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Pensando com Marilda Cavalcanti:

Seção teórica

“Ao trabalhar com sociedades minoritárias, pesquisadores, sejam eles, linguistas aplicados,
linguistas, antropólogos, dificilmente se questionam se os instrumentos de que dispõem se
afinam com a cultura local e os sujeitos da sua pesquisa. Frequentemente, tornam-se quase
naturais conceitos e categorias que os levam a produzir discursos em que os interlocutores da
pesquisa muitas vezes não se reconhecem, rejeitam, ou até mesmo em que nós não (n)os
reconhecemos. Essa constatação resulta da observação que vimos desenvolvendo nas
pesquisas com minorias linguísticas no Brasil (surdos, índios, imigrantes, descendentes de
imigrantes, afrodescendentes) e, no ensino, em cursos de formação de professores indígenas.
Nesse trabalho, cada vez mais percebemos que o arsenal teórico-metodológico de que
lançamos mão na nossa área de atuação, especificamente, na pesquisa em Linguística
Aplicada, que se abre para o diálogo interdisciplinar, está por demais naturalizado. Para
contemplar a complexidade das práticas sociais e discursivas dos nossos interlocutores, vemo-
nos em constante questionamento de certos conceitos muitas vezes contraditórios e
insuficientes para fazer face às nossas necessidades de reflexão (...).” (Cesar & Cavalcanti,
2007, p. 45-46).

“Em relação à globalização e seus cenários em processo constante de desvelamento, bem


contrários à homogeneização prevista, alinho-me ainda a Blommaert (2010: 1), que propõe
“repensar nossos aparatos conceituais e analíticos” como parte do desafio dos pesquisadores
na contemporaneidade. Em sua crítica aos estudos sociolinguísticos, muito voltados para a
“variação estática” e para o “contato estratificado das línguas”, o autor (p. 2-3) aponta que o
“que é necessário é um novo vocabulário para descrever eventos, fenômenos e processos,
novas metáforas para representá-los, novos argumentos para explicá-los [...] e argumenta a
favor da construção de uma teoria da “linguagem mutante para uma sociedade mutante”, parte
de uma “ciência social crítica da linguagem.” (Cavalcanti, 2013, p. 214-215).

“Uma pequena parábola pode dar uma ideia do porquê dessa alegoria da salvação e da perda
etnográficas ter se tornado, recentemente, menos autoevidente. É uma parábola verdadeira.
Um estudante de etno-história africana faz um trabalho de campo no Gabão. Está interessado
nos Mpongwé, um grupo do litoral que, no século XIX, tinha muito contato com comerciantes
e colonizadores europeus. A “tribo” ainda existe, na região de Libreville, e o etno-historiador
combinou uma entrevista com o atual chefe Mpongwé sobre a vida tradicional, o ritual
religioso etc. Em sua preparação para a entrevista, o pesquisador consulta um compêndio
sobre os costumes locais, organizado no início do século XX por um etnógrafo pioneiro e
cristão gabonês, o abade Raponda-Walker. Antes de se encontrar com o chefe Mpongwé, o
etnógrafo copia uma lista de termos, instituições e conceitos religiosos registrados e definidos
por Raponda-Walker. A entrevista vai acompanhar a lista, checando se os costumes persistem
e, se sim, com quais inovações. A princípio, as coisas transcorrem com tranquilidade, com a
autoridade Mpongwé dando descrições e interpretações dos termos sugeridos, ou então
relatando que uma determinada prática foi abandonada. Após algum tempo, contudo, quando
o pesquisador faz uma pergunta sobre uma palavra específica, o chefe fica inseguro e franze
as sobrancelhas. “Só um instante”, diz ele, animadamente, e entra em sua casa, voltando, em
seguida, com um exemplar do compêndio de Raponda-Walker. Durante todo o restante da
entrevista, o livro fica aberto em seu colo.

Um número cada vez maior de versões dessa história é escutado no folclore da


etnografia. De repente, os dados culturais param de passar suavemente da performance oral
para a escrita descritiva. Agora os dados também se movem de texto para texto, a inscrição se
transforma em transcrição. Tanto o informante quanto o pesquisador são leitores e co-
escritores de uma invenção cultural. Isso não quer dizer, como alguns defenderiam, que a
entrevista entrou num curto-circuito. Também não é preciso, como Sócrates no Fedro,
lamentar a erosão da memória pela escrita. A entrevista não se tornou subitamente
“inautêntica”, com os dados sendo meramente impostos. Ao contrário, o que precisamos
enfrentar são as novas condições da produção etnográfica. Em primeiro lugar, não é mais
possível agir como se o pesquisador externo fosse o único responsável, ou o principal, por
colocar a cultura em forma escrita. Na verdade, isso raramente aconteceu. Entretanto, há uma
tendência recorrente entre os pesquisadores do campo a esconder, desacreditar ou
marginalizar relatos escritos anteriores (feitos por missionários, viajantes, administradores,
autoridades locais e mesmo outros etnógrafos). O pesquisador de campo, em geral, começa do
zero, a partir de uma experiência de pesquisa, ao invés de leituras ou transcrições. O campo
não é concebido como já repleto de textos. Ainda assim, esses apuros intertextuais acontecem
com frequência cada vez mais maior (Larcom, 1983). Em segundo lugar, os “informantes”,
cada vez mais, leem e escrevem. Eles interpretam versões anteriores de sua cultura, bem como
as versões que estão sendo escritas pelos etnógrafos. O trabalho com textos – o processo de
inscrição, de reescrita etc. – não é mais (se é que algum dia já foi) domínio exclusivo de
autoridades externas. As culturas “sem escrita” já estão textualizadas; há poucos, se é que há
algum, modos de vida “virgens” a serem violados e preservados pela escrita. Em terceiro
lugar, uma distinção muito difundida e poderosa foi erodida: a divisão do mundo entre povos
com e sem escrita. Essa distinção já não é mais precisa, na medida em que povos “tribais”,
não ocidentais, vão cada vez mais adquirindo a escrita. Mas, além disso, uma vez que se
coloque em questão o monopólio do etnógrafo do poder de inscrever, pode-se começar a ver
as atividades de “escrita” que sempre foram realizadas por colaboradores nativos (...)”

(...) Se, como diria Derrida, as culturas estudadas pelos antropólogos já estão
escrevendo a si mesmas, o status especial do intelectual-pesquisador de campo que
“transforma a cultura em escrita” está abalado. Quem, na verdade, escreve um mito que é
recitado para um gravador, ou copiado para integrar notas de campo? Quem escreve (em um
sentido que vá além da transcrição) uma interpretação do costume produzida por meio de
longas conversas com colaboradores nativos bem informados? (...)
(...) A leitura e a escrita são generalizadas. Se o etnógrafo lê a cultura sobre o ombro
do nativo, o nativo também lê sobre o ombro do etnógrafo à medida que ele ou ela escreve
cada descrição cultural. Os pesquisadores deparam-se com um número cada vez maior de
restrições em relação ao que publicam, provenientes das reações daqueles antes classificados
como iletrados. Romances escritos por um samoano (Alfred Wendt) podem questionar o
retrato de seu povo feito por um antropólogo de renome. (...)
(Clifford 2016 [1986]: 174-177)

“Por que tentei insistir, neste trabalho, que qualquer um preocupado em traduzir a
partir de fontes de outras culturas deve buscar coerência nos discursos, mas dediquei tantas
páginas a mostrar que o texto de Gellner é, em larga medida, incoerente? A razão é muito
simples: Gellner e eu falamos a mesma língua, pertencemos à mesma profissão acadêmica,
vivemos na mesma sociedade. Ao adotar um olhar crítico em relação a seu texto, estou
contestando o que ele diz, e não traduzindo, e é justamente na diferença radical entre essas
duas atividades que insisto. Ainda assim, o propósito do meu argumento não é expressar uma
atitude de “intolerância” em relação a um “vizinho imediato”, mas tentar identificar
incoerências em seu texto que exigem correção, porque a tarefa antropológica da tradução
merece ser mais coerente. O objetivo desta crítica, assim, é fomentar um esforço coletivo.
Criticar os “selvagens que estão, afinal, a alguma distância”, em uma monografia etnográfica
que eles não podem ler, não me parece ter o mesmo tipo de objetivo. Para que a crítica seja
responsável, é preciso que seja sempre endereçada a alguém que possa contestá-la.” (Asad
2016[1986]: 225-226)

“Researcher Positionality

There were several reasons that motivated my engagement with religious socialization. As a researcher invested
in understanding the range of educa- tional experiences of immigrant Latino students and aware that that these
students’ linguistic and cultural competencies are often framed as deficits and not as advantages (Portes et al.
2014), I was interested in finding edu- cational contexts, in communities that could provide a different view on
the socialization where these students’ competencies were seen differently. And while all of the children’s
programs of the Catholic Church socialized a set of particular ideological commitments (as do all curricula in
public schools), the programs provided immigrant students in particular with opportuni- ties to display different
and valued forms of expertise. These were contexts where children were seen as valuable members of
community.

Several of the activities that I was analyzing in the Spanish-taught classes also resonated with my own
background and experience as a Mexican immi- grant. While I am no longer a practicing member of the Catholic
Church, my early religious socialization experiences were similar to many of the interactions and lessons that I
analyzed in the Spanish-taught classes. Spanish is also my first language and given that the majority of the
interactions in the doctrina classes were conducted in Spanish, I had access to the range of lin- guistic practices I
encountered at the sites. As a female I also had an advantage relating to the female staff and mothers in the
religious education programs, the majority of the adult population in these religious instruction programs. I was
thus privy to many interactions and conversations that were clearly designed for female audiences. This of course
limited my interactions with male clergy members, although they did grant me interviews. Lastly, I identi- fied
(and was identified by members of the religious program) as a member of the larger immigrant communities in
which the programs were located. I lived or worked near the parishes and I often met members of the program in
the neighborhood and during community activities. Yet I always made it clear to teachers, to parents, and to
children, when they asked me, that I was a researcher and not a practicing Catholic (this, however, did not deter
them from the constant effort to re-socialize me into Catholicism). I mention the details of my researcher
presence because it is important to consider how one’s presence impacts the experiences of others at our research
sites and because ethnographic reflexivity engages a complexity across social intersections of gender, race, and
class, all of which may ultimately influence the research itself.”

(Mendoza-Denton, 74-75)

Exemplos Lia:
As professoras sabiam muito
Já liam diferentes pesquisadores

Que sentidos os participantes atribuem ao etnógrafo?


Que modelos de linguagem/texto os participantes têm sobre

- devolutiva

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