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Hermenêutica Jurídica

Sumários de Aula

Antonio Sá da Silva
antoniosa@antoniosa.com.br
www.antoniosa.com.br

O conteúdo programático

1. O Problema da Interpretação e as Teorias Interpretativas na História do Pensamento Jurídico Ocidental.


2. A Crise da Interpretação Jurídica no Século XX e a Viragem Interpretativa dos Movimentos de Reinvenção da
Filosofia Prática e da Semiótica Jurídica.
3. A Crise Atual da Filosofia e os Limites da Interpretação Jurídica.
4. A Plausibilidade da Interpretação Jurídica na Contemporaneidade do Pensamento Metodológico.
5. A Interpretação Jurídica e as Teorias Atuais da Decisão Jurídica.

A metodologia

A metodologia de trabalho consistirá na explanação em sala utilizando-se do pincel e quadro, com


acompanhamento dos sumários de aula, os quais serão disponibilizados aos alunos sempre que possível antes
da aula. Os sumários consistem no resumo das principais ideias que norteiam o curso, com indicação pontual dos
autores cujas ideias filosóficas serão discutidas no curso, assim também com a indicação de bibliografias de apoio
para o estudo de tais ideias e/ou autores.

A abordagem dos conteúdos em geral será iluminada pela utilização de obras filosófico-literárias que de modo
exemplar estimulem, por meio do diálogo com as personagens da obra, a reflexão acerca dos problemas
levantados pelo curso, conforme especificação no item seguinte.

A avaliação

Cada uma das provas da primeira e segunda unidade distribuirá os pontos da seguinte forma: 1,0 ponto para um
exercício jurídico-literário da obra que ilustrará os estudos de cada unidade; 3,0 pontos para um trabalho original,
feito em equipe e a partir de questões suscitadas pelos textos de apoio; 6,0 pontos para uma prova escrita que
conterá três questões objetivas valendo 1,0 ponto cada e uma questão dissertativa valendo 3,0 pontos.

Os critérios de correção das questões dissertativas serão a riqueza do conteúdo, a objetividade e a clareza do
texto, sendo certo que a resposta deverá conter, no máximo, 25 linhas; a correção dos trabalhos observará, para
além dos critérios firmados para a questão dissertativa, a pertinência entre a argumentação, o conteúdo da aula
referido e o caso pesquisado; esses trabalhos deverão ser entregues na data da prova e cada um deve ter entre
100 e 120 linhas (total) digitadas na fonte 12, Times; os exercícios jurídico-literários terão, cada um, dez questões
objetivas sobre a obra.
.
PRIMEIRA UNIDADE: O DESAFIO HISTÓRICO DA INTERPRETAÇÃO NA ANTÍGONA, DE
SÓFOCLES
CAPÍTULO I: O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO E AS TEORIAS INTERPRETATIVAS NA
HISTÓRIA DO PENSAMENTO JURÍDICO OCIDENTAL

Textos 1: NEVES, António Castanheira. Método Jurídico. In: ______. Digesta: escritos
acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra
Editora, 1995, v. 2º, p. 283-336; NEVES, António Castanheira. Interpretação Jurídica. In:
______. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e
outros. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, v. 2º, p. 337-377; PALMER, Richard
E. Hermenêutica. Tradução Maria Luisa Ribeiro Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2006;
ATIENZA, Manuel. Las razones del derecho: teorias de la argumentación jurídica.
Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997; SOARES, Ricardo Maurício
Freire. Hermenêutica e interpretação jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

AULA 1: O SENTIDO E O OBJETO DA INTERPRETAÇÃO: A INTERPRETAÇÃO É REALMENTE


NECESSÁRIA? HÁ DE FATO UMA DISTINÇÃO ENTRE INTERPRETAR, CRIAR E APLICAR O
DIREITO? EXISTEM GRAUS ENTRE MODELOS DE INTERPRETAÇÃO?

α. As condicionantes histórica, cultural, epistemológica e prática da interpretação jurídica.

(NEVES, António Castanheira. Digesta: escritos acerca do direito,


do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra:
Coimbra Editora, 1995, v. 2º, p. 337).

β. Haverá uma teoria que garanta uma intepretação clara e estável? A superação da tese
in claris non fit interpretatio. As interpretações legislativa, administrativa e judicial. As
interpretações histórica, filológica, sociológica e sistemática. Questões relativas à tradicional
diferenciação.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 338-341).
AULA 2: A NATUREZA CRIATIVA E JURISPRUDENCIAL DA INTERPRETAÇÃO NO DIREITO
ROMANO CLÁSSICO E RENASCENTISTA.
α. O contexto prático-interpretativo anterior ao da iurisprudentia.

β. A exigência, pela plebe, de publicidade do procedimento litúrgico do direito.

(CRUZ, Guilherme Braga da. O “jurisconsultus” romano. In: ______. Obras


esparsas: estudos de história do direito antigo. Coimbra: Coimbra Editora,
1979. v. I, 1ª parte, p. 139).

γ. A ruptura com a prerrogativa dos pontífices na interpretação do direito: o acesso da


plebe ao “Colégio dos Pontífices”.
Tibério Caruncânio passou a consentir que assistissem às consultas todos aqueles
que desejassem instruir-se nas coisas do direito, fossem ou não directamente
interessados nos problemas propostos.
A partir desse momento, a jurisprudência estava definitivamente laicizada. Os
pontífices não voltavam a ser consultados como detentores do segredo do direito, mas
apenas como técnicos dos assuntos jurídicos, passando a sofrer, nessa qualidade, a
concorrência de todos os cidadãos que resolviam especializar-se no estudo do direito. É
as estes especialistas da ciência livre do direito que as fontes romanas dão propriamente
o nome de “iurisconsulti” ou “iurisprudentes”. A velha ciência jurídica, rigorosamente
apelidada nas fontes de mera “interpretatio”, só então passa a receber, como ciência
independente e acessível a todos, a denominação de “iurisprudentia” (CRUZ, Guilherme
Braga da. O «jurisconsultus» romano. In: CRUZ, Guilherme Braga da. Obras esparsas:
estudos de história do direito – direito antigo. Coimbra: Coimbra Editora, vol. I, 1ª parte,
1979, p. 147).

δ. A passagem da interpretatio romana para a iurisprudentia do jurisconsulto romano.

Tudo começou decerto com o contributo do pensamento grego, mas longe de aí ter ficado
definido o que de essencial só veio depois. Os gregos não pensaram verdadeiramente o direito
na sua diferenciação específica, e não tiveram, justamente por isso, uma palavra para a denotação
de "direito" – invocavam Dike, que cumpre e controla os ditames de Themis (as themistes) numa alegoria
mitológico-filosófica (o mythos e logos ainda confundidos) que estava longe de pensar o direito e
apenas aludia a uma qualquer necessidade (metafísica) regulativa em geral. E assim continuou
até o fim, não obstante toda a evolução filosófica. A prática em geral era perspectivada por um
holismo ético-político em que o direito como tal, na sua diferenciação problemático-institucional,
se diluía. O problema era antes o problema da "justiça”, enquanto expressão intencionada da
ordem do ser (de novo o cosmos) metafisicamente pressuposta e inteligível como logos, não o
direito especificamente – a justiça como referência simultaneamente ontológica, ética, política, e
também, mas indiferenciadamente e decerto menos importante, jurídica. A essencial ou exclusiva
referência entre direito à justiça não é grega, não obstante Aristóteles, sequer romana, e sim
medieval (de S. Agostinho a S. Tomás) (NEVES, António Castanheira. Digesta: escritos acerca do
direito, do pensamento jurídico, da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora,
2008, vol. 3º, p. 111 e seg.).

_______

Uma outra, e de todo distinta, estação foi a romana. Aí se afirmaria já nuclearmente o direito na bem
diferenciada "experiência jurídica", com base constitutiva em cinco pólos capitais. 1) a sua "Isolierung” (F.
Schulz) contextual – política, econômica, mesmo ética, não excluindo esta última a particular axiologia
diferenciadamente jurídica que os tria principia sintetizavam –, isolamento que a prática jurídica
manifestava e que apenas no séc. XIX a dogmática também jurídica de novo se propôs e teorizou; 2) o
problema especificamente jurídico – e a que a fórmula também de F. Schulz deu expressa acentuação: "in
the beginning was the case"; 3) o direito a encarnar em titularidades jurídicas (iura, res, actiones) num
contexto de respondere social; 4) a intencionalidade prático-normativa, a assumir a intersubjetividade e a
exprimir o sentido da justiça estritamente jurídica na fórmula agora de Cícero, suum cuique tribuere; 5) o
logos ou a racionalidade também especificamente jurídicos no juízo prudencial. E como resultado, o direito
como jurisprudentia, categoria e universo de pensamento autónomo referido também a uma classe sócio-
cultural diferenciada – juristas, não os filósofos, não obstante a leitura tivessem feito dos filósofos gregos.

O direito manifesta-se, pela primeira vez, nestes termos como uma entidade prático-cultural muito própria
que se subtrai ao normativismo ético-político grego enquanto uma muito distinta prática sócio-prudencial-
judicativa – o seu domínio não é o filosófico-especulativo e antes o sócio-jurisprudencial. E em que
manifestamente vai in nuce a problemática específica do direito no contexto global da experiência humana
– numa dialética entre autonomia e responsabilidade – e se constitui um sentido que traduz
intencionalmente a passagem do problema filosófico da liberdade transdeterminada ao problema prático da
liberdade autonomamente assumida responsabilizada no contexto social. Assim emerge um sentido
civilizacionalmente novo que começa constitutivamente a caracterizar, como uma sua dimensão específica,
também uma civilização (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 112 e seg.).

ε. A deterioração do direito romano e a formação do direito comum.

A crise do ius commune, visível já no século XV, irá acentuar-se com a emergência
do jusnaturalismo racionalista. Ao refutar a tradição, esta corrente mostra os seus intuitos
destruidores no que respeita aos princípios nucleares que constituem o cimento da formação
organizacional da ordem instituída. Começam a perfilar-se os pressupostos que irão
conduzir à ideia de código como um conjunto de normas simples, claras e autossuficientes,
impostas pelo Estado. A crença na capacidade intrínseca do homem põe em causa a
credibilidade dos velhos instrumentos metodológicos de obtenção da verdade (MARQUES,
Mário Reis. Codificação e paradigmas da modernidade. Coimbra: Edições do Autor, 2003,
p. 355)

AULA 3: A PRETENSÃO CIENTÍFICA DO DIREITO E O REDUCIONISMO LÓGICO DA


INTERPRETAÇÃO: A JURISPRUDÊNCIA DOS CONCEITOS E A ESCOLA DA EXEGESE.

1. A viragem científica do pensamento e da interpretação jurídica

α. As diferentes perspectivas moderna e pré-moderna quanto ao papel do legislador e ao


alcance da interpretação.
(NEVES, António Castanheira. O instituto dos “assentos” e a função
jurídica dos supremos tribunais. Coimbra: Coimbra Editora, 1983, p. 496).

β. A pretensão de reduzir o conhecimento à linguagem das matemáticas: o repúdio aos


saberes metafísicos anteriores.

2. A pirâmide conceitual e o deducionismo da Jurisprudência dos Conceitos

α. A ideia de sistema e a representação da ciência jurídica na pirâmide de conceitos. A


missão da ciência jurídica. O direito dos juristas e a ciência jurídica como fonte do direito.
(LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução José Lamego. 4. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 21).
(LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, cit., p. 22-23).

(LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito, cit., p. 24).

β. Os dogmas do conceitualismo.

3. A síntese jurídica e o deducionismo legal da Escola da Exegese

α. Os fatores culturais e filosóficos impulsionadores da virada legislativa.


(MARQUES, Mário Reis. Codificação e paradigmas da modernidade, cit., p. 383).

β. Os principais formuladores da ideia de codificação.


(BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução
Márcio Pugliesi et alii. São Paulo: Ícone, 2006, p. 27).

γ. O triunfo da burguesia e do discurso da segurança jurídica no Código de Napoleão.


(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 181).

δ. O modelo de racionalidade decisória proclamado pela Escola da Exegese.


(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 182).

ε. O ensino jurídico adotado nos cursos de direito.

(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 190).

AULA 4: O MODELO CIENTÍFICO E SISTEMÁTICO DA ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO

α. O sentido geral e o pressuposto fundamental.


(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 203).

β. O contexto cultural fundador.


(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 204-206).

γ. As características especificadoras.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 213-214).

AULA 5: AS SOLUÇÕES DA ESCOLA DA LIVRE INVESTIGAÇÃO DO DIREITO E DA ESCOLA


DO DIREITO LIVRE
α. As três fases da Escola da Exegese e a “livre investigação” como a última desse
percurso.

(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 190).

(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 191).

β. O “direito livre” como movimento (antes de uma nova escola) de busca do justo, antes e para
além do direito legislador.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 193).
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 194-195).

(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 200).

AULA 6: A JURISPRUDÊNCIA TELEOLÓGICA, A JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES, A


JURISPRUDÊNCIA DOS VALORES E A CRÍTICA DO POSITIVISMO SOCIOLÓGICO.
α. A crise do modelo racionalista de ciência.

β. A negação do Jhering da pandectística pelo Jhering da viragem social-vitalista.

Adquirir o direito, usá-lo, defendê-lo, não é, quando se trata de uma injustiça


puramente objetiva mais do que uma questão de interesse; o interesse é o foco prático do
direito [...] A patologia do sentimento jurídico é para o jurista e para o filósofo (ou, melhor,
deveria ser porque seria falso sustentar que assim seja) o que a patologia do organismo
humano é para os médicos. Nela se encontra todo o segredo do direito. A dor que o homem
experimenta, quando é lesado no seu direito, contém o reconhecimento espontâneo, institntivo
e violentamente arrancado, do que é o seu direito, primeiro para ele, indivíduo, em seguida
para a sociedade humana (JHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Tradução João
Vasconcelos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 36 e segs).

......

A importância de Jhering foi muito grande, nomeadamente no plano dogmático, ao


introduzir a noção de interpretação teleológica, ou seja, de uma interpretação (das normas e
dos negócios jurídicos) de acordo com as finalidades e os interesses em presença [...] Produto
da sensibilidade vitalista é a obra de Rudolf v. Jhering (1818-1892), dominada pela ideia de
que a finalidade e o interesse são as entidades geradoras do direito. Tal como o acaso
biológico no processo de evolução, a vontade é, de facto, a causa genética dos actos humanos
de que se ocupa o direito (HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica
européia. Mem Martins: Europa-América, 1997, p. 197 e seg).

γ. O período, a origem e a concepção prático-social do direito na Jurisprudência dos


Interesses.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 215-217).
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 218-219).
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 236-237).

δ. A análise deficitária e a insuficiência de critérios axiológicos da Jurisprudência dos


Interesses. A investigação de critérios supralegais e de ponderação ventilados pela Jurisprudência
dos Valores.
(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 237-238).

ε. A crise do modelo racional e formalista de ciência: naturalismo, vitalismo e organicismo.


As construções da pandectística tornaram-se progressivamente mais elaboradas e
dependentes da pura construção conceitual. Como se disse, a “gramática generativa” que presidia
este construtivismo lógico-conceitual estava dominada, do ponto de vista formal, pela teoria
kantiana das ciências- que fazia equivaler a verdade ao rigor lógico e à coerência conceitual –, e,
do ponto de vista material, pelos valores típicos do liberalismo burguês, nomeadamente a liberdade
(concebida como poder de vontade) e a sua extensão, a propriedade.
A partir da segunda metade do século XIX este panorama de fundo da sensibilidade
cultural e política, bem como os constextos sociais, começam a mudar.
No primeiro plano, o formalismo epistemológico kantiano – que tinha como ponto de
referência as ciências físico-matemáticas – começa a ceder perante o empirismo e o
experimentalismo, orientados pelos progressos das ciências química e biológica. Observação
empírica, experimentação e um novo tipo de explicação finalista (proveniente, sobretudo, do
darwinismo). O espetáculo dos organismos vivos, em constante evolução na sua luta pela
sobrevivência, é agora a imagem estruturante do saber.
No plano do ambiente social e político quebra-se, pela mesma altura, a unanimidade do
primeiro liberalismo. Os movimentos socialistas manifestam-se vigorasamente na Alemanha, em
1848, e em França, em 1870.O desenvolvimento do capitalismo faz surgir a “questão operária”.
Começa a impor-se a imagem de uma sociedade percorrida por conflitos de interesses e de grupos
(HESPANHA, António Manuel. Panorama histórico da cultura jurídica européia. Mem Martins:
Europa-América, 1997, p. 196).

CAPÍTULO II: A CRISE DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA NO SÉCULO XX E A VIRAGEM


INTERPRETATIVA DOS MOVIMENTOS DE REINVENÇÃO DA FILOSOFIA PRÁTICA E DA
SEMIÓTICA JURÍDICA

AULA 7: A TEORIA PURA DO DIREITO DE KELSEN E O PLURALISMO INTERPRETATIVO DA


MOLDURA.

α.. O normativismo de Kelsen e o paradigma da decisão jurídica. A interpretação como


fixação de sentido. As interpretações autêntica e não autêntica. O inevitável pluralismo
interpretativo. A dimensão cognoscitivia da interpretação feita pela ciência jurídica.
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado. 7. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 387-388).
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, cit., p. 388).
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, cit., p. 390-391).
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito, cit., p. 395-397).

β. O paradigma da decisão do normativismo do séc. XX e o paradigma aplicativo do


normativismo do séc. XIX.

“ALGUNS EXEMPLOS (entre muitos outros possíveis), DISTRIBUÍDOS PELOS DIVERSOS


NORMAVISMOS

O normativismo jusracionalista Unidade por consistência axiomático-


dedutiva
(direito natural racional)
O ponto de partida são axiomas
antropológicos (empírico-
«naturalisticamente» descobertos e
comprovados e/ou ético- -
racionalmente assumidos) e a
compossibilidade das diversas normas
é aferida pela desimplicação lógico-
dedutiva referida ao pressuposto
comum.

O normativismo do Positivismo Unidade horizontal por coerência


científico do século XIX categorial-estática

Unidade garantida pela unidade de


significações categoriais que as normas
repetem [as normas ou proposições
normativas pressupõem um sistema
comum de «corpos jurídicos»
(institutos e conceitos) ... que a ciência
dogmática do direito deverá descobrir-
construir].

O normativismo da Teoria pura de Unidade vertical por consistência


Hans «sintáctico»-arquitectónica

KELSEN
Unidade garantida pela
institucionalização dinâmica de um
processo normativamente estruturado
de aplicação-produção do direito [que
a ciência do direito reconstitui
analiticamente invocando a
pressuposição transcendental de uma
Grundnorm ou norma fundamental]”.

(LINHARES, José Manuel Aroso.


Introdução ao Pensamento Jurídico
Contemporâneo: Sumários
Desenvolvidos. Coimbra: Policopiado,
2017, p. 36)

AULA 8: O ANTIFORMALISMO DO REALISMO JURÍDICO E A CRÍTICA IDEOLÓGICA DO


DIREITO DA ESCOLA DE FRANKFURT.

1. O Realismo Jurídico

α. A influência recebida do pragmatismo relativista de Homes: criação das regras jurídicas


e desimplicação lógica das decisões; influências de Bentham e Austin e concepção instrumental
do direito (bad man).
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia: a
perspectiva ideológica-política da dogmática jurídica e da decisão judicial
no Critical Legal Studies Movement. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013,
p. 8-9).
β. As refutações fundamentais: antiformalismo, antitextualismo e anticonceitualismo;
crítica à autossuficiência das regras e do sistema e de sua antecipação aos fatos; desconfiança
na separação dos poderes, na generalidade e abstratividade das normas jurídicas.

(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 10).

γ. A duplicidade do projeto teórico-hermenêutico: crítica interna e atitude propositiva em


face do vazio da indeterminação das regras.
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 11-12).

δ. As duas ramificações: crítica à noção de critérios jurídicos (normas e precedentes) e


negação de que as normas apreendam e modelem os fatos, prevendo seus resultados.

(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 13-15).

. A postulação de uma realização concreta e a aposta numa ciência (pragmática) do


direito.
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 15-17).

η. A imprestabilidade de uma teoria da interpretação: a imprevisibilidade das decisões e


os fins que as orientam; o cálculo dos efeitos econômico-sociais das decisões.
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 17).

2. A Escola de Frankfurt

α. A ideia fundamental da Escola, seu contexto e fases de desenvolvimento. As categorias


de inteligibilidade herdadas (e repensadas) do marxismo: alienação, emancipação e ideologia.
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 23-25).

β. As direrenças com a filosofia marxista orginal no tocante ao direito: a compreensão do


direito como instrumento de superação da dominação e a centralidade da análise dos grupos
sociais.

GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 27-28).

γ. Os traços teórico-metodológicos da Escola: as críticas ao positivismo das ciências


sociais, continuum entre praxis e teoria; a natureza crítica e interdisciplinar da escola crítica; a
persistência no ideal de emancipação individual e social do sujeito.
GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 33-34).

δ. A dimensão político-metodológica da interpretação jurídica.

(NEVES, António Castanheira. Digesta, cit., v. 2º, p. 400-401).

AULA 9: A VIRAGEM LINGUÍSTICA DA FILOSOFIA E O PROBLEMA DO DIREITO ENQUANTO


LINGUAGEM.

α. A linguistic turn e seu significado filosófico, epistemológico e metodológico:


perspectivação linguísitica, recusa de uma evidência pré-linguística e a mediação do mundo
humano pela linguagem.
[...] trata-se do Linguistic Turn, o qual recebido também no pensamento jurídico
verdadeiramente lhe justificará o que nesta perspectiva sabemos já intencionalmente
caracterizá-lo: o direito é linguagem e o pensamento jurídico ele próprio tão-só “análise
de linguagem” ( a analítica da linguagem que o direito é); ou, de outro modo, um
pensamento jurídico que mobilizará decisivamente o instrumentarium linguístico para
resolver os problemas que lhe importam. Mas pressupostos, com este sentido geral e
com estas implicações imediatas, que haveremos de melhor considerar no que toca às
suas recepção, articulação e consequência no pensamento jurídico que se diga analítico
(NEVES, A Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação jurídica I.
Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 116-117).

β. A desiganação e o sentido da analytical jurisprudence: o direito como sistema de regras


da realidade empírico-social, a objetivação pela linguagem e o tratamento epistemológico-
metodológico empírico-analítico.
(NEVES, A Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação
jurídica I, cit., p. 113-115).

γ. Os pressupostos cultural, político e epistemológico da Jurisprudência Analítica.

(NEVES, A Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação


jurídica I, cit., p. 155-156).

δ. O significado da passagemda da “analítica” para a “pramática” da linguagem: triunfo da


linguagem ordinária sobre o positivismo analítico, a emergência da linguagem performativa, o
aceno para o pensamento retórico-argumentativo e a sinalização para uma interpretação sujeito-
sujeito.
(NEVES, A Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação
jurídica I, cit., p. 124-126).

. O predomínio da pespectiva analítica na “Analytical Jurisprudence” e os seus postulados


fundamentais: a radical objetividade, a teorética neutralidade e a pretensão de uma pura
racionalidade.
Só que, o pensamento analítico não comunga todo ele no reconhecimento
daquelas abertura e evolução e o pensamento jurídico analítico dominante está
longe de sufragar aquela compreensão global e estas especificações
particulares. Pelo contrário, o pensamento analítico em geral mantém-se
analítico (no sentido estrito que a esta designação vimos corresponder) porque
continua a sustenta três postulados fundamentais, e para ele como que
definitórios, que o preservariam daquelas consequências e especificações: os
postulados, exatamente, da racdical objectividade (a implicar o esquema noético
sujeito-objecto) da teorética neutralidade ( a excluir o compromisso prático) e da
pura racionalidade (a recusar o pragmático ad hominem, digamo-lo assim, do
retórico argumentativo) (NEVES, A Castanheira. O actual problema
metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 130-131).

AULA 10: A LÓGICA PRÁTICA ARISTOTÉLICA E A RESSIGNIFICAÇÃO DO PROBLEMA


INTERPRETATIVO DO DIREITO: OS HORIZONTES DA TÓPICO-RETÓRICA, DA NOVA
HERMENÊUTICA E DAS TEORIAS DA ARGUMENTAÇÃO.

α. O problema da interpretação no quadro geral do pensamento jurídico no


período pós-guerra. A lógica prática e a natureza não científica do conhecimento jurídico
no pensamento de Aristóteles.

A situação concreta na qual pensa Aristóteles, ao teorizar a ciência apodíctica, é aquela constituída por
um cientista, por exemplo um cultor de gometria que, já estando de posse da ciência em questão, se propõe
a expô-lo a outros, isto é, a ensiná-la. O discurso de tal cientista é, na essência, um monólogo, ainda que se
volte aos ouvintes, porque estes últimos não têm nada a dizer e devem somente aprender, isto é, ser ajudados
a ver com clareza o que lhes é ainda obscuro, por exemplo a verdade de determinado teorema. Demonstrar
significa, com efeito, essencialmente mostrar a verdade de alguma coisa a quem ignora, a partir da premissa
segundo a qual a verdade é, ao contrário, já conhecida a quem escuta; isto é, significa ensinar, no sentido
mais rigoroso do termo (BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles. Tradução Dion Davi Macedo. São Paulo
Loyola, 1998, p. 11).

Por fim, ele conclui especificando que nem a dialética nem a peirástica são propriamente ciências, isto
é, fazem verdadeiras demonstrações, porque se ocupam de tudo e procedem por meio de perguntas,
ambas coisas incompatíveis com o demonstrar (171a11-b1). Constituem, portanto, uma forma de
racionalidade específica, em tudo independente daquela constituída pela ciência apodíctica (o que
significa a longa exposição que lhe dedicamos). Isso não exclui, todavia, como logo veremos, que a
dialética possa ser usada também pela ciência, o que a torna particularmente interessante do ponto de
vista filosófico (BERTI, Enrico. As razões de Aristóteles, cit., p. 31).

β. A “tópico-retórica” de Viehweg e o regresso a Aristóteles para pensar por


problemas: o reaprendizado com a metodologia dos jurisconsultos e o forte apelo
criativo do julgador.

Consequentemente, são conclusões dialéticas, aquelas que têm como premissas opiniões
respeitadas [acreditáveis] e verossímeis, das quais se possa presumir a aceitação (endoxa). Porém,
endoxa são aquelas proposições – afirma Aristóteles – que como tais “parecem verdadeiras a todos
ou a maior parte ou aos sábios e, também, entre os sábios a todos e a maior parte dos mais
conhecidos e respeitados” (Top. I. I, 5, 3). Aristóteles parte, portanto, da afirmação de que a tópica
tem por seu objeto conclusões que decorrem de premissas que parecem verdadeiras com base numa
opinião respeitável. Não é difícil de se supor como será desenvolvido adiante o pensamento.
Considerando-se que depende da natureza das premissas – que são as bases sobre as quais se ilustra
um juízo – pertence a elas todo o seu interesse. A tentativa de classificá-las numa ampla medida
se encontra a seguir. Assim o faz Aristóteles. Ele considera que toda disputa surge das proposições,
nas quais se encontram problemas e, toda proposição e problema se referem ou a um acidente, ou
ao gênero, ou ao proprium ou à definição (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma
contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Tradução Kelly Susane Alflen
da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris editor, 2008, p. 24).

γ. A “nova retórica” de Perelman, o dirigismo exterior ao direito (a partida do


auditório), a busca da melhor justificação e a indemonstrabilidade da decisão judicial: o
contraponto “razão teorética” (o paradigma da verdade) e “razão dialética” (o
paradigma da verossimilhança).

Com efeito, o objecto dessa teoria é o estudo das técnicas discursivas


permitindo provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se
apresentam ao seu assentimento. O que caracteriza a adesão dos espíritos é que
a sua intensidade é variável: nada nos obriga a limitar o nosso estudo a um grau
particular de adesão, caracterizado pela evidência, nada nos permite considerar
a priori como proporcionais os graus de adesão a uma tese e a probabilidade
desta, e identifica evidência com verdade. É um bom método não confundir, à
partida, os aspectos do raciocínio relativos à verdade e os que são relativos à
adesão e, em vez disso, estudá-los separadamente, com o risco de nos
preocuparmos ulteriormente com a sua interferência ou correspondência
eventuais. É somente nessa condição que é possível o desenvolvimento de uma
teoria da argumentação com um alcance filosófico (PERELMAN, Chaïm;
OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado de argumentação. Tradução João Duarte.
Lisboa: Piaget, 2006, p. 12).

δ. A “nova hermenêutica” e os limites compreensivos da experiência jurídica:


natureza e alcance da racionalidade hermenêutica na fixação de critérios metodológicos
da interpretação.

O direito natural e o positivismo tinham prescrito: um conceito objectivista


de conhecimento, um conceito ontológico-substancial do direito (da lei), a
ideologia da subsunção e a ideia de um sistema fechado. A hermenêutica
declara bater-se contra todos estes dogmas. Por hermenêutica entende-
se habitualmente, seguindo uma expressão de Friedrich Ernst Daniel
Schleiermacher, a "arte de compreender". Ora se assim é, não está certa
a opinião amplamente difundida de que a hermenêutica é um método entre
outros métodos. É certo que ela tem também funções metodológicas,
especialmente nas ciências da compreensão. Todavia, na sua essência,
a hermenêutica não é um método, mas sim filosofia transcendental. Já o
era em Schleiermacher e também o é nos posteriores genuínos
hermenêuticos, como sejam Dilthey, Gadamer e Ricoeur. Ela é filosofia
transcendental no sentido de que indica as condições gerais de
possibilidade da compreensão do sentido. Enquanto tal, não prescreve
nenhum método. Apenas diz sob que pressupostos, se pode compreender
algo no seu sentido (LAMEGO, José. Hermenêutica e jurisprudência:
análise de uma “recepção”. Lisboa: Fragmentos, 1990, p. 67).

A realização do direito, em que num sentido intencional-problematicamente unitário se integra


essa interpretação, não se propõe e menos ainda se basta com uma qualquer compreensão apenas. E é
decerto muito elucidativo que o próprio GADAMER, depois de ter invocado a “significação exemplar” da
metodológica interpretação jurídica para a hermenêutica em geral, venha a concluir, como que numa
advertência que afinal os pressurosos juristas órfãos considerarão desalentadora: “que a hermenêutica
jurídica pertença ao conjunto dos problemas de uma hermenêutica geral é o que não é de modo algum
evidente; de facto, não se trata nela de uma reflexão de tipo metódico como para a filologia e para a
hermenêutica bíblica, mas propriamente de um princípio jurídico subsidiário: a sua tarefa não é
compreender as proposições jurídicas vigentes, mas encontrar direito, isto é, interpretar as leis de modo
que a ordem jurídica cubra inteiramente a realidade social (NEVES, A Castanheira. O actual problema
metodológico da interpretação jurídica I. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p. 435 e seg.).

____

Frente a la ley vigente uno vive en la idea natural de que su sentido jurídico es unívoco e que la praxis
jurídica del presente se limita a seguir simplemente su sentido original. Y si esto fuese siempre así no habría
razón para distinguir entre sentido jurídico y sentido histórico de una ley. El mismo jurista no tendría como
tarea hermenéutica sino la de comprovar el sentido originário de la ley y aplicarlo como correcto. El propio
Savigny em 1840 entiende la tarea de la hermenéutica jurídica como puramente histórica (em el System des
römischen Recbts). Igual que Schleiermacher no veía problema alguno en que el intérprete se equipare com
el lector ariginario, también Savigny ignora la tensión entre sentido jurídico originário y actual.
El tempo se ha encargado de demostrar con suficiente claridade hasta qué punto esto es juridicamente
uma ficción insostenible. Ernst Forsthoff há mostrado en una valiosa investigación que por razones
estrictamente jurídicas es necesário reflexionar sobre el cambio histórico de las cosas, pues sólo éste permite
distinguir entre sí el sentido original del contenido de uma ley y el que se aplica em la praxis jurídica. Es
verdade que el jurista siempre se refiere a la ley em sí misma. Pero su contenido normativo tiene que
determinarse respecto al caso al que se trata de aplicarla. Y para determinar con axactitud este contenido
normativo no se puede prescindir de un conocimiento histórico del sentido originário; por esso el intérprete
jurídico tiene que implicar el valor posicional histórico que conviene a una ley em virtude del acto
legislador. Sin embargo no puede sujetarse a lo que, por ejemplo, los protocolos parlamentários le
enseñarían respecto a la intencion de los que elaboraron la ley. Por el contrario está obligado a admitir que
las circunstancias han ido cambiando y que en consecuencia la funcion normativa de la ley tiene que ir
determinándose de nuevo (GADAMER, Hans-Georg. Verdad y método: fundamentos de uma hermenéutica
filosófica. Tradujeron Ana Agud Aparicio y Rafael Agapito. Salamanca: Sígueme,1977, p. 398 e seg.).

. O lugar comum das “teorias da argumentação” jurídica, a pluralidade de


concepções argumentativas, as disputas teóricas sobre a natureza processual e material
do raciocínio dos juízes: autonomia e operacionalidade lógica (Toulmin), ação
integradora do ceticismo e do dogmatismo racional (MacCormick) e procedimentalismo
argumentativo (Alexy).

A tópico-retórica [...] bem se sabe que é um pensar dialéctico de problemas práticos (controvérsias práticas)
que mobiliza as referências prático-culturais comungadas pelos membros esclarecidos e razoáveis de uma
certa comunidade histórica e tidas também por eles como critérios relevantes e adequados para problemas
concretos desse tipo (os topoi, os locii comuni), em ordem a operar com esses critérios segundo uma
argumentativa dialéctica inveniendi (ars inveniendi) situacionalmente pragmática em que participam os
interessados no problema e com o objetivo de um consensus (consensus-solução) que essa dialéctica
possibilite. A perspectiva argumentativa – com base quer na teoria da argumentação [...] quer na “teoria do
discurso prático” (trabalhado de modo especial por HABERMAS) e em renovadas reflexões sobre a “razão
prática” [...], quer mesmo na última filosofia linguística de sentido pragmático de WITTGENSTEIN –
acentua particularmente a estrutura discursiva, as condições, os princípios e as regras da argumentação e
bem assim os tipos desta. Mas acabam por convergir – embora com maior peso dado pela tópica ao
problema, aos critérios e à pragmática inveniendi, e pela argumentação ao discurso, aos princípios e às
regras da dialética – não apenas no consensus que ambas intencionalmente visam, como último critério de
validade, mas ainda na circunstância de a tópica implicar uma argumentação no actuar da sua dialéctica e
a argumentação uma tópica na procura dos seus argumentos (NEVES, A Castanheira. Metodologia
Jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 72).

Como hemos visto, estos autores no tratan simplemente de mostrar que la


concepción lógico-deductiva tiene sus límites (lo que sin duda debe haber quedado claro
después del capítulo primero), sino que afirman además que pretender reconstruir la
árgumentación jurídica a partir de ahí es equivocado o, cuando menos, de muy escaso valor
(ATIENZA, Manuel. Las razones del derecho: teorias de la argumentación jurídica. Madrid:
Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 49).

A lógica se ocupa da solidez das alegações que fazemos – da solidez dos fundamentos que
produzimos para apoiar nossas alegações, da firmeza do suporte que lhes damos – ou, para
trocar de metáfora, com o tipo de precedente (no sentido em que os advogados usam este termo)
que apresentamos em defesa de nossas alegações. A analogia com o Direito, implícita neste
modo de expor os problemas, pode, desta vez, ser muito útil. Assim, deixemos de lado a
Psicologia, a Sociologia, a tecnologia e a Matemática, ignoremos os ecos da engenharia
estrutural e da collage nas palavras “fundamentos” e “suporte”, e tomemos a jurisprudência
generalizada. Os argumentos podem ser comparados a processos judiciais; e as alegações que
fazemos e os argumentos que usamos para “defende-las”, em contexto extra-legais, são como
as alegações que as partes apresentam nos tribunais; e os casos que oferecemos para provar
cada uma de nossas alegações são jurisprudência consagrada – para a lógica, num caso, e para
o Direito, no outro. Uma das principais funções da jurisprudência é garantir que se conserve o
que é essencial no processo legal: os procedimentos pelos quais as alegações devem ser
apresentadas em juízo, discutidas e estabelecidas, e as categorias segundo as quais se devem
apresentar, discutir e estabelecer as alegações. Nossa investigação visa a um objetivo
semelhante: temos de caracterizar o que se pode chamar de “ o processo racional” – os
procedimentos e as categorias mediante os quais se podem discutir e decidir todas as “causas”
(TOULMIN, Stephen E. Os usos do argumento. Tradução Reinaldo Guarany e Marcelo Brandão
Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 9).

A tentativa de expressar princípios para a ação pertence ao terreno da argumentação voltada para as
questões práticas da vida. Ela se interessa pela orientação de decisões, julgamentos, avaliações e
tudo o mais. Isso não quer dizer que todas as nossas razões para agir sejam baseadas em princípios,
nem que as pessoas não costumem agir de modo meramente impulsivo. Contudo, na medida em que,
pelo menos às vezes, agirmos e julgarmos com base em princípios em vez de por alguma razão ad
hoc, é nossa natureza racional tanto quanto de fato nossa natureza afetiva que se manifesta nesse
ato. É isso o que ocorre mesmo que se deva admitir que a afetividade, no mínimo tanto quanto a
racionalidade, está envolvida em nossa adesão a alguns princípios específicos de preferência a outros
(MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Tradução Waldéa Barcellos. São
Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 8).
A questão de como se distingue a argumentação jurídica da argumentação prática geral é uma das questões centrais
da teoria do discurso jurídico. Aqui se pode estabelecer um ponto: a argumentação jurídica se caracteriza pela
vinculação ao direito vigente (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como
teoria da justificação jurídica. Tradução Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2008, p. 210).

O núcleo da tese do caso especial consiste por isso em sustentar que a pretensão de correção também se formula
no discurso jurídico; mas esta pretensão, diferentemente do que ocorre no discurso prático geral, não se refere à
racionalidade das proposições normativas em questão, mas somente a que, no ordenamento jurídico vigente, possam
ser racionalmente fundamentadas (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica, cit., p. 217).

SEGUNDA UNIDADE: UM PERCURSO ILUMINADO POR O PAGADOR DE PROMESSAS, DE


DIAS GOMES

CAPÍTULO III: A CRISE ATUAL DA FILOSOFIA E OS LIMITES DA INTERPRETAÇÃO


JURÍDICA

AULA 11: A QUESTÃO DOS “JOGOS DE LINGUAGEM” E DOS FALSOS LITÍGIOS: REFLEXÕES
SOBRE WITTGENSTEIN E LYOTARD.

1. Os “jogos de linguagem” e a interpretação em Wittgenstein

α. O abalo da concepção clássica do conhecimento: a recusa de um sujeito autônomo e


contraposto ao mundo exterior, de uma noção de conhecimento como representação da realidade
e das proposições fundadoras e sólidas do conhecimento.

(SILVA, Rui Sampaio da. Wittgenstein e a hermenêutica. Phainomenon. Lisboa, nº


7, p. 130).
β. A natureza da filosofia e seu distanciamento da pretensão de ciência e do fenômeno da
consciência: a descrição da experiência cotidiana, o afastamento da fenomenologia da gramática
(em nome das regras de uso da linguagem) e a recusa da noção de certeza em sentido epistêmico.
(WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Tradução M. S. Lourenço. 4. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, p. 262).

(WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, cit., p. 259).

(SILVA, Rui Sampaio da. Wittgenstein e a hermenêutica, cit., p. 133).

γ. Os jogos de linguagem e a relevância das práticas linguísticas: forma de vida, recusa do


mentalismo, universalidade da linguagem e compreensão como prática (liberta de qualquer
entidade autossubsistente).
(WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, cit., p. 207).

(WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, cit., p. 189).

δ. A forma de vida e o limite da inteligibilidade interpretativa: relativismo ou contextualismo?


(SILVA, Rui Sampaio da. Wittgenstein e a hermenêutica, cit., p. 149-150).

2. A heterogeneidade linguística e cultural e os “falsos litígios” em Lyotard

α. A dissolução pós-moderna das metanarrativas e das comensurabilidades: o triunfo das


partículas de linguagem, a heterogeneidade radical das formas de vida e a ausência de uma regra
universal de juízo.
(LYOTARD, François. A condição pós-moderna. Tradução José Bragança de Miranda. Lisboa: Gradiva, 2003, p. 12).

β. A dissolução do sujeito moderno e o pagus linguístico atual: a pluralidade incontornável de


nomes (a ausência de uma fibra comum que os unifique!), a irracionalidade como hegemonia de
um regime de frase sobre outro, a impossibilidade de representação da realidade e a passagem
do estágio da diferença para o diferendo.

(LYOTARD, Jean-François. La diferencia. Tradução Alberto L. Bixio. Barcelona: Gedisa Editorial, 1999, p. 175).
(LYOTARD, Jean-François. La diferencia, cit., p. 129).

(LYOTARD, Jean-François. La diferencia, cit., p. 22).

γ. O respeito ao orgulho da frase e os gêneros de escrita contemporânea: a pluralidade e a


incerteza do gênero político, a ilegitimidade do gênero científico e a aposta no gênero narrativo
como o único capaz de salvar os vínculos sociais do diferendo e da heterogeneidade radical atuais.
(LYOTARD, Jean-François. La diferencia, cit., p. 105).
(LYOTARD, François. A condição pós-moderna, p. 24-25).

LYOTARD, Jean-François. La diferencia, cit., p. 161).


(LYOTARD, Jean-François. La diferencia, cit., p. 175-176).

AULA 12: O SILÊNCIO E A “HOSPITALIDADE ÉTICA” EM DERRIDA E A EXPERIÊNCIA DA


“DESCONSTRUÇÃO JURÍDICA” EM BALKIN.

1. O testemunho da singularidade e a exigência de uma hospitalidade incondicional:


Jacques Derrida

α. A situação de irrepetibilidade do Outro absoluto e a ausência de um grande livro de regras que


consagre um ethos universal: o estrangeiro indefeso diante das leis locais, a exigência de silêncio
sobre seu estatuto e o estado de assimetria que se impõe.

Entre os graves problemas de que tratamos aqui, existe aquele do estrangeiro que, desajeitado
ao falar a língua, sempre se arrisca a ficar sem defesa diante do direito do país que o acolhe ou
que o expulsa; o estrangeiro é, antes de tudo, estranho à língua do direito na qual está
formulado o dever de hospitalidade, o direito ao asilo, seus limites, suas normas, sua política,
etc. Ele deve pedir a hospitalidade numa língua que, por definição, não é a sua, aquela imposta
pelo dono da casa, o hospedeiro, o rei, o senhor, o poder, a nação, o Estado, o pai, etc. Estes
lhe impõem a tradução em sua própria língua, e esta é a primeira violência. A questão da
hospitalidade começa aqui: devemos pedir ao estrangeiro que nos compreenda, que fale nossa
línhua, em todas as extensões possíveis, antes e a fim de poder acolhê-lo entre nós? Se ele já
falasse a nossa língua, com tudo o que isso implica, se nós já compartilhássemos tudo o que se
compartilha com uma língua, o estrangeiro continuaria sendo um estrangeiro e dir-se-ia, a
propósito dele, em asilo e em hospitalidade? É este paradoxo que vamos precisar) (DERRIDA,
Jacques; DUFOURMANTELLE, Anne. Da hospitalidade. Tradução Antonio Romane. São Paulo:
Escuta, 2003, p. 15).

_____

O calar-se já é uma modalidade da palavra possível. Nós teremos de incessantemente


nos debater entre essas duas extensões do conceito de hospitalidade, bem como da
linguagem. Nós voltamos, assim, para os dois regimes de uma lei da hospitalidade: o
incondicional ou o hiperbólico, de um lado, o incondicional e o jurídico-político, e mesmo
a ética, de outro (DERRIDA, Jacques; DUFOURMANTELLE, Anne. Da hospitalidade,
cit., p. 119).

______

Levinas habla de un derecho infinito: en eso que él denomina el «humanismo judío» cuya base
no es el «concepto de hombre» sino el del otro; «l’étendue du droit d’autrui» es «un droit
pratiquement infini**» («Un droit infini», in Du sacré au Saint. Cinq Nouvelles Lectures
Talmudiques, pp. 17-18). La equidad, aquí, no es la igualdad, la proporcionalidad calculada, la
distribución equitable o la justicia distributiva, sino la disimetría absoluta. La noción levinasiana
de la justicia se acercaría más bien al equivalente hebreo de lo que nosotros traduciríamos quizás
como santidade dominante (DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley: el “fundamento místico de la
autoridade”. Traducción Adolfo Barberá y Antonio Peñalver. Doxa. Alicante, nº 11, p. 148).

β. A insuficiência da tolerância quanto ao Outro, a denúncia do direito e da ética e a exigência de


uma responsabilidade sem limites: a imagem paradigmática de Édipo em Colono e as formas de
violência à verdadeira hospitalidade.

“[DERRIDA] Por certo a tolerância é antes de mais nada uma forma de caridade. Uma caridade
cristã, portanto, ainda que judeus e muçulmanos pudessem parecer se apropriar dessa
linguagem também. A tolerância está sempre do lado da “razão dos mais fortes”, onde o “poder
está certo”; é uma marca suplementar de soberania, a boa face da soberania, que fala ao outro
sobre a posição elevada do poder, estou deixando que você exista, você não é aceitável, estou
lhe deixando um lugar em meu lar, mas não se esqueça de que este é o meu lar...” (BORRADORI,
Giovanna. Filosofia em tempo de terror: diálogos com Habermas e Derrida. Tradução Roberto Muggiati.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004, p. 137).

γ. O fundamento místico da autoridade, a desconstrução e os limites da interpretação: a inevitável


ruptura de uma ordem de direito com a outra que lhe antecede, a ausência de um fundamento
último de uma convenção jurídica e a desconstrução como exigência da justiça e da singularidade.

Pero más allá de su principio y de su resorte, esta pensée pascaliana se refiere quizás a una
estructura más intrínseca que una crítica de la ideología jurídica no podría nunca desatender. El
surgimiento mismo de la justicia y del derecho, el momento instituyente, fundador y justificador
del derecho implica una fuerza performativa, es decir siempre una fuerza interpretativa: esta vez
no en el sentido de que el derecho estaría al servicio de la fuerza, instrumento dócil, servil y por
tanto exterior, sino en el sentido de que el derecho tendría una relación más interna y compleja
con lo que se llama fuerza, poder o violencia. La justicia en el sentido del derecho (right or law)
no estaría simplemente al servicio de una fuerza o de un poder social, por ejemplo económico,
político o ideológico que existiría fuera de ésta o antes que ésta y al que la misma debería
someterse o con el que debería ponerse de acuerdo, según la utilidad. El momento mismo de
fundación o de institución (que por otra parte no es nunca un momento inscrito en el tejido
homogéneo de una historia, puesto que lo que hace es rasgarlo con una decisión), la operación
que consiste en fundar, inaugurar, justificar el derecho, hacer la ley, consistiría en un golpe de
fuerza, en una violencia performativa y por tanto interpretativa que no es justa o injusta, y que
ninguna justicia ni ningún derecho previo y anteriormente fundante, ninguna fundación
preexistente podría garantizar, contradecir o invalidar por definición. Ningún discurso
justificador puede ni debe asegurar el papel de metalenguaje con relación a la performatividad
del leguaje instituyente o a su interpretación dominante (DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley, cit.,
p. 139).

____

La estructura que describo así es una estructura en la que el derecho es esencialmente


deconstruible, bien porque está fundado, construido sobre capas textuales interpretables y
transformables (y esto es la historia del derecho, la posible y necesaria transformación, o en
ocasiones la mejora del derecho), bien porque su último fundamento, por definición, no está
fundado. Que el derecho sea deconstruible no es una desgracia. Podemos incluso ver ahí la
oportunidad política de todo progreso histórico. Pero la paradoja que me gustaría someter a
discusión es la siguiente: es esta estructura deconstruible del derecho, o si ustedes prefieren,
de la justicia como derecho, la que también asegura la deconstrucción. La justicia en ella misma,
si algo así existe fuera o más allá del derecho, no es deconstruible. Ni la deconstrucción misma,
si algo así existe. La deconstrucción es la justicia dominante (DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley,
cit., p. 140).

_____

La deconstrucción está comprometida con esta exigencia de justicia infinita que puede
tomar el aspecto de la «mística» de la que hablaba hace un momento. Hay que ser
justo con la justicia, y la primera justicia que debe ser hecha es la de escuchar, leer,
interpretar intentar comprender de dónde viene aquella, qué es lo que quiere de
nosotros, sabiendo que ella lo hace a través de idiomas singulares (Diké, Jus, justitia,
justice, Gerechtigkeit, por limitarnos a idiomas europeos que sería también necesario
delimitar a través o a partir de otros; volveremos sobre esto) y sabiendo también que
esta justicia se dirige siempre a singularidades, a la singularidad del otro, a pesar, o en
razón mismo de su pretensión de universalidade dominante (DERRIDA, Jacques.
Fuerza de ley, cit., p. 145-146).

2. A experiência da desconstrução, a justiça como valor transcendente, a divergência entre


justiça e direito e o caso especial de inadequação entre valor e cultura: Jack Balkin.

α. O enfrentamento do modelo tradicional de decisão jurídica: para além da simples aplicação do


direito a fatos, da declaração de direito pré-instituído e da acrítica diferenciação entre legislação e
judicatura.
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia: a perspectiva ideológica-
política da dogmática jurídica e da decisão judicial no Critical Legal Studies Movement. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 137-138).

β. O sentido do direito e o sentido filosófico e metodológico da desconstrução: o direito como texto,


a primazia do analítico sobre o filosófico, o desinteresse pelo sentido original do texto, a
inexistência de um método propriamente jurídico e o discurso emancipatório (capaz de
desconstruir as hierarquias e promover a igualdade).

(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 186).

γ. A diferença de Balkin em relação a outros Crits quanto à natureza da desconstrução jurídica:


para além da indeterminação de textos (e do papel finalístico da interpretação) e o apelo à
contextualização.
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 168).

(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 175).

δ. A “desconstrução transcendente”, a exigência de reconstrução de alternativas e o processo


interpretativo: a denúnca da dicotomia “interpretação correta” versus “interpretação incorreta”, a
mobilização de regras com prévia compreensão de sua validade (conformação a princípios) e a
desconstrução em sentido normativo (referência à distinção entre direito e justiça).
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 172-173).

. A “indeterminação” do texto e da justiça e o problema do relativismo cultural na “desconstrução


transcendente”: relativismo ou contextualismo? O apelo à tradução, à alteridade e à noção de
justiça e de verdade para além de um simples software. Responsabilidade ilimitada ou indefinida?
(GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 183-186).

η. Uma relativa diferença da concepção de desconstrução defendida por Jacques Derrida: a


diferenciação entre desconstrução e justiça e a compreensão da desconstrução como hiato entre
valor (justiça) e cultura (direito).

(DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley: el “fundamento místico de la autoridade”.


Traducción Adolfo Barberá y Antonio Peñalver. Doxa. Alicante, nº 11, p. 142-143).

(DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley, cit., p. 145-146).


(DERRIDA, Jacques. Fuerza de ley, cit., p. 149).

The encounter between deconstruction and justice has changed both parties; yet, of the two,
deconstruction appears to be the more transformed. If deconstructive practice is to be of any
use to the questiono f justice, it must become a transcendental deconstruction. It must
Exchange the logico f the infinite for that of the indefinite. It must act in the servisse of human
values that go beyond culture, convention, and law. It must recognize the chasm that
differentiates human value from articulated conceptions of it, and it must identify
Deconstruction with that chasm. Finally, one must understand deconstructive practice as a
rhetorical practice that employes Deconstruction but is not identifical to it. Because
deconstructive practice is a practice, it is repeatable, teachable, and alterable like any other
human convention. Because it is rethorical, it can be used for good good or for ill (BALKIN,
Jack M. Deconstructive practice and legal theory. Disponível em:
<http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/291>. Acesso em: 12 Jan. 2017, p. 66).

AULA 13: O REDUCIONISMO TÁTICO E O CONTINGENCIALISMO INTERPRETATIVO DA


“TEORIA DOS JOGOS JURÍDICOS”: DIÁLOGOS COM WOJCIECH ZALUSKI.

α. O conceito e as espécies de jogos, o modelo de racionalidade implicada e os pressupostos da


teoria dos jogos: a interatividade, a exemplaridade dos jogos cooperativos e não cooperativos, a
racionalidade estratégica versus racionalidade axiológica.
(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence. Kraków: Copernicus Center Press, 2013, p. 24).
(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 34-35).

(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 25).

β. O direito como jogo e a definição de uma teoria dos jogos aplicada ao direito: a origem
matemática, a plicação nos campos das ciências naturais e sociais e os paradigmáticos exemplos
do “dilema do prisioneiro” e do “equilíbrio de Nash”.
(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 15).

Game theory can be applied in legal analysis in a descriptive and normative manner. In its descriptive
usage game theory is treated as a tool for explaining and thereby predicting human behaviour, and in its
normative usage – as a tool for determining the content of normative concepts, especially, the concept
of justice. Given that game theory can be applied both in the area of legal philosophy and legal dogmatics,
one can distinguish four ways of applying game theory in legal analysis: (a) normative in legal philosophy,
(b) normative in legal dogmatics, (c) descriptive in legal dogmatics, (d) descriptive in legal philosophy
(ZALUSKI, Wojciech. Game Theory and Legal Interpretation. Disponível em:
<http://www.tilburguniversity.edu/upload/5a203de0-74c2-425a-bf99-3ed1fcd6da81_paper-
WZaluski.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017).

The Athenian's game dominates the city. Everything in the city is based on
it and sustains it. The rules of the game come from nature—from human
nature and the nature of things—so long as nature, in turn, is understood as
a second game, played by the gods. The city can have laws only because
the gods are playful. It does have laws because certain divine men are play-
ful as well. At the core of both games, the human game of law and the divine
game of nature, is intelligence or god. Intelligence leads both the gods and
men to create law. [...] Both the Athenian and modern game theorists are
interested in the same question: Under what circumstances is maximizing,
rational behavior possible in conditions of strategic interaction?
(JACOBSON, Arthur J. Origins of the game theory of law and the linits of
harmony in Plato’s Laws. Cardozo Law Review. New York, v. 20,
1998/1999, p. 1397).

Um processo diante de um juiz é enfocado por cada parte com uma estratégia diferente com o objeto de
levar a decisão ao terreno do benefício próprio ou da parte representada. Um advogado sabe que tem
que preparar, para a defesa de seu cliente, uma estratégia, basicamente argumentativa, que contradiga
a elaborada pela parte oposta, de tal modo que as probabilidades de êxito, pelo menos de êxito relativo,
sejam maiores que as de fracasso. Na estratégia o papel mais importante é a informação correta, tanto
em relação à própria situação e capacidade, quanto às do oponente (ROBLES, Gregorio. As regras do
direito e as regras dos jogos: ensaio sobre a teoria analítica do direito. Tradução Polyana Mayer. São Paulo:
Noeses, 2011, p. 13).

No es sólo el mundo de la legislación (el descuidado mundo de la técnica legislativa de contenido, y no


sólo de forma) el posible de este tipo beneficiário de cálculos matemáticos. Cada aplicación del Derecho,
judicial o extrajudicial, supone una decisión que, o bien debe tener en cuenta que hay enfrente un “enemigo”
jurídico de cuya conducta depende nuestra decisión; o bien que debe decidirse ante opciones estratégicas
opuestas, de modo que éstas resulten equilibrarlas (MORENO, José Manuel Romero; PEREDO, Luís J.
Peredo. Reflexiones sobre modelos matemáticos y decisión jurídica. Anuario de Filosofía del Derecho.
Madrid, nº 1, p. 83-107, 1984).

(ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a


teoria dos jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 13).
(ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos, cit., p. 16-17).

γ. A interpretação jurídica e a teoria dos jogos jurídicos: a concepção de interpretação e seus


problemas fundamentais, as concepções objetivista e subjetivista, a concepção de linguagem, a
recusa da tese intencionalista, as interpretações oportunista e não oportunista, a contribuição da
teoria dos jogos aos problemas da interpretação e os riscos da redução da interpretação às
exigências de otimização e ao discurso da eficiência.

(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 177).


(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 179).

(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 178).


(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 185-186).
(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 182).

(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 189).

(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 198).


(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 177-178).

(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 200-201).


(ZALUSKI, Wojciech. Game theory in jurisprudence, cit., p. 201).

Teoria que opera num quadro de racionalidade formal (analítico-funcional) e mobiliza


amplamente as estruturas e os modelos do pensamento matemático (particularmente o “cálculo
de matrizes”), numa contínua tendência a converter o qualitativo em quantitativo. E por isso se
poderá dizer a tentativa de um cálculo da acção e da decisão. Como pensamento teórico-
analiticamente estratégico, o que o determina não é a “decisão enquanto a decisão ‘justa’ ou
‘verdadeira’, mas simplesmente a decisão optima em dadas condições” (NEVES, Castanheira.
Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 39).

AULA 14: O CETICISMO TEÓRICO-INTERPRETATIVO E A AUTOCLAUSURA DA


“COMUNIDADE INTERPRETATIVA” DOS JUÍZES EM FISH.

α. A suspeita de professar uma indeterminação interpretativa e de celebrar o triunfo dos intérpretes


volutariosos: a negação de que renuncie a uma “comunidade de leitores” e apele para um mundo
onde nenhum texto pode significar algo especial.
β. A análise da teoria objetivista da interpretação e de sua pretensão formalista da leitura: as
supostas propriedades comunicativas da linguagem, proteções da leitura contra a astúcia da
argumentação e a confiança em um “cálculo teorético” da significação.
γ. A tese central das “comunidades interpretativas” e a institucionalização da interpretação nos
domínios de uma prática profissional: a circunscrição da comunicação a uma comunidade de vida,
a negação de um significado transcendental e de um código estabilizado de leitura, a negação do
relativismo, a negação dos impulsos pessoais do juiz pela modelação das práticas profissionais, o
caráter improdutivo da teoria e a aceitação (acrítica) da autonomia jurídica pela simples
consagração das situações institucionais.
δ. A (injustificada) autoclausura (esoterismo) em face do pluralismo linguístico e cultural atuais: a
descrença de Fish em uma ciência que acerte as nossas crenças e sua aposta numa força
incontrolável que nos defende das crenças adversárias, no domínio do vocabulário de leitura pelas
práticas contingentes, na mudança de uma forma de vida apenas quando esse vocabulário triunfa
(irrefletidamente) no interior de uma estrutura que o consagra.
Para FISH trata-se muito simplesmente de reconhecer que os juristas
participam “confiadamente” numa comunicação colectivamente
institucionalizada (they are [neither] relativists [nor] solipsists) e que esta se
cumpre realizando um projecto interpretativo partilhado e o fim ou os fins que
o distinguem – fim ou fins que as práticas profissionais correspondentes
cumprem adequadamente (de acordo com as expectativas sociais dominate e
os juízos que as traduzem) (LINHARES, José Manuel. Constelação de discursos
ou sobreposição de comunidades interpretativas? A caixa negra do pensamento
jurídico contemporâneo. Porto: Conselho Distrital do Porto da Ordem dos
Advogados, 2007, p. 31 e seg.).

CAPÍTULO IV: A PLAUSIBILIDADE DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA NA


CONTEMPORANEIDADE DO PENSAMENTO METODOLÓGICO

AULA 15: A FILOSOFIA, A LINGUAGEM, A PHRONESIS E A INTERPRETAÇÃO EM


HEIDEGGER E GADAMER.

1. A hermenêutica ontológica de Heidegger

α. A crítica ao abandono da noção de verdade como desocultação em favor da verdade como


apresentação ou correspondência: a abordagem teórica e a manipulação de ideias, o
aprofundamento da metafísica da verdade em Descartes, o subjetivismo e a noção de verdade a
partir da limagem humana.
β. A superação de Dilthey quanto à noção de compreensão e a consagração da hermenêutica
como desocultação, liberta das pretensões de descoberta da verdade: a historicidade em sentido
ontológico e a inevitável violentação do texto pelo intérprete, o compromisso da hermenêutica com
o percurso entre o dito e o não dito, a viragem linguística e a crítica à instrumentalidade da
linguagem.
2. A hermenêutica dialética de Gadamer

α. A crítica à noção tradicional de experiência (aprisionada pelos domínios conceituais e


ahistóricos das teorias objetivas da experiência) e a sua dialeticidade: a experiência como abertura
(como sabedoria e não como técnica) e como propriedade inerente da coisa interpretada, a
inevitabilidade dessa experiência e o sofrimento que impõe ao intérprete.
β. O diálogo entre o leitor e o texto e a tarefa da hermenêutica: a distinção necessária entre diálogo
e discussão, a libertação do texto da situação de alienação do passado, a compreensão de uma
questão como o compromisso da hermenêutica (a compreensão do horizonte onde ela é
colocada), a falta de autossuficiência de uma reconstrução textual e a necessária fusão de
horizontes.
δ. O descompromisso da interpretação com o autor e a sua vinculação com o horizonte: a rejeição
da teoria dos signos e da instrumentalidade da linguagem, a universalidade dessa linguagem e da
hermenêutica e o pertencimento do homem àquela linguagem (a linguagem como possibilidade
de se ter um mundo e de se obter o reconhecimento dentro dele).
AULA 16: A INTERPRETAÇÃO E A NARRATIVIDADE EM PAUL RICOEUR.

α. A crítica à concepção de interpretação na hermenêutica romântica: a recusa do tratamento da


interpretação como uma província da compreensão, a partida e a tentativa de superação da concepção
estrutualista da interpretação.
β. A interpretação como dialética entre compreensão e explicação: da captação ingênua da totalidade do
texto (a conjectura) à compreensão metódica do sentido do texto (o processo de validadção).
γ. A exigência de uma dialética entre interpretação e argumentação: as limitações expostas das teorias da
interpretação, defendida por Dworkin, e da argumentação jurídica, defendida por Alexy e Atienza.
δ. O sentido do juízo, os dilemas decisórios e os limites da interpretação: do encerramento da discussão e
da paz social ao pleito do reconhecimento e da pretensão de uma decisão verdadeira à ausência de
qualquer decisão.
AULA 17: A INTERPRETAÇÃO E A SUPERINTERPRETAÇÃO: AS LIÇÕES DA “OBRA ABERTA”
DE UMBERTO ECO.

α. A noção de obra aberta: fruição estética e intervenção, intencionalidade de abertura e


ambiguidade da atividade produtiva, a descontinuidade inerente das partículas criativas em todos
os processos produtivos e a concepção epistêmica da techne (conhecer e completar o mundo).
β. Os conceitos fundamentais da semiótica de Umberto Eco: intentio auctoris, intentio lectoris,
intentio operis, autor-empírico, autor-modelo, autor-implícito, leitor-empírico, leitor-modelo, leitor-
implícito e estratégia textual.
γ. A crise do modelo interpretativo da intenção do autor (intentio auctoris), a semiótica hermética
e os limites da interpretação (superinterpretação): das históricas associações improváveis ao
exercício aporético da desconstrução.

Espero que meus ouvintes concordem que introduzi o autor empírico neste jogo só para
enfatizar sua irrelevância e reafirmar os direitos do texto.
δ. A dialética do texto com o leitor, a ideia de intepretação e a intentio operis: a noção de texto e
sua natureza lacunosa, os direitos do texto e do autor e as condições de leitura.
AULA 18: O PRAGMATISMO INTERPRETATIVO DE RICHARD RORTY.

α. A recusa da distinção entre natureza e cultura, linguagem e fato, assim como do paradigma
interpretativo do conhecimento como representação: a inexistência de métodos que decifrem os
códigos secretos de leitura ou a metafísica oculta por trás de sua criação.
β. A inutilidade de qualquer crítica que pretenda se erguer acima do propósito do texto: a crítica
ao estruturalismo e ao pós-estruturalismo e a tese de que o texto se serve da linguagem comum
para sugerir como o leitor deve agir.
γ. A improdutiva diferenciação entre usar e interpretar um texto e o apelo ao “leitor ironista” capaz
de modificar (permanentemente) seu “vocabulário final”: o que faz o leitor nominalista-historicista.
δ. A distinção entre sermos mais autônomos e sermos menos cruéis como o melhor uso que
podemos fazer de um texto: as exigências de um leitor “ironista liberal” e a diferença entre
interpretação metódica e interpretação inspirada.
AULA 19: O DIREITO COMO INTERPRETAÇÃO E HIPÓTESE ESTÉTICA NO “ROMANCE EM
CADEIA” DE RONALD DWORKIN.

α. A controvérsia sobre a natureza das proposições jurídicas e a alternativa teórica da concepção


do direito como interpretação: defendendo-se do ceticismo e do senso comum interpretativo.
β. A hipótese estética na interpretação literária e as bases interpretativas para o direito: a
relevância de ler um texto de modo a revelar a melhor obra que a mesma pode ser e a defesa
contra a acusação de trivialidade teórica.
γ. O texto em cadeia e a concepção do direito como interpretação: a questão da coerência e a
resposta aos casos difíceis para os quais o positivismo não responderia ao refugiar-se na
discricionariedade do juiz.
δ. A induvidosa possibilidade de encontrar uma interpretação melhor que todas e o pluralismo
conceitual que repousa na concepção política da interpretação: a defesa contra o relativismo e
contra a hipótese dos dilemas morais.
AULA 20: INTERPRETAÇÃO OU TRADUÇÃO? DIÁLOGOS COM A “FILOSOFIA NARRATIVA”
DE ALASDAIR MACINTYRE E COM A “POIESIS LINGUÍSTICO-INTERPRETATIVA” DE JAMES
BOYD WHITE.

α. A constituição narrativa do direito e dos materiais interpretativos: a “racionalidade das tradições”


e o equívoco da modernidade de procurar pelos princípios universais da razão interpretativa.
β. A concepção e a experiência da tradução e a recusa do relativismo como solução para o atual
contexto de pluralismo linguístico e cultural: a leitura como atividade de responder a outros textos
que nos interpelam.
γ. O direito como uma “forma de vida” e a prática jurídica como uma “comunidade de argumentos”:
a antiteoria, o antiformalismo, a recusa da autonomia jurídica e o domínio de excelências (morais
e intelectuais) do jurista prático.
CAPÍTULO V: A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E AS TEORIAS ATUAIS DA DECISÃO
JURÍDICA

AULA 21: O NEOFORMALISMO E A INTERPRETAÇÃO: OS ATUAIS DESAFIOS DO “JUIZ


ÁRBITRO” DO NORMATIVISMO.

1. Os pressupostos culturais e filosóficos de uma concepção normativista do julgador

α. O corolário da passagem da communitas pré-moderna para a societas moderna: o direito e o


Estado como artefatos ou regulação ótima de interesses individuais (socialmente emancipados!)
e o juiz como árbitro e operador de uma aritmética do prazer.

Na ética ou Axiologia, o utilitarismo – também ele uma renovação do eudemonismo do século XVIII
– é a sua doutrina mais característica. BENTHAM é aqui, sabe-se, o representante típico, britânico,
da doutrina positivista. A moralidade da acção não se afere pela atitude espiritual interna do
agente, como queria KANT, mas pelo seu êxito, segundo o maior ou menor grau de bem entendido
prazer que ela provoca no sujeito moral (hedonismo). A ética é, portanto, a regulamentação
científica e inteligente do egoísmo, a aritmética do prazer. É HOBBES reeditado, correcto e
aumentado, e através dele o sábio EPICURO ressuscitado. No direito e no Estado, a mesma
concepção eudemonista, ou mais individualista ou mais social, mas ainda, quando mais social,
sempre essencialmente mecânica e atomística: o Estado ao serviço do bem-estar dos indivíduos
(MONCADA, L. Cabral de. Filosofia do direito e do estado. Coimbra: Coimbra Editora, 2006, vol.
1, p. 312 e seg.).

_____

(α) De tal modo que o projecto da societas seja aquele que, permanecendo fiel à
narrativa de uma criação ex nihilo e ao homem desvinculado (“independente de toda e
qualquer tradição”) que por ela se responsabiliza — se não mesmo ao status naturalis e (ou)
à original position (universalmente representados) que a tornam possível —, nos incita a
descobrir na emancipação lograda dos interesses e na equivalência (ou mesmo na
comensurabilidade quantitativa) dos fins — mas também na redução dos referentes (e dos
critérios) materiais a um acervo de afirmações de preferência (subjectivamente
experimentadas) — as coordenadas decisivas do seu problema (e da ordem que o assimila).
Mas então também aquele que encontra a resposta instituinte (capaz de hierarquizar estes
interesses, fins ou preferências) num processo-modelo de decisão — e no artefacto sócio-
político que legitima colectivamente esta decisão (e a cadeia de decisões em que esta se
integra).

(β) Para que o projecto da communitas abra a nossa experiência (e as nossas


possibilidades de practical deliberation) à consideração de um horizonte de integração
(justificado pela referência a responsabilidades e compromissos práticos partilhados), na
mesma medida em que defende (e explora) um dualismo insuperável entre objectivos e
bens (subjective goals v. human goods) ou entre fins e valores — na medida pelo menos em
que revela a importância de fins incomensuráveis, cada um deles prosseguido como um fim
em si mesmo e a exigir enquanto tal um acervo de especificações plausíveis (non-
commensurable (...) qualitatively distinct and separate (…) ultimate ends, [each one
pursued] for its own sake) (LINHARES, José Manuel Aroso. Jurisprudencialismo: uma
resposta possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença? In: COELHO, Nuno
Morgadinho Santos; SILVA, Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado hoje –
Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem ao Doutor António
Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 132 e seg.).

β. A confluência do espírito positivista oitocentista e do jusnaturalismo moderno numa força


tarefa contra o despotismo dos reis e a irracionalidade das tradições: as categorias da
inteligibilidade, cientificidade, sistematicidade, universalidade, segurança e autossubsistência
do sistema jurídico.

Pode acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, seja,
em certos casos, rigorosa demais. Mas os juízes de nação são apenas, como
dissemos, a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não
podem nem moderar a força nem o rigos dessas palavras (MONTESQUIEU. Do
espírito das leis. Tradução Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martin Claret,
2010, p. 175).

___

Do ponto de vista da ciência, livre de quaisquer julgamentos valorativos,

A crise do ius commune, visível já no século XV, irá acentuar-se


com a emergência do jusnaturalismo racionalista. Ao refutar a
tradição, esta corrente mostra os seus intuitos destruidores no
que respeita aos princípios nucleares que constituem o cimento
da formação organizacional da ordem instituída. Começam a
perfilar-se os pressupostos que irão conduzir à ideia de código
como um conjunto de normas simples, claras e autossuficientes,
impostas pelo Estado. A crença na capacidade intrínseca do
homem põe em causa a credibilidade dos velhos instrumentos
metodológicos de obtenção da verdade (MARQUES, Mário
Reis. Codificação e paradigmas da modernidade. Coimbra:
Edições do Autor, 2003, p. 355).

morais ou políticos, a democracia e o liberalismo são apenas dois princípios


possíveis de organização social, exatamente como o são a autocracia e o
socialismo. Não há nenhuma razão científica pela qual o conceito de Direito
deva ser definido de modo a excluir estes últimos. Tal como empregado
nestas investigações, o conceito de Direito não tem quaisquer conotações
morais. Ele designa uma técnica específica de organização social (KELSEN,
Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução Luis Carlos Borges. 4. ed.
São Paulo, 2005, p. 8).
γ. A definitiva perversão
da especificante
Este modo de definir o direito pode ser
racionalidade
chamado de formalismo jurídico; a
concepção formal do direito define jurídico-decisória: a
portanto o direito exclusivamente em equívoca
função da sua
E se estrutura formal,
a “equidade” sempre pretendeu traduzir diferenciação entre
prescindindo completamente
um juízo normativo deseu referência individual- decisão
conteúdoconcreta
– isto é, considera somente
– que atenda às concretas fundamentada no
como o direito se produz edonãocaso”
“circunstâncias o que -, dirigido e
direito (o direito
ele estabelece (BOBBIO,por
fundamento Norberto.
uma Ointencionalidade
positivismo jurídico: lições de filosofia institucionalizado e
axiológico-normativa, antes que meramente
do direito. Tradução Márcio Pugliesi et abstratamente
imperativa ou prescrita, e de sentido
pressuposto) e
adequadamente material, antes que
rigidamente formal, então não pode negar-
decisão por
equidade. se, pelo que acaba de dizer-se, que em toda
a concreta aplicação do direito existe em
maior ou menor grau, mas irredutível, uma
dimensão de equidade – a equidade não é,
assim, hoje uma modalidade de juízo
normativo contraditória com a jurídica
aplicação do direito, é sim um momento da
concreta realização do direito (NEVES, A
Castanheira. Curso de introdução ao estudo
do direito. Coimbra: Policopiado, 1971, p.
244).

δ. A rigorosa diferenciação entre “ser”


(realidade, factualidade) e “dever ser”
(idealidade sistemática) e o juiz como
um organizador (desinteressado!) da sua regulação: a separação das instâncias criativa,
interpretativa, integrativa e aplicativa do direito.

Era também característico da teoria tradicional da I.J [interpretação jurídica] a formal discriminação
metodológica de interpretação e aplicação, por um lado, e de interpretação e integração, por outro
lado, considerando-as operações discretas e distintas umas das outras. E também aqui a índole
problemática-concreta e prático-normativa da I. J. impõe a superação deste esquema discriminatório
(NEVES, António Castanheira. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da sua
metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 1995, vol. 2º, p. 370).

2. A (relevante?) diferença entre o normativismo do séc. XIX e o normativismo kelseniano


α. A horizontalidade do sistema para a jurisprudência dos conceitos e a sua verticalidade para a
teoria pura do direito: do paradigma da aplicação tal e qual ao paradigma da decisão.

“ALGUNS EXEMPLOS (entre muitos outros possíveis), DISTRIBUÍDOS PELOS DIVERSOS


NORMAVISMOS

O normativismo jusracionalista Unidade por consistência axiomático-


dedutiva
(direito natural racional)
O ponto de partida são axiomas
antropológicos (empírico-
«naturalisticamente» descobertos e
comprovados e/ou ético- -
racionalmente assumidos) e a
compossibilidade das diversas normas
é aferida pela desimplicação lógico-
dedutiva referida ao pressuposto
comum.

O normativismo do Positivismo Unidade horizontal por coerência


científico do século XIX categorial-estática

Unidade garantida pela unidade de


significações categoriais que as normas
repetem [as normas ou proposições
normativas pressupõem um sistema
comum de «corpos jurídicos»
(institutos e conceitos) ... que a ciência
dogmática do direito deverá descobrir-
construir].

O normativismo da Teoria pura de Unidade vertical por consistência


Hans «sintáctico»-arquitectónica

KELSEN Unidade garantida pela


institucionalização dinâmica de um
processo normativamente estruturado
de aplicação-produção do direito [que
a ciência do direito reconstitui
analiticamente invocando a
pressuposição transcendental de uma
Grundnorm ou norma fundamental]”.

(LINHARES, José Manuel Aroso.


Introdução ao Pensamento Jurídico
Contemporâneo: Sumários
Desenvolvidos. Coimbra: Policopiado,
2017, p. 36)

β. A pressuposição axiológica do sistema normativo para a jurisprudência dos conceitos (as


normas valem antes de tudo porque são justas) e o atestado de incompatibilidade entre justiça
e ciência jurídica para a teoria pura do direito (o direito vale porque existe e na conformidade
com uma ordem institucionalizadora).

α) A generalidade (universalidade racional na perspectiva dos sujeitos) a


fundar-se na liberdade (que inventa a societas) [o sujeito titular da lei é o povo (a
associação de vontades livres e racionais que corresponde ao contrato)] mas
também a excluir o arbítrio e os «privilégios» e a consumar (na sua auto-
subsistência) uma exigência de igualdade [a prescrição dirige-se sem excepção a
todos os sujeitos-cidadãos... que assim mesmo não obedecem senão a si próprios].
β) A abstracção (na antecipação hipotética de um tipo de problema ou de
situação) a assimilar o comum racionalmente parificador (outra das dimensões da
igualdade) mas também a «atingir o futuro e a assegurar a permanência» [não
identificando-antecipando situações concretas (ou os casos singulares e irrepetíveis
que destas emergem), a norma autonomiza hipoteticamente o elenco de
características juridicamente relevantes que definem cada tipo de situação ou de
problema (dependendo a relevância jurídica dos casos singulares presentes e
futuros da «verificação»-determinação dessas características)].

γ) A formalidade a definir o «status ou o quadro normativo» das possibilidades


de actuação-autodeterminação dos sujeitos («as estruturas genérico-abstractas ou
objectivo-formais dos direitos e liberdades, fossem os direitos e liberdades
fundamentais, fossem os direitos e liberdades comuns, e igualmente as obrigações
e responsabilidades») sem impor fins, antes permitindo a cada um a prossecução
dos seus fins (subjectivamente emancipados) e a realização lograda dos seus
arbítrios: a lei a afirmar a pureza jurídica da sua intencionalidade enquanto norma
(a «assegurar negativamente a garantia dos direitos, protegendo os direitos de cada
um contra os ataques dos outros») e então e assim a desempenhar uma função
político-socialmente estatutária de garantia (a garantir a ordem das «liberdades» de
um «modo igual e objectivo, permanente e seguro») (LINHARES, José Manuel
Aroso. Introdução ao Pensamento Jurídico Contemporâneo: Sumários
Desenvolvidos. Coimbra: Policopiado, 2017, p. 30).

γ. A (ir)relevância da dogmática jurídica no processo decisório: a exterioridade e o caráter


descritivo da ciência jurídica e a decisão como processo específico de produção do direito.

A ciência jurídica tem por missão conhecer – de fora, por assim dizer – o Direito e descrevê-lo com
base no seu conhecimento. Os órgãos jurídicos têm – como autoridade jurídica – antes de tudo por
missão produzir o Direito para que ele possa então ser conhecido e descrito pela ciência jurídica. É
certo que também os órgãos aplicadores do Direito têm de conhecer – de dentro, por assim dizer –
primeiramente o Direito a aplicar. O legislador, que, na sua atividade própria, aplica a Constituição,
deve conhecê-la; e igualmente o juiz, que aplica as leis, deve conhecê-las. O conhecimento, porém, não
é o essencial: é apenas o estádio preparatório da sua função que, como adiante melhor se mostrará, é
simultaneamente – não só no caso do legislador como também no do juiz – produção jurídica: o
estabelecimento de uma norma jurídica geral – por parte do legislador – ou a fixação de uma norma
jurídica individual – por parte do juiz.
Também é verdade que, no sentido da teoria do conhecimento de Kant, a ciência jurídica como
conhecimento do Direito, assim como todo o conhecimento, tem caráter constitutivo e, por
conseguinte, “produz” o seu objeto na medida em que o apreende como um todo com sentido. Assim
como o caos das sensações só através do conhecimento ordenador da ciência se transforma em cosmos,
isto é, em natureza como sistema unitário, assim também a pluralidade das normas jurídicas gerais e
individuais postas pelos órgãos jurídicos, isto é, o material dado à ciência do Direito, só através do
conhecimento da ciência jurídica se transforma num sistema unitário isento de contradições, ou seja,
numa ordem jurídica. Esta “produção”, porém, tem um puro caráter teorético ou gnoseológico. Ela é
algo completamente diferente da produção de objetos de trabalho humano ou da produção do direito
pela autoridade jurídica (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Baptista Machado.
7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 81-82).

3. O modus operandi da decisão judicial

α. A natureza teorética, objetivo-cognitiva e formal-dedutiva (legal e conceitual), pouco


evidenciada, embora, no normativismo de Hans Kelsen, onde o julgador não dispõe de um
objeto em condições de subsumir para o caso, mas ao contrário a esse juiz se reconhece um
papel constitutivo no preenchimento da moldura.

│A relação entre um escalão superior e um escalão inferior da ordem


jurídica, como a relação entre Constituição e lei, ou lei e sentença judicial, é uma
relação de determinação ou vinculação: a norma do escalão superior regula –
como já se mostrou – o ato através do qual é produzida a norma do escalão
inferior, ou o ato de execução, quando já deste apenas se trata; ela determina não
só o processo em que a norma inferior ou o ato de execução são postos, mas
também, eventualmente, o conteúdo da norma a estabelecer ou do ato de
execução a realizar. Esta determinação nunca é, porém, completa. A norma do
escalão superior não pode vincular em todas as direções (sob todos os aspectos)
o ato através do qual é aplicada. Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora
menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem
sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica,
o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem
o mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa
uma pluralidade de determinações a fazer. Se o órgão A emite um comando para
que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir, segundo o seu próprio
critério, quando, onde e como realizará a ordem de prisão, decisões essas que
dependem de circunstâncias externas que o órgão emissor do comando não
previu e, em grande parte, nem sequer podia prever (KELSEN, Hans. Teoria pura
do direito. Tradução João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2006, p. 388).│
Os positivistas sustentam que quando
um caso não é coberto por uma regra
clara, o juiz deve exercer seu poder
discricionário para decidi-lo mediante
a criação de um novo item de
legislação (DWORKIN, Ronald.
β. A norma como o prius da decisão, sem a
Levando os direitos a sério. Tradução
mediação do caso (a norma antecede ao caso e por
Nelson Boeira. São Paulo: Martins
óbvio à decisão): o Fontes, 2007, p. 49 e seg.).
“platonismo de
normas” onde a realidade e a história nada
acrescentam na sua compreensão e
aplicação.

O direito natural clássico e o juspositivismo clássico (normativístico) equiparam-se num


ponto essencial. Tanto para um como para o outro o processo da realização do direito
é um processo perfeitamente a-histórico. É um "processo" em que nada acontece. O
caso e a norma permanecem durante todo ele como já eram antes, nada é alterado.
Trata-se de um pensamento lógico-formal. O discurso é puramente dedutivo. O direito
concreto, a decisão jurídica, é deduzida em termos estritamente lógicos, da norma,
que, por sua vez, deriva de normas hierarquicamente superiores e, finalmente, estas
defluem das últimas e mais elevadas normas do sistema. A diferença entre o direito
natural clássico e o juspositivismo clássico consiste "apenas" na circunstância de,
naquele primeiro, as normas hierarquicamente mais elevadas serem consideradas
pré-dadas (no logos, na natureza, na lei divina, na razão prática), enquanto que no
último, a "norma fundamental" é entendida como uma prescrição humana, como uma
hipótese, ou como uma condição transcendental (KAUFMANN, Arthur. Prolegómenos
a uma lógica jurídica e a uma ontologia das relações: fundamento de uma teoria do
direito baseada na pessoa. Tradução Fernando José Pinto Bronze. Boletim da
Faculdade de Direito, Coimbra, n. LXXVIII, 2002, p. 183).

γ. O paradigma idealizado é o da aplicação do direito pressuposto: a contemplatio sugerida em


nome da inteligibilidade do sistema e a inscrição do decisum no interior da moldura.

[...] o normativismo nos oferece um paradigma de aplicação – um esquema metódico de lógico-dedutiva


aplicação de normas pressupostas, enquanto o paradigma metodológico e o esquema metódico para a
operatória realização concreta do direito (NEVES, A. Castanheira. Teoria do direito: lições proferidas no
ano lectivo de 1998/1999. Coimbra: Policopiado, 1998, p. 103 e seg.).
AULA 22: O FUNCIONALISMO INTERPRETATIVO-SISTÊMICO DE LUHMANN: UM “JUIZ
AGRIMENSOR”?

1 Os pressupostos teórico-jurídicos assumidos

α. A crítica ao normativismo e aos funcionalismos materiais (orientados por efeitos): a


reconstrução da ideia de sistema (autopoiesis) e de autonomia (clausura operatória) do
pensamento jurídico.
Frente a esta posición la enseñanza tradicional de la ciencia jurídic no parte
de operaciones, sino de personas. Según esto, la autonomía de sistema jurídico
se encuentra segurada por la independencia de los jueces y, eventualmente, de
los abogados [...] Pero esto no dice nada sobre el concepto de autonomía [...]
Por esta razón, preferimos un concepto de autonomía que se vuelve duro ao
introducir el término autopoiesis (LUHMANN, Niklas. El derecho de la
sociedade, cit., p. 119 e 120).

Em lo que atañe a la función, se puede determinar que el derecho opera normativamente clausurado y,
al mismo tempo, cognitivamente abierto [...] Por lo tanto, “abierto cognitivamente” no significa outra cosa
que el sistema general as informaciones correspondientes desde la posición de la heterorreferencia y
atribuye a diferencias situadas em el entorno (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 133 e
141).

Por conseguiente, ni el hecho de


consultar reglas externas, ni el aceder
a motivos de la legislación que se
pudieran determinar fácticamente,
puedem vale como objeción conra la
tesis de la unidad operativa y la
autonomia del sistema jurídico
LUHMANN, Niklas. El derecho de la
sociedade, cit., p. 146).

β. A irreversível situação de entropia social hoje vivida e a concepção de direito positivo como
resposta estabilizadora de pretensões (mediante códigos binários e próprios ao modo
lícito/ilícito e de sim/não).
│Como se aprecia, se han producido innumerables teorias jurídicas, pero
ninguna teoria del derecho. Se há llegado a la representación casuística por
médio de teorias referidas a problemas específicos, pero no se há llegado a um
entendimento apropriado del derecho como uma unidad que se produce a sí
misma. El resultado há sido la existência de multiplicidade de teorias, pero no
uma autorrepresentación del derecho como derecho (LUHMANN, Niklas. El
derecho de la sociedade, cit., p. 73).│

γ. O abandono da concepção clássica de justiça: da resposta ao apelo exterior à lei (ou à metalei)
no paradigma clássico ao exercício de adequação da complexidade do direito à complexidade
social.

Devemos, em primeiro lugar, considerar que o funcionalismo que nos nossos dias está
a atingir tão fortemente o pensamento jurídico, como que numa diferente
recompreensão do direito, não deixa de ser a expressão final, e justamente no universo
jurídico, de certa atitude da cultura europeia que se começou a forjar também no
pensamento moderno, em ruptura com o paradigma cultural clássico, e que se
radicalizou no nosso século (NEVES, A. Castanheira. Teoria do direito: lições
proferidas no ano lectivo de 1998/1999. Coimbra: Policopiado, 1998, p. 128).

2 A judicatura funcional-sistêmica e demarcatória da fronteira com o seu entorno

α. Os limites da interpretação e argumentação judicial e o caráter decisional (voluntas) dos


tribunais: a noção puramente formal de coerência argumentativa e a busca da autossubsistência
do sistema.

También la argumentación es una forma provista de dos lados. Naturalmente aquí no


se trata de la diferencia entre argumentos buenos y malos, entre argumentos
convincentes y menos convincentes, ya que ambos son argumentos. Para un
entendimiento de la argumentación, más que nada es decisivo lo que con ella no se
puede lograr, lo que no se puede conseguir. Y esto que no se puede alcanzar es mover
el símbolo de la validez del derecho. Ningún argumento tiene capacidad de cambiar el
derecho vigente, como sí podría hacerlo, por ejemplo, una ley, un contrato, un
testamento, una decisión jurídica tomada por el tribunal; ningún argumento es capaz
de dar validez a nuevos derechos y obligaciones y con ello crear condiciones que, a
su vez, pueden ser cambiadas. Este no poder sirve de descarga a la argumentación:
la dispensa para que se constituya en otra clase de disciplina. Esta dependencia de la
validez es, al mismo tiempo, condición para que la argumentación jurídica se restrinja
al derecho filtrado por el sistema jurídico y que no resbale con los prejuicios morales u
otros prejuicios (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 401).

----

Si se mira lo que en el pasado, con pronunciados intereses teóricos, ha hecho carrera


bajo la denominación de “teoría de la argumentación”, se encuentra poco que sea útil.
Los estímulos que se toman en cuenta en la enseñanza del método jurídico trabajan
con un ideario descontextualizado, antiguo (o a lo sumo, temprano moderno),
recurriendo a conceptos como tópico, retorica, dialéctica o, finalmente, hermenéutica.
Además el contexto de estas enseñanzas esta contemplado desde una cultura
primordialmente oral o, a lo más, desde una cultura que reacciona con la duda sugerida
por la misma escritura. Esta no es ya nuestra situación. Una segunda ola de teorías
regulativas sobre la argumentación normativa fue desencadenada por el “linguistic
turn” de la filosofía, aunque apenas si llegó a tocar la jurisprudencia – esta ola teórica
se ha mantenido con una posición crítica en la lejanía de la praxis. Por otro lado, no se
ha ganado mucho con el rechazo global de estos trabajos. Por eso tiene sentido que
busquemos otras posibilidades (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p.
412).

----

En el hábito que desarolla la profesión se puede observar, a veces, una cierta distancia
ironica hacia las ideas y los medios de la argumentacion, a la par de una esmerada
atención fijada en aquello que, en última instancia, es lo que verdaderamente soporta
la decisión: usos del tribunal, tradición. Las razones últimas son siempre, pues, las
penúltimas (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 471).

β. A constrição diferenciadora do raciocínio e o aspecto “conservador”/programador da


atividade do juiz: da superação das atitudes contemplativa (do normativismo) e criativa (dos
funcionalismos materiais) pela operatória-demarcatória de fronteiras do direito e o seu entorno.

El sistema del derecho opera, pues, en


la forma de comunicación protegendo
los limites que la sociedade misma
traza. El sistema jurídico debe
entonces remarcar aquello que ha de
ser manejada o en el sistema como
comunicación especificamente
jurídica (LUHMANN, Niklas. El derecho
de la sociedade, cit., p. 90).

E uma palavra também quanto ao funcionalismo sistêmico, que renunciando a uma regulação material da
sociedade (seja finalística, seja consequencial), dada a sua complexidade e a pluralidade dos seus pólos
auto-organizatórios e auto-poiéticos, vê no direito só um subsistema social, seletivo e estabilizador de
expectativas, numa organização estruturalmente invariante e de intencionalidade auto-referente,
segundo um código binário lícito/ilícito, legal/ilegal, que reduziria aquela complexidade em termos de um
mero sistematizador da contingência continuamente reconstruído numa circularidade recursiva (NEVES,
António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 184 e seg.).
γ. A vinculação ao direito vigente (o direito positivo) e a sua compreensão, com o auxílio dos
conceitos e instituições oferecidos pela da dogmática jurídica, a partir de sua função: montando
sentinela junto ao sistema social e garantindo a estabilização programada pela norma.

De maneira distinta, nuestra teoria parte de la afirmación de que el sistema del derecho es um sistema
parcial (subsistema) del sistema de la sociedade. Por eso, los análisis próximos se compreenden también
como uma contribución a la teoria de la sociedade. De la misma manera, em abierto contraste com los
análisis científicos usuales sobre el derecho, no interessan en primer lugar las influencias que ejerce las
sociedade sobre el derecho (LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedade, cit., p. 88).

AULA 23: O FUNCIONALISMO SOCIAL TECNOLÓGICO DE HANS ALBERT: UM “JUIZ


EDIFICADOR” E UMA INTERPRETAÇÃO ESTRATÉGICA DO DIREITO.

2.1 Os pressupostos teórico-jurídicos assumidos

V.3. O desafio da judicatura em um mundo plural e a demanda interdisciplinar de formação do


magistrado: o triunfo do juiz tecnocrata (juge-entraîneur) sobre os juízes pacificador e árbitro
(OST).

│A reconversão do poder judicial (aberta pelas possibilidades-exigências do


Estado Providência) de que OST nos dá conta quando caracteriza o juge-entraineur. Os “três
modelos de juiz” (ou “tipos ideais de justiça”) e os critérios jurídicos e políticos que os
sustentam: um modelo de justiça “consuetudinária”-tradicional (juiz pacificador, sociedade
fortemente integrada, interiorização-assimilação de uma ordem de valores, economia pré-
capitalista), um modelo de justiça legalista-liberal (juiz árbitro, sistema político autónomo,
“societas” como “colecção de indivíduos”, separação dos poderes, lei como expressão de
uma universalidade racional e de uma “volonté génerale”, paradigma da aplicação,
economia de mercado, “libertação dos arbítrios”), um modelo de justiça “normativa”-
tecnocrática (juiz empreendedor ou juiz gestor, sociedade pós-industrial, Estado
planificador e intervencionista, lei como programa final, direito como “instrumento activo
da mudança social” e como “técnica de gestão”) (LINHARES, José Manuel Aroso. Introdução
ao Pensamento Jurídico Contemporâneo, cit., p. 89). │

V.4. As heranças filosóficas e hermenêuticas da engenharia social de Pound (o utilitarismo de


Bentham e a jurisprudência dos interesses de Heck) e a denúncia do caráter a posteriori do
modelo decisório tradicional.

│Concepção que, como a própria designação social engeneering, se podem


dizer introduzidos por E. POUND. Não acredito - afirma POUND, in Introdução
à Filosofia do Direito, trad. port., p. 52- em que o jurista tenha algo mais a fazer
do que reconhecer o problema (da dificuldade quanto aos critérios de valor) e
compreender que este se lhe apresenta como sendo uma questão de garantir
todos os interesses sociais, enquanto puder, de manter o equilíbrio ou harmonia
entre esses interesses, enquanto for compatível com a garantia de todos eles.
Pelo que a ordem jurídica consiste no processo de ajustar pretensões
contraditórias e de encontrar soluções de compromisso entre necessidades ou
desejos contrapostos, num esforço para dar eficácia a tantos quantos possamos
por aqui e agora em que as necessidades se impõem (Las grandes tendências
del pensamento jurídico, trad, esp., p.207 s.) É daí a proposta de converter o
pensamento jurídico numa engenharia social, compreendendo a ordem jurídica
como a tarefa ou uma série de grandes tarefas de engenharia social, como um
meio de eliminar fricções e evitar desgastes, na medida do possível, e satisfazer
as inumeráveis necessidades humanas com base numa reserva relativamente
pequena de bens materiais, e nessa linha igualmente o direito como o conjunto
de conhecimentos e de experiências com cuja ajuda esta parte de engenharia
social pode levar-se a cabo (Las grandes tendências, cit., p. 206.) (NEVES,
Castanheira. Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra
Editora, 1993, p. 54 e seg.). │

V.5. A superação dos juízos morais e políticos da jurisdição e a sua substituição por modelo de
engenharia: o esforço de harmonização-maximização dos interesses como único recurso capaz
de fazer frente à complexidade social do nosso tempo.

In social practice knowledge is used in two ways:


enlightenment and control. Enlightenment is the
use of the results of the growth of knowledge to
improve our orientation in the word; this use
includes the criticismo and revision of our value
orientation, our atitudes, our aims, our needs and
our feelings. Control is the use of knowledge to act
succesfully. One importante condition for this use is
the transformation of theoretical knowledge intro
technological knowledge (ALBERT, Hans. Critical
rationalism: the problem of method in social
sciences and law. Ratio Juris/An International
Journal of Jurisprudence and Philosophy of Law.
Oxford, vol.1, nº 1, March 1988, p. 3 e seg.).
Porém, se as consequências da neutralidade têm esse caráter, então é necessário colocar
a questão se, em face desta situação, não se deveria preferir uma filosofia que não tem um
engajamento aberto e com conteúdo determinado – e consequentemente, em determinadas
circunstâncias, também politicamente estruturado – como se encontra, por exemplo, no
pensamento marxista. Com isso surge, porém, a segunda questão, se e como racionalidade
e engajamento são compatíveis entre si, um problema que atinge o contexto de
conhecimento e decisão (ALBERT, Hans. Tratado da razão crítica. Tradução Idalina
Azevedo da Silva, Érica Gudde e Maria José P. Monteiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1976, p. 17).

___

Los juristas mismos tienden em la actualidad a tomar uma sana distancia. Enjuician las construcciones
jurídicas a partir de sus consecuencias; es decir, a partir de la pregunta: y qué se gana com ello. Es claro
que la respuesta no la podrían obtener si sólo admitieran las consecuencias empíricas; porque orientarse
por las consecuencias no es outra cosa que um indicador de la positividade del derecho: competência de
decidir según la propia valoración. De cualquier manera esto no es ningún principio generador de teoria
(LUHMANN, Niklas. El derecho de la sociedad. Traducción Javier Torres Nafarate et alii. México:
Universidad Iberoamericana, 2002, p. 71)

V.6. A assimilação do discurso popperiano de ciência: a superação do modelo de fundamentação


metafísica das escolhas humanas pelo modelo de racionalidade científica.

Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível


de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser
tomado como critério de demarcação não a verificabilidade, mas a falseabilidade de
um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível
de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém,
que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a
provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um
sistema científico empírico [...] Com efeito, irei propor (nas seções 20 e seguintes) que
o método empírico seja caracterizado como um método que exclui exatamente aquelas
maneiras de evitar a falseabilidade que, tal como insiste corretamente meu imaginário
crítico, são logicamente possíveis. Segundo minha proposta, aquilo que caracteriza o
método empírico é a sua maneira de expor à falsificação, de todos os modos
concebíveis, o sistema a ser submetido à prova. Seu objetivo não é o de salvar a vida
dos sistemas insustentáveis, mas, pelo contrário, o de selecionar o que se revele,
comparativamente, o melhor, expondo-os todos à mais violenta luta pela sobrevivência
(POPPER, Karl R. A lógica da pesquisa científica. Tradução Leônidas Hegenberg e
Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2007, p. 42 e 44).

_____
Quanto ao direito em si, consideremos o modelo que HANS ALBERT,
assumindo as sugestões de POPPER, propõe para uma por ele dita pratica
racional. Trata-se, no fundo, da aplicação ao domínio jurídico-social do
modelo epistemológico, e de racionalidade, definido pelo racionalismo
crítico. Segundo esse modelo, como se sabe, a ciência é a resolução dos
problemas pela formulação de hipóteses sistematicamente explicativas
(teóricas), sujeitas não a uma directa comprovação ou verificação (que seria
impossível, por razões que aqui não relevam), mas a uma crítica falsificação
(invalidação) através de experiências decisivas que solicitariam outras
hipóteses-explicações alternativas com que as primeiras se haviam de
confrontar (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 56).

_____

Meu ponto de partida é a tese de que a ciência pode conceber e analisar o


direito como um fato social e de que este, por conseguinte, pode ser também
apresentado como tal em explicações teoricamente fundadas. Então, pode
existir uma ciência jurídica como ciência real (Realuvissenschaft) e,
precisamente, como ciência real de espécie comum. Entendo por isso uma
ciência teórica naquele sentido em que se fala de ciências reais teóricas na
moderna teoria da ciência. Penso, assim, em uma ciência no sentido do
naturalismo, no qual, entre outras coisas, é aceito o principio de causalidade,
de modo que explicações causais são almejadas (ALBERT, Hans. O direito à luz
do racionalismo crítico. Tradução Günther Maluschke. Brasília: UnB: Universa,
2013, p. 113).

_____

A metodologia clássica, como se apresenta na teoria do conhecimento do


racionalismo clássico – nas suas variantes intelectualista e empirista – era, na
verdade, como já vimos, uma metodologia orientada segundo uma versão
metodológica do princípio da razão suficiente, segundo a ideia de que cada
concepção, cada convicção, cada crença tem que ser justificada através do
recurso a bases positivas e seguras, a um fundamento inabalável. Se se
quisesse evitar um regresso infinito ou um círculo não restaria nada além o
recurso a dados últimos e indubitáveis, de qualquer espécie, cuja certeza
poderia, na melhor das hipóteses, tornar-se plausível mediante a referência
ao seu caráter de revelação. O processo de fundamentação teria que conter
uma conclusão dogmática (ALBERT, Hans. Tratado da razão crítica, cit., p. 47).

_____

Portanto é possível superar a resignação positivista em questões filosófico-


morais sem incorrer no culto existencialista do engajamento, que substitui a
discussão racional de tais problemas por decisões irracionais. O criticismo,
que nos proporciona esta possibilidade, tem, no mais, conteúdo moral
próprio. Quem o assume não se decide apenas por um princípio abstrato sem
significação existencial, mas sim por uma forma de vida. Uma das
consequências éticas imediatas do criticismo é a de que a crença inabalável
aos inacessíveis argumentos racionais e premiada por muitas religiões, não é
uma virtude, mas um vício (ALBERT, Hans. Tratado da razão crítica, cit., p. 98).

2.2 O raciocínio estratégico e o modelo tecnológico de jurisdição

V.7. O exame crítico e o método heurístico de pesquisa judicial: a iniludível falibilidade das
decisões judiciais e os princípios da congruência, realizabilidade e explicabilidade das escolhas.

A ciência jurídica deveria, sobretudo, pôr à disposição propostas de interpretação, capazes


de fundamentar, por exemplo, as decisões judiciais e administrativas. Os textos relevantes,
no entanto, costumam deixar em aberto uma margem de interpretação e, além disso,
parece frequentemente ser necessário complementar o sistema de normas do direito em
vigor por determinados procedimentos de interpretação para colmatar lacunas existentes
nesse sistema (ALBERT, Hans. O direito à luz do racionalismo crítico, cit., p. 133).

V.8. Os efeitos sociais como a única referência deliberativa plausível ao enfrentamento da


situação de complexidade que desafia o julgador no nosso tempo: a superação do modelo
normativo de decisão pela tecnologia social.

Poderíamos, pois, pensar na possibilidade de interpretar a Ciência Jurídica de


modo tecnológico. Sei que a palavra “tecnologia” é malvista na aplicação a
relações sociais, porque frequentemente é associada - ainda que de maneira
completamente arbitrária- à “tecnocracia”. Pela proposta de falar de “doutrina
dos conhecimentos técnicos” (Kunslehre), no entanto, que equivale ao mesmo,
talvez a coisa venha a tornar-se aceitável. Poder-se-ia, inclusive, levar em
consideração a interpretação da Ciência Jurídica como tecnologia social, isto
é, como “doutrina dos conhecimentos técnicos”, cuja tarefa é de preparar
decisões de determinada espécie. Então, a relação de uma ciência real do
direito para com a Ciência Jurídica seria esclarecida de maneira simples. Neste
caso, a Ciência Jurídica seria o complemento social-tecnológico dessa ciência
teórica (ALBERT, Hans. O direito à luz do racionalismo crítico, cit., p. 118).

____

Totalmente independente da questão de como se deve conceber a Ciência Jurídica exercida nas
faculdades jurídicas, pode-se examinar a questão da possibilidade de uma disciplina social-tecnológica,
que trata do problema da ordem social, incluindo também o direito como componente central de tal
ordem em uma sociedade moderna. Tal disciplina tecnológica, já mencionada, deve se aproveitar dos
conhecimentos das respectivas ciências reais teóricas e históricas acerca dos contextos de atuação social
e, a partir deles, obter enunciados sobre possibilidades da ação humana capazes de servir de base para
decisões. Evidentemente, não se podem derivar as respectivas decisões de tais enunciados mediante
dedução lógica (ALBERT, Hans. O direito à luz do racionalismo crítico, cit., p. 129).

AULA 24: A INTERPRETAÇÃO EMANCIPATÓRIA DOS CRITICAL LEGAL STUDIES:


DIÁLOGOS COM O “JUIZ POLÍTICO-IMAGINATIVO” DE UNGER.

1. A herança cultural e metodológica, o pluralismo interno e os pressupostos filosóficos do


movimento Critical Legal Studies

α. A influência recebida do realismo americano e da Teoria Crítica de Frankfurt: o continuum


entre direito e política, o antiformalismo e a recusa de um caráter autônomo do pensamento
jurídico.

Apesar de tudo, pelo menos duas afirmações são inequivocamente identificadoras do


movimento. Em primeiro lugar, a de que "Law is politics". Depois, a crítica ao carácter
autónomo do pensamento jurídico. Ainda fundamental é o carácter anti-formalista do
direito, traduzido de modo diverso nos vários autores do movimento, e tendo corno núcleo
essencial a crítica à pretensão de que o pensamento jurídico é a-político, científico e não
admite qualquer conteúdo ideológico, e de que, e consequentemente, a aplicação do
direito se traduz num juízo lógico-dedutivo. Assumindo uma posição crítica, os autores do
Critical Legal Studies Movement denunciam o carácter ideológico dissimulado do
pensamento jurídico liberal, e a pretensão de ocultar esse carácter, e defendem que a
decisão judicial não é politicamente neutra, mas antes uma versão estilizada do discurso
político. Neste sentido, ideológica seria não só a afirmação do carácter neutro da legalidade
como também a própria índole da decisão judicial (GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões.
Entre o centro e a periferia: a perspectiva ideológica-política da dogmática jurídica e da
decisão judicial no Critical Legal Studies Movement. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 7).

Por sua vez, a antinomia rules/values consubstancia o argumento central dos Criticals Legal
Studies para a impossibilidade da neutralidade jurídica. A neutralidade política do direito
encontrar-se-ia afectada pelas concepções de valor e de justiça defendidas pelos diferentes
grupos numa sociedade plural, independentemente dos procedimentos adoptados na
constituição e mobilização prática dos critérios jurídicos. Assim, a neutralidade jurídica
aparece, desde logo, condicionada pela antinomia rules/principles, que implicaria que a
interpretação jurídica nunca lograsse manter-se alheia à diversidade concepções
normativas que se debatem numa sociedade pluralista (GAUDÊNCIO, Ana Margarida
Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 58 e seg.).

β. A denúncia contra as hierarquias indesejáveis, a desconstrução jurídica e o compromisso com


as lutas civis dos cidadãos: o pluralismo de estudos e de terrenos de atuação política e
acadêmica.

Os pilares comuns do pensamento dos autores participantes na Conference permitem


identificar o Critical Legal Studies Movement precisamente como um movimento, mais do
que como uma Escola, sendo portanto o Critical Legal Studies Movement, tal como o
designa Mark TUSHNET, uma political location, pretendendo significar que os Critical Legal
Studies são um lugar onde pessoas com um amplo âmbito de perspectivas políticas
referentes a diversos domínios da vida social podem reunir-se (GAUDÊNCIO, Ana
Margarida Simões. Entre o centro e a periferia, cit., p. 5).

γ. A particularidade da desconstrução jurídica como método de realização política e efetivação


do direito: “a maleabilidade dos materiais jurídicos” e a concepção de fundamentação da
decisão judicial.

Os Critical Legal Scholars propõem uma convocação de policy argument como


alternativa à estrita dedução, a permitir a inclusão de opções ideológicas na
decisão judicial. A definição do domínio da juridicidade permitiria agora
estabelecer um continuum entre realização do direito e political morality: os
critérios mobilizáveis no momento da resolução da controvérsia
juridicamente relevante seriam variáveis, consoante o objectivo prosseguido
pelo deidente: rules, standards, principles, policies, politics... como
alternativas legítimas igualmente convocáveis enquanto critério normativo
para a decisão (GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. Entre o centro e a
periferia, cit., p. 147).

2. O “experimentalismo democrático” de Roberto Mangabeira Unger e o desafio de


transformar o pensamento social e jurídico em instrumento de imaginação institucional

α. Do fetichismo à imaginação institucional: a promessa prática, as disciplinas instrumentais e


os pressupostos socioteóricos do “experimentalismo democrático” proposto.

No cerne dessas ilusões da filosofia académica reside a incapacidade para


fazer justiça ao que será um dos temas centrais deste livro. Chame-o, num
vocabulário, a relação interna e, em outro, a relação dialética, entre pensar
sobre ideais e interesses e pensar sobre instituições e práticas. Pensar sobre
ideais e interesses e pensar sobre instituições e práticas não são momentos
ou atividades separadas: cada um incorpora o outro sem ser redutível ao
outro. Assim, cada ideal social e cada interesse de grupo adquire parte de seu
significado a partir das estruturas sociais conhecidas que imaginamos
representar ou realizar de fato (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o
futuro da democracia. Tradução Caio Farah Rodriguez. São Paulo: Boitempo,
2004, p. 14).

[...] devemos entender a democracia como muito mais do que pluralismo


partidário e do que responsabilidade eleitoral do governo perante um
eleitorado amplo. Visto por um ângulo maior e mais revelador, o projeto
democrático foi o esforço de tornar a sociedade um sucesso prático e moral,
pela conciliação da busca de dos gêneros de bens: o bem do progresso
material, nos liberando da servidão e da incapacidade e dando armas e asas
aos nossos desejos, e o bem da independência individual, nos libertando dos
esquemas triturantes de divisão e hierarquia social. Tais esquemas nos
impedem de lidar uns com os outros como indivíduos inexauríveis em vez de
como titulares de lugares fixos numa determinada ordem coletiva (UNGER,
Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 16).
O experimentalismo prático da política democrática e o experimentalismo
cognitivo das ciências sociais têm algo importante em comum. O teórico e o
reformador prático dividem a responsabilidade de compreender e julgar
instituições reais do ponto de vista de suas possibilidades reprimidas e não
aproveitadas. Podemos manter viva essa idéia que nos confere liberdade e
destrói superstições, hoje, somente se reforjarmos tanto a análise jurídica
quanto a economia política como imaginação institucional. Com a ajuda dessa
prática reformada de estudo jurídico e econômico, podemos então repensar
as formas institucionais estabelecidas de democracias representativas,
economias de mercado e sociedades civis livres. Podemos soprar novo
significado e nova vida ao projeto democrático (UNGER, Roberto Mangueira.
O direito e o futuro da democracia, cit., p. 11).

Para corrigir esse problema, a sociedade civil pode adquirir elementos de uma
organização de direito público. Tal estrutura pode ser organizada com
fundamento em vizinhança, trabalho ou preocupações e responsabilidades
compartilhadas. Pode criar normas e redes de vida em grupo fora do Estado,
paralelas ao Estado e inteiramente livres de influência ou tutela estatal.
Grupos e movimentos diferentes podem competir por uma posição nesses
múltiplos arranjos da sociedade civil da mesma forma que partidos políticos
competem por um lugar no governo. Assim, teríamos enfim logrado êxito em
conferir conteúdo prático e progressivo a uma das ambições do pensamento
jurídico europeu do período entreguerras – a ambição do desenvolver um
direito social distinto tanto do direito do Estado como do direito da iniciativa
privada. Em tal direito, a prática fortalecedora de associação voluntária
encontraria um lar adequado (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o
futuro da democracia, cit., p. 30).

β. A denúncia contra a “análise jurídica racionalizadora” e contra a interrupção do pensamento


jurídico: a propositura e a justificativa de uma teoria do direito inspiradora da imaginação
institucional.

Mesmo que o juiz escolha sensatamente a linha do avanço democrático, descobre mais que
freqüentemente que a sua deficiência de poder e legitimidade o impede de lidar com as estruturas
institucionalizadas de onde a maior parte da desigualdade e exclusão se origina, que a fuga de causas
últimas é logo tratada com a sua santificação; que seus benefícios acabam desviados para os
segmentos não merecedores de grupos merecedores; que sua arrogância e casuísmo ajudam a
manter aqueles em situação de desvantagem desorganizados e divididos; e que os efeitos práticos
sejam tão ínfimos quanto a intervenção corretiva é ruidosa. Além disso, usar qualquer litígio concreto
para levar a história para frente pode, com freqüência, corromper o ideal de preocupação com as
pessoas, bem como o ideal de autogoverno popular, ao subordinar os problemas dos litigantes às
aspirações de uma providência togada (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 146).

O cerne da maior parte da análise jurídica num contexto de aplicação do direito deveria e deve ser a
prática do raciocínio analógico orientado contextualmente na interpretação de leis e decisões judiciais
passadas. Esse raciocínio analógico deve ser guiado pela atribuição de fins aos materiais
interpretados, uma determinação que pode com frequência permanecer implícita em situações de
práticas estabelecidas, mas que deve ser trazida a lume sempre que significados e objetivos são
contestados. Os objetivos precisam ser explicados quando contestados de fato, na experiência mais
ampla da sociedade e da cultura e nas circunstâncias de vida dos litigantes, em vez de apenas pelos
advogados em juízo (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 142).
Não existe tal coisa como o “raciocínio jurídico”: uma parte imutável de um corpo imaginário de formas
de investigação e discurso, dotado de um núcleo permanente de alcance e método. O que temos são
apenas estruturas institucionais historicamente localizadas e discussões historicamente localizadas.
Não faz sentido perguntar "Que é a análise jurídica?", como se o discurso (dos profissionais do direito)
a respeito do direito tivesse uma essência imutável. Ao lidar com esse discurso, o que podemos
corretamente perguntar é “Sob que forma o recebemos e no que devemos transformá-lo?”. Neste livro,
sustento que hoje podemos e devemos transformá-lo num diário logo continuado sobre nossas
estruturas (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 53 e seg.).

A prática da análise jurídica construída a partir dessa perspectiva teórica goza, atualmente, de grande
e crescente influência. Ela pode dominar apenas uma pequena parcela do discurso prático dos
advogados e juízes de instâncias inferiores, absorvidos com o propósito de evitar conflitos, controlar
a violência e mediar acordos. Não obstante, está começando a ocupar o principal espaço imaginativo
em que as elites do judiciário e as elites acadêmicas e profissionais do direito discutem o direito e
desenvolvem seu conhecimento prático e aplicado. No mínimo, ela evita que uma conceituação
alternativa do direito tome esse espaço e exerça essa influência (UNGER, Roberto Mangueira. O
direito e o futuro da democracia, cit., p. 55).

γ. A estrutura complexa da consciência jurídica: da invenção do método jurídico no séc. XIX para
a teoria racionalizadora do direito e desta para uma “reinterpretação tática do direito”.

A forma atual da consciência jurídica não é um ou outro desses


momentos do pensamento jurídico. É, antes, uma combinação
dos três. Todos os três modos de pensar coexistem não apenas
na mesma cultura jurídica e política, mas muitas vezes nas
mesmas mentes individuais. O resultado é uma comunidade
discursiva unida, como tão frequentemente as comunidades
discursivas são, de acordo com o princípio enunciado pelo
narrador no romance de Proust: somos amigos daqueles cujas
idéias estão no mesmo grau de confusão que as nossas
(UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 71).

3. O exercício (constrangedor) da atividade judicativa e o papel político do Judiciário na


efetivação do gozo dos direitos pelos cidadãos

α. A recusa do “papel dominante do juiz” na democracia e o reposicionamento da atividade


jurisdicional no lugar adequado: a injustificada e ineficaz acumulação das funções de “promover
o gozo dos direitos” e de “arbitrar os conflitos individuais”.

A questão da decisão judicial não merece tal privilégio. O privilégio encobre acertos indefensáveis
e antidemocrático assumidos de antemão, e sua continuidade ajuda a interromper o progresso
da teoria jurídica. De forma específica, o privilégio serviu tanto como causa quanto consequência
da incapacidade do pensamento jurídico contemporâneo em passar de sua eterna preocupação
com o gozo efetivo de direitos para sua pouco desenvolvida compreensão dos caminhos
institucionais alternativos de desenvolvimento do exercício de direitos em sociedades livres. A
obsessão com o judiciário ajudou a lançar um encanto antiexperimentalista sobre o pensamento
jurídico, seduzindo-o a trair sua vocação original numa democracia. Precisamos relegar a
questão, "como os juízes devem julgar?”, a uma condição especializada e secundária, como uma
questão que exige respostas especiais, mas que deixa o campo aberto para práticas de análise
jurídica direcionadas a outros fins (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 134).

Uma objeção inicial a essa ligação exemplar entre raciocínio jurídico e decisão judicial é que ser
juiz é um papel conformado institucionalmente, e não uma atividade social como um núcleo
permanente e com limites constantes. É um papel cujos contornos variam de uma sociedade e de
uma época para outra. Um simples experimento mental revela essa condição. Deveriam a tarefa
de resolver conflitos de direito entre litigantes individuais, e a tarefa de reorganizar práticas
organizacionais que frustram o gozo de direitos (por exemplo pela execução complexa) ser
conduzidas pelo mesmo agente institucional, como é mais ou menos o caso agora, ou deveriam
ser separadas e atribuídas a dois agentes diferentes? (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o
futuro da democracia, cít., p. 138 e seg.).

β. Uma provisória teoria da decisão centrada na imagem do “juiz assistente do cidadão”: o


esvaziamento das pretensões intelectuais (e políticas) dos juízes e as condições de uma
intervenção judicial consagradora do gozo dos direitos por parte dos cidadãos.

Suponha, então, que tratemos a questão "como devem os juízes julgar?" como uma
questão especial, que exige uma solução especial. Suponha, ainda, que ao sugerirmos essa
resposta especial tomemos cuidado para evitar as ilusões da análise jurídica
racionalizadora, suas ilusões sobre a analogia, sobre arbitrariedade e sobre reforma.
Devemos definir o método de uma maneira que respeite a realidade humana e as
necessidades praticas das pessoas que vão a juízo sem que as subordinemos a um esquema
reluzente de aperfeiçoamento do direito. Devemos estar certos de que nossa prática judicial
deixa aberto e disponível, na prática e na imaginação, o espaço onde o trabalho real da
reforma social pode ocorrer. Devemos evitar o dogma e aceitar fazer concessões na nossa
descrição da prática e também no nosso entendimento da sociedade para o qual a prática
contribui. Devemos tentar permanecer próximos ao que as decisões judiciais nas
democracias contemporâneas realmente são.

A visão da análise jurídica num cenário de aplicação de direito que eu agora sugiro
esvazia as vastas esperanças políticas e intelectuais da doutrina jurídica. Ela é menos
ambiciosa na aplicação do direito, contudo, só porque é mais ambiciosa fora dela. Além
disso, tem a virtude do realismo: ela descreve o corpo de decisões judiciais reais muito
melhor do que o faz o cânone da análise jurídica racionalizadora. Que ela tivesse que ser
superior ao seu rival estabelecido nesse mesmo aspecto é surpreendente quando
lembramos a tendência de qualquer prática discursiva a se tornar uma profecia auto-
realizável e a susceptibilidade de qualquer prática discursiva para ser influenciada por uma
concepção prestigiosa do seu trabalho (UNGER, Roberto Mangueira. O direito e o futuro da
democracia, cit., p. 141 e seg.).

O que importa é que o juiz forme uma visão desses objetivos que tenha relação com o mundo real de
discurso e conflito do qual aquele fragmento do direito surgiu. Além disso, a visão deve reconhecer o
caráter controverso e parcial de cada um dos interesses, preocupações e pressupostos a que ele recorre.
Eles contam não porque sejam os melhores ou mais racionais, mas porque venceram e se estabeleceram
há muito tempo no caminho da produção do direito. A deferência a significados literais e expectativas
partilhadas é simplesmente o caso limite de um compromisso mais geral com o respeito à capacidade de
partidos e movimentos para vencer na política, e para inscrever e guardar suas vitórias no direito (UNGER,
Roberto Mangueira. O direito e o futuro da democracia, cit., p. 143).
AULA 25: OS CUSTOS DA INTERPRETAÇÃO: O MODELO DE “JUIZ INVESTIDOR” DA
ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO EM POSNER.

1. Os pressupostos filosóficos e teóricos da “análise econômica do direito” e de Richard A.


Posner: da moral utilitarista à construção do critério maximizador de riqueza social

α. A concepção de racionalidade e a concepção de racionalidade jurídico-pragmática: o homem


como agente maximizador de riqueza e a construção (autonomizada das concepções utilitaristas
clássicas) dos critérios de aferição de valor.

Deve ficar subentendido que tanto as satisfações não-monetárias quanto as monetárias


entram no cálculo individual de maximização (de fato, para a maioria das pessoas o
dinheiro é um meio, e não um fim), e que as decisões, para serem racionais, não
precisam ser bem pensadas no nível consciente – na verdade, não precisam ser de modo
algum conscientes. Não nos esqueçamos de que “racional” denota adequação de meios
e fins, e não meditação sobre as coisas, e que boa parte do nosso conhecimento é tácita
(POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito. Tradução Jefferson Luiz Camargo.
São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 474).

O projeto de reduzir o common law – com seus muitos campos distintos, seus
milhares de doutrinas independentes, suas centenas de milhares de decisões relatadas
– a um punhado de fórmulas matemáticas pode aparecer quixotesco, mas o analista
econômico pode fornecer razões para se pôr em dúvida tal avaliação. Boa parte da
exuberância doutrinária do commom law é tida como superficial uma vez que se
compreenda sua natureza essencialmente econômica. Alguns princípios, como a análise
de custo benefício, a prevenção de free-riding, a decisão em condições de incerteza, a
aversão ao risco e a promoção de trocas mutuamente vantajosas pode explicar a maioria
das doutrinas e decisões. Os casos de responsabilidade civil extracontratual podem ser
convertidos em casos contratuais ao se recaracterizar a questão do ilícito civil com o
encontro do contrato de pré-acidente implícito pelo qual as partes teriam optado se os
custos de transação não tivessem sido proibitivos, e os casos contratuais podem ser
convertidos em casos de responsabilidade civil extracontratual ao se perguntar que
remédio legal, se algum existe, poderia maximizar os benefícios esperados da iniciativa
contratual considerada ex ante. A decisão criminal de cometer ou não um crime não é
diferente, em princípio, da decisão do promotor de processar ou não; uma negociação
da pena é um contrato; os crimes são, na verdade, ilícitos civis praticados por réus
insolventes, porque se todos os criminosos pudessem pagar pela totalidade dos custos
sociais de seus crimes, a tarefa de dissuadir o comportamento anti-social poderia ficar a
cargo da responsabilidade civil extracontratual. Esses exemplos sugerem não apenas
que a lógica do common law é realmente econômica, mas também que o ensino do
direito poderia ser simplificado ao se expor os estudantes à estrutura econômica concisa
e simples que existe por baixo da roupagem multicor da doutrina jurídica.

Se tudo isso parece fazer lembrar Langdell, difere fundamentalmente por ser
verificável do ponto de vista empírico. O teste fundamental de uma regra derivada da
teoria econômica não é a elegância ou a logicidade da derivação, mas o efeito da regra
sobre a riqueza social. A extensão da regra da captura ao petróleo e ao gás natural foi
submetida a esse teste, foi reprovada e substituída (ainda que por meio de ação
legislativa, e não judicial) por regras eficientes. As outras regras com common law podem
e devem ser da mesma forma (POSNER, Richard A. Problemas de filosofia do direito,
cit., p. 485 e seg.).
│Becker’s work can help us see the limitations of bentham’s approach. Bentham proclaimed the
universality of what in modern terminology would be called cost-benefit analysis, but a manifesto is not
a research program. What Bentham failed to show, with the exception of his treatise on crime and
punishment, was how the model that he had propounded of people as rational actors in all departments
of activity could be used to explain or regulate behavior (POSNER, Richard A. Frontiers of legal theory.
Cambridge: Harvard University Press, 2001, p. 61.). │

Esto significa, sin embargo, que lo que cuenta como una resolución pragmática
aceptable de un conflicto depende de cuales sean las normas dominantes en una
determinada sociedad. El pragmatismo nos ofrece entonces una guía local más que
una universal para la acción judicial. Y su utilidad a nivel local depende del grado
en que la sociedad sea normativamente homogénea. Cuanto más homogénea y,
por tanto, más amplio el acuerdo acerca de qué tipo de consecuencias son buenas
y cuales malas (y hasta qué punto buenas y hasta cual malas) mayor será la guía
que aportará el pragmatismo (POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces.
Traducción Victoria Roca Pérez. Madrid: Marcial Pons, 2011, p. 270).

De Hobbes a Blackstone e de Dworkin aos analistas econômicos do direito, o papel real e o papel
apropriado dos juízes (os incentivos e as restrições que encontram, o equilíbrio que devem procurar
manter entre a interpretação das leis e a obediência a estas, bem como entre a criatividade e o respeito
às regras; as condições de que depende sua excelência, suas fontes de sabedoria e a dupla dificuldade
representada pela usurpação e pela passividade) sempre ocuparam lugar de destaque na narrativa da
teoria do direito anglo-americana. Seja como defensor da liberdade, mestre do autodomínio, oráculo
da lei ou analista econômico presciente, o herói dessa narrativa é... heroico; todos os refletores apontam
para o titânico magistrado, o que condiz perfeitamente com a inflada autoimagem da profissão. Neste
capítulo, tomo um caminho diferente e proponho uma teoria do comportamento dos juízes centrada
no juiz "convencional", de tribunal recursal e com cargo vitalício, como, por exemplo, um juiz do Tribunal
Recursal Federal ou da Suprema Corte. A mudança de foco do juiz extraordinário para o convencional
ilustra o interesse do pragmatista pelo mundo dos fatos, visto que a maioria dos juízes é, de fato, comum.
Não são, em sua maior parte, nem indivíduos sedentos de poder, como alguns políticos (apenas uma
pequena minoria deles pretende-se visionária ou defensora de alguma causa), nem paladinos da
verdade, como muitos cientistas. Os métodos de seleção e recompensa, entre outras restrições
institucionais que tornam a busca da verdade uma meta aceitável, embora não totalmente realista,
atribuível aos cientistas, não caracterizam o ambiente profissional dos juízes (POSNER, Richard A. Para
além do direito. Tradução Evandro Ferreira e Silva. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 116 e seg.).

β. A reinvenção dos estudos universitários e o discurso antiformalista do direito: a análise custo-


benefício e as exigências de superar a pretensão de autonomia jurídica e de construir uma teoria
de “área aberta” do direito.
Estudiar la mentalidad judicial seria de poco interés si los jueces no hicieran otra cosa
más que aplicar reglas jurídicas claras creadas por los legisladores, por los órganos o
servicios administrativos, por los constituyentes y otras fuentes extrajudiciales (incluyendo
la lex mercatoria) a hechos que tanto jueces como jurados consideraran probados sin
mediar prejuicios ni preconcepciones. De ser así, los jueces estarían a un paso de ser
reemplazados por programas digitalizados de inteligencia artificial. Pero incluso los juristas
teóricos que defienden fervientemente que los jueces no deben ser más que aplicadores de
reglas y quienes, despojados de todo prejuicio, establecen qué hechos han de tenerse por
probados no creen que ése sea el modo en que todos o siquiera la mayoría de jueces
estadounidenses actúan durante todo el tiempo. Nuestros jueces tienen y ejercen
discrecionalidad. Especialmente si son jueces de apelación, o aun incluso cuando
pertenecen al nivel intermedio, son «legisladores ocasionales». Para entender la actividad
legislativa que desempeñam es necesario entender la naturaleza de sus motivaciones, sus
facultades, sus mecanismos de selección, las normas de su prefesión y su psicologia
(POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 16).

The term “theory” has long been used in law as a pretentious term for a litigant’s submission (“the
plaintiff’s theory of the case is that the defendant’s conduct amounted to na interference with the
plaintiff’s contractual rights”), or as a generalization proposed to organize a body of case law (“the theory
of the injurer was blameworthy”), or as a purely internal theory of law, a theory ginned up by law
professor with little use of insights or methods from other fields –most constitutional “theory” is of that
character. These uses of the word “theory”, which amount to equating “theoretical” with systematic,
comprehensive, or fundamental, are a tribute to the hold that Science has over the modern mind. But as
the only approaches to a genuinely scientific conception of law are those that come from other disciplines,
such as economics, sociology, and psychology, it is appropriate when speaking of “legal theory” at large
to confine the term to theories that come from outside law (POSNER, Richard A. Frontiers of legal theory,
cit., p. 2 e seg.).

A análise econômica do direito envolve três tarefas distintas,


mas relacionadas entre si. A primeira consiste no uso da
ciência econômica para fazer a previsão dos efeitos das
normas jurídicas. A segunda consiste no uso da ciência
econômica para determinar que normas jurídicas são
eficientes do ponto de vista econômico, para recomendar o
que é que as normas jurídicas devem ser. A terceira consiste
na utilização da ciência econômica para prever que normas
jurídicas serão editadas. Destas tarefas, a primeira é
fundamentalmente uma aplicação da teoria dos preços; a
segunda é uma aplicação da economia do bem-estar (welfare
economics); a terceira, da escolha pública (public choice)
(FRIEDMAN, David. Direito e ciência económica. Sub
Judice/Justiça e Sociedade. Lisboa, nº 2, Janeiro/Abril 1992, p.
31).

La ideología no es el único recurso al que acceden los jueces cuando han de tomar decisiones em aquellas
cuestiones que caen en la zona abierta. Pero tal y como sugere la literatura actitudinal, es uno de los más
importantes, de modo que habremos de reflexionar sobre las fuentes de la ideología judicial, tema
fascinante donde los haya y, sin embargo, poco estudiado. Los valores religiosos y morales están entre
tales fuentes y son a su vez producto de como crecimos, de qué educación recibimos, de cuáles son
nuestras principales experiencias vitales, nuestras experiencias laborales, y características personales que
pueden, a su vez, traer aparejadas el tipo de experiencias que un individuo trata de tener. Las
características personales incluyen la raza, el sexo, la etnia y otros elementos innatos que identifican a la
persona, pero también el temperamento, que conforma no sólo nuestros valores, sino también
predisposiciones tales como la timidez y la audácia, que influyen el modo en que una persona responde
ante las circunstancias (POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 112).

Nos últimos anos, a tentativa mais ambiciosa e talvez mais influente de


elaborar um conceito abrangente de justiça que poderá tanto explicar a
tomada de decisões judiciais quanto situá-la em bases objetivas, é aquela
dos pesquisadores que atuam no campo interdisciplinar de “Direito e
Economia” (Law and Economies), como se costuma chamar a Análise
Econômica do Direito (Economic Analysis of Law) (POSNER, Richard A.
Problemas de filosofia do direito, cit., p. 473).

2. O percurso do método de decisão judicial e a perplexidade metodológica atual no ambiente


de pluralidades de vida e de discursos: How Judges Think?

α. A consagração do critério e o papel da maximização de riqueza na teoria da decisão judicial:


da inexistência de uma teoria integradora dos discursos de “área aberta” e da obrigação de
enfrentar os casos difíceis.

Para que uno pueda verse a sí mismo y que los demás, especialmente nuestros
colegas, nos vean como buenos jueces es preciso que conformemos nuestra forma
de actuar a las normas del ejercicio de la función judicial. Así, uno no será visto como
un buen juez si acepta sobornos, si dicta sentencia lanzando una moneda al aire, si
se queda dormido en la sala de juicios, si hace caso omiso de la doctrina jurídica, si
no es capaz de tomar decisiones, si basa sus decisiones en el atractivo personal de
los litigantes o de sus abogados, o si decide los casos que se presentam ante sí
atendiendo a consideraciones «políticas» (dependiendo de cómo sea definida esta
resbaladiza palabra). Prácticamente a todos los jueces les resultaría incómodo ser
percibidos como políticos com toga. Y es que si se vieran bajo esa luz no se
considerarían a sí mismos como buenos jueces. Esto, que supondría negarles una
una de las más grandes satisfacciones del rol judicial, bien podría llevarles a acabar
ejerciendo como abogados, a a la enseñanza o a alguna otra vocación no judicial
(POSNER, Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 75).

⸢ En cuanto que teoria normativa, el análisis económico del derecho es controvertido. Que el juez la utilice
para generar resultados en el área abierta es fruto de uma opción ideológica, a menos que haya un amplio
acuerdo em que las consideraciones e económicás sean las que han de guiar la decisión; el consenso
reprime el conflito ideológico. En cuanto teoria positiva, sin embargo, el análisis económico del derecho
explica bien las doctrinas jurídicas de uma variedad de âmbitos del derecho mercantil y no mercantil,
incluyendo amplias franjas del derecho de daños, del de contratos, del penal, de la propiedad intelectual,
del derecho del medioambiente; del laboral e incluso del derecho constitucional, junto con importantes
partes del derecho relativo a las acciones para reclamar ante lo tribunales y al processo judicial (POSNER,
Richard A. Cómo deciden los jueces, cit., p. 266 e seg.)⸣.

β. A inflexão trazida por “Reflections on Judging” (2013) e a aparente marginalização do critério


de maximização de riqueza: a alusão à tendência do pensamento jurídico para o formalismo e o
seu enfrentamento a partir de uma nova compreensão do contraponto realismo versus
formalismo.
Most of the time, judges, such as federal court of appeals judges, who have a mandatory jurisdiction—who cannot pick
and choose the cases they hear, as the U.S. Supreme Court does—really are engaged in objective, ideology-free
decision making. This may seem counterintuitive. One might think that only if the outcome of an appeal were uncertain
would the party that had lost in the trial court bother to appeal. And those would tend to be cases in which the
conventional tools of judicial decision making could not resolve the appeal—cases in what I call the “open area”. But
in fact many cases are appealed that can be and are resolved by conventional legal analysis. The reasons are various:
many plaintiffs have no lawyer; many, being emotionally invested in their case, have lost perspective; many are
represented by lawyers who are not highly competent (sometimes who are downright incompetent), or are
overcommitted and as a result do not devote adequate time to each of their cases, or who have identified with their
client and lost perspective or are insufficiently experienced in the área of law that the case involves. Many litigants
have nothing to lose by appealing though little to gain. Many have a lot to gain if they win, little chance of winning, but
also little to lose in the way of wasted expense by appealing, so that on balance the expected benefit of appealing is
positive. Many have strategic reasons to appeal even if they know the appeal is hopeless. And often parties lose in the
trial court because of a clear mistake committed by a busy judge; but since defending an appeal is usually pretty
inexpensive, the winner in the trial court is more likely to defend the appeal than to throw in the towel; additional reasons
are that hope springs eternal (most decisions are affirmed) and that the trial-court judge may be angry if the lawyer for
the winning party refuses to defend the judge ’s decision in the appellate court. Finally, because judicial opinions are
often vague or opaque, the law governing an appeal may be clear to the judges but not to the litigants or even their
lawyers (POSNER, Richard A. Reflections of judging. Cambridge: Harvard University Press, 2013, p. 106 e seg.).

_____

So modern formalism is better described as a tendency than as a dogma. It is a tendency


constantly veering into absurdity. Consider the judicial elaboration of the sensible rule that
debts “for willful and malicious injury by the debtor to another entity or to the property of
another entity” cannot be discharged in bankruptcy.9 So a con man ordered to pay
restitution to his victims may not escape the obligation by declaring bankruptcy. But that is
an extreme cases; to decide less extreme ones the courts have to assign meaning to the
term “willful
and
malicious.”
Doubtless it
Conjugadas estas duas especificações (bastaria evidentemente o
should cover
peso da segunda!). deixa de nos surpreender que o esquema de
criminal
constrained discretion agora proposto nos prive do modelo
activity and
regulativo do juiz maximizado da riqueza (LINHARES, José Manuel
intentional
Aroso. Decisão judicial, realismo de “complexidade” e torts but
maximização da riqueza: uma conjugação impossível? Coimbra exclude torts
[Separa do Boletim de Ciências Económicas, vol. LVII/II, 2014, p. of simple
1787] negligence;
whether it
should include torts involving reckless conduct is uncertain. I can’t think of what more can
usefully be said to flesh out the term “willful and malicious” (POSNER, Richard A. Reflections
of judging, cit., p. 116).

γ. Uma compreensão amplificada do realismo e a aproximação com a “comunidade


interpretativa dos juízes” de Fish: a tentativa de responder a um certo “realismo de
complexidade” pelas vias interdisciplinares dos estudos e preservando a racionalidade
econômica do direito.

De tal modo que se torne possível sustentar uma compreensão drasticamente amplificada de
realismo, capaz de cobrir tudo aquilo que (na prática e no pensamento jurídicos) não seja ou
não possa dizer-se formalismo (my approach is (...) realistic, in the sense of rejecting formalista
approaches to law, legal realism (...) is everything in legal thought and practice that is not
formalism). De tal modo sobretudo que, deste vasto espectro de realismos possíveis, se
distinga aquele que hoje importa potenciar (realism, the path forward): um assumido anti-
formalismo que, impondo-se-nos embora rigorosamente sustentado pelo discurso das ciências
sociais empírico-explicativas – mais próximo portanto do legado da sociological jurisprudence
do que do dos legal realists propriamente ditos (the judiciary needs a return to legal realism,
but this time realism with depth, realism grounded in modern analytical and empirical methods,
realism that goes beyond the hunch) – não se nos exponha menos vinculado a um
pragmatismo de common sense (understanding interpretation in realistic commonsensical
terms) – e tudo isto sem que a adjudication perca sua identidade como um exercício da escrita,
inteiramente compossível com a exigência de entregar (preservar) o discurso jurídico no
elenco das humanidades (law must come to terms with modernity but will remain a humanity,
and should). O que significa ainda pedir ao juiz que se torne consciente das limitações e
proconceitos – bias (se não priors) que condicionam a sua tomada de decisão (a judge must
try to be aware of his priors, so that they do not exert an excessive influence on his decision)...
para enfim chegar a uma compreensão moderada (limitada) da discricionariedade que nessa
decisão (enquanto tal) se manifesta (LINHARES, José Manuel Aroso. Decisão judicial,
realismo de “complexidade” e maximização da riqueza, cit., p. 1779-1781]).

The extremes presented by textual originalism and unanchored imagination are equally unacceptable—
which leaves us with interpretation understood in realistic, commonsensical terms.135 Interpretation is
a natural mental activity. It is also ubiquitous. It is not improved by rules of interpretation. Literature
professors and literary critics address daunting problems of interpretation in classics of literary
modernism without benefit of canons of construction. Does anyone think they are worse at interpreting
difficult texts than judges are? (POSNER, Richard A. Reflections of judging, cit., p. 231 e seg.).

AULA 26: A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA NOS LIMITES ENTRE O DIREITO E A


LITERATURA: A IMAGINAÇÃO E A SIMPATIA DO “JUIZ ESCRITOR” DE MARTHA C.
NUSSBAUM.

1. Os pressupostos filosóficos, teóricos e culturais do Movimento Direito & Literatura

α. As diferentes modalidades de exploração teórica dos estudos interdisciplinares entre o


Direito e a Literatura: o Direito à Literatura (a vertente dogmática), o Direito na Literatura (a
vertente pedagógica) e o Direito como Literatura (a vertente hermenêutica).

Quantas vezs não nos dexámos já arrebatar pela eloquência elegante e pesuasiva dda prosa
de um jurista? Ora numas alegações orais de um julgamento mediático, frente a uma platéia
ávida de razões, ora na argumentação de um parecer bem elaborado que, redigido em estilo
cuidado e persuasor, convoca de forma quase irresistível uma pacífica aquiescência.
Quantos não demos por nós, em alguma altura, a ensaiar as formas mais adequadas a cada
conteúdo? E quantos de nós, algures no meio desse processo, não teremos arriscado a ideia
de que a forma pode ser mais do que forma, anódina e transparente? (AGUIAR E SILVA,
Joana. A prática judiciária entre direito e literatura. Coimbra: Almedina, 2001, p. 7).

│O discurso sobre o qual falei, proferido por um filósofo e estadista romano, é um convite para
refletirmos, inicialmente, sobre a garantia ou não, pela nossa Constituição, de um direito à
literatura. É preciso admitir que a poesia não encontra no direito positivo brasileiro atual a
dignidade que Cícero reclama, e neste aspecto a legislação, a doutrina e a jurisprudência terão
muito que avançar. Se pensarmos a educação ou a saúde do ponto de vista dos direitos
fundamentais, somente por um desvio de caráter alguém diria que esses bens são mais devidos
a certas pessoas que a outras. Mas será que pensaríamos o mesmo quanto ao direito de todo
brasileiro ler Shakespeare, ouvir uma recitação de Homero, assistir a um concerto da Filarmônica
de Berlim ou visitar uma exposição de Portinari? (SILVA, Antonio Sá da. O direito constitucional
da literatura: reflexões sobre os argumentos de Cícero em Defesa do Poeta Árquias e sobre os
fundamentos filosóficos do direito à educação. In: COELHO, Nuno Manuel M. S. Coelho;
TROGO, Sebastião. Direito, Filosofia e Arte: ensaios de fenomenologia do conflito. São Paulo:
Rideel/UNIPAC: Juiz de Fora, 2012, p 94 e seg.). │

É significativo perguntarmos a nós mesmos quantas vezes agimos como Ulisses, esquecendo de ver em
nosso semelhante uma outra pessoa e o tratando como ‘coisas’, como trampolim para subirmos na vida
e para alcançarmos os fins que elegemos como convenientes aos nossos interesses, tudo isto ao arrepio
do imperativo kantiano de tratar ‘todo ser humano como fim em si mesmo e não como meio’. Outra não
é a atitude vil do esperto rei de Ítaca, que no afã de vencer a guerra contra os troianos, não reconheceu
qualquer escrúpulo ao querer utilizar Filoctetes como um instrumento, como uma ferramenta para vencer
a sua batalha; ‘os fins justificariam os meios’, diria Ulisses com MAQUIAVEL, já que durante dez anos de
guerra nem nos deuses era possível confiar, e o importante mesmo não era a lealdade, a reparação da
falta para com um amigo que injustamente foi abandonado, mas era tomar-lhe a flecha, ardilosamente,
já que tinha certeza de que a via argumentativa seria insuficiente para desfazer tamanha brutalidade
anterior (SILVA, Antonio Sá da; COELHO, Nuno M. M. Santos. O ensino do direito no nosso tempo: história,
diagnósticos e exigências éticas para uma educação jurídica de qualidade no Brasil. Salvador: Juspodivm,
2010, p. 159).

O artista não pode criar nada sem interpretar enquanto cria; como pretende criar arte, deve
pelo menos possuir uma teoria tácita de por que aquilo que produz é arte e por que é uma obra
de arte melhor graças a este, e não àquele golpe do pincel, da pena ou do cinzel. O crítico, por
sua vez, cria quando interpreta; pois embora seja limitado pelo fato da obra, definido nas partes
mais formais e acadêmicas de sua teoria da arte, seu senso artístico mais prático está
comprometido com a responsabilidade de decidir qual maneira de ver, ler ou compreender aquela
obra a mostra como arte melhor. Contudo, há uma diferença entre interpretar quando se cria e
criar quando se interpreta e, portanto, uma diferença reconhecível entre o artista e o crítico.

Quero usar a interpretação literária como um modelo para o método central da análise
jurídica; assim, preciso demonstrar como mesmo essa distinção entre artista e crítico pode ser
derrubada em certas circunstâncias. Suponha que um grupo de romancistas seja contratado para
um determinado projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo. O número mais baixo
escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte,
o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescentando um capítulo a
esse romance, não começando outro, e, depois, manda os dois capítulos para o número
seguinte, e assim por diante. Ora, cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla
responsabilidade de interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer,
no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então. Deve decidir como os
personagens são “realmente”, que motivos os orientam, qual é o tema ou propósito do romance
em desenvolvimento, até que ponto algum recurso ou figura literária, consciente ou
inconscientemente usado, contribui para estes, e se deve ser ampliado, refinado, aparado ou
rejeitado para impelir o romance em uma direção e não em outra. Isso deve ser interpretação em
um estilo não subordinado à intenção porque, pelo menos para todos os romancistas após o
segundo, não há um único autor cujas intenções qualquer intérprete possa, pelas regras do
projeto, considerar como decisivas.

Alguns romances, na verdade, foram escritos dessa maneira (incluindo o romance


pornográfico Naked Came the Stranger), embora com um propósito desmistificador, e certos
jogos de salão para dias chuvosos, em casas de campo inglesas, apresentam estrutura
semelhante. Em meu exercício imaginário, porém, espera-se que os romancistas assumam sua
responsabilidade seriamente e reconheçam o dever de criar, tanto quanto puderem, um romance
único, integrado, em vez de, por exemplo, uma série de contos independentes com personagens
de mesmo nome. Talvez seja uma incumbência impossível; talvez o projeto esteja fadado a
produzir não apenas um romance ruim, mas absolutamente nenhum romance, porque a melhor
teoria da arte exige um criador único, ou, se mais de um, que cada qual tenha algum controle
sobre o todo. Mas e quanto às lendas e piadas? Não preciso insistir mais nessa questão porque
estou interessado apenas no fato de que a incumbência faz sentido, que cada um dos
romancistas na cadeia pode ter alguma ideia do que lhe está sendo pedido, sejam quais forem
os temores que cada um possa ter sobre o valor ou o caráter do que será produzido.

Decidir casos controversos no Direito é mais ou menos como esse estranho exercício
literário. A similaridade é mais evidente quando os juízes examinam e decidem casos do
Common Law, isto é, quando nenhuma lei ocupa posição central na questão jurídica e o
argumento gira em torno de quais regras ou princípios de Direito “subjazem” a decisões de outros
juízes, no passado, sobre matéria semelhante. Cada juiz, então, é como um romancista na
corrente. Ele deve ler tudo o que outros juízes escreveram no passado, não apenas para
descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma
opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos
romancistas formou uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então. Qualquer juiz
obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros adequados, registros de muitos
casos plausivelmente similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros
juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o processo e
as convenções judiciais eram diferentes. Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se
como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões,
estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro
por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a
responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir de alguma nova
direção. Portanto, deve determinar, segundo seu próprio julgamento, o motivo das decisões
anteriores, qual realmente é, tomado como um todo, o propósito ou o tema da prática até então
todo (DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução Luiz Carlos Borges. São Paulo:
Martins Fontes, 2005, p. 235-238).

β. Uma nova perspectiva dos discursos de “área aberta”: a resistência aos saberes “empírico-
explicativos”, a idêntica recusa da autonomia do Direito e a proclamação da nobre “República
da Letras”.
Hand’s remarks assume three points that from the central focus of this essay. The first is
the study of law is either part of or is strongly connected to the humanities. The second is that
the lawyer or legal scholar called upon to discuss and analyze legal questions cannot do so by
looing merely wthin the confines of traditional legal materials: cases, statutes, and “books which
have been specifically written on the subject” of law. Instead, he or she needs assistance and
edification from other sources. The third is that those external sources of knowledge are to be
found not in the natural sciences or the social sciences, but in subjectives that we customarily
call “the humanities”.

Hand is not merely assuming these things. He also presents himself to us as a wise jurist
who has been influenced by the “great books” he has selected for our attention. Because he is
himself familiar with each of the writers he mentions, he enjoys membership in a “republic of
letters”, the sort of membership that is necessary for anyone who wishes to “live greatly in the
law” (BALKIN, Jack M.; LEVINSON, Sanford V. Law and the humanities: an uneasy
relationship. In: Yale Journal of Law and the Humanities, New Haven, The University of Texas
School of Law, vol. 18, 2006, p. 156).

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Nesse real movediço e complexo, o direito faz escolhas que se esforça por cumprir, em
nome da “segurança jurídica” à qual atribui a maior importância. Entre os interesses em
disputa, ele decide; entre as pretensões rivais, opera hierarquias. Assim o exige sua função
social que lhe impõe estabilizar as expectativas e tranqüilizar as angústias. Livre dessas
exigências, a literatura cria, antes de tudo, a surpresa: ela espanta, deslumbra, perturba,
sempre desorienta. Isso produz, entre ela e o direito, uma segunda diferença importante.
Livre para entregar-se às variações imaginativas mais inesperadas a propósito de um real
sempre muito convencionado, ela explora como laboratório experimental do humano,
todas as saídas do caminho. Às vezes com passagens radicais que têm por efeito inverter os
pontos de vista e engendrar novos olhares, quando não novas realidades. No momento em
que Alice passa para o outro lado do espelho, nada mais é verdadeiramente como antes.
Toca-se aqui a função propriamente heurística da literatura: seu gesto experimental é, ao
menos em alguns casos, portador de conhecimentos realmente novos (OST, François.
Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Tradução Paulo Neves. São Leopoldo: Editora
Unisinos, 2005, p. 15).

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Nonetheless, few legal scholars today share Hand’s


assumptions; indeed, these assumptions were already under
attack at the turn of the twentieth century. Consider what is
perhaps the most important single lecture in the history of
American law: “The Path of the Law”, delivered by Oliver
Wendell Holmes, Jr., who had taught briefly at Havard Law
School before fleeing to the Massachusetts Supreme Judicial
Court. Speaking in June 1897 before the students and faculty of
the Boston University School of Law, Holmes predicted that
“(f)or the rational study of the Law the Black-letter man (i.e. the
máster of legal case law) may be the mano f the present, but
the mano f the future is the mano f statistics and the máster of
economics” ((BALKIN, Jack M.; LEVINSON, Sanford V. Law and
the humanities: an uneasy relationship, cit., p. 156 e seg.).

_____

Comienza a surgir una tesis central: el hombre, tanto em sus acciones y sus prácticas como em sus
ficciones, es essencialmente un animal que cuenta historias. Lo que no es essencialmente, aunque llegue
a serlo a través de su historia, es un contador de historias que aspira a la verdad. Pero la pregunta clave
para los hombres no versa sobre su autoría; sólo puedo contestar a la pregunta ¿qué voy a hacer? Si puedo
contestar la pregunta previa ¿de qué historia o historias me encuentro formando parte? Entramos en la
sociedad humana con uno o más papeles-personajes asignados, y tenemos que aprender en qué consisten
para poder entender las respuestas que los demás nos dan y como construir las nuestras. Escuchando
narraciones sobre madrastas malvadas, niños abandonados, reyes buenos pero mal aconsejados, lobas
que amamantan gamelos, hijos menores que no reciben herencia y tienen que encontrar su propio camino
en la vida e hijos primogénitos que despilfarran su herencia en vidas licenciosas y marchan al destierro a
vivir con los cerdos, los niños aprenden o no lo que son un niño y un padre, el tipo de personajes que
pueden existir en el drama en que han nascido y cuales son los derroteros del mundo. Prívese a los niños
de las narraciones y se les dejara sin guión, tartamudos angustiados en sus acciones y en sus palabras. No
hay modo de entender ninguna sociedad, incluyendo la nuestra, que no pase por el cumulo de narraciones
que constituyen sus recursos dramáticos básicos. La mitología, en su sentido originario está en el corazón
de las cosas. Vico estaba en lo cierto y también Joyce. Y también la tradición moral que va desde la
sociedad heroica hasta sus herederos medievales, de acuerdo con la cual el contar historiases parte clave
para educarnos en las virtudes (MACINTYRE, Alasdair. Trás la virtud. Traducción Amélia Valcárcel.
Barcelona: Crítica, 2001, p. 266 e seg.).

Oportunidade que é assim a de construir enfim um discurso ou um pensamento integral e auto-


subsistentemente práticos. Mas também a de reformular o desafio da phronêsis. Reformulação por
sua vez que autoriza diversos caminhos, sendo aquele que nos ocupa — aquele para que o nosso
common ground inequivocamente tende! — também aqui o resultado concertado (sobreposto) de
diversas possibilidades. Não certamente aquele que aposta na autonomia radical do eixo prático-
prudencial (e explora as suas possibilidades internas, entre os pólos da contextualização
hermenêutica e da problematização tópico-argumentativa). Antes aquele Sue, ao concentrar-se na
preocupação com os «últimos particulares», especifica a phronêsis como aisthesis. Se quisermos,
para o dizermos já com Martha Nussbaum, aquele que explora as possibilidades e as promessas de
uma analogia com a percepção (this ability to understand and grasp the salient features, the
practical meaning, of the concrete particulars (...) and is (...) more akin to sense perception)
(LINHARES, José Manuel. Imaginação literária e “justiça poética” – Um discurso de “área aberta”?.
In: TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães; NETO, Alfredo Coetti (Orgs.). Direito &
Literatura: discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Núria Fabris, 2010, p. 280).

γ. A tentativa (controversa) de aproximação da racionalidade jurídica com a racionalidade


literária: a guerra de posições entre direito como “sistema” e direito como “forma de vida”.

Esta é, portanto, uma clara demonstração da insuficiência puramente narrativa. O autor


português, tal como Martha C. Nussbaum, acredita que o abandono da normatividade
reduziria o “monismo narrativo” a um fracasso absoluto, embora o modelo silogístico e lógico-
dedutivo seja hoje visivelmente superado. Mas já pelo que acabei de dizer posso ver uma clara
distância que separa os dois autores. É que A. Castanheira Neves não entra no mérito de uma
imaginação literária, do valor da empatia na construção do juízo decisório tal como Martha C
Naussbaum o faz. Ele centra a sua análise na questão da coerência narrativa e no problema
da validade, e ela por sua vez não faz de Ronald Dworkin seu principal interlocutor e
conseqüentemente não entra diretamente na discussão sobre a integridade. Mas uma coisa é
certa: ambos pressupõem a existência de normas validamente integradas num sistema de
direito e reconhecem a insuficiência de um modelo puramente narrativo (SILVA, Antonio Sá
da. A imaginação literária e o direito: a (im)possibilidade de um modelo jurídico-decisório nos
argumentos de A. Castanheira Neves e de Martha C. Nusbbaum. In: COELHO, Nuno
Morgadinho Santos; SILVA, Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado hoje –
Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem ao Doutor António
Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 229).
[…] the lawyer is at heart a writer, one
who lives by the power of his
imagination. This is not a usual cultural
definition of the law – which is often
regarded as a subject, not an activity, let
alone as an imaginative and literary one –
but it is one for which you have been
prepared by the work you have done in
this course. […] the activities which make
up the professional life of the lawyer and
judge constitute an enterprise of the
meaning against the odds: the translation
of the imagination into reality by the
power of language (WHITE, James Boyd.
The Legal Imagination. Chicago: The
University of Chicago Press, 1985, p. 208).

Com efeito, de todos os lados que posso olhar vejo que Martha C. Nussbaum constrói um verdadeiro sistema de
decisão, e parece não ser possível imputar a ela um reducionismo poético. Mas será oportuno agora perguntar, como
provavelmente A. Castanheira Neves também perguntaia, se o peso dado às emoções basta para qualificar uma
decisão jurídica, especialmente diante dos desafios do presente e da urgência do futuro. Com efeito, ele mesmo
interpela diretamente Ronald Dworkin, dirigindo-lhe a seguinte pergunta: será a racionalidade narrativa a mais
adequada para a solução de uma controvérsia jurídica? O direito é, segundo ele, um projeto axiológico-normativo de
constituenda realização onde tem lugar um holismo interpretativo: “na interpretação jurídica converge a pluralidade
das dimensões, e numa sua consideração globalmente integrada, que participa no todo prático-normativo da
manifestação concreta do direito – o caso, as normas positivas (os critérios jurídicos positivos), os princípios
fundamentalmente constitutivos da normativa validade jurídica” (SILVA, Antonio Sá da. A Imaginação Literária e o
Direito: A (Im)Possibilidade de um Modelo Jurídico-Decisório nos Argumentos de A. Castanheira Neves e de Martha
C. Nussbaum. In: COELHO, Nuno Morgadinho Santos; SILVA, Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado
hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem ao Doutor António Castanheira Neves.
Salvador: Juspodivm, 2012, p. 228).

│And poetry and history can have great practical power; the burning wit of the skald was
feared by Irish and Norse kings as more terrible than the sword; today’s poets, the
propagandists of Washington and Madison Avenue, have enormous power over the
imaginations of our world; and history can have the deepest political consequences. The
real power of the army and the Police is all too often unresponsive to any law. Law is after
all not the only way of constituting and exercising power; and it has the great virtue of
limiting what it grants (WHITE, James Boyd. Heracles’bow: essays on the rhetoric and
poetics of the law. London: The University of Wisconsin Press, 1985, p. 238 e se.). │

2. A vocação filosófica e a compreensão do mundo prático de Martha C. Nussbaum

α. A (persistente) reabertura da discussão sobre a “racionalidade das emoções”: a recuperação


filosófico-prática de Aristóteles sobre o caráter não científico das deliberações humanas (a
dependência humana de bens externos), a experiência da simpativa no tribunal (judicious
spectador) e a aposta no papel edificante da literatura.
Em suma, minha visão não recomenda uma confiança acrítica e ingênua na obra literária. Tenho
insistido que as conclusões que podemos tirar com base em nossa experiência literária exigem um
continuado escrutínio do pensamento moral e político, de nossas próprias intuições políticas e morais, e
do julgamento dos outros. Tenho, entretanto, sustentado, com Smith, que as estruturas formais implícitas
na experiência da leitura literária nos dão um tipo de orientação que é indispensável para qualquer outra
investigação – inclusive para um questionamento sobre a própria obra literária (NUSSBAUM, Martha C.
Emoções racionais. In: TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães; NETO, Alfredo Coetti
(Orgs.). Direito & Literatura: discurso, imaginário e normatividade. Porto Alegre: Núria Fabris, 2010, p.
372).

____

The cultivation of sympathy has been a key part of the best modern ideas of democratic education, in
both Western and non-Western nations. Much of this cultivation must take place in the family, but
schools, and even colleges and universities, also play an important role. If they are to play it well, they
must give a central role in the curriculum to the humanities and the arts, cultivating a participatory gps of
education that activates and refines the “capacity to see the world through another person's eyes”.

Children, I have said, are born with a rudimentary capacity for sympathy and concern. Their earliest
experiences, however, are typically dominated by a powerful narcissism, as anxiety about nourishment
and comfort are still unlinked to any secure grasp of the reality of others. Learning to see another human
being not as a thing but as a full person is not an automatic event but an achievement that requires
overcoming many obstacles, the first of which is the sheer inability to distinguish between self and other
(NUSSBAUM, Martha C. Not for profit: why democracy needs humanities. Princeton: Princeton University
Press, 2010, p. 96).

Assim como deveria estar clara minha defesa da teoria, assim também deveria
estar minha sustentação da razão como orientadora. Afirmei somente duas
coisas que podem parecer limitar seu papel: que a contemplação intelectual por
si só não é suficiente para uma vida humana florescente, e que as emoções
também desempenham um papel no raciocínio ético. A primeira afirmação
atribui um papel mais limitado do que Platão atribuira a uma forma de
raciocínio, posição esta que é perfeitamente compatível com a atribuição de um
papel central à razão prática no planejamento e na organização de uma vida, e
mesmo com o fato de insistir (como faço) que é a razão prática que torna todas
as nossas atividades plenamente humanas. A segunda afirmação não qualifica
de maneira alguma o papel da razão na vida humana, uma vez que argumento
que as emoções são formas de interpretação avaliativa inteligente, e que a
dicotomia razão/emoção deve portanto ser rejeitada. (Evidentemente, isso não
quer dizer que todas as emoções são boas orientadoras, e que, mais que todas
as outras formas de raciocínio, conferem boa orientação.) Assim, minha posição
deixa à razão todo o espaço de que ela precisa para levar a cabo uma crítica da
injustiça (NUSSBAUM, Martha C. A fragilidade da bondade: fortuna e ética
na tragédia e na filosofia grega. Tradução Ana Aguiar Cotrim. São Paulo:
Martins Fontes, 2009, p. xxvi).

β. As “decisões trágicas” no espaço público e privado e o apreço particular pela literatura,


nomeadamente pela tragédia: a vulnerabilidade humana natural, a questão do conflito prático
e a postulação de uma teoria moral de apoio às escolhas humanas.
Fazei com que compreenda que a sorte desses infelizes pode ser a sua, que todos os males deles estão sob
os seus pés e mil acontecimentos imprevistos e inevitáveis podem mergulhá-lo neles de uma hora para
outra” (ROUSSEAU, J.- J. Emílio ou Da educação. Tradução Roberto Leal Ferreira. 3. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2004, p. 306).
Mas devemos agora acrescentar, com o Coro de Agamêmnon, que a experiência de conflito pode também
ser um tempo de aprendizado e desenvolviemnto. O significado profundo do proverbial páthei máthos, repetido
imediatamente antes e imediatamente depois do assassínio de Ifigênia (177, 250), é que casos espinhosos
como esses, se se permite realmente vê-los e experimentá-los, podem trazer progresso juntamente com sua
tristeza, um progresso que vem de uma ampliação do autoconhecimento e do conhecimento do mundo. Um
esforço honesto para fazer justiça a todas os aspectos de um caso espinhoso, vendo-o e sentindo-o em toda
a sua multilateralidade conflitane, poderia enriquecer esforços deliberativos futuros (NUSSBAUM, Martha C.
A fragilidade da bondade, cit., p. 38).
Em suma, em vez de conceder à necessidade implacável ou ao destino a parte do espaço ético dentro do
qual as tragédias ocorrerem, as estratégias, afirmo, desafiam a plateia a ocupá-la ativamente, como um
lugar controverso do embate moral, um lugar em que a virtude talvez prevaleça, em alguns casos, sobre
os caprichos do poder amoral, e um lugar em que, mesmo que não prevaleça, a virtude possa ainda fulgurar
por si mesma. Em nosso mundo contemporâneo, em que há uma boa suposição de que a maior parte da
fome e grande parte das outras misérias que testemunhamos são o resultado da negligência censurável
dos poderosos, a resignação metafísica seria, de novo, uma notícia relativamente boa, uma vez que isentaria
os poderosos. Mas a verdadeira notícia da tragédia grega, para nós, bem como para os atenienses, é muito
pior que isso: pois a má notícia é que somos tão culpáveis como Zeus em Trakhíniai, como os generais
gregos em As troianas, como Odisseu em Ficoctete e como muitos outros deuses e mortais em muitas épocas
e lugares – a menos e até que nos livremos de nossa indolência, ambição egoísta e obtusidade e nos
perguntemos como os males que testemunhamos poderiam ter sido impedidos. Como sabia Filoctete,
piedade significa ação: intervenção em nome do sofrimento, ainda que difícil e repulsivo. Se deixamos a
ação de lado, somos covardes ignóbeis, talvez também hipócritas e mentirosos. Se ajudamos, fizemos algo
bom (NUSSBAUM, Martha C. A fragilidade da bondade, cit., XXXIV).

γ. O iniludível pluralismo de concepções atuais da vida boa humana e a defesa de um


“cosmopolitismo de raiz” e de um “procedimentalismo material”: a atenção para a Fortuna
política, o diálogo com Amartya Sen, a crítica ao contratualismo jurídico e a approach
capabilities.

Ao longo dos anos, venho enfatizando cada vez mais a importância do respeito pelo pluralismo e pela
discordância razoável sobre o valor e o significado últimos da vida. Distanciando-me intencionalmente de
Aristóteles, que seguramente acreditava que a política devia fomentar a atuação de acordo com uma única
concepção abrangente da vida humana boa, afirmo que a política deve restringir-se à promoção de
capacidades, e não de atuações efetivas, com o intuito de abrir espaço para escolhas quanto a seguir ou não
seguir uma dada atividade. Ademais, mesmo isso deve ser feito de maneira a deixar espaço para escolhas
plurais de religião e demais formas abrangentes de vida. Em outras palavras, minha concepção aristotélica –
como a de Maritain, mas diferentemente de outras concepções familiares da tradição – é uma forma de
“liberalismo político”, significando um liberalismo que reconhece a importância de respeitar diversos modos de
vida, inclusive formas não liberais razoáveis. Nessas circunstâncias, meu aristotelismo foi cada vez mais
influenciado pelas ideias de Jhon Rawls e de Kant. Outro aspecto em que me afasto de Aristóteles é meu
enfoque teórico e prático nas condições das mulheres nos países em desenvolvimento e na sua luta pela
igualdade. As concepções de Aristóteles sobre as mulheres não são dignas de um exame sério, mesmo
encaradas como meras falsidades (NUSSBAUM, Martha C. A fragilidade da bondade, cit., p. xix).

The three unsolved problems of justice that are the primary topics of this book are all, in different ways,
problems of globalizing the theory of justice, that is, extending justice to all those in the world who ought
to be treated justly. Social contract theories of justice do superb work for traditional issues of
discrimination and exclusion. They are well suited to address in equalities of wealth, class, and status, and
can be rather easily extended to address inequalities of race and, in some ways, sex-although our historical
sketch has shown how difficult it is to arrive at sex equality from a staring point that insists on equality in
power (NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of justice: Disability, Nationality, Species
Membership.Cambridge/London: The Belknap press of Harvard University Press, 2007, p. 92).
3. Uma reconstituição crítica do modelo prático-poética de jurisdição: além de Nussbaum e
com Nussbaum, o poder da imaginação literária, a sabedoria do “espectador judicioso” e a
performance do escritor-tradutor.

α. A situação atual de “encontro inevitável de culturas” e de concepções da vida boa, a “ética


da hospitalidade” e os limites de uma teoria da argumentação: a racionalidade narrativa e a
abertura do juiz para uma justiça sem direito.

Assim encarado, o narrador surge entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar um
conselho, não apenas para alguns casos, como faz o provérbio, mas para muitos
casos como faz o sábio. Pois pode recorrer à própria vida (uma vida, aliás, que
inclui em si não só a experiência própria mas também a alheia; o narrador associa
à sua experiência mais íntima aquilo que aprendeu na tradição. O seu dom é
poder contar a sua vida; a sua dignidade conta-la por inteiro. O narrador: eis o
homem que poderia deixar consumir, com perfeição, a mecha da sua vida na
suave chama da narrativa. É nisto que assenta a incomparável atmosfera que
envolve o narrador, tanto em Lesskov como em Hauff, tanto em Poe como em
Stevenson. O narrador é a forma na qual o justo se encontra a si próprio
(BENJAMIN, Walter. O narrador: reflexões sobre a obra de Nicolai Lesskov. In:
_____. Sobre arte, técnica, linguagem e política. Tradução Maria Luz Moita et alii.
Lisboa: Relógio d’Água, 1992, p. 56 e seg.).

La práctica de la adopción de decisiones jurídicas mediante instrumentos argumentativos no


agota el funcionamento del Derecho, que consiste también en la utilización de instrumentos
burocráticos y coactivos. E incluso la misma práctica de argumentar jurídicamente para justificar
una determinada decisión puede implicar en ocasiones un elemento trágico. Con ello quiero decir
lo siguiente. En la teoría estándar de la agumentación jurídica se parte de la distinción entre
casos claros e fáciles y casos difíciles: en relacion con los primeros, el ordenamiento jurídico
provee una respuesta correcta que no es discutida; los segundos, por el contrario, se caracterizan
porque, al menos en princípio, cabe proponer más de una respuesta correcta que sitúe dentro
de los margenes permitidos por el Derecho positivo. Pero lo que parece quedar excluido con este
planteamiento es la possibilidad de una tercera categoría, la de los casos trágicos. Un caso
puede considerarse como trágico cuando, en relación con el mismo, no cabe encontrar una
solución que no sacrifique algún elemento esencial de un valor considerado como fundamental
desde el ponto de vista jurídico y/o moral (cfr. Atienza, 1989a). La adopción de una decisión en
tales supuestos no significa ya enfrentarse con una simple elternativa, sino con un dilema
(ATIENZA, Manuel. Las razones del derecho: teorias de la argumentación jurídica. Madrid:
Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 252).

I then attempt to justify a list of ten capabilities as central requirements of a life with dignity. As
with Rawls’ principles, so here: the political principles give shape and content to the abstract idea of
dignity (cf TJ 586)” (NUSSBAUM, Martha C. Frontiers of justice, cit., p. 75).

β. A necesária diferenciação entre oratória e tagarelice no direito: diálogos com Aristóteles e


Plutarco sobre o texto jurídico e sobre a diferenciação entre “decisão trágica” e “decisão
jurídica” e entre “decisões que declaram” e “decisões que promovem” capacidades humanas.

All contemporary liberal democratic societies asl the obvious question all
the time. That is no news: so too do all people. But it is also clear that all
contemporary liberal democratic societies ask the tragic question, implicitly
at any rate. That is, they commit themselves to a menu of certain social
goals, and among those goals they single out some as having a special
centrality, holding that they are things to which every citizen is entitled,
things that each one has a right to demand (NUSSBAUM, Martha C. The
costs of tragedy: some moral limits of cost-benefit analysis. In: ADLER,
Matthew D; POSNER, Eric A (Edit.). Cost-benefit analysis: legal, economic,
and philosophical perspectives. Chicago: The University of Chicago Press,
2001. p. 169-200, p. 183).

______

Mas uma compreensão bem distinta tem Naussbaum sobre a questão. A dimensão política e jurídica da
literatura é discutida com muito rigor pela autora americana, para quem se o fim político não é a única
coisa que se pode esperar da poesia, seria adequado e urgente, porém, ler os textos com esse interesse,
especialmente porque eles permitem enxergar com empenho as pessoas que em um determinado
momento e por circunstâncias muito variadas são muito diferentes de nós. Ela enfatiza que um olhar
empático sobre a outra pessoa permite-nos enxergar como as circunstâncias condicionam as ações da
pessoa, suas aspirações, desejos, esperanças, temores e amor-próprio. Estaríamos diante dos reflexos
que um direito constitucional da literatura pode ter? Realmente estou tentado a dizer que sim. É que a
professora de Chicago nos diz que as histórias têm o poder de formar a nossa consciência moral, e
inclusive de nos interrogar sobre o nosso papel dentro das histórias (SILVA, Antonio Sá da. O direito
constitucional da literatura, cit., p. 106 e seg.).

Is this way, the chorus represents before our mind’s eye an invisible life, a life
stripped of all that makes a human life worthy of human dignity. And by their
imaginative act they change it. They acknowledge its terrible character, they see it
and sing about it, thus putting Philoctetes back into the human community from
which selfish schemes have exiled him. At the same time, they cause the audience
to perform similar acts of acknowledgment – directed, now, not only at the fictive
Philoctetes, the hero who is “undeserving” of his misfortune, and who tells us
explicity that similar misfortunes might befall any human being, but also, as Aristotle
knew, at those more general possibilities for human beings that this sorrows conjure
up, things such as might happen in human life (NUSSBAUM, Martha C. Invisibility and
recognition: Sophocles ‘Philoctetes and Ellison’s Invisible Man. Philosophy and
Literature. Baltimore, nº 23.2, 1999, p. 258).

Todos concordam com a máxima universal de que, não dependendo o fato do agente, não deveria exercer
nenhuma influência sobre nossos sentimentos relativos ao mérito ou conveniência de sua conduta [...] a
fortuna, que governa o mundo, tem alguma influência onde menos desejaríamos lhe conceder alguma, e
governa, em certa medida, os sentimentos dos homens quanto ao caráter e conduta deles próprios e de
outros (SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. Tradução Lya Luft. São Paulo: Martins Fontes, 2002,
p. 130-131).

_________

A distinção entre público e privado que desenvolvi ao longo da segunda parte, “Ironismo e teoria”, sugere
que distingamos os livros que nos ajudam a ser autônomos dos que nos ajudam a ser menos cruéis. O
primeiro tipo de livro é pertinente às “marcas cegas”, às contingências idiossincráticas que produzem as
fantasias idiossincráticas. Estas são as fantasias que aqueles que buscam a autonomia passam a vida
reelaborando – na esperança de rastrearem a marca cega até sua origem e, com isso, na expressão de
Nietszche, transformarem-se em quem são. O segundo tipo de livro é pertinente a nossas relações com os
outros, para nos ajudar a notar os efeitos de nossos atos sobre outras pessoas. São esses os livros
pertinentes à esperança liberal e à questão de como conciliar a ironia privada com essa esperança (RORTY,
Richard. Contingency, irony, and solidarity (1989). Tradução Brasileira Contingência, ironia e solidariedade
Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 235).

Como dijo Heráclito hace dos mil quinientos años: “Aprender sore muchas cosas no da al
entendimento”. Marco Aurelio insistia em que, para llegar a ser ciudadanos del mundo, no bastaba com
acumular conocimiento; también debíamos cultivar uma capacidade de imaginación receptiva que nos
permita compreender los motivos y opciones de personas diferentes a nosotros, sin verlas como extraños
que nos amenaxan, sino como seres que comparten com nosotros muchos problemas y oportunidades.
Las diferencias de religión, género, raza, classe social y origen nacional dificultan todavia más este
esfuerzo por entenderse, puesto que tales diferencias, además de moldear las opciones prácticas que las
pesonas enfrentan, dan forma a sus “mundos incternos”, sus deseos, pensamentos y maneras de ver el
mundo (NUSSBAUM, Martha C. El cultivo de la humanidad: uma defensa clásica de la reforma em la
educación liberal. Traducción Juana Pailaya. Barcelona: Andres Bello, 2001, p. 121).

γ. A “imaginação literária” no direito e a concepção do juiz como curador privilegiado da


incontornável experiência do conflito: as possibilidades e limites de um juiz escritor-tradutor e
integrador de narrativas rivais sobre a vida humana excelente.

Assim nasce a piedade, primeiro sentimento relativo que toca o coração


humano conforme a ordem da natureza. Para tornar-se sensível e piedosa, é
preciso que a criança saiba que existem seres semelhantes a ela que sofrem o
que ela sofreu, que sentem as dores que ela sentiu e outras que deve ter ideia
de que também poderá sofrer. De fato, como nos deixaremos comover pela
piedade, a não ser saindo de nós mesmos e identificando-nos com o animal que
sofre e deixando, por assim dizer, nosso ser para assumir o seu? Só sofremos
na medida em que julgamos que ele sofre; não é em nós, mas nele que
sofremos. Assim, ninguém se torna sensível a não ser quando sua imaginação
se excita e começa a transportá-lo para fora de si (ROUSSEAU, J.- J. Emílio ou
Da educação, cit., p. 304).

Sempre que congratulamos cordialmente nossos amigos, o que, para desgraça da natureza humana,
raramente fazemos, a alegria deles literalmente se torna nossa. Nesse momento estamos tão felizes
quanto eles: nosso coração incha e transborda de prazer real; alegria e complacência cintilam em nossos
olhos, animando cada traço de nosso semblante e cada gesto de nosso corpo.

Ao contrário, porém, quando nos compadecemos de nossos amigos em suas aflições, quão pouco
sentimos em comparação ao que eles sentem! Sentamo-nos ao seu lado, olhamos para eles, e enquanto
nos reclamam as circunstâncias do seu infortúnio, escutamos com gravidade e atenção. Mas, enquanto
as explosões naturais da paixão, que frequentemente parecem sufocá-los, interrompem sua narrativa a
todo momento, as lânguidas emoções de nossos corações estão longe de seguir a mesma direção de tais
transportes! Ao mesmo tempo, somos capazes de perceber que sua paixão é natural, não maior que
aquela que nós mesmos sentiríamos em ocasião semelhante. Podemos censurar-nos internamente por
falta de sensibilidade, e talvez, por essa razão, consigamos com esforço manifestar uma solidariedade
artificial, que, porém, quando trazida à luz, é sempre a menos intensa e duradoura que se possa imaginar;
e, geralmente, assim que saímos do quarto, desaparece e se vai para sempre. Parece que a natureza,
quando nos sobrecarregou de nossas próprias dores, julgou-as suficientes e por conseguinte não nos
ordenou que tomássemos parte nas alheias mais do que o necessário para nos incitar a serená-las. É por
causa desse embotamento da sensibilidade para com as aflições alheias que a magnanimidade em meio
a grandes catástrofes parece sempre tão divinamente graciosa. É gentil e agradável a postura de quem
consegue manter-se alegre em meio a uma série de desastres frívolos (SMITH, Adam. Teoria dos
sentimentos morais. Tradução Lya Luft. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 55 e seg.).

_______

The literary judge – like Whitman’s beam of sunlight – is committed to neutrality, properly understood.
That is, she will not tailor her principles to the demands of political or religious pressure groups and will
give no group or individual special indulgence or favor on account of their relation to her affiliations. She
is a judious spectator and does not gush with irlevant or undergrounded sentiment. On the other hand,
as I have argued here, her neutrality does not require a lofty distance from the social realities searchingly,
with imaginative concreteness and the emotion a responses that are proper to the judicious spectator –
or to his surrogate, the novel-reader. In chapter 2, I suggested that the a literary judge would lookin
particular for evidence that certain grous have suffered unequal disadvantages and therefore need more
attention if they are to be shown a truly equal concern.

This concern for the disadvantaged is built into the structure of the literary experience, which was, as
we saw, Adam Smith’s model for the experience of the judicious spectator. Thereader participates
vicariously in numerous different lives, some more advantaged and some lass. In realist social novels,
which are my focus, these lives are self-consciously drawn from different social strata, and the extent to
which these varied circunstances allow for flourishing is made part of the reader’s experience. The reader
enters each of these lives not knowing, so to speak, which one of them is hers – she identifies first with
Louisa and then with Stephan Blackpool, living each of those lives in turn and becoming awere that her
actual place is in many respects na accident of fortune. She has emphatic emotion appropriate to the
living of the life and, more important, spectatorial emotions in which she evaluates the way fortune has
made this life conducive or not conducive to flourishing. This means, as Iargue in the next section, that
she Will notice especially vividly the disadvantages faced by the least well off. In the case of Dicken’s novel,
for exemple, she is likely to feel that Stephen Blackpool, given the disadvantages under wich he labors,
requires a special degree of attention if he is to be shown a truly equal concern as citizen (NUSSBAUM,
Martha C. Poetic Justice: the literary imagination and public life. Boston: Beacon Press, 1995, p. 86 e seg.).

Toda tradição estará sempre aberta à possibilidade de que, em


certa época lugar, aqueles que vivem suas vidas, em e através da
língua-em-uso que dá expressão à sua tradição, possam
encontrar uma outra tradição com sua própria língua-em-uso
muito diferente e descobrir que, enquanto em algumas áreas de
maior ou menor importância eles não podem compreendê-la nos
termos de referência de suas próprias crenças, sua própria
história, e sua própria língua-em-uso, ela oferece um ponto de
vista a partir do qual, uma vez que tenham adquirido sua língua-
em-uso como segunda língua, as limitações, as incoerências e a
pobreza de recursos de suas próprias crenças podem ser
identificadas, caracterizadas e explicadas de um modo que não
é possível a partir de sua própria tradição (MACINTYRE,
Alasdair. Justiça de quem? Qual a racionalidade? Tradução
Marcelo Pimenta Marques. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola,
2001, p. 415).

│My argument in this book is well captured in the quotation from Stephen Breyer's confirmation hearing
that I cited as an epigraph to this chapter. The ability to think of people's lives in the novelist's way is,
Breyer argues, an important part of the equipment of a judge. A part and not, obviously, the whole, or
even the central part - but a vital part nonetheless. This claim is the more impressive in that it comes from
a judge who is far from being a sentimentalist, whose technical proficiency is great, and who is, if anything,
considered more intellectual than emotional. Even a judge so unsentimental, with such deep technical
and intellectual commitments, then, grants that novel-reading is relevant to the judicial imagination. My
approach - like, I believe, the approach that Breyer sketches in this statement - stresses the need for
technical mastery as well as sentiment and imagination and insists, too, that the latter must continually
be informed and tethered by the former (NUSSBAUM, Martha C. Poetic Justice, cit., p. 99). │

AULA 27: A INTERPRETAÇÃO JURÍDICA COMO DETERMINAÇÃO DE SENTIDO E DE


CRITÉRIO NORMATIVO DE UMA CONCRETA REALIZAÇÃO DO DIREITO: O “MODELO” DE
“JUIZ PRÁTICO PRUDENTE” DO JURISPRUDENCIALISMO DE A. CASTANHEIRA NEVES.

1. Os fundamentos filosóficos e o sentido de uma concepção jurisprudencialista do direito no


quadro atual de complexidade e de diferendo

α. O contraponto “communitas” pré-moderna versus “societas” moderna e a superação do


dualismo “direito natural” e “direito positivo”: o regresso da comunidade e a emergência do
homem-pessoa.

Deixemos de lado o modelo arcaico – em que o homem respondia pelas transgressões aos
deuses tutelares, e portanto ao nomos comunitário, na imputação objectiva da acção
violadora, com a sua exemplaridade e os seus efeitos, posto que esta objectividade da
responsabilidade, por muito tempo tida como um conceito bárbaro, se esteja a recuperar
de muitos modos, sem que todavia – ponto este importante de sublinhar – com isso se
restaure também o sentido de uma responsabilidade radical, de todos para com todos no
bem e no mal, em que a humanidade como que se assumia a si própria em cada um (NEVES,
António Castanheira. Pessoa, direito e responsabilidade. Revista Portuguesa de Ciência
Criminal, Coimbra, jan./mar. 1996. Ano 6, fasc. 1º, p. 11 e seg.).

///

Em primeiro lugar, que a pessoa, pela simples razão de ser, se vê investida não só
em direitos, mas igualmente em responsabilidade – a pessoa é chamada a
respondere em termos comunitários – já que os deveres são para ela tão originários
como os direitos. Em segundo lugar, no equilíbrio entre a participação comunitária
da pessoa (implicante de liberade e igualdade) e a sua responsabilidade rambém
comunitária temos o que se haverá de entender por justiça – a intenção, e a
exigência, normativamente integrante e dinâmica, do reconhecimento de cada um
perante os outros e da responsabilidade de cada um perante os outros na
coexistência em um mesmo todo comunitário constituído por todos (NEVES,
António Castanheira. Digesta: escritos acerca do direito, do pensamento jurídico, da
sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, vol. 3º. p. 38).

///

Por outro lado, o homem propõe-se, quanto aos objectivos – e como tarefa principal, nessa
exclusão de uma pressuposta ordem axiológica que não se reduzisse aos direitos naturais -
, a temporal e humana realização de interesses, interesses que davam afinal conteúdo
àqueles direitos e que a economia, entretanto elevada a ciência iria racionalizar.
Consequências que, conjugadas, implicaram o que se sabe: o contexto deixa de ser
axiológico-ético para ser político (o político também então libertado que encarnaria em il
stato) e o quadro determinante, como a racionalidade prática, passaram naturalmente a
ser jurídicos – o homem volveu-se em homo juridicus. E o grande princípio da liberdade – a
afirmar as liberdades-direitos que convivem com as liberdades-direitos na concreta
actuação de interesses – que outra expressão jurídica poderia ter senão, de novo dentre os
praecepta iuris, no alterum non laedere, no neminem laedere? (NEVES, António Castanheira.
Pessoa, direito e responsabilidade, cit., p. 20 e seg.).

///

Quer dizer, se vistas as coisas na perspectiva da autonomia e dos interesses


individuais, numa hipertrofia do sujeito, a comunicação social e seus vínculos
normativos – sem os quais não há responsabilidade – ficam excluídos. Se vistas as
coisas na perspectiva do sistema social e do funcionamento subsistente da
sociedade, numa hipertrofia da sociedade, é o sujeito (sujeito-pessoa, não a
máscara de um papel sistémico-funcional) que se exclui, para ficar só uma
comunicação sem autênticos comunicantes (NEVES, António Castanheira. Pessoa,
direito e responsabilidade, cit., p.31).

///

[...] estaremos perante um problema de direito – ou seja, um problema a exigir uma solução
de direito –, se, e só se, relativamente a uma concreta situação social estiver em causa, e
puder ser assim objeto e conteúdo de uma controvérsia ou problema práticos, uma inter-
acção de humana e exigível correlatividade, uma relação de comunhão ou de repartição de
um qualquer espaço objectivo-social em que seja explicitamente relevante a tensão entre
a liberdade pessoal ou a autonomia e a vinculação ou integração comunitária e que
convoque num distanciador confronto, já de reconhecimento (a exigir uma normativa
garantia), já de responsabilidade (a impor uma normativa obrigação), a afirmação ética da
pessoa (do homem como sujeito ético) (NEVES, António Castanheira. O
“jurisprudencialismo” – proposta de uma reconstituição crítica do sentido do direito. In:
COELHO, Nuno Morgadinho Santos; SILVA, Antonio Sá da (Orgs.). Teoria do Direito: direito
interrogado hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem
ao Doutor António Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 77).

Em segundo lugar, compreendemos que não


há (no plano do ser e da existência) outro
direito que não o direito positivo (i. é, o direito
historicamente realizado), mas sem que isso
exclua a necessária consideração do princípio
regulativamente transcendente
(transcendens) ao conseguido direito positivo
(NEVES, A Castanheira. Curso de introdução ao
estudo do direito. Coimbra: Policopiado, 1971,
p. 87).

(α) De tal modo que o projecto da societas seja aquele que, permanecendo fiel à narrativa de
uma criação ex nihilo e ao homem desvinculado (“independente de toda e qualquer tradição”) que por
ela se responsabiliza — se não mesmo ao status naturalis e (ou) à original position (universalmente
representados) que a tornam possível —, nos incita a descobrir na emancipação lograda dos
interesses e na equivalência (ou mesmo na comensurabilidade quantitativa) dos fins — mas também
na redução dos referentes (e dos critérios) materiais a um acervo de afirmações de preferência
(subjectivamente experimentadas) — as coordenadas decisivas do seu problema (e da ordem que o
assimila). Mas então também aquele que encontra a resposta instituinte (capaz de hierarquizar estes
interesses, fins ou preferências) num processo-modelo de decisão — e no artefacto sócio-político que
legitima colectivamente esta decisão (e a cadeia de decisões em que esta se integra).

(β) Para que o projecto da communitas abra a nossa experiência (e as nossas possibilidades
de practical deliberation) à consideração de um horizonte de integração (justificado pela referência a
responsabilidades e compromissos práticos partilhados), na mesma medida em que defende (e
explora) um dualismo insuperável entre objectivos e bens (subjective goals v. human goods) ou entre
fins e valores — na medida pelo menos em que revela a importância de fins incomensuráveis, cada
um deles prosseguido como um fim em si mesmo e a exigir enquanto tal um acervo de especificações
plausíveis (non-commensurable (...) qualitatively distinct and separate (…) ultimate ends, [each one
pursued] for its own sake) (LINHARES, José Manuel Aroso. Jurisprudencialismo: uma resposta
possível em tempo(s) de pluralidade e de diferença? In: COELHO, Nuno Morgadinho Santos; SILVA,
Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta
possível? Estudos em homenagem ao Doutor António Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012,
p. 132 e seg.).

β. As três condições de emergência do direito enquanto direito e o problema da universalidade


do direito: a resposta do direito como uma das “respostas possíveis” ao “problema necessário”
da vida humana em comum.
O direito emerge, enquanto uma dimensão específica da realidade humana, com o sentido e a
intencionalidade que resulta da síntese de três condições: 1) uma condição mundano-social — a
dizer-nos que a primeira condição da exigência e constituição do direito se manifesta pela
pluralidade humana na unicidade do mundo, mundo único (embora a considerar nele todos os
‘mundos’, natural, social, cultural) que comungamos e partilhamos através de relações de um
certo tipo situacional-comunicativo e justamente pela mediação desse mundo (em referência a
ele e nos modos por ele possibilitados), as relações sociais. 2) uma condição humana-existencial,
em segundo lugar, e uma vez que aquela relacionação através da social mediação do mundo o
é de seres, nós os homens, que existem como tais — que só podem existir como tais ou
humanamente — numa dialética de personalidade e de comunidade, de autonomia pessoal e
convergência comunitária (...) dialética que já em si ou sem mais se manifesta numa tensão de
contrários, e que sobretudo pela transfinitude intencional, a mutação temporal e a trancensão
de sentido e axiológica de cada um desses dois pólos, faz surgir um problema de totalizante
integração ou de ordem, enquanto é uma solução nesse sentido condição mesma da
possibilidade da existência humana (...); 3) uma condição ética, e a condição cujo reconhecimento
é verdadeiramente especificante do direito como direito, a postular que nas mundanais
relações sociais e na ordem que dê o critério a essas relações pela solução dos problemas
humanos da necessária integração comunitária se reconheça a cada homem a dignidade de
sujeito ético, a dignidade da pessoa e assim um valor indisponível para o poder e a prepotência
dos outros e comunitariamente responsabilizado (corresponsável e solidário) para com os
outros — só assim ele poderá ser, também simultaneamente, titular de ‘direitos’ (dirigidos aos
outros) e de obrigações (exigidas pelos outros), em todos os níveis, segundo todos os
princípios e em todas as modalidades estruturais que normativamente se têm objectivado a
constituírem o direito (o direito como específica realidade objectivo-intencional) (NEVES,
1993, p. 231-232) (COELHO, Nuno Morgadinho Santos. Sobre o Jurisprudencialismo: o
Ocidente como civilização fundada no direito e a filosofia. In: COELHO, Nuno Morgadinho
Santos; SILVA, Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado hoje –
Jurisprudencialismo: uma resposta possível? Estudos em homenagem ao Doutor António
Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 240 e seg.).

____

O direito, quando adequadamente o compreendemos na perspectiva jurisprudencialista de A.


Castanheira Neves, é a última instância crítica através da qual os homens se socorrem da arbitrariedade
dos outros homens e até mesmo do próprio Estado. Mais que reconhecer nesse direito um projeto
civilizacional — europeu, de raízes greco-romanas e judaico-cristãs — e humano que se afirma hoje como
resposta possível para um problema necessário, o jurisprudencialismo vê neste projeto uma verdadeira
alternativa humana: “uma dimensão capital, e irrenunciável, da humanidade do homem” (SILVA, Antonio
Sá da. A imaginação literária e o direito: a (im)possibilidade de um modelo jurídico-decisório nos
argumentos de A. Castanheira Neves e de Martha C. Nusbbaum. In: COELHO, Nuno Morgadinho Santos;
SILVA, Antonio Sá da. Teoria do Direito: direito interrogado hoje – Jurisprudencialismo: uma resposta
possível? Estudos em homenagem ao Doutor António Castanheira Neves. Salvador: Juspodivm, 2012, p.
211 e seg).

γ. O Isolierung da iurisprudentia romana e a questão da autonomia do direito: sobre a intuição


grega do confronto entre a lei imanente do cosmo (φύσις, physis) e a lei ordenadora da atividade
na polis (νόμος, nomos) à afirmação da liberdade e da autodisponibilidade humana (a
controvérsia-caso na iurisprudentia, a síntese filosófico-prática do medievo e a
autossubsistência regulativa do pensamento moderno).
Sabe-se, na verdade, que tendo a sofística rompido o monismo cosmológico, ao distinguir a physis
(lei natural) de nomos (convencional e contingente prescrição do poder) e uma vez reposto por
SÓCRATES, com seu sacrifício exemplar, o problema da obediência às leis, não tardaria que
PLATÃO viesse tentar recuperar a unidade destas com um seu pressuposto fundamento ontológico-
metafísico, ainda que agora pela referência às Ideias, como o Ser e o padrão essencial da ordem das
coisas e da Polis [...] É assim que segundo ARISTÓTELES o justo legal ( dikaion nomikon), se era
decerto imposto pela vontade do poder político e afirmado com uma mutabilidade e relatividade
político-sociais que o distinguiam do justo natural (dikaion physikon), nem por isso – ou não obstante
a diferença e mesmo a ironia posta na distinção – deixaria de ser uma modalidade normativa deste,
enquanto forma do justo ponderado em função teleológica das circunstâncias, e portanto não menos
destinado, embora de modo diferente, a traduzir o telos essencial ou ético-natural da Polis (NEVES,
António Castanheira. O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra:
Coimbra Editora, 1983, p. 493 e 496).

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Uma outra, e de todo distinta, estação foi a romana. Aí se afirmaria já nuclearmente o direito na
bem diferenciada "experiência jurídica", com base constitutiva em cinco pólos capitais. 1) a sua
"Isolierung” (F. Schulz) contextual – política, econômica, mesmo ética, não excluindo esta última a
particular axiologia diferenciadamente jurídica que os tria principia sintetizavam –, isolamento que a
prática jurídica manifestava e que apenas no séc. XIX a dogmática também jurídica de novo se propôs
e teorizou; 2) o problema especificamente jurídico – e a que a fórmula também de F. Schulz deu
expressa acentuação: "in the beginning was the case"; 3) o direito a encarnar em titularidades jurídicas
(iura, res, actiones) num contexto de respondere social; 4) a intencionalidade prático-normativa, a
assumir a intersubjetividade e a exprimir o sentido da justiça estritamente jurídica na fórmula agora de
Cícero, suum cuique tribuere; 5) o logos ou a racionalidade também especificamente jurídicos no
juízo prudencial. E como resultado, o direito como jurisprudentia, categoria e universo de
pensamento autónomo referido também a uma classe sócio-cultural diferenciada – juristas, não os
filósofos, não obstante a leitura tivessem feito dos filósofos gregos.
O direito manifesta-se, pela primeira vez, nestes termos como uma entidade prático-cultural muito
própria que se subtrai ao normativismo ético-político grego enquanto uma muito distinta prática sócio-
prudencial-judicativa – o seu domínio não é o filosófico-especulativo e antes o sócio-jurisprudencial.
E em que manifestamente vai in nuce a problemática específica do direito no contexto global da
experiência humana – numa dialética entre autonomia e responsabilidade – e se constitui um sentido
que traduz intencionalmente a passagem do problema filosófico da liberdade transdeterminada ao
problema prático da liberdade autonomamente assumida responsabilizada no contexto social. Assim
emerge um sentido civilizacionalmente novo que começa constitutivamente a caracterizar, como uma
sua dimensão específica, também uma civilização.
Já no pensamento cristão-medieval se reconhecem alterações e o seu contributo é outro.

Poderá falar-se aqui de uma síntese do direito como sentindo (filosoficamente identificado a justiça
ético-politica) e do direito como experiência (prática jurisprudencial) e em que as duas
intencionalidades se tornam duas dimensões e unitariamente constitutivas da juridicidade. Com três
notas simultâneas de conversão: 1) o sentido transnormativamente fundamemante assimila o legado
grego do “direito natural”, mas intencionado agora por uma razão filosófico-especulativa perspectivada
teologicamente — abstraímos da tensão entre o ‘’voluntarismo", agostiniano e franciscano, e o
"racionalismo" tomista, não obstante a importância desta polémica na compreensão do direito e de
categorias dele muito particulares, como a da lex e do '’direito subjectivo"; 2) a dialéctica autonomia-
responsabilidade adquire uma conversão existencialmente axiológica radical: a) a autonomia
compreende-se como valor absoluto (titulada pelos homens enquanto filhos de Deus) e pessoal
(imputada à subjectividade, agora ética, pessoalmente assumida) — é a liberdade pessoal, liberdade
que pode pecar. B) a responsabilidade é a correlatividade necessária dessa liberdade, já que esta só
tem sentido em referência à transcendência que a possibilita — além de que a liberdade se reconhece
como uma vocação ( é o que hoje diríamos "liberdade positiva") e, já por isso, a responsabilidade (re-
spondere) toma-se culpa (responsabilidade pessoal); c) com duas outras notas ainda: o direito ius
converte-se em lex, mas lex com um sentido ético (de mandamento), que a modernidade em princípio
aceitou, posto que só na sua abstracta normatividade sem sentido ético e o substituísse por um sentido
seculamente político; em função das condições culturais medievas (a essencial mediação de textos e
autoridades) e da recepção do direito romano num livro (um livro leigo junto do livro sagrado), a
jurisprudência prática transforma-se em hermenêutica (numa dogmática hermenêutica) e o logos
jurídico toma-se também hermenêutico dialético e depois lógico-sistemático.

Em conclusão. Se para os gregos o direito era um problema filosófico - intencionalidade que, por
sua influência, se mantém na dimensão teológico-filosófica - e para os romanos era uma prática, uma
experiência socialmente prudencial, volve-se agora já em lex, já em dogmática (numa dogmática
hermenêutica a) e o logos jurídico tona-se também hermenêutico-dialéctico e depois lógico-
sistemático.

[...] De novo as coisas mudaram no pensamento moderno e moderno-iluminista.

a) Numa mutação antropológica em que a autonomia se assume secularizada na imanência, a


subjectividade se converte num certo e novo tipo de razão (a razão moderna) e a filosofia-razão prática
deixa de ser teorético-especulativa para ser tarefa da “subjectividade” autoconstituinte: primeiro,
normativamente construtiva e, depois, teleologicamente política. Enquanto normativamente
construtiva, propõe-se constituir ela própria a juridicidade como uma normatividade sistematicamente
explicitante de um auto-projecto humano – projecto em que o homem moderno (de autonomia e
racionalidade) racionalmente intenciona a sua prática numa elaboração sistemático-dedutiva de
normas – o jusracionalismo com a sua consequência no normativismo e normativismo de codificação
por fim. Enquanto teleologicamente política, o seu problema não é o da definição-elaboração de uma
mormatividade, mas 1), por um lado, o de postular direitos (numa conversão do direito em direitos)
que exprimam a liberdade nas várias formas da sua manifestação; 2), por outro lado, o de organizar
um novo poder (poder político ou Estado) enquanto resultado da liberdade e por ela legitimado, com
o objetivo de a rearfirmar e garantir institucionalmente; 3), por outro lado ainda, o de pensar critérios
ou regras a prescrever por esse novo poder legítimo, em consonância com os dois pontos anteriores.
Se quanto ao primeiro ponto os direitos se diziam “naturais”, e se disseram depois “do homem” para
assegurar um sentido individualista pré-social (melhor, pré-comunitátio) que os preservasse da
interferência pelo poder político, os outros pontos encontrariam a sua solução no contratualismo: o
poder a encarnar num Estado demo-liberal e os critérios-regras a manifestarem-se como lei (num
certo sentido de lei que retoma secularizada a lex medieval): norma geral, abstracta e formal — como
a definiriam Rousseau e Kant — e em termos de se haver de dizer que o contratualismo culminaria
assim no legalismo. E com isso o problema político tinha uma solução jurídica, do mesmo passo que
o jurídico assumia directamente o político.
E havia de assumi-lo de uma forma bem mais veemente — e em que ia mesmo a utópica esperança
de uma originária refundamentação da história — no novo começo fundante que seriam as
constituições. Seriam as constituições e na intencionalidade que, como tal, as justificariam,
legitimariam, umas vezes como fundadoras ex novo do Estado — assim a constituição americana de
1787 e a federal alemã de 1949 —, outras vezes como dele refundadoras — assim todas as constituições
revolucionárias — e sempre, portanto, como fundações originários e um novo princípio (político-
jurídico), em que o direito confundindo-se com o político deste assimilava o voluntarismo estratégico
de um projecto humano (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 112 e segs.).

δ. A porosidade e a autotranscendentabilidade do sistema jurídico: a complexidade e a


invocação de diferentes estratos normativos (os princípios, as normas, a jurisprudência e a
doutrina).

Sem esquecer ainda e por fim que a mais explícita das institucionalizações do círculo é aquela
que se cumpre distinguindo os diversos estratos do sistema (e conferindo-lhes modos de
vinculação-vigência institucionalmente inconfundíveis). Trata-se com efeito de surpreender a
regressividade problemático-constituenda deste sistema... ou de a surpreender reconhecendo
um movimento partilhado (determinado pela prioridade metodologicamente constitutiva do caso-
problema ou pela perspectiva que este assegura): aquele movimento que se cumpre levando a
sério diversos tipos de presunções (ditas de validade, autoridade, racionalidade e justeza) e
inscrevendo nelas (ou na assimilação dos tipos de problemas experimentáveis) outras tantas
possibilidades (metodologicamente diferenciadas) de as refutar-ilidir (e de assumir os explícitos
ou apenas implícitos ónus de contra-argumentação).

Com os princípios a beneficiarem de uma presunção de validade e a vincularem-nos enquanto


validade, as normas a benefi ciarem de uma presunção de autoridade e a vincularem-nos
enquanto autoridade (político-constitucional), o direito da jurisprudência judicial a benefi ciar de
uma presunção de justeza e a vincular-nos a uma realização justa (prático-concretamente
adequada) e à casuística que a objectiva, o direito da jurisprudência doutrinal enfim a benefi ciar
de uma presunção de racionalidade e a vincular-nos prático-culturalmente nos limites discursivos
da sua concludência ou fundamentação críticas... (LINHARES, José Manuel Aroso.
Jurisprudencialismo, cit., p. 159).

[...]são valores e princípios pressupostos e metapositivos a essa mesma positividade, e


assim numa autotranscendência de sentido, que é verdadeiramente uma
transcendentabilidade prático-
cultural, de histórica criação ou
imputação humana decerto, mas de
que o homem no momento da
invocação não pode dispor sem a si
Pois há muito igualmente se sabe [...] que o sistema mesmo se negar, que deixaram nesse
jurídico não é, nem pleno (sem lacunas), nem de momento de estarem na sua opção ou
todo consistente (sem equivocidades e sem no seu arbítrio (NEVES, António
contradições), nem fechado (autosuficiente), mas Castanheira. Pensar o direito num
antes necessariamente poroso, de uma insuperável tempo de perplexidade. In: Liber
indeterminação e permanentemente aberto, a exigir Amicorum de José de Sousa e Brito em
por isto uma contínua reintegração e reelaboração comemoração do 70º aniversário:
constitutivas através de uma dialética da sua estudos de direito e filosofia. Augusto
realização histórica” (NEVES, António Castanheira. Silva Dias et alli (Orgs.). Coimbra:
Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Almedina, 2009. p. 18). ____
Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 212).
Refiro-me à exigência ou
implicação, naquela matriz dialética,
do direito como validade, como validade normativa. Não simplesmente como lex, imperativo prescritivo
ou norma hipoteticamente abstracta, regra convencionalmente aleatória ou esquema sistémico-social,
mas referência regulativa de intencionalidade e expressão axiomática-normativa a invocar como
fundamento também normativo da prática humano-social e de todos os juízos decisórios exigidos por
essa prática [...] É deste modo que a ordem de direito, como ordem de validade, não será simplesmente
uma ordem social de institucionalização e organização de poderes ou critério apenas de uma estratégia
de objetivos sociais e de conflitos de interesses, e que na sua intencionalidade e estrutura manifesta uma
normatividade que assimila regulativa e constituvamente valores e princípios e não simplesmente fins, e
em que o a priori do fundamento cede ao posterius dos efeitos.

Validade neste sentido que não dispensa decerto uma sua determinação, a determinação da sua
normatividade referível e invocável [...]Um de referência sociologicamente cultural e de uma maior
histórica contingência positivo-social, em que a ordem de validade sobre as vicissitudes e a variação da
positividade, outra de uma específica intencionalidade principiológica que se vai de algum modo
subtraindo à imediata dialética histórica e em que o direito encontra a imediata expressão do seu
subsistente sentido de direito, e um terceiro, último e capital, de uma substantiva ou material axiologia
humano-comunitária, a referir na sua manifestação o suum e o commune e a dialéctica entre eles
enquanto a expressão axiológico-normativa da autonomia pessoal e da responsabilidade comunitária, e
que já vimos ser afinal o critério da justiça que o direito como validade é chamado a traduzie e a ser
(NEVES, António Castanheira. Pensar o direito num tempo de perplexidade, cit., p. 15 e seg.).

ε. A distinção entre “questão de fato” (quaestio facti) e “questão de direito” (quaestio juris): a
pergunta fundamental pela “validade jurídica” ou pelo “sentido jurídico” dos “dados reais ou
factuais duma problemática juridicidade”.
E com isto importa ainda sublinhar alguns pontos. Desde logo — insista-se —, a “questão-de-
facto” e a “questão-de-direito” não são duas entidades em si, de todo autónomas e
independentes, antes mutuamente se condicionam, além de que também mutuamente se
pressupõem e remetem uma à outra: a questão de direito é o desenvolvimento explicitante e
judicativo do problema jurídico do caso jurídico decidendo, e, como tal, não pode pensar-se
nem resolver-se senão como solução desse problema, em unitária referência a ele; a questão
de facto ocupa-se da objectivação e da comprovação da relevância objectiva de um concreto
problema jurídico, e, como tal, não pode pensar-se nem resolver-se senão na perspectiva da
problemática juridicidade concreta que exige aquela objectivação e comprovação. Depois, na
objectiva relevância jurídica participam todos os elementos que para o problema jurídico
concreto e na situação histórico-social que lhe corresponde se hajam de considerar como dado
ou pressupostos objectivos desse mesmo problema. Postoo que não concorrem aí apenas
“factos empíricos”, mas dados-pressupostos de toda a índole, empíricos, sócio-culturais (com
os sentidos e valorações que lhes correspondam) e inclusivamente jurídicos – p. ex., o direito
estrangeiro, na sua subsistência normativa, pode ser pressuposto e nesse sentido “facto” para
um problema concreto de direito internacional privado, assim como a consideração de um
negócio ou de um contrato jurídicos, enquanto tais, um delito, uma qualquer situação jurídica,
etc., para um caso jurídico em que o problemático decidindo tenha um sentido para o qual
aquela consideração seja simplesmente pressuposto ou “dado” relevante. Também a
comprovação, ou a prova dos elementos da relevância jurídica não tem de seguir tão-só o
modelo teorético-científico (com os desvios indispensáveis), a prova jurídica e a sua índole são
as que o processo jurídico determine no seu objectivo jurídico último, não “científico”, mas
prático-normativo – a relevância é uma objectivação prática a comprovar num sentido e num
modo também decisivamente práticos (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p.
335 e seg.).
2. O direito como “alternativa humana” ao problema de nossa vida em comum e o papel do
juiz no projeto cultural do direito

α. A decisão jurídica como afirmação da “alternativa” humana dentre as respostas à questão da


possibilidade e sentido da vida humana em comum: a crítica ao normativismo e funcionalismos
e as respostas aos discursos procedimentais-argumentativos e humanístico-materiais de “área
aberta”.

Numa palavra, o sistema noramtiviscamente positivo acaba por ser apenas um conjunto de
formais critérios jurídicos utilizados ao serviço de uma intenção normativa que o ultrapassa. O que
do mesmo passo significa que o direito histórico-socialmente realizado é bem mais vastao e rico
do que aquele que apenas pela normativa legalidade se define no seu corpus formalmente
prescrito.

E se com isto se põe directamente em causa o autonomismo absoluto do normativismo (o


direito existiria objectivamente no sistema abstracto de normas) é esta uma conclusão que
também já hoje geralmente se reconhece (NEVES, A. Castanheira. Teoria do direito: lições
proferidas no ano lectivo de 1998/1999. Coimbra: Policopiado, 1998, p. 121 e seg.).

Por minha parte, quero insistir num outro tipo de crítica, que tenho por fundamental, já que tem a ver
directamente com o próprio sentido do direito. Se levarmos a sério e às últimas conseguências a
perspectiva em causa, o que teremos afinal é um sistema político-jurídico em que o direito deixa de ser
tanto uma normatividade de garantia e como uma axiologia ou um sistema de validades materiais
pressupostas que se subtraia à contingência decisória numa intenção regulariva, e converte-se ele próprio
num instrumento de todo relativizado ao a posteriori da sua própria performance, relativizado às suas
conseguências de momento e variáveis. Assim como a função judicial (enquanto paradigmática instituição
do Estado-de-Direito) não passará de uma funcional longa manus da intervenção político-social ou de um
seu mero alibi legitimante. Num caso, desaparecerá o Estado-de-Direito, transformando num Estado de
mera administração, e, sob princípio salus populis suprema lex, o direito volta a ser, maquiavélica,
totalitária ou tecnologicamente “o que é útil ao povo”; no outro caso, teremos uma “real desnaturação
instrumental da justiça” – para o dizermos com ESSER – e o “fim da actividade jurisdicional no seu
autêntico sentido” (NEVES, António Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 61).

O problema dos limites do direito ou da juridicidade é naturalmente correlativo ao do


reconhecimento de um “espaço livre do direito” (“espaço vazio de direito”, “campo livre de
vinculação jurídica”, etc.). H. COMES, numa importante monografia sobre o tema (Der rechfreie
Raum, Zur Frage der normativen Grenzen des Rechts, 1976), acentua que “direito e espaço livre
de direito são conceitos complementares” e a considerar numa “dialéctica troca de pontos de
vista e perspectivas” entre esses “dois pólos”. Com efeito, se deve perguntar-se até onde a
realidade humana, particularmente a realidade da convivência humano-social — especificação
esta que a questão de saber se não haverá também deveres jurídicos do homem para consigo
o próprio (v., por todos, K. ENGISCH «Der reachtsfreie Raum» in Beitrage zur
Rechutheorie,1984, H. COMES, ob. cit.) não nos permite ver como óbvia —, é objecto do direito
ou se haverá de considerar intencionalmente atingida por ele, não deve perguntar-se menos que
dimensões domínios ou espaços dessa realidade se deverão subtrair ou se hão de ter por
subtraídos à normatividade jurídica. Trata-se assim de um problema em que vai decerto
implicada a questão última da compreensão do próprio direito — no seu sentido constitutivo e na
sua função prático-humana — e que, para além da índole filosófica imposta pela sua
radicalidade, só poderá resolver-se em termos axiológico-normativos ou “avaliativos”: pergunta-
se nela pelo “direito do direito”, pelo princípio prático-axiológico, não pelo conceito do direito, o
que se interroga dever-ser da sua positiva ou realizanda normatividade, não apenas o seu
conceituável e definível ser objecto. Pois o que está essencialmente em causa é saber até onde
e em que termos deverá o direito atingir a vida humana, ou enquanto será exigível e justificado
que ele a atinja como sua dimensão prático-constitutiva (NEVES, António Castanheira.
Metodologia jurídica, cit., p. 207 e seg.).

Ora, se é esta indisponibilidade (este ser fim-em-si ou esta dignidade) que, ao afirmar-se na pessoa, dá
fundamento à sua qualidade ética de sujeito ético (se só o ser livre reconhecido na sua dignidade pode
ser verdadeiramente sujeito ético), assim como tínhamos igualmente compreendido que o ser sujeito
ético é condição transcendental do direito, então não podemos também deixar de reconhecer, segundo
o enunciado de HEGEL, que “o imperativo do direito é este: sê pessoa e respeita os outros como pessoas”.
Nestes termos, pode dizer-se que esta é a mais funda dimensão ética do direito e através da qual o
podemos mesmo compreender em último termo como uma expressão do amor – o “amor aos homens”
é sempre e essencialmente “conhecimento da pessoa”, “ordenação ao outro”. Amor ao próximo,
verdadeiramente. Pelo que, distinguindo-se embora o direito da ética, na sua perspectiva intencional e
na sua normatividade específica – e uma coisa e outra em virtude da condição mundanal -, nem por isso
deixa ele de ter afinal na ética a sua constituinte possibilidade. O direito não é a ética, mas tem uma
dimensão ética (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit., p. 36).

Vimos que a “teoria sistémica do direito" não é uma sociologia do direito, mas já se
propõe ser uma “teoria sociológica do direito". E é esta esta perspectivação sociológica que
acaba por determinar a sua concepção-perspectiva do próprio direito, aquela que vimos
afinal resultar da conjugação dos tópicos fundamentais que lhe foram referidos.

Ora, uma tal concepção vemo-la de todo criticável, e criticável naquele plano justamente
em que como concepção do direito, com o significado que a esta expressão temos atribuído,
deverá discutir-se. Não tão-só no plano teórico, como foi o caso ou pretendeu ser o caso
das posições anteriormente consideradas, mas no plano em que as concepções do direito,
com serem a tentada inteligibilidade do sentido, que não apenas da determinação objectiva,
implicam a compreensão da juridicidade enquanto tal, nos seus pressupostos humano-
culturais, na sua projecção significante e nas suas consequências de realização. E nesse
plano crítico a conclusão, também crítica, será apagógica, atrevemos a dizê-lo. Os quatro
tópicos principais em que a concepção sistémica do direito encontra a sua síntese - o tópico
da radical socialização do direito, o tópico da sua radical positivação, o tópico da sua radical
anormatividade, o tópico da sua radical simetria auto-referente - são outros tantos
absurdos na compreensão do direito. Pois o primeiro tópico implica que aquilo que se diz
ser o direito (nos termos da sua identificação com o “sistema jurídico" e tal como este vai
entendido) revela-se uma entidade afinal sem direito; pelo segundo tópico igualmente o
direito será sem validade, pelo terceiro tópico, o direito será sem normatividade, pelo
quarto tópico, com toda a sua implicação referida, o direito será sem sentido. E o absurdo
global está em termos em tudo isto uma compreensão do direito que lhe anula – sem
justificação, como de imediato se verá – tudo o que de essencial o diferencia e lhe confere,
na verdade, um sentido irrenunciável na nossa realidade humana, na realidade da nossa
existência e do nosso encontro humanos (NEVES, António Castanheira. Digesta, vol. 3º, cit.,
p. 298).
Atrever-me-ei a dizer este o programa hoje da filosofia do direito? É que o direito não é tudo na realidade
humana, mas é uma dimensão capital, e irrenunciável, da humanidade do homem: por quê, para quê e
com que fundamento se manifesta humanamente essa específica, autonomamente específica, dimensão
humana? O homem não necessita ser pensado para o ser, mas só pensando-se o homem a si mesmo se
assume como homem – que a filosofia do direito concorra para esse pensar-se o homem na sua
humanidade (NEVES, A. Castanheira. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, p.
147).

Por outro lado, na tópica-retórica “a discussão é a única instância de controle” – para usarmos uma
formulação de VIEHWEG -, mas já no jurídico, e concretamente no jurídico decisório de realização
judicativa, a instância de contrôle é o terceiro imparcial de uma institucional autoridade (v.g., o tribunal), que
poderá e deverá ser instruído pela contraditória “discussão” ou argumentação das partes, mas que tem
autonomia judicativa [...] Por último, este juízo não terá de ser apenas racional – argumentativamente
concludente e sim normativamente fundado na validade normativo-dogmática do sistema jurídico vigente –
o seu juízo não poderá obedecer simplesmente às condições e regras do discurso da razão prática, terá que
realizar fundadamente em concreto a validade jurídica. Por tudo o que a racionalidade jurídica judicativo-
decisória, ou da normativa realização do direito, haverá de ser uma racionalidade de fundamentação (não
apenas processual) e material (não simplesmente formal) (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p.
74).

O que é inaceitável é a tese de um monismo


narrativista, que se traduza na tentativa de reduzir a
intencionalidade e o logos normativo próprios do juízo
jurídico, em que a interpretação jurídica participa como
momento intencional e metodologicamente também
normativo nos termos que sabemos, a uma
intencionalidade narrativa que totalmente se
cumprisse segundo um logos também narrativo
(NEVES, A Castanheira. O actual problema
metodológico da interpretação jurídica I. Coimbra:
Coimbra Editora, 2003, p. 404).

Importante agora é chamar de novo a atenção para a circunstância de aquela tentada narrativização da
normatividade jurídica o que no fundo faz é pôr entre parêntesis ou omitir essa normatividade, enquanto
dimensão intencionalmente problemática e constitutiva, para considerar só os seus resultados — substituindo
desse modo o normativo pelo descritivo, mas sem possibilidade afinal de reduzir aquele a este. Decerto que
nos seus resultados o direito poderá ser visto, como dissemos já, como uma particular forma de organização
do social comportamento humano, mas o que não pode é esquecer-se com isso que antes dessa organização
se puseram problemas normativamente específicos a intencionar pressuponentemente uma validade
axiológico-normativa e que foi o juízo de solução normativa desses problemas num certo sentido, tomando
posição axiológico-normativa fundamentada naquela intencional validade perante uma certa realidade
(também normativamente referida, como sabemos), que se obteve, como resultado, essa mesma organização,
hipoteticamente concebida ou socialmente verificável e narrável (NEVES, A Castanheira. O actual
problema metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 408).

_____
Só que, querer compreender o sentido do direito, na procura de uma “nova fundamentação”, pelo sentido
sem mais da sua manifestação em histórico-concreta realização, ou identificando aquele sentido do próprio
direito com o sentido desta sua manifestação — considerando tão-só a sua linguística historicidade, a sua
prático-concreta analogicidade e nesta porventura também já a “correspondência” entre ser e dever-ser,
entre normatividade e realidade, assim como a sua vinculação à vida histórico-social ou à compreensão
normativo-analógica dela que uma praxis dialéctico-argumentativa iria enriquecendo –, faz com que estes
pensamentos hermenêuticos sejam postos criticamente perante uma alternativa problemática a que são
incapazes de dar resposta. Ou terá de aceitar-se que é “justo” todo e qualquer direito que daquele modo se
realize e manifeste, e será isso afinal como que uma paradoxal indiferença — que não vai manifestamente,
muito pelo contrário, no objectivo daqueles pensamentos — quanto ao sentido concreto da justiça
realizada e manifestada; ou terão de reconhecer que, para além deles ou da coerência das suas intencionais
possibilidades, se põe um problema que não podem evitar, mas que de todo modo também não resolvem:
o problema de validade do direito daquele modo hermeneuticamente compreendido, o crítico problema da
sua fundamentação normativa, afinal o problema do seu próprio sentido e da sua “justiça” (NEVES, A
Castanheira. O actual problema metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 419).

E para ser ele [o direito] aquilo que verdadeiramente deve ser e para que possa cumprir a sua autêntica
função de direito – afirmar-se como a última instância crítica (axiológico-normativamente crítica) da
comunidade, através da qual o homem se afirmará na sua dignidade indispensável à prepotência do
poder, seja do poder dos outros homens, seja o poder do poder político (NEVES, António Castanheira.
Digesta, v. 2º, cit., p. 413).

Prescindindo de atender aqui a todas as modalidades de que o utilitarismo é susceptível (“utilitarismo de actos” e
“utilitarismo de regras”, “ut. positivo” e “ut. negativo”, etc.) e das inúmeras críticas de que a “moral utilitarista” tem sido
objecto (uma das ultimamente relevantes é decerto a de JOHN RAWLS, A Theory of Justice, 1972, 22, ss., 183, ss.;
na trad. port., 40, ss., 153, ss.), aludiremos apenas às que lhe dirige também o movimento Law and Economics,
sobretudo por POSNER: o problema da medição (como se poderá medir a satisfação subjectiva em termos
objectivos?), o problema moral do “monstro utilitário” (como ponderar as satisfações do criminoso e dos não
produtivos?), o problema dos limites (de quem são as utilidades relevantes? conta a felicidade dos animais? dos
estrangeiros? das futuras gerações?) – sobre esta crítica e para desenvolvimentos, v. ANDRÉS ROEMER,
Introducción al análisis económico del derecho, 1994, 29, ss.
E tanto basta para compreender que POSNER se propusesse substituir essa versão originária e criticável do
“princípio da utilidade” pelo sentido que lhe definiria a “maximização da riqueza” (o “princípio da maximização da
riqueza”), nos termos atrás enunciados [...].

Quanto à concepção do direito, as coisas não são menos evidentes. O direito vai aqui decerto concebido tão-só
como uma técnica ou operador regulativo, institucional e decisório funcionalmente instrumentalizado à eficiência
económica – ao bem-estar dos membros da sociedade, enquanto sociedade de desenvolvimento sócio- -económico
e que procura maximizar a riqueza e os interesses e evitar ou minimizar os custos e os danos. E directa e
especificamente com a função de criar estímulos e contra--estímulos, pelos meios jurídicos, aos comportamentos que
o possibilitem. Pelo que, dir--se-á com OWEN FISS, se os movimentos da teoria crítica afirmavam que “o direito é
política”, aqui postula-se que “o direito é eficiência” (NEVES, António Castanheira. Apontamentos complementares de
teoria do direito: sumários e textos. Coimbra: Policopiado, 1998, p. 20 e 21).

***

Opção esta que, analogamente, terá o seu critério crítico nas suas consequências. E estas não serão aqui
menos graves, pois atingem a subsistência do direito em si mesmo. Se for exacto pensar, como temos
pensado, que o direito só se afirmará qua tale na síntese de três dimensões constitutivas – uma dimensão
social ou de interferência social, uma dimensão de ordem-institucionalização e uma dimensão ética –,
então a primeira opção, que prescinde de (quando não nega) esta terceira dimensão, o que acaba por
implicar não é apenas uma concepção alternativa do direito, mas uma alternativa ao próprio direito – o
direito, enquanto tal, desaparecerá para ceder o seu lugar a outros reguladores sociais. E se tivermos
presente o que o direito sempre tem representado na nossa civilização greco-romana e cristã-europeia,
pode-se então fazer uma ideia do custo humano e civilizacional da sua superação (NEVES, António
Castanheira. Apontamentos complementares de teoria do direito: sumários e textos. Coimbra:
Policopiado, 1998, p. 32).

β. A “consciência jurídica geral”, a validade dos princípios (princípio como autêntico ius), o
problema da súmula vinculante (“assentos”) e a negação da dicotomia “casos fáceis” e “casos
difíceis”: a inalienável responsabilidade pelo caso decidendo e o pepel preponderante da
“comunidade dos juristas”.

____

Recorde-se a distinção entre princípios como ratio, como intentio e como jus, na
qual Castanheira Neves tem exemplarmente insistido desde a sua citada lição-
síntese… e que aqui e agora reconstituímos invocando a mediação privilegiada das
suas aulas e ensinamentos orais. As concepções que vêem nos princípios apenas
ratio (condições epistemológicas de uma racionalização cognitivo-sistemática das
normas legais) são, na verdade, herdeiras da compreensão normativística dos
princípios gerais de direito (e muito especialmente daquela que o positivismo
conceitual desenvolveu na segunda metade do século XIX) — uma compreensão
que reduz o direito ao estrato das normas para ver nos princípios gerais “normas
mais abstractas e mais gerais” obtidas por abstracção generalizante ou
concentração-classificação (se não por indução) a partir das normas vigentes e com
o objectivo claro de conseguir um domínio cognitivo racionalmente mais logrado
destas últimas e da unidade horizontal (por coerência)que estas constituem… —
normas que assim mesmo os princípios gerais não excedem normativamente, às
quais nada acrescentam no plano das “soluções” prático-normativas, com as quais
(enquanto axiomas racionalmente imanentes) nunca entram em confronto (às quais
nunca põem exigências de validade!)... cujas significações se limitam a reproduzir-
sintetizar... Outra é a compreensão dos princípios como intenções (intentio).
Segundo esta linha de compreensão (na qual reconhecemos a herança neo-
kantiana de Stammler), trata-se de admitir que as intenções-exigências dos
princípios têm já um sentido prático-normativo... excluindo no entanto a
possibilidade de vermos nelas autêntico direito vigente. Para constituirem direito
vigente (para adquirirem juridicidade), estas intenções têm, à luz desta perspectiva,
que ser assimiladas pelas normas legais (a começar pelas leis constituticionais) e
(ou) pelos precedentes vinculantes — têm, numa palavra, que se manifestar em
critérios positivos vinculantemente institucionalizados, recebendo destes (ou da
autoridade-potestas que os sustenta) a sua força jurídica (ou a dimensão
constitutiva que a traduz). Há aqui de resto duas possibilidades (que podem ser
defendidas em conjunto ou separadamente... se não concebidas como meras
diferenças de grau). (1) A possibilidade de ver nos princípios intenções regulativas
(manifestação de expectativas sociais ou de compromissos comunitários sem
carácter jurídico) capazes de orientar directamente (mas apenas de orientar!) a
construção-produção de critérios jurídicos (especialmente legislativos) [função
regulativa para a normativa constituição do direito positivo (os princípios como
intenções regulativas, não constitutivas, que a política legislativa deverá ter em
atenção ou que a poderão orientar na busca de soluções mais adequadas)].(2) A
possibilidade de ver nos princípios intenções regulativas com um carácter
metodológico: intenções que, não constituindo como tal direito vigente, podemos
convocar como apoios-arrimos (se não como cânones ou regras secundárias de
juízo... ou até mesmo como razões argumentativas) quando interpretamos uma
norma legal ou um critério jurisprudencial... e muito especialmente quando temos
que enfrentar um caso omisso e resolver um problema (dito) de integração [função
regulativa no direito positivo constituído e na prática de integração ou
desenvolvimento deste] [...] Ao assumir uma compreensão dos princípios
normativos como autêntico direito vigente (princípios como jus), no seu sentido forte
e pleno — ao reconhecer nestes os fundamentos constitutivos da validade do direito
(em todos os planos de afirmação e experimentação da juridicidade) —, a
reconstituição jurisprudencialista não só nos expõe a uma experimentação
permanente do excesso normativo dos princípios — enquanto intenções
constitutivas de um normans (inesgotáveis nos critérios e nas realizações que
fundamentam) — como também exige que ao problema do tratamento destes
warrants corresponda uma experiência de constituição-manifestação-realização
inconfundível. Acentuação esta última que nos permite reconhecer uma
institucionalização particularmente expressiva da relação entre a pressuposição
integradora de um horizonte de validade e a abertura permanente a uma pluralidade
de contextos de realização — se não já explicitamente do círculo ontologicamente
produtivo em que esta inevitavelmente se inscreve. O que aqui e agora significa
testemunhar uma especialíssima consonância prática entre os princípios que se
invocam como compromissos e projectos de ser ou de ser-com-os-outros (a cuja
orientação-condução nos submetemos) e o “conteúdo normativo-concreto” da
realização destes compromissos (indissociável dos problemas-controvérsias e do
novum irredutível que estes introduzem). Decerto porque os princípios não
antecipam problemas ou tipos de problemas (ainda a imagem do farol ou da
bússola!)... na mesma medida em que, furtando-se a uma qualquer pré-
determinação em abstracto das suas exigências, só fazem sentido (só atingem a
sua integridade normativa) realizando-se (e neste sentido também transformando-
se e transformando-se inevitavelmente em cada nova experimentação
concretizadora). Como se, numa palavra, se tratasse de experimentar um
continuum (sem soluções) de constituição-manifestação-realização —
exemplarmente distinto daqueles que os critérios legislativos, jurisprudenciais ou
dogmáticos nos impõem —... mas então e assim também de permitir um outro
tratamento da singularidade... — um tratamento que não fique prisioneiro de uma
assimilação da pluralidade previamente decidida ou experimentada (e da
violentação-domesticação do novum que todos os critérios, em termos mais ou
menos drásticos, representam) (LINHARES, José Manuel Aroso.
Jurisprudencialismo, cit., nota 193, p. 166 e segs.).

O que se compreende se tivermos presente que a reconstituição em causa nos ajuda a resistir a esta
fragmentação ou à sua superação unilateral. Mostrando que não estamos condenados a que o fenómeno
da multiplicação dos discursos e metadiscursos (que se tornou uma dimensão inescapável da nossa
circunstância) nos atinja enquanto juristas — e enquanto juristas integrados numa determinada
comunidade de juristas (comprometidos com um socioleto possível ou com um desempenho profissional
específico e com as “situações institucionais” que o(s) assumem) — apenas como uma experiência de
indeterminação. Como não estamos condenados à pragmática de indecidibilidade ou mesmo ao
paradigma de decisão que a consagração desta experiência como palavra última inevitavelmente
determinaria (LINHARES, José Manuel Aroso. Jurisprudencialismo, cit., p. 163).

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Cremos que a procura desses outros fundamentos nos remete à consciência jurídica geral, em que
encontra objectivação histórico-comunitária o fundamental — porque fundamentante e
constitutivamente último —princípio normativo do direito. Temos explicitado e tentado justificar este
pensamento noutros estudos e noutras oportunidades — v. A Revolução e o Direito, p. 198; Justiça e
Direito, p. 50 ss.; Fontes do Direito, p. 71 ss. e 80 ss.; Introdução ao Estudo do Direito. Pelo que nos
bastaremos aqui com sublinhar que “consciência jurídica geral” como objectivação histórico-comunitária
do princípio normativo do direito, significa a síntese de todos os valores e princípios normativos que nessa
comunidade dão sentido fundamental ao direito ou que verdadeiramente lhes conferem o sentido de
direito. Digamos, a síntese axiológico-jurídica dessa comunidade (NEVES, António Castanheira.
Metodologia jurídica, cit., p. 280).

γ. O problema da interpretação, a natureza normativa da racionalidade jurídica e a dialética


sistema-problema: da natureza circular e da metódica decisional de um caso jurídico.

Em terceiro lugar, e tendo a ver directamente com a identificação estrita do direito com
um pressuposto “direito positivo”, mas em que se poderá ver de algum modo um
corolário dos dois pontos anteriores, não pode deixar de reconhecer-se que esse direito
positivo só por si não oferece quer os critérios, quer os fundamentos normativo-jurídicos
exigidos pela realização do direito. Já a nível imediatamente hermenêutico se verifica
que a interpretação jurídica não pode prescindir da referência a factores ou a elementos
normativos extratextuais e transpositivos, sejam eles valores, interesses, a “natureza
das coisas”, critérios ético-sociais, etc., de tal modo que se haverá de concluir com Esser
(Vorverständnis, cit., p. 132, nota 57) que “cada interpretação representa uma
associação de lex scripta e ius non scriptum, a qual unicamente cria a própria norma
positiva” – sobre este ponto, v. ainda o nosso artigo “Interpretação jurídica”, in Polis, 2,
p. 695 ss., e infra. E, mais importante ainda, o processo global da concreta realização
do direito revela iniludíveis limites normativo-juridicamente objetivos, intencionais,
temporais e de validade nesse pressuposto direito positivo que impõem à realização do
direito uma indispensável e contínua convocação, já de modo reconstitutivo, já de modo
autonomamente constitutivo, de critérios e fundamentos normativo-jurídicos
transpositivos para o adequado cumprimento da sua tarefa judicativa (NEVES,
Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p. 29 e seg.).

E este último ponto, que é aquele que tem a ver mais diretamente com as questões metodológico-judicativas
que convocam a interpretação jurídica, logo nos faz compreender que o prius metodológico não é a norma-
prescrição fechada na sua significação e subsistente na sua idealidade, mas pelo contrário o caso concreto
decidindo, na sua autónoma e específica problematicidade jurídica – como temos vindo a acentuar e tende
a ser já hoje um lugar comum: v., por todos, FIKENTSCHER, Methodendes Rechts, IV, p. 202: “O ponto
de partida é o caso particular decidindo”; R. GROSCHNER, Dialogik und Jurisprudenz, p. 91: “não o texto
da lei, mas o caso é o A e O dos juristas” – e é em função desse caso e para a sua judicativa decisão que se
interrogam interpretativamente as normas jurídicas aplicáveis, as normas que possam ser critério
normativo-jurídico da solução-decisão do mesmo caso (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica, cit., p.
129).

Por isso seria também tarefa capital da filosofia do direito, não apenas uma sua compreensão, mas “dar
respostas às questões que os homens lhe põem; a questão quanto à diferença do direito e do não-direito
(Unrecht), a questão quanto às condições de uma sociedade bem ordenada, a questão quanto a uma paz
duradoura, a questão quanto aos bens, oportunidades e ónus que a cada um lhe caibam como seus, a
questão quanto à medida justiça que a nós homens é possível realizar” (NEVES, A Castanheira. O actual
problema metodológico da interpretação jurídica I, cit., p. 421).

Se contra o jusnaturalismo [...] Se contra o jusnaturalismo se pode dizer isto,


também contra o positivismo se terá [...] que o direito compete à autonomia
cultural do homem, que, tanto no seu sentido como no conteúdo da sua
normatividade, é uma resposta culturalmente humana (resposta, por isso, só
possível, não necessária e histórico-culturalmente condicionada) ao problema
também humano da convivência no mesmo mundo e num certo espaço histórico-
social, e assim sem a necessidade ontológica, mas antes com a historicidade e
a condicionalidade de toda cultura (NEVES, Castanheira. Metodologia jurídica,
cit., p. 39).

Mais do que isso: a irredutível abertura do sistema impõe ainda que a realização do direito interrogue
continuamente e se faça intérprete, no seu juízo normativo concreto, do consensus jurídico-comunitário
das intenções axiológico-normativas da ‘consciência jurídica geral’, com as suas expectativas jurídico-
sociais de validade e justiça – e daí também quer a indispensável e responsável mediação do ‘intérprete’,
quer o momento filosófico-jurídico de toda a realização do direito (NEVES, Castanheira. Metodologia
jurídica, cit., p. 80).

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