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UNIDADE 2

AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO
BARROCO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir desta unidade você será capaz de:

• compreender o Barroco como um movimento estético marcado pelo con-


traste, dramaticidade, exuberância e de tendência ao decorativo;

• apresentar questões da Reforma protestante e da Contrarreforma como


motivadoras do Barroco;

• refletir sobre as mudanças ocorridas na Literatura a partir do pensamento


iluminista;

• abordar temas, características e autores do movimento árcade.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No final de cada um
deles você encontrará atividades que o/a ajudarão a fixar os conhecimentos
abordados.

TÓPICO 1 – A LITERATURA SEISCENTISTA

TÓPICO 2 – O BARROCO NO BRASIL

TÓPICO 3 – O ARCADISMO

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UNIDADE 2
TÓPICO 1

A LITERATURA SEISCENTISTA

1 INTRODUÇÃO
O Barroco, um estilo artístico iniciado entre os séculos XVII e XVIII, teve
origem na Europa e se estendeu para a América. O movimento deu continuidade
ao Renascimento, porque ambos eram perpassados por um profundo interesse
pela arte da Antiguidade clássica, ainda que diferentemente a interpretassem e a
expressassem.

Conforme Coutinho (2004b, p. 6), o Barroco não era somente um estilo,


mas um complexo cultural do qual se originou também a Literatura Brasileira
pelas mãos dos escritores Bento Teixeira, Gregório de Matos, Padre Antônio
Vieira, Botelho de Oliveira e Nuno Marques Pereira, dentre outros.

Como características exploradas pelo Barroco, vale destacar o forte


contraste, a dramaticidade, a exuberância e uma tendência ao decorativo, além
de expressar uma tensão entre materialidade e necessidades da vida espiritual.
No dizer de Afrânio Coutinho,

O Barroco tenta a conciliação, a incorporação, a fusão (o fusionismo é a


sua tendência dominante) do ideal medieval, espiritual, supraterreno,
com os novos valores que o Renascimento pôs em voga: o humanismo,
o gosto das coisas terrenas, as satisfações mundanas e carnais. (2004b,
p. 15).

Temas e características se expandem e se intensificam após um movimento


intermediário que ocorreu entre o pensamento renascentista e o Barroco
propriamente dito, que ficou conhecido como Maneirismo. No intuito de melhor
compreender a estética desse período, abordaremos o Maneirismo, movimento
do qual a Itália foi protagonista.

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2 O MANEIRISMO
A Itália, a partir do Renascimento, tornou-se o maior polo de atração
artística, centro iluminador de influência de toda a Europa. Entre os anos de
1515 e 1600 surge na Itália o Maneirismo, um movimento de estilo autônomo,
derivado do Renascimento. Tinha por concepção a revisão dos valores clássicos e
naturalistas prestigiados pelo Humanismo renascentista.

Inventado no século XVII pelo historiador italiano Luigi Lanzi, o


vocábulo guardava, até muito recentemente, sentido pejorativo, como
sinônimo de ‘afetação’, que lhe viria da contiguidade com as palavras
amaneirado e amaneiramento. (MOISÉS, 2004, p. 273).

O objetivo do artista era obter um efeito que proporcionasse emoção,


elegância e tensão, além da contradição e o conflito. (ENCYCLOPAEDIA
BRITANNICA DO BRASIL, [s.d.], p. 7194). Sendo assim, caracterizou-se pela
sofisticação, originalidade, interpretação individual, dinamismo, complexidade
na forma e artificialismo nos temas.

O historiador Arnold Hauser (1976) reconheceu no maneirismo uma


abordagem que contextualizava causas e significados em termos econômicos,
políticos e sociais e explorava associações psicológicas. Desse modo, sua prática
traduzia o tumultuado contexto social e cultural daquele tempo, além das
angústias e incertezas.

Na literatura, o movimento era caracterizado por sentimentos de dúvida,


fracasso, ambiguidade, duplicidade e ironia, carregado de elementos que
denunciavam um desejo intenso de ordem e paz. A crise espiritual desencadeada
pela ruptura do domínio católico repercute na literatura também através das
traduções da Bíblia, estabelecendo novos padrões de escrita. Segundo Coutinho
(2004b, p. 23),

[...] é uma literatura que exprime o sentido profundo do drama do


homem e do mundo, a vocação de sentir a vida dramaticamente, o
sentimento trágico da existência, a angústia do homem em face do
Cosmo, a ideia da salvação do unicum humano por meio da arte.

Também há uma intensificação do drama, fazendo uso de referências


literárias e citações visuais. Foi nesse contexto que, na Itália, Torquato Tasso
escreveu Gerusalemme Liberata.

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TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

FIGURA 3 – JERUSALÉM LIBERTADA

FONTE: Disponível em: <http://www.fausernet.novara.it/fauser/biblio/


index028.htm>. Acesso em: 24 jan. 2011.

O enredo deste poema épico se desenvolve enfatizando questões e


embates da época das Cruzadas. Entre um duelo e outro, o espírito dos cavaleiros
é enfraquecido, espalhando a discórdia. Nos conflitos sangrentos que se travavam
entre os cristãos e os infiéis, surge Godofredo, protagonista de uma luta entre as
forças divinas e o mal representado por coisas terrenas. Os duelos guerreiros e
amorosos se misturam ao sentimento religioso:

Jerusalém Libertada
[...]
Canto XX
Desta arte vence Godofredo; e tanto
Resta ainda do dia aos esplendores
Que à cidade já livre, e ao templo santo
Do Salvador, conduz os vencedores.
Sem que deponha o sanguinoso manto,
Entra co’os mais libertadores;
E ali suspende as armas, e devoto
O grã Sepulcro adora, e cumpre o voto.
FONTE: TASSO, Torquato. Jerusalém libertada. Tradução de José Ramos
Coelho. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998.

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O poema mostra o herói Godofredo de Bulhões, um cristão enfrentando a


futilidade de seus ideais. Com pesar, vê seu desejo de construir uma comunidade de
homens valorosos e leais impossibilitado pela mesquinhez, ambição e hedonismo
das pessoas, que são levadas mais pelas paixões mundanas e materialismo do que
pelos princípios morais.

O protagonista, na hora da morte, não deixa de ser guerreiro para morrer


como bom cristão, “mas guarda simultânea e contraditoriamente o ímpeto
belicoso de golpear os inimigos e a atitude piedosa e contrita de quem, na hora
derradeira, pede perdão a Deus”. (SILVA, 1979, p. 369). Para Tasso, Jerusalém, a
Cidade Santa, não era apenas símbolo da conquista histórica, mas o coração do
mundo, lugar por excelência de lutas em defesa do Cristianismo.

O conflito interior na alma do homem é característica presente na literatura


dessa época, que traz à luz os sentimentos e as dúvidas, temas que cercavam
também a própria noção de poesia – sua função, natureza e suas normas.

Além da literatura, as artes plásticas eram representadas pelos exageros


das formas, uma maneira de romper com a regularidade e harmonia do
Renascimento. O Maneirismo foi, então, um movimento artístico de protesto às
estruturas sociais da época. Ainda segundo Hauser,

[...] é impossível compreender o Maneirismo se não se compreende o


fato de que a sua imitação dos modelos clássicos é uma fuga do caos
ameaçador, e que o grande esforço subjetivo das suas formas é a expressão
do medo de que a forma venha a cair na luta com a vida, e de que a arte
venha a se desvanecer numa beleza sem conteúdo. (1976, p. 21).

O estilo é fortemente palaciano, pelo menos em sua origem, pois


seus principais expoentes participavam dos círculos ilustrados das cortes. O
Maneirismo, ao contrário da arte renascentista, tinha a natureza como fonte de
inspiração e fornecia os padrões a serem imitados, rejeitava a cópia e comparava
a arte como fonte da criação do espírito, manifestação da alma do artista.

Os maneiristas davam maior ênfase à liberdade e à espontaneidade do


gênio criador. O movimento nos legou um grande acervo de realizações artísticas.
“Iniciando-se nas artes plásticas antes de ser absorvido pela literatura, o Maneirismo
confunde-se não raro com as tendências estéticas quinhentistas”. (MOISÉS, 2004, p.
273). Procuraram sair do controle de normas impostas, preservaram e revigoraram
temas e formas clássicas, conceberam uma nova maneira de observar e descrever a
natureza, mantendo vivo o ceticismo sobre ela, questionando a primazia absoluta
do racionalismo, do equilíbrio idealista e da própria concepção de beleza.

Sobre a escultura pode-se afirmar que ela concebe um estilo tipificado, cuja
forma predominante é a figura serpentinata. A ideia remontava aos gregos, que
consideravam a linha sinuosa o melhor veículo para a expressão do movimento.
Na Renascença tal conceito foi absorvido por Leonardo da Vinci e Michelangelo,
que o transferiram para a figura humana.

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TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

O modelo foi adaptado também à pintura e arquitetura. Aparecem


escadarias espirais, atribuindo à figura serpentinata, já explorada na escultura,
grande prestígio em função de sua estética plástica, carregada de simbologia,
conforme se observa na figura abaixo, parede da Capela Sistina, de autoria de
Michelangelo, cuja pintura demonstra o estilo da época, as formas curvilíneas.

FIGURA 4 – MICHELANGELO: O JUÍZO FINAL, CAPELA SISTINA

FONTE: Disponível em: <https://www.infoescola.com/wp-content/


uploads/2012/05/juizo-final.jpg>. Acesso em: 24 jan. 2011.

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Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475-1564), pintor e escultor,


viveu parte de sua infância e adolescência na cidade de Florença. Criou importantes obras,
com grande influência da cultura greco-romana, dentre elas a escultura da Pietá, do Davi
e a pintura da Sagrada Família. Nos anos de 1508 a 1512 pintou o teto da Capela Sistina no
Vaticano e, em seguida, trabalhou na elaboração do Juízo Final, do altar da Capela Sistina. Em
1547 foi indicado como o arquiteto oficial da Basílica de São Pedro, no Vaticano. Até os dias
de hoje é considerado um dos mais talentosos artistas plásticos de todos os tempos, junto
com outros de sua época, como, por exemplo, Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio, Donatello e
Giotto di Bondone.

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FIGURA 5 – FOTOGRAFIA DE RÉPLICA DE DAVI - PALAZZO VECCHIO


(FLORENÇA)

FONTE: Arquivo pessoal da autora

Na época em que floresceu o Maneirismo o homem estava dividido entre o


prazer pagão e a fé religiosa e em crise com a decadência dos valores. Tal oposição
enfatizou a percepção sensorial da realidade expressada e, conforme argumenta
Coutinho (2004b, p. 36), “[...] a figura humana retilínea, bela, irradiante, virou a
figura retorcida, a figura serpentinata, dominante na pintura”.

Os estudos no campo da estética e da crítica acerca do conceito do


Maneirismo dão conta de que é caracterizado como um “estilo de historicidade
definida, ligado à maniera essencial ao Cinquecento”. (COUTINHO, 2004b, p.
35). Para alguns estudiosos, o Maneirismo não seria um movimento, mas uma
tendência do espírito humano, sofisticado e de oposição ao Classicismo. Para
outros, o mesmo deve ser entendido como um momento histórico no seu tempo
e espaço, um estilo

[...] caracterizado pela preocupação dominante da maniera, que tanto


se encontra em pinturas de Rafael e Miguel Ângelo [...]. O fato é que,
assim delimitados o campo e o conceito, o Maneirismo continua
sendo objeto de pesquisas e trabalhos notáveis, à luz dos quais se vai
esclarecendo um período importante da história artística do Ocidente,
tanto em artes plásticas e visuais, quanto em literatura. (COUTINHO,
2004b, p. 35).

O que permite distingui-lo do Barroco é que este último é sensorial e


naturalista, perpassado por sensações do mundo físico. O Maneirismo, por sua vez,
não considera o sentimento, é autônomo e individual e distancia-se da realidade
física e do mundo sensório, enfatizando os problemas filosóficos e morais da
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TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

condição humana. O Barroco revela-se realista e popular, e o Maneirismo é a arte


da Elite, também desprovido do sentimento de democracia, é sóbrio, introspecto
e perpassado pela melancolia. Tais diferenças transitaram de um para o outro, e o
Maneirismo aparece como uma antecipação parcial do Barroco.

O Maneirismo foi importante porque, pela sua própria natureza


ambivalente e contraditória, representou um momento de expansão e de abertura
para a diversidade depois das delimitações e da estética do Renascimento. Pelos
elementos que explorou, como a transitoriedade da vida, os desenganos, os
contrastes e as figuras de linguagem, funde-se em 1580 ao Barroco, cujo conceito
será enfatizado a seguir.

3 O CONTEXTO HISTÓRICO E REPRESENTANTES DO


BARROCO EUROPEU
O Barroco traduz uma arte realista e popular e caracteriza-se pela
ostentação, pelo esplendor e pela propagação dos elementos decorativos. Os
fatores que explicam o seu surgimento também são de ordem cultural, econômica
e política, a exemplo do Maneirismo.

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De acordo com Afrânio Coutinho (2004b, p. 18), “[...] para a teoria moderna o
Barroco é um conceito amplo que abarca manifestações variadas e diferentes conforme
o país, outrora conhecidas pelos termos locais de Conceitismo e Culteranismo (Espanha
e Portugal), Maneirismo e Seiscentismo (Itália), Eufuísmo (Inglaterra), Preciosismo (França),
Silesianismo (Alemanha), muitas delas formas imperfeitas ou não desenvolvidas”.

Cultural porque priorizava o racionalismo e a valorização do homem, cuja


mentalidade se opunha à religiosidade católica medieval, uma vez que o espírito
crítico do Renascimento desconsiderou os tradicionais ensinamentos da Igreja.
Nessa perspectiva, a disseminação e a leitura dos textos bíblicos, dos escritos
dos sábios e santos da Igreja provocaram um clima de debate e questionamento
das verdades estabelecidas, em substituição à autoridade da Igreja, ou seja,
pretendiam uma religião mais ajustada aos novos tempos.

No que tange à economia, esta obrigou a Igreja a adequar seus ensinamentos


à nova realidade, uma vez que os preceitos católicos estavam ainda de acordo
com a economia de subsistência da Idade Média.

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Já no plano político, o poder do rei se contrapunha ao da Igreja. Os


conflitos entre os interesses da monarquia e os de Roma estavam manifestos na
cobrança de impostos, na manutenção das leis e na nomeação dos bispos. Os reis
não admitiam que as rendas obtidas pela Igreja fossem enviadas para Roma e,
além disso, disputavam com os papas o direito de nomear os bispos, pois estes
tinham um grande poder político. O rompimento da monarquia com a Igreja
Católica foi desencadeado pelos conflitos de interesses, cujo movimento ficou
conhecido como Reforma e Contrarreforma.

3.1 A REFORMA E A CONTRARREFORMA


O século XVI foi marcado por dois movimentos religiosos que tiveram
grande repercussão social e cultural: a Reforma protestante, liderado pela
alemão Martinho Lutero, e a Católica, da Igreja de Roma, denominada também
de Contrarreforma. A ostentação da Igreja, a compra de cargos eclesiásticos, o
envolvimento na política, a venda de indulgências e de falsas relíquias religiosas
contribuíram para a Reforma, a crise e o declínio da Igreja Católica.

Antes que Lutero reagisse contra os abusos da Igreja, muitos católicos já


o haviam feito, a exemplo do humanista Erasmo de Rotterdam, autor do livro O
Elogio da Loucura, no qual tece uma crítica à sociedade e aos membros corruptos
do catolicismo.

FIGURA 6 – ELOGIO DA LOUCURA

FONTE: Disponível em: <http://www.sebodomessias.com.


br/sebo/(S(2qze3w55n53vtf55axtufe55))/detalheproduto.
aspx?idItem=35036>. Acesso em: 24 jan. 2011.

Eu desejaria saber se haverá, para a Igreja, inimigos mais perniciosos


do que esses ímpios pontífices, os quais, em lugar de pregar Jesus
Cristo, deixam no esquecimento o seu nome e o põem de lado com
leis lucrativas, alteram a sua doutrina com interpretações forçadas.
(ROTTERDAM, 2004, p. 59).

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TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

Em seu livro, Erasmo personifica a loucura que conversa com o leitor e faz
o seu próprio elogio.
Todas as coisas humanas têm dois aspectos... para dizer a verdade,
todo este mundo não é senão uma sombra e uma aparência; mas
esta grande e interminável comédia não pode representar-se de
um outro modo. Tudo na vida é tão obscuro, tão diverso, tão
oposto, que não podemos nos assegurar de nenhuma verdade.
(ROTTERDAM, 2004, p. 62).

Essa obra, através do humor e da sátira aos religiosos e à burguesia, influenciou


os intelectuais. De acordo com Erasmo, a venda das indulgências era um dos abusos
praticados pela Igreja de Roma: “Persuadidos dos perdões e das indulgências ao negociante,
ao militar, ao juiz, basta atirarem a uma bandeja uma pequena moeda, para ficarem tão limpos
e tão puros dos seus numerosos roubos como quando saíram da pia batismal”. (Op. cit., 2004,
p. 93). Fato este que contribuiu para a Reforma Protestante que culminou com o fim
da unidade do Cristianismo. Um dos seus representantes foi o estudioso da Bíblia,
o alemão Martinho Lutero (1483-1546). Suas críticas eram direcionadas à venda de
indulgências, pois, para ele, somente a Deus caberia conceder o perdão aos pecados.
Além disso, Lutero enfatizava a necessidade da leitura da Bíblia a todos os fiéis e não
somente a um grupo restrito de representantes da Igreja Católica, que interpretavam
e divulgavam a palavra divina.

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Veja, caro/a acadêmico/a, alguns aspectos abordados por Lutero. Ele faz
menção à possibilidade de salvação pela fé e pelo arrependimento; à sujeição dos papas
ao “erro” como qualquer ser humano; ao celibato do clero; às imagens presentes nas igrejas
católicas entendidas por Lutero como idolatria; e ainda, a veneração e o culto deveriam ser
prestados somente a Deus e, no que diz respeito ao rito da comunhão, reafirmava a fé na
ressurreição de Cristo e na sua promessa de resgatar os pecados.

Um dos seguidores das ideias de Lutero foi João Calvino (1509-1564), e


sua doutrina em muitos pontos convergia para o luteranismo. No entanto, pode-
se observar uma diferença no que se refere à salvação. Para Lutero, ela se dá pela
fé e, para Calvino, pela predestinação. Com base em Santo Agostinho, Calvino
concebe a vida do ser humano como uma predestinação de Deus. Desse modo, a
salvação não depende da fé e nem das boas obras, mas, sim, da escolha divina. Os
sinais da escolha divina se manifestariam na vida dos indivíduos pelo trabalho,
o cumprimento dos deveres para com a sociedade e a família, o que resultaria no
progresso econômico. A burguesia encontrou no calvinismo a doutrina adequada
a seus interesses e ao seu modo de vida.

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Mais tarde a Europa passou também pela Reforma Anglicana, cujos


motivos foram políticos. Ela teve origem no conflito entre o rei Henrique VIII
da Inglaterra e o papa Clemente VII, que não concordou em conceder ao rei o
divórcio de sua primeira esposa, Catarina de Aragão. A questão do divórcio serviu
como pretexto para o rompimento definitivo. Por meio do Ato de Supremacia,
Henrique VIII tornou-se o chefe da Igreja inglesa. Os membros do clero inglês
tiveram que jurar fidelidade ao rei e romper com o papa. Os que se recusaram
foram destituídos e perseguidos. As terras confiscadas da Igreja foram vendidas
à nobreza inglesa, que, desta forma, se tornou fiel partidária da Igreja Anglicana.

DICAS

Para entender essa questão do rompimento entre a


realeza e a Igreja, e também para enriquecer seus estudos,
assista ao filme Robin Hood.

Robin Hood e seu bando de saqueadores decidem


enfrentar o poder e a corrupção que tomou conta da
cidade de Nottingham, sufocada pelos altos impostos.
O protagonista luta contra os poderosos e a favor dos
oprimidos, passando a ser considerado um fora da lei.

Foi por conta desses movimentos que a Igreja Católica se reestruturou e


lançou a Contrarreforma, um conjunto de medidas tomadas para deter o avanço
das igrejas reformadas e impedir a evasão de fiéis católicos para o protestantismo.
Nesse sentido, os representantes dos católicos propunham uma nova concepção
de Deus, retornando à “linha vertical do medievalismo, reafirmando a ligação do
homem com o divino rompida pelo Renascimento”. (COUTINHO, 2004b, p. 19).

A principal providência tomada na Contrarreforma foi a convocação do


Concílio de Trento, que aconteceu entre os anos de 1545 e 1563. Neste, foram
reafirmados os dogmas e os princípios católicos negados pelos reformadores, bem
como elaborada a relação de livros proibidos e um Catecismo para a educação
religiosa. Além disso, o Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) foi remodelado
e reativado para perseguir os que se desviassem dos princípios católicos. A
Contrarreforma reafirmava ainda que somente a Igreja podia interpretar a Bíblia.

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TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

As determinações provenientes do Concílio de Trento também


repercutiram nas artes. Desse modo, a teologia assumiu o controle e impôs
restrições às excentricidades maneiristas, em busca de uma recuperação
do decoro, de uma maior compreensibilidade da arte pelo povo e de uma
homogeneização do estilo. Desde então, tudo devia ser submetido de antemão
ao crivo dos censores, desde o tema, a forma de tratamento e até mesmo a
escolha das cores e dos gestos.

Os personagens nus do Juízo Final de Michelangelo têm suas genitálias


repintadas e cobertas, pois, conforme Coutinho, nesse fazer estaria a “[...] tentativa
de reencontrar o fio perdido da tradição cristã, procurando exprimi-la sob novos
moldes intelectuais e artísticos”. (2004b, p. 18).

A Igreja Católica, através da arte, propagou a fé em sua nova formulação


e estimulou a piedade nos devotos, afinal o homem desse tempo aspirava à
religiosidade medieval e a Igreja tencionou enchê-lo do desejo artístico e pela
pretensão da Contrarreforma, “[...] redespertando os terrores do Inferno e as
ânsias da eternidade”. (COUTINHO, 2004b, p. 19). Esse fato gerou um grande
conflito espiritual e estético, pois o homem era, ao mesmo tempo, seduzido pelas
apelações terrenas e pelos valores do mundo – “amor, dinheiro, luxo, posição,
aventura, que a Renascença, o Humanismo e as descobertas marítimas e invenções
modernas puseram em relevo. Desse conflito, desse dualismo é impregnada a arte
barroca”. (COUTINHO, 2004b, p. 19). Do ponto de vista etimológico, a origem da
palavra Barroco faz menção a um processo relativo à memória que designa um
silogismo aristotélico com conclusão falsa.

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O silogismo é a forma mais perfeita do raciocínio e contém todos os


pensamentos parciais logicamente necessários. Buscando ser coerente na defesa da causa, o
orador fundamenta a argumentação no silogismo. (MOISÉS, 2004, p. 126).

A palavra Barroco poderia ainda designar um tipo de pérola de forma


irregular, ou mesmo um terreno desigual, assimétrico. Apresenta um estilo
que se manifesta com figuras de proporções alongadas e contorcidas. Embora
existam várias hipóteses, é possível perceber na estética barroca um jogo de
ideias, rebuscamento e assimetria. No dizer de Massaud Moisés (2004, p. 52),
“[...] a estética barroca visava unificar a dualidade renascentista, formada pela
coexistência de valores medievais e católicos e das novidades pagãs trazidas pela
restauração do espírito clássico”.

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UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

Nesse sentido, Afrânio Coutinho (2004b, p. 12):

propõe a teoria wolffliniana como possibilidade de melhor


compreender a concepção do Barroco, a qual estabelece alguns
fundamentos que correspondem à dicotomia do claro e escuro,
luz e sombra, assimetria, o contraste, a abundância de detalhes e o
retorcido. O Barroco seria o desenvolvimento natural do Classicismo
renascentista e diferente por ser mais visual e não revelar sua arte, mas
dissimulá-la. A mudança se manifesta em categorias bem marcadas:
contrariamente ao Renascimento, em que as mesmas são lineares,
planas, tácteis, coordenadas, fechadas e claras, no Barroco, por sua
vez, são visuais, profundas, subordinadas, abertas ao observador e
com uma claridade relativa.

Na literatura, tal como nas artes plásticas, as formas simples e lineares


são substituídas pelas formas complicadas, artifício que não deve ser confundido
como um ornamento supérfluo, mas condição fundamental de beleza. No dizer
de Silva (1979, p. 426), esse traço da literatura barroca é conhecido por fusionismo,
“[...] tendência para unificar num todo múltiplos pormenores e para associar
e mesclar numa unidade orgânica elementos contraditórios”. Trata-se de um
recurso que tende para a expressão não linear e indireta, traduzida pelo contraste
e conflito.

Um exemplo expressivo dessa literatura foi Dom Quixote, de Miguel de


Cervantes, o qual criou um protagonista – um cavaleiro que passa a maior parte do
tempo num mundo ilusório envolto em seus ideais, um personagem questionador.

UNI

Miguel de Cervantes Saavedra viveu entre 1547-1616. Foi romancista, dramaturgo


e poeta espanhol. Em 1605 publicou Dom Quixote, romance que, devido ao seu sucesso
imediato, foi traduzido para o inglês e o francês. “Cervantes, como cristão fiel e patriota,
alcançou a essência mais profunda na sua obra literária”. (LUKÁCS, 1982, p. 118).

O protagonista Dom Quixote lia os romances de cavalaria e, desse modo,


tomado pela fantasia de suas leituras, imbuiu-se da atmosfera daqueles heróis.
Ao “duelar com os moinhos de vento”, buscava um suposto combate ou, como
cita Lukács (1982, p. 118), “a necessidade de heroísmo”. Essa postura traduz o
sentimento do personagem desse contexto literário que reflete sobre as ações e
sobre questões da condição humana.

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TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

Encheu-se-lhe a fantasia de tudo que achava nos livros, assim


de encantamentos, como pendências, batalhas, desafios, feridas,
requebros, amores, tormentas, e disparates impossíveis; e assentou-
se-lhe de tal modo na imaginação ser verdade toda aquela máquina
de sonhadas invenções que lia, que para ele não havia história mais
certa no mundo. (SAAVEDRA, 2003, p. 62).

A postura de Dom Quixote é diferente do personagem épico que,


“enquanto a alma parte em busca de aventuras e as vive, ignora o tormento efetivo
da busca”. (LUKÁCS, 1982, p. 28). Significa dizer que a personagem das epopeias
permanecia estável e idêntica em si mesma, ou seja, sua alma não conhecia o
conflito interior.

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Georg Lukács (1885-1971) foi um filósofo húngaro e autor do livro Teoria do


Romance, cujo conteúdo aborda uma visão da sociedade moderna, caracterizado por um
processo progressivo de racionalização, ou seja, o ser humano não se orienta segundo os
valores comuns, mas segundo os próprios interesses.

Para Lukács, o herói não possuía o encurtamento da alma, ou seja, tinha


seu destino guiado pelos deuses. Em sua obra A Teoria do Romance (1982), o autor
expõe seu pensamento acerca de um tempo em que não havia filosofia, e tudo era
explicado pelo viés da mitologia. Era um tempo sem dúvidas e, dessa maneira,
sem necessidade de perguntas: “[...] o homem grego só conhece respostas, mas
nenhuma pergunta, só conhece soluções (às vezes enigmáticas), mas nenhum
enigma, só conhece formas, mas nenhum caos”. (LUKÁCS, 1982, p. 29).

A personagem do contexto literário atual vive um tempo cuja totalidade da


vida perdeu sua força. Se a epopeia enfatizava o homem fechado em seu universo,
o romance, por sua vez, rompe com a postura do sujeito e seu mundo, no qual a
totalidade deve ser procurada em uma atmosfera fragmentada. [...] “aos cavaleiros
andantes não pertence averiguar se os afligidos, acorrentados e opressos vão pelas
estradas por suas culpas, ou por serem desgraçados.” (SAAVEDRA, 2003, p. 62).

Lukács argumenta que Dom Quixote é um devaneador e se sente menor


que o mundo. Isso é decorrente da inadequação entre a alma e a obra literária,
revelada por esse herói problemático, incapaz de realizar seu ideal. Define tal
fato de idealismo abstrato. Sendo assim, o protagonista de Cervantes é exemplo
do ser desajustado, em conflito com o mundo. Nesse caso, há uma tendência, por
parte do indivíduo, de buscar questões conflituosas e lutas exteriores. O mesmo
experimenta contradições, sentimentos e anseios, deixando de ser simples e reto,
transparente e uniforme. Vejamos:

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UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

[...] Quando nisto iam, descobriram trinta ou quarenta moinhos de


vento, que há naquele campo. Assim que Dom Quixote os viu, disse
para o escudeiro:
– A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor do que
o soubemos desejar; porque, vês ali, amigo Sancho Pança, onde se
descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso
fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos
começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra e bom serviço faz a
Deus quem tira tão má raça da face da Terra.
– Quais gigantes? – disse Sancho Pança.
– Aqueles que ali vês – respondeu o amo –, de braços tão compridos,
que alguns os têm de quase duas léguas.
– Olhe bem Vossa Mercê – disse o escudeiro –, que aquilo não são gigantes,
são moinhos de vento; e o que parecem braços não são senão as velas, que
tocadas do vento fazem trabalhar as mós. (SAAVEDRA, 2003, p. 75).

Esse modo de agir, indeciso e vacilante, é o que o faz perder a totalidade da


vida e, conforme Lukács (1982, p. 59), o herói do romance não revela nenhum aspecto
transcendental, pois nos seus limites pessoais estão os próprios limites do mundo. E
continua o autor: “[...] o tempo em que viveu Cervantes foi aquele que assistiu à última
floração de uma grande mística desesperada, ao esforço fanático de uma religião em
via de naufragar para se renovar pelas suas próprias forças”. (1982, p. 118).

O texto de Cervantes é caracterizado por uma psicologia inconsistente e


imprevisível da personagem Dom Quixote, que procura enfrentamentos que animem
sua alma. Nas palavras de Lukács, “[...] uma psicologia rígida e uma conduta que se
atomiza em aventuras isoladas condicionam-se mutuamente”. (1982, p. 114).

Observe:

Mas tão cego ia ele em que eram gigantes, que nem ouvia as vozes de Sancho
nem reconhecia, com o estar já muito perto, o que era; antes ia dizendo a brado:
– Não fujas, covardes e vis criaturas; é um só cavaleiro o que vos investe.
Levantou-se neste comenos um pouco de vento, e começaram as velas a mover-
se; vendo isto Dom Quixote, disse:
– Ainda que movais mais braços que os do gigante Briaréu, heis de mo pagar.
E dizendo isto, encomendando-se todo o coração à sua Senhora Dulcineia,
pedindo-lhe que em tamanho transe o socorresse, bem coberto da sua rodela,
com a lança em riste, arremeteu a todo galope do Rocinante, e se aviou contra o
primeiro moinho que estava diante, e dando-lhe uma lançada na vela, o vento a
volveu com tanta fúria, que fez a lança em pedaços, levando desastradamente
cavalo e cavaleiro, que foi rodando miseravelmente pelo campo afora.[...]
(SAAVEDRA, 2003, p. 116).

O autor, da maneira luminosa e sensível, descreve na alma de Dom Quixote,


“[...] um inextricável e profundo entrecruzamento de sublime e de loucura, esse
bom êxito não se deve apenas ao tato genial do escritor, mas também ao instante
histórico-filosófico em que foi escrito o seu livro”. (LUKÁCS, 1982, p. 115). O
estilo é carregado de expressões rebuscadas, recursos de que Cervantes se vale
62
TÓPICO 1 | A LITERATURA SEISCENTISTA

para evidenciar os pontos fracos do herói, uma personagem que, se analisada sob
o viés psicológico, passou pelo encurtamento da alma, deixando escapar toda
aquela aptidão da totalidade épica.

Do ponto de vista artístico, não há mais o transcendente, ou seja, o destino


de uma nação atrelado à personagem, mas, sim, um homem periférico que passa
a guiar o seu próprio destino. Tal aspecto, que distancia o homem da intervenção
dos deuses, é característica da Literatura Barroca. Em Dom Quixote também se
manifesta o fusionismo tal como ocorre na técnica do

[...] claro-escuro na pintura barroca. O uso de verbos prismáticos (ver,


ouvir) e o emprego de certas alusões permitem que as figuras humanas
e as ações não sejam descritas, mas refletidas através da visão das
personagens, como se se tratasse de um espelho onde a realidade se
refletisse. (SILVA, 1979, p. 428).

Dessa postura conflitante resulta o paradoxo que caracteriza uma


personagem dividida, de sentimentos mesclados. Outro elemento presente
nessa literatura é o oximoro “[...] que constitui uma figura estilística que traduz
precisamente esta fusão de valores paradoxalmente contraditórios (liberdade
amarga, pérfida bondade, orgulhosa fraqueza”. (Op.cit., 1979, p. 428).

Ainda que o período de elaboração de Dom Quixote traduzisse um status


de homem solitário e questionador, era necessário observar os preceitos cristãos
ou um princípio divino que reinava “[...] com a mesma onipotência sobre a vida
humana, e essa necessidade de totalidade que se ultrapassa a si mesma, esse
rebaixamento priva os homens de qualquer relevo”. (LUKÁCS, 1982, p. 116).

Assim, pode-se afirmar que o conflito espiritual e a efemeridade do tempo


que supera o eterno moviam a literatura barroca. Nesse período, em decorrência
dos ideais da Contrarreforma que, através dos seus preceitos, incutia nos seus
fiéis o medo de que o Deus cristão desamparasse o mundo.

O homem se torna solitário e só pode encontrar na sua alma, que não


descobre Pátria em nenhuma parte, o sentido e a substância em que o
mundo, separado da sua paradoxal ancoragem no além, atualmente
presente, está ora em diante entregue à imanência do seu próprio não
senso. (LUKÁCS, 1982, p. 117).

Se o racionalismo renascentista possibilitou ao homem certo


autoconhecimento que o revestiu de um caráter tático e utilitarista e que poderia
dominar a natureza e o ambiente social, o Barroco, por sua vez, fundiu a religião
e a filosofia moral. Sendo assim, os autores literários conciliaram as forças
polares que advinham dos preceitos contrarreformistas com as motivações do
ser humano perdido no labirinto da dúvida e cercado pelo terror católico. O
Barroco, a exemplo de outros movimentos, também encontra no Brasil terreno
fértil, argumento este que será evidenciado no próximo tópico.

63
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você, viu que:

• O Maneirismo foi um movimento de estilo autônomo que tinha por concepção


a revisão dos valores clássicos e naturalistas. O objetivo era obter um efeito que
proporcionasse emoção, elegância e tensão, além da contradição e o conflito.
Sua prática traduzia o tumultuado contexto social e cultural, as angústias e
incertezas.

• Na literatura, o Maneirismo foi caracterizado por sentimentos de dúvida,


fracasso, ambiguidade, duplicidade e ironia.

• As artes plásticas também foram representadas pelos exageros das formas do


Maneirismo, rompendo com a regularidade e harmonia do Renascimento. Os
artistas conceberam uma nova maneira de observar e descrever a natureza,
mantendo vivo o ceticismo sobre ela.

• A escultura maneirista concebeu a figura serpentinata, a linha sinuosa, a figura


retorcida que expressou o movimento. O modelo foi adaptado também à
pintura e arquitetura.

• O que permite distinguir o Maneirismo do Barroco é que este último é sensorial


e naturalista, perpassado por sensações do mundo físico. Já o Maneirismo não
considera o sentimento, é autônomo e individual e distancia-se da realidade
física e do mundo sensório, enfatizando os problemas filosóficos e morais da
condição humana.

• O Barroco traduz uma arte realista e popular e caracteriza-se pela ostentação,


pelo esplendor e pela propagação dos elementos decorativos. Os fatores que
explicam o seu surgimento são culturais e políticos.

• A Reforma protestante, liderada por Martinho Lutero, fazia críticas à venda


de indulgências e enfatizava a necessidade da leitura da Bíblia a todos os fiéis
e não somente a um grupo restrito de representantes da Igreja Católica, que
interpretava e divulgava a palavra divina.

• Posteriormente ao movimento protestante, a Igreja Católica se reestruturou


e lançou a Contrarreforma, juntamente com um conjunto de medidas, dentre
elas: deter o avanço das igrejas reformadas, convocação do Concílio de Trento.

• A estética barroca visava unificar a dualidade renascentista, formada pela


coexistência de valores medievais e católicos e das novidades pagãs trazidas
pela restauração do espírito clássico.

64
• No Barroco as categorias são visuais, profundas, subordinadas, abertas
ao observador e com uma claridade relativa. Na literatura, as formas são
complicadas, artifício que não deve ser confundido com um ornamento
supérfluo, mas condição fundamental de beleza. Esse traço é conhecido por
fusionismo, o qual unifica num todo múltiplos pormenores para associar e
mesclar, numa unidade orgânica, elementos contraditórios.

• A personagem barroca é caracterizada por uma psicologia inconsistente e


imprevisível, que evidenciava o ponto fraco do herói.

65
AUTOATIVIDADE

1 A Arte Barroca desenvolveu-se no século XVII, num período muito


importante da história da civilização ocidental. Foi nesse contexto que
surgiu a Arte Barroca. Assim, de acordo com suas principais características,
assinale V para a sentença verdadeira e F para a falsa.

a) ( ) A estética barroca visava unificar os valores católicos com o paganismo


clássico.
b) ( ) Diante da Reforma Protestante, a Igreja Católica logo se organizou
contra. E assim a Arte Barroca serviu para revigorar seus princípios
doutrinários.
c) ( ) Com o vigor barroco, as igrejas se tornaram ambientes de encantamento,
projetados para impressionar os visitantes com a glória divina.
d) ( ) O ideal humanista, que concebia um rigor científico e a composição
equilibrada, eram características da Arte Barroca.

2 Escolha a alternativa que completa a frase a seguir:

A linguagem _______, o paradoxo, ________ e o registro das impressões


sensoriais são recursos linguísticos presentes na poesia ________.

a) ( ) subjetiva - o verso livre - romântica.


b) ( ) simples - a antítese - parnasiana.
c) ( ) detalhada - o subjetivismo - simbolista.
d) ( ) rebuscada - a antítese - barroca.

3 Por que o estilo barroco está ligado ao período de expansão da


Igreja Católica durante a Contrarreforma?

4 Segundo a concepção da Arte Barroca, julgue os itens a seguir


em verdadeiros (V) ou falsos (F):

a) ( ) São características da pintura barroca: composição em diagonal e o


contraste do claro-escuro.
b) ( ) Na literatura ocorre um equilíbrio entre a razão e a emoção.
c) ( ) Na escultura há um predomínio de linhas curvas ou serpenteadas, o
excesso de dobras nas vestes e a utilização do dourado.
d) ( ) A arquitetura barroca não trabalhou com efeitos decorativos.

66
UNIDADE 2 TÓPICO 2

O BARROCO NO BRASIL

1 INTRODUÇÃO
O Barroco chega ao Brasil quase cem anos depois do início da colonização.
As primeiras vilas produziam cultura num período em que os residentes lutavam
por estabelecer a própria economia, daí a dizer que o movimento se desenvolveu
diversamente daquele europeu.

A literatura, em especial, ainda se inspirava na tradição portuguesa,


mas com temas nativistas de apego à terra e afeto às nossas coisas. Tal propósito
acabaria por determinar as primeiras manifestações literárias que exprimiriam um
gênero nacional, movido pela mesma atmosfera que envolvia o Barroco, ou seja, de
insegurança existencial, de efemeridade dos bens mundanos e da busca de Deus.

2 A PRIMEIRA EPOPEIA BRASILEIRA


Prosopopeia, de Bento Teixeira, escrita em 1601, é considerada por muitos
críticos a primeira epopeia brasileira, cujo poema de 94 estrofes exalta Jorge de
Albuquerque Coelho, terceiro donatário da capitania de Pernambuco. Sobre isso,
afirma Coutinho:

Assim como as capitanias de S. Vicente e do Espírito Santo ouviram


na voz solitária de Anchieta os últimos ecos da poesia medieval
portuguesa, coube ao Nordeste brasileiro, através dos versos de Bento
Teixeira, um cristão-novo vindo do Porto, fincar o marco, praticamente
isolado, da poesia oriunda do Renascimento. (2004b, p. 47).

O seu valor histórico advém por ter sido a primeira obra literária
publicada no Brasil. Escrita em oitava rima, ou seja, as estrofes contêm oito versos
(decassílabos), denotando, desse modo, a influência do poema épico de Camões
que cantou os feitos lusitanos. Assim é elaborado o texto de Bento Teixeira: “[...]
sem divisão de cantos, nem numeração de estrofes, cheio de reminiscências,
imitações, arremedos e paródias dos Lusíadas. (VERÍSSIMO, 1998, p. 51).

A Prosopopeia obedece a um elaborado sistema rítmico, denominado


também de oitava real, cujo esquema pode ser assim demonstrado: ABABABCC.
Observe:

67
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

Cantem Poetas o Poder Romano, (A)


Submetendo Nações ao jugo duro; (B)
O Mantuano pinte o Rei Troiano, (A)
Descendo à confusão do Reino escuro; (B)
Que eu canto um Albuquerque soberano, (A)
Da Fé, da cara Pátria firme muro, (B)
Cujo valor e ser, que o Céu lhe inspira, (C)
Pode estancar a Lácia e Grega lira. (C)

(TEIXEIRA apud PEIXOTO, 1923, p. 6, estrofe I)

O poema, conforme podemos constatar, faz alusão ao grande poeta


Virgílio, natural de Mântua: “o Mantuano pinte o Rei Troiano”. O poeta Virgílio é
lembrado pela autoria da Eneida, que inaugura a poesia épica latina. A epopeia
virgiliana trata da fundação de Roma e tem como personagem principal Enéas,
guerreiro troiano que foi incumbido pelos deuses de fundar a nova pátria. Em sua
saga, Enéas percorre um longo caminho até chegar à região do Lácio, fundando
a nação latina.

De acordo com Coutinho, o poema se excede pelas “[...] referências


mitológicas já descoloridas pelo uso, pela incapacidade de comover”. (2004b, p.
48). A presença desses elementos numa época movida pelo pensamento católico
foi motivo de crítica, não constituindo qualidade como na era clássica, conforme
argumenta Anazildo Vasconcelos Silva:

O esforço é inútil, pois a mitologia pagã clássica, esvaziada como


linguagem mítica em face da cristianização do mundo, era então
incapaz de desrealizar um fato histórico do século XVI. A utilização dos
deuses para a criação do cenário mítico, em que se dá a fala de Proteu,
constitui um recurso retórico apenas, e não integra o personagem,
que, despojado da condição mítica, impossibilitado de agenciar o
maravilhoso, não alcança a qualificação épica do herói. (1987, p. 24).

Bento Teixeira se vale da figura mitológica de Proteu, deus dos vaticínios,


ou seja, aquele que profetiza ou prenuncia algo. Há que se mencionar que é
característico das epopeias iniciar a obra com uma invocação. Bento Teixeira,
em sua Prosopopeia, inova ao invocar o Deus dos cristãos. Além deste, invoca
e consagra, através da fala de Proteu, Jorge de Albuquerque, donatário de
Pernambuco: “o sublime Jorge em que se esmalta a estirpe de Albuquerque
excelente” (apud VERÍSSIMO, 1998, p. 52). O protagonista de Prosopopeia,
Jorge Albuquerque Coelho, segundo os historiadores, era de rara virtude, dado
a gentilezas guerreiras e civis, fato este que motivou a poesia de Bento Teixeira.
“Em todos os tempos, poetas e literatos foram inclinadíssimos à bajulação dos
poderosos”. (VERÍSSIMO, 1998, p. 54).

Segundo Veríssimo, sob o ponto de vista poético e formal, o poema não


tem mérito, seus versos

68
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

[...] são prosaicos, como banais [...]. A língua não tem distinção nem
relevo, e o estilo já traz todos os defeitos que maculam o pior estilo
poético do tempo, [...] o vazio ou o afetado da ideia e a penúria do
sentimento poético, cujo realce se procurava com efeitos mitológicos e
reminiscências clássicas, impróprios e incongruentes, sem sombra do
gênio com que Camões, com sucesso único, restaurara esses recursos
na poesia do seu tempo. (1998, p. 52).

No dizer de Veríssimo, os recursos utilizados por Teixeira não foram coerentes


para a época, no entanto, é uma estratégia lançada em nome da palavra poética. O
poema narrado ou falado descreve também os aspectos geográficos e naturais do
Recife de Pernambuco, denominado, nos versos de Teixeira, de nova Lusitânia:

Para a parte do sul onde a pequena


Ursa, se vê de guardas rodeada,
Onde o Céu luminoso mais serena,
Tem sua influição, e temperada.
Junto da nova Lusitânia ordena,
A natureza, mãe, bem atentada,
Um porto tam quieto e tam seguro,
Que pera as curvas naus serve de muro.

(TEIXEIRA apud PEIXOTO, 1923, p. 51)

UNI

Bento Teixeira é natural de Pernambuco, nascido por volta de 1561. Prosopopeia


foi publicada em Lisboa pelo livreiro Antônio Ribeiro, que recebeu do próprio editor o seguinte
julgamento crítico: “algumas rimas de ânimo mais afeiçoado que poético”. (WOLF, 1955, p. 24).

Além disso, Bento Teixeira teria sido o primeiro a engrossar os escritos no


Brasil. Com a Prosopopeia, primeiro poema épico, o autor marca o “primeiro passo
dos brasileiros na vida literária”. (Op. cit., 1998, p. 57). Desse modo, poder-se-ia
dizer que o texto é resultado da vontade nacionalista e patriótica, da literatura do
período colonial.

Caro/a acadêmico/a, veremos a seguir que a literatura barroca brasileira


representada especialmente pela poesia de Gregório de Matos, estimado pelo seu
engenho poético, e também pelo Padre Antônio Vieira, magnífico orador.

69
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

3 GREGÓRIO DE MATOS
Conforme já enfatizamos, o Barroco foi caracterizado pela crise: um
homem dividido em dois pensamentos, conflito gerado pelo temor do pecado e a
preocupação com a salvação da alma, e a literatura era testemunho desse estado.
Os acontecimentos oriundos da Europa relacionados à Reforma e Contrarreforma,
e a fundação da Companhia de Jesus, também se manifestaram no Brasil, cuja
arte os representou tanto na forma quanto no conteúdo.

O homem do Barroco é um saudoso da religiosidade medieval e,


ao mesmo tempo, um seduzido pelas solicitações terrenas e valores
mundanos, amor, dinheiro, luxo, posição que a renascença e o
humanismo puseram em relevo. Desse dualismo nasceu a arte barroca.
(COUTINHO, 2004b, p. 39).

A temática do barroco esteve ligada à vida e à morte, à matéria e ao


espírito, ao amor platônico e ao amor carnal, ao pecado e ao perdão. Além disso, há
ainda a presença de elementos como o castigo, o misticismo e o arrependimento.
O homem é pressionado à renúncia dos prazeres, à mortificação da carne e
à observância plena do amor a Deus. É nesse contexto que surge a poesia de
Gregório de Matos, que nasceu em 1633, em Salvador, na Bahia. Estudou Direito
em Coimbra, ocupando vários cargos na magistratura portuguesa. Já de volta
a Salvador, compôs poemas satíricos que justificaram o apelido de Boca do
Inferno. Em 1694, casa-se com Maria de Povos, inspiradora de alguns de seus
poemas líricos. Mais tarde foi deportado para Angola; retornou ao Brasil um ano
depois, proibido, porém, de pisar em terras baianas e de apresentar suas sátiras.
(NICOLA, 2003).

UNI

O escritor Gregório de Matos morreu em 1696, no Recife. Apesar de ser


conhecido como poeta satírico, Gregório também foi autor de poesia religiosa e lírica. Sua
obra permaneceu inédita até o século XX, quando a Academia Brasileira de Letras publicou
seis volumes, assim distribuídos: I. Poesia sacra; II. Poesia lírica; III. Poesia graciosa; IV e V.
Poesia satírica; VI. Últimas.

O escritor soube empregar em suas poesias o estilo cultista, que consistia


em lidar com as palavras estilisticamente. Expõe o nível linguístico do texto
barroco com construções sintáticas e vocabulário elevado. Explora também o
conceptismo, representado pelo jogo de ideias, com o objetivo de argumentar e
de convencer o leitor. Por vezes, o faz empregando o deboche, como podemos
constatar nos versos que seguem:

70
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

Aos vícios

Eu sou aquele, que os passados anos


Cantei na minha lira maldizente
Torpezas do Brasil, vícios e enganos.

(MATOS, 1979, p. 73)

Veja que o poeta se define como aquele que denuncia os vícios do seu
tempo, a desonestidade e a corrupção. É conhecido também por marcar nossa
literatura com temas que versam sobre a transitoriedade e a perda: Vejamos:

A brevidade dos gostos da vida

Nasce o Sol; e não dura mais que um dia:


Depois da Luz, se segue a noite escura:
Em tristes sombras morre a Formosura;
em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?


Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto, da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza;


na Formosura, não se dê constância:
E na alegria, sinta-se a tristeza.

Comece o mundo, enfim, pela ignorância;


pois tem qualquer dos bens, por natureza,
a firmeza somente na inconstância.

(MATOS, 1979, p. 64)

No soneto, observa-se o efêmero das coisas, como vemos em: “Nasce o Sol;
e não dura mais que um dia”, bem como a antítese “Depois da Luz, se segue a noite
escura”: para explicar o dualismo e a luta de forças opostas que o arrastam. Matos
confronta elementos como noite/dia, tristeza/alegria, firmeza/inconstância, dentre
outros, cujo intuito era a descrição do oposto. Vê-se aqui, caro/a acadêmico/a, a
antítese, uma figura de linguagem muito presente na literatura barroca. Além
disso, expõe um visualismo e os exageros dos recursos expressivos.

Observe como o autor define a vaidade:

71
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

Dos desenganos da vida humana, metaforicamente

É a vaidade, Fábio, nesta vida,


Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida

É planta, que de abril favorecida


Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza


Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias apresta, alentos preza:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa


De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

(MATOS, 1979, p. 81)

Como você pode perceber, o soneto em questão foi elaborado inteiramente


em torno de conceitos sobre a vaidade: A mesma “navega na soberba”, “suplica
elogios”. É a temática desenvolvida que traduz o contraditório da condição
humana e a vaidade da vida terrena. Tais questões dão conta das preocupações do
homem seiscentista. Segundo os teóricos literários, é o exemplo da melhor poesia
barroca pela forma, ou seja, o decassílabo rimado, herança do Renascimento,
servindo de pano de fundo para a reflexão moral.

A escolha de palavras como: púrpura, airosa, galeota, empavesada, dentre


outras, resulta no rebuscamento característico dos textos barrocos. A linguagem
rebuscada é também obtida pelo uso de várias figuras, como a metáfora que
aparece no início do poema para explicar o que é a vaidade, que, no dizer de
Matos, ela é rosa, é planta, é nau. O jogo de palavras e os efeitos sensoriais são
empregados pelo autor como recursos que sugerem a superação dos limites da
realidade, ao lado do raciocínio sutil.

Há também no poema a hipérbole, que se caracteriza pelo exagero dos


termos empregados, como em “púrpuras mil”, e da metonímia, que consiste na
utilização da matéria (ferro a planta) pelo objeto (machado).

O hipérbato é outra figura que se constitui pela inversão na ordem dos


termos da oração: “É a vaidade, Fábio, nesta vida/ Rosa...”. Na ordem direta, o verso
seria assim exposto: “Fábio, nesta vida, a vaidade é/ Rosa.

72
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

Outro recurso comumente utilizado na literatura barroca são os elementos


mitológicos. Neste poema Gregório se refere à fênix, símbolo da imortalidade,
único pássaro que se fazia morrer numa fogueira e renascia de suas cinzas. “Os
egípcios fizeram da fênix uma divindade: figuraram-na do tamanho de uma
águia com um magnífico topete, as penas do pescoço douradas, a cauda branca
mesclada de penas vermelhas e com os olhos flamejantes” (SPINA, 1971, p. 35),
representando para além da imortalidade a vaidade.

Há que se analisar que o poema gregoriano, sob um olhar observador,


revela uma mensagem no sentido de fazer uma crítica à vaidade. Matos também
foi o primeiro a expressar um sentimento nacionalista, como é possível observar
nos versos provenientes da linguagem coloquial e as expressões populares:

Que os brasileiros são bestas,


e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.

(MATOS, 1979, p.117)

Tal expressão embaraçava os seus contemporâneos, e, em vista disso,


parte de sua obra foi censurada pela sátira com que o poeta compunha, contendo
temas sobre o governo da Bahia e os seus problemas sociais. Nesse sentido, o
conceito de sátira presente nos poemas de Matos faz alusão à indignação e ao
anseio moralizante dos costumes.

No dizer de Massaud Moisés (2004, p. 412), a sátira “consiste na crítica das


instituições ou pessoas, na censura dos males da sociedade ou dos indivíduos. [...]
envolve uma atitude ofensiva, ainda quando dissimulada: o ataque é a sua marca
distintiva, a insatisfação, perante o estabelecimento, a sua mola básica”. “Passou
a ser uma atitude de crítica social assumida por escritores, uma maneira de denunciar
comportamentos sob todos os aspectos. Foi ponto de partida de um nativismo crítico,
brasileiro, mas antiufanista”. (MAGALHÃES, 2004, p. 16).

Da sátira ao lamento. Se aquela lhe serviu de expressão, no poema Triste


Bahia Gregório abandona a zombaria por um tom de lamento, no qual o autor
identifica-se com a cidade, ao comparar a situação de decadência em que ambos
vivem, bem como aspectos da vida social baiana.

Triste Bahia

Senhora Dona Bahia,


nobre e opulenta cidade,
Madrasta dos naturais,
e dos estrangeiros madre:
Dizei-me por vida vossa
Em que fundais o ditame

73
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

De exaltar os que aqui vêm,


E abater os que aqui nascem?
Se o fazeis pelo interesse
de que os estranhos vos gabem,
isso os paisanos fariam
com conhecidas vantagens.
E suposto que os louvores
em boca própria não valem,
se tem força esta sentença,
mor força terá a verdade.

(MATOS apud MENDES, 1996, p. 54-55)

Segundo os críticos literários brasileiros, o poeta foi um escritor a incorporar


o retrato da cidade da Bahia colonial e de seus habitantes. Ao final de cada estrofe
há uma conclusão que abrange questões ligadas à verdade e à honra, bem como
a degradação dos valores em decorrência da ambição e usura dos governantes,
responsáveis pela fome da população na Bahia. “A importância literária de sua copiosa
obra poética é singularmente levantada por lances interessantíssimos à história dos
nossos costumes e da sociedade do seu tempo”. (VERÍSSIMO, 1998, p. 113).

No poema transparecem ainda perguntas e respostas, recursos que


imprimem um ensinamento, característica essa da poesia barroca. Além disso,
o texto é permeado de um conteúdo que contemplava os problemas sociais.
Também se expressou na poesia sacra:

A Jesus Cristo Nosso Senhor

Pequei, Senhor, mas não porque hei Vos tem para o perdão lisonjeado.
pecado, Se uma ovelha perdida e já cobrada
Da vossa alta clemência me despido; Glória tal e prazer tão repentino
Porque, quanto mais tenho Vos deu, como afirmais na Sacra
delinquido, História,
Vos tenho a perdoar mais
empenhado. Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, Pastor
Se basta a vós irar tanto pecado, Divino,
A abrandar-vos sobeja um só gemido: Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Que a mesma culpa, que vos há
ofendido, (MATOS, 1979, p.108)

Uma característica presente neste soneto faz referência ao tema, cujo


eu lírico contrito se confessa pecador. O autor argumenta que sua falta não
representa a vontade de se distanciar do Senhor, mas confiança em Cristo na
salvação. Podemos observar a presença do conflito espiritual e da antítese, além
da linguagem cultista que aparece no verso – da vossa alta clemência me despido –,
metáfora que significa o desejo do perdão.

74
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

Desse modo, o Barroco, enquanto movimento estético de âmbito universal,


também floresceu e se expandiu no território brasileiro pelas letras gregorianas
que tão bem o expressou pela poesia lírica, sátira e sacra. Esta última também foi
explorada pelo Padre Antônio Vieira, autor que abordaremos a seguir.

4 PADRE ANTÔNIO VIEIRA E OS SERMÕES


Na história do Brasil Colônia o Padre Antônio Vieira teve papel importante
para a afirmação da nossa literatura, especialmente porque seus escritos versavam
sobre a defesa dos escravos e dos índios. Os seus Sermões se constituem num
conjunto de obras de oratória, um acervo rico e voltado às coisas sacras e à vida
social portuguesa e brasileira daquela época. No dizer de Coutinho (2004b, p.
85), “[...] o pregador adquiriu tais proporções como homem de pensamento e de
ação, no panorama religioso, político e social do século XVII, que seria impossível
considerá-lo por um só aspecto, separadamente de qualquer outro”.

Trata-se de um grande cronista da história do Brasil, uma vez que o


religioso jamais ignorou as questões sociais e políticas do seu século. “Nenhum
dos sermonistas brasileiros coloniais exerceu no seu meio e tempo ação ou
influência que se lhes refletisse nos sermões, dando-lhes a vida e emoção que
ainda descobrimos nos de Vieira”. (VERÍSSIMO, 1998, p. 82).

Nos Sermões, o orador deixa transparecer uma ânsia da eternidade e


ele, especialmente no Brasil, “[...] tinha em alta conta a missão de falar à ‘imensa
universidade das almas’, representadas pelas tribos do Grão-Pará e do Amazonas,
nas embaraçosas línguas que aprendera em contato com elas”. (COUTINHO,
2004b, p. 84).

Lembre-se, caro/a acadêmico/a, de que, conforme vimos no Caderno


de Literatura Portuguesa, Padre Antônio Vieira pertence à tradição literária
portuguesa mais do que à brasileira; no entanto, em nossa Nação seus escritos
configuram-se na particularidade da época barroca em decorrência de suas ideias
avançadas que versavam sobre a defesa dos explorados. No dizer de Alfredo Bosi:

[...] existe um Vieira brasileiro, um Vieira português e um Vieira


europeu, e essa riqueza de dimensões deve-se não apenas ao caráter
supranacional da Companhia de Jesus que ele tão bem encarnou, como
à sua estatura humana em que não me parece exagero reconhecer
traços de gênio. (1992, p. 48).

Padre Antônio Vieira (1608-1697) nasceu em Lisboa. Foi orador,


missionário, diplomata e escritor. A extraordinária obra e religiosidade sempre
estiveram ligadas a fatos econômicos e políticos do Brasil Colônia. Sua formação
se deu no Colégio dos Jesuítas. Vieira era contrário às ideias da burguesia cristã
(os pequenos comerciantes), fato este que o levou à condenação pela Inquisição.
(COUTINHO, 2004b, p. 80).

75
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

FIGURA 7 – PADRE VIEIRA, LITOGRAFIA DO ARQUIVO HISTÓRICO


ULTRAMARINO, LISBOA

FONTE: Disponível em: <www.meusestudos.com>. Acesso em: 24 jan. 2011.

Conforme já enfatizado, o Barroco foi um movimento artístico cuja base era


o drama humano. Nos textos, a ordem natural das palavras era alterada, e as frases
interrogativas refletiam os questionamentos, incertezas e dúvidas. Havia ainda o
pensamento de que o tempo é fugaz, consome e tudo consumia, levando à morte.

Vieira também reafirmava a transitoriedade da vida, enfatizando os ideais


de humildade e desapego dos bens materiais.

No fulcro da personalidade do Padre Vieira estava o desejo da ação. A


religiosidade, a sólida cultura humanística e a perícia verbal serviam,
nesse militante incansável, a projetos grandiosos, quase sempre
quiméricos, mas todos nascidos da utopia contrarreformista de uma
Igreja Triunfante na Terra, sonho medieval que um Império português
e missionário tornaria afinal realidade. (BOSI, 1992, p. 48).

O orador escreveu com propriedade verbal, utilizando expressões que


caracterizam o movimento Barroco com paradoxos e recursos persuasivos que
combatiam as injustiças sociais. Alguns dos seus escritos revelam a preocupação
e expressam o pensamento em defesa dos índios, para os quais dedicou o Sermão
Dominga da Quaresma e o Sermão de Santo Antônio aos Peixes, cujas composições são
modelos estilísticos para a literatura.

76
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

Vale lembrar que você estudou no Caderno de Literatura Portuguesa que


um de seus principais escritos é o Sermão da Sexagésima, proferido na Capela
Real de Lisboa.

Neste, Vieira tinha por objetivo despertar uma consciência de ação e de


reflexão, através de analogias entre o contexto de sua época e a Bíblia. Contendo
aspectos metalinguísticos e dividido em dez partes, o Sermão da Sexagésima faz
alusão à arte de pregar. “Partindo de uma parábola do Evangelho de São Mateus
que compara o pregar ao semear, Vieira, como lhe era comum, submete a metáfora a
intermináveis variações, sem sair do mundo botânico”. (COUTINHO, 2004b, p. 88).

O religioso argumenta que seus contemporâneos são ladrilhadores,


porque fragmentam as sagradas palavras, são maus pregadores, por servirem
aos homens e não a Deus, conforme podemos observar a seguir.
O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou
azuleja. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores
fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco,
de outra há de estar negro: se de uma parte está dia, de outra há de
estar noite? Se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra;
se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que
não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão
de estar sempre em fronteira com o seu contrário?[...] Mas dir-me-eis:
Padre, os pregadores de hoje não pregam do Evangelho, não pregam
das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? –
Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a Palavra de
Deus. (VIEIRA, 1960, p. 107).

Há no referido sermão uma crítica aos pregadores que, na comparação de


Vieira, seriam como ladrilhadores, assim qualificados porque davam importância
às coisas terrenas, mais que às espirituais. Para Viera principiam

[...] por demonstrar que ‘as palavras sem obras são tiro sem bala; atroam,
mas não ferem’ o que era um jeito de reduzir a nada as prédicas que se
dirigiam a tais ouvintes, mais inclinados à beleza exterior do discurso
que às doutrinas de pura edificação moral. (COUTINHO, 2004b, p. 89).

É possível perceber a intenção de convencer o ouvinte pelo entendimento


de seus argumentos. O autor dos Sermões teve por base as concepções de Santo
Agostinho, a doutrina da escolástica, que enfatizava “[...] a memória, o entendimento
e a vontade, convertidas em figuras simbólicas a dialogarem entre si sobre os mistérios
da religião e da morte”. (COUTINHO, 2004b, p. 97). Os argumentos estabeleciam
relações entre conceitos, representando-os exteriormente. No Sermão em questão,
o mesmo faz alusão ao evangelho bíblico, metáfora que revela uma verdade moral.
No dizer de Coutinho, de modo geral, os escritos do religioso apresentam quatro
significações: “o histórico, o alegórico, o analógico e o tropológico”. (2004b, p. 99).

77
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

O contexto histórico da época é revelado pelo tema presente no texto o


qual denuncia fatos. O orador reprimia o abuso dos agentes políticos e religiosos
que diziam inverdades para se beneficiar. O Sermão constitui um recurso
representativo capaz de expressar os anseios de Vieira, que, no caso, o faz pela
comparação análoga, ou seja, o mesmo “[...] estabelece analogia entre o semear
e o pregar” (COUTINHO, 2004b, p.100) e adverte sobre a confusão gerada pela
incompreensão da palavra de Deus.

Já o sentido tropológico está no fato de os textos ensinarem verdades


morais, aproximando, desse modo, as concepções bíblicas à postura dos seus
contemporâneos, aos quais dirigia seus sermões.

A alegoria, por sua vez, é um translado que exprime um conceito escondido


em palavras que representa outro; um procedimento estilístico que consente
significar outra realidade. (CICCIA, 2002, p. 15). A riqueza da alegoria como forma
de expressão transfere ao leitor uma imagem imediata de algo, antes que se possa
alcançar a ideia definida sobre o significado daquilo que foi citado. No dizer do
teórico literário Antoine Compagnon, “[...] a alegoria, por intermédio da qual toda a
Idade Média pensou a questão da intenção, repousa na realidade, na superposição
de dois pares teoricamente distintos, um jurídico e outro estilístico”. (2003, p. 56).

Quanto à significação do Sermão da Sexagésima, Alcir Pécora também


argumenta a favor dos sentidos que podem ser depreendidos do texto. O autor
afirma que Vieira pretendia, com sua retórica, alcançar “[...] o sentido literal, o
alegórico e o anagógico, distribuindo-os em feixes de significações adequadas à
ocasião, segundo as três virtudes teologais: alegoria e Fé, tropologia e Caridade,
anagoge e Esperança.” (1994, p. 17).

A anagogia é uma expressão que designa êxtase, elevação da alma para a


contemplação das coisas divinas e é inerente aos textos bíblicos porque ensinam a
maneira de conseguir a salvação da alma. Tais fatores de significado são recursos
dos quais Vieira lançou mão, além da coesão, da coerência textual, os elementos
do discurso – argumentativos e estilísticos – o quais valorizam os seus escritos. A
linguagem que traduzia austeridade e beleza comovia os ouvintes e legitimava o
pensamento de Vieira.

No Sermão da Sexagésima, o religioso propôs a pregação ideal e,


didaticamente, fazia alusão às dificuldades e ensinava a superá-las. Em nome
dos desprotegidos, Vieira aliou o estilo ao pensamento, sendo desse modo um
semeador dos ideais cristãos, revestidos de entusiasmo, de persuasão e de beleza.
Vale destacar que o orador se reportava aos fiéis de modo geral, mas também ao
clero, ensinando retórica e oratória. Era também um homem de ação e o púlpito
constituía o espaço de pregação e de educação em defesa dos índios.

Outro Sermão, denominado Santo Antônio aos peixes, proferido no dia do


Santo, criticava os colonos que aprisionavam índios. No texto em questão, Vieira,
não obtendo resultados com os homens, resolve compará-los aos peixes. Assim
Vieira expõe sua analogia:
78
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

" [...] quero hoje à imitação de Santo Antonio voltar-me de terra ao mar,
e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar está tão perto,
que bem me ouvirão" (VEIRA, 1960, p. 135).

Essa perspectiva denota uma qualidade da literatura barroca, caracterizada


pelo paradoxo, ou seja, os peixes, criaturas boas de Deus, e o homem, cheio de
defeitos e vícios. Os peixes, segundo Vieira, também são criação de Deus, no
entanto são bons ouvintes, obedientes e livres.
Pode haver maior ignorância e mais rematada cegueira que esta?
Enganados por um retalho de pano, perder a vida! Dir-me-eis que
o mesmo fazem os homens. Não vo-lho nego. [...] A vaidade, entre
os vícios, é o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os
homens. [...]. E depois disso, que sucede? O mesmo que a vós. O que
engoliu o ferro, ou ali ou noutra ocasião, ficou morto, e os mesmos
retalhos de pano tornaram outra vez ao anzol para pescar outro”.
(VIEIRA, 1960, p.136).

Ao louvar os peixes, Vieira mostra a relação entre o homem e o divino.


Nesse sentido, os pecadores exploram a terra, tirando-lhe tudo o que encontram.
O religioso enfatiza a necessidade de tirar dos olhos a vaidade terrena e olhar
para o céu; assim procedendo, o homem não esqueceria o Inferno.
Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedaço de pano
cortado e aberto em duas ou três pontas, lança-o por um cabo delgado
até tocar na água; e, em vendo, o peixe arremete cego a ele e fica preso
e boqueando até que assim suspenso no ar, ou lançado no convés,
acaba de morrer. (VIEIRA, p. 1960, 135.)

Outro aspecto presente no Sermão faz alusão à repreensão de Vieira aos


peixes, que está no fato de se comerem uns aos outros. Os homens exploram-
se entre si, os grandes aniquilam os pequenos em nome da vaidade. Os peixes
seriam melhores pelos instintos, por serem irracionais e inconscientes. O homem,
por sua vez, é racional, possui livre-arbítrio, é consciente dos seus atos, daí a ser
considerado morto de espírito.
[...] Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como
os peixes que se comem uns aos outros. Tão alheia coisa é, não só da
razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo
elemento, todos cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos,
vivais de vos comer. Santo Agostinho, que pregava aos homens,
para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes.
(VIEIRA, 1960, p. 135).

Os peixes seriam a alegoria do homem de então, pois transferem a ideia


da sociedade organizada em camadas hierárquicas.

79
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

" [...] Olhai, peixes, lá no mar para a terra. Não, não: não é isso o que vos
digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para cá, para cá; para a
cidade é que haveis de olhar" (VIEIRA, 1960, p. 136).

Claro e profundo, ao mesmo tempo lógico e convincente, o orador


explorou de modo extraordinário a linguagem: a sintaxe, o vocabulário cheio de
conotações. O mesmo se dirige aos pregadores, alegando que ele próprio não
estava a cumprir a sua função:
Vós, diz Cristo Senhor, falando com os Pregadores, sois o sal da terra:
e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o
sal. O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão
corrupta como está a nossa, havendo tantos nela, que têm ofício de sal,
qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal
não salga, ou porque a terra não se deixa salgar. Ou é porque o sal não
salga, e os Pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque
a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira doutrina,
que lhes dão, a não querem receber, ou é porque o sal não salga, e os
Pregadores dizem uma cousa, e fazem outra, ou porque a terra se não
deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que
fazer o que dizem: ou é porque o sal não salga, e os Pregadores se
pregam a si, e não a Cristo; ou é porque a terra se não deixa salgar, e
os ouvintes em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. (VIEIRA,
1960, p. 136).

Como podemos observar, o religioso, além de argumentar contra os maus


pregadores, os quais não conseguiam efetivar sua mensagem, também critica os
maus ouvintes, fiéis que não punham em prática os ensinamentos bíblicos. Nesse
sentido, Padre Vieira pretendia uma educação espiritual, sem, entretanto, deixar
de perpassar em seus escritos um caráter político e ideológico. Os motivos das
pregações, cuja habilidade da fala era capaz de adaptar-se aos vários públicos,
era, no dizer de Hansen,
[...] uma pregação culta e popular ou, em termos do século XVII,
‘discreta’ e ‘vulgar’, que implicavam questões específicas de temática e
de linguagem relacionadas também a um diretório pastoral específico,
como é o caso dos sermões de missão. (apud LOPES, 2000, p. 30).

O religioso, autor essencialmente barroco, congrega em seus sermões o


jogo de palavras, os elementos visuais, os contrastes e o exagero. Trata-se de um
autor que se utilizou do conceptismo para persuadir e da retórica para legitimar
seu discurso. Transmitiu, assim, um saber sobre a metodologia da pregação, pois
pretendia uma prática educativa imbuída de humanização. Desse modo, a fala
do pregador expressava uma verdade divina, além da evangelização que também
chegou ao Brasil através do próprio autor e dos que nele buscaram inspiração.

80
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

5 BOTELHO DE OLIVEIRA E NUNO MARQUES PEREIRA:


POESIA EM TERRAS BAIANAS
Manuel Botelho de Oliveira (1636-1711) é autor da obra poética Música do
Parnaso. Foi o primeiro poeta lírico nascido no Brasil. Bacharelou-se em Coimbra.
Além do ofício de advogado, exerceu a vereança e foi capitão-mor e fidalgo do Rei.
(COUTINHO, 2004b, p. 126). A obra poética citada é dividida em quatro coros:
o primeiro em língua portuguesa, o segundo em língua espanhola, o terceiro
em italiano e o quarto em latim. Os historiadores “[...] viram nessa ostentação
linguística um traço de mera fatuidade pessoal. Entretanto, as publicações
plurilíngues não eram raras entre os séculos XVI e XVII”. (COUTINHO, 2004b,
p. 128). O livro contém a primeira coleção brasileira de poemas, sonetos, canções
madrigais e duas comédias em castelhano.

UNI

Até o século XV a canção madrigal apresentava forma fixa: dois ou três tercetos
seguidos de um ou dois dísticos, em versos decassílabos rimados. “Adquiriu, posteriormente,
estrutura livre quanto ao número de versos, ao metro empregado e ao esquema de rimas.
Vingou, porém, a tendência para se resumir numa única estrofe de cerca de dez versos, em
que se alteram o decassílabo e o hexassílabo. Associado intimamente à musica, [...] o madrigal
aparentava-se à pastorela e ao idílio”. (MOISÉS, 2004, p. 272).

Especialmente no poema A ilha da maré, exalta as belezas do Recôncavo


Baiano, terra que o inspirou:

Esta ilha de Maré, ou de alegria


Que é termo da Bahia
Tem quase tudo quanto o Brasil todo,
Que de todo o Brasil é breve apodo;
E se algum tempo Citereia a achara,
Por esta sua Chipre desprezara,
Porém tem com Maria verdadeira
Outra Vênus melhor por padroeira.

(OLIVEIRA apud COUTINHO, 2004b, p. 147)

De acordo com Veríssimo (1998, p. 94), ao exaltar um sentimento brasileiro,


revela o “[...] primeiro sintoma de emoção estética produzida pela terra em um
dos seus naturais, e literariamente exprimida”. Há na composição de Botelho
a linguagem cultista em duas feições, uma satírica e outra galante, esta última
celebra a dama inspiradora, Anarda:

81
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

Bem pode dar agora Anarda ímpia


A meu rude discurso cultas flores,
A meu plectro feliz doce harmonia.

(OLIVEIRA apud COUTINHO, 2004b, p. 133)

O poema reflete os elementos do Renascimento que, ao consagrar Anarda,


revela o ideal de amor, característica essa herdada de Petrarca.

Anarda constitui, portanto, o centro de um universo transfigurado


imprevisivelmente porque passara a obedecer às sugestões de um
léxico em moda: o da poética de Góngora. [...] A língua de Góngora era
em suma uma língua de exceção naturalmente sedutora ou irresistível
para um ou outro espírito aristocrático. E Manuel Botelho de Oliveira
estava nesse caso. (COUTINHO, 2004b, p. 134).

Além da questão da idealização da mulher, a lírica de Botelho traz a redondilha


camoniana, estruturada em versos do tipo ABC, conforme podemos observar:

Quatro AA:

Tenho recopilado
O que o Brasil contém para invejado
E para preferir a toda a terra
Em si perfeitos quatro AA encerra.
Tem o primeiro A, nos arvoredos
Sempre verdes aos olhos, sempre ledos;
Tem o segundo A, nos ares puros
Na tempérie agradáveis e seguros;
Tem o terceiro A, nas águas frias,
Que refrescam o peito, e são sadias;
O quarto A, no açúcar deleitoso.
Que é do Mundo o regalo mais mimoso.
São pois os quatro AA por singulares
Arvoredos, Açúcar, Águas, Ares.

(OLIVEIRA apud COUTINHO, 2004b, p. 146)

No dizer de Coutinho, nos versos em questão Botelho de Oliveira submete-


se às formulas e imagens poéticas dos modelos europeus. “A metáfora da concha
aplicada à ilha não era de modo algum original, nem tampouco a imagem resumindo
os encantos da terra nativa”. (Op.cit., p. 146). Na Música do Parnaso, o autor enaltece
a terra brasileira descrevendo com detalhes geográficos a região baiana.

Botelho de Oliveira apresenta uma visão da terra natal, envolto em uma


atmosfera lírica, através de símiles, imagens, metáforas e também descreve a natureza
tal como se apresenta. Enaltece o solo inclusive com as comparações que faz das
frutas brasileiras com as da Europa.

82
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

A revelação verdadeiramente notável da Música do Parnaso é a que se


prepara nessa silva, onde o nativismo está caracterizado sobretudo
pelo paladar. Por aí, e não pela descrição da ilha e do encanto de suas
paisagens e pomares, é que a composição adquire um significado
apreciável. Esteticamente constitui uma espécie de ruptura produzida
pela interferência do fator biográfico ou pessoal sobre o convencional,
dado o tono evasivo que Botelho de Oliveira imprimiu a quase tudo o
que escreveu. (COUTINHO, 2004b, p. 145).

E
IMPORTANT

“Símile: latim simile(m), coisa semelhante. Figura de pensamento, até certo


ponto sinônimo de comparação, o símile dela se distingue na medida em que se caracteriza
pelo confronto de dois seres ou coisas de natureza diferente, a fim de ressaltar um deles”.
(MOISÉS, 2004, p. 477).

A poesia de Botelho de Oliveira é considerada, pelos teóricos, rebento


da literatura de expansão, exaltando a nova terra e constitui exemplo bem
representativo do espírito de brasilidade, cuja obra rendeu-lhe menção na história
da Literatura do Brasil.

No que concerne a esse aspecto, Nuno Marques Pereira foi outro


representante da literatura do grupo baiano. Existem controvérsias acerca da sua
nacionalidade – portuguesa ou brasileira –, o que se sabe é que foi por volta do ano
de 1652. Segundo Coutinho (2004, p. 149), ele “[...] teria sido atraído pelas minas
de ouro juntamente com os emboabas, em cujo chefe, o mestre Manuel Nunes
Viana, teve um protetor”. O fato que expressa incerteza da sua nacionalidade
vem mencionado pelo próprio autor em sua obra Compêndio Narrativo do Peregrino
da América, escrita no século XVIII:

Não me começarei a inculcar pelo solar do meu nascimento, ou


alabanças da minha Pátria: por aquela ser muito humilde, e esta ter pouco
nome: suposto que, para nascer, qualquer lugar basta”. (PEREIRA apud
COUTINHO, 2004b, p. 150).

O texto de Marques Pereira trata ainda de vários discursos espirituais


e morais. É uma narrativa alegórica, dividida em cinquenta capítulos, que
descreve a conversação entre “[...] Peregrino e um ancião sucedendo-se episódios
e encontros com os mais diversos indivíduos e entidades personificadas”.
(COUTINHO, 2004b, p. 153). Faz alusão às andanças do Peregrino nos estados da
Bahia e Minas Gerais, terra de cobiça em decorrência do ouro e também terreno
fértil para a fé religiosa. Enfatiza também as questões sobre a exploração de ouro
e a vida da colônia, constituindo desse modo, o tema, a peregrinação:

83
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

Neste tempo chegou à minha Pátria a notícia dos grandes haveres,


que se havia descoberto neste Estado do Brasil nas minas de ouro,
por cuja razão me deliberei embarcar em uma frota, que fazia
viagem para o Rio de Janeiro, sem mais cabedais, que a ferramenta
do meu ofício. (PEREIRA apud COUTINHO, 2004b, p. 151).

Assim, a narrativa de Pereira retrata a intenção moral, explorada no


movimento barroco, com visões da natureza, em que o Peregrino descreve o seu
caminhar cotidiano, a paisagem e as conversas com as pessoas que encontrava:
E logo me pus em marcha: e caminhando parte daquele dia, fui
encontrando várias pessoas, de quem tomava os roteiros vocais,
para seguir com acerto a jornada que levava. A este tempo, porque
o sol já me negava toda a frescura para poder andar, me vali de uma
copa da árvore, que em um alto estava para me poder defender de
seus vibrantes raios: e deste lugar estava descobrindo o eminente
dos montes, o baixo dos vales e muita parte do espaçoso dos
campos. (PEREIRA apud COUTINHO, 2004b, p. 155).

O título da obra em questão faz menção ao caráter espiritual e moralista.


Essa questão vem evidenciada no texto que segue:

"Sabei que é este mundo estrada de Peregrinos, não lugar nem habitação
de moradores, porque a verdadeira Pátria é o Céu. Como assim advertiu S.
Gregório Papa: que por isso enquanto andam os homens neste mundo lhes
chamam caminhantes" (PEREIRA apud COUTINHO, 2004b,).

No dizer de Veríssimo, o intuito era de “[...] denunciar ou de emendar


os costumes do Estado, que se antolhavam péssimos, escreveu o livro citado,
único lavor literário que se lhe sabe, e cujo título completo lhe define estímulo e
propósito” (1998, p. 123).

É possível observar no texto de Pereira o efeito cultista, cuja intenção era


introduzir o ensinamento espiritual:
Uso das presentes humanidades, e moralidades, e histórias tão
repetidas para melhor te persuadir deleitando-te o gosto, e entretendo-
te a vontade; quis seguir alguns autores da melhor nota nesta minha
escrita, que também usaram deste modo de escrever em diálogo e
interlocutores. (PEREIRA apud COUTINHO, 2004b, p. 152).

Historiadores, a exemplo de Varnhagen, viam em seus escritos aspectos dos


textos de Padre Antônio Vieira. No entanto, para Coutinho (2004, p. 153), “[...] a
comparação é exagerada, o moralista não passava de um imitador do estilo predical
em que se entremeavam também algumas fórmulas da retórica vieiriana”.

84
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

O período colonial em que floresceu o Barroco no Brasil esteve representado


especialmente pelos escritores Gregório de Matos, Padre Antônio Vieira, Botelho
de Oliveira e Nuno Marques Pereira, os quais souberam retratar o sentimento
de apego à terra e contribuíram sobremaneira para a cultura das letras do Brasil.
“Trabalharam primeiro pela emancipação intelectual e, por esta, sem aliás disso
se aperceberem, pela nossa emancipação nacional”. (VERÍSSIMO, 1998, p. 122).

Nesse sentido, o Barroco estava atrelado a uma ideologia traduzida nas


manifestações artísticas. A produção literária revela o pensamento que acolhe o
contrário, a controvérsia, cujos textos não pretendiam solucionar conflitos, mas
eram voltados ao homem real.

A utilização das figuras de linguagem e a estrutura formal possibilitam


a representação dessa realidade. No dizer de Affonso Ávila, na criação
literária barroca “[...] temos uma forma que se abre sem determinar limites,
apelando a um êxtase dos sentidos”. (1980, p. 74). Conflito, contradição,
elementos estéticos, padrões morais de significação alegórica, linguagem esta
que representava o imaterial.

Tal literatura, carregada de metáforas, antíteses, hipérboles e


rebuscamento, é reveladora do tormento entre homem e Deus. Para além
dos textos escritos a arte barroca se difunde em diversas áreas e assume uma
tendência sensualista, caracterizada pela busca do detalhe, constituindo o
próximo assunto e ser apresentado.

5.1 A PINTURA E A ESCULTURA BARROCA NO BRASIL


O Barroco exprime um universo de ostentação o qual sintetiza as glórias do
céu e as pompas da terra. Traduz o gosto da decoração rica e espetacular, da arte de
exuberância e de intenso poder expressivo que não admitia parede nua ou coluna
sem enfeites. Os estudos da teoria wolffliniana acerca do barroco se estendem
também às artes plásticas, em que as categorias se opõem, ou seja, a forma fechada
e a forma aberta, a oposição da claridade absoluta para a claridade relativa.

As distorções do modelo barroco revelam o esforço de romper com as


formas regulares do período clássico, introduzindo uma prática inerente ao
contexto social e cultural. Nessa perspectiva, os barroquistas logravam uma arte
que espelhasse suas angústias e incertezas, substituindo o idealismo impessoal
que estava acima do homem, por suas concepções pessoais. A tradição e a
inovação eram contradições que deveriam ser definidas pela razão, ainda que
estivessem permeadas por questões psicológicas.

Os pintores e escultores expressaram em sua arte a sensualidade, a


melancolia, o lúdico e a ambiguidade. Suas concepções refletiam a preocupação
com a vida cotidiana, aliada ao desejo de experimentar e inovar.

85
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

No Brasil, o Barroco resultou numa nova experiência, em decorrência da


realidade geográfica cuja natureza favoreceu as artes em geral. Com o intuito de
atrair a fé e demonstrar a emoção do povo, esteve associado à religião católica.
Nessa perspectiva, a estética barroca foi de grande importância na história da arte
brasileira do período de colonização.

Encontramos desse período igrejas com trabalhos em relevo feitos em


madeira, entalhes nas figuras sacras e anjos revestidos por finas camadas de ouro.
Daí a dizer que essa estética principiava a firmação da fé, porque provocava o
deslumbramento e o fervor dos fiéis nos detalhes e ornamentos. Além do ouro
que ornamentava as igrejas, havia pinturas em suas cúpulas com cenas bíblicas,
a exemplo da Igreja de São Francisco de Assis, marco do estilo barroco pela
abundância de luz e cor, pintura esta de autoria de Manuel da Costa de Ataíde,
um artista de grande expressão do movimento barroco brasileiro.

A pintura do Mestre Ataíde retratava o céu, aumentando a sensação de


profundidade no ambiente. Outra característica faz menção à subjetividade, pelo
conflito e pela emoção provocada a quem observa.

FIGURA 8 – IGREJA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS – OURO PRETO, CUJO INTERIOR REVESTIDO
DE TALHA DOURADA LHE RENDEU O TÍTULO DE IGREJA MAIS RICA DO BRASIL

FONTE: Oliveira, (2006, p. 27)

86
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

O artista utilizava cores, texturas, luz e sombra, traços diagonais e curvas,


dentro de um espaço delineado. O claro e o escuro em contraste intensificavam os
sentimentos e expressavam as emoções do ser humano, enaltecendo a religião em
todos os detalhes, a exemplo da pintura da Igreja de Bom Jesus, em Congonhas.

FIGURA 9 – CAPELA DA IGREJA BOM JESUS

FONTE: Oliveira, (2006, p. 16)

Ataíde utilizava tinta a óleo, com cores vivas e alegres, caracterizando,


desse modo, gestos expressivos e fortes combinações. As suas pinturas nos tetos
das igrejas incorporam-se às esculturas e arquitetura de Aleijadinho.

87
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

FIGURA 10 – PINTURA DO TETO DA IGREJA DE SÃO FRANCISCO


DE ASSIS

FONTE: Oliveira, (2006, p. 36)

A escultura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, desenvolve-se


em Minas gerais. O artista adaptou sua arte ao ambiente dos trópicos e sujeito à
metrópole, com recursos e valores regionais, constituindo, desse modo, um dos
primeiros momentos de criação genuinamente brasileira, devido à força plástica
e expressiva, conforme podemos observar na escultura da Última Ceia e da Paixão
de Cristo, cuja expressão revela certo movimento, traduzida nos gestos e olhares.

E
IMPORTANT

Antônio Francisco Lisboa tinha o apelido Aleijadinho devido a uma doença


degenerativa que provocou a perda dos membros. O artista nasceu na antiga Vila Rica (atual
Ouro Preto). Era filho de um arquiteto português e de uma escrava. Aleijadinho, arquiteto
e escultor do Período Colonial, é considerado o artista mais importante do estilo barroco
no Brasil. Apesar de, formalmente, só ter recebido a educação primária, cresceu entre obras
de arte. Deixou mostras em várias cidades de Minas Gerais, nas quais desenhou e esculpiu
para dezenas de igrejas. Em Mariana, assinou o chafariz da Samaritana e a Congonhas do
Campo (1800-1805) legou suas obras-primas: as estátuas em pedra-sabão dos 12 profetas.
Quando começou a esculpir as famosas imagens, contava com mais de 60 anos e já estava
deformado pela doença que lhe inutilizara as mãos e os pés, devendo, por isso, trabalhar com
o martelo e o cinzel amarrados aos punhos pelos ajudantes. Além dos profetas, esculpiu as 66
figuras em cedro (1796) que compõem a Via-Sacra. Recebeu reconhecimento devido ao seu
talento em criar obras concebidas dentro de um barroco rigorosamente brasileiro.

88
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

FIGURA 11 – ESCULTURA DA PAIXÃO DE CRISTO (ALEIJADINHO)

FONTE: Oliveira, (2006, p. 92)

FIGURA 12 – ESCULTURA DA ÚLTIMA CEIA (ALEIJADINHO)

FONTE: Oliveira, (2006, p. 92)

Aleijadinho é o idealizador do projeto da Igreja de São Francisco, em Ouro


Preto, com estátuas de anjos esculpidos em pedra-sabão. No Santuário do Bom Jesus
de Matosinhos, em Congonhas do Campo, estão expostas nas escadarias as esculturas
dos 12 profetas, cada um numa posição diferente, dando a impressão de movimento.
89
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

FIGURA 13 – OS 12 PROFETAS, INSTALADOS EM CONGONHAS DO CAMPO. PELA ORDEM, DA


ESQUERDA PARA A DIREITA, COMEÇANDO NO ALTO: ISAÍAS, JEREMIAS, BARUC, EZEQUIEL,
DANIEL, OSEIAS, JOEL, ABDIAS, AMÓS, JONAS, HABACUC E NAUN

FONTE: Oliveira, (2006, p. 54)

Assim, pode-se dizer que o estilo barroco estendeu-se em todas as artes,


embora os estudos acerca do seu conceito não sejam de todo uma unanimidade.
Tal divergência está em

[...] saber se o barroco deve ser considerado como uma constante


da cultura e, sobretudo, dos estilos artísticos, constituindo, por
conseguinte, um fenômeno essencialmente meta-histórico –, ou se deve
ser considerado, pelo contrário, como um fenômeno historicamente
situado e condicionado. (SILVA, 1979, p. 375).

No entanto, a concepção de que o Barroco deve ser entendido pelo viés


histórico ganha consistência pelos princípios fundamentais que o embasaram,
quais sejam: estéticos, espirituais, religiosos e sociológicos.

A decadência desse pensamento barroquista começa no início do século XVIII


em decorrência de vários fatores e, dentre eles, pode-se citar o surgimento das “luzes
do esclarecimento”, o Iluminismo, o qual favoreceu a compreensão do mundo.

Tais ideias representaram o declínio do movimento, também pela ascensão


da burguesia que combatia o poder monárquico e religioso. Elas influenciaram
a pintura, a música, a literatura e a arquitetura pelo domínio da razão, pela
imitação dos clássicos e aproximação com a natureza. Nesse sentido, o exagero
da expressão barroca começa a ser substituído pela simplicidade da Arcádia, que
propunha a poesia bucólica e pastoril. O aspecto formal é marcado pelo soneto,
em versos decassílabos e rima optativa.

90
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

Em 1768, Cláudio Manuel da Costa publicou o livro Obras Poéticas, que


marcou a transição do Barroco para o Arcadismo. Além deste, outros autores
árcades se destacaram, dentre os quais Tomás Antônio Gonzaga; Basílio da
Gama; Manuel Inácio da Silva Alvarenga; José de Santa Rita Durão. O estilo,
as características e os autores desse movimento literário serão abordados no
próximo tópico.

LEITURA COMPLEMENTAR

VIEIRA OU A CRUZ DA DESIGUALDADE

Alfredo Bosi

Gregório de Matos e Antônio Vieira foram contemporâneos. Há


testemunhos de que se conheceram e estimaram no período baiano de ambos,
que coincidiu com os últimos anos de vida de um e de outro: o poeta morreu em
1696, o pregador no ano seguinte.

Comparado com o piccolo mondo de Gregório, sátiro e cronista das mazelas


da Bahia, o universo de Vieira se mostra mais largo. Jesuíta, conselheiro de reis,
confessor de rainhas, preceptor de príncipes, diplomata em cortes europeias,
defensor de cristãos-novos e, com igual zelo, missionário no Maranhão e no Pará.
Vieira traz em si uma estatura e um horizonte internacional. O interesse que ainda
hoje desperta a sua obra extensa e vária (207 sermões, textos exegéticos, profecias,
cartas, relatórios políticos...) só tem a ganhar se for norteado por um empenho
interpretativo que consiga extrair dela a riqueza das suas contradições, que são
as do sistema colonial como um todo, e que só a experiência brasileira, de per se,
não explica. [...]

A defesa dos índios contra os colonos do Maranhão é o assunto do Sermão


da Epifania, pregado na Capela Real, em 1662, perante a rainha viúva Dona Luísa,
que regeu os negócios da monarquia durante a minoridade de D. Afonso VI.

Convém lembrar as circunstâncias que precederam a fala de Vieira. Ele


e outros missionários estavam retornando a Lisboa expulsos pelos colonos após
uma série de atritos causados pela questão do cativeiro. O pregador, valendo-se da
presença da regente e do menino, futuro rei, pede que os jesuítas voltem ao Maranhão
e possam implantar missões autônomas em relação aos senhores de escravos.

O sermão é exemplar como xadrez de conflitos sociais, dados os interesses


em jogo, obrigando o discurso ora a avançar até posições extremas, ora a compor
uma linguagem de compromisso. No fundo, o pregador acha-se dividido entre
uma lógica maior, de raiz universalista, tendencialmente igualitária, e uma
retórica menor, que trabalha ad hoc, particularista e interesseira. O efeito é um
misto de ardor e diplomacia, veemência e sinuosidade, que define a grandeza e
os limites do nosso jesuíta.

91
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

O contraste se faz tanto mais agudo quanto mais absoluta se propõe


a doutrina inicial da igualdade de todos os povos, trazida, a certa altura, ao
primeiro plano do sermão. Para argumentar, Vieira alega as razões da natureza,
que têm por si a força da evidência, e as razões das Escrituras, que se abonam com
a autoridade da revelação.

As verdades naturais, primeiro:

As nações, umas são mais brancas, outras mais pretas, porque


umas estão mais vizinhas, outras mais remotas do sol. E pode
haver maior inconsideração do entendimento, nem maior erro do
juízo entre os homens, que cuidar eu que hei-de-ser vosso senhor,
porque nasci mais longe do sol, e que vós haveis de ser meu
escravo, porque nascemos mais perto?

Depois, os depoimentos da tradição cristã: reza esta que um dos Reis


Magos, de nome Belchior, era negro, e os outros dois, brancos; todos, porém,
foram salvos por Deus da fúria de Herodes, “[...] que os homens de qualquer cor,
todos são iguais por natureza, e mais iguais ainda por fé.”

A filiação comum e universal dos homens em relação a um Deus criador e


único é o aval da irmandade de todos: “E entre cristão e cristão não há diferença de
nobreza, porque todos são filhos de Deus; nem há diferença de cor, porque todos
são brancos”. Esta última sentença, que naturalmente causa espécie, é esclarecida
adiante pela doutrina segundo a qual o batismo limpou espiritualmente a todos,
sem distinção.

Posto o discurso nessa chave, o que dele se seguiria, caso fosse mantido o
seu grau de coerência interna? Sobreviria a condenação pura e simples do que se
praticava então no Brasil, ou seja, tomaria forma lógica o repúdio a qualquer tipo
de cativeiro. Para aí caminha o ímpeto dos argumentos éticos. Para aí levam os
símiles com a dupla rota da estrela de Belém, a qual primeiro conduziu os magos
a Cristo (figura da conversão dos gentios) e, em seguida, os desviou do caminho
onde Herodes os faria matar – figura da libertação dos mesmos índios das garras
dos colonos. Analogamente, essa viria a ser a dupla missão dos jesuítas: levar a
boa nova às almas dos tupinambás e defender os seus corpos quando ameaçados
de cair às mãos dos brancos.

Do ponto de vista da ortodoxia, Vieira sabia-se respaldado por vários


documentos de papas favoráveis à liberdade dos índios, a começar pela arquicitada
bula Sublimis Deus, emitida por Paulo III, em 1537, quando ia acesa na Espanha
a polêmica teológica em torno da verdadeira natureza dos homens americanos:

Pelas presentes letras, decretamos e declaramos com nossa autoridade


apostólica que os referidos índios e todos os demais povos que daqui
por diante venham ao conhecimento dos cristãos, embora se encontrem
fora da fé de Cristo, são dotados de liberdade, e não devem ser privados
dela, nem do domínio de suas cousas, e ainda mais, que podem usar,
possuir e gozar livremente desta liberdade e deste domínio, nem devem
ser reduzidos à escravidão; e que é írrito, nulo e de nenhum valor tudo
quanto se fizer em qualquer tempo de outra forma.

92
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

No entanto, esse ideal, nítido a absoluto enquanto jus naturale e enquanto


verdade de fé, já fora abandonado pelo compromisso político dos padres
(confessado pelo próprio Vieira) de “descer” com os portugueses ao sertão,
domesticar e reduzir os aborígines à obediência; enfim trazê-los a Belém do
Pará e a São Luís para trabalharem a metade do ano nas roças dos colonos. Na
prática, logo que a produção aumentava, exigiam-se mais braços e mais longo
tempo de serviço. Como os jesuítas resistissem a essas requisições abusivas e
como reservassem a outra metade do ano para catequizar os mesmos índios nas
aldeias, acabaram expulsos do Pará e do Maranhão, motivo principal das queixas
de Vieira à regente Dona Luísa.

A homilia não esconde o ponto doloroso da questão inteira: sob pretexto


de guerra justa, a Igreja permitira o cativeiro do índio. Assim, os mesmos pastores
a quem fora entregue o cuidado das ovelhas tangeram-nas para a goela dos lobos:

Não posso, porém, negar que todos nesta parte, e eu em primeiro


lugar, somos muito culpados. E por quê? Porque devendo defender
os gentios que trazemos a Cristo, como Cristo defendeu os Magos,
nós, acomodando-nos à fraqueza de nosso poder, e à força do
alheio, cedemos da sua justiça, e faltamos à sua defesa. [...] Cristo
não consentiu que os Magos perdessem a pátria, porque reversi sunt
in regionen suam. (Mt. 2, 12); e nós só consentimos que percam a sua
pátria aqueles gentios, mas somos os que à força de persuasões e
promessas (que se lhes não guardam) os arrancamos das suas terras,
trazendo as povoações inteiras a viver ou a morrer junto das nossas.
Cristo não consentiu que os magos perdessem a soberania, porque
reis vieram e reis tornaram; e nós não só consentimos que aqueles
gentios percam a soberania natural com que nasceram e vivem isentos
de toda sujeição; mas somos os que, sujeitando-nos ao jugo espiritual
da Igreja, os obrigamos, também, ao temporal da coroa, fazendo-os
jurar vassalagem. Finalmente, Cristo não consentiu que os Magos
perdessem a liberdade porque os livrou do poder e da tirania de
Herodes, e nós não só lhes defendemos a liberdade, mas pactuamos
com eles e por eles, como seus curadores, que sejam meios cativos,
obrigando-os a servir alternadamente a metade do ano.

A contradição, de que Vieira se mostra bem consciente, e que o pungia


como um remorso, espelha a condição ambígua da Igreja colonial.

Como poderia uma instituição, que vivia dentro do Estado monárquico,


e à custa dos excedentes deste, desenvolver um projeto social coeso à revelia das
forças que dominavam este mesmo sistema?

A tensão acaba se resolvendo de um de dois modos, ambos infelizes para


os jesuítas. Ou o compromisso, ou a resistência. Na primeira opção, tal como se
deu no Maranhão, todo o processo revelou-se instável, pois se estabeleceu entre
um modelo de subsistência de ritmo lento, a aldeia da missão, e um modelo de
produção agromercantil, o engenho, a fazenda de algodão ou de fumo. Era fatal
que este último exigisse cada vez mais a força de trabalho do primeiro; nesse
momento, o pacto entre o colono e o jesuíta mostra a sua precariedade, e o
enfrentamento se dá no interior de um esquema assimétrico de poderes.

93
UNIDADE 2 | AS ANTÍTESES E PARADOXOS DO BARROCO

Na vila de São Paulo de Piratininga, a resistência levou ao fim que se


sabe: o choque e a expulsão já se haviam dado em 1640, depois de escaramuças
repetidas contra os bandeirantes. As missões do Sul terminariam tragicamente
nos meados do século XVIII. [...]

Em síntese:

Há tipos de índios no Maranhão: os escravos que já estão na cidade; os


que vivem nas aldeias de El-Rei como livres; e os que moram nos sertões.

1) Os escravos da cidade. Estes servem diretamente aos colonos. Como foram


herdados ou havidos de má-fé, devem ter o direito de escolher entre sair do
seu cativeiro ou continuar nos trabalhos que ora fazem. A proposta, no caso,
é oferecer-lhes a liberdade de ir para “as aldeias de El-Rei”, que são missões
jesuíticas apoiadas moralmente pela Coroa.

2) Os escravos das aldeias de El-Rei. O pregador os tem como livres: nada há


a propor.

3) Os que vivem nos sertões. Destes (na verdade, a grande mina das bandeiras e
dos colonos) só poderiam ser tirados aqueles que já estivessem cativos de tribos
inimigas e na iminência de serem mortos. Os colonos os libertariam trazendo-
os à cidade como escravos. É o que se chamava “operação de resgate”, pela
qual os portugueses levavam consigo os condenados, os “índios de corda”.

O caráter frequentemente arbitrário do “resgate” aparece no modo


escarninho com que trata Vieira: “comprar ou resgatar (como dizem) dando o
piedoso nome de resgate a uma venda não forçada ou violenta, que talvez se faz
com a pistola nos peitos.”

O orador ainda concede que sejam retirados do sertão os índios “vendidos


como escravos de seus inimigos, tomados em justa guerra, da qual serão juízes
o governador de todo o estado, o ouvidor-geral, o vigário do Maranhão ou Pará,
e os prelados de quatro religiões, Carmelitas, Franciscanos, Mercedários e da
Companhia de Jesus”. Conforme o julgamento dessas autoridades, iriam para
a cidade os cativos em guerra considerada justa; e para as aldeias, os demais.
Quanto a estes, a proposta é que vivam nas aldeias seis meses por ano, alternando-
os com outros tantos reservados para tratarem de suas lavouras e famílias.

Daí se infere que rigorosamente escravos dos colonos ficariam os índios


de corda e os de “guerra justa”, além daqueles que, consultados, preferissem
continuar sujeitos aos portugueses do Maranhão.

No caso do resgate, o orador vai até o pormenor do preço: duas varas de


algodão, que valem dois tostões. A proposta deveria ser assinada por todos e
submetida à apreciação do rei.

94
TÓPICO 2 | O BARROCO NO BRASIL

Vieira, ao que parece, jogava em um bem certo (a libertação dos índios da


cidade e a segurança dos índios das aldeias missionárias) contra um mal incerto:
a compra de índios por motivo de “guerra justa”, que deveria sempre ser avaliada
pelo critério final das autoridades coloniais e das ordens religiosas sobre as quais
contava influir.

A concessão prometida a interesses futuros era a isca pela qual esperava


persuadir os colonos a soltar as “ataduras da injustiça”. Deslocava-se o eixo da
discussão para o conceito de “guerra justa”; o que era uma forma de contornar o
problema fundamental da licitude, ou não, do cativeiro, questão que as máximas
do Direito Natural e os Evangelhos já tinham solvido pela negativa radical.

No fecho da homilia, depois de tentada a mediação com o interlocutor,


volta à antinomia drástica do bem e do mal: a consciência, de um lado; os
interesses, do outro. E a indignação sobe de ponto: “Saiba o mundo que ainda há
consciência, e que não é o interesse tão absoluto e tão universal senhor de tudo,
como se cuida.”

E com “morras!” ao demônio e à ambição, e vivas a Deus e à consciência,


termina este sermão em que a lógica e a retórica esgrimem para perfazer uma
difícil operação triangular: o menos forte entre os fortes (o jesuíta) se propõe
convencer o mais forte (o colono) a poupar o mais fraco dos três, o índio.

FONTE: BOSI, Alfredo. Vieira ou a cruz da desigualdade. In: Dialética da Colonização. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992. p. 119-148.

95
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você, viu que:

• O Barroco foi caracterizado pela crise de um homem dividido em dois


pensamentos: o conflito gerado pelo temor do pecado e a preocupação com a
salvação da alma.

• Bento Teixeira escreveu, em 1601, Prosopopeia – considerada a primeira epopeia


brasileira, que exalta Jorge de Albuquerque Coelho, terceiro donatário da
capitania de Pernambuco.

• Gregório de Matos empregou o estilo cultista, que consistia em lidar com as


palavras estilisticamente, e explorou também o conceptismo, representado pelo
jogo de ideias, com o objetivo de argumentar e de convencer o leitor.

• O autor conhecido como Boca do Inferno denunciou os vícios do seu tempo, a


desonestidade e a corrupção; é conhecido também por marcar a nossa literatura
com temas que versam sobre a transitoriedade da vida e a perda.

• A antítese, a metáfora, a hipérbole, o hipérbato, além dos elementos mitológicos,


são elementos presentes nos textos de Matos.

• Além da poesia sacra e amorosa, a sátira também marcou a expressão do escritor


Gregório de Matos, o qual criticava as instituições ou pessoas, na censura dos
males da sociedade e dos indivíduos.

• Padre Antônio Vieira teve papel importante na nossa literatura porque seus
Sermões se constituem num conjunto de obras de oratória.

• O religioso Vieira reafirmou a transitoriedade da vida, enfatizando os ideais


de humildade e desapego dos bens materiais. Especialmente no Brasil, o autor
tinha a missão de falar e defender as tribos indígenas, conforme o fez nos
Sermões Dominga da Quaresma e de Santo Antônio aos Peixes.

• Vieira explorou de modo extraordinário a linguagem: a sintaxe, o vocabulário


cheio de conotações.

• Padre Vieira utilizou o conceptismo para persuadir e a retórica para legitimar


seu discurso. Transmitiu um saber sobre a metodologia da pregação, pois
pretendia uma prática educativa imbuída de humanização.

• Manuel Botelho de Oliveira é autor de Música do Parnaso – na qual utilizou a


linguagem cultista em duas feições, uma satírica e outra galante, nesta última
idealizou a mulher pela redondilha camoniana.

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• A Música do Parnaso enaltece a terra brasileira, descrevendo com detalhes
geográficos a região baiana, uma visão da terra natal, envolto em uma atmosfera
lírica, através de símiles, imagens, metáforas e também descreve a natureza tal
como se apresenta.

• Nuno Marques Pereira foi outro representante da literatura do grupo baiano,


autor do Compêndio Narrativo do Peregrino da América, uma narrativa alegórica,
que descreve a conversação entre Peregrino e um ancião.

• Os barroquistas concebiam uma arte que espelhasse suas angústias e incertezas,


substituindo o idealismo impessoal que estava acima do homem. A tradição e
a inovação eram contradições que deveriam ser definidas pela razão, ainda que
estivessem permeadas por questões psicológicas.

• Os pintores e escultores expressaram em sua arte a sensualidade, a melancolia,


o lúdico e a ambiguidade.

• No Brasil, o Barroco resultou numa nova experiência, em decorrência da


realidade geográfica cuja natureza favoreceu as artes em geral, com o intuito de
atrair a fé e demonstrar a emoção do povo.

• A escultura de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, desenvolve-se em Minas


gerais. Ele adaptou sua arte ao ambiente dos trópicos e sujeito à metrópole,
com recursos e valores regionais, constituindo, desse modo, um dos primeiros
momentos de criação genuinamente brasileira.

• A decadência desse pensamento Barroco começa no início do século XVIII em


decorrência de vários fatores; dentre eles, pode-se citar o surgimento das “luzes
do esclarecimento”, o Iluminismo, o qual favoreceu a compreensão do mundo.

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AUTOATIVIDADE

1 Observe os versos do soneto intitulado A instabilidade das


cousas do mundo, de Gregório de Matos: “Nasce o Sol, e não dura
mais que um dia,/Depois da Luz se segue a noite escura,/ Em tristes
sombras morre a formosura,/ Em contínuas tristezas a alegrias”. De
acordo com os versos, a ideia central do texto é:

a) ( ) a duração prolongada do sofrimento;


b) ( ) a falsidade das aparências;
c) ( ) os contrastes da vida;
d) ( ) a duração efêmera de todas as realidades do mundo.

2 Leia o fragmento que segue:

“O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja.
Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão
em xadrez de palavras”. O trecho do Sermão da Sexagésima, do Padre Antônio
Vieira, enfatiza:

a) ( ) Uma crítica aos pregadores que seriam como ladrilhadores, assim


qualificados porque, em vez de espalhar a palavra de Deus como quem
semeia, o faziam de maneira fragmentada.
b) ( ) Uma repreensão aos peixes pelo fato de se comerem uns aos outros.
c) ( ) Os pecadores que exploram a terra, tirando-lhe tudo o que encontram.
d) ( ) Os maus ouvintes, fiéis que não punham em prática os ensinamentos
bíblicos.

3 Quanto à pintura do Mestre Ataíde, representante do Barroco brasileiro, é


correto afirmar:

a) ( ) Havia uma tendência para a utilização da cor preta.


b) ( ) As cores de tons azul e rosa foram banidas da pintura do mestre.
c) ( ) O artista barroco esteve ligado ao misterioso e ao sobrenatural.
d) ( ) Nas cúpulas das igrejas, as técnicas de pintura por ele utilizadas
aumentam a sensação de profundidade do ambiente.

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