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Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.

FICHAMENTO DOS TEXTOS PARA AS AULAS DE 01 A 04


PALMER, Richard. Hermenêutica. Northwestern University Press, 1969.
1. Introdução
“Segundo Hirsch, a hermenêutica pode e deve servir de disciplina fundamental,
preliminar a toda interpretação literária” (p. 15-16)
• A obra Validity in Interpretation de E. D. Hirsch defende a noção de objetividade
em estudos humanísticos e faz a distinção entre o “meaning” (intenção, acepção,
propósito, significado) de um texto, que se relaciona com compreensão e não
muda, e seu “significance” (alcance, expressão, significação), que se relaciona
com explicação e mudanças ao longo do tempo.
“Daí colocar-se frequentemente a questão: o que é hermenêutica? O Webster
Third New International Dictionary define-a como: o estudo dos princípios
metodológicos de interpretação e de explicação; hermenêutica específica: o
estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica.” (p. 16)
Algumas consequências do senso comum. A objetividade na crítica
literária americana.
“Um intérprete moderno típico defende geralmente a obra literária como um ser
autônomo e vê a sua tarefa como a de alguém que penetra nesse ser autônomo
por meio da análise textual. A separação preliminar de sujeito e objeto, tão
axiomática no realismo, torna-se fundamento filosófico e o contexto da
interpretação literária.” (p. 17)
• O autor diz que essa interpretação segue um contexto realista, em que a
percepção que cada um tem da obra é considerada separadamente da própria
obra, sendo ela, em si mesma, um ser com seus próprios poderes e dinâmica.
• Palmer propõe questionar os pressupostos que essa perspectiva realista se
assenta através da fenomenologia.
“A fenomenologia é uma orientação do pensamento europeu que submeteu as
concepções realistas da percepção e da interpretação a uma crítica radical.”
(p.17)
“Um estudo da fenomenologia torna especialmente visível a semelhança
essencial entre o realismo e a perspectiva científica, mostrando até que ponto a
interpretação literária caiu num modo científico de pensar; a sua objetividade
operatória, a sua conceptualização estática, a sua ausência de sentido histórico,
o seu amor pela análise. (...) O texto é analisado numa total separação
relativamente a qualquer sujeito percepcionante, e a análise é considerada como
sendo virtualmente sinônima da interpretação” (p. 17-18)
“Esquecemos que a obra literária não é um objeto manipulável, completamente
à nossa disposição; é uma voz humana que vem do passado, uma voz a qual
temos de certo modo que dar vida. A objetividade desinteressada não é
adequável à compreensão de uma obra literária.” (p.18)
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“E para isso, não precisamos de qualquer método científico disfarçado, ou de


qualquer anatomia de uma crítica, com tipologias e classificações muito
brilhantes e sutis, mas sim de uma compreensão humanísticas daquilo que
implica a interpretação de uma obra.” (p. 19)
• A interpretação é encarada como uma dissecação conceitual da obra, como
um cientista que disseca um sapo, isolando o objeto para ver como ele funciona
ou como ele é feito, sendo desnecessário qualquer trabalho extra literário para
ajudar a compreender aquela obra. A ciência manipula as coisas e desiste de
viver nelas.
Interpretação literária, hermenêutica e interpretação de obras
“A crítica literária precisa de procurar um método ou teoria especificamente
adequados à decifração da marca humana em uma obra, ao seu significado.
Este processo de decifração, esta compreensão do significado de uma obra, é o
ponto central da hermenêutica. A hermenêutica é o estudo da compreensão, é
essencialmente a tarefa de compreender textos.” (p.19)
“O cientista chama interpretação a análise que faz dos dados; o crítico literário
chama interpretação a análise que faz de uma obra” (p.20)
• A todo momento estamos fazendo alguma interpretação, ela é essencial na
vida dos seres humanos na medida que nos permite compreender uns aos
outros, ela é o ato essencial do pensamento humano. A existência humana
pressupõe a linguagem, por isso precisamos da interpretação dessa linguagem
e sempre levá-la em conta quando falamos de concepção da humana sobre si
mesma.
“A linguagem molda a visão do homem e o seu pensamento – simultaneamente
a concepção que ele tem de si mesmo e do seu mundo (não sendo estes dois
aspectos tão separados como parecem).” (p.21)
“A compreensão literária tem que se enraizar em modos de compreensão mais
latos e primordiais que tem a ver com o nosso próprio ser-no-mundo. Portanto,
compreender uma obra literária não é uma espécie de conhecimento científico
que foge da existência para um mundo de conceitos; é um encontro histórico que
apela para a experiência pessoal de quem está no mundo.” (p.21)
• Nesse sentido, a hermenêutica é o estudo desse tipo de conhecimento, e
pretende unir duas áreas da teoria da compreensão: o que está envolvido na
tentativa de compreender um texto e o que é a própria compreensão em si, no
seu sentido existencial.
“A hermenêutica, enquanto se define como estudo da compreensão das obras
humanas, transcende as formas linguísticas de interpretação. Os seus princípios
aplicam-se não só a obras escritas, mas também a quaisquer obras de arte. Visto
isto, a hermenêutica é fundamental em todas as humanidades – em todas as
disciplinas que se ocupam com a interpretação das obras do homem. É mais do
que meramente interdisciplinar, porque os seus princípios incluem um
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fundamento teórico para as humanidades; os seus princípios deviam colocar-se


como um estudo essencial para todas as disciplinas humanísticas.” (p.22)
2. Hermeneuein e hermeneia: o significado moderno do seu antigo uso
• Hermenêutica é uma palavra de origem grega. Hermeneuein é o verbo
interpretar e hermeneia é o substantivo interpretação. O autor vai buscar na
origem grega da palavra e no seu antigo uso esclarecimento sobre a natureza
da interpretação na teologia e na literatura, a fim de compreender a hermenêutica
moderna. Nota a relação da palavra com o deus Hermes e apontará três
vertentes essenciais de seu significado.
As origens e as três orientações significativas de hermeneuein e hermeneia
• Hermes era tido como o mensageiro, atribuindo a ele a descoberta da
linguagem e escrita, que são ferramentas que usamos para chegar ao significado
das coisas e transmiti-lo aos outros.
“Assim, levada até sua raiz grega mais antiga, a origem das atuais palavras
hermenêutica e hermenêutico sugere o processo de tornar compreensível,
especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem, visto ser a linguagem
o meio por excelência neste processo.” (p.24)
• São três as vertentes básicas que são encontradas dentro do significado de
hermneuein e hermeneia: a) dizer, exprimir, afirmar, que tem a ver com a função
anunciadora de Hermes; b) explicação e c) traduzir, como na tradução de uma
língua estrangeira.
Hermeneuein como dizer
“Mesmo o simples dizer, afirmar ou proclamar é um ato importante de
interpretação.” (p. 25)
“E, no entanto, a literatura faz derivar muito do seu dinamismo, do poder da
palavra falada. Desde temos imemoriais que as grandes obras da linguagem são
feitas para serem ditas em voz alta e para serem ouvidas. Os poderes da
linguagem falada deveriam recordar-nos um importante fenômeno: a fraqueza
da linguagem escrita. A linguagem escrita não tem a expressividade primordial
da palavra falada.”(p.26)
“Um intérprete oral tem apenas um envólucro do original – contornos de sons
sem indicação do tom, ênfase ou atitude, e no entanto tem que reproduzir sons
vivos” (p. 27)
“Assim, a interpretação oral tem duas vertentes: é necessário compreender algo
para o podermos exprimir e, no entanto, a própria compreensão vem a partir de
uma leitura expressão interpretativa.” (p. 27)
“A tarefa da interpretação oral não é de modo algum uma mera técnica que
exprima um sentido totalmente copiado; é uma tarefa filosófica e analítica e
nunca pode divorciar-se do problema da própria compreensão. Mais
especificamente, o problema da compreensão, especialmente o da compressão
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da linguagem é intrínseco a toda a interpretação literária. É este problema que


constitui o tema da hermenêutica.” (p.28)
“Uma crítica literária que aspira a ser um Enabling Act coloca-se em parte como
um esforço para compensar a fraqueza e a total debilidade da palavra escrita;
tenta devolver à obra as dimensões do discurso oral” (p. 28)
• Enabling Act é o decreto que conferiu à Igreja Estabelecida uma certa
autonomia.
“A interpretação oral ajuda a crítica literária a lembrar-se da sua intenção
secreta, quando considera (de modo mais consciente) a definição da existência
de uma obra, não como uma coisa estática e conceitual, não como uma essência
atemporal que se coisificou enquanto conceito expresso por palavras, mas antes
como uma existência que realiza seu poder de existir enquanto acontecimento
oral no tempo.” (p.29)
• O autor vai dar exemplos do poder da palavra oral sobre a palavra escrita no
Cristianismo. As epístolas de São Paulo foram escritas para serem lidas em voz
alta, o mesmo acontece, ou deveria acontecer, com a Bíblia. A salvação vem
através da palavra oral, ouvir a palavra de Deus.
“Por conseguinte, a teologia e a interpretação literária devem reconverter a
escritura em discurso. Os princípios de compreensão que permitem esta
conversão constituem uma preocupação dominante da moderna teoria
hermenêutica.” (p. 30)
Hermeneuein como explicar
“No final de contas, as palavras não se limitam a dizer algo (embora também o
façam e isso seja um movimento fundamental da interpretação); elas explicam,
racionalizam e clarificam algo.” (p. 30)
• O autor busca de novo o sentido dessa dimensão interpretativa na Grécia. Diz
que os oráculos apenas enunciavam os eventos, a explicação se dava em
momento posterior.
“Aristóteles define hermaneia referindo-se à operação da mente que formula
juízos e tem a ver com a verdade ou falsidade das coisas. Neste sentido, a
interpretação é a operação fundamental do intelecto quando formula um juízo
verdadeiro sobre uma coisa. Um pedido, uma ordem uma pergunta ou uma
imprecação não são juízos, segundo Aristóteles, mas derivam de juízos.” (p.31)
“A enunciação não é portanto lógica, retórica ou poética, mas mais fundamental;
é a enunciação da verdade (ou falsidade) de uma coisa enquanto juízo.” (p.32)
• Aristóteles vai definir interpretação como enunciação.
“A enunciação (interpretação) não pode, segundo Aristóteles confundir-se com
a lógica, porque a lógica provém da comparação de juízos formulados. A
enunciação é a formulação dos próprios juízos, não é um processo de raciocínio
que parte do conhecido para o desconhecido.” (p.32)
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“Em primeiro lugar, é significativo o fato de a enunciação não ser a compreensão


simples dos objetos, mas de lidar com os processos implicados na construção
do juízo verdadeiro.” (p.32)
“A enunciação para Aristóteles, não é uma mensagem da divindade mas uma
operação do intelecto racional. E como tal, começa imperceptivelmente a
transformar-se em explicação.” (p. 32)
• O autor vai comparar o pensamento de Aristóteles no que se refere ao momento
da interpretação, sendo este mais precoce do que os processos de análises
lógicas, ao cientista que analise e, portanto, interpreta os dados de uma
pesquisa. A interpretação não está apenas na análise que o cientista faz dos
dados; a própria visão que o cientista tem dos dados também é interpretação,
inclusive desde o momento que se tomou conhecimento dos dados, ocorreu
interpretação.
• A visão que um crítico literário tem da obra, que o juiz tem das partes do
processo também estão inseridas no processo de interpretação. O juiz, ao ler os
nomes das partes, por exemplo, já está fazendo análise dos dados do processo,
e, portanto, já está julgando. Walber diz que não há como um juiz julgar um
processo sem fazer esse pré julgamento, é parte fundamental para a construção
do julgamento, da sentença de mérito.
“a explicação tem que ser vista no contexto de uma explicação ou interpretação
mais funda, a interpretação que já ocorre no modo como nos voltamos para o
objeto. A explicação apoiar-se-á certamente nas ferramentas da análise objetiva,
mas a seleção de ferramentas relevantes é já uma interpretação da tarefa
compreensiva.” (p.33)
“Assim, a análise não é realmente uma interpretação básica mas sim uma forma
derivada; montou primeiro o palco com uma interpretação essencial e primária,
antes mesmo de começar a trabalhar com os dados.” (p.33)
• Para explica a relação sujeito x objeto e construção de sentido, o texto cita uma
passagem bíblica do Novo Testamento em que Lucas, 24, 25-27 fala sobre Jesus
ressuscitado. Ao explicar as escrituras e textos antigos, Jesus não apenas
repetiu ou reafirmou esses textos, mas explicou-os e explicou-se a si mesmo em
função deles. Apenas na presença de Cristo é que poderia se explicar, interpretar
os textos antigos; Jesus é, portanto, um fator externo que designa sentido aos
textos antigos.
• Ao associar sua morte com a esperança num Messias, Jesus relaciona as suas
esperanças pessoais e as intenções de seus ouvintes.
“O que é que isto sugere, do ponto de vista hermenêutico? Sugere que o
significado tem a ver com o contexto; o processo explicativo fornece o palco da
compreensão.” (p.34)
“ O significado está numa relação com os próprios projetos e intenções dos
ouvintes, não é algo que Jesus possua em si próprio, fora da história e fora da
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relação que tem com os ouvintes. Podemos dizer que um objeto não tem sentido
fora de uma relação com alguém e que a relação determina significado.” (p.34)
“Para que o intérprete faça uma performance do texto tem que o compreender;
tem que previamente compreender o assunto e a situação antes de entrar no
horizonte do seu significado. Só quando consegue meter-se no círculo mágico
do seu horizonte é que o intérprete consegue compreender o seu significado.
Esse é o tal misterioso círculo hermenêutico sem o qual o sentido do texto não
pode emergir.” (p. 35)
• A interpretação como dizer: ler, o ato de ler em silêncio ou em voz alta. A
interpretação como explicação: o leitor tem que compreender o texto,
compreensão essa fundada na pré-compreensão, em conhecimento prévio.
“Ele (o intérprete) tem que, na própria compreensão do texto, agarrar esse texto
e ser agarrado por ele. A sua posição neste encontro a pré-compreensão do
material e da situação a que tem que chegar, numa palavra. Todo o problema da
fusão do seu horizonte compreensivo com o horizonte compreensivo que vem
ao encontro dele no texto, nisto consiste a complexa dinâmica de interpretação.
É o problema hermenêutico.” (p. 36)
Hermeneuein como traduzir
“Nessa orientação, interpretar significa traduzir. Quando um texto é na própria
língua de um autor, o choque entre o mundo do texto e o do seu autor pode
passar despercebido. Quando o texto é numa língua estrangeira, o contraste de
perspectivas e horizontes não pode ser ignorado.” (p.36)
• O autor vai traçar um paralelo entre os problemas de quem traduz um texto de
uma língua estrangeira e do crítico literário que trabalha com a própria língua.
Palmer diz que os problemas enfrentados por ambos são similares.
“O tradutor é um mediado entre dois mundos diferentes. A tradução torna-nos
conscientes do fato de que a própria língua contém uma interpretação. A
tradução torna-nos conscientes de que a própria língua contém uma visão
englobante do mundo, à qual o tradutor tem que ser sensível, mesmo quando
traduz expressões individuais.” (p.37)
• Palmer traz o problema teológico da tradução bíblica. A Bíblia foi traduzida de
uma língua distante, não só no tempo, mas no tempo histórico, bem como no
espaço geográfico. Traduzir esse livro seria, portanto, traduzir toda uma cultura
distante e um contexto histórico com uma diferença de 2 mil anos para o nosso.
O questionamento seria se devemos manter a tradução literal ou apresentar um
equivalente moderno? Exemplo, o cumprimento com beijos entre homens era
algo comum na época, porém, hoje, já não é, então devemos traduzir a frase de
São Paulo “cumprimentai-vos uns aos outros com um santo beijo” como
“cumprimentai-vos uns aos outros com um santo aperto de mão”?
• O autor, em verdade, quer chegar aos seguintes questionamentos: Como
devemos compreender o Novo testamento? O que estamos tentando
compreender? Até onde devemos saber do contexto histórico-cultural do Novo
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Testamento para compreendê-lo? Será possível encontrar equivalentes


modernos para a compreensão? Será que um dia avançaremos tanto como
sociedade, numa perspectiva econômica e tecnológica que o Novo Testamento
se tornará inteligível?
“Isso não é sugerir que Homero esteja fora de moda, mas sim que o esforço para
compreendermos se torna cada vez mais difícil a medida que mecanizamos o
nosso modo de vida” (p.38)
“Uma abordagem literária que encare a obra como um objeto afastado dos
sujeitos que a percepcionam, automaticamente foge ao problema daquilo que na
verdade constitui o significado humano de uma obra (...). As interpretações
teológica e literária terão que ser humanamente significativas para os dias de
hoje, caso contrário perderão todo o valor” (p.39)
“Os professores de literatura tem que se tornar peritos em tradução, mais do que
em análise; a sua tarefa é transformar o que é estranho, pouco comum ou
obscuro, em algo que tenha significado e que fale a nossa língua.” (p.39)
“Assim, o sentido de realidade e modo de estar no mundo patente na obra deve
ser um ponto central para uma interpretação literária capaz, a base para uma
leitura da obra que pode agarrar-nos (e ser agarrada) pela significação humana
da sua ação.” (p.40)
“A tradução conscientiza-nos, pois do choque entre o nosso universo de
compreensão e aquele em que a obra atua” (p.40)
• Assim, o trabalho interpretativo de uma obra deve ser, não só uma mera
tradução linguística, é uma tradução histórica
“A hermenêutica moderna encontra na tradução e na teoria da tradução um
reservatório imenso para explorar o problema hermenêutico.” (p.41)
“Há sempre dois mundos, o mundo do texto e o mundo do leitor, e por
consequência há sempre a necessidade de que Hermes traduza de um para o
outro.” (p.41)
3. SEIS DEFINIÇÕES MODERNAS DE HERMENÊUTICA
• A hermenêutica tem sido interpretada em seis campos diferentes: uma teoria
da exegese bíblica, uma metodologia da filosofia geral, uma ciência de
compreensão linguística, uma base metodológica das humanidades
(geisteswissenschaften), um fenômeno da existência e sua compreensão e
como sistemas de interpretação de mitos e símbolos. Cada um desses campos
representa uma maneira que a hermenêutica é encarada.
• O texto prosseguirá fazendo um esboço desses seis momentos de
compreensão da hermenêutica que servirá de breve introdução histórica (uma
vez que esses campos aconteceram em momentos históricos diferentes) à
definição da hermenêutica.
HERMENÊUTICA COMO TEORIA DA EXEGESE BÍBLICA
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“Há uma justificativa histórica para esta definição (de hermenêutica como
princípios de interpretação bíblica, que é a sua definição mais antiga), visto que
a palavra encontrou seu uso atual precisamente quando surgiu a necessidade
de regras para uma exegese adequada das Escrituras.” (p.44)
“Assim, houve um ímpeto forte no desenvolvimento de padrões viáveis e
independentes para interpretar a Bíblia; entre 1720 e 1820 não passava um ano
que não aparecesse algum novo manual para ajudar os pastores protestantes.”
(p.44)
“Portanto, no seu uso em inglês, a palavra pode referir-se a uma interpretação
não bíblica, mas nesses casos o texto é de um modo geral obscuro ou simbólico,
requerendo um tipo especial de interpretação para que se alcance o seu
significado escondido. A definição mais geral de hermenêutica manteve-se como
sendo uma teoria da exegese das escrituras.” (p.45)
• O autor não pode se aprofundar na história precisa de como a hermenêutica
saiu da definição de exegese das escrituras até a Nova Hermenêutica na teologia
contemporânea. Ele se limitará a apontar dois pontos, um sobre a natureza da
hermenêutica e outro sobre a questão do âmbito da hermenêutica
“O texto não é interpretado em si mesmo; de fato, pode ser que isto seja um ideal
impossível (...). Nesse sentido, a hermenêutica é o sistema que o intérprete tem
para encontrar o significado oculto do texto.” (p.46)
• Traçar a história da hermenêutica seria uma boa resposta para o problema
hermenêutico atual?
“Tão necessário como cada uma das perspectiva referidas (...) é uma
compreensão mais funda do fenômeno da própria interpretação, uma
compreensão que seja filosoficamente adequada, quer epistemologicamente
quer ontologicamente.” (p.47-48)
A HERMENÊUTICA COMO METODOLOGIA FILOLÓGICA
• Filologia: estudo rigoroso dos documentos escritos antigos e de sua
transmissão, para estabelecer, interpretar e editar esses textos. Estudo científico
do desenvolvimento de uma língua ou de famílias de línguas, baseado em
documentos escritos nessas línguas.
“Surgiu então o método histórico-críticos na teologia; tanto a escola de
interpretação bíblica gramatical como a histórica, afirmavam que os métodos
interpretativos aplicados à bíblia, eram precisamente os que se aplicavam às
outras obras.” (p. 48)
“A tarefa da exegese era pois entrar profundamente no texto, usando as
ferramentas da razão natural e encontrando aquelas grandes verdades morais
que o escritores do Novo Testamento pretendiam, verdades escondidas sob
diferentes termos históricos.” (p.49)
“(...) de um modo geral, as consequências na hermenêutica e na investigação
bíblica foram salutares. A interpretação bíblica fez desenvolver técnicas de
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análise gramatical de grande requinte e os intérpretes comprometeram-se mais


do que nunca num conhecimento total do contexto histórico das narrações
bíblicas." (p.49)
“Com todos estes progressos, os métodos da hermenêutica bíblica tornaram-se
essencialmente sinônimos de uma teoria secular da interpretação – isto é, da
filologia clássica. (...) O termo hermenêutica, inalterável, tornou-se virtualmente
idêntico a uma metodologia filológica.” (p.49)
A HERMENÊUTICA COMO CIÊNCIA DA COMPREENSÃO LINGUÍSTICA
“(...) tal concepção de hermenêutica implica uma crítica radical do ponto de vista
da filologia, pois procura ultrapassar o conceito de hermenêutica como conjunto
de regras, fazendo uma hermenêutica sistematicamente coerente, uma ciência
que descreve as condições da compreensão em qualquer diálogo.” (p.50)
• Aqui a hermenêutica é pensada como base para interpretação de qualquer
texto, ela é pensada em si mesma, como estudo da sua própria compreensão.
A HERMENÊUTICA COMO BASE METODOLÓGICA PARA AS
GEISTESWISSENCHAFTEN
• Geisteswissenchaften: todas as disciplinas centradas na compreensão da arte,
comportamento e escrita do homem.
“Dilthey defendia que a interpretação das expressões essenciais da vida
humana, seja ela do domínio das leis, da literatura ou das Sagradas Escrituras,
implica um ato de compreensão histórica, uma operação fundamentalmente
diferente da quantificação, do domínio científico do mundo natural; porque neste
ato de compreensão histórica está em causa um conhecimento pessoal do que
significa sermos humanos.” (p.50)
• Wilhelm Dilthey foi um biógrafo de Schleiermacher e um dos grandes filósofos
do século passado.
• Schleiermacher foi um pregador em Berlim e professor de teologia e filosofia.
A HERMENÊUTICA COMO FENOMENOLOGIA DO DASEIN E DA
COMPREENSÃO EXISTENCIAL
“Nesse contexto, a hermenêutica não se refere à ciência ou às regras de
interpretação textual nem a uma metodologia para as geisteswissenchaften mas
antes à explicação fenomenológica da própria existência humana. A análise de
Heidegger indicou que a compreensão e a interpretação são modos fundantes
da existência humana.” (p.51)
“A hermenêutica avança ainda mais um passo entrando na sua fase linguística,
com a controversa afirmação de Gademer de que um ser que pode ser
compreendido é linguagem. A hermenêutica é um encontro com o Ser através
da linguagem.” (p.52)
A HERMENÊUTICA COMO UM SISTEMA DE INTERPRETAÇÃO:
RECUPERAÇÃO DE SENTIDO VERSUS ICONOCLASMO
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“Por hermenêutica entendemos a teoria das regras que governam uma exegese,
quer dizer, a interpretação de um determinado texto ou conjunto de sinais
susceptíveis de serem considerados como textos. (...). A hermenêutica é o
processo de decifração que vai de um conteúdo e de um significado manifestos
para um significado latente ou escondido.” (p.52)
“Porque a hermenêutica tem a ver com textos simbólicos com múltiplos
significados; estes podem constituir uma unidade semântica que tem como os
mitos um significado mais fundo. A hermenêutica é o sistema pelo qual o
significado mais fundo é revelado, para além do conteúdo manifesto.”
• Freud diz que não podemos confiar nos símbolos da superfície da consciência,
permitindo que seja possível a destruição de símbolos e ilusões. A hermenêutica
freudiana é portanto iconoclástica.
“ Isto leva a Ricoeur a sustentar que nos nossos dias há duas síndromes muito
diferentes da hermenêutica; um, representado pela desmitologização de
Bultmann, lida amorosamente com o símbolo esforçando-se por recuperar o
significado que nele se oculta; o outro procura destruir o símbolo enquanto
representação de uma realidade falsa.
• Três autores que destruíram símbolos: Marx, Nietzsche e Freud, cada um em
um campo diferente do conhecimento.
“A desmitologização trata o símbolo ou o texto como uma abertura para uma
realidade sagrada; os desmitificadores tratam os mesmos símbolos (ou seja, os
textos bíblicos) como uma falsa realidade a ser destruída.” (p.53)
GRODIN, Jean. Introdução à hermenêutica filosófica. São Leopoldo: Usinos,
1999. (p. 117 – 205)
HERMENÊUTICA ROMÂNTICA E SCHLEIERMACHER
• Friedrich Schleiermacher foi um filósofo e teólogo alemão influenciado por Kant.
A hermenêutica de Schleiermacher é tida como fundamento geral das ciências
humanas ou ciências do espírito, contra a pretensão hegemônica da metodologia
positivista das ciências naturais experimentais. O autor expõe que o processo de
compreensão hermenêutica se dá pela inserção daquele que compreende no
horizonte da historia e da linguagem, as quais são aquilo mesmo que deve ser
compreendido, assim resta estabelecida a inseparabilidade de sujeito e objeto,
o condicionamento de toda expressão do homem a um determinado horizonte
linguístico, a circularidade entre o todo e o particular, ou a mútua dependência
constitutiva entre a parte e a totalidade , que impossibilita a compreensão por
mera indução, e finalmente a referencia a uma pré-compreensão, que
estabelece a prioridade da pergunta sobre a resposta e problematiza a noção do
dado empírico puro.
A passagem pós-kantiana do Esclarecimento para o Romantismo: Ast e
Schelegel
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“A passagem do Esclarecimento para o Romantismo caracteriza-se, inicialmente


por uma grande descontinuidade” (p.117-118)
“O desenvolvimento de uma hermenêutica universal, com um ponto de partida
mais radical, como arte da compreensão, é proposta por ele (Schleiermecher) –
e a historiografia o seguiu nesse ponto – como algo novo e como um
desideratum, destinado a satisfazer por primeiro seu esforço mental.” (p. 118)
“A crítica Kantiana atuou de múltiplas maneiras, mas uma coisa ela significou
com eficácia histórica, a saber, a derrocada do racionalismo (...).” (p.118)
• Racionalismo (Descartes): entende que o conhecimento se dá pela razão e não
podemos confiar nos sentidos, que as ideias são inatas (já nasce com a agente)
e apenas são desenvolvidas. Empirismo (Lock): nossa mente tem a capacidade
de conhecer, mas sem os sentidos não existe conhecimento.
• A divergência filosófica entre racionalismo e empirismo perdurou desde séculos
antes de Cristo e culminou com Descartes e Lock. A teoria Katiana veio para
resolver essa divergência. Como? Com o criticismo, que é a crítica da razão,
como podemos conhecer as coisas. Kant diz que se viu inspirado com o
empirismo de David Hume que vai questionar o conhecimento dizendo que toda
relação de causa e efeito é uma questão de hábito – só posso dizer que uma
bola de bilhar ao bater numa segunda bola de bilhar vai deslocá-la a partir de
uma relação de causa e efeito, mas quem garante que essa relação vai
acontecer? – então Hume vai dizer que todo conhecimento depende da
experiência.
• Ao se despertar para a teoria de Hume, Kant vai fazer uma crítica da razão e
vai chamar atenção para a síntese que nosso intelecto faz dos conhecimentos a
priori (anterior à experiência) e a posteriori (posterior à experiência).
Conhecimento a priori seria as noções puras de entendimento – quantidade,
qualidade, espaço e tempo – para Kant todos nós nascemos com essa intuição
natural e vamos sintetizar isso com as noções de entendimento, que são as
categorias do entendimento de relação, modalidade, possibilidade, aquilo que
vamos adquirindo e construindo com aquilo que a gente aprende. Com esses
dois conhecimentos, Kant vai solucionar a divergência entre Descartes e Lock:
nós nascemos com essa forma de entendimento, com essa intuição (a priori) e
nossa experiência traz o sentido para aquilo.
• Todo ser tem o óculos da razão: o mecanismo de razão que cada pessoa tem.
É ele que faz com que eu veja algo diferente de você, diferencia como cada um
vê as coisas. A partir daí, Kant vai chamar atenção ao fenômeno que é a maneira
como o objeto do conhecimento se apresenta para mim. Exemplo: a maneira que
cada um entende a mesma música; a música é o objeto do conhecimento e quem
a ouve o sujeito do conhecimento. Kant diz que é possível saber o que é o
fenômeno, mas não é possível saber o que é o objeto em si. Kant muda o foco
do conhecimento na medida que diz que é não é possível saber o que as coisas
são, mas como as coisas se apresentam para cada um.
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“Pois era pressuposição básica do racionalismo, que o espírito humano, embora


mortal, tinha, não obstante, condições de reconhecer, com ajuda de seu
pensamento, a construção lógica e coerente do mundo.” (p. 118)
“Kant tira a conclusão de que a ordem, por ela constituída ou descoberta, tem
validade apenas para o mundo dos fenômenos, ou das coisas, no modo como
elas se manifestam e são elaboradas por nós. (...). Nesta distinção, de fenômeno
(a maneira que o objeto se apresenta para o sujeito) e coisa em si, encontra-se
uma das secretas raízes do Romantismo e da sua prosperidade que desde então
beneficiou a hermenêutica.” (p. 119)
“Se o acesso ao mundo, e em nosso caso ao texto, ocorre sempre através de
uma interpretação ou de um parecer subjetivo, então a reflexão filosófica que
pretende ser originária, deve iniciar por este sujeito.” (p. 119)
• A questão que deve ser levantada nessa esfera é como pode e se pode ser
obtida a objetividade em assuntos científicos e hermenêuticos.
“A extirpação da autarquia da razão humana produzida pela dialética de Kant,
fez que parecesse recomendado um redespertar do espírito helenístico,
aparentemente benéfico e embelezador da vida. Nessa situação, (...) a
hermenêutica ‘idealística’ se propôs, como tarefa, ajudar este espírito grego a
obter nova vida.” (p. 119)
• Esse redespertar do espírito helenístico é um denominador comum dos
esforços pré-romanticos que se encontram nos autores Friedrich Ast e Friedrich
Schlegel, cuja obra não ficou sem influência sobre Friedrich Schleiermacher.
• Em 1808, Ast publicou uma obra intitulada “Linhas básicas da Gramática,
Hermenêutica e Crítica” que se tratava de reconquistar a unidade do espírito,
sem ele é impossível qualquer tipo de compreensão. Esse espírito é formado
pelo conhecimento do espírito da Antiguidade.
“O ponto de partida da concepção hermenêutica deste espírito é formado, no
entanto, pelo conhecimento do espírito da Antiguidade. (...) por isso, a
compreensão da Antiguidade como tal, em todos os seus elementos externos e
internos, e baseia sobre isso a explicação das obras escritas da Antiguidade.”
(p.120)
“Neste contexto se acrescenta nova relevância à doutrina hermenêutica do
‘scopus’, segundo a qual cada passagem deverá ser explicada segundo sua
intenção e contexto: cada manifestação particular deverá, agora, ser concebida
a partir da totalidade do espírito.” (p. 120)
• Essa ideia deu origem a primeira e universal característica do que mais tarde
seria chamado de Círculo hermenêutico. “A lei básica de toda a compreensão e
conhecimento é a de encontrar, no particular, o espírito do todo e entender o
particular através do todo”
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

“Para Ast, esta lei ainda possui um caráter meramente descritivo: o particular
deve ser entendido a partir do outro e vice-versa. Nada é anterior ao outro,
ambos se condicionam reciprocamente e são ‘uma vida harmônica’.” (p.121)
• A hermenêutica posterior irá questionar de que modo o todo pode ser obtido a
partir do particular e se o pressentimento de um todo não irá antes prejudicar a
concepção do particular.
“Da problematização desta harmonia, a doutrina do Círculo hermenêutico, aqui
perceptível, tornar-se-á um decisivo pomo de discórdia da hermenêutica
posterior.” (p.121)
• Schelegel pensava na elaboração de uma filosofia da filologia e,
respectivamente, de uma filologia da filologia. Ele orienta-se pela divisão da
filologia em Gramática, Crítica e Hermenêutica. Ele é um precursor e um
representante da hermenêutica romântica, porque não deixou suas concepções
hermenêuticas chegarem a nenhuma estruturação sistemática.
“Da autodestruição da razão feita por Kant, seguiria agora, que apenas uma auto
reflexão da filologia poderia abrir caminho para uma renovação da filosofia.”
(p.121)
“o que não se discute, é de que a auto reflexão metodológica da filologia deve
ter ante os olhos o modelo da Antiguidade. (...). Se a hermenêutica deve um dia
chegar a perfeição, requer-se um conhecimento histórico da Antiguidade.”
(p.122)
“O que devia ser alcançado era, por assim dizer, uma autocompreensão da
compreensão, que deduziria teorias do modelo dos clássicos, porque ‘a
Antiguidade é a arena da arte filológica’.” (p. 122)
“Tornado acósmico e progressivamente inseguro, o sujeito hermenêutico torna-
se romântico: ele se volta para a Antiguidade, para explorar às apalpadelas as
regras artificiais de seu agir. Constitutiva para essa visão romântica torna-se,
pois, a insegurança elementar do sujeito, e, consequentemente, a sua
dependência do trabalho preliminar da Tradição.” (p. 122)
• Acósmico: relativo a acosmismo; doutrina que nega o mundo real e sensível e
considera que Deus é a realidade última.
“Por sua fundamentação do Romantismo, Schleiermacher (1768-1834) foi
decisivamente influenciado, quando ele se dispôs a incluir a fundamental
insegurança do sujeito na teoria universal da compreensão.” (p. 123)
Schleiermacher: a universalidade do mal-entendido
“Porque, fundamentalmente, ele (Scheleiermacher) segue a hermenêutica mais
antiga, ao esclarecer no início de sua hermenêutica, que ‘cada ato de
compreensão é a conversão de um ato de falar, enquanto deve chegar à
consciência, que espécie de pensamento esteve na base do discurso.” (p.125)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Deste modo, o objeto da compreensão não é outro senão a linguagem. Tudo


que deve ser pressuposto na hermenêutica é a linguagem. O Grodin vai falar
que a linguagem pode ser considerada de duas maneiras, e as explica.
“De um lado, a linguagem, a ser eventualmente interpretada, é um recorte da
totalidade do uso linguístico de uma comunidade dada. Pois, cada expressão
linguística segue uma sintaxe pré estabelecida, ou o costume, e é, por isso,
supra individual.” (p.125)
• A parte da hermenêutica que se preocupa com o aspecto linguístico será
chamado por Scheleiermacher de o lado gramatical. Essa expressão é o
testemunho de uma alma individual da linguagem, já que as pessoas não
pensam na mesma coisa sempre sob as mesmas palavras. Porém, a
hermenêutica não é só gramática, ela deve considerar o outro lado da
interpretação, que é o lado individual.
“Esta segunda tarefa, a qual por primeiro conduz a hermenêutica a uma unidade,
é a da interpretação ‘técnica’. Técnica significa aqui, supostamente, que o
intérprete procura entender a arte específica que um autor externou num de seus
textos.” (p. 126)
• A técnica não diz respeito tão somente à sintática da linguagem, mas a
compreensão de um espírito, o qual deduz linguagem a partir da alma que a traz
à tona. Mais tarde, Schleiermacher chamará este lado da interpretação de
“psicológico”
“A hermenêutica geral de Schleiermacher se bifurca em duas funções e,
consequentemente, em duas partes: a gramatical e a técnica, respectivamente
psicológica. A gramatical considera a linguagem a partir da totalidade de seu uso
linguístico, a técnico-psicológica a concebe como expressão de um interior.” (p.
126)
“Esclarecedora é, neste contexto, a distinção de Schleiermacher entre uma
práxis ‘mais laxa’ e outra ‘mais austera’ da interpretação (...). A práxis mais laxa
parte do fato, ‘de que a compreensão se dá por si mesma e expressa
negativamente o objetivo: deve-se evitar o mal-entendido.’” (p.126)
“O próprio Schleiermacher visa, no entanto, uma praxe mais austera, que deveria
partir do fato ‘de que o mal-entendido se dá por si mesmo e que a compreensão
deve ser pretendida e buscada em cada ponto.’” (p. 127)
• Essa visão austera contrastou com a visão da hermenêutica traducional que
era de que se entende tudo de modo correto e liso, até que se tope com uma
contradição, a não compreensão era uma exceção, e ai que se precisaria do
auxílio hermenêutico. Esta práxis mais austera é a que Schleiermacher pretende
introduzir com sua hermenêutica e assim ele universaliza a dimensão do mal-
entendido.
“O negócio da hermenêutica não deve iniciar apenas ali, onde a compreensão
se torna insegura, porém desde o primeiro começo do empreendimento de
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

querer entender um discurso. Porque a compreensão normalmente só se torna


insegura, por já ter sido anteriormente discutida.” (p. 127)
“Este elemento da compreensão é, de fato, capaz de universalização: quando é
que se pode realmente afirmar, que se entendeu alguma coisa até o fim? Em
toda a compreensão, mesmo onde ela parece estar dando certo, não se pode
ser excluído um resto de mal-entendido.” (p. 128)
“Na compreensão não se trata do sentido que eu insiro num objeto, porém do
sentido a ser reconstruído, do modo como ele se mostra a partir do ponto de
vista do autor. (...) ‘entender o discurso primeiro tão bem, e depois melhor do
que seu autor’”. (p. 128)
“Já que nunca se pode estar totalmente seguro da própria compreensão, é
preciso procurar penetrar sempre de novo e sempre de maneira nova, no objeto.”
(p. 128-129)
• A ideia que a melhor compreensão, como finalidade inatingível da
compreensão indica a existência do estímulo o qual consiste na ideia que jamais
se entendeu perfeitamente, de modo que é sempre bom voltar ao texto de
maneira sempre mais profunda.
• A questão formada a partir disso é que a abordagem de que o entendimento
nunca é pleno e é preciso sempre voltar de maneira mais profunda ao texto
(austeridade) pode ser digna da matéria tratada no texto.
“O próprio Schleiermacher propôs alguns cânones e regras, sobretudo para a
parte gramatical da hermenêutica. Mas, ele sempre esteve cônscio (consciente,
noção clara) de que não existem regras para a aplicação das próprias regras
hermenêuticas.” (p. 129)
“Na parte ‘técnico-psicológica’, que se ocupa do discurso como manifestação de
um indivíduo, ele até falou da imprescindibilidade, no processo interpretativo, da
‘adivinhação’. Esta não expressa um dom divino, mas apenas um ato de advinhar
(divinare).”
• Se os recursos da hermenêutica gramatical não são suficientes para o processo
interpretativo, é preciso enfrentar o esclarecimento pela maneira particular de
expressar-se do autor do texto, adivinhar o que ele queria dizer.
Delimitação psicologicista da hermenêutica?
“ (...) a pesquisa sobre Schleiermacher não está totalmente sem razão, ao
perceber em seus trabalhos posteriores uma predominância da interpretação
psicológica, que, entre outras coisas, se manifestava na circunstância de ser a
interpretação técnica renomeada para uma psicológica” (p. 130)
• Ficou claro para Schleiermacher que o resultado de uma interpretação
meramente gramatical não devia ser muito aprofundado.
“Para este romântico, o objetivo último da interpretação era o de penetrar, por
detrás do discurso, até o pensamento interior.” (p. 130)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

“(...) que o discurso ‘exterior’ deve ser conduzido à compreensão, por sua relação
retroativa ao pensamento íntimo do autor.” (p.131)
“Ao invés de mediar um sentido, ou uma verdade, unicamente interessaria a
Schleiermacher entender um autor, ou um ato criador. Para Schleiermacher, (...),
o intérprete deveria considerar ‘os textos, independentemente da pretensão de
verdade, como meros fenômenos de expressão’”. (p. 131)
• Dilthey (filósofo alemão que propôs uma metodologia própria para o estudo das
ciências humanas), viu na obra de Schleiermacher um viés psicologicista, que
significa a tendência para tentar fazer com que prevaleça o ponto de vista da
psicologia sobre outra ciência qualquer numa questão comum.
“Ele (Dilthey) considerava ser ‘pensamento norteador’ de Schleiermacher, que a
interpretação seria uma reconstrução da obra, como um ato vivo do autor, do
que resultaria ser tarefa da hermenêutica fundamentar cientificamente essa
reconstrução, a partir da natureza do ato producente.” (p.131)
“Só nos tornaremos a partícipes da verdade, se estivermos hermeneuticamente
intencionados, isto é, se estivermos dispostos a romper o frágil dogmatismo da
esfera meramente gramatical, para penetrar na alma da palavra.” (p.132)
O campo dialético da hermenêutica
• Grodin fala que só se atribui a Schleiermacher uma psicologização se não for
considerado o horizonte dialético dele, ou mais precisamente, dialógico (em
forma de diálogo). Com o termo dialética, entende Schleiermacher uma teoria do
fazer-se entender.
“Sua necessidade emerge da inexequibilidade de um ‘saber perfeito’, ou de um
ponto arquimédico para nós humanos. Em vista da nossa finitude, devemos
antes admitir, acredita Schleiermacher, que, em toda a parte, na esfera do
pensar estaria disponível – (...) – assunto infindável para contenda (discussão
consequente de uma discórdia). Por isso estamos condicionados a promover
conversação uns com os outros – (...) – para chegarmos a verdades comuns e
originariamente livres de contenda.” (p. 132)
“(...) o indivíduo que se encontra na ilusão só pode conquistar seu saber pela via
da troca de pensamentos com outras pessoas. A hermenêutica, como a ‘arte de
entender corretamente o discurso alheio, sobretudo o escrito’, participa dessa
busca dialógica do saber.” (p. 133)
“A hermenêutica repousa sobre um solo dialógico: interpretar um texto significa
entregar-sea um colóquio com ele, dirigir-lhe perguntas e deixar-se questionar
por ele. Sempre de novo deve a interpretação, se não quiser tornar-se
redundante, ultrapassar o meramente escrito, e, assim, ‘ler entre as linhas’, como
Schleiermacher dizia acertadamente.” (p. 133)
• A moldura dialógica casa perfeitamente com o entendimento de
Schleiermacher do círculo hermenêutico. Ast entendia que a manifestação
exterior do espírito dever ser entendida com base em seu contexto global, a partir
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

do todo. Para Schleiermacher esse todo é de difícil compreensão, é demasiado


monstruoso. Parte em dois, então o seu conceito hermenêutico.
“Segundo o lado gramatical, aqui chamado de objetivo, o todo, a partir do qual
pode ser iluminado o particular, é o gênero literário do qual ele brota. Segundo o
lado psicológico ou subjetivo, no entanto, o particular (a passagem, a obra) deve
ser visto como ‘ação de seu autor’, a ser interpretada a partir do ‘todo de sua
vida’” (p. 134)
“A delimitação, por Schleiermacher, da circularidade hermenêutica à totalidade
de uma vida individual, caracteriza o seu esforço de entender o linguístico como
emanação de um pensamento interior, insto é, como tentativa de comunicação
de uma alma.” (p. 134)
INGRESSO NOS PROBLEMAS DO HISTORICISMO
• Historicismo: conjunto de doutrinas filosóficas que buscam fazer da história o
grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos os elementos
(artes, filosofia, religião etc.) da cultura humana. Fundamenta-se na noção de
que as configurações do mundo humano, num dado momento presente, sempre
são o resultado de processos históricos de formação, os quais são passíveis de
ser mentalmente reconstruídos e, portanto, compreendidos.
Boeckh e a aurora da consciência histórica
“Mas, ele levanta candentes questionamentos epistemológicos: se cada época
deve ser explicada por si mesma, isso também deve valer para a nossa. Nossa
visão de épocas anteriores é igualmente explicada no contexto de nosso
presente, mas também deve ser relativizada.” (p. 136)
“Sob esta alegação metodológica do perguntar pelas condições de objetividade
do conhecimento histórico, foi, então, levantada a perspectiva de uma saída do
círculo hermenêutico de nossa historicidade.” (p.137)
“Boeckh concebe terminologicamente o conhecimento do conhecido como um
‘entender’. Entendido é, porém, sempre algo já conhecido (...)” (p. 138)
“Hermeneuticamente significativo, na fórmula de Boeckh de um reconhecimento
do já conhecido, é o incentivo à constante pesquisa ulterior, à penetração mais
profunda na palavra, que perfaz a alma de qualquer hermenêutica: ‘Pesquisar a
palavra falada ou escrita é o mais originário impulso filológico’.” (p. 138)
“Em comparação com Schleiermacher, a sua ‘Teoria da hermenêutica’ é pouco
original. Para a área do historicismo aponta, no entanto, a circunstância de que
ele justapõe, ao lado da interpretação gramatical, individual e do gênero, uma
interpretação histórica, que complementa o significado a ser entendido, por suas
‘relações com circunstâncias e situações reais’.” (p.138)
A Histórica Universal de Droysen: compreensão como investigação do
mundo moral
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Com Johann Gustav Droysen o problema metodológico do historicismo se torna


mais perceptível. Droysen nunca fala em hermenêutica, ele será requerido para
o específico processo de conhecimento das ciências históricas, cuja metodologia
promete fornecer a “História”.
“Se a ciência histórica, (...), deve ser guindada à cientificidade e ser oferecida
resistência à penetração do método físico-matemático no âmbito da história,
então as ciências históricas deverão orientar-se no sentido do desenvolvimento
de seus próprios métodos.” (p.140)
“Somente depois que as ciências naturais fundamentaram o seu método com
segurança e conscientes de seu caminho, conquistando dessa forma um novo
começo, surgiu o pensamento também para a selva sem método da história uma
dimensão metódica.” (p. 140)
“A História é, todavia, de natureza diversa daquela das ciências naturais.
Finalidade da História será, pois, a de justificar o significado próprio e o
procedimento específico dos estudos históricos.” (p. 141)
• O método das ciências históricas consiste em entender pesquisando,
investigando.
“(...) possui o historiados (...) a série de questões, com a qual ele se aproxima do
material histórico, para interpretá-lo em seu conteúdo moral. O alvo da pesquisa
histórica ganha, com isso, em precisão. A compreensão do particular
desabrochará, pelo fato de ser relacionado retroativamente com o todo do
desenvolvimento ético-histórico, como seu interior, sua lei ou seu sentido.” (p.
144)
• A investigação somente ocorre onde é vedado m conhecimento definitivo. Só
se investiga e compreende onde não vigora nenhuma ordem ou previsibilidade
matemática. Droysen fundamentou o direito hermenêutico próprio das ciências
da compreensão, em face das tentativas de aplicar o método científico à História.
“É altamente questionável, e, afinal, irrelevante, se a compreensão investigadora
fornece algo como um método seguro, que talvez pudesse ser comparado com
o das ciências naturais.” (p. 146)
O caminho de Dilthey até a hermenêutica
“(...) ele (Dilthey) colocou todo o trabalho de sua vida sob a preocupação de uma
crítica da razão histórica(...)” (p. 146)
• De modo semelhante a Droysen, também queria conceber as ciências do
espírito (ciências humanas) em seu próprio direito científico, se afastando da
metodologia das ciências naturais. Dilthey vai iniciar seu caminho até a
hermenêutica a partir das exigências metodológicas do historicismo.
“Esta sólida âncora para a pesquisa das ciências do espírito, Dilthey pretenderá
encontrar primeiramente na experiência interior, ou nos ‘fatos da consciência’.
Qualquer ciência é, sim, ciência experimental, argumenta Dilthey, mas a
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

experiência possui o seu contexto e a sua validade estruturante ‘a priori’ da


nossa consciência.” (p. 147-148)
“Disto deduz Dilthey a conclusão, de que somente uma reflexão psicológica
básica está em condições de fundamentar a objetividade do conhecimento das
ciências do espírito.” (p. 148)
“Dilthey, sempre assumiu a tarefa de uma fundamentação psicológica das
ciências do espírito.” (p. 148)
“Por psicologia explicativa entendia ele uma explicação meramente causal de
fenômenos psíquicos, que tenciona reconduzir a vida da alma a um número
limitado de elementos univocamente determinados. De maneira semelhante ao
químico, o psicólogo esclarecedor que entender as funções psíquicas pela
hipótese de uma ação coordenada de partes constitutivas simples.” (p. 149)
“Ao invés de explicar os fenômenos psíquicos, isto é, de reconduzi-los a
elementos psíquicos ou até fisiológicos originários, ela simplesmente empenha
em descrever a vida da alma em seu contexto estrutural originário, ou, já que
aqui o particular deve ser concebido a partir do todo, em ‘entendê-la’.” (p. 149)
“Mas, é possível uma psicologia meramente descritiva? Sim, responde Dilthey,
porque os fenômenos psíquicos tem, perante os externos, a vantagem de
poderem ser captados imediatamente pela vivência interna, assim, como eles
são em si mesmos, portanto sem a mediação dos sentidos externos(...)” (p. 149)
• Segundo o pensamento de Dilthey, a psicologia ganha “uma base indubitável
e universalmente válida” que se constitui no fundamento das ciências do espírito,
como a matemática é para as ciências naturais. Mas, essa psicologia da vivência
metodologicamente estruturada sofreu algumas críticas.
“Em primeiro lugar, é questionável se a psicologia meramente descritiva, a qual
em certos traços antecipa a ideia de Husserl, de uma fenomenologia de vivências
interiores, dispõe realmente de um acesso direto e desprovido de hipóteses ao
contexto estrutural da alma, cuja evidência interna é postulada.” (p. 150)
“Em segundo lugar, Dilthey não conseguiu estabelecer uma conexão plausível
entre o seu novo princípio psicológico e as concretas ciências do espírito, cujos
fundamentos este princípio devia clarear.” (p. 150)
• Segundo o autor, Dilthey não citou a hermenêutica no seu propósito
sistemático. Porém, a coletânea de seus últimos manuscritos remonta à sua
fama como pensador hermeneuta. Essa obra se baseia nos conceitos de
vivência, entendimento e compreensão, sendo o conceito de vivência uma
palavra-chave na obra.
“Nele sobrevivem, no entanto, os fatos antecedentes da consciência. Eles valem,
tnato antes como depois, como o ‘dado imediato’ e o ‘fundamento’ para o
‘contexto da vida psíquica’, que abrange nossas relações e valorações.(...) ‘tudo
que está aí para nós, existe apenas enquanto dado, como tal, no presente’, ao
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

qual acede, de fato, a sucessão do anterior ‘princípio da fenomenalidade’.” (p.


151)
• A fenomenologia diz que o problema para conhecer um objeto é que eu nunca
consigo me aproximar desse objeto sem a temporalidade. Isso significa que entre
o sujeito e o objeto sempre haverá essa diferença. A temporalidade ao mesmo
tempo que me aproxima do objeto, me afasta da compreensão desse objeto em
si mesmo. Quando eu olho um sapato, não olho apenas para ele; eu olho para a
marca, o modelo, se é feio ou bonito, se é masculino ou feminino, se é velho ou
novo... todos esses pensamentos são o que Gadamer chama de pré-
compreensões. A marca do sapato não corresponde a ideia de sapato em si
mesmo.
“Não é pelo seu objeto (natureza/espírito, universal/individual, físico/psíquico)
que as ciências do espírito se diferenciam das ciências naturais, e sim pela sua
relação diversa com o seu objeto.” (p. 151)
“A compreensão, própria das ciências do espírito, consiste num retorno do
manifesto para o interior ou mais precisamente, para auto-reflexão, que se dá a
conhecer na expressão.” (p. 152)
“A investigação do processo da palavra interior, que se encontra por detrás da
expressão, (...), torna-se, agora, tarefa central de todas as ciências do espírito
que pretendem compreender.” (p. 152)
• A hermenêutica teria desalojado a psicologia como base metodológica, pois
não é possível um acesso meramente psicológico à vida do espírito ou da alma.
“(...) é a avaliação da compreensão como um ‘processo, no qual, de sinais que
são dados sensitivamente de fora, nós reconhecemos um interior’. (...) de que a
explicação ou interpretação deveria realizar uma compreensão artificiosa de
manifestações de vida duradouramente fixadas.” (p. 153)
“Da hermenêutica espera Dilthey, agora, a solução da pergunta pelo
‘conhecimento científico’ do individual, portanto regras universalmente válidas
para proteger a compreensão contra a arbitrariedade subjetiva.” (p. 154)
“Porque a compreensão, na realidade, não é apenas o procedimento específico
das ciências do espírito, porém sempre igualmente uma característica básica da
existência histórica do ser humano.” (p. 154)
“Eles eram praticamente todos unânimes em reconhecer, que a nova tarefa
significativa da hermenêutica consistiria antes em concretizar uma despedida da
metodologia direcionada para um respaldo da validade universal.” (p. 155)
HEIDEGGER: HERMENÊUTICA COMO AUTO-ESCLARECIMENTO DA
INTERPRETAÇÃO EXISTENCIAL
• Heidegger transformou a hermenêutica na base universal da filosofia. Ele
buscava entender o ser humano a partir de relação com os objetos e com o meio
que ele estava.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Para entender Heidegger, é preciso entender alguns conceitos de Kelsen,


principalmente porque ele é considerado um neo-kantiano e um positivista ao
mesmo tempo.
• Kant: Eu não sei o que é a consciência, eu só sei que o único acesso que eu
tenho ao mundo é a consciência, é a forma que eu explico e vejo o mundo. Então,
Kant criou dois objetos, um objeto era o ser e o outro era o dever ser, e esses
dois objetos são categorias do que ele chamou de consciência em si, ou seja
como eu compreendo. Quando eu crio esses dois objetos, eu também tenho
certos pressupostos por exemplo eu posso conhecer o que está no campo do
ser, porque está no campo da experiência, logo eu posso analisar e conhecer; e
existe aquilo que está no campo do dever ser que eu não consigo acessar, e
para Kant o dever ser é inacessível, porque só posso conhecer o que está no
tempo e no espaço (coisas materiais, tangíveis). O que Kelsen diz é que é
possível conhecer o dever ser, desde que eu utilize as mesmas regras lógicas
do campo da ciência. Por exemplo, uma das regras da ciência dessa época eram
as proposições se... então (se eu misturo carbono e oxigênio então eu tenho uma
combustão), era o modelo lógico-formal. Kelsen transformou esse modelo em
se... então deve ser. Agora eu tenho proposições lógico-formais dentro do dever
ser que me permitem fazer uma ciência pura.
• Positivismo: Diz que não é possível conhecer o dever ser e o único
conhecimento possível é o do ser (as coisas materiais), então eu vou estudar
apenas o ser, não vou estudar a sociedade, porque ela está no campo do dever
ser, eu vou estudar o fato social (Durkheim), criando assim objetos e a partir
deles pesquisar. Kant resolve isso dizendo que existe um suporte de fático do
direito onde eu consigo observar o direito no tempo e no espaço, que é quando
ele é produzido; nesse momento eu tenho ele como ser e a partir disso eu
consigo analisar. Kelsen não se preocupa em saber o que é o Direito, ele
entende que o direito existe, logo ele se pergunta as condições de possibilidades
do Direito.
• A crítica aplicada ao Kelsen é que ele não dá conta da modernidade, porque
nem o modelo positivista nem o modelo neo-kantiano conseguem responder os
problemas da modernidade. Primeiro, porque no positivismo você não acessa as
coisas em si, porque eles acreditam que eles só estudam o objeto, mas a partir
do momento que você olha o objeto você já tem todo um pré-julgamento do que
é aquele objeto (quando eu olho um sapato eu não vejo o sapato em si, vejo a
marca, modelo, tamanho, estética, cor etc.), o objeto já é uma construção já é
uma interpretação. E a sociedade moderna impõe esse questionamento: o que
são as coisas em si? O neo-kantismo não dá conta porque a própria noção do
que é ser e o que é dever ser também é uma pré-construção. Essas críticas
desembocam na fenomenologia.
• Heidegger vem tentar dar conta de responder esses problemas da
modernidade, como conhecer as coisas em si mesmas. O seu pensamento
avança de forma duradoura para o centro da reflexão filosófica.
O diligente antecipar-se da compreensão
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

“(...) de que a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-compreensao


que emerge da eventual situação existencial e que demarca o enquadramento
temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação, mas raramente
se pensou sobre ‘diante de que’ propriamente opera tal pré-estrutura.” (p. 159)
“O depois, ao qual a pré-compreensão fornece o ‘antes de que’, seria
consequentemente o enunciado, se já não a própria linguagem.” (p. 159)
“(...) a hermenêutica da facticidade, de Heidegger, quer basicamente ser uma
hermenêutica daquilo tudo que trabalha por detrás da elocução. Ela é uma
interpretação da estrutura de cuidado do ser-aí humano, que se expressa antes
e por detrás de cada juízo e cuja forma mais elementar de concretização é a
compreensão.” (p. 160)
“Em Droysen e Dilthey a compreensão avançava, sem dúvida, para um processo
de conhecimento autônomo, que era chamado a fundamentar o modo
metodológico de ser, próprio das ciências do espírito. Heidegger classifica essa
compreensão epistemológica como secundária, (...). Ele elabora o seu novo
conceito de compreensão na explicitação da fórmula ‘entender-se sobre algo’,
que indica menos um saber, do que uma habilidade ou poder.” (p. 160)
• Epistemologia: A palavra significa a área da filosofia que estuda a maneira
que o intelecto humano conhece as coisas e como nós podemos conhecer as
coisas. Mais recente, é a área da filosofia que estuda a ciência.
“‘Entender uma coisa’ significa estar apto para ela, poder arranjar-se com ela.”
(p. 160)
• Podemos dizer que um esportista entende de futebol, daí imaginamos um poder
em geral inexpresso, uma mestria, uma arte. Toda nossa vida é baseada nesse
tipo de habilidade: nós entendemos como tratar as pessoas, com cuidar das
coisas, como passar o tempo sem necessariamente dispor de um conhecimento
técnico sobre essas coisas. É um modo, em verdade, de situar-se no mundo,
achar-se
“Essa compreensão (ou maneira de entender) – chamemo-la de prática –
Heidegger concebe-a como ‘existencial’, isto é, como modo de ser ou modo
básico, por força do qual nós conseguimos e procuramos situar-nos no mundo.”
(p. 160-161)
• Para Heidegger essa pré-compreensão emprega o conceito hermenêutico.
“Isso está em consonância com o esforço fundamental da hermenêutica por uma
obtenção daquilo que se encontra antes, ou melhor: na locução, ou por detrás
da locução, em sua, pela alma que se exprime na palavra.” (p. 162)
“Pois entender significa poder: capacidade de concretizar este ou aquele modo
de entender, em vez de outro. Mas, segundo Heidegger, não é como se lá fora
houvesse inicialmente coisas nuas, que receberiam de nossa compreensão
‘subjetiva’ e cautelosa, determinada coloração. Não, o que existe, de início, é
precisamente nossa relação com o mundo, no ‘modus’ de pré esboço da
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

compreensão. (...) O primário é, no entanto, esse hermenêutico ‘como’ no qual


tudo vem ao nosso encontro e nos importa.” (p. 163)
“Mas, nós não estamos cegamente à mercê dessa pré estrutura de explanação
induzida, como se fôssemos, como o que a leitura corrente do círculo
hermenêutico, colhidos inexoravelmente por nossos preconceitos. A
hermenêutica de Heidegger é exatamente o oposto disso. Ela visa um explícito
esclarecimento dessa pré-estrutura historicamente dada. Este esclarecimento é
por ele chamado de interpretação.” (p. 163)
Sua transparência na interpretação
• Na hermenêutica tradicional, a interpretação era o meio pelo qual se alcançava
a compreensão do texto; com Heidegger, o primário agora é a própria
compreensão, e a interpretação vai consistir exclusivamente na configuração ou
elaboração da compreensão.
“Este esclarecimento , e não mais do que isto, deve ser prestado pela
interpretação, literalmente, como um desmembramento do implicitamente já pré-
entendido. Como sua elaboração, ela ocorre ‘após’ a primeira compreensão, e
contudo, a fim de completar a busca e liberação de visão que caracteriza a
compreensão.” (p. 164)
“Na interpretação, a compreensão não se torna uma coisa diversa, e sim ela
mesma. Em realidade, a interpretação quer ajudar a pré-compreensão ser
transparente.” (p. 164-165)
“A interpretação, que visa o desvendamento de outro indivíduo, se desvirtuaria,
então num curioso monólogo do intérprete cm sua própria pré-compreensão.
Heidegger pensa, evidentemente, em algo muito mais primário: para, por
exemplo, interpretar textos de maneira correta, exige-se que primeiro se torne
transparente a própria situação hermenêutica, para que o estranho ou diferente
do texto possa fazer-se valer antes de tudo, isto é, sem que nossos preconceitos
não esclarecidos exerçam aí sua despercebida dominação e assim escondam o
específico do texto.” (p. 165)
• Aquele que não reconhece a própria situação hermenêutica corre o risco de
tornar-se refém dela. Uma perspectiva acrítica pode conduzir por ideias e
conceitos populares.
“A partir deste esforço crítico por auto compreensão, fica esclarecida a recepção,
por Heidegger, do círculo hermenêutico, por cuja transcendência estava
empenhado o historicismo.” (p. 166)
“O que se visa, não é uma reflexão que simplesmente descarte tais pré-
concepções, mas um reflexivo realçar da pré-estrutura pessoal, que ponha a
caminho um verdadeiro diálogo entre duas posições específicas, ou seja, com
as coisas e com o pensamento alheio.” (p. 166)
A ideia de uma hermenêutica filosófica da facticidade
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

“Este entendimento volta-se contra a concepção, vigente desde Schleiermacher


e Dilthey, segundo a qual a hermenêutica deveria fornecer uma doutrina
metódica e artificiosa da compreensão, em vista de uma fundamentação
metodológica das ciências do espírito.” (p. 167)
“Desta forma, a hermenêutica filosófica visa a uma auto-interpretação da
facticidade, ou seja, a uma interpretação da interpretação, para que o ser-aí
possa tornar-se transparente para si mesmo.” (p. 167)
“A hermenêutica tem a tarefa de tornar acessível cada específico ser-aí, em seu
caráter de ser, a este mesmo ser-aí compartilhá-lo, ocupar-se com a auto-
alienação, pela qual o ser-aí é atingido. Na hermenêutica forma-se, para o ser-
aí, uma possibilidade a de tornar-se e de ser entendedor para si mesmo.” (p.
168)
• Ser-aí: Ser-aí-no-mundo e Existência é a tradução portuguesa do termo alemão
Dasein, muito utilizado como sinônimo para ser existente. Heidegger se põe a
questão filosófica do ser. O que é ser? Heidegger afirma que o ser humano é um
"ente destacado": o ser humano é capaz de questionar o ser, possui uma
compreensão do ser.

• O que significa o ser no mundo? A expressão vem do alemão Dasein na língua


portuguesa quer dizer ser-aí. A expressão para Heidegger, o ser tem uma
natureza própria, e o ser não se explica, porque qualquer tentativa de explicação
do ser, reduz esse ser a um ente. O ente é aquilo que se explica, que se
conceitua, significa coisa. O ser está em constante expansão e retração, ele faz
parte da existência.

• O problema da filosofia clássica, de acordo com Heidegger, foi justamente a


necessidade de explicar o ser humano; para ele a pergunta a ser feita seria como
é ser humano? O ser dessa perspectiva é aquele que se apresenta, se expande,
se retrai, está em constante fluxo; ele não se acaba, não se finda, não se esgota.
Essa pergunta abre espaço para a dialética. A partir do momento que o ser é
lançado no mundo (o mundo dentro de uma conjuntura política, sociológica,
econômica, das experiências de vida) ele tem uma dialética com esse mundo, o
que você é e o que o mundo é não são coisas distintas, mas dialogam.

• O ser não escolhe se quer vir ao mundo ou não. Mas a partir do momento que
estamos nesse mundo, somos obrigados a viver e interagir nele. Quando
começamos a interagir nesse mundo, o ser torna-se ser-comum, que vive no
coletivo, um ser coletivo, massificado, que se distancia da essência do ser.

• Sobre a dificuldade do ser humano fazer uma interpretação pessoal de si


mesmo, não reconhecendo das suas mais pessoais possibilidades de
transparência.

“A finalidade de uma hermenêutica crítica da facticidade, que chama cada ser-aí


de volta a si próprio e a sua possível liberdade, será pois a de desmanchar ou
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

destruir essas explicações transmitidas e não mais questionadas do ser-aí.”


(p.168-169)

“Hermeneuticamente , o Dasein deve pessoalmente introduzir-se no início da


compreensão.” (p. 170)

“Hermenêutica é, pois, a sentença que estimula uma ação pessoa de reflexão


ou interpretação e, assim, à auto-aplicação. Para isso é preciso penetrar além
da fachada do conceito universal, para reconquistar as experiências específicas
que nele se manifestam.” (p. 170)

Status derivado do enunciado?

“Também aqui não se deve tomar Heidegger pela palavra, mas ler a entre as
linhas, como dizia Schleiermacher. Não se tratar de um desconhecimento ou
repressão da linguagem. Heidegger deseja apenas, que em cada palavra falada
se escute também o cuidado do ser-aí que se revela.” (p. 170-171)

“Se interpretamos corretamente a Heidegger, ele quer, antes de tudo, advertir


sobre a tendência de se encarar enunciados como simples afirmações sobre
objetos presentes e constatáveis, porque com isso se desconsidera o
enraizamento da linguagem na estrutura de cuidado do ser-aí.” (p. 172)

“O discurso, ou melhor: o falar, é a auto-interpretação do ser-aí, assim como ela


se manifesta no uso corrente e preocupado da linguagem.” (p. 172)

• O que ele quer dizer é que não podemos reduzi a linguagem a um simples
constructo lógico e esquecer o processo da linguagem é também o processo
pelo qual o ser-aí se expressa.

Hermenêutica da Virada

“Por certo a linguagem se fez valer, agora como a ‘morada do ser’, como se ela
tivesse assumido, a partir de agora, a precedente e insuperável revelação do
ser.” (p. 173)

“(...) nessa luta com a linguagem, se puder escutar esforço de se saber


preservado o caráter hermenêutico da linguagem.” (p. 174)

“A interpretabilidade, portadora da pré-estrutura de nossa compreensão, deve,


de agora em diante, com base na história do ser, ser consequentemente elevada
à transparência, isto é, à interpretação.” (p. 174)

“É claro que esta auto penetrabilidade não deve ser pensada como auto
transparência, porém ser entendida – da mesma forma como o délfico conhece-
te a ti mesmo – como percepção dos próprios limites da nossa inamovível
projeção, e mesmo como consciência da nossa finitude em face da história do
ser.” (p. 175)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Filosofia da virada: “O ser-aí não vale mais, como parecia em 1927, como o
autor potencial de seus esboços de compreensão; ele os recebe, antes de uma
história do ser geralmente subliminar, cujo aclaramento deve tornar-se a
primeiríssima tarefa da interpretação hermenêutica.” (p. 175)

“De que modo a sua obra básica concebe mais exatamente a hermenêutica, ele
o explica, misteriosamente e de forma quase tautológica, como tentativa ‘de
determinar primeiramente a essência da interpretação a partir do hermenêutico’.”
(p. 176)

• O que é hermenêutico?: “Nas palavras mais simples, o hermenêutico


expressa a trazida de uma mensagem que desperta um escutar.” (p. 176-177)

“Essa trazida de uma mensagem só é possível através da linguagem, e até se


comprova como o fazer mais elementar da própria linguagem. É a linguagem,
prossegue Heidegger, que carrega a ‘relação hermenêutica’.” (p. 177)

• Para Heidegger, hermenêutico se tornou sinônimo de linguagem. O que é


linguagem senão a comunicação de uma mensagem, que deve ser recebida e
entendida pelo receptor?

A HERMENÊUTICA UNIVERSAL DE GADAMER

• Gadamer elabora uma filosofia propriamente hermenêutica, que trata da


natureza do fenômeno da compreensão, ele descreve o fenômeno da
compreensão. Ele vai seguir a inclinação do Heidegger tardio. Seguindo a
iniciativa de Heidegger de aumentar o escopo da hermenêutica além dos textos,
Gadamer endossa a percepção de que os seres humanos são
fundamentalmente seres que são dados à compreensão. Nossa tarefa, se
quisermos realmente nos conhecer, é descobrir o que tal compreensão implica,
levando em conta tanto suas possibilidades quanto suas limitações.

• Gadamer ressalta o caráter móvel da existência, e a finitude dessa existência


é a finitude da pessoa, e, portanto, da compreensão. Daí dizer que a o alcance
da compreensão é limitado, não há compreensão plena, sempre haverá um
déficit hermenêutico. O significado do texto depende do contexto de
interpretação e não se resume nas intensões do autor. Os pré-conceitos do
intérprete são também bases fundamentais sob as quais o entendimento do
indivíduo é construído, ele não pode se dissociar deles, são elementos
essenciais para a formação da realidade histórica do ser, representando a base
da capacidade que temos de compreender a história.

• A diferença entre a hermenêutica filosófica de Gadamer e a hermenêutica que


se orienta para os métodos e para a metodologia, empreendida principalmente
por Shcleiermacher e Dilthey é que Gadamer, ao contrário destes, não se
preocupa diretamente com os problemas práticos da formulação de princípios
interpretativos corretos, mas antes pretende esclarecer o próprio fenômeno da
compreensão. Isso não significa que ele negue tais princípios; pelo contrario, ele
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

os reconhece como necessários às disciplinas interpretativas. Isso significa, na


verdade, que Gadamer tem por objetivo maior a indagação sobre uma questão
preliminar e fundamental, qual seja: como é possível a compreensão, não só nas
humanidades, mas em toda a experiência humana sobre o mundo?

• A verdade universal para Gadamer é impossível, uma vez que


inexiste qualquer método científico que garanta uma certeza jurídica ou uma
verdade hermenêutica. Isso se deve, em parte, pelo fato de a compreensão do
texto estar sempre condicionada por pré-conceitos ou pré-juízos.

De volta às ciências do espírito

“Pois, o que significa, para a compreensão e a existência humana, saber-se


conduzida por uma história que se articula para nós como linguagem
transmitida?” (p. 179)

“Para entender o que essa virada ontológica e, respectivamente, universal da


hermenêutica significa propriamente, ‘é preciso retornar ao problema inicial da
obra, ou seja, à questão referente às ciências do espírito, ou a uma hermenêutica
adequada às ciências do espírito.” (p. 179)

“A concepção de que existe uma verdade absoluta, brotaria, pois, de uma


repressão ou esquecimento da própria temporalidade.” (p. 180)

“É inegável que a busca de uma verdade universalmente válida ameaça encobrir


a realidade da compreensão, direcionando-a para um ideal de conhecimento que
ela jamais irá concretizar.” (p. 180)

“Porém, quando Gadamer retorna o diálogo com as ciências humanas, (...), mas
para realçar, a exemplo dessas ciências da compreensão, a insustentabilidade
da ideia de um conhecimento universalmente válido, e, dessa forma, também o
questionamento do historicismo.” (p. 181)

“Gadamer questiona fundamentalmente esse ponto de partida e interroga se a


busca de métodos, os quais de forma exclusiva garantissem validade universal,
estaria realmente em seu lugar nas ciências do espírito.” (p. 181)

“(...) as ciências naturais caracterizam-se pelos métodos da indução lógica, que


destaca regras e leis a partir do material recolhido. As ciências do espírito
procedem de outra forma. Elas chegam, antes, aos seus conhecimentos por algo
como um sentimento psicológico de tato.” (p. 182)

“Parece muito mais apropriado a Gadamer – (...) – reconduzir a peculiaridade


das ciências do espírito a algo semelhante ao tato ou a um não metodizável (...)
torna-se, assim, o silencioso defensor de uma hermenêutica que procura fazer
jus à forma específica de conhecimento das ciências do espírito.” (p. 183)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

“Assim, é tese inicial de Gadamer que o caráter científico das ciências do espírito
se pode ‘antes compreender com base na tradição do conceito de formação
cultural, do que a partir da ideia da ciência moderna’.” (p. 183)

Auto-superação hermenêutica do historicismo

“A aporia básica situa-se na circunstância de que o historicismo, apesar de todo


o reconhecimento da historicidade universal do saber humano, tem, não
obstante, como objetivo um saber absoluto da História.” (p. 185)

• Ontológico para Gadamer é universal.

“O círculo (hermenêutico) é universal, porque cada compreensão é condicionada


por uma motivação ou por um pré-conceito. A pré compreensão vale, de certa
forma, como ‘condições de compreensão transcendentais. A nossa historicidade
não é uma limitação, e sim um princípio de compreensão.” (p. 186)

“Segundo Gadamer, foi uma ilusão do historicismo querer afastar nossos


preconceitos através de métodos seguros, para possibilitar algo como
objetividade nas ciências do espírito.” (p. 186)

• A metodologia do século XIX acreditava que só é possível obter objetividadade


pela via da desarticulação da subjetividade. O historicismo é um produto de sua
época.

“Desta forma, Gadamer identifica-se com a ideia de Heidegger, quando afirma


que a primeiríssima tarefa crítica da interpretação deve consistir em elaborar os
seus próprios esboços prévios, para o que o objeto possa obter sua validade
perante os mesmos.” (p.187)

“De outra parte, Gadamer também não incide no apelo positivista em prol de uma
negação da estrutura pré-conceitual, para deixar as próprias coisas falarem,
isentas de qualquer perturbação subjetiva.” (p. 188)

“Assim, tudo aponta para ‘a questão realmente crítica da hermenêutica’, a saber,


como se pode, enquanto podemos ter deles consciência, diferenciar os
verdadeiros preconceitos dos falsos, o das preconcepções que conduzem a mal
entendidos?” (p. 188)

“Mas, se não houver critérios realmente seguros, há, no entanto, indícios. Com
essa intenção, ‘Verdade e Método’ destaca a produtividade dos intervalos de
tempo. No olhar histórico retrospectivo, estamos frequentemente em condições
de reconhecer os princípios de interpretação que realmente se comprovaram.”
(p. 188)

“Nada mais além dessa distância do tempo consegue tornar solucionável a


questão propriamente crítica da hermenêutica, a saber: diferenciar os
verdadeiros preconceitos, sob os quais nós compreendemos, dos falsos, sob os
quais nós nos equivocamos.” (p. 189)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Surge a questão se a questão temporal é realmente sempre produtiva, além de


não dar praticamente nenhuma informação quando se trata do domínio de
interpretações contemporâneas.

História efetual como princípio

“Por história efetual entende-se, desde o século XIX, nas ciências literárias, o
estudo das interpretações produzidas por uma época, ou a história de suas
recepções. Nela se torna claro, que as obras, em determinadas épocas
específicas, despertam e devem mesmo despertar diferentes interpretações.” (p.
190)

“Porém, a consciência da história efetual significa, para Gadamer, algo muito


mais fundamental. Pois para ele, ela goza do status de um princípio, do qual se
pode deduzi quase toda a sua hermenêutica.” (p. 190)

“A história efetual não está em nosso poder ou à nossa disposição. Nós estamos
mais submissos a ela, do que disso podemos ter consciência.” (p. 190)

“A história continua atuante, mesmo onde nós ousamos sobrepor-nos a ela (...).
é ela que determina a retaguarda das nossas valorações, dos nossos
conhecimentos e até dos nossos juízos críticos. ‘Por essa razão’, conclui
Gadamer, ‘os preconceitos de cada um, muito mais do que os seus juízos, são
a realidade histórica do seu ser.” (p. 191)

“(...) a consciência histórico-efetual é a mais nova unívoca expressão filosófica


para a consciência da própria finitude. O reconhecimento da finitude humana não
gera, todavia, nenhuma atrofia da reflexão, antes pelo contrário. Obstrutivo era
antes o direcionamento histórico da compreensão para um ideal de
conhecimento metafisicamente condicionado.” (p. 192)

Compreensão aplicadora porque questionadora

“Segundo Gadamer, no entanto, a aplicação é, na compreensão, tudo menos


algo secundário. Ele segue a intuição de Heidegger, segundo a qual
compreender é sempre um compreender-se, incluindo um encontro consigo
mesmo. Compreender significa, então o mesmo que aplicar um sentido à nossa
situação, aos nossos questionamentos.” (p.193)

“Entender um texto do passado significa traduzi-lo para a nossa situação


presente, escutando nele uma discursiva resposta para os questionamentos da
nossa era.” (p. 194)

“A história efetual é mais ser do que consciência, ou, falando hegelianamente:


mais substância do que subjetividade. Desse modo, nós pertencemos à história
mais do que ela nos pertenceria. Esta historicidade da aplicação exclui a
representação de um ponto zero da compreensão. A compreensão é sempre a
continuação de uma conversação já iniciada antes de nós. Projetados para
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

dentro de uma determinada interpretação, nós continuamos essa conversação.”


(p. 194)

“Um texto só se torna falante, graças às perguntas que nós hoje lhe dirigimos.
Não existe nenhuma interpretação, nenhuma compreensão, que não
respondesse a determinadas interrogações que anseiam por orientação. Um
perguntar desmotivado, como o imaginava o positivismo, não interessaria a
ninguém e seria, consequentemente, desprovido de interesse científico.” (p. 195)

“A dialética da pergunta e da resposta (...) permite, agora, determinar mais de


perto, que espécie de consciência é a consciência histórico-efetual. Porque a
dialética da pergunta e da resposta que nós detectamos, faz a relação da
compreensão aparecer como relação recíproca do gênero de uma conversação
(ou colóquio).” (p. 195)

• Uma das tarefas da obra de Gadamer é legitimar esse caráter hermenêutico da


conversação como característica universal da experiência linguística no mundo.

Linguagem a partir da conversação

“A linguagem não se realiza em enunciados, porém como conversação. (...) a


hermenêutica lembra o fato de que uma locução nunca pode desvincular-se de
seu contexto motivacional, isto é, da conversação, da qual ela está inserida e
somente a partir da qual ela ganha sentido.” (p. 197)

“Acontece que a compreensão da linguagem não se reduz à captação intelectual,


por um sujeito, de um contexto objetivável e isolado; ela resulta também, da
mesma forma, da pertença a uma tradição em continuada formação, isto é, da
pertença a uma conversação, a partir da qual, unicamente, o que foi expresso
adquire para nós consistência e significado.” (p. 197)

“Contra o primado da lógica locucional, que entende a compreensão como poder


de disposição e falha nisso, desenvolve Gadamer a sua lógica hermenêutica da
pergunta e da resposta, a qual entende compreensão como participação num
significado, numa tradição, enfim, numa conversação.” (p. 198)

“Agora afirmo: a última forma lógica de tal motivação de cada enunciado é a


pergunta. Aqui tocamos no coração de uma filosofia hermenêutica, ou seja, como
formulou Gadamer, no ‘fenômeno hermenêutico originário, segundo o qual não
existe nenhum enunciado possível, que não possa ser entendido como resposta
a uma pergunta e que só assim possa ser entendido realmente.” (p. 198)

“Naturalmente, o princípio da linguisticidade da compreensão não pode ser


concebido de modo que toda a experiência de mundo se realizaria unicamente
como um falar.” (p. 199)

“Se, pois, é afirmada uma linguisticidade de princípio da nossa experiência de


linguagem, isso só se deve ao fato de a linguagem escarnar o único recurso para
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

a conversação (interior), que nós somos para nós mesmos e uns para os outros.”
(p. 199-200)

“A compreensão, que é sempre configurada ela mesma pela linguagem e


acontece por meio de linguagem, deve ser capaz de realizar conjuntamente todo
o conteúdo da linguagem, para poder chegar até o ser, que ela ajuda a
expressar.” (p. 200)

A universalidade do universo hermenêutico

“(...) vê-se que a universalidade é concedida a diversos candidatos. O título da


última seção fala do ‘aspecto universal da hermenêutica’, onde fica em aberto se
a hermenêutica significa a própria hermenêutica filosófica (a de Gadamer), a
compreensão, ou a linguagem encarada hermeneuticamente. Em verdade, todas
as três possiblidades podem ser constatadas e fundamentadas. Gadamer fala
de fato da ‘universalidade’ da ‘dimensão linguística da compreensão’, de uma
‘hermenêutica universal’, que se refere à cosmovisão universal do ser humano,
bem como da ampliação da hermenêutica ‘para um questionamento universal’.”
(p. 200-201)

“Nós não filosofamos porque possuímos a verdade absoluta, mas porque ela nos
falta. Como realidade da finitude, a filosofia precisa recordar-se de usa própria
finitude.” (p. 202)

“No âmbito de ‘Verdade e Método’, o discurso sobre um ‘aspecto universal’ da


hermenêutica tem um significado de u fácil identificação. Ele sinaliza, em
primeiro lugar, uma ultrapassagem da hermenêutica tradicional, a científico-
espiritual, em direção a uma hermenêutica filosófica, que libere o ‘fenômeno
hermenêutico’ em toda a sua amplitude. (...) A busca por compreensão e
linguagem não é apenas um problema metodológico, porém uma característica
básica da facticidade humana.” (p. 202)

“Hermenêutica é, pois, um aspecto universal da filosofia e não apenas a base


metodológica das assim chamadas ciências do espírito.” (p. 202)

“A universalidade da linguagem, ou da compreensão, sublinha, por isso, que ela


forma o nosso universo, isto é, o elemento ou o todo, no qual nós vivemos como
seres finitos.” (p. 203)

“Não é assim, contesta Gadamer, porque a linguagem justamente se distingue


por ela poder buscar expressão para tudo. Neste contexto, encontra0se, por
primeira vez, o discurso sobre uma ‘Universalidade da linguagem’, que sustenta
o passo com a infinitude da razão.” (p. 203)

“Esta dimensão da linguagem é universal e forma o universo, no qual se realiza


toda a compreensão e toda a existência humana. (...) Sua universalidade é a da
busca da linguagem.” (p. 203-204)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

“Hermeneuticamente significa na linguagem, é a dimensão da conversação


interior, a circunstância de que nosso dizer significa sempre mais do que ele
realmente expressa: ‘Um pensar, um visar, vai sempre além daquilo que,
concebido em linguagem, em palavras, realmente alcança o outro. Uma não
silenciada aspiração pela palavra adequada – é isso, por certo, que perfaz
propriamente a vida e a essência da linguagem.” (p. 204)

“Através dessa finitude se expressa a nossa consciência humana da morte, a


qual, sem falar e buscando linguagem, vai tendendo em direção ao próprio fim.
Dessa forma, Gadamer deduz uma estreita conexão entre a insaciabilidade da
nossa busca pela palavra correta, e ‘o fato de que nossa própria existêcia se
encontra no tempo perante a morte.” (p. 204)
Aula 02 (03/09/2018)
● HERMENUTICA NO MUNDO GREGO: DO MITO À FILOSOFIA
1. Teoria hermenêutica (interpretação)
2. Hermenêutica jurídica clássica (positivismo clássico, neo positivismo, pós
positivismo)
3. Hermenêutica (plural, complexa, mundial, fragmentada)
• O positivismo é a corrente que tentou transformar o direito em ciência,
reduzindo seu estudo ao estudo da norma, da lei, em sentido de que o direito é
aquilo emanado do poder estatal.
• Para o neo-positivista, isso não gera segurança jurídica. Direito é norma, mas
não apenas isso.
Contingencia de sentidos: vivemos num ultra construtivismo, construindo novos
sentidos aos fenômenos. Existem algumas diretivas para interpretação, mas não
podemos controlar as interpretações, pois são atos de vontade e não cognitivos.
O problema da hermenêutica é tentar unir a escola clássica positivista com novos
métodos do pós-positivismo e não critica o que provém do neopositivismo.
Aula 04 (10/09/2018)
● HERMENÊUTICA: DA TEOLOGIA À EPISTEMOLOGIA
• A hermenêutica é uma forma de evitar mau entendido
• Ao interpretar, podemos perceber coisas que nem mesmo o autor percebe
sobre si mesmo.
• A hermenêutica diz como nós vemos e interpretamos o texto, de acordo com
nossa visão
Aula 05 (12/09/2018)
● HERMENÊUTICA: DA FENOMENOLOGIA À HERMENÊUTICA
FILOSÓFICA
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Construção de conhecimento: o padrão de construção de conhecimento


científico não é linear.
• O direito é o espírito do povo, materializado pelos costumes e pela linguagem.
• O método adequado é aquele que compreende a linguagem, que é o método
hermenêutico
• A hermenêutica deixa de ser como compreender o texto para não haver mal
entendido, para ser o que a “matemática” é para as ciências naturais. É um
veículo para compreender a linguagem.
• Os limites da hermenêutica é a própria linguagem, aquela que permite a
revelação de sentido.
• A linguagem acontece quando precisamos fazer sentido sobre alguma coisa.
Aula 06 (17/09/2018)
• A hermenêutica deixa de ser uma arte de interpretação, para passar a ser
instrumento de compreensão das ciências humanas, como a matemática é para
a física.
• Mesmo que as ciências naturais possuam um método linear, matemático,
alguém só consegue ser cientista natural, porque, além de ter todo esse método,
também é um ser histórico, envolto de linguagem e sentido.
• A fenomenologia não será um método que propõe que nos tenhamos a duvida
de tudo, é um método mais de filtragem, não pode ter um desprendimento total.
• A hermenêutica seria uma filosofia primeira, cumpriria o papel da metafísica
aristotélica, a condição primeira para todo e qualquer conhecimento humano. O
conhecimento precisa ser concebido através de uma pergunta originária; no
fundo a hermenêutica se torna uma explicação da condição humana, vai explicar
porque somos diferentes dos outros animais.
• É o meu horizonte de sentido prévio que se manifesta em qualquer trabalho
cognitivo, portanto, toda a nossa compreensão é um “projeto”, nós projetamos
nosso pré-conhecimento na construção daquela compreensão. Nós construímos
a compreensão a partir de partes do conhecimento que já temos armazenadas
em nossa bagagem; compreendemos o todo a partir da compreensão de uma
parte.
● HERMENEUTICA JURÍDICA MODERNA
• Nos primórdios da hermenêutica, ela trabalhava com os problemas de
interpretação de texto e o direito humano vai se valer do texto como veículo.
Mas, a historia do direito na civilização ocidental é o pluralismo jurídico (inclusive
o professor traça um pequeno histórico dos problemas jurídicos no século XIX
no ocidente em que não eram resolvidos com o texto jurídico, a lei, porque não
existia a matéria disciplinada, e sim com o líder da igreja daquela comunidade
ou com o costume). O direito não é, ou pelo menos não era, produzido
unicamente pelo Estado.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• O direito do século XIX tenta criar um direito estatal. O direito romano se


transformou num corpo de normas codificadas resultante da compilação que
Justiniano fez quando se desenvolve o império romano do oriente.
• Os glosadores liam o direito romano e o explicavam. Isso é considerado a raiz
da hermenêutica jurídica. Eles não possuíam uma atitude teórica ou um processo
reflexivo, pois estavam influenciado pelo pensamento romano, que é mais
pragmático.
• Quando chegamos na modernidade, vamos ter os pós-glosadores que são
como consultores jurídicos, resolvendo problemas de conformação entre
sistemas jurídicos diferentes, pois os glosadores era inspirados pela
hermenêutica teológica.
• O próximo passo foram as codificações modernas eliminando o direito romano
como discurso legitimado e único para resolução de conflitos.
• Vamos ter um direito reduzido ao texto e uma atitude reflexiva teórica sobre a
interpretação desse texto na escola exegese. Aqui vamos começar a falar de
fato sobre hermenêutica, pois na exegese não vamos ter apenas o trabalho de
interpretação, mas a explicação sobre o método da interpretação.
• A escola da exegese quer tornar o direito mais claro, e para isso, deveria usar
as mesmas técnicas interpretativas que o legislador usou para escrever a lei.
Vamos precisar de um técnico para aplicar corretamente o direito. Para que o
direito não ficasse concentrado nas bibliotecas e no saber de poucos, precisou
transformá-lo em técnica, para que todos tenham acesso.
Aula 07 (19/09/2018)
(A primeira parte da aula foi o seminário sobre a escola de exegese. A segunda
parte da aula foi a explicação do professor, continuando a aula passada)
• O movimento revolucionário burguês tem uma ideia de temporalidade da
transcendentalidade, e não aquela que é atrelada à historicidade; a razão
consegue pensar fora das nossas amarras históricas. Por isso, posso fazer um
código que vá valer em qualquer lugar e a qualquer tempo em que a razão seja
a ancora da reprodução social.
• A ideia de perfeição decorre da racionalidade, e a linguagem é o que reproduz
essa racionalidade.
• A atividade dos glosadores era uma atividade de restauro. Havia um culto à
literalidade, que é a qualidade da palavra, que retrata a realidade e era
restaurada no seu sentido literal. Na primeira fase da exegese, essa ideia
eliminava a necessidade da interpretação: se eu tenho um texto literal, não
preciso interpretar, se a lei é clara, não precisa de interpretação.
• O julgador não poderia deixar de julgar culpando o fato que o texto poderia ser
obscuro, insuficiente ou inexistente. Isso está no art. 4º do Código de Napoleão.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Na pratica, o que se sustenta, é que o código esta admitindo que o texto pode
ser eventualmente obscuro, insuficiente ou inexistente. E, nesse caso, cabe ao
juiz julgar de acordo com a sua discricionariedade. O que tira a obscuridade,
insuficiência ou inexistência do texto é a discricionariedade.
• O juiz precisa, nesse caso, manter a vontade, o espírito do legislador, que não
é necessariamente esse culto a literalidade. Se colocar no lugar do legislador.
• Como eu me coloco no lugar do legislador? Aplicando ao código os mesmos
critérios que o legislador se vale para produzi-lo. Então o juiz não é um mero
restaurador, ele vai completar o trabalho do legislador, o juiz é um produtor, mas
que clona e repete a lógica do legislador.
• Qual é o método? O método gramatical. O legislador se vale de uma estrutura
linguística e gramatical para produzir seu texto, então se eu vou completar algo
ou corrigir alguma coisa, eu preciso intervir na estrutura gramatical e a sua
relação com o sentido.
• Se algo está obscuro, eu observo essa obscuridade através de uma regra
gramatical, e essa regra pode ajudar o juiz a desvendar o real significado daquele
texto.
• Ao lado dessa estrutura gramatical, temos a estrutura logico-sistemática. Isso
significa que o código possui uma estrutura onde conceitos gerais são, num
movimento de dedução, levados aos conceitos específicos. Tudo aquilo que é
especifico decorre de uma estrutura de premissa maior premissa menor
conclusão.
• Qual é o método exegético? Trata-se de uma mudança de paradigma. Se antes
achava-se que o direito era auto suficiente semanticamente, agora a exegese
vem corrigir os erros semânticos. Semântica é a relação da palavra com a coisa
e os vários sentidos que a palavra pode ter. A exegese busca fora da semântica
os elementos para corrigir a semântica, e onde ela vai buscar? Na sintática, que
revela a relação que a palavra tem com outras palavras.
• Para a inexistência da uma norma, já que ela não existe, não há o que se
interpretar, então, nesse caso da inexistência da norma, esse método sintático
se transforma em analogia.
• O que aconteceria se o legislador não souber estrutura gramatical correta? Isso
não interessa ao exegeta, ele presume que o legislador sabia o que estava
fazendo ao redigir a lei, e interpreta daquela maneira.
Aula 8 (faltei)
Aula 9 (01/10/2018)
● CULTURALISMO JURÍDICO
• O direito começa a ter uma relação reducionista com os textos, com os
glosadores e com a volta aos textos do Direito Romano. O trabalho dos
glosadores era como trabalho de arqueólogos.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Nenhum dos recursos metodológicos interpretativos são capazes para controlar


o pensamento do juiz.
• A ciência do direito se afasta de um compromisso com a justiça e com o justo.
Ela reconhece seus limites interpretativos.
• A teoria da exegese dizia que o legislador sempre estava certo, contanto que
lhe fossem dado ferramentas para produzir o direito numa perspectiva
jusnaturalista. O operador do direito e o juiz não faziam justiça, eles não
contrariavam o que o legislador dizia. Kelsen veio para quebrar isso.
• Num período entre guerras o estudioso do direito vai pensar que o positivismo
clássico não é viável. Ele reconhece que Kelsen tem razão ao fazer a crítica aos
institutos do direito antigo. Ele está vendo todos os problemas que o pós-primeira
guerra. Então, será iniciada uma revolução paradigmática, nos anos 30, que vai
aproximar o direito da justiça
• Essa revolução tem bases filosóficas, da filosofia do início do sec. XX. O
primeiro paradigma que é representativo vem da metade do sec. XVIII que
propõe um paradigma ético, diferente daquele kantiano que dominava as teorias
do direito.
• Visto que o direito precisava trazer à discussão temas que não estavam sendo
discutidos, ele usou dois paradigmas para pensar esse novo direito: a filosofia e
a fenomenologia (a busca das coisas mesmas, não materiais, mas ideias). Uma
tentativa de aproximar o direito de moral.
• Fenomenologia: Caracterizada pela busca das coisas mesmas, e não seu
conceito material. Quando pensamos em uma cadeira, imaginamos uma cadeira
específica e não a ideia de cadeira em si mesma. Por isso, é preciso fazer uma
espécie de redução da ideia das coisas até chegar à sua essência. Daí, Heggel
diz que o direito não é norma, a norma é uma mera manifestação do direito. Com
essa busca das coisas mesmas, ele diz que direito é conduta humana de
interferência subjetiva. A fenomenologia abre a possibilidade de lidar com
valores, sendo valores objeto do conhecimento. A fenomenologia utiliza outro
paradigma, diferente daquele positivista. A norma é utilizada como base
interpretativa da conduta humana, ela estabelece uma relação circular com o
problema (o sentido da conduta e a organização desse sentido através da
norma). Walber diz que se estabelece essa relação circular, é hermenêutica.
• Ao interpretar estamos interpretando o sentido de intra subjetividade da
conduta.
Aula 10 (03/10/2018)
Seminário sobre Miguel Reali (Teoria Tridimensional do Direito)
• Teoria Tridimensional do Direito: A norma é um fruto de uma reflexão dos
valores nos fatos sociais. Os valores são reforçados de maneira valorativa pela
norma. Os valores iluminam o fato social que por sua vez se reflete, como um
feixe de luz, na norma. Há sempre uma dialética circular entre valor, fato social
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

e norma: não se pode enxergar um sem o outro, e como a norma reforça valores,
que por sua vez iluminam os fatos e que se refletem na norma e que reforça
valores... Walber diz que essa relação é em espiral: quando olhada de frente, ela
é um círculo (dialética circular) e quando olhamos de lado vemos uma espiral,
que é a repetição desse círculo ad inifinitum.
• Quando lemos o Código Civil, por exemplo, lemos uma norma turva, mas isso
não significa que ele é desprezível. Cabe à hermenêutica estrutural iluminar essa
lei, de maneira a interpretar essa norma a partir da interação de valores e fato.
• Há limites para a interpretação, há limitações para a hermenêutica estrutural.
Nesse ponto, ele precisa que o legislador ilumine. Isso acontece por exemplo,
quando a norma não reflete mais a realidade.
• Kelsen reduz a interpretação cognitiva, gerando mais segurança cognitiva (pois
é difícil errar a interpretação em Kelsen), porém gerando insegurança jurídica.
Reali aumenta a exigência da cognição, vez que pede que a norma passe,
necessariamente, pelos valores e fatos, e com isso perde em segurança
cognitiva e ganha em segurança jurídica.
• Outra crítica que Walber faz a Kelsen, é que sua teoria não é hermenêutica.
Ela não tem uma relação de circularidade, mas sim de pirâmide, cascata. Parte
da proposição maior e vai para a menor linearmente. O pensamento de Reali é
hermenêutico, uma vez proposto o círculo na relação entre valor, fato e norma.
Ocorre que esse pensamento também não responde os anseios da
modernidade, uma vez que ele pensa os valores e os fatos sociais como
estáticos em uma sociedade de consenso, e isso é algo que a sociedade
moderna não é. A modernidade traz pluralidade e movimento.
Aula 11 (cancelada)
Aula 12 (10/10/2018)
Seminário sobre Machado Neto (Hermenêutica jurídica no egologismo de
A.L. Machado Neto)
• Teoria Egológica: a objetividade e racionalidade da decisão judicial dependem
da convergência de valores presentes em uma sociedade.
• A norma não é a coisa mesma do direito, não posso começar meu
conhecimento a partir da norma. O estudo do direito não pode começar pela
norma, mas pelo que está atrás da norma, que é a conduta humana interferência
subjetiva.
Aula 13 (22/10/2018)
Seminário sobre Hesse (Hermenêutica Constitucional)
• Lassale x Hesse – Constituição dos Fatores reais de poder e a Constituição
real que flutua no plano do dever ser e que deve estar ligado à norma.
• Hesse é um dos primeiros autores que se situam numa hermenêutica filosófica.
Métodos não controlam a minha interpretação, toda a interpretação esta
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

condicionada pelos meus pré-juízos, cada um tem seu horizonte pré-


compreensivo. Não há como fazer uma interpretação da norma livre dos seus
horizontes históricos.
• Toda a interpretação é pré-compreensão. Com Hesse, o direito assimila a
hermenêutica filosófica, não é mais uma estrutura linear, como os métodos
clássicos eram pautados.
• A teoria descreve o momento da aplicação do direito. O momento da produção
requer uma aplicação jus racionalista. A interpretação é um momento anterior da
aplicação do direito: eu deixo o texto claro, esclareço através de métodos
clássicos e depois aplico. Hesse diz que isso não existe, porque a interpretação
já é o momento da aplicação.
• O problema da interpretação constitucional não é descobrir o fato que gerou
aquela interpretação, ou para qual fato o enunciado constitucional foi produzido
e pode ser aplicado. O problema é se aquele fato corresponde ao enunciado
constitucional.
• Direito constitucional escrito é o limite da interpretação constitucional.
• A ideia de método em Hesse é uma ideia circular; os princípios são vetores da
interpretação e não o meio para chegar em algum fim. Para Hesse, a teoria
constitucional é uma instância de controle, porque ela separa o que seria uma
pré compreensão que não condiz com a historicidade constitucional daquilo que
de fato representa as possibilidades e os horizontes pré compreensivos.
• A constituição tem um limite, ela nunca é a imagem de sua realidade, como
Lassale pensava.
• A interpretação constitucional também age como um controle das instituições
e da própria aplicação. Hesse não quer controlar especificamente o indivíduo,
mas sim instituir vetores que orientam a ação dos indivíduos.
Aula 14 (24/10/2018)
Seminário Direito Alternativo (texto de Amilton Bueno de Carvalho)
• O juiz moderno é cada vez mais o legislador do caso concreto.
• As circunstâncias fáticas, sociais e econômicas (tempo, contexto e espaço) que
eram dominantes quando a norma foi feita sempre serão sempre diferentes do
momento da aplicação da lei. De modo que o juiz sempre será livre para poder
interpretar, porém sempre há duas limitações da lógica do razoável
(aceitabilidade do resultado) ou o senso comum teórico que vige entre nós.
• Amilton acha impossível haver uma limitação externa para a liberdade do juiz
de julgar, sendo a única maneira de ter alguma previsibilidade nas decisões seria
com uma mudança do comportamento ético do judiciário.
• Alguns motivos da pouca confiabilidade dos juízes: estrutura do judiciário,
modos de recrutamento sem participação popular...
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Fatores externos complicadores à decisão: o julgador não é escolhido pelos


litigantes, de modo que ele é escolhido pela “sorte”, sendo assim o juiz que vai
julgar aquele caso pode ser uma pessoa totalmente despreparada ou que seja
totalmente contra o direito que está sendo discutido ali.
• O autor traz alguns “fatores singelos” que podem influenciar (fatores externos
complicadores) na decisão do juiz, que vai desde a localização do prédio onde
será realizada a audiência ou a sessão, o conforto das cadeiras, a distância ao
banheiro... o que ele quer dizer na verdade é que são diversos os fatores que
podem influenciar na decisão dele que estão fora do nosso controle.
• Há também fatores internos complicadores à decisão: a natureza do trabalho
dele, que é dizer sim ou não para as questões postas a ele, e a decisão dele é a
que vale, o que torna ele prepotente com o passar do tempo e perdendo sua
capacidade de diálogo com as partes, já que é a palavra dele que vale. Há
também os fatores que são inconscientes, alguma mágoa do inconsciente que
ele traz e que pode influenciar nas decisões.
• Crise do judiciário: banalização do litígio, alta demanda, demandas banais ou
que não tem necessidade de ser judicializada.
• Qual é o papel do juiz? Demonstrar atributos democráticos, ser imparcial ético,
descer do “descer do pedestal ditatorial”, buscar junto com as parte e lutar para
que solucionem por elas mesmas o seu litígio, parceiro de caminhada (e não
apenas um determinador).
Aula 15 (29/10/2018)
Hermenêutica no horizonte “pós-positivistas” do “neoconstitucionalismo”
brasileiro.
• Vimos que o fenômeno hermenêutico é universal, no sentido de que onde há
interpretação, ela ocorre de maneira similar, ou seja, de maneira circular.
• O preconceito do ponto de vista hermenêutico é inevitável, é o ponto de partida
para se conhecer o mundo.
• A tentativa de controle da interpretação, padrões de interpretação, não pode
ignorar o fato de que a compreensão é circular, e que ninguém compreende com
um modelo dedutivo e linear. Não se pode ignorar a circularidade, sob pena de
ignorar uma crítica heterorreflexiva, que é uma crítica que parte do outro.
• As constituições eram lidas como garantias individuais para proteger as
liberdades individuais contra o poder do Estado. No início do sec. XX, passamos
para um modelo de constituição social, cultural e econômica. Demorou para que
a teoria constitucional aceitasse a constituição no sentido material, isso só vai
acontecer no pós-guerra.
• A partir dos anos 60, começa a teoria das normas constitucionais
programáticas, em função do pós-guerra.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• A lei deveria regulamentar a constituição. Na Alemanha, se desenvolve uma


estratégia mais epistemológica na qual o tribunal constitucional a partir de um
modelo epistêmico que consegue saber o que é constitucional dentro de um
determinado limite, que hoje chamamos de proporcionalidade. Dentro desses
limites, saberíamos se a norma era ou não constitucional, em que pese a norma
regulamentar a constituição.
• Há uma relação dialética na construção de limites dos direitos fundamentais.
• Até que ponto um constitucionalismo dirigente é democrático? Só será
democrático se a constituição tiver a possibilidade de operar mutações
constitucionais, se ela não existir, seria prejudicial a democracia. Elas operariam
nos limites dos direitos fundamentais. Se eu não souber compreender os direitos
fundamentais, a decisão de um tribunal constitucional é tão prejudicial quanto a
decisão de um parlamento, com a diferença que o parlamento foi eleito pelo
povo.
• Quais são as alternativas que os alemães dão para fazer o controle da mutação
constitucional? A primeira delas é o mais antigo (anterior ao pós-guerra) que é
um método científico espiritual, que significa que não se pode interpretar o direito
linearmente, pois jamais chegaríamos a um resultado legitimado
epistemologicamente.
• Hesse vai situar o horizonte das teorias hermenêuticas para uma hermenêutica
filosófica.
• O ponto de partida da interpretação constitucional é sempre o texto
constitucional, mas existe uma diferença entre o programa normativo e o âmbito
normativo. Programa normativo me dá a ideia do que é a norma, e ele me dá
alguns limites que impedem que o âmbito normativo seja atingido por
expectativas normativas fruto de pré-compreensões que fogem aos limites da
própria constituição. A projeção do programa normativo na realidade social é o
âmbito normativo.
• Constituição de 88: O supremo começa a aplicar a teoria de José Afonso da
Silva nos aos 90. Esperava que o congresso regulamentasse a constituição, mas
pelo nosso modelo político não funcionou.
• A constituição precisava ser emancipatória, não podíamos ficar presos na ideia
de que o congresso precisaria resolver e agir. Passou a se aplicar uma mistura
de teorias da interpretação alemãs. Junto a isso, o número de faculdades de
direito começou a aumentar sem o compromisso de se formar teóricos do direito.
Aula 16 (31/10/2018)
Seminário sobre Teoria dos Direitos Fundamentais (Robert Alexy)
• Teoria que trata direitos fundamentais como princípios
• Discricionariedade estrutural: discricionariedade para definir objetivos;
discricionariedade para escolher meios; discricionariedade para sopesar.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Discricionariedade para definir objetivos: ele elenca as razões que precisam


ser verificadas no caso concreto. Deixa em aberto as razões para a intervenção;
embora mencione as razões, faculta a possibilidade de intervir, sendo as razões
verificadas.
• Discricionariedade para escolher meios: escolha de meios adequados para
atingir determinados fins. Vai caber ao julgador a escolha. Decorre da estrutura
dos deveres positivos: diversidade de meios aproximadamente adequados para
se alcançar os mesmos fins. Será uma livre escolha de quem vai julgar.
• Discricionariedade para sopesar: Concepção do ponto máximo com a
otimização; otimização entendida como realização na maior medida possível
diante de circunstâncias fáticas e jurídicas.
• Adequação: critérios negativos de afastamento de determinada norma. Vamos
analisar qual norma não é necessária.
• Necessidade: serão avaliados os meios considerados adequados para se
solucionar determinado caso; vai buscar o meio que traga menos prejuízos aos
direitos fundamentais.
• Proporcionalidade em sentido estrito: o que seria menos gravoso, verificar o
maior for o grau de satisfação
• Grau de afetação ou não satisfação do princípio: importância da satisfação do
princípio colidente; analisar se a satisfação de um justifica a afetação do outro.
• Alexy cria o modelo triádico para sopesar os princípios: analisa o grau de
afetação do princípio com a importância de satisfação do princípio colidente,
sempre a luz do caso concreto.
• A lei epistêmica do sopesamento faz referência ao peso da intervenção
• Fórmula do peso: intensidade da intervenção e o peso abstrato do princípio
envolvido.
• Alexy esta trabalhando em um âmbito de problemas que a reprodução ordinária
do sistema não daria conta dos hard cases. Não estamos falando de
sopesamento para entender ou aplicar qualquer regra, mas sim princípios
aplicados ao hard cases que envolve direitos fundamentais. Se estuda
sopesamento dentro do âmbito dos direitos fundamentais, nunca fora deles.
• A crítica principal seria não poder trazer à epistemologia algo que é político, e
se é politico o lugar dele não é numa corte constitucional. Não podemos ter
teorias que tentam controlar a cabeça de quem julga e sim apostar no
fortalecimento do tecido normativo, numa melhor dogmática.
• Alexy acredita que uma abordagem epistêmica é capaz de manter o julgador
no centro de um sistema jurídico. O que controla o juiz na Alemanha por
exemplo, não é uma teoria, mas a própria rigidez do sistema político.
• A melhor decisão para Alexy segue um modelo utilitarista clássico: seria a
melhor decisão para um maior número de pessoas.
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• Alexy considera que regras constitucionais tem efeitos de bloqueio para a


ponderação do judiciário, porque as regras e garantias não podem ser
ponderadas pelo poder judiciário, pois há uma decisão constituinte originária que
já fez essa ponderação.
• Crítica: Quem estabelece o peso dos princípios? Quem elege os princípios que
estão em jogo? Não é o sistema que se auto valora, esses pesos não são auto
identificados pelo sistema, portanto a justificação não é interna, mas externa. A
justificação não pode ser controlado por uma racionalidade analítica de controle
do sistema, mas sim externa que é procedimental, nesse ponto ele se aproxima
de Habermas, no sentido que é preciso teoria da argumentação e prática
argumentativa, é preciso haver uma construção argumentativa que justifique o
estabelecimento de pesos.
AULA 17 (07/11/2018)
Seminário sobre Robert Alexy: A argumentação jurídica como discurso
racional – Manuel Atienza
Não consegui anotar nada.
AULA 18 (12/11/2018)
Revisão
• Walber diz que o texto nunca vai ter a clareza que queremos e que a solução
semântica não é suficiente, tampouco capaz de universalização. Buscar o
sentido das palavras não é uma solução hermenêutica.
• A solução para isso é o pensamento exegético: métodos sintáticos que será
responsável por tornar o obscuro claro, o inexistente existente e o insuficiente
suficiente. Não aposta na relação palavra x coisa, e sim na relação palavra x
palavra, a semântica é um problema a ser superado, para que a revelação
semântica se revele de modo a fazer o Direito funcionar. O método gramatical é
a análise sintática do texto do legislador. Aqui considera-se que o legislador não
erra.
• A Alemanha vai tentar construir métodos que não depenam da “perfeição” do
legislador. Eles substituem a racionalidade histórica por uma crítica kantiana
(liberdade e moral kantiana) da normatividade histórica. O direito é um produto
histórico, mas não quer dizer que seja fundado na tradição.
• Esse método também vai entrar em crise, com a revolução das comunicações,
confiar apenas na semântica da palavra não era seguro, pois os sentidos
passaram a mudar muito rápido. A solução vai ser baseado em algo que não
muda, logo a solução vai reproduzir a o peso da equação valorativa que fundou
aquela norma.
• No inicio do século XX temos o neo positivismo. O pós-positivismo vai olhar
para todos os métodos produzidos ao longo desse período (histórico, gramatical,
teleológico, comparativo, sistemático) e dizer que cada um deles dá um resultado
diferente, portanto, não são confiáveis. Kelsen, por exemplo, não vai propor um
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

método, e sim dizer como o sujeito com competência para interpretar o direito
(competência essa dada pelo próprio direito) interpreta e aplica esse direito. O
positivismo, portanto, não é hermenêutico, pois não tem circularidade.
• Com isso, estudamos duas teorias circulares: A Teoria Tridimensional do
Direito de Reali e a teoria de Carlos Cosso. Esses modelos não consideraram a
pluralidade da sociedade, uma sociedade onde os princípios plurais produzem
diferentes sentidos das respostas do Direito. Nesse sentido, começamos a
estudar Alexy, ele defende que nossas pré-compreensões não podem extrapolar
a normatividade da Constituição.
• Isso significa que uma teoria do direito precisa dizer como é a estrutura da
interpretação e fazer um controle dialógico discursivo.
• Hoje, estamos num patamar que vamos precisar não de uma teoria para
interpretação, mas uma teoria da argumentação (dialógicas)
Aula 19 (14/11/2018)
O desafio da sociedade plural
• O problema de hoje é que vivemos em uma sociedade da pluralidade marcada
pela complexidade, não sendo possível mais imperativos normativos no sentido
de “a sociedade deve ser de tal maneira”. Não há como eliminar a pluralidade.
• Diferentes vetores valorativos que circundam a sociedade e estão presentes.
Isso não significa que qualquer ideia seja sustentável, especialmente aquelas
que querem justamente negar a dimensão plural e se colocar como exclusiva. O
tema da intolerância não cabe numa perspectiva plural de sociedade.
• Não vivemos apenas um desafio da pluralidade, mas também da complexidade
e seus desdobramentos que a complexidade exigiu para o funcionamento da
sociedade.
• A sociedade complexidade vai se implicando nela mesma e exigindo
diferenciação funcional. Cria diferentes esferas de comunicação que ao se
diferenciarem cuidam apenas e tão somente dessa dimensão da complexidade:
cada indivíduo faz uma coisa.
• A tentativa de reduzir a complexidade, paradoxalmente, aumenta a
complexidade, porque quanto mais você se especializa em um assunto, mais
problemas você enxerga nele. Tome como exemplo a medicina, que cada vez
mais cria áreas de especialização (ortopedia – ortopedia com ênfase no
pé/joelho/etc). A consequência disso é que nós tendemos a ser muito bons
naquilo que a gente se especializa, mas começamos a ser muito ruins em outras
coisas, não enxergando aquilo que não somos especializados.
• Walber compara a sociedade a um software. O software é complexo, mas para
fazer coisas específicas (como escrever um texto, editar uma foto etc) você
precisa de um programa específico para isso (word, photoshop etc)
Hermenêutica Jurídica – Walber Lívia Andrade 2018.2

• O problema é fazer com que esses diferentes sistemas especializados


dialogarem entre si, porque os sistemas complexos se isolam um dos outros.
Logo, o problema está na alteridade: alguém inserido em um sistema entender
o outro.
• o Direito é um dos sistemas da sociedade diferenciada. Ele está interligado com
outros sistemas globais. Teorias que enxergam o Direito em uma perspectiva
nacional, ignorando o nível global, podem ser nocivas.
• Nenhuma teoria que queira resolver o problema da contingência de sentido
pode querer pré-determinar esse sentido como se ele fosse uma determinação
individual, porque não funciona (determinar o sentido através da cabeça do juiz,
não funciona).
• Nenhuma teoria vai fazer que o indíviduo opere nesse controle epistêmico e
metodológico, não tem como controlar como o indivíduo pensa.
• Os sistemas não conversam entre si e isso é uma característica da sociedade
funcionalmente diferenciada. As nossas teorias não estão preocupadas com a
relação dos sistemas com o ambiente.
• Nossas teorias precisam deixar de se preocupar com semântica e a relação
semântica interna do direito e passar a pensar em uma teoria ambiental.
Precisamos entender como o sistema funciona, e o sistema não funciona entre
sujeitos presentes, e sim ausentes, já que as pessoas que produzem o Direito
não estão ali presentes aplicando o Direito. Uma teoria hermenêutica que
intervenha no nível sistêmico da comunicação

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