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SITES PARA PESQUISA E CONHECIMENTO SOBRE A IDADE
MÉDIA, PRINCIPALMENTE A PORTUGUESA:
Base de dados sobre as cantigas medievais galego-portuguesas, onde estão
disponíveis todas as cantigas, os manuscritos, a música (original e versões/criações
contemporâneas), as iluminuras da Biblioteca da Ajuda: http://cantigas.fcsh.unl.pt/
AHLM – Associação Hispânica de Literatura Medieval: http://www.ahlm.es
Arquivo Português de Lendas (APL) http://www.oct.mct.pt/bds/dout2/index.jsp
Bibliografia de Textos Antigos Galegos e Portugueses: http://gahom.ehess.fr/
Cantigas medievais galego-portuguesas online (Instituto de Estudos Medievais,
Universidade Nova de Lisboa): https://cantigas.fcsh.unl.pt
Cantigas de Santa Maria (Centre for the Study of the Cantigas de Santa Maria
– Universidade de Oxford). Base de dados. http://clarisel.unizar.es/
Corpus informatizado do português medieval (Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa):
http://www.fordham.edu/halsall/newadds.html
GLOSSA - Glossário da poesia medieval profana galego-portuguesa:
http://glossa.illa.udc.es
Cancioneiros medievais: www.cancioneros.org
Música trovadoresca: www.trobar.org/trubadours/index.php
Idade Média
Idade Média (476 a 1453) ficou marcada pelo feudalismo, pela influência
da Igreja, e pelas Cruzadas e Inquisição. Encerrou-se com a crise do
século XIV e a expansão marítima
A Idade Média é o nome do período da história localizado entre os anos 476 e 1453. A
nomeação “Idade Média” é utilizada pelos historiadores dentro de uma periodização que
engloba quatro idades: Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Quando nos
referimos à Idade Média, geralmente referimo-nos a assuntos relacionados, direta ou
indiretamente, com a Europa.
2
DESAGREGAÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO DO OCIDENTE
3
Germânicos
4
A Idade Média é dividida pelos historiadores em duas grandes fases, que são:
• Alta Idade Média: século V ao século X;
• Baixa Idade Média: século XI ao século XV.
A Idade Média durou de 476 a 1453, e seu nome foi resultado de uma visão negativa que os
renascentistas tinham do período.
O nome Idade Média, usado para referir-se a esse período entre 476 e 1453, foi uma
invenção dos renascentistas. Uma das primeiras menções a essa época como “tempo
médio”, segundo o historiador Hilário Franco Júnior, remonta ao bispo italiano
Giovanni Andrea|1|. Essa ideia popularizou-se no século XVI, durante o renascimento.
O sentido por trás dessa nomenclatura era pejorativo, uma vez que, na visão dos
renascentistas, a Idade Média teria sido um tempo marcado pela interrupção da
tradição clássica, isto é, greco-romana. Nessa perspectiva, tal tradição estava sendo
retomada na época deles, inclusive, por isso, eles chamaram seu próprio período de
“renascimento”.
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Essa visão negativa fez com que muitos a chamassem de “Idade das Trevas”, um termo
negativo e rechaçado pelos historiadores. A primeira menção à Idade Média dessa
maneira remonta a Francesco Petrarca, que, no século XVI, já a chamava de
“tenebrae”.
Feudalismo
Do século XI ao século XIII, o feudalismo estava no seu auge, sobretudo nas regiões
que hoje correspondem à Alemanha, à França, e ao norte da Itália e da Inglaterra. A
partir do século XIV, o sistema feudal entra em decadência, uma vez que a Europa
se urbanizava e o comércio ganhava importância.
No feudalismo, os castelos eram um importante centro de poder, pois neles viviam os senhores
feudais. [1]
6
O senhor feudal, dono das terras, permitia que o camponês ficasse nelas, desde que este
cultivasse-as e entregasse parte do que tinha sido produzido àquele. O camponês era
sujeito a uma série de tributos a serem pagos aos senhores feudais, tais como a corveia,
a talha e a banalidade. O senhor feudal, por sua vez, tinha como obrigação proteger
aqueles instalados em sua propriedade.
No âmbito religioso, a Igreja Católica era dona de grande influência, uma vez que seu
poder chegava a atingir decisões do poder secular. A Igreja também elaborava
a construção ideológica que justificava as desigualdades do mundo feudal. Na visão
estipulada por ela, e abraçada pela nobreza, os servos cumpriam seu papel por uma
designação divina.
A relação de suserania e vassalagem existente entre reis e nobres medievais era uma das principais
formas de organização política na Idade Média.
A sociedade feudal era estamental, isto é, dividida em classes com funções muito bem
definidas, e na qual a ascensão social era bastante difícil. Nela existiam três grandes
classes sociais:
7
Por meio da vassalagem, o rei (suserano) e os nobres (vassalos) realizam um acordo
estabelecendo laços de fidelidade entre si. Os vassalos recebiam um feudo (terra) e
tinham como obrigação auxiliar o seu suserano na execução da justiça,
na administração do reino e na guerra, se necessário.
Principais acontecimentos
A Idade Média foi muito longa e, logicamente, impactada por diferentes acontecimentos
importantes para a história humana. A Idade Média, em si, é fruto do fim do Império
Romano do Ocidente, após o qual uma série de reinos germânicos estabeleceu-se na
Europa Ocidental.
O caso mais simbólico foi o dos francos, povo germânico que se estabeleceu na Gália e
formou um reino governado, primeiro, pelos merovíngios e, depois, pelos carolíngios.
Estes foram a primeira grande dinastia a governar um reino na Europa, e, por meio
de Carlos Magno, seu principal rei, formaram um império com um território bastante
vasto.
A Inquisição foi um dos eventos mais importantes da Idade Média. Nela, todos aqueles que não
seguiam a doutrina da Igreja eram perseguidos e mortos.
8
Outros destaques que podem ser feitos sobre a Idade Média são o Império Bizantino e o
estabelecimento da Inquisição. Assuntos também relevantes são a cultura e a ciência
medievais, geralmente pouco estudadas.
Acesse também: Os cátaros - saiba como a Igreja tratou esse grupo considerado
herético
O fim da Idade Média tem relação com o renascimento urbano e comercial que a
Europa experimentou a partir do século XI. Novas técnicas agrícolas permitiram o
aumento da produção de víveres, gerando um excedente que pôde ser comercializado. O
aumento na produção de alimentos garantiu um aumento populacional, mas também do
comércio e, consequentemente, da circulação de moeda.
A Peste Negra causou a morte de cerca de 1/3 da população europeia ao longo do século XIV.
9
A fome gerou grandes revoltas de camponeses, sobretudo a partir do século XIII, e o
crescimento urbano colocou fim no isolamento feudal. Revoltas também aconteceram
nas grandes cidades, principalmente pela falta de empregos. Novas estruturas de poder
começaram a surgir, a organização política dos reinos modificou-se e, assim, surgiram
os Estados nacionais.
Notas
|1| JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo:
Brasiliense, 2006, p. 11.
Crédito da imagem
[1] Lucamato e Shutterstock
Durante o período histórico conhecido como Baixa Idade Média, que compreende uma
extensão temporal que vai do século X ao século XIV, houve o assentamento das
esferas sociais do medievo. Entre essas esferas estava a aristocracia guerreira,
expressa, sobretudo, pela formação da cavalaria. Da cavalaria derivou-se o
comportamento cortês. As cortes que se formaram em torno dos reis e dos senhores
medievais instituíram regras de conduta social próprias relacionadas com os ideais de
cavalaria. É o caso, por exemplo, do amor cortês.
Nas cortes medievais, desenvolveu-se a prática do fin' amor, ou amour fine (isto é
“amor fino”, amor nobre e puro), que consistia no cortejo praticado por jovens
cavaleiros a damas já casadas com senhores, ou nobres, de alto prestígio social. A dama
era idealizada pelos jovens cavaleiros, que almejavam um padrão, um modelo a ser
seguido, que, por sua vez, estava associado mais diretamente à figura do senhor que
propriamente à vontade de possuir a dama, como bem esclarece o historiador francês,
especialista em História Medieval, Georges Duby:
“Amontoados na corte do senhor [os jovens cavaleiros] esperavam que a dama dele os
distinguisse com um amor sincero e desinteressado. O ideal do amor cortês, tornado
comum aos grandes senhores e aos novos-ricos, constituiu assim um meio de atenuar a
tensão entre os diferentes estratos da nobreza feudal. (...) O amor puro (fin’amor)
celebrava a abstinência, conservando ao mesmo tempo uma coloração carnal e, por isso,
agradava à alta nobreza. A exaltação, ao mesmo tempo alegre e casta, do desejo
suscitado pela mulher amada tomava uma tonalidade quase mística e saciava facilmente
os fantasmas dos mais modestos.” [1]
10
Sendo assim, o amor cortês possuía a característica peculiar de estimular ou sugerir o
desejo de possuir a mulher nobre, em um jogo amoroso praticado entre o senhor feudal
e os jovens cavaleiros. Esse tipo de comportamento, apontam alguns historiadores,
desenvolveu-se em Occitânia, região sudeste da França, por volta do século XII, mas
logo se espalhou para outras regiões, chegando até a Bretanha (hoje, atual Reino
Unido).
Esse tipo de prática cortesã também estava relacionada a duas concepções sobre a união
entre homem e mulher que vigiam na Baixa Idade Média: de um lado, havia o caráter
utilitário e pragmático do casamento, que era “negociado” pela família da donzela; de
outro lado, havia a concepção teológica católica do matrimônio, que especulava tanto
sobre a sacralidade da união entre homem e mulher quanto sobre a pecaminosidade (ou
não) do ato sexual. Esse embate acabou gerando várias teorizações sobre o amor e
também várias obras literárias (contos, lendas, poemas).
Muito do que se escreveu sobre o amor nesse período tinha como fonte principal a obra
do poeta romano Ovídio: Ars Amatoria. É o caso, por exemplo, de três autores: Andreas
Capellanus, com seu livro “De Arte Honeste Amandi”; Chrétien de Troyes, com a
famosa obra “Lancelote”, e, especificamente na esfera eclesiástica, São Bernardo de
Claraval, considerado por muitos o “mestre do divino amor”, com seus volumes: De
diligendo Deo e Sermones Super Cantica Canticorum, ambos com o objetivo de
compreender a extensão dos sentimentos amorosos entre homem e mulher e, também,
de ambos com Deus, ou em Deus. Esses autores figuram entre os principais expoentes
do amor cortês.
Outra obra igualmente emblemática sobre esse assunto é o Roman de la Rose (Romance
da Rosa), de Guillaume de Lorris, do século XIII.
NOTAS:
[1] DUBY, Georges (Introd.) et als., Amor e Sexualidade no Ocidente, trad. port. de A.
P. Faria, Lisboa, Terramar, s.d. pp. 108-109.
[2] LEWIS, C. S. Alegoria do Amor: um estudo da tradição medieval. São Paulo: É
Realizações, 2012. p.41.
11
O amor cortesão. Esta iluminura alemã, hoje na Universidade de Heidelberg, mostra um
cavaleiro em atitude vassálica e religiosa (ajoelhado e de mãos juntas) diante de sua dama.
A proximidade física, mas sem contato, e a estudada indiferença da dama, casada e
socialmente superior ao seu cavaleiro, criavam um estado de tensão erótica típico das cortes
feudais dos séculos XII-XIII.
12
A POESIA MEDIEVAL – PROVENÇA
13
EXEMPLO DE CANTIGA DE AMOR PROVENÇAL
Fonte: SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca. SP: Edusp, 1996, pp. 108-109.
De lai don plus m'es bon e bel Dali onde está o que para mim existe de
non vei mesager ni sagel, melhor e mais belo, não vejo [vir]
per que mos cors non dorm ni ri, mensagem nem carta; por isso não
ni no m'aus traire adenan, durmo nem rio, tampouco me atrevo a
tro que sacha ben de la fi prosseguir, enquanto não venha a saber
s'el es aissi com eu deman. se tudo haverá de resultar como desejo.
La nostr' amor vai enaissi Com nosso amor acontece como à rama
com la branca de l'albespi do branco-espinho – que fica tremendo
qu'esta sobre l'arbre tremblan, na árvore, durante a noite, à mercê da
la nuoit, a la ploia ez al gel, chuva e do gelo, até que o sol, no dia
tro l'endeman, que.l sols s'espan seguinte, venha espalhar-se pelas folhas
per la fuella vert e.l ramel. e pela ramagem.
Qu'eu non ai soing de lor lati Não receio que estranha linguagem me
que.m parta de mon Bon Vezi, afaste de meu Bom Vizinho, pois bem
qu'eu sai de paraulas com van, sei o efeito das palavras que se
ab un breu sermon que s'espel, espalham num breve discurso;
que tal se van d'amor gaban, envaideçam-se os outros do amor que
nos n'avem la pessa e.l coutel. possuem: a nós não falta o necessário.
Martin Codax:
Bom Vezi (Bom Vizinho), pseudônimo (senhal) com que o trovador oculta o nome da
mulher, um dos cânones do amor cortês, ligado ao segredo com que essas relações
sentimentais se realizavam.
15
EXEMPLO DE ALBA NA POESIA PROVENÇAL
Fonte: SPINA, Segismundo. A lírica trovadoresca. SP: Edusp, 1996, pp. 173-175.
Reis glorios, verais lums e clartatz, (a) Rei glorioso, verdadeira luz e claridade;
Deus poderos, Senher, si a vos platz, (a) Deus poderoso, Senhor, se voz apraz,
Al meu companh siatz fizels aiuda! (b) sede fiel ajuda ao meu companheiro,
Qu'eu no lo vi, pos la nochs fo venguda, (b) pois não o vejo desde que a noite
Et ades sera l'alba (C) chegou e “logo será cedo”!
Bel companho, la foras als peiros Bom companheiro, ali fora na escada
Me preiavatz qu'eu no fos dormilhos, me advertíeis, que eu não fosse
Enans velhes tota noch tro al dia. dorminhoco, senão que velasse a noite
Era no.us platz mos chans ni ma paria inteira até o amanhecer. E agora não vos
Et ades sera l'alba agradam meus cantos nem minha
companhia, “e logo será cedo”!
16
Doce e bom companheiro, estou numa
Bel dous companh, tan sui en ric sojorn morada tão rica (num lugar tão
Qu'eu no volgra mais fos l'alba ni jorn, paradisíaco), que eu desejava não
Car la gensor que anc nasques de maire houvesse alvorada nem dia, pois a mais
Tenc et abras, per qu'eu non prezi gaire gentil que já nasceu de mãe, possuo e
Lo fol gilos ni l'alba. abraço, e por isso pouco me importam a
madrugada e o louco ciumento.
17
NA POESIA PROVENÇAL, A SURPRESA MANEIRISTA
Fonte: FERNANDES, Geraldo Augusto. Fernão da Silveira, poeta e coudel-mor: paradigma da
inovação no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. 238p. Dissertação. (Literatura Portuguesa). 2006.
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
Girona não foi feliz apenas na disposição de sua canção, mas também na
melodia, o que é tautológico, já que os poemas à época eram para ser cantados. Realiza-
se a intenção pontual de evidenciar as terminações em “an", cuja musicalidade não só
pode ter agradado a audiência como uniu forma e fundo: coloca no seu poema a
definição de poeta, que é dispor, rimar, limar, louvar e amar. Para Martín de Riquer,
1
“’Las leys d’amors’ constituyen el mas extenso de nuestros tratados, de gran riqueza en sus partes
gramaticales, retóricas, estilísticas y versificatorias, que si en algo pecan es por el exceso de noticias
nimias y por el afán en clasificar y pormenorizar, pero que reúnen un auténtico tesoro de referencias”.
(RIQUER, Martín de. Los trovadores. Historia literaria y textos. Barcelona: Ed. Ariel, S. A., 2001, Tomo
I. Colección Letras y Ideas, p. 33-34). E, ainda, quanto ao uso das sílabas poéticas: “El cómputo de
sílabas en principio siempre es exacto en la poesía trovadoresca, como es lógico en textos compuestos
para ser cantados con una melodía culta y refinada.” (Ibidem, p. 36).
2
In: RIQUER, idem, ibidem, p. 35-36. A tradução encontrada em Elisa Garrido Gómez é a seguinte: Hace
un año que canto y voy considerando, y disponiendo, rimando, limando, alabando (y) amando los
mandatos de afectos sin gozo. A autora inclui mais uma parte à poesia de Cerveri: “Ni a Sobrepetz, / Ne
Is Cartz, / ne I Rey”, que traduz por “En este canto no puedo incluir de ningún modo a Sobrepetz, a los
Cardos ni al Rey”. (In: Los juegos poéticos de Los Trovadores. Universidad de Sevilla, Junio 2002.
Disponível em <http://boek861.com/juego_poetico.htm>. Acesso em 26.set.2005).
18
Cerveri cultivou, assim como Arnaut Daniel, o “trobar ric”, em que “alcanza a veces
momentos muy logrados3 e “aunque por este camino llega a la extravagancia de
componer una canción con versos de una y dos sílabas4”.
Já um outro trovador provençal, considerado um dos mais criativos, por difícil e
obscuro, registra “el hápax, la voz popular no registrada en léxicos ni usada por otros
escritores y el modismo cuyo sentido no alcanzamos5”. O trovador é Marcabru (...1130-
1149...) que, no poema que segue, desenvolve um tipo de poesia visual, o qual
comprova tanto a originalidade e individualidade desse provençal, quanto as definições
a ele impingidas. A dificuldade e obscurantismo, segundo Martín de Riquer, não se
apresentam apenas na parte filológica do trabalho de Marcabru, mas também no “juego
de ingenio, el doble sentido de una palabra, el valor preciso de los conceptos abstractos
y su mutua relación, la incertidumbre ante la dicción que no se sabe si es grave o
irónica6”. A essas dificuldades quer-se demonstrar que, utilizando-se do conceito de
Maneirismo proposto por Ernst Robert Curtius, a intenção do poeta maneirista é
sobressair-se, e, assim fazendo, torna-se, ante seu público, um artista inventivo, desde
que, é claro, seja original e não se utilize desses maneirismos apenas como
artificialidade. O poema de Marcabru assim se apresenta na edição de Martín de Riquer:
3
RIQUER, Martín de. Los trovadores. Historia literaria y textos. Barcelona: Ed. Ariel, S. A., 2001,
Tomo III. Colección Letras y Ideas, p. 1563.
4
Idem, ibidem, p. 1563.
5
Idem, ibidem, I, p. 175-176.
6
Idem, ibidem, I, p. 175-176.
7
“I. Estornino, emprende el vuelo: mañana, con el amanecer, irás de mi parte a una comarca donde me
imaginé tener amiga. La encontrarás, la verás y le contarás por qué vás; y le preguntarás en seguida por
qué se há comportado mal” (RIQUER, op. cit., I, p. 211-212).
19
poético, tendo criado, por exemplo, a sextina8, compôs, nas palavras de Martín de
Riquer, um “verdadero laberinto de rimas caras en breves unidades (a veces de una sola
sílaba), lo que implica una expresión elíptica y retorcida que hace posibles varias
interpretaciones”9. A ele se refere Petrarca como possuidor de um “dir strano e bello”,
pois cultivou um vocabulário rebuscado e original10; usou uma singularidade poética,
mesclando palavras que provocam surpresa com rimas raras11. Segue a canção, como
editada por Riquer:
L’Aur’amara fa.ls bruels brancutz
L’aur’amara fa.ls bruels brancutz
clarzir, que.l dous’espeys’ab fuelhs,
e.ls letz becx dels auzels ramencx
te balbs e mutz, pars e non-pars.
Per qu’ieu m’esfortz de far e dir plazers
a manhs? Per ley qui m’a virat bas d’aut,
don tem morir, si.ls afans no.m asoma.12
Martín de Riquer comenta que se nota nas criações do provençal uma esmerada
preocupação formal, tanto com relação à posição das palavras-rimas quanto pela escolha
daquela que siga um caminho “difícil y bello”13. O poeta iria se destacar pela
engenhosidade na escolha das rimas, principalmente porque as usa de forma diversa da
de seus camaradas trovadores, além de usar vocábulos considerados apoéticos. Adverte,
contudo, que é esse um meio de Daniel demonstrar seu desespero e fastio de forma
surpreendente. Assim, coloca na forma a própria expressão de seu sentimento “strano”,
que passa a “dir bello”, como entendeu Petrarca. Ressalve-se que uma leitura afinca de
seus poemas leva a antever preocupações conceptistas pelo deslocamento da metáfora e
da combinação de sons14.
Ao se escolher três trovadores15 que primaram, pela recolha do crítico espanhol,
no aperfeiçoamento do trobar clus, objetivou-se trazer exemplos que contribuem para a
8
Baseia-se a sextina na aparição combinada de palavras no final do verso, com reiteração de vocábulos-
chave, cuja maestria composicional repercutiu com êxito no Renascimento. (Cf. RIQUER, op. cit., II, p.
610).
9
RIQUER, op. cit., II, p. 624.
10
O rebuscamento e originalidade são próprios de qualquer poeta amaneirado, pois “o poema maneirista
mantinha um elo forte com o petrarquismo. Muitos de seus representantes eram seguidores declarados de
Petrarca, a cuja tradição aderiram. Usavam suas formas e expressavam-se com o auxílio de sua
linguagem, que se tornara artificial e impessoal.” (HAUSER, Arnold. Maneirismo: a crise da Renascença
e o surgimento da Arte Moderna. 2 ed. Trad. J. Guinsburg e M. França. São Paulo: Perspectiva, 1994. p.
397). Percebe-se, com essas assertivas, que Petrarca foi beber em Arnaut Daniel e tornar-se referência aos
poetas que nele mesmo beberam.
11
RIQUER, op. cit., II, p. 610.
12
“I. El aura amarga hace aclarar los bosquecillos ramosos, que la dulce espesó con hojas, y mantiene
balbucientes y mudos los alegres picos de los pájaros de las ramas, aparejados y no aparejados. ¿Por qué
yo me esfuerzo en hacer y decir cosas agradables a muchos? Por aquella que me há vuelto de arriba abajo,
de lo que temo morir si no me da fin a los afanes” (Idem, ibidem, p. 624-625). Percebe-se nesta poesia a
expressão montada de palavras “laura” e ela remete a inúmeras poesias de Petrarca escondendo o nome
de sua amada Laura, homenagem explícita a Daniel e louvação daquela a quem servia: “L’aura serena che
fra verdi fronde” (CXCVI), “L’aura celeste che ‘n quel verde lauro” (CXCVII), “L’aura soave al sole
spiega et vibra / l’auro ch’Amor di sua man fila et tesse” (CXCVIII); estas, entre outras, estão presentes
no seu Canzoniere (Torino: Einaudi, 1992. (Classici, 104). Registre-se ainda que há uma tradução desta
poesia de Arnaut Daniel em POUND, Ezra, op. cit., p. 182, elaborada por Haroldo de Campos.
13
RIQUER, op. cit., II, p. 610-624.
14
Idem, ibidem, p. 609-611.
15
Outros poderiam ser incluídos nesse rol: Raimbaut D’Aurenga, Raimbaut de Vaqueiras, Guilhem de
Montanhagol, Sordel e Peire Cardenal, entre os mais conhecidos.
20
discussão da proposta que aqui se dispôs delinear: a de analisar as formas de evidenciar
a inventividade naqueles poetas cuja individualidade aflora e, por isso, são expressão de
futuras estéticas. Sabe-se que os trovadores provençais forneceram a seus sucessores os
meios e artifícios para a criação poética própria de cada região europeia. Na Galiza, os
trovadores galego-portugueses foram beber naqueles antepassados para criarem o tipo
de poesia que seria característico da Península. À parte as cantigas de amigo,
consideradas pelos estudiosos como autóctones, pois revelariam o espírito, a alma do
lado ocidental peninsular, a maioria das cantigas de amor e as de maldizer e de escárnio
seria a continuação da produção provençal.
(...)
´
21
POESIA MEDIEVAL: LITERATURA PORTUGUESA
Fonte: adaptado de VIEIRA, Yara Frateschi. POESIA MEDIEVAL: Literatura Portuguesa. São Paulo,
Ed. Global, 1987
- Trovador = compõe os poemas e as músicas por mero prazer, sem fazer disso o seu
ganha-pão. Para isso devia ser economicamente independente e na maioria dos casos,
fidalgo;
- Jogral = canta e recita as composições. Papel de divulgador da cultura popular e
vernácula, atingindo desde as camadas mais baixas da população até os castelos reais e
senhoriais
- Segrel = trovador que percorre a cavalo as terras, cantando nas diversas cortes e casas
ricas. Alugando a sua arte, mas não sendo um mero jogral, o segrel constitui um
elemento perturbador da ordem hierárquica trovadoresca.
- Menestrel = (séc. XIII). Músico-poeta. Às vezes, confundido com o jogral, só que
vivia sob a proteção de um nobre e andava de corte em corte.
- Soldadeira ou jogralesca = cantadeira ou dançarina, a soldo, que acompanhava o
jogral. Era de moral duvidosa, muitas vezes.
22
persuasiva que se expressa através de sintaxe complexa, com muita subordinação,
abundância de conjunções causais, temporais, conclusivas, adversativas.
23
polimétricas em 113 combinações diversas. Versos finais (de um a quatro versos)
complementam o desenvolvimento do tema (acabamento de razom). A Arte de trovar as
chama de fiindas que deveriam rimar com a última estrofe ou, se possuir refrão, rima
com este. Cantigas com refrão se opunham às de mestria (que não tinham refrão).
A característica formal da cantiga de amigo é a estrutura de repetição/retorno=
paralelismo, que é sujeito a variações – cada verso é composto de duas partes, uma
variável e outra invariável.
EXEMPLO EM JOAM ZORRO
Per ribeira do rio
Vi remar o navio
E sabor hei da ribeira (refrão) hei= tenho
Vi remar o navio
I vai o meu amigo, I= aí
E sabor hei da ribeira (refrão)
Vi remar o barco
I vai o meu amado
E sabor hei da ribeira (refrão)
E pode continuar:
Função do refrão= mnemônica; relacionado à musica; eram cantados por dois coros,
seguidas por uma parte cantada em comum. O paralelismo, no entanto, não é
exclusividade das cantigas de amigo. Algumas destas não o usam e algumas de escárnio
e maldizer o usam, mas isso é incidente.
24
BREVE TERMINOLOGIA DA POÉTICA TROVADORESCA
Fonte: adaptado de http://cantigas.fcsh.unl.pt/sobreascantigas.asp
Como se observa, os versos 2 e 5 (os segundos das duas primeiras estrofes) repetem-se
como primeiros da 3ª e 4ª estrofes, respectivamente.
Finda/fiinda – remate de uma cantiga, constituído por um, dois ou três versos finais
(em casos raros, quatro). As cantigas podem ainda ter duas ou mais findas.
Ver exemplo na página 44
Cobras singulares – estrofes com séries de rimas diferentes (embora com o mesmo
esquema rimático – abbac / abbac).
Palavra perduda – verso de uma estrofe que não rima com nenhum outro (mas
podendo ou não rimar com os versos correspondentes das estrofes seguintes).
Ver exemplo na página 31
Cobras uníssonas – estrofes com uma única série de rimas, que se repetem em todas as
estrofes (ou seja, além do esquema rimático, as terminações vocálicas dos versos são as
mesmas em todas as estrofes – abbaccca/abbaccca/abbaccca).
27
POESIA TROVADORESCA PORTUGUESA
28
Que eu possuo roupa luxuosa para vós,
Pois, eu, minha senhora, de presente
Nunca tive de vós nem terei
O mimo de uma correia.
Eno sagrado, en Vigo, (adro da ermida; na Idade Média, apenas uma pequena povoação)
bailava corpo velido : (belo)
amor ei! (tenho)
Padrão 1
Estrofe 1 linha 1 Eno sagrado, en Vigo
Estrofe 2 linha 1 En Vigo, (e) no sagrado,
Estrofe 4 linha 2 no sagrado, en Vigo
Estrofe 5 linha 2 en Vigo no sagrado,
Padrão 2a:
Estrofe 1 linha 2 bailava corpo velido
Estrofe 2 linha 2 bailava corpo delgado
Estrofe 3 linha 1 bailava corpo delgado
Padrão 2b:
Estrofe 3 linha 2 que nunca ouver’ amado
Estrofe 4 linha 1 que nunca ouver’ amigo
Estrofe 5 linha 1 que nunca ouver’ amado
Padrão 3
Estrofe 4 linha 2 ergas no sagrad’, en Vigo:
Estrofe 5 linha 2 ergue’en Vigo, no sagrado (...)
29
Os cantares de amigo apresentam um quadro paisagístico com quase todos os
seus elementos: a costumada espera do amigo no porto depois de sua longa ausência; a
presença da mãe e da irmã como confidentes do drama sentimental da donzela; a igreja
como ponto de referência dos fatos mais importantes da vida amorosa das populações
burguesas da época; e a participação da natureza: as ondas, o mar encapelado, cuja
função é meramente utilitária. A feição paralelística, rudimentar, justifica a repetição
das pequeninas imagens que dão contorno poético a um conteúdo circunstancial. Nas
Cantigas apreciadas, o que se vê é uma evolução na utilização dos recursos que
definiam a criação poética da época, transformando-os numa astuciosa variedade de
combinações que, aliando forma e conteúdo, desenhavam quadros ímpares de situações
comuns e repetidamente vividas pelo lirismo medieval.
31
Nom ei [i] barqueiro, nem remador, leixa-pren
morrerei eu fremosa no mar maior:
Eu atendend'o meu amigo!
Eu atendend'o meu amigo!
Esta é uma cantiga de amigo, mais precisamente uma barcarola, onde a jovem
que narra afirma estar na capela de Sam Simion. Apesar da presença do tema religioso,
o poema se volta muito mais para o mar, onde a jovem espera seu namorado que
demora a chegar, diz ela que morrerá nas ondas do mar.
Podemos pensar nestas ondas a tomá-la como a falta de seu namorado que saiu
nas navegações, e ela o espera na igreja, onde talvez tenham firmado algum
compromisso. Por isso ela se sente sufocada pelo mar. Ela afirma ainda que morrerá no
alto mar, podemos julgar esta afirmação como se ela ameaçasse se lançar ao mar em
busca do namorado, e morreria pois não tem barqueiro, nem sabe remar.
O refrão se repete duas vezes “Eu atendend'o meu amigo!/Eu atendend'o meu
amigo!” esta repetição pode indicar que há muito ela o espera, e que a espera já se torna
cansativa.
Esta cantiga é formada por seis estrofes de quatro versos. É paralelística e de
refrão. Composta de versos decassílabos, e o refrão de versos de oito sílabas métricas.
Todo o texto é paralelístico verificando-se principalmente a existência de leixa-pren,
por exemplo, no segundo verso da terceira estrofe: “non ei [i] barqueiro nem remador”
este verso é retomado na quinta estrofe, e este é apenas um exemplo, o fenômeno ocorre
em todo o texto.
O segundo verso da terceira estrofe caracteriza uma palavra-perduda, visto que
não rima com o outro verso da estrofe: “e cercarom-mi as ondas que grandes som, / nom
ei [i] barqueiro nem remador.”
Se eu pudesse desamar
a quem me sempre desamou,
e podess'algum mal buscar
a quem me sempre mal buscou!
Assi me vingaria eu,
Se eu podesse coita dar, (sofrimento)
A quem me sempre coita deu.
32
Mais rog'a Deus que desampar
a quem m'assi desamparou,
vel que podess'eu destorvar (pelo menos, ao menos, sequer)
a quem me sempre destorvou.
E logo dormiria eu,
Se eu podesse coita dar,
A quem me sempre coita deu.
33
fiquei coitad(o), e con tan gran pavor
que, se mil vezes podesse morrer,
mĕor coita me fora de soffrer!
E sei mui ben, u me d’ela quitei
e m’end’eu fui, e non me quis falar, (dali me fui)
ca, pois ali non morri con pesar,
nunca jamais con pesar morrerei:
que, se mil vezes podesse morrer,
mĕor coita me fora de soffrer!
Cantiga de refrão, 3 cobras singulares. a10 b10, b10, a10 C10 C10 (160:141)
“Morrer mil vezes” é coita preferível à indiferença e à ausência da amada: no
refrão concentra-se o modo hiperbólico de formular não só dor da partida, mas,
principalmente, os efeitos do desden da senhor, tão mais notório porquanto contraposta
ao pesar dele.
Como o refrão se inicia por uma conjunção consecutiva, que, os quatro versos da
estrofe, amarrados por rimas uniformes abba, oferecem minuciosa descriptio das causas
do infortúnio, superlativizadas pelos advérbios de intensidade tan (vv. 4 e 10), bem
como pelo pleonasmo nunca jamais (v. 16), dispostos com simetria e semanticamente
complementares às mil vezes em que a morte assoma como solução. Daí o pavor (v. 10)
para que evolui o estado de espírito inicial.
Ainda garantida a coesão entre refrães e estrofes está a derivatio etimológica
[mordobre] coita / coitado, criando estreita relação, em termos de causalidade, entre
sofrimento e morte. Note-se que o destaque dado a fiquei coitad(o) (v. 10) se deve à
estrutura anastrófica do período, antepondo a oração subordinada (porque me non disso
mal nen ben, v. 9) à principal, em início de verso.
A fala do amante em discurso direto, no v. 7, confere vivacidade à cena de
aproximação frustrada.
EU DIGO MAL, COM’OME FADIMALHO – DE ESCÁRNIO
Pero da Ponte
Fonte: Os Homens entre si: os fodidos e seus maridos nas cantigas de Pero da Ponte, séc. XIII. Paulo
Roberto Sodré. In: LOPES, Denílson. Imagem e diversidade sexual. [s.l.]: Nojosa Ed., 2004, p. 252...
34
solicita aos súditos no Título XXI, “De los que fazen pecado de luxuria contra natura”,
da “Setena partida” de Alfonso X (...). A cantiga do “fadimalho” apresentaria,
considerando-se essa perspectiva acusatória, a gravidade de um delito e apontaria uma
denúncia, por meio da cantiga, dos atos luxuriosos dos “fodidos”. A injúria que o
trovador sofre, ao ser assaltado sexualmente, desencadeia o canto mal humorado cuja
finalidade parece ser a da correção, da punição, iniciada já pela irrisão das “cobras e
sões”. Essa leitura é a que o senso comum geralmente atribui às sátiras produzidas no
medievo: dedo em riste contra os vícios. (...)
35
MARIA PÉREZ SE MAENFESTOU – DE MALDIZER
Fernão Velho
Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 247-248
Esta é outra das numerosas sátiras contra a soldadeira Maria Pérez, a Balteira,
tendo por tema seu arrependimento – assim o sugere a confissão (vv. 1-3) – agora na
velhice, pela vida desregrada que levou. A singularidade irreverente da cantiga está no
pacto que Maria mantém com o Demônio e no fato de colocar-se entre ele e Deus,
relação autorizada pelo paralelismo em que a Idade Média costuma conceber as duas
entidades ou o sagrado e o profano.
Por essa óptica, o texto mantém lado a lado dois campos semânticos, cujo jogo
de proximidade, entrecruzamento e recuo cria a equivocatio própria da burla: 1)
maenfestou, pecador, pormeteu a nostro Senhor, rogador foy a Deus, gran pavor de as
mort[e], gran sabor d’ esmolnar, hun clérigo filhou, afam por Deus – são todas
expressões que culminam na penitência a que a Balteira parece disposta a se entregar
36
para purificação das culpas; 2) o demo lhi faz fazer, com que x’ ela sempr’ andou, Ca o
que aguardou [o demo], o grand’ amor antr’ ela e o demo mayor, ouvi-a perder o demo
– são referências ao Demônio com quem a Balteira se dá muito bem (sempre, v. 14) e a
quem atribui as reincidências no vício. Entre os dois, Deus e o Diabo, e a interseccioná-
los, está a figura ambígua do clérigo, filhado para garantia de proteção contra as
tentações (vv. 13-14); contudo, os vv. 18-20 revelam outra realidade: deu-lh’ a cama en
que sol jazer, o que suscita o comentário sarcástico do trovador (v. 21). Desse ângulo, a
estrofe IV, cheia de subentendidos na gradatio do poema, opõe demo mayor a demo,
duas personalidades fundidas no gosto resistente da Balteira por pecar.
As cobras uníssonas, de rimas oxítonas, colaboram para manter a harmonia da
polaridade, e os dobres utilizam verbos de ambos espaços sêmicos: andou / aguardou /
filhou e, na última estrofe, confessou.
37
EXEMPLO DE CANTIGA DE SANTA MARIA
Fonte: MONGELLI, Lênia M. Fremosos Cantares... SP: Martins Fontes, 2009, pp. 281-283
38
Cantiga de refrão, 3 cobras singulares, rima a uníssona
Refrão A12’ A12’
b12’ b12’ b12’a12’
39
D. DINIS
Sexto rei de Portugal (1279-1325), nascido em Lisboa, conhecido como o Rei Trovador
ou o Rei Lavrador. Filho de Afonso III e de sua segunda mulher, Beatriz, e neto de
Afonso X de Castela, casou-se com Isabel de Aragão, chamada a Rainha Santa. Desde
cedo foi preparado para ser rei pelo seu pai e quando subiu ao trono português,
aclamado em Lisboa (1279), impôs sua autoridade e consolidou a unificação
administrativa e cultural da nação. Quando subiu ao trono português o país encontrava-
se em conflito com a Igreja Católica e imediatamente procurou normalizar a situação
jurando ao Papa Nicolau III proteger os interesses de Roma em Portugal e criando a
Ordem de Cristo ligada à Ordem dos Templários.
Foi essencialmente um rei administrador e não guerreiro, pois embora tenha se
envolvido na guerra com Castela (1295), desistiu dela em troca das vilas de Serpa e
Moura. Pelo Tratado de Alcanises (1297) firmou a Paz com Castela, definindo-se nesse
tratado as fronteiras atuais entre os dois países ibéricos. Para estimular a agricultura,
distribuiu terras a colonos, mandou construir canais e secar pântanos e limitou os
privilégios territoriais da igreja e, por isso, foi cognominado O Lavrador ou O Rei-
Agricultor. Durante seu longo reinado, o comércio também prosperou, com o aumento
da extração de metais, a proteção às feiras e a reorganização da Marinha. Beneficiou a
literatura e mandou traduzir livros latinos e árabes, inclusive a Geografia de Razis.
Adotou o vernáculo nos documentos oficiais e fundou a primeira universidade do país,
que funcionou entre Lisboa e Coimbra, até se fixar nesta última cidade. Poeta e protetor
de trovadores e jograis, também foi apelidado de O Rei-Poeta ou O Rei-Trovador pelas
cantigas que compôs e pelo desenvolvimento da poesia trovadoresca a que se assistiu no
seu reinado. Compôs também cerca de 140 cantigas líricas e satíricas, e permaneceu no
poder até sua morte, em Santarém, e está sepultado no Convento de São Dinis, em
Odivelas. Os últimos anos do seu reinado foram marcados por conflitos internos quando
o herdeiro, futuro D. Afonso IV, achou que o rei favorecesse seu filho bastardo, Afonso
Sanches, entrou em conflito com o pai, mas não chegou a haver guerra civil. Foi o
primeiro rei português a assinar os seus documentos com o nome completo e por isso
presume-se que tenha sido o primeiro rei português não analfabeto.
Fonte: http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/
PRIMEIROS EXEMPLOS
Fonte: Leticia Eirín García. A visión do amor no cancioneiro de Don Denis. Santiago de Compostela:
Laiovento, 2015.
(3)
Nunca Deus fez tal coita qual eu hei (tenho)
con a ren do mundo que máis amei, (coisa)
des que a vi, e am’e amarei:
noutro dia, quando a fui veer,
o demo lev’a ren que lh’eu falei
de quanto lh’ante cuidaara dizer.
Mais, tanto que me d’ant’ela quitei, partir
do que ante cuidava me nembrei, lembrei
que nulha cousa onde non minguei; diminuir
mais quand’er quis tornar po-la veer
a lho dizer, e me ben esforcei,
de lho contar sol non houvi poder.
40
MÉTRICA
Cantiga de amor, do tipo de mestria. Consta de duas estrofas unissonans de seis
decassílabos agudos, polo que toda a composición presenta unha rima longa ou
masculina.
Rítmica: trátase dunha composición bastante irregular do punto de vista rítmico,
probablemente debido á coita sufrida pólo suxeito poético e ao desconcerto que lle
produce a imposibilidade de falar perante a súa dama.
Esquema métrico:
2 (10a 10a 10a 10b 10a 10b)
I ei er
II
COMENTARIO
O trobador afirma que Deus nunca ocasionou unha coita tan grande como a que
el sente pola muller que amou, ama e amará desde que a viu; e engade (acrescenta) que
dias atrás, cando a foi ver, o demo se apoderou das palabras que previamente pensara
dicirlle (I). Mais en canto se afastou dela lembrou sen falla todo o que trazara no seu
pensamento, e cando novamente quixo voltar a vela para llo dicir, a pesar dos seus
esforzos, non foi capaz de o facer (II).
41
detecta un desenvolvemento narrativo marcado non só por este tipo de referencias
temporais, senón tamén por unha acumulación de formas verbais – fronte á case total
ausencia de adxectivos –, frecuentemente colocadas en posición de rima. A segunda
estrofa da cantiga tamén presenta unha perfecta trabazón (travamento) delimitada pola
estrtutura anafórica dos versos 7 e 10 (Mais...) que, segundo a nosa proposta estrutural,
encabeza respectivamente as partes terceira e cuarta da composición. Para alén disto,é
facilmente detectábel nesta última agrupación estrófica unha tendencia para o hipérbato,
condicionada probabelmente por esa acumulación e colocación das formas verbais a que
acabamos de aludir.
Noutra orde de cousas, o desregramento dos sentidos do poeta, ou metus
praecludit vocem (Spína), non se limita aquí unicamente á impossibilidade da fala,
senón que tamén implica a “obliteração da razão, esquecimento da mensagem amorosa”
(Spina), segundo evidencian os versos Mais, tanto que me d’ant’ela quitei, / do que ante
cuidava me nembrei (vv. 7-8); isto é, unha vez que se afasta da senhor restabelécese o
seu entendemento e recupera da memoria aquilo que lle queria decir. Así, o namorado
atoparíase no paso previo á perda da razón, á loucura de amor.
Tampouco podemos obviar un aspecto realmente chamativo como é o feito de
non aparecer ningunha ocasión ao longo da cantiga o vocábulo senhor, de maneira que
as referencias á dama veñen dadas polo pronome persoal ou ben a través da perífrase a
ren do mundo que máis amei (v. 2), realmente insólita no corpus profano galego-
portugués. No cancioneiro de amor é habitual atoparmos enunciados do tipo que vos
amei sempre máis d’outra ren (B 404/V 15), Sempre vos eu d’outra ren máis amei (B
409/ V 20) ou que amei sempre máis ca outra ren (A 137/B 258), perífrases en que se
produce unha comparación de superioridade non reversíbel, pois o poeta quere á dama
máis do que a calquera ou cousa (ren) no mundo. Mais neste caso Don Denis introduce
unha variación, de maneira que por sinécdoque, o segundo termo da comparación, a ren,
pasa a se converter no termo absoluto, nun intento por parte do trobador de amplificar
até ao punto máximo o amor que sente pola dama a ren do mundo que máis amei.
Ainda a respecto deste termo, vemos que se produce unha reiteración de ren con
referentes diversos nos versos 2 e 5. O primeiro dos casos, que acaba de ser comentado,
alude á dama, em canto o segundo forma parte da expresión o demo lev’a ren, non moi
común na lírica profana, mais que tamén se documenta noutra cantiga – neste caso de
amigo – do rei Don Denis, Ca demo lev’essa ren (B 561/V164, v. 7). O enunciado
posúe un ton certamente negativo, estabelecéndose así o equívoco e o confronto entre
ambos os exemplos aparecidos no texto. Neste sentido, cómpre reparar en que o termo
demo aparece com certa frecuencia nas cantigas de escarnio e maldizer, mais non é en
absoluto habitual na cantiga de amigo nin na de amor, onde unicamente se rexistran seis
casos, incluindo o presente. Deborah González Martínez (...) di a respecto da presenza
deste vocábulo na composición do rei-trobador que “Deus pode aparecer como artífice
da coita e da dor, sendo a referencia ao demo parte dunha fórmula expresiva achegada á
maldición”, circunstancia que exemplifica á perfección a primeira cobra deste texto (vv.
1-6).
Por último, tamén a voz ante aparece reiterada en tres versos consecutivos (vv.
6-7-8), mais en dous casos funciona como adverbio co sentido de ‘antes, anteriormente’,
e noutro como proposición, vindo a significar ‘diante de, en presenza da senhor’.
(pp. 83-87)
42
SEGUNDOS EXEMPLOS
Fonte: MENDES, Ana Luíza. A Imagem da Dama: O elogio à Senhor nas Cantigas de Amor de Dom
Dinis. ANAIS DO XI EIEM, DA ABREM, 2015
Nesta cantiga, Dom Dinis (1261-1325), reconhece a qualidade do trovar dos provençais,
porém, questiona se esse trovar provém de um sentimento sincero. Diante disso
podemos deduzir que o rei-trovador considera que o trovar se relaciona intimamente
com a sinceridade amorosa que intenta transmitir. Segundo o rei português, os
provençais amam somente no tempo da frol, ou seja, na primavera, o que significa dizer
que não amam verdadeiramente, pois o amor não tem estação, não é determinado por
ela.
43
Ora, Ventadour também é da mesma opinião. Na cantiga com que iniciamos
identificamos inclusive o reconhecimento da perfeição da sua composição pelo fato de
que ela foi inspirada por um sentimento verdadeiro. Como, então, podemos entender
esse questionamento de Dom Dinis? Primeiramente, devemos reconhecer o fato de que
Ventadour e Dinis são de séculos diferentes. Portanto, Dinis generaliza. Posiciona-se na
frente de todos os provençais. Questiona a arte trovadoresca provençal. Arte que lhe era
conhecida. Dinis foi educado para ser rei e para ser trovador, por isso conhecia as
técnicas do trovadorismo provençal. Um dos elementos que identificava os trovadores
era justamente a educação artística. Esta educação lhes conferia o nome trovadores, daí
se explica o orgulho dessa denominação (SPINA, 1991: 75) e a afirmação perante aos
jograis e segréis16, seres diferentes do ponto de vista social e artístico.
(...)
No tocante ao elogio à dama, que no contexto ibérico será a senhor, uma vez que não
havia o signo feminino desta palavra, ela será, assim como as diretrizes do amor cortês,
a mais fremosa de todas as mulheres. E é justamente por esse motivo que o trovador lhe
rende o seu amor e declara a sua coita por não ter esse amor correspondido. A senhor
também será amada por ter mesura, ou seja, delicadeza, cortesia. Tal característica é
cobrada, no amor cortês, ao amante. Ele deve tratar a dama com mesura. Instigante
pensar que em uma de suas cantigas, Dom Dinis reconhece o mesmo em sua senhor:
(…) Nesta cantiga, Dom Dinis confessa sofrer pela sua senhor e pergunta a quem
poderá contar sobre esse sofrimento. Segundo as regras da mesura ele não deve contar a
16
Esse termo foi utilizado para designar, no século XIII, o jogral que além de executar também compunha
as cantigas, porém, não foi nesta acepção que o termo foi empregado pelos investigadores do assunto.
Além desses personagens do movimento trovadoresco também existiam as soldadeiras, dançarinas ou
cantoras que acompanhavam os jograis. Sobre esse assunto vide: LANCIANI, Giulia; TAVANI,
Giuseppe. Dicionário da literatura medieval galega e portuguesa. Lisboa: Caminho, 1993.
44
ninguém, pois ninguém deve saber a quem devota o seu amor. Assim, ele canta o seu
pesar na cantiga, para a sua amada. Dinis joga com os lugares-comuns do amor cortês,
afirmando que não há como se ter mesura sem um indício de desmesura (NOBRE,
2001: 56). É nessa perspectiva que também podemos analisar outra cantiga:
À senhor, mesurada e de bom prez, ou seja, de boas qualidades e, portanto, digna de ser
amada, Dinis pede por um bem. Ele reclama que nunca, desde o momento em que viu
sua senhor, momento a partir do qual passa a amá-la, ela quis lhe fazer o bem. Este bem
é uma recompensa pelo seu amor. A recompensa poderia ser um presente, poderia ser
um olhar, uma correspondência ao amor do trovador. Ou algo mais. Sim, pois o amor
cortês pregava certa continência, não a castidade. O amor cortês, com todos os seus
artifícios, dialoga com um sensualismo que pulsa sob a cobertura do amor idealizado.
(BARROS, 2007: 89)
A senhor de Dom Dinis é, assim como a dama dos provençais, idealizada, sem
correspondência na realidade. Talvez uma cantiga possa dizer o contrário:
A senhor aqui cantada, assim como a das demais cantigas, não se compara a nenhuma
outra no mundo. Deus a fez sem par, tanto no julgamento quanto no falar. Porém, nesta
cantiga acrescenta-se mais uma característica extremamente interessante. A senhor é tão
perfeita que erades bõa pera rei. Ou seja, ela era perfeita para um rei. Que senhor seria
perfeita para o rei Dom Dinis? Sim, rei. Nesta cantiga não é somente a voz do trovador
que aparece. Dom Dinis não tira a coroa ao trovar. E, se a dama do amor cortês é
superior ao trovador, quem seria a dama superior ao trovador que é superior a todos?
Para alguns estudiosos esta cantiga foi inspirada em Isabel de Aragão (1270-1336),
esposa de Dom Dinis, rainha culta e santa. Pode-se dizer que Isabel foi escolhida a
dedo. Um enlace com a filha do rei de Aragão traria inúmeras vantagens políticas. Ela,
de fato, tinha muitos pretendentes, e o escolhido foi Dom Dinis, também um excelente
partido. Dessa forma, o casamento de Dinis e Isabel foi um bom negócio. Como deveria
ser um casamento no período medieval. Isabel era culta e uma rainha extremamente
ativa, auxiliando o reinado de Dom Dinis com suas habilidades diplomáticas com
Aragão e com seu próprio filho que se insurge contra o pai e com suas atividades de
caridade e assistência. É possível afirmar, então, que Isabel foi uma excelente rainha.
Além disso, cumpriu seu papel de mulher: deu um herdeiro a Dom Dinis, o futuro
Afonso IV, além de uma filha, Constança, que seria rainha de Castela.
Então, diante disso, poderíamos afirmar que a cantiga foi destinada a Isabel. Podemos
dizer que é possível. Isabel, de fato, era boa para rei. Era boa para ser rainha, como o
foi. Porém não há como comprovar. Além do mais, devemos lembrar que Dom Dinis
tinha amantes, ou barregãs para nos atermos ao termo da época. Os nomes de algumas
delas eram conhecidos e constam no Livro de Linhagens do conde Pedro de Barcelos,
um dos filhos bastardos do rei. Inclusive, um destes bastardos teria sido o motivo pelo
qual Afonso, o filho legítimo, se insurge contra o pai, por conta do poder que o irmão,
Afonso Sanches, estaria recebendo no comando do reino. Uma luta gerada por ciúme.
Mas um ciúme político. Afonso não fez nada mais que assegurar o seu trono.
Diante disso, fica a questão: quem era boa para rei? As regras do amor cortês impedem
Dinis de dizer. Ele nunca diria, pois ele é um trovador, de fato. E não o é simplesmente
por ter sido o mais profícuo trovador português, com 137 composições, mas também
pela sua qualidade e por promover “uma condensação, recapitulação e síntese da
tradição poética em que se formou e, ao mesmo tempo, uma espécie de confronto
criativo com os textos que ‘cita’ ou aos quais ‘alude’” (PIZARRO, 2008: 321).
Assim, ao fazer o elogio à senhor Dom Dinis faz um elogio ao trovadorismo galego-
português, a si e ao seu reino. Tanto ele quanto os provençais irão afirmar a perfeição do
seu fazer poético e cada qual quer que o seu seja o mais sincero. Através do elogio à
senhor que se mantém nos moldes do amor cortês e da pretensa vontade de querer
46
trovar como os provençais, como sugere a cantiga Quer’eu em maneyra de proençal, o
rei-trovador, na verdade faz um elogio ao seu reino. Utilizando-se da emulação, que é
um tipo de imitação, mas que se pretende diferente porque sua meta é superar os
provençais. E, para tanto, atualiza a recepção de forma consciente (GUIMARÃES,
2014: 58), ou seja, imitando ou se utilizando das técnicas provençais de trovar ele
estabelece o público em uma tradição poética que passa, então, a ser compartilhada e
transformada numa expressão de identidade.
47
NOS CANCIONEIROS GALEGO-PORTUGUESES, A QUEBRA DOS
CÂNONES
E ben digades, pois m’én vou, verdade, ] (E bem digo a verdade a Deus, pois me vou
daqui)
se eu das gentes algun sabor avia, a (gosto)
ou das terras en que eu guarecia. a (salvar-se)
Por aquest’era tod’, e non por al; b (era apenas por isso e mais nada)
mais ora ja nunca me será mal b
por me partir d’elas e m’ir mia via. a (ir-me embora)
17
Essa cantiga-descordo de Nuneannes Cerzeo também aparece no Cancioneiro da Biblioteca Nacional.
(Org.) Elza Paxeco Machado e José Pedro Machado. Lisboa: Edição da Revista de Portugal, 1949, vol. I,
p. 192-195.
18
O descordo já era conhecido pelos trovadores provençais e “se caracteriza, como su nombre indica, por
ser una composición en la que cada una de las estrofas tienen una fórmula métrica distinta, y por lo tanto
también una melodía individual, lo que va en contra del rígido princípio de isometría a que obedecen los
demás géneros. Ello supone una gran variedad y riqueza de metros, rimas y melodías.” (RIQUER, op. cit.,
I, p. 49).
48
Ca sei de mi
quanto sofri
e encobri
en esta terra de pesar.
Como perdi
e despendi, (gastei)
vivend’aqui,
meus dias, posso-m’én queixar. (disso)
E cuidarei,
e pensarei
quant’aguardei
o ben que nunca pud’achar.
E[s]forçar-m’ei,
e prenderei]
como guarrei]
conselh’agor’, a meu cuidar.] (e saberei o que fazer agora, creio, para me salvar)
Pesar
d’achar
logar
provar
quer’eu, veer se poderei.
O sen
d’alguen,
ou ren
de ben
me valha, se o en mi ei!
(Entenda-se: Quero eu ver se poderei tentar pensar em achar um outro lugar. O bom
senso de alguém, ou um pouco de bem que em mim tenha, me valha).
Valer
poder,
saber
dizer
ben me possa, que eu d’ir ei.
D’aver
poder,
prazer
prender
poss’eu, pois esto cobrarei.
(Entenda-se: Poder saber dizer me possa bem valer, que tenho de ir-me; de ter poder
para tomar prazer possa eu, pois isso recuperarei)
Assi querrei (quererei)
buscar palavra perduda
viver palavra perduda
outra vida que provarei, (tentar)
e meu descord’acabarei.19
19
In: Cancioneiro da Ajuda. [s.l.]: INCM, 1990. v. I, p. 764-767.
49
O que chama a atenção nessa peça é a desigualdade com que se montam e se
distribuem as estrofes e as rimas (...) Essa dissimetria, diga-se de passagem, não é
novidade. Vimos nos exemplos anteriores – com os provençais – que esse artifício,
apesar de raro, existiu e foi resultado de uma releitura que todos os poetas “antenados”
promoveram ao remontarem ao passado. (...)
Feito para o canto, o descordo de Cerzeo traz, também, um ritmo diferenciado
que deve ter causado estranhamento e, ao mesmo tempo, deleite aos ouvintes. No
subcapítulo precedente, observou-se que Marcabru havia composto uma canção cuja
visualidade evidente lembra as formas de um pássaro. Apesar de uma forma alargada
nos primeiros versos, aquela canção afunilava nos últimos, mantendo, entretanto, certa
regularidade dentro das redondilhas (as maiores, na forma alongada, e as menores, na
adelgaçada). No descordo de Nuneannes, há identidade de forma
(alargamento/afunilamento) com a de Marcabru, contudo, há maior extensão de número
de versos, destacando-se a irregularidade. No conteúdo, há igualmente certa identidade
de fundo: ambos aludem à partida: uma em busca da amada, outra, em fuga da terra
querida. Acrescente-se que, além da irregularidade própria deste subgênero poético,
essa partida é condensada no último verso que fecha com a palavra “descordo”,
denominação do tipo de poesia que criou para expressar seu sentimento. Se esse tema –
o da partida – não é novo, aliás, é recorrente na literatura medieval20, o exemplo desse
poema serve para destacar como, numa forma assimétrica em estrutura e ritmo, um
espírito poético inquietante se serve de recursos diferenciadores para destacar sua
individualidade poética.
Também Dom Dinis, num poema encontrado no Cancioneiro da Biblioteca
Nacional, compõe uma interessante peça, a de número 496, “Assi me Trax coytado”. O
uso de enjambements (ATAFINDA) parecia ser do agrado do monarca, haja vista a
proficuidade de seu emprego em diversas peças, o que demonstra, parece, destreza e
visão lúdica do poetar próprios de Dom Dinis. Nessa, entretanto, o procedimento
conjuga-se com a visualidade, se se tomar como parâmetro a lição dos organizadores.
Veja-se a transcrição do poema, como editado nesse último Cancioneiro:
21
In: Cancioneiro da Biblioteca Nacional, op. cit., III, p. 122-123. Os destaques são grifos meus.
51
NOVELAS DE CAVALARIA
Fonte: MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. São Paulo: Cultrix, 2008.
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na plenitude do ofício religioso, tem o privilégio exclusivo de receber a presença do
Santo Vaso, símbolo da Eucaristia, e, portanto, da consagração de uma vida inteira
dedicada ao culto das virtudes morais, espirituais e físicas. A novela ainda continua por
algumas páginas, com a narrativa do adulterino caso amoroso de Lancelote, pai de
Galaaz, e de D. Ginebra, esposa do Rei Artur. Tudo termina com a morte deste último.
A DAMA PÉ DE CABRA
Dom Diego Lopez era mui bõo monteiro e, estando üu dia en sa armada e
atendendo quando vêrria o porco, ouviu cantar muito alta voz üu molher en cima deüu
pena e el foi pêra lá e viu-a seer mui fermosa e mui ben vistida e namorou-se logo dela
mui fortemente e préguntou-lhe quen era e ela lhe disse que era üu molher de muito alto
linhagen, e el lhe disse que, pois era molher d’alto linhagen, que casaria con ela, se ela
quisesse, ca el era senhor daquela terra toda, e ela lhe disse que o faria, se lhe
prometesse que nunca se santificasse, e ele lho outorgou e ela foi-se logo con ele. E esta
dona era mui fermosa e mui ben feita en todo seu corpo, salvando que avia un pee
forcado, como pee de cabra. E viveron gran tempo e ouveron dous filhos e un ouve
nome Enheguez Guerra e a outra foi molher e ouve nome dona…
E, quando comian de suun don Diego Lopez e sa molher, asseentava el apar de si
o filho e ela asseentava apar de si a filha, da outra parte. E üu dia foi ele a seu monte e
matou un porco mui grande e trouxe-o pera sa casa e pose-o ante si, u sia comendo con
sa molher e con seus filhos, e lançaron un osso da mesa e vëeron a pelejar üu alão e üa
podenga sobr’ele, en tal maneira que a podenga travou ao alão ena garganta e matou-o.
E don Diego Lopez, quando esto viu, teve-o por milagre sinou-se e disse:
— Santa Maria, vai! quen viu nunca tal cousa. E sa molher, quando o viu
assisinar, lança mão na filha e no filho, e don Diego Lopez travo do filho e non lho quis
leixar filhar, e ela recudi con a filha por üu fresta do paaço e foi-se pera a montanha en
guisa que a non viron mais nen a filha.
Depois, a cabo de tempo, foi este don Diego Lopez a fazer mal aos mouros e
prenderon-no e levaran-no para Toledo preso. E a seu filho Enheguez Guerra pesava
muito de sa prison e vêo falar con os da terra, per que maneira o poderia aver fora da
prison. E eles disseron que non sabian maneira por que o podesse aver, salvando se
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fosse aas montanhas e achasse sa madre e que ela lhe diria como o tirasse. E el foi alá
soo, en cima de seu cavalo, e achou-a en cima de üu pena, e ela lhe disse:
— Filho Enheguez Guerra, ven a min, ca ben sei eu ao que veens.
E el foi pera ela e ela lhe disse:
— Veens a preguntar como tirarás teu padre da prison.
Enton chamou o cavalo que andava solto pelo monte, que avia nome Pardalo, e
chamou-o per seu nome, e ela meteu üu freo ao cavalo que tiinha e disse-lhe que non
fezesse força polo desselar nen polo desenfrear, nen por lhe dar de comer nen de bever,
nen de ferrar, e disse-lhe que este cavalo lhe duraria en toda sa vida e que nunca entraria
en lide que non vencesse dele. E disse-lhe que cavaigasse en ele e que o poria en
Toledo, ante a porta a jazia seu padre logo en esse dia e que, ante a porta u o cavalo o
posesse, que ali decesse, e que achairia seu padre estar en üu curral e que o ficasse pela
mão e fezesse que queria falar con ele, que o fosse tirando contra a porta u estava o
cavalo e que, des que ali fosse, que cavalgasse eno cavalo e que posesse seu padre ante
si e que ante noite seria en sa terra con seu padre e assi foi. E depois, a cabo de tempo,
morreu dou Diego Lopez e ficou a terra a seu filho don Enheguez Guerra.
(LANG, 2011: 130)
Fonte: http://www.consciencia.org/a-dama-pe-de-cabra-conto-popular-medieval-portugues
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ATIVIDADE - TROVADORISMO
PARTE I
PARTE II
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2. Leia a cantiga a seguir e responda às questões:
UN CAVALO NON COMEU
Joan Garcia de Guilhade.
(CD Cantigas from the Court of Dom Dinis. harmonia mundi USA, 1995.)
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