Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
RESUMO
Com as políticas de ações afirmativas, o sistema de cotas para ingresso na universidade
tem oportunizado a grupos historicamente excluídos do ensino superior adentrar ao
espaço universitário. Entretanto, a estrutura acadêmica ainda é a mesma de há um século,
o que torna a permanência para os estudantes “cotistas” mais difícil que para os demais,
sobretudo para aqueles que têm o português como segunda ou terceira língua,
considerando que língua é conhecimento, não apenas instrumento de comunicação. Nesse
sentido, realizei um estudo para entender como é a permanência linguístico-epistêmica e
pedagógica de estudantes indígenas na Universidade Federal de Goiás, a partir da criação
do Programa UFGInclui, principal meio de acesso de estudantes indígenas e quilombolas
na UFG. O objetivo do estudo realizado foi problematizar as condições linguísticas e
epistêmicas de estudantes indígenas de diferentes cursos de graduação na UFG. O ponto
de partida da problematização foi um cuidadoso exame do Programa UFGInclui. A
discussão foi sustentada em conceitos da Sociolinguística, iniciando com o ensaio A
pesquisa sociolinguística, de Fernando Tarallo (1985), seguindo com o ensaio Falando
em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo, de Gloria
Anzaldúa (1980), e com os textos, ainda em elaboração, do OBIAH Grupo de Estudos
Interculturais da Linguagem. Busquei dialogar com os estudantes indígenas da UFG,
através de rodas de conversa, entrevistas em áudio, minidocumentário em vídeo e durante
os nove encontros de Português Intercultural, coordenados por mim e realizados com
estudantes indígenas da UFG de diferentes povos e línguas. Transbordou a este trabalho
a busca constante, política e consciente, pela promoção da permanência e sobrevivência
acadêmica desses estudantes indígenas, ativamente participantes dessa ação.
1
Monografia de conclusão do curso de Letras: Linguística na Faculdade de Letras da Universidade Federal
de Goiás
2
Estudante do curso de Letras: Linguística na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, autora
da monografia.
3
Professora do Departamento de Linguística e Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Goiás, Doutora em Linguística, atua em Sociolinguística e Letramento, orientadora da
monografia.
INTRODUÇÃO
A partir de nossas conversas, um homem cis, hetero, indígena Iny, e eu, mulher,
trans, negra-parda, nasceram o que, a princípio, nomeamos, eu e Ijawala, de Oficinas
Interculturais de Linguagens, que foram os encontros de Português Intercultural. Esses
encontros foram organizados e programados, à medida em que íamos nos encontrando,
na Faculdade de Letras. Em resumo, ao todo, ocorreram nove encontros, a maioria aos
sábados, em alguma sala de aula e no pátio da Faculdade de Letras da UFG, a partir da
autorização que buscamos via requerimento escrito por mim, Larissa Eugelmann (negra-
parda) bacharelanda em Linguística, responsável e mediadora pela/da oficina e por
estudantes indígenas, pertencentes a diversos povos e língua originárias, dos cursos de
Letras: Português, Licenciatura em Geografia, Bacharelado em Economia, Bacharelado
em Enfermagem, Bacharelado em Biologia, Licenciatura em Pedagogia, Bacharelado em
Direito, Bacharelado em Engenharia de Alimentos, Bacharelado em História,
Bacharelado em Agronomia, Bacharelado em Arquitetura.
O pedido/requerimento foi lido, avaliado e deferido pela Direção e pelo Conselho
Diretor da Faculdade de Letras. Começamos, então, a escrever este projeto de atividades
e, sob a orientação da professora Tânia Rezende, coloquei-me na posição de ouvir, na
escuta atenta e empática. Sem nenhuma pretensão salvífica, perguntei a Ijawala o que ele
considerava relevante para si, naquele momento e que pudesse o ser também para os
demais estudantes indígenas, com os quais entraríamos em contato para falar dessas
ações/encontros bem como lhes ouvir, referente às suas demandas e expectativas sobre
essas atividades extracurriculares que propúnhamos realizar. As demandas começaram a
aparecer e, no geral, todas eram atravessadas por questões linguísticas, as
dificuldades/limitações com o português.
No dia 19 de outubro de 2019, um sábado pela manhã, às 9 horas, realizamos o
primeiro encontro de Português Intercultural, construindo em diálogo um cronograma de
atividades a serem realizadas nos próximos encontros que viriam a acontecer, no pátio
externo da Faculdade de Letras (UFG). Foram ouvidas as demandas dos estudantes
indígenas presentes e eram muitas. As condições a que estavam expostos os indígenas,
que não têm o português como língua materna, dentro de uma estrutura universitária
moldada pela colonialidade, eram dignas de atenção, pesquisas e intervenção política.
Para isso, já a priori, percebemos que essa relação de aproximação e início de um
trabalho/projeto a que almejávamos deveria ser também atravessada de acolhimento e
afetividade, para além de qualquer trabalho formal de instrumentalização de quaisquer
conhecimentos que neles fossem construído/produzido/compartilhados. Ademais disso
nos pautamos, também, na Resolução Consuni 29/2008, de criação do UFGInclui, em
especial, a seção que trata das ações a serem tomadas “posteriores ao ingresso” desses
estudantes-identidades alvo do Programa, a saber:
[Larissa]
"Então, eu sou a Larissa da UFG, brasileira, parda, nascida em São Paulo (estado), tenho
como língua materna a língua portuguesa, curso Letras/Linguística. Meu ano de ingresso
na UFG é 2015 primeiro semestre. E, como tenho a língua portuguesa como língua
materna, desde a minha infância, eu já tenho contato com língua portuguesa né, porque é
minha língua materna, minha língua... adquirida já a priori. Aí eu vou passar então a fala
pros estudantes indígenas que vão se apresentar dizendo agora qual é o seu nome, a sua
etnia, a sua língua, o curso que eles fazem, qual ano ingressou na UFG e com quantos
anos começaram a ter contato com a língua portuguesa.
Então, cê pode começar Amós? Então, só se apresentar e você fala 'seu nome...?'
[Amós] "Meu nome Amós Tsidadze Tsipré, nome completo em português e minha língua,
é... sou do estado do Mato Grosso, indígena da etnia Xavante, o ano que ingressei na UFG
foi em 2016, primeiro. * começou a ter contato e falar português aos 10 anos de idade
(*informação obtida, retomada em 13/12/19)
[Larissa] "E... a sua língua... como é chamada a sua língua?
[Amós] "Minha língua materna, se chama... Xavante, mas tem outro que a gente chama
Macro-jê, tem a divisão das línguas indígenas no Brasil né?
[Larissa] " Assim... e seu curso é?"
[Amós] "Letras-Português, licenciatura"
[Larissa] "Ricardo cê pode falar agora?"
[Ricardo] "É o... meu nome é Ricardo Ijawala Karajá, a minha etnia é Karajá, minha
língua é... é Iny, eu entrei no meu curso no ano de 2017. É Letras-Português."
[Larissa] "E com quantos anos você começou a ter contato com a língua portuguesa?"
[Ricardo] " Eu acho... é... quando eu tinha 16 anos, no primeiro... é... só falava de minha
língua materna mesmo.
[Larissa] "Cê só falava a sua língua materna, sem ter contato com o português, até os 16
anos?"
[Ricardo] "Sim."
[Larissa "É... e o Amarildo pode falar por favor? seu nome...?"
[Amarildo] "Eu sou Amarildo Tehele Karajá. E... sou etnia Karajá, fica no Tocantins, eu
moro na aldeia Fontoura e meu curso é Geografia licenciatura. E... eu entrei nesse ano o...
no faculdade, e 2019 né, e agora... estamo na aqui na faculdade."
[Larissa] "A sua língua é o Iny?"
[Amarildo] "Hum... Karajá, Macro-jê. E... eu comecei com a... contato com língua
portuguesa, desde adulto e... eu acho que 20 ano."
[Larissa] "Só com 20 anos você começou a falar e ouvir português?"
[Amarildo] "Isso."
[Larissa] "Ah tá. Brigada!"
Amós Tsidadze Tsipré, 34 anos, do estado do Mato Grosso, indígena da etnia Xavante,
de língua xavante (A’uwẽ) do tronco Macro-Jê, família Jê, ingresso na UFG no primeiro
semestre de 2016, Curso Letras: Português.
[Estar na universidade, relacionar-se com a língua portuguesa em seu curso, ouvir, ler em
LP]:
Nessa breve narrativa, que vai tomando forma no diálogo, Amós chama atenção
sobre sua relação com o estudo formal, isto é, não-indígena. Após ter ficado dez anos fora
do espaço formal/escolar de ensino, “Depois disso eu fiquei parado muito tempo...”, sua
expressão “apagado minha cabeça”, parece dizer algo sobre um atleta que se
percebe/considera fora de forma, cabe a metáfora. Atleta distante da prática cotidiana,
sistémica, do exercício que pode produzir efetivos resultados. Em relação ao seu acesso,
em 2016, na universidade, todo esse tempo fora do ambiente de treino formal de
educação, também deve ser considerado, para se pensar sua situação linguístico-
epistêmica: “E quando eu cheguei que eu já me reconhecia que eu to apagado né, no
estudo”.
Para além da ausência de sua língua, que é citada “(...) o professor fala só em
português, os textos em português (...)”, pontua seu incômodo com a Literatura “O que
me incomoda mais é literatura nesse... com... meu curso”, talvez porque esta seja
produto direto do grafo-centrismo alfanumérico, que baseia a arte do homem branco e
nela o estudante não se reconheça, não lhe faça sentido. Pontua, também, “O que dificulta
para nós indígena, morador da aldeia... não foi criado na cidade... crescido na cidade...
ainda é mais difícil e... o que choca, cultura, identidade, línguas né?”.
Essa fala traz toda a consciência político-identitária de um estudante indígena que
sabe onde está e em que tipos de relações está enredado ao entrar na universidade. O
choque não é só não ter sido treinado/ensinado a dominar o português em sua forma
padrão, mas é, também, estar nessa estrutura que valoriza/impõe tanto essas formas que
não são também só linguísticas, mas culturais e identitárias e estas não dialogam, pelo
menos de forma honesta, com estes estudantes indígenas, pois suas funções são produzir
inexistências, invisibilidades, desistências. A universidade perde muito ao ignorar esta
diversidade cultural-linguístico-identitária, presente, mesmo apesar de tantos pesares.
Amós também nos chama a atenção para sua consciência sobre educação “A
educação própria do Xavante é bem diferente...”. Há diversas formas de educar, educar
é também um ato social, político e cultural, bem como é identitário, pois forma, constitui
identidades. Sobre a educação do seu povo, que é sua, também, como parte constitutiva
da sua formação identitária e é graças a essa educação recebida que Amós pode se
(re)conhecer e se (a)firmar como um A’uwẽ, que é, portanto, parte integrante de suas
bases epistêmicas.
É sabido, bem como, já citamos acima, que a fala, a narrativa, a oralidade é um
lócus originário de enunciação. Essas bases orais, dentro de uma perspectiva grafo-
centrista, são pouco reconhecidas ou não reconhecidas. Se a universidade as ignora,
descumpre ou foge à luta, a respeito de um conceito bastante citado em sua constituição,
como instituição democrática, que é o conceito de diversidade, pluralidade.
Esses estudantes indígenas, dentro da universidade, não podem/devem ser
convidados a esquecer tudo o que trazem de seus espaços, lugares socioculturais e
identitários, ou seja, toda a bagagem que trazem consigo das experiências vivenciadas
junto a seus povos. Seus conhecimentos, suas vivências, lutas etc., podem/devem ser
valorizados, pois enriquecem a academia e pluralizam os pensamentos e reflexões
produzidas, até então, com suas ausências. Incluir perpassa por trazer em presença, não
só os corpos físicos dito excluídos, reconheço que as marcas que fundamentaram suas
exclusões estão no corpo (físico) também, mas este é político e é esse corpo político que
deve ser cada vez mais incluído até que se faça entre esses corpos e os demais que
constituem a universidade, historicamente (brancos, masculinos, cis, héteros, judaico-
cristãos) um corpo maior que aponte não mais para uma (Uni)versidade, pois há universos
e universos, mas sim para que alcance, enfim, a (Pluri)versidade.
Se há vida no planeta Terra e por consequência existimos, é porque os universos
coexistem com (certa) harmonia, sua dança/movimento é harmônica. Pelo menos, não
tenho notícia nem ouço falar, desde minha infância, sob cuidados de minha mãe, de meus
primeiros anos escolares até o presente momento, na universidade, de que haja guerra,
lutas, disputas entre universos. No sistema solar, tão pouco, ouço falar de ataques entre
os planetas, ou da destruição de algum deles pelo sol, em algum momento de desgosto ou
recalque deste. Todos coexistem e a existência de um não implica a inexistência do outro.
As práticas de destruição, invisibilização, o ignorar ou mesmo o atentar-se contra
a existência do outro, são práticas criadas pelos mesmos que criaram a alteridade
(colonial). Transformações nas nossas relações desde as mais elementares da humanidade
até as universitárias/acadêmicas se fazem necessárias e urgentes. A(s) diferença(s) não
pode(m)/deve(m) seguir sendo marcadores imediatos de exclusão e resistência, ou nos
colocamos em situação de contradição ética, na explícita desarmonia entre o dizer e o
fazer, entre discurso e prática.
Ricardo Ijawala, à época com 21 anos, indígena do povo Iny, língua Iny Rybè, do estado
do Tocantins, curso Letras: Português, ano de ingresso 2017, primeiro semestre, contato
com a língua portuguesa (falada) a partir dos dezesseis anos.
(terceira fala)
"Bom... eu... queria acrescentar é que... é... comparando né a convivência na aldeia e da
cidade. Nossa(!) a vida de aldeia é de muito diferente daqui. Por isso que a gente, tem
vezes que a gente se sente assim... não... não muito bem, é... aqui eu me sinto assim, não
tão... não... tão assim... como eu me sinto na aldeia. é diferente, meu sentimento é...
Porque eu quero aprender, assim... a cultura de [língua] português né, língua português
também, por isso que eu escolhi esse curso, é... Letras-português e... puxa como é que eu
queria falar mesmo (risos)"
Nessa terceira fala, Ijawala traz/compartilha com todos os presentes na roda de
conversas, o motivo pelo qual optou pelo curso de Letras: Português: “Porque eu quero
aprender, assim... a cultura de [língua] português né, língua português também, por
isso que eu escolhi esse curso, é... Letras: Português e... puxa como é que eu queria falar
mesmo (risos)". Apesar de lhe tanto pesar os sentimentos por se sentir deslocado,
diferente de como se sente em sua aldeia, com seu povo, como ele mesmo nos diz, fazendo
uso da comparação:
[Amarildo fala]"É difícil é... participar de... entrevista né... falar comigo... as palavras
foge."
[Larissa fala] "É. Ainda mais em outra língua né. É porque... você pensa, a gente ainda
tem a língua portuguesa como materna, e nós temos dificuldades de expressar nossos
sentimentos, imagina uma pessoa que não tem a língua [portuguesa] como materna ter
que expressar seus sentimento que já não é fácil na sua língua e ainda ter que falar em
outra língua. É bem..."
[Ricardo Iwajala fala] "E também eu, eu acho assim... eu não gosto falar muito por causa
de que eu não (falo) muito bem. Eu gosto de ficar sozinho só por causa disso (risos)
Muitas das vezes eu gosto de ficar sozinho só por causa disso, entendeu? Porque, é... por
causa de... é isso, por causa de minha dificuldade."
Pontuo aqui que, mais uma vez, o sujeito enunciador marca em sua(s) fala(s)
(enunciados) os desdobramentos subjetivos que afetam objetivamente sua(s) vivências(s)
na academia, a barreira linguística se desdobra em “outras” barreiras, coloco outras entre
aspas, porque como já citamos, língua é cultura, episteme, relação social, sentimento,
identidade etc. É por meio da colonialidade da linguagem que o colonizador, ao tentar
eliminar as línguas originárias dos povos indígenas (colonizados) criou o poder e
domínio, quando na subjugação desses povos/identidades, ao ponto que, ao criar
quaisquer barreiras na língua, cria efetivamente barreiras em todos os campos de
percepção, relações e existência desses sujeitos, que se desdobram por meio da
linguagem.
Ao colonizar a linguagem, por meio da dominação das línguas e valores que
circulam no ocidente, principalmente sobre essas, colonizou-se sociedades, culturas,
identidades, pensamento, sentimentos, valores, relações de afetividade e sociabilidade
etc.:
E também eu, eu acho assim... eu não gosto falar muito por causa de
que eu não (falo) muito bem. Eu gosto de ficar sozinho só por causa
disso (risos). Muitas das vezes eu gosto de ficar sozinho só por causa
disso, entendeu? Porque, é... por causa de... é isso, por causa de
minha dificuldade. (IJAWALA, 2019) [destaques meus]
[Larissa fala]"Você não tem muitos amigos, que falam português? Não costuma fazer
amizade, como a gente faz, assim... como muita gente?"
[Ijawala] " Ahãn... Eu... só com ele eu acho... (risos) só com meu primo (Amarildo
Tehele) Eu... Eu... vivo muito com ele, assim sempre, a gente tá andando. Mas é isso, eu
acho que... é muita... tem... é... puxa cara... Hãn..." (áudio 03:09.84 - voz 006)
Amarildo, indígena do povo Iny/ Macro-Jê, língua materna Iny Rybè, do estado
do Tocantins, licenciatura Geografia, ingresso no primeiro semestre de 2019. Contato
com a língua portuguesa (falada) aos vinte anos de idade.
“Então, ãn... eu terminei meu estudo ensino médio, lá na aldeia né. E... no ano passado,
no ano passado não, acho que teve 2016/15 por aí. E aí a gente tem... a gente tem sempre
dificuldade pra falar né, falar português, e... pra... escrever também, e aí eu tenho um
irmão, ele... ele é de faculdade né... terminou na faculdade e... ele me ensinava sempre,
pra escrever e falar também, e aí eu aprendi um pouco né, pra falar um pouco, e aí com...
E meu sonho pra entrar na dentro do... faculdade né, eu sempre falar... um dia eu vou
entrar na faculdade. E... aí quando na dentro da faculdade, e aí... e... eu achei... eu achei
bacana né, achei bacana, como... e... eu me senti muito feliz quando, quando eu entrei
né, mas e... quando... dentro da sala de aula, a gente sempre carrega de... da... dificuldade,
e... o que... o português ei, não é minha língua né, a minha língua é outra é diferente, e...
e tem vez que... eu tenho, eu tenho dificuldade muito com... as professores e... explicando
as... as aula, e... e... como é que se fala...? e... eu sempre...eu sempre fala que..., e... pera
aí, acho que... eu sempre fala que... é português não é... não é minha língua né, e... mas e...
e... e aí eu to indo né pra, como eu to carregando... a dificuldade, mas e...eu sempre, eu
sempre fala... eu sempre fala pra... um dia eu vou conseguir né, mas assim mesmo eu to
indo na aula, mas com... com a gente entrá na... primeiramente, a gente sempre carrega
di dificuldade, a disciplina da aula e falar também, quem não... quem não sabe falar
português também sempre... dificuldade pra... interpretar, lê texto né? Mas é assim
mesmo... e... que a gente...”
[Larissa fala] "Vai se esforçando né...?"
[Amarildo Tehele] Sim... esforçando. E também a gente não deixa pra... o que que o
professor e... os professores né... dá... dão texto e... se deixar pra lá... fica... fica... (...) com
o contexto né, e a gente como não sabe, a gente tem que ler pra... pra, pra... aprender né,
pra aprender e... e... é assim.” (áudio 03:46.09 - voz 005)
(segunda fala)
"E... então hã... E quando eu entrei na dentro da faculdade, a gente sempre leva... leva...
dificuldade né? E... e quando entrei na sala de aula, eu tenho medo de... de... as
professores tava me perguntando sobre... como tipo... experiência té que minha... eu
tenho experiência e... mas e... meu pensamento era ele não perguntava né...
[Larissa fala] "assim, você tinha vergonha da professora..."
[Amarildo Tehele] "Sim, me perguntava né. Eu tinha vergonha falar... sobre falar sobre...
o meu experiência... como eu vivia na minha comunidade né. Mas e... e quando, de vez
em quando, ela me perguntou sobre... como entrei dentro da faculdade e aí falei sobre...
eu entrei, foi sorte não é muita experiência não. E... e também... a a gente sempre, sempre
carrega, pra falar sobre português e pra... a gente tem dificuldade pra falar português,
a maioria indígena né? que não sabe, e quem sabe... quem sabe... não tem (parece'?')
que não tem dificuldade pra... pra explicar alguma coisa né o que que os professores
ensina, o que que os professores... dá o texto né?E... e também, e... Eu mesmo até agora
tenho dificuldade sobre... falar português e também, e... argumentar o texto né? e
apresentação também.
[Larissa] "Apresentação oral lá na frente..."
[Amarildo Tehele] "Isso!"
[Larissa] "É muito difícil, né?"
[Amarildo Tehele] "É... é difícil mesmo."
[Larissa] "Mas cê fala assim... quando a professora, pergunta, perguntou pra você sobre
sua experiência na aldeia, como que você chegou aqui, ela perguntou isso pra você,
assim... no meio da aula ou em particular? com você sozinho ou na aula?
[Amarildo Tehele] "E... e, na aula né. E... a minha experiência, como... eu já aprendi um
pouco com... com... com a fala português não é da dentro da minha aldeia, eu aprendi...
eu aprendi falar escuta, falar português na dentro da sociedade dos outros né? Porque...
de lá que a gente vai aprender... alguma coisinha né? e de lá eu aprendi... e... falar
português e também escrever né?
[Larissa] "Dentro da... fora da aldeia? na sua aldeia ninguém fala em português?
[Tehele] "Hum... não. falar não, mas escrever a gente escreve né."
Ricardo: Primeiro vou perguntar sobre você: como é seu nome, qual é a sua idade, o nome
da sua etnia, qual é sua língua, que curso você faz e que ano você começou a fazer seu
curso?
Diberú: Meu nome é Diberú Karajá, tenho vinte e cinco anos, minha etnia é Karajá, minha
língua é Iny-rybè (língua Karajá), meu curso é Geografia, eu entrei no ano de 2017.
Ricardo: Com quantos anos começou a ter contato com a língua portuguesa?
Diberú: Quando comecei a ter contato com a língua portuguesa, estava na escola e eu
tinha 13 anos, naquela época eu estudava na quarta série. Aprendi a ler e escrever. Mas
quando me mudei para a cidade, aprendi a falar um pouco de língua portuguesa.
Ricardo: Como tem sido a sua convivência na UFG?
Diberú: quando eu vim para cá, vi muita coisa diferente, mas com o tempo, eu consegui
me adaptar com essas diferenças. Eu sempre pensei em conhecer outro mundo e outro
costume. Agora estou aqui na cidade vivendo de outro costume, tipo na comida ou falando
português. Eu gosto de viver aqui, mas às vezes eu tenho muitas saudades da minha
aldeia.
Ricardo: Quando você começou estudar na UFG e o que você achou?
Diberú: No começo, o que achei mais difícil foi a língua portuguesa, eu tinha medo de
falar. E também quando eu lia os textos, não conseguia entender quase nada.
Ricardo: E atualmente… você melhorou?
Diberú: Atualmente me sinto tranquila, melhor do que antes. Estou entendo mais. Acho
que no começo minha maior dificuldade era por causa da língua mesmo.
Genivaldo: Meu nome Genivaldo Waene Xerente, da etnia Xerente, 23 anos de idade,
língua materna Ak’we, faço curso de Farmácia, ingressei em 2017, segundo semestre.
Comecei a ter contato com a língua portuguesa aos oito anos de idade na escola, na aldeia.
É… a minha experiência na universidade é uma das experiências mais enriquecedoras
que a pessoa pode ter… Conheci(er) novos costumes e… se adaptar com ela. Pessoas
diferentes, pensamentos em estima, profunda lição de… de humildade. É… pra mim, foi
isso e… a relação com a língua portuguesa no começo foi difícil e… atualmente me sinto
tranquilo com ela, porque… melhorei e … é isso.
Todas as falas e narrativas que são trazidas no minidocumentário repontuam e se
unem às primeiras narrativas compartilhadas na Roda de conversas trazida neste
texto/discussão. Como já citei, foi muito oportuno trazer nele a língua Iný Rybè, em
presença, falada/oralizada por três dos participantes do minidocumentário. Muitas
informações novas são trazidas, com destaque às respostas/falas de Tehele Karajá que
traz novidades sobre seus processos de educação escolar em sua aldeia relacionando-os
com os seus primeiros contatos com a LP na forma escrita, a princípio
Pois é fora da aldeia que Tehele passa a ouvir e falar em português, já aos 20 anos de
idade, como registrei anteriormente neste texto:
[Amarildo] "Eu sou Amarildo Tehele Karajá. E... sou etnia Karajá, fica
no Tocantins, eu moro na aldeia Fontoura e meu curso é Geografia
licenciatura. E... eu entrei nesse ano o... no faculdade, e 2019 né, e agora...
estamo na aqui na faculdade."
[Larissa] "A sua língua é o Iny?"
[Amarildo] "Hum... Karajá, Macro-jê. E... eu comecei com a... contato
com língua portuguesa, desde adulto e... eu acho que 20 ano."
[Larissa] "Só com 20 anos você começou a falar e ouvir português?"
[Amarildo] "Isso."
[Larissa] "Ah tá. Brigada!"
As falas da estudante Diberú Karajá nos trazem as mesmas pontuações sobre suas
experiências pessoais e interculturais com a língua portuguesa, os primeiros contatos etc.
“Quando comecei a ter contato com a língua portuguesa, estava na escola e eu tinha 13
anos, naquela época eu estudava na quarta série. Aprendi a ler e escrever. Mas quando
me mudei para a cidade, aprendi a falar um pouco de língua portuguesa” (Diberú,
2019) [destaques meus] e sobre as barreiras linguística enfrentada por ela, de forma mais
tensa, no início de seu curso, e de suas vivências na universidade, sobre as quais
discutimos, desde o início desta discussão, “No começo, o que achei mais difícil foi a
língua portuguesa, eu tinha medo de falar. E também quando eu lia os textos, não
conseguia entender quase nada” (Diberú, 2019) [destaques meus]. Fala também de suas
motivações para entrar na universidade, aceitando o desafio de deslocamento geográfico
e linguístico-cultural:
Quando eu vim para cá, vi muita coisa diferente, mas com o tempo, eu
consegui me adaptar com essas diferenças. Eu sempre pensei em
conhecer outro mundo e outro costume. Agora estou aqui na cidade
vivendo de outro costume, tipo na comida ou falando português. Eu gosto
de viver aqui, mas às vezes eu tenho muitas saudades da minha aldeia.
(Diberú Karajá, 2019)
É uma participação/fala feminina que deve ser ampliada nos possíveis próximos
trabalhos, discussões, textos, para se reparar uma certa disparidade de gênero, sobre a
qual me sinto falha, ocorrida pelas circunstâncias e possibilidades que se apresentaram
no decorrer destes trabalhos e toda a trajetória não só minha, mas nossas, de todes que
enunciamos aqui.
Fonte: https://jornal.ufg.br/n/110016-avancos-e-desafios-marcam-os-dez-anos-do-
ufginclui
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
RUI. Manoel. Eu e o outro: o invasor ou em poucas três linhas uma maneira de pensar o
texto. Comunicação Apresentada no Encontro Perfil da Literatura Negra. São Paulo,
Brasil, em 23 mai. 1985.