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A ARTE NOS TEMPOS DA INQUISIÇÃO

Isadora Silva Souza e Silva¹

RESUMO

Duzentos anos após, ainda é possível notar as marcas dos tempos de


Inquisição no mundo, tanto na arte como na cultura de forma geral. Encontramos
a todo momento, reflexos e cicatrizes entre os rigores promovidos em nome
da Servidão a Cristo, e o mundo em que vivemos hoje, imersos em intolerâncias
e negacionismos. O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, instalado na
Península Ibérica, foi uma das instituições repressivas da História. Durante a
Idade Moderna perseguiu, condenou e executou milhares de seres humanos, em
nome da Misericórdia e Justiça, tema do tribunal, sob a alegação da necessidade
do extermínio de heresias que ameaçariam a existência do Cristianismo. Dessa
forma, o presente trabalho visa o estudo e a análise da História da Arte no
período da Inquisição, reconstruindo as narrativas de um momento onde a arte
serviu como instrumento de domínio para o projeto de expansão do cristianismo
pela Igreja Católica.

Palavras-Chave: inquisição, história da arte, barroco, Igreja Católica.

INTRODUÇÃO

No início do século XVI, quando a Europa Ocidental se defrontava com as


transformações do Renascimento, instalou-se na Península Ibérica o Santo
Ofício da Inquisição, instituição criada pela Igreja Católica para servir ao seu
projeto de domínio e expansão do Cristianismo no mundo que no momento
estava sendo atacado pelas ideais da Reforma Protestante. Durante seus mais
de trezentos anos de existência o Santo Ofício da Inquisição perseguiu,
condenou e executou milhares de seres humanos, sob a alegação da

¹ Graduanda no Curso de Bacharelado em Artes Visuais pelo Centro de Artes, Humanidades e Letras
(CAHL), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
necessidade do extermínio de heresias que ameaçariam a existência do
Cristianismo.

O controle da representação das “imagens sagradas” assumiu, com a XXXVª


sessão do Concílio de Trento, um especial acento ideológico e programático que
terá largos efeitos até ao século XVIII. “A Igreja apoderou -se nesse período do
comando da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis
e de promover uma iconografia de combate, de testemunho e de catequese”.
(GONÇALVES,1972).

Nessa perspectiva, o presente trabalho tem como objetivo o estudo e a análise


da História da Arte no período da Inquisição, reconstruindo as narrativas de um
momento onde a arte serviu como instrumento de domínio para o projeto de
monopólio

do cristianismo pela Igreja Católica e os reflexos dessa corrente no Brasil.


Para tanto utilizou-se uma abordagem da pesquisa qualitativa aplicada
(CRESWELL, 2010) e descritiva (GIL, 2008), por meio de pesquisa bibliográfica
(FONSECA, 2002). A pesquisa bibliográfica teve por base levantamento de
trabalhos e publicações por meio do “google acadêmico” utilizando os termos
“inquisição”, “história da arte", “barroco”, “Igreja Católica”.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Segundo Gonçalves (1972), a Igreja apoderou -se nesse período do comando


da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis e de
promover uma iconografia de combate, de testemunho e de catequese”, dando
corpo, assim, à vasta reacção contra os ataques da Reforma protestante e os
seus efeitos. As directivas tridentinas nesta matéria tiveram imediato
acolhimento no seio do mercado das artes, fossem os encomendantes ou os
artistas envolvidos na produção destinada ao culto, uns e outros dependentes
de uma vasta estrutura de vigilância a que as Constituições Sinodais dos
bispados deram corpo de lei e os visitadores episcopais prática de censura,
quando não repressiva.

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A legitimidade do Tribunal inquisitorial se organizava em torno da sacralidade
de sua fundação. Para os juízes da fé era evidente que sem o Santo Oficio, o
mundo cristão seria infestado pela heresia e consequentemente regido pelas
forças do mal. A heterodoxia corrompia a fé e suscitava a confusão das ideias,
provocando a desagregação do corpo místico de Cristo: a Igreja. A ordem
cósmica se fundamentava na harmonia da criação; fora deste universo, tudo é
desordem.(PIERONI, 2014).

A manutenção da ortodoxia católica se expressava visivelmente nas leis, mas


também nas representações iconográficas, tal como o slogan da Inquisição. O
célebre lema do Santo Ofício: Misericordia et Justitia, juntamente com as
indumentárias que o acompanha, está repleto de significados. Estas palavras
estavam bordadas acima das armas que representava a instituição: no meio uma
cruz, a direita um ramo de oliveira, e à esquerda uma espada.(PIERONI, 2014).

As representações da Inquisição, o grande poder institucional que se forja nos


finais do Século XV, se firma no Século XVI, se expande no XVII e inicia um
processo de declínio no XVIII, correspondem ao que encontramos em algumas
das maiores expressões da pintura espanhola desses períodos. São três
momentos com características distintas: no primeiro momento as obras
representam a implantação e legitimação ou autolegitimação do Tribunal em
seus primeiros passos e são correlatas ao turbulento processo de unificação dos
reinos cristãos da Hispânia. (RIBEIRO,2007).

Pairou sobre a sociedade ibérica nesse longo período a ameaça da ação


judicial do Tribunal. A qualquer momento a denúncia poderia atingir qualquer
pessoa, com acusações passíveis de punição pela ótica inquisitorial. Os
espetáculos teatrais - os Autos-de-Fé - promovidos pela Inquisição para
demonstrar seu poder e o medo do processo, das punições, humilhações e,
principalmente, da morte se constituíram nos grandes instrumentos de sujeição
dos dissidentes à ortodoxia única. (RIBEIRO,2007).

Os ventos renascentistas chegaram à Península tardiamente apresentando


se pontualmente nas obras de determinados pintores que, de modo excepcional,
conseguiram se libertar das amarras corporativas colocando uma marca própria

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em suas realizações. A partir da segunda metade do século XV chegariam com
maior força as primeiras ondas da Renascença italiana. Do entrechoque dessas
duas fascinantes experiências pictóricas surge um estilo vigoroso e próprio da
Península Ibérica que irá atingir o clímax no Século de Ouro. (RIBEIRO,2007).

Dando sequência as correntes artísticas que proliferam nesse período


destacamos o Maneirismo (1515/20–1600) que coincide com a época da
Reforma Protestante, quando há questionamentos sobre os desmandos da
Igreja Católica Apostólica Romana e a proposta de uma relação direta
entre o homem e sua fé. Nessa fase, a expressão artística retrata uma
modificação na representação do corpo, cujos contornos tornam-se
distorcidos e alongados. (DARÉ,2022).

O Maneirismo vê na imitação dos modelos clássicos uma fuga do medo,


nessa nova perspectiva de encontro com o divino. Para o artista maneirista, a
representação clássica, demasiado harmônica, mostra-se como forma sem
conteúdo. O Renascimento ainda trazia muito da religiosidade medieval. No
Maneirismo o indivíduo se vê só e a arte reflete essa desconfiguração.
(HAUSER, 1976).

As características da produção maneirista são o alongamento e a


desproporção das imagens, assim como uma alteração nos cenários que se
apresentam de forma complexa, como se fossem a representação de um
sonho ou pesadelo. Não há uma identificação direta do espectador com a obra,
como nos quadros renascentistas, devido à mudança na representação dos
corpos. No uso das cores também predomina um tom mais frio e metálico,
principalmente nas obras de El Greco. (DARÉ,2022).

A vitória do Maneirismo por toda Europa, apesar de sua ambiguidade e


heterogeneidade de respostas, refletiu-se além das artes visuais: na música com
o contraponto, na literatura com Tasso, Cervantes, Shakespeare e Camões.
(RIBEIRO,2007).

Diante da constante tensão onde os homens buscavam superar a Grande


Crise religiosa e cultural que os sufocava, nasce o barroco. Esta corrente artística
procurou elaborar sínteses que fossem resposta às perplexidades e inquietações
reinantes nos espíritos e na vida humanas.

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O barroco exacerbou-se na Península Ibérica, dado o ambiente cultural pré-
existente, em que a Igreja ocupara o primeiro plano desde o século XVII (29).
Dominou os séculos XVI e XVII, atingindo seu clímax nas últimas décadas do
primeiro. Séculos ibéricos. Política, econômica, social, religiosa e culturalmente
ibéricos. (SIQUEIRA,1971).

A tradição católica, extremamente forte, preservada pelas condições


geográficas peculiares da Península Ibérica, posta diante das solicitações
renascentistas, propiciou o aparecimento de um tipo psicológico específico. Esse
o homem que teve, principalmente depois de Trento, aguçada sua consciência,
isto é, a compenetração do espírito objetivo de sua época, e o sentimento de sua
missão dentro dela. (SIQUEIRA,1971).

O Barroco é uma estética, sobretudo, dos séculos XVI e XVII, importante


especialmente na Itália e na Espanha, mas ainda relevante nos demais países
da Europa ocidental. Como escola literária complexa em que se constitui,
apresenta fortes implicações com o contexto social, político, econômico e,
principalmente, religioso da época. (REDIES,2014).

Considerado como o estilo correspondente ao absolutismo e à


Contrarreforma, distingue-se pelo esplendor exuberante. De certo modo o
Barroco foi uma continuação natural do Renascimento, porque ambos os
movimentos compartilharam de um profundo interesse pela arte da Antiguidade
clássica, embora interpretando-a diferentemente. Enquanto no Renascimento o
tratamento das temáticas enfatizava qualidades de moderação, economia
formal, austeridade, equilíbrio e harmonia, o tratamento barroco de temas
idênticos mostrava maior dinamismo, contrastes mais fortes, maior
dramaticidade, exuberância e realismo e uma tendência ao decorativo, além de
manifestar uma tensão entre o gosto pela materialidade opulenta e as demandas
de uma vida espiritual. (REDIES,2014).

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Segundo Ribeiro (2007), a força da pintura e o extraordinário talento de El
Greco para penetrar psicologicamente na personalidade do modelo, deixou-nos
mais do que o retrato de um determinado cardeal inquisidor. Deixou-nos uma
verdadeira síntese visual do que os estudos históricos têm nos revelado do perfil
e das grandes características dos Inquisidores. Homens eruditos, astutos,
severos, implacáveis na defesa da unicidade da fé que consideravam como
sendo a única legítima e verdadeira - um verdadeiro ícone do Tribunal do Santo
Ofício.

Por mais de trezentos anos o Santo Ofício da Inquisição Moderna atuou na


Península Ibérica sob a bandeira do Cristianismo, sua ação foi eficiente; destruiu
minorias dissidentes, famílias inteiras de conversos ou cristãos-novos,
intelectuais, artistas, pensadores. Exerceu uma severa vigilância e censura
sobre livros e obras de Arte, tolhendo seu pleno desenvolvimento e provocando
uma considerável perda de progresso econômico e cultural na Península.
(RIBEIRO,2007).

CONCLUSÃO

Duzentos anos após, ainda é possível notar as marcas dos tempos de


Inquisição no mundo, tanto na arte como na cultura de forma geral. Encontramos
a todo momento, reflexos e cicatrizes entre os rigores promovidos em nome
da Servidão a Cristo, e o mundo em que vivemos hoje, imersos em intolerâncias
e negacionismos. No campo artístico destacamos o Barroco como a principal
herança desse período no Brasil, o qual deixou profundas marcas em várias
áreas das artes no Brasil. Sendo muito mais que um movimento cultural, ele
representou um estilo que influenciou a música, a literatura, as artes plásticas e
arquitetura do período colonial brasileiro. Dessa forma se faz tão importante o
estudo desse período da história da arte para penetrarmos afundo na base da
construção do monopólio da Igreja Católica que em nome do Cristo exterminou
diversos povos e culturas, inclusive a nossa.

REFERÊNCIAS

DARÉ, P. S. O corpo na produção artística da arte Medieval, no


Renascimento e no Maneirismo. Self - Revista do Instituto Junguiano de São
Paulo, [S. l.], v. 3, 2018. DOI: 10.21901/2448-3060/self-2018.vol03.0002.
[Digite aqui]
Disponível em: https://self.ijusp.org.br/self/article/view/25. Acesso em: 12 dez.
2022.

Hauser, A. (1976). Maneirismo: a crise da Renascença e o surgimento da


arte moderna. São Paulo: Editora Perspectiva.

GONÇALVES, Flávio, Breve Ensaio sobre a Iconografia da Pintura Religiosa


em Portugal. In Belas-Artes, 2ª Série, nº 27, Lisboa, 1972.

FONSECA, J. J. S. da. Metodologia da Pesquisa Científica. Ceará: Universidade


Estadual do Ceará, 2002.

GIL, A. C. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

PIERONI, G. A IMAGÉTICA INQUISITORIAL: RELIGIÃO, REPRESENTAÇÕES


E PODER. Sæculum – Revista de História, [S. l.], n. 30, 2014. Disponível em:
https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/srh/article/view/22234. Acesso em: 11
dez. 2022.

REDIES, Amarildo Britzius; DA SILVA CASTELA, Greice. Delimitação estética


e histórica do Barroco. 2014.

RIBEIRO, Benair Alcaraz Fernandes. Arte e inquisição na península ibérica:


a arte, os artistas e a Inquisição. 2007. Tese (Doutorado em História Social) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2007. doi:10.11606/T.8.2007.tde-05072007-110808. Acesso em:
2022-12-11.

SIQUEIRA, Sônia Aparecida. O momento da Inquisição. Revista de História, v.


42, n. 85, p. 49-73, 1971.

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