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Por
Robert Kalley (1809-1888)
O pastor de origem escocesa Robert Reid Kalley foi o primeiro expositor bíblico
a condenar a escravidão no Brasil. Kalley desembarcou no Rio de Janeiro em 1855. Em
1858, ele fundou a Igreja Evangélica Fluminense. Assim que chegou ao Brasil, ele e sua
esposa Sarah Poulton Kalley abriram uma Escola Dominical em sua residência. Enquanto
Sarah dava aulas para as crianças, filhas do cônsul britânico, Kalley ensinava a uma classe
de homens negros.1
Robert Kalley era muito reservado em sua missão. Em 1859, ele chega a
aconselhar Ashbel Green Simonton, fundador da Igreja Presbiteriana no Brasil, a agir de
forma cautelosa. Mas, em 1865, Kalley realiza a primeira pregação evangélica contra a
escravidão no Brasil. A pregação e os atos disciplinares que a seguiram foram restritas à
sua congregação. Porém, Douglas Nassif Cardoso destaca a força simbólica daquele
discurso. Kalley havia feito uma exposição bíblica abolicionista: a Pastoral da Liberdade.
2. A pregação
Era legítimo um crente possuir escravos? Eis a questão que levou Kalley a
elaborar aquele sermão. Bernardino de Oliveira Rameiro, um crente escravista, levantara
a questão na assembleia geral da igreja em setembro de 1865. O assunto também
interessava a outros, dentre os quais: João Severo de Carvalho, proprietário, escravista e
membro da Igreja Fluminense.
1
Idem, Ibidem, p. 112, 113 e 122.
Em 3 de novembro de 1865, durante a assembleia mensal, Robert Kalley pregou
sobre este tema. Sua mensagem iniciava com as seguintes questões: “Como deve um
verdadeiro crente tratar os seus escravos? Qual a vontade de Jesus a este respeito?”2
Então, Kalley explica as motivações existentes para trabalhar: por amor, por salário e por
compulsão. O primeiro era o trabalho realizado pela mãe para com o filho, do filho para
auxiliar o pai ou do crente no serviço de Deus. Havia o trabalho realizado por um
empregado ao patrão, a partir de um contrato prévio, com pagamento de salário. Por fim,
existia o trabalho forçado, sem salário, realizado sob ameaça ou tortura, ou seja, o trabalho
escravo.
Outro termo está registrado em Lucas 15.17. Nesse texto, a palavra trabalhadores
ou jornaleiros é a tradução de místhios. Um trabalhador assalariado seria a melhor
definição desse termo que aparecia mais de trinta vezes no Novo Testamento também.
Após essa introdução, Kalley expõe dois princípios bíblicos sobre a relação entre
o senhor e seus escravos. A partir dos textos de Colossenses 4.1 e Efésios 6.9, ele discute
os conceitos de “justiça e equidade” e a atitude de “deixar as ameaças”. Esses princípios
só poderiam ser plenamente explicados, com o correto entendimento do direito de
propriedade a luz da Bíblia.
Kalley explica que nós temos propriedade sobre o nosso corpo. Ninguém poderia
alienar essa propriedade a outro. Além disso, os frutos obtidos com o trabalho desse corpo
pertenciam ao trabalhador. O ladrão era acusado por sua própria consciência. Mas o que
trabalha honestamente, pode desfrutar do produto de sua obra.
O escravo deve desfrutar do produto de suas mãos. É injusto negociar uma criatura
humana como se fosse uma máquina ou um “objeto qualquer”. Isso é um roubo violento
2
ROCHA, João Gomes da. Lembranças do Passado: vol. II, p. 79.
da liberdade pessoal. O senhor de escravos deve prestar contas a Deus pela prática de
ameaça e tortura contra o escravo. O escravo é o semelhante do senhor que deve amá-lo
como a si próprio.
Ao concluir sua exposição, Kalley afirma que o escravo não trabalha porque ama
seu senhor. Também não trabalhava por salário, óbvio. O escravo só trabalhava sob
ameaças de castigos desumanos, “da parte de um roubador da liberdade alheia”.3 O senhor
de escravos, portanto, era inimigo de Cristo. Era incompatível ser escravista e membro
da Igreja.
Ao analisar esse fato, José Barbosa defende que Kalley teve uma atitude muito discreta.
O trabalho de Kalley era essencialmente religioso e evitou entrar em conflito com as
autoridades brasileiras. “Ele deve seguramente ter limitado, em muito, a atividade em
defesa da abolição da escravidão, restringindo-se a atitudes pessoais, dentro dos
estreitos limites da sua igreja local”.6 Douglas Cardoso rebate a tese de José Barbosa
sobre a omissão protestante em relação ao escravo, acusando-a de generalista.7
3
ROCHA, João Gomes da. Lembranças do Passado: vol. 2. P. 82.
4
ROCHA, p. 85.
5
IDEM, Ibidem, p. 113.
6
BARBOSA, José Carlos, op. cit., p. 169.
7
CARDOSO, Douglas N.. Protestantismo & abolição no segundo império: a pastoral da liberdade. Revista
Caminhando, São Paulo, v. 14, n. 1, p. 106, 2009. Disponível em:
<https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/Caminhando/article/view/1068/1103>. Acesso
em: 02 ago. 2017.