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XVII. A teologia do ícone.

O ícone no mundo de hoje.

L. OUSPENSKY.

Atelier S. Lucas de Rio de Janeiro. 2018.

P. 439 até p. 488, último capítulo.

Tanto do ponto de vista artístico quanto do ponto de vista espiritual, o ícone é uma das
maiores descobertas do séc. XX.

Lembramos aqui que essa descoberta aconteceu nas vésperas de grandes perturbações
históricas ; a primeira delas foi a guerra mundial , as guerras e na história humana, época
que devia revelar ao mundo horrores que nunca tinham sido vistas e nem tinham sido
conhecidos. » escrevia em 1916 E. TROUBETSKOY.(1).

(1).  « Deux mondes dans l’ iconographie russe »OUMOZRENIYE V KRASKAH, Paris, 1965, p.


111.

Foi justamente nesse « periódo perturbado » que aparece o ícone tal um supremo tesouro
da arte humana. Para uns ele representa a herança preciosa de um passado afastado, para
outros um objeto de delectaçâo estética ; outros ainda começam em entre – ver o sentido
do ícone e na sua luz, o sentido dos acontecimentos contemporanéos . E temos de
acreditar que o longo processo dessa descoberta progressiva devia providencialmente
desembocar em nossa época.De fato, se a decadência espiritual manifestou –se pelo
esquecimento do ícone, o acordar espiritual provocado pelas catastrofes e pertubações traz
para ele, incita em compreender sua linguagem e seu sentido, e encoraja em tomar
consciência disso tudo. Ele não mais se revela como um passado, mas sim como
renascimento em nosso presente. Encontra – se para caracterizar ele novas expressões.
Uma lenta penetração do sentido espiritual do antigo ícone começou ; descobre – se nele
um espírito infinitamente mais elevado que o nosso, fruto de nossa civilização. Ele não mais
representa apenas um valor artístico ou cultural ; ele é, pelo meio da arte, uma revelação
de uma experiência espiritual ortodoxa, uma « Teólogia em imagem » igualmente
manifestada no passado, em periódos de perturbações e catástrofes. E é justamente
aquando desses desastres que se entre – vê o sentido das catastrofes contemporáneas à
luz da força espiritual do ícone. «  Mudo durante séculos, o ícone começou a nos falar a
mesma linguagem que ele já usava com nossos longíquos antepassados. »(2).
(2). E. TROUBETSKOY. «  THÉOLOGIE EN COULEUR », OUMOZRENEIYE V KRASKAH, ibid, p. 50, em russo.

Ali podemos constatar «  mais uma coincidência espantosa entre o destino do ícone antigo
e o da Igreja russa. Na vida e na pintura, um mesmo fenómeno ; o rosto manchado liberta –
se aos poucos das camadas acumuladas em séculos , camadas de ouro, de fuligem, de
pintura aplicada sem jeito ou sem gosto. A imagem de uma Igreja abrassando o mundo
inteiro, imagem que nos aparece tal como luz no ícone limpo, renasce também agora
maravilhosamente na vida da Igreja. Como na pintura, nós estamos vendo na vida essa
mesma imagem da Igreja católica inalterada, não afetada pelos séculos ». (3).
(3).E. TROUBETSKOY, La Russie dans son ícone, ibid., p. 161.

Porém, os destinos da Igreja russa, tendo libertado ele « do esplendor secular » e do
« conforto » nos quais ele tinha sido afundado, o dirijam no caminho da cruz e das
provações.

A chegada no poder soviético impõe uma nova concepção do mundo nascida dessa cultura
separada da Igreja, cultura que , agora, rejeita sua máscara cristã.Essa nova concepção do
mundo é a do Estado. Aos olhos deste todas as crenças, inclusive a da Igreja , resumem – se
no concepto geral de « religião ». Ora essa « religião »é considerada como « ideologia
reacionária », uma « enganação », « o ópio do povo ». Foi essa última formula que « é a
pedra de ângulo da atitude marxista em relação à religião »(4).
(4). A. SEDULINE, La législation sur les cultes religieux, Moscou, 1974, p. 6. Em russo.

A Igreja é considerada como um corpo estranho no Estado, pois que é portadora de uma
concepção de mundo « hóstil » a este. O Estado toma sobre se o cuidado de zelar não
apenas ao bem –estar material do povo, mas também para a sua educaçâo, à « formação
do novo homem ». Assim, por uma parte, «  a legislação soviética sobre a liberdade de
consciência é penetrada da vontade de garantir aos cidadões o direito de confessar a
religião de sua escolha ou de não confessar nenhuma »(5), mas por outra parte, «  uma luta
sem compromisso contra as convicções religiosas incompatíveis com a concepção
materialista do mundo , com o progresso ciêntifico e técnico, é uma condição capital e
decisiva da formação do homem novo »(6).
(5). A SEDULINE, ibid., p. 46.

(6). Ibid., p. 41. Ver igualmente V. ZOTS ; Des prétentions sans fondement, Moscou, 1976, pp. 135 – 136,
em russo.

Assim , a luta contra a religião está sendo levada em nome até do princípio da liberdade de
consciência. Ora essa liberdade pega a forma de uma série de proibições , como a de todo
contato com a religião fora das horas de culto, contato considerado como propaganda
religiosa. Igualmente « o ensino das doutrinas da fé (...) para pessoas não tendo
completado 18 anos é proibido nas igrejas , nas capelas ou nas casas particulares. (7).
(7). Sou RSSU 1922, n° 49, art. 729, citado por A. SEDULINE, ibid., p. 32.
A Igreja e o ícone entram então num processo de purificação ; da Igreja destaca - se todo o
que era ligado ali em termo de obrigação ritual. Assim também, desaparece tudo o que se
superpunha ao ícone, mesmo a produção em série cujo ninguem podia ver o fim, já o
vimos, nem os dirigentes do Comité e nem também o imperador em pessoa. As empresas
de pintura de ícone do tipo artesanal ou mecanisados são liquidados.

A religião entendida como pertencendo a um passado revoluto não tendo mais vez na nova
sociedade, tudo que tinha sido criado neste passado apenas é aceito como herança
cultural ; é unicamente como tal que é conservado e estudado. Tudo o que está contido em
igrejas , inclusive os ícones , se torna propriedade do Estado que , desde 1918, assuma essa
responsabilidade. (8).

(8) «  Décret sur l’ enregistrement , l’ inventaire et la protection dos monuments d’ art et antiquité » Ver V.
I. ANTONOVA e N. E. MNEVA, Catalogue da la peinture russe ancienne à la Galerie TRÉTIAKOV, t.I,
MOSCOU, 1963,p. 26.

O Estado cria ATELIERS de restauração , nacionaliza as coleções privadas de ícones,


organiza exposições. Mas ao mesmo tempo, a hostilidade da ideologia dominante em
relação à religião estende – se a tudo o que dela faz parte, inclusive o ícone. E se nos séc.
XVIII e XIX o vandalismo provinha da indiferência e da incompreensão, agora a destruição
massiva de igrejas e de ícones sâo devidas à razões ideológicas. O trabalho do iconográfo se
torna , do ponto de vista da ideologia oficial, não somente inútil, mas nocivo para a
sociedade.

Assim, depois de séculos de esquecimento e desdenho, o ícone hoje é , por um lado ,


submetido à destruição, enquanto que do outro sua descoberta estende – se bem além dos
limites do mundo ortodoxo e ganha um mundo cujas heterodoxia e cultura haviam outrora
conduzido ao esquecimento do ícone até dentro da ortodoxia. O imenso trabalho realizado
pelos restauradores que devolveram a vida ao ícone antigo acompnha – se em nossos dias
de um número sempre crescendo de publicações ilustradas em diversas línguas ,
publicações ciêntificas e teólogicas de autores ortodoxos, heteródoxos e ateus. Quanto ao
próprio ícone em se, ele penetra num mundo de cultura ocidental de modo maciço ; ícones
são exportados dos paises ortodoxos, e se vê eles nos museus , coleções privadas e
exposições multiplicam – se em cidades diferentes do mundo ocidental. O ícone ortodoxo
chama tanto os fieis quanto os increus. O interesse que lhe é dado é variado ; certo, tem o
delírio para tudo o que é antigo e o apaixonamento de colecionar em geral ; mas é questão
de uma atração no plano religioso, desejo de compreender o ícone e por ele compreender
a ortodoxia. » Para a nossa época fortemente visual, escreve E. BENZ, é recomendado (...)
endereçar – se ao olho, à contemplação da imagem. Para compreender a Igreja ortodoxa
do Oriente, essa via convém ainda melhor que a apresentação pela imagem do mundo dos
santos, o ícone, ocupa ali um lugar central. »(9).
(9). E. BENZ, GEIST UND LEBEN DER OSTKIRCHE, Hamburg, 1957, S.7.

E mais ; «A importância do ícone na piedade ortodoxa e seu fundamento teólogico abram a


via para domínios capitais da dogmática ortodoxa. De fato, a noção de ícone é uma noção
dogmaticamente central e ela aparece em todos os apectos da teólogia »(10).
(10).Ibid., p. 21.

A maioria dos fieis não ortodoxos consideram o ícone , seja, concientemente como
testemunho da ortodoxia, seja, fora do contexto confissional consciente, como uma
expressão pelo viés da arte do cristianismo autêntico no plano prático da oraçâo. Ao
inverso da degradação desse aspecto da imagem no catolicismo romano, o ícone « incita à
oraçâo » . «  Nos ícones cada um encontrará o repouso para a sua alma ; eles tém muito à
nos dizer , a nós, Ocidentais, e podem provocar em nós a santa conversão para o
surnatural » (11). Critique du Livre de L. OUSPENSKY e V. LOSSKY, «  Der Sinn der Ikonen », no
pensamento católico, n°s 75 – 76, 14 de fevereiro, 1953.  

A época importa pouco e interessa – se tanto ao ícone antigo quanto ao ícone mais recente
e até contemporanéo, freqüentemente de carácter eléctrico , mas sem se apartar dos
cânones.(12).
(12). Na França, apenas em Paris , tem quatro escolas de pintura de ícones cuja algumas tém varias
dezenas de anos de existência, inclusive a escola dos Jesuitas. Isso é bem significativo da mudança, que são
justamente os Jesuitas que antés se dedicavam tanto em destruir a pintura tradicional.

É que o ícone ortodoxo é a única arte no mundo que, seja la qual for o seu nível artístico,
mesmo artesanal, revela o sentido imperecível da VIDA, esse sentido cuja necessidade
nasce agora num mundo de cultura européia contemporanéa.

É nesse contexto , justamente , que a questão do ícone está sendo colocada de modo mais
oficial pelos representantes da confissão anglicana a respeito da importância do Sétimo
Concílio Ecumênico. Aquando do encontro deles com os ortodoxos em RYMNIK (Rumênia),
em julho de 1974, os anglicanos colocaram essa questão no seu verdadeiro contexto
teólogico. A esperança ali foi formulada de ver o dogma da veneração dos ícones expresso
pelos ortodoxos em sua aplicação na atualidade contemporanéa, pois «  uma mais
profunda compreensão dos princípios da pintura de ícones que revelam a verdade e as
conseqüências da encarnação de Deus o Verbo pode em nossos dias ajudar os cristãos em
compreender melhor a doutrina cristã sobre o homem e o mundo material » (13).
(13). Relato da sub comissão «  L’ autorité des Conciles Oecuméniques », ver Messager de l’ Exarchar du
Patriarche russe en Europe occidentale, N°s 85 – 88, 1974, p. 40. Essa questão foi discutida pela mesma
sub –comissão em 1976 , em MOSCOU.
Essa maneira de colocar a questão jà mostra que em « nossa época fortemente visual » a
necessidade manifesta – se , tanto para os não – ortodoxos que para os ortodoxos mesmo,
de tomar consciência do que o dogma da veneração dos ícones representa para o
cristianismo contemporanéo. No Ocidente, o dogma do Sétimo Concílio Ecumênico jamais
penetrou a consciência eclesial ; quanto ao mundo ortodoxo, a sua compreensão
estompou – se e sua importância capital evaporou – se durante o periódo da decadência
do ícone em se – mesmo, quando o sentido de seu conteúdo teólogico foi perdido.
Gerações de ortodoxos não tém , de fato, sido criadas em presença de uma arte que,
mesmo justificando – se pelo dogma da veneração dos ícones, nâo lhe correspondia
realmente ?Lembramos aqui que desde do séc. XVII, tudo o que tratava do conteúdo
confissional da imagem foi excluido do SYNODICON russo do TRIUNFO DA ORTODOXIA... E
em nossa época, apenas é excepcionalmente que se ouve falar , numa homília , do laço
dessa festa com o ícone. Pelo dogma da veneração dos ícones, a consciência católica da
Igreja condenou a recusa da imagem como sendo uma heresia, e a imagem conservou o seu
lugar na vida da Igreja. Porém, seu significado vital não é mais percebido em toda a sua
plenitude e isso provocou uma indiferência em relação ao seu conteúdo e papel. (14).
(14). Assim,à questão de um teólogo protestante sobre o significado da veneração dos ícones, um bispo
ortodoxo respondeu ; «  Nós estamos acostumados ! » Desde o séc. XVIII a pintura de ícones tornou – se
domínio dos pintores profanos, destacados do dogma da Igreja. Logo em seguida, o estudo dos ícones
devia igualmente passar entre as mãos de uma ciência , ela também liberada dos dogmas. Não sobrava
mesmo realmente para os fieis nada mais que o costume de rezar frente ao ícone. Mas acontece às vezes
coisas piores ainda... Assim, numa conversa privada, «  em ouvir o Sr falar, disse o bispo ortodoxo, poderia
se pensar que sem ícone não haveria ortodoxia... » . «  A imagem faz parte da essência mesma do
cristianismo » escreve um pastor protestante ( J. Ph . RAMSEYER La Parole et l’ Image, NEUCHÂTEL, 1963, p.
58). Os papeis , como podemos ver, são invertidos : o que se esperaria ouvir d aboca de um bispo ortodoxo
está entendido e verbalizado porum pastor protestante , e vice e versa. É assim que a ausência secular da
imagem levou um pastor à uma concepção ortodoxa desta, enquanto que uma deformação da imagem,
secular igualmente, levou um bispo ortodoxo a uma atitude protestante em relação a ela.

Compreender , em nossa época, o sentido do dogma da veneração dos ícones, é


compreender o próprio ícone , não apenas como suporte da oração ou ornamento da
igreja : mas é compreender seu recado, seu significado para o homem de nosso tempo,
entender o seu testemunho espiritual transmitido do mais profundo da ortodoxia, o
significado inalterável da revelação cristã.

Porém, não apenas no meio dos não –ortodoxos , mas também em certos meios ortodoxos
entâo, existe um ponto de vista que, mesmo se procede das melhores intenções, falsifica a
compreensão do ícone. Este ponto de vista tem de ser resumido assim, o 7° Concílio
Ecumênico , que formulou o dogma da veneração dos ícones, não definiu o carácter da
imagem à venerar : e « a teólogia dos defensores dos ícones não oferece nenhuma
precisão sobre o estilo » . Ou seja, a Igreja não canonisou nenhum estilo ou género de arte.
Para o homem formado pela cultura moderna, para quem freqüentemente uma clara
consciência da Igreja faz falta, esse ponto de vista permite considerar e até afirmar que ao
lado dos ícones cânonicos, pretensamente ligados a certa época , certa cultura, pode haver
na Igreja outros géneros ou estilo de arte, refletindo outras épocas.

Essa atitude est’a devida em grande medida à influência da ciência contemporanéa. Esta
statuiu . apintura de ícones , produto da Idade média e de sua concepção específica de
mundo, findou no séc. XVII. Com o desaparecimento da cultura medieval o próprio ícone
caiu no passado. Essa atitude é umdesafio à evidência ; porém ela é preponderante na
ciência de nossos dias que, como a do séc. XIX, vê no ícone certo estagio (byzantino,
russo...) de desenvolvimento cultural. É curioso constatar «  en passant » que «  a nova
concepção de mundo, seja considerada ( por qual razão inexplicável ?) como sendo o
desenvolvimento orgânico da arte antiga da qual elaseria derivada, ao que parece, de
modo todo natural. A ciência destacada do dogma introduz o ícone na corrente geral da
arte como tal, definindo sua criação como pertencendo ao domínio da cultura geral e
separando – a da vida da Igreja. Temos de reconhecer que, desde o séc. «  das luzes », a
própria Igreja cedeu diante dessa sugestão e aceito docilmente a ideia que a criação
artística não é o seu elemento, abandonando – a assim à cultura profana. (15).
(15). No decorrer dos últimos séculos, verdadeiramente, a hierarquia ortodoxa foi completamente liberada
de toda necessidad ede conhecer o que for no domínio da arte sacra ; tudo era decidido em vez de ser por
ela, pelo poder secular e a ACADÉMIE das Belas – Artes.

Mas se o ícone sobreviveu durante 3 séculos e continua vivendo hoje, não foi certamente
não em razão da cultura medieval ; mas sim como manifestação da fé.

Durante séculos a Igreja foi criadora e portadora d ecultura. Como a teólogia dominava
todos os domínios da vida, a fé era de todos e a vida por inteiro estava orientada por essa
fé e encontrava o seu sentido nela mesma. A arte expressava essa fé, ou seja a revelação
que a Igreja carrega e que suscitava uma concepção de mundo que lhe correspondia,
produzindo assim umacultura eclesial. Ora a revelação não mudou : noss afé igualmente
permaneceu a mesma. Uma cultura eclesial continua também de existir. Mas o conteúdo
do ícone , a recado que el carrega, não depende de uma cultura, mesmo eclesial. Apenas o
aspecto artístico e histórico – eclesiástico da imagem releva da cultura.É característico
que o OROS do 7°Concílio coloque no mesmo plano « o livro dos Evangelhos , a imagem da
cruz, os ícones pintados ou restos sagrados dos Mártires ». Ora o evangelho, a cruz , as
reliquias dos santos, não tém nada a ver com a cultura. O ícone é considerado como
herança sagrada , saindo do mais profundo da consciência católica da Igreja. «  A pintura
de ícones (...) é uma instituição aprovada e uma tradição da Igreja católica(OROS).

E a luta sangrenta do periódo iconoclasta tinha por objetivo não apenas o direito de
representar Deus e os santos, mas sim a imagem portadora e reveladora da verdade, ou
seja justamente certo « estilo » da arte, uma arte correspondente ao Evangelho. Era
questão mesmo dessa verdade, traduzida seja em palavras ou seja em imagens , por
expressão da qual os confessores aceitavam o mártirio. Formado progressivamente pela
Igreja, a linguagem pictural do ícone é , desde o in’icio, próprio a todos os povos cristãos,
independentemente das fronteiras nacionais , sociais ou culturais, pois que a sua unidade
não é fruto de uma culturacomum , nemd eregras administrativas, mas sim d euma fé
comum. Na época do 7° Concílio Ecumênico, a linguagem pictural da Igreja era idênticaa
das épocas posteriores, mesmo se ela ainda não estava suficientemente purificada e
orientada para o seu objetivo. O « estilo «  do ícone foi herança comum da cristandade
inteira durante um miléno de sua história , que seja no Oriente ou no Ocidente ; não havia
nada mais. Todo o caminho percorrido na história por essa linguagem pictural resume – se
a periódos de maior precisão e pureza ou , ao contrário, de decadência ou desvio. De fato,
esse « estilo » esua pureza dependem daortodoxia, de uma asssimilação mais ou mens
integra da revelação. Essa linguagem está necessariamente submetida à mudanças, mas
mudanças do interior desse « estilo » icónico , mais exatamente no interior do cânone
iconográfico, e é isso que nós estamos vendo ao longo de alguns dois milénios de sua
história.

Em parte é pela razão da concepção do ícone como simples herança do passado ou como
uma das formas possível da arte da Igreja, que não houve , para a maioria dos fieis, do
clero ou do episcopado , uma « descoberta » do ícone. Temos que dizer que de fato, do
ponto de vista eclesial, não havia nada a ser descoberto ; ícones tinham permanecidos nas
igrejas ( geralmente re- pintadas mas haviam outras que não) e se rezava diante deles. É
mais exato então falar no caso de um retorno para o ícone. A veneração do ícone
permaneceu a mesma, seu lugar no culto e na vida da Igreja não foram modificados. Mas,
ao lado dele, existia uma arte « religiosa » venerada ao mesmo título. O aspecto doutrinal
do ícone , expresso em decisões conciliares, em escritos patrísticos ou na liturgia, a relação
ortodoxa entre a imagem e a doutrina revelada desapareceram das consciências.Eis
porque a doutrina da Igreja está aplicada à qualquer imagem que tenha assunto religioso.
Essa atitude própria aos séc. XVIII e XIX, fixou – se em sua imobilidade , assim como numa
outra época tinha se fixado no antigo ritualismo. Quanto à imagem em se - mesma, em
seu aspecto ortodoxo, pegou – se o costume de não ver ela e até de não se interessar por
ela. E o retorno à essa imagem depois de séculos de decadência realizou – se com uma
lentidão peculiar justamente nos meios eclesiásticos, por tão paradoxal que isso parece .
(16).
(16). Nos seminários e academias ensina – se a arqueologia cristã. Quanto ao conteúdo doutrinal da
imagem , ele nem foi ensinado até hoje. Pela 1° vez , uma aula de iconologia como disciplina teólogica foi
introduzida no seminário do Exarcado do Patriarca de Moscou na Europa ocidental, em Paris , em 1954. O
clero é obrigado em tirar seus conhecimentos sobre o conteúdo da imagem em obras ciêntificas sobre a
história da arte, abraçando as vezes digressões « teólogicas » ao mínimo inesperadas.Nós estamos longe
de negar a importância das obras ciêntificas para o conhecimento do ícone. Pelo contrário, nós estamos
vendo ali um aporte útil à instrução do clero. Porém,eles apenas são para eles uma matéria segundária
auxiliar.É o conteúdo dogmático da imagem que deve estar na base de seus conhecimentos. Ninguem é
obrigado em conhecer a história das artes ; mas conhecer a sua fé, discernir se a imagem diante daqual se
reza expressa ou não essa fé, é um dever de todo fiel, quem diria do clero.

Essa lentidão revela revela a profundidade da ruptura que existe entre nos e o ícone. «  E na
espera, os ortodoxos fieis, fazendo parte da Igreja, procuram com zelo meios psicológicos e
outros para lhes facilitar uma melhor aproximação da ortodoxia, pelo LE GRECO , OU
TSHÉKOV ou qualquer outro também. De tal modo « que não tenham que concentrar – se
sobre a plenitude da Igreja »( Lettre personnelle de Russie) – ali que a bata fere... Essa
insensibilidade para com o ícone como imagem da revelação existencialmente assimilada,
é devida a uma insensibilidade tão profunda quanto a que visa a Igreja.A Igreja é
desconhecida : para muitos ela apenas é um « valor cultural » no meio de outras ( ou
ainda um « valor espiritual ») ; ela é um tipo de apêndice à cultura e deve justificar sua
existência servindo de estimulador à atividade artística, ao advento da justiça social, etc.
Ou seja, é questão ali da mesma tentação concernindo «  o Reino de ISRAEL » na qual
tinham caido os Apóstolos. (Atos 1, 6) (17)
(17). Se no séc. xix um intelectual tinha « vergonha de ser crente », em nossa época, «  um verdadeiro
intelectual tem vergonha de ir na igreja. Tem tantas coisas para eliminar, renovar, reorganizar, para que se
torna acessível à consciência contemporanêa »( Citado pelo padreD. DOUDKO, « Notre Espérance », Paris, ,
1975, p. 155, em russo). Um intelectual está de acordo para ter fé, mas ele teria que adaptar a fé da
Igrejaà « consciência contemporanéa », não compreender a Igreja, mas conformar ela a sua própria
incompreensão e, por isso mesmo, salvar ela. Temos que dizer que esta sede de « renovar e reorganizar » ,
de aproximar necessidades da época dos quais já falamos( ver no cap. Anterior, nota 118) e bem longe de
ser própria apenas de nosso tempo. Desde o fim doIV séc. ou início do V°, S. VINCENT DE LÉRINS escrevia ;
« Eles não se contentam de uma regra de fé tradicional, recebida da antiguidade. Mas de dia em dia eles
querem o novo, e mais novo. Eles ardem sempre da vontade de acrescentar, mudar, retirar algo à
religião »( Le Commonitorium , cap. Xxi, commentaire de Itm, Namur, 1960, p. 97). Assim, «  se hà uma
coisa da qual se disse « Olham isso ai, é novo ! Esta coisa existia jà hà séculos que nos precederam » (Si I,
10).

Em nossos dias, para o homem culto, a tomada de consciência da Igreja e a do ícone


seguem a mesmavia. Num e noutro caso, nós estamos vendo as mesmas etapas de buscas,
de erros, e enfim a revelação(teólogia em imagem) Parafraseando o arciprestre A.
SCHMEMAN, pode se dizer que para ressentir no ícone algo a mais que numa obra de arte
ou num objeto de piedade pessoal, « precisaria ver e ressentir dentro da própria Igreja algo
a mais que a assembléia dos fieis »(18).
(18). Arciprestre A. SCHMEMAN, Introduction à la Théologie liturgique, Paris, 1960,p. 20 em russo.
Um fiel mesmo atraído pelo ícone hesita freqüentemente ; ele não está seguro que isso seja
o ícone e não uma imagem naturalista que expressa a sua fé. Ele vê ícones em museus e
lhe parece que se uma igreja não tem ícones por ornamentos, ela é transformada em
museu( Já chegamos em ouvir isso !). E ainda mais, a diferência entre um ícone e uma
imagem religiosa naturalista é freqüentemente definida como diferênciade « estilo » :
antigo – novo – a ver velho ritualista - ou ortodoxo.

Além do ponto de vista exposto aqui( segundo o qual o ícone seria apenas um
« estilo »possível no meio de outros na arte sacra), notamos outro que serve alias de
fundamento e justificativa ao primeiro. (19).
(19). Ver JOURNAL Du PATRIARCAT DE MOSCOU, n°1, 1961.

Ali , a atitude expressa está penetrada de solicitude pastoral e doutrinal. «  O ícone é uma
expressão da ortodoxia com seu ensinamento dogmático emoral (...), uma revelação da
vida em Cristo e dos mistérios da economia divina para a salvação dos homens ».Seria difícil
dizer mais adequadamente. Porém, um pouco mais longe, podemos ler ; «  corrente realista
na pintura é o leite espiritual para um povo simples ». Daï as perguntas...Primeiramente, é
estranho , a ver incompreensível, classificar o povo na Igreja em categorias culturais. A
tarefa da Igreja não é de revelar os mistérios da economia divina a todos os seus
membros , tanto os cultos quanto os incultos ? A revelaçâo não endereça – se ao homem,
independentemente de seu nível cultural ?E é também independentemente deste que o
homemassimila essa revelaçâo e cresce espiritualmente ?(20).
(20). É curioso anotar que, si outrora foi o apego ao ícone que era considerado como uma falta de cultura
boa par ao « simples povo » , agora , ao contrário , é o ícone justamente que é destinado ao meio culto,
enquanto que a pintura dita « realista » é considerada como « leite para o povo simples » !

Por outro lado, já que o ícone « reflete a ortodoxia do modo mais pleno e mais exaustivo
com toda a profundidade e em toda a dimensão poss´veis », isso significa que « a corrente
realista na arte »não possui essa faculdade., essa última não é então « uma revelação da
vida em Cristo » ou, em todos os casos, ela a trunca. «  Os mistérios da economia divina
para a salvação dos homens »não seriam então destinados ao « povo simples » ? Mas a
Igreja já teria diminuida ou rebaixada a sua doutrina para adaptar ela à compreensão de tal
ou de tal outra camada da sociedade, iniciando os homens aos mistérios da salvação numa
maior ou menor medida ? A corrente « realista «  na pintura, produto de uma cultura
autónoma expressa a existência do mundo visível,autónomo ele também em relação ao
mundo divino ; ele expressa a vida « segundo os elementos deste mundo », mesmo se esta
vida é idealizada pela piedade pessoal do pintor .É impossível par aessa arte, como alias
para qualque routra que se limitaria à única humanidade de Cristo, de revelar a vida em
Cristo ou de mostrar «  a via da salvação ». Essa via de salvação do homem e do mundonão
consiste com certeza não em numa aceitação de seu atual estado como normal e sua
represntação na arte ; ela consist eem mstrar em que o mundo decaído afasta – se do plano
divino , em que reside a salvação do homem e, por ele, o do mundo. «  Pois se um santo
( tal como é representado pela corrente « realista » )parece – se em tudo com ele - mesmo
( ao fiel), em que consiste então a sua força ? Em que el pode ajudar ao homem
mergulhado em suas penas e preocupações ? ». O autor dessas palavras, uma historiadora
da arte, raciocina no plano prático com uma lógica simples que lhe inspira a justo ponto de
vista ( mesmo se aos seus olhos, o ícone é uma « imagem de lenda », de » invenção » )
(22).
(22). K. Kornilovitch. Pour une chronique de l’ art russe, Moscou – Léningrad, 1960, p. 89. Em russo.

Ela entende a diferença entre o ícone e uma imagem « realista » muito melhor que outros
fieis e membros do clero. E aqui não se pode pretextar que a lógica é algo e a fé outra  ; O
ícone é feito não par aDeus , mas sim para o fiel , e a simple lógica não fere nada nisso.
Quando , por exemplo, S. Basílio o Grande disse ; «  Aquele que levanta outro que caiu
deve necessariamente encontrar – se mais alto que este ! »(23).
(23). Homilia do dia de santa JUlITTE, mártir, P. G. 31, F57B.

Apenas ali usa – se a lógica, e porém isso aplica – se justamente à vida espiritual. A imagem
« realista »é fruto de uma criação « livre »que não está ligada aos dogmas da Igreja, criação
que reclamavam com tanta insistência os novadores do séc. XVII.

Se, no plano doutrinal, a criaçâo do pintor autónomo em relação à Igreja nã o expressa o


ensinamento da salvação, essa criação , fundamentando – se na ideia que o pintor tem da
vid aespiritual, ou seja sobre a sua imaginação , arrisca – se , no plano espiritual , ser
destruidora. Cedamos aqui a palavra à pessoas mais competentes que nos nesse domínio.
«  A faculdade da imaginação, disse o bispo IGNACE ( BRIANCHANINOV), é sobre tudo
desenvolvida por pessoas apaixonadas ; ela age neles conforme asregras próprias e
modifica tudo o que é sagrado em apaixonado. Podemos nos convencer disso por quadros
que representam eventos e pessoas sagrados por pintores célebres , mas apaixonados.
Esses pintores esforçaram – se em imaginar e representar a santidade e a perfeição em
todos os seus aspectos. Mas imbuidos, repletos de pecado, eles representam o pecado,
apenas o pecado. Uma volúpia refinada emana da imagem pela qual o pintor genial queria
representar o amor divino e a castidade desconhecidos d’ ele (...). As obras de tais pintores
entusiasmaram espectadores apaixonados : mas às pessoas impregnadas do Evangelho,
essas obras geniais , marcadas pela blasfêmia e a mancha do pecado, inspiram tristezae
repulsão (24).
(24). Obras do bispo IGNACE BRIANCHANINOV, T. 3, Essais ascétiques, 3° ed. S.P. b. 1905, p. 287, em russo.

O pintor , criador dentro de uma concepção moderna desse termo, acrescenta o arciprestre
P. FLORENSKY, «  representando o amor divino e acastidadedesconhecidos d’ ele, pode até
ser imbuido de intenções e sentimentos piedosos :Mas recorrendo apenas a lembranças
semi – conscientes do ícone, tais pintores « confundem a verdade cânonica como próprio
livre arbitro ; eles assumem a obra altamente responsável dos Santos Padres da Igreja,
agem que nem impostores e falsos testemunhos.. Tal ‘icone contemporanéo não é outra
coisa senão um falso testemunho prclamado publicamente dentro da Igreja »(25)
NB. A p. 451 está ocupada por uma copia de ícone de Sta Barbara , preto e branco, séc. XVIII, russo.

(25). Arciprestre P. Florensky. «  L’ Iconostase », BOGOLOVSKIYÉ TROUDY, n°9, Moscou, 1972.

Não é apenas questão da pessoa do pintor ; é a própria arte emprestada ao catolicismo


romano, e estrangeiro às premissas dogmáticas e experiência espiritual da ortodoxia, que
aplica os seus modos de expressão num domínio onde eles não são aplicáveis, a uma algo
que eles não podem transmitir. « (26).
(26).Notemos uma tentativa engraçada de apresentar a implantação na ortodoxia da arte romana como
uma « transformação progressiva da arte byzantina ». Aparece nisso que a arte barroca e rococo « 
tinham um sucesso imenso junto a uma grande parte da população russa no séc. XVIII », que expressando
um cristianismo de tipo franciscano, os artistas russos «  não saiam por isso da Tradição ortodoxa
recebida ». Essa excursão instrutiva na história da arte, termina – se com esse conselho ; « Se colocar na
escola de uma época privilegiada pela graça ( a das « luzes » ? Junto aos franciscanos ?). J.P. BESSE, « 
Affinités sprirituelles du baroque russe » CONTACTS , n° 91, Paris, 1975, pp. 351- 358 .

A introdução dessa arte na ortodoxia foi o resultado de uma decadência espiritual , não de
uma deformação da doutrina. Em relação a esta, permaneceu um elemento emprestado,
um corpo estranho sem laço com a Tradição e por via de conseqüência , com a herança
espiritual da Igreja histórica. E é essa arte , produzida numa cultura descristianizada – que
não apenas pode ser justificada pelo 7° Concílio Ecumênico , mas também não se enquadra
em nada com as suas decisões, que se propunha legitimar conciliarmente na Igreja sob o
nome de « LEITE ESPIRITUAL »,ao mesmo título que o ícone.

Porém, existe um argumento bem mais sério a favor do « estilo realisa » ao lado do ícone.
É questão da existência de imagens milagrosas : «  os dois gêneros de arte sacra são
aceitáveis para expressar as verdades cristãs na Ortodoxia em razão de milagres
aparecidos nesses dois gêneros da criação iconográfica eclesiástica »(27).
(27). Materiais da discussão pre – conciliar, Journal du Patriarcat de MOSCOU, n° 1, 1961.

Assim, , se o « estilo realista » não expressa a plenitude das verdades da salvaçâo, isso seria
de algum modo compensado pela existência de imagens milagrosas.

Este argumento posa uma questão de princípio , uma questão de fundo ; pode – se
considerar os milagres como princípio director da vida da Igreja, que seja no seu conjunto
ou em uma das manifestações ( no caso sua arte) ? Os milagres são um critério ? Essa
questão , já o vimos, (28), já tinha sido exposta no séc. XVII, mas no sentido inverso ; os
milagres não estavam sendo aceitos como critério na iconográfia cânonica e isso
justamente pelos partidários da corrente nova , « realista » na arte.
(28). Ver o cap. «  L ‘art du XVII° siècle, un art divisé, l’ abandon de la Tradition. »

No milagre, «  a ordem da natureza está vencida » ; Deus , para a salvaçâo do homem,


infringe a ordem que Ele – mesmo estabeleceu. A misericórdia divina opera milagres tanto
no quadro dos mandamentos e dos cânones, tanto infringindo os mandamentos divinos e
cânones da Igreja. Deus pode também fazer milagres fora dos ícones, assim como Ele age
às vezes por homens indignos e forças da natureza. Mas um milagre, por definição, não
pode ser uma norma. Ele é milagre justamente por estar saindo da norma.

Certamente, avida d aIgreja por inteiro está fundamentada sobre um milagre ; Omilagre
por excelência que dà sentido e ordena toda essa vida – a encarnação de Deus e a
deificação do homem. « O Maravilhoso milagre no céu e na terra é que Deus está sobre a
terra e o homem no céu. » (29).
(29). S. ABBAS THALASSIOS, «  Au prêtre Paul, sur l’ amour, l’ abstinence et la vie spirituellle . »par. 98,
PHILOCALIE, vol. 3, Moscou, 1888, p.319, em russo.

É justament eesse milagre que é a norma da vida da Igreja, nora fixada em seu cânone e
que a Igreja opõe ao estado atual do mundo. É ali que se fundamenta o conjunto da vida
liturgica da Igreja ; o seu ciclo anual está definido pelas etapas e os aspectos desse milagre
fundamental e decisivo , e não por diversos milagres particulares, mesmo operados pelo
Cristo em pessoa. A Igreja vive não do que é passageiro e individual, mas sim do que é
imutável. Nâo seria por isso que o milagre nunca lheserviu de critério em qualquer domínio
que seja ?Jamais esta vida foi regulamentada por eles. (30).
(30). Não temos de esquecer que o diapasão qualitatif dos milagres é vasto ; ao lado dos milagres
autênticos , há « milagres » provindo de neurose psíquica, de credulidade ; conhecemos alguns que apenas
são enganos e enfim também há milagres de origem diabólica ( ver Math. 24, 24 ; 2 Th. 2, 9 ; Ap. 13, 13-
14 ; 19-20 ; cf.16-14). Enfim os milagres autênticos , ou sejam salutários, foram no mais freqüentemente
realizados pelo Cristo e não por Seus discípulos, mas sobre estrangeiros, assim como agora igualmente eles
se realizam freqüentemente fora da Igdreja.

É bastante significativo que as decisões conciliares prescrevem pintar os ícones não


fundamentando – se em modelos milgrosos , (de fato, os milagres operados por um ícone
são manifestação exterior e temporal, e não a sua contante manifestação), mas sim da
mesma maneira usada pelos antigos pintores , ou seja conforme os cânones iconográficos.
É questão , entâo, queremos sublinhar isso, da imagem ortodoxa cânonica, ou seja uma
expressão inalterada dos « mistérios da economia divina para a salvaçâo do homem ».

Quanto aos « estilo realista », como é que uma imagem que não expressa a doutrina da
Igreja, que não é portadora da « revelação da vida em Cristo », poderia mesmo se tornar
uma mensagem da Igreja ? Como, por causas de milagres, se tornaria ela aceitável para
expressar as « verdades cristãs dentro da Ortodoxia ? » ao mesmo títuloque a imagem que
as expressam ? Tal imagem pode, de repente, seo seu assunto não contradiz a doutrina
ortodoxa, ou seja se ele não é heretico, servir de ponto de partida a um novo tipo de
ícones cânonicos ( tendo por condição que o milagre seja autêntico), e ser introduzida no
cânone da Igreja.

O dogma da veneração dos ícones é importante não apenas no plano doutrinal em relação
aos não ortodoxos, mas também sim numa perspectiva extra – religiosa. De fato, por parte,
o encontro com a ortodoxia e o retorno para as fontes do cristianismo tão caracteristico de
nosso temposâo também um encontro como que inevitável com o ícone , e entâo com a
plenitude original da revelação cristã expressada em palavra e em imagen. Por outra parte,
o recado do ícone ortodoxo responde aos problemas de nosso tempo (publicado em
1982) ,pois esses problemas tém um carácter francamente antropológico. O homem é o
problema central de nossa época, esse homem levado num impasse pelo humanismo
secularizado.

A civilizaçâo decomposta e uma série de revoluções científicas e técnicas colocam


atualmente o mundo diante de uma pergunta ; como preservar no homem a sua
humanidade ? e ainda mais ; como conservar a espécie humana de ela – mesma ? O
progresso científico e técnico tem por objetivo o bem do homem, em particular libertando
sua energia criadora e, esse progresso conhece sucessos desconhecidos no passado. Mas
neste mundo onde a ciência e a técnica conhecem um desenvolvimento vertiginoso, neste
mundo onde as ideológias contemporanéas são , elas também, orientadas para o bem e o
progresso do homem, observa – se , paradoxalmente, uma tendência irresistível à
selvageria tanto externo quanto interna ; em vez de uma espiritualização da vida animal
do homem , aparece uma bestialização de seu espírito.

O homem se torna instrumento de produção e seu valor essencial reside não mais em
suapessoa, mas sim em sua fonção. A vida quotidiana do homem é dominada pelo falso, o
« ersatz » e também pela fragmentação que desemboca na decomposição em todos os
domínios.Isso leva a uma perda de equilíbrio espiritual e físico , à busca de « paraisos
artificiais » até pela droga . «  A humanidade que nósobservamos e que nós somso parece
uma humanidade quebrada : Quebrantada , ela o é em primeiraa instância em cada um de
nós (...). Estamos « Cul – par – dessus – tête » e sem centro onde tudo iria pacificar – se !
Separados dentro de nos – mesmos, nós o somso também entre nos ! » (31)

N. TRAD : « cul – par- dessus – tête » querendo dizer « O mais baixo acima do mais alto »,
inversão dos valores.
(31). Olivier CLÉMENT, Questions sur l’ homme. Paris, 1972, p. 7.

Ora no mundo de hoje, esse homem quebrantado e dividido nele – mesmo é a « medida de
todas as coisas ». Essa situação elevada coincide paradoxalmente , com a nota do
arciprestre SCHMEMAN, com uma deformação de sua vocação e do plano de Deus ao seu
respeito. A época é antropocentríca, mas o homem , o seu centro é insignificante e
diminuido. O homem autónomo de nossa cultura contemporanéa , a do humanismo,
recusou sua semelhança com o seu Protótipo ; não aceitou a imagem de glória , revelada no
corpo humiliado do Cristo. E por essa recusa da imagem da glória indizível que iniciou – se
nossa civilização ; ela começou pelo que se teria , por analógia teólogica , chamar de
segunda queda. (32).
(32). Arciprestre A. SCHMEMAN, «  Peut – on être croyant , étant civilisé ? »Messager de ACER, n° 107,
Paris, 1974, pp. 145 – 152, em russo.

Mutilando sua natureza , o homem violentou a hierarquia do ser e por ali, desnaturado seu
papel em relação ao mundo que o cerca ; em vez de submeter - se à vontade divina, ele
subordinou – se à natureza material que ele era chamado à dominar. Tendo recusado o
Deus Criador e tendo se auto – declarado criador ele –mesmo, o homem criou – se outros
deuses mais ávidos de vitimas humanas que o foram os deuses pagãos.

No plano espiritual a luta contra Deus , que ela seja manifesta ou escondida, provoca em
reação , a fé : a fragmentação e a decomposição levam a uma busca de unidade ; o falso , o
artificial – ao gosto do autêntico. Neste mundo em decomposição , quando a questão é
formulada para saber como se pode acreditar, porque e em que, o homem busca o sentido
de sua existência.

E eis que novamente os destinos da Igreja ortodoxa e do ícone coincidem. Se durante o


periódo sinodal o papel do condutor era dado à Igreja russa, ligada a um estado poderoso,
agora nenhuma Igreja local encontra – se em tal situação. O rápido desenvolvimento da
cultura desacralizada limitou os meios de ação dos quais a Igreja dipunha.

Mas é quando ela está oprimida pelo ateísmo e por outras religiões, enfraquecida pelas
rupturas e as desordens, que a ortodoxia estende – se ao mundo exterior. Nos dias atuais, o
lugar preponderante da missão não pertence mais a tal ou tal outra Igreja local, mas sim à
ortodoxia como manifestação dessa revelação que é a Igreja. O carácter da missão mudou,
ele também ; não é apenas questão de pregar o cristianismo para povos não – iluminados,
mas sim mostrar ele como contraste em relação ao mundo decristianizado com a sua
cultura em plena decomposição. A essa cultura caracterizada pela fragmentação e o
artifício, a ortodoxia opõe - se como sua antitêse, como verdade, unidade, autenticidade,
pois que a natureza própria da Igreja , sua catolicidade, é o contrário do separatismo, da
desunião, da divisâo, do individualismo.
A revelação cristã traz uma conversão capital na relação do homem decaído com Deus, por
uma parte, e com o mundo no seu estado atual, em segundo lugar ; ela anuncia o
restabelecimento do destino do Criador «  Pois os meus pensamentos não são os vossos
pensamentos e as suas vias não são as minhas vias, disse o Senhor . Mas assim como os
céus são elevados acima da terra, assim as minhas vias são elevadas acima das suas
vias »(Isaias 55, 8-9).

O cristianismo não se endereça a tal ou tal outra categoria de homens, tal classe,
sociedade, organismo ou groupo nacional ou social ; ele nâo é um meio ideológico para
melhorar o mundo decaido , para estabelecer « o reino de Deus » na terra. Ele revela o
« Reino de Deus »não em condições exteriores mas no interior do homem (33).
(33).Para o povo hebreu a vinda no mundo do Messias esperado mostrou – se um « escândalo »justamente
por que o reino prometido do Filho de Davi encontrou – se não sendo um reino deste mundo, mas sim um
reino no interior do homem e que o caminho que leva a ele passa pela cruz.

O « arrependei – vós ! » ou seja «  converteis – vós » ( METANOIETE) no sentido literal da


palavra, na predicação de S . João Batista exige a recusa da via seguida precedentemente , a
adoção de uma nova via, inversa daquela do pecado. «  Se alguém está em Cristo, ele é uma
nova criatura. As coisas antigas são passadas ; eis , todas as coisas se tornaram novas » ( 2
COR. 5, 17). Toda a predicação do Evangelho ( as parábolas do Reino de Deus, o sermão na
montanha, etc.) vai em sentido inverso das vias do mundo decaído. A perspectiva
evangélica , como expressão da própria essência do cristianismo, é uma inverdade à atitude
que considera como normais a desagregação e a decomposição reinando neste mundo.
Realidade, verdade, via de salvação , é o oposto da lei do « Princípe desse mundo », esse
estado doentio considerado geralmente como « normal » , naturel, próprio da criaçâo «  Tal
é a natureza ! » - eis a justificativa das mais usada).

Mas o mundo , como sendo criado por Deus, é bom e belo : o pecado, a divisão, a podridão,
a desagregação , não são de sua natureza, mas sim de um estado imposto pelo homem. O
cristianismo não leva nele a negação desse mundo, mas ao contrário, pelo intermedio do
homem, sua cura ; o homem é chamado a inclinar – se, e dirigir o mundo que o cerca até a
união com e dentro do Criador. Ao mundo onde reinam o mal, a violência, e discordias
sangrentas opõe – se a imagem de um mundo transfigurado dentro da Humanidade de
Cristo,ou seja no sentido de sua existência na perspectiva da seu destino final.

Em nossos dias,com a chegada da ortodoxia neste mundo « cul par dessus tête », duas
orientações diferentes do homem e de sua criatividade confrontam – se :o
antropocentrismo do humanismo secularizado e a-religioso e o antropocentrismo cristão.
Nessa confrontação , um dos papeis principais é do ícone. E o significado essencial de sua
« descoberta » em nossa época aparece não no fato que voltou – se em apreciar ele e em
compreender o ícone mais ou menos bem, mas sim no testemunho que ele traz ao homem
contemporanéo ; testemunho da vitória ganha pelo homem sobre toda desagregação e
decomposição, testemunho de um outro plano d evida que coloca o homem numa
perspectiva toda diferente em relação ao seu Criador e orienta de modo totalmente
diferente sua atitude em relação ao mundo decaído, dando – lhe um outro conhecimento,
uma outra visão deste mundo.

Voltando ao 7° Concílio Ecumênico, nós temos que dizer que ele não proclamou NADA de
essencialmente novo ; ele apenas definiu o significado da imagem cristã, tal como ela era
desde a sua origem. Nós apenas mencionaremos brevemente aqui aqueles desses temas
essenciais que tem relação direta com diversos aspectos dos problemas actuais.

Tanto no seu OROS quanto em seus julgamentos, o Concílio religa o ícone antés d emais
nada ao Evangelho, ou seja à teólogia vista em seu sentido inicial, manifestada, segundo a
expressão de S. GRÉGOIRE PALAMAS, «  pela própria Verdade que é o Cristo que, sendo
Deus acima de todos os séculos, tornou – Se por nos também teólogo ».(34).
(34).Citado pelo Arquimqndrita AMPHILOQUE(RADOVIÉ), To Mysterion tés Agias Triados Kata ton
Gregorion Palaman , Thessalonique, 1973, p. 144.

Nós estamos ali diante da noção cristã da imagem e d eseu significado na teólogia e entâo
também na vida do homem criado por Deus » Se o homem é LOGICOS (...), se ele é « à
imagem » do LOGOS, tudo o que tem a ver com o destino do ser humano - a graça, o
pecado, a redenção pelo Verbo que tornou – Se homem- deveria igualmente reportar – se
à teólogia da imagem. E poderiamos dizer a mesma coisa em relação à Igreja, aos
sacramentos , à vida espiritual, da santificação , dos fins últimos. Não hà um único ramo do
ensino teólogico que poderiamos isolar completamente do problema d aimagem, sem
encorrer o risco de separar ele do tronco da tradição cristã. Poderiamos dizer que para um
teólogo de tradição católica, no Oriente como no Ocidente, fiel às grandes linhas do
pensamento patrístico, o tema da imagem ( na sua dupla acepção~- imagem como princípio
da manifestaçãodivina e imagemcomo fundamento de uma relação particular do homem
com Deus) deve pertencer à essência do cristianismo. (35).
(35). V. LOSSKY, « La Théologie de l’Image », Messager de l’ Exarcat du Patriarche russe en Europe
occidentale , n°s 30- 31, 1959, p. 123.

«  Pela encarnação que é o fato dogmático fundamental do cristianismo, « imagem » e


« teólogia » encontram – se ligadas tão esteitamente que a expressão « teólogia da
imagem » poderia se tornar um pleonasmo - claro se se quer considerar a teólogia como
conhecimento de Deus em Seu LOGOS que é a imagem consustancial do Pai » (36).
(36). Ibid., p. 129.
Assim, jà que é a única Hipóstase divina de Jésus – Cristo que , na encarnação, revela ao
mundo o Verbo e a Imagem do Pai, a teólogia e o ícone são juntos uma mesma expressão
da revelação pela palavra e pela imagem. Ou seja, a teólogia em palavra e a teólogia em
imagem formam ontologicamente um todo e, por isso mesmo, uma só e mesma instrução
para o homem, guiando ele em sua assimilação da revelação , a via de sua salvação. (37).
(37). Se a palavra cessa de corresponder à imagem visível, produz – se uma ruptura entre elas : duas
maneiras diversas de expressar a mesma verdade se desunem, a sua unidade ontológica , que corresponde
à unidade da própria verdade, desagrega – sedeixando pendente a plenitude da revelação . Assim a
expressão « teólogia em imagem », que se tomou o costume de aplicar ao ícone, apenas é admissível
quando est corresponde à teólogia, segundo a concepção patrística, como conhecimento concreto de Deus ,
engendrando um contacto directo com Ele. Senão a terminilogia patrística aricava ser aplicada à imagem
em virtude de uma simples combinação de palavras ; jà vimos isso no séc. XVII.

A imagem, por via de conseqüência , sendo uma das verdades fundamentais da revelação ,
faz parte da plenitude doutrinal da Igreja.

Fundamentando o ícone na encarnação , ou seja sobre o dogma cristológico, o Concílio


refere – se com insistência ( e por várias vezes) à existência daveneração dos ícones desde
o tempo dos Apóstolos , ou seja na sucessão ininterrompida da tradição apóstolica. É bem
verdade que o nosso contemporáneo ( com a sua fé na infalibilidade da ciência) inclina – se
ao scepticismo diante essa afirmação,ainda mais que referências à antiguidade utilizaram
freqüentemente como provas de autênticidade sem bases suficientes. Mas, no caso
presente, os santos Padres do Concíliofundamentavam – se sobre dados que a ciência
utiliza em nossos dias mas, como jà o vimos, sobre a essência própria do cristianismo, sobre
a vinda no mundo criado da « imagem do Deus invisível, primogénito de toda a
criaçâo »(Col. 1, 15 – lida no dia do ícone de Cristo não feita por mãos humanas, a Santa
Face ). «  Quando o Verbo de Deus se faz carne, disse S. IRÉNÉE, (...) Ele fez aparecer a
imagem em toda a sua verdade tornando – Se Ele –mesmo isso que era a Sua Imagem e
restabeleceu a semelhança (...) tornando o homem totalmente semelhante ao Pai
invisível ». (38).
(38). CONTRA HAERESES, V, 16, 2, Paris, 1969, t. II, p. 217.

É essa imagem do Deus invisível , impressa na matéria como testemunha «  da verdadeira e


não ilusória encarnação de Deus o Verbo » (OROS do Concílio) que está oposta por uma
parte à ausência de toda imagem de Deus no Antigo Testamento, e por outra parte à falsa
imagem do paganismo , o ídolo. Face à essa falsa imagem de Deus criada pelo homem, o
cristianismo ergue diante do mundo a imagem do Criador, mostra esse prototípo
dissimulado ao homem pelo seu pecado, mas segundo o qual o homem porém foi feito. Ess
aimagem vive dentro da Tradição que é a memória carismática ou mística da Igreja, sua
vida interior. Antés de tudo, essa Tradição é « UNIDADE DE ESPÍRITO, laço vivo e
ininterrupto com o mistério de Pentecostes »(39).
(39). G . FLOROVSKY. «  Fragments Théologiques », Revue POUT, n° 31, Paris, 1931, p. 23, em russo.

Daí a insistência dos Padres conciliares nas suas referências à Tradição apostólica (40).
(40). E a palavra e a imagem apenas vivem na Tradição .Fora dela, o Evangelho se torna, como podemos o
ver agora, um documento histórico dos primeiros séculos de nossa era, o Antigo Testamento , a história do
povo judeú e a Igreja dissolve – se na noção geral de religião. De fato, «  recusar o significado da Tradição,
é essencialmente recusar a Igreja como Corpo de Cristo, diminuir Ela. ( G. FLOROVSKY, « La Maison du
Père », Revue POUT, n° 27, Paris, 1927, p. 78, em russo.

Jà que a revelação cristã foi, na origem, dada ao mundo de modo duplo, pela palavra e pela
imagem, o Concílio « seguindo o ensinamento dos santos Padres e a tradição da Igreja
católica » (OROS), afirma a existência da imagem desde a origem e não apenas sua
necessidade , mas sim a sua participação orgânica ao cristianismo , participação que
decorre da encarnação mesmo de uma Pessoa divina.Eis porque o iconoclasmo, apesar de
sua antiguidade desde o início do cristianismo também, se bem que a sua oposição à
imagem apoiou – se sobre a proibição vetero – testamentária e foi alimentada pelas
correntes espiritualistas de tendência origenista, esse iconoclasmo chocou – se contra um
obstáculo intransponível e apenas serviu pra definir e melhor manifestar a verdade
revelada.

Para a nossa época, o valor do 7 ° ConcÍlio Ecumênico reside antés de tudo no fato que,
respondendo ao iconclasmo declarado, ele tem para todos os tempos proclamado o ícone
como expressão da fé cristã , um atributo inalienável da ortodoxia. Assim, o dogma da
veneração dos ícones é uma resposta a todas as heresias ( o iconoclasmo sendo « uma
soma de muitas heresias e erros »segundo o Concílio) que destruiam e continuam
destruindo , abertamente ou de modo latente , tal aspecto da humanidade divina e de essa
Divino – humanidade em seu conjunto, e por conseqüência a antropologia cristã.

Pelo dogma da veneração dos ícones, os Padres do Concílio protegem a antropologia


cristã , ou seja a relação entre Deus e o homem manifestada na Pessoa de Jésus – Cristo ;
eles viam nisso o centro de gravidade não em enunciados teóricos mas na experiência
concreta da santidade e na imagem. De fato, se « a encarnaçãoDe Deus o verbo , como
realização do homem perfeito, é um acontecimento antés de tudo antropológico, a
revelação do Espírito Santo, sua habitação no homem é igualmente um acontecimento
antropológico ». (41).
(41). O resume alemão do livro do Arquimandrita AMPHILOQUE ( RADOVIÉ), TO MYSTERION TÈS AGIAS
TRADOS ; ibid., p. 231.
Eis porque na victória sobre o iconoclasmo a consciência católica da Igreja afirma o ícone
como triunfo da ortodoxia, como um testemunho pela Igreja da verdade revelada ; eis que
a antropologia cristã encontrou sua expressão amais directa e amais evidente justamente
no ícone ortodoxo. Não seria ele que manifesta «  a verdade e as conseqüências da
encarnação divina » e que mostra com um maximo de plenitude e profundidade adoutrina
cristã sobre as relações entre Deus e o homem, entre o homem e o mundo ? Excluir a
imagem da antropologia cristã, não é apenas excluir um testemunho visívelda encarnação
de Deus, mas também renunciar a um testemunho da semelhança com Deus adquirida
pelo homem, à realização da economia divina. É lesionar o testemunho ortodoxo da
verdade.

O ícone sendo antés de tudo a representação de uma pessoa ( que ela seja Pessoa divina
como o Cristo ou uma pessoa humana) indicada pelo seu nome próprio, a sua verdade está
condicionada pela sua autênticidade : a autênticidade histórica , pois que «  a imagem é
uma imitação levando os signos distintivosdo protótipo » (42),e a autênticidade
carismática(43).
(42). São João Damascéno 1°, Traité de la défense des saintes icônes, cap. IX, P. G. 94, 1, 1240 C.

(43).Anotemos aqui um comentário bem original do ícone e do Oros do 7° Concílio Ecumênico na obra ; L’
An de graçe du Seigneur, un commentaire de l ‘ année liturgique byzantine por um monge da
Igreja do Oriente, BEYROUTH, 1972, t. 2, p. 169 : «  Lembremos aqui , disse o autor, algumas noções
fundamentais concernindo os ícones. Primeiramente, o ícone não é uma representação, uma semelhança ».
Porém, pelo ensinamento dos Santos Padres o ícone é justamente um retrato que reproduz a semelhança
com o protótipo, do qual distingue – se pela sua natureza. Se o ícone «  não é uma representação , uma
semelhança », como então, segundo o próprio autor, teria ele por tema «  a Pessoa de Cristo, ou da Mãe de
Deus » ou dos outros santos ? O autor esforça – se depois em convencer o leitor que não teria que exagerar
o papel do ícone na piedade cristã. «  A Igreja nunca tornou obrigação para os fieis de ter ícones em casa
ou de oferecerlhes certo valor na piedade e oração pessoais ». Mas a Igreja ortodoxa não « obriga »
jamais ninguém a nada. ( A noção de « obrigação » é própria não da ortodoxia, mas sim do catolicismo
romano !). Para o bem de seus membros , Ela toma decisões. Eis assim mesmo que é dito dentro do OROS
do Concílio : «  Nós decidimos (...) colocar nas santas igrejas de Deus , sobre os vasos e vestimentas sacras ,
nas paredes e pranchas, nas casas e nos caminhos, os preciosos e santos ícones (...) , de honrar eles, pelo
beijos e a inclinação da veneração ».

Deus , indescritível em Sua Divindade, une – Se «  sem confusão nem separação »( dogma
da CHALCÉDOINE) à humanidade descritível. O homem une a sua humanidade descritível à
Divindade indescritível.

Jà anotamos que a imagem da Pessoa de Cristo , como testemunho de Sua encarnação ,


também é, para os apologistas do ícone, testemunho da realidade do sacramento
eucarístico (44).
(44). Ver o cap. «  Le Grand Concile de Moscou et l’ Image de Dieu le Père »e J. MEYENDORFF, Le Christ dans
la théologie byzantine », Paris, 1969, p. 260.

Assim a autênticidade da imagem, de seu conteúdo, aparece em sua conformidade com o


Sacramento. A fé da Igreja distingue – se de todas as outras pela sua comunhão concreta,
física ao seu objeto. Por esse contacto, a fé se torna visão, conhecimento, communidade de
vida com ele. Esta vida commum realiza – se na Eucaristia . A oração diante do Cálice
endereça – se à uma Pessoa concreta, pois que apenas é endereçando – se à Pessoa,
numa relação com Ela, que fica possível participar ao que essa Pessoa carrega Nela, ao que
Ela está hipostasiando. Ora esse contacto exige uma imagem jà que o homem não
endereça – se a um Cristo imaginário, nem à uma Divindade abstrata, mas sim à uma
Pessoa : « Tu és em verdade o Cristo (...), isto é o Teu Corpo... »( imagem no câlice). Na
Eucaristia o pão e o vinho se tornam , pela ação do Espírito Santo, o Corpo e o Sangue
divinos de Cristo ressuscitado e glorificado( O cristianismo não conhece uma ressurreição
« espiritual » fora do corpo) ; a salvação foi operada e opera – se ainda no corpo (45).
(45). Não somente o cristianismo não desmaterializa a matéria , mas ao contrário ele é resolutamente
materialista. Desde sua origem, ele não se contenta em rehabilitar o corpo, ele afirma que ele é salutário,
afirma a Transfiguração da natureza humana e sua ressurreição em seu corpo, na matéria. «  Eu não adoro
amatéria par a mim, (...) escreve S. João DAMASCÉNO ; mas eu adoro o Criador d amatéria que Se fez
matéria para mim (...) e pelo intermédio da matéria realizou a minha salvação ; e eu não cessarei de
venerar a matéria pela qual minha salvação foi realizada ». (Traité à la Défense des saintes Icônes, cap. XVI,
P. G. 94,I ; 1245, et le 2° Traité , cap. XVI, ibid., col 1300.

«  A própria Eucaristia representa para nos a salvação justamente por ser Corpo e
humanité » (46).
(46). J. MEYENDORFF, Le Christ dans la théologie byzantine, Ibid.

A Imagem da Pessoa de Cristo apenas corresponde então ao Sacramento por representar


um corpo sobre o qual a morte não tem mais poder (Rom 5, 8-9), ou seja o Corpo de Cristo
em glória. Assim a realidade do Corpo glorificado de Cristo na Sacramento da Eucaristia é
necessariamente ligada à autênticidade de Sua imagem pessoal, pois o Corpo de Cristo
representado no ícone é este mesmo « Corpo de Deus que resplandesce de glória divina,
incorruptível, santo, vivificante » (47).
(47). 7° Concílio Ecumênico , Atas, 6° Cessão , MANSI XIII.

Aqui a imagem, como testemunho da encarnação, está ligada à escatólogia, pois o Corpo
glorioso de Cristo representado no ícone é esse mesmo Corpo do 2° Advento e do Juiz
final( ver a oração diante do Câlice). Dali a admoestação do 3° Cânone do Concílio de 869-
870 : «  Se alguém não venera o ícone do Cristo Salvador, que ele não possaver no dia do
Seu 2° advento ! »(48).
(48). Ver o cap. «  La période post iconoclaste ».

Ou seja, apenas o duplo realismo da imagem pode corresponder ao Sacramento da


Eucaristia, realismo que une o representável e o não – representável. E esse laço entre o
Sacramento e aimagem exclui toda imagem que apenas mostraria «  o aspecto do
servidor » ou uma noção abstrata.

Assim também que par ao ‘icone de Cristo, a autênticidade de um ícone de santo consiste
em sua correspondência com o seu protótipo. Ora a experiência pessoal da deificação é
uma união da humanidade representávelà Divindade irrepresentável quando , segundo
Santo EPHREM O SÍRIO, o homeme « tendo purificado os olhos de seu coraçâo sempre
enxergue nele – mesmoo Senhor como num espelho ! »(49) e «  se transforma nessa
mesma imagem »(2COR. 3, 18). Assim um santo é representado nâo segundo o aspecto de
sua carne corruptível, mas segundo o aspecto do corpo glorificado de Cristo.
(49). Le Psautier ou reflexions sur le Divin, cap. 51, Moscou, 1904, p. 107, em russo.

Aqui temos de fazer uma resalva. A teólogia não tem a ver com conceptos abstratos, assim
como a filosofia ; ela tem a ver com fatos concretos, os dados da revelação, fatos que
transcendem os meios de expressão humana. A iconográfia está na mesma situação, face
aos mesmos fatos. Como a revelação cristã transcende tanto as palavras quanto as
imagens, nenhuma expressão verbal ou pictural pode , como tal, expressar Deus, dar d’ Ele
um conhecimento adequado , directo. Nesse sentido, uma e a outra são um fracasso , pois
elas devem transmitir o inconcebível pelo concebível, o irrepresentável pelo representável,
expressar dentro do criado o que o ultrapassa, o que é de uma outra natureza. Mas o valor
delas consiste justamente no que a teólogia e o ícone atingem o auge das possibilidades
humanas e mostram – se insuficientes. E Deus em Pessoanão Se revela mesmo pela cruz ,
« fracasso » supremo ? É justamente por esse « fracasso » que lhes é próprio que a teólogia
e o ícone são chamados à testemunhar de Deus, a tornar perceptível a divina
presença,essa presença que, em sua realidade, é acessível na experiência de santidade.

Neste ambîto, dizia V. LOSSKY em suas aulas, há na teólogia e na arte sacra, duas heresias
opostas uma à outra. A primeira heresia , é a « humanização » (imanentismo),o
rebaixamento da divina transcendência até as nossas concepções humanas . Para a arte , a
época da Renascenca pode servir de exemplo ; para ateólogia, o racionalismo que resvala
as divinas verdades ao nível da filosofia humana. É uma teólogia « se m fracasso », uma arte
« sem fracasso. Essa arte é bela, mas ela limita a humanidade de Cristo e de nenhum modo
indica o Deus – homem.A outra heresia , é uma capitulaçâo no inicio diante do fracasso,
arecusa de toda expressão . Na arte, é o iconoclasmo que , a recusa da imanência
daDivindade, ou seja, da própria encarnação. Na teólogia, é o fideísmo. A primeira heresia
oferece uma arte ímpia, um pensamento ímpio, na outra heresia a impiedade fica
dissimulado sob aparente piedade.

Esses dois posicionamentos opostos em suas manifestações, tem por ponto de partida os
mesmos presupostos antropológicos. «  Na perscpectiva patrística oriental a comunhão à
vida divina é o que faz que o homem é homem, e isso não apenas na realização final, mas
sim desde o momento de sua criação e em cada instante de sua vida » : mas, «  a teólogia
ocidental considera tradicionalmente como provado que o ato mesmo da criação supõe
que o homemnão tem somente uma natureza OUTRA que Deus, mas sim que a existência
que lhe foi dadaé, como tal, autónoma ; avisão de Deus pode ser o objectivo da experiência
individual de algum « MÍSTICO », mas ela não é a condição da verdadeira humanidade do
homem » (50).
(50).J. MEYENDORFF, « Philosophy, Teology, Palamins and /SECULAR CHRISTIANITY », S. Vladimir`s
Seminary Quarterly, n°4, 1966, CRESTWOOD, N. Y. , p. 205.

São duas concepções radicalmente diferentes do destino do homem, as da sua vida e de


sua criação : por uma parte, a antropologia ortodoxa concebida como a realização
pelohomem de sua semelhança com Deus, semelhança manifestada existencialmente , de
modo criativo e vivo, determinando por conseqüências o conteúdo da imagem ortodoxa.

Por outro lado, a antropologia dasconfissões ocidentais que afirmam a autonomia do


homem em relação à Deus : o homem é mesmo criado à semelhança de Deus mas, sendo
autónomo, nâo está em correlação directa com o seu Protótipo. Dali o desenvolvimento do
humanismo com sua antropologia autónoma em relação à Igreja e decristianizada, onde o
homem apenas se distingue das outras criaturas dentro de categorias naturais ; ele é « um
animal razoável », « social » ou outro.

Como já o vimos anteriormente, a introdução do FILIOQUE e , depois, o rebaixamento do


princípio pessoal, com a doutrina da graça criada, levam à uma concepção não ortodoxa
das relações entre Deus e o homem, entre o homem e o mundo. A autonomia do homem
em relação a Deus significa autonomia de sua razão e de suas outras faculdades. Já o
THOMAS DE AQUIN reconhece a independência completa da razão natural em relação à fé.
«  E é justamente ao THOMAS DE AQUIN que remonta a ruptura entre o cristianismo e a
cultura, ruptura esta que se mostrou fatal para o conjunto da cultura cristã no Ocidente(...),
e cujo o sentido trágico manifestou – se agora em sua amplitude toda. (51).
(51). Pro. Arciprestre B. ZENKOVSKY, Les fondements de la philosophie chrétienne, Frankfort s/ Main, 1960,
volI, pp.9 e 11, em russo.

Para o que tem a ver com a criação artística, os « LIVRES CAROLINS » , em contradição com
o 7° Concílio Ecumênico , separam – a da experiência católica da Igreja, considera – a como
autónoma e , por isso,determinam o seu futuro. Ver no ícone uma via de salvação
equivalente à palavra do Evangelho (como o faz o Concílio), era totalmente inconcebível
pelos teólogos de CHARLEMAGNE e então inaceitável.Teoricamente , o catolicismo romano
reconhece o 7° Concílio Ecumênico e confessa o dogma da veneração dos ícones. Mas na
prática a posição expressa nos « LIVRES CAROLINS » permanece o posicionamento oficial
até hoje.

Se no séc. XII e ainda a partir do séc. XIII, a imagem do Ocidente tinha certo laço com a
antropologia cristã, uma lenta decomposição leva aos poucos a arte à ruptura definitiva
com ela. Autónoma, essa arte limita – se em traduzir o que não ultrapassa as faculdades
naturais do homem. Desde de que não há mais penetração do incriado na criatura, a graça
como efeito criado apenas pode melhorar as faculdades naturais humanas. O que o
cristianismo tinha, desde o seu início , rejeitado de sua arte ; uma representação ilusória do
mundo visível, torna – se um objectivo em se – mesmo. A partir do momento em que o
irrepresentável concebe – se nas mesmas categorias que o representável, a linguagem do
realismo símbolico desaparece, e a transcendência divina é rebaixada ao nível das noções
da vida corriqueira. A mensagem do cristianismo é minimizada, adaptada à concepção
humana. Cedendo à tentação do « sucesso » ( ou seja o contrário do fracasso), a imitação
da vida inundou a arte na época da Renascença. Com o gosto pela antiguidade, o culto da
carne instala- se em vez da transfiguração do corpo humano. A doutrina cristã sobre as
relações entre Deus e o homem engaja – se numa falsa direção e a antropologia cristã
encontra – se minada : assim é retirada a perspectiva escatólogica da cooperação do
homem com Deus. «  Na medida pela qual o ser humano engaja- se na arte, Deus afasta –
Se , tudo fica miúdo e profano, o que era instrumento de adoração se torna objeto de
idolatria ; o que era revelação contenta – se em ser ilusão, o sinal do sagrado apaga – se, a
obra não é mais nada outro que meio de prazer e conforto ; o homem encontrou – se a se –
mesmo e adora a se- mesmo em sua arte »(52).
(52). J. ONIMUS, Réflexions sur l’ art actuel, Paris, 1964, p. 80.

Á imagem da revelação ssse substitui «  a imagem deste mundo que passa ». E a mentira da
imitação da natureza não consiste apenas em trocar a imagem tradicional poruma ficção,
mas também consiste em conservar os assuntos religiosos modificando os limites que
separam o visível do invisível ; assim a distinção entre eles desaparece e isso leva em negar
até a existência domundo espiritual. A imagem perde seu significado cristão , o que leva no
final à sua rejeição, a um iconoclasmo declarado. «  Assim encontra – se justificado o
iconoclasmo da Reforma. Justificado e relativisado ;pois ele não tem a ver com a verdadeira
arte sacra, mas sim com a degenerescência desta arte no ocidente medieval.

Neta arte, que é uma afirmação da ordem cósmica tal como é, são elaboradas as leis da
perspectiva ótica ou linear, considerada não apenas como normal, mas como o único meio
cientificamente válido de representar o espaço , assim como a condição visível do mundo é
ela –mesma considerada como normal.

Essa perspectiva aparece como demostrado pelo arciprestre P. FLORENSKY, « quando se


decompõe a estabilidade religiosa da concepção de mundo,quando a metafísica sacra da
consciência commum do povo é apodrecida pelo julgamento individual da pessoa
particular, isolada, com o seu ponto de vista particular (...) . é então que aparece a
perspectiva característica da consciência isolada. «  (54).
(54). P. A. FLORENSKY, «  La perspective inversée », TROUDY PO ZNAKOVYM SISTÉMAN III, TARTOU, 1967,
p. 385, em russo.

Foi isso que aconteceu no Ocidente na época da Renascença e no mundo ortodoxo no


séc.XVII. Essa perspectiva decompõe – se por sua vez na nossa época . quando se
decompõe a concepção do mundo humanista do qual ela é proveniente e, com esta, sua
cultura e a sua arte.

A arte sacra dentro do catolicismo romano sendo considerado como dependente do artista
e este , por sua vez, dependendo da época e da moda, « a Igreja( romana)jamais
considerou algum estilo coo lhe pertencendo em próprio mas, segundo o carácter e
condição dos povos, e segundo as necessidades dos diversos ritos, ela admite os géneros d
esua época. »(55).
(55). » La Liturgie. Constitution conciliaire et directives d’ application de la réforme liturgique. Cap. VII, «  L’
art sacré et le matériel du culte », par.123, Paris, 1966, p. 100. 

« Então não há estilo religioso ou estilo eclesiástico » (56).


(56). «  Commentaire de la Constitution sur la Liturgie » La Maison- Dieu, n°77, Paris, 1964, p. 214, Quando
a arte ocidental foi adotada na ortodoxia, essa atitude , como já o vimos , também foi adotada igualmente.

A Igreja, em relação à arte, apenas é um protector como em outros domínios das


atividades culturais. Resulta disso que o significado da imagem como expressão da
revelação cristã pela experiência católica da Igreja permaneceu estrangeira nas confissões
ocidentais. O 7° Concílio Ecumênico , como se sabe, atribui a instituição da pintura de
ícones aos santos Padres orientados pelo Espírito Santo. «  Os Santos (...) deixaram a
descripção de suas vidas para o nosso bem e nossa salvação e transmitiram as suas obras à
Igreja católica pelo meio de representações picturais. » (57).
(57). Atas. 6° Cessão, ibid.

 «  Essas obras transmitidas para a nossa salvação » significam uma expressão existêncial da
equivalência entre o ícone e a predicação evangélica.É essa a experiência de fé da Igreja »
(58), que é o seu poder de ensinar .
(58). G. FLOROVSKY, Fragments Théologiques, ibid., p. 25.

Ora na arte o catolicismo romano retira esse magistério aos santos Padres e doutores da
Igreja e confia – o aos pintores. «  Vos, artistas, podeis ler o recado de Deus , disse o papa
PAUL VI recebendo os pintores americanos, e traduzir ele para os homens »(59).
(59). JOURNAL L’ AURORE, Paris, 27 de julho 1976.

Assim, de fato , basta o homemdesenvolver as suas qualidades naturais ( no caso o seu


talento como pintor) para se tornar portador do « recado de Deus ». Nós estamos aqui na
mesma situação que dentro do pensamento teólogico tal como orientado nesses dias. Pois
no Ocidente, «  a teólogia contemporanéa está principalmente ocupada em descobrir Deus
na experiência humana como tal ; isso leva à « humanizar » Deus e imediatamente
contradiz o conhecimento patrístico »(60)-
(60).J. MEYENDORFF, «  Philosophy, Theology, Palamism... » ibid.,p. 206.

Em virtude dessa atitude de princípio, dobrando – se às variações da cultura autónoma,


como aquando da Renascença ele tinha aceito a imitação da natureza, o catolicismo
romano aceita hoje a arte contemporanéa. Ora essa arte, tendo feito explodir o velho
mundo das formas e das noções, chegou a um morcelamento que desemboca na
decomposição , as vezes até na blasfêmia e no demonismo flagra. « A arte moderna nos
oferece uma imagem de um mundo levado para um destino novo, e como que devorado
por uma sede de renegação a fim de acelerar a sua passagem para o futuro (...) É «  uma
vertigem de vazio e angustia desse nada que, para o nosso espírito , é absurdo ; eles fazem
ecó aos temas que renecontra a filosofia contemporanéa, particularmente a do
existencialismo de SARTRE. » (61).
(61).R . HUYGHE. «  Nós vivemos a época da arte ZERO », ARTS, n° 848, 20 – 26, dezembro de 1961. Resulta
disso que, para voltar a pretensa « simplicidade dos primeiros cristões » e a « pobreza » obrigatória, chega
– se à anifestações extrêmas ; as igrejas estão vazias completamente até parecer perfeitamente aos
templos protestantes. «  Uma confusão lamentável , escreve D. Von HILDEBRAND, que retira todas as
distinções fundamentais entre as coisas, manifesta – se também nos costumes - Nos E. U. e na França – de
tro as, representações teatrais...

É então no momento do naúfrago irremediável dessa arte e do ambiente do qual ela


surge que o ícone entra neste mundo de desmantelo e decomposição tal uma bandeira da
ortodoxia, uma mensagem que endereça – se à livre vontade do homem criado à imagem
de Deus. Testemunhando da encarnação , o ícone opõe a autêntica antropologia cristã à
antropologia falsificada das confissões ocidentais e àquela da cultura contemporanéa
descristianizada.

Em vez de traduzir as faculdades, mesmo as mais altas, do composto espiritual, psíquico e


corporal do homem autónomo, o ícone , assim como a palavra do Evangelho , preenche a
função constante que , desde a origem, era a da arte cristã ; a revelação das verdadeiras
relações entre Deus e o homem.

E assim como no início a inversão introduzido no mundo pelo Cristo vindo na carne tinha
sido um « escândalo e loucura » (1 COR. 1, 23) , também em nossos dias o ícone entra
neste mundo «  que com a sua sabedoria não conheceu Deus »(ibid., 21), neste mundo de
mentira e ilusão, como sendo «  a folia da predicação ! »(Ibid . ). Ele traz neste mundo
derotado um testemunho da autênticidade , da realidade de um outro modo de vida,
outras normas de relações existênciais e desconhecidas do homem escravo das leis
biológicas ; ele traz uma mensagem nova sobr eDeus , sobr eo homem e a criação , uma
atitude nova em relação ao mundo.Ele mostra o que é chamamento par ao homem, o que
ele deve se tornar, colocando ele numa aperspectivadiferente . Ou seja, o ícone denuncia as
vias adotadas pelo homem e pelo mundo ; mas ao mesmo tempo ele é um chamado até o
homem, ele lhe mostrando outras vias a seguir.Nele, a perspectiva do mundo visível está
confrontada com a perspectiva evangélica, o mundo jazendo no pecado com o undo
tranfigurado. Toda a estrutura do ícone está orientada de modo em fazer o homem
comungar na revelação dada ao mundo no cristianismo, mostrando – lhe pelo meio de
formas visíveis a essência própria da inversão por ele introduzida.Ora para expressa essa
inversão, é necessária para esta imagem uma estrutura totalmente especial, modos
peculiares de expressâo, um « estilo » à parte.

Nessa estrutura do ícone com o que é chamado de perspectiva invertida, «  o que marca
antés de tudo, é uma série de particularidades das formas que as vezes parecem até uma
enigma insolúvel » (62) para o homem da cultura europeia moderna. Eis porque essas
formas são habitualmente consideradas como deformações.
(62). L. F. GEGUINE, Le langage de l’ oeuvre peinte, Moscou, 1970, p. 36. Em russo.

Mas essa « deformação »apenas é tal para um olho habituado à perspectiva linear e à


concepção do mundo considerada agora como normal, ou seja comparada às formas que
expressam uma visão de mundo própria de nosso tempo. Na realidade, nós não estamos
aqui diante de uma deformação , mas diante de uma linguagem pictural diferente, a da
Igreja. (63).
(63). Dali a dificuldade de uma analíse científica dessa linguagem. Uma explicação do ícone que seria
apenas estética ou racional é impossível, pois a revelação cristã que é o seu conteúdo , a experiência dada
ao homem da vida divina, não é acessível à analíse científica. Apenas por assim dize o periférico é acessível
à ciência e entra dentro de sua competência. Jà vimos isso, é o aspecto artísitco da obra, seu contexto
social e histórico, a estrutura da imagem, as influências, os emprestimos, etc. Eis porque a ciência limita –
se em ressaltar as paralelas entre o ícone e o folklore, as vidas dos santos, e a literatura profana. Mas
quando ela tenta explicar a essência mesma da arte da Igreja, permanecendo nas categorias que lhes são
próprias, isso termina em inépcias tais como «  imaginação piedosa do pintor », « abstração »,
« desmaterialização do mundo visível e do corpo humano », etc.
Essa « deformação » é natural, a ver indispensável ao conteúdo expresso no ícone. Para
um iconográfo tradicional, tanto no passado que hoje, essa estrutura do ícone é a única
possível e ela é indisensável . Surgindo da experiência litúrgica da Igreja, ela opõe ( com as
outras formas de arte) a experiência católica da Igreja ao « ponto de vista particular » do
homem autónomo , à experiência individual do pintor « com sua consciência isolada ».

Nem aperspectiva linear, nem o claro – escuro são excluidos do ícone ; mas aqui eles
cessam de servir a criar uma ilusão do mundo visível(64), e inscrevem – se na estrutura
geral na qual a perspectiva « invertida » domina.

(64).A palavra grega SKIAGRAFIA significa ao mesmo tempo uma imagem na perspectiva ótica,
representaçãoclaro – escuro e ilusão.

NB. A p. 470 está ocupada por um ícone em preto e branco de S. Lucas , russa do séc. XV.

Antés de tudo , convém precisar que dentro desse termo técnico geralmente admitido de
«  perspectiva invertida », a expressão « invertida » nâo é exata, pois que não há inversão
pura e simple da perspectiva linear, um tipo de reflexo em sentido inverso (de tipo
espelho). Não existe sistema d eperspectiva invertida que corresponderia ao sistema da
perspectiva linear. Á lei rígida dessa última opões – se uma outra « LEI », um outro princípio
de construção da imagem, decorrendo do conteúdo desta. Est eoutro princ´pio implica toda
uma série de procedimentos que criam uma representação seja contrária (invertida) em
relação à ilusão, sejatotalmente diferente desta (segundo o sentido do representado). Esse
sistema extremamente variado e flexível preserve ao pintor toda liberdade ; porém, ele é
aplicado de modo conseqüente e constante conforme à sua orientação própria. (65).
(65).Convém anotar aqui um resultado dos mais interessantes dos estudos científicos contemporanéos
sobre a maneira d etratar o espaço no ícone (P. FLORENSKY, «  La perspective inversée »III em russo ; E :
PANOFSKY, DIE PERSPEKTIVE ALS SYMBOLISCHE FORM »WARBURG 1924- 1925 : AUFÄTZE ZU
GRUNDLAGEN DER KUNSTWISSENSCHAFFT, Berlin, 1964 ; L.F. GEGUINE, «  Le langage d el’ oeuvre
peinte », ibid., e particularmente, B. V : RAUSCHENBACH, Les structures spatiales dans lapeinture russe
ancienne », Moscou, 1975, em russo). Constate – se ali, senão uma superioridade dos princípios da
estrutura do ícone sobre os da arte moderna, ao minímo a sua igualdade. Aparece ali que a riqueza e a
diversidade dos procedimentos de representação do ícone são manifestamente superiores aos processos da
arte dos tempos modernos. Constata - se que a estrutura da imagem, numa arte considerada como
« bárbara » há tão pouco tempo, necessita para ser decifrada, um aparelho matemático bem mais
complexo que a decifragem de umapintura da Renascença, armada pretensamente do « único método
cientificamente válido para representar o mundo visível ». É significativo , e as obras científicas o anotam
freqüentemente, que nenhum sistema de perspectiva invertida jamais foi ensinado e que nenhum livreto
fala à respeito. Supõe – se então que ela era transmitida por tradição. Mas a tradição apenas pode
transmitir a estrutura do ícone no seu sentido geral, senão nós teriamos uma repreetição mecânica de uma
mesma forma de perspectiva , o que não vem ao caso. Ela sempre encontra – se aplicada de modo
diferente e num grau variável , mesmoem assuntos idênticos , e combinada com a perspectiva
ótica.Certoselementos da perspectiva invertida que se encontram em outras formas de arte são as vezes
consideradas como tantas provas que esse sistema não era ligado ao conteúdo cristão da imagem. Para
nós , parece que isso não prova nada. De fato, o nimbo , por exemplo, comoexpressão da luz , encontra – se
bastante vezes em diversos contextos. A revelação da luz era em parte conhecida em religiões não cristãs.
Podemos supor então que osentido de estruturas análogas a dos ícones era parcialmente conhecido
igualmente. Porém o que importa , é que esse princípio de estrutura sespaciais se tornou um sistema
conseqüente e bem orientado justamente e apenas na arte cristã.

objetos próximos como os representava RAFAEL(...). Nós estamos vendo tudo o que é
próximo tal como o representava ROUBLEV e os pintores russos,antigos. »(66).
(66). Questions de Littérature, n°9, 1976, p. 40, em russo.

Perminte – nos precisar um pouco essa afirmação. RAFAEL dezenhava , claro, de outra
maneira wue ROUBLEV, mas ele via como esse último, pois é questão nisso de uma lei da
natureza mesmo da percepção visual. Mas adiferência existe no que RAFAEL submetia a
visão natural do olho humano ao controle da razão autonóma e por isso afastava – se dessa
visão. Os iconográfos , ao contrário, não afastavam –se porque o sentido do que eles
representavam nem exigia isso,mas não permitia também ultrapassar a percepção natural
do primeiro plano ao quel limita – se a estrutura do ícone.

Vamos agora tentar por alguns exemplos ilustrar essa correspondência entre a estrutura
do ícone e seu conteúdo.

A representação do espaço no ícone tem isso de peculiar que, se bem que seja em três
dimensões (o ícone não é uma arte bi – dimensional), o 3° é limitado pela superfície da
prancha e a representação está orientada para o espaço real que se encontra frente à
imagem. Ou seja, comparada com a representação ilusória do espaço na profundidade, a
do ícone nos mostra o inverso . Se uma pintura , construida conforme às leis da perspectiva
linear, representa um outro espaço, não tendo relação nenhuma com o espaço real onde
ela se encontra, no ícone nós estamos vendo o contrário ; o espaço representado inclui- se
inclui- se dentro do espaço real, sem ruptura entre eles. A representação está limitada ao
primeiro plano. As pessoas figuradas pelo ícone e as que encontram – se diante d’ ele são
unidas num mesmo espaço. Já que a revelation está endereçada ao homen,a imagem
também endereça – se à ele.

A construção em profundidade está como que cortada por um fundo plano, «a LUZ » na
linguagem dos iconográfos. Não hà foco de luz ; ela penetra em todos os lugares. A LUZ é o
símbolo do Divino. Deus é luz e Sua encarnação é a vinda da LUZ no mundo ; «  Tu viestes ,
aparecestes, LUZ inscessível » ( Kondakion da Teófania). Ora , segundo S. GRÉGOIRE
PALAMAS, «  Deus é chamado de LUZ não segundo a Sua essência , mas sim segundo a Sua
Energia » (67).
(67). « Contre ACYNDINOS », P. G. 150, 823,, citado por V. LOSSKY, VISION DE DIEU, Neuchâtel, 1962 , p.
133.

A LUZ é então uma energia divina e se pode dizer por via de conseqüência que Ela é
essencial no conteúdo do ícone , pois é de fato essa LUZ que está na base de sua mensagem
símbolica.Temos aqui que dizer ; O fundo do ícone símbolise a LUZ independentemente
de sua cor, se bem que a sua imagem mais adequada seja o OURO. Este é por natureza
estrangeiro às cores e não se adequa com elas : mas o uso de cores no fundo - luz que não
contradiz o seu sentido – mesmo se reduz o seu porte significativo. O OURO é um tipo de
chave para a compreensão do fundo como LUZ.

A irradiação do ouro símbolisa a glória divina e não é isso uma alegoria , mas sim uma
expressão adequada. De fato, o OURO irradia a LUZ, mas ao mesmo tempo ele é opaco.
(68).
(68). Ver S. S. AVERINCEV, «  L’ or dans le sistème des symboles de la culture bizantine », coleçâo em honra
de V. N. LAZAREV, VIZANTIA, YOUJNYÉ SLAVIANé I DREVNYAYA KOUS. ZAPADNAYA EVROPA. ISKOUSSTVO,
Moscou, 1973, pp. 43- 52, em russo.

As suas propriedades correspondem ao domínio espiritual que o OURO é chamado à


expressar, ao significado do que ele tem de traduzir símbolicamente - os atributos da
Divindade.  « Deus não é chamado LUZ segundo a Sua essência.  », pois essa essência é
incognoscível. «  Nós afirmamos , disse S. Basílio o Grande, que nós conhecemos o nosso
Deus por Suas ações, mas não prometemos aproximar Sua ess~encia como tal. Pois, se as
Suas ações nos atingem , em contrapartida a Sua essência permanece inacessível para
nos » (69).
(69). S. Basílio o Grande, Lettre 234, à AMPHILOQUE, P. G. 32, 868, AB.

Essa inacessíbilidade da Divindade é chamada « TREVA ». «  A TREVA divina é essa ‘LUZ


inacessível ‘ (1 TIM. 6, 16) onde habita Deus , assim como está sendo dito » (70).
(70). S. DENIS L’ AÉROPAGITE, inicio de la LETTRE 5, ao DOROTHÉ, P. G. 3, 1973 A.

Assim, «  A LUZ INACESSÍVEL » é « a LUZ que é mais luminosa que a luz » (71)que pode
cegar e é então impenetrável.
(71) . S. DENIS L’ AÉROPAGITE, Théologie Mystique, cap. II, P. G. 3, 1025 A.

E o OURO que junta uma luminosidade irradiante à opacidade expressa símbolicamente de


modo adequado a LUZ divina , treva impenetrável, ou seja algo essencialmente diferente
da luz natural que é o inverso das trevas.

Essa LUZ é a ação de Deus, Sua manifestação no exterior, a energia de Sua essência na qual
banha o sujeito representado. E «  aquele que participa da energia divina se torna ele –
mesmo luz num certo sentido » (72) , pois «  as energias dadas aos cristões pelo Espírito
Santo não são uma causa exterior, mas sim a graça , luz interior que transfigura a natureza ,
deificando - a.(73).
(72), S. GRÉGOIRE PALAMAS, citado por V. LOSSKY, VISION DE DIEU, ibid., p. 136.

(73), V. LOSSKY, Essai sutr la Théologie mystique de l’ Eglise d’ Orient, Paris, 1944, p. 218.

Quando essa LUZ ilumina o homem por inteiro, segundo S. SYMÉON o Teólogo, «  o homem
está unido a Deus , tanto espiritualmente quanto corporalmente, já que a alma não se
separa da inteligência, nem o corpo da alma, mas em unidade de essência Deus une – Se ao
homem por inteiro »(74).
(74). S. SYMÉON o Novo Teólogo, «  Catéchèse »XV, «  Catéchèses, t. II, Paris, 1964, pp. 228-229.

Por sua vez, o homem se torna portador da LUZ para o mundo exterior.

Assim, a LUZ e sua ação são cognossíveis e accessíveis, e por via de conseqüência
representáveis ; o que permanece indizível e inacessível , é a sua própria fonte, escondida
pela impenetrável símbolica do próprio princípio LUZ – TREVA. Partindo do sentido e do
conteúdo do ícone , nós nos permitimos afirmar que essa pecularidade do fundo LUZ deve
ser compreendida como uma tradução símbolica do próprio princípio da teólogia
apofática, a impossibilidade absoluta de conhecer a Essência divina que permanece
totalmente inacessível. Esse fondo é o limite além do qual a criatura não pode penetrar
dentro do conhecimento de Deus : a Essência divina ultrapassa sempre as possibilidades
humanas de conhecimento, e a compreensão desse limite não resulta de especulações
dialécticas , mas sim de uma experiência vivida da revelação , de uma participação
existencial à luz incriada.

Segundo os ensinamentos dos Santos Padres, a grandeza do homem não consiste em ser
um microcosmo, um pequeno mundo dentro de outro maior ; ela reside em seu destino,
pois ele é chamado em ser um grande mundo dentro de outro muito pequeno, um deus
criado. Eis porque tudo dentro do ícone está centrado sobre a imagem do homem . Face
ao homem autónomo em relação ao Deus, ao homem fechado sobre se –mesmo e que
perdeu a integridade de sua natureza, o ícone mostra o homem que realizou a sua
semelhança divina, que venceu a desagregação( em se – mesmo e na humanidade e dentro
de toda a criação visível)(75).
(75).Se os homens que não são santos fossem representados da mesma maneira que os santos, não haveria
contradição : o homem está criado à imagem de Deus e para a Igreja, não existe potencialmente , de
pecador que não possa arrepender – se . Segundo S. MACAIRE O GRANDE, mesmo um homem que se fez
morada do diábo guarda, em virtude de sua liberdade, a possibilidade de se converter (FILOKALIE, T. I, S. P.
B. 1877, p. 149, em russo). Aliás, o pecador no ícone não está sozinho ; como todo o resto , ele está ligado
ao santo representado, ou seja na irradiação de sua santidade.

Ao homem pequeno e perdido num mundo imenso e hóstil, ao homem que perdeu sua
unidade com o resto da criação, o ícone opõe um homem grande cercado de um mundo
pequeno em relação a ele, um homem que restabeleceu sua posição real no mundo e que
tranformou a sua dependência em relação a este em uma submissão do mundo ao Espírito
que habita nele. Em vez do terror que o homem inspira à criação, o ícone mostra a
realização de sua esperança, sua libertação da «  servidão da corrupção » ( Rm. 8, 21).

A energia divina , essa LUZ que dá forma e unidade ao todo, triúnfa da separação entre o
espiritual e o corporal , a ver entre o mundo criado (visível e invisível) e o mundo divino.
Representado dentro do ícone , o mundo inteiro está penetrado do poder dessa luz
incriada. A criação nâo fica fechada sobre se – mesma. Mas não é questão também não de
uma confusão do mundo criado com o incriado. A distinção entre esses dois mundos não se
encontra abolida ( assim como ela o é na arte da ilusão ótica) ; ela é , ao contrário, bem
sublinhada . Por meio de diversos procedimentos, de formas, de cores , o mundo visível e
representável está delimitado em relação ao mundo divino que apenas é concebível em
espírito, mas não representável. A LUZ incriada, cuja natureza é outra que a do ser criado,
penetrando neste, provoca uma ultrapassagem das categorias temporais e espaciais ;
assim o que o ícone representa , unificado por essa LUZ , está incluido numa outra
existência , diferente daquela onde dominam as condições do mundo decaído. É o «  Reino
de Deus que vem em seu poder »( MC. 9, 1) , o mundo que comunga com a eternidade. Não
é questão de um mundo extra – terrestre nem imaginário ; o que está representado , é
mesmo o nosso mundo terrestre, mas restabelecidoem sua ordem hierárquica , renovado
em Deus , pois que penetrado , temos de repetir isso , pela graça divina incriada. Eis
porque os procedimentos segundo os quais o ícone é construido, tanto no conjunto quanto
nos detalhes excluem tudo o que é ilusório , que seja ilusão de espaço, a da luz natural ou
da carne humana. (76).
(76). Na imagem, a ilusão se torna tão intolerável quanto na vida espiritual, na acése e na oração. Ela ali é chamada
de « supremo engano » e representa não apenas um imedimento à oração , mas promove ( ???)o oposto desta.

Não há nisso, do ponto de vista do fiel , nenhuma deformação do espaço nem distorsão da
perspectiva ; ao contrário, a perspectiva está endireitada, pois o mundo está sendo visto
não na ótica da « consciência isolada » , nem na multidão dos pontos de vista do pintor
autónomo, mas sim no único ponto de vista do Criador, ou seja como realização do Seu
divino plano.476
O que está sendo mostrado no ícone realiza - se , como premissas, na essência eucarística
da Igreja. «  Bendito é o Reino do Pai, do Filho e do Espírito santo », é a ecfonése pela qual
inicia - se a divina liturgia.Esse Reino é OUTRO que o de CESAR ; ele está no seu oposto, o
inverso do reino do «  Príncipe deste mundo ». Ora, em sua liturgia a Igreja entra dentro de
um tempo novo, torna – se uma nova criação, onde o tempo não é mais desagregado em
passado, presente e futuro ; as categorias temporais e espaciais cedem a vez a uma outra
dimensão. E assim como o espaço representado no ícone une – se ao esaço real diante
dele, assim o acontecimento representado que teve a sua vez num tempo passado une –
se ao momento presente. A ação que representa o ícone e a que se realiza na liturgia são
unidas no tempo ( HOJE a Virgem faz nascer o Suressêncial » , «  HOJE o Senhor da criação
e Rei de glória está pregado na Cruz »). O presente aqui está ligado à realidade escatológica
. «  A Tua Ceia Mística(...) recebe – me HOJE ». Entre a comunhão dos Apóstolos
representados e aqueles que comungam na igreja, não há ruptura nem no tempo e nem no
espaço. Pela comunhão ao Corpo de Cristo ressuscitado e glorificado, o de Seu segundo
Advento, esse corpo mostrado pelo ícone, a Igreja visível e a Igreja invisível unem – se e,
numa multidão de pessoas , vivas e defuntas, realiza – se a unidade de sua natureza
transformada pela graça, unidade à imagem da TRI – UNIDADE divina.

O conteúdo do ícone determina não apenas sua estrutura, mas também a técnica e os
materiais utilizados.Como anotado pelo arciprestre P. FLORENSKY, «  nem a técnica da
pintura do ícone, nem os materiais utilizados podem serem fortuitos em relação ao culto
(...). É difícil imaginar , mesmo dentro de uma analíse formal, qu eum ícone possa ser
pintado com qualquer coisa, sobre qualquer coisa e via quaisquers procedimentos »(77).
(77). P. FLORENSKY, L’ Iconostase, ibid., p.115.

De fato, assim como a autenticidade da imagem está ligada à Eucaristia, a de toda materia
entrando no culto também o é. «  Oferecendo – Te o que é Teu no meio do que é
Teu... »Essas palavras foram emprestadas à oração de Davi sobre os materiais reunidos par
aconstruir oTemplo (« Pois tudo a Ti pertence e nós Te oferecemos o que é Teu » (1Ch. 29,
14). A Igreja tem conservado esse princípio veterotestamentário e eleatinge a plenitude de
seu sentido na Eucaristia, jà o vimos ; a materia salva pela encarnação é levada em
participar do culto a Deus. Eis porque no ícone , no que concerne a materia, nâo é questão
apenas de solidez ou de qualidade, mas antés de tudo de AUTENTICIDADE . O ícone entra
no conjunto de tudo o que o homem oferece a Deus, em tudo o pelo qual a Igreja realiza a
sua obra, a de santificar e transfigurar o mundo pelo o homem, de curar a materia doente
do pecado, e de fazer dela uma via para Deus , um meio de comunhão com Ele. (78)-
(78).A técnica tradicional , elaborada no decorrer dos milénios e utilizada para a pintura dos ícones
comporta uma escolha de materiais que representa a participação mais completa possível do mundo
visível à criação de um ícone.Nós estamos vendo nisso « representantes » do mundo vegetal ( a madeira),
animal ( a cola, o ovo), mineral ( o gesso, os pigmentos). Tudo isso é usado ao estado natural, purificado e,
pelo trabalho do homem, levadoa participar do culto. Quando a materia trazida pelo homem em oferenda
a Deus perde seu laço orgânico com o conjunto da materia criada por Deus pelo fato do desenvolvimento
moderno dos meios técnicos, ela não pode mais servir à santificação do mundo ; ao contrário, ela se torna
no caso um obstáculo. Assim o uso de materias artificiais, por exemplo materia plástica, sem vida e sem
carácter próprio, é uma perversão . « A materia plástica é uma manifestação da emancipação do homem
em relação à natureza, à criação de Deus, à todas as Suas obras chamadas a O glorificar » ( Sr CORNÉLIA
SCHUBARTH, «  Uber den Glauden der Väter- und seinen Verrat : Neo- Häresie », em ORTHODOXIE HEUTE,
n° 34/35, 1971, S. 12). O limite entre o admissível e o inadmissível no dominio da materia passa onde esta
perde a sua autênticidade e seu carácter , apresenta a aparência de ser outra coisa que o que ela é, ou seja
crianda, ela também, uma ilusão. «  Tudo o que é consagrado a Deus , disse S. GRÉGOIRE O TEÓLOGO, deve
ser natural e sem artif’icio »( Hom. 35, P. G. XXXV, 996 C)

Tentamos demostrar com a ajuda de alguns exemplos que é o sentido do ícone que, por
parte, explica a sua vitalidade e , por outra parte, define sua estrutura com uma perfeita
conformidade com seu objetivo, e determina assim também a matéria a ser utilizada. «  A
pintura de ícones é ao mesmo tempo uma criação artística e um esforço religioso repleto
de fervor orante ( Eis porque a Igreja conhece uma ordem de santidade especial, a dos
iconográfos , nas pessoas dos quais está assim canonizada a arte como via de salvação. 79)
(79). Arciprestre BOULGAKOV, L’ Icône et sa vénération, paris, 1931, pp. 107 -108, em russo.

Essa via de salvação sendo uma participação que assegura a superioridade do ícone sobre
a arte dos tempos modernos na riqueza de seus meios de expressão, no sistema de sua
construção elaborado porém por pintores que ignoravam as leis da percepção visual e a
geometria dos espaços pluri -dimensionais.

Apenas o ícone ortodoxo testemunha plenamente da economia trinitária , pois que o


conhecimento de Deus no Verbo encarnado que é a Imagem do Pai, ou seja a economia da
2° Pessoa , apenas é realizada na economia da 3° Hipostáse da Santíssima Trindade, à luz do
mistério de Pentecostes. É para esse testemunho que orienta – se o conjunto da criação
artísitica da Igreja depois do período iconoclasta, testemunho que conheceu seu apogeu
no hesicasmo.

A criação artística da Igreja até esses últimostempos era considerada pelos historiadores
como « ligada pelos dogmas da Igreja », submetida à cânones rigorosos. . Esse cânone está
entendido como regras exteriores impostas pela hierarquis eclesiastíca, ordenanças
conciliares, e outros manuais,etc.,que domesticam acriaçâo do pintor, exigem d’ ele uma
obediência passiva aos modelos existentes(80).
(80) . E ainda mais, as ideologias combatendo o cristianismo esforçam – se de impor as suas próprias
concepções , a própria escala de valores específicas como chave no domínio da criaçâo eclesiástica ; elas
esforçam – se em provar a incompatibilidade da arte e da religião. «  A mitologia cristã , com sua negação
do mundo, da natureza, seu rebaixamento do homem, a sua hostilidade para a cultura, suas ideias
deprimentes sobre o castigo que há de vir, sobre o pecado inerente à existência, não oferecia claro, um
terreno propíci à atividade artística propriamente dita ». (B. MIHAILVSKY, B. POURICHEV ; Essais sur l’
histoire de la peinture monumentale russe ancienne, Moscou – Léningrad , 1941, p. 7, em russo)Ver
também A. ZOTOV, les Fondements nationausx de l’ art russe, T. 1, moscou, 1961, p. 53, em russo . Ou
ainda «  La fonction essentielle de la religion est la répression spirituelee e physique de la liberté humaine »
Avant – propos de I. VOLKOV ao trabalho de L. LUBIMOV, « L’ art de la Russie ancienne », Moscou, 1974,
pp. 6-7) . De fato, tal noção da criação na Igreja e do cristianismo em geral não é inspiradora. Mas qual
relação tem isso com o cristianismo ? Poderia tanto ser aplicada ao socialismo e ser tanto falsa
quanto...Porém até nossos dias não podiamos encontrar tantas obras ciêntificas sobre a arte sacra que
passariam bem sem essas afirmações. Na realidade elas apenas são uma das formas da luta contra a
religião, contribuindo em falsificar a noção do ícone para os fieis e dando aos increús uma noção
caricatural do cristianismo.

Enfim, opõe – se a arte livre da pintura à iconográfia «  amarrada em cânones ». Porém, se


queremos falar de regras e ordenanças, é muito mais o contrário que é verdade ; é na
pintura « realista » que um conjunto de regras era até agora obrigatoriamente observado.
Ensinava – se essas regras nas escolas e a pintura devia submeter – se ( perspectiva,
anatomia, tratamento do claro-escuro, composição...). É curioso constatar que esse sistema
de regras não era nem um pouco ressentido pelos pintores como canstrangedor ou como
uma submissão ; eles o utilizavam nas suas criações « livres » no meio das quais eles
tentavam servir a Igreja (81).
(81). A cultura contemporanéa em sua expressão artística tem, realmente, retirado tudo isso em nome da
livre auto – expressão do pintor, caindo num individualismo extremo.A « liberdade » virou ao arbitrário e à
anarquia que nós estamos vendo nos diversos « ISMOS », « OP – ARTE », « POP- ARTE », etc.Essa arte
reflete sob forma visível a anarquia que pegou a vez numa sociedade regida por princípios e regras morais
de todo tipo. Ou seja, nós estamos ou diante de um sistema d eregras, ou diante de sua ausência total e sua
negação , sempre em nome dessa mesma liberdade de criação.

Ora, o cânone iconográfico ignore não apenas tais regras, mas também todas as noções
análogas. E portanto é dele justamente que esforçava – se « liberar – se ». Dominados pelo
Ocidente, os pintores progressistas concebiam o cânone como obstáculo a sua liberdade
criativa, ver até como jugo. Vimos no cap. Anterior, que na realidade é da Igreja e de seus
dogmas que se faz um esforço de libertação, é da criação católica que se quer retirar – se
absolutamente. Procurava – se desembaraçar – se não tanto da fé mas sim do « domínio »
da Igreja. Para o pintor autónomo, é a Igreja , seu cânone ( não escrito até...) , sua
concepção da liberdade, que se tornavam como um jugo imposto do exterior. A criação do
pintor se torna individual e por ali, solitária. E já que tinha se começado em representar o
Além, nas categorias do visível, o conteúdo do ícone canónico se torna incompreensível ;
sua linguagem símbolica e sua criaçâo se tornam ininteligíveis , estranhos.

Em nossa época, às inovações caóticas das correntes da arte moderna com o seu culto para
as novidades incoerentes, o ícone opõe as formas tradicionais da arte ortodoxa ; à criação
artística isolada do pintor autónomo, ele opõe um outro princípio de criação artística, ao
individualismo , o católico.Na Igreja tudo se define não pelo « estilo » , mas sim pelo
cânone ; toda criação , se ela for eclesial, inclui – se inevitavelmente no cânone. « O que é
canónico é eclesial, e o que é eclesial é canónico » disse o arciprestre P. FLORENSKY (82).
(82). Arciprestre P. FLORENSKY, «  L’ Iconostase », ibid., p. 109.

Em outros termos, a criaçâo do pintor entra na perspectiva evangélica. De fato, a revelação


não é uma ação unilateral de Deus sobre o homem ; ela supõe necessariamente a co –
operação do homem, ela o chama não à passividade , mas sim a um esforço ativo de
conhecimento e de penetraçâo. O homem criado à imagem de Deus, no que ele – mesmo
cria , como colaborador de Deus, nâo tem preço que se portador e realizador do plano
divino. A criação do homem realiza – se na união de sua vontade com a vontade divina, na
sinergia dasduas ações : a divina e a humana. Nessa perspectiva, a linguagem artística da
Igreja, como expressâo da fé cristã é determinado em seu carácter por umanorma criada
pela sabedoria católica da Igreja- o cânone iconográfico , no sentido próprio do termo.

Essa norma é a forma encontrada par aexressão a mais adequada da revelação, a forma
que reveste a relação criativa entre Deus e o homem. O cânone supõe nâo o isolaento, mas
justamente a incorporação na criação católica da Igreja. A pessoa do pintor realiza – se
nesta catolicidade não afirmando o que há nele de individual, mas sim no dom de se –
mesmo ; sua manifestação suprema consiste numa ultrapassagem do que o demarca em
relação aos outros.

A noção de liberdade está inclusa, ela também, na mesmaperspectiva evangélica.


Aigrejanão conhece de liberdade como noção abstrata ; a abstração em geral lhe é
estrangeira. Não existe liberdade em – se mesma, de liberdade «  em geral », mas apenas
uma liberação fora de um algo concreto. Par aaIgreja, ela consiste em livrar – se do domínio
das feridas que a queda trouxe na antureza humana. O homem cessa de estar submetido a
sua natureza, mas possui ela , se torna « mestre de suas ações e livre » (83).
(83). S. J. Damasceno, De fide orthod., livro 2, cap. 27,P.G. 94 I , 961.

Nessa ótica, a criação canónica está entendida pelo pintor não como uma expressão da
concepção individual que ele tem do mundo e da fé, mas sim como uma transmissão da fé
e da vida da Igreja como uma diaconia. (84).
(84). Nesta diaconia o pensamento criativo dos pintores nunca secou. Eles nunca tenham ressentido e
nem ressentem em nossos dias, o cãnone iconográfico como fardo ou uma restrição imposta d efora,
muitoao contrário. Testemunho, a arte do íconeem se – mesmo ao longo de sua história.
Ele expressa a vida naqual ele participa : isso quer dizer que ele inclui sua vida e sua criação
no conjunto dos outros domínios da vida da Igreja dirigidos pelo cânone. Para ser antêntica,
sua criação deve entrar em acordo com eles, fazer parte deles organicamente. (85).
(85). Daï a necessidade de uma participação constante à vida sacramental da Igreja. E também , nos
periódos de decadência , as exigências morais para os iconográfos.

A « Igreja tem muitas linguagens, mas cada uma delas apenas é linguagem de Igreja por
tanto que corresponde às outras expressões verídicas da fé cristã »(86).
(86). J. MEYENDORFF, «  Philosophy, Theology, palamism and Secular Christianity » ibid., p. 207.

Nos diversos domínios da vida e da criação eclesiais , o cânone é a forma cuja Igreja
reveste a via do homem para a sua salvação. Éno cânone que a tradição iconográfica
realisa a sua função como linguagem artística da Igreja.

Assim, o cânone iconográfico não é uma lei rígida ; ele também nãoé uma prescripção
exterior nem uma regra ; ele é uma norma interior. E é essa norma que coloca o homem
diante da necessidade de partiicpar ao que o representado leva nele (87).
(87).Assim é que as decisões conciliares concernindo a arte sacra guiam o iconográfo para uma expressão
mas fiel do ensinamento ortodoxo e corrigem os erros que se metem na iconográfia , o que é sempre
possível , que nem que seja por ignorância. Quanto à criação artística como tal, essas decisões não apenas
limitam ela, mas nem tocam essas questões que a concernem. Se o cânone iconográfico limita algo,
certamente não é a criação mas, sim como todo cânone o faz em geral em todos os domínios da vida da
Igreja, restringindo o arbitário subjectivo, o livre – arbitro das pessoas particulares, em qualquer grau da
hierarquia eclesiástica onde se encontram. As decisões conciliares da Igreja são válidas para a hierarquia
tanto quanto para os outros membros da Igreja ; uns e os outros conformam – se em suas atividades,
independentemente de sua situação ou papel na Igreja.

Essa participação realiza – se na vida eucarística da Igreja. A unidade da verdade revelada


está estreitamente unida aqui à multiplicidade das experiências pessoais que se tem dessa
verdade. Daï , a impossibilidade de circunscrever o cânone pelo meio de uma definição.
Assim o Concílio dos Cem capítulos contentou – se em prescrever aos iconográfos de
seguir o exemplo dos antigos pintores e as regras da moral. Esse cânone – norma assegura
a transmissão fiel da verdade, seja qual for a medida da participação pessoal do artista,
mesmo se essa participação permanece formal. Ele é seguido tanto pelos pintores criadores
que pelo artesão , que seja nos tempos passados ou em nossos dias. Eis porque o ícone
canónico testemunha da ortodoxia, independentemente das falhas dos portadores da
verdade, dos próprios ortodoxos. (Repetindo ; é justamente o cânone que protege o ícone
de essas falhas !). Seja qual for o nível espiritual e artístico do pintor, mesmo se é questão
de um artesão de baixa categoria, o ícone canónico , tão antigo quanto novo, leva adiante o
testemunho da mesma verdade. Em contra – partida, independentemente do talento dos
pintores, a parte da arte que se « libertou » do cânone nem apenas NUNCA atinge o alto
nível artístico , sem falar do nível espiritual do ícone, mas cessou totalmente de
testemunhar da ortodoxia.Nós já anotamos que o 7° Concílio Ecumênico não proclamou
nad ad enovo : no dogma da veneração dos ícones , ele apenas precisou a fé nos Concílios
precedentes. D efato, no coração das discussões dogmáticas do passado, cristólogicase
trinitárias, encontra – se sempre a questãoessencial da relação entre a divindade e a
humanidade, e então do antropologia cristã.Para a ortodoxia, o dogma da veneração dos
ícones representa umaverdade imutável da fé e do ensinamento cristão, verdade
promulgada pelo Concílio ecumênico.No ícone nós devemos então ver o que viam neleos
santos Padres e os Concílios : o triunfo da ortodoxia, um testemunho da Igreja sobre a
verdade da encarnação. Mas no iconoclasmo, nós também temos que ver o que os
defensores do ícone.Nâo uma simples recusa d aimagem ou sua destruição , mas uma força
combatendo o cristianismo , uma «  cristofobia » segundo a expressão do santo Patriarca
PHOTIUS.

De fato, se o iconoclasmo antigo enraiza – se, como demostrado pelo arciprestre G.


FLOROVSKY, num helenismo pouco superado, sua essência mesma não reside
simplesmente numa questão particular , a luta contra as imagens. «  Era questão
essencialmente da própria ortodoxia .» ou seja a Igreja (88).
(88). G. FLOROVSKY, «  Origen, Eusebius, and the iconoclastic controversy », Church history, L. XIX, n°2,
1950, p.5.

O iconoclasmo declarado , que era o final das heresias do período cristólogico, teve um
efeito oposto ; a consciência canónica da Igreja condenou – o como heresia da
desencarnação e enterinou a veneração dos ícones.(89).
(89). O iconoclasmo dos séc. VIII – IX lutava , como se sabe, não contra a arte na Igreja, mas contra a
imagem da revelaçâo como testemunho da encarnação de Deus. Ora, tendo começado a destruição dos
ícones, o iconoclasmo chegou à desencarnação , a desacralização, à negação da Igreja.

Depois do Triunfo da ortodoxia, essa heresia que parecia apagada continuou queimando
baixinho durante todos os séculos que seguiram, com até as vezes manifestações
violentas ; ela também pegava outras formas , mudava de máscara. De fato, o icnoclasmo
pode não ser declarado e premeditado ; na incompreensão e indiferência , ele pode
também ser inconsciente, sem « parti- pris », a ver piedoso (90), e alias o iconoclasmo
delcarado antigo não pretendia então lutar para a pureza da fé cristã, assim como mais
tarde o fez o protestantismo ?)
(90).Esse piedoso iconoclasmo manifesta – se entre outro no fato que alguns enxergam no ícone um
obstáculo à oração invocando a regra da ascese que proibe admitir no espírito , durante a oração
qualquer imagem que seja. Uma opinão bastante difundida quer que essa regra aplique – se igualmente ao
ícone. E questão , de fato, de um mal – entendido, pois a regra da ascese concerne as imagens criadas no
espírito pela imaginação , que não poderiam em nenhum caso ser identificadas com o ícone – imagem da
realidade , «  da verdadeira e não ilusória encarnação de Deus o Verbo. » Como tal, ela é não somente
incompatível com uma imagem criada pela fantasia humana, mas em contradição direita com ela.Se fosse
de outro jeito, seria incompreensível que a Igreja reunida em Concílio Ecumênico tenha confirmado e
dogmatizadoa veneração de algo que arriscava ser um obstáculo à oração ou afastar ela dentro de uma
direção errada. Alias é característico que os defensores dos mais agressivos do ícone tenham – se monges
ou sejam homens tendo consagradoà oração a vida toda : Não temo alias o testemunho de umados
maiores místicos da Igreja, S. SYMÉON O NOVO TEÓLOGO. «  Um dia, que eu tinha ido reverenciar a
imagem imaculada D’ Aquela que Te fez nascer e que eu estava prostrando – me diante d’ Ela.Tu – mesmo ,
antés de eu me ter levantado, no interior de meu coração miserável, comose Tu o tivesse transformado em
LUZ, Te fizeste ver ; e entãoeu conheci que eu Te possui conscientemente em me ! »(« CATECHÈSE »XXXVI,
Catéchèses III, Paris, 1965,pp.350-353) É que o ícone é justamente um «  socorro benéfico para aquele que
reza, disse o metropolita PHILARÈTE de MOSCOU, para que procurando a presença de Deus o espírito não
cai em representações quiméricas, para que os pensamentos se concentram e se preservam da distração ,
a santa imagem de Deus Manifestando –O em Sua carne apresente – se ao mesmo tempo ao olhar dos
sentidos e à contemplação espiritual, e recolha os pensamentos e sentimentos exteriores e interiores numa
mesma e única contemplação do Divino » ( Choix des sermons e discours de son Eminênce Mgr PHILARÈTE,
t.III, Paris, 1866, p. 230)

A imagem pervertida católica romana havia, já o vimos, levado o protestantismo a uma


piedosa recusa da imagem, à recusa então de um testemunho visível e material da
encarnação , à « imagem do vazio »(91).
(91).J. PH. RAMSEYER, La Parole et l’ Image, ibid,p. 78.

Essa « Imagem do Vazio » contribuiu ao seu modo a o que na nossa época , no cristianismo
mesmo, consegue – se EVACUAR Deus. Hoje em dia, «  numerosos são aqueles que,
particularmente na parte « LIBERAL » do protestantismo, consideram como indiferente
para a existência da predicação cristã o fato que o Cristo seja Deus ou não, que a Sua
Ressurreição seja ou não um fato histórico (92).

 (92). J. MEYENDORFF, Orthodoxie e catholicité, Paris, 1965, p. 127.

Essa situação desemboca todo naturalmente à «  teólogia da morte de Deus », ou seja uma
ausência evidente de sentido, tanto para o fiel quanto para o ateu.

Quanto à orthodoxia, em suas relações passadas com a heterodoxia, é a imagem que revela
– se como a mais vulnerável. A incompreensão e a indiferência ao seu conteúdo foram tais
durante o período sinodal que jogava – se então fora das igrejas e destruia- se os ícones
ortodoxos assim como os « bárbaros », para trocar eles por imitações da arte heterodoxa
ocidental, realmente , mas « iluminadas ». A corrente dita « realista » ortodoxizada seja por
uma «  lembrança semi – consciente do ícone », introduzia o « falso – testemunho » do qual
fala o arciprestre P. FLORENSKY, mentira a respeito da ortodoxia. E esse falso testemunho
apenas podia confirmar os increús na sua incredulidade e falsificar nos crentes a
compreensão da ortodoxia. , contribuindo em deformar a sua consciência da Igreja.
Lembremos aqui que , durante o mesmo período e pelo mesmo motivo, a « 
praxis »espiritual que tinha alimentado a pintura dos ícones nos seus períodos de
crescimento era perseguida, taxada de heresia e « destruida como se fosse uma infeção,
uma peste » segundo a expressão do metropolita PHILARÈTE.

Assim, todo iconoclasmo, que ele esteja declarado, manifeto ou escondido ou até piedoso,
sob qualquer de suas formas, contribui em desincarnar a encarnação , a arruinar a
economia do Espírito Santo no mundo, a destruir a Igreja. ´E questão ainda então da
própria ortodoxia. E a luta para a imagem de Deus jamais cessou ; hoje em dia ela ganha
muito em acuidade, pois o iconoclasmo nem se manifesta apenas na destruição deliberada
de ícones ou na recusa deles pelas heresias do tipo protestantizantes : manifesta – se
também, graças à diversas ideologias económicas, sociais, filosóficas e outras, na tendência
em destruir a imagem de Deus dentro do homem.

A presente situação do cristianismo no mundo está freqüentemente comparada a dos


primeiros séculos de sua existência. «  O mundo ateu e increú de nosso tempo, não é , no
caso, em certo sentido, justamente este mundo de antés do cristianismomque ressurge
dentro de todoesse tecido disparata de tendências pseudo – religiosas, cépticas ou
ateístas, militando contra Deus »  (93).
(93).G. FLORovsky, Les voies de la théologie russe, Paris, 1937, p. 517, em russo.

Mas se, nos primeiros séculos, o cristianismo encontrava – se num mundo pagão, em
nossos dias o mundo que ele encontra diante d’ ele é um mundo decristianizado, surgido da
apostasia. E é face à ele que a ortodoxia é chamada a « Testemunhar », testemunhar da
Verdade. Ela o faz pela liturgia e pelo ícone. Dali, a necessidade de retomar consciência do
dogma da veneração dos ícones e de expressar ele conformemente às necessidades da
vida atual, aos problemas e às buscas do homem de nosso tempo. Como expressão da fé e
da vida comuns da Igreja, o ícone transcende as divisões que existem empiricamente na
vida e atividades ortodoxas. Ora um testemunho visual dessa unidade é importante não
apenas em frente ao mundo não cristão , mas sim em relação também aos heterodoxos ,
pois uma expressão apenas verbal da ortodoxia se mostra insuficiente para responder aos
problemas de nosso tempo. É «  justamente agora , mais que nunca, que o Ocidente cristão
alargou suas perspectivas e permanece tal uma pergunta viva feita ao mundo ortodoxo » .
(94).
(94). Ibid., p. 514.

Ora essa questão é antés de mais nada a de uma via de saida do impasse na qual encontra
– se o Ocidente cristão , em particular o catolicismo romano. «  A Igreja católica romana
escreve o prelado Dr K. GAMBER, eliminará seus erros presentes e chegar’a a um novo
renascimento apenas quando ela chegará em unir – se as forças fundamentais da Igreja do
Oriente ; á sua teólogia mística construida sobre os Santos Padres da Igreja e sua piedade
litúrgica(...). Uma coisa parece indubitável ; o futuro nâo está na aproximação com o
protestantismo,mas sim numa união interior com a Igreja oriental, ou seja num contato
espiritual constant ecom ela, com sua teólogia e piedade. »(95).
(95). Prelado Dr K. GAMBER, « Zum Streit zwischne dem Pastund dem Erzbischof Lefevre aus
ekumenischer Sicht » , orthodoxie Heute, n° 57, 1976, SS.21-24.

N ós somos por nossa parte, profundamente convencido que o dogma da veneração dos
ícones e a introdução do ícone nas confissões heterodoxas vão contribuir em vencer os
vicios fundamentais das confissões do Ocidente , as divergências essênciais e os
desacordos com a fé ortodoxa : a doutrina da graça criada e o FILIOQUE. De fato, o ícone
supõe necessariamente a compreensão ortodoxa da pessoa e a confissão ortodoxa da
economia do Espírito Santo, e por via de conseqüência a eclesiologia ortodoxa. E
certamente não é por acaso que em nossos dias o ícone entra no mundo não ortodoxo. Ele
inicia sua penetração na consciência do homem ocidental e, se outrora a arte ocidental na
sua forma católica romana tinha contaminado a ortodoxia, agora, ao contrário, o ícone ,
testemunho do dogma ortodoxo, expressão da fé cristã e via de salvação, penetra no
catolicismo romano e no protestantismo. «  O cristão deve, escreve G. WUNDERLE,
penetrar – se do realismo que o ícone lhe apresenta, senão jamais aproximar – se – a de
seu mistério e ele também apenas será para ele um esquema sem alma. Quanto àquele
que recebe de contemplar o Divino no santo ícone, este se torna uma via infalível para uma
transfiguração em Cristo »(96).
(96). Georg WUNDERLE, Um die Scele der heilingen Ikone , Würzburg, 1947, S. 78.

Para um fiel cristão, independentemente de sua confissão, no plano da oração , o ícone


provoca uma reação directa. Pela sua evidência mesma, ele exige de não ser traduzido em
outra língua assim como os textos sagrados.

Mas o que reveste uma importância capital , é o renascimento do próprio ícone no seio da
ortodoxia. Esse renascimento é uma necessidade vital de nossa época. Porém, assim como
a « descoberta » do ícone aconteceu, no momento fora de todo laço com o pensamento
teólogico (97) e com a piedade litúrgica, fora de seu contexto imediato.
(97). Desde a decadência, não cessou – se de ver na imagem um testemunho da ortodoxia equivalente à
palavra. Não apenas não se vê mais nem se netende a unidade da teólogiae do ícone,mas as vezes renega –
se até um qualquerlaço entre eles.Ou seja, a imagem perdeu seu significado de modo próprio da ortodoxia
para expressar a revelação. Muitos fieis nem mais compreendem que a imagempossa ter qualquer relação
como que seja da ortodoxia.

Se a teólogia conhece uma lenta libertação da escolástica, em compensação, a atitude para


com a imagem sempre fica dominada pela herança dos séculos passados. Quanto à piedade
litúrgica, essa herança que não se consegue ultrapassar manifesta – se nela
particularmente. De fato, a Tradição da Igreja não é mesmo assimilada por muitos fieis a
um simples conservadorismo ?(98).
(98). Em nossa época esse conservadorismo agrava – se ainda mais sob a pressão do ateísmo. Chega – se
em considerar até inocentemente como « sacro » qualquer objeto, na medida em que ele provémdo
periódo pre- ateísmo. Essa origem basta para que não apenas seja conservado e venerado, mas até que
seja imitado.Um exemplo carácteristico desse piedoso conservadorismo é a obra editada pelo grupo dito
sinodal ou KARLOVIEN em N. Y em 1976( em russo), intitulado «  Les icônes miraculeuses de la Mère de
Dieu dans l’ histoire russe ». Nós podemos aprender nele que «  a razão do nascimento da veneração dos
ícones «  não é a revelaçâo , nem a necessidade de testemunhar a encarnação divina e deificação do
homem, mas sim, «  a propriedade das almas humanas elevar – se pelo pensamento e coração até os seres
amados olhando para a suas representações » (p. 60). Conforme a tal concepção a obra reproduz , ao
mesmo título que Ícones ortodoxos da Virgem , toda uma série de representações imitando as imagens
católicas romanascom a sentimentalidade que as caracterizam.Em uma palavra, o mesmo apego desse
grupo ao periódo sínodal da Igreja russa que se manifesta em uma situação anti – canónica traduz – se por
uma tendência para o passado e os milagres, que tomam a vez da ortodoxia da imagem.

O renascimento do ícone é, repito, uma necessidade vital de nosso tempo. Por tão
preciosos que sejam as obras que chegaram à descoberta do ícone, o que nel se revela
apenas encontra vida na sua realização prática. Tudo em Igreja renova – se e igualment eo
ícone. «  A Igreja sempre viva e criadora não procura em nada defender formas antigas
como tais, nem as opõe de modo nenhum as novas formas como tais. Para a Igreja, a arte,
agora , no passado ou no futuro, significa a mesma coisa : o realismo. Isso quer dizer que a
Igreja, coluna e afirmação da verdade, apenas exige um algo ; A VERDADE »( 99).
(99). Arciprestre P. Florensky, L’ iconostase, ibid., p. 106.

Não apenas o ícone pode ser novo, ele também há de o ser ( se distinguimos os ícones de
diversas épocas , é que eleseram novos em relação a outros de outra época precedente).
Mas esse ícone novo deve ser a expressão d amesma verdade. O renascimento
contemporanéo do ícone não é nem anacronismo, nem apego ao passado ou a o folklore,
nem também a tentativa de fazer « renascer » a imagem sacra no atelier d eum pintor ; é
uma tomada de consciência da Igreja , da ortodoxia, um retorno à transmissão autêntica
dentro da arte da experiência patrística , do verdadeiro conhecimento da revelação cristã.
(100)-
(100). Esse renascimento produz – se no quadro do cânone iconográfico.Não é questão d’ eclectismo, mas
de uma autêntica criação do ícone conforma com a nossa época, pois é o cânone que assegura aliberdade
da expressâo artística. Um exemplo disso est’a na arte do monge GRÉGOIRE (KRUG).

Como em teólogia, esse renascimento está condicionado e carácterizado por um retorno à


Tradição dos Padres e a « fidelidade à Tradição nâo é uma fidelidad eao que é antigo, mas
um laço vivo com a plenitude da vida eclesial » (101) , com a experiência espiritual dos
santos Padres.
(101).G. FLOROVSKY. Fragments théologiques, ibid., p. 23.

Esse renascimento é um testemunho do retorno à plenitude , à integridade da doutrina,


da vida e da criação , ou seja a essa unidade indispensável hoje. Expressão da verdade
revelada imutável, o ícone , que seja moderno ou antigo, testemunha da salvação
« preparada à face de todos os povos », de uma realização existêncial dessa vira – volta
trazida no mundo pela formação no seu seio da Igreja e por ela realizada. É ela , de fato,
que é a revelação face ao mundo . E a imagem dessa revelação que ela traz a este mundo é
a do Corpo glorioso de Cristo, a própria imagem da Igreja, o testemunho de sua fé, e de sua
santidade, testemunho da Igreja sobre ela-mesma. Eis porque o carácter específico do
ícone ortodoxo, toda a estrutura que lhe é própria, é uma indicação das possibilidades ,
dos meios , e também dos limites do conhecimento cristão ao fim de revelar ao homem o
sentido de sua exitência dentro da história, seu destino e as vias que o leva ao objetivo
supremo. Ele nos abre uma visão imensa que abraça o passado e o futuro num constante
presente. E a criaçâo humana , por tão pobres que sejam suas possibilidades, serve à Igreja
de linguagem para revelar ao mundo o mistério do século que há de vir.

NB. P. 489 está ocupada por um ícone em preto e branco , n° 50, de uma Virgem pintada em Moscou em
1923.  

Fim desse livro.

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