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1) Barthes, Roland. Novos ensaios críticos e O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix, 1974. Pp.

123-124
“O horizonte da língua e a verticalidade do estilo desenham, portanto, para o escritor,
uma natureza, pois ele não escolhe nenhum dos dois. A língua funciona como uma negatividade,
o limite inicial do possível, o estilo é como uma necessidade que vincula o humor do escritor a
sua linguagem. Naquela, ele encontra a familiaridade da História; nete, a de seu próprio passado.
Nos dois casos, trata-se realmente de uma natureza, vale dizer, de um gestuário familiar, em que a
energia é apenas de ordem operatória, dedicando-se aqui a enumerar, lá a transformar, mas nunca
a julgar ou a significar uma escolha.
Ora, toda forma é também um valor; por isso, entre a língua e o estilo, há lugar para outra
realidade formal: a escritura. Em toda e qualquer forma literária, existe a escolha geral de um
tom, de um etos, pior assim dizer, e é precisamente nisso que o escritor se individualiza
claramente porque é nisso que ele se engaja. Língua e estilo são dados antecedentes a toda
problemática da linguagem, língua e estilo constituem o produto natural do Tempo e da pessoa
biológica; mas a identidade formal do escritor só se estabelece realmente fora da instalação das
normas de gramática e das constantes de estilo, no ponto em que o contínuo escrito, reunido e
encerrado de início numa natureza linguística perfeitamente inocente, vai tornar-se enfim um
signo total, a escolha de um comportamento humano, a afirmação de um certo Bem, engajando
assim o escritor na evidência e na comunicação de uma felicidade ou de um mal-estar, e ligando a
forma ao mesmo tempo normal e singular de sua fala à ampla História de outrem. Língua e estilo
são objetos; a escritura é uma função: é a relação entre a criação e a sociedade, é a linguagem
transformada por sua destinação social, é a forma apreendida na sua intenção humana e ligada
assim às grandes crises da História”.

2) Barthes, Roland. “Literatura e metalinguagem” In: Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva,
1970. P. 28

“Mais tarde, provavelmente com os primeiros abalos da boa consciência burguesa, a literatura
começou a sentir-se dupla: ao mesmo tempo objeto e olhar sobre esse objeto, fala e fala dessa fala,
literatura-objeto e metaliteratura. Eis quais foram, grosso modo, as fases desse movimento: primeiramente
uma consciência artesanal da fabricação literária, levada até o escrúpulo doloroso, ao tormento do
impossível (Flaubert); depois, a vontade heroica de confundir numa mesma substância escrita a literatura
e o pensamento da literatura (Mallarmé); depois, a esperança de chegar a escapar da tautologia literária,
deixando sempre, por assim dizer, a literatura para o dia seguinte, declarando longamente que se vai
escrever e fazendo dessa declaração a própria literatura (Proust); em seguida, o processo da boa-fé
literária multiplicando voluntariamente, sistematicamente, até o infinito, os sentidos da palavra-objeto
sem nunca se deter num significado unívoco (surrealismo); inversamente, afinal, rarefazendo esses
sentidos ao ponto de esperar obter um estar-ali da linguagem literária, uma espécie de brancura da
escritura (mas não mais uma inocência): penso aqui na obra de Robbe-Grillet.
Todas essas tentativas permitirão talvez um dia definir nosso século como os do “O que é
literatura?”. E, precisamente, como essa interrogação é levada adiante, não do exterior, mas na própria
literatura, ou mais exatamente na sua margem extrema, naquela zona assintótica onde a literatura finge
destruir-se como linguagem-objeto sem se destruir como metalinguagem, e onde a procura de uma
metalinguagem se define em última instância como uma nova linguagem-objeto, daí decorre que nossa
literatura é há vinte anos um jogo perigoso com sua própria morte.”

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