Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
I. A ESCRITURA PRÉ-LITERAL
Não há dúvida de que o problema da linguagem nunca foi apenas um problema entre outros.
Uma época histórico-metafísica deve determinar, enfim, como linguagem a totalidade de
seu horizonte problemático. Tudo aquilo que se conseguia reunir sob o nome de linguagem
começa, agora, a deixar-se resumir sob o nome de escritura. Em todos os sentidos desta
palavra, a escritura compreenderia a linguagem.
O conceito de escritura deveria definir o campo de uma ciência. Uma ciência da escritura uma
vez estabelecida significará: (i) que a própria ideia de ciência nasceu numa certa época da
escritura; (ii) que foi pensada e formulada, enquanto tarefa, ideia, projeto, numa linguagem
que implica um certo tipo de relações determinadas, estrutural e axiologicamente, entre fala e
escritura; (iii) que, nessa medida, ela, primeiramente ligou-se ao conceito e à aventura da
escritura fonética, valorizada como o telos de toda escritura, enquanto o que sempre foi o
modelo exemplar da cientificidade, a matemática, jamais cessou de afastar-se de tal
aventura; (iv) que a ideia mais rigorosa de uma ciência geral da escritura nasceu, por razões
não fortuitas, numa certa época da história do mundo (que se evidencia por volta do século
XVIII) e num certo sistema determinado das relações entre a fala "viva" e a inscrição; (v) que a
escritura não é somente um meio auxiliar a serviço da ciência, e eventualmente seu objeto,
mas, antes de mais nada a condição de possibilidade dos objetos ideais, portanto, da
objetividade científica, antes de ser seu objeto, a escritura é a condição da episteme; (vi) que a
própria historicidade está ligada à possibilidade da escritura: à possibilidade da escritura em
geral, para além destas formas particulares de escritura em nome das quais por muito tempo
se falou de povos sem escritura e sem história, antes de ser o objeto de uma história, de uma
ciência histórica, a escritura abre o campo da história do devir histórico.
O interesse científico pela escritura sempre tomou a forma de uma história da escritura. A
constituição de uma ciência ou de uma filosofia da escritura é uma tarefa necessária e difícil,
mas seus limites apontam para além do campo da episteme. Percebe-se, assim,
uma incompetência da ciência, que é também a incompetência da filosofia, a clausura
da episteme.
A cultura ocidental privilegia a fala em detrimento da escrita. Isso pode ser exemplificado
em Jean-Jacques Rousseau que privilegia a fala. Por meio da escrita os governos baixam
decretos. Assim, a escrita estabelece hierarquias, já a fala teria a vantagem de aproximar as
pessoas, de modo que a fala teria a virtude da presença. Seguindo Rousseau, Claude Lévi-
Strauss entende que com a escrita, entram em cena os males, a começar pela desigualdade e a
dominação.
O que está por traz dessa ideia é a oposição que Rousseau faz entre natureza e cultura A
natureza é vista como boa, original e presente enquanto entende-se que a cultura é corrupta,
degenerada, um “suplemento” à plenitude da presença da natureza. Por isso, a escrita é vista
como perversa, um produto da civilização, um suplemento perigoso em relação à fala natural.
Mas se algo precisa de um suplemento, deve haver nesse algo uma falta, assim, a fala teria de
sofrer de uma ausência. Se esse é o caso, se quem sofre de uma falta é a linguagem falada que
precisa ser completada pela escrita, então é a escritura que é o elemento central. Assim, a
escritura, o termo marginalizado pode ser central.