Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
[CAPA]
1
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Editoria-chefe
Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne
Geraldo Augusto Fernandes
Assistência editorial
Juliana Salgado Raffaeli
Revisão
Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne
2
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Sumário
“EU PLANEJO FAZER ALGO COMO UM GAME DE FANTASIA MEDIEVAL”: RPG MAKERS E
A ESTÉTICA NEOMEDIEVAL EM RPG’S DIGITAIS........................................................................ 132
Renan Marques Birro ....................................................................................................................................... 132
3
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
4
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
DOSSIÊ:
O QUE É O
NEOMEDIEVALISMO?
5
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Nadia R. Altschul
Universidade de Glasgow
Clínio Amaral1
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
6
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
campo por intermédio de um termo usado por John Ruskin no século XIX inglês 2.
Enquanto o uso de Eco delimita com nitidez a diferença entre medievalismo
como estudo de matérias provenientes dos séculos cinco ao quinze, o emprego do
termo medievalismo de Workman cria uma dificuldade não resolvida que despreza
o contraste entre aqueles que estudam matérias criadas na idade média histórica e
aqueles que estudam matérias pós-medievais, seja o estudo de materiais criativos
ou culturais, seja materiais historiográficos (e.g., o estudo da disciplina de estudos
medievais ou o estudo da disciplina de estudos neomedievais). O uso de Eco,
escolhido para este dossiê, também facilita a distinção entre medievalistas como
aqueles que se dedicam aos estudos medievais e os neomedievalistas como aqueles
que se dedicam aos materiais criados depois desse período histórico. É evidente que
o termo neomedievalismo é o mais claro, além de explicar com maior exatidão e
facilidade o nosso próprio campo de trabalho como “neomedievalistas”. Ao
contrário, a utilização da nomenclatura inglesa do século XIX, instaurada por
Workman, levou a sua própria escola a se autodefinir de maneira forçada e artificial
como “medievalismo-istas”.
Para responder a nossa pregunta então, em que pese à certa inserção da
escola anglófona de Workman em uma espécie de colonialismo disciplinar, o termo
medievalismo, em países de língua latina, equivale aos estudos medievais, enquanto
o neomedievalismo equivale à criação ou ao estudo de materiais que fazem alusão
ao período medieval, mas que foram produzidos posteriormente a este período
histórico. Os medievalistas são aqueles que estudam o período medieval e os
materiais culturais criados durante a chamada idade média. Os neomedievalistas
são aqueles que estudam a gama completa de alusões e apropriações posteriores.
Muitos neomedievalistas, contudo, podem ser apenas neomedievalistas e
estudarem unicamente produtos de séculos posteriores ao medievo, como é de
imaginar que continuará acontecendo especialmente entre colegas interessados
2 Para uma discussão mais extensa e aprofundada, cf. ALTSCHUL, Nadia R., Introduction:
Postcolonizing Neomedievalism. In: ALTSCHUL, Nadia R.; RUHLMANN, Maria (orgs.).
Iberoamerican Neomedievalisms: The “Middle Ages” and Its Uses in Latin America.
Amsterdam: Arc Humanities Press, [prelo] 2022.
7
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
3Cf. ALTSCHUL, Nadia e GRZYBOWSKI, Lukas. Em busca dos dragões: a idade média no
Brasil. Revista Antíteses. Londrina, vol. 13, nº 25, jan/jun., 2020, p. 24-35. Disponível em: <
http://www.uel.br/revistas//uel/index.php/antiteses/article/view/42304/0>. Acessado
em 28 de julho de 2021.
8
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
9
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
De certo, o presidente argentino não refletiu acerca de tais perguntas. Talvez não
tenha pensado que estava reproduzindo discursos repetidos há muito tempo, e que
servem para mobilizar certos aspectos sobre as origens latino-americanas.
A perspectiva de que as jovens nações americanas nascem dos barcos,
herdeiras de uma cultura europeia que se transfere para colônia, significou pensar
na história do território sul-americano como uma parte, na maioria das vezes,
atrasada e incompleta da história do continente europeu. O discurso na perspectiva
de progresso perpetua o entendimento de que as jovens culturas estariam
caminhando para construir na colônia uma sociedade europeia. Entretanto, erguer
aqui todos os edifícios e as estruturas, reproduzir a cultura e hábitos europeus não
seria uma tarefa rápida e simples, estávamos sempre um passo atrás. Ou seja, no
contexto de uma teoria do progresso, que foi bastante difundida ao longo do século
XIX e parte do XX, as nações sul-americanas estariam em uma etapa menos avançada
do desenvolvimento linear em escala mundial.
Com efeito, a frase de Fernández pode ser entendida nesta perspectiva, posto
que mobiliza um discurso que fez parte de nossa historiografia durante muitas
décadas. Entendemos que é neste mesmo sentido que foram difundidas nas
sociedades latino-americanas muitas referências ao passado medieval que teria
chegado dentro dos barcos europeus. Isto é, as características medievais herdadas
da Europa estariam presentes em diversos aspectos de nossa sociedade e
representariam, não apenas vestígios do nosso passado europeu, mas também um
presente, que expõe os entraves do atraso contra o qual devemos batalhar na
direção da modernidade.
A produção de um discurso sobre as raízes europeias da América apoia-se
em uma série de referências ao passado medieval que teria se transferido para as
colônias nos barcos vindos do velho continente. É neste sentido que evocamos a
relevância de compreender os usos políticos e ideológicos que foram feitos sobre a
idade média em terras latino-americanas. Ou seja, mesmo sem termos vivido o
período histórico chamado de medieval, ele foi apropriado em um discurso que
contribuiu para fundar nosso mito de origem e construir uma legitimidade para o
nome “países em desenvolvimento”. Na América Latina, a idade média, como um
10
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
11
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
12
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
13
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
14
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
15
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
16
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
17
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
18
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Introducción
El objetivo principal de este artículo es examinar la formación del
neomedievalismo en el Perú a partir de la respuesta a un antimedievalismo en su
historia filosófica surgido a fines del siglo XVIII y consolidado durante el XIX, cuya
imagen del medioevo legó a las generaciones de intelectuales y académicos durante
el siglo XX y que en nuestra centuria empezó a cambiar. En ese sentido, este estudio
es un balance historiográfico, puesto que al examinar el surgimiento del
19
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
20
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
siglo XVIII, cuando aún el Perú se constituía social y políticamente como virreinato,
en medio de la crisis ocasionada por las Reformas Borbónicas especialmente con
respecto a las reformas universitarias. El antimedievalismo peruano se forjó en los
círculos académicos al identificar y rechazar como “medieval” toda aquella postura
ideológica, intelectual o conceptual enseñada en los claustros universitarios
peruanos durante los siglos XVI y XVII anterior a las Reformas Borbónicas inspiradas
en lineamientos ilustrados.
Este antimedievalismo transitó en el siglo XIX junto a los ideales
independentistas de la nóveles naciones sudamericanas identificando
inmediatamente como “medieval” todo lo anterior con respecto al nuevo estatus
político. No obstante, a fines del mismo siglo, y como consecuencia de la derrota
peruana en la guerra contra Chile (1879-1884) este antimedievalismo se evidenció
con mayor fuerza en las ideas en los intelectuales de la generación del Novecientos,
especialmente en la obra de Felipe Barreda y Laos. A partir de ellos, el se forjó no
solo el desinterés por la herencia medieval en la cultura peruana, sino se instaló un
gran olvido, pues se promovía una lectura repetitiva y falaz al afirmar que, si Europa
tuvo su edad oscura en el medioevo, entonces el Perú, de manera semejante, también
tuvo su “Edad Media” durante su periodo virreinal.
Este artículo se organiza en dos partes. En la primera, se examina el proceso
de formación del antimedievalismo peruano teniendo en cuenta dos momentos
cruciales: la fundación del Convictorio de San Carlos en 1770 y su plan de estudios
de 1787, y la formación intelectual de la generación del Novecientos, especialmente
la obra de Felipe Barreda y Laos, Vida intelectual del Virreinato del Perú. La segunda
parte, asimismo, se divide en dos. Por un lado, se analiza el proceso de formación del
neomedievalismo filosófico como respuesta al antimedievalismo y como una
necesidad por reconocer las fuentes del pensamiento peruano, y la segunda propone
la necesidad de cerrar las brechas teóricas entre la imagen olvidada del Medioevo
en el Perú y el inicio e impulso de los estudios neomedievales.
21
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1 VARGAS UGARTE, Rubén. El Real Convictorio Carolino y sus dos luminares. Lima: C. Milla
Batres, 1970. VALCÁRCEL, Carlos Daniel. Reforma de San Marcos en la época de Amat. Lima:
Fondo Editorial de la UNMSM, 1955. ESPINOZA RUIZ, Grover. La reforma de la educación
superior en Lima: el caso del Real Convictorio de San Carlos”, In O´PHELAN GODOY, Scarlett.
El Perú em el siglo XVIII. La era borbónica. Lima: PUCP-IRA, 1999. CUBAS, Ricardo.
Educación, élites e independencia: el papel del Convictorio de San Carlos en la emancipación
peruana. In O´PHELAN GODOY, Scarlett. La independencia del Perú. De los Borbones a
Bolívar. Lima: PUCP-IRA, 2001.
2 FLOYD, Troy. The Bourbon Reformers and Spanish Civilization; Builders or
Universidad de San Marcos y sus colegios: crónica e investigación. Lima: Imprenta Torres
Aguirre, 1940.
4 REDMOND, Walter. Bibliography of the Philosophy in the Iberian Colonies of America. The
22
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1984.
7 Los principales antecedentes teóricos de estas reformas fueron escritos por los ilustrados
23
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Empires of the Atlantic World: Britain and Spain in America 1492–1830. Yale: Yale University
Press, 2006. CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge, How to Write the History of the New World:
Histories, Epistemologies, and Identities in the Eighteenth-Century Atlantic World. Stanford:
Stanford University Press 2001.
10 Carlos III convocó a una serie de eruditos ilustrados para planificar estos cambios entre
ellos Gregorio Mayans y Siscar quien, junto a Manuel de Roda, redactó el «Plan de Estudios
universitarios de 1767» que nunca fue implementado. El ilustrado peruano Pablo de
Olavide, por su parte, propuso, un interesantísimo plan de reforma universitaria sin
descartar las doctrinas heredadas de los siglos anteriores como las obras de Aristóteles en
filosofía, el Corpus Juris Civilis de Justiniano en derecho, la Suma Teológica de Santo Tomás
de Aquino en teología o el Corpus de Galeno en medicina (DOMÍNGUEZ, 1988, p. 165-166),
pero al igual que los planteamientos anteriores, fue desestimado
11 Estas reformas llegaron al Perú con la misión de José de Areche. Sobre la herencia material
Eclesiástica, 1, 1989. Cuzco. MARTIN, Luis. The intelectual conquest of Peru. The jesuit
College of San Pablo 1568-1767. New York: Fordham Univesity Press, 1968. TEN, Antonio. El
convictorio carolino de Lima y la introducción de la ciencia moderna en el Perú virreinal, In
Universidades españolas y americanas: época colonial. Valencia: CSIC, 1987.
24
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
recibió cuando fue alumno, en Trujillo, de monseñor Baltasar Jaime Martínez de Compañón
(1783-1797) a quien se consideró como “ilustrado” y quien también incentivó el estudio de
las ciencia: “fue un decidido promotor del uso de las ciencias prácticas para el desarrollo
social y luego implementará una reforma de estudios en el Seminario de Santo Toribio de
Lima, de la cual Rodríguez de Mendoza será testigo”. VALLE RONDÓN, Fernando. Teología,
Filosofía y Derecho en el Perú del XVIII: dos reformas ilustradas en el Colegio de San Carlos
de Lima (1771 y 1787). In Revista Teológica Limense, XL, 3, p. 337-382, Lima, 2006, p. 55.
Del mismo modo, refleja la formación recibida en Lima por parte de Agustín de
Gorrochátegui, profesor de teología e introductor de teología positiva y el estudio de la
25
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Batres, 1970.
19 “por lo que “la lectura repetida, la meditación refleja les arraiga la doctrina y, digerida la
materia, adornado su espíritu y dueños de su asunto se presentan a sus discípulos con gusto,
26
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
se producen con facilidad, hablan con fluidez, se explican con claridad, con propiedad y
hermosura”. Vargas Ugarte, Rubén (1970). El Real Convictorio Carolino y sus dos luminares.
Lima: C. Milla Batres.
20 Egoavil, Jean Christian, (2021) “El Convictorio de San Carlos: entre la tradición y la
el Perú. Lima: UNMSM, 1960, un conjunto de tesis escritas en el Convictorio de San Carlos
(MEJÍA VALERA, 1960, p. 96-99)
23 El estudio de la Historia de la filosofía de Johannes Heinecio continuaba con el estudio de
su Lógica, pues “nada omite de lo que tratan los mejores dialécticos y tiene cien
preciosidades que le son propias. El estilo es puro, claro y elegante. Usa del método
geométrico con tanto acierto que siendo tan uniforme no es fastidioso como Wolf” (VARGAS
UGARTE, 1970, p. 74). Asimismo, se sugiere la obra de Luis Antonio Vernet De re
metaphysica, pues tiene la ventaja de ser compendiada fácilmente. Luego se estudia las
matemáticas incluyendo la aritmética, álgebra, geometría, trigonometría, secciones cónicas
y cálculo infinitesimal. Para ello se adoptó los textos de Benito Ballis, a continuación, la física
de Newton compendiada por Pedro Dumekio en su Philosophia newtoniana illustrata y
Pedro van Musschenbroeck. Finalmente, se estudia la ética como la parte más importante
“dirigida a rectificar el corazón para formar hombres de bien” (VARGAS UGARTE, 1970, p.
78), adoptando la obra de Heinecio.
27
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
24 PACHECO VÉLEZ, César. Ensayos de Simpatía. Sobre ideas y generaciones en el Perú del
siglo XX. Lima: Universidad del Pacífico, 1993. PLANAS SILVA, Pedro. El 900: Balance y
recuperación. Lima: CITDEC, 1994.
25 “Nuestra generación aprendió entre ruinas y pobrezas que solo podemos contar con
nosotros mismos. Puede ésta definirse por un nacionalismo doloroso que hace recuento de
los desastres y trata de reparar mentalmente lo que destruyeron otros” afirmaba Ventura
García Calderón en 1946 en su libro Nosotros.
28
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
26 Frente a los intelectuales del Novecientos también hubo voces que discordaban
absolutamente con ellos. Incluso las propuestas de José Carlos Mariátegui -en Siete Ensayos
sobre la Interpretación de la realidad peruana- y, posteriormente, de Luis Alberto Sánchez -
en Balance y Liquidación del Novecientos ¿Tuvimos maestros en nuestra América? – emitieron
juicios de valor injustos (colonialistas y conservadores) contra una generación que buscó
reinventar el país desde “adentro”.
27 “La escuela positivista encuentra mayor simpatía después de la guerra del Pacífico. El año
LÉ VY-BRUHL, Lucien. The philosophy of Auguste Comte. London: S. Sonnenschein, 1903.
30 STUART MILL, John. Auguste Comte and Positivism. London, 2005. SINGER, Michael. The
29
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
30
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
31
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
y continuidad (p. 23-26), de modo que, los conventos de las principales órdenes
religiosas (dominicos, franciscanos, mercedarios, agustinos y jesuitas) y sus
respectivos colegios fueron el lugar donde se refundó y continuó la misión
inconclusa de la escolástica europea: “esos refugios solitarios, desempeñaron rol
intelectual importantísimo, en algo parecido al que en época de oscurantismo y de
barbarie representaron los monasterios en Europa “(p. 32). Así, la escolástica
medieval que brotó en el Perú “surgió como flor marchita y entristecida, nació como
engendro del miedo, del temor de la fe casi derrotada y de la debilidad de la razón,
sin fuerzas para consolidar su obra salvadora. Fue fruto de transacción y, como todo
producto de conciliaciones pecaminosas, creación precaria, raquítica, que llevaba
consigo a la muerte. Vivió siempre en entre las grietas de un edificio ruinoso y,
cuando Descartes dio el golpe destructor, hacía mucho tiempo que la flor enferma
sentía vértigo de suicidio” (p. 42).
En definitiva, durante el período virreinal “estábamos en la Edad Media,
llevándonos atraso de tres siglos” (p.80) cuando la juventud peruana se distraía en
aburridas contiendas teológicas y en un infructuoso estudio de la obra de
Aristóteles. Esta fue la poderosa imagen antimedieval que la obra de Barreda y Laos
legó a historia del pensamiento peruano con la cual ni siquiera estimulaba la
curiosidad histórica y crítica cuando se identificaba la historia del Perú de los siglos
XVI, XVII y XVIII como “nuestra Edad Media”. Esta imagen perduró durante décadas
desestimando los elementos valiosos de la escolástica medieval en las raíces
filosóficas del Perú. De modo que se aprecia un enfrentamiento a fines del siglo XVIII,
un rechazo total en el XIX y un olvido durante los dos tercios del siglo XXI. No
obstante, esta perspectiva empezó a cambiar desde los años 70 en adelante gracias
al esfuerzo de un minúsculo grupo de estudiosos quienes fueron los pioneros en la
renovación de los estudios medievales en el Perú motivados por reconocer las
fuentes y raíces del pensamiento virreinal como parte esencial de nuestra historia
filosófica.
32
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1999.
34 FLÓREZ, Gloria. El comercio en el Derecho Indiano: Entre el Medioevo y el mundo
Perú como fundamento del pensamiento peruano. El caso de la Logica Via Scoti (Lima, 1610)
de Jerónimo de Valera (1568-1625). In INDRUÁIN, Carlos Mata, SÁNCHEZ JIMÉNEZ Antonio
y VINATEA, Martina. La escritura del territorio americano. Nueva York: IDEA, 2019.
EGOAVIL, Jean Christian. El pensamiento virreinal: ¿orígenes de la filosofía
latinoamericana?, In Filosofía Afilada, disponible: https://www.filosofia-
afilada.org/post/filosofia-latinoamericana-origenes EGOÁVIL, Jean Christian, Filosofía
escotista en el virreinato del Perú”, In Proyecto Estudios Indianos. Disponible en
http://estudiosindianos.org/glosario-de-indias/filosofia-escotista-en-el-virreinato-del-
peru/ . Consultado el 21 de mayo de 2021.
36 GREGOGRY, Tullio. Translatio Studiorum. In Translatio Studiorum, Anciente Medieval and
33
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
37 EMERY, Elizabeth, UTZ, Rirchard. Medievalism Key Critical Terms. Cambridge: D. S. Brewer
Editions, 2014.
38 ECO, Umberto. La nueva Edad Media. Madrid: Alianza Editorial, 1974.
39 Enlace web donde se existe un repertorio de música neomedieval y musicalización de
muchos códices que contiene partituras de música escrita en la Edad Media. Reproducen
estilos románico y gótico:
https://sonidosmedievales.wordpress.com/2015/10/21/musica-neomedieval/
40 STERN, Eddo. A Touch of Medieval: Narrative, Magic and Computer Technology in Massively
2015.
34
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
México: Fondo de Cultura Económica, 2015. BRADING, David. The First America, The Spanish
Monarchy, Creole Patriots and the Liberal State. Cambridge: Cambridge University Press,
1993.
45 GIACON, Carlo. La seconda scolastica. Milano: Fratelli Bocca, 1944-1950.
46 ZAVALA, Silvio. Estudios indianos. Mé xico: Colegio Nacional, 1948. ZAVALA, Silvio. Ensayos
35
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
36
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
37
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
54 BACIGALUPO, Luis. Los rostros de Jano: ensayo sobre San Agustín y la sofística cristiana.
Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Cató lica del Perú , 2011.
55 D'ONOFRIO, Sandro. Aquinas as representationalist: the ontology of the species
intelligibilis. Doctoral Thesis. New York: State University of New York: 2008.
56 BALLÓN VARGAS. José Carlos. La complicada historia del pensamiento filosófico peruano
siglos XVII y XVIII. Selección de textos, notas y estudios. Lima: Universidad Nacional Mayor de
San Marcos / Universidad Científica del Sur, 2011.
57 PRETELL, Milko. Los primeros filósofos de la academia limensis. In Phainomenon, 17, 2,
2018, p. 141-149.
58 VARGAS, Rosa Elvira. Albert the Great on Metaphysics. In A Companion to Albert the Great:
Perú como fundamento del pensamiento peruano. El caso de la Logica Via Scoti (Lima, 1610)
de Jerónimo de Valera (1568-1625). In INDRUÁIN, Carlos Mata, SÁNCHEZ JIMÉNEZ Antonio
y VINATEA, Martina. La escritura del territorio americano. Nueva York: IDEA, 2019.
38
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1967.
39
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Laos, habían expresado con respecto a la filosofía ejercida en el Perú. Salazar Bondy
no logra superar esta perspectiva, puesto que no solo evidencia un total
desconocimiento expresado en apenas una página, sino una falta de interés por
contrastar y refutar las ideas que hasta entonces se adoptaban como evidentes con
respecto al medioevo y al virreinato peruano: que la segunda fue una continuación
de la primera. Además, su esfuerzo por proponer la indagación de una filosofía
latinoamericana genuina partía en falso al negar o desconocer la herencia medieval
en las raíces culturales de América.
Asimismo, Francisco Miró Quesada Cantuarias, el alter ego de Salazar Bondy
y uno de los máximos representantes del pensamiento lógico y epistemológico
latinoamericano, reconoce en su obra más importante de historia filosófica, Apuntes
para una teoría de la razón63 (Lima, 2012), el aporte de los filósofos medievales a la
cultura universal (p. 61-64) resaltando los estudios de Moody, Bochensky, Dürr y
Minio-Paluellos, pero nunca menciona el aporte de los pensadores americanos de
los siglos XVI y XVII al desarrollo de la lógica sobre la base de las teorías de lógica
modal de la escolástica. Es más, Miró Quesada no menciona y desconoce totalmente
la estrecha relación entre la historia filosófica medieval y la historia intelectual
peruana, tal vez, y a diferencia de Salazar Bondy, debido a sus pretensiones más
universalistas en pos del planteamiento de una nueva teoría de la razón a inicios de
la década de los 60.
El neomedievalismo filosófico en el Perú no pretende ser un elemento divisor
en la reconstrucción de los orígenes del pensamiento peruano ni mucho menos es
un esfuerzo de erudición etérea que se pierde en las sutilezas de los doctores
escolásticos. Este neomedievalismo, más bien, es un elemento que debe orientar las
investigaciones sobre las fuentes de la filosofía peruana, cuyas raíces se hunden en
el período virreinal y de allí hasta una aparente lejana escolástica medieval que, vista
en perspectiva más crítica, es tan cercana como cuando nos conmovemos al
escuchar alguna composición musical de siglo XIII o cuando leemos alguna novela
de evidente inspiración neogótica o cuando nos identificamos con algún lejano y
63MIRÓ QUESADA CANTUARIAS, Francisco. Apuntes para una teoría de la razón. Lima:
Fondo Editorial de la Universidad Ricardo Palma, 2012.
40
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Conclusiones
El balance historiográfico presentado en este artículo muestra el complejo
proceso de formación del neomedievalismo filosófico en el Perú desde dos
cuestiones importantes. En primer lugar, a partir de una mirada crítica a las
posturas de muchos intelectuales en contra de la herencia medieval (perspectiva
denominada como antimedieval) y, en segundo lugar, a partir de una necesidad por
reconocer las raíces virreinales del pensamiento peruano como parte esencial de su
historia intelectual que, como se sabe, se entronca con la escolástica medieval. Sin
embargo, esta estrecha relación no significa que la escolástica se haya repetido en el
Perú, sino que sobre esta se produjeron perspectivas novedosas interrumpidas con
el advenimiento de las Reformas Borbónicas en el siglo XVIII.
Asimismo, se ha propuesto una interpretación historiográfica del
antimedievalismo surgido a fines del siglo XVIII con el advenimiento de las Reformas
Borbónicas, examinando el plan de estudios de 1787 del Convictorio de San Carlos.
Esta postura se consolidó a fines del siglo XIX, especialmente en la obra de Felipe
Barreda y Laos, y se extendió por más de seis décadas durante el siglo XX. Es decir,
no solo se olvidó la herencia medieval, sino que se desechó su imagen por asociarla
con lo caduco. No obstante, esta imagen empezó a cambiar a partir de las
investigaciones de Walter Redmond y de María Luisa Rivara de Tuesta a partir de
las últimas décadas del siglo pasado y que ha continuado hasta nuestros días
estudiando desde una perspectiva renovada una historia intelectual interconectada
y compartida entre Europa y América.
Finalmente, el neomedievalismo filosófico en el Perú es uno más en el amplio
y rico abanico cultural de los países sudamericanos, especialmente si tomamos en
cuenta que se reconocen distintas expresiones neomedievalistas en el cine, la
literatura, la música, el arte popular u otras disciplinas académicas. Este
41
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
42
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
43
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1 Introducción
Los estudios sobre el medievalismo, o como denominaremos aquí
neomedievales,1 han abordado extensamente el contrapunto en la concepción de la
44
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
modernidad entre una Edad Media “rosa” y otra “negra”. Esta oposición, que ha
recibido otros rótulos como “romantic” o “grotesque” Middle Ages, 2 ha oscilado
temporal y geográficamente en su preponderancia. Para ejemplificar, en relación
con la coexistencia de ambas visiones en la Inglaterra decimonónica, David
Matthews afirma: “The emergent romantic Middle Ages to some extent presupposed
a dominant grotesque Middle Ages, with the assumption that romanticism would
affect the rescue from the grotesque, without always effacing that grotesque”. 3 Ya a
comienzos y hasta mediados del siglo XX, en consonancia con un descenso
generalizado del empleo del imaginario medieval (que luego crecerá de manera
constante y se irá tornando omnipresente hasta la actualidad), en cambio, prevalece
la óptica grotesca.
En el caso hispánico, específicamente, esto toma un viso particular mediante
la denominada Leyenda Negra que, por supuesto, repercute en los imaginarios de
los países americanos conquistados por España.4 Desde la segunda década del siglo
XX se denomina así a la creencia de que en el siglo XV, periodo en el que se inicia la
conquista de América, España se hallaba en un estado de retraso socioeconómico
con respecto al resto de Europa. Así, mientras otros países se dirigían
inexorablemente hacia la modernidad, España estaba “detenida” en la Edad Media.
Por consiguiente, este razonamiento propone que los territorios conquistados por
la Península Ibérica habrían recibido un influjo particular que los fundaría, en
paralelo al aniquilamiento de los nativos, en la Edad Media y no en la modernidad
Gasset: feudalismo y organicismo social. Revista de Estudios Orteguianos 39, 2019, p. 163-
185, Santiago Argüello analiza la manera en que aparece este pensamiento en José Ortega y
Gasset, intelectual español de finales del siglo XIX. Allí distingue dos núcleos diferenciados
(asociados con el germanismo y el romanismo): por un lado, el sentido liberal del
feudalismo y, por otro, el énfasis en la sociabilidad propia del organicismo tardomedieval.
Como veremos que ocurre con Iglesias, la acepción orteguiana de “feudalismo” tampoco se
centra en el aspecto jurídico de la relación señor/siervo basada en la propiedad de la tierra,
sino que pone el foco en el aspecto político. El feudalismo se asienta de esta manera en la
autoridad sobre súbditos o siervos, detentada por el poder o fuerza de mando y gobierno
del señor.
45
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
46
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
8Ibidem, p. 4.
9 Maria Eugenia Bertarelli y Clinio de Oliveira Amaral se detienen en el cruce entre
neomedievalismo y religión a partir del análisis de la misa Urbi et Orbi, dictada por el Papa
Francisco el 27 de marzo de 2020, como liturgia medievalizante que versó especialmente
sobre el contexto pandémico. En el artículo se abordan cuestiones teóricas vinculadas con
concepciones de la temporalidad y con el uso particular de lo medieval y las características
del episodio. BERTARELLI, Eugenia y DE OLIVEIRA AMARAL, Clinio. Yes! It’s possible to
think about medievalism and religion: A study case on Pope Francis’s “Urbi et Orbi” mass.
Antíteses 26, 2020. p. 97-125. Otro ejemplo reciente de la comparación entre la Edad Media
con la COVID-19 que suscitó el 2020 puede observarse en las colaboraciones que integran
UTZ, Richard (Ed.). Medievalism in the Age of COVID-19: A Collegial Plenitude. 2020.
Disponible en: <https://medievallyspeaking.blogspot.com/2020/05/medievalism-in-age-
of-covid-19.html>. Acceso en: 30/05/21.
47
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
corresponden estrictamente con el desarrollo recursivo del texto. En efecto, los elementos
medievales subyacentes no comportan una relación uno a uno con los que el autor quiere
destacar de manera más alevosa. Estos son los subtítulos principales, previa aclaración de
que cada segmento se subdivide en una gran cantidad de apartados: “Introducción. Tiempo
48
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
circular y Día de la Marmota”, “1. El Medioevo Peronista”, “2. La leyenda del primer
trabajador”, “3. Los trucos de la Leyenda y el Relato”, “4. Los colaboracionistas”, “5. Los
errores de Cambiemos”, “6. ¿Existe un futuro para la Argentina?”, “7. La llegada de la Peste”,
“Conclusión. El tamaño de mi esperanza”.
49
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
12 ECO, Umberto. Travels in Hyperreality. Essays. San Diego: Harcourt Brace Jovanovich,
1986. p. 67.
13 UTZ, Richard. Medievalism: A Manifesto. Leeds: Past Imperfect, 2017. p. 66.
14 Hay que aclarar que en Argentina el uso del término “republicanismo” y sus variantes, con
50
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
detecta William Blanc en el territorio americano del norte (un nuevo Camelot
portador de la democracia y el progreso), y que irá creciendo con las guerras.15 Este
matiz positivo, que no solo se adscribe a un otro sino que se busca construir en la
propia identidad, toma allí el viso de “glorificación medieval”. Términos vinculados
con la identidad y el nacionalismo, como “raíces”, “tradición”, “herencia” u
“orígenes”, en Latinoamérica adquieren una connotación completamente diferente.
Esto se debe a que la derecha liberal latinoamericana ha perseguido siempre la
desmantelación de cualquier intento de construcción regional en pos de la
asimilación y subordinación al “Primer Mundo”. En el caso que nos compete, esto
resulta muy claro ya desde el comienzo: las primeras líneas de la introducción del
ensayo de Iglesias construyen una imagen de la Argentina desde la óptica italiana en
complicidad con la mirada externa de un argentino que se encuentra en Italia y
percibe a su país como “lo otro” y como algo de lo que no es parte: “Así me dijo un
señor que conocí en el tren de Roma a Bologna en diciembre de 2019”. 16 Pareciera
que la percepción de lejanía da un sentido de objetividad cuando, en realidad, aquí
opera en clave poscolonial.17
Antes de adentrarnos en el estudio de los usos del imaginario medieval en El
Medioevo Peronista, nos dedicaremos sucintamente a explicitar los recursos
argumentativos más repetidos de los que se vale el autor para intentar imponer su
punto de vista. El recurso más presente, y que engloba a todos los demás, es el de la
tautología, ya que la repetición de una misma idea con otras palabras (o, a veces, con
las mismas) es su punta de lanza. Lo crucial aquí es que muchas de las herramientas
que otorga al otro en su repaso por las once recomendaciones de Goebbels (y que
Iglesias traspone a Raúl Apold, Subsecretario de Prensa y Difusión durante el
(e.g. Maria Graham) el que se encarga de criticar y medievalizar lo latinoamericano sino que
opera el “orientalismo autopercibido” (e.g. Domingo F. Sarmiento, Euclides da Cunha y
Gilberto Freyre). La diferencia es que en estos pensadores del siglo XIX se intentaba el
desapego de la Europa conquistadora, hispana y portuguesa, en pos de un nuevo tipo de
colonización que siguiera los modelos británico, estadounidense y francés. ALTSCHUL,
Nadia. Politics of Temporalization. Medievalism and Orientalism in Nineteenth-Century South
America. Filadelfia: University of Pennsylvania Press, 2020.
51
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
18 Para comprender cabalmente el sentido de la frase “dato mata relato” no debemos olvidar
que, en la visión del autor, los dos polos son mutuamente excluyentes. Esto quiere decir que
mientras un partido político tiene “los datos”, el opuesto solo construye un relato, una
historia falsa. Iglesias no considera nunca la posibilidad de construir un relato a partir de
los números y niega que haya una manipulación ideológica en la imagen que de sí mismo y
de la historia construye su propio partido.
19 Se denomina así al gobierno presidido por Néstor Kirchner y Cristina Fernández de
Kirchner entre 2003-2015, de sesgo peronista pero con la incorporación, también, de otros
actores, partidos y particularidades que conformaron el Frente para la Victoria, actual
Frente de Todxs.
20 El término “gorila” denomina popularmente en la política argentina a los antiperonistas.
La expresión fue tomada de una parodia creada por Aldo Cammarota en 1955 a partir de la
película Mogambo (1953). En el cuadro había un científico en la selva que, ante cada ruido
que le provocaba miedo, decía "Deben ser los gorilas, deben ser,/ que andarán por aquí,/
deben ser los gorilas, deben ser...” y el público lo interpretó como una mención a los
militares que se rumoreaba que preparaban en la oscuridad el golpe militar contra Perón.
52
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
21 La cita vuelve a recuperarse en la conclusión del tercer capítulo, “Los trucos de la Leyenda
53
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
22 Con respecto a esto se relata que al interior de la dictadura había gente que se sentía
desplazada y que deseaba aliarse con el peronismo (en esta línea se mencionan al
conservador nacionalista clerical Bengoa y la carta apócrifa que circulaba donde
supuestamente el propio Perón le daba su apoyo, el pacto radical mixto Frondizi-Conte
Grand y cómo ciertos sectores usan al pueblo solo para llevar a cabo sus objetivos y sin una
real preocupación). Algo interesante aquí es que destaca en el sector opositor la primacía
del deseo y lo subjetivo (el odio visceral y el anhelo de venganza) en lugar del trabajo
objetivo con la realidad, la organización y lo racional, que es precisamente la crítica que hará
el propio Iglesias, invirtiendo actores, al peronismo.
23 DUHALDE, Eduardo L. (Comp.). John William Cooke. Obras completas. Correspondencia
54
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
del comunismo internacional (se augura que el mundo será comunista en pocos
años), por un lado, y los sectores reaccionarios comandados por la oligarquía y las
fuerzas armadas, por el otro. Lo interesante es que todo esto sirve para reflexionar
sobre el lugar que ocupa la Argentina en el mundo, por aquel entonces viviendo, de
acuerdo con la metáfora de la propia carta, del reflejo y sin luz propia.
Todas estas herramientas se articulan con segmentos del imaginario
medieval que son percibidos como ominosos y amenazantes. Iglesias utiliza este
amedrentamiento como justificativo ante el lector para imponer su proyecto
político, liderado por el expresidente Mauricio Macri. Ante la alternativa
monstruosa que dibuja, los errores propios se presentan como nimiedades que
deben ser comprendidas y toleradas. A continuación, nos focalizaremos en el
análisis del uso de la Edad Media para confeccionar esa otredad a partir de los siete
tipos adelantados en nuestra introducción.
55
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
24 Realmente las referencias en el texto son muchas y resultan crípticas para quien no
consuma el día a día de la cotidianeidad argentina. La elección aquí pretende solo ser
ilustrativa, dado que la forma en que estos juegos de palabras aparecen en el texto deja
afuera a una gran cantidad de lectores.
25 IGLESIAS, Fernando Adolfo. Op. Cit, p. 337.
26 Ibidem, p. 347.
56
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
27 Ibidem, p. 33.
28 Para el autor esta situación se puede ilustrar a través de la comparación con la película
Groundhog day (1993). Allí, la pequeña comunidad de Pennsylvania de fines del siglo XX
tiene la creencia de que es posible predecir, según el comportamiento de una marmota en
un día particular, cuánto tiempo durará el invierno. Un periodista que había sido enviado a
cubrir el evento queda atrapado en un loop temporal y debe revivir ese día una y otra vez.
La referencia a esta película tiene tres aristas importantes en el texto de Iglesias: la primera
es que subraya las creencias de las pequeñas comunidades rurales, aunque en este caso esté
57
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
por el autor, el Partido Peronista propone a los ciudadanos volver siempre a una era
dorada que sería falsa ya que los datos mostrarían que nunca existió aquel tiempo
de bonanza. De esta manera, el país viviría encerrado en un “tiempo circular”, donde
todas las crisis son provocadas por el peronismo que, a su vez, propone la salida solo
para conducirnos a una nueva crisis. Este planteo conforma la principal
comparación entre la historia argentina y la Edad Media. Creemos necesario, en este
punto, desbrozar los principales argumentos que propone el texto en relación con la
temporalidad.
El móvil es la idea de que las personas que vivían en la Edad Media, debido a
que su subsistencia estaba basada en una economía agraria, tenían una relación
cíclica con el tiempo (que, evidentemente, escapa a la linealidad cristiana; nueva
demostración de que el ensayo no quiere dar cuenta de la rica heterogeneidad
medieval).29 Por esta razón, la sociedad del medioevo carecería de una noción de
progreso y, asimismo, esta falta provocaría el estancamiento económico y cultural
en el que se encontraba. Como con muchas otras de sus referencias a la Edad Media,
Iglesias espera que sus lectores comprendan los conceptos y que, más aún,
compartan su mismo punto de vista ya que se trataría de nociones de “sentido
común”. Todas las personas que leen su libro deberían creer o aceptar que las
sociedades agrícolas tienen una visión del tiempo que es eminentemente cíclica y
que eso implica algo negativo. La presencia de lo medieval en la negación de lo
implantada en los Estados Unidos de los 90; la segunda es la centralidad que tiene el tema
de la repetición una y otra vez del mismo momento en su comparación entre Argentina y la
Edad Media; la tercera, finalmente, es que en Argentina esta película fue doblada como “El
día de la marmota”, y el nombre de este animal se usa en el país para referir a una persona
tonta o ignorante que es, ciertamente, un apelativo que el autor busca aplicar a los y las
peronistas.
29 Para el análisis de las concepciones de la temporalidad a partir de distintos usos del
imaginario medieval, véase LACALLE, Juan Manuel. “No hay peor muerte que el olvido”. La
postergación del final en la novela histórica a partir de El señor de los últimos días. Visiones
del año mil, de Homero Aridjis. En: BERGAMO, Edvaldo, CANEDO SILVA, Rogério Max y
LEITE, Ana Mafalda (Comps.). A permanência do romance histórico: literatura, cultura e
sociedade. San Pablo: Intermeios, 2020. p. 73-87; y FERNÁNDEZ, Manuel y LACALLE, Juan
Manuel. Dos modelos de historia contrapuestos a partir de Gilles & Jeanne de Michel
Tournier. En: GENTILE, Ana María et al. (Comps.). Miradas sobre la literatura en lengua
francesa: hospitalidad, extranjería y revolución. Ensenada: Libros de la FaHCE, 2017. p. 121-
129.
58
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
coetáneo como basamento para el rechazo de la alteridad fue analizada por Nadia
Altschul profundamente a partir del concepto de denial of coevalness de Johannes
Fabian.30 Allí queda muy claro que la medievalización del otro es, de este modo, una
forma de construirlo como una rémora no deseable del pasado.
Estas concepciones de sentido común con respecto a la idea del tiempo
circular en sociedades agrarias pueden rastrearse en la distinción entre “sociedades
frías” y “sociedades calientes” propuesta por Lévi-Strauss en El pensamiento salvaje.
La característica principal de las segundas, según Lévi-Strauss es la de poseer un
pensamiento atemporal. El pasado de la sociedad caliente es un pasado mítico, una
era dorada a la que no se puede regresar y en donde los hombres son “meros
copistas”. No obstante, ese tiempo remoto se encuentra unido al presente porque
“gracias al ritual, el pasado ‘desunido’ del mito se articula, por una parte, con la
periodicidad biológica y de las estaciones y, por otra parte, con el pasado ‘unido’ que
liga, a lo largo de las generaciones, a los muertos y a los vivos”. 31 Estas sociedades
intentarían permanecer siempre en un mismo estado a través de los mecanismos
que disponen y evocarían en las personas inmovilidad y falta de progreso. Como
podemos ver, esta distinción encuadra perfectamente con las caracterizaciones que
hace Fernando Iglesias de la sociedad medieval y de la Argentina del siglo XX:
“[existe una] vigencia de un tiempo circular; el tiempo de los ciclos naturales de las
antiguas civilizaciones en que cada invierno era completamente diferente al verano
que lo había precedido pero completamente igual a miles de inviernos anteriores y
posteriores”.32 O, como se explica al comienzo del ensayo, en una referencia
transparente a Il Gattopardo de di Lampedusa, todo cambia pero nada se modifica.
Pero este señalamiento respecto de la temporalidad repetitiva y sin desarrollo en la
que se encontrarían atrapadas ambas sociedades no es, en verdad, aplicable a
ninguna de ellas.
Es necesario precisar que el texto de Iglesias no recorta ningún espacio ni
59
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
tiempo concretos para remitir a la Edad Media. Sus referencias están conformadas,
como hemos visto, por un cúmulo de nombres reales o ficticios, efectivamente
medievales o no, que no permiten precisar si su descripción refiere a la Inglaterra
del siglo IX, la Francia del XII o el Bizancio del XIII. 33 Si tomamos como referencia la
construcción neomedieval que realiza Iglesias de la Edad Media, la caracterización
de su temporalidad como meramente circular, debido a la importancia de las
estaciones para la comunidad agrícola, es simplemente falsa. Lo que el autor parece
dejar de lado, incluso cuando hace diversas referencias a la preeminencia de la
Iglesia y su relación con el poder político, como se verá más adelante, es la influencia
que tiene el cristianismo sobre la temporalidad medieval. El pensamiento cristiano
tiene un pasado, un presente y un futuro que no son el mismo y que no se unen el
uno al otro en un círculo para volver a comenzar. Frente al concepto estoico del
“eterno retorno”, retomado por Friedrich Nietzsche en La gaya ciencia y que Iglesias
esboza para la Edad Media, la cristiandad elabora para sí misma una visión de la
temporalidad que contiene no solo un pasado y un futuro diferenciados sino que
encuentra en el momento de la Encarnación en que Dios se hace hombre su punto
focal. Ya en el siglo VI, Dionisio el Menor funda la cronología cristiana que pervive
en occidente hasta nuestros días y que señala una dirección de avance sin regreso al
inicio.
Como señala Jacques Le Goff, el pensamiento medieval contiene una
dimensión circular legada particularmente por Boecio. Esta visión encuentra en la
figura de la rueda de la Fortuna una de sus simbolizaciones más importantes y deja
en la aversión por datar hechos con mayor precisión un gran problema para los
historiadores del presente. La liturgia cristiana, organizada a partir de la
encarnación repetida de Cristo en la Eucaristía, trae el pasado perpetuamente al
presente y el calendario organizado en base a las fiestas religiosas y el santoral
podrían ser otra forma de circularidad. En el plano que Le Goff identifica como de la
33Una lectura generosa podría aducir que el único periodo al que hace referencia es al siglo
XIV, especialmente a partir de la comparación entre la COVID-19 y la Peste Negra y por su
descripción de esta etapa como la de una profunda crisis económica. Pero esta referencia se
encuentra velada y entremezclada con otras alusiones, y nunca se explica cuáles son los
puntos que toma para las comparaciones.
60
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
34 LE GOFF, Jacques. La civilización del occidente medieval. Barcelona: Paidós, 1999, p. 143.
61
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
62
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
focos principales del ensayo. Se busca desacreditar los logros sociales y laborales del
peronismo al atarlo a lo militar, apoyándose en el rango de General del propio Perón
pero, también, al hacerlo extensivo al autoritarismo político con el que se acusa a
todos los gobiernos que comparten esta ideología. Esto toma forma caricaturesca en
las críticas simplistas y robóticas que el sector que representa Iglesias hace a los
gobiernos por parecerse a los de Cuba o Venezuela como si, nuevamente, esto fuera
malo en sí y en su totalidad.
La alianza medieval entre la “cruz y la espada” (cuestión que las derechas de
otros países podrían aprovechar y han explotado de manera positiva) toma forma a
partir de la unión esporádica entre la Iglesia y el ejército argentino con el gobierno.
En relación con la religión toma especial relevancia la figura del actual Papa
Francisco I, Jorge Bergoglio, quien ha sido identificado como “Papa peronista”. Por
ello hace alusión a la banda vaticana, la caza de brujas, el culto a los muertos, los
autos de fe y, en la misma tónica, al terraplanismo. Sin embargo, no hay en el texto
un deseo de análisis profundo de la relación entre el peronismo y la Iglesia. Las
menciones de Francisco I tienen la intención de demostrar que, como algunos
sectores identifican al Papa con el peronismo (y ni siquiera todos los peronistas
están dispuestos a esto), la Iglesia en su conjunto es peronista y actúa a favor del
partido gobernante desde 2019 de alguna manera que no se explicita (aunque se
entiende que es porque ambos abogan por los sectores más desfavorecidos de la
sociedad).
De acuerdo con la lista de elementos a los que el autor hace referencia al
hablar del rol de la Iglesia Católica, y que aquí presentamos, podemos ver que se
trata de un pastiche. ¿Cuál es su ordenamiento espacio-temporal? ¿Qué tipo de
referencias toma más allá de reminiscencias de sentido común? El problema de la
mezcla y el uso casi caprichoso es que cuando se los pone en correlación queda en
evidencia cierta inconsistencia.
En la Edad Media se subdividía en seis etapas la vida del mundo y, por la
analogía del macro y el microcosmos que es el hombre, la de cada persona. La
que Iglesias lo convierte en otro dispositivo comparativo que espera que sus lectores
comprendan recurriendo únicamente a visiones de sentido común sobre el tema.
63
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
37 El conurbano es parte de la Provincia de Buenos Aires, abarca los distritos que rodean a
la Ciudad Autónoma de Buenos Aires y tradicionalmente ha votado por el peronismo.
IGLESIAS, Fernando Adolfo. Op. Cit., p. 20.
38 Sobre la concepción sarmientina de los caudillos, Daniela Paolini afirma: “[...] cuando en
el Facundo propone que el siglo XII coexiste con el siglo XIX argentino, para describir las
prá cticas y las costumbres que rechaza de su contemporaneidad, Sarmiento participa en la
construcció n de una Edad Media cristalizada y opaca, que la literatura, desde el siglo XVIII
en adelante, ha explotado con insistencia, reuniendo sus connotaciones monstruosas en el
64
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
té rmino ‘gó tico’. El Medioevo se hace así presente para evocar un repertorio de asociaciones
negativas que intentan explicar lo que su escritura designa como inexplicable, como aquello
que escapa a la ló gica temporal y a la razó n [...] en funció n de este sistema de interpretació n
que el escritor recupera del medievalismo romá ntico” (p. 33). PAOLINI, Daniela. Los
caudillos medievales de Sarmiento. En: ZANGRANDI, Marcos (Coord.). Territorio de
sombras. Montajes y derivas de lo gótico en la literatura argentina. Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: NJ Editor, 2021. p. 31-58.
39 IGLESIAS, Fernando Adolfo. Op. Cit., p. 22.
40 Ibidem, p. 23.
41 Ibidem, p. 29.
65
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
de señalar, como si fuera un logro indudable, los despidos que se dieron del sector
estatal durante el macrismo al tiempo que critica que el kirchnerismo lo haya
aumentado y haya nacionalizado empresas deficitarias o abusivas (y aquí se
distancia de Sarmiento, y da un paso más allá): “Se trata del núcleo consolidado del
Medioevo Peronista. el Estado, como principal proveedor de empleo, y los
empleados estatales, como modernos siervos de la gleba”. 42 Aparentemente, todo lo
que está del lado del Estado pareciera carecer de razón, independencia y
pensamiento propio, y en el lado de la racionalidad solo se ubicaría el sector privado.
42 Ibidem, p. 31.
66
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
43 Ibidem, p. 188.
67
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
44 Ibidem, p. 162.
45 Ibidem, p. 146.
68
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
sabe el hombre medieval y todo lo que conoce el argentino peronista no es otra cosa
que una cortina de humo. Al ignorar el estatuto diferente que tiene la ficción en la
Edad Media y sus relaciones con “la historia” y “la verdad”, Iglesias concluye que
tanto los medievales como los peronistas son arrastrados a causa de su ignorancia
por relatos falsos. Y esto los convierte en fanáticos con un pensamiento
eminentemente irracional que no permite el progreso que proporcionan los datos y
la ciencia.46 A la Edad Media la salvó de este fanatismo la Modernidad, que la sacó
del tiempo circular e inauguró la era del progreso. A la Argentina, por su parte, solo
el partido de Juntos por el Cambio y los movimientos antiperonistas parecieran
capaces de sacarla del medioevo y traerla al presente en el que aparentemente no
vivimos.
46 Uno de los puntos fuertes de los gobiernos kirchneristas entre 2003 y 2015 fue el continuo
fortalecimiento del sistema científico (al punto que Mauricio Macri mantuvo en su cargo al
mismo Ministro de Ciencia, Tecnología e Innovación y no pudo evitar el elogio de la gestión
realizada en ese área; a pesar de luego terminar degradando su estatus al de Secretaría).
Como puede verse de la contínua asociación entre números, datos y verdad, el concepto de
“ciencia” al que refiere Iglesias deja por fuera a los ámbitos de las humanidades y las ciencias
sociales y, a pesar de intentar mostrar una armonía entre los dos polos, no puede sino
contradecirse y refutar su propio discurso en otros fragmentos del texto y termina por
invalidar las ciencias “blandas”.
69
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
peronismo que realiza Fernando Iglesias. Por supuesto, la riqueza del ensayo excede
a este artículo, que intentó ser más bien ilustrativo. Como señalan Lukas Grzybowski
y Nadia Altschul en “Em Busca dos Dragões”, los elementos identificados con el
neomedievalismo cambian con el tiempo. Lo que en cierto momento no era
percibido como propio de la Edad Media en otro sí (este es el caso de su
ejemplificación sobre los dragones, no tan reconocidos como parte del medioevo en
el siglo XIX y hoy integrantes esenciales del imaginario). 47 A esta dimensión
temporal se agrega la espacial. Dado que en el ensayo que abordamos en este
artículo se trabaja con lo que cierto sector puede concebir como sentido común o
doxa, el acercamiento realizado aporta a la percepción de la Edad Media por parte,
al menos, de un grupo ideológico de la Argentina actual. Así, por ejemplo, quedó
plasmada la dificultad de generar lazos positivos con el imaginario medieval. De
hecho, elementos que podrían integrar el conjunto “rosa” o “romántico” habitual,
como la magia, se ven muy disminuidos y mantienen únicamente el matiz de
infantilismo que a veces se les atribuye.
De acuerdo con Iglesias, quedar atrapados en el período medieval, aún en
territorio argentino, implica someterse a una tierra arrasada, en un loop continuo,
bajo lazos jerárquicos de dependencia a un poder cuya irracionalidad se traslada al
pueblo, que se miente a sí mismo creyendo en un relato legendario que sostienen la
religión y el brazo armado de la sociedad. Entre todos estos ingredientes, no resulta
curioso que los que el autor prefiera destacar sean el problema de la temporalidad
y el de la leyenda (emblemas de los peligros discursivos de la narrativa de las
ciencias humanas y sociales que tanto se encarga de despreciar), y que todos estén
rodeados por el aura de la peste, como si la llegada de la pandemia en el año 2020
fuese un castigo a los votantes que no lo eligieron.
En este artículo analizamos un caso específico del cuarto modelo de
construcciones y manifestaciones postmedievales que reconocen Francis Gentry y
Ulrich Müller: el político-ideológico48. Con este marco, la intención no solo fue
47 GRZYBOWSKI, Lukas y ALTSCHUL, Nadia. Em Busca dos Dragões: a Idade Média no Brasil.
70
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
imaginario; e.g. una novela histórica); el reproductivo (una reconstrucción con intención de
autenticidad; e.g. un concierto de música medieval o el amplio abanico del recreacionismo);
el académico (sobre el estudio e interpretación de los corpora medieval y neomedieval); y
el político-ideológico (es decir, la utilización con una intencionalidad política que se da en
la actualidad a las ideas, temas o personajes históricos o literarios medievales). GENTRY,
Francis y MÜLLER, Ulrich. Op. Cit., p. 401.
49 GONÇALVES SOARES, Ana Rita y SANMARTÍN BASTIDA, Rebeca. Medievalism. En:
71
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
“Y, en efecto, ¿qué puede hacer uno con los pueblos ‘sin historia’, cuando se ha
definido al hombre por la dialéctica y a la dialéctica por la historia?”.51 Si, además,
como mencionamos en nuestra introducción al retomar a di Carpegna Falconieri, la
idea de la Edad Media es esencial en el discurso que la Modernidad tiene sobre sí
misma, comprendemos por qué Iglesias opera acumulando valores negativos
ligados a lo medieval. Como parte de las derechas latinoamericanas su funcionalidad
al colonialismo se hace presente en las oposiciones que construye para denostar a
sus adversarios políticos. De un lado, el peronismo medieval en una repetición sin
historia y sin pensamiento; del otro, el supuesto progreso moderno de los
unicornios que, como en En busca del unicornio (1987), de Juan Eslava Galán,
termina por revelar que para los demás no era más que un cuerno de rinoceronte.
El texto de Iglesias, como intentamos demostrar en este trabajo, no es un
estudio pormenorizado de la historia argentina sino un ensayo que busca justificar
al gobierno macrista de 2015-2019 y postular las razones para una futura nueva
elección de un espacio cuyo fracaso del proyecto político-económico lo llevó a
perder las elecciones a fines de 2019. El temor, y aquí aparece una expresión
rumiada a lo largo de los capítulos, es una medievalización neoplatónica no
detectada: el peronismo es todo y nada de todo. En pos de su objetivo político es que
Iglesias realiza el gesto desesperado de adjudicar una serie de supuestos acerca de
la Edad Media al conjunto de los gobiernos peronistas. Pero es importante destacar
que, incluso más allá de esta política partidaria, lo que Fernando Iglesias critica es al
Estado argentino en su conjunto y las posibilidades de su desarrollo interno. 52 La
medievalización que realiza mediante su relato persigue, pues, la instauración del
72
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
73
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Introducción
A partir del 18 de octubre de 2019 y hasta inicios de la pandemia, en Chile se
han realizado manifestaciones constantes que terminaron cristalizadas en la
demanda de una nueva constitución escrita paritariamente y con escaños
reservados para pueblos indígenas, en reemplazo a la originada durante la dictadura
de Pinochet. Este trabajo ofrece una lectura del neomedievalismo a partir de las
imágenes que han dejado las protestas 2. Sin embargo, antes de comenzar el análisis,
y por referir a un término complejo que hace relación a una periodización, se hace
74
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
necesario discutir algunos conceptos, nuestra idea dominante del tiempo, y qué se
ha comprendido por el término neomedievalismo. Esto con el fin dar un mejor
marco al fenómeno a ser estudiado.
Discusión previa
Es complejo usar de modo preciso los términos medioevo, modernidad y
postmodernidad, términos historiográficos que definen épocas que, a la vez, son
modos de habitar el tiempo. Si bien la periodización indica un quiebre, se oscurecen
elementos de persistencia y la pregunta por el alcance geográfico 3, lo que resulta
importante al considerar los estudios que se enfocan en lugares periféricos a los
centros desde los cuales dicha discusión y distinciones historiográficas emanan4.
Similarmente sucede con los términos medievalismo y neomedievalismo,
que dependen de la observación del pasado como más o menos distante, y se
insertan en sistemas de periodización. En consecuencia, es necesario comenzar
hablando del tiempo; cómo habitamos el tiempo y qué tipo de tiempo habitamos. En
este marco, Berber Bevernage utiliza dos conceptos tomados del filósofo francés
Vladimir Jankélévitch para describir modos de habitar el tiempo pasado que
coexisten: pasado “irreversible” y pasado “irrevocable”. El primero refiere a la
percepción de un tiempo pasado frágil, que se esfuma, mientras que el segundo
refiere a una percepción del tiempo como persistente, que acecha al presente,
especialmente relevante en la experiencia de violencia estatal 5. En este sentido, la
75
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
6 Ibidem
7 Ibidem, p.99.
8 Ibidem, p.101-102.
9 Ibidem, p.108.
10 Ibidem, p.109.
76
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
11 Para Baudrillard, la simulación genera una hiperrealidad, pues hay una pérdida de
referencia por la sucesión de modelos. BAUDRILLARD, Jean. The Procession of Simulacra.
In: GIGI, Meenakshi; KELLNER, Douglas (Ed.). Media and Cultural Studies. 2. ed. Oxford:
Blackwell Publising, 2006. p.454.
12 TOSWELL, M.J. The Simulacrum of Neomedievalism. In: FUGELSO, Karl (Ed.). Studies in
Medievalism XIX: Defining Neomedievalism (s). Nueva York: Boydell & Brewer, 2010, p. 44.
Disponible en: <www.jstor.org/stable/10.7722/j.ctt14brsr8.8>. Accedido en: 03 mar. 2020.
13 Ibidem
14 MARSHALL, David. Neomedievalism, Identification, and the Haze of Medievalisms. In:
FUGELSO, Karl (Ed.). Studies in Medievalism XX: Defining Neomedievalism (s) II. Nueva York:
Boydell & Brewer, 2011, p.22. Disponible en:
<http://www.jstor.org/stable/10.7722/j.ctt81hp7.6>. Accedido en: 01 dic. 2020.
15 ROBINSON, Carol; CLEMENTS, Pamela. Living with Neomedievalism. In: FUGELSO, Karl
(Ed.). Studies in Medievalism XVIII: Defining Neomedievalism (s) II. Nueva York: Boydell &
Brewer, 2010, p.56. Disponible en: <http://www.jstor.org/stable/10.7722/j.ctt81w18.8>.
Accedido en: 03 mar. 2020.
16 Ibidem
77
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
defecto17.
Cory Lowell argumenta en contra de Robinson y Clemente, indicando que el
neomedievalismo no es anti-histórico sino una postura entorno a la historia18, una
reacción al relativismo del postmodernismo. Para la autora, la manera del
neomedievalismo de reaccionar al posmodernismo ingresando preocupaciones
postmodernas (género, raza y multiculturalismo) con una fantasía casi medieval de
lucha del bien y el mal, merece mayor exploración, aunque parece satisfacer un
deseo psicológico cultural19.
En relación al neomedievalismo como producto de un momento histórico y
un deseo psicológico, Amy S. Kaufam señala que lo que aparece como un rechazo de
la historia puede ser un deseo por la historia que a la vez sospecha que no existe tal
cosa20. El neomedievalismo sentiría entonces que el pasado se ha perdido
doblemente: primero, cuando los estudios medievales del siglo XIX insistieron en la
alteridad de la Edad Media, y luego nuevamente, cuando se sostiene que la historia
es relativa y se rechaza el positivismo que causó la “traumática división” 21.
Más cerca de Lowell y de Kaufman, KellynAnn Fitzpatrick considera que la
idea del neomedievalismo descrita por Robinson y Clemente implica su dependencia
de la posmodernidad22, situando el neomedievalismo como el último segmento en la
periodización que construye la idea del medioevo con la cual comienza: “this system
of periodization, throught which modernity gave name to the Middle Age between
the Classical and Modern periods, is just as integral to postmodernism, which has in
17 Ibidem, p.65.
18 LOWELL, Cory. Neomedievalism: An Eleventh Little Middle Ages? In: FUGELSO, Karl (Ed.).
Studies in Medievalism XIX: Defining Neomedievalism (s). Nueva York: Boydell & Brewer,
2010, p. 41. Disponible en: <http://www.jstor.org/stable/10.7722/j.ctt14brsr8.7>.
Accedido en: 05 ene. 2020.
19 Ibidem, p.40.
20 KAUFMAN, Amy. Medieval Unmoored. In: FUGELSO, Karl (Ed.). Studies in Medievalism XIX:
Defining Neomedievalism (s). Nueva York: Boydell & Brewer, 2010, p.3. Disponible en:
<http://www.jstor.org/stable/10.7722/j.ctt14brsr8.4>. Accedido en: 01 may. 2021.
21 Ibidem
22 Marshall también considera que el doble post indica una relación de tensión donde el
78
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
79
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
29 Ibidem, p.242.
30 Tom Shippey da cuenta de la medievalización nacionalista de los siglos XIX y XX en Europa,
alertando que hay nuevas naciones que buscan una identidad para crear y defender.
SHIPPEY, Tom. The Medievalisms and Why They Matter. In: FUGELSO, Karl (Ed.). Studies in
Medievalism XVII: Defining Neomedievalism (s). Nueva York: Boydell & Brewer, 2010, p. 52.
Disponible en: <http://www.jstor.org/stable/10.7722/j.ctt81qpq>. Accedido en: 14 mar.
2020.
31 SANMARTÍN, Rebeca, Op. Cit. p.234.
32 KAUFMAN, Amy, Op. Cit.p.8.
33 Ibidem, p.9.
34 LUKES, Daniel. Comparative neomedievalism: A Little bit medieval. Postmedieval a journal
80
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
81
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
42 Ibidem, p.29-30.
43 Ibidem
44 Ibidem, p.31.
45 Se entenderá el neoliberalismo como un estadio del desarrollo del capitalismo, sin una
mayor distinción entre los términos. Para una discusión mayor sobre sus usos similitudes y
diferencias, véase ORTNER, Sherry. Sobre el neoliberalismo. LLANES, Rodrigo; HORTA,
Alina (Trad.). Antrópica, v.1, n.1, p.126-135, 2015. Disponible en:
<https://antropica.com.mx/ojs2/index.php/AntropicaRCSH/article/view/84/101>.
Accedido en: 20 may. 2021.
46 Disponible en: <https://www.lamia.cl/juana-de-arco-1>.
47 Respecto a la relación del neomedievalismo y el consumo, Fitzpatrick señala que la
82
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
83
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
48 KIM, Dorothy. Teaching Medieval Studies in a Time of White Supremacy. In the Middle, 28
Aug. 2017. Disponible en: <http://www.inthemedievalmiddle.com/2017/08/teaching-
medieval-studies-in-time-of.html>. Accedido en: 03 dec. 2020.
49 LOWELL, Cory, op. Cit, p.39.
84
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fantasy. In: KETTERER, David (Ed.). Flashes of the Fantastic: Selected Papers from The War
of the Worlds Centennial, Nineteenth International Conference on the Fantastic in the Arts.
Westport: Praeger Publishers, 2004, p.5. Disponible en:
<http://www.researchgate.net/publication/324764099>. Accedido en: 15 ene. 2021.
53 BAUMAN, Zygmunt. Introduction. In: ______. Retrotopia. Cambridge: Polity Press, 2011. p.
85
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
incorporación individual de la idea del progreso, que se mira como promesa rota 54.
De este modo, la retrotopía sería una búsqueda del futuro regresada a modos
tribales de comunidad, donde las personas no estarían determinadas por factores
culturales de la civilización presente, pero que no regresaría a pasados como
“genuinamente” fueron55.
De otro lado, estos usos también conectan con las preguntas sobre las
similitudes entre la posmodernidad y el medioevo, en tanto que en ambos se
borronean las jerarquías y autoridades, hay múltiples lealtades y en conflicto, las
fronteras espaciales se borronean y las distinciones entre público y privado se
difuminan56. Bajo esta mirada, del medievo se tomaría un deseo de posmodernidad,
asociado a otras concepciones del espacio y del poder.
La protesta tuvo por espacio la Plaza Baquedano, rebautizada como Dignidad,
lugar público que en la práctica está reservado para clases pudientes. Desde los
liderazgos, estos son espontáneos y se sobrelapan. Desde las lealtades, la estatua
Baquedano alberga a una gran co-alianza de sujetos traicionados por el progreso,
bajo un interés común que es derrotar al orden que segrega y jerarquiza
verticalmente. Otro tema en cuestión es que la calle se ha vuelto un espacio de
creación colectiva, lo que recuerda los libros medievales donde la autoría se
difumina (Fig.3, Fig.4).
54 Ibidem, p.3.
55 Ibidem, p.5.
56 KOBRIN, Stephen. Back to the Future: Neomedievalism and the Postmodern Digital World
Economy. Journal of International Affair, v. 51, n.2, 1998, p. 366. Disponible en:
<http://www.jstor.org/stable/24357500>. Accedido en: 03 ene. 2020.
86
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
87
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
88
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
60 Utilizaré la concepción de Said respecto al orientalismo, quien emplea este término como
un té rmino “gené rico” para describir la aproximació n occidental hacia Oriente, que es una
disciplina a travé s de la cual Oriente ha sido abordado como tema de estudio, pero también
de prá ctica de control y dominio, a la vez que es un conjunto de “sueñ os, imá genes y
vocabularios que está n a disposició n de cualquiera”. SAID, Edward. Orientalismo. FUENTES,
María (Trad.). 2. ed. Barcelona: Debolsillo, 2008. p.111.
61 Durante la hacienda, el término “china” hacía referencia a la mujer mestiza de servicio
doméstico. Para Said, en el siglo XIX lo oriental sirvió para indicar al pobre, delincuente o
mujer “que tenían una identidad que podríamos definir como lamentablemente ajena. A los
orientales (…) se les miraba a través de un filtro, se les analizaba no como ciudadanos o
simplemente como a gente, sino como problemas que hay que resolver, aislar (…)”. Ibidem,
p.778-779.
89
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
90
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
indígenas que de los grandes imperios, más de lo femenino que de lo masculino. Los
sujetos no pretenden expandir al universo “su civilización”, sino realizarla en lo local
y sin dominio de unos sobre otros, comenzando con el cuestionamiento del traspaso
de poder históricamente.
En consideración al punto dos, hay una apropiación de lo considerado
medieval/oriental para inscribir significados. Para Nadia Altschul, la
medievalización/orientalización es una política de temporalización que es posible
observar dentro de Europa y América. Mientras en Europa a España se le indicaba
como medieval y oriental, en el siglo XIX en Chile los términos eran utilizados en la
formación de la nación en clave británica de la modernidad-capitalista, según consta
en la observadora María Graham que insinúa que “only British gentlemen, and at the
very least British educated gentlemen, are in a position to lead the newly
independent Spanish Americas”65. En este sentido, el uso actual de autoseñalarse
como medieval/oriental sirve para reivindicar una posición temporal que, al
cuestionar la asociación entre posmodernidad y neoliberalismo, cuestiona también
la asociación previa entre modernidad y capitalismo -buscado otro tipo de
desarrollo-, pero que no adscribe a un pasado de la madre España como propio sino
a una madre tierra previa a la colonia, previa a la llegada misma de la fabricación de
la dicotomía que permite que los conquistadores puedan orientalizar y
medievalizar, a pesar de que en su territorio estén en el lado indicado como
premoderno.
Mientras el gobierno acusa a los manifestantes de bárbaros premodernos
influidos por oriente66, estos se autoorientalizan y automedievalizan, reescribiendo
los signos de lo distante en el presente, como una flecha que indica un ir hacia otra
manera de habitar el tiempo, no ya desde el progreso que en su afán de novedad
expulsa al pasado, sino desde un habitar el tiempo donde el pasado aparece
91
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
92
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 5. POOL, Claudia. @claudiapool_foto. [Joven rescatista posa para la cámara con
vestimenta orientada en soldado escocés]. 18 feb. 2020. Fotografía. Museo del Estallido
Social. Disponible en: <https://museodelestallidosocial.org/claudia-pool/>. Accedido en:
20 may. 2021. Autoriza uso Museo del Estallido Social.
68 Said señala que el orientalismo es también una práctica mental asociada a una geografía
imaginaria que distancia el nosotros de los ellos: “la prá ctica universal de establecer en la
mente un espacio familiar que es «nuestro» y un espacio no familiar que es el «suyo» es una
manera de hacer distinciones geográ ficas que pueden ser totalmente arbitrarias (…) pues no
requiere que los bá rbaros reconozcan esta distinció n. A «nosotros» nos basta con establecer
esas fronteras en nuestras mentes; así pues, «ellos» pasan a ser «ellos» y tanto su territorio
como su mentalidad son calificados como diferentes de los «nuestros»”. SAID, Edward, op.
Cit, p. 87.
93
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig.6. GÓNGORA, Lolo. [Las mujeres siempre estamos en primera línea]. 12.ene 2020. Paste-
up mural. Muro de Centro Cultural Gabriela Mistral. Disponible en:
<https://www.instagram.com/p/B7OzcugptMR/>. Accedido en: 03 may. 2021. Autoriza
uso Lolo Góngora.
Fig. 7. CORDUA, Martín. 2020. Fotografía. In: OJEDA, Iván (Ed.). Postales del Estallido Social
Chileno: entre la Vivencia y la Memoria. Valdivia: Némesis. p. 205.
94
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 8. BEAS, Rosita. [Santo Negro Matapacos]. 12 nov. 2019. Paste up. Muro de Plaza
Baquedano/Dignidad. Disponible en: <https://www.instagram.com/p/B4yB7bKnGqN/>.
Accedido en: 05 nov. 2020. Autoriza uso Rosita Beas.
Ritual y performance
Una de las críticas a la clase gobernante fue el no escuchar las demandas de
la ciudadanía y no ver la realidad de los gobernados. En contraste, la ciudadanía que
sí veía, resultó con los ojos mutilados. Este no ver de los gobernantes, los ultrajes a
95
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
69 CASSIDY -WELCH, Megan. Before trauma: the crusades, medieval memory and violence.
Continuum: Journal of media & Cultural Studies, v. 31, n. 5, 2017, p.620. Disponible en:
<https://doi.org/10.1080/10304312.2017.1357335>. Accedido en 12 feb. 2021.
96
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
70NIRENBERG, David. The two faces of the sacred violence. In: ______. Communities of
violence: Persecution of Minorities in the Middle Ages. New Jersey: Princeton University
Press, 1996, p. 226. Disponible en: <https://hdl.handle.net/2027/heb.00423>. Accedido en:
1 oct. 2020.
97
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
son sujetos anómicos sino que hacen carrera en prestigio71 como defensa del pueblo
mestizo, a quienes les levantan animitas que sirven como lugares de procesión (Fig.
11). Pese a ello, hay una distancia con Nirenberg, ya que el ritual está sólo desde un
lado, pues la policía refuerza la violencia inscrita sobre los cuerpos, reescribiendo el
orden desde la memoria sensorial. Esto, sumado al pasado dictatorial que inscribió
por la fuerza un orden económico, anima a preguntarse por la relación entre ley,
retórica, verdad, drama y violencia.
71Ibidem, p. 227.
72ENDERS, Jody. The Medieval Theater of Cruelty: Rhetoric, Memory, Violence. Ithaca:
Cornell University Press, 1999. p.15.
98
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
73 Ibidem, p. 21.
74 Para Said, en la literatura Oriente aparece como un lugar aislado del progreso científico,
artístico y comercial, es decir, la palabra incivilizado tendría presupuestos orientalistas.
SAID, Edward, op. Cit, p. 277- 278.
75 ALTSCHUL, Nadia. Politics of Temporalization… op. Cit, p. 42.
76 Ibidem, p. 351.
99
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
77 BRENT, McDonald. En Chile protestar cuesta un ojo de la cara. The New York Times, Nueva
York, 21 nov. 2019. Disponible en: <www.nytimes.com/es/2019/11/21/espanol/america-
latina/chile-protestas-ojos.html>. Accedido en: 3 dec. 2020.
78 CAÑIZARES-ESGUERRA, Jorge. Puritan Conquistadors: Iberianizing the Atlantic, 1550-
100
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 12. RODRIGUEZ, Paloma. @palomarodriguez.cl. [La copia infeliz del edén]. 19 feb.
2020. Paste up. Muro de Centro Cultural Gabriela Mistral. Disponible en:
<https://museodelestallidosocial.org/paloma-rodriguez/>. Accedido en: 10 may. 2021.
Autoriza uso Museo del Estallido Social.
101
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 13. PEZOA, Carolina. 2019. Obra de Claudio Caiozzi. Fotografía de paste up. Muro de
Centro Cultural Gabriela Mistral. Autoriza uso Carolina Pezoa.
102
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 15. CAIOZZI, Claudio. 31 ene. 2020. Paste up. Muro de Plaza Baquedano/Dignidad,
poniente. Disponible en: <https://www.instagram.com/p/B7_0kOIHyWL/>. Accedido en:
03 may. 2021. Autoriza uso Claudio Caiozzi.
103
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 16. ROJAS, Claudio. [Ojos]. Oct. 2020. Fotografía. Mosaicos sobre muro de Teatro
Universidad Católica en Ñuñoa. Disponible en:
<https://museodelestallidosocial.org/claudio-rojas/>. Accedido en: 25 may. 2021. Autoriza
uso Museo del Estallido Social.
79 VANCE, Eugene. Seeing God: Augustine, Sensation, and the Mind's Eye. In: NICHOLS,
Stephen; KABLITZ, Andrea; CALHOUN, Alison (Ed). Rethinking the Medieval Senses:
Heritage/ Fascinations / Frames. Baltimore: The John Hopkins University Press, 2008, p.17.
80 Ibidem, p.25.
81 JUTTE, Robert. Representations: Allegories. In:______. A History of the Senses: from
104
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 17. MARTINEZ, Fernanda. [Registro manifestaciones]. 2020. Fotografía. Cerro Huelén.
Esta obra está bajo una Licencia Creative Commons Atribución 4.0 Internacional.
105
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 18. BEAS, Rosita. 27 dic. 2019. Paste up. Muro de Centro Cultural Gabriela Mistral.
Disponible en: <https://www.instagram.com/p/B6lNmvUnPiW/>. Accedido en: 20 feb.
2021. Autoriza uso Rosita Beas.
Fig. 19. SAGREDO, Giovanna. 19 dic. 2019. Mosaico. Empotrado a muro superior del
ascensor metro del Sol en Av. Pajaritos en comuna de Maipú. Disponible en:
<https://www.instagram.com/p/B6RM18Jnm4A/>. Accedido en: 20 feb. 2021. Autoriza
uso Giovanna Sagredo.
106
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Este ojo sangrante es el ojo agustiniano que ve, aún mutilado, alternativas a la
modernidad capitalista/posmodernidad neoliberal más inclusivas con lo mestizo.
Respecto al conocimiento transcendente desde lo visual, destacan las
acciones artísticas de Delight Lab que proyectó palabras que funcionan como
revectorizaciones de la historia como “Renace”, “Marichiweu”82, “Amor y Matria”
(Fig.20, Fig.21, Fig.22). Estos tres términos indican un “renacimiento” de un
ordenamiento -que pudo o no ser real- desde lo indígena y femenino, siendo en este
sentido una fabricación del pasado distante para cambiar el futuro, como una
“verdad” a perseguir.
Fig.20. POOL, Claudia. [Renace]. Obra de Delight Lab. Proyección lumínica. 26 oct. 2020.
Disponible en: <https://www.instagram.com/p/CO4ISPBrEkS/. Accedido en: 10 feb. 2021.
Autoriza uso Claudia Pool.
107
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 22. BAHAMONDES, Luis. [Amor y Matria]. Obra de Delight Lab. Proyección Lumínica.
10 mar. 2020. Disponible en: <https://www.instagram.com/p/B9k5HheJ0J0/>. Accedido
en: 20 ene. 2021. Autoriza uso Luis Bahamondes.
108
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Lo mestizo y lo femenino
El uso de capas, escudos, cascos y banderas recuerda las cruzadas religiosas.
En el caso del apruebo, el uso de escudos tenía un sentido práctico, pues la policía
les atacaba. No obstante, distinto es para el “rechazo”, que eran resguardados por la
policía y, sin embargo, hacían usos de escudos más sofisticados en su confección
(Fig.23). Esto invita a pensar en el refashion de lo medieval en la protesta, ya que se
subraya una estética. Hay un simulacro de lo medieval más que un link directo con
el medioevo, lo que le daría el carácter neomedievalista a la lucha 83. Para el apruebo,
son credos los que se inscriben en los escudos, que los defienden de los ataques y
que representan el ordenamiento que se busca extender a la sociedad, a juzgar por
las banderas indígenas en sus escudos y la apelación a lo femenino (Fig.24, Fig.25,
Fig.26). En este sentido, lo medieval es una categoría simbólica disponible para
diferentes e incluso opuestos usos ideológicos84. Desde el “rechazo”, los escudos
eran usados por el grupo “capitalismo revolucionario” y “aún tenemos patria”,
movimientos antifeministas y anti reivindicaciones indígenas, que defendían la
constitución vigente y que usaron símbolos/gestos nazis 85. Desde el apruebo, por el
contrario, había una mayor heterogeneidad y posicionada desde lo femenino e
indígena.
109
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
110
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig.25. TORREALBA, Isidora. 2020. Fotografía. In: OJEDA, Iván (Ed.). Postales del Estallido
Social Chileno: entre la Vivencia y la Memoria. Valdivia: Némesis. p. 69.
Disponible en: <https://doi.org/10.34720/wf41-1f06>. Accedido en: 05 may. 2021. Acceso
libre.
111
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 27. CAIOZZI, Claudio. 21 ago. 2020. Paste up. Muro de Centro Cultural Gabriela Mistral.
Disponible en: <https://www.instagram.com/p/CEKguOQHGL7/>. Accedido en: 04 may.
2021. Autoriza uso Claudio Caiozzi.
112
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 28. CAIOZZI, Claudio. 24 oct. 2019. Paste up. Muro de Plaza Baquedano/Dignidad.
Disponible en: <https://www.instagram.com/p/B4ArWwin_6e/>. Accedido en: 04 may.
2021. Autoriza uso Claudio Caiozzi.
La Fig.27 contrasta con la Fig.29, donde tres ángeles femeninas y jóvenes, que
recuerdan a las Tres Gracias hijas de Zeus, llevan en un plato la cabeza del
presidente. El rostro de este mantiene un gesto de repugnancia y severidad, y posee
las cuencas del ojo vacías, en alusión a que no ve la realidad de los gobernados y/o
que su conocimiento como empresario es inútil -alusión a que la racionalidad del
capitalismo y la narrativa del progreso es inútil-. El rol de los ángeles es impedir el
“traspaso” de poder, dado por la herencia, a la vez que legitimar la destitución de
esta racionalidad del progreso que posiciona como premodernos/medievales a
quienes no persigan dicha racionalidad.
113
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Fig. 29. MARTINEZ, Fernanda. [Registro manifestaciones]. 2020. Fotografía. Esta obra está
bajo una Licencia Creative Commons Atribución 4.0 Internacional.
Conclusión
En el caso chileno el neomedievalismo funciona como una retórica utilizada
por los grupos para mantener o cambiar una gramática social, representada en la
constitución originada en dictadura, pero que presenta una mayor data por las
incursiones británicas del siglo XIX. La medievalización se dio en un contexto de
reordenamiento jurídico y tuvo por fin separar el bien del mal en un contexto
posmoderno relativista, lograr adscripción mediante signos conocidos e inscribir el
conflicto en un orden histórico y sagrado. Sin embargo, desde el lado del apruebo,
también sirvió para criticar la racionalidad capitalista como modelo de desarrollo
que se ha profundizado y ha incumplido su promesa de “progreso” para amplios
grupos poblacionales.
El neomedievalismo entendido como recreación contemporánea de un
pasado medieval ficticio, a modo de pastiche y collage, que busca establecer una
flecha de sentido para la acción política bajo una temporalidad amplia, vale decir,
114
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
que define una premodernidad ficticia para crear un presente menos complejo y
resistir los peligros del futuro; sirve de moneda vacía, como una estética portadora
de valor externo, fácilmente comunicable en el intercambio político. En el grupo del
apruebo, lo interesante es que esto se da en la medida de un destranslatio del imperii,
pues se trata de detener el traspaso de poder de oriente a occidente y de su narrativa
civilizatoria, de no guardar ni enriquecer ni transmitir el pasado, sino de fabricar un
pasado que sirva para empoderar a los marginalizados por la narrativa civilizatoria.
Sin embargo, como la palabra destranslatio niega lo que contiene, el movimiento de
traspaso de poder se detiene e invierte hacia aquel antes
medievalizado/orientalizado, dentro de un mismo territorio Americano
orientalizado y medievalizado desde su “descubrimiento” por aquellos
“orientalizados” españoles. La autoorientalización entonces es a longue durée desde
lo local, pues hay una identificación con el oriente (civilizaciones precolombianas)
del oriente (America española) del oriente (España)86. Hay una inflexión que
remarca una redistinción desde el lugar de la exclusión. Estos premodernos de los
premodernos, no apelan a imperios que legitimen una dirección lineal del poder,
sino que apelan a su condición de no haber heredado nada de la narrativa de la
civilización que une lo moderno con el capitalismo y con occidente.
El uso de las cáscaras de significados desde el cristianismo y la caballería
estilizados desde la cultura popular no busca reclamar la herencia de un imperio ni
renovarlo. Es una retórica para “echar mano” al hablar de cambios gramaticales de
la sociedad. Sin embargo, lo interesante es el rellenado con significados incluyentes
y propios que se distancian del supremacismo que se ha dado en otras latitudes. No
hay un temor a la integración sino un clamor por la diversidad y la inclusión de
civilizaciones locales.
86El caso de Sarmiento analizado por Altschul resulta algo similar pues Sarmiento señala
que lo arábico en América no sería por los moros en España sino por la herencia romana,
por lo que la autora habla de una romanización. ALTSCHUL, Nadia. Politics of
Temporalization…op. Cit, p. 138.
115
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Carina Zubillaga
SECRIT (IIBICRIT-CONICET)
Universidad de Buenos Aires
carinazubillaga@hotmail.com
116
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
mismo y la hija del rey de Antioquía rara vez pasa de ser un instrumento para que
Pericles/Apolonio inicie el viaje durante el cual correrá sus verdaderas aventuras”.1
Las primeras versiones registradas de la historia de Apolonio son del siglo IX,
aunque probablemente reformulan en latín un texto griego perdido. Las versiones
más propiamente medievales, sin embargo, se consolidan en el Occidente europeo
en el marco del surgimiento de las diferentes lenguas vernáculas; entre ellas, el Libro
de Apolonio castellano de la primera mitad del siglo XIII es uno de los poemas
pertenecientes a la escuela o movimiento literario conocido como “mester de
clerecía” que traduce en cuaderna vía (tetrásticos monorrimos de versos
alejandrinos) la Historia Apollonii regis Tyri. Haddon recupera la leyenda tal como
aparece concretamente en la Confessio Amantis de John Gower, poema narrativo
inglés de fines del siglo XIV, y posteriormente a comienzos del siglo XVII en la obra
teatral Pericles, príncipe de Tiro de Wilkins y Shakespeare, según lo sintetiza al
referir la historia de Apolonio al promediar su novela. Lo hace, sin dudas, por ser
versiones escritas en su propia lengua, aunque reconoce que la historia ya circulaba
previamente, sin que se dieran variaciones significativas de la trama, en lenguas
vernáculas como el castellano Libro de Apolonio, que será el eje concreto de nuestra
comparación por resultar una de las versiones europeas más tempranas de la
historia escrita antes en latín.
El cotejo entre la historia de Apolonio, desarrollada por extenso en el Libro
de Apolonio en consonancia con la fuente latina que la antecede, y la novela de
Haddon permitirá dar cuenta de los elementos principales de la leyenda del rey de
Tiro, sus semejanzas y sus aún más destacables diferencias entre el mundo medieval
que recrea una historia de amor y aventuras presumiblemente de procedencia
griega y su manifestación contemporánea. En la actualización que cada época lleva
a cabo de materiales y tradiciones previas, la historia conserva su núcleo originario
a la vez que evidencia los impulsos, dinámicas y valores propios, lo que puede
1HADDON, Mark. El delfín. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Salamndra, 2021, p. 354.
Todas las citas de la novela corresponden a esta traducción editada en la Ciudad Autónoma
de Buenos Aires, indicándose a continuación de cada una el número de página
correspondiente.
117
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
2 Acerca de la temática del incesto en el mundo medieval, ver ARCHIBALD, Elizabeth. Incest
and the Medieval Imagination. Oxford: Clarendon Press, 2001.
3 Las citas corresponden a la edición del texto que forma parte de mi edición conjunta del
118
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
119
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
120
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
4 DEYERMOND, Alan. Emoción y ética en el Libro de Apolonio. Vox Romanica, 48, 1989, 153-
164, p. 162. Este planteo general de Deyermond es ejemplificado por los trabajos de SURTZ,
Ronald E. The Spanish Libro de Apolonio and Medieval Hagiography. Medioevo Romanzo, 7,
1980, 328-341, acerca de las virtudes cristianas de sus protagonistas, y BROWNLEE, Marina
Scordilis. Writing and Scripture in the Libro de Apolonio: The Conflation of Hagiography and
Romance. Hispanic Review, 51.2, 1983, 159-174, quien caracteriza a Apolonio como
guerrero cristiano.
5 AGAMBEN, Giorgio. La aventura. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Adriana Hidalgo
121
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
122
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Acerca de las formas que asume esa aventura, Pericles escucha su propia
historia mientras viaja por el mundo como un desconocido. La variedad que
consignan las versiones que se relatan, sumatorias de irrealidades, pone el eje en la
narración en sí misma como muestrario antes de lo posible que de lo efectivamente
cierto:
123
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
124
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
niños del pueblo han intentado matarlo. Con tatuajes o sin ellos, ese
hombre tiene un alma. Y ha sufrido mucho daño, como la muchacha,
como ella misma. Ahora se percata de que es así. Los tres han
soportado lo indecible. No puede rechazarlo. (344)
125
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
amor. Las palabras de Pericles acerca de Cloe lo testimonian: “¿Lo ama? ¿La ama él?
Jamás se ha visto ante un acertijo tan difícil de descifrar, ante un enigma cuya
solución importe tanto” (164). Lo enigmático del amor de esta pareja, centrado en
su confusa velocidad, se contrapone totalmente al largo y lento proceso amoroso de
Apolonio y Luciana en el Libro de Apolonio. El héroe se convierte primero en el
maestro de música de la princesa, y es en el transcurso de los días y de las lecciones
que surge el amor de Luciana por Apolonio; un amor que ella no puede expresar y
se convierte en amor hereos (enfermedad amorosa que los médicos de la corte
intentan curar, sin lograrlo):
126
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
127
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
cristiana que sustenta textos medievales como los que integran el “mester de
clerecía” castellano, el padecimiento resulta desintegrador de la identidad e incluso
monstruoso. Cloe cambia su nombre a Emilia y, en efecto, se reconoce como otra:
Se disculpa por no poder explicarle cómo llegó hasta allí. Eso es una
mentira y al mismo tiempo no lo es. Hubo una hija de rey que se
casó con un príncipe, los dos jóvenes se querían con locura. Eso
pasó hace mucho y en un lugar muy lejano y no hay ninguna
conexión entre aquella mujer y la que está sentada ahora en esa
terraza emparrada. (229)
128
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
y su hija:
129
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
sobrenatural que se configura, finalmente, como otra mujer como ella misma: “Con
delicadeza, la mujer le deja la cabeza apoyada sobre la hierba y se pone en pie. Los
gruñidos y ladridos de los animales se oyen a lo lejos, así como las voces de otras
mujeres. Su gemela sobrenatural se vuelve y se aleja” (284). Como queda claro en el
personaje que salva a Marina de la muerte, y su dominio sobre los animales y la
naturaleza en general, lo sobrenatural no está del todo ausente al final de El delfín.
Es lo sobrenatural cristiano, lo específicamente milagroso o providencial, lo que
desaparece, en función de una ética cristiana prevalente en las historias medievales
de Apolonio que no puede, por el contrario, vislumbrarse en el presente de la novela.
Lo sobrenatural, sin embargo, resurge asociado a un poderío femenino que, a la vez,
se relaciona con la naturaleza misma, lo que evidencia un intento autoral de
posicionarse ante problemáticas tan actuales como el empoderamiento de las
mujeres y el cuidado ambiental.
En las historias medievales del rey de Tiro, como el Libro de Apolonio, la
impronta cristiana dotaba a la aventura heroica de una dimensión sobrenatural que
permitía subordinar lo azaroso a la providencia. Lo central eran los valores de los
que se imbuía a la aventura, que se equiparaba con el devenir, los obstáculos y las
pruebas de la vida humana. La novela de Haddon, por el contrario, no recupera a la
aventura heroica como lo central de su trama, sino un eje, un motivo que en las
versiones previas era el motor o disparador de la aventura y que ahora se convierte
en el elemento central, constante y abarcador de toda la historia: el motivo del
incesto. La relación de ese motivo con asuntos universales como el amor y la muerte
permite ver cómo esos temas se viven o se perciben en la sociedad actual, que ya no
posee el sustento de lo considerado trascendente por la religión cristiana. Es la
secularización de la historia de Apolonio de Tiro en la novela lo que posibilita
considerar tanto las características y tradiciones narrativas medievales, desde una
nueva luz, como vislumbrar el proceso de naturalización de la aventura primigenia
desarrollado en la novela actual. Esa naturalización pone en primer lugar
problemáticas que en las versiones medievales eran meros disparadores dramáticos
de la acción, como el incesto que asimismo permitía contraponer el mal al bien como
fuerzas siempre en contienda. El motivo del incesto, asociado con otros tantos
130
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
131
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Resumo: o presente artigo tem como objetivo Abstract: The main purpose of the current
analisar os elementos estruturantes e a estética article is to analyse both the structural
neomedieval em duas ferramentas para a resources and the neomedieval aesthetics in
criação de RPG’s (jogos de interpretações de two tools dedicated to the creation of digital
papéis) digitais, a saber, o RPG Maker, software Role-Playing Games: RPG Maker, software
criado na década de 1990, e o RPG Playground, created in mid-1990s, and the RPG Playground,
plataforma online gratuita disponibilizada em a tool free of charges available online since
meados de 2012. Além disso, o artigo recobra o 2012. Based on these perspectives, I analysed
vívido debate sobre a agência de jogadores e the graphic resources offered by the before
desenvolvedores, assim como os mecanismos mentioned tools; also, I proposed a brief
de retroalimentação de arquétipos overview of the main agents linked with the
medievalizantes no mercado dos games. A creation and consumption of digital games
partir desses horizontes, analisei elementos related to the Middle Ages. Furthermore, the
gráficos nas ferramentas supramencionadas, tal article recovers the vivid debate on players and
como um breve levantamento das principais developers agencies; also, it offers further
partes envolvidas (desenvolvedores, jogadores, thoughts about the recurrent medievalizing
gamers) no processo de criação e consumo dos archetypes in games’ market. In this sense, my
games digitais de temática medieval. Neste text is an alert to any naïve initiatives of
sentido, o texto em voga serve de alerta para gamification – mainly when they employ
iniciativas incautas de gamificação, graphic resources that are referred as
principalmente quando empregam recursos “medieval” by the stake-holders.
gráficos tratados como “medievais” pelas partes Keywords: RPG Makers, digital RPG’s,
interessadas. neomedievalism.
Palavras-chave: RPG Makers, RPG’s digitais,
neomedievalismo.
1 Algumas ideias aqui presentes foram apresentadas no 7º. Simpósio Eletrônico Internacional
132
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
3 LEWIS, K.J. Grand Theft Longboat: using video games and medievalism to teach Medieval
History. In: LÜNEN, A.; LEWIS, K.J.; LITHERLAND, B.; CULLUM, Pat. (Eds.). Historia Ludens:
the playing historian. Abingdon: Routledge, 2020, p.54-70.
4 BIRRO, R.M. Jogos eletrônicos e medievalismo: reflexões e críticas na Educação Brasileira.
In: BUENO, A.; BIRRO, R.M.; SOUZA NETO, J.M.G. (Orgs.). Ensino de História e Medievo. União
da Vitória: Sobre Ontens, 2019, p.37-46; GELL, Alfred. Art and Agency: an anthropological
theory. Oxford: Clarendon Press/Oxford University Press, 1998; GELL, Alfred. The
technology of Enchantment and the Enchantment of Technology In: COOTE, Jeremy &
SHELTON, Anthony (Eds.). Anthropology, Art, and Aesthetics. Oxford: Clarendon Press, 1992,
p.40-63.
5 UTZ, Richard. Don’t Be Snobs, Medievalists. In: The Chronicle of Higher Education, 24 Ago
133
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
134
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
arranjo proposto, o game não é criado apenas pelo mestre, mas também pelas ações
e performances dos jogadores, produzindo uma experiência compartilhada 7.
Uma típica partida de RPG é tradicionalmente planejada em formato de
campanha (quest), uma espécie de aventura de duração variável que conta com um
objetivo final. Mesmo com a existência de um perfil moderador, há relativamente
uma grande liberdade de ação e interação com os demais jogadores, com
personagens não-jogáveis (também conhecidos como Non-Player Characters ou
NPC's), com as situações enfrentadas, de acordo com características do cenário etc. 8.
Não obstante, nos RPG’s digitais, a figura do mestre é assumida pelo(s)
desenvolvedor(es), enquanto o(s) jogador(es) agem em nome de um ou mais
personagens neste ou naquele dado universo criado especificamente para atender a
ambientação pretendida. O avanço dos recursos, técnicas e subdivisões dessa
categoria de game fomentou um leque de experiências e possibilidades de ações,
incluindo aqueles que seguem em maior ou menor grau a definição de “mundo
aberto”: em vez de seguir um roteiro estabelecido aprioristicamente pelos
desenvolvedores e unilinear, o(s) jogador(es) podem percorrer seus próprios
caminhos, explorando o universo criado seguindo uma ordem que atenda seus
anseios9. Ademais, ressalto a agência pós-humana, em grande parte desencadeada
pelo aperfeiçoamento da Inteligência Artificial, que estipula aspectos, dinâmicas,
dificuldades e problemas aleatórios que desafiam os jogadores 10.
Como é possível constatar neste rápido panorama, o gênero mesclou a
“cultura geek” com aquilo que identifico como “neomedievalismos fantásticos”, a
saber, as evocações temáticas medievais que são simultaneamente vagas, populares
e extremamente livres e que, em nome dessa liberdade e do desapego em relação
7 TRESCA, Michael. The evolution of fantasy role-playing games. Jefferson: McFarland, 2011,
p.8.
8 Ibidem, p.1-21.
9 BARTON, M.; STACKS, S. Introduction to Computer Role-Playing Games. In: ________.
Dungeons & Desktops: the history of computer role-playing games. 2nd edition. Boca Raton:
CRC Press/Taylor & Francis, 2019, p.1-19.
10 CARVALHO, Vinícius Marino. Agência (pós-)humana em videogames: os simuladores de
135
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
11 KLINE, D.T. Introduction, "All Your History Are Belong to Us": Digital Gaming Re-imagines
the Middle Ages. In: ________ (Ed.). Digital Gaming Re-imagines the Middle Ages. Abingdon:
Routledge, 2014, p.4.
12 ROBINSON, Carol L. A little history – ABOUT. Medieval Electronic Multimedia Organization.
136
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
15 Ibidem, p.31.
16 Ibidem, p.32.
137
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
17 COOPER, Victoria Elizabeth. Fantasies of the North: medievalism and identity in Skyrim.
Tese. University of Leeds, 2016.
18 Ibidem, p.71-72.
19 COPPLESTONE, Tara J. But that’s not accurate: the differing perceptions of accuracy in
138
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
momento em que vivemos seria aquele em que a verdade deixa de existir por si em
defesa de um palimpsesto de perspectivas diversificadas, certas vezes controversas
e até mesmo antagonistas20.
Partindo desta definição para o que seria uma estética neomedieval (ou
estética medievalizante), algumas iniciativas recentes mostram como elementos
“medievais” são usados nas mídias como ferramentas poderosas e úteis para flutuar
do real para o inventado/imaginado. Em parte, esta preocupação ambígua é usada
como um apelo tanto para uma pretensa historicidade quanto, quando conveniente,
para dar margem ao universo criativo da produção em voga. Em certos casos, tais
mídias articulam simultaneamente noções rigorosamente incoerentes, como
intenções centradas no universo estadunidense de raízes conservadoras e inseridas
na dinâmica da branquitude com descrições de raça e etnicidade em um mundo mais
globalizado21.
Neste ponto, é importante notar como essas criações modulam e matizam a
concepção estética proposta por Ferry: assim como no caso dos RPG’s, a “liberdade”
de interpretação individual do fruidor é em parte tolhida de maneira subreptícia por
recursos estruturais, expectativas e arranjos paradoxais que se enquadram no
escopo do neomedievalismo. Outrossim, como indiquei um pouco antes, essa
estética neomedieval serve de meio para a disseminação de concepções, princípios
e valores que nem sempre são percebidos pelos fruidores (jogadores/gamers) e
desenvolvedores.
Como a análise de todos os RPG's digitais de temática medieval parece uma
tarefa inexequível diante da enorme quantidade de games disponível, foi preciso
recortar a amostra, mas sem abdicar tanto das esferas do desenvolvimento quanto
do entretenimento. Ao fazer isso, avanço para o campo chamado de historical game
studies (estudos históricos dos games), que, em suma, pretende estudar jogos que
20 FERRY, Luc. Homo Aestheticus: the invention of taste in the democratic age. Chicago: The
University of Chicago Press, 1993, p.1-75.
21 ANJIRBAG, Michelle Anya. Enter the Castle: Reiterating Medievalism in the Framing of
139
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
O RPG Maker
O RPG Maker nasceu em 1992 sob a alcunha de RPG Tsukūru Dante 98,
desenvolvido para a plataforma PC japonesa NEC PC-9801. O termo tsukūru é um
inteligente trocadilho entre os verbos tsukuru (fazer, criar) e tsūru (ferramenta),
expressando assim a concepção real do software (algo como “ferramenta de criação
de RPG’s”). Ele desponta como o principal recurso para a elaboração precoce e home
made de RPG's digitais em duas dimensões (2D), conquanto algumas iniciativas para
a gamificação de RPG's do tipo texto tenham iniciado no final da década de 1980 -
porém, sem o mesmo sucesso23.
A primeira versão do software foi desenvolvida para o sistema operacional
Microsoft-DOS, mas que era compatível simultaneamente com usuários do Windows
140
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
141
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Imagem 1 - Exemplo de telas do RPG Tsukūru Dante 98, com destaque para as cores,
os cenários, a caixa de diálogos e dos personagens que integram o diálogo. Fonte:
Speed-New (2021).
142
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Para além dessas características, Kenji Ito atestou que se exige muito pouco
do desenvolvedor para a criação de um game empregando o RPG Maker:
primeiramente, é preciso inserir vários personagens não-jogáveis (Non-Playable
Characters ou NPC’s) e objetos nos mapas/níveis; em segundo lugar,
comportamentos e rotinas devem ser agregados aos personagens e objetos,
incutindo neles sequências lógicas (algoritmos); em terceiro, basta incluir o
personagem principal (herói ou heroína) na posição inicial especificada pelo
desenvolvedor. O estabelecimento de comportamentos ou rotinas é facilitado pela
inclusão de comandos padronizados e pré-estabelecidos, além da possibilidade de
copiar códigos (scripts) disponibilizados por outros desenvolvedores online28.
Apesar dessas nítidas vantagens e dos subsistemas que contribuem para uma
experiência gráfica e lúdica plena (editor de mapa, editor de eventos do jogo,
diálogos, sistema de administração de inventário, sistema de status do
personagem/herói e sistema de batalha, entre outros), ao observar as telas dos
games, percebe-se a visão restrita do jogador, que assume uma posição top-down ou
visão de pássaro (bird’s eye view). Sobre tal aspecto, como bem apontaram
Bittencourt e Giraffa, o RPG Maker emula, assim como a maior parte dos makers
143
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
dessa linha, a criação de “RPG's digitais clássicos”, isto é, com um único jogador,
tramas limitadas e, não raro, lineares29.
No escopo da questão, uma experiência de gamificação com o RPG Maker
2003 e estudantes da Educação Básica no Brasil demonstrou que há uma
convergência em narrativa linear e os games elaborados pelos(as) educandos(as),
de maneira que “o jogador não tinha diferentes opções, apenas vencia os obstáculos
e continuava seguindo em frente com o desenrolar da narrativa” 30. Com efeito, como
já foi exposto, há um paradoxo entre a pretensa liberdade do RPG e a ação do
jogador, que é limitada por aquilo que o game permite ou não31.
De fato, entre as hipóteses para tal opção entre os participantes do
experimento, os autores elencaram que os(as) estudantes-desenvolvedores podem
ter sido influenciados pelas “experiências com jogos lineares que utilizaram como
referência para a criação”32, conquanto não tenham sugerido qualquer limitação ou
tendência estrutural e intrínseca da plataforma RPG Maker.
O RPG Playground
O RPG Playground é uma plataforma gratuita de criação de RPG's digitais
online e multiplataforma desenvolvida desde maio de 2012 pelo belga Koen Witters.
Ele trabalhou durante muitos anos como desenvolvedor de games da indústria
mobile, além de ter publicado seus próprios games. Na metade da década passada,
ele decidiu criar a mais fácil e rápida plataforma de produção de RPG's digitais
disponível no mercado33.
por crianças: narrativas digitais e o RPG Maker. Comunicação & Educação 1, p.117, jan./jun.
2014.
31 TRAXEL, O. M. Medieval and Pseudo-Medieval Elements in Computer Role-Playing Games:
144
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
145
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
146
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
147
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
para quem quer desenvolver RPG's digitais de maneira facilitada e rápida. Mas “se
você tem planos maiores, pode seguir para o RPG Maker”38. Este indício, juntamente
com o design gráfico do game maker, levam a crer que Witters foi profundamente
inspirado pelo RPG maker de origem japonesa apresentado anteriormente,
tornando assim o compartilhamento de características e de recursos de gamificação
natural.
Por fim, após algumas buscas, não encontrei trabalhos acadêmicos que
recorrem ao RPG Playground para processos de gamificação com fins educacionais
ou de qualquer outra natureza. Por conta disso, não será possível apresentar um
breve balanço e como os desenvolvedores-jogadores percebem (ou não) as
limitações estruturais presentes na plataforma. Assim, análise será feita tão somente
a partir de seus recursos inerentes, e algumas suposições tentarão seguir a
bibliografia especializada que analisa o gênero, além da manifesta semelhança entre
esta plataforma e o RPG Maker.
148
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
guerreiros vestindo elmos com chifres, arqueiros, monges etc. Saliento que há uma
relativa preponderância de personagens masculinos (c.65%) e pouca diversidade,
uma vez que, exceto pelos monstros, não há personagens negros. A quantidade de
personagens infantis e idosos também é relativamente baixa. Deste modo, o
desenvolvedor dispõe de uma ferramenta que evidencia aspectos de um
neomedievalismo fantástico masculino, branco e pouco diverso – um retrato da
sociedade e do mercado em época.
Já no RPG Playground, os characters são divididos em diferentes categorias:
humanóides, elfos, monstros e animais e objetos. Apenas a primeira delas congrega
mais de duzentas opções de diversidade razoável (homens, mulheres, brancos e
negros, crianças, idosos). Destacam-se personagens com capa e/ou armadura, reis,
rainhas, príncipes, princesas, guerreiros de diferentes ordens, demônios, fadas,
religiosos (clérigos e monges), espíritos (do fogo, da água, do vento, do reino
vegetal) e um personagem com uma face de caveira (uma possível alusão da
morte)(cf. imagem 4).
149
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
150
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
151
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Dragons, que promoveu uma Idade Média fantástica e pouco preocupada com a
diversidade ou com o relativismo cultural. Por sua vez, o RPG Playground
notadamente avançou neste quesito e está mais alinhado aos debates acalorados e
recentes sobre a diversidade e o universo dos jogos digitais, sem prescindir, no
entanto, de certo exotismo ao representar raças diferentes, sem romper por
completo com a estética prevalente (as mulheres-coelho sexualizadas, o elfo negro
de moicano, monstros como “bárbaros” musculosos e animalescos etc.).
Sobre os games e o debate de gênero, apesar das mudanças do público
jogador/consumidor, o panorama geral é de intensa misoginia e aberta condenação
por parte de muitos usuários de jogos a qualquer abertura para os debates sociais e
culturais. Recobro a polêmica em torno do movimento Gamergate, que defende
explicitamente que os games são apolíticos e devem ser abordados apenas por sua
dimensão técnica, sem avançar para campos que extrapolam seu intrínseco universo
digital. Um exemplo desse tipo de postura é a qualificação pejorativa aplicada a
aqueles que recebem a alcunha de social justice warrior (guerreiro da justiça social
ou SJW). Outro exemplo, mais íntimo do cenário acadêmico, abrange a condenação
da Digital Gaming Research Association (Associação para a Pesquisa de Games
Digitais ou DiGRA) por um segmento de jogadores tipicamente conservador: à luz
desses adeptos dos games digitais, a DiGRA estaria pretensamente subvertendo a
natureza dos jogos, uma vez que seus envolvidos seriam anti (ou pseudo)
intelectuais com discursos ideológicos e objetivos acadêmicos claramente
doutrinadores46.
Ao considerar as questões supracitadas, fica clara a diferença geracional
entre as duas ferramentas. As versões mais antigas do RPG Maker estavam mais
afinadas com o perfil do público no final do século XX e início do século XXI,
momento em que os debates de gênero e diversidade no universo dos games
raramente ocorriam. Com o avanço do mercado dos jogos digitais, a diversificação
do público de jogadores/consumidores e uma maior participação e interesse de
intelectuais em pesquisar games, mudanças foram provocadas para atender novos
152
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
nichos e segmentos. Deste modo, boa parte dessas benéficas mudanças se faz sentir
no RPG Playground, por se tratar de uma plataforma mais recente e aberta aos apelos
do público desenvolvedor-jogador.
Porém, recobro o princípio do conservadorismo tecnológico no
desenvolvimento de games para endossar que, conquanto mudanças benéficas
tenham ocorrido, elas são lentas e marcadas por conflitos. Além disso, que os
elementos e as representações neomedievais podem ser usados como relevantes
veículos de ideias e princípios conservadores – situação que se mostra ainda mais
provável quando um relevante segmento de jogadores se nega a qualquer abertura
ou pretensão de mudança.
Doutra feita, avanço neste momento para os tilesets do RPG Maker. Ao
observar atentamente esses recursos gráficos, constatei a presença de cenários
gelados aos marítimos, e destes aos desérticos; de ambientes rurais a altamente
urbanos com construções com telhas amarelas, azuis ou vermelhas, tal como
castelos de pedra. Sobre os ambientes internos, boa parte envolve pedra (e não
madeira, como era de se esperar), janelas e objetos que não remetem ao período,
como uma armadura completa (típica da época do Renascimento), órgão de tubos ou
bibliotecas com obras encadernadas. Tudo isso foi disposto lado a lado, o que
certamente pode induzir o(a) desenvolvedor(a) a considerar todos esses elementos
contemporâneos uns dos outros e, portanto, naturais. Outra conexão possível é a
sugestão incorreta que todos esses recursos faziam parte do cotidiano da Idade
Média. Curiosamente, há uma prevalência por cenários que fazem parte da
experiência histórica ocidental durante o medievo (cidades, castelos), enquanto os
recursos que poderiam evocar outras sociedades são parcos e “primitivos”.
Ao redirecionar meu olhar para os mesmos aspectos no RPG Playground,
identifiquei várias semelhanças estéticas e alguns desdobramentos em comparação
com o que foi encontrado na plataforma anteriormente descrita. A imagem 3 é um
valioso exemplo da concepção estética de “castelo medieval” dessa ferramenta de
criação de RPG’s digitais: cadafalsos, instrumentos de tortura, grilhões e grades que
recobram calabouços em ambientes escuros e frios de pedra. Nos cenários
destinados ao ambiente urbanos, tanto ambientes descritos como “pobres” quanto
153
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
como “ricos” também apresentam paredes de pedra, tal como janelas de madeira e
armas a serem exibidas.
Seja como for, os recursos apontados desnudam uma verdadeira obsessão
pela ambientação arquitetônica da Idade Média, manifesta principalmente a partir
dos castelos. Neste ponto, é importante frisar que tal “mundo de pedra” cru, duro e
frio é muito mais caro às noções medievalistas modernas do que ao próprio período
medieval. Como João Porto Júnior fez questão de frisar em sua tese,
154
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Na esteira dos exemplos citados, cito ainda minhas visitas aos principais
fóruns dedicados ao RPG Maker (em português) e ao RPG Playground (em inglês). No
primeiro, há uma central de recursos que disponibiliza um pacote (pack) intitulado
“reino medieval”. O registro foi inserido em 2017, com interações entre os usuários
até março de 2019. Entre os characters ofertados, há as curiosas presenças de
princesas com chifres e cavaleiros com armadura completa, mas que lutam a pé, com
escudo, espada e lança. Quanto aos tilesets, temos mais uma vez castelos de pedra
com seteiras e torreões, flâmulas e bandeiras. Para além deles, não há outras
imagens com referências a ambientes urbanos, apenas rurais 50.
O autor da postagem original informou que o pack original dispunha de
“pouca coisa” e, por esta razão, ele vasculhou a internet inteira para “juntar
guerreiros, realeza e guardiães [...] monsters [...] e chipsets de castelos [...]” 51. Ao
notar a última interação, percebe-se que os recursos “originais” tinham sido criados
no Japão, o que reforça a impressão de uma comunidade que recicla, reapropria e
ressignifica os recursos do RPG Maker continuamente, mas com graus de
manutenção e reprodução de certos elementos estéticos neomedievais.
Ao realizar buscas por termos ligados à Idade Média (Middle Ages, Medieval,
Medievalism) no fórum oficial do RPG Playground, conquanto os elementos gráficos
tenham clara inspiração neomedieval, identifiquei apenas três entradas
relacionadas – todas elas relativas ao ano de 2016. A primeira inserção foi realizada
por desenvolvedor-jogador que tinha recém-ingressado na plataforma “eu planejo
fazer algo como um game de fantasia medieval, no qual o jogador foi um paladino na
vida passada. Ele viajou no tempo, matou chefões etc., na intenção de consertar o
tempo presente”52.
Assim, mesmo que não seja possível identificar qualquer referência ao termo
medieval por parte de Koen Witters (o desenvolvedor do RPG Playground) ou de
abr. 21.
51 Ibidem
52 RPG PLAYGROUND FORUM. Disponível em www.rpgplayground.com Acesso em 12 mar.
21.
155
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
53 Ibidem
54 Ibidem
55 RPG PLAYGROUND FORUM, Op. Cit.
56 KLINE, Op. Cit., p.4.
156
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
profissionais), formatou não apenas comunidades 57, mas uma estética própria e
compartilhada por esse conglomerado de interessados no desenvolvimento de
games58. No último caso evocado, o recurso gráfico é incorporado na estrutura de
uma plataforma que não permite adaptações da parte do desenvolvedor-jogador
que, de maneira invariável, precisa recorrer a personagens e tilesets pré-
determinados. Mesmo que Witters seja cuidadoso, dialogue com seu público e
aparentemente leve em consideração questões de representatividade e diversidade,
ele se mostra limitado por não ter competências de edição gráfica para customizar
a aparência da ferramenta de criação. Ademais, esta questão abrange diretamente a
íntima conexão entre o neomedievalismo e a Idade Média imaginada e sonhada das
décadas de 1980 e 1990 - período em que princípios medievalizantes caminharam
em paralelo com RPG's e sua difusão global.
Deste modo, à luz desses RPG's digitais, “monstros, mágica e mitos misturam-
se com pessoas, lugares e coisas que realmente refletem a vida medieval” 59. Porém,
diferentemente da esfera literária, os elementos neomedievais/medievalizantes nos
games digitais projetam separações mais radicais entre tais recursos e as
circunstâncias históricas do período que pretende emular 60.
Considerações finais
Apesar das transformações no gênero, constata-se que o substrato
neomedieval está manifesto em ambas as plataformas de criação de RPG’s digitais –
um reflexo, como apontado, da congênita ligação entre o gênero e a estética
neomedieval da contemporaneidade. Portanto, há um risco inerente de que
representações neomedievais sejam utilizadas para veicular aos jogadores ideias e
representações intencionalmente ou sub-repticiamente. Outrossim, como a
exposição tentou salientar, ficam evidentes os problemas de ordem histórica, que
57 CAMPER, Brett Bennet. Homebrew and the Social Construction of Gaming: Community,
Creativity, and Legal Context of Amateur Game Boy Advance Development. B.A Comparative
History of Ideas. Washington: University of Washington, 2005.
58 REED, Op. Cit., p.99-123.
59 TRAXEL, Op. Cit., p.137.
60 Ibidem
157
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
158
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
159
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Rafael Bosch
Universidade Estadual de Campinas
rafael.bosch@outlook.com
Resumo: Este artigo busca discutir não Abstract: This article aims to discuss not
somente como medievalistas brasileiros de only how Brazilian medievalists of
orientação neotomista entenderam a neotomistic orientation understood the
atualidade do pensamento medieval, mas actuality of medieval thought, but also how
também como analisaram e se apropriaram they analyzed and appropriated elements
de elementos da obra de Tomás de Aquino of the work of Thomas Aquinas in order to
com o intuito de apresentá-los, de maneira present them, in an ahistorical way, as an
ahistórica, como uma alternativa aos alternative to the political projects then in
projetos políticos então em disputa. A dispute. The present paper provides a
presente reflexão se apresenta como um broad overview on the subject, taking as its
panorama amplo, tomando como seu ponto starting point the establishment of the first
de partida a fundação da primeira Philosophy college in Brazil in 1908, and
faculdade de filosofia do Brasil em 1908, covering the period up to the beginning of
chegando até os princípios do século XXI. the twenty-first century. This analysis
Essa análise perpassa as reflexões de draws on the reflections of Charles
Charles Sentroul, Leonardo Van Acker, Sentroul, Leonardo Van Acker, Leonel
Leonel Franca, Henrique Claudio de Lima Franca, Henrique Claudio de Lima Vaz and
Vaz e Ivanaldo Santos. Para tanto, parte-se Ivanaldo Santos. To this end, it is based on
dos preceitos da história da história da the precepts of the History of the History of
filosofia, a fim de ressaltar como Philosophy, to stress how determined
determinados contextos sociopolíticos sociopolitical contexts influenced the
influenciaram a interpretação do interpretation of medieval thought.
pensamento medieval. Keywords: Neothomism; Medieval
Palavras-chave: Neotomismo; Filosofia Philosophy; Thomas Aquinas
Medieval; Tomás de Aquino
1 – Introdução
“Estará superado o tomismo?” Leonardo Van Acker (1896 - 1986), um dos
mais célebres neotomistas brasileiros, assim iniciava uma conferência realizada na
capital paulista em março de 1969 à ocasião da festa de S. Tomás de Aquino. Para
Van Acker, toda filosofia seria “ultrapassada” por aquelas “historicamente
160
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
161
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
2 – O contexto europeu
Entretanto, antes de abordar como isso se deu em território nacional,
ressalta-se que esse tipo de apropriação da produção intelectual medieval não é uma
peculiaridade brasileira ou neotomista. Pode-se dizer que esse fenômeno remonta
à passagem do século XVIII para o XIX, momento de profundas transformações no
que diz respeito às reflexões sobre a história do pensamento europeu. O advento dos
cursos universitários de história da filosofia, primeiro na Prússia em fins do XVII e
no início do século seguinte na França, produziu, entre outras coisas, um esforço de
historicização dos sistemas filosóficos, da Antiguidade à Contemporaneidade. Foi
em meio a esse contexto que o pensamento medieval foi, pela primeira vez,
reabilitado, tendo sofrido, desde meados do século XIV, com críticas e
caracterizações pejorativas e preconceituosas. Pode-se dizer que esse processo de
reabilitação foi, em grande medida, operado através de duas tendências
historiográficas distintas.3
Em um momento de grande efervescência nacionalista, não é de se espantar
que a primeira tendência fosse por ele afetada. É notório como, nesse contexto, a
Idade Média conquistou uma importância notável em razão de ter sido não somente
o período histórico em que muitas das línguas nacionais começaram a se
desenvolver, mas também por ter sido o quando as entidades políticas modernas
deram os primeiros passos rumo ao seu estabelecimento. 4 Isso também repercutiu
na produção de conhecimento a respeito do pensamento medieval e essa tendência
assumiu características distintas a depender do local de origem do historiador.
Por exemplo, os franceses tenderam interpretar a escolástica – movimento
intelectual resultante da expansão da malha educacional ocorrida a partir de fins do
século XI – como uma criação tipicamente francesa. O latim, língua utilizado pelos
escolásticos para escrever suas obras, era apresentado como o vetor universal do
conhecimento, o verdadeiro idioma da ciência e do qual o francês era seu herdeiro
162
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
5 La scholastique appartient à la France, qui produisit, forma ou attira les docteurs les plus
illustres. L'université de Paris est au moyen âge la grande école de l'Europe. L’homme qui par
ses qualités et par ses défauts, par la hardiesse de ses opinions, l'éclat de sa vie, la passion innée
de la polémique et le plus rare talent d'enseignement, concourut le plus à accroître et à
répandre le goût des études et ce mouvement intellectuel d'où est sortie au treizième siècle
l'université de Paris, cet homme est Pierre Abélard. COUSIN, Victor. Fragments
Philosophiques. Philosophie Scholastique. Paris : Ladrange Libraries, 1840, p. 1 – 2.
6 Cousin argued that Abelard played an important role in freeing human reason from
subservience to religious faith. INGLIS, John. Spheres of Philosophical Inquiry and the
Historiography of Medieval Philosophy. Leiden; Boston; Köln: Brill, 1998, p. 48.
7 The study of the scholastic philosophy is a difficult one, even if its language only be considered.
The Scholastics certainly make use of a barbaric Latin. HEGEL, Georg W. F. Lectures on the
History of Philosophy. Vol. III. Londres: Kegan Paul, Trench, Trübner & Co., Ltd., 1896, p.
38.
163
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
os círculos românticos alemães valorizavam a língua vulgar, que, a seu ver, seria um
idioma de homens que gozavam a vida de maneira viril e poderosa, ao contrário do
outro que estaria confinado aos mosteiros.8
Não se tratava somente de uma oposição idiomática. Nas palavras de Georg
W. F. Hegel (1770-1831): “a escolástica é, no seu todo, uma filosofia bárbara” que
“não faz nada além de vagar por combinações infundadas de categorias”. 9 Mais do
que isso, associava-se o sectarismo, superficialidade e o prazer em disputas vãs,
características atribuídas pelos alemães à escolástica, como algo típico dos
franceses. A essa forma de raciocínio que, ainda a seu ver, era marcada por seu
contato “prejudicial” [schädliche] com a filosofia árabe10, opunha-se a mística
medieval de nomes como João Escoto Erígena (810-877) e Eckhart de Hochheim
(1260-1328). Segundo Catherine König-Pralong, “a mística foi lida como uma
manifestação medieval do espírito dos povos ou das raças nórdicas, senão do povo
germânico originário (“Urvolk”) e da raça indo-germânica. A mística medieval se
torna, assim, um objeto prioritário da historiografia filosófica” para os historiadores
alemães.11
Apesar de muito distintas entre si, essas perspectivas nacionalistas
partilhavam características definidoras. Os historiadores identificaram e
associaram elementos do pensamento medieval à sua própria identidade nacional.
Ademais, atentando-se aos exemplos aqui mencionados, os historiadores franceses,
ao tomarem a escolástica como produtora de um conhecimento universal,
legitimavam os projetos colonialistas, então, em voga, ao advogarem que caberia aos
164
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
12 Iamvero inter Scholasticos Doctores, omnium princeps et magister, longe eminet Thomas
Aquinas. LEÃO XIII. Aeterni Patris. Vaticano, 1878, Acessado em:
https://w2.vatican.va/content/leo-xiii/la/encyclicals/documents/hf_l-
xiii_enc_04081879_aeterni-patris.html ; acesso em 31 de maio de 2021.
13 Domestica vero, atque civilis ipsa societas, quae ob perversarum opinionum pestem quanto
arbitrioque nitatur, mutabile habet fundamentum, eaque de causa non firmam atque stabilem
165
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
“cambaleante” não possuiria as condições de sustentar aquilo que julgava como uma
sociedade saudável.
Ainda de acordo com Leão XIII, o segundo grande problema da filosofia
moderna seria sua ruptura com a teologia, o que possibilitaria aos Estados agirem
livremente contra os interesses da Igreja. Como sumo representante dessa
instituição, toda e qualquer ação contra os interesses eclesiásticos seria, em
essência, incorreta. As motivações para esse tipo de ação só poderiam aparentar ser
racionais caso as definições de razão, justiça e liberdade forem falsas. Pode-se dizer
que o pontífice tinha em mente, ao tecer tal crítica, “a defesa filosófica do
positivismo, do relativismo histórico, da leitura histórico-crítica da Bíblia e, ao
mesmo tempo, do subjetivismo”.15 Nesse sentido, Tomás de Aquino (1225-1274) era
visto como a resposta para esses problemas, que tinham reflexos sociopolíticos
evidentes, não somente por apresentar um sistema filosófico que teria conciliado de
maneira definitiva fé e razão, mas também porque os
neque robustam, sicut veterem illam, sed nutantem et levem facit philosophiam. Cui si forte
contingat, hostium impetu ferendo vix parem aliquando inveniri, eius rei agnoscat in seipsa
residere causam et culpam. Ibidem.
15 Défense philosophique du positivisme, du relativisme historique, de la lecture historico-
166
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
17 LUIZ DE SOUZA, Rogério; FABRICIO, Edison Lucas. Neotomismo e política: Leonel Franca
e o debate sobre modernidade e totalitarismo. Revista Brasileira de História das
Religiões. N. 25, 2016, p. 40.
18 HOBSBAWM, Eric J. A era dos impérios 1875 – 1914. São Paulo: Paz e Terra, 2015.
19 RIBEIRO DA SILVA, Ana Paula Barcelos. Diálogos sobre a escrita da história: Brasil e
Philosophy, p. 131-136.
167
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
21 had it but held fast to the Christian Philosophy of Life, well – the twentieth century might
have dawned without such a baptism of blood… COFFEY, Peter. “Preface to the English
Edition” in MERCIER, Désiré-Joseph. A Manual of Modern Scholastic Philosophy.
Londres: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co., ltd., 1916, p. VII. Ver também: INGLIS, John. Op.
Cit., p. 180.
22 were he with us still today, Pope Leo XIII would find little encouragement in the latest
developments which have taken place since the seizure of power by Marxism in Central Europe
and in Russia. GILSON, Étienne (Ed.). The Church Speaks to the Modern World: The
Social Teachings of Leo XIII. New York: Image Books, 1954, p. 333.
23 Since the world of nature is a hierarchy, the fundamental relations between beings are
relations of inequality. [...] Moreover, although all men are men equally, within the species man
there are many individual degrees of perfection: physical inequalities in health and in strength,
intellectual inequalities of all sorts, moral inequalities too [...]. Societies that try to organize
themselves on the supposition that these natural inequalities do not exist are courting disaster.
The punishment in store for them is the very same as that which awaits all the societies that
deny the order of nature - namely, their own destruction. Idem. Elements of Christian
Philosophy. Nova Iorque: Mentor-Omega Books, 1963, p. 301, itálicos do autor.
168
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
24 A grande ilusão a que Gilson se referiu diz respeito àqueles cientistas do século XIX que,
a seu ver, teriam decidido “que a natureza inteira, sem exceção nenhuma, obedece às leis de
um mecanicismo e de um determinismo universais. Para isso, eles começaram a só admitir
relações de quantidade entre as coisas, o que levaria praticamente a reduzir tudo à matéria.
O fato não tinha nada de anormal. Ao sonhar, o cientista tende naturalmente a conceber o
universo do modo como se pode vê-lo segundo o ponto de vista da ciência particular que ele
representa. É o erro clássico, tão judiciosamente denunciado por Aristóteles, que consiste
em conceber o ser sob o aspecto que não é mais do que um de seus modos. […]. Via-se o
método da físico-matemática em si mesma, independentemente de sua aplicação possível
em algum domínio particular, estabelecer-se por sua própria autoridade como lei universal
da natureza. Em outros termos, decretava-se que a realidade cognoscível era
necessariamente em si tal qual era preciso que ela fosse para oferecer ao conhecimento
científico um objeto inteiramente satisfatório. Para que o universo, dizia-se seja
integralmente cognoscível, é preciso que ele se componha exclusivamente de relações
quantitativas submetidas às leis da mecânica; assim, é isso o que ele é na realidade. Tal
operação era de uma arbitrariedade fantástica, mas não deixou de se impor sobre vários
espíritos com a força e a certeza de uma fé religiosa”. GILSON, Étienne. O filósofo e a
teologia. São Paulo: Paulus, 2009, p. 228,
25 Communism is really and truly anti-Christ. Idem. Apud MICHEL, Florian. Étienne Gilson.
169
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
A faculdade, a seu ver, tinha como objetivo efetuar uma mudança no que denominou
como “vários setores da cultura e civilização nacionais”, que se daria por meio do
combate ao utilitarismo e positivismo.
Quanto a este último, é preciso ter em mente que, àquela época, “o Brasil foi
a Canaã do positivismo”.30 A circulação em território nacional da obra de Augusto
Comte (1798-1857) teve início em meados do século XIX. A partir de 1850, passou
a conquistar as fileiras militares, influenciando, décadas depois, o estabelecimento
do governo republicano e a, então, nova constituição. Foi um momento em que se
teve “início a formação de uma corrente política de inspiração positivista cuja
popularidade pode ser atribuída a Benjamin Constant”, na qual não raro se
p. 43.
29 CAMPOS, Fernando Arruda. Op. Cit.., p. 54, itálicos do autor.
30 TORRES, João Camilo de Oliveira. O Positivismo no Brasil. Brasília: Edições Câmara,
2018, p.40.
170
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
31 RIBEIRO DA SILVA, Ana Paula Barcelos. Diálogos sobre a escrita da história: Brasil e
Argentina (1910-1940), p. 167.
32 LIMA, Alceu Amoroso. "A reação espiritualista". In: Leonel Franca (1893/1948)
171
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
escreveu um artigo que ironizava um relato feito pelo, então, senador Gilberto
Amado (1887-1969), que demonstrou certo espanto ao constatar que, em suas
viagens pela Europa, uma parcela considerável da intelectualidade do velho
continente estava aderindo àquilo que Van Acker denominou como “neo-
escolástica”. Ao fazê-lo, defendeu, junto com Arthur Schopenhauer (1788-1860),
que “o homem é animal metafísico”.37 A seu ver, o positivismo e o “neopositivismo”
propunham um entendimento insuficiente a respeito do que seria a metafísica e, por
essa razão, “a doutrina de S. Tomás” seria superior.38
O fato é que segundo Van Acker, o pensamento medieval teria mais a oferecer
ao mundo contemporâneo do que apenas uma melhor compreensão da metafísica.
Em um artigo escrito em 1959, apontou a desilusão com a esperança de que “a
ciência técnica ia trazer, juntamente com o progresso material, o progresso moral e
a felicidade humana”. Em seu entendimento, “a história encarregou-se de ensinar,
com provas experimentais cada vez mais terríveis, que a ciência é incapaz de
moralizar e tornar feliz a humanidade”. A ciência teria se mostrado “incapaz de
distribuir as riquezas produzidas de modo equitativo e humano”, tendo em vista que
sua orientação seria estritamente técnica e incapaz de lidar com problemas que
tangem questões morais. Ecoando a posição de “juristas e sociólogos”, defendeu uma
“organização internacional” capaz de abolir as barreiras alfandegárias. Nesse
sentido, advogou que
172
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
40 Ibidem, p. 21.
41 VAN ACKER, Leonardo. “Estará superado o tomismo?”, p. 69.
42 CAMPOS, Fernando Arruda. Tomismo no Brasil, p. 74 – 77.
173
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
da filosofia da cultura”. 43 Nesta obra, Franca apontou que a origem da crise residiria,
em sua dimensão econômica, no liberalismo. Este teria gerado “hipertrofia da
produção, desocupação de massas humanas de inaudita densidade, inflações
desvalorizadoras, isolamento de autarquias desconfiadas, concentrações poderosas
de indústrias e de capitais a impor o jugo humilhante de suas ditaduras”. No entanto,
as consequências nefastas do liberalismo não se limitariam à economia, ele teria
promovido a desarticulação de toda organização social. Nesse sentido, por um lado,
“a família, envenenada pelo individualismo, atraiçoa a sua missão e nos lares sem
berços deixa extinguir-se a chama da vida”. Pelo outro lado, “partem-se, gastos e
impotentes, os velhos quadros do liberalismo em agonia”, ocasionando no
surgimento de “novos Césares” – Josef Stalin (1878-1953) foi citado como um
exemplo destes –, que reduziriam “as massas humanas” à escravidão. 44
Escrevendo em meio à Segunda Guerra Mundial, o intelectual jesuíta
entendia este conflito bélico como indício do fracasso civilizacional. “Crise de
instituições; inquietação das almas. O mundo interior das conciências [sic] não
padece menos nas suas dilacerações íntimas fratricidas”. 45 A crise era, também,
metafísica. E, nesse sentido, sua origem seria anterior ao liberalismo, ela residiria na
Reforma Protestante, da qual se originariam as tendências individualistas que
teriam tomado conta da civilização. Em sua leitura, esta teria sido a primeira de
muitas rupturas da “unidade espiritual no Ocidente”. 46 René Descartes (1596-1650),
Immanuel Kant (1724-1804), o deísmo, o iluminismo, Comte, Karl Marx (1818-
1883) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) teriam, cada um a seu modo, divinizado o
homem e, também, negado a valia do dado religioso. Essas “forças negativas da
civilização moderna” seriam o motivo da crise ser, em sua essência, metafísica
justamente porque elas a negavam. Elas teriam convergido “para uma eliminação
43 LIMA VAZ, Claudio Henrique de. O pensamento filosófico no Brasil. Revista Portuguesa
de Filosofia, 1961, T. 17, Fasc. 3.4, p. 266.
44 FRANCA, Leonel. A crise do Mundo Moderno. Rio de Janeiro: Livraria AGIR Editora,
1951, p. 4.
45 FRANCA, Leonel. A crise do Mundo Moderno, p. 6.
46 Ibidem, p. 50.
174
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
47 Ibidem, p. 237.
48 Ibidem, p. IX – X.
49 Ibidem, p. X.
50 Ibidem, p. 60.
51 Ibidem, loc cit.
52 FRANCA, Leonel. A crise do Mundo Moderno, p. 203.
53 Ibidem, p. 209.
175
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
54 Ibidem, p. 211.
55 Ibidem, p. 21.
56 FRANCA, Leonel. "O positivismo, filosofia sem princípios”. In: Idem. O tomismo e as
176
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
teleológica. Não é por acaso que, na década de 1930, Gilberto Freyre (1900-1987),
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) e Caio Prado Júnior (1907-1990)
buscavam interpretar a sociedade brasileira ao mesmo tempo que teciam uma
crítica política e ideológica ao positivismo.58
Se, por um lado, o positivismo perdia suas forças nas camadas intelectuais, o
neotomismo e, de maneira geral, um catolicismo conservador conquistava cada vez
mais espaço. No campo político, Igreja e Estado voltavam a se reaproximar. Com a
derrocada do liberalismo, o governo passou a ver na instituição eclesiástica um
instrumento da preservação da ordem. 59 Afinal, tratava-se do momento em que o
Partido Comunista Brasileiro (PCB) passou a ser visto como uma ameaça,
especialmente após ter sido oficialmente reconhecido pela Internacional Comunista
em 1930. Não foi uma mera coincidência que, no ano seguinte, o ensino religioso
passou a ser introduzido nas escolas públicas. De maneira similar, pode-se afirmar
que em 1945 Leonel Franca entendia o marxismo como “o vulto da maior ameaça à
civilização humana” porque o PCB voltava à legalidade com o fim da ditadura
varguista.
Na segunda metade do século XX, o neotomismo irá, de maneira geral, buscar
em Tomás de Aquino a humanização do capitalismo sem abrir margens para o
socialismo. É nesse contexto, por exemplo, que Van Acker defendeu a propriedade
privada subordinada ao bem comum e uma democracia “não igualitária”. É o caso
do também já mencionado Alceu Amoroso Lima. Partindo do mestre dominicano,
defendeu que tanto o direito positivo quanto os Estados estariam submetidos ao
direito natural e propôs um humanismo cristão fundado
58 RIBEIRO DA SILVA, Ana Paula Barcelos. Diálogos sobre a escrita da história: Brasil e
Argentina (1910-1940), p. 178-183.
59 DEVOTO, Fernando; FAUSTO, Boris. Argentina-Brasil: 1850-2000. Un ensayo de historia
177
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
178
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
uma das certezas que nos deixa o nosso século prestes a expirar é a
de que o ciclo das revoluções iniciado no século XVII, sejam elas
sociais, políticas, científicas, técnicas ou mesmo filosóficas chegou
a seu termo. A rápida aceleração da história e a sucessão quase
vertiginosa dos eventos, das idéias, das invenções técnicas, das
modas, bem como a sua disseminação imediata no tecido mundial
das comunicações, não dão lugar à expectativa de rupturas
profundas e revolucionárias.64
Tal qual seus colegas neotomistas, Lima Vaz entendia que o ser humano
possuiria uma necessidade metafísica. No entanto, os avanços técnicos e científicos
teriam, de maneira geral, produzido uma verdadeira onda “anti-metafísica” que
espraiaria em meio à filosofia contemporânea como “uma estratégia ideológica,
talvez não consciente na maioria dos seus atores, para assegurar o domínio cada vez
maior da tecno-ciência com as conseqüências de natureza ética, política, cultural e
econômica que daí advêm” 65. A “tecno-ciência” teria produzido uma nova forma de
relação do ser humano com a realidade objetiva, priorizando cada vez mais a
materialidade por meio dos objetos tecno científicos. Essa relação, que ignora “a
posição de um Absoluto na ordem da existência”, não daria conta de “saciar a fome
do ser que se eleva das camadas mais profundas do espírito humano, no seu élan
incoercível para as expressões mais altas da inteligência e do amor”. A tensão entre
o avanço irreversível dos objetos técnicos e a necessidade de um “alimento mais
substancial para o espírito” seria, em sua leitura, um dos grandes dilemas
intelectuais do século XXI. Esse alimento residiria na “tradição teológico-religiosa e
na tradição metafísica”. E seria “justamente na encruzilhada desses dois milenares
caminhos espirituais que, na aurora do terceiro milênio, se elevarão uma vez mais a
figura exemplar de Tomás de Aquino e sua obra imensa”.66
179
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Quinze anos após a reflexão de Lima Vaz, Ivanaldo Santos (?-2019), professor
de filosofia na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), também se
questionou a respeito da importância de Tomás de Aquino para o século XXI.
Tomando como ponto de partida partes da reflexão do professor mineiro, Santos
também entendia que haveria uma crise em curso. No entanto, propôs uma
intepretação muito distinta desta. Na sua leitura, tratar-se-ia de
67 SANTOS, Ivanaldo. "Tomás de Aquino no ambiente filosófico do século XXI". In: SANTOS,
Ivanaldo (Org.). Estudos Tomistas para o Século XXI. João Pessoa: Ideia, 2013, p. 6.
68 Ibidem, p. 8.
69 Ibidem, p. 8.
70 Ibidem, p. 17.
180
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
5– Conclusão
Desde finais do século XVIII, na Europa, e princípios do XX, no Brasil,
encontrou-se na produção intelectual medieval a resposta para os mais variados
dilemas do mundo contemporâneo, sejam eles filosóficos, políticos, sociais,
econômicos ou morais. Como se viu ao longo desse artigo, diversos historiadores
buscaram em Tomás de Aquino uma outra via, um distinto projeto de sociedade
capaz de dar conta das falhas e insuficiências daqueles vigentes. “Estará superado o
tomismo?” A resposta para a questão proposta por Leonardo Van Acker é simples:
não. É possível que o tomismo nunca tenha sido tão atual. Em um momento de vivo
recrudescimento de tendências fascistas no Brasil, popularizam-se “releituras da
história medieval em chave reacionária e sem justificação crítico-comunicativa de
pressupostos, métodos e fontes”73. O caso de Ivanaldo Santos é um exemplo muito
eloquente disso. Em uma análise que equacionou nazismo ao socialismo, defendeu,
71 Ibidem, p. 20.
72 SANTOS, Ivanaldo. "Tomás de Aquino no ambiente filosófico do século XXI", p. 21.
73 SAVIAN FILHO, Juvenal. Estrutura, tema ou contexto: em que concentrar o trabalho do
181
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
182
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Introdução
O neomedivalismo está presente em produções artísticas e culturais
brasileiras de diversas maneiras. O termo neomedievalismo ainda não encontra
consenso entre pesquisadores, com definições variadas e disputas por vezes
183
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
2 Não cabe aqui entrar nas minúcias desse debate, até porque o presente dossiê certamente
apresentará muitas outras discussões sobre o tema. Para quem quiser se aprofundar nas
leituras teóricas (que não são o escopo principal desse artigo), há vários textos que tratam
da questão. Ver, por exemplo, o dossiê sobre Neomedievalismo publicado na Revista
Antíteses (vol. 13, n. 25, 2020). Ver também FITZPATRICK, KellyAnn. The academy and the
making of Neomedievalism. In: ______. Neomedievalism, Popular Culture, and the Academy:
From Tolkien to Game of Thrones. Cambridge: Boydell & Brewer, 2019
3 Ibidem, p. 29.
184
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
185
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
que se utiliza do mote do direito à primeira noite como motivação para as ações de
William Wallace. Bennet e Karras, então, afirmam:
6 BENNET, Judith; KARRAS, Ruth. Women, Gender, and Medieval Historians. In: BENNET,
Judith; KARRAS, Ruth (Eds). The Oxford Handbook of Women and Gender in Medieval Europe.
Oxford: Oxford University Press, 2013, p. 3-4.
7 KAUFMAN, Amy S.; STURTEVANT, Paul. The Devil’s Historian: how modern extremists abuse
186
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
8 Ibidem, p. 108.
9 CAVINESS, Madeline H. Feminism, gender studies, and medieval studies. Diogenes. n. 225,
2010, p. 31.
10 Ibidem, p. 39.
187
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
11 Para alguns dos trabalhos mais recentes sobre as questões de gênero tanto na mídia,
quanto em diversas formas de entretenimento, ver, por exemplo, a série de artigos
publicados no The Public Medievalist sob a rubrica “Gender, sexism, and the Middle Ages”.
Disponível em: < https://www.publicmedievalist.com/gsma-toc/> . Acesso em 30 de maio
2021.
12 FITZPATRICK, KellyAnn. Neomedievalism, Popular Culture, and the Academy: From Tolkien
188
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
14 Ibidem, p. 100.
15 Ibidem, p. 102.
16 Mee too foi um movimento, criado em 2017 nas redes sociais, para denunciar os abusos
189
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
190
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
20 Para um panorama geral sobre o papel dos estudos feministas na inauguração dos
television studies, ver MEIRELLES, Clara Fernandes. Telenovela e relações de gênero na
crítica brasileira. Intercom. Anais do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação,
2008, p. 1-16. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/>.
Acesso em 01 de maio 2021.
21 LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. Telenovela brasileira: uma narrativa sobre a nação.
191
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Isso, claro, não significa dizer que todas as histórias se passavam em terras
brasileiras. Embora a grande maioria das telenovelas passassem a representar
regiões específicas do Brasil (com muita ênfase na cidade do Rio de Janeiro), houve
também tramas localizadas em diferentes países ou terras fictícias. No entanto,
mesmo quando eram feitas leituras “internacionalizadas” (como nos casos de
novelas como “O Clone”, de 2002, que teve parte das filmagens no Marrocos e tratava
do universo muçulmano, e “Caminho das Índias”, de 2009, com parte da história
acontecendo na Índia), era sempre com um viés brasileiro, incorporando questões
da própria sociedade brasileira e fazendo leituras e adaptações das terras
estrangeiras a partir de um olhar por vezes fantasioso, por vezes estereotipado. 24 E
Darciele Paula; LISBÔA FILHO, Flavi Ferreira. A telenovela brasileira: percursos e história
de um subgênero ficcional. Revista Brasileira de História da Mídia. vol. 1, n. 2, 2012, p. 73-
81. Para uma análise mais aprofundada sobre as novelas, ver DA TÁVOLA, Artur. A
telenovela brasileira: história análise e conteúdo. Rio de Janeiro: Editora Globo, 1996.
24 É interessante notar como os elementos culturais “estrangeiros” foram prontamente
192
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
adotados pelo público brasileiro em termos de uso de palavras e elementos de moda que
traziam essas leituras mistificadas do exótico e do outro. A análise de “O Orientalismo” de
Edward Said é bastante pertinente para os usos e apropriações que essas novelas fazem
sobre um imaginário dito oriental, mas isso é tema para ser discutido em outro artigo.
25 Em 2017, a Rede Record também produziu uma novela de inspiração medieval chamada
“Belaventura”, com uma leitura mais ao estilo conto de fadas. Devido ao domínio da Rede
Globo em termos de audiência, optamos por analisar “Deus salve o Rei” como um exemplo
de maior impacto.
26 Declaração feita ao site GShow em matéria sobre a estreia da novela. Disponível em:
<https://gshow.globo.com/novelas/deus-salve-o-rei/noticia/deus-salve-o-rei-conheca-a-
historia-da-nova-novela-das-7.ghtml>. Acesso em: 29 de maio de 2021.
27 Uso o termo “medievalidade” aqui para indicar aquilo que um público de não-especialistas
193
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
28 Disponível em https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/televisao/deus-salve-o-rei-tem-
maior-equipe-de-efeitos-visuais-da-historia-das-novelas-18140. Acesso em 20 de maio
2021.
29 “Globo estreia novela medieval e aposta em efeitos visuais”. Release oficial do Site de
194
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
31 Disponível em <https://emais.estadao.com.br/noticias/tv,estaria-a-globo-tentando-
fazer-uma-novela-parecida-com-game-of-thrones,70002051723>. Acesso em 20 de maio
de 2021.
195
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
32 Sobre esses papeis e esses binarismos, ver COSTA, Cristiane. Eu compro essa mulher:
romance e consumo nas telenovelas brasileiras e mexicanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2000.
33 Ela acabará por se tornar rainha através do casamento com Afonso, então seu figurino
será transformado.
196
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
34Sobre como o próprio público feminino enxerga esses modelos de gênero e se reconhece
ou não neles e como julgam as personagens, ver RONSINI, Veneza Mayora et al. Os sentidos
das telenovelas nas trajetórias sociais de mulheres da classe dominante. Compós: atas do
XXV Encontro Anual de Compós. Junho 2016, Disponível em: < https://www.e-
compos.org.br/e-compos/article/view/1292>. Acesso em 20 de maio 2021.
35 MEIRELLES, Clara Fernandes. Telenovela e relações de gênero na crítica brasileira.
197
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
198
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
199
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
SILVA, Carolina Gual da. Até que a morte os separe: o casamento cristão na Idade Média. São
Leopoldo: Oikos, 2019, p. 69-74.
41 “Deus Salve o Rei: vilã amada e mocinha odiada; veja como foi o último capítulo”. GZH TV,
200
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
42 Cabe ressaltar, também, a confusão entre castelos “medievais” e “renascentistas”, uma vez
que o castelo usado para representar Artena possui jardins formais e estilo arquitetônico
tipicamente renascentista.
201
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
202
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
203
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
204
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Introdução
Encontrar os “nossos dragões” é o caminho apontando por Nadia Altschul
para pensarmos os elementos “medievais” que são formulados em nosso país 2.
Evidentemente, dragões nunca existiram, contudo, por diversas razões, povoam o
imaginário social e estão intrincadamente ligados a uma dada Idade Média. Nesse
sentido, a afirmação da autora se dá precisamente na busca, ou melhor, nos estudos
e nas análises que caracterizam o neomedievalismo como campo de estudo que
compreende todo e qualquer elemento imputado como “medieval” o qual acaba, por
esta razão, recriando a Idade Média, seus símbolos e significados em uma sociedade.
Em nosso caso, por intermédio de investigações preliminares de dois
movimentos conservadores católicos a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição,
Família e Propriedade (TFP) e da Associação Religiosa de Fiéis de Direito Pontifício
Arautos do Evangelho, analisamos como esta Idade Média aparece e quais valores
daí decorrem. Como fontes para a investigação, utilizamos para o caso da TFP alguns
excertos do jornal Catolicismo, publicado desde a década de 1950, bem como trechos
dos relatos autobiográficos do fundador Plínio de Oliveira, além de capítulos de seu
livro Nobreza e elites tradicionais e suporte bibliográfico especializado. Já para os
Arautos, nossa pesquisa se concentrou no site da Associação mediante o
levantamento de três publicações dedicadas aos santos, cuja cronologia remonta à
Idade Média.
É significativo notar que a despeito da conexão histórica entre a TFP e os
Arautos, a maneira de representar a Idade Média para cada grupo muda de forma
delicada, porém não menos significativa. Para o primeiro grupo, trata-se, entre
outras coisas, de reviver uma Idade Média gloriosa mediante a ação política3, já para
os Arautos, esta Idade Média aparece atrelada a religião cristã (católica-romana) em
2 ALTSCHUL, Nadia e GRZYBOWSKI, Lukas. Em busca dos dragões: a idade média no Brasil.
Revista Antíteses. Londrina, vol. 13, nª 25, jan/jun., 2020, p. 24-35.
3 Para maiores informações sobre a relação medivalism e política: Gentry, Francis G. and
Müller, Ulrich (1991) ‘The reception of the Middle Ages in Germany: an overview’. Studies
in Medievalism. III/4. p. 401. Disponível em:
<http://medievallyspeaking.blogspot.com/2010/04/what-is-medievalism.html>. Acesso
em 25 de Abril de 2021;
205
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
4 Dentro do neomedievalism ainda é recente reflexões que privilegiem sua relação com a
religião. Contudo, há de mencionar que os parcos estudos existentes têm encontrado no
Brasil sua vanguarda. Cf. D’ALCÂNTARA, Thamires Chagas. Hagiografia como legitimação da
santidade do apóstolo Valdemiro Santiado de Oliveira (1996-1998). 2020. Dissertação
(Mestrado) - UFRRJ, Rio de Janeiro, 2020. AMARAL, Clínio de Oliveira and BERTARELLI,
Maria Eugenia. Yes! It is possible to think about medievalism and religion: A case study on
Pope Franciss‘Urbi et Orbi’ mass. Revista Antíteses. Vol. 13, nº 26,2020, p. 97-125.
Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/article/view/40297
Acesso em 25 de Abril de 2021. RANGEL, João Guilherme Lisbôa; AMARAL, Clínio de
Oliveira. A religião analisada por meio do medievalism: a narrativa de Joana D’arc pelos
Arautos do Evangelho. In: Renan Birro; André Bueno; Renato Boy. (Org.). Ensino de história
medieval e história pública. 1ed.Rio de Janeiro: Sobre Ontens/UERJ, 2020, v. 1, p.53-58.;
RANGEL, João Guilherme Lisbôa ; AMARAL, Clínio de Oliveira. A Idade Média Encantada dos
Arautos do Evangelho analisada através do medievalism. In: ANDRÉ BUENO; DULCELI
ESTACHESKI; JOSÉ MARIA SOUSA NETO; RENAN MARQUES BIRRO. (Org.). Aprendendo
História: Ensino e Medievo. 1ed.União da Vitória: Edições Especiais Sobre Ontens, 2019, v. 1,
p. 11-17.
206
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Este trecho da Encíclica escrita pelo papa Leão XIII (1810-1903) pode ser
encontrada na publicação do jornal Catolicismo de Novembro de 1952. Como se
pode observar, a mesma exalta a Idade Média, período em que Sacro Império existia
e a Igreja e o “Estado” conviviam “harmonicamente” de modo que “os mais felizes
frutos” eram produzidos desta relação. Fundado em 1951 pelo bispo de Campos dos
Goytacazes, Dom Antônio de Castro Mayer, este jornal, cuja publicação se mantem
até hoje, veiculava os valores conservadores, tradicionalistas e reacionários de um
movimento de reação católica no Brasil cujo marco pode ser estabelecido no ano de
1916 com a promulgação da Carta Pastoral de D. Sebastião Leme 6.
O cerne da Carta almejava influenciar a sociedade e as instituições brasileiras
por meio de um espírito católico marcado pela leitura antimoderna de mundo. Tal
espírito, no entanto, pode ser recuado ainda mais no tempo e remonta ao
ultramontanismo do XIX que, segundo Jacques Gayer, se consolidou neste período
como uma ideologia cuja preocupação era a defesa das prerrogativas romanas, isto
é, do papa no Vaticano, mediante uma eclesiologia piramidal de um catolicismo
identitário e supranacional7. Em outras palavras, tratava-se da defesa dos valores
católicos de cristandade em detrimento do Estado Moderno e da própria
de théologie. Paris: PUF, 1998. P.1203. Para uma análise dos impactos e controvérsias do
ultramontanismo no Brasil do XIX, ver: JUNIOR, Luiz Carlos Ramiro. O conceito de
civilização e do discurso ultramontano no Brasil. In. Ariadna histórica. Lenguajes, conceptos,
metáforas, n.5, 2016. P.69-107.
207
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
modernidade o qual foi bem representado tanto pelo Concílio do Vaticano I (1870),
quanto pelas Encíclicas Quanta Cura (1868) por Pio IX, Rerum Novarum (1891) e
Providentissimus Deus (1893) por Leão XIII8. Dessa maneira, os ideais e valores do
ultramontanismo estavam profundamente arraigados na política editorial do
Catolicismo que, à época, hospedava as ideias do próprio editor e amigo de Dom
Mayer, Plínio Corrêa de Oliveira9.
Nascido na cidade de São Paulo em 1908, ainda na juventude Plínio de
Oliveira passou a integrar a Congregação Mariana da Legião de São Pedro 10, em
1929, funda a Ação Universitária Católica. Em todos esses espaços e atuações, a
movimentação de Plínio de Oliveira dava-se em um mesmo sentido, isto é, no
combate às forças progressistas, bem como na transformação política, social e
cultural da sociedade nos moldes ultramontanos. Tratava-se de restaurar uma
época que havia sido destruída e profanada pelos valores modernos, nas palavras
de Caldeira: “da defesa da união do Estado com a instituição religiosa e da Igreja
Triunfante da cristandade medieval (que) levariam aos últimos termos os elementos
mais marcantes do ultramontanismo no Brasil”11. Assim, em seu relato
autobiográfico sobre as viagens feitas à Europa entre 1950 e 1952, Plínio de Oliveira
afirmava que:
208
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
12 Disponível em:
https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Minha_Vida_publica/MVP_10_Viagens_de_1950_
1952_Europa.htm acesso em: 01/05/2021 às 16:20.
13 Cf. FORESTI, Luiz Felipe Loureiro. Revolução e contrarrevolução: O mundo lido por Plínio
Corrêa de Oliveira e a TFP. In. Verinotio- Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas. Ano
XII, v.23, nov. 2017. P.294-322.
209
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
14 SILVA, Filipe Francisco Neves Domingues da. Cruzados do século XX: o movimento tradição,
sociedade brasileira de defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP). In. Projeto história,
São Paulo, v. 63, Set-Dez, 2018. P.122-123.
16 Na obra Nobreza e Elites tradicionais análogas, esta ode à Idade Média fica ainda mais
evidente na medida em que o autor retoma a partir das reflexões e alocuções de Pio XII a
importância e relevância da Nobreza para a sociedade. Cf. OLIVEIRA, Plínio Corrêa de.
Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza
Romana. Livraria Civilização, Porto, 1993. Especialmente os capítulos IV, VI e VII.
17 Disponível em:
210
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
https://www.pliniocorreadeoliveira.info/Minha_Vida_publica/MVP_10_Viagens_de_1950_
1952_Europa.htm acesso em: 01/05/2021 às 16:20.
18 Cf. Catolicismo, n. 61, janeiro de 1956. Disponível em:
https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0061/P02-03.html acesso em: 02/07/2021.
19 Ibidem.
211
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
212
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
24 Ibidem p.71.
25 ZANOTTO, Gizele. Um olhar panorâmico... Op. Cit. p.24.
26 O fato de a aparição da santa ter ocorrido no ano da Revolução Bolchevique, em 1917,
instando a conversão foi tomado por setores conservadores e reacionários da Igreja Católica
como um chamado à luta contra o comunismo.
27 MATTA, Raúl. Tradition, Famille e Propriete: une enquete sul les “croises” du XXIe siecle.
). In. ZANOTTO, Gizele; COWAN, Benjamin Arthur (Orgs.). O Pensamento de Plínio Corrêa de
Oliveira e a atuação transnacional da TFP. Vol. 1. Passo Fundo: Acervo Editora, 2020. P.39.
213
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
de lanza) qui ménent la civilisation catholique vers la victoire comme les croisés
menaient l’Occident chrétien vers la reconquête des Lieux Saints” 28.
Com o arrefecimento da histeria anticomunista no Brasil na década de 1980,
a ênfase do discurso da TFP de combate ao comunismo desloca-se para o combate
às ideias igualitárias tal como ações contundentes contra o MST e movimentos
indígenas29. Contudo, ainda assim, a idealização da Idade Média com seus valores e
“virtudes” continua presente (não à toa é de 1993 a publicação do livro Nobreza e
elites tradicionais) não apenas na indumentária, mas também no bojo da própria
ação política contrarrevolucionária que como apontamos, visava a restaurar uma
sociedade atacada pela modernidade. Nesse sentido, a partir dos levantamentos e
análises realizados até o momento, caracterizamos a apropriação e construção da
Idade Média feita pela TFP e por Plínio de Oliveira como uma “Idade Média política”,
isto é, um período a ser imitado e que, salvo aspectos circunstanciais, deveria ser
reconstruído através da atuação temporal da Organização e do seu fundador na
sociedade.
28 [...] os membros do TFP são, portanto, cavaleiros (punta de lanza) que conduzem a
civilização católica à vitória enquanto os cruzados conduzem o Ocidente cristão à
reconquista dos Lugares Sagrados. Ibidem p.40. Tradução nossa. A afirmação de Matta pode
ser corroborada no próprio número 121 do Catolicismo de janeiro de 1961. Cf.
https://catolicismo.com.br/Acervo/Num/0121/P01.html acesso em 02/07/2021.
29 Segundo Raúl Matta em vista desse combate, a TFP funda na década de 1990 o SOS
214
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Catolicismo o qual, como fora dito, vinculava as ideais e pressupostos defendidos por
Plínio de Oliveira e serviu como base para fundação da TFP. Com o tempo, a
proximidade com o fundador da TFP só fez aumentar, bem como as
responsabilidades de João Clá dentro da organização, como, por exemplo, no
aliciamento de jovens e na organização das casas de estudos 32. Todavia, não fazia
parte do membro dos grupos fundadores da TFP de modo que, apesar de toda
projeção que adquiriu ao longo dos anos na organização, alguns direitos, como, por
exemplo, o de voto permanecia cerceado ao sacerdote.
Dessa maneira, em 1997, instalava-se uma longa disputa judicial entre João
Clá e os fundadores da TFP na 3ª vara Cível de São Paulo. Basicamente, o conflito
dava-se em razão de alguns elementos: a) transformação em congregação religiosa
reconhecida pela Igreja Católica; b) abandono da atuação político-cultural que havia
marcado o grupo nas décadas anteriores; c) inauguração de uma ala feminina; d)
consagração de João Clá a liderança oficial e; e) controle dos bens e dos cadastros de
doadores da TFP33. Em síntese, João Clá almejava maior proximidade ao Vaticano,
bem como a ênfase da organização em questões religiosas e não político-culturais.
Ademais, também havia a questão da criação da ala feminina e a ampliação da
participação dos sócios.
A disputa só foi finalizada em 2012 sendo o resultado favorável a João Clá,
contudo, a primeira decisão de 1999 beneficiou os fundadores. Assim, neste mesmo
ano de decisão desfavorável, João Clá fundou os Arautos do Evangelho angariando
cerca de dois terços dos membros da TFP. Vale destacar que, segundo Zanotto, desde
2004, a TFP já vinha sendo controlada de forma velada pelos Arautos do Evangelho
os quais fizeram cessar a atuação político-cultural e luta ideológica da organização
tanto no Brasil, quanto internacionalmente34.
extinta, não verificamos a mesma realidade em outras localidades do mundo, como, por
215
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
216
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
37 Cf. https://academico.arautos.org/2010/12/o-dom-de-sabedoria-ao-vivo-linhas-
mestras-da-tese-de-monsenhor-joao-scognamiglio-cla-dias-ep/ acesso em 02/05/2021 às
18:26.
38 Cf. http://basilica.arautos.org/ acesso em 02/05/2021 às 18:26.
39 Cf. https://www.arautos.org/ acesso em 02/05/2021 às 18:28.
217
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Este relato deixa clara a atuação de Deus em prol do poder espiritual quando
este é confrontado pelo rei, representante do poder temporal. A consequência desta
viagem milagrosa é o reconhecimento do rei à autoridade de Raimundo e, portanto,
da própria Igreja e dos que dela participam. Nesta parte da narrativa, é importante
pensar os papéis da exemplaridade e da moral da história, ou seja, Deus, para provar
que o temporal deve se submeter ao espiritual, faz coisas inacreditáveis. Contudo, o
importante a ser destacado é a operação narrativa que esta hagiografia serve em
pleno século XXI, no momento em que são inseridas em um site altamente elaborado
40 http://www.arautos.org/secoes/servicos/santodia/sao-raimundo-de-penafort-139968
acesso em 02/05/2021 às 18:39.
41 http://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/sao-raimundo-de-penafort-um-
homem-para-todas-as-missoes-143534. Acesso em 02/05/2021 às 18:39.
218
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
42 Cf [https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/10/27/fundador-do-arautos-do-
evangelho-da-tapas-em-jovens-em-novo-video.ghtml];
https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2019/10/27/fundador-do-arautos-do-
evangelho-da-tapas-em-jovens-em-novo-video.ghtml. Acesso em: 02/05/2021 às 18:40.
219
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
terrenas são apresentados. Todavia, além disso, João Clá faz questão de demarcar o
período em que a vida e os feitos da santa ocorrem, isto é: a Idade Média. Neste
momento, o autor afirma que a Inglaterra dominava o território francês e que Joana
foi a escolhida por Deus para libertar a França.
Ao contextualizar a França daquele período, o autor explica as características
daquele país à época. Sendo assim, afirma que, naquele tempo, a França “feudal”, “do
heroísmo e da cavalheirosidade” encontrava-se sob domínio inglês. Mais à frente, ao
comentar o episódio do reconhecimento do rei por parte da santa, explica que não
havia imprensa ou televisão naquela época e, por isso, Joana não teria como saber
quem era o rei francês, contudo, ainda assim, ela o identificou escondido entre a
multidão.
Ora, as interferências de João Clá na narrativa de Joana d’Arc demonstram a
concepção que este tem sobre a Idade Média, especialmente sobre a França, bem
como a relação com o presente que é acionado não apenas como forma de facilitar a
compreensão por parte do leitor, mas também como operação narrativa, isto é, o
passado está sendo lido pelo olhar do presente e é para este que aquele interessa,
por meio do recurso à exemplaridade, tanto da santa, quanto do período que o autor
tem por “verdadeiro”.
Joana é condenada como “vil feiticeira” e, assim, conduzida à fogueira. Neste
momento, aproxima-se o auge do relato:
43 DIAS, João Clá. Surpreendente e variadas são as vias da Providência. 2020. Disponível:
220
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Joana é queimada e na narrativa enfatiza-se toda dor e suplício que ela sofreu.
Contudo, enquanto o fogo consumia seu corpo, a santa, enquanto morre,
pronunciava: “As vozes não mentiram, as vozes não mentiram”. Aqui, mais uma
interpolação do autor que faz questão de explicar o sentido das últimas palavras de
Joana, qual seja: embora houvesse um mistério naquilo tudo, Joana não estava
mentindo porque cumprira a vontade de Deus. Por fim, Mons. João Clá afirma que
após o “sacrífico” da santa, o exército inglês não conseguiu resistir ao francês e que
120 anos depois, a última cidade, Calais, sucumbiu à reconquista francesa. Desta
maneira, ele encerra dizendo: “O nome de Santa Joana d’Arc permanecerá como uma
saga, um mito, um poema, até o fim do mundo: a virgem heroica e débil, que expulsou
os ingleses do doce Reino da França e realizou, assim, a vontade de Nossa Senhora,
Rainha do Céu e da terra” 44. Observemos a maneira que se refere ao reino de França
(“doce”). Este, ao contrário da Inglaterra, não se converteu a “heresia” protestante
e, durante a época feudal, como fora dito, figurava como espaço do heroísmo e da
“cavalheirosidade”.
Através da narrativa sobre Joana D’Arc, o fundador da Associação não apenas
responde às acusações e às desconfianças que pairavam sobre eles em 2019, isto é,
ainda que desconfiem da missão deles, a Providência tem várias vias que podem
surpreender. Mas também apresenta sua própria compreensão sobre o período
medieval, a saber: uma época de heroísmo, cavalheirismo, milagres, ação direta da
Providência, a qual, supostamente, estaria fora do tempo. No entanto, é
precisamente por meio da elaboração sobre a Idade Média feita por João Clá, que a
Providência sai da eternidade e entra para a história na medida em que sua ação
ocorre em um tempo e espaço circunscrito, isto é, o uso que os Arautos fazem de
Joana d’Arc (uma santa medieval) para se defenderem das acusações acima
mencionadas. Nesse sentido, a Providência inserida na história torna-se
historicizável45.
https://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/santa-joana-darc-a-virgem-heroica-
143592 Acesso em: 02/05/2021 às 18:40.
44 Ibidem.
45 Segundo o historiador Alain Boureau tal aspecto, inclusive, é parte constitutiva do próprio
221
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
222
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Não fica difícil verificar no relato acima os ideais Ultramontanos que outrora
estiveram em Plínio Corrêa de Oliveira e na TFP, presentes também nos Arautos do
Evangelho. Tanto a santidade e a vida de Catarina, quanto a Idade Média aparecem
como o período de perfeição social a qual só é possível com a manutenção da Igreja
e da Cristandade. O contexto em que a vida de Catarina aparece é o do Grande Cisma,
isto é, o momento na história da Igreja Romana e do Ocidente Medieval em que se
tinham dois papas, um residindo em Avignon, França e o outro em Roma. O texto
afirma que Catarina foi incansável na luta pela “unidade da Igreja” e sustentação do
“verdadeiro” Papa, isto é, aquele que residia em Roma (tal como defende o
pensamento ultramontano). Assim, o texto encerra indicando a honraria de Doutora
da Igreja que Catarina recebeu do Papa Paulo VI e reafirmando o principal
ensinamento retirado da vida da santa, ou seja: “a fidelidade plena e íntegra à Santa
Igreja”49.
Sem se dirigir a possíveis adversários50, João Clá e os Arautos reafirmam seu
“compromisso” com a Sé romana (e aqui vale relembrar que essa aproximação do
Vaticano foi ponto de dissenso com os fundadores da TFP) ao mesmo tempo em que
48 Ibidem.
49 Ibidem.
50 Uma outra Associação de linha ultramontana cuja história se cruza com a de Plínio de
Oliveira e a TFP, é a Associação Cultural Montfort, fundada, em 1983, por Orlando Fedeli –
antigo membro da TFP. Esta associação também faz uma ode à Idade Média, contudo, ao
contrário dos Arautos, romperam com a Igreja Romana mantendo-se “fiéis” ao rito
tridentino como pode ser verificado no site da própria associação quando afirma: “Sempre
seguimos a orientação de Dom Antonio de Castro Mayer, e desta forma estivemos ligados
ao rito Tridentino. O centro de nossas atividades é a luta em defesa da Igreja Católica e de
seus ensinamentos, contra os erros de nosso tempo, especialmente no que se refere às
doutrinas modernistas e suas consequências que se difundiram na Igreja após o Concílio
Vaticano II.
O Nome Montfort foi escolhido tendo por base dois personagens. O fundamental refere-se a
São Luis Maria Grignion de Montfort, que difundiu o Tratado da Verdadeira Devoção à
Santíssima Virgem. O segundo é Simão de Monfort que combateu a seita cátara na Idade
Média”. http://www.montfort.org.br/bra/home/quem_somos/ acesso 03/05/2021 às
17:12.
223
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Conclusão
Apesar de ser um trabalho inicial, as análises apresentadas sobre a TFP, seu
fundador e os Arautos do Evangelho, permitem-nos delinear alguns caminhos
importantes de investigação, bem como apontar conclusões preliminares. O
primeiro caminho a ser apresentado é a distinção no uso que a TFP e os Arautos
fazem da Idade Média e de elementos a ela associadas, como, por exemplo, os santos.
Conforme indicamos acima, enquanto a Organização fundada por Plínio de Oliveira
condiciona o uso da Idade Média no que chamamos de “político”, visto que mediante
o pensamento ultramontano esta serviu de paradigma para suas ideias e
proposições para o presente, bem como para as ações e luta política
contrarrevolucionária do grupo; para os Arautos do Evangelho, a Idade Média
aparece em sua dimensão “religiosa” por intermédio da vida e obra de santos que
remontam (supostamente) ao período medieval. Tal distinção mostra-se coerente
com o próprio percurso histórico que ambas as organizações traçaram. Finalmente,
embora sua origem remonte à TFP, um dos pontos de dissenso fundamental
levantados pelos Arautos, foi sua retração na luta política (ao menos no sentido
institucional) dentro da arena pública em razão de maior aproximação da Sé
Romana, enquanto a TFP mantinha seu discurso de recusa da modernidade e ação
política na sociedade para conter a revolução.
Em relação às conclusões, apontamos para eficácia do neomedievalismo
como ferramenta teórica, bem como para sua relação com a religião. Ao nos
224
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
225
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
226
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
1. Introdução
Esse artigo pode ser considerado como uma tentativa de estabelecer as
possíveis origens e compreender algumas motivações para o célere crescimento dos
movimentos de historical reenactment – vulgarmente traduzido para o português
como recriação histórica – e living history – ou história viva em tradução livre – no
território brasileiro.
Tanto a recriação histórica quanto a história viva, quando relacionadas ao
tradicional recorte temporal da dita Idade Média, podem ser consideradas
expressões emblemáticas do campo de estudos ou categorias de análise do
neomedievalismo. Para fins desse artigo, parece pertinente utilizar, a sugestão
conceitual oferecida pelos historiadores Nadia R. Altschul & Lukas Gabriel
Grzybowski2, a partir dos estudos pós-coloniais, a favor do neomedievalismo,
porque segundo eles:
2 ALTSCHUL, Nadia R. & GRZYBOWSKI, Lukas Gabriel. Em Busca dos Dragões: A Idade Média
227
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
neomedievalismo nacional.
Persiste até hoje uma grande confusão entre os termos recriação histórica e
história viva, que apesar de possuírem similaridades, são práticas socioculturais e
educativas bastante diferenciadas. Contudo, no Brasil, dificilmente são feitas as
devidas distinções, amiúde aparecem misturadas ou como sinônimos. O próprio
conceito de história viva ainda é pouco divulgado e raramente utilizado, enquanto a
maioria dos praticantes demonstram nítida preferência pelos termos: recriação
histórica, recriacionismo, ou o próprio estrangeirismo do reenactment, entre outras
variações. No país, em pleno século XXI, apesar de parecer inverossímil, o
neomedievalismo recriacionista que mais rapidamente alcançou popularidade e se
espalhou pelo território, foi a recriação histórica associada a chamada “Era Viking”.
Esse artigo não busca analisar a qualidade e/ou o nível de autenticidade
histórica dos grupos recriacionistas brasileiros, mas perscrutar as suas origens e
buscar compreender um pouco melhor as características dessas manifestações
passadistas ou nostálgicas, da recriação do passado medieval escandinavo nos
trópicos. Para isso, foram utilizados fontes e conceitos historiográficos e métodos
antropológicos, como “Observação Participante” e, principalmente, a “Participação
Observante”, desenvolvida pelo antropólogo francês Loïc Wacquant5, com a
orientação de Pierre Bourdieu. Também foram empregadas como metodologia
algumas entrevistas formais, informais – não estruturadas – e conversacionais –
entrevistas narrativas. Abordando e inquirindo alguns pioneiros que, em pleno
alvorecer do século XXI, começaram a se dedicar a práticas tão inusitadas para um
país sem vínculos históricos com a Idade Média, contudo, impregnado pelo
neomedievalismo musical, literário e transmidiático do cinema, da televisão e dos
jogos eletrônicos.
228
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
6MACCALMAN, Iain & PICKERING, Paul A. Historical Reenactment: From Realism to the
Affective Turn. Hampshire: Palgrave Macmillan; 2010.
229
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
7 Ibidem, p.03.
8 Ibidem, p.08.
9 Ibidem, p.09.
10 Ibidem, p.09.
11 Ibidem, p.59.
230
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
12 Ibidem, p.79.
13 Ibidem, p.79.
14 AGNEW, Vanessa. History’s Affective Turn: Historical Reenactment and Its Work in the
Present. Rethinking History: The Journal of Theory and Practice, Londres, v. 11, n. 3, p. 299-
312, 3 setembro 2007, p. 299.
15 ibidem, p.300.
16 AGNEW, Vanessa. What Is Reenactment?. Criticism. Detroit: Wayne State University Press,
231
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
17 Ibidem, p. 328.
18 Ibidem, p. 328.
19 Ibidem, p. 330.
20 Ibidem, p. 335.
232
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
233
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
234
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
A expressão Era Viking, por sua vez, não poderia ter surgido antes.
Curiosamente, ela parece ter nascido não na Inglaterra, mas na
Noruega. E. C. Werlauff mencionou a Vikingtid num artigo sobre a
presença escandinava na Península Ibérica entre os séculos IX e XIII
no Annaler for Nordisk oldkyndighed og historie (Anais da
Antiguidade e História Nórdica) de 1836.27
25 Ibidem, p. 231.
26 Ibidem, p. 233.
27 Ibidem, p. 233.
28 Ibidem, p. 249.
29 GRAHAM-CAMPBELL, James. Op. Cit., p. 12.
235
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
236
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Em 2008, eu já fazia parte do Spirit Folk, mas não tinha nada a ver
com o reenactment, possuía mais esse foco na música. Até que
aconteceu um evento, não lembro se foi o Encontro Internacional de
RPG aqui em São Paulo ou se foi a RPGCON, não sei qual era o nome.
Eu fui nesse evento com um cosplay Viking bem tosco e lá eu
encontrei a Stephany Palos e o Marcos Palante, eles estavam
usando um bracelete de couro, que eu tinha feito, estilo jogo de RPG.
Quando eu vi, eu falei: ‘legal, eu que fiz esse bracelete!’ A partir daí,
nós começamos a conversar e ficamos o evento inteiro andando
juntos. Eles também eram do Spirit Folk e começamos a falar sobre
várias bandas. Na época tinha uma banda finlandesa, que era o
Turisas, inspirados nessa banda, a gente decidiu pintar o rosto de
vermelho, chamamos outros amigos e decidimos fazer um ‘cosplay
do Turisas’. Então, tudo começou aí, como uma brincadeira de
cosplay em 2008.
237
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Segundo seus fundadores, foi a partir de 2009 e 2010 que o Hednir Clan
começou a engatinhar na direção de um recriacionismo histórico. Muitas foram as
dificuldades enfrentadas pelo grupo ao longo do processo, entre as principais
Marcos Palante elencou:
238
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Vinícius também relembra o primeiro elmo “bastante torto”, mas que era
“visualmente aceitável”, mas destaca que o segundo elmo ficou melhor, “apesar de
possuir muitos erros históricos”. Inicialmente, a dificuldade de produzir uma
recriação histórica qualificada, coincidiu com o despreparo e a ingenuidade dos
jovens integrantes em relação as metodologias de pesquisa mais acadêmicas e
aprofundadas, conquanto apropriavam-se apenas das referências copiadas de
239
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
240
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
241
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
242
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
243
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
bom, porque quanto mais gente fazendo, mais se divulga o reenactment”. No entanto,
inicialmente demostrava grandes preocupações com essas ramificações e temia um
possível retrocesso ou declínio da qualidade do recriacionismo histórico nacional.
Assim, no mesmo ano de 2011, em São Paulo foi fundada a Ordo Draconis
Belli, o nome em latim pode ser traduzido como Ordem dos Dragões de Guerra e já
denuncia o propósito do grupo: reconstituir as técnicas de combate medieval. Para
isso, a Ordo Draconis Belli também recria armas, escudos e armaduras com base na
literatura, pintura, escultura e, principalmente, nos achados arqueológicos do
período. Eles fazem parte da Associação Ars Mediaevalis, formada por diferentes
grupos, que desenvolvem atividades e apresentações para divulgação dos costumes
e da arte medieval em diversos eventos. Entre os fundadores estão Daniel Becker,
Guilherme Dantas, Igor Landini, Marina Baldovino e Thyago Marcondes,
entrementes, já contam com mais dez membros. Em entrevista fornecida no dia 10
de maio de 2021, Vitor Bolonhesi Gracia, de 30 anos fala sobre o surgimento e a
atualidade do grupo:
244
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Vitor Bolonhesi Gracia afirma que a Ordo Draconis Belli também se espelhou
nos grupos internacionais, “Estados Unidos, Europa, mas principalmente Leste
Europeu e Rússia, pois possuem uma tradição muito forte no reenactment”. Segundo
ele o grupo é muito aberto, todos os membros podem contribuir, não existe uma
hierarquia rígida, no entanto, todas as novas ideias são analisadas e avaliadas por
um “conselho deliberativo” responsável pelas decisões mais difíceis. Vitor Bolonhesi
Gracia também destacou entre as dificuldades enfrentadas pelos praticantes de
recriação histórica no Brasil, o acesso aos artefatos arqueológicos originais e as
fontes históricas fiáveis. A questão do idioma também pode representar um
problema, haja vista que muitos trabalhos e pesquisas mais aprofundadas estão em
língua estrangeira. Para ele o recriacionsimo pode ser considerado como um
“exercício prático da história”:
245
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
246
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
247
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
4. Considerações Finais
O recriacionismo histórico está associado às pesquisas históricas e
248
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
cenas medievalistas na cultura jovem. Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 37, p. 242-262, 2016.
32 SCANAPIECO, Luciana. A critical view on the past: Some thoughts on the bias and pros of
Living History and the Brazilian scenario. In: ReConference 2018, Copenhague. Papers And
Summaries. Copenhague: Hands on History, Nationalmuseet, 2020, p. 32-43.
249
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
33ECO, Umberto. Sobre Espelhos e Outros Ensaios. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p.
74-82.
250
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
251
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
252
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Introdução
Pela tradição da História da Arte, Giotto é um divisor de águas, um marco, que
não somente pintou, mas representou o ponto de inflexão temporal na produção dita
artística no século XIV. Giotto de Bondone ficaria conhecido na História como o
precursor do Renascimento italiano nas artes visuais. Nesse sentido, defendemos
que Giotto foi temporalizado como precursor do Renascimento na pintura. Rompeu-
se como a coetaneidade do pintor, uma vez que passou a ser parte de um movimento
que não conhecia. Ele passou a representar o início do moderno, entretanto, em suas
obras, é possível perceber traços da dita arte antiga, e não somente da considerada
moderna.
Neste artigo, analisaremos, inicialmente, a produção historiográfica sobre
ele, considerando a produção europeia e a brasileira. Para tanto, tomamos, como
marco, o século XIX, momento da consolidação da Arte como disciplina acadêmica.
Questionaremos a forma como os autores estudaram-noe também construíram
narrativas sobre o Renascimento a fim de observar uma política de temporalização
sobre esse pintor. Por fim, propomos uma reflexão crítica acerca do lugar de marco
divisório na História ocupado por Giotto por intermédio de um novo olhar, o
neomedievalismo.
253
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
2ALTSCHUL, Nadia; KETHLEEN, Davis. Medievalisms in the postcolonial world: the idea of
“the Middle Ages” outside Europe. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2009, p.
1.
3Por invenção, não queremos dizer que se trata de algo que não tenha acontecido, mas sim
tem por finalidade construir uma ideia de arte universal, confrontando-os às produções
artísticas não europeias, não canônicas e chega a propor uma descolonização da estética. Cf.
ANDRADE, Marco Pasqualini de; FUREGATTI, Sylvia; VIVAS, Rodrigo. Narrativas sobre a
universalidade. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, v.7,
n.13: mai.2017. Disponível em https://eba.ufmg.br/revistapos. Acesso em 25 de agosto de
2020.
5HAJNÓCZI, Gábor. Il mito diGiotto. La fortuna di um luogo dantesco nella critica d’arte. In:
254
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
arte, que estava obscurecida. Podemos apontar que essa mesma tradição humanista
que aponta Giotto como o novo, define também uma ideia de Idade Média, como o
que deveria ser superado, um mundo de trevas. Nesse sentido, propomos adentrar
na historiografia europeia a fim de perceber como produziu uma imagem de Giotto
que prevalece até hoje.
Petrarca, uns dos principais responsáveis para a criação do conceito de idade
média, diz que esta era uma época intermediária que estava encoberta por uma
neblina que fora dissipada por uma nova época. O mesmo Petrarca diz que Giotto
tinha feito reviver a morta e ‘enterrada’ arte da pintura. Boccaccio relata que Giotto
traz de novo a luz que teria ficado obscurecida ao longo do medievo, fazendo a arte
renascer. Villani afirma que Giotto trouxe de volta a dignidade da pintura. Ghiberti
abre o Segundo Comentário apresentando que o momento de declínio das artes na
Itália teria sido com o imperador Constantino e o Papa Silvestre. A ascensão do
cristianismo levou à destruição de todos os símbolos considerados como idolatria.
É Giotto, segundo Ghiberti, que faz a arte reviver.
No século XVI, Giotto foi apresentado na obra de Giorgio Vasari como o
principal ponto de partida da evolução da arte, sendo o marco da etapa da infância7.
Em Vasari, o pintor é considerado um artista precursor de uma nova arte, ou seja,
em Giotto é possível observar os elementos que marcam uma nova forma de
conceber e produzir a arte que chega ao auge com Michelangelo no Renascimento.
Podemos dizer que seu trabalho condensa certo entendimento a respeito do pintor
que foi sendo construído a partir de Dante no século XIV e que se tornou
predominante entre os humanistas. Mesmo que o trabalho tenha sofrido muitas
críticas, a importância da biografia de Vasari na História da Arte reverbera até hoje
acerca do entendimento sobre a vida e o lugar de Giotto na História.
No contexto da historiografia da arte, Giorgio Vasari foi considerado um dos
primeiros historiadores da arte e, até mesmo, há aqueles que defendam que ele
255
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
8Elisa Lustosa Byington traz em sua tese um debate acerca do enquadramento de Giorgio
Vasari como precursor de uma escrita da arte. Cf. BYINGTON, Elisa Lustosa. Giorgio Vasari
e a edição das “Vidas”: entre a Academia Florentina e a Academia do Desenho. Tese
apresentada ao Programa de Pós-Graduação da UNICAMP (Doutorado em História), 2011,
p. 9.
9O alemão Winckelmann, na segunda metade do século XVIII, se propôs a fazer uma reflexão
crítica sobre a escrita da arte, desprezando a literatura das Vidas que ganharam amplo
destaque. Winckelmann não estava interessado em construir uma narrativa cronológica,
mas sim provocar uma reflexão e uma explicação da Arte com um conteúdo doutrinário.
Para saber mais sobre o escritor: Cf. BORNHEIM, Gerd. Introdução a Leitura de
Winckelmann. In: WINCKELMANN, J. J. Reflexões sobre a arte antiga. Porto Alegre,
Movimento, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1975; GOMES. Guilherme Simões.
Vidas de artistas: Portugal e Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol 22, n. 64, p. 33-
47, junho de 2017; MATTOS, Claudia Valladão de. Winckelmann e o meio antiquátio de seu
tempo. RHAA, 9º ed., 2008. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/chaa/rhaa/downloads/Revista%209%20-
%20artigo%204.pdf.>Acessoem 25 de agosto de 2020.
10FERNIE, Eric. Art history and its methods. London: Phaidon, 2003, p.12.
256
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
arte, não nos cabe aqui, mas ressaltamos que a própria ideia que se tem sobre Vasari
como fundador de uma escrita da arte e do próprio conceito de Arte são frutos de
construções narrativas. O que importa, é que a construção da narrativa vasariana a
respeito de Giotto, extrapola o século XVI e os limites europeus, como veremos mais
adiante.
A visão de Giotto, como início do novo ultrapassa os séculos XIV-XVI, está
presente em Jacob Burckhardt no século XIX, em Panofsky no século XX, em Luciano
Bellosi que faleceu no início do século XXI. Para além da Europa, está presente na
reflexão realizada por brasileiros ainda no século XXI, o que aponta para o fato de
que não houve uma emancipação intelectual das nossas pesquisas.
No século XIX, Jacob Burckhardt apresenta a obra A Cultura do Renascimento
na Itália que se tornaria uma referência nos estudos do período, uma vez que com
esse livro o autor participa do processo de construção do próprio conceito do
Renascimento. Burckhardt, que se debruça nos humanistas nesse livro,
particularmente em Dante, apresenta em outros trabalhos, sua visão sobre Giotto de
Bondone a qual segue bem perto dos humanistas do Renascimento. Cássio
Fernandes sustenta que Burckhardt situa Giotto “como o primeiro grande artista da
‘escola florentina’ a seguir o ‘estilo germânico’”11. Franz Kugler e Burckhardt
trabalharam juntos na escrita e revisão da segunda edição do Manual da História da
Pintura e do Manual da História da Arte, publicados em 1847 e 1848,
respectivamente. No Manual de História da Arte, eles se dedicam às “escolas
artísticas”, e Cássio Fernandes salienta que eles chegaram ao entendimento segundo
o qual
257
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Cássio Fernandes salienta que este trecho nos permite “perceber que o
historiador orienta-se em direção ao mundo italiano da época de Dante e Giotto a
partir de uma visão de conjunto que reúne arte e cultura” 15.
Nesse sentido, retornando a reflexão feita por Cássio Fernandes sobre Kugler
e Burckhardt, o autor nos diz que as contribuições de Burckhardt no Manual de
História da Arte são notáveis no que diz respeito à arte italiana. Assim, a segunda
edição, traz de forma clara a relação entre Dante e Giotto como marcos de um novo
12Ibidem, p. 111.
13FERNANDES, Cássio. Jacob Burckhardt e a preparação para A Cultura do Renascimento na
Itália. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais, v. 3, nº 3, Julho, agosto e setembro de
2006. Disponível em <http://www.revistafenix.pro.br/PDF8/ARTIGO2-
Cassioda.Silva.Fernandes.pdf> Acesso em 04 de outubro de 2020.
14Ibidem, p. 7.
15Ibidem, p. 8.
258
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
momento artístico.
dedica, na virada do século XIX, a escrever um grande manual da História da arte a fim de
buscar abarcar todos os povos e tempos. Neste manual, Woermann apresenta Giotto como
um precursor do Renascimento como Vasari. Cf. WOERMANN, Karl. Historiadel arte en todos
los tiempos y pueblos. Madrid, Editorial Saturnino Calleja, 1930.
18PANOFSKY, Erwin. Renascimento e Renascimentos na arte ocidental. Lisboa: Editorial
259
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
mas na Europa.
20Ibidem, p. 165.
21Ibidem, p. 168.
22“Um espaço pictórico poderá ser definido como uma área aparentemente tridimensional,
composta de corpos (ou pseudo-corpos, tais como as nuvens) e dos interstícios, que parece
estender-se indefinidamente, sem ser necessário que seja infinitamente, para além da
superfície pintada objectivamente bidimensional; o que significa que esta superfície perdeu
aquela materialidade que possuíra na arte da Alta Idade Média, deixando de ser uma
superfície de trabalho opaca e impérvia – quer fosse parede, painel, tela, papel, ou
manufacturada pelas técnicas características do tapeceiro ou do peintreverrier – para se
tornar uma janela através da qual podemos contemplar uma parte do mundo visível”. Cf.
Ibidem, p. 168.
23Ibidem, p. 169.
24Ibidem.
260
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
261
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Giulio Carlo Argan situa Giotto dentro de seu meio, ou seja, o teórico da arte
procura historicizar o pintor e sua produção 30. Segundo Argan, Giotto não se limitou
a seguir a tradição artística que imperava, mas imprimiu sua marca nela. Argan
defende que Giotto se afasta de um modo de pensar histórico antigo e cristão, que
consiste em ações determinadas com fins justificáveis. O antigo para Giotto não é um
modelo, mas experiência histórica capaz sustentar a construção de seu presente.
Giotto rompe com o bizantino na medida em que transforma a imobilidade icônica
trazendo o movimento à arte31.
O historiador da arte Luciano Bellosi, que lecionou arte medieval na
Universidade de Siena até 2002, se tornou uma referência no estudo a Giotto. Esse
respeitado pesquisador trouxe contribuições importantes para o estudo do pintor.
No livro que dedicou a Giotto, apresenta seu entendimento sobre o pintor e sua
importância para a história da arte.
28VENTURI, L. Para compreender a pintura de Giotto a Chagall. Lisboa: Estudios Cor, 1972,
p. 32.
29Ibidem, p. 21. (grifo meu)
30ARGAN, G.C. História da Arte Italiana. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
31Ibidem, p. 21-22.
262
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Talvez seja útil recordar que não existem novos capítulos nem
novos começos, e que isso nada diminui a grandeza de Giotto, se
considerarmos que os seus métodos devem muito aos mestres
bizantinos, e seus objetivos e concepções aos grandes escultores
das catedrais do Norte.36
263
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
264
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
universal” usando Panofsky40. No decorrer de sua argumentação, a autora sustenta que Giotto foi
uma figura fundamental para o Renascimento, mas também o coloca dentro do medievo. Como
exemplo, diz que “Giotto era visto como um grande mestre das várias artes, figura fundamental para
o período do Renascimento, com suas inovações, que não se limitaram a pintura” 41. Por outro lado,
ao tratar do que chama de patrocinadores da arte, sustenta que “Giotto foi um dos primeiros artistas
medievais que teve patrocínio da burguesia urbana ascendente” 42.A autora chega a citar em um
breve parágrafo uma possível construção mitológica da figura do pintor e dizer que não estava
interessada em discutir sobre a sua genialidade, contudo, sem se aprofundar ou mesmo
desnaturalizar essas ideias43.
As autoras Meire Aparecida Lóde Nunes e Terezinha Oliveira escreveram pelo menos seis
artigos, entre 2012 e 2017, que tratam de obras produzidas por Giotto dentro da perspectiva da
História da Educação e análise iconográfica medieval. O primeiro que destacamos é de 2012, e, nele,
as autoras buscam entender quais influências teria tido o pintor ao retratar São Francisco de Assis,
fazendo a análise iconográfica da imagem Renúncia dos bens terrenos. Na introdução do seu texto, as
autoras apontam como justificativa da escolha do pintor por ser este um marco da história da arte, o
precursor do Renascimento, deixando claro suas visões ao seu respeito.
265
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
44LÓDE NUNES, Meire Aparecida; OLIVEIRA, Terezinha. São Francisco de Assis de Giotto:
uma possibilidade de reflexão acerca da influência intelectual no Trecento italiano. In: Anais
da Jornada de Estudos Antigos e Medievais. Universidade Estadual de Maringá, 2012, p. 1.
45LÓDE NUNES, Meire Aparecida; OLIVEIRA, Terezinha. O sofrimento em Giotto: a
sensibilidade que expressa o processo de formação humana no século XIV. In: IV Encontro
Nacional de Estudos da Imagem & I Encontro Internacional de Estudos da Imagem. Paraná:
Universidade Estadual de Londrina, 2013, p. 2396.
46LÓDE NUNES, Meire Aparecida; OLIVEIRA, Terezinha. A crucificação de Giotto: Jesus, um
266
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
ao gênio criativo”48.
A historiadora da Arte Tamara Quírico dedicou grande parte de seus estudos
aos afrescos do Juízo Final atribuídos a Giotto de Bondone. Em sua tese de
doutoramento apresentada em 2009, a autora constrói a sua hipótese com base no
entendimento de Giotto como o maior mestre de Florença do período. Ao falar sobre
a execução dos afrescos do Camposanto de Pisa, a autora aponta que teria sido
possível que Buffalmacco tivesse buscado como base os afrescos executados por
Giotto na Capella do Palazzo del Bargello, uma vez que o espaço era sede do governo
florentino “e por ter sido este ciclo concebido pelo maior mestre florentino em atividade no
período, no mais importante centro artístico da região, de acordo com a hipótese assumida por esta
pesquisa”49.
Está claro que a autora não se propõe fazer um balanço bibliográfico sobre o pintor, mas ela
não problematiza em nenhum momento este lugar de destaque que lhe foi atribuído ou mesmo a
Florença50. Entretanto, em um artigo publicado, em 2020, percebemos um movimento diferente da
autora ao apontar que há uma construção narrativa sobre a sua genialidade, a qual remete a Vasari.
No trecho citado, a autora compara o mestre Cimabue ao discípulo Giotto, apontando que o
segundo teria superado o primeiro, uma vez que seria o responsável por tornar a pintura moderna
dentro de uma sociedade pré-humanística. O que se questiona é a naturalização de fatos que são
antes de tudo construções narrativas e que precisam ser evidenciadas. Giotto como precursor do
Renascimento; Rompimento com a Idade Média; Florença como berço do Renascimento; O
Renascimento; A Idade Média; Arte entre outras ideias e conceitos são permeados de construções e
caso, podemos pensar na Toscânia. Entretanto, esse apontamento é importante para pensar
como a própria cidade é usada para dar sentido e origem ao movimento renascentista.
51QUÍRICO, Tamara. Dante, Giotto e as inter-relações entre as artes visuais e a literatura na
267
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
visão colonizadora, pois estabelece um centro, a Europa, como o lugar de produção da arte e a
universaliza segundo critérios, muitas vezes, nacionalistas do século XIX.
O Renascimento ocupa até hoje um lugar de suma importância na História,
tido como um dos momentos mais marcantes da História da Arte e até mesmo da
humanidade. Entretanto, muito do movimento que é difundido em nossas escolas
hoje é muito mais uma construção histórica impregnadas de sentidos marcantes de
cada época posterior do que a experiência histórica dos homens dos séculos XIV ao
XVI. Nesse sentido, entendemos que podemos falar em Renascimentos, como um
movimento periodizado, temporalizado, construído e reconstruído de acordo com
as demandas históricas de cada tempo.
A cidade de Florença como berço do Renascimento, também é fruto de uma
construção narrativa. Burckhardt situa a cidade como o lugar das mudanças
incessantes, “que nos deixou um arquivo dos pensamentos e aspirações de cada um
e de todos os que, por três séculos, tomaram parte nessas mudanças”52. Florença é
apresentada aqui como o centro de transformações que se farão sentir em outras
cidades italianas, como, por exemplo, em Veneza. O autor continua “o pensamento
político mais elevado e as formas mais variadas de desenvolvimento humano são
encontrados combinados na história de Florença, que, neste sentido, merece o título
de primeiro Estado Moderno”53. Para Burckhardt, Florença era o berço de todo o
desenvolvimento dito moderno, seja político ou artístico. Em Florença,
268
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
269
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
tempo. Mesmo que hoje, já se possam observar certas críticas a esse padrão europeu,
buscando uma narrativa que incorpore as culturas africanas e indígenas, ao narrar
a História brasileira em busca de suas produções artísticas, se faz em uma narrativa
europeia, passando pelo barroco, rococó, neoclássico, romântico e moderno.
Buscam-se na História do Brasil, os padrões de Arte definidos na Europa.
No século XIX, momento que marca o nascimento da escrita de uma História
da Arte no Brasil por meio da Academia Imperial das Belas Artes, só se faz por conta
da chegada da família real portuguesa ao Brasil. A historiografia da arte aqui no
Brasil, nasce pensada segundo as definições européias e mesmo com um esforço
crítico do século XXI, a fim de buscar o que seria próprio do nosso país, ainda se faz
com base em uma cronologia europeia. O mesmo acontece aqui com a reprodução
de discursos europeus sobre sua própria história. No caso de Giotto, é bem claro que
há uma reprodução desse discurso, no Brasil, que o torna um mito fundador de um
fato que se pretende ser universal, o Renascimento.
Questionar tais tradições, não significa negar o impacto das obras de Vasari,
Giotto, ou a importância das produções e dos homens ditos renascentistas. Contudo,
é necessário pensar como essas construções, repetidas como naturais ao longo do
tempo, contribuem para solidificar hierarquizações históricas que marcam a Europa
como o símbolo da civilização e a América, sobretudo a Latina, como o atraso. O
medievalismo nos permite questionar tais universalizações e ir além de
reproduções. As autoras Nadia Altschul e Kethleen Davis apontam para essa
pluralidade do medievalismo, que possibilita não só pensar as apropriações do
medievo, mas também questionar a submissão as diferentes definições e
construções europeias para os limites fora da Europa e também europeu no sentido
universal56.
56ALTSCHUL, Nadia; KETHLEEN, Davis. Medievalisms in the postcolonial world… Op. Cit., p.
6-7.
270
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
57Os historiadores Clínio Amaral e Maria Bertarelli publicaram um artigo com uma reflexão
crítica sobre a historiografia francesa e brasileira acerca das teses de longa idade média e o
medievalismo. O artigo também traz um balanço historiográfico sobre o uso do conceito de
medievalismo na América. Cf. AMARAL, Clínio de Oliveira e BERTARELLI, Maria Eugência.
Long Middle Ages or appropriations of the medieval? A reflection on how to decolonize the
Middle Ages through the theory of Medievalism. História da Historiografia. Ouro Preto, v.
33, n. 33, p. 97-130, março-agosto, 2020.
58ALTSCHUL, Nadia R.; GRZYBOWKI, Lukas Gabriel. Em busca dos dragões: a Idade Média
“estudos medievais” que se estendem para além da Idade Média histórica. Cf. ALTSCHUL,
Nadia R.; GRZYBOWKI, Lukas Gabriel. Em busca dos dragões... Op. Cit., p. 29.
271
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
60AMARAL, C.; BERRIEL, M.S.; BIRRO, R.M. (Orgs.). Medievalismo em Olhares e Construções
Narrativas. Vol.1. Ananindeua: Itacaiúnas, 2021.
61ALTSCHUL, Nadia R.; GRZYBOWKI, Lukas Gabriel. Em busca dos dragões... Op. Cit., p. 27.
272
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
A temporalidade abarca não só a ideia de tempo físico, mas o que pode ser
chamado de tempo psicológico, ou seja, ligado ao entendimento do homem. Desta
forma, pensar em temporalidade é também pensar sobre os sentidos, construções e
interpretações humanas acerca do tempo. O conceito nos permite pensar como a
humanidade entende e o instrumentaliza. Nos apropriamos do conceito
temporalidade, corroborando o entendimento da Nadia Altschul, que
apresentaremos mais adiante.
Outro conceito fundamental para a nossa reflexão é o de coetaneidade. O
antropólogo Johannes Fabian, apresenta-o fazendo uma crítica ao campo de estudos
da Antropologia, especialmente, no que diz respeito ao discurso antropológico que
nega a coetaneidade dos povos estudados, ou seja, o “Outro”. Por negação de
coetaneidade ele se refere a “uma persistente e sistemática tendência em identificar
o(s) referente(s) da antropologia em um Tempo que não o presente do produtor do
discurso antropológico”62. Assim, defende a investigação daquilo que é coevo, termo
que engloba “de mesma idade, duração e época. Além disso, o termo se presta a
conotar uma ‘ocupação’ do tempo, comum e ativa, ou um compartilhamento do
tempo”63.
Nadia Altschul segue uma abordagem próxima ao entendimento de Johannes
Fabian acerca da temporalidade atribuída a grupos ou objetos que estão no presente
como passado, negando suas coetaneidades. A autora faz uma reflexão sobre as
finalidades de temporalizações de algumas populações, objetos ou mesmo práticas
Ibero-América, nos séculos XIX e XX, como resíduos do passado, não admitindo
assim suas coetaneidades. Nesse sentido, tais temporalizações, para a autora,
funcionam para perpetuar as hierarquias políticas, econômicas, sociais e culturais,
e, em última medida, a manutenção da dominação colonial. Refletir sobre essas
construções temporais e a negação da coetaneidade significa desconstruir
naturalizações hierarquizantes e propor uma nova forma de pensar o hoje. “Once
62FABIAN, Johannes. O Tempo e o Outro: como a antropologia estabelece seu objeto. Trad.
Denise Jardim Duarte. Petrópolis: Vozes: 2013, p. 67.
63Ibidem.
273
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
274
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
pintor Giotto de Bondone e o lugar à que ele ocupa ou lhe foi atribuído ao longo da
História, como marco de divisão entre o antigo e o moderno. Não é nosso interesse,
aqui, forjar uma narrativa que negue a importância do pintor na História da arte
florentina, mas refletir acerca das cristalizações criadas em torno dele, ou seja,
buscamos desnaturalizar conceitos e posições.
Giotto não era o único pintor a usar o realismo como já foi salientado,
Panofsky aponta que Duccio também pode ser considerado pai da pintura moderna.
Para o humanista italiano Alberti, não foi Giotto que inventara a perspectiva 67, mas
Brunelleschi. Se tratarmos exclusivamente de uma reflexão europeia que se entende
como o berço do nascimento da arte, já é possível observar que o lugar de marco
divisório de Giotto pelo realismo e a perspectiva são frutos de escolhas. Por um lado,
escolhas na construção de uma narrativa que quer se impor como o novo entre os
humanistas italianos, negando a coetaneidade medieval do pintor, por outro, uma
escolha da construção narrativa, não só da História da Arte, mas também da História,
para dar sentido ao movimento Renascentista do século XVI, buscando em Giotto
suas origens. Tais narrativas adentram o nosso país e permanecem sólidas ainda no
século XXI.
Nesse sentido, nos cabe questionar a nossa própria prática historiográfica
brasileira. Por que ainda reproduzimos tais discursos? Seria porque ainda nos
vemos como herdeiro de uma cultura europeia, onde estariam as nossas raízes? Se
fossemos pensar em herança pela presença estrangeira, onde estão os protagonistas
275
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
da arte do continente africano do mesmo período? Não teriam eles Arte? Esses
simples questionamentos apontam para o fato de que ainda compartilhamos de uma
colonização intelectual. Buscar nossas origens e referências artísticas na Europa é
fruto de um processo de colonização e de um entendimento de que a Europa é
referência do progresso, por isso queremos nos ver nela, enquanto o resto mundo é
o atraso, de quem queremos cada vez mais nos distanciar, inclusive de nós mesmos.
Os espaços dedicados à idade média europeia em nosso ensino ainda é maior do que
o dedicado aos povos que habitavam o nosso território antes da colonização, os
quais, nem mesmo sabemos alguns nomes, optando por seguir no uso do termo
índios, um termo universalizante europeu impregnado de múltiplos sentidos.
Nadial Altschul e Kethleen Davis nos ajudam a pensar nessas questões
levantadas e na urgência em romper com velhas tradições. Giotto de Bondone é
apresentado como uma novidade na história das artes, sendo temporalizado como
precursor de um movimento que ele mesmo desconhecia, uma vez que é posterior.
Nesse sentido, as autoras questionam a visão que coloca a
the Middle Ages as temporally separated from modernity and colonial
expansion, a separation achieved only through a selective process of
sorting out coexisting, interdependent elements as attributes of different
historical times68.
O medieval é pensado separado da modernidade. Giotto é um exemplo claro
de um pintor que tem sua vida circunscrita na idade média histórica, mas é visto
como o pai do moderno, retirando dele a sua coetaneidade medieval. O
neomedievalismo questiona essa visão tradicional que compartimenta e opõe
períodos, como se fosse possível pensar em um processo histórico separado a
exemplo do que foi feito entre o Renascimento e a Idade Média. As autoras apontam
que “the Renaissance was placed in its own separate linear history as an active
element in the development of modernity”69.
Escrever uma história da Idade Média no Brasil, já é em si uma construção
neomedieval, uma vez que se trata de um país sem a chamada idade média histórica.
Se tratando de um país sem idade média histórica, podemos ter outro olhar para o
68ALTSCHUL, Nadia. KETHLEEN, Davis. Medievalisms in the postcolonial world… Op. Cit., p.
4.
69Ibidem.
276
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
que nos foi imposto por muito tempo como natural e parte de nós, mas na verdade
se trata deuma construção nacionalista europeia do século XIX de base colonial. O
que se propõe é um fazer histórico autônomo, desvinculado da perspectiva
universalizante europeia.
O neomedievalismo é um convite para um novo olhar e novas reflexões para
velhas tradições das quais compartilhamos como heranças do nosso passado
europeu, vide colonização portuguesa, e que podemos entender como uma
colonização intelectual. O presente artigo é um desdobramento da pesquisa de
doutoramento que vem sendo construída e também marca uma mudança de olhar a
partir do neomedievalismo do que foi feito na pesquisa de mestrado 70. Esse novo
campo nos permite refletir sobre os usos e apropriações de Giotto e perceber o
quanto a tradição eurocêntrica faz parte de nossas academias. Romper com essa
tradição é assumir uma postura crítica e decolonial, que possibilita novos fazeres
históricos, o da América Latina, por exemplo.
70SANTOS, Mayara Fernanda Silva dos Santos. O Deus encarnado: Giotto e a estigmatização
de São Francisco de Assis no trecento italiano. Dissertação apresenta ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Mestrado em
História), 2017.
277
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
ARTIGO LIVRE
278
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Resumo: O Libro de las confesiones, escrito Abstract: The Libro de las confesiones,
por Martín Pérez, sobre o qual pouco written by Martín Pérez, about whom we
sabemos, tinha como objetivo instruir os know little, had the objective of instructing
clérigos que possuíam cura de almas sobre the clerics who had the healing of souls on
os cânones da Igreja e os aspectos do the Church's canons and aspects of
cotidiano cristão. Em meio as lições, Pérez Christian daily life. In the middle of the
elucida que era fundamental para o rito lessons, Pérez clarifies that it was essential
sacramental da confissão que os penitentes for the sacramental rite of confession that
soubessem fazer um minucioso exame de penitents know how to carry out a
consciência e, nesse exame, identificassem thorough examination of their conscience
os pecados e desvios que acarretassem and, in that examination, identify the sins
danos físicos e a saúde. Ao confessor, and deviations that caused physical harm
portanto, cabia identificar as faltas e and health. It was up to the confessor,
direcionar recomendações para a salvação therefore, to identify the faults and direct
da alma e reparação dos pecados. Tendo em recommendations for the salvation of the
vista que os próprios clérigos eram alvos e soul and reparation for sins. Considering
agentes de violências e doenças entre os that the clerics themselves were targets
séculos XIV e XV, pretende-se observar and agents of violence and diseases
como esses homens lidaram com as between the 14th and 15th centuries, it is
mazelas corporais suas e de seus fiéis. intended to observe how these men dealt
Focaremos, assim, nas descrições feitas no with their bodily ailments and those of
tratado de confissão de Martín Pérez sobre their faithful. Thus, we will focus on the
doenças e ferimentos que afligiam e descriptions made in Martín Pérez's treaty
preocupavam os prelados ibéricos. of confession about illnesses and injuries
Palavras-chave: Tratado de confissão; that afflicted and worried the Iberian
Martín Pérez; clero. prelates.
Keywords:. Confession Treaty; Martín
Pérez; clergy
279
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
mosteiro de Alcobaça, que “quem a estas coisas prestar atenção, mais quererá sofrer
as enfermidades e as tribulações toda a sua vida que por gosto e prazer deste mundo
buscar a morte da alma”.*1 Assim, ao ensinar ao confessor a identificar os perigos e
os efeitos do pecado da soberba, explica que era comum que muitos homens,
estando adoentados e enfermos, pecassem por procurar saídas enganosas para suas
mazelas. Considerava as doenças como uma “prova de fé” aplicada sobre os fiéis, os
quais deveriam manter a lealdade e o amor a Deus mostrando que o amavam “mais
que todas as coisas deste mundo, ainda mais que a sua própria saúde”. Àqueles que
perdurassem, Deus garantiria a saúde da alma, enquanto aos que “não queriam
sofrer por Jesus Cristo enfermidades nem tribulações” restaria a sorte e o pecado
junto a encantadores, adivinhos e outros adversários de Deus.2
Recorrendo às lições de S. Tomás de Aquino para explicar aos clérigos como
diferenciar aqueles que curavam de maneira virtuosa dos que enganavam e levavam
ao pecado, Pérez lembrava que, mesmo que os santos ensinassem que não se deveria
buscar a saúde do corpo em detrimento da alma, mostravam que os físicos e
sangradores, que curavam nas “horas certas e em tempos certos” dando mezinhas,
se “o fazi[am] segundo sua ciência natural”, poderiam ser procurados, pois:
“[N]estas coisas podem-se constatar razão natural segundo Deus ordenou, e não é
pecado curar nos tempos e nas horas que Deus ordenou, se curas para [...] usar das
virtudes e das coisas que Deus pôs nas criaturas de muitas maneiras segundo a
divisão dos tempos e das horas.”3 Caso os homens não respeitassem os limites da
razão natural e procurassem formas escusas de cura para suas enfermidades, os
confessores poderiam impor sobre eles a excomunhão maior ou menor,
dependendo da gravidade do desvio.
Dessa forma, Martín Pérez e outros tratadistas da península ibérica, cuja
obras foram dadas a conhecer entre os séculos XIV e XV e constituem densos
280
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
4 LE GOFF, Jacques; TRUONG, Nicolas. Uma história do corpo na Idade Média. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileiro, 2006.
5 RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação. As minorias na Idade Média. Rio de Janeiro: Jorge
281
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
cura, como a parte humana a ser tentada pelo demônio e que pecava, meio pelo qual
as emoções, sentimentos e dons eram expressos e os sentidos eram colocados a
prova. Tal entendimento sobre o corpo e sobre a natureza que o rodeia foram
estimulados entre os séculos XII e XIV, quando marca-se a retomada dos saberes
aristotélicos e confere-se maior relevância aos escritos de São Tomás de Aquino.
Nesses séculos, corpo e espírito passam são entendidos como uma totalidade que
demanda cuidado e equilíbrio: a ideia de uma “alma encarnada em um corpo
animado”.7
Para além da visão tomista sobre o corpo humano e sua relação com a
natureza, partindo dos teólogos e pregadores franceses e italianos, torna-se
corrente a aproximação do corpo do homem com o “corpo divino” de Jesus. Entre
outros, destaca-se nessa matéria São Francisco de Assis, que apregoava a quem o
seguia que a reflexão diária sobre suas experiencias, sensações e interpretações
ocorridas no dia a dia, os aproximaria de Cristo e os fariam entender que Deus se
fazia presente na natureza. Através do corpo e da carne os homens experimentariam
a Deus e se sentiriam participantes da criação. Deveriam refletir sobre tais
experiencias também para que se entendessem como iguais em dor e sofrimento
com os outros homens. Aqueles que sofrem ou são acometidos por doenças e dores
corporais experenciavam parte das dores e do sofrimento de Cristo crucificado.
Assim, teólogos, pensadores e religiosos defenderam, desde o século XII, no ocidente
cristão, que a carne e o corpo deveriam ser balizas para determinar o que era certo
e limitar os impulsos pecaminosos. Ser um agente de dor e sofrimento, fosse por
meio agressões físicas ou injurias, fazia com os homens se tornassem injustos da
mesma forma aqueles que sofriam e sentiam dor eram aproximados do divino pelo
caráter da “Imitação de Cristo”.8
As reflexões sobre o corpo levantadas pelos tratadistas e canonistas
ocasionaram o fortalecimento da imagem eucarística de Cristo: através do rito
eucarístico o pão entregue aos fiéis seria o corpo físico de Jesus, que teria sido
282
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
“Instrumento do pecado” ou “inimigo que era preciso dominar”, o corpo para o santo era
considerado um irmão e as doenças como irmãs. Recomendava a seus correligionários que,
no caso de serem atingidos por alguma enfermidade ou outra doença qualquer, que
encomendassem a cura ao médio maior que era Cristo. Porém, recorda que os físicos e
médicos terrenos, caso fossem consultados, não deveriam desprezar a medicina divina. Para
a ordem, o corpo deveria ser antes de tudo uma ferramenta para o espírito, afastando a ideia
de que o único caminho virtuoso seria o “sofrimento e a paciência”. Distinguindo, assim, os
médicos de corpo e os de alma. Pode-se ver em: LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio
283
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
ao qual todos deveriam recorrer, porém não era o único. Ainda que por intermédio
ou sob a permissão dos confessores, os médicos do corpo, a medida em que vão se
tornando uma corporação de ofício, foram se distinguindo dos médicos de alma.
Dessa maneira, os reinos ibéricos dos séculos XIV e XV foram palco para os
físicos de boa ciência, para o corpo de Cristo e do humano alçarem novos lugares e
funções e para a separação entre os que curavam o corpo e alma. Entretanto, ainda
que os físicos e mestres tenham sido expoentes fundamentais na determinação de
curas e mezinhas, as descrições sobre os cuidados com o corpo, as recomendações à
saúde e as reflexões sobre as doenças se encontravam em grande número sob os
auspícios dos clérigos, seculares e regulares. Entre outras recomendações, o saber e
ofício desses homens deveria passar pelos trabalhos de caridade e serviços para a
comunidade de fiéis, norteados pelos cânones da Igreja e pelas sete obras de
misericórdia. Em sermões, hagiografias, crônicas e tratados os pensadores da Igreja
passaram a narrar os trabalhos voluntários como uma forma de praticar a caridade
e atentar à cura, se não do corpo, ao menos da alma dos doentes. Os clérigos, em sua
maioria monges, mas também os seculares que assistiam as paróquias e dioceses,
prestavam suporte nos conventos, monastérios e leprosários aos homens que
sofriam de peste ou lepra. Afirmavam que atender os leprosos e achacados era
reconhecer o sofrimento do próprio Cristo nos outros, afirmando o lugar que a
narrativa sobre o corpo assumia desde os séculos XII. Os enfermos eram, portanto,
descritos como “mártires” que sofriam e adoeciam à imagem de Cristo.13
Os debates acerca do corpo e os saberes sobre a saúde da alma passados aos
homens, respondiam à mudança na forma do homem falar de si e se compreender
por meio do rito da confissão.14 Foi primeiro nessa prática onde se instituiu a
necessidade do fiel em examinar por si só sua consciência e falar voluntariamente
Middle Ages. in: SCOTT, Anne M (ed.). Experiences of Charity, 1250-1650. London; Nova
York: Routledge, 2016. p. 43-62.
14 SILVA, Michelle Tatiane Souza e. O regimento do corpo em Portugal no século XV. 2014.
284
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
15COHEN-HANEGBI, Naama. Caring for the Living Soul: Emotions, Medicine and Penance in
the Late Medieval Mediterranean. Leiden: Brill, 2017.
16MACEDO, José Rivair. Os manuais de confissão luso-castelhanos dos séculos XIII-XV.
285
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
17 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p. 628.
18 A pena de excomunhão maior é a que afetava mais a vida social do penitente. Esta privava
286
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
(as clementinas), Martin Pérez reafirma a dita pena aos homens irados:
19 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p. 17-18
20 PRODI, Paolo. Uma história da justiça. Do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre
consciência e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005; MACEDO, José Rivair. “Os Códice
Alcobacenses do Libro de las confesiones de Martín Pérez (Ms. Alc. 377-378: Elementos para
o seu estudo”. In: Instituições, Cultura e Poder na Idade Média Ibérica. Atas da VI Semana de
Estudos Medievais/ I Encontro Luso-Brasileiro de História Medieval. Brasília: UNB, 1006, p.
115
287
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
21 PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre
consciência e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
22 IBÁÑEZ, Jorge Díaz. Escándalos, ruydos, injurias e cochilladas: prácticas de violencia en el
clero catedralicio burgalés durante el siglo XV. Anuario de Estudios Medievales, v. 43, n. 2,
p. 543-576, 2013. p. 547
23 Ibidem p. 547-548
24 CASAGRANDE, Carla; VECCHIO, Silvana. Histoire des péchés capitaux au Moyen Âge.
288
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
25 COHEN-HANEGBI, Naama. Caring for the Living Soul: Emotions, Medicine and Penance in
the Late Medieval Mediterranean. Leiden: Brill, 2017. p.134
26 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
289
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
27 Ibidem
290
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
pecado, era reservado ao bispo absolver, por exemplo, os casos em que um “porteiro
de algum senhor, usando seu ofício feriu a algum clérigo ou religioso ou religiosa”. 28
O tratadista deixa claro que para ser encaminhado ao bispo, não deveria ser
verificado na consciência e motivação do porteiro sanha ou ira que o despertassem
vontades de agredir propositalmente. Da mesma maneira, o tratadista outorgava
que o bispo poderia absolver as mulheres que agredissem um clérigo; os monges e
demais religiosos, enviando-os ao abade, se ferissem outros religiosos, ou a bispo
caso ferissem um clérigo secular. Se o feito fosse tão “destemperado que [se
tornasse] um escândalo grande”, também os servos que buscavam não mais servir o
senhor, se levantassem mãos contra um clérigo, deveriam ser direcionados ao bispo
para que a excomunhão fosse retirada, caso contrário, causando um enorme
ferimento e a agressão fosse pública e se tornasse notória “convinha enviar o servo
à Corte”.29 Para além desses, Pérez prescrevia ao confessor alguns casos especiais,
em que o bispo poderia absolver e após um determinado tempo, o penitente deveria
ir até a Corte para receber das mãos daquele que estaria fazendo as vezes do papa a
penitência a ser cumprida, como:
28 Ibidem p. 19
29 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p. 21
30 Ibidem
291
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
sentença excomunhão”.31
A última exceção aos bispos dizia respeitos à gravidade do ferimento e da
ofensa. O confessor ao ouvir os pecados de leigos ou de seus correligionários,
deveriam atentar para o tipo de agressão e de que forma as pessoas eclesiásticas
foram expostas a outros leigos e em que medida os pecadores ofenderam a
honestidade desses homens. De acordo com Martín Pérez, o quinto caso em que o
bispo poderia absolver um homem irado era “se a injuria feita ao clérigo era ligeira
e não grave”. Afirmava que, ainda que os doutores e letrados discordassem ou
colocassem dúvidas quanto a essas mediadas, os confessores deveriam aprender
quais feridas eram menos graves e, enviando o penitente ao bispo, este saberia como
confessá-lo. Primeiramente o cura de almas deveria observar a “qualidade da pessoa
feria, se é dignidade, assim como prelado ou não, ou assim como o clérigo simples”.
Também analisar a idade e a condição, “se é velho ou moço”; o lugar onde a injúria
aconteceu “se foi na praça ou escondido”; em que momento se deu a agressão “se
enquanto dizia a missa ou se enquanto ministrava o altar”; qual membro foi ferido,
“se na cara ou em lugar descoberto”; quantas feridas foram causadas; e se eram
“grandes ou pequenas”. O quadro do diagnóstico que o confessor realizava das
feridas e das agressões expunha as gravidades morais e o tipo ofensa que a que os
clérigos estavam expostos. Diferentemente dos físicos, que deveriam curar os
achaques corporais, os confessores quando diante dos mesmos achaques, tinham a
função de restituir a honestidade, honra e assegurar que os ministros de Deus
cumprissem seu dever sagrado sem que colocar seu corpo em risco desnecessário. 32
Desse modo, o tratadista castelhano, cuja obra circulou nos reinos da
península Ibérica entre os séculos XIV e XV, buscou explanar aos clérigos
confessores sobre as possibilidades de serem feridos pelo pecado da ira, por motivos
educacionais e outros diversos casos. Ensinando a esses homens como deveriam
punir ou aconselhar quem os agredissem, fossem leigos ou outros clérigos, Pérez
31Ibidem
32PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p. 20-21
292
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
ensinou também como continuarem com seus ofícios e manterem seus corpos
saudáveis e seguros de ferimentos. Entretanto, o tratadista se preocupou também
em descrever algumas mazelas e achaques, contraídos por doenças ou pelo pecado
da gula, também faziam parte do cotidiano sacerdotal e esses homens deveriam
saber lidar caso se deparassem com esses casos.
33Clemente Sánchez não diz propriamente a que “Guillermo” se referia, porém, tanto pelas
menções em outros documentos como pela importância reconhecida do cardeal e bispo de
Sabina, acreditamos que se trata de Guillermo de Godín que, no século XIV, buscara regular
diversas práticas do ofício sacerdotal, bem como as condutas dos clérigos. Ver: SANCHEZ,
Clemente. Sacramental. Sevilha: Biblioteca Nacional de España, 1475. p.105v
293
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Clemente Sánchez ainda mostra o controle que esses homens deveriam ter
por motivo das Horas e dos ofícios. A Noa, oração no meio da tarde, era considerada
o momento em que aqueles clérigos que estivessem em jejum poderiam comer.
Fosse durante a Noa ou “um pouco antes”, os prelados apontavam que não haveria
pecado se comessem para essa celebração. Porém, salvo por grande necessidade, os
homens de Igreja não deveriam ser afoitos a ponto de extrapolarem os limites das
horas e se alimentarem muito antes do permitido.
Ainda assim, Martín Pérez pontificava aos seus leitores que não bastava que
não comessem muito ou apressadamente ou que mantivessem jejum e abstinência
nos dias santos e durante os votos e antes de celebrarem as Horas. 37 As pessoas
eclesiásticas, apregoa Pérez, não deveriam “comer, outrossim, na taverna, nem
beber nem entrar nela, salvo se fosse de passagem”. Com tal indicação, restringia
igualmente os lugares onde esses homens obteriam esses suprimentos, pois, caso
fossem comprar vinho, por exemplo, não deveriam “lá estar para que não
escutassem vaidades nem as dissessem”.38 Tais lições deveriam guardar a imagem
34 Ibidem
35 Ibidem
36 Ibidem
37 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
294
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
dos clérigos como homens que viviam apartados dos exageros e das doenças. Caso
desrespeitassem essas regras, o confessor deveria demandar se o penitente
[...] fez vomito logo que tomou o Corpo de Deus. E diz o direito que
se queime tudo e se enterre a cinza próximo do altar. E se tal vomito
fosse feito por muito comer ou por muito beber, se for leigo jejue
quarenta dias, se for clérigo ou religioso jejue setenta dias, se for
bispo, noventa dias. E se este vomito acontecer a cada uma destas
pessoas por enfermidade, faça penitência por sete dias. E pois o
direito não determina como se jejuar estes dias, dizem os doutores
e os letrados, alguns deles que cumprem que se jejue como na
quaresma, como quer que estas penitências aqui sejam taxadas,
mas assim deve fazer o confessor em como diz ao cabo das partes
desse livro, e na terceira parte deste livro, outrossim no sacramento
da penitência.39
39 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p.361
40 SANCHEZ, Clemente. Sacramental. Sevilha: Biblioteca Nacional de España, 1475. p.105 f.1-
295
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
esses homens, nos séculos XIV e XV, não deveriam viver entre tavernas, banquetes e
caças. Mantendo uma imagem comedida em suas refeições, sob os olhares dos
superiores, os clérigos foram conduzidos a ser e fazerem-se em larga medida
exemplos de temperança e controle. Ao comer e beber, esses homens deveriam
transparecer que eram homens voltados primeiramente ao cuidado da alma,
distanciando-se da gula, cobiça e luxúria, ao mesmo tempo em que mantinham
saudáveis e úteis seus corpos.41 O beber e o comer, desse modo, eram esferas que
dependiam de uma virtude garantidora da saúde da alma e do corpo: a temperança.
O mesmo cuidado que esses clérigos deveriam manter consigo era esperado que
tivessem também com a comunidade, que os seguia e os tomava como autoridade e
exemplo. Esses homens deveriam, portanto, se fazer presentes por meio de boas
obras e do cumprimento correto dos seus compromissos sacerdotais, como rezar as
Horas e estar presentes em celebrações festivas.
Além das indisposições que afetavam os clérigos durante seus ritos
cotidianos, entre esses homens também se encontravam os mutilados, corcundas,
leprosos, endemoniados e, que atualizando e modernizando a nomenclatura da
doença, epiléticos. Para esses, Martín Pérez separa linhas em seu tratado, ensinado
em que momentos os doentes e os clérigos com alguma má formação poderiam
celebrar ou serem afastados do ofício sacerdotal. Recorrendo aos antigos tratadistas
e aos doutores em direito, Pérez lembra que se os clérigos leprosos forem tão “fracos
e [tão] feios na cara” não deveriam celebrar missa ou ofício algum aos fiéis.
Entretanto, se não fossem “de grande feiura na cara e nos outros membros são sãos,
assim como é dito”, as pessoas eclesiásticas continuariam a ser dignos das ordens e
do ofício. Da mesma maneira, os eclesiásticos corcundas ou que possuem “grudados
os dedos das mãos, ou pés tortos, ou seis dedos nos pés ou nas mãos”, se não
mostrassem grande feiura e seus achaques e não causassem danos às celebrações e
ritos não necessitariam ser afastados do sacerdócio. 42
41 Sobre a utilidade dos corpos, ver: POIRIER, Jean (Dir.). História dos costumes: as técnicas
do corpo. Trad. Manuel Ruas. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 120-262
42 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
296
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
43 Ibidem
44 POIRIER, Jean (Dir.). História dos costumes: as técnicas do corpo. Lisboa: Editorial Estampa,
1998.
297
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
que outros homens, e por menor membro Pérez se referia àqueles que tinham
“perdido o membro de todo, assim como os que talhavam as mãos, ou mantivessem
o membro, mas perdeu a virtude e a força dele, assim como os que tem a mão seca”.45
Estes homens que perdiam a vitalidade de seus membros e deixavam de contar suas
virtudes, e inclui-se também os que “possuem olhos, mas perderam a luz de ambos
ou de um, ou tem nuvem nos olhos”, deveriam ser embargados de seus ofícios e
proibidos de professarem os votos se ainda não tivessem sido ordenados. Também
aqueles clérigos que no intuito de reforçar a castidade “corta sua natureza”, pois a
castidade deveria ser de alma e não somente de corpo; ou, sem paciência e com
rancor pela enfermidade que Deus colocou, amputa a parte do corpo doente.46
Contudo, tanto os doutores em direito quanto Pérez, abriam exceção àqueles
que, mesmo com essas doenças, não precisavam de ajuda para andar e estar no altar
e que tivesse do papa dispensa especial. Entre as condições especiais estavam os
casos em que o membro que o clérigo perdera sem culpa, “assim como se o cortaram
por força, sem ele merecer, ou por motivo de fazer uma obra conveniente”. estes não
perderiam os benefícios, mas o cabido eclesiástico, a paróquia ou a diocese
disponibilizariam para esse ministro um ajudador que o acompanhe nas missas e
em outros ofícios, garantindo que os realizassem sem escândalo. Da mesma maneira,
não seriam afastados ou impedidos aqueles outros que amputaram um membro com
razão
45 PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p.246
46 Ibidem p. 247
47 Ibidem
298
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
Considerações finais
O autoexame, ensinado em língua vernacular no tratado de confissão de
Martín Pérez, circulou como o saber entre os tratados de confissão e a atividade dos
físicos nos reinos ibéricos nos séculos XIV e XV. Ambas práticas compartilharam de
mecanismos similares para desenvolver regimes disciplinares nos quais pacientes e
penitentes sentiam a necessidade de conhecer suas limitações.48 Os manuais de
confissão, mais especificamente, propunham aos clérigos que refletissem e
aprendessem quais eram os ferimentos e as doenças que poderiam lhe acometer,
demonstravam a esses homens de que modo recorrer ao bispo e ao papa para
protegerem e garantirem seus benefícios e honestidades e, por fim, se os danos
fossem irrecuperáveis, o que lhes restaria. A partir das lições de Martín Pérez, os
clérigos portugueses e castelhanos, que possuíam a cura de almas, deveriam
aprender a enxergar os efeitos físicos de seu ofício e conviver com seus defeitos e
doenças permanentes, ponderando entre o dano, os motivos dos achaques, se a
condição de saúde seria escandalosa e, por fim, se esses homens poderiam continuar
servindo a Igreja e aos reinos como ministros de Deus.
Por fim, os eclesiásticos confessores desde os séculos XII, com a ascensão dos
saberes e interpretações sobre o corpo, para além do ofício primaz de curadores da
alma e guias de consciências, atuavam entre o físico, que possuía vasto
48COHEN-HANEGBI, Naama. Caring for the Living Soul: Emotions, Medicine and Penance in
the Late Medieval Mediterranean. Leiden: Brill, 2017. p.125
299
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
49PÉREZ, Martín. Libro de las Confesiones. Una radiografía de la sociedad Medieval Española.
Edição e notas de GARCI Y GARCIA Antonio; ALONSO RODRÍGUEZ Bernardo; CANTELAR
RODRÍGUEZ Francisco. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 2002. p.238
300
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
ENTREVISTA
301
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
GQ: Desde a década de 1990, o senhor publica várias obras sobre Pós-colonialismo,
Pós-modernismo, Feminismo e Teoria Literária. A partir de 2016, porém, apareceram
uma série de trabalhos seus sobre a Idade Média,1 a começar com o livro “O mito do
1Antes disso, o prof. Bonnici havia publicado, por exemplo, um texto sobre Malta medieval
nos Anais de um congresso: BONNICI, Thomas. Colonização e descolonização linguística
durante a dominação árabe: O caso da ilha de Malta (870-1249). In: Anais da IV Jornada de
302
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
TB: Nasci em Malta, uma ilha pequena no Mar Mediterrâneo que tem uma história
contínua desde o Neolítico (com templos que antedatam por mil anos as pirâmides
do Egito), passando por Fenícios, Cartagineses, Romanos, Bizantinos, Árabes,
Suábios, Angevinos, Cavaleiros Hospitalários de São João Batista de Jerusalém,
Franceses e Britânicos, até a sua independência política em 1964. Durante toda a
minha infância morei numa aldeia medieval, com casas tipicamente norte-africanas
e ruas tortas e estreitas, um raḥl muçulmano do século 11 EC, chamado Haz-Zebbug
(Aldeia das Oliveiras Selvagens). Minha avó nasceu em Palermo, em 1871, numa
família com profundas raízes sicilianas, como costumes e idioma. Ao redor da aldeia
onde nasci, e em todo arquipélago de Malta, encontram-se aldeias circundadas por
lotes de terras cercadas com muros de pedras, trabalhadas há séculos por
agricultores com feições magrebinas, falando um dialeto chamado sículo-árabe,
atualmente o idioma maltês, que eu mesmo falo. Além disso, meu pai, com infinita
curiosidade sobre a história da ilha, frequentemente levava seus filhos a visitar
ruínas neolíticas, hipogeus, igrejas e cemitérios medievais (especialmente com os
restos mortais de vítimas de antigas pandemias) para saborear a atmosfera da
identidade nacional. As escolas que frequentei sempre deram ênfase ao idioma e à
história local, de modo que praticamente todos os alunos sentiam a força da herança
histórica. O grande medievalista maltês, Godfrey Wettinger (1929-2015), meu
professor de história no ginásio, me instilou um profundo respeito à história
medieval e me ensinou sólidos princípios históricos. Além disso, apesar da grande
concorrência britânica referente ao idioma inglês, a maioria dos professores do
idioma maltês no colégio e na universidade insistia sobre a filologia e gramática
Estudos Antigos e Medievais: Transformação Social e Educação. Maringá: UEM, 2005, p. 175-
184.
2 BONNICI, Thomas. O mito do Cristianismo ininterrupto no arquipélago de Malta. Maringá:
Eduem, 2016.
303
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
304
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
305
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
longo tempo (e para muitos historiadores ainda é), apenas um parêntese ou uma
interrupção entre a civilização romano-bizantina e o Renascimento. A
Medievalística brasileira e europeia do final do século 20 e do início do século 21
está tentando corrigir esse preconceito e investigar mais esse período e essas
populações “periféricas” na construção do mundo “ocidental” atual.
GQ: Em “Where Three Worlds Met: Sicily in the Early Medieval Mediterranean” (2017),
a medievalista americana Sarah Davis-Secord propôs uma reconsideração da
periodização da história da Sicília, que tradicionalmente foi separada em períodos
bizantino, muçulmano e normando para análise. Como o senhor observa essa
renovada interpretação segundo a qual a conquista política da ilha foi um ponto de
união (e não de divisão) entre cristãos e muçulmanos?5
TB: Antes de mais nada gostaria de fazer um caveat referente a certos termos que
frequentemente são usados para analisar a situação da Sicília, Malta e Itália
meridional nessa época focada. Termos como multiculturalismo, tolerância, direitos
das minorias, direitos dos cidadãos, alteridade, o outro, outremização,
convivialidade e outros que começaram a ser empregados timidamente a partir do
século 16 EC, culminando em definições mais precisas somente no século 20,
conotam apenas uma intimação de sentido e uma aproximação e relativização
significante.
Somente recentemente a separação feita entre os períodos bizantino,
muçulmano e normando foi consolidada. Não se pode dizer que, em algum momento,
o período islâmico (entre 827 e 1300 EC, e suas subdivisões) fosse negado ou
eliminado da historiografia italiana. Também, não se pode afirmar que foi destacado,
pesquisado e inserido como algo relevante à cultura italiana, siciliana ou maltesa. A
partir do século 16, os grandes nomes da historiografia italiana consideravam o
período islâmico como uma interrupção indevida ao continuum histórico, ou seja,
5 DAVIS-SECORD, Sarah. Where three worlds met: Sicily in the early medieval Mediterranean.
Ithaca / London: Cornell University, 2017. Essa questão foi formulada com base nas
palavras da própria autora: https://history.unm.edu/people/faculty/profile/sarah-davis-
secord.html
306
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
6 PACE, Biagio. Arte e civiltà della Sicilia antica: barbari e bizantini. Milano: Società Editrice
Dante Alighieri, 1949.
7 MALLETTE, Karla. European Modernity and the Arab Mediterranean. Philadelphia:
separados. AMARI, Michele. Biblioteca arabo-sicula. Torino: Ermanno Loescher, 1881, vols.
I e II. Veja também AMARI, Michele. Storia dei musulmani in Sicilia. Firenze: Le Monnier,
1854.
307
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
308
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
10 In: COLLURA, Paolo. Le più antiche carte dell’archivio capitolare di Agrigento, 1092-1282.
Palermo: Manfredi, 1961.
11 JOHNS, Jeremy. Arabic Administration in Norman Sicily. Cambridge: Cambridge University
Press, 2002.
309
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
uma atitude de reservar uma parte da ilha para a sua sobrevivência diante da
intolerância dos latinos e de sua recusa de conviver com os “intrusos” de mais de
250 anos. A situação bélica escalou quando Frederico II atingiu a maioridade. A
consequência da retirada forçada ou exílio dos sicilianos muçulmanos para Lucera,
na Apúlia, foi a derrocada do comércio, do trabalho agrícola e dos negócios. O idioma
sículo-árabe desapareceu, o artesanato em cerâmica e tecidos parou, os
trabalhadores rurais foram exilados.
A rigor, o ex pluribus unum (claro, um termo anacrônico) não aconteceu, ou
seja, os muçulmanos não foram reduzidos a itálicos. É verdade, alguns se
converteram e, no decurso das gerações, a identidade deles desapareceu; o idioma
árabe ficou, de modo especial, na topografia; em 1300, remanescentes foram
vendidos como escravos, se espalharam pela Calábria e pela Apúlia, com
consequências identitárias trágicas.12 “Siculi trilingues” desapareceu juntamente
com toda a fachada de convivência e tolerância.
GQ: Algumas de suas últimas publicações, como “Fontes textuais árabes da Sicília
muçulmana” (2019), trazem à luz importantes documentações traduzidas para o
português.13 Qual a relevância da tradução dessas fontes primárias, o que elas nos
contam e quais as dificuldades metodológicas encontradas?
12 TAYLOR, Julie Anne. Muslims in Medieval Italy: the colony of Lucera. Oxford: Oxford
University Press, 2003.
13 BONNICI, Thomas. Fontes textuais árabes da Sicília muçulmana. Maringá: Massoni, 2019.
Ver também BONNICI, Thomas. A descrição de balarm (Palermo, Sicília) em Kitab Ghara’ib
al-funun wa mulah al-‘uyun (c. 1020), de autor anônimo. Diálogos, v. 24, n. 1, p. 540-553,
2020; GODOFREDO MALATERRA. Os feitos do conde Rogério da Calábria e da Sicília e de seu
irmão duque Roberto Guiscardo. Tradução e notas de Thomas Bonnici. Maringá: Edições
Diálogos, 2020.
310
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
a contento. Ainda referente às regiões acima, com raras exceções, não há traduções
para o português de autores árabes, contemporâneos ou não aos eventos, versando
sobre a história, política, filosofia. Cronistas e geógrafos árabes importantes como
al-Athir, al-Ḥimyari, ibn Ḥawqal, al-Idrīsī, ibn Ğubayr, a Crônica de Cambridge (Tārīḫ
Ğazīrat Ṣiqilliyya) e outros jamais foram traduzidos para o português. Pouca gente
tem informação sobre um dos mais importantes manuscritos (Kitāb gharā‘ib al-
funūn), descoberto na primeira década do século 21 (atualmente na Bodleian
Library, Oxford), que versa sobre o universo do ponto de vista islâmico, com texto e
vários mapas terrestres e celestes. As traduções desses textos, limitadas ao Mar
Mediterrâneo, à Sicília e à Itália meridional, poderiam fornecer importantes
informações geográficas, históricas, sociais e políticas como também (por exemplo)
a evolução de cidades (especialmente Palermo) do Emirado da Sicília.
Referente ao período normando, reparei que tampouco o historiador
brasileiro podia ter o luxo de contar com uma tradução sobre a ocupação normanda
da Itália meridional, da Sicília e das ilhas circundantes. Do que eu saiba, não há
tradução para o português (nem para o espanhol) dos textos, quase coevos, de
Amatus de Montecassino (Historia normannorum/L’Ystoire de li Normant),
Godofredo Malaterra (De rebus gestis) e de Guilherme de Apúlia (Gesta Roberti
Wiscardi), escritos nas últimas duas décadas do século 11 EC e, portanto, antes da
Primeira Cruzada. Até há pouco, antes da reprodução eletrônica dos livros,
provavelmente os textos latinos dos últimos dois autores e o texto em francês
medieval (o texto original latino se perdeu) do monge de Montecassino não estavam
disponíveis, a não ser em bibliotecas muitas especializadas na Europa e nos Estados
Unidos. Decidi, portanto, disponibilizar esses três textos: Malaterra já foi publicado
em 2020; Amatus de Montecassino está no prelo e, provavelmente, em 2022
teremos a tradução em português de Gesta Roberti Wiscardi.
As dificuldades havidas se encontram mais nos textos originais. Os textos
árabes traduzidos por Amari em meados do século 19 carecem de edições críticas e,
portanto, necessitam de novas traduções e interpretações, especialmente após
décadas de escavações e novos achados filológicos. Esse trabalho foi feito
parcialmente por arabistas, historiadores e filólogos italianos e sicilianos na
311
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
312
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
313
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
2002, p. 103-118.
314
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
muçulmana (2019) são uma exceção porque foram escritos durante o regime
islâmico da Sicília (Ibn Hawqal, Al-Muqaddašī) ou quando a população muçulmana
na Sicília era ainda abundante (como al-Idrīsī e Ibn Ğubayr). Porém, a maioria dos
cronistas árabes escreveu após muitas décadas e até séculos sobre o tema, ou seja,
quando o Emirado da Sicília era já um período longínquo. Supõe-se que houvesse,
entre 827 e 1060 EC, documentos de posse de terras trabalhadas pelos ifriquianos e
berberes, registros dos tributos, especialmente na época kalbida/fatímida, crônicas,
poemas, mapas como aqueles que se encontram em Kitāb gharā’ib al-funūn. Nada
ainda foi encontrado nem na Sicília nem nas bibliotecas ou madrashas do Magrebe,
Marrocos, Mali. Os cronistas contemporâneos mencionam inúmeras mesquitas,
escolas, lojas, palácios, banhos públicos, jardins, fortalezas, e outros
estabelecimentos em Palermo, Agrigento, Trápani, Catânia, Castrogiovanni. Nada foi
encontrado. Com exceção da toponímia árabe e do idioma, em Malta islâmica, não
há nenhum indício de documentos escritos, mesquitas ou hammām que possa
testemunhar a presença islâmica. Alguns documentos escritos, como os que inseri
em Tópicos sobre a Sicília e Malta islâmicas (2020),18 são tão sucintos e carecem
tanta densidade que praticamente nada narram. Em outras palavras, os autores não
tiveram uma experiência direta e provavelmente copiaram um do outro.
Essa falta de documentação é devida à destruição dos próprios sicilianos
islâmicos diante da invasão inexorável normanda que estava acontecendo e à
característica devastação de tudo (damnatio memoriae) executada pelos
normandos. Acertou em cheio Mortillaro quando diz que a pesquisa, especialmente
a arqueologia, deve dissipar a escuridão que ficou em volta da época sarracena. De
fato, a solução que os historiadores sicilianos e, particularmente, franceses e
alemães, empregaram e ainda empregam é a arqueologia. O que o documento não
fala diante da ausência do mesmo ou de sua ambiguidade ou de falta de exatidão, as
escavações poderiam esclarecer. Às vezes, o resultado foi frutífero, às vezes estéril.
Por exemplo, sabe-se que al-Ḫāliṣa, a fortaleza e sede do poder fatímida, estava perto
do porto (la cala) de Palermo. O manuscrito islâmico recém-descoberto e adquirido
18BONNICI, Thomas. Tópicos sobre a Sicília e Malta islâmicas. Maringá: Edições Diálogos,
2020.
315
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
316
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
317
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
TB: Eu que agradeço pela oportunidade! Atualmente está no prelo a História dos
Normandos, de Amatus de Montecassino, uma edição bilíngue, com anotações e
comentários. É a segunda da trilogia (embora a primeira cronologicamente) sobre a
chegada e o estabelecimento dos normandos na Itália meridional e na Sicília no
século 11. Estou preparando uma edição, bilíngue também, de Gesta Roberti
Wiscardi, de Guilherme de Apúlia. Com essa obra traduzida para o português, o
historiador e acadêmico brasileiro terão em mãos as três fontes mais importantes
escritas por cronistas latinos, antes da Primeira Cruzada. Além de outros temas, a
obra de Guilherme de Apúlia focaliza a investida de Roberto Guiscardo contra o
Império Bizantino e, portanto, requer a leitura de Ioannes Skylitzes e de Ana
Komnene e outros autores medievais bizantinos para ter um conhecimento mais
aprofundado sobre a região que Roberto Guiscardo almejava, embora sem sucesso.
Gesta Roberti Wiscardi foi escrito em latim clássico e poético, o que torna a tradução
um pouco mais difícil, requerendo muitas circunlocuções linguísticas e
interpretações para entender melhor o texto. Provavelmente, o texto será publicado
em 2022. Gostaria de frisar que a tradução e a publicação dessas obras estavam na
minha mente há mais de vinte e cinco anos, colecionando documentos e anotações,
comprando livros sobre o assunto, visitando bibliotecas e sítios arqueológicos
sicilianos. Quer dizer, a publicação desses textos tem uma gestação longa, lenta, mas,
de repente, o conjunto de obras nasce.
Gostaria de retomar a pesquisa, mencionada nos livros sobre a Sicília e Malta
islâmica, que versa sobre o aspecto linguístico do sículo-árabe, outrora língua franca
na Sicília, e hoje falado em Malta. Diferente do árabe da Andaluzia, as investigações
sobre o sículo-árabe revelarão não somente o seu declínio na Sicília, mas a sua
318
Revista Signum, v. 22, n. 1, 2021.
319