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Em direção a uma poética do discurso

• p.177: A apreciação sobre a história é, na realidade, consecutiva às considerações


sobre as transformações do olhar voltado para as ciências humanas pela linguística
contemporânea.
• p.178: As relações de Benveniste com o seu século não são anedóticas. Elas revelam
uma atenção às formas históricas do saber no domínio das ciências humanas e às
condições de suas transformações a partir de uma reflexão sobre a linguagem.
• p.179: Dentre as aberturas que a teoria de Benveniste pode suscitar, a mais
interessante é, certamente, a teoria do ritmo elaborada por Henri Meschonnic. Sua
situação quanto à linguística da enunciação é clara: o que eu interpreto aqui só é
possível por Benveniste e só visa a continuá-lo. Ele (Meschonnic) entende a teoria
linguística de Benveniste para além dos estudos de língua, que ele menciona para
evidenciar a importância real de um pensamento que “não acabou de transformar as
condições da poética e da política da linguagem”.
• P. 170: A originalidade e a eficácia do pensamento de Henri Meschonnic residem na
elaboração de sua teoria do ritmo como impensado da teorização sobre a enunciação
de Benveniste.

A noção de ritmo
• p. 179: O problema do ritmo não parece central na teorização da enunciação de
Benveniste.
• p. 180: Contra a ideia de uma significação natural da noção de ritmo, Benveniste
mostra que essa acepção é, na realidade, a metaforização de uma concepção
historicamente datada do ritmo como “princípio de movimento cadenciado”.
• p.182: A ideia de que o ritmo possa servir para “caracterizar distintivamente os
comportamentos humanos” lhe confere uma dimensão ética que verifica o emprego
da palavra ritmo pelos poetas líricos, onde ele toma o valor de “’forma’ individual e
distinta do caráter humano”.
• p. 183: É precisamente sobre esse fundo semântico da teoria da linguagem que Henri
Meschonnic vai colocar em relação a linguística da enunciação e o trabalho de
historicização da noção de ritmo.
• p.183: Antes de examinar o ritmo na teoria da enunciação, deve-se notar um aspecto
importante no pensamento de Benveniste. Trata-se do ponto de partida constituído
pela noção do discurso, tal qual é teorizada em “Problemas de linguística geral” por
uma releitura das concepções de Saussure.
• p. 183: Segundo Henri Meschonnic, “um dos maiores paradoxos das condições
teóricas de possibilidade do discurso é de ser fundada no trabalho de Saussure, que,
aparentemente, está em outro lugar”.
• p. 183: Como precisa H.M, “a pesquisa do discurso faz necessariamente de Saussure
uma leitura diferente daquela do estruturalismo, que a didatiza e a escolariza em
língua/fala, sincronia/diacronia, com o pressuposto de rigor da continuidade entre
Saussure e o estruturalismo.
• p.184: Quatro princípios fundadores de um pensamento sobre o discurso, que nascem
na linguística de Saussure: “o ‘radicalmente arbitrário’ do signo, condição de
historicidade radical da linguagem e do discurso; o pensamento do funcionamento,
contra a origem e contra as ‘subdivisões tradicionais’ (léxico, morfologia, sintaxe); o
valor contra a noção do sentido; e o sistema contra o historicismo, a nomenclatura,
mas também a estrutura com a qual o estruturalismo confundiu a noção de sistema.
• p. 184: Estes quatro princípios “determinam, juntos, a hipótese de uma primazia do
discurso, que Saussure não formulou, mas tornou possível”.
• p. 184: Fazendo do ritmo um conceito maior da teoria do discurso, H.M permite, a
partir de Benveniste, pensar a passagem de uma linguística da enunciação para uma
poética da enunciação, que levará em consideração, na reflexão sobre a linguagem,
a noção do poema.
• p. 185: “Na linguagem, pode-se analisar como se dá a organização do discurso por
um sujeito e de um sujeito pelo seu discurso, fazendo intervir toda a antropológico
excluído pelo signo: o corpo, a voz, a prosódia, que colocam a poesia na linguagem
ordinária, no lugar da velha aliança do signo e do ritmo que os excluía um do outro.
• p.186: A ideia essencial resultado da concepção pré-socrática do ritmo é, portanto, “a
organização do movimento, que integra a periodicidade, a simetria no infinito das
figuras”. O ritmo assim definido aparece como o oposto teórico do pensamento do
esquema, fundado sobre o finito e o mesurável. Enquanto “organização do
movimento”, o ritmo integra “a periodicidade”, mas como manifestação temporal e
temporária. O simétrico, a alternativa, a cadência, junto com o “infinito das figuras”,
não podem, então, transcender uma concepção do ritmo que se torna indissociável do
pensamento da historicidade na linguagem.
• p. 186: Se o pensamento do ritmo é indissociável de um pensamento da linguagem,
como “radicalmente histórico”, então, “o ritmo constitui a linguagem não como língua,
mas como discurso; não como signo, mas como significância; não nas “subdivisões
tradicionais” criticadas por Saussure (léxico, morfologia, sintaxe), mas como sistema
(nem nomenclatura, nem estrutura); não como sentido, mas como valor; não como
origem, mas como funcionamento; não na polaridade entre convenção e natureza,
mas no “radicalmente arbitrário” tido como histórico.
• p. 187: O ritmo “é o fazer no interior do dizer, organização da enunciação, mais ainda
que do enunciado. Sua onipresença e seu modo de atividade lhe fazem escapar da
intenção, da consciência, do subjetivismo, do deliberado, da redução - que caracteriza
a primazia da língua - da enunciação no emprego do pronome pessoal eu”.
• p. 187: O ritmo como organização subjetiva do discurso, organização da subjetividade
no discurso, supõe não se confundir o indivíduo e o sujeito, não mais opor o sujeito e
o social.
• p. 187: O ato de discurso, sendo constitutivo da subjetividade, é incompatível com
uma concepção instrumental da linguagem - seja total ou parcial, no caso de uma
localização da subjetivação de certos morfemas. “Na teoria do ritmo que Benveniste
tornou possível, o discurso não é o emprego dos signos, mas a atividade dos sujeitos
na e contra uma história, uma cultura, uma língua – que é sempre e somente discurso”.
A teoria do ritmo coloca, então, a indissociabilidade do sujeito e da linguagem.

● p. 188: “É o discurso inteiro que revela a natureza da língua na qual ele é


construído”(LP).
● p. 188: Da mesma maneira, o ritmo não é um suplemento estético, portanto facultativo,
da linguagem. Ele é “necessariamente uma organização ou configuração do sujeito
em seu discurso”.
● p. 188: Fazendo do ritmo “uma organização do sentido no discurso”, e do sentido “uma
atividade do sujeito”, colocando que só há sentido e ritmo “por e para os sujeitos”, H.M
torna indissociável o pensamento do ético, o pensamento do político e - esta será a
maior contribuição à teoria da linguagem - o pensamento do poético.

O horizonte do poema
● p. 189: Em realidade, a literatura não é uma preocupação estrangeira ao autor dos
Problemas de linguística geral.
● p. 189: “Tudo que é impresso não é feito para ser lido, no sentido tradicional; existem
novos modos de leitura, apropriados aos novos modos de escritura. É um recolocar
em questão todo o poder significante tradicional da linguagem. Trata-se de saber se
a linguagem está fadada a sempre descrever um mundo idêntico pelos meios
idênticos, variando somente a escolha dos epítetos ou dos verbos. Ou se se pode
vislumbrar outros meios de expressão não descritivos e se há uma outra qualidade de
significação que nasce dessa ruptura”.
● p. 190: No que concerne à análise literária, “cujos métodos se renovam por meio de
parâmetros e que podem desconcertar as disciplinas tradicionais”, Benveniste afirma
a necessidade de levar em conta as pesquisas da linguística. Mas, sobretudo, ele
sublinha a importância de uma coordenação entre o estudo da linguagem e da
literatura.
● p. 192: Paralelamente a seus trabalhos de linguística geral e de filologia comparada,
Benveniste trabalha sobre Baudelaire e sobre a linguagem poética: “a teoria da
linguagem poética não existe ainda. O presente ensaio tem por objetivo apressar um
pouco seu surgimento”.
● p. 193: Diante da “dificuldade de sair das categorias utilizadas pela análise da
linguagem ordinária”, Benveniste busca um aparelho conceitual capaz de levar em
consideração - e de manifestar - a especificidade da linguagem poética.
● p. 193: “A análise da linguagem poética exige em toda a extensão do domínio
linguístico categorias distintas. Não se saberá ser tão radical. Deve-se, então, propor
uma fonética poética, uma sintaxe poética, uma gramática poética, uma lexicologia
poética” e um significado específico.
● p. 193: O que visa Benveniste é a elaboração de uma verdadeira “gramática semântica
(ou poética)” (LP).
● p. 195: “Parece que a linguagem poética nos revela um tipo de língua de cuja
expansão, riqueza, natureza singular, mal se suspeita, até o presente. A língua poética
deve ser considerada nela mesma por ela mesma. Ela tem um outro modo de
significação, diferente da língua ordinária, e ela deve receber um aparelho de
definições diferentes. Ela demandará uma linguística diferente”. Quer dizer, uma
poética da linguagem.
● p. 196: A noção de “consecutividade” tem, aqui, o estatuto de um conceito crítico
colocando em questão a sucessividade como funcionamento unidimensional da
linguagem na comunicação, pelo benefício de um pensamento de um contínuo não-
linear como modo de funcionamento da linguagem.
● p. 196: “Observa-se, enfim, que a ‘sintaxe’ onde se encadeiam esses símbolos
inconscientes não obedece a qualquer exigência lógica”. O uso de “sintaxe” entre
aspas indica aqui a dimensão crítica da reconceptualização da noção.
● p. 197: O princípio da rima explica que o poema constrói sua própria gramática e
igualmente seu próprio léxico, “os signos linguísticos comuns a todos” tornam-se,
então, “vocábulos únicos, de denominações recreativas”. Quer dizer que esta
“invenção de escritura” que se realiza, enquanto discurso, na e pela língua, se faz
igualmente para a língua.
● p. 198: “Em poesia, a ideia também é poética”. O processo, então, resulta nessa
“retórica profunda”, à qual Baudelaire identificava o trabalho do poema.
● p. 198: “O que fizemos até agora é a análise descritiva do poema. O que eu tento
descobrir é o modo de funcionamento da língua poética.”
● p. 198: É nessa perspectiva que se inscreve a teoria do ritmo de H.M, que faz da
poesia o domínio privilegiado do pensamento conjunto do sujeito, da sociedade, da
linguagem: “A questão do ritmo tem o inseparável de uma teoria da linguagem e de
uma teoria da literatura, pois se um sujeito pode ser unidade de ritmo, se um discurso
pode ser unidade de ritmo, só é possível quando um sujeito se inscreve ao máximo
no seu discurso, inscreve ao máximo sua situação em um discurso, se torna um
sistema.”

Uma semântica da arte


• p. 199: pode-se pensar que o discurso que ele [Benveniste] apresenta sobre as artes
plásticas é o discurso que ele não apresentou sobre a poesia, “oficialmente” ao
menos, já que ele se encontrava no centro de um ensaio em preparação sobre a
“linguagem poética”, na qual o poeta se encontrava explicitamente integrando no
paradigma dos praticantes de arte, da mesma forma que o pintor e o escultor.
• p. 200: é inegável, em todo caso, que Benveniste considerava o poema menos como
uma prática artística, do que como a dimensão artística da linguagem, o lugar em que
o valor se constitui.
• p. 201: é em todo caso a propósito da arte, e mais exatamente das “expressões
artísticas”, que a ideia de um “semântico sem semiótico” é formulada, colocando a
autonomia de um conceito que designa um modo específico de significação
dissociado do modo semiótico.
• p. 201: é por isso que confundir a significância de uma obra plástica com a designação
lexical de seus componentes tem por consequência não somente o sair fora do
sistema da obra, mas sobretudo, a introdução da descontinuidade em um sistema em
que nenhuma unidade é discreta. É esse o sentido da proposição e Braque sobre os
espectadores que reduzem seus comentários ao inventário de objetos representados
sobre as telas: “essas pessoas parecem ignorar totalmente que o que está entre a
maçã e o prato se pinta também”.
• p. 202: como falar da pintura, se o sistema da língua é inadequado ao sistema das
obras plásticas?
• p. 202: ao sublinhar o termo significação, Benveniste não faz alusão aos sistemas
cromáticos preexistentes das teorias plásticas, mas antes a alguma coisa que se
passe no interior de cada obra de arte.
• p. 203: o princípio de uma significância específica da arte inclui, necessariamente, o
poema: “o poeta recria portanto uma semiologia nova, pelas conexões novas e livres
das palavras” (LP)
• p. 203: com a irredutibilidade das obras, é a subjetividade que se encontra no coração
mesmo da questão da arte.
• p. 203: essa especificidade da obra de arte, que conduz a definir sua significação pela
afirmação de sua dimensão subjetiva, é exatamente o que se chama de manière.
Noção a ser reconceptualizada, a manière nomeia indissociavelmente uma forma e a
historicidade de uma prática.
• p. 205: Que a arte implique a linguagem – na sua acepção “linguística”, quer dizer
enquanto língua – como interpretante, isso significa que a linguagem é o único sistema
que permite fazer da arte a subjetividade-historicidade de uma prática significante. A
linguagem funda a representação, a mimèsis, no sentido que lhe dá Aristóteles na
Poética, quer dizer não a cópia, a duplicação do mundo, sobre o modelo platônico,
mas o processo pelo qual a experiência do mundo se encontra informada e
historicizada por uma subjetividade, e que, ao transformar os pragmata em muthos,
realiza uma verdadeira “semântica do mundo” lingando significação e subjetivação.
• p. 206: é, sem dúvida, legítimo de considerar que uma imagem publicitária funciona
como um signo ou um conjunto de signos, o método da nominação-designação, que
esgota a descrição, só pode perder a significação – contínua – de uma obra de arte.
A arte escapa ao signo, porque o signo não diz nada dessa subjetividade-linguagem
que informa o objeto na experiência artística.
• p. 206: é o que mostra, nas descrições de quadros, a utilização de formas dêiticas da
língua, que constituem a situação de enunciação em referência absoluta. [...] Assim,
os dêiticos espaciais e o presente do indicativo instituem um ponto de vista um ponto
de fala.
• p. 207: a introdução da noção de estilo no horizonte dos estudos da linguagem tem
por efeito abrir o objeto linguagem legitimando certos de sus componentes que
recusando a abordagem pela lógica do signo: “encaminha-se aí para os estudos sobre
a ordem das palavras, sobre a qualidade dos sons, sobre os ritmos e a prosódia como
sobre os recursos lexicais e gramaticais da língua”.
• p. 208: o desconhecido, em uma obra de arte, relaciona-se a esse “semiótico” pessoal,
que é indissociavelmente uma matéria e uma manière, uma matéria informada de
manière que a estrutura e a torna significante. O que o discurso interpretante persegue
é “a manière pela qual o inventor de um estilo modela uma matéria comum”. E ele o
faz à sua maneira. Dito de outra forma, o sujeito se torna, pelo seu discurso, sujeito
da arte ao tornar-se linguisticamente essa aventura suscitada por um objeto que ele
reconhece informado de manière. Dizer a manière deveria ser o desafio mesmo do
discurso da arte.

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