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     Introdução

          O Barroco na arte marcou um momento de crise espiritual da sociedade européia. O homem do século XVII
era um homem dividido entre duas mentalidades, duas formas diferentes de ver o mundo. Por isso, o estilo Barroco
é um dos mais complexos que podem ser estudados na literatura Brasileira. A historiografia e a crítica têm oscilado
entre posições que vão da seca de recusa do Barroco, por alegada pobreza temática e exagerada manipulação da
palavra, à quente apologia que fazem à escola dos anatomistas ao estilo, maravilhados com a engenhosidade e
agudeza das produções da época. A posição mais conservadora, mais tradicionalista, tende a ver no Barroco uma
"pérola irregular" *¹, um classicismo imperfeito e obtuso. A posição mais recente, que se abre com os estudos de
Heinrich Wölfflin, tende a ver no Barroco uma constante universal na arte, expressiva dos períodos marcados por
graves conflitos espirituais, e cuja essência é a irregularidade, a exasperação, o retorcimento, o exagero,
caracteristicas opostas à sobriedade e à disciplina clássicas.

          Convivendo com o sensualismo e os prazeres materiais trazidos pelo Renascimento, os valores espirituais -
tão fortes na Idade Média e desprezados pelo Renascimento - voltaram a exercer forte influência sobre a
mentalidade da época. Uma nova onda de religiosidade foi trazida pela Contra-Reforma e pela fundação da
Compania de Jesus. O que decorreu daí foram naturalmente sentimentos contraditórios, já que o homem estava
dividido entre valores opostos. E a arte barroca, que exprime essa contradição, igualmente oscila entre o clássico (e
pagão) e o medieval (cristão), apresentando-se como uma arte indisciplinada.

          Comparado aos outros dois movimentos que integram a Era Clássica, o Classicismo e o Arcadismo, o
Barroco representa um desvio da orientação clássica, já que procurava, ao mesmo tempo, fundir a experiência
renascentista ao reavivamento da fé cristã medieval. Punha em risco, assim, certos princípios muito prezados pela
tradição clássica, como o predomínio da razão e o equilibrio.

          Resumindo, o Barroco tenta conciliar duas concepções de mundo opostas: a medieval e a renascentista.
Assim, valores como o humanismo, o gosto pelas coisas terrenas, as satisfações mundanas e carnais, trazidos pelo
Renascimento, que era caracterizado pelo racionalismo, equilíbrio, clareza e linearidade dos contornos, fundem-se a
valores espirituais trazidos pela Contra-Reforma, com idéias medievais, teocêntricas e subjetiva. Nasce então uma
forma de viver conflituosa, expressa na arte barroca.

          Contexto histórico
          Num contexto de autoritarismo político (com o absolutismo, sistema político baseado na centralização
absoluta do poder nas mãos do rei, que se considerava o Deus na terra), de expansão comercial (com a Revolução
Comercial, cuja política econômica, o Mercantilismo, se baseava no metalismo, na balança comercial favorável e
no acúmulo de capitais), de luta de classes (onde a burguesia, por deter forte poder econômico, pressionava
politicamente a nobreza e o rei, a fim de participar das decisões políticas do Estado Absolutista. Isso era quase
impossível na época, já que a sociedade estava organizada em três camadas sociais impermeáveis: o clero, a
nobreza e o terceiro estado), e crises religiosas (reforma e contra-reforma) que nasceu a arte barroca.

          Um dos traços mais importantes que caracterizam o Barroco é o gosto pela aproximação de realidades
opostas, pelo conflito e pelas contradições violentas. Tal princípio pode ser relacionado com a realidade do homem
barroco, contraditória e em transformação.

          Politicamente, o homem da época sentia-se oprimido; economicamente, contudo, sentia-se livre para
enriquecer. Apesar da possibilidade de ascensão econômica, a estrutura social do Antigo Regime não lhe permitia a
ascensão social.

          No plano espiritual, igualmente se verificaram contradições: ao lado das conquistas e dos valores do
Renascimento e do mercantilismo - que possibilitou a aquisição de bens e prazeres materiais - a Contra-Reforma
procurava restaurar a fé cristã medieval e estimular a vida e os valores espirituais.
          Por esse conjunto de razões é que na linguagem barroca, tanto na forma quanto no conteúdo, se verifica uma
rejeição constante da visão ordenada das coisas. Os temas são aqueles que refletem os estados de tensão da alma
humana, tais como vida e morte, matéria e espírito, amor platônico e amor carnal, pecado e perdão. A construção da
linguagem barroca acentua e amplia o sentido trágico desses temas, ao fazer o uso de uma linguagem de difícil
acesso, rebuscada, cheia de inversões e de figuras de linguagem. Outros temas que são facilmente encontrados são
o sobrenatural, castigos, misticismo e arrependimento.

          A época da Contra-Reforma, e do Barroco é principalmente marcada por uma profunda dualidade. Por um
lado, é o desdobramento do humanismo clássico e do Renascimento, com seus apelos ao racionalismo, ao prazer, ao
"carpe diem" (em latim, "aproveite o dia"). Por outro lado, o homem é pressionado pela Igreja Católica e pelo
protestantismo mais vigoroso a um regresso ao teocentrismo medieval, à postura estóica, à renúncia aos prazeres, à
mortificação da carne e à observância plena do "amar a Deus sobre todas as coisas", princípio capitular do
teocentrismo medieval. Em síntese, o homem do século XVII foi compelido a concilicar o TEOCENTRISMO
MEDIEVAL e o ANTROPOCENTRISMO CLÁSSICO e valores opostos como fé x razão, alma x corpo, Deus x
homem, céu x terra, virtude x prazer. Valemo-nos da apreciação do Prof. Afrânio Coutinho: "O homem do Barroco
é um saudoso da religiosidade medieval e, ao mesmo tempo, um seduzido pelas solicitações terrenas e valores
mundanos, amor, dinheiro, luxo, posição, que a Renascença e o Humanismo puseram em relevo. Desse dualismo
nasceu a arte barroca". (Aspectos da literatura Barroca, RJ, 1950 - pág. 54)

          Vê-se, pois, que a época barroca, o século XVII, foi das mais conturbadas que o homem ocidental viveu. E
mais! Como já foi dito, a escola literária Barroco coincide com o apogeu do Absolutismo Monárquico,
Mercantilismo, Metalismo, do Capitalismo e sua extensão a áreas coloniais, da Burguesia e da Revolução
Comercial. É notório que, se a Literatura é a expressão do homem e de seu tempo (ver O que é Literatura), o estilo
barroco haveria de refletir as angústias, as incertezas e o desespero do homem que viveu essa época difícil.

          Fruto da síntese entre duas mentalidades, a medieval e a renascentista, o homem do século XVII era um ser
contraditório, tal qual a arte pela qual se expressou.

Limites cronológicos: 

          Fica difícil estabelecer limites para uma escola literária, já que as idéias vão mudando com o tempo e as
gerações, gradual e lentamente. Mas, didaticamente, considera-se que o Barroco surgiu no Brasil com a obra
Prosopopéia de 1601, poema épico de autoria do portugues, radicado no Brasil, Bento Teixeira Pinto. É a primeira
obra, dita literária, escrita entre nós. O limite - digamos - final para essa escola foi o ano de 1768, com a publicação
de Obras Poéticas, de Cláudio Manoel da Costa - árcade. No entanto, como o Barroco no Brasil só foi mesmo
reconhecido e praticado em seu final (entre 1720 e 1750), quando foram fundadas várias academias literárias,
desenvolveu-se uma espécie de Barroco tardio nas artes plásticas, o que resultou na construção de igrejas de estilo
barroco durante todo o século XVIII. (As obras de Aleijadinho são o grande exemplo).

         Caracteristicas da linguagem barroca


          Algumas caracteristicas da linguagem barroca merecem especial atenção pela sua peculiaridade e pelo uso
que foi sendo feito de algumas delas em escolas posteriores.

         Requinte formal: O nível linguístico dos textos barrocos é sofisticado. Os textos podem apresentar
construções sintáticas elaboradas, vocabulários de nível elevado. O Barroco Literário foi uma arte da aristocracia e
esse refinamento era desejado por seu público consumidor, porque lhe conferia status.  

        Conflito espiritual: O homem barroco sente-se dilacerado e angustiado diante da alteração dos valores,
dividindo-se entre o mundo espiritual e o mundo material. As figuras que melhor expressam esse estado de alma
são a antítese (emprego de palavras que se opoem quanto ao sentido: bem x mal; branco x preto; claro x escuro) e o
paradoxo (a antitese levada ao extremo, onde as idéias se opoem em termos de sentido: 'sol que se trajava em
criatura"; "anjo que em mulher se mentia"; "rio de neve em fogo convertido").

"Nasce o sol, e não dura mais que um dia,


Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria."

"Alegre do dia entristecido,


O silêncio da noite perturbado,
O resplendor do sol todo eclipsado,
E o luzente da lua desmentido!

          O espirito Barroco é cabalmente expresso no célebre dilema do 3° ato de Hamlet, de Shakespeare: "To be or
not to be, that is the question". ("Ser ou não ser, eis a questão..."

          Temas contraditórios: Há o gosto pela confrontação violenta de temas opostos, como amor / dor, vida /
morte, juventude / velhice, pecado / perdão, dentre outros.

          Efemeridade do tempo e carpe diem: O homem barroco tem consciência de que a vida terrena é efêmera,
passageira, e por isso, é preciso pensar na salvação espiritual. Mas, já que a vida é passageira, sente, ao mesmo
tempo, desejo de gozá-la antes que acabe, o que resulta num sentimento contraditório, já que gozar a vida implica
pecar, e se há pecado, não há salvação.

"...Gozai, gozai da flor da formosura,


Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura..."

"Lembra-te Deus, que és pós para humilhar-te,


E como o teu baixel sempre fraqueja,
Nos mares da vaidade, onde peleja,
Te põe a vista a terra, onde salvar-te..."

          Entendendo que a mocidade é o estágio mais elevado da vida, a idade madura vem a significar decadência.
Para comunicar isso, os textos se servem de imagens plásticas, que são as que envolvem sensorialidade: 

"...goza, goza da flor da mocidade


que o tempo trata a toda a ligeireza,
e imprime em toda flor sua pisada.

Ó não aguardes, que a madura idade,


te converta essa flor, essa beleza,
em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada. "

Mocidade - Maturidade - Morte


Flor - terra - cinza - pó - sombra - nada.

          Desta forma, o tempo atua sobre o ser humano conduzindo-o à decadência. E o poeta refere esse tragico fato
também, de forma plástica, isto é, utilizando-se de uma enumeração gradativa decrescente. A enumeração gradativa
é o uso de uma sequência de palavras cujo significado induz o leitor a imaginar um ser cada vez mais limitado, mais
pobre, mais insignificante: 

Flor, terra, cinza, pó, sombra, nada...


     Essa imagem que vai de flor a nada põe ante os olhos do leitor, e sua imaginação, os conceitos: 
Mocidade - Maturidade - Morte. Isto é, decadência e transitoriedade.

          Paganismo: buscando um traço do Classicismo e da Cultura Greco-Romana, alguns textos barrocos os


deuses da mitologia pagã aparecem para representar um sentimento ou um tema abstrato qualquer.

"Enquanto com gentil descortesia,


o ar, que fresco Adônis te namora,
te espalha a rica trança brilhadora,
quando vem passear-te pela fria:"

Gregório de Mattos

Adonis (ou Adonai) é um ente mitológico


que representa a grande beleza e a vaidade.

          Cultismo ou Gongorismo - O jogo de palavras: Cultismos ou Gongorismo são as denominações que recebeu,


na Península Ibérica, e em colônias ultramarinas, no aspecto do Barroco voltado para o rebuscamento da forma,
para a ornamentação exagerada do estilo, por meio do vocabulário precioso, erudito, eivado de latinismos, para a
inversão da ordem direta da frase, imitando a sintaxe do latim clássico. O termo Cultismo deriva da obsessão
barroca pela linguagem culta, erudita, e o Gongorismo alude ao autor espanhol Luís de Gongora, expoente maior
desse procedimento literário, criador de uma verdadeira escola que tem como seguidores, entre nós, Manuel
Botelho de Oliveira e, em alguns momentos, Gregório de Mattos Guerra.

          O aspecto exterior imediatamente visível no Cultismo ou Gongorismo é o abuso no emprego de figuras de


linguagem, especialmente as semânticas (Metáforas, Antíteses, Hiperboles), as sintáticas (de inversão oracional, de
repetição ou supressão de termos, como Hipérbatos, Anáforas, Anadiploses, Quiasmos e sonoras, Paronomásias,
etc.).

          - Percepção sensorial da realidade: O cultismo explora, também atravez do jogo de palavras, efeitos
sensoriais, tais como cor, forma, volume, sonoridade, imagens violentas e fantasiosas - enfim, recursos que sugerem
a superação dos limites da realidade.

          A uns mártires pendoravam pelos cabelos, ou por um pé, ou por ambos, ou pelos dedos, polegares, e assim,
no ar, despidos, batiam e martelavam com tal força e continuação, os cruéis e robustos algozes (carrascos), que ao
princípio açoitavam os corpos, depois desfiavam as mesmas chagas (feridas), ou uma chaga até que não tinha já
que açoitar nem ferir. A outros estirados e desconjuntados no ecúleo (instrumento de tortura), ou estendidos na
catasta, (cadafasto, em forma de leito, feito em grades, em que se troturavam os mártires) aravam os membros com
pentes e garfos de ferro, a que propriamente chamavam escorpiões, ou metidos debaixo de grandes petras de
moinho, lhes espremiam como em cardar (pentear) o sangue, e lhe moíam e imprensavam os ossos, até ficarem com
uma pasta confusa, sem figura, nem semelhança do que dantes eram. A outros cobriam todos de pez (breu, piche),
resina e enxofre, e ateando0lhes o fogo, os faziam arder em pé como tochas ou luminárias, nas festas dos ídolos,
esforçando-os para este suplício como lhes dar a beber chumbo derretido.

     Neste fragmento, podemos perceber claramente a tentativa de Pe. Vieira de fazer o leitor sentir o que ele descreve, como uma forma de
persuadir seus ouvintes a não se envolverem com idéias de reforma religiosa (o Protestantismo). Para isso, toma como exemplo a
persistência religiosa dos mártires da Igreja Católica e descreve com extrema figuração e utilização de símbolos fortes como eram
torturados esses mártires.

          - Metáfora: (Do grego meta: 'mudança', 'alteração' + phora 'transporte'). É a figura de palavra em que se
emprega um termo por outro, mantendo-se entre eles uma relação de semelhança; é uma espécie de "comparação
abreviada", como em "Seus olhos são esmeraldas", isto é, "seus olhos são verdes".
É a vaidade, Fábio, nesta vida                        (01)
Rosa, que de manhã lisonjeada,                     (02)
Púrpuras mil, com ambição dourada,            (03)
Airosa rompe, arrasta presumida.                  (04)
É planta, que de abril favorecida,                  (05)
Por mares de soberba desatada,                    (06)
Florida galeota empavesada,                         (07)
Sulca ufana, navega destemida.                      (08)
É nau enfim, que em breve ligeireza,              (09)
Com presunção de Fênix generosa,                (10)
Galhardias apresta, alentos preza:                (11)
Mas ser planta, ser rosa, ser nau vistosa       (12)
De que importa, se aguarda sem defesa        (13)
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?   (14)

Gregório de Matos Guerra

     O próprio título do soneto, Dos Desenganos da Vida Humana, Metaforicamente, alude ao emprego intensivo da metáfora. O poema
se entretece a partir de três metáforas da vaidade: rosa, planta, nau (navio), que têm duração efêmera, ainda que se suponham eternas.
     Primeiramente são mostradas as qualidades de cada um desses elementos metafóricos. Como a rosa, a vaidade "rompe airosa"
(elegante); como a planta favorecida pelo mês de abril (quando é primavera na Europa), ela segue rapidamente, feito uma "galeota
empavesada" (embarcação enfeitada); como uma nau ligeira, preza alentos e galhardias (elogios e elegâncias).
     Observe que as metáforas são colocadas nos versos 2, 5 e 9 e, após retomadas nos versos 12 a 14, quando, no último terceto, o poeta as
dispõe em ordem decrescente, inversa: a penha (pedra) destrói a nau, assim como o ferro (instrumento de corte qualquer) destrói a planta e
a tarde (o tempo que passa) destrói a rosa. A conclusão a que se chega, portanto, é que a vaidade é frágil e efêmera. 

            A metaforização intensiva do texto Barroco estabelece, quase sempre, uma identificação sensorial
resultando no aspecto cromático e criando associações surpreendentes. Assim, o poeta barroco diz: "os marfins da
boca" - ao invés de "dentes", "o zéfiro manual" (eu também não sabia o que era isso.. - vento suave:)) - ao invés de
"leque", "a língua dos olhos" - ao invés de "lágrima", "rubi" - ao invés de sangue.
     

          - Antítese (do grego anti, 'contra' + thesis, 'afirmação'): Figura de pensamento que consiste no emprego de
palavras numa oração ou período que se opõem quanto ao sentido. Exemplificando...

"Infalível será em ser homicida


O bem, que sem ser mal motiva o dano
O mal, que sem ser bem apressa a morte."

          - Hipérbato (do grego hipérbaton, 'inversão, 'transposição'): É a figura sintática / de construção que consiste
numa inversão violenta da ordem direta da frase. Citam-se, como exemplo notório, os versos iniciais do Hino
Nacional: 

"Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / De um povo heróico o brado retumbante"


("As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico").

          O hipérbato resulta em certa dificuldade de leitura, como se verifica nos 4 primeiros versos do poema de
Gregório de Matos, acima. Reescrevendo-os, em ordem direta, teríamos: 

"Fábio, a vaidade nesta vida é rosa que, lisonjeada de manhã, arrasta presumida mil púrpuras e rompe airosa com
ambição doirada".

         - Hipérbole (do grego hyperbolè, 'lançar sobre'): Também conhecida como intensificação, é a figura de
pensamento que consiste na ênfase resultante do exagero deliberado, quer no sentido negativo, quer no positivo. É
uma forma de exagerar a verdade, mas com respeito à beleza, seja por amplificação, seja por atenuação. É o que
ocorre em expressões cotidianas como "morreu de rir", "morto de fome", "já te disse quatrocentas bilhões de
vezes....", ou em construções literárias como:

"Rios te correrão dos olhos se chorares.."

           - Perífrase: Também denominada circunlóquio, é a figura de pensamento que consiste na substituição de


uma palavra por uma série de outras, de modo que estas se refiram àquela, indiretamente. Utilizada, em geral, para
evitar a monotonia das expressões gastas ou para criar novas relações metafóricas. É o que ocorre em: "Graças à
onipotência de quem devemos a criação do Universo", que significaria simplesmente "Graças a Deus".

          - Anáfora (do grego ana, 'repetição' + phorá, 'que conduz', 'que leva'): Figura de construção que consiste na
repetição intensional de uma ou mais palavras no início de vários versos.

"A vós, pregados pés, por nõa deixar-me.


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me."

Gregório de Matos Guerra

            A anáfora também pode ocorrer na prosa, quando iniciamos as orações ou peródoso por uma mesma palavra
ou locução. Observando...

"Quando fazem os ministros, o que fazem? Quando respondem? Quando deferem? Quando despacham? 


Quando ouvem?"

Pe. Antônio Vieira

          - Anadiplose: Figura de construção que consiste na reiteração do(s) termo(s) final(ais) de um verso ou oração,
no início do verso subsequente: 

"Ofendi-vos, meu Deus, é bem verdade,


É verdade, senhor, que te hei delinquido,
Delinquido vos tenho, e ofendido
Ofendido vos tem minha maldade".

Gregório de Matos Guerra

          - Paronomásia: Figura de construção que consiste no emprego de vocábulos semelhantes na grafia ou na


pronúncia, mas opostos ou aparentados nos sentidos. Exemplificando...

"Ah, pregadores! Os de cá achar-vos-eis com


mais paço; os de lá com mais passos."

Sermão da Sexagésima - Pe. Antônio Vieira

          - Prosopopéia: Figura de pensamento que consiste em atribuir atitudes animadas ou humanas a seres
inanimados ou irracionais. Exemplificando...

"Agora que se cala o surdo vento


E o rio enternecido com meu pranto
Detém seu vagaroso movimento"

Gregório de Matos Guerra


            - Elipse (do grego élleipsis, 'omissão'): Figura de construção que consiste na omissão de um termo da oração
facilmente identificável, quer por elementos da própria oração, quer pelo contexto. É muito usual em diálogos da
vida cotidiana. Por exemplo, na bilheteria de um teatro, apenas perguntamos " - Quanto custa?". O contexto, a
situação em que foi feita a pergunta leva-nos ao termo omitido - "a entrada".

            - Zeugma (do grego zeûgma, 'junção'): É um caso específico de elipse. Trata-se da omissão de um termo já
mencionado anteriormente.

A vós, correndo vou, braços abertos                        (01)


(...)
A vós, pregados pés, por nõa deixar-me.              (09)
A vós, sangue vertido, para ungir-me,                    (10)
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me."                   (11)

A vós, lado patente, quero unir-me,                          (12)


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,                (13)
Para ficar unido, atado e firme.                                   (14)

Gregório de Mattos Guerra

     Os versos 5, 9, 10, 11, 12, 13 constroem-se com a omissão do verbo, já referido no 1° verso - "correndo vou".
Em todos eles aparece zeugma. Assim, nos versos mencionados, devemos ler: 
"A vós, (correndo vou), pregados pés (...)" / "A vós, (correndo vou) sangue vertido (...)"

            - Gradação: Figura de pensamento que consiste em dispor as idéias em ordem crescente ou decrescente.
Quando o encadeamento se faz em ordem crescente, temos o clímax; quando em ordem decrescente, o anticlímax.

"Oh, não aguardes, que a madura idade


Te converta essa flor, essa beleza,
Em terra, em cinza, em pó, em sombra, em nada."

Gregório de Mattos Guerra

          As figuras apresentadas são apenas algumas das que os autores cultistas empregaram. Caberia ressaltar,
ainda, a preocupação com a originalidade e a renovação da Língua, pela incorporação de neologismos; e mais, a
recorrência a citações eruditas, ao emprego de latinismos e à persistência de alegorias fundadas na mitologia
clássica.

          Conceptismo - A dialética barroca: Define-se o Conceptismo do Barroco voltado para o jogo das idéias, para
a argumentação sutil (sutileza explicada pela necessidade de camuflar as ainda críticas contra a Igreja, já que a
Santa Inquisição estava no seu auge, investigando, levando a julgamento e condenando aqueles que não
contribuiam para a preservação, defesa e propagação da Contra-Reforma e consequentemente das doutrinas
católicas), para a dialética cerrada, que opera por meio de associações inesperadas, ainda fundadas na metáfora e,
especialmente nos procedimentos da lógica formal, como o silogismo, o sofisma e o paradoxo.
 
           Enquanto os Cultistas ou Gongóricos consideravam que a percepção cognoscitiva (= que se pode
conhecer) das coisas deveria processar-se pela captação de seus aspectos sensoriais e plásticos (contorno, forma,
cor, volume), produzindo como resultado um verdadeiro frenesi cromático, visando aprender o como, os
Conceptistas pesquisavam a essência íntima dos objetos, buscando saber o que são, visando à apreensão da face
oculta, apenas acessível ao pensamento, ou seja, aos conceitos; assim, a inteligência, a lógica e o raciocínio ocupam
o lugar dos sentidos, impondo a concisão e a ordem, onde reinavam a exuberância e o exagero.

            Assim, é usual a presença de elementos da lógica formal, dentre outras figuras como: 
          - Silogismo: Dedução formal que, postas duas proposições, uma, verdade universal, outra, particularização
dessa verdade, chamadas premissas, delas se tira uma terceira, logicamente implicada, chamada conclusão. Assim,
temos como exemplo: 

Premissa maior (verdade universal): Todo homem é mortal.


Premissa menor (particularizando...): Eu sou homem.
Conclusão lógica: (Logo,) Eu sou mortal.

           Observemos a construção do terceto final de um soneto sacro de Gregório de Matos que, referindo-se ao
amor de Cristo, diz: 

"Mui grande é o vosso amor e o meu delito;    (09)


Porém pode ter fim todo o pecar,                       (10)
E não o vosso amor, que é infinito.                     (11)

Essa razão me obriga a confiar                          (12)


Que, por mais que pequei, nesse conflito,         (13)
Espero em vosso amor de me salvar."                (14)

Gregório de Matos Guerra

          Esses versos encobrem a formulação silogística, como segue:

Premissa maior (verdade universal): O amor de Cristo é infinito. (verso 11).


Premissa menor (particularizando...): Meu pecado é finito, apesar de grande (9 e 10).
Conclusão lógica: (Logo,) Por maior que seja o meu pecado, eu espero salvar-me (13 e 14).

          Observemos ainda o silogismo que é feito no texto abaixo. O primeiro quarteto aparece como uma verdade
universal - premissa maior - , o segundo como a particularização dessa verdade - premissa menor. Finalizando, vêm
os dois tercetos concluindo o pensamento:

O todo sem a parte não é todo,


A parte sem o todo não é parte,                           Premissa maior
Mas se a parte faz o todo, sendo parte,          - Verdade universal
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo Sacramento está Deus todo,


E todo assiste inteiro em qualquer parte,         Premissa menor
E feito em partes todos em toda parte,              - Particularização
Em qualquer parte sempre fica o todo.

O braço de Jesus não seja parte,


Pois que feito Jesus em partes todo,                   Argumentação
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte desse todo,


Um braço, que lhe acharam, sendo parte,             Conclusão
Nos disse as partes toda deste todo.

Gregório de Matos Guerra

         - Sofisma: É o argumento que parte de premissas verdadeiras e que chega a uma conclusão inadmissível, que
não pode enganar ninguém, mas que se apresenta como resultante de regras formais do raciocínio, não podendo ser
refutado. É um raciocínio falso, elaborado com a função de enganar. Vejamos um sofisma bem simples e claro: 
Premissa maior (verdade universal): Filho de peixe peixinho é. Deus é imortal
Premissa menor (particularizando...): Eu fou filho de Deus.
Conclusão ilógica: Logo, eu sou imortal.

            Evidentemente que esse raciocínio não pode ser encarado dessa forma. No entanto, não existem argumentos
contra ele...

           Gregório de Matos é um mestre também no Sofisma, montando argumentos que são lógicos à primeira vista,
com o objetivo citado: enganar. E na maioria das vezes, ele tenta enganar a Deus, por ser um pecador, não poder
deixar de pecar e mesmo assism almejar a salvação. (Base de todos os conflitos barrocos!). Assim, analisando o
poema anterior, percebemos um sofisma nesse sentido...

Premissa maior (verdade universal): O amor de Cristo é infinito


Premissa menor (particularizando...): O meu pecar é finito
Conclusão ilógica: Logo, o amor de Cristo é maior que o meu delito (e eu seirei salvo).

           Ora, simplesmente o fato do amor de Cristo ser maior que delito não redime o pecador de seus atos. Portanto,
a conclusão a que chegamos no poema é falsa.

          - Metonímia: Figura que, assim como a metáfora, consiste no uso de uma palavra por outra, em virtude de
certa familiaridade que elas têm entre si. Essa familiaridade pode ocorrer empregando-se o concreto pelo
abstrato ("papo-cabeça" - "intelectual"), a causa pela consequência (acabarão com o "verde" do pais? - "as matas"),
divindade pela sua 'função' ("Cupido" ataca novamente - "o amor").

     O soneto abaixo é construido a partir de um sistema de metonímias que vão relacionando as partes de Cristo ("braços", "olhos",
"sangue", "lágrimas","cabeça", "cravos"...), substituindo todo o Cristo crucificado:

A vós, correndo vou, braços abertos


Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me estais abertos,
E, por não castigar-me estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados,


De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me estais fechados.

"A vós, pregados pés, por nõa deixar-me.


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me."

A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Gregório de Mattos Guerra

           Alguns autores entendem que, quando a relação entre os elementos é qualitativa, temos outro tipo de figura,
chamada sinédoque. Essa relação geralmente se dá no Barroco, o todo pela parte:

O todo sem a parte não é todo,


A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte faz o todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.
          - Paradoxo: Figura de linguagem, é uma espécie de antítese, porém bem mais radical. Enquanto a antítese é
uma mera aproximação de elementos opostos, o paradoxo funde-os, quebrando a lógica. Enquanto a antítese é
caracterizada por mostrar palavras de sentidos opostos, o paradoxo poderia ser definido como o emprego de idéias
numa oração ou período que se opõem pelo sentido. Exemplo...

"Começa o mundo enfim pela ignorância


E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância."

"Nos palácios reais se encurtam anos


Porém tu sincopando os aposentos
Mais te deleitas, quando mais te estreitas."

Gregório de Matos Guerra

          - Ironia: Ocorre-se quando se diz alguma coisa, querendo-se dizer exatamente o contrário. Por exemplo, o
namorado se atrasa para o encontro e sua respectiva o diz: "Já chegou?! Tão cedo..."

            Gregório de Matos utiliza MUITO a ironia, principalmente na sua poesia satírica, que não é incluída no
estilo Barroco, por fugir em muito do tema-base da escola, o conflito espiritual, a contradição, a dualidade. (Ver
Gregório de Matos - Satiricas)

Observação importante:

           Cultismo e Conceptismo são dois aspectos do Barroco que não se separam; antes, superpõem-se como as
duas faces de uma mesma moeda. Às vezes, o autor trabalha mais ao nível da palavra, da imagem; busca mais o
argumento, o conceito. Nada impede que o mesmo texto tenha, simultaneamente, aspectos Cultistas e Conceptistas.
Com os riscos inerentes às generalizações abusivas, diz-se, didaticamente, que o Cultismo é predominante na poesia
e o Conceptismo, predominante na prosa. Mas como foi visto, muitos poemas de Gregório de Matos possuem o
conceptismo muito marcante e até mesmo como aspecto principal.

          Herança Barroca
         Na Literatura pouco é efetivamente criado, cada estilo segue um padrão que já foi seguido repetidas vezes.
Isso poderia ser exemplificado da seguinte forma: o Trovadorismo é o estilo medieval, cultivando valores
teocêntricos, o Humanismo é a fase de transição e o Classicismo representa a quebra total com os valores medievais
(Renascimento e Reforma). O Barroco surge num contexto de retomada dos valores medievais (Contra-Reforma), o
Arcadismo faz a retomada dos valores Clássico-Renascentistas (Iluminismo) e assim por diante.

           Notamos que os estilos vão se alternando entre racionalismo e irracionalismo, entre fé e materialismo, entre
subjetividade e objetivismo, etc. O Barroco vem justamente para tentar uma fusão de todos esses valores, e por isso
é um dos mais complexos estilos que podem ser estudados na Literatura Brasileira, já que leva à representação de
um homem cheio de conflitos e instabilidades.

          Na proporção de sua complexidade, está a sua importância. O estilo influenciou e vem influenciando autores
de quase todas as épocas literárias que o sucederam, principalmente os autores do pós-movimento modernista.
Vejamos alguns exemplos de textos que carregam a herança barroca: 

Sentimento de que o mundo é instável e inseguro: O tempo é visto como destruidor,


arrasador. A passagem do tempo traz a velhice e a morte. O homem, que nada pode fazer contra o tempo, se entrega
à angústia, à dor. A vida passa depressa como um dia: 
Dia,
espelho de projeto não vivido
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confrontar-se
Mas só vislumbra o frio noutro frio.

Carlos Drummond de Andrade

O sentimento de que a realidade humana é absurda, sem solução, repleta de contrastes:

O amor não nos explica. E nada basta,


nada é de natureza assim tão casta.

que não macule ou perca a sua essência


ao contato furioso da existência

Nem existir é mais que um exercício


de pesquisar da vida um vago indício

a provar a nós mesmos que, vivendo,


estamos para doer, estamos doendo.

Carlos Drummond de Andrade

A expressão do grotesco, do chocante, do monstruoso: É o "feísmo", ou o "belo horrível"


barroco.

O monumento não tem porta


a entrada é uma rua antiga estreita e torta
e no joelho uma criança sorridente
feia e morta estende a mão

Caetano Veloso - Tropicália

Não é mágoa descrente de outras luzes


tampouco a destra férrea do cansaço.
Apenas não te enlevas, não te iludes
És o rio de súbito estagnado

Deformas-te. Descerra o cílio cardo


sobre o teu sono o pânico em que ruges.
Olho tens, não farol, pois cego e falho
nem roteiro qualquer já repercutes.

Do Letes aprofundas-te no amnésico,


em vão desfolhas teu colar feérico
de esquivas contas, ninfas de outro fasto

Contra o mural verticaliza o corvo


o prenúncio do limbo onde estás morto
sob os grilhões de um deus forjado em asco.

Affonso Ávila
A angústia religiosa, ligada à mistura entre o sagrado e o profano:

Meu Deus, meus Deus,


por que me abandonaste?
se sabias que eu era fraco
se sabias que eu não era Deus?

Carlos Drummond de Andrade

A expressão do conflito, manifestado através da anteposição de imagens e sentimentos


antagônicos:

   Anjo de duas faces

Anjo de duas faces, Bigênito demônio


o sol e as trevas, eis.         solevando punhal,
E vós, Indecisão,         deuses escarnecendo,
serpente me venceis        sois o Bem, sois o Mal?
Sorriso de mulher Anjo de duas faces,
em pose de ivectiva,         duplo lago reflete
o choro da criança     - o olhar de uma condena,
Não morta, semiviva      o olhar de outra promete.

Affonso Ávila

O rebuscamento, sutileza e complexidade das idéias: 

os remédios do amor e o amor sem remédio são as


    quatro coisas e uma só
o primeiro remédio é o tempo
tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta,
    tudo digere, tudo acaba
atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto
    mais a corações de cera?
são as afeições como as vidas, que não há mais certo
   sinal de haverem de durar pouco, que terem
    durado muito.

Affonso Ávila

          É fácil notar que muitos dos exemplos da herança foram versos de C.D. de Andrade. De fato, este grande
poeta contemporâneo tem a "alma barroca", isto é, sua sensibilidade combina com a do estilo barroco, e isso se
manifesta em inúmeros poemas seus.

          A poesia de Affonso Ávila, embora esteja ligada a tendências predominantemente concretistas (seus poemas
buscam, em geral, uma interligação entre os aspectos temático, rítmico e visual), também carrega essa herança
barroca. Tal herança parece ser incorporada e trabalhada de forma consciente pelo poeta, que denominou um de
seus livros de Barrocolagens. Nesta obra, o autor realiza, de fato, colagens de textos de Vieira, Gregório de Matos e
Gôngora, entre outros, misturados a versos de sua autoria, nos quais reproduz o estilo discursivo e a temática
barroca.

          Apesar de possuírem características barrocas, não se pode dizer que os textos de Drummond e Ávila são
barrocos, pois eles se compõem, em sua predominância, de traços que caracterizam a literatura do nosso tempo. A
técnica da colagem de Affonso Ávila, por exemplo, é tendência da arte moderna. Os poemas de Drummond, por sua
vez, apresentam uma visão moderna do universo, ainda que os sentimentos do poeta se manifestem, muitas vezes,
através de formas barrocas de expressão.

          O que ocorre é que temas como o conflito, a morte, o grotesco, o absurdo da vida são eternos, sempre
preocuparam e sempre preocuparão o ser humano. Por razões histórico-sociais, esses temas preocuparam
especialmente o homem barroco. Pode ser que uma situação histórica semelhante volte a ocorrer em nosso século
e, assim, um novo barroco literário torne a se manifestar

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