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Tarsilla Couto de Brito

“um passeio pelo jardim de rodin”

um tijolo nasce em minhas mãos

sinto o peso mas não é peso o que sinto

é vontade de destruir com várias mãos

cada cova que construíram dentro de nós

destroçar

como uma casa em reforma

quebrar lascar fraturar moer rachar

jogar parte de si

fora

um sorriso antigo

se lança no entulho

tem de ir

um tornozelo picado de mosquito

(o banho de rio com mutucas foi bom mesmo assim)

mas tem de ir

o que fica não se sabe

mas o moço chegou para levar a caçamba de

entulho e tem de ir

nas colagens observo os rejuntes

que me dizem

mesmo que tudo acabe

não nunca jamé vai passar

enquanto reviso este poema

uma ponta de unha escapa do dedo mindinho do pé esquerdo

(sim, eu escrevo com uma mão e cutuco os pés com a outra)

interrompendo o verso que se queria poético

e no impulso em busca do alicate


derrubo a taça de vinho no computador sujo de cinzas

então devo confessar

tenho quatro mãos

eu bebo

eu fumo

eu cutuco as unhas dos pés

e escrevo

falta pouco para ser um polvo

mas antes disso

(antes de ser um polvo)

um passeio cheio de futuros pelo jardim de rodin

imagino assim

pessoas sem máscaras

aglomeração em torno do pensador

eu de longe

com medo

com raiva

imagino assim

me escondo sob um dos arbustos bem podados

aguardo o fechamento dos portões

retiro da mochila a mini-serra comprada na lerroá merlan

e arranco do pensador a mão que sustenta

a frágil representação do homem moderno

imagino assim

a pequena cabeça-sintoma de forte luta interior

vacila diante do céu azul vermelho rosa de outono

e arrasta consigo para frente e para baixo

o corpo inspirado em michelangelo


depois, quero desaparecer em flagrante

flama fogo corpo em chamas na rua

quero desaparecer em flagrante

ninguém poderá dizer que não viu

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