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A noção de ritmo
• p. 179: O problema do ritmo não parece central na teorização da enunciação de
Benveniste.
• p. 180: Contra a ideia de uma significação natural da noção de ritmo, Benveniste
mostra que essa acepção é, na realidade, a metaforização de uma concepção
historicamente datada do ritmo como “princípio de movimento cadenciado”.
• p.182: A ideia de que o ritmo possa servir para “caracterizar distintivamente os
comportamentos humanos” lhe confere uma dimensão ética que verifica o emprego
da palavra ritmo pelos poetas líricos, onde ele toma o valor de “’forma’ individual e
distinta do caráter humano”.
• p. 183: É precisamente sobre esse fundo semântico da teoria da linguagem que Henri
Meschonnic vai colocar em relação a linguística da enunciação e o trabalho de
historicização da noção de ritmo.
• p.183: Antes de examinar o ritmo na teoria da enunciação, deve-se notar um aspecto
importante no pensamento de Benveniste. Trata-se do ponto de partida constituído
pela noção do discurso, tal qual é teorizada em “Problemas de linguística geral” por
uma releitura das concepções de Saussure.
• p. 183: Segundo Henri Meschonnic, “um dos maiores paradoxos das condições
teóricas de possibilidade do discurso é de ser fundada no trabalho de Saussure, que,
aparentemente, está em outro lugar”.
• p. 183: Como precisa H.M, “a pesquisa do discurso faz necessariamente de Saussure
uma leitura diferente daquela do estruturalismo, que a didatiza e a escolariza em
língua/fala, sincronia/diacronia, com o pressuposto de rigor da continuidade entre
Saussure e o estruturalismo.
• p.184: Quatro princípios fundadores de um pensamento sobre o discurso, que nascem
na linguística de Saussure: “o ‘radicalmente arbitrário’ do signo, condição de
historicidade radical da linguagem e do discurso; o pensamento do funcionamento,
contra a origem e contra as ‘subdivisões tradicionais’ (léxico, morfologia, sintaxe); o
valor contra a noção do sentido; e o sistema contra o historicismo, a nomenclatura,
mas também a estrutura com a qual o estruturalismo confundiu a noção de sistema.
• p. 184: Estes quatro princípios “determinam, juntos, a hipótese de uma primazia do
discurso, que Saussure não formulou, mas tornou possível”.
• p. 184: Fazendo do ritmo um conceito maior da teoria do discurso, H.M permite, a
partir de Benveniste, pensar a passagem de uma linguística da enunciação para uma
poética da enunciação, que levará em consideração, na reflexão sobre a linguagem,
a noção do poema.
• p. 185: “Na linguagem, pode-se analisar como se dá a organização do discurso por
um sujeito e de um sujeito pelo seu discurso, fazendo intervir toda a antropológico
excluído pelo signo: o corpo, a voz, a prosódia, que colocam a poesia na linguagem
ordinária, no lugar da velha aliança do signo e do ritmo que os excluía um do outro.
• p.186: A ideia essencial resultado da concepção pré-socrática do ritmo é, portanto, “a
organização do movimento, que integra a periodicidade, a simetria no infinito das
figuras”. O ritmo assim definido aparece como o oposto teórico do pensamento do
esquema, fundado sobre o finito e o mesurável. Enquanto “organização do
movimento”, o ritmo integra “a periodicidade”, mas como manifestação temporal e
temporária. O simétrico, a alternativa, a cadência, junto com o “infinito das figuras”,
não podem, então, transcender uma concepção do ritmo que se torna indissociável do
pensamento da historicidade na linguagem.
• p. 186: Se o pensamento do ritmo é indissociável de um pensamento da linguagem,
como “radicalmente histórico”, então, “o ritmo constitui a linguagem não como língua,
mas como discurso; não como signo, mas como significância; não nas “subdivisões
tradicionais” criticadas por Saussure (léxico, morfologia, sintaxe), mas como sistema
(nem nomenclatura, nem estrutura); não como sentido, mas como valor; não como
origem, mas como funcionamento; não na polaridade entre convenção e natureza,
mas no “radicalmente arbitrário” tido como histórico.
• p. 187: O ritmo “é o fazer no interior do dizer, organização da enunciação, mais ainda
que do enunciado. Sua onipresença e seu modo de atividade lhe fazem escapar da
intenção, da consciência, do subjetivismo, do deliberado, da redução - que caracteriza
a primazia da língua - da enunciação no emprego do pronome pessoal eu”.
• p. 187: O ritmo como organização subjetiva do discurso, organização da subjetividade
no discurso, supõe não se confundir o indivíduo e o sujeito, não mais opor o sujeito e
o social.
• p. 187: O ato de discurso, sendo constitutivo da subjetividade, é incompatível com
uma concepção instrumental da linguagem - seja total ou parcial, no caso de uma
localização da subjetivação de certos morfemas. “Na teoria do ritmo que Benveniste
tornou possível, o discurso não é o emprego dos signos, mas a atividade dos sujeitos
na e contra uma história, uma cultura, uma língua – que é sempre e somente discurso”.
A teoria do ritmo coloca, então, a indissociabilidade do sujeito e da linguagem.
O horizonte do poema
● p. 189: Em realidade, a literatura não é uma preocupação estrangeira ao autor dos
Problemas de linguística geral.
● p. 189: “Tudo que é impresso não é feito para ser lido, no sentido tradicional; existem
novos modos de leitura, apropriados aos novos modos de escritura. É um recolocar
em questão todo o poder significante tradicional da linguagem. Trata-se de saber se
a linguagem está fadada a sempre descrever um mundo idêntico pelos meios
idênticos, variando somente a escolha dos epítetos ou dos verbos. Ou se se pode
vislumbrar outros meios de expressão não descritivos e se há uma outra qualidade de
significação que nasce dessa ruptura”.
● p. 190: No que concerne à análise literária, “cujos métodos se renovam por meio de
parâmetros e que podem desconcertar as disciplinas tradicionais”, Benveniste afirma
a necessidade de levar em conta as pesquisas da linguística. Mas, sobretudo, ele
sublinha a importância de uma coordenação entre o estudo da linguagem e da
literatura.
● p. 192: Paralelamente a seus trabalhos de linguística geral e de filologia comparada,
Benveniste trabalha sobre Baudelaire e sobre a linguagem poética: “a teoria da
linguagem poética não existe ainda. O presente ensaio tem por objetivo apressar um
pouco seu surgimento”.
● p. 193: Diante da “dificuldade de sair das categorias utilizadas pela análise da
linguagem ordinária”, Benveniste busca um aparelho conceitual capaz de levar em
consideração - e de manifestar - a especificidade da linguagem poética.
● p. 193: “A análise da linguagem poética exige em toda a extensão do domínio
linguístico categorias distintas. Não se saberá ser tão radical. Deve-se, então, propor
uma fonética poética, uma sintaxe poética, uma gramática poética, uma lexicologia
poética” e um significado específico.
● p. 193: O que visa Benveniste é a elaboração de uma verdadeira “gramática semântica
(ou poética)” (LP).
● p. 195: “Parece que a linguagem poética nos revela um tipo de língua de cuja
expansão, riqueza, natureza singular, mal se suspeita, até o presente. A língua poética
deve ser considerada nela mesma por ela mesma. Ela tem um outro modo de
significação, diferente da língua ordinária, e ela deve receber um aparelho de
definições diferentes. Ela demandará uma linguística diferente”. Quer dizer, uma
poética da linguagem.
● p. 196: A noção de “consecutividade” tem, aqui, o estatuto de um conceito crítico
colocando em questão a sucessividade como funcionamento unidimensional da
linguagem na comunicação, pelo benefício de um pensamento de um contínuo não-
linear como modo de funcionamento da linguagem.
● p. 196: “Observa-se, enfim, que a ‘sintaxe’ onde se encadeiam esses símbolos
inconscientes não obedece a qualquer exigência lógica”. O uso de “sintaxe” entre
aspas indica aqui a dimensão crítica da reconceptualização da noção.
● p. 197: O princípio da rima explica que o poema constrói sua própria gramática e
igualmente seu próprio léxico, “os signos linguísticos comuns a todos” tornam-se,
então, “vocábulos únicos, de denominações recreativas”. Quer dizer que esta
“invenção de escritura” que se realiza, enquanto discurso, na e pela língua, se faz
igualmente para a língua.
● p. 198: “Em poesia, a ideia também é poética”. O processo, então, resulta nessa
“retórica profunda”, à qual Baudelaire identificava o trabalho do poema.
● p. 198: “O que fizemos até agora é a análise descritiva do poema. O que eu tento
descobrir é o modo de funcionamento da língua poética.”
● p. 198: É nessa perspectiva que se inscreve a teoria do ritmo de H.M, que faz da
poesia o domínio privilegiado do pensamento conjunto do sujeito, da sociedade, da
linguagem: “A questão do ritmo tem o inseparável de uma teoria da linguagem e de
uma teoria da literatura, pois se um sujeito pode ser unidade de ritmo, se um discurso
pode ser unidade de ritmo, só é possível quando um sujeito se inscreve ao máximo
no seu discurso, inscreve ao máximo sua situação em um discurso, se torna um
sistema.”