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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES / DEPARTAMENTO DE


LITERATURA
Prof. Geraldo Augusto Fernandes, Literatura Portuguesa I – 2023.1

TROVADORISMO EM PORTUGAL (1189/1198-1418)

Alaúdes (dois, cabos compridos) viola, cítola, harpa, órgão

Por/ muito tempo, ó amado,


Sei eu que me dedicastes
Grande amor e que ficastes
Muito feliz a meu lado
Falo do tempo passado!
Já passou. João Garcia de Guilhade

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SITES PARA PESQUISA E CONHECIMENTO SOBRE A IDADE
MÉDIA, PRINCIPALMENTE A PORTUGUESA:
Base de dados sobre as cantigas medievais galego-portuguesas, onde estão
disponíveis todas as cantigas, os manuscritos, a música (original e versões/criações
contemporâneas), as iluminuras da Biblioteca da Ajuda: http://cantigas.fcsh.unl.pt/
AHLM – Associação Hispânica de Literatura Medieval: http://www.ahlm.es
Arquivo Português de Lendas (APL) http://www.oct.mct.pt/bds/dout2/index.jsp
Bibliografia de Textos Antigos Galegos e Portugueses: http://gahom.ehess.fr/
Cantigas medievais galego-portuguesas online (Instituto de Estudos Medievais,
Universidade Nova de Lisboa): https://cantigas.fcsh.unl.pt
Cantigas de Santa Maria (Centre for the Study of the Cantigas de Santa Maria
– Universidade de Oxford). Base de dados. http://clarisel.unizar.es/
Corpus informatizado do português medieval (Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa):
http://www.fordham.edu/halsall/newadds.html
GLOSSA - Glossário da poesia medieval profana galego-portuguesa:
http://glossa.illa.udc.es
Cancioneiros medievais: www.cancioneros.org
Música trovadoresca: www.trobar.org/trubadours/index.php

Idade Média
Idade Média (476 a 1453) ficou marcada pelo feudalismo, pela influência
da Igreja, e pelas Cruzadas e Inquisição. Encerrou-se com a crise do
século XIV e a expansão marítima

A Idade Média é o nome do período da história localizado entre os anos 476 e 1453. A
nomeação “Idade Média” é utilizada pelos historiadores dentro de uma periodização que
engloba quatro idades: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Quando nos
referimos à Idade Média, geralmente referimo-nos a assuntos relacionados, direta ou
indiretamente, com a Europa.

A Idade Média iniciou-se com a desagregação do Império Romano do Ocidente, no


século V. Isso deu início a um processo de mescla da cultura latina, oriunda dos
romanos, e da cultura germânica, oriunda dos povos que invadiram e instalaram-se
nas terras que pertenciam a Roma, na Europa Ocidental.

Desse período destacam-se o processo de ruralização que a Europa viveu entre os


séculos V e X; o fortalecimento da Igreja Católica; a estruturação do sistema feudal, não
apenas economicamente mas também política e socialmente. A partir do século XI, o
renascimento urbano e comercial abre caminho para a crise do século XIV, que
determina o fim da Idade Média.

Acesse também: Escolástica: uma importante corrente filosófica da Idade Média

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DESAGREGAÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE

Ruínas do fórum romano na cidade de Roma, Itália

"Desagregação é o termo que os historiadores utilizam para explicar a queda do


Império Romano, que aconteceu em 476 d.C., quando o último imperador
romano, Rômulo Augusto, foi destituído por Odoacro, rei do povo germânico
hérulo. A parte ocidental do império foi ocupada pelos germânicos, e a parte
oriental continuou existindo sob o nome de Império Bizantino.

Crise do Império Romano

A crise do Império Romano iniciou-se a partir do século II-III d.C. Marcaram


esse período a crise econômica, a corrupção, os sucessivos golpes e assassinatos
realizados contra imperadores e, como elemento final, as invasões germânicas.
O século III foi marcado por uma grande sucessão de imperadores, o que
evidenciou a instabilidade desse período, pois, em um período aproximado de 50
anos, o Império Romano teve cerca de 16 imperadores – muitos deles mortos
após conspirações.
Além disso, o fim da expansão territorial romana afetou fortemente a economia.
A partir do século II, o Império Romano passou a priorizar a manutenção do
gigantesco território conquistado. Isso afetou diretamente o sistema escravista,
que era sustentado a partir dos prisioneiros de guerra levados ao Império como
escravos. A crise do sistema escravista foi ampliada na medida em que os povos
conquistados recebiam o direito à cidadania romana.
Esse contexto desencadeou uma crise econômica em razão da diminuição da
produção agrícola e do encarecimento dos alimentos. O encarecimento dos
alimentos gerou fome, e revoltas aconteceram em determinadas regiões. Além
disso, essa crise econômica afetou diretamente a manutenção dos exércitos
localizados nos limes, as fronteiras do Império Romano.

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Germânicos

A crise econômica resultou na diminuição do contingente militar romano e,


assim, as fronteiras tornaram-se vulneráveis aos ataques estrangeiros. As
fronteiras sempre foram ameaçadas por povos estrangeiros, mas, a partir do
século II, essa ameaça acentuou-se e, no século V, tornou-se insustentável com o
fluxo migratório dos germânicos.
Os povos germânicos eram chamados de “bárbaros” pelos romanos por não
compartilharem a mesma cultura e por não falarem latim. Eles habitavam
regiões ao norte e leste das fronteiras do império, que eram chamadas de
Germânia pelos romanos. Além disso, parte dos povos germânicos – em sua
maioria, pagãos – converteram-se ao cristianismo arianista, que havia sido
condenado pela Igreja Católica como heresia. Isso contribuiu para que a
rivalidade entre romanos e germânicos aumentasse. O arianismo era uma
interpretação teológica do Cristianismo que negava a divindade de Jesus Cristo.
As invasões germânicas, em geral, são explicadas pelo resfriamento climático e
pelo aumento populacional, o que criou uma necessidade por melhores terras
para garantir a sobrevivência. Por essa razão, partes do Império Romano (Gália e
Península Ibérica) já haviam sido invadidas desde o século III.
O principal motivo levantado pelos historiadores para explicar a grande
migração germânica do século V foi a chegada dos hunos – um povo nômade
que havia migrado desde as estepes da Ásia Central. Por onde chegavam, os
hunos traziam pânico, e muitos povos escolhiam fugir da presença huna. A
chegada dos hunos causou a migração de dois povos para as terras ocidentais do
Império Romano: ostrogodos e burgúndios.
Em 410, a cidade de Roma foi saqueada pelos visigodos e, a partir daí, uma
sucessão de povos invadiu as terras romanas: alanos, suevos, vândalos,
alamanos, jutos, anglos, saxões, hunos, francos etc. Todos esses povos, ao
perceberem o enfraquecimento da parte ocidental do Império Romano,
instalaram-se nas terras e criaram novos reinos. Muitos deles foram absorvidos
por outros a partir da guerra.
O Império Romano do Ocidente agonizou até 476, quando a cidade de Roma foi
invadida pelos hérulos e o último imperador romano foi destituído. O
estabelecimento dos povos germânicos nas antigas terras romanas levou ao
surgimento de novos reinos, que originaram as nações modernas da Europa. As
transformações que aconteceram nesse processo resultaram na formação das
características que definiram a Europa no auge do período medieval.
Por Daniel Neves

Veja mais sobre "Queda do Império Romano" em:


https://brasilescola.uol.com.br/historiag/queda-imperio-romano.htm

Quando começou e quando terminou a Idade Média?

Como mencionado, a Idade Média é assim chamada dentro de uma periodização,


estipulada pelos historiadores, que a determina entre os anos de 476 e 1453. O que
estipula o início da Idade Média é a destituição de Rômulo Augusto do trono romano,
em 476, e o que estipula seu fim é a conquista de Constantinopla pelos otomanos, em
1453.

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A Idade Média é dividida pelos historiadores em duas grandes fases, que são:
• Alta Idade Média: século V ao século X;
• Baixa Idade Média: século XI ao século XV.

Durante a Alta Idade Média, a Europa passava pelas transformações derivadas da


desagregação do Império Romano e o feudalismo estava em formação. A Baixa Idade
Média foi o período auge do feudalismo e no qual a Europa começou a sofrer
transformações oriundas do renascimento urbano e comercial.

A Idade Média durou de 476 a 1453, e seu nome foi resultado de uma visão negativa que os
renascentistas tinham do período.

Por que o nome “Idade Média”?

O nome Idade Média, usado para referir-se a esse período entre 476 e 1453, foi uma
invenção dos renascentistas. Uma das primeiras menções a essa época como “tempo
médio”, segundo o historiador Hilário Franco Júnior, remonta ao bispo italiano
Giovanni Andrea|1|. Essa ideia popularizou-se no século XVI, durante o renascimento.
O sentido por trás dessa nomenclatura era pejorativo, uma vez que, na visão dos
renascentistas, a Idade Média teria sido um tempo marcado pela interrupção da
tradição clássica, isto é, greco-romana. Nessa perspectiva, tal tradição estava sendo
retomada na época deles, inclusive, por isso, eles chamaram seu próprio período de
“renascimento”.

Eles acreditavam estar vivendo um momento de renascimento intelectual, científico e


artístico. Isso nos leva a concluir que, na ótica renascentista, a Idade Média era um
período ruim, de atraso e de interrupção no progresso humano. Outros grupos, conforme
seus interesses, teciam suas críticas a essa Idade, sempre a taxando como “ignorante”.

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Essa visão negativa fez com que muitos a chamassem de “Idade das Trevas”, um termo
negativo e rechaçado pelos historiadores. A primeira menção à Idade Média dessa
maneira remonta a Francesco Petrarca, que, no século XVI, já a chamava de
“tenebrae”.

Acesse também: A história de Jerusalém, cidade sagrada para os cristãos medievais

Feudalismo

O feudalismo é o termo que usamos para toda organização


social, política, cultural, ideológica e econômica que existiu na Europa durante a
Idade Média. Esse conceito explica a estruturação da sociedade da Europa Ocidental, e
a organização que ele representa existiu, na sua forma clássica, entre os séculos XI e
XIII, aproximadamente.

Do século V ao século X, o feudalismo estava em processo de estruturação, uma vez


que as relações políticas características da vassalagem estavam em formação, o poder da
Igreja Católica estabelecia-se aos poucos, e a ruralização e feudalização da Europa
desenvolviam-se.

Do século XI ao século XIII, o feudalismo estava no seu auge, sobretudo nas regiões
que hoje correspondem à Alemanha, à França, e ao norte da Itália e da Inglaterra. A
partir do século XIV, o sistema feudal entra em decadência, uma vez que a Europa
se urbanizava e o comércio ganhava importância.

No feudalismo, os castelos eram um importante centro de poder, pois neles viviam os senhores
feudais. [1]

No aspecto econômico, podemos dizer que o feudalismo era um sistema baseado


na produção agrícola e na exploração servil dos camponeses. Com o fim do Império
Romano, a Europa Ocidental ruralizou-se e as pessoas empobrecidas passaram a
estabelecer-se nas cercanias de grandes propriedades rurais, à procura de comida e
proteção. Dessa situação criou-se a relação de dependência entre o senhor feudal e o
camponês.

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O senhor feudal, dono das terras, permitia que o camponês ficasse nelas, desde que este
cultivasse-as e entregasse parte do que tinha sido produzido àquele. O camponês era
sujeito a uma série de tributos a serem pagos aos senhores feudais, tais como a corveia,
a talha e a banalidade. O senhor feudal, por sua vez, tinha como obrigação proteger
aqueles instalados em sua propriedade.

No âmbito religioso, a Igreja Católica era dona de grande influência, uma vez que seu
poder chegava a atingir decisões do poder secular. A Igreja também elaborava
a construção ideológica que justificava as desigualdades do mundo feudal. Na visão
estipulada por ela, e abraçada pela nobreza, os servos cumpriam seu papel por uma
designação divina.

A relação de suserania e vassalagem existente entre reis e nobres medievais era uma das principais
formas de organização política na Idade Média.

A sociedade feudal era estamental, isto é, dividida em classes com funções muito bem
definidas, e na qual a ascensão social era bastante difícil. Nela existiam três grandes
classes sociais:

• Nobreza (bellatores): classe privilegiada, detentora de terras, que tinha como


função, dentro da ideologia medieval, proteger a sociedade;
• Clero (oratores): membros da Igreja Católica que cumpriam funções religiosas.
Também era uma classe privilegiada, uma vez que a Igreja detinha riqueza,
poder e terras;
• Camponeses (laboratores): grupo empobrecido que sustentava a sociedade
feudal por meio de seu trabalho e dos altos impostos que pagava.

No aspecto político, a vassalagem era uma das grandes manifestações do feudalismo.
Essa estrutura surgiu por volta do século VIII e estabelecia as relações de poder entre rei
e nobres de cada reino.

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Por meio da vassalagem, o rei (suserano) e os nobres (vassalos) realizam um acordo
estabelecendo laços de fidelidade entre si. Os vassalos recebiam um feudo (terra) e
tinham como obrigação auxiliar o seu suserano na execução da justiça,
na administração do reino e na guerra, se necessário.

Principais acontecimentos

A Idade Média foi muito longa e, logicamente, impactada por diferentes acontecimentos
importantes para a história humana. A Idade Média, em si, é fruto do fim do Império
Romano do Ocidente, após o qual uma série de reinos germânicos estabeleceu-se na
Europa Ocidental.

O caso mais simbólico foi o dos francos, povo germânico que se estabeleceu na Gália e
formou um reino governado, primeiro, pelos merovíngios e, depois, pelos carolíngios.
Estes foram a primeira grande dinastia a governar um reino na Europa, e, por meio
de Carlos Magno, seu principal rei, formaram um império com um território bastante
vasto.

O surgimento do islamismo no século VII marcou um rompimento do Ocidente com o


Oriente, sobretudo quando os muçulmanos conquistaram a Península Ibérica. O avanço
muçulmano na Europa só foi interrompido por Carlos Martel, em 732. Séculos depois,
a Igreja Católica encontrou na guerra contra os muçulmanos uma forma de estender sua
riqueza até o Oriente.

A Inquisição foi um dos eventos mais importantes da Idade Média. Nela, todos aqueles que não
seguiam a doutrina da Igreja eram perseguidos e mortos.

As Cruzadas ocorreram do século XI ao século XII e mobilizaram tropas cristãs contra


os muçulmanos, na Palestina e no norte da África. Ao todo foram nove cruzadas, sendo
a primeira delas convocada pelo Papa Urbano II, em 1095. A nona Cruzada foi
encerrada em 1272, e o objetivo inicial dos cristãos (conquistar Jerusalém) não foi
alcançado.

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Outros destaques que podem ser feitos sobre a Idade Média são o Império Bizantino e o
estabelecimento da Inquisição. Assuntos também relevantes são a cultura e a ciência
medievais, geralmente pouco estudadas.

Acesse também: Os cátaros - saiba como a Igreja tratou esse grupo considerado
herético

Fim da Idade Média

O fim da Idade Média tem relação com o renascimento urbano e comercial que a
Europa experimentou a partir do século XI. Novas técnicas agrícolas permitiram o
aumento da produção de víveres, gerando um excedente que pôde ser comercializado. O
aumento na produção de alimentos garantiu um aumento populacional, mas também do
comércio e, consequentemente, da circulação de moeda.

Com o aumento populacional, o número de pessoas mudando-se para as cidades


aumentou e a quantidade de comerciantes ao redor delas também. O século XIII
intensifica esse processo de êxodo rural, pois as produções agrícolas ruins fizeram com
que muitos buscassem sobreviver nas cidades.

A Peste Negra causou a morte de cerca de 1/3 da população europeia ao longo do século XIV.

O século XIV é quando os historiadores estipulam a fronteira final da Idade Média.


Trata-se de um século de crise, caracterizado por guerras que causaram destruição e
geraram mais fome, e isso resultou na Peste. O século XIV é marcado pela
famosa Peste Negra — surto de peste bubônica responsável pela morte de 1/3 da
população europeia ao longo desse período.

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A fome gerou grandes revoltas de camponeses, sobretudo a partir do século XIII, e o
crescimento urbano colocou fim no isolamento feudal. Revoltas também aconteceram
nas grandes cidades, principalmente pela falta de empregos. Novas estruturas de poder
começaram a surgir, a organização política dos reinos modificou-se e, assim, surgiram
os Estados nacionais.

O enfraquecimento do feudalismo e o fortalecimento do comércio resultaram


no mercantilismo. Quando Constantinopla cai e o comércio com o Oriente fecha-se, a
Europa volta-se para o Oeste. A exploração do Oceano Atlântico abriu novas fronteiras
e consolidou o fim da Idade Média.

Notas
|1| JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo:
Brasiliense, 2006, p. 11.
Crédito da imagem
[1] Lucamato e Shutterstock

Por Daniel Neves


Professor de História

Fonte: Brasil Escola - https://brasilescola.uol.com.br/historiag/idade-media.ht

AMOR CORTÊS MEDIEVAL


Fonte: https://www.historiadomundo.com.br/idade-media/amor-cortes-medieval.htm
Por Cláudio Fernandes

Durante o período histórico conhecido como Baixa Idade Média, que compreende uma
extensão temporal que vai do século X ao século XIV, houve o assentamento das
esferas sociais do medievo. Entre essas esferas estava a aristocracia guerreira,
expressa, sobretudo, pela formação da cavalaria. Da cavalaria derivou-se o
comportamento cortês. As cortes que se formaram em torno dos reis e dos senhores
medievais instituíram regras de conduta social próprias relacionadas com os ideais de
cavalaria. É o caso, por exemplo, do amor cortês.

Nas cortes medievais, desenvolveu-se a prática do fin' amor, ou amour fine (isto é
“amor fino”, amor nobre e puro), que consistia no cortejo praticado por jovens
cavaleiros a damas já casadas com senhores, ou nobres, de alto prestígio social. A dama
era idealizada pelos jovens cavaleiros, que almejavam um padrão, um modelo a ser
seguido, que, por sua vez, estava associado mais diretamente à figura do senhor que
propriamente à vontade de possuir a dama, como bem esclarece o historiador francês,
especialista em História Medieval, Georges Duby:
“Amontoados na corte do senhor [os jovens cavaleiros] esperavam que a dama dele os
distinguisse com um amor sincero e desinteressado. O ideal do amor cortês, tornado
comum aos grandes senhores e aos novos-ricos, constituiu assim um meio de atenuar a
tensão entre os diferentes estratos da nobreza feudal. (...) O amor puro (fin’amor)
celebrava a abstinência, conservando ao mesmo tempo uma coloração carnal e, por isso,
agradava à alta nobreza. A exaltação, ao mesmo tempo alegre e casta, do desejo
suscitado pela mulher amada tomava uma tonalidade quase mística e saciava facilmente
os fantasmas dos mais modestos.” [1]
10
Sendo assim, o amor cortês possuía a característica peculiar de estimular ou sugerir o
desejo de possuir a mulher nobre, em um jogo amoroso praticado entre o senhor feudal
e os jovens cavaleiros. Esse tipo de comportamento, apontam alguns historiadores,
desenvolveu-se em Occitânia, região sudeste da França, por volta do século XII, mas
logo se espalhou para outras regiões, chegando até a Bretanha (hoje, atual Reino
Unido).

Esse tipo de prática cortesã também estava relacionada a duas concepções sobre a união
entre homem e mulher que vigiam na Baixa Idade Média: de um lado, havia o caráter
utilitário e pragmático do casamento, que era “negociado” pela família da donzela; de
outro lado, havia a concepção teológica católica do matrimônio, que especulava tanto
sobre a sacralidade da união entre homem e mulher quanto sobre a pecaminosidade (ou
não) do ato sexual. Esse embate acabou gerando várias teorizações sobre o amor e
também várias obras literárias (contos, lendas, poemas).

Muito do que se escreveu sobre o amor nesse período tinha como fonte principal a obra
do poeta romano Ovídio: Ars Amatoria. É o caso, por exemplo, de três autores: Andreas
Capellanus, com seu livro “De Arte Honeste Amandi”; Chrétien de Troyes, com a
famosa obra “Lancelote”, e, especificamente na esfera eclesiástica, São Bernardo de
Claraval, considerado por muitos o “mestre do divino amor”, com seus volumes: De
diligendo Deo e Sermones Super Cantica Canticorum, ambos com o objetivo de
compreender a extensão dos sentimentos amorosos entre homem e mulher e, também,
de ambos com Deus, ou em Deus. Esses autores figuram entre os principais expoentes
do amor cortês.

A literatura de Chrétien de Troyes, em especial, é emblemática no que se refere ao amor


cortês. Foi a partir de obras como Lancelote que surgiu a principal visão que temos
dessa prática social do medievo. A idealização que Lancelote fez de Guinevere,
tornando-a um paradigma praticamente etéreo e divino de adoração, expressa, em
síntese, o ideal do amor cortês:
“A submissão que Lancelote demonstra em suas ações é acompanhada, do lado
subjetivo, por um sentimento que deliberadamente imita a devoção religiosa. Embora
seu amor não seja, de forma alguma, suprassensorial e seja, na prática, recompensado
carnalmente nesse mesmo poema, ele é representado como tratando Guinevere com
honras de santa, se não de divindade. Quando ele chega perto da cama na qual ela está
deitada, ajoelha-se e a adora. Chrétien admite explicitamente que não
haja sacrossanto em quem ele devotasse mais fé. Quando deixa o quarto dela, faz um
genoflexo, como se estivesse diante de um santuário.” [2]

Outra obra igualmente emblemática sobre esse assunto é o Roman de la Rose (Romance
da Rosa), de Guillaume de Lorris, do século XIII.

NOTAS:
[1] DUBY, Georges (Introd.) et als., Amor e Sexualidade no Ocidente, trad. port. de A.
P. Faria, Lisboa, Terramar, s.d. pp. 108-109.
[2] LEWIS, C. S. Alegoria do Amor: um estudo da tradição medieval. São Paulo: É
Realizações, 2012. p.41.

11
O amor cortesão. Esta iluminura alemã, hoje na Universidade de Heidelberg, mostra um
cavaleiro em atitude vassálica e religiosa (ajoelhado e de mãos juntas) diante de sua dama.
A proximidade física, mas sem contato, e a estudada indiferença da dama, casada e
socialmente superior ao seu cavaleiro, criavam um estado de tensão erótica típico das cortes
feudais dos séculos XII-XIII.

Cavaleiro Medieval - Ilustração

CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL NA IDADE MÉDIA


PORTUGUESA – DATA-SHOW

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A POESIA MEDIEVAL – PROVENÇA

TÓPICOS – POESIA PROVENÇAL

Século XII, Guilherme, 7º conde de Poitiers e 9º duque de Aquitânia, inicia o


movimento da poesia provençal. A Provença fica no sudeste da França e sua língua
denominava-se langue d’oc, em oposição à língua do norte, denominada langue d’oïl.
O conde escrevia em língua vulgar, diferente do costume de tudo ser escrito em latim.
Poesia e canto inventam uma refinada cultura profana em oposição à cultura
eclesiástica.
Fin ‘amors é a arte de amar que será traduzido por amor cortês.
Essa poesia cantava o amor, a joi, para jovens e elabora as bases da arte de trobar que
se espalhará por toda a Europa.
A mulher passa a desempenhar um papel central, pois é ela que conduz e define o jogo
erótico, o trovador será seu servidor.
O amor é inseparável do dezir (desejo), do serviço e da cortesia.
As mudanças políticas do séc. XIII fazem com que as primeiras manifestações eróticas
se transformem em desejo insatisfeito e sofrimento (coita de amor em galego-
português)
Com essas mudanças, os trovadores se espalham para o norte da Itália e para os reinos
peninsulares fazendo nascer a poesia trovadoresca nessas regiões.

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EXEMPLO DE CANTIGA DE AMOR PROVENÇAL

Ab la dolchor del temps novel


Guillem de Peitieu (1071-1127)

Fonte: SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca. SP: Edusp, 1996, pp. 108-109.

Ab la dolchor del temps novel (a) Com a doçura da primavera, os bosques


foillo li bosc, e li auchel (a) se enchem de folhas e os pássaros
chanton, chascus en lor lati, (b) cantam, cada qual em sua linguagem,
segon lo vers del novel chan; (c) consoante ao ritmo do novo canto;
adonc esta ben c'om s'aisi (b) portanto é conveniente uma provisão
d'acho don hom a plus talan. (c) daquilo que mais se deseja.

De lai don plus m'es bon e bel Dali onde está o que para mim existe de
non vei mesager ni sagel, melhor e mais belo, não vejo [vir]
per que mos cors non dorm ni ri, mensagem nem carta; por isso não
ni no m'aus traire adenan, durmo nem rio, tampouco me atrevo a
tro que sacha ben de la fi prosseguir, enquanto não venha a saber
s'el es aissi com eu deman. se tudo haverá de resultar como desejo.

La nostr' amor vai enaissi Com nosso amor acontece como à rama
com la branca de l'albespi do branco-espinho – que fica tremendo
qu'esta sobre l'arbre tremblan, na árvore, durante a noite, à mercê da
la nuoit, a la ploia ez al gel, chuva e do gelo, até que o sol, no dia
tro l'endeman, que.l sols s'espan seguinte, venha espalhar-se pelas folhas
per la fuella vert e.l ramel. e pela ramagem.

Enquer me membra d'un mati Lembra-me ainda aquela manhã em que


que nos fezem de guerra fi, fizemos as pazes e dera-me ela um
e que.m donet un don tan gran, grande presente: seu amor e seu anel.
sa drudari' e son anel: Deus me faça viver até o dia em que
enquer me lais Dieus viure tan possa levar as mãos sob seu manto!
c'aja mas manz soz so mantel.

Qu'eu non ai soing de lor lati Não receio que estranha linguagem me
que.m parta de mon Bon Vezi, afaste de meu Bom Vizinho, pois bem
qu'eu sai de paraulas com van, sei o efeito das palavras que se
ab un breu sermon que s'espel, espalham num breve discurso;
que tal se van d'amor gaban, envaideçam-se os outros do amor que
nos n'avem la pessa e.l coutel. possuem: a nós não falta o necessário.

Das onze composições do trovador excomungado, quatro versam sobre a matéria


amorosa que lançou os cânones da cortesia literária. Há, não só na vida dinâmica e
libertina desse poeta, como também no conteúdo moral de sua poesia, muitos pontos em
comum com o nosso Bocage das sátiras, da poesia do exílio e dos sonetos do fim da
vida; a libertinagem, uma grande experiência do mundo, certa vaidade intelectual e o
arrependimento nos dias finais da existência. Há uma poesia em que o vehemens amator
feminarum faz o balanço da sua vida passada, mostrando-se arrependido das dissipações
da mocidade. Renunciando aos seus grandes ideais de outrora – a cavalaria e a vanglória
14
–, só lhe resta agora morrer honradamente ao pé dos seus amigos a trilhar o caminho
que o conduz ao Senhor.
Além da invocação primaveril, outro tópico que Guilherme IX põe a circular
pela poesia trovadoresca refere-se à sintomatologia passional, possivelmente uma
derivação ovidiana: não durmo nem rio, que penetrou terras galego-portuguesas, como
se pode ver nesta cantiga d’amor de D. Afonso Sanchez, filho do rei D. Dinis:

... perdi o riir.


perdi o ssen e perdi o dormir.

A perda do apetite, que constitui também um estado sintomático da inquietação


amorosa na poesia provençal, não chegou, entretanto, até a galego-portuguesa. O clichê
mais frequente reveste a forma perder o sem e o dormir, embora muitas outras variações
também se encontrem.
Cors (est. II, v 3), no sentido de “pessoa” (“indivíduo”, “eu” (donde: mos cors,
ant. francês mês cors – “minha pessoa”, “eu”), era muito comum na linguagem literária,
tanto na prosa, na poesia lírica, como na poesia épica, do sul ou do norte da França; e na
península Ibérica a mesma significação permaneceu:

Martin Codax:

Eno sagrado, em Vigo,


Bailava corpo velido:
Amor ei!

Bom Vezi (Bom Vizinho), pseudônimo (senhal) com que o trovador oculta o nome da
mulher, um dos cânones do amor cortês, ligado ao segredo com que essas relações
sentimentais se realizavam.

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EXEMPLO DE ALBA NA POESIA PROVENÇAL
Fonte: SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca. SP: Edusp, 1996, pp. 173-175.

Reis glorios, verais lums e clartatz


Giraut de Bornelh (...1165-1199...)

Reis glorios, verais lums e clartatz, (a) Rei glorioso, verdadeira luz e claridade;
Deus poderos, Senher, si a vos platz, (a) Deus poderoso, Senhor, se voz apraz,
Al meu companh siatz fizels aiuda! (b) sede fiel ajuda ao meu companheiro,
Qu'eu no lo vi, pos la nochs fo venguda, (b) pois não o vejo desde que a noite
Et ades sera l'alba (C) chegou e “logo será cedo”!

Bel companho, si dormetz o velhatz, Bom companheiro, se dormis ou velais,


No dormatz plus, suau vos ressidatz! não deveis dormir mais, despertai-vos
Qu'en orien vei l'estela creguda suavemente, pois no Oriente vejo
C'amena.l jorn, qu'eu l'ai be conoguda, crescer a estrela que anuncia o dia – a
Et ades sera l'alba qual conheço bem, “e logo será cedo”!

Bel companho, en chantan vos apel!


No dormatz plus, qu'eu auch chantar l'auzel
Que vai queren lo jorn per lo boschatge
Et ai paor que.l gilos vos assatge
Et ades sera l'alba

Bom companheiro, cantando vos chamo; não


deveis dormir mais, pois ouço cantar o
pássaro que vai pela floresta à procura do dia
e tenho medo que o ciumento (marido) vos
surpreenda, “e logo será cedo”!

Bel companho, issetz al fenestrel Bom companheiro, saí à janela e mirai


E regardatz las estelas del cel as estrelas do céu! E sabereis se vos sou
Conoisseretz si.us sui fizels messatge! ou não fiel mensageiro; se não o
Si non o faitz, vostres n'er lo damnatge fizerdes, o prejuízo é vosso, “e logo será
Et ades sera l'alba cedo”!

Bel companho, pos me parti de vos, Bom companheiro, desde que me


Eu no.m dormi ni.m moc de genolhos, separei de vós, não tenho dormido nem
Ans preiei Deu, lo filh Santa Maria, tenho deixado de estar de joelhos, a
Que.us me rendes per leial companhia, rogar por Deus, o filho de Santa Maria,
Et ades sera l'alba que me devolvesse vossa leal
companhia, “e logo será cedo”!

Bel companho, la foras als peiros Bom companheiro, ali fora na escada
Me preiavatz qu'eu no fos dormilhos, me advertíeis, que eu não fosse
Enans velhes tota noch tro al dia. dorminhoco, senão que velasse a noite
Era no.us platz mos chans ni ma paria inteira até o amanhecer. E agora não vos
Et ades sera l'alba agradam meus cantos nem minha
companhia, “e logo será cedo”!

16
Doce e bom companheiro, estou numa
Bel dous companh, tan sui en ric sojorn morada tão rica (num lugar tão
Qu'eu no volgra mais fos l'alba ni jorn, paradisíaco), que eu desejava não
Car la gensor que anc nasques de maire houvesse alvorada nem dia, pois a mais
Tenc et abras, per qu'eu non prezi gaire gentil que já nasceu de mãe, possuo e
Lo fol gilos ni l'alba. abraço, e por isso pouco me importam a
madrugada e o louco ciumento.

Obra prima do trovador, trata-se de uma Alba, cujo conteúdo é a insistente


advertência do vigia e a rápida mas decisória resposta do amante que desfruta no castelo
do senhor, uma deliciosa entrevista. Esta última estrofe é, todavia, de autenticidade
controvertida. Nesta composição o sinal convencional entre o gaita (vigia encarregado
de velar pela segurança dos amantes) e o namorado é uma canção. O papel do vigia, que
mantinha seu posto nas imediações do sítio ou do castelo onde se desenrola a cena, não
era apenas o de advertência de possível regresso inesperado do marido ciumento (gilós),
mas ainda o de anunciar a estrela d’alva (Vênus) e preservar a entrevista contra a
maledicência dos aduladores (zengiers). As albas galego-portuguesas diferem das albas
provençais. A alba é um gênero que admite uma gama riquíssima de motivos e situações
poéticas: a maldição da brevidade das noites pelos amantes, a revolta destes contra a
anunciação do vigia, a função inútil do gardador (de que é exemplo a presente
composição), a dor incomparável de uma separação desta natureza, a promessa de um
regresso brevíssimo, etc., etc. As albas cujos conteúdos expressam precisamente o
contrário, isto é, a maldição da noite e o desejo incontido de que amanheça, não são da
mesma procedência e estão a atestar uma influência religiosa, uma oposição de ordem
cristã ao declarado caráter adulterino do amor cortês, cuja expressão máxima reside
nesta espécie poética. Seis são os exemplares desta modalidade de Alba sacra, em que a
noite é símbolo do pecado, e o amanhecer o símbolo da glória celestial ou da graça
virginal de Maria.
O conceito que aparece na última estrofe surge também numa Alba de autoria
duvidosa (Gaucelm Faidit ou Bertrand d’Alamano):
Doussa res, s’esser podia
que ia mais alba ni dia
no fos...
(Doce amiga, oxalá não existissem mais nem alba nem dia...)

17
NA POESIA PROVENÇAL, A SURPRESA MANEIRISTA
Fonte: FERNANDES, Geraldo Augusto. Fernão da Silveira, poeta e coudel-mor: paradigma da
inovação no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. 238p. Dissertação. (Literatura Portuguesa). 2006.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

Alguns trovadores provençais, à luz do conceito de originalidade, destacam-se de


forma evidente. Cerveri de Girona/Guilhem de Cervera (...1259-1285...) compôs uma
canção distribuída em estrofes de versos de uma só sílaba, com alternância de outros versos
com duas sílabas. Tal composição foge à rigidez de princípio, ou de princípios, que
norteava as composições poéticas, assim como prescreviam as Leys d’amors1. Na edição de
Riquer, a canção assim se apresenta:
Us
an
chan,
pe-
san,
dre-
çan,
ri-
man,
li-
man,
lau-
gan,
aman
il man
d’en-
ten-
di-
menz
ses
jau-
si-
menz.2

Girona não foi feliz apenas na disposição de sua canção, mas também na
melodia, o que é tautológico, já que os poemas à época eram para ser cantados. Realiza-
se a intenção pontual de evidenciar as terminações em “an", cuja musicalidade não só
pode ter agradado a audiência como uniu forma e fundo: coloca no seu poema a
definição de poeta, que é dispor, rimar, limar, louvar e amar. Para Martín de Riquer,

1
“’Las leys d’amors’ constituyen el mas extenso de nuestros tratados, de gran riqueza en sus partes
gramaticales, retóricas, estilísticas y versificatorias, que si en algo pecan es por el exceso de noticias
nimias y por el afán en clasificar y pormenorizar, pero que reúnen un auténtico tesoro de referencias”.
(RIQUER, Martín de. Los trovadores. Historia literaria y textos. Barcelona: Ed. Ariel, S. A., 2001, Tomo
I. Colección Letras y Ideas, p. 33-34). E, ainda, quanto ao uso das sílabas poéticas: “El cómputo de
sílabas en principio siempre es exacto en la poesía trovadoresca, como es lógico en textos compuestos
para ser cantados con una melodía culta y refinada.” (Ibidem, p. 36).
2
In: RIQUER, idem, ibidem, p. 35-36. A tradução encontrada em Elisa Garrido Gómez é a seguinte: Hace
un año que canto y voy considerando, y disponiendo, rimando, limando, alabando (y) amando los
mandatos de afectos sin gozo. A autora inclui mais uma parte à poesia de Cerveri: “Ni a Sobrepetz, / Ne
Is Cartz, / ne I Rey”, que traduz por “En este canto no puedo incluir de ningún modo a Sobrepetz, a los
Cardos ni al Rey”. (In: Los juegos poéticos de Los Trovadores. Universidad de Sevilla, Junio 2002.
Disponível em <http://boek861.com/juego_poetico.htm>. Acesso em 26.set.2005).
18
Cerveri cultivou, assim como Arnaut Daniel, o “trobar ric”, em que “alcanza a veces
momentos muy logrados3 e “aunque por este camino llega a la extravagancia de
componer una canción con versos de una y dos sílabas4”.
Já um outro trovador provençal, considerado um dos mais criativos, por difícil e
obscuro, registra “el hápax, la voz popular no registrada en léxicos ni usada por otros
escritores y el modismo cuyo sentido no alcanzamos5”. O trovador é Marcabru (...1130-
1149...) que, no poema que segue, desenvolve um tipo de poesia visual, o qual
comprova tanto a originalidade e individualidade desse provençal, quanto as definições
a ele impingidas. A dificuldade e obscurantismo, segundo Martín de Riquer, não se
apresentam apenas na parte filológica do trabalho de Marcabru, mas também no “juego
de ingenio, el doble sentido de una palabra, el valor preciso de los conceptos abstractos
y su mutua relación, la incertidumbre ante la dicción que no se sabe si es grave o
irónica6”. A essas dificuldades quer-se demonstrar que, utilizando-se do conceito de
Maneirismo proposto por Ernst Robert Curtius, a intenção do poeta maneirista é
sobressair-se, e, assim fazendo, torna-se, ante seu público, um artista inventivo, desde
que, é claro, seja original e não se utilize desses maneirismos apenas como
artificialidade. O poema de Marcabru assim se apresenta na edição de Martín de Riquer:

Estornel, cueill ta volada


Estornel, cueill ta volada:
deman, ab la matinada,
iras m’en un’encontrada,
on cugei aver amia;
trobaras
e veiras,
per que vas
comtar l’as;
e.ill diras
en ei pas
per que’er trasalhia.7
Já pela disposição gráfica, nota-se o vínculo forma-fundo: os quatro primeiros
versos em redondilhos maiores assemelham-se às asas abertas para o voo, seguidos de
seis versos trissilábicos, assemelhando-se ao corpo do pássaro. O último verso em
redondilha menor conota, parece, os pés da ave. No poema, pede o “eu lírico” que o
estornino vá, pela manhã, à procura da amada, diga-lhe o motivo da ida e repreenda-a
por ter-se comportado mal. Se, nessa mostra da poesia de Marcabru, o obscurantismo
semelha estar ausente – dada a simplicidade do enunciado – vale assinalar seu gosto
pela construção composicional aliada à motivação do tema.
Ainda dos trovadores provençais, observe-se uma das canções mais conhecidas e
difíceis. Arnaut Daniel (...1180-1195...), um trovador sempre preocupado com o fazer

3
RIQUER, Martín de. Los trovadores. Historia literaria y textos. Barcelona: Ed. Ariel, S. A., 2001,
Tomo III. Colección Letras y Ideas, p. 1563.
4
Idem, ibidem, p. 1563.
5
Idem, ibidem, I, p. 175-176.
6
Idem, ibidem, I, p. 175-176.
7
“I. Estornino, emprende el vuelo: mañana, con el amanecer, irás de mi parte a una comarca donde me
imaginé tener amiga. La encontrarás, la verás y le contarás por qué vás; y le preguntarás en seguida por
qué se há comportado mal” (RIQUER, op. cit., I, p. 211-212).
19
poético, tendo criado, por exemplo, a sextina8, compôs, nas palavras de Martín de
Riquer, um “verdadero laberinto de rimas caras en breves unidades (a veces de una sola
sílaba), lo que implica una expresión elíptica y retorcida que hace posibles varias
interpretaciones”9. A ele se refere Petrarca como possuidor de um “dir strano e bello”,
pois cultivou um vocabulário rebuscado e original10; usou uma singularidade poética,
mesclando palavras que provocam surpresa com rimas raras11. Segue a canção, como
editada por Riquer:
L’Aur’amara fa.ls bruels brancutz
L’aur’amara fa.ls bruels brancutz
clarzir, que.l dous’espeys’ab fuelhs,
e.ls letz becx dels auzels ramencx
te balbs e mutz, pars e non-pars.
Per qu’ieu m’esfortz de far e dir plazers
a manhs? Per ley qui m’a virat bas d’aut,
don tem morir, si.ls afans no.m asoma.12
Martín de Riquer comenta que se nota nas criações do provençal uma esmerada
preocupação formal, tanto com relação à posição das palavras-rimas quanto pela escolha
daquela que siga um caminho “difícil y bello”13. O poeta iria se destacar pela
engenhosidade na escolha das rimas, principalmente porque as usa de forma diversa da
de seus camaradas trovadores, além de usar vocábulos considerados apoéticos. Adverte,
contudo, que é esse um meio de Daniel demonstrar seu desespero e fastio de forma
surpreendente. Assim, coloca na forma a própria expressão de seu sentimento “strano”,
que passa a “dir bello”, como entendeu Petrarca. Ressalve-se que uma leitura afinca de
seus poemas leva a antever preocupações conceptistas pelo deslocamento da metáfora e
da combinação de sons14.
Ao se escolher três trovadores15 que primaram, pela recolha do crítico espanhol,
no aperfeiçoamento do trobar clus, objetivou-se trazer exemplos que contribuem para a
8
Baseia-se a sextina na aparição combinada de palavras no final do verso, com reiteração de vocábulos-
chave, cuja maestria composicional repercutiu com êxito no Renascimento. (Cf. RIQUER, op. cit., II, p.
610).
9
RIQUER, op. cit., II, p. 624.
10
O rebuscamento e originalidade são próprios de qualquer poeta amaneirado, pois “o poema maneirista
mantinha um elo forte com o petrarquismo. Muitos de seus representantes eram seguidores declarados de
Petrarca, a cuja tradição aderiram. Usavam suas formas e expressavam-se com o auxílio de sua
linguagem, que se tornara artificial e impessoal.” (HAUSER, Arnold. Maneirismo: a crise da Renascença
e o surgimento da Arte Moderna. 2 ed. Trad. J. Guinsburg e M. França. São Paulo: Perspectiva, 1994. p.
397). Percebe-se, com essas assertivas, que Petrarca foi beber em Arnaut Daniel e tornar-se referência aos
poetas que nele mesmo beberam.
11
RIQUER, op. cit., II, p. 610.
12
“I. El aura amarga hace aclarar los bosquecillos ramosos, que la dulce espesó con hojas, y mantiene
balbucientes y mudos los alegres picos de los pájaros de las ramas, aparejados y no aparejados. ¿Por qué
yo me esfuerzo en hacer y decir cosas agradables a muchos? Por aquella que me há vuelto de arriba abajo,
de lo que temo morir si no me da fin a los afanes” (Idem, ibidem, p. 624-625). Percebe-se nesta poesia a
expressão montada de palavras “laura” e ela remete a inúmeras poesias de Petrarca escondendo o nome
de sua amada Laura, homenagem explícita a Daniel e louvação daquela a quem servia: “L’aura serena che
fra verdi fronde” (CXCVI), “L’aura celeste che ‘n quel verde lauro” (CXCVII), “L’aura soave al sole
spiega et vibra / l’auro ch’Amor di sua man fila et tesse” (CXCVIII); estas, entre outras, estão presentes
no seu Canzoniere (Torino: Einaudi, 1992. (Classici, 104). Registre-se ainda que há uma tradução desta
poesia de Arnaut Daniel em POUND, Ezra, op. cit., p. 182, elaborada por Haroldo de Campos.
13
RIQUER, op. cit., II, p. 610-624.
14
Idem, ibidem, p. 609-611.
15
Outros poderiam ser incluídos nesse rol: Raimbaut D’Aurenga, Raimbaut de Vaqueiras, Guilhem de
Montanhagol, Sordel e Peire Cardenal, entre os mais conhecidos.
20
discussão da proposta que aqui se dispôs delinear: a de analisar as formas de evidenciar
a inventividade naqueles poetas cuja individualidade aflora e, por isso, são expressão de
futuras estéticas. Sabe-se que os trovadores provençais forneceram a seus sucessores os
meios e artifícios para a criação poética própria de cada região europeia. Na Galiza, os
trovadores galego-portugueses foram beber naqueles antepassados para criarem o tipo
de poesia que seria característico da Península. À parte as cantigas de amigo,
consideradas pelos estudiosos como autóctones, pois revelariam o espírito, a alma do
lado ocidental peninsular, a maioria das cantigas de amor e as de maldizer e de escárnio
seria a continuação da produção provençal.
(...)
´

21
POESIA MEDIEVAL: LITERATURA PORTUGUESA
Fonte: adaptado de VIEIRA, Yara Frateschi. POESIA MEDIEVAL: Literatura Portuguesa. São Paulo,
Ed. Global, 1987

As Artes Poéticas medievais e os próprios poetas estabelecem uma hierarquia entre


compositores e recitadores. Na região da poesia galego-portuguesa:

- Trovador = compõe os poemas e as músicas por mero prazer, sem fazer disso o seu
ganha-pão. Para isso devia ser economicamente independente e na maioria dos casos,
fidalgo;
- Jogral = canta e recita as composições. Papel de divulgador da cultura popular e
vernácula, atingindo desde as camadas mais baixas da população até os castelos reais e
senhoriais
- Segrel = trovador que percorre a cavalo as terras, cantando nas diversas cortes e casas
ricas. Alugando a sua arte, mas não sendo um mero jogral, o segrel constitui um
elemento perturbador da ordem hierárquica trovadoresca.
- Menestrel = (séc. XIII). Músico-poeta. Às vezes, confundido com o jogral, só que
vivia sob a proteção de um nobre e andava de corte em corte.
- Soldadeira ou jogralesca = cantadeira ou dançarina, a soldo, que acompanhava o
jogral. Era de moral duvidosa, muitas vezes.

Os cancioneiros= o Cancioneiro da Ajuda, porque se encontrava quando publicado na


Biblioteca Real da Ajuda, Lisboa. Talvez copiado no século XIII, na corte de Afonso X,
para uso do neto D. Dinis. Carolina Michaëlis de Vasconcelos apresentou edição crítica
com comentários em 1904. CA contém apenas cantigas de amor e não inclui poemas de
Afonso X, nem de D. Dinis e de seus poetas contemporâneos. (310 composições)
O Cancioneiro da Vaticana, descoberto na Biblioteca do Vaticano, publicado em
1875, por Ernesto Monacci, foi copiado nos fins do XV ou começo do XVI por Ângelo
Colocci. Cantigas de amor, de amigo, de escárnio e maldizer, inclusive as de autoria de
D. Afonso e de D. Dinis. (1205 cantigas)
O Cancioneiro da Biblioteca Nacional, copiado no séc. XVI, foi conhecido como
Cancioneiro Colocci-Brancuti, pois foi anotado por A. Colocci. É o mais completo, com
maior número de cantigas mais fragmentos da Arte de Trovar. (1647 cantigas)

Poética medieval= a poesia trovadoresca distingue-se das demais formas poéticas


medievais anteriores a ela por ser profana, em língua vernácula (por oposição às de
produções em latim), silábica (e não quantitativa) e ainda por ser lírica e obra de
indivíduos de identidade conhecida.

Cantigas de amor= ele fala; o emissor é um eu masculino e o destinatário eventual é a


mulher (mia senhor). Tema principal: a coita de amor, tópicos= elogio da dama, sempre
superior ao poeta; serviço amoroso do poeta, o desprezo da mulher, a coita do amor não
correspondido. A mulher é descrita em termos superlativos e abstratos; sua
superioridade é moral, mas nas de escárnio e maldizer é social. Fin’amors: é um amor
que renuncia à possibilidade de realização do desejo amoroso, “que não quer possuir,
mas gozar desse estado de não possessão, amor-Minne contendo não só o desejo sensual
de ‘tocar’ a mulher verdadeiramente ‘mulher’ como o casto afastamento, amor cristão
transposto para o plano secular, que quer ’have and have not’” (Leo Spitzer). O
exercício do amor acaba assumindo o caráter de forma de aprimoramento social, moral
e artístico. A descrição da coita de amor assume geralmente o caráter de argumentação

22
persuasiva que se expressa através de sintaxe complexa, com muita subordinação,
abundância de conjunções causais, temporais, conclusivas, adversativas.

Cantiga de amigo= ela fala; o emissor é um eu feminino, o destinatário é o amigo


(amado); em alguns o destinatário é um confidente: a mãe, a(s) irmã(s), a natureza.
Ambiente campesino: a mulher em geral não é a dama da corte, mas a donzela dos
campos/aldeias. Tema de relação amorosa. Modalidades: dialoga com a cantiga de
amor= a mulher reclama da correspondência ao serviço amoroso do amigo; ora é a
mulher que se queixa de sua coita amorosa provocada pela incorrespondência do amigo
ou pela separação a que os obrigam diversos fatores, como a guerra, a proibição
materna, os trabalhos do mar, ora podemos ainda ouvir a celebração da felicidade do
amor correspondido. Conteúdo semântico mais variado que as de amor. Subespécies=
cantiga de romaria (a amiga convida as confidentes para a ermida a fim de encontrar o
amigo, ou para bailar na frente da igreja, à vista dos amigos, enquanto as mães acendem
velas no santuário); a barcarola ou marinha (confidente é o mar, com barcos, guerra, o
amigo que partiu no navio do rei, a esperança de regresso, os perigos do mar etc.),
alba= gênero provençal que a lírica galego-portuguesa teria adaptado, de tal forma que
se fala de alba quando o tema do amanhecer se relaciona de alguma forma ao amoroso.
Pastorela= original da França, o tema é o debate amoroso entre o cavaleiro e a pastora
(problema= participantes do discurso poético, pois é difícil saber se de amor se de
amigo). Na Arte de Trovar, o problema é resolvido dizendo que se determina pelo que
primeiro fala, ele ou ela.
Possíveis origens das cantigas de amigo=
a) tese arábica (superioridade dessa cultura e a facilidade como ela teria se comunicado
com a cultura cristã. Talvez as carjas moçárabes sejam a origem das cantigas de amigo.
b) tese popular= porque a poesia popular é espontânea, anônima e primitiva, por ser
objetiva, natural e independente da cultura dominante. Ligadas a festividades pagãs
românicas (festas de maio, as maias, p. ex.)
c) litúrgica= não existiria algo puramente popular, mas sim uma estilização de formas
da cultura dominante.

Cantigas de escárnio e maldizer= intenção ofensiva, mais ou menos evidente: se usam


palavras encobertas, equivocadas, são de escárnio, se ofendem abertamente são de
maldizer. O emissor é sempre o homem, com raras exceções (255 de D. Lopo Lias e
talvez a de Pero Larouco, 395). Algumas cantigas de escárnio e maldizer assumem o
caráter de enunciativas, semânticas e métricas das cantigas de amor, consideradas
paródias das de amor. Sirventês= poesia política e moralista provençal, como a paródia
sacra e com temas da literatura carnavalizada. As cantigas de escárnio e maldizer
possuem uma autonomia, uma liberdade formal e expressiva que talvez venham de
outras linhas da tradição poética. Giuseppe Tavani= quatro campos semânticos dessas
cantigas= 1) ultraje; 2) alimentação; 3) polêmica entre os grupos sociais ou categorias
profissionais; 4) obsceno. Não são estanques, mas se sobrepõem de diversas maneiras.

Versificação trovadoresca= a maioria possui três ou quatro estrofes (cobras); a


minoria, de duas. A estrofe mais comum é a de seis versos (palavra na terminologia da
Arte de trovar), unidos por três rimas= abbacc ou ababcc; quando de sete versos, os
seis primeiros se unem por três rimas e o último retoma uma das duas rimas iniciais
(abbacca, abbacca, ababccb). Terceiro tipo= dístico monorrimo mais verso com rima
nova= aab. A maioria é de verso decassílabo (estrofes monométricas), outras são
estrofes monométricas compostas de versos de cinco a dezesseis sílabas, e estrofes

23
polimétricas em 113 combinações diversas. Versos finais (de um a quatro versos)
complementam o desenvolvimento do tema (acabamento de razom). A Arte de trovar as
chama de fiindas que deveriam rimar com a última estrofe ou, se possuir refrão, rima
com este. Cantigas com refrão se opunham às de mestria (que não tinham refrão).
A característica formal da cantiga de amigo é a estrutura de repetição/retorno=
paralelismo, que é sujeito a variações – cada verso é composto de duas partes, uma
variável e outra invariável.
EXEMPLO EM JOAM ZORRO
Per ribeira do rio
Vi remar o navio
E sabor hei da ribeira (refrão) hei= tenho

Per ribeira do alto


Vi remar o barco
E sabor hei da ribeira (refrão)
Quanto às rimas, elas eram muitas vezes assonantes= rimavam as últimas vogais
tônicas, independentemente das consoantes. Na continuação do poema, o recurso
paralelístico pode apresentar nova maneira (numa sequência de oito versos, dispostos
em pares, ou seja quatro dísticos, apenas três versos introduzem novidade no poema).

Vi remar o navio
I vai o meu amigo, I= aí
E sabor hei da ribeira (refrão)

Vi remar o barco
I vai o meu amado
E sabor hei da ribeira (refrão)

E pode continuar:

I vai o meu amigo,


Quer-me levar consigo
E sabor hei da ribeira (refrão)

I vai o meu amado


Quer-me levar de grado de grado= com prazer
E sabor hei da ribeira (refrão)

Função do refrão= mnemônica; relacionado à musica; eram cantados por dois coros,
seguidas por uma parte cantada em comum. O paralelismo, no entanto, não é
exclusividade das cantigas de amigo. Algumas destas não o usam e algumas de escárnio
e maldizer o usam, mas isso é incidente.

24
BREVE TERMINOLOGIA DA POÉTICA TROVADORESCA
Fonte: adaptado de http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp

Leixa-pren (leixa = deixa, e pren= prende) é um recurso estilístico característico das


cantigas de amigo galego-portuguesas. Consiste na repetição dos segundos versos de
um par de estrofes como primeiros versos do par seguinte. Um exemplo de uma cantiga
de Martín de Xinzo:

Como vivo coitada, madre, por meu amado,


ca m'enviou mandado que se vai no ferido: Ca= que
e por el vivo coitada! El= ele

Como vivo coitada, madre, por meu amado,


5 ca m'enviou mandado que se vai no fossado: serviço militar
e por el vivo coitada!

Ca m'enviou mandado que se vai no ferido,


eu a Santa Cecilia de coraçón o digo:
e por el vivo coitada!

10 Ca m'enviou mandado que se vai no fossado,


eu a Santa Cecilia de coraçón o falo:
e por el vivo coitada!

Como se observa, os versos 2 e 5 (os segundos das duas primeiras estrofes) repetem-se
como primeiros da 3ª e 4ª estrofes, respectivamente.

Descordo – cantiga cujas estrofes não obedecem à norma da isometria.


Ver exemplo na página 48

Finda/fiinda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais
(em casos raros, quatro). As cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.
Ver exemplo na página 44

Atafinda ou atá-finda – encavalgamento (enjambement)


Ver página 30

Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo
esquema rimático – abbac / abbac).

A tal estado mi adusse, senhor,


o vosso bem e vosso parecer
que nom vejo a mi nem d'al prazer
nem veerei já, enquant'eu vivo for
u nom vir vós que eu por meu mal vi.

E queria mia mort'e e nom mi vem,


senhor, porque tamanh'é o meu mal
que nom vejo prazer de mim nem d'al
nem veerei já, esto creede bem,
u nom vir vós que eu por meu mal vi. D. Dinis
25
Cobras doblas – estrofes com séries de rimas que se repetem a cada duas estrofes.

Vaiamos, irmana, vaiamos dormer


nas ribas do lago u eu andar vi (beiras) (onde)
a las aves meu amigo.

Vaiamos, irmana, vaiamos folgar


nas ribas do lago u eu vi andar
a las aves meu amigo.

Nas ribas do lago u eu andar vi


seu arco na mãao as aves ferir,
a las aves meu amigo.

Nas ribas do lago u eu vi andar,


seu arco na mãao a las aves tirar,
a las aves meu amigo.

Seu arco na mano as aves ferir


e las que cantavam leixa-las guarir, (sarar)
a las aves meu amigo.

Seu arco na mano a las aves tirar


e las que cantavam non'as quer matar
a las aves meu amigo. Fernando Esquio

Mozdobre/mordobre – processo semelhante ao dobre, mas com variação na flexão da


palavra (exemplo: amar/amei).

Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas
podendo ou não rimar com os versos correspondentes das estrofes seguintes).
Ver exemplo na página 31

Paralelismo: A característica formal da cantiga de amigo é a estrutura de


repetição/retorno, que é sujeito a variações – cada verso é composto de duas partes, uma
variável e outra invariável.
Ver exemplo na página 31

Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as
estrofes (ou seja, além do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos são as
mesmas em todas as estrofes – abbaccca/abbaccca/abbaccca).

Senhor, que de grad'hoj'eu querria,


se a Deus e a vós aprouguesse,
que, u vós estades, estevesse
convosc'e por esto me terria
por tam bem andante
que por rei nem ifante
des ali adeante
nom me cambiaria.
26
E sabendo que vos prazeria
que, u vós morássedes, morasse
e que vos eu viss'e vos falasse,
terria-me, senhor, todavia
por tam bem andante
que por rei nem ifante
des ali adeante
nom me cambiaria.

Ca, senhor, em gram bem viveria,


se u vós vivêssedes, vivesse
e sol que de vós est'entendesse,
terria-me, e razom faria,
por tam bem andante
que per rei nem ifante
des ali adeante
nom me cambiaria. D. Dinis

Tenção – cantiga em que intervêm dois trovadores, que discutem, em estrofes


alternadas, um tema ou uma questão entre si. O primeiro a intervir é considerado, nos
manuscritos, o autor da cantiga. O seu interlocutor tem de manter, na sua resposta, o
esquema formal proposto na 1ª estrofe (métrico, rimático, etc.); a cada interveniente
cabe o mesmo número de estrofes (ou ainda de findas, se a composição as tiver).

- Ai, Paai Soárez, venho-vos rogar


por un meu omen que non quer servir,
que o façamos, mi e vós, jograr
en guisa que possa per i guarir; (aí) (ganhar)
pero será-nos grave de fazer,
ca el non sabe cantar nen dizer
ten, per que se pague d’el quen n’ ouir. (ouvir)

- Martin Soárez, non possi eu osmar (imaginar, calcular)


que no-las gentes queiran consentir
e nós tal omen fazermos poiar (subir, elevar-se)
en jograria; ca, u for pedir, (pois), (onde)
algun verá o vilão seer
trist’e [no]joso e torp’e sen saber,
e aver-s’á de nós e d’el rir (Martin Soárez e Paai Soárez; CBN 144)

27
POESIA TROVADORESCA PORTUGUESA

CANTIGA DA RIBEIRINHA ou CANTIGA DA GUARVAIA


Fonte: PORTAL EDUCAÇÃO
http://www.portaleducacao.com.br/educacao/artigos/32033/cantiga-de-ribeirinha-literatura-
portuguesa#ixzz3SDYb3Imx

A chamada “Cantiga da Ribeirinha” ou “Cantiga da Guarvaia”, do trovador Paio


Soares de Taveirós é considerada a mais antiga composição poética documentada em
língua portuguesa, a data de sua redação foi provavelmente 1189 ou 1198. Essas datas,
no entanto, são motivos de muita discussão entre os filólogos que se dedicam a esses
estudos, e há quem prefira dizer que o poema não pode ter sido feito antes de 1200.
Além disso, o próprio texto ainda não foi definitivamente fixado, havendo
variantes interpretativas que chegam a permitir ver no poema uma cantiga de amor ou
uma cantiga de escárnio e maldizer. Somam-se a isso mais um motivo de dúvidas,
sendo provável que o texto originalmente apresentasse uma terceira estrofe, hoje
perdida. Há até uma hipótese recente que contesta a autoria de Paio Soares de Taveirós,
atribuindo a cantiga a Martim Soares.

No mundo non me sei pareiha,


Mentre me for como me vai,
Ca já moiro por vós – e ai!
Mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
Quando vos eu vi em saia!
Mau dia me levantei,
Que vos enton non vi fea!

E, mia senhor, dês aquel di’, ai!


Me foi a mim mui mal,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e bem vos semelha
D’haver eu por vós guarvaia,
Pois, eu, mia senhor, d’alfaia
Nunca de vós houve nen hei
Valia d’ũa Correa.

(Em português atual)

No mundo não conheço quem se compare


A mim enquanto eu viver como vivo,
Pois eu morro por vós – ai!
Pálida senhora de face rosada,
Quereis que eu vos retrate
Quando eu vos vi sem manto!
Infeliz o dia em que acordei,
Que então eu vos vi linda!
E, minha senhora, desde aquele dia, ai!
As coisas ficaram mal para mim,
E vós, filha de Dom Paio
Moniz, tendes a impressão de

28
Que eu possuo roupa luxuosa para vós,
Pois, eu, minha senhora, de presente
Nunca tive de vós nem terei
O mimo de uma correia.

ENO SAGRADO, EN VIGO – DE AMIGO


Martin Codax
Fonte: http://www.filologia.org.br/anais/anais_022.html

Eno sagrado, en Vigo, (adro da ermida; na Idade Média, apenas uma pequena povoação)
bailava corpo velido : (belo)
amor ei! (tenho)

En Vigo, (e) no sagrado,


bailava corpo delgado: (esbelto)
amor ei!

Bailava corpo delgado,


que nunca ouver’amado :
amor ei!

Que nunca ouver’amigo,


ergas no sagrad’, en Vigo: (exceto, senão)
amor ei!

Que nunca ouver’amado,


ergue’en Vigo, no sagrado:
amor ei!

Quanto à Cantiga, vê-se manifesto um modelo mais complexo de cruzamentos


paralelísticos, a saber:

Padrão 1
Estrofe 1 linha 1 Eno sagrado, en Vigo
Estrofe 2 linha 1 En Vigo, (e) no sagrado,
Estrofe 4 linha 2 no sagrado, en Vigo
Estrofe 5 linha 2 en Vigo no sagrado,

Padrão 2a:
Estrofe 1 linha 2 bailava corpo velido
Estrofe 2 linha 2 bailava corpo delgado
Estrofe 3 linha 1 bailava corpo delgado

Padrão 2b:
Estrofe 3 linha 2 que nunca ouver’ amado
Estrofe 4 linha 1 que nunca ouver’ amigo
Estrofe 5 linha 1 que nunca ouver’ amado

Padrão 3
Estrofe 4 linha 2 ergas no sagrad’, en Vigo:
Estrofe 5 linha 2 ergue’en Vigo, no sagrado (...)

29
Os cantares de amigo apresentam um quadro paisagístico com quase todos os
seus elementos: a costumada espera do amigo no porto depois de sua longa ausência; a
presença da mãe e da irmã como confidentes do drama sentimental da donzela; a igreja
como ponto de referência dos fatos mais importantes da vida amorosa das populações
burguesas da época; e a participação da natureza: as ondas, o mar encapelado, cuja
função é meramente utilitária. A feição paralelística, rudimentar, justifica a repetição
das pequeninas imagens que dão contorno poético a um conteúdo circunstancial. Nas
Cantigas apreciadas, o que se vê é uma evolução na utilização dos recursos que
definiam a criação poética da época, transformando-os numa astuciosa variedade de
combinações que, aliando forma e conteúdo, desenhavam quadros ímpares de situações
comuns e repetidamente vividas pelo lirismo medieval.

SE OJ’O MEU AMIGO – CLVI – DE AMIGO - (Estevam Coelho, n. 322 e 721.


CLVI, NUNES, 1973, p. 142)

Se oj’o meu amigo


soubesse, iria migo: comigo
eu al rio me vou banhar.

Se oj’el este dia (PARALELISMO)


soubesse, migo iria: (PARALELISMO)
eu al rio me vou banhar.

Quem lhi dissess’atanto, tanto


ca já filhei o manto: pois / apanhar
eu al rio me vou banhar.

COMO MORREU QUEM NUNCA BEM – DE AMOR


Paio Soares de Taveirós Fonte: https://cadern0virtual.wordpress.com/category/literatura/

Como morreu quem nunca bem


ouve da rem que mais amou, (coisa; res – latim) (ATAFINDA)
e quem viu quanto receou
d'ela e foi morto por ém: (por isso)
Ai mia senhor, assim moir'eu!
Como morreu quem foi amar
quem lhe nunca quis bem fazer, (ATAFINDA)
e de quem lhe fez Deus veer
de que foi morto com pesar:
Ai mia senhor, assi moir'eu!
Com'ome que ensandeceu, (enloqueceu)
senhor, com gran pesar que viu,
e nom foi ledo nem dormiu (alegre)
depois, mia senhor, e morreu: (ATAFINDA)
Ai mia senhor, assi moir'eu!
Como morreu quem amou tal
dona que lhe nunca fez bem (ATAFINDA)
e quem a viu levar a quem
a nom valia nem a val: (ATAFINDA)
Ai mia senhor, assi moir'eu!
30
A cantiga de Paio Soares de Taveirós trata da coita amorosa, a dor de não
receber amor de quem se ama. A coita amorosa é abordada logo no começo da poesia
quando o poeta diz: “Como morreu quem nunca bem/ ouve da rem que mais amou”,
tendo “ouve” como “recebeu” e “rem” como “coisa”; verificamos que ele não recebeu
afeto nenhum daquela que amava. O texto se dá através de comparações entre o poeta e
outros que também não receberam nada daquelas que amaram. Essas comparações se
dão no início de cada estrofe, através da repetição do termo “como” que inicia todas as
cobras. Por exemplo, no início da segunda estrofe: “como morreu quem foi amar...” e
ainda no refrão: assim morro eu!
Podemos ainda inferir do texto, que o poeta sofre por uma mulher já
comprometida, visto que na última estrofe ele se compara àquele que morreu quando
amou tal dona que nunca lhe retribuiu o amor, e que ainda viu a amada ser levada por
quem não merecia.
Podemos verificar que este poema de amor, obviamente não é de maestria, visto
que podemos perceber claramente o refrão que se repete ao fim de cada estrofe: “assi
moir'eu!” O paralelismo se dá nas comparações no começo de cada estrofe, como já foi
apontado acima, através do termo “como”. Ainda como mordobre temos os termos
“morreu” e “morte”. Constituindo um exemplo de dobre, temos na segunda estrofe o
vocábulo “morreu” no primeiro verso, e “morto” no quarto verso. O mesmo fenômeno
se verifica na primeira estrofe.
Verificamos um exemplo de atafinda (enjambement/cavalgamento) na quarta
estrofe, nos versos 1 e 2: “como morreu quem amou tal / dona que lhe nunca fez bem.”,
notamos nessa passagem a presença de uma única frase que foi dividida em dois versos
sem que isto interrompesse sua fluência e nem o ritmo do poema. Este poema é
composto de versos de oito sílabas.

SEDIA-M'EU NA ERMIDA DE SAM SIMION – DE AMIGO


Mendinho
Fonte: http://www.notapositiva.com/pt/trbestbs/portugues/10_analise_de_poesias_d.htm

Sedia-m'eu na ermida de Sam Simion (seria?, na pequena ilha em Vigo)


e cercarom-mi as ondas que grandes som. Leixa-pren
Eu atendend'o meu amigo! (esperando)
Eu atendend'o meu amigo!

Estando na ermida ant'o altar,


cercarom-mi as ondas grandes do mar.
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!

E cercarom-mi as ondas, que grandes som, Leixa-pren


nom ei [i] barqueiro, nem remador. palavra perduda
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!

E cercarom-mi as ondas do alto mar, paralelismo


nom ei [i] barqueiro, nem sei remar. Leixa-pren
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!

31
Nom ei [i] barqueiro, nem remador, leixa-pren
morrerei eu fremosa no mar maior:
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!

Nom ei [i] barqueiro, nem sei remar Leixa-pren


morrerei eu fremosa no alto mar. paralelismo
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!

Esta é uma cantiga de amigo, mais precisamente uma barcarola, onde a jovem
que narra afirma estar na capela de Sam Simion. Apesar da presença do tema religioso,
o poema se volta muito mais para o mar, onde a jovem espera seu namorado que
demora a chegar, diz ela que morrerá nas ondas do mar.
Podemos pensar nestas ondas a tomá-la como a falta de seu namorado que saiu
nas navegações, e ela o espera na igreja, onde talvez tenham firmado algum
compromisso. Por isso ela se sente sufocada pelo mar. Ela afirma ainda que morrerá no
alto mar, podemos julgar esta afirmação como se ela ameaçasse se lançar ao mar em
busca do namorado, e morreria pois não tem barqueiro, nem sabe remar.
O refrão se repete duas vezes “Eu atendend'o meu amigo!/Eu atendend'o meu
amigo!” esta repetição pode indicar que há muito ela o espera, e que a espera já se torna
cansativa.
Esta cantiga é formada por seis estrofes de quatro versos. É paralelística e de
refrão. Composta de versos decassílabos, e o refrão de versos de oito sílabas métricas.
Todo o texto é paralelístico verificando-se principalmente a existência de leixa-pren,
por exemplo, no segundo verso da terceira estrofe: “non ei [i] barqueiro nem remador”
este verso é retomado na quinta estrofe, e este é apenas um exemplo, o fenômeno ocorre
em todo o texto.
O segundo verso da terceira estrofe caracteriza uma palavra-perduda, visto que
não rima com o outro verso da estrofe: “e cercarom-mi as ondas que grandes som, / nom
ei [i] barqueiro nem remador.”

SE EU PUDESSE DESAMAR – DE AMOR


Pero da Ponte
Fonte: http://www.filologia.org.br/anais/anais_022.html

Se eu pudesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
Se eu podesse coita dar, (sofrimento)
A quem me sempre coita deu.

Mais sol nom posso eu enganar (nem mesmo)


meu coraçom que m'enganou,
por quanto me fez desejar
a quem me nunca desejou.
E per esto nom dormio eu (isto / durmo)
Porque nom poss'eu coita dar,
A quem me sempre coita deu

32
Mais rog'a Deus que desampar
a quem m'assi desamparou,
vel que podess'eu destorvar (pelo menos, ao menos, sequer)
a quem me sempre destorvou.
E logo dormiria eu,
Se eu podesse coita dar,
A quem me sempre coita deu.

Vel que ousass'eu preguntar (pelo menos, ao menos, sequer)


a quem me nunca preguntou
por que me fez em si cuidar,
pois ela nunca em mim cuidou.
E por isto lazeiro eu, (sofrer, penar)
Porque num posso coita dar
A quem me sempre coita deu
Poema de amor, paralelístico e de refrão, onde se verifica a coita amorosa. O
poeta se lamenta por sofrer de amor por certa mulher que por ele nunca sofreu. No
poema ele busca uma maneira de dar a ela a mesma tristeza que ele teve.
Diz ele no final da primeira estrofe: assim me vingaria eu, mostrando o seu
desejo de fazer mal a esta senhora. Apesar disso, na segunda estrofe ele diz que não
pode enganar seu coração que o fez amar a essa pessoa que nunca o amou; afirma nesta
mesma estrofe que não dorme porque não pode fazê-la sofrer. Compreendendo-se esta
incapacidade de fazer mal como indício de que ele não teria a coragem necessária para
cumprir sua vingança e que seu amor por ela o impede de fazer-lhe mal.
Ainda assim, se sentindo incapaz de fazê-la sofrer, ele afirma na terceira estrofe
que pede a Deus que a deixe desamparada.
O refrão se repete ao fim de cada estrofe através de paralelismo, e se alterna em:
“se eu podesse coita dar, a quem me sempre coita deu” na primeira e na terceira
estrofes, e “porque nom poss'eu coita dar, a quem me sempre coita deu” na segunda e na
quarta estrofes. Verificamos um exemplo de mordobre, nesta poesia, na retomada na
terceira estrofe do termo “dormiria” que foi retomado a partir do termo “dormio” que
pertence à segunda estrofe. O texto é composto de muitos mordobres, que são
justamente o elemento que vai trazer a rima para o texto. Podemos indicar, por exemplo:
“mais sol nom posso eu enganar / meu coraçom que m'enganou” versos da segunda
estrofe. Versos compostos de oito sílabas métricas.

NOUTRO DIA, QUANDO M’EU ESPEDI – DE AMOR


Johan Soarez Coelho
Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 25-26
Noutro dia, quando m’eu espedi
de mia senhor, e quando mi-ouv’ a ir (quando tive de ir-me)
e me non falou, nen me quis oïr,
tan sen ventura foi que non morri!
Que, se mil vezes podesse morrer,
mĕor coita me fora de soffrer!
U lh’eu dizi: “con graça, mia senhor”! (quando lhe disse: “com licença, senhora”)
catou-me um pouqu’ e teve-mi en desden; (olhou-me, ponderou)
e porque me non disso mal nen ben,

33
fiquei coitad(o), e con tan gran pavor
que, se mil vezes podesse morrer,
mĕor coita me fora de soffrer!
E sei mui ben, u me d’ela quitei
e m’end’eu fui, e non me quis falar, (dali me fui)
ca, pois ali non morri con pesar,
nunca jamais con pesar morrerei:
que, se mil vezes podesse morrer,
mĕor coita me fora de soffrer!
Cantiga de refrão, 3 cobras singulares. a10 b10, b10, a10 C10 C10 (160:141)
“Morrer mil vezes” é coita preferível à indiferença e à ausência da amada: no
refrão concentra-se o modo hiperbólico de formular não só dor da partida, mas,
principalmente, os efeitos do desden da senhor, tão mais notório porquanto contraposta
ao pesar dele.
Como o refrão se inicia por uma conjunção consecutiva, que, os quatro versos da
estrofe, amarrados por rimas uniformes abba, oferecem minuciosa descriptio das causas
do infortúnio, superlativizadas pelos advérbios de intensidade tan (vv. 4 e 10), bem
como pelo pleonasmo nunca jamais (v. 16), dispostos com simetria e semanticamente
complementares às mil vezes em que a morte assoma como solução. Daí o pavor (v. 10)
para que evolui o estado de espírito inicial.
Ainda garantida a coesão entre refrães e estrofes está a derivatio etimológica
[mordobre] coita / coitado, criando estreita relação, em termos de causalidade, entre
sofrimento e morte. Note-se que o destaque dado a fiquei coitad(o) (v. 10) se deve à
estrutura anastrófica do período, antepondo a oração subordinada (porque me non disso
mal nen ben, v. 9) à principal, em início de verso.
A fala do amante em discurso direto, no v. 7, confere vivacidade à cena de
aproximação frustrada.
EU DIGO MAL, COM’OME FADIMALHO – DE ESCÁRNIO
Pero da Ponte

Fonte: Os Homens entre si: os fodidos e seus maridos nas cantigas de Pero da Ponte, séc. XIII. Paulo
Roberto Sodré. In: LOPES, Denílson. Imagem e diversidade sexual. [s.l.]: Nojosa Ed., 2004, p. 252...

Eu digo mal, com’ome fadimalho, (viril)


quanto mays posso d’aquestes fodidos,
e trob’a eles e a seus maridos;
e hun deles mi pôs mui grand’ espanto:
topou comigu’ e sobraçou o manto (arregaçou)
e quis en mi achantar o caralho. (plantar, cravar)
Ando-lhes fazendo cobras e sões (estrofes e sons)
quanto mays poss’, e and’escarnecendo
d’aquestes putos, que ss’andan fodendo; (pederastas)
e hun d’eles de noit[e] aseitou-me (espreitou-me)
e quis-me dar do caralh[o]: erou-me
e lançou depos min os [seus] colhões! (atrás)

Assim como outras cantigas do repertório de Pero da Ponte dedicadas ao


homoerotismo, “Eu digo mal, com’ome fadimalho” parece implicar a acusação que se

34
solicita aos súditos no Título XXI, “De los que fazen pecado de luxuria contra natura”,
da “Setena partida” de Alfonso X (...). A cantiga do “fadimalho” apresentaria,
considerando-se essa perspectiva acusatória, a gravidade de um delito e apontaria uma
denúncia, por meio da cantiga, dos atos luxuriosos dos “fodidos”. A injúria que o
trovador sofre, ao ser assaltado sexualmente, desencadeia o canto mal humorado cuja
finalidade parece ser a da correção, da punição, iniciada já pela irrisão das “cobras e
sões”. Essa leitura é a que o senso comum geralmente atribui às sátiras produzidas no
medievo: dedo em riste contra os vícios. (...)

FOI UM DIA LOPO JOGRAR – DE MALDIZER


Martim Soares
Fonte: http://www.filologia.org.br/anais/anais_022.html

Foi um dia Lopo jograr (jogral)


a cas d'um infançom cantar (casa)
e mandou-lh'ele por dom dar (como pagamento)
três couces na garganta;
e fui-lh'escass'a meu cuidar, (e foi avarento, na minha opinião)
Segundo com'el canta.

Escasso foi o infançom


em seus couces partir entom, (repartir)
ca nom deu a Lopo entom (pois, porque)
mais de três na garganta;
e mais merece o jograrom, (jogralão – pejorativo)
Segundo com'el canta.

Trata-se de uma poesia satírica, mais especificamente de maldizer visto que o


poeta explicita claramente de quem ele fala. Lopo era jogral, certamente, visto estar
escrito “foi um dia Lopo jograr”, e este tal Lopo foi jograr na casa de um fidalgo em
troca de dinheiro que na poesia é tratado por “dom”. Inferimos pois que o tal fidalgo
não deu a Lopo o pagamento correto, visto que o poeta diz: “escasso foi o infançom”,
onde escasso significa avaro. O poeta afirma que Lopo talvez merecesse que o fidalgo
fizesse pior, pois afirma que mais merecia o jograrom.
O texto é formado de duas estrofes de cinco versos, é de refrão, os três primeiros
versos rimam entre si, o quarto verso rima com o refrão, o quinto verso rima com os três
primeiros.
Percebemos o encadeamento dos versos três e quatro da primeira estrofe “e
mandou-lh'ele por dom dar/ três couces na garganta”. A palavra “escasso” no primeiro
verso é de “pouco” e no segundo, o sentido é de “avareza”, no primeiro quer significar
que o poeta que narra não deu ajuda a Lopo, e no segundo quer dizer que o fidalgo foi
injusto no pagamento; como dobre podemos apresentar no segundo e no terceiro versos
da segunda estrofe a existência em ambos da palavra “entom”.
O refrão: “segundo como ele canta” nos permite inferir, que talvez Lopo fosse
de contar vantagem e, no entanto, foi enganado. Alternam-se os versos de sete e seis
sílabas.

35
MARIA PÉREZ SE MAENFESTOU – DE MALDIZER
Fernão Velho

Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 247-248

Maria Pérez se maenfestou (confessou-se)


n’outro dia, ca por [mui] pecador
se sentiu, e log'a nostro Senhor
pormeteu, pelo mal en que andou,
que tevess' un clérig' a seu poder
polus pecadus que lhi faz fazer (pelos)
o demo, com que x'ela sempr' andou.

Maenfestou-sse, ca diz que s'achou


pecador muyt’, e por én rogador (rogante, pedinte)
foy log' a Deus, ca teve por melhor
de guardar a el ca o que aguardou;
e mentre vyva, diz que quer teer
hun clerigo con que se defender
possa do demo que sempre guardou.

E poys que ben seus pecados catou, (considerou)


de sa mort[e] ouv’ ela gran pavor
e d' esmolnar ouv' ela gran sabor; (dar esmola)
e logu’ enton hun clerigo filhou (recebeu, aceitou)
e deu-lh’ a cama en que sol jazer, (costuma, tem por hábito)
e diz que o terrá, mentre viver.
E est’ afam todo por Deus filhou! (trabalho, cuidado)

E poys que s' este preyto começou (promessa, pacto)


antr'eles ambus, ouve grand'amor.
antr'ela sempr'[e] o demo mayor
ta que se Balteira confessou.
Mays, poys que vyo o clerigo caer (meter-se, instalar-se)
antre'eles ambus, ouvi-a perder
o demo, des que s' ela confessou. LP 50.2 CEM 146

Cantiga de maestria, 4 cobras uníssonas


a10 b10 b10 a10 c10 c10 a 10 (161:31)

Esta é outra das numerosas sátiras contra a soldadeira Maria Pérez, a Balteira,
tendo por tema seu arrependimento – assim o sugere a confissão (vv. 1-3) – agora na
velhice, pela vida desregrada que levou. A singularidade irreverente da cantiga está no
pacto que Maria mantém com o Demônio e no fato de colocar-se entre ele e Deus,
relação autorizada pelo paralelismo em que a Idade Média costuma conceber as duas
entidades ou o sagrado e o profano.
Por essa óptica, o texto mantém lado a lado dois campos semânticos, cujo jogo
de proximidade, entrecruzamento e recuo cria a equivocatio própria da burla: 1)
maenfestou, pecador, pormeteu a nostro Senhor, rogador foy a Deus, gran pavor de as
mort[e], gran sabor d’ esmolnar, hun clérigo filhou, afam por Deus – são todas
expressões que culminam na penitência a que a Balteira parece disposta a se entregar
36
para purificação das culpas; 2) o demo lhi faz fazer, com que x’ ela sempr’ andou, Ca o
que aguardou [o demo], o grand’ amor antr’ ela e o demo mayor, ouvi-a perder o demo
– são referências ao Demônio com quem a Balteira se dá muito bem (sempre, v. 14) e a
quem atribui as reincidências no vício. Entre os dois, Deus e o Diabo, e a interseccioná-
los, está a figura ambígua do clérigo, filhado para garantia de proteção contra as
tentações (vv. 13-14); contudo, os vv. 18-20 revelam outra realidade: deu-lh’ a cama en
que sol jazer, o que suscita o comentário sarcástico do trovador (v. 21). Desse ângulo, a
estrofe IV, cheia de subentendidos na gradatio do poema, opõe demo mayor a demo,
duas personalidades fundidas no gosto resistente da Balteira por pecar.
As cobras uníssonas, de rimas oxítonas, colaboram para manter a harmonia da
polaridade, e os dobres utilizam verbos de ambos espaços sêmicos: andou / aguardou /
filhou e, na última estrofe, confessou.

37
EXEMPLO DE CANTIGA DE SANTA MARIA
Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 281-283

As Cantigas de Santa Maria foram reunidas por Afonso X, o Sábio, na segunda


metade do século XIII. Chegaram até nós por meio de quatro códices: o escurialense I
(E), chamado de “códice de músicos” por trazer iluminuras com instrumentalistas,
indispensáveis aos estudos iconográficos e musicológicos medievais; o códice
escurialense II (T), denominado “rico” pelo requinte de sua composição; o códice
florentino (F), não terminado; e o códice de Toledo (identificado por To), com notação
musical diferente dos demais e muitas vezes propiciando as lições mais satisfatórias dos
textos. (...)
O Cancioneiro mariano afonsino tem uma estrutura de conjunto que o torna
único entre seus congêneres. Baseado em fontes antigas e diversas (...); recolhendo
milagres, lendas, louvores e ladainhas mariológicas (...), Afonso X inovou: deu à sua
coletânea o formato de um rosário, pois a cada dez narrativas de milagres insere uma
cantiga de louvor, reconhecidamente mais pessoal e mais subjetiva do que as outras. (...)
Ainda se poderia acrescentar a este “achado” estrutural uma outra singularidade:
para falar das coisas sagradas, de Maria e de seu Filho, Afonso X utiliza como língua o
galego-português, idioma de prestígio reservado à produção poética peninsular na Idade
Média, sendo que sua obra científica e jurídica foi escrita em castelhano; e,
coerentemente com essa escolha, serve-se dos modelos amatórios cortesãos em voga.
(...)
ESTA É DE SANTA MARIA (CSM 110)
Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 348-350

Tant’é Santa Maria de ben mui conprida, cheia, perfeita


que pera a loar tempo nos fal e vida. (louvar)
E como pode per lingua seer loada
a eu fez porque Deus a ssa carne sagrada
quis fillar e ser ome, per que foi mostrada fazer um filho / homem
as deidad’ em carne, vista e oyda? divindades
Tant’é Santa Maria de ben mui conprida,
que pera a loar tempo nos fal e vida.
Ca tantos son os bēes de Santa Maria, (bens)
que lingua dizer todos nonos poderia, (não nos)
nen se fosse de ferro e noite e dia
non calasse, que ante non fosse falida. Verbo falir
Tant’é Santa Maria de ben mui conprida,
que pera a loar tempo nos fal e vida.
Se purgamēo foss’o ceo estrelado pergaminho
e o mar todo tinta, que grand’ é provado,
e vivesse por sempr’ un ome enssinado
de scriver, ficar-ll-ia a mayor partida.
Tant’é Santa Maria de ben mui conprida,
que pera a loar tempo nos fal e vida.

38
Cantiga de refrão, 3 cobras singulares, rima a uníssona
Refrão A12’ A12’
b12’ b12’ b12’a12’

As três estrofes desta cantiga, de grande beleza, são desdobramento amplificado


do “tópico do inexpremivel” (E.R.Curtius, “acentuação da incapacidade de dominar o
assunto”, pp.166-169), contida no estribilho: uma vida inteira é curta para loar Santa
Maria, tanto é Ela conprida de bēes. O verso alexandrino clássico ajusta-se com
propriedade ao tom grandiloquente e retórico usado para abordar o assunto central: a
maternidade da Virgem, o que A eleva sobre todas as mulheres e dá-Lhe lugar entre os
“mistérios gozosos” do rosário. É por decorrência dessa condição que o texto refere, por
duas vezes, o paradoxo carne sagrada (v. 4) e deidad’ en carne (v. 6), só apreensível à
luz do dogma da Encarnação: para que Jesus pudesse fazer-se Homem (carne), sem
perder sua natureza divina (sagrada), foi necessária a humanidade de Maria. Na mesma
ambiguidade se coloca a lingua (vv. 3 e 9) física, sempre aquém de poder tratar das
coisas intangíveis e sobrenaturais, embora, também paradoxalmente, estas tenham sido
“vistas” e “ouvidas” (v. 6).
Duas esplêndidas metáforas hiperbólicas avultam das estrofes II e III: 1) mesmo
que a língua fosse de ferro e trabalhasse noite e dia até gastar-se, nem assim as
grandezas marianas teriam sido todas ditas. A imagem do ferro (concreta) como
representação de palavras (abstratas) é bastante sugestiva dos interstícios
divino/humano por onde deve caminhar o cantor de Santa Maria; 2) se o céu fosse
pergaminho e o mar tinta – de novo a intersecção entre dois planos – não seria
preenchido mesmo por um escritor que vivesse para sempre, pois as graças de Maria
excederiam.
Conforme diz E. Fidalgo, convém lembrar que esta é a primeira cantiga decimal
depois de encerrado o projeto inicial das cem narrativas de milagres. Dando início,
portanto, às trezentas outras que se somaram àquelas, funciona como um bom Prólogo
ao novo conjunto, assentado no muito que se colheu e no restante, inesgotável, por
tratar.

39
D. DINIS
Sexto rei de Portugal (1279-1325), nascido em Lisboa, conhecido como o Rei Trovador
ou o Rei Lavrador. Filho de Afonso III e de sua segunda mulher, Beatriz, e neto de
Afonso X de Castela, casou-se com Isabel de Aragão, chamada a Rainha Santa. Desde
cedo foi preparado para ser rei pelo seu pai e quando subiu ao trono português,
aclamado em Lisboa (1279), impôs sua autoridade e consolidou a unificação
administrativa e cultural da nação. Quando subiu ao trono português o país encontrava-
se em conflito com a Igreja Católica e imediatamente procurou normalizar a situação
jurando ao Papa Nicolau III proteger os interesses de Roma em Portugal e criando a
Ordem de Cristo ligada à Ordem dos Templários.
Foi essencialmente um rei administrador e não guerreiro, pois embora tenha se
envolvido na guerra com Castela (1295), desistiu dela em troca das vilas de Serpa e
Moura. Pelo Tratado de Alcanises (1297) firmou a Paz com Castela, definindo-se nesse
tratado as fronteiras atuais entre os dois países ibéricos. Para estimular a agricultura,
distribuiu terras a colonos, mandou construir canais e secar pântanos e limitou os
privilégios territoriais da igreja e, por isso, foi cognominado O Lavrador ou O Rei-
Agricultor. Durante seu longo reinado, o comércio também prosperou, com o aumento
da extração de metais, a proteção às feiras e a reorganização da Marinha. Beneficiou a
literatura e mandou traduzir livros latinos e árabes, inclusive a Geografia de Razis.
Adotou o vernáculo nos documentos oficiais e fundou a primeira universidade do país,
que funcionou entre Lisboa e Coimbra, até se fixar nesta última cidade. Poeta e protetor
de trovadores e jograis, também foi apelidado de O Rei-Poeta ou O Rei-Trovador pelas
cantigas que compôs e pelo desenvolvimento da poesia trovadoresca a que se assistiu no
seu reinado. Compôs também cerca de 140 cantigas líricas e satíricas, e permaneceu no
poder até sua morte, em Santarém, e está sepultado no Convento de São Dinis, em
Odivelas. Os últimos anos do seu reinado foram marcados por conflitos internos quando
o herdeiro, futuro D. Afonso IV, achou que o rei favorecesse seu filho bastardo, Afonso
Sanches, entrou em conflito com o pai, mas não chegou a haver guerra civil. Foi o
primeiro rei português a assinar os seus documentos com o nome completo e por isso
presume-se que tenha sido o primeiro rei português não analfabeto.
Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/

PRIMEIROS EXEMPLOS
Fonte: Leticia Eirín García. A visión do amor no cancioneiro de Don Denis. Santiago de Compostela:
Laiovento, 2015.

(3)
Nunca Deus fez tal coita qual eu hei (tenho)
con a ren do mundo que máis amei, (coisa)
des que a vi, e am’e amarei:
noutro dia, quando a fui veer,
o demo lev’a ren que lh’eu falei
de quanto lh’ante cuidaara dizer.
Mais, tanto que me d’ant’ela quitei, partir
do que ante cuidava me nembrei, lembrei
que nulha cousa onde non minguei; diminuir
mais quand’er quis tornar po-la veer
a lho dizer, e me ben esforcei,
de lho contar sol non houvi poder.

40
MÉTRICA
Cantiga de amor, do tipo de mestria. Consta de duas estrofas unissonans de seis
decassílabos agudos, polo que toda a composición presenta unha rima longa ou
masculina.
Rítmica: trátase dunha composición bastante irregular do punto de vista rítmico,
probablemente debido á coita sufrida pólo suxeito poético e ao desconcerto que lle
produce a imposibilidade de falar perante a súa dama.
Esquema métrico:
2 (10a 10a 10a 10b 10a 10b)
I ei er
II

COMENTARIO
O trobador afirma que Deus nunca ocasionou unha coita tan grande como a que
el sente pola muller que amou, ama e amará desde que a viu; e engade (acrescenta) que
dias atrás, cando a foi ver, o demo se apoderou das palabras que previamente pensara
dicirlle (I). Mais en canto se afastou dela lembrou sen falla todo o que trazara no seu
pensamento, e cando novamente quixo voltar a vela para llo dicir, a pesar dos seus
esforzos, non foi capaz de o facer (II).

Continúa esta cantiga glosando o tema da coita como resultado da visión da


dama propiciada por Deus, mais neste caso aparece un novo motivo que se erixe no
elemento central da composición: a impossibilidade da fala do poeta como un dos
efectos da presenza da senhor. Este “desregramento dos sentidos” no namorado,
segundo é denominado por José António Souto Cabo (...), é unha das consecuencias
máis evidentes da forza das cualidades da muller que, a pesar de habitualmente non se
faceren explícitas no cancioneiro de amor galego-portugués, son inherentes a ela e
constitúense en principio e fin do proceso amoroso. Trátase ademais dun topos xa
presente na poesia ovidiana ou na lírica trobadoresca provenzal e francesa.
A estrutura da cantiga está determinada pola aproximación ou separación entre o
namorado e a dama. Así, e despois do contacto visual e namoramento do poeta (vv. 1-
3), este vai ver a súa senhor mais non logra dicirlle as palabras que antes pensara (vv. 4-
6), palabras que lembra unha vez que se afasta da súa presenza (vv. 7-9), para logo
voltar perante ela coa intención de llas contar e, novamente, non ser quen de facelo (vv.
10-12). Aínda tendo en conta a relativa brevidade da composición – consta de doce
versos e dúas estrofas –, temos de ponderar a súa perfecta cohesión interna, debido a
que a metade de cada unha das estrofas refire un aspecto ou momento determinado,
téndomos así catro partes ben diferenciadas mais tamén perfectamente trabadas entre si.
A primeira parte defínese polo seu carácter exordial e polo sintetismo, xa que
unicamente en tres versos e a través dunha hipérbole continuada (Nunca Deus fez tal
coita qual eu hei / con a ren do mundo que máis amei, vv. 1-2), o namorado declara a
súa terríbel coita, da que Deus é novamente responsábel, mais tamén evidencia o amor
absoluto que sente pola súa dama. Este amor ilimitado do poeta atópase (encontra-se)
intensificado, desde o punto de vista retórico, pola acumulación polisindétca do terceiro
verso e pola iteración flexiva de carácter poliptótico que, a través da repetición do verbo
amar en pretérito, presente e futuro, incide na inevitábel pervivencia dese amor ao
longo dos tempos (amei, amo, amarei).
O comezo da segunda parte (vv. 3-6) sitúanos temporalmente noutro dia, cando
o namorado acode a ver a súa senhor e é precisamente de aquí en adiante onde se

41
detecta un desenvolvemento narrativo marcado non só por este tipo de referencias
temporais, senón tamén por unha acumulación de formas verbais – fronte á case total
ausencia de adxectivos –, frecuentemente colocadas en posición de rima. A segunda
estrofa da cantiga tamén presenta unha perfecta trabazón (travamento) delimitada pola
estrtutura anafórica dos versos 7 e 10 (Mais...) que, segundo a nosa proposta estrutural,
encabeza respectivamente as partes terceira e cuarta da composición. Para alén disto,é
facilmente detectábel nesta última agrupación estrófica unha tendencia para o hipérbato,
condicionada probabelmente por esa acumulación e colocación das formas verbais a que
acabamos de aludir.
Noutra orde de cousas, o desregramento dos sentidos do poeta, ou metus
praecludit vocem (Spína), non se limita aquí unicamente á impossibilidade da fala,
senón que tamén implica a “obliteração da razão, esquecimento da mensagem amorosa”
(Spina), segundo evidencian os versos Mais, tanto que me d’ant’ela quitei, / do que ante
cuidava me nembrei (vv. 7-8); isto é, unha vez que se afasta da senhor restabelécese o
seu entendemento e recupera da memoria aquilo que lle queria decir. Así, o namorado
atoparíase no paso previo á perda da razón, á loucura de amor.
Tampouco podemos obviar un aspecto realmente chamativo como é o feito de
non aparecer ningunha ocasión ao longo da cantiga o vocábulo senhor, de maneira que
as referencias á dama veñen dadas polo pronome persoal ou ben a través da perífrase a
ren do mundo que máis amei (v. 2), realmente insólita no corpus profano galego-
portugués. No cancioneiro de amor é habitual atoparmos enunciados do tipo que vos
amei sempre máis d’outra ren (B 404/V 15), Sempre vos eu d’outra ren máis amei (B
409/ V 20) ou que amei sempre máis ca outra ren (A 137/B 258), perífrases en que se
produce unha comparación de superioridade non reversíbel, pois o poeta quere á dama
máis do que a calquera ou cousa (ren) no mundo. Mais neste caso Don Denis introduce
unha variación, de maneira que por sinécdoque, o segundo termo da comparación, a ren,
pasa a se converter no termo absoluto, nun intento por parte do trobador de amplificar
até ao punto máximo o amor que sente pola dama a ren do mundo que máis amei.
Ainda a respecto deste termo, vemos que se produce unha reiteración de ren con
referentes diversos nos versos 2 e 5. O primeiro dos casos, que acaba de ser comentado,
alude á dama, em canto o segundo forma parte da expresión o demo lev’a ren, non moi
común na lírica profana, mais que tamén se documenta noutra cantiga – neste caso de
amigo – do rei Don Denis, Ca demo lev’essa ren (B 561/V164, v. 7). O enunciado
posúe un ton certamente negativo, estabelecéndose así o equívoco e o confronto entre
ambos os exemplos aparecidos no texto. Neste sentido, cómpre reparar en que o termo
demo aparece com certa frecuencia nas cantigas de escarnio e maldizer, mais non é en
absoluto habitual na cantiga de amigo nin na de amor, onde unicamente se rexistran seis
casos, incluindo o presente. Deborah González Martínez (...) di a respecto da presenza
deste vocábulo na composición do rei-trobador que “Deus pode aparecer como artífice
da coita e da dor, sendo a referencia ao demo parte dunha fórmula expresiva achegada á
maldición”, circunstancia que exemplifica á perfección a primeira cobra deste texto (vv.
1-6).
Por último, tamén a voz ante aparece reiterada en tres versos consecutivos (vv.
6-7-8), mais en dous casos funciona como adverbio co sentido de ‘antes, anteriormente’,
e noutro como proposición, vindo a significar ‘diante de, en presenza da senhor’.

(pp. 83-87)

42
SEGUNDOS EXEMPLOS
Fonte: MENDES, Ana Luíza. A Imagem da Dama: O elogio à Senhor nas Cantigas de Amor de Dom
Dinis. ANAIS DO XI EIEM, DA ABREM, 2015

Para nada serve cantar


se o canto não parte do fundo do coração
e, para que o canto venha do fundo do coração,
é necessário que aí dentro exista um verdadeiro amor.
E é por isso que minha poesia é perfeita,
pois para o gozo pleno do amor emprego
a boca, os olhos, o coração e a inteligência.
(SPINA, 1991: 133)

Este é um trecho de uma composição do trovador provençal Bernard de Ventadour


(c.1150-c.1200) que revela a relação existente entre o cantar e o amar. Para o poeta, por
excelência, do amor cortês (SPINA, 1991: 56), a prática trovadoresca é legítima
enquanto deixa transparecer a real situação do trovador que também é amante. E é
justamente por realmente amar que Ventadour diz que sua poesia é perfeita, pois ela
reflete o estado de sua alma. (...)

Proençaes soen mui bem trobar


e dizem eles que é com amor;
mais os que trobam no tempo da frol
e non em outro, sei eu bem que nom
am tam gram coita no seu coraçom
qual m’eu por mha senhor vejo levar.

Pero que trobam e saem loar


sas senhores o mais e o melhor
que eles podem, sõo sabedor
que os que trobam quand’a frol sazom
a e, nom ante, se Deus mi perdom,
nom am tal coita qual eu ei sem parar.

Ca os que trobam e que s’alegrar


vame-no tempo que tem a color
a frol comsigu’e tanto que se for
aquel tempo, logu’em trobar razom
nom am, nem vivem em qual perdiçom
oj’eu vivo, que pois m’a de matar. (LANG, 2010: 228)

Nesta cantiga, Dom Dinis (1261-1325), reconhece a qualidade do trovar dos provençais,
porém, questiona se esse trovar provém de um sentimento sincero. Diante disso
podemos deduzir que o rei-trovador considera que o trovar se relaciona intimamente
com a sinceridade amorosa que intenta transmitir. Segundo o rei português, os
provençais amam somente no tempo da frol, ou seja, na primavera, o que significa dizer
que não amam verdadeiramente, pois o amor não tem estação, não é determinado por
ela.

43
Ora, Ventadour também é da mesma opinião. Na cantiga com que iniciamos
identificamos inclusive o reconhecimento da perfeição da sua composição pelo fato de
que ela foi inspirada por um sentimento verdadeiro. Como, então, podemos entender
esse questionamento de Dom Dinis? Primeiramente, devemos reconhecer o fato de que
Ventadour e Dinis são de séculos diferentes. Portanto, Dinis generaliza. Posiciona-se na
frente de todos os provençais. Questiona a arte trovadoresca provençal. Arte que lhe era
conhecida. Dinis foi educado para ser rei e para ser trovador, por isso conhecia as
técnicas do trovadorismo provençal. Um dos elementos que identificava os trovadores
era justamente a educação artística. Esta educação lhes conferia o nome trovadores, daí
se explica o orgulho dessa denominação (SPINA, 1991: 75) e a afirmação perante aos
jograis e segréis16, seres diferentes do ponto de vista social e artístico.

(...)

No tocante ao elogio à dama, que no contexto ibérico será a senhor, uma vez que não
havia o signo feminino desta palavra, ela será, assim como as diretrizes do amor cortês,
a mais fremosa de todas as mulheres. E é justamente por esse motivo que o trovador lhe
rende o seu amor e declara a sua coita por não ter esse amor correspondido. A senhor
também será amada por ter mesura, ou seja, delicadeza, cortesia. Tal característica é
cobrada, no amor cortês, ao amante. Ele deve tratar a dama com mesura. Instigante
pensar que em uma de suas cantigas, Dom Dinis reconhece o mesmo em sua senhor:

Pois mha ventura tal é ja


que sodes tam poderosa
de mim, mha senhor fremosa,
por mesura que em vós a,
e por bem que vos estará,
pois de vós nom ei nenhum bem,
de vós amar nom vos pes em,
senhor.
(LANG, 2010:235)

A mesura é, pois, um tema extremamente importante na construção da poética cortês.


Em outra cantiga, Dom Dinis brinca com este elemento, como se estivesse atormentado
por ter que cumprir a mesura e querer quebrá-la:

Vós mi defendestes, senhor,


que nunca vos dissesse rem
de quanto mal mi por vós vem;
mais fazede-me sabedor,
por Deus, senhor, a quem direi
quam muito mal eu ja levei
por vós, se nom a vós, senhor. (LANG, 2011:130)

(…) Nesta cantiga, Dom Dinis confessa sofrer pela sua senhor e pergunta a quem
poderá contar sobre esse sofrimento. Segundo as regras da mesura ele não deve contar a
16
Esse termo foi utilizado para designar, no século XIII, o jogral que além de executar também compunha
as cantigas, porém, não foi nesta acepção que o termo foi empregado pelos investigadores do assunto.
Além desses personagens do movimento trovadoresco também existiam as soldadeiras, dançarinas ou
cantoras que acompanhavam os jograis. Sobre esse assunto vide: LANCIANI, Giulia; TAVANI,
Giuseppe. Dicionário da literatura medieval galega e portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993.
44
ninguém, pois ninguém deve saber a quem devota o seu amor. Assim, ele canta o seu
pesar na cantiga, para a sua amada. Dinis joga com os lugares-comuns do amor cortês,
afirmando que não há como se ter mesura sem um indício de desmesura (NOBRE,
2001: 56). É nessa perspectiva que também podemos analisar outra cantiga:

Preguntar-vos quero por Deus,


Senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bom prez, atafinda
que pecados foram os meus
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.

Pero sempre vos soub’ amar no entanto


dês aquel dia que vos vi,
mais que os meus olhos em mi;
e assi o quis Deus guisar proporcionar
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.

Des que vos vi, sempr’o maior


bem que vos podia querer, atafinda
vos quiji a todo meu poder;
e pero quis nostro senhor
que nunca tevestes por bem
de nunca mi fazerdes bem.

Mais, senhor, a vida com bem fiinda


se cobraria bem por bem.
(LANG, 2011: 229)

À senhor, mesurada e de bom prez, ou seja, de boas qualidades e, portanto, digna de ser
amada, Dinis pede por um bem. Ele reclama que nunca, desde o momento em que viu
sua senhor, momento a partir do qual passa a amá-la, ela quis lhe fazer o bem. Este bem
é uma recompensa pelo seu amor. A recompensa poderia ser um presente, poderia ser
um olhar, uma correspondência ao amor do trovador. Ou algo mais. Sim, pois o amor
cortês pregava certa continência, não a castidade. O amor cortês, com todos os seus
artifícios, dialoga com um sensualismo que pulsa sob a cobertura do amor idealizado.
(BARROS, 2007: 89)

A senhor de Dom Dinis é, assim como a dama dos provençais, idealizada, sem
correspondência na realidade. Talvez uma cantiga possa dizer o contrário:

Pois que vos Deus fez, mha senhor,


fazer do bem sempr’ o melhor,
e vós em fez tam sabedor,
unha verdade vos direi,
se mi valha nostro senhor:
erades bõa pera rei.

E pois sabedes entender


sempr’ o melhor e escolher,
45
verdade vos quero dizer,
senhor, que servh’ e servirei:
pois vos Deus atal foi fazer,
erades bõa pera rei.

E pois vos Deus nunca fez par


de bom sem nem de bem falar,
nem fará ja, a meu cuidar,
mha senhor, por quanto bem ei,
se o Deus quizesse guisar,
erades bõa pera rei.
(LANG, 2011: 204-205)

A senhor aqui cantada, assim como a das demais cantigas, não se compara a nenhuma
outra no mundo. Deus a fez sem par, tanto no julgamento quanto no falar. Porém, nesta
cantiga acrescenta-se mais uma característica extremamente interessante. A senhor é tão
perfeita que erades bõa pera rei. Ou seja, ela era perfeita para um rei. Que senhor seria
perfeita para o rei Dom Dinis? Sim, rei. Nesta cantiga não é somente a voz do trovador
que aparece. Dom Dinis não tira a coroa ao trovar. E, se a dama do amor cortês é
superior ao trovador, quem seria a dama superior ao trovador que é superior a todos?
Para alguns estudiosos esta cantiga foi inspirada em Isabel de Aragão (1270-1336),
esposa de Dom Dinis, rainha culta e santa. Pode-se dizer que Isabel foi escolhida a
dedo. Um enlace com a filha do rei de Aragão traria inúmeras vantagens políticas. Ela,
de fato, tinha muitos pretendentes, e o escolhido foi Dom Dinis, também um excelente
partido. Dessa forma, o casamento de Dinis e Isabel foi um bom negócio. Como deveria
ser um casamento no período medieval. Isabel era culta e uma rainha extremamente
ativa, auxiliando o reinado de Dom Dinis com suas habilidades diplomáticas com
Aragão e com seu próprio filho que se insurge contra o pai e com suas atividades de
caridade e assistência. É possível afirmar, então, que Isabel foi uma excelente rainha.
Além disso, cumpriu seu papel de mulher: deu um herdeiro a Dom Dinis, o futuro
Afonso IV, além de uma filha, Constança, que seria rainha de Castela.
Então, diante disso, poderíamos afirmar que a cantiga foi destinada a Isabel. Podemos
dizer que é possível. Isabel, de fato, era boa para rei. Era boa para ser rainha, como o
foi. Porém não há como comprovar. Além do mais, devemos lembrar que Dom Dinis
tinha amantes, ou barregãs para nos atermos ao termo da época. Os nomes de algumas
delas eram conhecidos e constam no Livro de Linhagens do conde Pedro de Barcelos,
um dos filhos bastardos do rei. Inclusive, um destes bastardos teria sido o motivo pelo
qual Afonso, o filho legítimo, se insurge contra o pai, por conta do poder que o irmão,
Afonso Sanches, estaria recebendo no comando do reino. Uma luta gerada por ciúme.
Mas um ciúme político. Afonso não fez nada mais que assegurar o seu trono.
Diante disso, fica a questão: quem era boa para rei? As regras do amor cortês impedem
Dinis de dizer. Ele nunca diria, pois ele é um trovador, de fato. E não o é simplesmente
por ter sido o mais profícuo trovador português, com 137 composições, mas também
pela sua qualidade e por promover “uma condensação, recapitulação e síntese da
tradição poética em que se formou e, ao mesmo tempo, uma espécie de confronto
criativo com os textos que ‘cita’ ou aos quais ‘alude’” (PIZARRO, 2008: 321).
Assim, ao fazer o elogio à senhor Dom Dinis faz um elogio ao trovadorismo galego-
português, a si e ao seu reino. Tanto ele quanto os provençais irão afirmar a perfeição do
seu fazer poético e cada qual quer que o seu seja o mais sincero. Através do elogio à
senhor que se mantém nos moldes do amor cortês e da pretensa vontade de querer

46
trovar como os provençais, como sugere a cantiga Quer’eu em maneyra de proençal, o
rei-trovador, na verdade faz um elogio ao seu reino. Utilizando-se da emulação, que é
um tipo de imitação, mas que se pretende diferente porque sua meta é superar os
provençais. E, para tanto, atualiza a recepção de forma consciente (GUIMARÃES,
2014: 58), ou seja, imitando ou se utilizando das técnicas provençais de trovar ele
estabelece o público em uma tradição poética que passa, então, a ser compartilhada e
transformada numa expressão de identidade.

CANTIGA DE AMIGO – D. DINIS

AI FLORES, AI FLORES DO VERDE PINHO D. Dinis

Ai flores, ai flores do verde pinho .....


se sabedes novas do meu amigo, .....
ai deus, e u é? = refrão (e onde ele está?)

Ai flores, ai flores do verde ramo, .....


se sabedes novas do meu amado, .....
ai deus, e u é? = refrão

Se sabedes novas do meu amigo, .....


aquele que mentiu do que pôs comigo, .....
ai deus, e u é? = refrão

Se sabedes novas do meu amado, .....


aquele que mentiu do que me há jurado .....
ai deus, e u é? = refrão

Vós me perguntades pólo voss’ amigo .....


e eu bem vos digo que é sano e vivo .....
ai deus, e u é ? = refrão

Vós me perguntades pólo voss’ amado .....


e eu bem vos digo que é vivo e sano .....
ai deus, e u é ? = refrão

E eu bem vos digo que é sano e vivo .....


e seraa vos c’ante o prazo saído .....
ai deus, e u é ? = refrão

E eu bem vos digo que é vivo e sano .....


e seraa vos c’ante o prazo passado .....
ai deus, e u é ? = refrão

47
NOS CANCIONEIROS GALEGO-PORTUGUESES, A QUEBRA DOS
CÂNONES

Fonte: FERNANDES, Geraldo Augusto. Fernão da Silveira, poeta e coudel-mor: paradigma da


inovação no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. 238p. Dissertação. (Literatura Portuguesa). 2006.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

Nos cancioneiros galego-portugueses, a inovação desponta em alguns trovadores


que, se no tema permaneciam fiéis aos cânones, na forma ousavam. No Cancioneiro da
Ajuda17, encontra-se um descordo18 singular de Nuneannes Cerzeo, de número 389, que
assim se apresenta na lição de Carolina Michaëlis de Vasconcelos:

Agora me quer’eu ja espedir (despedir-se)


da terra, e das gentes que i son,
u mi Deus tanto de pesar mostrou, (onde)
e esforçar mui ben meu coraçon,
e ar pensar de m’ir alhur guarir.] (e pensar de novo em ir viver para outra terra)
E a Deus gradesco porque m’én vou.

Ca [a] meu grad’, u m’eu d’aqui partir’, (vontade / quando)


con seus desejos non me veeran
chorar, nen ir triste, por ben que eu
nunca presesse; nen me poderan (tomar. receber)
dizer que eu torto faç’en fogir (agir mal, fazer mal)
d’aqui u me Deus tanto pesar deu.

Pero das terras averei soidade


de que m’or’ei a partir despagado; (descontente)
e sempr’i tornará o m]eu cuidado (e sempre a elas voltará meu pensamento)
por quanto ben vi eu en elas ja;
ca ja por al nunca me veerá (outra coisa)
nulh’om(e) ir triste nen desconortado.
(ninguém / desconsolado)

E ben digades, pois m’én vou, verdade, ] (E bem digo a verdade a Deus, pois me vou
daqui)
se eu das gentes algun sabor avia, a (gosto)
ou das terras en que eu guarecia. a (salvar-se)
Por aquest’era tod’, e non por al; b (era apenas por isso e mais nada)
mais ora ja nunca me será mal b
por me partir d’elas e m’ir mia via. a (ir-me embora)

17
Essa cantiga-descordo de Nuneannes Cerzeo também aparece no Cancioneiro da Biblioteca Nacional.
(Org.) Elza Paxeco Machado e José Pedro Machado. Lisboa: Edição da Revista de Portugal, 1949, vol. I,
p. 192-195.
18
O descordo já era conhecido pelos trovadores provençais e “se caracteriza, como su nombre indica, por
ser una composición en la que cada una de las estrofas tienen una fórmula métrica distinta, y por lo tanto
también una melodía individual, lo que va en contra del rígido princípio de isometría a que obedecen los
demás géneros. Ello supone una gran variedad y riqueza de metros, rimas y melodías.” (RIQUER, op. cit.,
I, p. 49).
48
Ca sei de mi
quanto sofri
e encobri
en esta terra de pesar.
Como perdi
e despendi, (gastei)
vivend’aqui,
meus dias, posso-m’én queixar. (disso)
E cuidarei,
e pensarei
quant’aguardei
o ben que nunca pud’achar.
E[s]forçar-m’ei,
e prenderei]
como guarrei]
conselh’agor’, a meu cuidar.] (e saberei o que fazer agora, creio, para me salvar)
Pesar
d’achar
logar
provar
quer’eu, veer se poderei.
O sen
d’alguen,
ou ren
de ben
me valha, se o en mi ei!
(Entenda-se: Quero eu ver se poderei tentar pensar em achar um outro lugar. O bom
senso de alguém, ou um pouco de bem que em mim tenha, me valha).
Valer
poder,
saber
dizer
ben me possa, que eu d’ir ei.
D’aver
poder,
prazer
prender
poss’eu, pois esto cobrarei.
(Entenda-se: Poder saber dizer me possa bem valer, que tenho de ir-me; de ter poder
para tomar prazer possa eu, pois isso recuperarei)
Assi querrei (quererei)
buscar palavra perduda
viver palavra perduda
outra vida que provarei, (tentar)
e meu descord’acabarei.19

19
In: Cancioneiro da Ajuda. [s.l.]: INCM, 1990. v. I, p. 764-767.
49
O que chama a atenção nessa peça é a desigualdade com que se montam e se
distribuem as estrofes e as rimas (...) Essa dissimetria, diga-se de passagem, não é
novidade. Vimos nos exemplos anteriores – com os provençais – que esse artifício,
apesar de raro, existiu e foi resultado de uma releitura que todos os poetas “antenados”
promoveram ao remontarem ao passado. (...)
Feito para o canto, o descordo de Cerzeo traz, também, um ritmo diferenciado
que deve ter causado estranhamento e, ao mesmo tempo, deleite aos ouvintes. No
subcapítulo precedente, observou-se que Marcabru havia composto uma canção cuja
visualidade evidente lembra as formas de um pássaro. Apesar de uma forma alargada
nos primeiros versos, aquela canção afunilava nos últimos, mantendo, entretanto, certa
regularidade dentro das redondilhas (as maiores, na forma alongada, e as menores, na
adelgaçada). No descordo de Nuneannes, há identidade de forma
(alargamento/afunilamento) com a de Marcabru, contudo, há maior extensão de número
de versos, destacando-se a irregularidade. No conteúdo, há igualmente certa identidade
de fundo: ambos aludem à partida: uma em busca da amada, outra, em fuga da terra
querida. Acrescente-se que, além da irregularidade própria deste subgênero poético,
essa partida é condensada no último verso que fecha com a palavra “descordo”,
denominação do tipo de poesia que criou para expressar seu sentimento. Se esse tema –
o da partida – não é novo, aliás, é recorrente na literatura medieval20, o exemplo desse
poema serve para destacar como, numa forma assimétrica em estrutura e ritmo, um
espírito poético inquietante se serve de recursos diferenciadores para destacar sua
individualidade poética.
Também Dom Dinis, num poema encontrado no Cancioneiro da Biblioteca
Nacional, compõe uma interessante peça, a de número 496, “Assi me Trax coytado”. O
uso de enjambements (ATAFINDA) parecia ser do agrado do monarca, haja vista a
proficuidade de seu emprego em diversas peças, o que demonstra, parece, destreza e
visão lúdica do poetar próprios de Dom Dinis. Nessa, entretanto, o procedimento
conjuga-se com a visualidade, se se tomar como parâmetro a lição dos organizadores.
Veja-se a transcrição do poema, como editado nesse último Cancioneiro:

Assy me Trax coytado (triste)


E aficad Amor, (aflito)
E tan atormentado
Que, se Nostro Senhor
A mha senhor non met en cor (não põe no coração, não se decide)
Que se de min doa, a mor (condoer-se)
T auerey praxer e sabor. (prazer)

Ca vyu en tal cuydado,


Come quen sofredor
[H]E de mal afficado, (afincado, tenaz)
Que non pode mayor
Se mi non ual a que en for
Te ponto ui, ca ia da mor (em desgraçada hora)
T ey prax[er] e nenhum pauor.

E fazo mui guisado, (fazer acertadamente)


Poys soo seruidor
20
O tema não é evocado somente na literatura medieval, é óbvio; mas é no medievo mais intensamente
explorado.
50
Da que mi non da grado, (agradeceu)
Querendo lh eu melhor
C a min, nen al, por en Conor (que a mim mesmo ou a qualquer outra coisa)
T eu non ey ia, senon Da mor
T ande soõ deseiador.21 (e isso desejo)
(conorte = conforto)
Eivado de maneirismos, apraz o monarca fazer brincadeiras com os
cavalgamentos de palavras, exacerbando sua coita de amor, bem ao gosto trovadoresco.
À parte o tema recorrente, o poeta-monarca alterna versos hexassílabos com
octossílabos e acentua seu sofrimento – e o resultado que espera dele – no jogo entre os
termos “morte”, “forte” e “conorte”, encadeando as últimas sílabas entre um e outro
verso. Desse modo, como que condensa na forma e no conteúdo o seu morrer de amor.
(...)

21
In: Cancioneiro da Biblioteca Nacional, op. cit., III, p. 122-123. Os destaques são grifos meus.
51
NOVELAS DE CAVALARIA
Fonte: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2008.

O Trovadorismo ainda se caracteriza pelo aparecimento e cultivo das novelas de


cavalaria. Originárias da Inglaterra ou/e da França surgiram a partir das canções de
gesta, antigos poemas de temas guerreiros, que em Portugal foram traduzidos, com
algumas modificações que buscavam adaptar as novelas à realidade de Portugal.
Circulava entre a nobreza e, traduzidas do francês, era natural que na tradução e
cópia sofressem voluntárias e involuntárias alterações com o objetivo de adaptá-las à
realidade histórico-cultural de Portugal. A cavalaria, na literatura, apresenta-se em três
ciclos:
1) ciclo bretão ou arturiano, tendo o Rei Artur e seus cavaleiros como
protagonistas;
2) ciclo carolíngio, em torno de Carlos Magno e os doze pares de França;
3) ciclo clássico, referente a novelas de temas greco-latinos.
As novelas de cavalaria têm uma forte conotação religiosa e eram permeadas por
ensinamentos cristãos implícitos no enredo das histórias, refletiam o culto à vida
espiritual, a busca pela perfeição moral, e a valorização de qualidades como a honra, a
bravura, a castidade, a lealdade, a generosidade, a justiça entre outras. Chegaram aos
nossos dias as seguintes novelas: Amadis de Gaula, História de Merlim, José de
Arimateia e A Demanda do Santo Graal.
Amadis de Gaula marca com relevância a ficção da época, através do enredo
amoroso e guerreiro, bem ao gosto do gênero, do cavaleiro perfeito, destruidor de
monstros, tímido e heroico, apaixonado e fiel a sua amada Oriana, seguindo o modelo
dos cantares de amor. A novela surpreende, sobretudo, pela atmosfera de sensualidade
que une o par amoroso, em especial pelo fato de a amada ter-se oferecido, gentilmente,
antes do casamento.
A Demanda do Santo Graal é uma novela mística, tem começo numa visão
celestial de José de Arimateia e no recebimento dum pequeno livro (A Demanda do
Santo Graal). José parte para Jerusalém; convive com Cristo, acompanha-lhe o martírio
da Cruz, e recolhe-lhe o sangue no Santo Vaso. Deus ordena-lhe que o esconda. Tendo-
o feito, morre em Sarras. O relato termina com a morte de Lancelote: seu filho, Galaaz,
irá em busca do Santo Graal.
Conforme Moisés “(...) A Demanda do Santo Graal contém o seguinte: em torno
da "távola redonda", em Camelot, reino do Rei Artur, reúnem-se dezenas de cavaleiros.
É véspera de Pentecostes. Chega uma donzela à Corte e procura por Lancelote do Lago.
Saem ambos e vão a uma igreja, onde Lancelote arma Galaaz cavaleiro e regressa com
Boorz a Camelot. Um escudeiro anuncia o encontro de maravilhosa espada fincada
numa pedra de mármore boiando na água. Lancelote e os outros tentam arrancá-la
debalde. Nisto, Galaaz chega sem se fazer anunciar e ocupa a seeda perigosa (= cadeira
perigosa) que estava reservada para o cavaleiro "escolhido": das 150 cadeiras, apenas
faltava preencher uma, destinada a Tristão. Galaaz vai ao rio e arranca a espada do
pedrão. A seguir, entregam-se ao torneio. Surge Tristão para ocupar o último assento
vazio. Em meio ao repasto, os cavaleiros são alvoroçados e extasiados com a aérea
aparição do Graal (= cálice), cuja luminosidade sobrenatural os transfigura e alimenta,
posto que dure só um breve momento. Galvão sugere que todos saiam à demanda (= à
procura) do Santo Graal. No dia seguinte, após ouvirem missa, partem todos, cada qual
por seu lado. Daí para frente, a narração se entrelaça, se emaranha, a fim de acompanhar
as desencontradas aventuras dos cavaleiros do Rei Artur, até que, ao cabo, por
perecimento ou exaustão, ficam reduzidos a um pequeno número. E Galaaz, em Sarras,

52
na plenitude do ofício religioso, tem o privilégio exclusivo de receber a presença do
Santo Vaso, símbolo da Eucaristia, e, portanto, da consagração de uma vida inteira
dedicada ao culto das virtudes morais, espirituais e físicas. A novela ainda continua por
algumas páginas, com a narrativa do adulterino caso amoroso de Lancelote, pai de
Galaaz, e de D. Ginebra, esposa do Rei Artur. Tudo termina com a morte deste último.

CRONICÕES E LIVROS DE LINHAGEM


Além da poesia e das novelas de cavalaria no Trovadorismo, ainda foram
cultivadas outras manifestações literárias: os cronicões, as hagiografias e os nobiliários
ou livros de linhagem.
Os cronicões, de pouco valor literário, deram origem à historiografia portuguesa
e serviram de material de suporte para Alexandre Herculano compor sua Portugaliae
Monumenta Historica. Outros cronicões: Crônicas Breves do Mosteiro de Santa Cruz
de Coimbra, Crónica Geral de Espanha (1344), provavelmente elaborada por D. Pedro,
Conde de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis.
As hagiografias (= vidas de santos), escritas em Latim, possuem ainda menos
significado literário.
Os livros de linhagens eram relações de nomes, especialmente de nobres, com o
objetivo de estabelecer graus de parentesco que serviam para dirimir dúvidas em caso
de herança, filiação ou de casamento em pecado (= casamento entre parentes até o
sétimo). Ao lado de informações tipicamente genealógicas revelam veleidades literárias:
nas referências às ligações genealógicas se intercalam, com realismo, colorido e
naturalidade, narrativas breves, mas de especial interesse, como a da Batalha do Salado.

A DAMA PÉ DE CABRA
Dom Diego Lopez era mui bõo monteiro e, estando üu dia en sa armada e
atendendo quando vêrria o porco, ouviu cantar muito alta voz üu molher en cima deüu
pena e el foi pêra lá e viu-a seer mui fermosa e mui ben vistida e namorou-se logo dela
mui fortemente e préguntou-lhe quen era e ela lhe disse que era üu molher de muito alto
linhagen, e el lhe disse que, pois era molher d’alto linhagen, que casaria con ela, se ela
quisesse, ca el era senhor daquela terra toda, e ela lhe disse que o faria, se lhe
prometesse que nunca se santificasse, e ele lho outorgou e ela foi-se logo con ele. E esta
dona era mui fermosa e mui ben feita en todo seu corpo, salvando que avia un pee
forcado, como pee de cabra. E viveron gran tempo e ouveron dous filhos e un ouve
nome Enheguez Guerra e a outra foi molher e ouve nome dona…
E, quando comian de suun don Diego Lopez e sa molher, asseentava el apar de si
o filho e ela asseentava apar de si a filha, da outra parte. E üu dia foi ele a seu monte e
matou un porco mui grande e trouxe-o pera sa casa e pose-o ante si, u sia comendo con
sa molher e con seus filhos, e lançaron un osso da mesa e vëeron a pelejar üu alão e üa
podenga sobr’ele, en tal maneira que a podenga travou ao alão ena garganta e matou-o.
E don Diego Lopez, quando esto viu, teve-o por milagre sinou-se e disse:
— Santa Maria, vai! quen viu nunca tal cousa. E sa molher, quando o viu
assisinar, lança mão na filha e no filho, e don Diego Lopez travo do filho e non lho quis
leixar filhar, e ela recudi con a filha por üu fresta do paaço e foi-se pera a montanha en
guisa que a non viron mais nen a filha.
Depois, a cabo de tempo, foi este don Diego Lopez a fazer mal aos mouros e
prenderon-no e levaran-no para Toledo preso. E a seu filho Enheguez Guerra pesava
muito de sa prison e vêo falar con os da terra, per que maneira o poderia aver fora da
prison. E eles disseron que non sabian maneira por que o podesse aver, salvando se

53
fosse aas montanhas e achasse sa madre e que ela lhe diria como o tirasse. E el foi alá
soo, en cima de seu cavalo, e achou-a en cima de üu pena, e ela lhe disse:
— Filho Enheguez Guerra, ven a min, ca ben sei eu ao que veens.
E el foi pera ela e ela lhe disse:
— Veens a preguntar como tirarás teu padre da prison.
Enton chamou o cavalo que andava solto pelo monte, que avia nome Pardalo, e
chamou-o per seu nome, e ela meteu üu freo ao cavalo que tiinha e disse-lhe que non
fezesse força polo desselar nen polo desenfrear, nen por lhe dar de comer nen de bever,
nen de ferrar, e disse-lhe que este cavalo lhe duraria en toda sa vida e que nunca entraria
en lide que non vencesse dele. E disse-lhe que cavaigasse en ele e que o poria en
Toledo, ante a porta a jazia seu padre logo en esse dia e que, ante a porta u o cavalo o
posesse, que ali decesse, e que achairia seu padre estar en üu curral e que o ficasse pela
mão e fezesse que queria falar con ele, que o fosse tirando contra a porta u estava o
cavalo e que, des que ali fosse, que cavalgasse eno cavalo e que posesse seu padre ante
si e que ante noite seria en sa terra con seu padre e assi foi. E depois, a cabo de tempo,
morreu dou Diego Lopez e ficou a terra a seu filho don Enheguez Guerra.
(LANG, 2011: 130)
Fonte: http://www.consciencia.org/a-dama-pe-de-cabra-conto-popular-medieval-portugues

54
ATIVIDADE - TROVADORISMO

PARTE I

1. Qual é a hierarquia à que os poetas trovadorescos obedecem?


2. Quais os tipos de cantigas compostas pelos trovadores?
3. Quais as características de cada uma delas?
4. Quais os três cancioneiros em que são reunidas as cantigas trovadorescas portuguesas?
5. O que são “novelas de cavalaria”?

PARTE II

1. Leia a cantiga a seguir e responda às questões:

BAILEMOS NÓS JÁ TODAS TRÊS, AI AMIGAS


Airas Nunes, de Santiago

Bailemos nós já todas três, ai amigas,


So aquestas avelaneiras frolidas, (floridas)
E quem for velida, como nós, velidas, (formosa)
Se amigo amar,
So aquestas avelaneiras frolidas (estas)
Verrá bailar. (virá)

Bailemos nós já todas três, ai irmanas, (irmãs)


So aqueste ramo destas avelanas, (este)
E quem for louçana, como nós, louçanas, (formosa)
Se amigo amar,
So aqueste ramo destas avelanas (avelaneiras)
Verrá bailar.

Por Deus, ai amigas, mentr’al non fazemos, (enquanto outras coisas)


So aqueste ramo frolido bailemos,
E quem bem parecer, como nós parecemos (tiver belo aspecto)
Se amigo amar,
So aqueste ramo sol que bailemos (assim que)
Verrá bailar.
(Airas Nunes, de Santiago. In: SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa
– I. Era Medieval. 2.a ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966.)

a) A que tipo de cantiga pertence o poema lido?


b) Quem é o sujeito lírico?
c) Como se distribuem as rimas (agudas ou graves)?
d) Qual é a métrica da cantiga?
e) Qual é o esquema rimático da cantiga?
f) A cantiga é de refrão ou de mestria?
g) Distinga refrães e paralelismos.
h) Interprete o conteúdo da cantiga.

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2. Leia a cantiga a seguir e responda às questões:
UN CAVALO NON COMEU
Joan Garcia de Guilhade.
(CD Cantigas from the Court of Dom Dinis. harmonia mundi USA, 1995.)

Un cavalo non comeu


á seis meses nen s’ergueu
mais prougu’a Deus que choveu, (agradou)
creceu a erva,
e per cabo si paceu, (pastou ali por perto)
e já se leva! (levantar)

Seu dono non lhi buscou


cevada neno ferrou: (nem o)
mai-lo bon tempo tornou, (mas o)
creceu a erva,
e paceu, e arriçou, (recobrou)
e já se leva!

Seu dono non lhi quis dar


cevada, neno ferrar;
mais, cabo dum lamaçal
creceu a erva,
e paceu, e arriç’ar, (de novo)
e já se leva!
a) A que tipo de cantiga pertence o poema lido?
b) A cantiga é de refrão ou de mestria?
c) Como se distribuem as rimas (agudas ou graves)?
d) Qual é a métrica da cantiga?
e) Qual é o esquema rimático da cantiga?
f) Indique as atafindas da cantiga
g) Interprete o conteúdo da cantiga.

3. Leia a cantiga a seguir e responda às questões:

POEMA (25) – DOM DINIS

Senhor fremosa, pois no coraçon


nunca posestes de mi fazer ben
nen mi dar grado do mal que mi ven (grau)
por vós, siquer teede por razon, (tens)
senhor fremosa, de vos pesar
de vos veer se mi-o Deus [a]guisar (permitir)

Pois vos nunca no coraçon, senon mal,


de min fazerdes, senhor, senon mal,
nen ar atendo ja máis de vós al, (?)
teede por ben, pois assi passou,
senhor fremosa, de vos pesar
[de vos veer se mi-o Deus aguisar]
56
Pois que vos nunca doestes de min, (teve dó)
er sabedes quanta coita passei
por vós, e quanto mal lev’e levei,
tẽede por ben, pois que ést’assi,
senhor fremosa, [de vos pesar
de vos veer se mi-o Deus aguisar]

E assi me poderedes guardar,


senhor [fremosa], sen vos mal estar.

a) A que tipo de cantiga pertence o poema lido?


b) Quem é o sujeito lírico?
c) Como se distribuem as rimas (agudas ou graves)?
d) Qual é a métrica da cantiga?
e) Qual é o esquema rimático da cantiga?
f) Como se denominam os dois últimos versos da cantiga?
g) Interprete o conteúdo da cantiga.

4. Leia a cantiga a seguir e responda às questões:

MARIA MATEU, DAQUI VOU DESERTAR


Afonso Eanes de Coton

De cona não achar o mal me vem.


Aquela que a tem não ma quer dar
e alguém que ma daria não a tem.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!

Quantas conas foi Deus desperdiçar


quando aqui abundou quem as não quer!
E a outros, fê-las muito desejar:
a mim e a ti, ainda que mulher.
Maria Mateu, Maria Mateu,
tão desejosa sois de cona como eu!

1. Quantas estrofes há na cantiga?


2. Qual a métrica empregada pelo trovador
3. Qual o esquema rimático do poema?
4. A cantiga é de refrão ou de mestria?
5. A cantiga é de escárnio ou maldizer? Explique sua resposta.
6. Interprete o conteúdo da cantiga?

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