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Aula sobre Roland Barthes

Há um tipo de avaliação que pode ser chamada de clichê, no sentido de senso comum repetido,
quando se busca estudar a trajetória teórico-crítica de Roland Barthes: todos os comentadores que li
(François Dosse, Leyla Perrone-Moisés, Éric Marty e Jonathan Culler) afirmam as oscilações de postura
do estruturalista como uma sensibilidade para o devir – talvez eu tenha selecionado comentadores
condescendentes demais! Seus críticos acusaram-no de contradição!

Efetivamente, Barthes foi autor de vários artigos e ensaios. Passou a escrever livros já no fim de sua
carreira e, por isso, sua influência está mais relacionada com os vários projetos que esboçou do que com
os que explorou sistematicamente. Barthes mudou a forma como as pessoas pensam diversos objetos
culturais como literatura, moda, propaganda, noções de sujeito, de história e de natureza.

Segundo Culler, a maior prova da importância de Barthes está no fato de que em 1978 surgiu um
livro chamado Le Roland Barthes sans peine (Roland Barthes sem dificuldade – título muito usual para
manuais de língua estrangeira) que pretendia ensinar em 18 lições fáceis como falar a língua de Barthes.
Aquele que declarou a morte do autor e criticou a estilística era agora um autor cujo estilo era
parodiado!

Até 1965, Barthes era uma figura ativa mas ainda desconhecida no cenário intelectual francês. Ele
ganhou notoriedade quando um professor da Sorbonne, Raymond Picard, publicou no Le Monde um
artigo chamado “Nova crítica ou Nova impostura?”. A reação de Barthes veio com a publicação de
Crítica e Verdade em 1966 em que reunia artigos escritos entre 62 e 65, artigos que no conjunto
definem a Nova crítica estruturalista em oposição ao Positivismo da Sorbonne, como vimos no texto que
pertence a esse volume “Duas críticas” – tratava-se de fato de uma Querela entre Antigos e Modernos!

O texto de Greimas lido na aula passada, publicado em 1956, tinha como apoio, no que diz respeito
à produção barthesiana apenas os livros O grau zero da escritura (1953) eMitologias (1956), mas o texto
de Greimas pode ainda assim nos servir de introdução ao pensamento barthesiano, pelo menos ao
pensamento do primeiro Barthes. Não apenas porque os dois livros mencionados contém as reflexões
(Graus zero) e as análises (Mitologias) que Barthes procurará sistematizar em seus textos dos inícios dos
anos 60, como também porque Greimas foi o linguista que apresentou o estruturalismo a Barthes
quando foram colegas de trabalho na universidade de Alexandria no final da década de 40.

1) Transição da página 4 para página 5 do texto de Greimas: (1953-1956: Grau zero e Crítica e
Verdade)

Mesmo postulando a unidade funcional do significante lingüístico, não se pode evitar de notar a
grande diversidade que o caracteriza. Alguns conjuntos que o constituem parecem fortemente
estruturados, mais homogêneos que outros, não só porque eles se apóiam, no nível da ordem vivida, sobre
os agrupamentos sociais de contornos bem delimitados ou sobre funções sociais claramente
caracterizadas, mas sobretudo porque uma significação global e autônoma parece emanar de seus
conjuntos estruturados. Pensamos notadamente nos sistemas mitológicos, nos religiosos, ou nessa forma
moderna de fabulação que é a literatura.

A idéia de uma significação global e autônoma tinha para Barthes em seu Grau zero grande
importância: é a partir dessa qualificação que ele trará a noção negativa de grau zero da fonologia para a
literatura. No livro de 53, Barthes afirma que escrever é um verbo intransitivo, ou seja, não tem finalidade
e esta autonomia da literatura é sua negatividade, ou em outras palavras, sua ética.
O grau zero da escritura é uma resposta ao livro de Sartre publicado em 48 – O que é literatura? –
em que o existencialista defende uma literatura engajada politicamente. Esta oposição, no entanto, não
deve apontar para um apolitismo de Barthes, ao contrário: Sartre discute literatura como práxis, como
ação, como fazer que produz soluções pretensamente imediatas. Trata-se aqui de uma valorização do
conteúdo veiculado pela literatura. Para Barthes, a ética do texto literário está na forma. O grau zero é a
fórmula que permite pensar uma responsabilidade (em vez de engajamento) da forma literária:

“O horizonte da língua e a verticalidade do estilo desenham, portanto, para o escritor, uma


natureza, pois ele não escolhe nenhum dos dois. A língua funciona como uma negatividade, o limite
inicial do possível, o estilo é como uma necessidade que vincula o humor do escritor a sua linguagem.
Naquela, ele encontra a familiaridade da História; nete, a de seu próprio passado. Nos dois casos, trata-se
realmente de uma natureza, vale dizer, de um gestuário familiar, em que a energia é apenas de ordem
operatória, dedicando-se aqui a enumerar, lá a transformar, mas nunca a julgar ou a significar uma
escolha.
Ora, toda forma é também um valor; por isso, entre a língua e o estilo, há lugar para outra
realidade formal: a escritura. Em toda e qualquer forma literária, existe a escolha geral de um tom, de um
etos, pior assim dizer, e é precisamente nisso que o escritor se individualiza claramente porque é nisso
que ele se engaja. Língua e estilo são dados antecedentes a toda problemática da linguagem, língua e
estilo constituem o produto natural do Tempo e da pessoa biológica; mas a identidade formal do escritor
só se estabelece realmente fora da instalação das normas de gramática e das constantes de estilo, no ponto
em que o contínuo escrito, reunido e encerrado de início numa natureza linguística perfeitamente
inocente, vai tornar-se enfim um signo total, a escolha de um comportamento humano, a afirmação de um
certo Bem, engajando assim o escritor na evidência e na comunicação de uma felicidade ou de um mal-
estar, e ligando a forma ao mesmo tempo normal e singular de sua fala à ampla História de outrem.
Língua e estilo são objetos; a escritura é uma função: é a relação entre a criação e a sociedade, é a
linguagem transformada por sua destinação social, é a forma apreendida na sua intenção humana e ligada
assim às grandes crises da História”.
O exemplo dado: dois escritores podem estar separados por língua, estilo e tempo mas praticarem
uma mesma forma como Rimbaud e Murilo Mendes, uma mesma intencionalidade na relação com o
mundo. Enquanto autores quase contemporâneos e conterrâneos como Claudel e Camus usam escrituras
completamente diferentes.
O mais importante nesta citação é a escritura definida como função. A base desta definição está
na dicotomia significante/significado apreendida de Saussure via Greimas-Hjemslev: a relação, ou seja, o
processo sintagmático que une um e outro produz significação. Para Barthes, literatura nunca é sentido –
como foi para Sartre - , mas significação.
Do que já podemos desdobrar o papel da crítica literária para o estruturalista: descrever o
funcionamento do sistema produtor de significação.

Barthes dá um exemplo bem concreto do que entende por literatura no prefácio de Verdade e
crítica pp. 18-19

Nesses casos, considerados esses conjuntos e deixando à significação autônoma que seja o que é,
quer dizer, que seja um sistema de signos, parece que a língua se vê ao mesmo tempo utilizada como
instrumento e servindo à construção das "ordens de pensamento" mediadas, as  metalinguagens. Da
mesma maneira como a língua, para construir seus próprios sistemas de signos, utiliza estruturas
fonológicas que, por direito senão de fato, lhe são anteriores, assim também, poderíamos dizer, as
metalinguagens se servem dos signos lingüísticos para desenvolver suas próprias formas autônomas.

O primeiro ensaio de Crítica e verdade discorre sobre Literatura e Metalinguagem. Para Barthes,
a metalinguagem é produto do primeiro abalo sofrido pela boa consciência burguesa (boa parte dessa
primeira crítica barthesiana volta-se contra a burguesia – em mitologias, isso se dá por meio da
desmontagem do discurso de propaganda e de outros mitos do capitalismo de seu tempo):

“Mais tarde, provavelmente com os primeiros abalos da boa consciência burguesa, a literatura
começou a sentir-se dupla: ao mesmo tempo objeto e olhar sobre esse objeto, fala e fala dessa fala,
literatura-objeto e metaliteratura. Eis quais foram, grosso modo, as fases desse movimento: primeiramente
uma consciência artesanal da fabricação literária, levada até o escrúpulo doloroso, ao tormento do
impossível (Flaubert); depois, a vontade heroica de confundir numa mesma substância escrita a literatura
e o pensamento da literatura (Mallarmé); depois, a esperança de chegar a escapar da tautologia literária,
deixando sempre, por assim dizer, a literatura para o dia seguinte, declarando longamente que se vai
escrever e fazendo dessa declaração a própria literatura (Proust); em seguida, o processo da boa-fé
literária multiplicando voluntariamente, sistematicamente, até o infinito, os sentidos da palavra-objeto
sem nunca se deter num significado unívoco (surrealismo); inversamente, afinal, rarefazendo esses
sentidos ao ponto de esperar obter um estar-ali da linguagem literária, uma espécie de brancura da
escritura (mas não mais uma inocência): penso aqui na obra de Robbe-Grillet.
Todas essas tentativas permitirão talvez um dia definir nosso século como os do “O que é
literatura?”. E, precisamente, como essa interrogação é levada adiante, não do exterior, mas na própria
literatura, ou mais exatamente na sua margem extrema, naquela zona assintótica onde a literatura finge
destruir-se como linguagem-objeto sem se destruir como metalinguagem, e onde a procura de uma
metalinguagem se define em última instância como uma nova linguagem-objeto, daí decorre que nossa
literatura é há vinte anos um jogo perigoso com sua própria morte.”

Desse modo, segundo a sugestão fecunda de Hjelmslev [25], ao partir de um conjunto significante
claramente estruturado – literatura, língua popular, mitologia –, estamos autorizados a construir um
sistema semiológico cujas estruturas, deslocadas (abstraídas?) pela análise, comportariam significação
global autônoma. A aplicação desse postulado à descrição da metalinguagem literária, cujo mérito é de
Roland Barthes[26] (O grau zero da escritura, 1953), permitirá mostrar melhor seu alcance.
É inútil – muitos outros já o fizeram antes de nós – insistir no fato de que a história da literatura,
elaborada no século XIX, destruiu o objeto literário, reduzindo-o, com a ajuda de causalidades
psicológicas e sociológicas variadas, seja à "história das idéias", seja à  psicologia da imaginação
criadora. De tal sorte que um professor de literatura de boa fé vê seu papel limitado, hoje, ao de professor
de "leitura" e concebe sua tarefa como uma explicação da literatura por meio de tudo que ela não é.

O estruturalismo recusa a história pq a história que conhecia não operava com a pureza da
objetividade, era produto de uma classificação dirigida por um ponto de vista. O que implica relativismo e
exalta o indivíduo: o ataque a história tem, portanto, como alvo, o transcendentalismo, a divinização do
homem, o humanismo.

O esforço dos lingüistas, convidados a dar, por razões de ordem institucional e não científica, sua
própria versão do fenômeno literário, é coroado pela constituição de vastos repertórios (tais como os dois
últimos volumes de Histoire de la langue française, de Charles Bruneau), de figuras e de procedimentos
estilísticos. As pesquisas desse tipo, ainda que consagradas quase exclusivamente ao estudo "da língua e
do estilo" de autores individuais, deslocam, pela sua própria justaposição, a noção empírica de "estilo de
época" e sobretudo postulam implicitamente, graças à uniformidade de métodos empregados, a existência
de um plano único e homogêneo sobre o qual se constroem as obras e se desdobram os acontecimentos
literários.
Até este momento, o pensamento era entendido dentro de quadros biográficos. A relação entre
linguagem e pensamento passava pela fenomenologia e resolvia-se com a discussão sobre a interioridade
do autor. Com a linguística saussureana, aprendeu-se que o pensamento pode ser entendido como uma
estrutura cujo princípio regulador é a RELAÇÃO. Assim como Kant, o estruturalismo vai focar nas
condições que presidem o conhecimento e esta condição é a relacionalidade. O pensamento passa a ser
entendido como uma armadura lógica (de relações) sobre a qual se fundam as instituições. E é só por isso
que Lévi-Strauss se interessou pelo mito.
A apresentação mais didática deste conceito em Barthes está no texto “A imaginação do signo”
de 1962 em que o autor distingue a imaginação simbólica, da paradigmática e da sintagmática (Crítica e
verdade)

Esse catálogo de formas literárias que, se fosse exaustivo, constituiria o significante de uma
metalinguagem literária, seguiria, porém, inutilizável enquanto não se afirmasse a existência paralela e
imanente ao significante de um significado global que dê conta da escolha das formas utilizadas e de sua
destinação social, que compreenda, ao mesmo tempo, a estética e a moral de uma linguagem literária
dada.
A originalidade do aporte de R. Barthes reside justamente, em parte, na afirmação da autonomia
da linguagem literária, cujos signos são irredutíveis aos signos lingüísticos simples e, em parte, na
evidenciação da significação global das formas literárias de uma época.
Independentemente de qualquer conteúdo que se proponha comunicar por meio do texto,
a escritura – nome que R. Barthes escolheu para designar o conjunto de signos literários – tem por função
"impor um além-linguagem que é, ao mesmo tempo, a História e o partido que nela se toma" [27]. Esse
conceito de escritura, que já começa a ser utilizado na crítica literária [28], parece prometer uma renovação
de métodos literários e talvez até mesmo uma nova concepção da história, como "história da Escritura".

O que Greimas chama de método, Barthes chama, num texto de 1963 de “Atividade
estruturalista”. Para Barthes é realmente importante no estruturalismo como atividade e não apenas como
método, pois a criação ou a reflexão não são aqui “impressão original do mundo, mas fabricação
verdadeira de um mundo que se assemelha ao primeiro, não para copiá-lo, mas para torna-lo inteligível.”
Barthes está pensando numa mimese de função, não de substância (realismo), ou ainda, numa
mimese epistêmica.

2) A guinada (1968-1971): S/Z, O império dos signos e Sade, Fourier e Loyola


Em 1966, Julia Kristeva, recém-chegada a Paris, levará para o curso de Barthes na EPHE ( École
pratique des hautes études ) suas leituras de Bakhtin, ainda não traduzido em França. Justapondo o
conceito de intertextualidade (que contém uma noção de temporalidade intra-textual) de Kristeva
(desdobramento da polifonia bakthiniana) com seu conceito de escritura (que excluía o sujeito mas não
a responsabilidade), Barthes encontra-se, no final da década de 60, incomodado com o fato de a
diferença ser um meio para se chegar a um fim e não o próprio fim. (lembrar Maio de 68!).

S/Z (1970): pp. 37-38

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