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Programa de Leniência

Antitruste do CADE
Módulo

2
Noções Gerais Sobre o
Programa de Leniência
Antitruste
Fundação Escola Nacional de Administração Pública

Presidente
Diogo Godinho Ramos Costa

Diretor de Educação Continuada


Paulo Marques

Coordenadora-Geral de Educação a Distância


Natália Teles da Mota Teixeira

Conteudista/s
Amanda Athayde (conteudista, 2019)

Desenvolvimento do curso realizado no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB / CDT /


Laboratório Latitude e Enap.

Enap, 2019

Enap Escola Nacional de Administração Pública


Diretoria de Educação Continuada
SAIS - Área 2-A - 70610-900 — Brasília, DF

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Sumário
Apresentação.................................................................................... 5

7 Justificativas para a instituição de um programa de leniência.......... 5

Os 3 Pilares para a Estruturação de um Programa de Leniência Efetivo.


10

Noções Gerais sobre o Programa de Leniência Antitruste................ 14

Breve histórico legislativo do Programa de Leniência....................... 14

1. Alteração da autoridade competente para celebrar o acordo de


Leniência Antitruste........................................................................ 15

2. Fim do impedimento para o líder do cartel para propor o acordo.16

3. Ampliação dos ilícitos penais cobertos pela imunidade concedida ao


signatário........................................................................................ 17

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2
Módulo
Noções Gerais Sobre o
Programa de Leniência
Apresentação
A partir de agora, você estudará o conteúdo do segundo módulo! Serão abordadas noções gerais
sobre o programa de leniência antitruste do Cade, justificativas para a instituição de um programa
de leniência, os pilares para sua estruturação e a legislação aplicada.

Para atingir os objetivos do módulo, você passará por:

• 2 páginas de conteúdo em formato de hipertexto, que podem conter imagens,


infográficos, tabelas e links.

• 5 questões avaliativas.

Sugerimos que você veja o conteúdo dos módulos e responda às questões na ordem em que
estão dispostas. Você é livre para cursar os módulos na ordem que achar melhor - dentro do
período de duração do curso, mas as questões devem sempre ser respondidas para que você
possa avançar dentro de cada módulo. Tenha certeza de que fez tudo, módulos e questões, para
não ter problemas com a obtenção do certificado ao final do curso!

Lembrando: você navegará por todo o conteúdo e atividades em sequência, podendo avançar e/
ou retornar sempre que achar necessário.

Vamos nessa!

7 Justificativas para a instituição de um programa de


leniência
O Acordo de Leniência pode ser entendido como o acordo celebrado entre uma autoridade
pública investigadora e um agente privado (seja este uma pessoa jurídica ou física), por meio do
qual aquela concede a extinção ou o abrandamento da penalidade aplicável a este, em troca de
provas e colaboração material e processual ao longo das investigações.

Sabendo o conceito de Acordo de Leniência, questiona-se: por que fazer esse tipo de acordo? As
justificativas para a instituição de um programa estatal que concede tais benefícios em sede de
acordo são pelo menos sete:

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1. Detecção de Práticas Ilícitas

A primeira e uma das principais justificativas para a instituição


de um Programa de Leniência é a capacidade desse
instrumento para aumentar as chances de detecção de
práticas ilícitas pela autoridade investigadora. A instituição
de um Programa de Leniência permite que a autoridade
investigadora competente tome conhecimento de uma
prática ilegal que era, até então, total ou parcialmente
desconhecida. Isso permite o início de uma nova investigação
ou, pelo menos, o robustecimento de uma investigação
existente com relação à qual não se tinham provas suficientes para prosseguir.

O advento dos Programas de Leniência transformou de forma radical a maneira como as


autoridades investigadoras ao redor do mundo detectam, investigam e detêm práticas ilícitas.
Isso porque, quando eficientes, os Programas de Leniência levam os infratores a confessar sua
conduta ilícita à autoridade investigadora antes mesmo de uma investigação ser aberta. Em
outros casos, os programas induzem as empresas sob investigação a abandonar o ilícito e a
“correr” para as autoridades públicas investigadoras, a fim de fornecer evidências acerca dos
outros comparsas.

O “truque da leniência” é fazer com que cada um dos potenciais delatores saiba que o incentivo
da cooperação (a “cenoura”) foi oferecido para todos os participantes do ilícito, forçando-os a
decidir se e quão rápido devem “mudar de lado” e receber a rara recompensa: certa e completa
segurança contra a persecução judicial. Caso não cooperem, as sanções serão aplicadas a todos
os demais coautores (“o bastão”). Essa estratégia é conhecida como instrumento da “cenoura e
do bastão” (“carrot and stick approach”).

Desse modo, de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE), o principal objetivo dos Programas de Leniência é descobrir ilícitos que, de outra maneira,
permaneceriam secretos. O foco das autoridades investigadoras tende a ser as práticas ilícitas
que são, tipicamente, de difícil detecção. Isso porque, com relação às práticas de fácil detecção,
não há grandes incentivos para a autoridade investigadora instituir um Programa de Leniência,
dado que esta já consegue identificá-las e persegui-las facilmente.

2. Obtenção de Provas

A segunda justificativa para a instituição de um Programa de


Leniência é a sua capacidade de obter provas relevantes para a
investigação. Essas provas tendem a ser construídas por informações
e documentos “internos” da prática ilícita, fornecidos por quem
efetivamente participou da prática ilícita, que muito possivelmente
seriam difíceis de serem obtidos de outra forma que não por meio
da colaboração.

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Uma colaboração efetiva pode relatar o histórico do ilícito com riqueza de detalhes: seus
participantes ao longo do tempo, seu modus operandi, os locais em que as práticas foram
perpetradas, os conflitos internos que eventualmente existiram, as dificuldades que foram
enfrentadas e os meios utilizados para sua superação, dentre diversos outros detalhes,
informações e documentos.

Saiba mais
Confira alguns exemplos das possíveis informações e documentos que podem
ser obtidos de um colaborador sobre uma determinada reunião.

De quem foi a ideia para se reunirem?


Quem fez o convite?
Quando foi convocada?
Havia uma pauta pré-estabelecida?
Quem foram os convidados?
Quem, efetivamente, compareceu?
Onde foi realizada? Quem arcou com os custos?
Há comprovantes do pagamento desses custos?
Como os participantes entraram no local?
Havia registro na portaria do local?
Houve ligações entre os participantes?
Houve trocas de mensagens ou e-mails?
Como era o local de reunião?
Em qual posição os participantes estavam sentados na mesa?
Havia infraestrutura para a reunião (projetor, computador, etc.)?
Quem liderou as conversas?
Como estava o clima?
Quais foram os resultados alcançados?
Quais participantes saíram satisfeitos e quais não?
Houve encaminhamentos?
Foi pré-agendada uma futura reunião?

3. Eficiência e Efetividade Investigativas

A terceira justificativa para a instituição de um Programa de


Leniência é a capacidade que esse instrumento tem para
aumentar a eficiência e a efetividade da autoridade
investigadora. O acesso antecipado a informações e
documentos relacionados a práticas de difícil detecção reduz
custos de iniciação dos casos, de instrução processual e
também de litigância em um eventual questionamento
judicial da condenação.

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Nesse sentido, uma das principais vantagens do Programa de Leniência, em comparação com
os demais instrumentos de obtenção de informações e documentos, é a de proporcionar
resultados semelhantes (ou melhores) a custos relativamente baixos. Os custos de iniciação dos
casos são mais baixos porque o colaborador traz ao conhecimento da autoridade uma prática
ilícita de difícil detecção que tende, portanto, a ter custos investigativos mais altos. Ademais, os
custos de instrução processual também são reduzidos, dado que proporcionam um mecanismo
relativamente mais rápido de reunir informações e documentos (vez que, como já mencionado,
permitem um acesso “de dentro” da própria prática ilegal), reduzindo ainda mais o custo
da investigação. Por fim, como um dos requisitos tradicionais é justamente a confissão ou a
admissão de sua participação na prática ilícita, são reduzidos os eventuais custos da autoridade
investigadora com futuros questionamentos judiciais.

Os Programas de Leniência resultam em maior eficiência na gestão administrativa, haja vista


que viabilizam uma investigação mais robusta, em um tempo menor, com menor dispêndio de
recursos – humanos e financeiros – e com maior efetividade, aumentando significativamente as
chances de se obterem melhores resultados na investigação da autoridade.

4. Cessão da Infração

A quarta justificativa para a instituição de um Programa de


Leniência é a sua capacidade de cessar imediatamente uma
prática ilícita. Isso porque o colaborador deve, via de regra,
cessar sua prática ilícita a partir do momento em que procura a
autoridade para apresentar informações e documentos e
colaborar, salvo em situações excepcionais e sob a autorização
expressa da autoridade competente.

Assim, nota-se que, caso a prática ilícita esteja em curso e o


colaborador venha a procurar a autoridade investigadora no
contexto do Programa de Leniência, a sociedade é beneficiada
de imediato, pois os efeitos negativos resultantes da prática
ilícita são cessados antecipadamente, reduzindo os prejuízos aos cidadãos do país.

5. Sanção aos Demais Infratores

A quinta justificativa para a instituição de um Programa de


Leniência é a capacidade desse instrumento de permitir que
se imponha uma sanção aos demais infratores que não
colaboraram com a autoridade investigadora. Além de
conceder imunidade ao colaborador ou a redução de suas
penalidades, o objetivo é o de que outros participantes da
conduta possam ser efetivamente sancionados como
resultado dessa investigação, a partir da obtenção de
informações e documentos suficientes para condená-los e
puni-los.

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6. Reparação e Ressarcimento dos Danos

A sexta justificativa para a instituição de um


Programa de Leniência é sua capacidade de
permitir a reparação ou o ressarcimento dos
danos aos prejudicados pela prática ilícita. Em
alguns casos, a autoridade investigadora se
antecipa e garante a reparação ou o ressarcimento
total ou parcial dos danos causados pelo ilícito.
Em outros casos, apesar de a autoridade
investigadora não esmiuçar esse ponto, dado que
o Acordo de Leniência não isenta de
responsabilidade civil os participantes do ilícito,
ela permite que os prejudicados, de modo privado
ou difuso, ajuízem suas respectivas ações para obter o ressarcimento cível dos danos.

Portanto, o Programa de Leniência pode subsidiar, direta ou indiretamente, as ações de


ressarcimento e reparação em face dos envolvidos na prática ilícita. Assim, pode-se dizer que,
por meio do Acordo de Leniência, tem-se um retorno positivo praticamente imediato para a
sociedade.

7. Dissuasão de Práticas Ilícitas Futuras

A sétima e última justificativa para a instituição


de um Programa de Leniência é a capacidade
desse instrumento de dissuadir práticas ilícitas
futuras. O Programa de Leniência insere elemento
de incerteza entre os participantes da prática
ilegal. É instituído um elemento adicional de
instabilidade, a fim de desincentivar práticas
futuras.

A limitação dos benefícios somente ao primeiro


(ou, em alguns casos, aos primeiros que
trouxerem informações incrementais) que
chegar à autoridade investigadora resulta em
uma “corrida” entre os infratores comparsas, criando um elemento de desconfiança dentre
eles: o receio de ser denunciado por um “colega” igualmente infrator. O chamado “dilema do
prisioneiro”, antes desconhecido por muitos, adquire destaque, pois a leniência, ao enfraquecer
os laços de confiança entre participantes em uma conduta ilícita e, consequentemente, dificultar
a coordenação entre eles, faz com que a delação se torne uma escolha justificável do ponto de
vista racional, ainda que não seja, de fato, a estratégia com os melhores resultados.

Pode-se dizer que o Programa de Leniência aumenta os riscos da prática ilícita, uma vez que
facilita a sua detecção, torna a investigação mais rápida e robusta e, por consequência, aumenta
as chances de condenação. Ao tornar os riscos de praticar o ilícito maiores do que as vantagens

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auferidas com ele, os Programas de Leniência atuam, também, como verdadeiros dissuasores de
novas infrações.

Os 3 Pilares para a Estruturação de um Programa de


Leniência Efetivo
Segundo a International Competition Network (ICN), existe um consenso entre as autoridades
de defesa da concorrência de que há alguns requisitos para a estruturação de um programa
de leniência efetivo. Dessa forma, são três os pilares necessários para a estruturação de um
Programa de Leniência efetivo:

1. Alto Risco de Detecção da Prática

Compromisso, por parte das agências, de investigar vigorosamente as práticas que serão objeto
de acordo.

O primeiro pilar para a estruturação de um Programa de Leniência


efetivo é a existência de um alto risco de detecção da prática ilícita
pela autoridade investigadora. A autoridade tem que ser temida como
capaz de identificar a conduta, ou seja, deve-se fazer com que as
pessoas administradas tenham um receio genuíno de detecção.

Se as empresas e as pessoas acreditarem que o risco de serem


descobertos pelas autoridades é muito pequeno, então mesmo penas

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máximas rígidas e multas altas não serão suficientes para deter a atividade ilícita. Da mesma
forma, se as infratoras e os infratores não temem a detecção, eles não estarão inclinados a delatar
suas irregularidades às autoridades em troca de imunidade ou redução de penas. Portanto, as
autoridades devem cultivar um ambiente em que se perceba um risco significativo de detecção
pelas autoridades, caso entrem ou continuem a se envolver em práticas ilícitas

Importante
Nesse sentido, é importante notar que os Programas de Leniência se tornam
especialmente eficazes quando são complementados por outros instrumentos.
Em outras palavras, deve haver uma ameaça crível, para a empresa envolvida
em atividades ilegais, de que a conduta ilícita também será descoberta por
outros meios.

Assim, é importante que as autoridades não contem apenas com os chamados “métodos
reativos”, mas também com “métodos proativos” de detecção de ilícitos. Os métodos reativos
estão relacionados à identificação de infrações com base em algum evento externo à autoridade
investigadora. Os métodos proativos, por sua vez, são aqueles iniciados pelas próprias
autoridades investigadoras, não dependendo de um evento externo. O ideal é que os métodos
reativos e proativos sejam utilizados de forma complementar pelas autoridades, para ampliar as
oportunidades de detecção das infrações e, consequentemente, aumentar o temor dos infratores
de que a autoridade seja capaz de detectar a conduta. Segundo a Organização para Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a experiência da maioria das autoridades indica que
métodos mistos de detecção de infrações, ou seja, que contam tanto com instrumentos reativos
quanto com mecanismos proativos, contribuem mais com o combate às infrações.

2. Receiro de Severas Punições

Compromisso, por parte das agências, de investigar vigorosamente as práticas que serão objeto
de acordo.

O segundo pilar para a estruturação de um Programa de Leniência


efetivo é o receio de punições severas em caso de condenação. As
penas não podem ser vistas como simples “custos de se fazer negócio”,
sendo importante que os riscos percebidos de pena superem as
recompensas potenciais. O modo encontrado por autoridades de defesa
da concorrência para influenciar as circunstâncias a favor da opção pela
confissão é garantir benefícios significativos apenas ao primeiro que
delatar o cartel, ao mesmo tempo em que se gera um ambiente rigoroso
a quem sofrer condenação pela prática.

Isso passa tanto pela aplicação de multas severas às empresas infratoras, como pela persecução
criminal das pessoas envolvidas. A responsabilização individual aumenta os custos de
implementação de um ilícito, já que a empresa (e seus acionistas atuais) não será capaz de “arcar”

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com todas as consequências do cometimento da infração, em especial se a responsabilização for
criminal. Seguros empresariais, que cobrem os riscos financeiros, não são capazes de impedir a
aplicação da pena criminal, o que aumenta receio de punição pelas pessoas atuantes no ilícito.
Nessa linha, a persecução criminal se justifica na medida em que, de todas as possíveis penas e
altas multas, o tempo de cadeia tende a ser, se não o maior, um dos maiores incentivos para a
celebração dos acordos de leniência.

Saiba mais
Há tempos, a divisão antitruste do Departamento de Justiça dos Estados
Unidos (DOJ) apregoa o tempo de cumprimento de pena de prisão (“jail time”)
como a forma mais eficaz de dissuadir a “tentação de trair o sistema e lucrar
com a colusão”. O foco na penalização das pessoas se justifica na medida em
que uma das formas mais efetivas de combate a infrações corporativas é a
responsabilização.

No Brasil, cartel é crime, nos termos do art. 4o da Lei 8.137/90, punível com
pena de reclusão de dois a cinco anos e multa. Nesse sentido, o Cade reconhece
que a pena de prisão pode dissuadir futuros cartéis e vem, consequentemente,
incrementando sua cooperação com as Polícias Federal e Civil e com os
Ministérios Públicos para assegurar que quem não participar do Programa de
Leniência esteja sujeito à investigação e à condenação criminal.

Assim, ainda que uma infração esteja sujeita a sanções criminais, civis e administrativas, se as
empresas e seu corpo executivo não forem adequadamente dissuadidos e informados acerca do
poder punitivo das autoridades, podem entender que as possíveis penalidades são compensadas
pelas potenciais recompensas da infração. Daí a relevância de haver, também, decisões,
condenações prévias e sanções efetivas, as quais, além de punir quem infringir determinada
conduta, enviam uma mensagem bem clara ao mercado: “não admitimos esse tipo de conduta e
a iremos punir com severidade”.

3. Transparência, Previsibilidade e Segurança Jurídica

As autoridades investigadoras agirão com transparência, previsibilidade e segurança jurídica


em torno das negociações e assinatura dos acordos.

O terceiro pilar para a estruturação de um Programa de Leniência


efetivo é que as autoridades investigadoras tenham programas
transparentes, previsíveis e que deem segurança jurídica a quem
decida colaborar. É imprescindível que as pessoas que tenham interesse
em colaborar saibam o que as espera, ou seja, que tenham uma ideia
geral acerca do caminho que vão percorrer ao longo da negociação.

Nesse sentido, entende-se que algumas dúvidas que podem pairar sobre quem decide por

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colaborar em um Programa de Leniência tendem a ser sanáveis com a divulgação, por exemplo,
do Guia de Programa de Leniência Antitruste do Cade”.

É igualmente importante que as pessoas tenham conhecimento dos procedimentos internos do


Acordo de Leniência, ou seja, do dia-a-dia da negociação. Especificamente, é imprescindível que
saibam quais são os instrumentos da autoridade negociadora da leniência para garantir a lisura
no processo de negociação. O quadro abaixo apresenta algumas questões nessa direção.

1- Quais os requisitos para aceitar a leniência?

2- Quem pode celebrar ou quem não pode?

3- Existem vedações?

4- Quais os prazos de negociação?

5- Quanto tempo a negociação vai durar?

6- Existem cláusulas-padrão?

7- Existem documentos online disponíveis para dar previsibilidade em relação às


cláusulas-padrão?

8- Essas cláusulas são ou não negociáveis?

9- Quais os benefícios do acordo de leniência?

10- Existe uma expectativa dos benefícios ou eles são completamente discricionários?

11- Quais os riscos da negociação?

12- É possível que o acordo tenha repercussões em outras esferas?

13- Qual o risco de vazamento das informações?

Saiba mais
Nesse sentido, deve estar claro quem é a equipe responsável pela negociação
(quem é a cara com quem eu vou negociar?); como vai ser o manuseio das
informações e dos documentos; como se dará a entrega dos documentos e
informações (material digital ou material impresso?); quem vai ter acesso ao
banco de dados que contém as informações fornecidas pelo leniente; como
vai ser franqueado o acesso dos servidores a esse material (cada um vai ter
um login e senha?); se esses documentos estarão em uma sala-cofre ou não

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(preocupação com o sigilo); se existe a possibilidade de sair da negociação (way
out, ou seja, se eu não mais quiser colaborar, eu consigo sair da negociação
com a garantia de que as informações prestadas e a negociação em si não vão
me prejudicar mais?); dentre várias outras questões.

Em suma, é importante que quem decida colaborar tenha previsibilidade em relação ao


processo de negociação de um Acordo de Leniência. Para que isso aconteça, a autoridade deve
ser transparente e previsível acerca de seu entendimento da legislação, bem como de seus
procedimentos internos de negociação de um acordo de leniência.

Noções Gerais sobre o Programa de Leniência Antitruste


Revista interativa, disponível na plataforma do curso.

Breve histórico legislativo do Programa de Leniência


O Programa de Leniência Antitruste é reconhecido nacional e internacionalmente como um
dos instrumentos mais eficazes para detectar, investigar e coibir condutas anticompetitivas com
potencial lesivo à concorrência e ao bem-estar social. Ele constitui um importante pilar da política
de combate a cartéis. Segundo o Cade,

o Programa de Leniência não é um fim em si mesmo, mas um


importante mecanismo para dissuadir condutas uniformes
lesivas à concorrência, este sim um fim da política de
defesa da concorrência. O mesmo se aplica à eliminação de
‘obstáculos à persecução administrativa e criminal de cartéis’,
mandados de busca e apreensão, métodos estatísticos para
detecção de cartéis e o próprio TCC que, como visto, é parte
do programa de combate a cartéis” (CADE. Requerimento nº
08700.004992/2007-43, Relator: Paulo Furquim de Azevedo.
Julgado em: 17 dez. 2008).

No Brasil, o Programa de Leniência foi introduzido pela Lei nº 10.149/2000, que alterou a Lei nº
8.884/94 (artigos 35-B e C), com o objetivo de fortalecer a atividade de repressão de infrações
à ordem econômica do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Atualmente, o
Programa de Leniência Antitruste brasileiro encontra-se previsto nos artigos 86 e 87 da Lei nº
12.529/11.

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Nos termos dos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 e dos artigos 196 a 210 do
Regimento Interno do Cade (RICade), o Programa de Leniência Antitruste é um conjunto
de iniciativas com vistas a detectar, investigar e punir infrações contra a ordem
econômica; informar e orientar permanentemente as empresas e os cidadãos em geral
a respeito dos direitos e garantias previstos na legislação; e incentivar, orientar e assistir
os proponentes à celebração de Acordo de Leniência.

A Lei nº 12.529/11, que entrou em vigor em maio de 2012, trouxe algumas sutis, mas importantes,
modificações em relação ao Programa de Leniência Antitruste da lei anterior, da Lei nº 8.884/94.
As principais modificações são: 1) a alteração da autoridade competente para celebrar o acordo;
2) o fim do impedimento para que o líder do cartel seja proponente do acordo; e 3) a ampliação
dos ilícitos penais cobertos pela imunidade concedida ao signatário do acordo.

1. Alteração da autoridade competente para celebrar o


acordo de Leniência Antitruste
A alteração da autoridade competente para
celebrar o acordo de Leniência Antitruste na Lei nº
12.529/2011 reflete a mudança da estrutura do
próprio SBDC, já que a Superintendência-Geral
(SG/Cade) passou a incorporar as funções
anteriormente exercidas pela Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) e,
também, pela Secretaria de Acompanhamento
Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE/MF).
Assim, na Lei nº 8.884/94, a União, por intermédio
da SDE/MJ, era a autoridade competente para
celebrar o acordo; na Lei nº 12.529/2011, é o
próprio Cade, por intermédio da sua SG/Cade, a
autoridade competente para celebrar o acordo.

Importante destacar, nesse ponto, que a celebração


do acordo, por ser realizada pela SG/Cade, não
passa antecipadamente pelo crivo do Tribunal
Administrativo de Defesa Econômica do Cade,
diferentemente do que acontece, por exemplo,
com os Termos de Compromisso de Cessação (TCCs).

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Saiba mais
Para conhecer mais detalhes dos Termos de Compromisso de Cessação (TCCs),
acesse o link
http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/
guias_do_Cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17

A competência da SG/Cade é justificada pelo fato de os próprios investigados, ao terem acesso


à investigação (quando da abertura de um inquérito administrativo público ou do processo
administrativo, por exemplo), terem preservado seu direito constitucional de petição para
questionarem o acordo junto ao judiciário caso detectem qualquer ilegalidade.

2. Fim do impedimento para o líder do cartel para propor


o acordo
Na lei 12.529/2011, o fim do impedimento
para que o líder do cartel seja proponente
do Acordo de Leniência Antitruste traz
algumas discussões que podem ser
levantadas, apontando alguns riscos, tais
como: Por que não mais vedar que o líder do
cartel seja proponente do acordo? Ou
permitir a assinatura pelo líder não seria um
incentivo para que uma empresa e/ou
pessoa física encorajasse um acordo
anticompetitivo, o implementasse e, depois,
o delatasse, obtendo o máximo dos
benefícios possíveis?

Incluída na Lei nº 12.529/11, a opção de impedir que o líder do cartel proponha o Acordo de
Leniência Antitruste parece ter sido sensata. Embora exista o risco já mencionado, entende-se
que o acordo é mitigado em prol da segurança jurídica. Ora, seria difícil estabelecer quais seriam
os critérios para se definir quem é o "líder do cartel", como mostram as questões do quadro
abaixo.

Quem é o líder do cartel?

Seria aquele que tem maior participação de mercado?

Seria aquele que foi mais ativo na conduta, enviando e-mails, agendando reuniões,
manifestando-se oralmente?

Seria aquele com relação ao qual se têm mais evidências no processo?

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Será que, ao longo de todo o período da conduta, existiu apenas um líder ou houve
alteração no perfil e na proeminência de atuação dos participantes?

Todos esses que, em algum momento, tiveram participação mais ativa, poderiam vir
a qualificar-se como líderes e, portanto, teriam vedada a celebração de um acordo
de leniência?

A exclusão da vedação de que o líder do cartel celebre Acordo de Leniência também é benéfica,
porque reforça outro pilar de um Programa de Leniência, que é o alto risco de detecção. Ora,
qualquer participante da conduta colusiva tem o potencial de delatar aquele cartel às autoridades
a qualquer momento dos contatos anticompetitivos. Assim, empresas e/ou indivíduos, desde
o primeiro contato de cunho anticoncorrencial, sejam elas líderes ou não, podem reportar
tais fatos à autoridade antitruste, o que tem como condão aumentar a insegurança entre os
partícipes e desincentivar novas condutas colusivas.

3. Ampliação dos ilícitos penais cobertos pela imunidade


concedida ao signatário
A Lei nº 8.884/94 previa benefícios criminais, decorrentes da assinatura do Acordo de Leniência
Antitruste, apenas aos ilícitos da Lei nº 8.137/90. Já na Lei nº 12.529/2011, há previsão da
extensão dos efeitos do acordo a ilícitos criminais, tais como os da Lei nº 8.137/90, os da Lei nº
8.666/93 e do art. 288 do Código Penal, o que amplia os ilícitos penais cobertos pela imunidade
concedida ao signatário do Acordo de Leniência com o Cade.

Lei nº 8.884/94 Lei nº 12.529/2011


REVOGADA VIGÊNCIA
Art. 35-C. Nos crimes contra a ordem Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica,
econômica, tipificados na Lei no 8.137, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de
de 27 de novembro de 1990, a celebração 1990, e nos demais crimes diretamente relacionados
de acordo de leniência, nos termos à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no
desta Lei, determina a suspensão do 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no
curso do prazo prescricional e impede art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
o oferecimento da denúncia. (Incluído de 1940. No Código Penal, a celebração de acordo
pela Lei nº 10.149, de 2000) (Revogado de leniência, nos termos desta lei, determina a
pela Lei nº 12.529, de 2011). suspensão do curso do prazo prescricional e impede
o oferecimento da denúncia com relação ao agente
Parágrafo único. Cumprido o acordo beneficiário da leniência.
de leniência pelo agente, extingue-se
automaticamente a punibilidade dos Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo
crimes a que se refere o caput deste agente, extingue-se automaticamente a punibilidade
artigo. (Incluído pela Lei nº 10.149, de dos crimes a que se refere o caputdeste artigo
2000)

Link de video com conteúdo do curso:


https://cdn.evg.gov.br/cursos/224_EVG/videos/modulo00video01.mp4

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