO, Sebastião. Direito, Filosofia e Arte: ensaios de fenomenologia do conflito. São Paulo:
Rideel/UNIPAC: Juiz de Fora, 2012, p 94 e seg.). │
É significativo perguntarmos a nós mesmos quantas vezes agimos como Ulisses, esquecendo de ver em
nosso semelhante uma outra pessoa e o tratando como ‘coisas’, como trampolim para subirmos na vida
e para alcançarmos os fins que elegemos como convenientes aos nossos interesses, tudo isto ao arrepio
do imperativo kantiano de tratar ‘todo ser humano como fim em si mesmo e não como meio’. Outra não
é a atitude vil do esperto rei de Ítaca, que no afã de vencer a guerra contra os troianos, não reconheceu
qualquer escrúpulo ao querer utilizar Filoctetes como um instrumento, como uma ferramenta para vencer
a sua batalha; ‘os fins justificariam os meios’, diria Ulisses com MAQUIAVEL, já que durante dez anos de
guerra nem nos deuses era possível confiar, e o importante mesmo não era a lealdade, a reparação da
falta para com um amigo que injustamente foi abandonado, mas era tomar-lhe a flecha, ardilosamente,
já que tinha certeza de que a via argumentativa seria insuficiente para desfazer tamanha brutalidade
anterior (SILVA, Antonio Sá da; COELHO, Nuno M. M. Santos. O ensino do direito no nosso tempo: história,
diagnósticos e exigências éticas para uma educação jurídica de qualidade no Brasil. Salvador: Juspodivm,
2010, p. 159).
O artista não pode criar nada sem interpretar enquanto cria; como pretende criar arte, deve
pelo menos possuir uma teoria tácita de por que aquilo que produz é arte e por que é uma obra
de arte melhor graças a este, e não àquele golpe do pincel, da pena ou do cinzel. O crítico, por
sua vez, cria quando interpreta; pois embora seja limitado pelo fato da obra, definido nas partes
mais formais e acadêmicas de sua teoria da arte, seu senso artístico mais prático está
comprometido com a responsabilidade de decidir qual maneira de ver, ler ou compreender aquela
obra a mostra como arte melhor. Contudo, há uma diferença entre interpretar quando se cria e
criar quando se interpreta e, portanto, uma diferença reconhecível entre o artista e o crítico.
Quero usar a interpretação literária como um modelo para o método central da análise
jurídica; assim, preciso demonstrar como mesmo essa distinção entre artista e crítico pode ser
derrubada em certas circunstâncias. Suponha que um grupo de romancistas seja contratado para
um determinado projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo. O número mais baixo
escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte,
o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescentando um capítulo a
esse romance, não começando outro, e, depois, manda os dois capítulos para o número
seguinte, e assim por diante. Ora, cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla
responsabilidade de interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer,
no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então. Deve decidir como os
personagens são “realmente”, que motivos os orientam, qual é o tema ou propósito do romance
em desenvolvimento, até que ponto algum recurso ou figura literária, consciente ou
inconscientemente usado, contribui para estes, e se deve ser ampliado, refinado, aparado ou
rejeitado para impelir o romance em uma direção e não em outra. Isso deve ser interpretação em
um estilo não subordinado à intenção porque, pelo menos para todos os romancistas após o
segundo, não há um único autor cujas intenções qualquer intérprete possa, pelas regras do
projeto, considerar como decisivas.
Decidir casos controversos no Direito é mais ou menos como esse estranho exercício
literário. A similaridade é mais evidente quando os juízes examinam e decidem casos do
Common Law, isto é, quando nenhuma lei ocupa posição central na questão jurídica e o
argumento gira em torno de quais regras ou princípios de Direito “subjazem” a decisões de outros
juízes, no passado, sobre matéria semelhante. Cada juiz, então, é como um romancista na
corrente. Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para
descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma
opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos
romancistas formou uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então. Qualquer juiz
obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros adequados, registros de muitos
casos plausivelmente similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros
juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o processo e
as convenções judiciais eram diferentes. Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se
como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões,
estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro
por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a
responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir de alguma nova
direção. Portanto, deve determinar, segundo seu próprio julgamento, o motivo das decisões
anteriores, qual realmente é, tomado como um todo, o propósito ou o tema da prática até então
todo (DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2005, p. 235-238).
β. Uma nova perspectiva dos discursos de “área aberta”: a resistência aos saberes “empírico-
explicativos”, a idêntica recusa da autonomia do Direito e a proclamação da nobre “República
da Letras”.
Hand’s remarks assume three points that from the central focus of this essay. The first is
the study of law is either part of or is strongly connected to the humanities. The second is that
the lawyer or legal scholar called upon to discuss and analyze legal questions cannot do so by
looing merely wthin the confines of traditional legal materials: cases, statutes, and “books which
have been specifically written on the subject” of law. Instead, he or she needs assistance and
edification from other sources. The third is that those external sources of knowledge are to be
found not in the natural sciences or the social sciences, but in subjectives that we customarily
call “the humanities”.
Hand is not merely assuming these things. He also presents himself to us as a wise jurist
who has been influenced by the “great books” he has selected for our attention. Because he is
himself familiar with each of the writers he mentions, he enjoys membership in a “republic of
letters”, the sort of membership that is necessary for anyone who wishes to “live greatly in the
law” (BALKIN, Jack M.; LEVINSON, Sanford V. Law and the humanities: an uneasy
relationship. In: Yale Journal of Law and the Humanities, New Haven, The University of Texas
School of Law, vol. 18, 2006, p. 156).
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Nesse real movediço e complexo, o direito faz escolhas que se esforça por cumprir, em
nome da “segurança jurídica” à qual atribui a maior importância. Entre os interesses em
disputa, ele decide; entre as pretensões rivais, opera hierarquias. Assim o exige sua função
social que lhe impõe estabilizar as expectativas e tranqüilizar as angústias. Livre dessas
exigências, a literatura cria, antes de tudo, a surpresa: ela espanta, deslumbra, perturba,
sempre desorienta. Isso produz, entre ela e o direito, uma segunda diferença importante.
Livre para entregar-se às variações imaginativas mais inesperadas a propósito de um real
sempre muito convencionado, ela explora como laboratório experimental do humano,
todas as saídas do caminho. Às vezes com passagens radicais que têm por efeito inverter os
pontos de vista e engendrar novos olhares, quando não novas realidades. No momento em
que Alice passa para o outro lado do espelho, nada mais é verdadeiramente como antes.
Toca-se aqui a função propriamente heurística da literatura: seu gesto experimental é, ao
menos em alguns casos, portador de conhecimentos realmente novos (OST, François.
Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Tradução Paulo Neves. São Leopoldo: Editora
Unisinos, 2005, p. 15).
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Comienza a surgir una tesis central: el hombre, tanto em sus acciones y sus prácticas como em sus
ficciones, es essencialmente un animal que cuenta historias. Lo que no es essencialmente, aunque llegue
a serlo a través de su historia, es un contador de historias que aspira a la verdad. Pero la pregunta clave
para los hombres no versa sobre su autoría; sólo puedo contestar a la pregunta ¿qué voy a hacer? Si puedo
contestar la pregunta previa ¿de qué historia o historias me encuentro formando parte? Entramos en la
sociedad humana con uno o más papeles-personajes asignados, y tenemos que aprender en qué consisten
para poder entender las respuestas que los demás nos dan y como construir las nuestras. Escuchando
narraciones sobre madrastas malvadas, niños abandonados, reyes buenos pero mal aconsejados, lobas
que amamantan gamelos, hijos menores que no reciben herencia y tienen que encontrar su propio camino
en la vida e hijos primogénitos que despilfarran su herencia en vidas licenciosas y marchan al destierro a
vivir con los cerdos, los niños aprenden o no lo que son un niño y un padre, el tipo de personajes que
pueden existir en el drama en que han nascido y cuales son los derroteros del mundo. Prívese a los niños
de las narraciones y se les dejara sin guión, tartamudos angustiados en sus acciones y en sus palabras. No
hay modo de entender ninguna sociedad, incluyendo la nuestra, que no pase por el cumulo de narraciones
que constituyen sus recursos dramáticos básicos. La mitología, en su sentido originario está en el corazón
de las cosas. Vico estaba en lo cierto y también Joyce. Y también la tradición moral que va desde la
sociedad heroica hasta sus herederos medievales, de acuerdo con la cual el contar historiases parte clave
para educarnos en las virtudes (MACINTYRE, Alasdair. Trás la virtud. Traducción Amélia Valcárcel.
Barcelona: Crítica, 2001, p. 266 e seg.).
Com efeito, de todos os lados que posso olhar vejo que Martha C. Nussbaum constrói um verdadeiro sistema de
decisão, e parece não ser possível imputar a ela um reducionismo poético. Mas será oportuno agora perguntar, como
provavelmente A. Castanheira Neves também perguntaia, se o peso dado às emoções basta para qualificar uma
decisão jurídica, especialmente diante dos desafios do presente e da urgência do futuro. Com efeito, ele mesmo
interpela diretamente Ronald Dworkin, dirigindo-lhe a seguinte pergunta: será a racionalidade narrativa a mais
adequada para a solução de uma controvérsia jurídica? O direito é, segundo ele, um projeto axiológico-normativo de
constituenda realização onde tem lugar um holismo interpretativo: “na interpretação jurídica converge a pluralidade
das dimensões, e numa sua consideração globalmente integrada, que participa no todo prático-normativo da
manifestação concreta do direito – o caso, as normas positivas (os critérios jurídicos positivos), os princípios
fundamentalmente constitutivos da normativa validade jurídica” (SILVA, Antonio Sá da. A Imaginação Literária e o
Direito: A (Im)Possibilidade de um Modelo Jurídico-Decisório nos Argumentos de A. Castanheira Neves e de Martha
C. Nussbaum. In: COELHO, Nuno Morgadinho Santos; SILVA, Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado
hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem ao Doutor António Castanheira Neves.
Salvador: Juspodivm, 2012, p. 228).
│And poetry and history can have great practical power; the burning wit of the skald was
feared by Irish and Norse kings as more terrible than the sword; today’s poets, the
propagandists of Washington and Madison Avenue, have enormous power over the
imaginations of our world; and history can have the deepest political consequences. The
real power of the army and the Police is all too often unresponsive to any law. Law is after
all not the only way of constituting and exercising power; and it has the great virtue of
limiting what it grants (WHITE, James Boyd. Heracles’bow: essays on the rhetoric and
poetics of the law. London: The University of Wisconsin Press, 1985, p. 238 e se.). │
____
The cultivation of sympathy has been a key part of the best modern ideas of democratic education, in
both Western and non-Western nations. Much of this cultivation must take place in the family, but
schools, and even colleges and universities, also play an important role. If they are to play it well, they
must give a central role in the curriculum to the humanities and the arts, cultivating a participatory gps of
education that activates and refines the “capacity to see the world through another person's eyes”.
Children, I have said, are born with a rudimentary capacity for sympathy and concern. Their earliest
experiences, however, are typically dominated by a powerful narcissism, as anxiety about nourishment
and comfort are still unlinked to any secure grasp of the reality of others. Learning to see another human
being not as a thing but as a full person is not an automatic event but an achievement that requires
overcoming many obstacles, the first of which is the sheer inability to distinguish between self and other
(NUSSBAUM, Martha C. Not for profit: why democracy needs humanities. Princeton: Princeton University
Press, 2010, p. 96).
Assim como deveria estar clara minha defesa da teoria, assim também deveria
estar minha sustentação da razão como orientadora. Afirmei somente duas
coisas que podem parecer limitar seu papel: que a contemplação intelectual por
si só não é suficiente para uma vida humana florescente, e que as emoções
também desempenham um papel no raciocínio ético. A primeira afirmação
atribui um papel mais limitado do que Platão atribuira a uma forma de
raciocínio, posição esta que é perfeitamente compatível com a atribuição de um
papel central à razão prática no planejamento e na organização de uma vida, e
mesmo com o fato de insistir (como faço) que é a razão prática que torna todas
as nossas atividades plenamente humanas. A segunda afirmação não qualifica
de maneira alguma o papel da razão na vida humana, uma vez que argumento
que as emoções são formas de interpretação avaliativa inteligente, e que a
dicotomia razão/emoção deve portanto ser rejeitada. (Evidentemente, isso não
quer dizer que todas as emoções são boas orientadoras, e que, mais que todas
as outras formas de raciocínio, conferem boa orientação.) Assim, minha posição
deixa à razão todo o espaço de que ela precisa para levar a cabo uma crítica da
injustiça (NUSSBAUM, Martha C. A fragilidade da bondade: fortuna e ética
na tragédia e na filosofia grega. Tradução Ana Aguiar Cotrim. São Paulo:
Martins Fontes, 2009, p. xxvi).
Ao longo dos anos, venho enfatizando cada vez mais a importância do respeito pelo pluralismo e pela
discordância razoável sobre o valor e o significado últimos da vida. Distanciando-me intencionalmente de
Aristóteles, que seguramente acreditava que a política devia fomentar a atuação de acordo com uma única
concepção abrangente da vida humana boa, afirmo que a política deve restringir-se à promoção de
capacidades, e não de atuações efetivas, com o intuito de abrir espaço para escolhas quanto a seguir ou não
seguir uma dada atividade. Ademais, mesmo isso deve ser feito de maneira a deixar espaço para escolhas
plurais de religião e demais formas abrangentes de vida. Em outras palavras, minha concepção aristotélica –
como a de Maritain, mas diferentemente de outras concepções familiares da tradição – é uma forma de
“liberalismo político”, significando um liberalismo que reconhece a importância de respeitar diversos modos de
vida, inclusive formas não liberais razoáveis. Nessas circunstâncias, meu aristotelismo foi cada vez mais
influenciado pelas ideias de Jhon Rawls e de Kant. Outro aspecto em que me afasto de Aristóteles é meu
enfoque teórico e prático nas condições das mulheres nos países em desenvolvimento e na sua luta pela
igualdade. As concepções de Aristóteles sobre as mulheres não são dignas de um exame sério, mesmo
encaradas como meras falsidades (NUSSBAUM, Martha C. A fragilidade da bondade, cit., p. xix).
The three unsolved problems of justice that are the primary topics of this book are all, in different ways,
problems of globalizing the theory of justice, that is, extending justice to all those in the world who ought
to be treated justly. Social contract theories of justice do superb work for traditional issues of
discrimination and exclusion. They are well suited to address in equalities of wealth, class, and status, and
can be rather easily extended to address inequalities of race and, in some ways, sex-although our historical
sketch has shown how difficult it is to arrive at sex equality from a staring point that insists on equality in
power (NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of justice: Disability, Nationality, Species
Membership.Cambridge/London: The Belknap press of Harvard University Press, 2007, p. 92).
3. Uma reconstituição crítica do modelo prático-poética de jurisdição: além de Nussbaum e
com Nussbaum, o poder da imaginação literária, a sabedoria do “espectador judicioso” e a
performance do escritor-tradutor.
Assim encarado, o narrador surge entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar um
conselho, não apenas para alguns casos, como faz o provérbio, mas para muitos
casos como faz o sábio. Pois pode recorrer à própria vida (uma vida, aliás, que
inclui em si não só a experiência própria mas também a alheia; o narrador associa
à sua experiência mais íntima aquilo que aprendeu na tradição. O seu dom é
poder contar a sua vida; a sua dignidade conta-la por inteiro. O narrador: eis o
homem que poderia deixar consumir, com perfeição, a mecha da sua vida na
suave chama da narrativa. É nisto que assenta a incomparável atmosfera que
envolve o narrador, tanto em Lesskov como em Hauff, tanto em Poe como em
Stevenson. O narrador é a forma na qual o justo se encontra a si próprio
(BENJAMIN, Walter. O narrador: reflexões sobre a obra de Nicolai Lesskov. In:
_____. Sobre arte, técnica, linguagem e política. Tradução Maria Luz Moita et alii.
Lisboa: Relógio d’Água, 1992, p. 56 e seg.).
I then attempt to justify a list of ten capabilities as central requirements of a life with dignity. As
with Rawls’ principles, so here: the political principles give shape and content to the abstract idea of
dignity (cf TJ 586)” (NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of justice, cit., p. 75).
All contemporary liberal democratic societies asl the obvious question all
the time. That is no news: so too do all people. But it is also clear that all
contemporary liberal democratic societies ask the tragic question, implicitly
at any rate. That is, they commit themselves to a menu of certain social
goals, and among those goals they single out some as having a special
centrality, holding that they are things to which every citizen is entitled,
things that each one has a right to demand (NUSSBAUM, Martha C. The
costs of tragedy: some moral limits of cost-benefit analysis. In: ADLER,
Matthew D; POSNER, Eric A (Edit.). Cost-benefit analysis: legal, economic,
and philosophical perspectives. Chicago: The University of Chicago Press,
2001. p. 169-200, p. 183).
______
Mas uma compreensão bem distinta tem Naussbaum sobre a questão. A dimensão política e jurídica da
literatura é discutida com muito rigor pela autora americana, para quem se o fim político não é a única
coisa que se pode esperar da poesia, seria adequado e urgente, porém, ler os textos com esse interesse,
especialmente porque eles permitem enxergar com empenho as pessoas que em um determinado
momento e por circunstâncias muito variadas são muito diferentes de nós. Ela enfatiza que um olhar
empático sobre a outra pessoa permite-nos enxergar como as circunstâncias condicionam as ações da
pessoa, suas aspirações, desejos, esperanças, temores e amor-próprio. Estaríamos diante dos reflexos
que um direito constitucional da literatura pode ter? Realmente estou tentado a dizer que sim. É que a
professora de Chicago nos diz que as histórias têm o poder de formar a nossa consciência moral, e
inclusive de nos interrogar sobre o nosso papel dentro das histórias (SILVA, Antonio Sá da. O direito
constitucional da literatura, cit., p. 106 e seg.).
Is this way, the chorus represents before our mind’s eye an invisible life, a life
stripped of all that makes a human life worthy of human dignity. And by their
imaginative act they change it. They acknowledge its terrible character, they see it
and sing about it, thus putting Philoctetes back into the human community from
which selfish schemes have exiled him. At the same time, they cause the audience
to perform similar acts of acknowledgment – directed, now, not only at the fictive
Philoctetes, the hero who is “undeserving” of his misfortune, and who tells us
explicity that similar misfortunes might befall any human being, but also, as Aristotle
knew, at those more general possibilities for human beings that this sorrows conjure
up, things such as might happen in human life (NUSSBAUM, Martha C. Invisibility and
recognition: Sophocles ‘Philoctetes and Ellison’s Invisible Man. Philosophy and
Literature. Baltimore, nº 23.2, 1999, p. 258).
Todos concordam com a máxima universal de que, não dependendo o fato do agente, não deveria exercer
nenhuma influência sobre nossos sentimentos relativos ao mérito ou conveniência de sua conduta [...] a
fortuna, que governa o mundo, tem alguma influência onde menos desejaríamos lhe conceder alguma, e
governa, em certa medida, os sentimentos dos homens quanto ao caráter e conduta deles próprios e de
outros (SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. Tradução Lya Luft. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
p. 130-131).
_________
A distinção entre público e privado que desenvolvi ao longo da segunda parte, “Ironismo e teoria”, sugere
que distingamos os livros que nos ajudam a ser autônomos dos que nos ajudam a ser menos cruéis. O
primeiro tipo de livro é pertinente às “marcas cegas”, às contingências idiossincráticas que produzem as
fantasias idiossincráticas. Estas são as fantasias que aqueles que buscam a autonomia passam a vida
reelaborando – na esperança de rastrearem a marca cega até sua origem e, com isso, na expressão de
Nietszche, transformarem-se em quem são. O segundo tipo de livro é pertinente a nossas relações com os
outros, para nos ajudar a notar os efeitos de nossos atos sobre outras pessoas. São esses os livros
pertinentes à esperança liberal e à questão de como conciliar a ironia privada com essa esperança (RORTY,
Richard. Contingency, irony, and solidarity (1989). Tradução Brasileira Contingência, ironia e solidariedade
Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 235).
Como dijo Heráclito hace dos mil quinientos años: “Aprender sore muchas cosas no da al
entendimento”. Marco Aurelio insistia em que, para llegar a ser ciudadanos del mundo, no bastaba com
acumular conocimiento; también debíamos cultivar uma capacidade de imaginación receptiva que nos
permita compreender los motivos y opciones de personas diferentes a nosotros, sin verlas como extraños
que nos amenaxan, sino como seres que comparten com nosotros muchos problemas y oportunidades.
Las diferencias de religión, género, raza, classe social y origen nacional dificultan todavia más este
esfuerzo por entenderse, puesto que tales diferencias, además de moldear las opciones prácticas que las
pesonas enfrentan, dan forma a sus “mundos incternos”, sus deseos, pensamentos y maneras de ver el
mundo (NUSSBAUM, Martha C. El cultivo de la humanidad: uma defensa clásica de la reforma em la
educación liberal. Traducción Juana Pailaya. Barcelona: Andres Bello, 2001, p. 121).
Sempre que congratulamos cordialmente nossos amigos, o que, para desgraça da natureza humana,
raramente fazemos, a alegria deles literalmente se torna nossa. Nesse momento estamos tão felizes
quanto eles: nosso coração incha e transborda de prazer real; alegria e complacência cintilam em nossos
olhos, animando cada traço de nosso semblante e cada gesto de nosso corpo.
Ao contrário, porém, quando nos compadecemos de nossos amigos em suas aflições, quão pouco
sentimos em comparação ao que eles sentem! Sentamo-nos ao seu lado, olhamos para eles, e enquanto
nos reclamam as circunstâncias do seu infortúnio, escutamos com gravidade e atenção. Mas, enquanto
as explosões naturais da paixão, que frequentemente parecem sufocá-los, interrompem sua narrativa a
todo momento, as lânguidas emoções de nossos corações estão longe de seguir a mesma direção de tais
transportes! Ao mesmo tempo, somos capazes de perceber que sua paixão é natural, não maior que
aquela que nós mesmos sentiríamos em ocasião semelhante. Podemos censurar-nos internamente por
falta de sensibilidade, e talvez, por essa razão, consigamos com esforço manifestar uma solidariedade
artificial, que, porém, quando trazida à luz, é sempre a menos intensa e duradoura que se possa imaginar;
e, geralmente, assim que saímos do quarto, desaparece e se vai para sempre. Parece que a natureza,
quando nos sobrecarregou de nossas próprias dores, julgou-as suficientes e por conseguinte não nos
ordenou que tomássemos parte nas alheias mais do que o necessário para nos incitar a serená-las. É por
causa desse embotamento da sensibilidade para com as aflições alheias que a magnanimidade em meio
a grandes catástrofes parece sempre tão divinamente graciosa. É gentil e agradável a postura de quem
consegue manter-se alegre em meio a uma série de desastres frívolos (SMITH, Adam. Teoria dos
sentimentos morais. Tradução Lya Luft. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 55 e seg.).
_______
The literary judge – like Whitman’s beam of sunlight – is committed to neutrality, properly understood.
That is, she will not tailor her principles to the demands of political or religious pressure groups and will
give no group or individual special indulgence or favor on account of their relation to her affiliations. She
is a judious spectator and does not gush with irlevant or undergrounded sentiment. On the other hand,
as I have argued here, her neutrality does not require a lofty distance from the social realities searchingly,
with imaginative concreteness and the emotion a responses that are proper to the judicious spectator –
or to his surrogate, the novel-reader. In chapter 2, I suggested that the a literary judge would lookin
particular for evidence that certain grous have suffered unequal disadvantages and therefore need more
attention if they are to be shown a truly equal concern.
This concern for the disadvantaged is built into the structure of the literary experience, which was, as
we saw, Adam Smith’s model for the experience of the judicious spectator. Thereader participates
vicariously in numerous different lives, some more advantaged and some lass. In realist social novels,
which are my focus, these lives are self-consciously drawn from different social strata, and the extent to
which these varied circunstances allow for flourishing is made part of the reader’s experience. The reader
enters each of these lives not knowing, so to speak, which one of them is hers – she identifies first with
Louisa and then with Stephan Blackpool, living each of those lives in turn and becoming awere that her
actual place is in many respects na accident of fortune. She has emphatic emotion appropriate to the
living of the life and, more important, spectatorial emotions in which she evaluates the way fortune has
made this life conducive or not conducive to flourishing. This means, as Iargue in the next section, that
she Will notice especially vividly the disadvantages faced by the least well off. In the case of Dicken’s novel,
for exemple, she is likely to feel that Stephen Blackpool, given the disadvantages under wich he labors,
requires a special degree of attention if he is to be shown a truly equal concern as citizen (NUSSBAUM,
Martha C. Poetic Justice: the literary imagination and public life. Boston: Beacon Press, 1995, p. 86 e seg.).
│My argument in this book is well captured in the quotation from Stephen Breyer's confirmation hearing
that I cited as an epigraph to this chapter. The ability to think of people's lives in the novelist's way is,
Breyer argues, an important part of the equipment of a judge. A part and not, obviously, the whole, or
even the central part - but a vital part nonetheless. This claim is the more impressive in that it comes from
a judge who is far from being a sentimentalist, whose technical proficiency is great, and who is, if anything,
considered more intellectual than emotional. Even a judge so unsentimental, with such deep technical
and intellectual commitments, then, grants that novel-reading is relevant to the judicial imagination. My
approach - like, I believe, the approach that Breyer sketches in this statement - stresses the need for
technical mastery as well as sentiment and imagination and insists, too, that the latter must continually
be informed and tethered by the former (NUSSBAUM, Martha C. Poetic Justice, cit., p. 99). │
Deixemos de lado o modelo arcaico – em que o homem respondia pelas transgressões aos
deuses tutelares, e portanto ao nomos comunitário, na imputação objectiva da acção
violadora, com a sua exemplaridade e os seus efeitos, posto que esta objectividade da
responsabilidade, por muito tempo tida como um conceito bárbaro, se esteja a recuperar
de muitos modos, sem que todavia – ponto este importante de sublinhar – com isso se
restaure também o sentido de uma responsabilidade radical, de todos para com todos no
bem e no mal, em que a humanidade como que se assumia a si própria em cada um (NEVES,
António Castanheira. Pessoa, direito e responsabilidade. Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, Coimbra, jan./mar. 1996. Ano 6, fasc. 1º, p. 11 e seg.).
///
Em primeiro lugar, que a pessoa, pela simples razão de ser, se vê investida não só
em direitos, mas igualmente em responsabilidade – a pessoa é chamada a
respondere em termos comunitários – já que os deveres são para ela tão originários
como os direitos. Em segundo lugar, no equilíbrio entre a participação comunitária
da pessoa (implicante de liberade e igualdade) e a sua responsabilidade rambém
comunitária temos o que se haverá de entender por justiça – a intenção, e a
exigência, normativamente integrante e dinâmica, do reconhecimento de cada um
perante os outros e da responsabilidade de cada um perante os outros na
coexistência em um mesmo todo comunitário constituído por todos (NEVES,
António Castanheira. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da
sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, vol. 3º. p. 38).
///
Por outro lado, o homem propõe-se, quanto aos objectivos – e como tarefa principal, nessa
exclusão de uma pressuposta ordem axiológica que não se reduzisse aos direitos naturais -
, a temporal e humana realização de interesses, interesses que davam afinal conteúdo
àqueles direitos e que a economia, entretanto elevada a ciência iria racionalizar.
Consequências que, conjugadas, implicaram o que se sabe: o contexto deixa de ser
axiológico-ético para ser político (o político também então libertado que encarnaria em il
stato) e o quadro determinante, como a racionalidade prática, passaram naturalmente a
ser jurídicos – o homem volveu-se em homo juridicus. E o grande princípio da liberdade – a
afirmar as liberdades-direitos que convivem com as liberdades-direitos na concreta
actuação de interesses – que outra expressão jurídica poderia ter senão, de novo dentre os
praecepta iuris, no alterum non laedere, no neminem laedere? (NEVES, António Castanheira.
Pessoa, direito e responsabilidade, cit., p. 20 e seg.).
///
///
[...] estaremos perante um problema de direito – ou seja, um problema a exigir uma solução
de direito –, se, e só se, relativamente a uma concreta situação social estiver em causa, e
puder ser assim objeto e conteúdo de uma controvérsia ou problema práticos, uma inter-
acção de humana e exigível correlatividade, uma relação de comunhão ou de repartição de
um qualquer espaço objectivo-social em que seja explicitamente relevante a tensão entre
a liberdade pessoal ou a autonomia e a vinculação ou integração comunitária e que
convoque num distanciador confronto, já de reconhecimento (a exigir uma normativa
garantia), já de responsabilidade (a impor uma normativa obrigação), a afirmação ética da
pessoa (do homem como sujeito ético) (NEVES, António Castanheira. O
“jurisprudencialismo” – proposta de uma reconstituição crítica do sentido do direito. In:
COELHO, Nuno Morgadinho Santos; SILVA, Antonio Sá da (Orgs.). Teoria do Direito: direito
interrogado hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem
ao Doutor António Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 77).
(α) De tal modo que o projecto da societas seja aquele que, permanecendo fiel à narrativa de
uma criação ex nihilo e ao homem desvinculado (“independente de toda e qualquer tradição”) que por
ela se responsabiliza — se não mesmo ao status naturalis e (ou) à original position (universalmente
representados) que a tornam possível —, nos incita a descobrir na emancipação lograda dos
interesses e na equivalência (ou mesmo na comensurabilidade quantitativa) dos fins — mas também
na redução dos referentes (e dos critérios) materiais a um acervo de afirmações de preferência
(subjectivamente experimentadas) — as coordenadas decisivas do seu problema (e da ordem que o
assimila). Mas então também aquele que encontra a resposta instituinte (capaz de hierarquizar estes
interesses, fins ou preferências) num processo-modelo de decisão — e no artefacto sócio-político que
legitima colectivamente esta decisão (e a cadeia de decisões em que esta se integra).
(β) Para que o projecto da communitas abra a nossa experiência (e as nossas possibilidades
de practical deliberation) à consideração de um horizonte de integração (justificado pela referência a
responsabilidades e compromissos práticos partilhados), na mesma medida em que defende (e
explora) um dualismo insuperável entre objectivos e bens (subjective goals v. human goods) ou entre
fins e valores — na medida pelo menos em que revela a importância de fins incomensuráveis, cada
um deles prosseguido como um fim em si mesmo e a exigir enquanto tal um acervo de especificações
plausíveis (non-commensurable (...) qualitatively distinct and separate (…) ultimate ends, [each one
pursued] for its own sake) (LINHARES, José Manuel Aroso. Jurisprudencialismo: uma resposta
possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença? In: COELHO, Nuno Morgadinho Santos; SILVA,
Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta
possível? Estudos em homenagem ao Doutor António Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012,
p. 132 e seg.).
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Uma outra, e de todo distinta, estação foi a romana. Aí se afirmaria já nuclearmente o direito na
bem diferenciada "experiência jurídica", com base constitutiva em cinco pólos capitais. 1) a sua
"Isolierung” (F. Schulz) contextual – política, econômica, mesmo ética, não excluindo esta última a
particular axiologia diferenciadamente jurídica que os tria principia sintetizavam –, isolamento que a
prática jurídica manifestava e que apenas no séc. XIX a dogmática também jurídica de novo se propôs
e teorizou; 2) o problema especificamente jurídico – e a que a fórmula também de F. Schulz deu
expressa acentuação: "in the beginning was the case"; 3) o direito a encarnar em titularidades jurídicas
(iura, res, actiones) num contexto de respondere social; 4) a intencionalidade prático-normativa, a
assumir a intersubjetividade e a exprimir o sentido da justiça estritamente jurídica na fórmula agora de
Cícero, suum cuique tribuere; 5) o logos ou a racionalidade também especificamente jurídicos no
juízo prudencial. E como resultado, o direito como jurisprudentia, categoria e universo de
pensamento autónomo referido também a uma classe sócio-cultural diferenciada – juristas, não os
filósofos, não obstante a leitura tivessem feito dos filósofos gregos.
O direito manifesta-se, pela primeira vez, nestes termos como uma entidade prático-cultural muito
própria que se subtrai ao normativismo ético-político grego enquanto uma muito distinta prática sócio-
prudencial-judicativa – o seu domínio não é o filosófico-especulativo e antes o sócio-jurisprudencial.
E em que manifestamente vai in nuce a problemática específica do direito no contexto global da
experiência humana – numa dialética entre autonomia e responsabilidade – e se constitui um sentido
que traduz intencionalmente a passagem do problema filosófico da liberdade transdeterminada ao
problema prático da liberdade autonomamente assumida responsabilizada no contexto social. Assim
emerge um sentido civilizacionalmente novo que começa constitutivamente a caracterizar, como uma
sua dimensão específica, também uma civilização.
Já no pensamento cristão-medieval se reconhecem alterações e o seu contributo é outro.
Poderá falar-se aqui de uma síntese do direito como sentindo (filosoficamente identificado a justiça
ético-politica) e do direito como experiência (prática jurisprudencial) e em que as duas
intencionalidades se tornam duas dimensões e unitariamente constitutivas da juridicidade. Com três
notas simultâneas de conversão: 1) o sentido transnormativamente fundamemante assimila o legado
grego do “direito natural”, mas intencionado agora por uma razão filosófico-especulativa perspectivada
teologicamente — abstraímos da tensão entre o ‘’voluntarismo", agostiniano e franciscano, e o
"racionalismo" tomista, não obstante a importância desta polémica na compreensão do direito e de
categorias dele muito particulares, como a da lex e do '’direito subjectivo"; 2) a dialéctica autonomia-
responsabilidade adquire uma conversão existencialmente axiológica radical: a) a autonomia
compreende-se como valor absoluto (titulada pelos homens enquanto filhos de Deus) e pessoal
(imputada à subjectividade, agora ética, pessoalmente assumida) — é a liberdade pessoal, liberdade
que pode pecar. B) a responsabilidade é a correlatividade necessária dessa liberdade, já que esta só
tem sentido em referência à transcendência que a possibilita — além de que a liberdade se reconhece
como uma vocação ( é o que hoje diríamos "liberdade positiva") e, já por isso, a responsabilidade (re-
spondere) toma-se culpa (responsabilidade pessoal); c) com duas outras notas ainda: o direito ius
converte-se em lex, mas lex com um sentido ético (de mandamento), que a modernidade em princípio
aceitou, posto que só na sua abstracta normatividade sem sentido ético e o substituísse por um sentido
seculamente político; em função das condições culturais medievas (a essencial mediação de textos e
autoridades) e da recepção do direito romano num livro (um livro leigo junto do livro sagrado), a
jurisprudência prática transforma-se em hermenêutica (numa dogmática hermenêutica) e o logos
jurídico toma-se também hermenêutico dialético e depois lógico-sistemático.
Em conclusão. Se para os gregos o direito era um problema filosófico - intencionalidade que, por
sua influência, se mantém na dimensão teológico-filosófica - e para os romanos era uma prática, uma
experiência socialmente prudencial, volve-se agora já em lex, já em dogmática (numa dogmática
hermenêutica a) e o logos jurídico tona-se também hermenêutico-dialéctico e depois lógico-
sistemático.
Sem esquecer ainda e por fim que a mais explícita das institucionalizações do círculo é aquela
que se cumpre distinguindo os diversos estratos do sistema (e conferindo-lhes modos de
vinculação-vigência institucionalmente inconfundíveis). Trata-se com efeito de surpreender a
regressividade problemático-constituenda deste sistema... ou de a surpreender reconhecendo
um movimento partilhado (determinado pela prioridade metodologicamente constitutiva do caso-
problema ou pela perspectiva que este assegura): aquele movimento que se cumpre levando a
sério diversos tipos de presunções (ditas de validade, autoridade, racionalidade e justeza) e
inscrevendo nelas (ou na assimilação dos tipos de problemas experimentáveis) outras tantas
possibilidades (metodologicamente diferenciadas) de as refutar-ilidir (e de assumir os explícitos
ou apenas implícitos ónus de contra-argumentação).
Validade neste sentido que não dispensa decerto uma sua determinação, a determinação da sua
normatividade referível e invocável [...]Um de referência sociologicamente cultural e de uma maior
histórica contingência positivo-social, em que a ordem de validade sobre as vicissitudes e a variação da
positividade, outra de uma específica intencionalidade principiológica que se vai de algum modo
subtraindo à imediata dialética histórica e em que o direito encontra a imediata expressão do seu
subsistente sentido de direito, e um terceiro, último e capital, de uma substantiva ou material axiologia
humano-comunitária, a referir na sua manifestação o suum e o commune e a dialéctica entre eles
enquanto a expressão axiológico-normativa da autonomia pessoal e da responsabilidade comunitária, e
que já vimos ser afinal o critério da justiça que o direito como validade é chamado a traduzie e a ser
(NEVES, António Castanheira. Pensar o direito num tempo de perplexidade, cit., p. 15 e seg.).
ε. A distinção entre “questão de fato” (quaestio facti) e “questão de direito” (quaestio juris): a
pergunta fundamental pela “validade jurídica” ou pelo “sentido jurídico” dos “dados reais ou
factuais duma problemática juridicidade”.
E com isto importa ainda sublinhar alguns pontos. Desde logo — insista-se —, a “questão-de-
facto” e a “questão-de-direito” não são duas entidades em si, de todo autónomas e
independentes, antes mutuamente se condicionam, além de que também mutuamente se
pressupõem e remetem uma à outra: a questão de direito é o desenvolvimento explicitante e
judicativo do problema jurídico do caso jurídico decidendo, e, como tal, não pode pensar-se
nem resolver-se senão como solução desse problema, em unitária referência a ele; a questão
de facto ocupa-se da objectivação e da comprovação da relevância objectiva de um concreto
problema jurídico, e, como tal, não pode pensar-se nem resolver-se senão na perspectiva da
problemática juridicidade concreta que exige aquela objectivação e comprovação. Depois, na
objectiva relevância jurídica participam todos os elementos que para o problema jurídico
concreto e na situação histórico-social que lhe corresponde se hajam de considerar como dado
ou pressupostos objectivos desse mesmo problema. Postoo que não concorrem aí apenas
“factos empíricos”, mas dados-pressupostos de toda a índole, empíricos, sócio-culturais (com
os sentidos e valorações que lhes correspondam) e inclusivamente jurídicos – p. ex., o direito
estrangeiro, na sua subsistência normativa, pode ser pressuposto e nesse sentido “facto” para
um problema concreto de direito internacional privado, assim como a consideração de um
negócio ou de um contrato jurídicos, enquanto tais, um delito, uma qualquer situação jurídica,
etc., para um caso jurídico em que o problemático decidindo tenha um sentido para o qual
aquela consideração seja simplesmente pressuposto ou “dado” relevante. Também a
comprovação, ou a prova dos elementos da relevância jurídica não tem de seguir tão-só o
modelo teorético-científico (com os desvios indispensáveis), a prova jurídica e a sua índole são
as que o processo jurídico determine no seu objectivo jurídico último, não “científico”, mas
prático-normativo – a relevância é uma objectivação prática a comprovar num sentido e num
modo também decisivamente práticos (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p.
335 e seg.).
2. O direito como “alternativa humana” ao problema de nossa vida em comum e o papel do
juiz no projeto cultural do direito
Numa palavra, o sistema noramtiviscamente positivo acaba por ser apenas um conjunto de
formais critérios jurídicos utilizados ao serviço de uma intenção normativa que o ultrapassa. O que
do mesmo passo significa que o direito histórico-socialmente realizado é bem mais vastao e rico
do que aquele que apenas pela normativa legalidade se define no seu corpus formalmente
prescrito.
Por minha parte, quero insistir num outro tipo de crítica, que tenho por fundamental, já que tem a ver
directamente com o próprio sentido do direito. Se levarmos a sério e às últimas conseguências a
perspectiva em causa, o que teremos afinal é um sistema político-jurídico em que o direito deixa de ser
tanto uma normatividade de garantia e como uma axiologia ou um sistema de validades materiais
pressupostas que se subtraia à contingência decisória numa intenção regulariva, e converte-se ele próprio
num instrumento de todo relativizado ao a posteriori da sua própria performance, relativizado às suas
conseguências de momento e variáveis. Assim como a função judicial (enquanto paradigmática instituição
do Estado-de-Direito) não passará de uma funcional longa manus da intervenção político-social ou de um
seu mero alibi legitimante. Num caso, desaparecerá o Estado-de-Direito, transformando num Estado de
mera administração, e, sob princípio salus populis suprema lex, o direito volta a ser, maquiavélica,
totalitária ou tecnologicamente “o que é útil ao povo”; no outro caso, teremos uma “real desnaturação
instrumental da justiça” – para o dizermos com ESSER – e o “fim da actividade jurisdicional no seu
autêntico sentido” (NEVES, António Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 61).
Ora, se é esta indisponibilidade (este ser fim-em-si ou esta dignidade) que, ao afirmar-se na pessoa, dá
fundamento à sua qualidade ética de sujeito ético (se só o ser livre reconhecido na sua dignidade pode
ser verdadeiramente sujeito ético), assim como tínhamos igualmente compreendido que o ser sujeito
ético é condição transcendental do direito, então não podemos também deixar de reconhecer, segundo
o enunciado de HEGEL, que “o imperativo do direito é este: sê pessoa e respeita os outros como pessoas”.
Nestes termos, pode dizer-se que esta é a mais funda dimensão ética do direito e através da qual o
podemos mesmo compreender em último termo como uma expressão do amor – o “amor aos homens”
é sempre e essencialmente “conhecimento da pessoa”, “ordenação ao outro”. Amor ao próximo,
verdadeiramente. Pelo que, distinguindo-se embora o direito da ética, na sua perspectiva intencional e
na sua normatividade específica – e uma coisa e outra em virtude da condição mundanal -, nem por isso
deixa ele de ter afinal na ética a sua constituinte possibilidade. O direito não é a ética, mas tem uma
dimensão ética (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 36).
Vimos que a “teoria sistémica do direito" não é uma sociologia do direito, mas já se
propõe ser uma “teoria sociológica do direito". E é esta esta perspectivação sociológica que
acaba por determinar a sua concepção-perspectiva do próprio direito, aquela que vimos
afinal resultar da conjugação dos tópicos fundamentais que lhe foram referidos.
Ora, uma tal concepção vemo-la de todo criticável, e criticável naquele plano justamente
em que como concepção do direito, com o significado que a esta expressão temos atribuído,
deverá discutir-se. Não tão-só no plano teórico, como foi o caso ou pretendeu ser o caso
das posições anteriormente consideradas, mas no plano em que as concepções do direito,
com serem a tentada inteligibilidade do sentido, que não apenas da determinação objectiva,
implicam a compreensão da juridicidade enquanto tal, nos seus pressupostos humano-
culturais, na sua projecção significante e nas suas consequências de realização. E nesse
plano crítico a conclusão, também crítica, será apagógica, atrevemos a dizê-lo. Os quatro
tópicos principais em que a concepção sistémica do direito encontra a sua síntese - o tópico
da radical socialização do direito, o tópico da sua radical positivação, o tópico da sua radical
anormatividade, o tópico da sua radical simetria auto-referente - são outros tantos
absurdos na compreensão do direito. Pois o primeiro tópico implica que aquilo que se diz
ser o direito (nos termos da sua identificação com o “sistema jurídico" e tal como este vai
entendido) revela-se uma entidade afinal sem direito; pelo segundo tópico igualmente o
direito será sem validade, pelo terceiro tópico, o direito será sem normatividade, pelo
quarto tópico, com toda a sua implicação referida, o direito será sem sentido. E o absurdo
global está em termos em tudo isto uma compreensão do direito que lhe anula – sem
justificação, como de imediato se verá – tudo o que de essencial o diferencia e lhe confere,
na verdade, um sentido irrenunciável na nossa realidade humana, na realidade da nossa
existência e do nosso encontro humanos (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit.,
p. 298).
Atrever-me-ei a dizer este o programa hoje da filosofia do direito? É que o direito não é tudo na realidade
humana, mas é uma dimensão capital, e irrenunciável, da humanidade do homem: por quê, para quê e
com que fundamento se manifesta humanamente essa específica, autonomamente específica, dimensão
humana? O homem não necessita ser pensado para o ser, mas só pensando-se o homem a si mesmo se
assume como homem – que a filosofia do direito concorra para esse pensar-se o homem na sua
humanidade (NEVES, A. Castanheira. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.
147).
Por outro lado, na tópica-retórica “a discussão é a única instância de controle” – para usarmos uma
formulação de VIEHWEG -, mas já no jurídico, e concretamente no jurídico decisório de realização
judicativa, a instância de contrôle é o terceiro imparcial de uma institucional autoridade (v.g., o tribunal), que
poderá e deverá ser instruído pela contraditória “discussão” ou argumentação das partes, mas que tem
autonomia judicativa [...] Por último, este juízo não terá de ser apenas racional – argumentativamente
concludente e sim normativamente fundado na validade normativo-dogmática do sistema jurídico vigente –
o seu juízo não poderá obedecer simplesmente às condições e regras do discurso da razão prática, terá que
realizar fundadamente em concreto a validade jurídica. Por tudo o que a racionalidade jurídica judicativo-
decisória, ou da normativa realização do direito, haverá de ser uma racionalidade de fundamentação (não
apenas processual) e material (não simplesmente formal) (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p.
74).
Importante agora é chamar de novo a atenção para a circunstância de aquela tentada narrativização da
normatividade jurídica o que no fundo faz é pôr entre parêntesis ou omitir essa normatividade, enquanto
dimensão intencionalmente problemática e constitutiva, para considerar só os seus resultados — substituindo
desse modo o normativo pelo descritivo, mas sem possibilidade afinal de reduzir aquele a este. Decerto que
nos seus resultados o direito poderá ser visto, como dissemos já, como uma particular forma de organização
do social comportamento humano, mas o que não pode é esquecer-se com isso que antes dessa organização
se puseram problemas normativamente específicos a intencionar pressuponentemente uma validade
axiológico-normativa e que foi o juízo de solução normativa desses problemas num certo sentido, tomando
posição axiológico-normativa fundamentada naquela intencional validade perante uma certa realidade
(também normativamente referida, como sabemos), que se obteve, como resultado, essa mesma organização,
hipoteticamente concebida ou socialmente verificável e narrável (NEVES, A Castanheira. O actual
problema metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 408).
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Só que, querer compreender o sentido do direito, na procura de uma “nova fundamentação”, pelo sentido
sem mais da sua manifestação em histórico-concreta realização, ou identificando aquele sentido do próprio
direito com o sentido desta sua manifestação — considerando tão-só a sua linguística historicidade, a sua
prático-concreta analogicidade e nesta porventura também já a “correspondência” entre ser e dever-ser,
entre normatividade e realidade, assim como a sua vinculação à vida histórico-social ou à compreensão
normativo-analógica dela que uma praxis dialéctico-argumentativa iria enriquecendo –, faz com que estes
pensamentos hermenêuticos sejam postos criticamente perante uma alternativa problemática a que são
incapazes de dar resposta. Ou terá de aceitar-se que é “justo” todo e qualquer direito que daquele modo se
realize e manifeste, e será isso afinal como que uma paradoxal indiferença — que não vai manifestamente,
muito pelo contrário, no objectivo daqueles pensamentos — quanto ao sentido concreto da justiça
realizada e manifestada; ou terão de reconhecer que, para além deles ou da coerência das suas intencionais
possibilidades, se põe um problema que não podem evitar, mas que de todo modo também não resolvem:
o problema de validade do direito daquele modo hermeneuticamente compreendido, o crítico problema da
sua fundamentação normativa, afinal o problema do seu próprio sentido e da sua “justiça” (NEVES, A
Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 419).
E para ser ele [o direito] aquilo que verdadeiramente deve ser e para que possa cumprir a sua autêntica
função de direito – afirmar-se como a última instância crítica (axiológico-normativamente crítica) da
comunidade, através da qual o homem se afirmará na sua dignidade indispensável à prepotência do
poder, seja do poder dos outros homens, seja o poder do poder político (NEVES, António Castanheira.
Digesta, v. 2º, cit., p. 413).
Prescindindo de atender aqui a todas as modalidades de que o utilitarismo é susceptível (“utilitarismo de actos” e
“utilitarismo de regras”, “ut. positivo” e “ut. negativo”, etc.) e das inúmeras críticas de que a “moral utilitarista” tem sido
objecto (uma das ultimamente relevantes é decerto a de JOHN RAWLS, A Theory of Justice, 1972, 22, ss., 183, ss.;
na trad. port., 40, ss., 153, ss.), aludiremos apenas às que lhe dirige também o movimento Law and Economics,
sobretudo por POSNER: o problema da medição (como se poderá medir a satisfação subjectiva em termos
objectivos?), o problema moral do “monstro utilitário” (como ponderar as satisfações do criminoso e dos não
produtivos?), o problema dos limites (de quem são as utilidades relevantes? conta a felicidade dos animais? dos
estrangeiros? das futuras gerações?) – sobre esta crítica e para desenvolvimentos, v. ANDRÉS ROEMER,
Introducción al análisis económico del derecho, 1994, 29, ss.
E tanto basta para compreender que POSNER se propusesse substituir essa versão originária e criticável do
“princípio da utilidade” pelo sentido que lhe definiria a “maximização da riqueza” (o “princípio da maximização da
riqueza”), nos termos atrás enunciados [...].
Quanto à concepção do direito, as coisas não são menos evidentes. O direito vai aqui decerto concebido tão-só
como uma técnica ou operador regulativo, institucional e decisório funcionalmente instrumentalizado à eficiência
económica – ao bem-estar dos membros da sociedade, enquanto sociedade de desenvolvimento sócio- -económico
e que procura maximizar a riqueza e os interesses e evitar ou minimizar os custos e os danos. E directa e
especificamente com a função de criar estímulos e contra--estímulos, pelos meios jurídicos, aos comportamentos que
o possibilitem. Pelo que, dir--se-á com OWEN FISS, se os movimentos da teoria crítica afirmavam que “o direito é
política”, aqui postula-se que “o direito é eficiência” (NEVES, António Castanheira. Apontamentos complementares de
teoria do direito: sumários e textos. Coimbra: Policopiado, 1998, p. 20 e 21).
***
Opção esta que, analogamente, terá o seu critério crítico nas suas consequências. E estas não serão aqui
menos graves, pois atingem a subsistência do direito em si mesmo. Se for exacto pensar, como temos
pensado, que o direito só se afirmará qua tale na síntese de três dimensões constitutivas – uma dimensão
social ou de interferência social, uma dimensão de ordem-institucionalização e uma dimensão ética –,
então a primeira opção, que prescinde de (quando não nega) esta terceira dimensão, o que acaba por
implicar não é apenas uma concepção alternativa do direito, mas uma alternativa ao próprio direito – o
direito, enquanto tal, desaparecerá para ceder o seu lugar a outros reguladores sociais. E se tivermos
presente o que o direito sempre tem representado na nossa civilização greco-romana e cristã-europeia,
pode-se então fazer uma ideia do custo humano e civilizacional da sua superação (NEVES, António
Castanheira. Apontamentos complementares de teoria do direito: sumários e textos. Coimbra:
Policopiado, 1998, p. 32).
β. A “consciência jurídica geral”, a validade dos princípios (princípio como autêntico ius), o
problema da súmula vinculante (“assentos”) e a negação da dicotomia “casos fáceis” e “casos
difíceis”: a inalienável responsabilidade pelo caso decidendo e o pepel preponderante da
“comunidade dos juristas”.
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Recorde-se a distinção entre princípios como ratio, como intentio e como jus, na
qual Castanheira Neves tem exemplarmente insistido desde a sua citada lição-
síntese… e que aqui e agora reconstituímos invocando a mediação privilegiada das
suas aulas e ensinamentos orais. As concepções que vêem nos princípios apenas
ratio (condições epistemológicas de uma racionalização cognitivo-sistemática das
normas legais) são, na verdade, herdeiras da compreensão normativística dos
princípios gerais de direito (e muito especialmente daquela que o positivismo
conceitual desenvolveu na segunda metade do século XIX) — uma compreensão
que reduz o direito ao estrato das normas para ver nos princípios gerais “normas
mais abstractas e mais gerais” obtidas por abstracção generalizante ou
concentração-classificação (se não por indução) a partir das normas vigentes e com
o objectivo claro de conseguir um domínio cognitivo racionalmente mais logrado
destas últimas e da unidade horizontal (por coerência)que estas constituem… —
normas que assim mesmo os princípios gerais não excedem normativamente, às
quais nada acrescentam no plano das “soluções” prático-normativas, com as quais
(enquanto axiomas racionalmente imanentes) nunca entram em confronto (às quais
nunca põem exigências de validade!)... cujas significações se limitam a reproduzir-
sintetizar... Outra é a compreensão dos princípios como intenções (intentio).
Segundo esta linha de compreensão (na qual reconhecemos a herança neo-
kantiana de Stammler), trata-se de admitir que as intenções-exigências dos
princípios têm já um sentido prático-normativo... excluindo no entanto a
possibilidade de vermos nelas autêntico direito vigente. Para constituirem direito
vigente (para adquirirem juridicidade), estas intenções têm, à luz desta perspectiva,
que ser assimiladas pelas normas legais (a começar pelas leis constituticionais) e
(ou) pelos precedentes vinculantes — têm, numa palavra, que se manifestar em
critérios positivos vinculantemente institucionalizados, recebendo destes (ou da
autoridade-potestas que os sustenta) a sua força jurídica (ou a dimensão
constitutiva que a traduz). Há aqui de resto duas possibilidades (que podem ser
defendidas em conjunto ou separadamente... se não concebidas como meras
diferenças de grau). (1) A possibilidade de ver nos princípios intenções regulativas
(manifestação de expectativas sociais ou de compromissos comunitários sem
carácter jurídico) capazes de orientar directamente (mas apenas de orientar!) a
construção-produção de critérios jurídicos (especialmente legislativos) [função
regulativa para a normativa constituição do direito positivo (os princípios como
intenções regulativas, não constitutivas, que a política legislativa deverá ter em
atenção ou que a poderão orientar na busca de soluções mais adequadas)].(2) A
possibilidade de ver nos princípios intenções regulativas com um carácter
metodológico: intenções que, não constituindo como tal direito vigente, podemos
convocar como apoios-arrimos (se não como cânones ou regras secundárias de
juízo... ou até mesmo como razões argumentativas) quando interpretamos uma
norma legal ou um critério jurisprudencial... e muito especialmente quando temos
que enfrentar um caso omisso e resolver um problema (dito) de integração [função
regulativa no direito positivo constituído e na prática de integração ou
desenvolvimento deste] [...] Ao assumir uma compreensão dos princípios
normativos como autêntico direito vigente (princípios como jus), no seu sentido forte
e pleno — ao reconhecer nestes os fundamentos constitutivos da validade do direito
(em todos os planos de afirmação e experimentação da juridicidade) —, a
reconstituição jurisprudencialista não só nos expõe a uma experimentação
permanente do excesso normativo dos princípios — enquanto intenções
constitutivas de um normans (inesgotáveis nos critérios e nas realizações que
fundamentam) — como também exige que ao problema do tratamento destes
warrants corresponda uma experiência de constituição-manifestação-realização
inconfundível. Acentuação esta última que nos permite reconhecer uma
institucionalização particularmente expressiva da relação entre a pressuposição
integradora de um horizonte de validade e a abertura permanente a uma pluralidade
de contextos de realização — se não já explicitamente do círculo ontologicamente
produtivo em que esta inevitavelmente se inscreve. O que aqui e agora significa
testemunhar uma especialíssima consonância prática entre os princípios que se
invocam como compromissos e projectos de ser ou de ser-com-os-outros (a cuja
orientação-condução nos submetemos) e o “conteúdo normativo-concreto” da
realização destes compromissos (indissociável dos problemas-controvérsias e do
novum irredutível que estes introduzem). Decerto porque os princípios não
antecipam problemas ou tipos de problemas (ainda a imagem do farol ou da
bússola!)... na mesma medida em que, furtando-se a uma qualquer pré-
determinação em abstracto das suas exigências, só fazem sentido (só atingem a
sua integridade normativa) realizando-se (e neste sentido também transformando-
se e transformando-se inevitavelmente em cada nova experimentação
concretizadora). Como se, numa palavra, se tratasse de experimentar um
continuum (sem soluções) de constituição-manifestação-realização —
exemplarmente distinto daqueles que os critérios legislativos, jurisprudenciais ou
dogmáticos nos impõem —... mas então e assim também de permitir um outro
tratamento da singularidade... — um tratamento que não fique prisioneiro de uma
assimilação da pluralidade previamente decidida ou experimentada (e da
violentação-domesticação do novum que todos os critérios, em termos mais ou
menos drásticos, representam) (LINHARES, José Manuel Aroso.
Jurisprudencialismo, cit., nota 193, p. 166 e segs.).
O que se compreende se tivermos presente que a reconstituição em causa nos ajuda a resistir a esta
fragmentação ou à sua superação unilateral. Mostrando que não estamos condenados a que o fenómeno
da multiplicação dos discursos e metadiscursos (que se tornou uma dimensão inescapável da nossa
circunstância) nos atinja enquanto juristas — e enquanto juristas integrados numa determinada
comunidade de juristas (comprometidos com um socioleto possível ou com um desempenho profissional
específico e com as “situações institucionais” que o(s) assumem) — apenas como uma experiência de
indeterminação. Como não estamos condenados à pragmática de indecidibilidade ou mesmo ao
paradigma de decisão que a consagração desta experiência como palavra última inevitavelmente
determinaria (LINHARES, José Manuel Aroso. Jurisprudencialismo, cit., p. 163).
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Cremos que a procura desses outros fundamentos nos remete à consciência jurídica geral, em que
encontra objectivação histórico-comunitária o fundamental — porque fundamentante e
constitutivamente último —princípio normativo do direito. Temos explicitado e tentado justificar este
pensamento noutros estudos e noutras oportunidades — v. A Revolução e o Direito, p. 198; Justiça e
Direito, p. 50 ss.; Fontes do Direito, p. 71 ss. e 80 ss.; Introdução ao Estudo do Direito. Pelo que nos
bastaremos aqui com sublinhar que “consciência jurídica geral” como objectivação histórico-comunitária
do princípio normativo do direito, significa a síntese de todos os valores e princípios normativos que nessa
comunidade dão sentido fundamental ao direito ou que verdadeiramente lhes conferem o sentido de
direito. Digamos, a síntese axiológico-jurídica dessa comunidade (NEVES, António Castanheira.
Metodologia jurídica, cit., p. 280).
Em terceiro lugar, e tendo a ver directamente com a identificação estrita do direito com
um pressuposto “direito positivo”, mas em que se poderá ver de algum modo um
corolário dos dois pontos anteriores, não pode deixar de reconhecer-se que esse direito
positivo só por si não oferece quer os critérios, quer os fundamentos normativo-jurídicos
exigidos pela realização do direito. Já a nível imediatamente hermenêutico se verifica
que a interpretação jurídica não pode prescindir da referência a factores ou a elementos
normativos extratextuais e transpositivos, sejam eles valores, interesses, a “natureza
das coisas”, critérios ético-sociais, etc., de tal modo que se haverá de concluir com Esser
(Vorverständnis, cit., p. 132, nota 57) que “cada interpretação representa uma
associação de lex scripta e ius non scriptum, a qual unicamente cria a própria norma
positiva” – sobre este ponto, v. ainda o nosso artigo “Interpretação jurídica”, in Polis, 2,
p. 695 ss., e infra. E, mais importante ainda, o processo global da concreta realização
do direito revela iniludíveis limites normativo-juridicamente objetivos, intencionais,
temporais e de validade nesse pressuposto direito positivo que impõem à realização do
direito uma indispensável e contínua convocação, já de modo reconstitutivo, já de modo
autonomamente constitutivo, de critérios e fundamentos normativo-jurídicos
transpositivos para o adequado cumprimento da sua tarefa judicativa (NEVES,
Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 29 e seg.).
E este último ponto, que é aquele que tem a ver mais diretamente com as questões metodológico-judicativas
que convocam a interpretação jurídica, logo nos faz compreender que o prius metodológico não é a norma-
prescrição fechada na sua significação e subsistente na sua idealidade, mas pelo contrário o caso concreto
decidindo, na sua autónoma e específica problematicidade jurídica – como temos vindo a acentuar e tende
a ser já hoje um lugar comum: v., por todos, FIKENTSCHER, Methodendes Rechts, IV, p. 202: “O ponto
de partida é o caso particular decidindo”; R. GROSCHNER, Dialogik und Jurisprudenz, p. 91: “não o texto
da lei, mas o caso é o A e O dos juristas” – e é em função desse caso e para a sua judicativa decisão que se
interrogam interpretativamente as normas jurídicas aplicáveis, as normas que possam ser critério
normativo-jurídico da solução-decisão do mesmo caso (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p.
129).
Por isso seria também tarefa capital da filosofia do direito, não apenas uma sua compreensão, mas “dar
respostas às questões que os homens lhe põem; a questão quanto à diferença do direito e do não-direito
(Unrecht), a questão quanto às condições de uma sociedade bem ordenada, a questão quanto a uma paz
duradoura, a questão quanto aos bens, oportunidades e ónus que a cada um lhe caibam como seus, a
questão quanto à medida justiça que a nós homens é possível realizar” (NEVES, A Castanheira. O actual
problema metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 421).
Mais do que isso: a irredutível abertura do sistema impõe ainda que a realização do direito interrogue
continuamente e se faça intérprete, no seu juízo normativo concreto, do consensus jurídico-comunitário
das intenções axiológico-normativas da ‘consciência jurídica geral’, com as suas expectativas jurídico-
sociais de validade e justiça – e daí também quer a indispensável e responsável mediação do ‘intérprete’,
quer o momento filosófico-jurídico de toda a realização do direito (NEVES, Castanheira. Metodologia
jurídica, cit., p. 80).