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FRENTE MÓDULO

HISTÓRIA A 03
Formação, Apogeu e Crise
do Sistema Feudal
CRONOLOGIA A arte medieval foi considerada pelos homens renascentistas
como grosseira e pobre. Rafael Sanzio, pintor do Renascimento
italiano, incorporou esse preconceito utilizando a expressão
Tradicionalmente, a Idade Média é caracterizada como
o período que se estende do século V, mais precisamente “gótica” (originária do termo “godos”, um dos povos

da queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., denominados bárbaros) para se referir à arte do período.
até o final do século XV. Ainda de acordo com essa divisão,
A partir do século XIX, no entanto, a Idade Média
o Período Medieval pode ser separado em Alta Idade Média,
dos séculos V ao IX, e Baixa Idade Média, dos séculos X ao XV. passou a ser revalorizada e revista. Foram os românticos –
No período da Alta Idade Média, ocorreu a formação do que se opunham ao racionalismo moderno – quem
feudalismo, e, ao longo da Baixa Idade Média, assistiu-se à resgataram os medievais, considerando-os formadores das
consolidação e à decadência do mundo feudal. nacionalidades europeias. Um dos ápices do resgate medieval
ocorreu durante as invasões napoleônicas do século XIX,
Para alguns autores, no entanto, esse período não teria
tido o seu fim antes do século XVIII. De acordo com o já que, diante da expansão francesa, as nações oprimidas
historiador Jacques Le Goff, a Idade Média chegou ao fim com exacerbaram o seu discurso nacionalista.
a Revolução Industrial e com a Revolução Francesa, quando
Os historiadores do século XX, por sua vez, passaram
ocorreram a consolidação do capitalismo e a crise do Antigo
Regime. Segundo essa visão, foi somente nesse período a perceber o Período Medieval levando em conta suas
que os valores de origem medieval teriam chegado ao fim. especificidades. Sabe-se hoje que o desenvolvimento
técnico, em áreas como da agricultura, foi significativo
no período. Já na Filosofia, Agostinho de Hipona e Tomás
VISÕES SOBRE A de Aquino são exemplos da sofisticação do pensamento
IDADE MÉDIA medieval. A arte e a arquitetura também são valorizadas e
as catedrais medievais são símbolos da grandeza artística
O mundo medieval foi, durante muito tempo, tratado
do período.
de maneira preconceituosa. O termo “Idade Média”, por
exemplo, é fruto dessa visão, visto que nele subjaz a ideia
de que esse longo período correspondia a um estágio ALTA IDADE MÉDIA
intermediário entre a grandeza da Antiguidade Clássica e
do Mundo Moderno. Essa percepção surgiu durante o início O período compreendido entre a queda do Império Romano
da Idade Moderna, com a crescente valorização dos ideais do Ocidente e uma segunda onda de migrações ocorrida
humanistas no contexto do Renascimento. Para o homem nos séculos IX e X é conhecido como Alta Idade Média.
renascentista, que valorizava a razão, a Idade Média, Naquele momento, ocorreram transformações que levaram
marcada pela intensa religiosidade e pelo predomínio à consolidação do mundo feudal, mundo este marcado pela
da Igreja, foi um período de obscuridade e ignorância.
combinação de instituições de origem romana e dos reinos
A partir desse momento, termos como “Idade das Trevas”
germânicos, chamados de bárbaros pelos romanos.
ou a “Longa Noite dos Mil Anos” foram comuns para
designar tal período. Nesse período, foi registrada uma retração populacional,

De acordo com essa visão, na Idade Média, não teriam que já existia desde a crise romana. Assim, é possível perceber
ocorrido avanços nas áreas da ciência, das artes e da Filosofia, que a presença dos povos germânicos não representou
acreditando-se que o desenvolvimento humano teria sido aumento da população; estima-se que eles constituíam
contido e só seria retomado a partir da Idade Moderna. apenas 5% da população na antiga área do Império.

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Frente A Módulo 03

Concomitantemente a esse processo, o êxodo urbano se Após a morte de Clóvis, as disputas entre os merovíngios
manteve, o que não significa que a vida urbana tenha levaram ao enfraquecimento da dinastia e à ascensão
sido completamente abandonada. É importante ressaltar, dos carolíngios. Essa dinastia se iniciou com Carlos Martel
ainda, que, paradoxalmente, a ruralização europeia (686-741), que conteve a expansão muçulmana em direção à
não acarretou uma prosperidade produtiva, já que a Europa Central ao derrotá-los na Batalha de Poitiers em 732.
Alta Idade Média foi marcada pela expansão da fome e O auge desta dinastia, no entanto, deu-se com Carlos Magno
das epidemias. (742-814) que, durante o período em que esteve no poder,
contando com o apoio da Igreja e com um reinado de grande
Os povos germânicos formaram uma série de reinos na
vigor pessoal, conseguiu manter extensos domínios unificados
Europa Ocidental. O antigo Império havia se fragmentado,
e conquistar novas áreas. Assim, enquanto nos demais reinos
dando origem às chamadas monarquias germânicas, como
predominavam a fragmentação e a instabilidade política,
demonstrado no mapa a seguir: o Império Carolíngio desfrutava de relativa unidade. O mapa
a seguir demonstra a extensão do Império.
Os reinos bárbaros no século VI
Império Carolíngio
N
Jutas
Celtas N
Frisões

Bretões Saxões
Mar do
OCEANO Eslavos
Turíngios Norte
ATLÂNTICO
Paris Hunos
Bretões Lombardos

Gépidas Saxônia

úbio Ponto Euxino


Dan

Aachen
Roma Armênios
Australásia
Baviera
Nêustria
Atenas
Caríntia
Cartago OCEANO
Mouros Berberes Mar M ATLÂNTICO Borgonha
editerrâne
o Lombardia
Aquitânia
Alexandria Árabes
0 601 km

Córsega Roma
Reinos anglo-saxônicos Reino dos ostrogodos Demais povos Zona fronteiriça
Reino dos visigodos Reino dos vândalos germânicos espanhola
Territórios herdados
Reino dos francos Império Romano do Oriente por Carlos Magno, 771
Territórios conquistados
Reino dos suevos Reino dos burgúndios por Carlos Magno 0 319 km
Mar Mediterrâneo

A expansão do Império Carolíngio acarretou o fortalecimento


O reino dos francos do cristianismo nas regiões submetidas. Em troca do apoio
da Igreja, os soberanos carolíngios concederam um vasto
Entre os vários reinos formados durante a Alta Idade
território na região da Península Itálica à Igreja, que ganhou
Média, um deles merece atenção especial, o dos francos.
condições de se tornar uma instituição política atuante.
Esses povos, que foram aliados dos romanos até o século V,
Além disso, reforçando o costume do pagamento do dízimo
assumiram o domínio político da Gália sob a liderança de
à Igreja, os carolíngios vincularam-na definitivamente
Clóvis I (466-511).
à economia da época.
Clóvis unificou as tribos francas e ampliou suas fronteiras,
Nas áreas dominadas, Carlos Magno passou a conceder,
conquistando regiões ocupadas por outros povos e
ainda, terrenos àqueles chefes que o ajudaram na conquista
anexando-as ao seu território. Iniciou-se assim, a dinastia
de territórios. A nobreza franca e a Igreja recebiam faixas
merovíngia, que recebeu esse nome, pois, nessa época, os de terra e, em troca, juravam fidelidade ao imperador.
francos ainda eram pagãos e se consideravam descendentes Começava-se, desse modo, a expansão da relação que daria
de uma divindade marinha nomeada Meroveu. origem à vassalagem e à suserania, por meio da qual alguns
A importância dos francos está vinculada à consolidação homens criaram uma rede hierárquica de poder.
do cristianismo na Europa Ocidental e à generalização No auge do Império Carolíngio, Carlos Magno foi aclamado
das relações de vassalagem e suserania. A conversão de imperador do Império Romano do Ocidente, título concedido pelo
Clóvis ao cristianismo foi fundamental para o controle das papa Leão III. Durante o seu reinado, ocorreu o Renascimento
populações de origem romana, em sua maioria cristã, Carolíngio, momento de valorização da cultura de origem
no interior do reino. O reino dos francos foi o primeiro entre romana, como o latim, tendo a escola de Aix-la-Chapelle
aqueles de origem germânica a se converter ao cristianismo. se tornado um importante centro intelectual europeu.

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Após a morte de Carlos Magno, vários fatores colaboraram A relativa centralização característica dos impérios outrora
para a desagregação do Império Carolíngio. As disputas existentes daria lugar à pulverização do poder político
entre os netos do imperador – Carlos, o calvo; Luís, em meio à nobreza feudal. A Europa se fechava, dando
o germânico; e Lotário – provocaram a partilha do Império origem ao feudalismo.
pelo Tratado de Verdun em 843. Nessa divisão, aparecia
o primeiro esboço do futuro mapa político europeu. FEUDALISMO
De acordo com Hilário Franco Júnior:
A palavra “feudalismo” tem sua origem em feudum,
O tratado estabeleceu dois grandes blocos territoriais, que em latim significa posse ou domínio. Para alguns autores,
étnicos e linguísticos (dos quais surgiriam as futuras França o feudalismo teve sua origem na França, nos séculos IX e X,
e Alemanha) e uma longa faixa pluralista, composta de e seu desaparecimento deu-se ao longo dos séculos XV e XVI.
uma zona de personalidade definida (Itália do Norte), De acordo com o historiador Marc Bloch, o feudalismo pode
zonas multilinguistas que sofreriam o poder de atração ser resumido em:
daqueles primeiros blocos (futuras Bélgica, Países Baixos,

HISTÓRIA
Um campesinato mantido em sujeição; uso generalizado
Luxemburgo, Suíça), zonas intermediárias, que seriam objeto
do serviço foreiro (isto é, o feudo) em vez de salário [...];
de longas disputas (Alsácia, Lorena, Trieste, Tirol).
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do
a supremacia de uma classe de guerreiros especializados;
Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001. [Fragmento] vínculos de obediência e proteção que ligam homem a homem
e, dentro da classe guerreira, assumem a forma específica
denominada vassalagem; fragmentação da autoridade [...].
Divisão do Império Carolíngio (843)
BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa:
N Edições 70, 1987.

Mar
do Norte A estrutura feudal clássica predominou na Europa
HIBÉRNIA
Ocidental, principalmente em sua porção central, e deve ser
Hamburgo
BRITÂNIA compreendida em suas diversas manifestações, sejam elas
Fuida
Aix-la-Chapelle FRANÇA políticas, econômicas, culturais ou religiosas.
Verdun ORIENTAL
Ratisbona
OCEANO
ATLÂNTICO
Paris
Estrasburgo
Salzsburgo
Política
FRANÇA
OCIDENTAL
Em geral, a política feudal foi caracterizada pela fragmentação
Lyon
Bordéus Milão do poder, afinal, as constantes guerras e migrações, bem
ESTADOS
Toulouse DA IGREJA como as relações de vassalagem e suserania, colaboraram
Córsega Espoleto para o enfraquecimento do poder real.
ESPANHA
Barcelona Roma
Apesar da isolada ação do Império Carolíngio,
Parte de Carlos, o Calvo Sardenha
Parte de Lotário
a descentralização teve sua origem no declínio do Império
edite rrâneo
Parte de Luís, o Germânico Mar M Sicília Romano, quando, gradativamente, o Estado foi concedendo
0 330 km
atribuições estatais aos grandes proprietários de terra.
A grande extensão do Império levou à implantação dessa
Além dos problemas internos, novas migrações –
situação, mantida após as migrações dos povos germânicos.
dos vikings e magiares ou húngaros – provocaram a
A diversidade desses povos e os constantes conflitos
fragmentação do Império Carolíngio. O trecho a seguir reflete
impediram o retorno à unidade.
a situação no Império a partir dessas migrações:
Desse modo, os reis que comandavam as monarquias
Ve d e s d e s a b a r s o b r e v ó s a c ó l e ra d o S e n h o r. . . medievais viram seus poderes serem divididos em meio
Só há cidades despovoadas, mosteiros em ruínas ou à nobreza proprietária de terras. Ainda assim, a figura do
incendiados, campos reduzidos ao abandono... Por toda rei era revestida de caráter sagrado; a permanência da
a parte o poderoso oprime o fraco e os homens são cerimônia de sagração do monarca pela Igreja era prova
semelhantes aos peixes do mar que indistintamente se disso. Nessa cerimônia, o monarca era ungido por um
devoram uns aos outros. óleo, consagrado anteriormente pela autoridade religiosa,
Depoimento dos bispos da província de Reims em 909. que manifestava o elo divino entre o clero e o governo
monárquico. A crença, reiterada durante considerável
A partir desse evento, a configuração do mapa período, na capacidade de cura dos reis, mediante o simples
europeu se aproximava, então, da realidade feudal. toque deles, também atesta essa visão.

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Frente A Módulo 03

As relações entre o Estado e os indivíduos foram substituídas Economia


por relações de dependência pessoal. Predominavam os
laços de fidelidade entre os homens, colaborando para o Até os séculos IX e X, é possível dizer que a economia
enfraquecimento das relações impessoais entre Estado e europeia passou por um período de retração e estagnação.
cidadão. Esses vínculos têm suas origens nas tradições As produções agrícola, artesanal e comercial foram reduzidas,
guerreiras dos povos germânicos. Uma delas, o comitatus, era principalmente, em razão do retrocesso demográfico
um acordo entre os chefes guerreiros germânicos a respeito percebido no período. Predominava, nesse primeiro momento,
da fidelidade na guerra e da divisão dos despojos após as a produção agrícola em propriedades que se assemelhavam
vitórias nas batalhas. Existia também o beneficium, concessão
às vilas de origem romana. Nessas propriedades, existiam
da posse de um lote para remunerar determinado serviço.
os lotes reservados aos senhores e aqueles destinados
Essas tradições difundiram-se pelos reinos medievais aos camponeses.
e deram origem às relações de vassalagem e suserania.
A produção voltada para subsistência e os constantes
Como já foi dito, o reinado de Carlos Magno colaborou para
conflitos provocaram a diminuição das transações comerciais
a expansão dessas relações, visto que, naquele contexto,
o monarca distribuía lotes de terra (condados e marcas) e do uso da moeda, sem causar, no entanto, o seu
entre os guerreiros que o auxiliavam nas conquistas de novos desaparecimento. O mesmo pode ser dito em relação às
territórios. Aqueles que passavam a deter direitos sobre cidades: o processo de ruralização não provocou o completo
essas faixas de terra passavam a ser condes e marqueses, abandono da vida urbana. As relações comerciais ocorriam
formando-se, desse modo, uma nobreza fundiária. de maneira esporádica, por exemplo, quando determinado
produto não fosse comum em uma região. Mercadores
Os laços feudo-vassálicos eram estabelecidos por três judeus tiveram importância nessas transações, trazendo
atos, que correspondiam às necessidades recíprocas que
seda, especiarias e sal de outras regiões.
justificavam sua existência. O primeiro era a homenagem,
o ato de um indivíduo tornar-se “homem” de outro. Se os primeiros anos da Idade Média foram marcados por
O segundo era a fidelidade, juramento feito sobre a Bíblia
instabilidades sociais, a partir do século XI, observa-se o
ou sobre relíquias de santos e muitas vezes selado por um
aumento demográfico na Europa Ocidental. Esse aumento
beijo entre as partes. O terceiro era a investidura, pela qual
o indivíduo que se tornava senhor feudal entregava ao outro, ocorreu, entre outros fatores, devido ao fim das migrações e
agora vassalo, um objeto (punhado de terra, folhas, ramo dos conflitos, bem como em razão das limitações da guerra
de árvore, etc.) simbolizador do feudo que lhe concedia. medieval, que nem sempre fazia um grande número de
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do vítimas e caracterizava-se pelas interrupções constantes
Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001. [Fragmento]
relacionadas às obrigações entre vassalos e suseranos.
O desenvolvimento das técnicas agrícolas e a expansão das
Após o juramento de fidelidade, constituía-se um laço
áreas cultivadas também colaboraram para o aumento da
contratual que unia dois homens livres: o suserano, que
contaria com a prestação de serviços militares por tempo produção e para o consequente crescimento populacional.
determinado, e o vassalo, que recebia o feudo e devia Algumas das inovações apresentadas foram a implantação
lealdade ao senhor. Aquele que cedia os direitos perdia parte
do sistema trienal (o que permitia que uma faixa de terra
de seu poder político, que era transferido para o vassalo,
descansasse enquanto outras duas eram cultivadas,
e, em troca, recebia proteção no caso de guerras.
possibilitando o resgate da produtividade agrícola),
A expansão desses laços pessoais contribuiu para o e a utilização da charrua (instrumento puxado por cavalos –
enfraquecimento do poder do rei, que passou a ser um animais de maior robustez – capaz de perfurar em maior
suserano, e reforçou os poderes locais. Em seu feudo, profundidade o subsolo, preparando adequadamente o
portanto, o senhor poderia aplicar a justiça, garantir a
solo para ser cultivado), da força motriz animal, do adubo
proteção e tratar da administração e da fiscalização. Esse
mineral e dos moinhos de água e de vento.
contexto reforçou o caráter militar da nobreza medieval,
constituída como um grupo dedicado às guerras. Assim, Concomitantemente ao aumento da população europeia,
as guerras medievais diferiam das contemporâneas, pois observou-se a expansão dos feudos, unidades básicas
eram disputadas por um grupo restrito da elite, os cavaleiros. de subsistência e provedoras de toda a sobrevivência do

A fragmentação política foi característica da maior parte mundo feudal. Além da produção agrícola, o artesanato e
da Alta Idade Média e só começou a ser superada a partir do a manufatura eram atividades praticadas nesse período.
século XI, momento em que ocorreram os primeiros passos Os artesãos produziam armas, tecidos, móveis e ferramentas
rumo à consolidação dos Estados europeus. destinados ao consumo restrito.

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Formação, Apogeu e Crise do Sistema Feudal

Nos feudos, predominava o poder dos senhores feudais,


nobres ou membros do clero, que impunham a administração,
EXPANSÃO DO FEUDALISMO
aplicavam a justiça e garantiam a ordem. Essa independência O crescimento demográfico, agrícola e comercial,
de poderes refletia-se também na economia, já que o sistema a partir do século XI, provocou alterações no panorama
de pesos e medidas e as moedas, ainda escassas, variavam europeu. Por um lado, o feudalismo atingiu seu apogeu
de feudo para feudo, dificultando as relações comerciais. na Europa nesse período, mas, por outro, as mesmas
transformações que levaram o sistema feudal a uma
As terras feudais eram divididas em mansos: o senhorial, estabilização colaboraram para a desarticulação desse
o servil e o comunal. No manso senhorial, encontrava-se mundo e para a formação dos Estados Modernos.
o castelo, residência fortificada dos nobres. Nessas terras,
As cidades, à medida que se expandiam, aceleravam o
o trabalho era executado pelos servos e toda a produção
processo de crise do modelo feudal, pois permitiam que
era destinada aos senhores. Os mansos servis, por sua vez,
uma nova camada social, os comerciantes, progredisse
eram terrenos arrendados aos servos em troca de proteção
em termos financeiros. Esse fator atraía cada vez mais
e explorados pelos próprios servos, que deviam várias
descontentes que buscavam tentar a sorte nas cidades,

HISTÓRIA
obrigações ao senhor. Já o manso comunal era formado estimulando-os a romper com o modelo feudal ainda
por pastos e bosques de uso comum, ou seja, sujeito à em curso. É fundamental, assim, o estudo da expansão
exploração tanto dos senhores quanto dos servos. urbano-comercial estimulada pelas Cruzadas, bem como o da
crise do século XIV, para se compreender as transformações
A relação de trabalho predominante nos feudos foi a
que levaram à consolidação de novas formas de organização
servidão, que, como já visto, teve sua origem no colonato,
política no interior da Europa.
ainda no Império Romano. No entanto, o servo estava
vinculado à terra, embora, em muitos casos, esse vínculo
pudesse ser rompido, e devia ao senhor uma série de
Expansão comercial e urbana
obrigações, pagas em forma de trabalho. Entre as várias O crescimento demográfico verificado na Europa
obrigações, podem ser destacadas as principais, como: a partir do século XI provocou a revitalização urbana
e comercial. É importante lembrar que as cidades e o
• Corveia: trabalho não remunerado nas terras comércio nunca desapareceram por completo durante o
do senhor, geralmente três dias por semana, Período Medieval, mas permaneceram como locais das
no cultivo ou em outros serviços, como a construção, sedes administrativas da Igreja, da realização de feiras e
a manutenção e o transporte.
para onde, muitas vezes, prosseguiam grupos de romeiros.
• Censo: uma pequena renda fixa paga em dinheiro
Na medida em que o excedente agrícola era ampliado,
ou em espécie.
realizavam-se trocas cada vez mais frequentes dentro
• Mão-morta: cobrança pela transferência hereditária, dos feudos, dinamização essa que passou a se alimentar
taxa cobrada para permitir que o filho do camponês do espaço urbano, rico em mercado de consumo e com
permanecesse na terra. diversificada oferta de matéria-prima e mercadorias. Nesse
contexto, novas técnicas de produção foram aperfeiçoadas,
• Banalidades: taxas pelo uso do moinho, do forno e
colaborando para que houvesse nítido avanço comercial.
de outras instalações de propriedade do senhor.
Surgiram, dessa forma, os primeiros núcleos urbanos nas
• Talha: parcela paga pela produção no manso servil.
principais rotas comerciais. Entre 1150 e 1330, o mundo
• Champart (de campi pars, “parte da colheita”): devida urbano medieval viveu seu apogeu. De acordo com Jacques
pelo camponês e proporcional ao resultado da colheita Le Goff, historiador que se destaca como referência nas
nas terras servis. pesquisas sobre a Idade Média:

• Dízimo: taxa devida à Igreja. A atividade econômica, cujo centro são as cidades,
Apesar de realizar um trabalho compulsório e, em muitos chega ao seu mais alto nível. Sob a égide de uma Igreja

casos, não poder abandonar a terra, o servo não pode ser [...] uma nova sociedade, marcada pelo cunho urbano,
manifesta-se num relativo equilíbrio entre nobreza, que
considerado como escravo. Esta diferença é relevante,
participa do movimento urbano mais do que se tem afirmado,
pois o servo não era considerado uma propriedade, por mais
burguesia [...] e classes trabalhadoras, das quais uma parte –
que, em alguns casos, tenha sido comprado ou vendido.
urbana – fornece a massa de mão de obra às cidades, e a
Além disso, o servo podia trabalhar para o seu próprio
outra – rural – alimenta a cidade e é penetrada por seu
sustento e deveria ser protegido pelos senhores.
dinamismo. A cultura, a arte e a religião têm uma fisionomia
Por outro lado, o servo também não era um trabalhador eminentemente urbana.
livre, já que estava submetido pelos senhores feudais ao LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval.
São Paulo: Martins Fontes, 1993.
trabalho e ao pagamento em serviços de forma obrigatória.

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Frente A Módulo 03

Em algumas das grandes cidades europeias desse período,


As divisas dos primeiros selos inspiravam-se tanto em
a população chegava a 40 mil habitantes e, apesar de símbolos religiosos quanto em heráldicos, em paisagens da
vinculada às atividades comerciais, dependia dos alimentos cidade com seus portões e muralhas, e ocasionalmente em
vindos do mundo rural. Não é correto, desse modo, associar retratos. O selo de Doullens (Somme) reproduz as cabeças
o crescimento da cidade ao declínio dos feudos, visto que os dos Scabini, ou magistrados municipais, por exemplo.

feudos, inicialmente, colaboraram para sustentar a expansão LOYN, Henry R. (org.). Dicionário da Idade Média.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. [Fragmento]
urbana mediante o abastecimento agrícola.

Nesse contexto, surgiram os chamados forisburgos Nas cidades, a atividade econômica se desenvolveu
(do inglês médio, borough = cidade pequena e cercada de principalmente nos setores do comércio e do artesanato.
Os mercadores, chamados também de burgueses,
muralhas). Os grandes muros eram estratégia de defesa
dominavam as atividades comerciais e, em muitas cidades,
para resguardar mercadorias, comércio e lucros obtidos,
controlavam também o poder político. A revitalização
visando à proteção e à regularização do tráfego, assim como
do uso da moeda acompanhou a expansão comercial.
à organização da cobrança de impostos.
Os produtos do grande comércio eram os grãos, o vinho,
No mundo urbano, os habitantes desfrutavam de o sal, os couros e as peles, os tecidos, os minerais e os
maior liberdade, vendo-se desvinculados de alguns laços metais e, secundariamente, a madeira.
feudais. Era comum, em algumas regiões, que servos
para lá fugissem, tornando-se livres. Caso, após um dado
período, os senhores não conseguissem recuperá-los
e levá-los de volta ao feudo, essa liberdade seria então
definitiva. Com tal estratégia, arrebanhava-se mão de obra
para os centros urbanos em expansão.

Por se situarem em propriedades de senhores feudais,

Autor desconhecido / Domínio Público


no entanto, os citadinos ainda estavam submetidos ao
pagamento de tributos e à prestação de serviços ao senhor,
embora possuíssem autonomia administrativa para gerir os
centros urbanos. O documento a seguir apresenta algumas
das reivindicações dos citadinos:

No ano de Nosso Senhor de 1301, quando o rei Filipe


Mercadores de Bolonha discutem preços na venda de peles
entrou em Gand, o povo saiu ao seu encontro exigindo em
de animais (1339).
altos brados que o libertasse de um pesado imposto que
havia em Gand e em Bruges sobre os artigos de consumo, O poder dos comerciantes nas cidades aumentava
especialmente a cerveja [...].
gradativamente, o que os levou a se associarem.
LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval. Tais associações eram denominadas guildas e tinham como
São Paulo: Martins Fontes, 1993. objetivo defender os interesses dos mercadores, como
também garantir a isenção de certos impostos e facilitar
Em muitos momentos, desejando se ver livres desse a realização das atividades comerciais de seus membros,
domínio, os habitantes das cidades organizaram movimentos mediante o controle de preços previamente articulados,
por exemplo. Do mesmo modo que defendiam os negócios
comunais, que resultaram na conquista da autonomia política
de seus associados nas cidades, as guildas os defendiam
para a cidade, inclusive subordinando os senhores, o que
das relações comerciais empreendidas por seus associados
fortaleceu os laços de solidariedade entre os citadinos,
no exterior. No mundo urbano, seu poder cresceu de tal
rompendo com a dominação feudal. Apesar desses conflitos,
forma que extrapolou a esfera econômica, tornando-se
os habitantes das cidades e os senhores possuíam forte algumas guildas potências políticas:
interdependência, já que, em alguns casos, as cidades
necessitavam da proteção que só os nobres poderiam Era o caso dos poderosos mercadores importadores e
proporcionar. exportadores pela via fluvial do Sena. Desde o século XII,
em Paris, a guilda [...] é uma potência econômica e política.
Assim, como forma de reafirmar sua autonomia, os tribunais Em Rouen [...] rege tudo quanto concerne ao porto e ao
estabelecidos pelos cidadãos, que também cuidavam da tráfico no Sena [...] e frequentemente entra em choque
com o prefeito.
administração e da infraestrutura no mundo urbano, adotaram
símbolos próprios, tradição essa de origem aristocrática, como LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval.
São Paulo: Martins Fontes, 1993.
a criação de selos com traços referentes aos centros urbanos:

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Formação, Apogeu e Crise do Sistema Feudal

Em determinadas cidades, havia outro foco de poder, Nos séculos XII e XIII, as feiras eram os grandes centros
representado pelos artesãos. Reunidos nas corporações de de comércio europeus, sendo que algumas recebiam
ofício, os artesãos estabeleciam as regras para a produção mercadores de todo o continente. As atividades financeiras
artesanal, regulamentando a qualidade, a produção e o e bancárias ganharam espaço, viabilizando as transações
recrutamento para diversos ofícios, com base nos interesses financeiras nesses locais e tornando possíveis empréstimos
do empregador e do artesão qualificado e estabelecido. e notas bancárias, o que facilitou as trocas realizadas entre
pessoas provenientes de diferentes partes da Europa.
As corporações favoreciam os interesses dos artesãos
das diferentes cidades ao dificultar a concorrência, inclusive As feiras proporcionaram a regularidade do comércio
dos produtos vindos de fora. Por isso, uma das medidas europeu na Baixa Idade Média, visto que garantiam o
tomadas era a delimitação estrita das áreas de atuação, encontro frequente entre os mercadores de várias regiões.
de modo a evitar a sobreposição de competências. Na região de Champagne, na França, as feiras recebiam
Procurava-se dificultar, por exemplo, que uma oficina de mercadorias provenientes das regiões de Flandres, Gênova,
conserto tivesse permissão de confeccionar peças novas. Veneza e de regiões da atual Alemanha. A lã inglesa,
as especiarias e os corantes mediterrâneos, as peles e os
Existiam corporações para cada um dos ofícios exercidos e a linhos alemães, os artigos espanhóis de couro eram as

HISTÓRIA
não associação poderia implicar banimento da cidade. Os laços principais mercadorias de troca.
de solidariedade entre os associados eram reforçados, já que,
em alguns casos, as corporações tinham caráter assistencial. Com o incremento do comércio a longa distância, surgiram
agremiações entre os comerciantes de várias cidades,
Os estatutos e a hierarquia eram rígidos e o não cumprimento
chamadas hansas. A mais poderosa entre essas ligas foi a
das regras poderia levar a graves punições:
hanseática, que dominava o comércio no norte da Europa.
Os mercadores dessa região estabeleceram o monopólio
Em Douai, em 1284, um peixeiro é espancado quase até a
morte por seus concorrentes porque vende sua mercadoria comercial no Báltico, transportando mercadorias como
mais barato. peixe, madeira, cereais e peles. Da região de Flandres,
LE GOFF, Jacques. O apogeu da cidade medieval. eram levados tecidos e lã, que eram revendidos por toda
São Paulo: Martins Fontes, 1993. [Fragmento] a Europa. No sul, as cidades mediterrâneas de Gênova e
Veneza passaram a controlar, progressivamente, o comércio
A expansão da atividade comercial reanimou o comércio de especiarias vindas do Oriente, em especial após as
de longa distância. No entrecruzamento das principais Cruzadas. O mapa a seguir demonstra a vitalidade do
rotas comerciais, as feiras medievais se fortaleceram. comércio medieval a partir do século XII.

Rotas comerciais durante a Baixa Idade Média

N Bergen
Estocolmo
PESCADO Novgorod
BETUME
co

Mar PELES
lti

Pskow PELES

do MADEIRA
Norte ar Riga CEREAIS
M
PESCADO PELES
CARVÃO MEL Moscou
Könisberg CERA
Kiel Stralsund
Hull Rostock Gdansk
Lübeck
Bremen Hamburgo
LÃ Londres Breslau
Bruges Colônia
ESTANHO
Leipzig Kiev ESCRAVOS
Sarai
Bruxelas Cracóvia CEREAIS
TECIDOS
MADEIRA
Paris METAIS
VINHO Viena
Augsburgo
Budapeste
Chalons Tana
Limoges
OCEANO Milão Veneza
ATLÂNTICO Bordeaux Gênova
Belgrado Feodosia
Avignon Pisa Florença
Marselha Ragusa Nish
Montpellier Siena Mar
Roma Neg
Córsega ro
FRUTAS SECAS Constantinopla
E CÍTRICAS Barcelona Nápoles Durazzo
COURO Valência
Sardenha
AZEITE DE
MEL Toledo OLIVA Preveza
Maiorca
Córdoba
Cartago Sicília
Antioquia
Creta
Ma Chipre
r Mediterrân
eo
Damasco
TAPETES Tiro
MARFIM FRUTAS SECAS Trípoli ESPECIARIAS
CORAIS VIDROS
AMÊNDOAS Alexandria
CERÂMICAS
AZEITE DE OLIVA TAPETES
0 400 km

Bernoulli Sistema de Ensino 29


Frente A Módulo 03

A expansão comercial provocou transformações nas A busca pela Terra Santa era, ainda, uma possibilidade para
estruturas da sociedade europeia, que, mesmo tendo o escoamento do excedente populacional, direcionado para
mantido o seu caráter rural, viu surgir novas forças sociais a composição dessas expedições.
vinculadas às cidades. Novas formas de sociabilidade
Ao todo, foram realizadas cinco grandes Cruzadas em
surgiam no mundo urbano, produzindo efeitos nas estruturas
direção ao Oriente e travadas inúmeras batalhas entre
feudais.
cristãos e muçulmanos. Se, para os cristãos, a guerra
A Igreja, ainda detentora de grande poder, se posicionava era considerada justa, para seus inimigos, os cristãos
contra essas mudanças devido à emergência de uma nova eram selvagens e bárbaros. Apesar dos ataques violentos,
fonte de autoridade na sociedade. Além disso, a vida urbana a conquista definitiva de Jerusalém, o principal objetivo
estimulava laços de solidariedade fora da Igreja, entre religioso do movimento, não ocorreu. A reaproximação
os próprios membros da comuna e seus simpatizantes e com o Império Bizantino foi dificultada devido aos saques
agregados. constantes dos europeus ocidentais nessa região.

A atividade comercial sofria uma forte restrição ao ser Apesar de fracassar quanto aos objetivos religiosos,
combatida pela instituição medieval mais poderosa. Para a é possível afirmar que as Cruzadas provocaram profundas
Igreja, as mercadorias deveriam ser vendidas pelo seu justo alterações na Europa feudal. Do ponto de vista econômico,
preço e não com a intenção de lucro. Os juros eram vistos o contato com os árabes dinamizou as relações entre os
como atividades ilícitas, já que os seus praticantes estariam europeus e o Oriente. As especiarias trazidas do mundo
lucrando sobre o tempo, pertencente a Deus. oriental pelos árabes ou vindas das rotas que passavam
pelo Império Bizantino eram revendidas em toda a Europa
CRUZADAS pelos comerciantes das cidades de Gênova e Veneza.
A propagação das culturas helênica, bizantina e árabe
As Cruzadas foram expedições militares e religiosas que, colaborou, ainda, para o desenvolvimento artístico e
inicialmente, tinham dois objetivos principais: a conquista científico da Europa cristã.
da Terra Santa, em especial da cidade sagrada de Jerusalém,
Em contrapartida, a participação nessas guerras
e a contenção do avanço muçulmano sobre a região do
colaborou para o relativo enfraquecimento da nobreza
Império Bizantino. A expulsão dos muçulmanos era vista
feudal, visto que o envolvimento nas disputas gerava
como forma de expansão do cristianismo, e era incentivada
gastos e que as derrotas agravaram a situação dos nobres.
pela Igreja como uma continuação do movimento de
Em muitos casos, os senhores, ao voltarem das expedições,
Reconquista ibérica, que também se deu com objetivos
se viam obrigados a conceder a liberdade aos servos que,
semelhantes. A luta pela retomada da região das mãos
naquele momento, eram cada vez mais atraídos para a
dos mouros é considerada uma manifestação do espírito
vida nas cidades.
das Cruzadas.

Outro objetivo da Igreja foi a repressão aos movimentos


heréticos dos cátaros no sul da França. A perseguição
2AOJ
às chamadas heresias demonstra que os ataques
Cruzadas
não se reservaram aos infiéis, como eram chamados
os muçulmanos, mas também atingiram os cristãos Nesse vídeo, você conhecerá o papel desempenhado pelas
europeus que se vinculavam a práticas espirituais que Cruzadas para a expansão do comércio internacional na Baixa
não fossem o catolicismo. Idade Média.

As Cruzadas apresentavam outras motivações de natureza


econômica, afinal, para as cidades do Mediterrâneo, como
Veneza, as Cruzadas representavam uma possibilidade de CRISE DO FEUDALISMO
lucro nas áreas que viriam a ser conquistadas em direção ao
Oriente. Além disso, as riquezas e as terras do Mediterrâneo A partir do século XIV, uma série de eventos levou à crise
Oriental eram cobiçadas pelos nobres da Europa Ocidental, do mundo feudal e à organização dos Estados Modernos
que começavam a buscar novas fontes de riqueza devido na Europa Ocidental. Vale ressaltar, entretanto, que esse
ao crescimento demográfico. processo não foi contínuo, possuindo variações regionais.
Do ponto de vista social, as Cruzadas significavam Na França, por exemplo, os impostos de origem feudal e
uma possibilidade de diminuir os conflitos, cada vez mais as distinções baseadas no nascimento só foram extintos no
constantes, no interior da nobreza europeia, uma vez que século XVIII, durante a Revolução Francesa. Na Península
a belicosidade dos nobres seria canalizada para o Oriente, Itálica e na região central, os Estados se unificaram apenas
empreendimento esse justificado pelos objetivos religiosos. no século XIX, quando surgiram Itália e Alemanha.

30 Coleção 6V
Formação, Apogeu e Crise do Sistema Feudal

Peste, fome e guerra As revoltas camponesas


O século XIV foi marcado por uma série de calamidades O desenvolvimento comercial e a expansão da atividade
que colaboraram para acelerar as transformações no interior urbana já vinham atraindo os camponeses europeus para
do feudalismo. Esses acontecimentos tiveram origem na a vida nas cidades durante toda a Baixa Idade Média, pois,
própria expansão da economia feudal. O crescimento no mundo urbano, os trabalhadores se viam livres dos
demográfico e comercial observado a partir do século XI laços servis.
provocou transformações no panorama da sociedade No entanto, foi o aumento da exploração no campo –
europeia, levando a novos métodos de exploração agrícola, decorrente do declínio demográfico – que fez surgir uma
como a irrigação, a drenagem e o sistema de rotação de série de movimentos camponeses na Europa. Essas revoltas
culturas, que transformaram em terras férteis locais antes tiveram papel fundamental na desagregação do feudalismo
caracterizados por pântanos e regiões muito secas. ao colocar em xeque o tradicional papel da nobreza medieval.

A destruição de áreas florestais foi típica desse período, Na França, os motins receberam o nome de jacqueries,
decorrente da expressão Jacques Bonhomme, que pode

HISTÓRIA
aumentando a área cultivável em várias regiões da
Europa. Esse processo de expansão das áreas produtivas, ser traduzida por “João Ninguém”. Na Inglaterra, as
revoltas de John Ball (1338-1381) e Wat Tyler (1341-1381)
conhecido como arroteamento, acarretou enormes impactos
provocaram temor na nobreza. Foram comuns, durante esses
ambientais. No início do século XIV, portanto, foi registrado
movimentos, a destruição de propriedades e o assassinato
um grave desequilíbrio climático responsável por um período
de vários nobres.
de intensas chuvas entre os anos de 1315 e 1317.

Os efeitos dessas alterações foram percebidos na agricultura,


que sofreu uma considerável retração. A consequência mais
imediata desse fato foi a fome generalizada. A morte causada
pela falta de alimentos provocou o início da reversão do
crescimento populacional europeu. Outra decorrência da
crise de produção foi o aumento da exploração sobre os
camponeses, já que, naquele momento, os grandes senhores
não aceitavam a queda de seus rendimentos. Essa população,
faminta e superexplorada, não teve, desse modo, como resistir
à expansão de diversas epidemias, como a Peste Negra.

A Peste Negra havia sido epidêmica na Europa medieval no


século VI, tendo desaparecido no século VIII, mas retornou
no século XIV e continuou endêmica no continente até o
período posterior ao século XVII. A partir de 1340, a Peste
FROISSAT, Jean. Jacqueries. Biblioteca Nacional da França.
se alastrou pelas regiões das atuais Itália, França, Inglaterra, Manuscrito do século XV.
Alemanha e Polônia, gerando grande destruição.

Nos portos europeus, os ratos e as pulgas foram os portadores


da peste. Após chegar à Europa, em 1348, ela se espalhou
rapidamente. Algumas cidades – Paris, Hamburgo, Florença,
Veneza – perderam metade de sua população ou mais.
Os vilarejos tinham mais chance de escapar da infecção.
Ela se espalhava lentamente no inverno e rapidamente no verão.
No total, talvez 20 milhões de europeus tenham morrido,
ou uma em cada três pessoas. A escassez de alimentos das
primeiras décadas foi substituída pela escassez de mão de obra.
As terras aráveis já não faltavam. Em algumas regiões da
Alemanha, havia mais vilarejos abandonados do que habitados,
e os campos que um dia soavam alto com trabalhadores na
colheita estavam agora cobertos de mato e de silêncio.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 2. ed.


FROISSAT, Jean. Morte de Wat Tyler. Biblioteca Nacional da
São Paulo: Fundamento Educacional, 2009. [Fragmento]
França. Manuscrito do século XV.

Bernoulli Sistema de Ensino 31


Frente A Módulo 03

A reação da aristocracia contra as revoltas foi igualmente A visão medieval era marcada por essa religiosidade e a
violenta, no entanto, o tumulto nos campos deixava clara promessa de que os sacrifícios no mundo terreno seriam
a dificuldade da nobreza fundiária em manter o controle compensados após a morte, na vida eterna. Dessa maneira,
diante das profundas transformações na sociedade europeia, a Igreja conseguia garantir a ordem e a estrutura social,
abrindo espaço para o fortalecimento do poder real. alegando que os sofrimentos dos trabalhadores na Terra
terminariam no reino dos céus.

IGREJA MEDIEVAL O culto aos santos e, principalmente, à Virgem Maria


constituía um laço que unia os homens medievais.
As peregrinações e os jejuns eram ações importantes na
Para compreender a influência da Igreja no Período
luta contra a suposta presença do demônio. A Igreja estava
Medieval, é necessário um pequeno histórico do cristianismo
presente nos momentos principais da vida do homem,
desde a Antiguidade. O cristianismo expandiu-se a partir
como o nascimento, o matrimônio e a morte. Além disso,
da região da Palestina pelas regiões em torno do Mar
podia julgar questões relativas ao casamento e excomungar
Mediterrâneo chegando até Roma, sede do Império Romano.
aqueles que não cumprissem suas regras, tendo poder para
Nesse período, o cristianismo iniciou a sua penetração excomungar até um rei.
entre as classes populares, já que oferecia a possibilidade
de salvação ao grupo social que mais sofria. Até o século IV,
os cristãos eram perseguidos no Império por serem CULTURA MEDIEVAL
monoteístas, por contestarem o militarismo da cultura
romana e por negarem o caráter divino do imperador. Com o Devido à sua proximidade com a Igreja, a cultura medieval
agravamento da crise no Império, no entanto, o cristianismo foi durante muito tempo vista como inferior àquelas que lhe
passou a se expandir e a conquistar adeptos entre as antecederam e sucederam. Essa visão, contudo, pode ser
classes dirigentes. contestada com base em uma análise de aspectos dessa
cultura.
Em 313 d.C., com o Édito de Milão, Constantino concedeu
liberdade de culto aos cristãos e converteu-se ao cristianismo A cultura medieval alcançou seu apogeu na construção das
que, naquele momento, ainda era religião de uma minoria. grandes catedrais, igrejas de cada diocese e normalmente
Com Teodósio, através do Édito de Tessalônica, o cristianismo a residência dos bispos. Algumas delas demoraram um
foi considerado a religião oficial, e, dessa vez, os pagãos século para serem construídas e, na sua construção,
passaram a ser perseguidos. Prestigiados, os cristãos era necessário o trabalho de arquitetos e pedreiros
alcançaram altos cargos no Império, e os bispos passaram a remunerados. Dos séculos X ao XII, predominou o estilo
cuidar da administração das cidades. O cristianismo tornava-se, românico, caracterizado pela horizontalidade e pelo caráter
portanto, uma religião de Estado. de fortificação. O material básico utilizado era a pedra e na
sua estrutura eram incorporadas esculturas e murais.
Mesmo diante do colapso do Império Romano, a Igreja cristã
manteve-se unida, o que favoreceu o seu fortalecimento. A partir do século XII, o estilo gótico ganhou força.
De acordo com Hilário Franco Júnior: Sua característica principal era a verticalidade. A altura das
torres apontando para o céu reforçava a grandeza da Igreja
O cristianismo, por sua vez, foi o elemento que possibilitou Católica. A luz era restrita e penetrava parcialmente pelos
a articulação entre romanos e germanos, o elemento que ao vitrais coloridos que retratavam símbolos sagrados.
fazer a síntese daquelas duas sociedades forjou a unidade
espiritual, essencial para a civilização medieval.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A Idade Média: nascimento do
Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2001. [Fragmento]

Com a conversão dos reis germânicos, iniciada com Clóvis,


do reino dos francos, a Igreja aumentou sua influência
no mundo. Para isso, contou com auxílio dos monarcas
que, em troca, recebiam a legitimação do seu poder.
Em uma sociedade marcada pelo medo, seja da fome, seja
das guerras, o cristianismo oferecia alívio em momentos de
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desespero, o que contribuiu para a sua expansão.

Gradativamente, a Igreja tornou-se a instituição mais


poderosa do mundo medieval, tendo sido a própria educação,
em grande parte, controlada pelo clero por meio do
monopólio da escrita e da leitura. Para o homem medieval,
a resposta para os questionamentos se encontrava no sagrado, Catedral de Notre-Dame de Chartres, construída no século XII,
e era a Igreja que fornecia explicações para essas questões. na França.

32 Coleção 6V
Formação, Apogeu e Crise do Sistema Feudal

Na Filosofia Medieval, sobretudo na Baixa Idade Média,


é possível notar a tentativa de promover a junção entre a
EXERCÍCIOS DE
Teologia e a Filosofia. Até o século XI, o pensamento foi
influenciado pelas obras de Agostinho de Hipona e, a partir
APRENDIZAGEM
desse período, as obras de Tomás de Aquino passam a ser
mais influentes. Através da releitura das obras de Aristóteles, 01. (FGV–2021) Da parte dos bárbaros, tudo parece indicar
Tomás de Aquino pretendia promover a conciliação entre a
que a forte estrutura hierárquica favoreceu a conversão
fé e a razão, sendo as universidades medievais importantes
das populações, em particular das tribos, uma vez
centros de difusão do seu pensamento.
que essa era a forma de estrutura social mais comum.
O surgimento das primeiras universidades estava Aqui e ali aparecem resistências de chefes, mas no
relacionado ao desenvolvimento da vida urbana e do
conjunto a conversão dos chefes leva à conversão
comércio, afinal, a formação de funcionários mais qualificados
da população.
e preparados para as novas funções que surgiram nesse
contexto colaborou para a fundação dessas instituições. LE GOFF, Jacques. O Deus da Idade Média, 2017.
Inicialmente controladas pela Igreja, as universidades se
O processo de cristianização dos povos que ocuparam
multiplicaram na Baixa Idade Média por toda a Europa.

HISTÓRIA
a Europa Ocidental com o fim do Império Romano do
A primeira delas foi a de Bolonha, na Itália, fundada
em 1088. Ocidente implicou

A despeito dos preconceitos vinculados à Idade Média, A) a imbricação dos poderes seculares e eclesiásticos
atualmente a cultura popular do período vem sendo alvo de nas sociedades europeias.
inúmeros estudos por parte dos historiadores. Sabemos hoje, B) a divisão de terras da Igreja com as nações
por exemplo, que a vida do camponês medieval era marcada recentemente instaladas na Europa.
por uma diversidade de manifestações culturais, como as
festas. Nelas, o camponês conseguia subverter a rígida C) a constituição de um poder político centralizado sobre
hierarquia por um breve período. A Igreja e os senhores eram o conjunto da Europa.
ridicularizados em festas como a do “Asno” ou a dos “Tolos”. D) a elitização progressiva do culto monoteísta em meio
O conhecimento dessas manifestações revela um lado
às populações europeias.
alegre e festivo do mundo feudal e que fugia às convenções
determinadas pela Igreja. O carnaval também tem sua E) a oposição do clero reformista à absorção de crenças
origem na Idade Média e representava um período de pagãs pela Igreja europeia.
transgressão, aceito pela própria Igreja, que antecederia
a quaresma, período de penitência. 02. (Unesp) Os homens da Idade Média estavam persuadidos
A representação a seguir, do século XVI, revela esse de que a terra era o centro do Universo e que Deus tinha
aspecto do cotidiano do camponês europeu. Produzida criado apenas um homem e uma mulher, Adão e Eva,
por Pieter Brueghel, no contexto da Reforma Protestante, e seus descendentes. Não imaginavam que existissem
a imagem ironiza o conflito entre as práticas mundanas e outros espaços habitados. O que viam no céu,
religiosas, simbolizadas, respectivamente, pelo carnaval e
o movimento regular da maioria dos astros, era a
pela quaresma.
imagem do que havia de mais próximo no plano divino
de organização.
DUBY, Georges. Ano 1000, ano 2000: na pista de
nossos medos, 1998 (Adaptação).

O texto revela, em relação à Idade Média ocidental,


A) o prevalecimento de uma mentalidade fortemente
religiosa, indicativa da força e da influência do
cristianismo.
B) a consciência da própria gênese e origem, resultante
das pesquisas históricas e científicas realizadas na
Grécia Antiga.
C) o esforço de compreensão racionalista dos fenômenos
naturais, base do pensamento humanista.
D) a construção de um pensamento mítico, provavelmente
BRUEGEL, Pieter. O combate entre o carnaval e a quaresma. originário dos contatos com povos nativos da Ásia e
1559. Tinta a óleo, 118 x 164,5 cm. Museu da História da Arte do Norte da África.
de Viena.
E) a presença de esforços constantes de predição do
O quadro retrata o contraste entre a vida religiosa, representada futuro, provavelmente oriundos das crenças dos
pela quaresma, e os prazeres oriundos do carnaval. primeiros habitantes do continente.

Bernoulli Sistema de Ensino 33


Frente A Módulo 03

03. (Unesp) Nos arredores de Assis, dois leprosários [...] 05. (UFJF-MG) Sobre o contexto de consolidação do poder
hospedavam os homens e mulheres de visão repugnante XOO8
da Igreja na Idade Média, leia as afirmativas seguintes
escorraçados por todos: considerava-se que os leprosos e, em seguida, marque a alternativa correta.
eram assim por castigo de Deus, por causa dos pecados
I. O cristianismo e todas as suas instituições podem ser
cometidos, ou porque tinham sido concebidos em pecado.
considerados elementos unificadores do mundo europeu
Por isso, ao se movimentarem, eram obrigados a bater
certas castanholas, para que os sãos pudessem evitá-los, após a crise do Império Romano e as invasões bárbaras.

fugindo a tempo. Nessa longa trajetória, a Igreja de Roma assume o


FRUGONI, Chiara. Vida de um homem: seu papel de liderança religiosa, através do combate
Francisco de Assis, 2011. às heresias.
A lepra e as demais doenças recorrentes durante a II. Desde os primeiros tempos do Período Medieval,
Idade Média
a união entre as Igrejas Ocidental e Bizantina
A) resultavam do descuido das vítimas e os médicos se representava o símbolo da unidade da cristandade.
dedicavam apenas aos doentes graves ou terminais. Os papas procuravam favorecer o Império Bizantino
B) atingiam basicamente as populações rurais, pois as e consolidar a Igreja Ortodoxa, visando a aumentar
condições de higiene e saneamento nas cidades eram a influência da Igreja Romana no universo cristão
melhores.
ocidental.
C) atacavam e matavam igualmente nobres e pobres,
III. Havia grupos considerados heréticos, como os
pois não existiam hospitais ou remédios.
valdenses e os cátaros, que criticavam a hierarquia
D) eram consideradas contagiosas e, devido a isso,
católica e não reconheciam a autoridade papal. Havia
não havia pessoas dispostas a cuidar dos enfermos.
também outros movimentos que foram incorporados
E) eram muitas vezes atribuídas à ação divina e as
pela Igreja Católica e que levaram à formação de
vítimas eram tratadas como responsáveis pelo mal.
ordens religiosas, como franciscanos e dominicanos.

04. (USC-SP) Nas sociedades do Antigo Regime, os grupos A) Todas estão corretas.
sociais estavam divididos em três estamentos: clero,
B) Todas estão incorretas.
nobreza e servos. Associe os três estamentos, listados na
coluna A, às características que os identificam, elencadas C) Apenas a I e a II estão corretas.
na coluna B. D) Apenas a I e a III estão corretas.
Coluna A E) Apenas a II e a III estão corretas.
1. Clero
2. Nobreza
3. Servos
EXERCÍCIOS
Coluna B PROPOSTOS
( ) Eram os portadores da tradição cristã e deviam
zelar pela manutenção de seus princípios no seio da
01. (FGV-MG) Caro, o pão faltava nas mesas dos pobres.
comunidade.
Na Inglaterra, após mais de cem anos de estabilidade,
( ) Formavam a maioria da população e eram encarregados
seu valor quintuplicou em 1315. Na França, aumentou
dos trabalhos necessários à subsistência da sociedade.
25 vezes em 1313 e multiplicou-se por 21 em 1316.
( ) Possuíam a direção militar da sociedade, empunhando
A carestia disseminou-se por toda a Europa e perdurou por
suas armas contra os inimigos da fé cristã e os
décadas. [...] Faltava comida não por ausência de braços
agressores externos.
ou de terras. [...] Afinal, se os camponeses – esteio do
( ) Por pertencerem ao único grupo social que tinha
crescimento demográfico verificado desde o ano 1000 –
acesso ao estudo, seus membros exerciam forte
não conseguiam produzir mais, era porque já haviam
controle na sociedade e parte deles ocupava cargos
cultivado toda a terra a que tinham acesso legal. Já os
administrativos importantes nos reinos medievais.
senhores não faziam pura e simplesmente porque não
Assinale a alternativa que preenche corretamente os
queriam. Moeda sonante não era exatamente a base de
parênteses, de cima para baixo.
seu poder e glória.
A) 2, 1, 2, 3 C) 1, 3, 2, 1 E) 3, 3, 2, 1
FLORENTINO, Manolo. Os sem-marmita.
B) 2, 2, 1, 3 D) 1, 2, 3, 2 Folha de S.Paulo, 07 set. 2008. [Fragmento]

34 Coleção 6V
Formação, Apogeu e Crise do Sistema Feudal

O texto traz alguns elementos da chamada crise do Assinale a alternativa correta.


século XIV, sobre a qual é correto afirmar que A) A crítica à institucionalização da Igreja, com a
A) resultou da discrepância entre o aumento da consolidação da hierarquia em torno do papa e
produtividade nos domínios senhoriais desde o dos bispos, teve sua principal manifestação na
século XI e o recuo da produção urbana de manufaturas. manutenção de práticas pagãs.
B) foi decorrência direta da Peste Negra, que assolou o B) As práticas pagãs eram costumes de origem popular
norte da Europa durante todo o século XIV, e fez que
respeitados pelas ordens religiosas, como os
os salários fossem fixados em níveis muito baixos.
beneditinos, mas criticados pelos bispos e pelo clero
C) resultou do recrudescimento das obrigações feudais, tradicional.
que gerou a concentração da produção de trigo
C) A diversidade de práticas religiosas era frequente na
e cevada nas mãos de poucos senhores feudais
Alta Idade Média, apesar dos esforços institucionais do
da França.
alto clero católico em combater as crenças populares
D) foi deflagrada, após as inúmeras revoltas operárias,
e defender a unidade religiosa na Europa.

HISTÓRIA
no campo e na cidade, que quebraram com a longa
estabilidade do mundo feudal europeu. D) A presença do cristianismo não significou o
desaparecimento de todas as práticas religiosas
E) teve ligação com as estruturas feudais que impediam
consideradas pagãs, pois algumas delas foram toleradas
que a produção crescesse no mesmo ritmo do
pela Igreja, como o sabá e as festas populares.
crescimento da população em certas regiões da Europa.

02. (Unesp) Observemos apenas que o sistema dos feudos, 04. (Unicamp-SP) Estamos acostumados a considerar que
VR1Q
4KID a feudalidade, não é, como se tem dito frequentemente, o sistema centro / periferia, ao menos no Ocidente, é
um fermento de destruição do poder. A feudalidade surge, um eixo essencial da estrutura e do funcionamento no
ao contrário, para responder aos poderes vacantes. Forma espaço das economias, das sociedades, das civilizações.
a unidade de base de uma profunda reorganização dos O historiador Fernand Braudel estimou que tal sistema
sistemas de autoridade […]. só existiu e funcionou plenamente a partir do século XV.
LE GOFF, Jacques. Em busca da Idade Média. 2008. Essa definição não se aplica à Cristandade Medieval sem
[Fragmento]
importantes correções. A noção de centro e a oposição
Segundo o texto, o sistema de feudos centro / periferia são menos decisivas que outros
sistemas de orientação espacial. O principal sistema
A) representa a unificação nacional e assegura a imediata
é o que opõe o baixo ao alto, quer dizer, o Aqui, esse
centralização do poder político.
“mundo” imperfeito e marcado pelo Pecado Original,
B) deriva da falência dos grandes impérios da Antiguidade
ao céu, morada de Deus.
e oferece uma alternativa viável para a destruição dos
LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Centro / Periferia.
poderes políticos.
In: DICIONÁRIO temático do ocidente medieval. v. 2.
C) impede a manifestação do poder real e elimina os São Paulo: Edusc, 2002. p. 203 (Adaptação).
resquícios autoritários herdados das monarquias
A partir do texto anterior, assinale a alternativa correta.
antigas.
A) Usada nas Ciências Humanas para a compreensão de
D) constitui um novo quadro de alianças e jogos políticos
períodos históricos desde a Antiguidade, a noção de
e assegura a formação de Estados unificados.
centro / periferia perdura até a atualidade e estrutura
E) ocupa o espaço aberto pela ausência de poderes o sistema econômico global contemporâneo.
centralizados e permite a construção de uma nova
B) As noções de baixo e alto têm um sentido histórico
ordem política.
mais preciso para a compreensão da Cristandade
Medieval do que o sistema centro / periferia.
03. (Unicamp-SP) São mais ou menos constantes as queixas
FHSO C) O sistema centro / periferia é aplicável ao estudo da
dos bispos e dos clérigos sobre a manutenção das
práticas pagãs no mínimo até o século X. Um conjunto Cristandade Medieval, já que os feudos constituíam
de práticas pagãs se mantém quase intacto, sem levar o centro da vida econômica e cultural naquele
em conta festas públicas pagãs como a de 1º de janeiro, contexto.
que sobreviveu durante muito tempo. D) O sistema centro / periferia aplicado durante a Era
ROUCHE, Michel. Alta Idade Média Ocidental. In: VEYNE, Medieval espelhava o sistema de orientação baixo
Paul. (org.). História da vida privada: do Império Romano
ao ano mil. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 504 e alto, sendo o baixo o mundo do pecado e o alto o
(Adaptação). mundo da virtude cristã.

Bernoulli Sistema de Ensino 35


Frente A Módulo 03

05. (FUVEST-SP) A cidade é [desde o ano 1000] o principal lugar das trocas econômicas que recorrem sempre mais a um meio
3NVV de troca essencial: a moeda. [...] Centro econômico, a cidade é também um centro de poder. Ao lado do e, às vezes, contra
o poder tradicional do bispo e do senhor, frequentemente confundidos numa única pessoa, um grupo de homens novos,
os cidadãos ou burgueses, conquista “liberdades”, privilégios cada vez mais amplos.
Le Goff, Jacques. São Francisco de Assis.
Rio de Janeiro: Record, 2010 (Adaptação).

O texto trata de um período em que


A) os fundamentos do sistema feudal coexistiam com novas formas de organização política e econômica, que produziam
alterações na hierarquia social e nas relações de poder.
B) o excesso de metais nobres na Europa provocava abundância de moedas, que circulavam apenas pelas mãos dos grandes
banqueiros e dos comerciantes internacionais.
C) o anseio popular por liberdade e igualdade social mobilizava e unificava os trabalhadores urbanos e rurais e envolvia ativa
participação de membros do baixo clero.
D) a Igreja romana, que se opunha ao acúmulo de bens materiais, enfrentava forte oposição da burguesia ascendente e dos
grandes proprietários de terras.
E) as principais características do feudalismo, sobretudo a valorização da terra, haviam sido completamente superadas e
substituídas pela busca incessante do lucro e pela valorização do livre-comércio.

06. (Unicamp-SP) A ideia de que a demanda de especiarias resultava da necessidade de disfarçar o gosto da carne e do peixe
putrefatos é um dos grandes mitos da história da alimentação. Na Europa medieval, os alimentos frescos eram mais frescos
que os atuais, pois provinham da produção local. Os alimentos em conserva mantinham-se em salga, curtição, dessecação
ou gordura, assim como hoje em dia são enlatados, refrigerados, liofilizados ou embalados a vácuo. De qualquer forma,
os aspectos determinantes do papel desempenhado pelas especiarias na gastronomia eram o gosto e a cultura. A cozinha
muito temperada com especiarias era objeto de desejo por ser cara e por “condimentar” a posição social dos ricos e as
aspirações de quem ambicionava sê-lo. Além disso, a moda gastronômica predominante na baixa Idade Média europeia imitava
as receitas árabes, que exigiam sabores doces e ingredientes fragrantes: leite de amêndoa, extratos de flores aromáticas e
outras iguarias orientais.
ARMESTO-FERNÁNDEZ, Felipe. 1492: o ano em que o mundo começou.
São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p.27 (Adaptação).

A partir do texto anterior e de seus conhecimentos históricos:


A) defina o que são as especiarias e explique seu significado social na Europa medieval;
B) explique como era feito o comércio de especiarias na baixa Idade Média.

07. (FUVEST-SP) Assim como o camponês, o mercador está a princípio submetido, na sua atividade profissional,
ao tempo meteorológico, ao ciclo das estações, à imprevisibilidade das intempéries e dos cataclismos naturais.
Como, durante muito tempo, não houve nesse domínio senão necessidade de submissão à ordem da natureza e de Deus,
o mercador só teve como meio de ação as preces e as práticas supersticiosas. Mas, quando se organiza uma rede comercial,
o tempo se torna objeto de medida. A duração de uma viagem por mar ou por terra, ou de um lugar para outro, o problema
dos preços que, no curso de uma mesma operação comercial, mais ainda quando o circuito se complica, sobem ou descem –
tudo isso se impõe cada vez mais à sua atenção. Mudança também importante: o mercador descobre o preço do tempo no
mesmo momento em que ele explora o espaço, pois para ele a duração essencial é aquela de um trajeto.
LE GOFF, Jacques. Para uma outra Idade Média.
Petrópolis: Vozes, 2013 (Adaptação).

O texto associa a mudança da percepção do tempo pelos mercadores medievais ao


A) respeito estrito aos princípios do livre-comércio, que determinavam a obediência às regras internacionais de circulação de
mercadorias.
B) crescimento das relações mercantis, que passaram a envolver territórios mais amplos e distâncias mais longas.
C) aumento da navegação oceânica, que permitiu o estabelecimento de relações comerciais regulares com a América.
D) avanço das superstições na Europa ocidental, que se difundiram a partir de contatos com povos do leste desse continente
e da Ásia.
E) aparecimento dos relógios, que foram inventados para calcular a duração das viagens ultramarinas.

36 Coleção 6V
Formação, Apogeu e Crise do Sistema Feudal

SEÇÃO ENEM 03. (Enem) No início foram as cidades. O intelectual da


Idade Média – no Ocidente – nasceu com elas. Foi com
o desenvolvimento urbano ligado às funções comercial
01. (Enem) A existência em Jerusalém de um hospital
e industrial – digamos modestamente artesanal – que
voltado para o alojamento e o cuidado dos peregrinos,
ele apareceu, como um desses homens de ofício que se
assim como daqueles entre eles que estavam cansados
instalavam nas cidades nas quais se impôs a divisão do
ou doentes, fortaleceu o elo entre a obra de assistência
trabalho. Um homem cujo ofício é escrever ou ensinar,
e de caridade e a Terra Santa. Ao fazer, em 1113,
e de preferência as duas coisas a um só tempo, um
do Hospital de Jerusalém um estabelecimento central da
homem que, profissionalmente, tem uma atividade de
ordem, Pascoal II estimulava a filiação dos hospitalários
professor e erudito, em resumo, um intelectual – esse
do Ocidente a ele, sobretudo daqueles que estavam
homem só aparecerá com as cidades.
ligados à peregrinação na Terra Santa ou em outro lugar.
LE GOFF, J. Os intelectuais na Idade Média.
A militarização do Hospital de Jerusalém não diminuiu a Rio de Janeiro: José Olympio, 2010.

HISTÓRIA
vocação caritativa primitiva, mas a fortaleceu.
O surgimento da categoria mencionada no período em
DEMURGER, A. Os cavaleiros de Cristo. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2002 (Adaptação). destaque no texto evidencia o(a)

A) apoio dado pela Igreja ao trabalho abstrato.


O acontecimento descrito vincula-se ao fenômeno
ocidental do(a) B) relação entre desenvolvimento urbano e divisão do

A) surgimento do monasticismo guerreiro, ocasionado trabalho.

pelas cruzadas. C) importância organizacional das corporações de ofício.


B) descentralização do poder eclesiástico, produzida pelo D) progressiva expansão da educação escolar.
feudalismo.
E) acúmulo de trabalho dos professores e eruditos.
C) alastramento da peste bubônica, provocado pela
expansão comercial. 04. (Enem)

D) afirmação da fraternidade mendicante, estimulada Calendário medieval, século XV


pela reforma espiritual.

E) criação das faculdades de medicina, promovida pelo


renascimento urbano.

02. (Enem) Mas era sobretudo a lã que os compradores,


91BX
vindos da Flandres ou da Itália, procuravam por toda
a parte. Para satisfazê-los, as raças foram melhoradas
através do aumento progressivo das suas dimensões.
Esse crescimento prosseguiu durante todo o século XIII,
e as abadias da Ordem de Cister, onde eram utilizados
os métodos mais racionais de criação de gado,
desempenharam certamente um papel determinante
nesse aperfeiçoamento.
DUBY, G. Economia rural e vida no campo no Ocidente
medieval. Lisboa: Estampa, 1987 (Adaptação).

O texto aponta para a relação entre aperfeiçoamento da


atividade pastoril e avanço técnico na Europa Ocidental
feudal, que resultou do(a) Disponível em: www.ac-grenoble.br.
Acesso em: 10 maio 2012.
A) crescimento do trabalho escravo.
Os calendários são fontes históricas importantes,
B) desenvolvimento da vida urbana.
na medida em que expressam a concepção de
C) padronização dos impostos locais.
tempo das sociedades. Essas imagens compõem
D) uniformização do processo produtivo. um calendário medieval (1460-1475) e cada uma
E) desconcentração da estrutura fundiária. delas representa um mês, de janeiro a dezembro.

Bernoulli Sistema de Ensino 37


Frente A Módulo 03

Com base na análise do calendário, apreende-se uma


concepção de tempo
SEÇÃO FUVEST / UNICAMP / UNESP
A) cíclica, marcada pelo mito arcaico do eterno
retorno.
B) humanista, identificada pelo controle das horas
de atividade por parte do trabalhador.
C) escatológica, associada a uma visão religiosa sobre
o trabalho.
GABARITO Meu aproveitamento

D) natural, expressa pelo trabalho realizado de acordo


Aprendizagem Acertei ______ Errei ______
com as estações do ano.
E) romântica, definida por uma visão bucólica da • 01. A

sociedade.
• 02. A

05. (Enem) A casa de Deus, que acreditam una, está, • 03. E

portanto, dividida em três: uns oram, outros combatem, • 04. C


outros, enfim, trabalham. Essas três partes que coexistem
não suportam ser separadas; os serviços prestados
• 05. D

por uma são a condição das obras das outras duas;


cada uma por sua vez encarrega-se de aliviar o conjunto...
Propostos Acertei ______ Errei ______
Assim a lei pode triunfar e o mundo gozar da paz.
• 01. E


ALDALBERON DE LAON. In: SPINOSA, F.
Antologia de textos históricos medievais. 02. E
Lisboa: Sá da Costa, 1981.
• 03. C
A antologia apresentada por Aldalberon de Laon foi
produzida durante a Idade Média. Um objetivo de tal
• 04. B

ideologia e um processo a que ela se opôs estão indicados, • 05. A

respectivamente, em: 06.


A) Justificar a dominação estamental / revoltas camponesas.
• A) As especiarias eram produtos oriundos da Índia
B) Subverter a hierarquia social / centralização monárquica. como pimenta, cravo, canela, etc. Na Europa
C) Impedir a igualdade jurídica / revoluções burguesas. Medieval tinham intenso valor e significado, uma
D) Controlar a exploração econômica / unificação vez que era uma forma de diferenciação social
monetária. devido ao intenso sabor que proporcionavam aos
E) Questionar a ordem divina / Reforma Católica. alimentos e a dificuldade para obtenção. Além
dessas características eram importantes do ponto
06. (Enem) Se a mania de fechar, verdadeiro habitus da
de vista medicinal, pois promoviam o bem-estar.
mentalidade medieval nascido talvez de um profundo
sentimento de insegurança, estava difundida no mundo • B) O comércio de especiarias na Baixa Idade Média

rural, estava do mesmo modo no meio urbano, pois que era realizado sobretudo por duas rotas: a Rota da
uma das características da cidade era de ser limitada por Seda e a Rota marítima.
portas e por uma muralha.
DUBY, G. et al. Séculos XIV-XV. In: ARIÈS, P.; DUBY, G.
• 07. B

História da vida privada da Europa Feudal à Renascença.


São Paulo: Companhia das Letras, 1990 (Adaptação). Seção Enem Acertei ______ Errei _____
As práticas e os usos das muralhas sofreram importantes
mudanças no final da Idade Média, quando elas
• 01. A

assumiram a função de pontos de passagem ou pórticos. • 02. B

Este processo está diretamente relacionado com • 03. B

A) o crescimento das atividades comerciais e urbanas. • 04. D


B) a migração de camponeses e artesãos.
• 05. A
C) a expansão dos parques industriais e fabris.
D) o aumento do número de castelos e feudos.
• 06. A

E) a contenção das epidemias e doenças. Total dos meus acertos: _____ de _____ . ______ %

38 Coleção 6V

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