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SOCIEDADE BRANCA,

ARQUITETURA BRANCA:
SUJEITO MODERNO E COLONIZAÇÃO
1. A pesquisa do projeto de artigo tem como foco espaço-temporal
inicial a Europa antiga, medieval e moderna e a partir do
capitalismo industrial o mundo da modernidade contemporânea.
2. Como sequência, o texto pretende acompanhar a constituição,
desenvolvimento e transição deslizamento (nunca acompanhado
de substituição) entre o lógos e o sujeito moderno.
3. Este trabalho faz parte das investigações da pesquisa que produzo
como docente na UFRGS desde 2020, “Arquitetura moderna da
colonialidade”.
4. Assim, uma tese principal da pesquisa que servirá de suporte para
este texto é que todos vivemos os últimos cinco séculos uma
mesma longa articulação de ordem humana sobre o planeta.
5. Por que a constituição do sujeito moderno
interessa?
Por que se quer distinguir um sujeito novo,
completamente diferente de outros que possam
ter acontecido na Antiguidade ou medievalidade.
Sujeito histórica e dominantemente (mas não
necessariamente) branco, de uma autonomia sem
precedentes, capitalista, competitivo, machista,
racista, colonialista.
• 6. Ao final de 10 séculos de medievalidade, exaustão do tempo feudal cristão.
Proposta multissecular que amalgamava práticas, pensamentos e explicações
religiosas, sociais, econômicas que as limitavam, estigmatizavam e
aprisionavam.

Tacuina sanitatis (séc. XIV), Très Riches Heures du Duc de Berry (séc. XV), De proprietatibus rerum (séc. XV)
7. Este tempo medieval possuiu como característica determinante o lógos.
8. Que tem sua emergência mais antiga conhecida no tempo pré-socrático (Heráclito
de Éfeso, c. 500 a.C. - 450 a.C.).

Cariátides, Erecteion, Atenas, século V a.C.


9. Lógos como uma lei cósmica, princípio ativo que está na matéria, princípio
formador do mundo, artífice de todas as coisas. Por consequência, ideia de
divindade.

Representações históricas posteriores (séculos XVI e XIX) que giram em torno da concepção pré-socrática de lógos.
10. A doutrina do lógos foi sempre religiosa. Filósofos e culturas só recorreram a
ela quando quiseram dar caráter religioso a suas práticas e doutrinas. Foi assim
em inúmeros politeísmos e monoteísmos. Tendo como exemplos muito
conhecidos nossos, o politeísmo greco-romano e o monoteísmo hebraico e
cristão (sendo inclusive possível abarcar similaridades de constituição religiosa
e mitológica com povos originários dos vários continentes).

11. O lógos desenha impressionante genealogia, encontrando-se presente no


estoicismo, sempre tendo estado e ainda permanecendo no cristianismo de
nossos dias e nos pensamentos filosóficos como os de Fílon de Alexandria (c.
20 a.C. – c. 50) e João, o Evangelista (6-103), passando por Fichte (1762-1814) e
participando de noções mais próximas de nós como a “casa do ser” de
Heidegger (1889-1976) e a crítica logocêntrica de Derrida (1930-2004).
11. Exemplo significativo: João 1:1.

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ Λόγος, καὶ ὁ Λόγος ἦν πρὸς τὸν Θεόν, καὶ


Grego Koinê
Θεός ἦν ὁ Λόγος.

En archē ēn ho Lógos, kai ho Lógos ēn pros ton Theón,


transliteração do Grego
kai Theós ēn ho Lógos.

In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et


Latim
Deus erat Verbum

No início era a Palavra, e a Palavra estava com (em


Português
direção a) (o) Deus, e Deus era a Palavra.
12. Mudanças na Europa. Europa Urbana, incremento populacional (mesmo
considerando a peste negra/ doença que matou no século XIV de 30% a 60% da
população de seu mundo conhecido, que englobava Europa, Ásia e África)
Burgos, Feiras. Populações seguem inexoravelmente a crescer já no seguinte
século XV.

Um burgo, Carcassona, assumiu esta forma até o século XI. E “O Triunfo da morte”, obra de Pieter Bruegel (sobre a peste
negra) , 1562
13. Burguesia. O burguês é o sujeito moderno. Personagem idealizado a
empreender a aventura infernal (Dante Alighieri, 1265 – 1321) da modernidade
que já nos custa mais de cinco séculos.
14. Sua expansão e necessidade comercial capitalística de saída da Europa e de
imposição disciplinar dará lugar a caça às bruxas (Federici) e ao racismo e
consequente escravidão e colonização de populações de tipos étnicos não
brancos (machismo e racismo fundantes da modernidade).

“O cambista e a sua mulher” (Massys, 1514), mulher queimando na Suíça em 1447 e foto de escravo nos EUA em 1863.
15. Desenhada a ética moderna. Assim dizendo, desenhado o universo de escolhas,
de comportamentos que parametriza este sujeito moderno, é possível imaginar
igualmente um reflexo de formas, reações estéticas comprometidas em
satisfazer tal idealidade ética.
16. A ética moderna é capitalística, do lucro, do comportamento disciplinado, do
narcisismo, da exclusão, do racismo, da vaidade.
17. Em termos de arte e arquitetura, a estética moderna compromissada com esta
ética seria necessariamente uma estética monocromática. Uma maior redução
possível de cores, texturas e detalhes ornamentais seria demandada.
18. No momento em que os modernos renascentistas olharam para o passado
clássico, principalmente grego, mas, também romano, viram as cores
esmaecidas de sua estatuária e de sua arquitetura. No entanto, preferiram
lacrar uma verdade idealizada do passado greco-romano eminente,
padronizado e imaculadamente branco.
20. As formas de dominação, ideologias ou técnicas disciplinares são
mais bem definidas, identificadas, preferencialmente inscritas e
percebidas em superfícies e ambientes com menos cores. A
linguagem a ser comunicada é melhor entendida. Isto iniciou a
acontecer no momento histórico inicial do capitalismo e da
modernidade, o Estado policial mercantilista tão bem analisado por
Michel Foucault através do que ele chamou “dispositivo disciplinar”.
21. A busca estética por este monocromatismo, por uma padronização,
redução ou simplificação cromática (e mais tarde também- final séc.
XIX e séc. XX) reduzindo texturas e formas não ocorreu apenas na
arquitetura.
22. Também é possível se falar do exemplo da uniformização das
vestimentas e práticas hospitalares, psiquiátricas, militares,
escolares e religiosas.
23. Grandes e proeminentes arquitetos, como Adolf Loos, Louis Sullivan
e Le Corbusier, até hoje festejados por abrirem o caminho para o
modernismo arquitetônico no mundo inteiro, são na verdade,
representantes da ética da modernidade aqui descrita.
24. Suas proposições arquitetônicas são encarnações estéticas de tais
ideais éticos.
25. As zonas de ordem das cidades da modernidade contemporânea de
todo o mundo resultaram padronizadas por esta concepção
modernista de arquitetura limpa, monocromática (e é possível dizer
vaidosa, narcisista, competitiva, racista, machista e colonialista).
26. O que sempre tem estado fora da ordem dos planos modernos (a grande maioria
das pessoas miseráveis) não representa mais franjas das cidades, subúrbio urbanos,
é imensa e absurda totalidade de um “planeta de favelas em explosão” (Mark
Davis).

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