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Saussure: a virada epistemológica

(excertos do texto “A ATUALIDADE DO SAUSSURISMO” de Algirdas-Julien Greimas, por ocasião do 40º


aniversário da publicação do Curso de lingüística geral. (Texto publicado inicialmente em Le français moderne,
1956, n. 24, p. 191-203. Tradução: Luciana S. Salgado (USP/FAPESP)

 Linguagem, espelho do pensamento: a perseverança de uma psicologia tradicional que pretendia, a todo custo,
interpretar os fenômenos lingüísticos no quadro de relações recíprocas entre as duas "substâncias": o
pensamento e a linguagem.
 Gênio, intenção e imaginação: a primazia do sujeito cartesiano.
 A originalidade da contribuição de F. de Saussure reside na transformação de uma visão do mundo que lhe era
própria – e que consiste em tomar o mundo como uma vasta rede de relações, como uma arquitetura de formas
carregadas de sentido, portadoras de sua própria significação – em uma teoria do conhecimento e uma
metodologia lingüística.
 Partindo do conceito lingüístico designificante, indissoluvelmente ligado ao significado (sendo este conhecido
apenas por meio daquele), e da noção de língua, esse ente de dupla face, concebida como "uma forma e não
(como) uma substância", é que se efetua a passagem da lingüística às outras ciências humanas, a extrapolação
metodológica do saussurismo, e assim é que se afirma o postulado saussuriano de um mundo estruturado,
apreensível em suas significações.
 A extensão da teoria saussuriana à sociologia, cujo mérito é tributável a Claude Lévi-Strauss, que reuniu pela
primeira vez Freud e Saussure.
 A aplicação do postulado saussuriano (língua e fala) permite opor de modo válido o processo da comunicação
das mulheres às estruturas de parentesco; a troca de bens e serviços à estrutura econômica. Mais amplamente:
as relações sociais, objeto da psicologia social, à estrutura social, objeto da sociologia, ou, para usar a
terminologia marxista que M. Merleau-Ponty trouxe para o pensamento saussereano — manobrando, assim,
uma abertura possível da sociologia à história —, as forças produtivas às formas da produção.
 A língua, assim situada no contexto social global, pode ser compreendida de dois modos: seja como um
sistema – bastante complexo, é verdade, mas relativamente fechado – de relações fonológicas e
morfossintáticas que apóiam a comunicação; seja, enfim, num sentido mais amplo do termo, como uma
espécie de condensamento da totalidade de mensagens humanas trocadas, o significante lingüístico
recobrindo, então, um vasto significado cuja expressão corresponderá, mais ou menos, ao conceito de cultura.
 Pensando nos sistemas mitológicos, nos religiosos, ou nessa forma moderna de fabulação que é a literatura:
nesses casos, considerados esses conjuntos e deixando à significação autônoma que seja o que é, quer dizer,
que seja um sistema de signos, parece que a língua se vê ao mesmo tempo utilizada como instrumento e
servindo à construção das "ordens de pensamento" mediadas, as metalinguagens. Da mesma maneira como a
língua, para construir seus próprios sistemas de signos, utiliza estruturas fonológicas que, por direito senão de
fato, lhe são anteriores, assim também, poderíamos dizer, as metalinguagens se servem dos signos lingüísticos
para desenvolver suas próprias formas autônomas. 
 R. Barthes leva o postulado saussureano para os Estudos Literários e sua contribuição reside, em parte, na
afirmação da autonomia da linguagem literária, cujos signos são irredutíveis aos signos lingüísticos simples e,
em parte, na evidenciação da significação global das formas literárias de uma época. Independentemente de
qualquer conteúdo que se proponha comunicar por meio do texto, a escritura –nome que R. Barthes escolheu
para designar o conjunto de signos literários – tem por função "impor um além-linguagem que é, ao mesmo
tempo, a História e o partido que nela se toma". Esse conceito de escritura, que já começa a ser utilizado na
crítica literária, parece prometer uma renovação de métodos literários e talvez até mesmo uma nova
concepção da história, como "história da Escritura".

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