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Os descaminhos do Patrimônio Cultural: Reflexões sobre roubos, furtos,


apropriações, piratarias e formas de combate a essas ações ilícitas

Chapter · January 2021


DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.02

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Anderson Lincoln Vital da Silva


(Organizador)

Estudos em Ciências Humanas e Sociais


Volume 4

1ª Edição

Belo Horizonte
Poisson 2
2021
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Editor Chefe: Dr. Darly Fernando Andrade

Conselho Editorial
Dr. Antônio Artur de Souza – Universidade Federal de Minas Gerais
Msc. Davilson Eduardo Andrade
Dra. Elizângela de Jesus Oliveira – Universidade Federal do Amazonas
Msc. Fabiane dos Santos
Dr. José Eduardo Ferreira Lopes – Universidade Federal de Uberlândia
Dr. Otaviano Francisco Neves – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Dr. Luiz Cláudio de Lima – Universidade FUMEC
Dr. Nelson Ferreira Filho – Faculdades Kennedy
Msc. Valdiney Alves de Oliveira – Universidade Federal de Uberlândia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


E82
Estudos em Ciências Humanas e Sociais – Volume 4/
Organização: Anderson Lincoln Vital da Silva – Belo
Horizonte – MG: Poisson,2021

Formato: PDF
ISBN: 978-65-5866-100-9
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9

Modo de acesso: World Wide Web


Inclui bibliografia

1.Ciências Sociais 2. Sociedade 3. Ciências


Humanas 4. Direito I. SILVA, Anderson Lincoln Vital
da II.Título

CDD-300
Sônia Márcia Soares de Moura – CRB 6/1896

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Sumário
Capítulo 1: Arte do Século XIX em Portugal: Columbano Bordalo Pinheiro e a obra “A
Luva Cinzenta” ......................................................................................................................................... 6
Sofia Vicente Vagarinho
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.01

Capítulo 2: Os descaminhos do Patrimônio Cultural: Reflexões sobre roubos, furtos,


apropriações, piratarias e formas de combate a essas ações ilícitas.................................. 17
Edison Hüttner, Reginâmio Bonifácio de Lima
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.02

Capítulo 3: Um breve estudo sobre a indumentária e a moda feminina oitocentista a


partir de ideias da intelectual Nísia Floresta ............................................................................... 26
Ronaldo Salvador Vasques, Laís Granado Bitencourt, Fabrício de Souza Fortunato, Marcia Regina Paiva de
Brito
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.03

Capítulo 4: Diversine, uma experiência estética fílmica para pensar a diversidade na


perspectiva do gênero .......................................................................................................................... 35
Hugo Bueno Badaró, Thaumaturgo Ferreira de Souza, Maria Lúcia Tinoco Pacheco
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.04

Capítulo 5: O fenômeno das Fake News na sociedade da informação e os reflexos nos


direitos fundamentais........................................................................................................................... 42
Eduardo Lemos Barbosa, Luiz Gonzaga Silva Adolfo
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.05

Capítulo 6: A extinção da punibilidade pelo pagamento como medida despenalizadora


no crime de descaminho ...................................................................................................................... 52
Edivanira Vidal Medeiros, Rui Machado Junior
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.06

4
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Sumário
Capítulo 7: Lei Maria da Penha, medidas protetivas e as diferenciações semânticas do
sistema jurídico ....................................................................................................................................... 59
Priscila Ramos de Moraes Rego Agnello
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.07

Capítulo 8: Racismo e Injuria Racial: Uma análise na perspectiva do judiciario brasileiro


....................................................................................................................................................................... 68
Guilherme Henrique Brito dos Santos, Ada Mônica Santos Brito
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.08

Capítulo 9: Reestruturação produtiva, mudanças técnico-ocupacionais no


agrohidronegócio canavieiro e os rebatimentos para as migrações do trabalho para o
capital na 10a Região Administrativa de Presidente Prudente (SP) ................................... 81
Fredi dos Santos Bento, Antonio Thomaz Junior
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.09

Capítulo 10: A ação territorial do PRONAF nos Assentamentos Rurais da Reforma


Agrária em Sapé-PB ............................................................................................................................... 93
Rômulo Luiz Silva Panta, Ivan Targino Moreira
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.10

Capítulo 11: O papel atribuído à educação na sociedade capitalista: Uma abordagem a


partir do contexto brasileiro .............................................................................................................. 105
Dionéia Edlyng Maciel, Cleonilda Sabaini Thomazini Dallago
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.11

Capítulo 12: Dimensões do trabalho precário no campo: Mobilidade e informalidade em


Campo do Brito, Sergipe ...................................................................................................................... 112
Vanessa Dias de Oliveira, Bruno Andrade Ribeiro
5
DOI: 10.36229/978-65-5866-100-9.CAP.12

Autores: ..................................................................................................................................................... 124


Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 1
Arte do Século XIX em Portugal: Columbano Bordalo
Pinheiro e a obra “A Luva Cinzenta”

Sofia Vicente Vagarinho

Resumo: O trabalho aqui apresentado dá a conhecer o resultado e análise de uma


pesquisa efetuada em vários repositórios científicos existentes sobre Columbano
Bordalo Pinheiro destacando a sua obra “A Luva cinzenta”.

Em concreto, esta obra destaca-se de outras não apenas por demonstrar o carinho para
com a sua irmã Maria, por estarem sempre próximos, mas também pela aceitação por
parte dos críticos e pelo reconhecimento de mérito pela Academia de Belas-Artes de
Lisboa. Foram consultados mais de quarenta documentos científicos.

O estudo descritivo permitiu concluir que Columbano deixou na história de Portugal


uma marca única e diversificada, não só em torno de diversos temas e dos seus
significados, mas também das correntes artísticas envolvidas ao longo da sua carreira.

Palavras-Chave: Columbano Bordalo Pinheiro; Luva cinzenta; Arte do século XIX;


Realismo; Naturalismo.

6
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
Columbano Bordalo Pinheiro, nascido em Cacilhas1, com uma formação dividida, principalmente, entre
Portugal e França, deixou uma obra vastíssima, multitemática, era criador de pintura do género e
paisagem ligado mais ao realismo do que o naturalismo e por vezes com aproximação ao simbolismo2
(Silveira, 2013, pp. 145-150).
Ao longo do seu percurso artístico, Columbano, foi influenciado por diferentes artistas em diversos
momentos e contextos. Para além do seu pai, Manuel Maria, que lhe exigia estudos sobre pintura de
género, flamenga, holandesa e espanhola3; o seu irmão Rafael Bordalo Pinheiro através do realismo e;
Tomás da Anunciação e Ângelo Lupi, da Academia de Belas-Artes de Lisboa, fizeram notar tal influência
nas obras de Columbano (Ferreira, 2012, p. 3). Noutras fases da sua vida, Rembrandt, Manet, Degas,
Courbet, Deschamps, Maneie, Fantin-Latour foram igualmente referências para obras notáveis, assim
como, Frans Hals. Todos tiveram uma influência marcante no estilo em Columbano, portanto, em suma,
impressionistas da escola Francesa, delicadeza da escola Inglesa e o escuro / negro das cenas holandesas
(Simas, 2000, p. 123).
As obras apresentadas, nos parágrafos seguintes, são apenas alguns exemplos respeitantes apenas ao
século XIX, foram realizadas por encomenda, influência ou iniciativa própria e estão organizadas por tema,
sendo que, dentro de cada tema estão ordenadas por ano.
Os primeiros trabalhos do artista, mostram uma influência paterna e, também, da academia de Belas-
artes4 de Lisboa, a qual frequentou, na medida em que, estavam quase todos ligados à pintura do género
(Ferreira, 2012, p. 2). Este tipo de pintura representava a vida cotidiana, ou seja, a rotina, como por
exemplo, as tarefas domésticas, homens dedicados ao seu trabalho, a natureza-morta5 ou outros temas
que representassem a realidade como ela é (geração realista) (Pontes, 2005, pp. 45-53) (Corrêa, 2010, pp.
3044-3045). São exemplos as obras José das Dornas (1874), O Químico (1874), Cena de Interior (1874), Um
judeu vendendo tâmaras e chinelas (1877), O último copo (1879), Dois Amigos (1879), Baptizado (1880), A
Visita do Avô (1880) e O neto (1880) (Elias, 2011, pp. 153-164).
A partir do momento entre 1876 e 1880, altura em que conhece Eça de Queiroz, Columbano opta por uma
comunicação ainda mais próxima do realismo, a qual representava uma crítica à sociedade burguesa, são
exemplos as obras como A Pitada (1876), Na Adega do Convento (1880), Encantadora Prima (1880),
Convite à Valsa (1880), O Serão/Sarau (1880) e A Chávena de Chá (1898) (Silveira, 2013, pp. 149-150).
Contudo, o Naturalismo introduzido por Silva Porto e por Marques de Oliveira, que representava a
realidade observada da paisagem, foi também adotada por Columbano (Elias, 2008, pp. 153-164), embora,
o pintor tivesse, até àquele momento, uma tendência para cores escuras e vocação para o intimismo6
demostrada nos seus quadros anteriores, algumas pinturas com traços menos escuros, posteriores a 1880
mostram uma adaptação e exploração da corrente naturalista, talvez, por influência da Galeria do
Visconde de Daupias onde se encontravam trabalhos de Realismo e Naturalismo ou por pessoas que foi
conhecendo ou ainda por observação de obras de outros que foi apreciando ao longo dos tempos (Silveira,
2013, pp. 145-150). São exemplo da representação naturalista as obras Duas Paisagens (1879), Paisagem
na Tapada da Ajuda (1879), Paisagem (1879) e A Refeição / Five o’ Clock Tea (1896).
Embora Columbano preferisse pintar “no seu atelier”, a pintura de ar livre está igualmente presente em
algumas das suas obras, como por exemplo, A Volta do Passeio (1880)7, Recanto do jardim das Tulherias
(1881), Camponesa de Fontainebleau (1881), A senhora do lorgnon (1884), Lorgnon (1896)8. A pintura de
paisagem e de costumes populares foi fortemente representada pelo pintor entre 1885 e 1886, aquando
da sua estadia nas Caldas da Rainha, mostrando casas e pessoas do campo, onde os costumes,
provavelmente sob influência do Grupo do Leão (criado em 1885) valorizava principalmente os aspetos
rurais, refletiram-se nos seus trabalhos, em especial No Pátio (1885), Paisagem (1885), Mulher do campo
costurando (1886), Torre das Caldas da Rainha (1886) e Um canto de jardim (1896) (Florindo, 2012, pp.
47-50) (Carvalho, 2018, p. 82).

1
Proximo da cidade de Lisboa (Portugal). 7
2 Evidenciado, principalmente, por pinturas religiosas.
3 Em particular de Velazquez mas tambem Zurbaran.
4 Aluno de Miguel Angelo Lupi e mais tarde foi professor (início do seculo XX) na mesma instituiçao.
5 Sao exemplo a fruta, legumes, flores, louças, porcelanas, instrumentos musicais, jarras de metal ou garrafas.
6 Significa que o artista preferia os espaços interiores, locais pouco iluminados e figuras de pessoas isoladas.
7 Tambem conhecida por A Dama da sombrinha azul.
8 Tambem conhecido por Senhora da Luneta.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Na vertente naturalista dedicada ao retrato e às figuras populares, Columbano apresenta obras como o
Retrato Rodrigues Vieira (1876), Na Floresta de Fontainebleau (1882)9, Silva Porto no seu ateliê (1883), O
Mendigo (1883), O Grupo do Leão (1885), e José Queirós (1885), Palitos e Rocas (1888), Azeiteiro (1888),
Cabeça de rapaz (1889), Soares dos Reis (1889), Leandro Braga (1893), Mulher a varrer (1895), Aldeão
junto a estábulo (1896) e Carlos Reis (1897) (Elias, 2011, pp. 400-468) (Museu Nacional de Arte
Contemporânea, s.d.).
O auto-retrato não foi esquecido por Columbano, o pintor apresenta-o nas obras No meu ateliê (1884),
Auto-retrato (1895) e, Auto-retrato e gatos (1898) (Simas, 2000, p. 127).
Os retratos de personalidades consideradas por Columbano como intelectuais, onde estão alguns críticos
de arte, também fizeram parte do seu portfólio, são exemplos Alexandre Herculano (1878), Ramalho
Ortigão (1880), Mariano Pina (1882), Bulhão Pato (1883), Joaquim Lopes (1883), José Maria Pessanha
(1885), Eça de Queirós (1887), Batalha Reis (1887), Antero de Quental (1889), Guerra Junqueiro (1889),
Eugénio de Castro (1893), Raul Brandão (1896), João Barreira (1896), Trindade Coelho (1898), Abel
Botelho (1897) e Eça de Queiroz (1899). Mas outros retratos de personalidades menos conhecidas foram
pintados como Bustos de senhora (1896), A Mulher que ri (1896) e A Locandeira (1897). Nas obras ligadas
a personalidades destacam-se também a ligação a Camões embora nelas não esteja presente apenas a sua
personalidade, são exemplos, Na Igreja das Chagas (1880), Os Últimos Momentos de Camões (1876) e D.
Quixote y Sancho Pança depois do jantar em casa do fidalgo (1878) (Elias, 2011, pp. 20-468).
A pintura ligada à música mereceu igualmente lugar nas pinturas de Columbano, provavelmente por amá-
la desde novo, é por esse motivo que surgem obras que retratam amigos e familiares dedicados a esta área
no seu quotidiano, são exemplos Uma Fífia (1884), O Ensaio do quarteto do Rigoleto (1877), Horas de
Estudo (1879), Concerto de Amadores (1882), Trecho Difícil (1885) e O Gaspar da Viola (1887) (Silveira,
2013, pp. 146-150).
O gosto pelo teatro, que era apreciado pela família Bordalo Pinheiro, permitiu a Columbano pintar
algumas referências ligadas a esta atividade como por exemplo Emília Adelaide (1884), Augusto Rosa
(1885), António Pedro (1886) e João Rosa (1890) (Elias, 2011, pp. 20-468).
As representações da família mais próxima foram outro tema ao qual Columbano se dedicou, evidenciadas
pelas obras Família do artista (1878), Retratos de Manuel Maria Bordalo Pinheiro (1878, 1879 e 1880),
Maria Augusta Bordalo Pinheiro (1881 – com titulo A luva cinzenta - e 1883), Henrique Lopes de Mendonça
(1883), Elvira Bordalo Pinheiro (1883 e 1884), Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro (1884 e 1892) (Silveira,
2013, p. 148) (Museu Nacional de Arte Contemporânea, s.d.).

2. METODOLOGIA
O trabalho aqui apresentado insere-se num estudo descritivo, elaborado com recurso à revisão da
bibliografia, a qual seguiu uma estratégia de seleção tendo em conta os seguintes critérios 1) a informação
é científica; 2) está presente em vários repositórios científicos, o que garante a diversidade, rigor do
trabalho e o máximo de qualidade; 3) os repositórios utilizados possuem impacto significativo na ciência
pela sua reputação, quer na publicação de artigos, quer na sua consulta para elaboração de novos
trabalhos científicos; 4) foram publicados preferencialmente após o ano de 2000, para que, fossem os mais
atuais possíveis.

3. CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
Ao longo do século XVIII, Portugal conseguiu alguma riqueza, na medida em que, aumentou a sua
produção de vinho e o número de parceiros comerciais, aliás, o vinho, era nesta altura o grande produto da
época (Silva & Cardoso, 1996, pp. 27-54) (Cardoso, 2004, pp. 161-180).
No entanto, durante a primeira metade do século XIX, Portugal fica marcado por instabilidade social,
cultural e económica, devido à conjuntura internacional em particular pelas invasões francesas,
crescimento da indústria britânica e à abertura internacional dos portos brasileiros. Politicamente, 8
ocorrem várias fases, isto é, o Vintismo, o Despotismo Miguelista, o Cartismo, o Setembrismo, o Cabralismo
e a Regeneração (Cunha, 2002, pp. 234-262) (Winter, 2017, pp. 77-99).

9 O quadro representa Artur Loureiro.


Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Estas etapas acontecem sobre um regime monarca e um sistema dominado pelo Liberalismo, embora no
período entre 1828 e 1832 o absolutismo estivesse presente. Portanto, é um período que corresponde à
implantação do liberalismo (Gonçalves, 2013, pp. 211-234).
Nesta época, o Estado garante a ordem liberal, isto é, possui uma ideologia que defende os direitos do
indivíduo promovendo a liberdade, igualdade, segurança e propriedade, ao mesmo tempo, considera que o
indivíduo é um cidadão que deve participar na governação, a qual pode acontecer como eleitor, detentor
de um cargo, escrevendo jornais ou assistindo a assembleias. Para além disso, o Estado, protege a livre
iniciativa económica e promove a burguesia, na medida em que considera que uma burguesia, possuidora
de bens materiais e de dinheiro, são critérios suficientes para possuírem uma capacidade política de
governação superior aos outros cidadãos, uma vez que, possuem independência económica e mais
capacidade de instrução, logo, as suas opiniões são bem fundamentadas (Cunha, 2002, p. 63).
O Liberalismo pretende um estado neutro e, por isso, recorre a ferramentas para limitar o poder. Um
dessas ferramentas são os textos constitucionais, isto é, desenvolveu cartas constitucionais e a
Constituição portuguesa de 1822, que substituiu o regime anterior assente na ordem jurídica, e com eles
legitimou o poder político (Fernandes, 2006, pp. 55-73). A ferramenta anterior, permitiu elaborar outra,
ou seja, a separação e equilíbrio de poderes políticos por diferentes órgãos de soberania para evitar a
totalidade de competências, contudo, não invalidou o reforço do poder executivo através da Carta
Constitucional de 1826 (Sardica, 2012, pp. 527-561). O Liberalismo assumiu-se também como um Estado
laico, portanto, separou-se da Igreja e como tal criou o registo civil (para os nascimentos, casamentos e
óbitos) e uma rede de ensino público (Ranquetat, 2008, pp. 6-10). Defendia a liberdade religiosa, de
pensamento, ensino e expressão, pelo que, proibiram a escravatura (através dos decretos de D. Maria II e
D. Luís I) e adotou, na cultura, o Romantismo como expressão que marca as artes (Santanna, 2009, pp.
250-253).
É então o tempo do Romantismo, baseado na emoção exacerbada e opondo-se ao equilíbrio artificial do
arcadismo, que faz nascer o herói romântico, que reclama facilmente, que se refugia e que está contra o
mundo por ele ser cruel e injusto. Para este movimento cultural, que se manifesta na pintura, literatura e
música, a liberdade é tudo, seja ela relacionada com os povos, criação, política, social ou económica, para
além disso luta contra o Absolutismo. Foram interpretes destes ideais e desta luta Alexandre Herculano e
Almeida Garrett através das suas obras de revolução literária (Guerreiro, 2015, pp. 67-73).
Mas o Romantismo nasce quando o Neoclassicismo era ainda uma tendência, ou seja, este movimento,
presente até ao início do século XIX, começou a ser praticado no norte de Portugal e posteriormente
estendeu-se até ao sul. Os seus ideais eram o iluminismo e um forte interesse pela cultura das artes
antigas, defendendo os princípios do equilíbrio, idealismo e moderação, adotando uma representação
clara, simples e pura, mas com um rigor formal e excelência na técnica, isto é, exatamente o oposto dos
excessos dramáticos e decorativos do Barroco (André Albuquerque, 2008, pp. 1-10). São referência desta
época os artistas José da Costa e Fabri10 (arquitetos), João José de Aguiar11 (Escultor), Vieira
Portuense12(Pintor) e Domingos Sequeira13 (Pintor) (Sobral, 2011, p. 43) (Mendonça, 2015, pp. 29-38).
Entre 1860 e 1865, os liberais travam várias lutas intelectuais, onde a mais conhecida é denominada por
"Questão Coimbrã". Nasce um movimento de renovação, em oposição aos excessos líricos do romantismo
e na esperança de conduzir Portugal à modernidade. Assim surge o Realismo, relacionado com a
capacidade de mostrar a realidade da maneira mais aceitável possível. São referência deste movimento
Antero de Quental14 (escritor), Pinheiro Chagas15 (escritor e político), Teófilo de Braga (escritor, poeta,
politico) e Feliciano de Castilho16 (escritor) (Pontes, 2005, pp. 45-53).

10
Arquitetos do Palacio da Ajuda.
11 Realizou trabalhos importantes como as estatuas do Palacio Real da Ajuda.
12 Vieira Portuense e o nome artístico sendo o seu nome Francisco Vieira. Destacam-se obras como Lamentaçao sobre Cristo Morto

(1800) e Dona Filipa de Vilhena armando os seus filhos cavaleiros (1801). 9


13 Destacam-se obras como Junot Protegendo a Cidade de Lisboa (1808); Alegoria as virtudes do Príncipe Regente D. Joao (1810);

Apoteose de Wellington (1811), o Retrato do Conde de Farrobo (1813), o Retrato dos filhos (1816), Retrato de Jose Clemente de
Mendonça e Mendes (1819), a serie sobre a vida de cristo (1827-1832).
14 Fundador da Sociedade do Raio, publicou entre outras obras, as Odes modernas (1865), Bom Senso e Bom Gosto (1865),

Primaveras Romanticas (1872), Sonetos Completos (1886).


15 As obras mais destacadas sao Poema da Mocidade (1865), Portugueses Ilustres (1869), Historia Alegre de Portugal (1880).
16 A obra com mais destaque e O Outono.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

O Naturalismo, seguiu os ideais do realismo, mas de forma mais exagerada e abrange os problemas da
realidade social e das suas personagens (Santana, 2015, pp. 158-171). Em Portugal, o movimento é
introduzido por Marques de Oliveira e Silva Porto (pintores), contudo, outros artistas devem ser
destacados como José Malhoa (Pintor), Henrique Pousão (Pintor), Columbano Bordalo Pinheiro (Pintor),
Rafael Bordalo Pinheiro (Ceramista - criador da figura Zé Povinho), Eça de Queiroz (Literatura), Domingos
Rebelo (Pintor), Soares dos Reis (Escultura), Aurélia Sousa (Pintora), Soares dos Reis (Escultura), António
Ramalho (Pintor), entre outros (Ferreira, 2012, pp. 6-7).
É ainda na segunda metade do século XIX, que engenheiros e arquitetos, se dedicaram fortemente a criar
um conjunto de soluções que permitiram responder às necessitas impostas pela industrialização, a
chamada arquitetura do ferro (Alves, 2015, pp. 3-4). Através dela, e com os estímulos políticos
adicionados por Fontes Pereira de Melo, assistiu-se a um acentuado desenvolvimento económico e,
consequentemente, a uma melhoria das condições de vida da população, gerado em parte, pela construção
das enormes infraestruturas, principalmente em Lisboa e no Porto (Matos, Ribeiro, & Bernardo, 2009, pp.
1-3).
É também neste século que se assiste a uma espécie de “Erasmus” na formação de artistas distribuídos por
diversas geografias, na medida em que assistimos a uma mobilidade acentuada de bolseiros portugueses a
frequentarem escolas francesas e estrangeiros a ensinar e aprender em Portugal, desta forma, existiu uma
troca de experiências, importação e exportação de conhecimento, o que resultou num enriquecimento das
obras realizadas (Baião, 2019, p. 208).

Figura 1: Correntes artísticas relevantes no século XIX em Portugal, (André Albuquerque, 2008, pp. 1-10)
(Guerreiro, 2015, pp. 67-73) (Ribeiro, 2015, pp. 48-53).

4. IDENTIFICAÇÃO DAS PRINCIPAIS OBRAS


10
A arte pode ser definida como uma atividade intrínseca à comunicação realizada por diversas linguagens,
que normalmente estão associadas a algum sentimento ou ideia e que são habitualmente representadas
através da arquitetura, escrita, escultura, desenho, pintura, música, livros, entre outras, ou ainda, pelas
suas combinações. Portanto, sendo a arte uma habilidade e a cultura ligada ao grau de instrução de uma
pessoa, alguns especialistas consideram que a arte é cultura, seja por quem a cria, analisa, coleciona ou a
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

visita. Ao longo dos tempos, a arte, passou por seis períodos, descritos como pré-história, antiguidade,
idade média, idade moderna, arte moderna e arte contemporânea (Koslowski, 2013, pp. 1-8) (Almeida,
2014, pp. 1-33) (Morokawa, 2018, pp. 93-110).
Em Portugal, o século XIX foi considerado um período rico e diversificado (Marnoto, 2010, pp. 13-18)
(Alves, 2015, pp. 376-402).
Alguns artistas pintores marcantes deste século foram António da Silva Porto, José Vital Malhoa, Henrique
César Pousão e Columbano Bordalo Pinheiro, os quais são frequentemente associados à corrente da
história da arte portuguesa do naturalismo (Valle, 2013, p. 117) (Costa, 2017, p. 14).
Silva Porto possuiu um papel central no naturalismo em Portugal, foi um grande inspirador para o Grupo
do Leão17 (Duarte, 2013, p. 115). Aluno da Academia de Belas Artes do Porto, onde terminou o curso com
notável distinção, é convidado mais tarde para ser professor nesta instituição (Antunes, 2018, p. 13). Uma
lista de desenhos inéditos realizados pelo artista, pertencentes a familiares e com pouca divulgação onde o
rigor impressiona, como é o caso do seu primeiro desenho infantil, quando tinha por volta de 6 anos,
mostra uma pirâmide egípcia, um homem e um cajado, que para Duarte (2013, p. 115) é uma obra de
eleição. Antunes (2018, p. 16) , destaca dois quadros, um campo de trigo (1879) por ser uma paisagem que
possui uma transparência de perfeita ilusão e por ser a última prova da escola que frequentou em Paris e,
ainda, o quadro Paisagem tirada da Charneca de Belas ao pôr-do-sol (1879) adquirido pelo rei D. Fernando
II aquando da sua primeira exposição em Portugal.
José Malhoa destaca-se pela sua aproximação ao Impressionismo, as enormes qualidades artísticas
reconhecidas e por ser o primeiro presidente da Sociedade Nacional de Belas Artes (Marinho R. , 2013, p.
183) (Saldanha, 2008, pp. 168-187). Entre as diversas obras produzidas pelo artista, as pinturas Gozando
os Rendimentos (1893) e A Sesta (1898) são eleitas por Valle (2013, p. 123) pela facilidade de seleção e
compra por parte do Governo Brasileiro, durante a “Exposição de Arte Portuguesa” que decorria naquele
País em 1902, cujo o júri, composto por críticos e diretores de escolas de arte, que assim o decidiu (Valle,
2015, pp. 13-17). Na opinião de Telles (2016, p. 8), a obra de estilo provocatório com o titulo Condessa de
Mossamides (1899), merece destaque, na medida em que, a mensagem que se pretende transmitir dos
bigodes femininos fazem perder o seu prestigio mas é compensada com a permanência da identidade.
Na perspetiva de Rodrigues (2018, p. 92), Henrique Pousão foi um dos mais inovadores pintores
portugueses daquela época. Na mesma linha, Castro (2016, pp. 235-247) salienta que o pintor foi o mais
inovador da sua geração e o único mediterrânico que tivemos. Ainda de acordo com a mesma autora
destacam-se duas obras, Anacapri (1882), na medida em que, enfatiza a sua progressiva abstração e, Casa
do primo Matroco (1884) por ser um apontamento melancólico de imortalidade. Marinho (2013, p. 74)
prefere destacar Esperando o Sucesso (1882) não só por ser uma das obras mais alegres mas também pela
mensagem que transmite, isto é, o típico rapaz dos arredores de Roma, trajado de acordo com essa zona,
com olhar aberto e com um sorriso que deposita confiança no futuro apesar das condições desfavoráveis
de vida daquela época.
Marcante nesse século foi, sem dúvida, Columbano Bordalo Pinheiro (Silveira, 2013, pp. 145-150).
Cardeira (2019, pp. 4-14) refere que Columbano foi o pintor mais conhecido em Portugal e que o Mestre,
como lhe chama, contribuiu para um conhecimento mais alargado do universo da pintura académica. Na
opinião de Duarte (2006, p. 342) Columbano foi o expoente máximo, grande conhecedor dos mais subtis
segredos das cores e da técnica. Fez parte do Grupo do Leão, foi escolhido como um dos membros da
Comissão que desenhou a nova bandeira nacional, foi Diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea
e construiu a uma deslumbrante galeria com base na boa aceitação das suas pinturas nos meios
intelectuais (Elias, 2011, p. 4). O artista produziu uma enorme variedade e quantidade de pinturas
temáticas como por exemplo, auto-retrato, crítica à sociedade burguesa, retratos de personalidades
intelectuais, pinturas ligadas à música, pinturas sobre o teatro, representações da família, entre outros.
Agregado aos temas surgiram obras consideradas de excelência como A Luva Cinzenta (1881), Eça de
Queirós (1887 e 1889), João Rosa (1890), Taborda (1890) e Trindade Coelho (1898). As pinturas de Eça de
Queirós, João Rosa, Taborda e Trindade Coelho são consideradas pelo próprio Columbano como os
melhores quadros que realizou, esta declaração, foi feita por carta, dirigida a Batalha Reis sobre o
naufrágio do navio Santo André que as transportava de Paris para Lisboa após uma exposição (Elias, 2011, 11
p. 122). A Luva Cinzenta (1881), uma das primeiras obras realizadas em Paris, é considerado pelos críticos

17 Era uma intençao a favor de uma nova escola de pintura. Constituído por um grupo de artistas que contribuíram para o sucesso da
pintura do Naturalismo em Portugal. Para alem de Silva Porto, o grupo era constituído por outros artistas como por exemplo, Jose
Malhoa, Bulhao Pato, Rafael Bordalo Pinheiro, Columbano Bordalo Pinheiro, entre outros.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

uma obra-prima pintada com amor, delicadeza e admirável, pelo que, se tomou uma das mais famosas do
pintor (Elias, 2011, p. 410).
É precisamente sobre o tema de representações da família, de Columbano Bordalo Pinheiro, que este
trabalho se foca, em concreto no retrato da sua irmã Maria Augusta.

5. MATERIAIS E TÉCNICAS
A Luva Cinzenta (1881), foi uma das pinturas mais famosas de Columbano. Primeiro, demostra o carinho
de Columbano para com Maria por ela o ter acompanhado quase toda a sua vida, ou seja, pela sua
proximidade. Segundo, por ser bem aceite pelos críticos, alguns justificam-no destacando o perfil delicado
da pintura com tons harmoniosos, outros preferem salientar a perfeição, pureza e sensibilidade plástica,
outros ainda, afirmam que o pintor estava na fase da sua maturidade. Terceiro, por ter sido escolhida
como prova para reconhecimento de mérito académico, na Academia de Belas-Artes de Lisboa em 1885
(Rodrigues M. , 1999, pp. 5-15) (Gomes, 2012, p. 158).
Figura 2: A luva cinzenta, (Carvalho, 2018, p. 102)

O trabalho pictórico utilizado por Columbano na


obra intitulada A luva cinzenta mostra que a
técnica utilizada pelo artista foi de Óleo sobre tela,
portanto, utilizou tintas a óleo. Com base em duas
das suas caixas de pintura pertencentes ao artista
e expostas no Museu do Chiado evidencia-se que,
foram utilizados pinceis, espátulas de metal,
fragmentos de carvão com uma geometria idêntica
à de lápis, tinta de óleo de linho, panos, cabos de
pincel, recipientes, peças de madeira em forma de
triângulo e rolhas de cortiça (Cruz, 2005, pp. 5-19).

.
O suporte utilizado para realização deste trabalho foi sobre tela. A emoção da pintura é realçada por um
claro-escuro, em que o escuro está mais acentuado, com a utilização de uma única cor primária (azul),
ausência de cores secundárias e o complemento através da luz preta no fundo. Nota-se ainda, o negro
profundo do corpete e a manga, que faz parte da luva, em cinzento (Carvalho, 2018, p. 120) (Museu
Nacional de Arte Contemporânea, s.d.).
Na apresentação da construção da pintura verificam-se dois pares de linhas oblíquas paralelas, as quais
sugerem ser uma postura dinâmica do modelo instantânea, o que reflete a linha de desenho da obra que se
apresenta com detalhada sublime (Museu Nacional de Arte Contemporânea, s.d.).

12
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Figura 3: Gustave Courbet, La Dame aux Bijoux


(1867), (College Jean Castel, 2019-2020, p. 3)
6. ANÁLISE FORMAL

A Luva Cinzenta apresenta semelhanças com a


pintura de Gustave Courbet intitulada La Dame aux
Bijoux (1867), na medida em que, nos dois
quadros, as senhoras estão com o olhar para baixo
mostrando um distanciamento relativo ao
espetador, para além disso, são vistas de perfil.
Contudo, o rosto de Maria Augusta é pouco dado a
conhecer, pouco natural, suportando a cor do
vestido, luva e fundo pelo que, o enquadramento
fechado, mas não na sua totalidade, mostra a
perspetiva da personagem, a qual é reconhecível
(Elias, 2011, pp. 410-411).

7. ANÁLISE TEMÁTICA
A Luva Cinzenta, retrata a irmã mais velha de Columbano, Maria Augusta. O motivo pictórico é uma peça
de vestuário, a qual dá título à obra e mostra uma aproximação à personagem real (Gomes, 2012, p. 158).
A perspetiva do retrato e a envolvência das suas linhas, das quais o artista destaca a linha do pescoço,
evidenciam que é uma pintura que se insere no realismo, embora, num gesto de duvida sobre quotidiano,
isto é, após calçar a luva, o braço direito dobrado evidencia a sua mão e a luva, dando a entender que Maria
Augusta está surpreendida com o objeto (Carvalho, 2018, p. 46).
De qualquer forma, não há dúvidas ser um gesto de detalhe psicológico e é a grande composição desta
obra, uma vez que, a mesma se encadeia à volta da luva, tornando-se a luva num subterfúgio da pintura. O
gesto de Maria Augusta para com a luva, mostra também um direcionamento para o Intimismo e a
inserção da corrente filosófica do materialismo (Elias, 2011).
O vestido utilizado por Maria Augusta, tinha uma relação direta com o grupo social, isto é, as senhoras que
faziam parte da nobreza utilizavam fitas (fita azul no cabelo de Maria Augusta), vestidos de seda negra,
decotes largos, mangas folgadas e ombros à mostra (Santos, 2015, pp. 73-74). Por outro lado, os ombros
sem cobertura, é um indicador de movimento feminino reivindicativo, um sinal da emancipação da
mulher, nítido da exigência dos seus diretos e da igualdade (Garcia, 2011, p. 82).

8. CONCLUSÃO
Columbano foi um artista pintor dos mais marcantes em Portugal. As suas pinturas estão distribuídas por
diversos temas, englobam retratos, paisagens e natureza-morta (incluindo o Intimismo), no entanto, foi
como retratista que se distingue e se tornou um génio. Embora tenha uma associação ao Realismo social,
em particular nas obras sobre a sociedade burguesa, algumas das suas obras possuem uma aproximação
ao Naturalismo e ar livre. Uma vez que Columbano interpretava o Realismo menos objetivo e mais sentido,
com alguns cenários intimistas aproxima-se também do simbolismo.
Columbano, criou autênticas obras de arte de várias personagens importantes do seu País, em particular, 13
no século XIX, como escritores, intelectuais, artistas, entre outros.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Como aluno da Academia de Belas-Artes de Lisboa, matriculou-se aos 14 anos, num curso com duração de
sete anos, mas que concretizou em apenas quatro. Como professor da mesma instituição ensinou a sua
arte durante 24 anos.
Perante a sua enorme relevância na arte da pintura, através de uma pesquisa sobre divulgação deste
artista, verificou-se que, em termos científicos, existem trabalhos relacionados com Columbano, em
particular artigos científicos, teses de mestrado e doutoramento. Contudo, para o público em geral, em
Portugal, apenas um canal televisivo o tem divulgado, embora timidamente. A televisão publica RTP
apresentou desde 1988 até aos dias de hoje quatro programas, Os pintores do Grupo do Leão (RTP, 1988),
Columbano e a Verdade (RTP, 2007), Grandes Quadros Portugueses (RTP, 2012) e Columbano Bordalo
Pinheiro, mestre do retrato (RTP, 2012). A mesma empresa, através do canal RTP ensina, dirigiu-se aos
estudantes mais novos através do programa Saber Sabe Bem, com o título Columbano Bordalo Pinheiro
(RTP, 2020).
Parece pouco para quem foi tanto.
Assim, este trabalho pretende deixar um desafio à série televisiva Genius, onde apresentou, na segunda
temporada, Pablo Picasso exibido pela National Geographic, para que na mesma linha, produza um
conjunto de episódios que considerem necessários e relevantes, sobre Columbano Bordalo Pinheiro,
exibido igualmente pela National Geographic, a qual pode ter em conta o contributo desta investigação e
desta forma informar o público em geral.

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16
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 2
Os descaminhos do Patrimônio Cultural18: Reflexões
sobre roubos, furtos, apropriações, piratarias e formas
de combate a essas ações ilícitas
Edison Hüttner
Reginâmio Bonifácio de Lima

Resumo: O Patrimônio Cultural brasileiro é composto por um vasto escopo de bens de


natureza material e imaterial, sendo um enorme “quebra-cabeças” que exige empenho,
compreensão e dedicação para a preservação. Esse patrimônio tem sido dilapidado há
séculos pela ganância, descaminhos e subtrações de bens perpetrados contra o que
deveria ser um bem público. Em paralelo a esses descaminhos, percebe-se uma rede de
semelhanças clandestinas existentes em paralelo à rotina dos caminhos oficiais. Nas
últimas décadas, o Brasil experienciou um expressivo aumento nos furtos de obras de
arte fomentado pela valoração e desenvolvimento do mercado de bens culturais ilegal. A
proteção ao patrimônio cultural brasileiro precisa estar associada a outras estratégias de
combate aos descaminhos e à dilapidação do patrimônio cultural como a constituição de
uma rede preventiva que tenha a sociedade como parceira e interlocutora. De igual
modo, as iniciativas de intervenção no combate a apropriações ilícitas se fazem
necessárias e urgentes para que cessem as agressões ao patrimônio e a sociedade possa
usufruir desses bens.

Palavras-chave: descaminhos, patrimônio cultural, sistema normativo.

17

18
Este capítulo e uma releitura menos densa e mais contextualizada de um artigo originalmente publicado em revista
científica. Ambos sao complementares e interdependentes em abordagens e processos.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
Durante as últimas décadas o Brasil experienciou um expressivo aumento nos furtos de obras de arte. Com
a valorização e o desenvolvimento do mercado de bens culturais também cresceu exponencialmente o
número de delitos praticados contra os acervos culturais no país. Bens que não eram cobiçados pelos
criminosos, com a valorização do mercado contemporâneo de arte e a política de valorização dos
patrimônios material e imaterial, tornaram-se objetos de ambições furtivas e ações de descaminhos.
O acervo brasileiro tem sido dilapidado pela qualidade e atratividade das peças para o comércio ilícito
internacional e pela ineficiência das autoridades em coibir e punir esse tipo de crime. Bandidos
disfarçados de comerciantes agem livremente e até quadrilhas internacionais têm atuado contando com a
falta de punição; somente na virada do século XX para o XXI é que políticas públicas mais robustas
começam a ser implementadas com o intuito de preservação e proteção patrimonial.
Grande parte desse tipo de crime é praticado contra igrejas coloniais e contra as artes sacra e religiosa,
dada a vulnerabilidade dos acervos. O furto, o roubo, a pirataria e seus congêneres têm sido alimentados
pela cobiça e pela falta de ações integradas preventivas e repressivas por parte dos órgãos de salvaguarda
do patrimônio ou pela falta de zelo dos seus detentores.

2. CONCEITUANDO PATRIMÔNIO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO LEGAL


O patrimonium, de acordo com o direito romano, era o termo utilizado para designar o conjunto de bens
de uma pessoa, incluindo desde suas terras, sua casa, utensílios, até mesmo os escravos e as mulheres (que
não eram consideradas cidadãs). Fora desse patrimônio ou extra patrimonium estava tudo que não podia
ser objeto de apropriação privada: os templos, o ar, as praças os estádios.
Mesmo nos dias atuais, o patrimônio é um conceito legal que tem a ver com o conjunto de direitos e bens
que uma pessoa ou uma instituição possui em acúmulo. Os romanos tinham a concepção de patrimônio na
dimensão particular e privada, contudo, na modernidade, uma nova dimensão se apresenta, a do
patrimônio cultural, que indica a titularidade do sujeito coletivo para apropriação e usufruto. Nessa
concepção contemporânea de patrimônio estão as mais diversas manifestações da ação humana, das
edificações às danças, das cidades aos ritos religiosos.
Esse amplo conjunto de bens pode ser dividido em duas categorias básicas: os bens tangíveis e os
intangíveis. A raiz dessas palavras também vem dos romanos, através de sua língua, o latim: tangere
significava “tocar”. Assim, bens tangíveis são aqueles que, por terem materialidade, podem ser tocados,
sejam eles móveis, como obras de artes, ou imóveis, como montanhas e lagos, cavernas, monumentos e
edifícios; já os bens intangíveis são aqueles com uma existência mais imaterial, como a cultura, a religião,
as danças, músicas, os ritos, as filosofias, as teorias científicas e a literatura, dentre outros.

3. O PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO E O SISTEMA NORMATIVO


No século XX, o patrimônio cultural brasileiro finalmente recebeu atenção especial derivada das mais
diversas esferas sociais. O Decreto-Lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937, e o Artigo 216 da Constituição
Federal de 1988, ambos no nível federal, somados a várias legislações estaduais, ocasionaram uma
alteração positiva na preservação cultural do cenário brasileiro.
O Estado tem sofrido críticas por concentrar sua política de proteção e preservação apenas em
monumentos de cal e de pedra. Em resposta a essa crítica de “preservação de patrimônio elitista” foi
editado o Decreto Federal n.º 3.551 de 04 de agosto de 2000, a partir do qual houve o resgate de bens
culturais imateriais que passaram a ter proteção especial com possibilidade de tombamento. Essa
reparação histórica proporcionou o resgate de bens culturais imateriais como: os saberes, celebrações,
expressões, que irão procurar resguardar os cantos, lendas, hábitos, festas, rituais e outras práticas
populares dos brasileiros.
O sistema de normativo de proteção ao patrimônio cultural brasileiro em âmbito federal é formado, 18
atualmente, dentre outras normas, pelo Decreto-Lei n.º 25/3719, Decreto-Lei n.º 3.866/4120, a Lei n.º
3.924/6121, a Lei n.º 4.845/6522, Lei n.º 6.292/7523, Lei n.º 7.347/8524, Lei n.º 8.313/9125 e o Decreto

19 Decreto-Lei que organiza a proteçao do patrimonio historico e artístico nacional e institui a figura jurídica do tombamento.
20 Dispoe sobre o tombamento de bens no Serviço do Patrimonio Historico e Artístico Nacional.
21 Lei que dispoe sobre os monumentos arqueologicos e pre-historicos do país.
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n.º 3.551/200026, Decreto n.º 5.520/0527, além do disposto na Constituição Federal e das convenções
internacionais sobre o tema, devidamente internalizadas no ordenamento jurídico pátrio 28.
Segundo o Art. 216 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o Patrimônio Cultural é
composto pelos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em seu conjunto,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira. Incluem-se no rol de Patrimônio Cultural os bens e direitos de valor histórico, estético, artístico,
turístico, paisagístico, arqueológico, paleontológico científico e ecológico. Esse enunciado não taxativo
pode abranger outros bens através de critérios técnicos a serem definidos pelo poder público.
A proteção do patrimônio cultural decorreu do Decreto-Lei n.º 25/1937 até o advento da Constituição
Federal de 1988. Com a proteção constitucional foram agregados outros valores, mais amplos e modernos,
tais como o valor artístico, histórico, religioso, cultural, paisagístico, ecológico, turístico, artístico,
arqueológico, etnográfico, monumental, dentre outros.
O Patrimônio Cultural foi consagrado pelo Constituinte como contraposto ao Patrimônio Natural, uma vez
que este não está vinculado à ação humana, enquanto aquele decorre da intervenção humana. Desta feita,
todos os bens materiais e imateriais que possuem referências à identidade; às formas de expressão; às
expressões artísticas, científicas e tecnológicas; os modos de fazer, criar e viver; às obras, objetos,
monumentos naturais e paisagens antrópicas devem ser compreendidas como patrimônio cultural
(CHAGAS, 2004, p. 19).

4. OS PORTUGUESES E OS DESCAMINHOS NO BRASIL COLÔNIA


Portugal já tinha consciência da importância de suas colônias na América. O Brasil sempre foi fonte de
riquezas seja por extração, exploração ou apropriação. A Coroa Portuguesa estabeleceu sesmarias e um
sistema estamental que mais parecia propício ao enriquecimento de algumas pessoas que a constituição
de uma colônia de exploração propriamente dita. Uma terra rica com um povo tornado pobre em meio a
uma economia pujante e próspera.
A consciência da superioridade econômica do Brasil já era conhecida desde o século XVI e princípios do
século XVII. Conforme escreve Brandão: “... o Brasil é mais rico e dá mais proveito à fazenda de Sua
Majestade que toda a Índia.” (BRANDÃO, 1997, p. 89).
Contrabandos e extravios – ou descaminhos, como surge na documentação – são o reflexo de uma
realidade que se forma e vai tomando feição ao longo do século XVIII. Vários funcionários da metrópole
tinham essa consciência de que a colônia era mais rica que a metrópole, sugerindo uma integração entre
ambas como forma de garantir a sobrevivência de Portugal. Alguns até mesmo sugeriram a transferência
da corte para o Rio de Janeiro como Dom Luís da Cunha, ainda na primeira metade do século XVIII
(CUNHA, 1748) e a tomada do título por parte do Rei de Portugal como sendo o Imperador do Ocidente
(CUNHA, 1748; OLIVEIRA, 2001).
De acordo com Oliveira Júnior (2002), há vários registros de descaminhos de ouro, diamantes, pedras
preciosas e de moedas na região das Minas Gerais e da Bahia. Mas também há descaminhos de itens
básicos para a sobrevivência como o sal e outros alimentos. Muitos desses descaminhos eram feitos por
nobres, intendentes, comendadores, governantes, religiosos, comerciantes, homens e mulheres livres e
também escravizados. Para o autor,

22 Lei que impoe proibiçao a saída para o exterior de obras de arte e ofícios produzidos no País ate o fim do período monarquico, e
que sera objeto de analise deste articulado.
23 Dispoe sobre o tombamento de bens no Instituto do Patrimonio Historico e Artístico Nacional (IPHAN).
24 Disciplina a açao civil publica de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor

artístico, estetico, historico, turístico e paisagístico (Vetado) e da outras providencias.


25 Restabelece princípios da Lei n.º 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio a Cultura (Pronac) e da outras 19
providencias.
26 Decreto que institui o registro de bens culturais de natureza imaterial e cria o Programa Nacional do Patrimonio Imaterial e da

outras providencias.
27 Institui o Sistema Federal de Cultura - SFC e dispoe sobre a composiçao e o funcionamento do Conselho Nacional de Política

Cultural - CNPC do Ministerio da Cultura, e da outras providencias.


28 Este sistema e mais amplo, envolvendo as leis de arquivo, museus, bibliotecas, dentre outras. Pode ser compreendido atraves da

analise das mencionadas normas, que sao de competencia do Instituto do Patrimonio Historico e Artístico Nacional – IPHAN.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Os descaminhos não se reduzem ao roubo, ao furto ou à corrupção, mas


configuram um determinado tipo de prática, encoberta pelas formalidades
oficiais, porém radicalmente ativa e penetrante, irradiada por todo o corpo
social, inclusive os escravos, formando e redefinindo, afirmando e negando, isto
é, afirmando pela negação, enfim caminhando pelo descaminho (OLIVEIRA
JÚNIOR, 2002, p. 12).

Na constituição da tessitura econômico-social vigente na sociedade escravocrata e senhorial engendrada


pela economia de plantação e patrocinada pela sociedade do Antigo Regime, os descaminhos são a
expressão de fuga a essa realidade, as evasões são formas de expressão das tensões entre os níveis
hierárquicos, da corrupção da burocracia e das sutis possibilidades de sobreviver em uma terra herma.
Esses descaminhos não eram justificados e não o poderiam na vivência da prática cotidiana na colônia,
tanto que o Padre Antônio Vieira pregou um sermão sobre esse assunto na Igreja da Misericórdia de
Lisboa em 1655, intitulado Sermão do Bom ladrão (VIEIRA, 1995).
O descaminho se tornou uma prática arraigada na colônia. Somente foi possível descaminhar porque havia
um caminho: o da fazenda real. Um quinto de toda riqueza produzida deveria ir para a Coroa e isso não era
bem visto pelos súditos do rei nas terras da América. Assim sendo, é possível afirmar que o descaminho
pressupõe uma rede de semelhanças clandestinas desvinculada dos meios legais, mas que existia em
paralelo à rotina oficial para que proporcionasse a almejada obtenção de lucro.
Oliveira Júnior (2002) afirma que, caminho e descaminho conviveram como práticas paralelas de licitude e
ilicitude, entre a sociedade estamental e as subordens existentes.

5. DESLOCAMENTOS E PRESERVAÇÃO NOS SÍTIOS MISSIONEIROS


A memória social dos povos tem sido soterrada pelo passar do tempo e a falta de preservação do
patrimônio histórico. Um exemplo que pode ser dado para essa afirmativa está na questão da arte e da
arquitetura missioneira orientada pelos jesuítas na Bacia Platina, que compõem as reduções dos
chamados Sete Povos das Missões, que estão no atual território brasileiro.
Coletados materiais, levantados dados, feito um movimento inicial de restauração e de memória, os povos
permanecem sem a devida atenção ao potencial de conhecimento sobre suas vivências e as constituições
antrópicas elaboradas nas localidades.
As reduções jesuíticas foram, antes de mais nada, acontecimentos sociais, políticos e culturais que
implicaram diretamente na construção histórica dos povos pré-colombianos através da catequese.
Alfabetização, batismo, trabalho organizado nos padrões europeus e o excedente de produção que se
tornava cada vez mais significativo, pouco a pouco, foi sendo traduzido em um projeto urbanístico
sofisticado e em um exército de indígenas que fosse capaz de fazer frente à expansão portuguesa naquele
flanco dos domínios espanhóis.
Ao refletir sobre os Sete Povos das Missões e a presença de igrejas semidesmoronadas, praças enormes,
vestígios de pedra, nichos, casas de indígenas, santos, parece que tudo é simplesmente natural como uma
imagem parada no tempo, mas não é. As ruínas não são obras da natureza morta, que as esculpiram sem
interferência humana. O abismo está entre olhar para os sítios arqueológicos e não os associar às vivências
ali estabelecidas; não os perceber como testemunho do trabalho humano; e, não ter empatia que vá além
da estética e da interpretação formal, que busque a compreensão dialética de um processo de dominação e
seus desdobramentos, de movimentos, constituições, etapas e relações antrópicas estabelecidas em
ambiente de sociabilidades e dissociabilidades jesuíticas, guaranis, espanholas e portuguesas.
É acertada a propiciação que transforma as Missões em monumentos nacionais, mas é preciso ir além; não
permitir que esse passado seja mitificado ou utilizado para promulgar a unidade e a grandeza da pátria –
não era esse o sentido das Missões. É preciso facilitar as relações culturais com os povos que participaram
do evento histórico. As Missões foram feitas durante o domínio espanhol e o deslocamento de fronteiras
20
não deve apagar a riqueza histórica construída nem a opressão imposta aos aborígenes americanos – seja
por conta de quem os queria escravizar ou de quem os queria catequizar.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

É preciso transcender a ótica formalista de Lúcio Costa29 (2010) – uma mistura entre a visão idealista da
vida das formas e a ideia positivista de progressão dos estilos. Não há dúvida sobre a importância de seu
trabalho, tampouco sobre sua ação vanguardista expedicionária ainda em 1937, que culminou com a
reunião de peças, construção do museu das missões, orientação de projeto de limpeza e estabilização das
ruínas. Contudo, há um grande vazio quando se trata dos seres humanos e sociabilizações, seja no
processo de constituição das reduções, seja no processo de limpeza e reconstrução por ele vivenciado e
experienciado.
As Missões não foram formadas fora do sistema colonial. Havia pessoas de nações distintas e eles se
relacionavam, trabalhavam e se organizavam em conformações que ora propalavam libertação, ora
disseminavam dominação e opressão.

6. DOS DESCAMINHOS DE ARTES SACRAS


De acordo com o Guia de Identificação de Arte Sacra, os bens de artes sacra e religiosa 30 os bens
integrados deixaram de ser divididos em bens móveis e bens imóveis e, a partir de 1980, passou a ser
dividido em seis grupos de bens integrados: revestimento parietal; retábulo; púlpito; arco do cruzeiro;
balaustrada e pintura. Pelo fato de os bens integrados serem constantemente desmontados e negociados
como peças autônomas no mercado de artes, é necessário que se saiba reconhecer esses objetos para
combater furtos de objetos de origem sacra provenientes de igrejas e capelas (FABRINO, 2012, p. 8).
De acordo com o Guia do IPHAN, “As imagens religiosas muitas vezes são compostas de inúmeros
complementos e atributos, que são utilizados para que o fiel possa reconhecer e homenagear o santo de
sua devoção” (FABRINO, 2012, p. 81). Esses complementos eram comumente dados por fiéis para adornar
as imagens e seus atributos31. Assim, no dia da festa dos santos padroeiros, era comum que as
comunidades ornassem suas imagens com os tecidos mais finos e as joias de maior valor para que
pudessem levá-los em procissão pela cidade. Fabrino (2012) relata que as imagens de devoção foram as
primeiras a sofrer com os furtos e roubos:

Com o passar dos anos, algumas imagens foram acumulando uma grande
quantidade de acessórios, formados por coroas de ouro e prata cravejadas de
pedras preciosas e semipreciosas, broches, brincos, anéis, colares, rosários e
terços dos mais diversos metais, além de mantos, capas, roupas de tecido
adamascado ou bordadas a ouro. O hábito de adornar imagens sacras era tão
corriqueiro no período colonial, que seria difícil encontrar uma devoção que
não possuísse uma coroa ou resplendor de ouro ou prata, além de outros
complementos em ourivesaria. Por serem de uso quase que geral, de fácil
remoção e transporte, e por conservarem seu valor como metal além de seus
valores artísticos e históricos, os resplendores e coroas foram as primeiras
obras a serem furtadas e roubadas de igrejas e museus (FABRINO, 2012, p. 82).

Etzel (1979) ao estudar a imagem sacra brasileira parece ter uma visão mais adocicada sobre o ladrão de
imagens. Para ele, o ladrão é o elemento pobre da cadeia, o que menos tem lucro e o que mais se arrisca e,

29 Texto originalmente publicado na Revista do Serviço do Patrimonio Historico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n.º 5, p. 105-169,
1941.
30 Quando o IPHAN começou a realizar os inventarios de monumentos tombados, a partir da decada de 1980, revelou-se um numero

consideravel de bens que escapavam a essas duas classificaçoes, mas participavam de ambas ao mesmo tempo, pois se
encontravam fixos ou integrados a arquitetura, mas podiam ser desmontados ou removidos para outros lugares. Esses bens estao
presentes em edificaçoes religiosas, civis e militares, cravados ou apensos a paredes, muros, forros ou mesmo em areas externas,
como patios e adros de igreja. Podem ser definidos como bens integrados de origem sacra: pinturas de forros e de parede e suas
molduras esculpidas, retabulos, revestimentos azulejares e esculturados, acabamento do arco do cruzeiro, tribunas, pulpitos,
para-ventos, grades trabalhadas da nave e do coro, pias de batismo e de agua benta, portadas e portas, lapides tumulares
gravadas ou em relevo, lavabos, nichos e moveis embutidos, conjuntos escultoricos fixos, ornatos em relevo, fontes, chafarizes, 21
cruzeiros, pelourinhos, marcos, entre outros (FABRINO, 2012, p. 6).
31 Atributos sao todos os objetos necessarios para a identificaçao de uma determinada devoçao, definindo aspectos particulares que

possibilitariam seu reconhecimento. Os atributos podem definir um aspecto geral da representaçao, como a palma do martírio
(para santos martirizados), o livro (para confessores e doutores da igreja) e o lírio (sinal de pureza para homens e virgindade
para mulheres). Esses pequenos elementos fornecem algumas pistas sobre a vida do santo representado, no entanto, e o atributo
específico que fornece identidade a representaçao do santo (FABRINO, 2012, p. 83).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

sua falta de identificação com esses objetos é o que lhe permite praticar os furtos; enquanto o receptador,
por possuir um status social mais abastado é o que sofre menos riscos, ficando à mercê de possíveis
escândalos, publicidade negativa e possíveis desdobramentos policiais. Fica claro que o autor não está
tratando de quadrilhas profissionais ou de ladrões especializados em artes, antes, parece tratar do furto
esporádico e da subtração de bem por estar no lugar e na ocasião propício para a espoliação. Ele afirma
que os interesses em torno dos bens culturais furtados seriam motivados mais por um viés psicológico e
emocional do que financeiro.
Ao considerar sobre o furto ocasional, Fabrino (2012) afirma que tanto o objeto quanto o risco não
compensam o ato ilícito e que muitas vezes este é praticado por fatores emocionais de desapego aos
objetos, citando que “muitos destes tipos de vendedores são integrantes da própria igreja como zeladores,
sacristãos, padres e bispos, que vendem parte do acervo de determinadas igrejas (FABRINO, 2012, p. 22).

7. CONTEXTUALIZANDO O COMÉRCIO ILEGAL E SEU COMBATE


O gosto da sociedade tem se variado e a orientação para outros bens culturais tem atuado para a
diversidade de usufruto dos mesmos, contudo, isso não retirou o foco de atuação delituosa contra objetos
de representação do sagrado, pelo contrário, com a concorrência de ações contra instituições de bens
culturais que são mais bem protegidas, os criminosos tendem a escolher os bens de mais fácil acesso e que
têm no mercado paralelo uma boa aceitação sem tanta repercussão contra as ações praticadas (PINHO,
2008).
Diva Pinho (2008), afirma que com a diversificação e os avanços tecnológicos, atualmente, o mercado de
artes está se desenvolvendo e adquirindo características singulares que o diferenciam dos períodos
anteriores de prosperidade. Ela afirma que a comercialização de objetos de arte e antiguidades via on-line,
mediante cadastros virtuais e transmissões em tempo real, favorece a participação de novos
consumidores que podem dar lances em leilões e negociar bens culturais a partir de qualquer lugar no
mundo ligado à rede mundial de computadores.
Se as transações negociadas podem ser virtuais, a entrega desses produtos culturais é garantida, em
grande medida, pelos serviços de entrega oficiais. Custódio (2006) afirma que os Correios são os meios
mais utilizados para a saída de bens culturais, uma vez que integram um sistema eficiente de entregas de
encomendas e artefatos, garantindo o anonimato do que está sendo transportado e atraindo novos
consumidores de seus serviços.
De acordo com Pinho (2008), a venda ilegal de bens culturais e artísticos, a que ela denomina de pirataria,
costuma ligar países fontes de arte a países consumidores que tenham economia próspera. Com base em
informações da INTERPOL, a autora afirma que França, Itália, Rússia e Alemanha são os países mais
afetados com esse tipo de crime. E o Brasil figura, desde 2006, de acordo com a Polícia Federal Norte-
Americana (FBI) como um dos dez países que mais tem suas obras de arte furtadas e transferidas para o
exterior e que necessitam serem resgatadas e repatriadas.
Com a chegada do novo milênio, houve uma ampliação no mercado de bens culturais, pela expansão das
“rotas virtuais” Europa-Extremo Oriente, com destaque para a china. O aumento desse tipo de atuação, a
pirataria de arte, tem aumentado, inclusive nos países emergentes como os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e
China). (PINHO, 2008, p. 22). Os descaminhos, furtos e roubos de obras de arte se globalizaram,
reproduzindo os roteiros de atividades na teia de comunicação das infovias da web, o que propiciou
também o aumento da atuação de piratas de artes em ambiente virtual.
Mauro Salvo (2010), ao fazer uma análise sobre o mercado ilegal de obras de arte pela ótica da “teoria
econômica do crime”, expõe a relação custo-benefício do crime, fazendo ponderações sobre as
perspectivas que o postulante a autor de ação criminosa tem ao sopesar sobre a perpetração de ato
criminoso. Os benefícios de materialidade financeira e ganhos psicológicos em caso de sucesso na ação e
os possíveis custos em caso de prisão, condenação e afastamento do convívio social – além do custo moral.
A decisão pelo crime incide também sobre os ganhos que possam ser provenientes da ação no mercado
legal e os ganhos provenientes no mercado ilegal – o que no caso brasileiro têm demonstrado ser 22
consideravelmente maiores que os praticados no mercado legal. Para Salvo (2010), além desses fatores
supraexpostos, no Brasil, há a ineficiência das autoridades e a ausência do poder público como pontos
favoráveis para as ações envolvendo crimes contra o patrimônio cultural. O autor ressalta que, no Brasil:
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

O mais dramático é que as deficiências apresentadas pelo sistema de segurança


pública e de justiça em prevenir, apurar e punir os crimes acabam se tornando,
objetivamente, num poderoso incentivo à criminalidade. É um círculo vicioso
que começa na falta de ações preventivas, continua na baixa apuração dos
crimes cometidos, alimenta-se na ausência de condenação e, por fim, quando
esta acontece, em prisões onde é fácil fugir ou delinquir. (SALVO, 2010, [s.p.])

Para o autor, quanto maior for a percepção dos riscos implícitos em pretensas ações criminosas, menores
serão as probabilidades de que os indivíduos escolham essa opção. Com o intuito de dissuasão de crimes e
diminuição de atos criminosos contra o patrimônio cultural, com base nessa relação de percepção do
custo-benefício para a perpetração ou não de atos criminosos é necessário adicionar um outro elemento, a
dissuasão.
É necessária a implementação de políticas públicas que aumentem ainda mais os custos e perdas
originados com as ações criminosas e/ou práticas comportamentais delituosas, uma vez que o efeito de
dissuasão ocorre quando uma punição indica para os demais indivíduos que, caso cometam um crime
semelhante, também serão punidos (SALVO, 2010). Há a necessidade da previsão de que esses objetos são
protegidos por um escopo legal e que sua salvaguarda é garantida por autoridades zelosas atuantes em
conjunto para identificar furtos e características de bens desaparecidos, que embase instruções e
investigações, bem como o processo penal garantidor de severidade na aplicação das penas.

8. DO COMBATE ÀS REDES DE DESCAMINHO


Os crimes contra o patrimônio – sejam eles desvios, descaminhos, furtos, roubos, locupletações, piratarias
ou congêneres – têm em comum dois preceitos fundamentais para a economia: o da oferta e o da
demanda. Só há indivíduos que se apropriam do que não lhes pertence para tirar proveito próprio porque
há interessados nesses produtos que não se importam com a origem ou a forma de aquisição, desde que
obtenham o objeto de seus anseios.
A ação de má fé do receptador interessado é um expoente tão importante para a demanda quanto a ação
do praticante espoliador ou a não certificação procedimental de origem.
Vários são os atores que por interesse na obtenção de ganhos abastecem o mercado de obras de arte com
bens culturais ilegais. Salvo (2010) elenca três grupos principais: 1) as quadrilhas especializadas, que
sabem exatamente as peças que estão furtando e seu valor de mercado e possuem conhecimento técnico
em artes plásticas; 2) os ladrões esporádicos, que aproveitam as oportunidades circunstanciais favoráveis
para cometer ações delituosas; 3) funcionários e administradores que se aproveitam do cargo que
ocupam, do acesso facilitado e do conhecimento que detêm para descaminhar e usurpar bens do acervo e
de sua reserva técnica.
Por seu grande valor econômico e simbólico essas obras de arte constituintes do patrimônio cultural
descaminhado, pirateado e/ou subtraído podem ser utilizadas como moeda de troca em outras
modalidades criminosas como tráfico de armas, tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e enriquecimento
ilícito. Após adquiridas, essas obras podem ser utilizadas como títulos de crédito, como objetos de
ostentação, como símbolos de satisfação psicológica ou, ainda, podem passar por processos de compras e
recompras em fluxo de mercado legalizado com o intuito de aumentar o valor de bens dos
comercializadores e promover a legitimação legal dos ganhos de capital.
Mauro Salvo (2010) afirma que entre os objetos mais cobiçados por criminosos que se apropriam de bens
culturais estão os sacros e religiosos. Essas ações ocorrem não somente no Brasil, mas em vários países do
mundo por não atrair a atenção da população, nem das autoridades de segurança e terem o agravante de,
muitas vezes, não serem denunciados.
O trabalho de compreensão e preservação desse enorme quebra-cabeças que é o patrimônio cultural
brasileiro exige empenho e dedicação de cada um dos entes participantes. Cada iniciativa deixa suas
23
marcas com acertos e erros, que devem ser avaliados para que se prossiga no esforço de avançar no
trabalho a ser executado.
É patente a despreocupação de grande parte da população com a difusão da arte, cultura e da própria
história para as gerações futuras. Muitos dos momentos e experiências vividos em determinados
momentos são esquecidos e esse desapego acaba por necessitar ser reconstruído com o passar dos anos.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

A preservação do patrimônio cultural, artístico e histórico possui grande valia para a construção
identitária de indivíduos e grupos sociais para com a história que lhes é, de alguma forma, simbólica e
notável. A conservação desses bens proporciona a comunhão de valores de indivíduos e demais membros
da sociedade a fim de se perpetuar vividamente a memória cultural e histórica que é essencial para a
coletividade.

REFERÊNCIAS:
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Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3551.htm>. Acesso em: 31/10/2020.
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do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 31
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[8]. BRASIL. Decreto-Lei N.º 3.924, de 26 de JULHO DE 1961. Lei que dispõe sobre os monumentos arqueológicos
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[11]. BRASIL. Lei N.º 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por
danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico (Vetado) e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília,
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[12]. BRASIL. Lei N.º 8.313, de 23 de dezembro de 1991. Restabelece princípios da Lei n° 7.505, de 2 de julho de
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[14]. CHAGAS, Maurício. Patrimônio cultural. In: ENCONTRO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DO
PATRIMÔNIO CULTURAL, 1, 2003, Goiânia. Anais... Goiânia: Instituto Centro-Brasileiro de Cultura, 2004, p. 19.
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139. 25
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 3
Um breve estudo sobre a indumentária e a moda
feminina oitocentista a partir de ideias da intelectual
Nísia Floresta
Ronaldo Salvador Vasques
Laís Granado Bitencourt
Fabrício de Souza Fortunato
Marcia Regina Paiva de Brito

Resumo: Este artigo tem como proposta apresentar os primeiros estudos do Projeto de Iniciação
Científica da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Campus Regional de Cianorte (CRC) do curso de
Moda, apoiado pela fundação Araucária (agência de fomento do estado do Paraná) sobre a mulher
intelectual Nísia Floresta. Uma breve história contada por intermédio da moda e da vestimenta, que nos
traz um olhar divergente a respeito das frivolidades frequentemente citadas quando se aborda sobre este
tema moda, nos mostrando que as transformações no vestir podem estar alinhadas com a economia, com a
política e com o patriarcado. O século XIX foi repleto de atividades sociais que interferiram diretamente no
consumo da roupa e moda feminina, alegando e moldando os comportamentos e o formato do corpo da
mulher. Com o pouco de voz que se é dada para a persona feminina por meio da sua entrada na imprensa,
a intelectualidade e a inserção da mulher no viés da escrita, fazem com que artigos e livros, com ideias
feministas, se aflorem. No Brasil, durante um cenário ainda escravocrata, monarca e de grande dominação
masculina, escritoras com opiniões consideradas à frente de seu tempo lançam seus trabalhos em prol de
uma movimentação política a favor da liberdade. Nesse contexto, a mulher que tem destaque nesse projeto
de iniciação científica se chama Nísia Floresta, esta foi uma brasileira oitocentista que lutou pelos direitos
de liberdade e, com sua perspicácia, mudou a educação feminina. A fim de alinhar a moda, a
intelectualidade e o consumo, a pesquisa objetiva identificar, por meio da vestimenta e da moda do século
XIX (especificamente no recorte de tempo onde a intelectual Nísia Floresta se expressou e escreveu sobre
movimentos sociais e políticos), a participação das mulheres oitocentistas no processo de evolução da
vestimenta. A pesquisa conta com duas metodologias, a de referências bibliográficas disponíveis em
bancos de dados científicos, realizada a partir da Revisão Bibliográfica Sistemática (RBS) Roadmap
proposta por Conforto, Amaral e Silva (2011), e também da metodologia historiográfica, que tem como
foco, a análise de imagens, pinturas e qualquer vestígio da época citada. Mediante as informações expostas
no decorrer do texto, será possível entender a transformação da indumentária e da moda e como ela pode 26
partir de ideias da mulher intelectual feminista

Palavras-chave: Nísia Floresta; moda; feminismo; século XIX.


Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
1.1. A MODA E O INTELECTO FEMININO DO SÉCULO XIX
A palavra moda recebeu diversas conotações com o passar do tempo, e o seu uso foi ressignificado a partir
de modus, do latim, configurado assim nos dias atuais, segundo o minidicionário da língua portuguesa,
Silveira Bueno, como “s. f. Maneira; costume; uso geral”. A utilização da palavra costume para explicar
moda vem na acepção de “hábito constante e permanente que determina o comportamento, a conduta, o
modo de ser de uma comunidade, de um grupo social” (CALANCA, 2008, p. 11). Justamente por essa
concepção de identificar grupos sociais, épocas e culturas distintas, que a moda é na maior parte dos
estudos teóricos e históricos, considerada a partida inicial e objeto central de investigação (CALANCA,
2008, p. 17). Pode-se complementar com uma citação de Souza (1987, p. 20) onde tem a seguinte
argumentação: "A moda não é um fenômeno universal, mas próprio de certas sociedades e de certas
épocas”. Sendo assim, as vestimentas que se popularizam no mundo todo, é a consequência de um
influente local sobre o restante. No século estudado, a moda e a vestimenta vêm da Inglaterra e da França,
que são importantes polos de moda no período.
A alteração da moda, no século citado, começa a partir de uma mudança política e econômica que marcou
a França, período histórico chamado de Revolução Francesa (1789). Esse fenômeno é algo recorrente,
onde fatores socioeconômicos acarretam nas transformações da vestimenta, como afirmam Kievel e
Scherer (2015, p. 5) “A teoria de Williams (1981) e McCracken (2003), Entwistle (2000, p. 63) comprova
que: “a moda responde a mudanças sociais e políticas”.
Segundo Vasques (2018, p. 45), “A moda do século XIX propôs, de início, livrar as mulheres da moda de
tempos anteriores, com os exageros nos volumes e pesos das roupas, as saias extremamente grandes e os
penteados enormes”. Assim como na feminina, acessórios masculinos que eram utilizados até então, são
aos poucos retirados de cena, proporcionando à indumentária masculina uma aparência neutra e séria.
Sendo assim, a moda que se espalha é simples e leve, com cintura marcada abaixo dos seios e saias caídas,
ficou conhecida como moda Império, sendo descrita por Laver (1989) como uma espécie de camisola. Esse
estilo se impôs após a coroação de Napoleão Bonaparte em 1804, por meio dos trajes de Josefina de
Beauharnais, a primeira esposa de Napoleão, assim afirma Vasques (2018).
As mudanças após a moda Império (até aproximadamente 1820), é explicada a partir da grande
dominação patriarcal, ocorrida no restante do século XIX. Ximenes (2009) escreve que a partir do
desenvolvimento da indústria e da consolidação econômica de Paris, que ocorreu entre 1830 e 1870, e foi
responsável pelo nascimento do proletário, tornou possível a participação do homem “comum” na política,
e é a partir de tal evento que a figura masculina surge na sociedade como uma grande figura
empreendedora, que se envolve nos ideais burgueses. Ao contrário do século anterior, onde havia uma
preocupação com a vaidade vinda dos dois gêneros, a vestimenta masculina transformou-se em sóbria e
séria. Contudo, todo o enfeite foi transferido para as mulheres e os bens de riqueza do marido eram
exibidos no corpo da sua esposa.
Gilda (1987) escreve que o desenvolvimento da indústria também fez com que algumas mulheres de
classe baixa conseguissem trabalhar, mas a mulher era desde cedo criada e orientada para o casamento e a
criação de filhos. Vale acrescentar que o casamento era a carreira ideal feminina e, para tanto, a mulher
utilizava da vestimenta como forma de “marketing pessoal” (XIMENES, 2009, p. 22).
Sendo assim, Pinheiro e Sánchez (2018) explicam que durante a monarquia a educação estava ligada ao
desempenho dos papéis sociais, e o ensino masculino era direcionado para o exercício da cidadania e das
funções públicas, enquanto o feminino estava voltado para as funções familiares e para a maternidade.
O ápice do excesso descrito no século estudado se encontra no período entre 1831 e 1890, onde imperava
o Estilo Vitoriano, que correspondeu ao reinado da Rainha Vitória da Inglaterra. Segundo Vasques (2018,
p. 47), “Inspirada na monarca, a moda vitoriana era caracterizada pelos volumes e excessos. Tanto o Estilo
Romântico na França como o Estilo Vitoriano na Inglaterra foram as grandes tendências da moda do
século XIX”. A silhueta da mulher sofreu algumas alterações até ficar em forma de sino, onde surgiu assim,
a crinolina, que era uma armação feita de crina de cavalo e linho, formando uma espécie de gaiola, que era
usada por baixo das saias das senhoras para dar volume, assim descreve Vasques (2018). 27

As primeiras conquistas na moda feminina, onde há um alívio maior em seu corpo, ocorre no final do
século, na fase descrita como Belle Époque, que dura até boa parte do século seguinte. É nesse período que
as calças Bloomer surgem, essas são criadas para a prática de esporte, que se torna algo popular nas
décadas seguintes. Também com o passar dos anos ocorre a retirada do espartilho e a saia mais curta.
(LAVER, 1989)
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

No contexto intelectual, a mulher era ensinada em casa, até uma boa parte do século, já que as escolas
oferecidas para o ensino feminino tinham como objetivos ensinar tarefas do lar. A inserção da mulher no
ensino é lenta, e as que irão usufruir dessa conquista são de pele branca e de classe elevada. Não só as
mulheres, mas os homens de pele preta ainda eram escravizados até mais da metade do século, em
diversos países. (PINHEIRO; SÁNCHEZ, 2018).
Mulheres que sabiam ler e escrever e tentavam se tornar escritoras adquiriam pseudônimos masculinos,
para serem levadas a sério e ter seus trabalhos publicados. Para a aparição da mulher na escrita, com seus
nomes próprios, foi inserido primeiro o gênero em jornais masculinos, ainda no século XVIII. De acordo
com as pesquisas de Perrot (2007), no século XIX é que surgem as primeiras publicações mensais escritas
e financiadas por mulheres, onde compartilhavam de conselhos sobre sua vida diária, narrativas de
viagens e até mesmo biografias de outras mulheres (PINHEIRO; SÁNCHEZ, 2018). A abertura da imprensa
para a mulher fez com que elas adquirissem uma figura mais profissional e científica, e, como
consequência, diversas autoras surgem com nomes próprios no período (PINHEIRO; SÁNCHEZ, 2018).
A ênfase de escritoras surgindo, fazem com que artigos e livros destinados aos questionamentos sociais
circulem no período, algumas dessas mulheres começam a basear seus romances e até mesmo críticas na
injustiça masculina sobre seu gênero, colaborando, assim, para a luta dos direitos feministas. No Brasil, a
considerada pioneira de publicação feministas se chama Nísia Floresta, e é a principal investigada no
projeto.

1.2. NÍSIA FLORESTA


Dionísia Gonçalves Pinto titulou-se Nísia Floresta Brasileira Augusta, foi uma mulher residente do
nordeste brasileiro, nasceu no dia 12 de outubro de 1810 na cidade nomeada anteriormente como Papari
(atualmente a cidade se chama Nísia Floresta em sua homenagem). Nísia era educadora e autora, e
publicou vários livros e textos, que foram e ainda são considerados à frente de seu tempo. Pinheiro e
Sánchez (2018) descrevem Nísia Floresta como uma mulher que defendia vários tipos de liberdades e que
desenvolveu uma intensa movimentação política e literária a favor desses ideais. De acordo com Pinheiro;
Sánchez, 2018, p. 87 “essa era a favor da liberdade das mulheres, dos escravizados, da escolha de religião e
da república".
Com vários textos publicados no Brasil e na Europa, Nísia foi a primeira a abrir uma escola democrática só
para meninas no Brasil, onde as matérias ensinadas eram do mesmo interesse para os meninos.

Os homens, não podendo negar que nós somos criaturas racionais, querem
provar-nos a sua opinião absurda, e os tratamentos injustos que recebemos, por
uma condescendência cega às suas vontades; eu espero, entretanto, que as
mulheres de bom senso se empenharão em fazer conhecer que elas merecem
um melhor tratamento e não se submeterão servilmente a um orgulho tão mal
fundado (DUARTE, 2010, p. 840 )

Sendo a área da moda uma grande empregadora de serviços femininos até a atualidade, a pergunta inicial
que move esse projeto é: Quais ideais, críticas ou pessoas podem transformar as tendências de moda? Por
isso, será analisado e posto em condições as vestimentas do século XIX, sendo exposto como e porque as
mulheres intelectuais oitocentistas mudaram o rumo da moda, dando ênfase no trabalho da considerada
pioneira do feminismo no Brasil, Nísia Floresta.

2. METODOLOGIA
Para a compreensão do assunto pesquisado, torna-se essencial a análise de materiais disponíveis no
espaço tempo da época em que se é estudada. Nesse sentido, este projeto de iniciação científica faz uso da
metodologia historiográfica, expostas em figuras ilustrativas, como fotografias, jornais, livros e textos, que
28
expõem registros e relatos históricos, com informações e comprovações necessárias para o resultado e
discussão acerca da pesquisa, exibindo assim, a evolução da vestimenta no século XIX.
Para as referências de uso bibliográfico, serão averiguados os conteúdos disponíveis em bancos de dados
científicos, não só da época, mas também de documentos recentes, onde intelectuais escrevem suas
descobertas sobre o século. Serão utilizadas fontes secundárias e fontes primárias, essas seriam: revisão
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

bibliográfica, e documentos escritos juntamente de fotos imagens fornecidas na época. Nos documentos
escritos, a análise sobre as informações será obtida na produção, tal como o autor, a data, o tipo de
documento que se foi fornecido, dentre outras características. Através desses documentos escritos, haverá
também consultas em dois jornais, “O sexo feminino” (1873 a 1889) e o jornal de conhecimento mais
famoso do período, intitulado “Jornal das Senhoras” (1852 a 1855), ambos do Rio de Janeiro e disponíveis
na Hemeroteca Digital Brasileira.

3. RETRATOS E OBRAS DE MULHERES DO SÉCULO XIX


As imagens escolhidas para a análise da indumentária descrita e exposta no artigo tiveram como
preferência a busca de artistas nacionais que vivenciaram o século. A partir dessa escolha, foi feita uma
pesquisa sobre os pintores do período, e selecionadas as obras. Grande parte dessas são encontradas em
museus nacionais, três em específico: o Museu Pinacoteca de São Paulo, o Museu Nacional de Belas Artes e
o Museus Imperial.
Entretanto, duas das imagens são de uma pintora francesa, Louise Abbéma, e a obra é exposta no Museu
Carnavalet.
A maioria dos quadros não são populares e apresentam-se em datas distintas, abrangendo do meio para o
final do século XIX. As imagens analisadas serão: “A redenção de Cã” (1895), do artista Modesto Brocos,
“Leitura” (1892), de Almeida Junior, “Más notícias” (1895), de Rodolfo Almoedo, “Nhá Chica” (1895), de
Almeida Junior, “O importuno” datada de 1898, do artista Almeida Junior, “Portrait de Jeanne Samary”
(1879), de Louise Abbéma, “Retrato da Princesa Isabel” (1868), de Édouard Viénot, e “Self Portrait”
(1876), de Louise Abbéma.
Ao analisar essa primeira obra (figura 1), pintada por Almeida Junior no ano de 1892, onde o foco
principal está na mulher lendo seu livro, nota-se que a atividade é realizada de forma tranquila, trazendo
sensação de paz para o observador. Ao seu lado esquerdo, há uma cadeira vazia com um casaco
pendurado, passa a impressão que havia outra pessoa sentada junto da moça. As características que a peça
apresenta, deixa subentendido que a figura que ali estava era um homem.

Figura 1 - Óleo sobre tela, obra “Leitura”, 1892, de Almeida Junior.

Fonte: Proença (2002).


29
Segundo o site Universia (2012), a publicação “O Projeto Um Pouco de Arte para sua Vida homenageia hoje
o pintor Almeida Júnior, que fez parte de dois movimentos, o academismo brasileiro e o realismo”
descrevem a obra acima e expõe que, por intermédio da pintura, foi retratada como um registro de esforço
pela modernização de São Paulo. A moça, lendo concentrada, é representada com o desejo de alcançar a
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

modernidade e o cosmopolitismo das cidades-referência da Europa, Londres e Paris, com ênfase de que a
jovem se veste como uma europeia. Segundo Proença (2002, p. 218),

Nas obras dos artistas brasileiros da segunda metade do século XIX, essas ideias
que orientam o Neoclassicismo aparecem de forma menos rígida. E no final do
século, os pintores nacionais começam a seguir novas direções, principalmente
os artistas que vão à Europa e entraram em contato com os movimentos
Impressionista e Pontilhista. Essa mudança virá de uma forma mais clara com
Eliseu Visconti, mas os primeiros sinais já aparecem em algumas obras de
Belmiro de Almeida e Antônio Parreiras.

Desse modo, percebemos as influências europeias nas produções artísticas brasileiras por outro viés: o da
roupa. Nesta obra, o estilo da indumentária usada pela modelo aparenta ser vestes do chamado Gibson
Girl, que foi introduzido como um ideal de beleza americana pelo ilustrador Charles D. Gibson. Lurie
(1997) explica que durante o período que esse estilo surge, é o mesmo onde a primeira onda do feminismo
aparece, e que as mulheres não foram imediatamente libertadas dos trajes volumosos como tinham de
costume, “só é masculina da cintura pra cima.”. A modelo se senta na cadeira de forma desalinhada,
trazendo aspecto mais relaxado, com os cabelos soltos demonstrando liberdade, como se estivesse
realmente em sua própria casa e à vontade.
Suas roupas são refinadas, o tecido da saia é uma seda tingida em tons claros amarelos, a gravata plastron
(moda masculina do século XIX) de seda em tom branco, passando a impressão de ser rendada, assim
como a moda da década era exibida. Laver (1989) descreve a maioria das roupas da década como, “saia,
lisa sobre os quadris, que se abria em direção ao chão em forma de sino. Cascatas de renda desciam do
decote” e, assim, se nota uma grande similaridade com a descrição e a vestimenta da obra. Por cima, uma
jaqueta de couro em tons marrons.
Outra perspectiva do quadro é a do site Arte Livre (2018) que conta a história do cabelo longo da modelo.
Segundo o portal, escrito por Sonia Zaghetto, a moça se chamava Maria do Carmo de Almeida, conhecida
também como Marieta. As histórias de família – hoje narradas por sua bisneta Janice Mazzucato Agochian
– informam que a menina nasceu com um tumor na cabeça e a mãe dela prometeu a Nossa Senhora da
Penha que, se houvesse a cura, enquanto ela vivesse sua filha não cortaria os cabelos. Apesar de se ter
mudanças notáveis na vestimenta durante a década de 1890 (começo da Belle Époque), ainda, em vários
aspectos, a moda feminina da época era mais opressiva que a metade do século. “O espartilho terminava
anteriormente na cintura ou logo abaixo dela, atendendo as muitas gestações da mulher vitoriana dos
primeiros anos” (LURIE, 1997, p. 235).
A figura 2 mostra a pintura “Más notícias”, que foi concretizada no ano de 1895. Assim como a obra
anterior, ela ocorreu no período da Belle Époque (1890-1914). Ao observar a imagem, se nota que a classe
da moça representada é elevada, seu vestido traz os traços da burguesia, juntamente com o cenário em
que acontece. Com olhos expressivos e distantes e o corpo inclinado, a modelo parece fixar seu olhar para
quem está admirando a obra.
Figura 2 – Óleo sobre tela, obra “Más notícias”, 1895, de Rodolfo Almoedo.

30
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural (2017).


Em uma leitura do quadro no site especializado, Vírus da Arte & Cia (2016, online), a autora acrescenta tal
descrição: “O corpo inclinado para a direita repassa a leitura de uma intensa emoção, sendo que seu rosto
de traços marcantes demonstra angústia e conformidade”. Com uma carta amassada em uma de suas
mãos, tanto o nome da obra, quanto a leitura corporal da modelo nos traz sensação de angústia, devido a
uma má notícia recebida.
Laver (1989, p. 208), escreve que na década de 1890, as anquinhas desaparecem dos vestidos, “a
vestimenta para o dia possuía gola alta com um babado de renda ou um grande laço de tule” assim como
pode se observar na pintura. O autor citado ainda descreve: "Usava-se grande quantidade de renda. As
mangas que no começo da década eram cheias nos ombros, ajustaram-se depois e adquiriram proporções
enormes em torno de 1894” (1989, p. 208). O vestido da moça é representado com essas características
descritas, a manga de seu vestido possui o nome de manga-balão.
O traje é estampado em listras com cores claras, que passam delicadeza e feminilidade, e que são ideais
para dias de verão, o vestido e laço na cintura são de seda natural. A renda (malharia de urdume) é de
fibra de algodão. A almofada em que ela está escorada é um tecido conhecido como Jacquard (tecido em
alto relevo e com vários desenhos elaborados).
Além da vestimenta, a modelo possui como acessório pulseiras nos dois pulsos, que pela cor, lembra ouro,
enfatizando o seu status social. E como conclusão da análise da obra, se nota que a modelo é uma mulher
burguesa, que acompanham as tendências de moda do período, e que por estar usando uma roupa diurna
descrita acima, estaria em seu lar, ou seja, não possuía um trabalho, assim como a maioria das mulheres
burguesas da época. Entretanto a falta de aliança no seu dedo, nos mostra que esta ainda não era
comprometida.
Nesse terceiro quadro (figura 3), se tem o retrato da Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II e da Imperatriz
Teresa. O ano da obra é 1868, costumes, roupas e decorações no geral são inspirados no estilo Vitoriano. A
era Vitoriana acontece devido ao reinado da Rainha Vitória na Inglaterra, em 1837, entretanto, na moda, a
época Vitoriana é dividida em dois momentos: Early Victorian (1840 a 1860) e Mid to Late Victorian (1860
a 1890) (ANACLETO, 2016, p. 23)

Figura 3 – Óleo sobre tela, obra “Retrato da Princesa Isabel”, 1868, de Édouard Viénot.
Fonte: Escola Britannica (2019).

O retrato da Princesa acontece na segunda fase da época. A década de 1860 é marcada por grandes 31
armações nos vestidos. Laver (1989, p. 188) escreve que o alto da crinolina ocorreu nessa década: “As
cinturas eram finas, e o corpete justo; mas ao ar livre era costume usar um xale ou um mantelete fazendo
com que a aparência geral da mulher fosse a de um triângulo". Pode-se notar semelhança entre a pintura e
a explicação de Laver sobre a década, pois a vestimenta retratada na obra, aparenta estar justa ao corpo, e
no caimento do ombro nota-se uma espécie de xale.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Outra característica da segunda fase da era vitoriana é o uso das cores escuras. Em 1861, com o
falecimento do Príncipe Albert, a Rainha Vitória em sua tristeza se apropria do preto, vestindo luto e não o
tirando até o fim da vida, por isso as cores do período são escuras e frias. Na obra, temos um azul no corpo
do vestido, que é feito de tela de cetim, com mangas talhadas referente à moda da idade média. Na gola, o
colarinho branco no vestido confere uma aparência social ao conjunto e, juntamente, um xale de renda
preta, feito de malharia de urdume.
No parecer total, a roupa utilizada pela Princesa demonstra características diurnas, com uma simplicidade
clássica e intelectual, que mostra uma seriedade no contexto da roupa e da linguagem corporal vistas
nesta pintura. Para concluir, nos passa o entendimento de que o quadro foi pintado para obter uma visão
mais séria e intelectual da Princesa Isabel, e que apesar da obra não possuir um fundo com vista, ao
olharmos para a obra, nota-se conforto e naturalidade.
A figura 4 corresponde a um retrato da mulher intelectual que tem como principal foco o projeto de
pesquisa, Nísia Floresta. A pintura é de 1875, quando a autora volta para a Europa. A foto foi retirada do
livro “Nísia Floresta: Memória e História da mulher intelectual do século XIX” de duas autoras, Rute
Pinheiro e Laura Sánchez (2018).

Figura 4 – Foto do túmulo e retrato de Nísia Floresta

Fonte: Pinheiro; Sánchez (2018).

A data descrita nos leva à Era Vitoriana e, assim como o quadro anterior, o ano de 1875 se encaixa na
segunda fase do estilo. A década de 1870 foi marcada pelas cores vibrantes, devido às invenções da época.
Surgiram nesse período a máquina de costura e as tintas à base de anilina. As saias eram longas, após a
crinolina não ser mais tão utilizada.
Ao analisar a vestimenta e todo o complemento visual que cerca a Nísia, nota-se que sua aparência possui
um porte mais intelectual, devido ao corte de sua roupa. Com vestido de botões e gola bem próximos ao
pescoço, assim como a pintura anterior, a vestimenta nos remete a seriedade e simplicidade, uma roupa
sem muitos adornos. A autora utiliza uma espécie de capa com mangas por cima do vestido que, pela
representação, aparenta ser de seda e seu vestido em tela de cetim. As considerações que temos da
imagem é que a roupa utilizada é diurna e suas combinações são utilizadas para descrever uma pessoa
responsável e séria, algo que enfatizava a posição e a competência do seu trabalho, assim como a
indumentária da pintura anterior da Princesa Isabel.

32
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo é um recorte temporal da pesquisa científica sobre a moda e a indumentária do século XIX da
mulher intelectual Nísia Floresta. Deste modo, as considerações finais ainda não são definidas por um
estudo completo e sim por pequenos fragmentos já escritos, ou estudados. A partir do que já se foi
realizado, e até mesmo do parecer publicado nos textos acima, conclui-se que a moda do século XIX, foi
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ditada e erotizada sempre por uma figura masculina e que ao longo desse período mulheres conquistaram
pequenas esperanças, como o trabalho, a escrita e algumas libertações da vestimenta. Entretanto, seus
feitos foram enfatizados e iniciados a partir de alguma ideia que se espalhou.
Ao analisar a história, pode-se deparar com textos e livros de mulheres inspiradoras que compartilharam
sua sabedoria e sua indignação contra o patriarcado, entre elas a autora e educadora Nísia Floresta. O
processo para essas conquistas foi de longa duração, como se pode notar nas pinturas expostas neste
artigo. Mesmo que alguns textos e livros sobre a indignação do tratamento dos homens para com as
mulheres tenham sido publicados no meio do século, as ideias do feminismo se tornam mais abrangentes
no último quarto do período, quando a primeira onda do movimento surge.
Conforme a data das obras, se nota a diferença de uma apresentação para outra. No primeiro quadro, onde
a data é 1892, a roupa da moça traz traços da vestimenta masculina, além de nos apresentar trajes no
estilo Gibson Girl. O segundo quadro, apesar de ser na mesma década, tem como modelo uma mulher de
diferente estilo comparada com o apresentado na primeira obra. Nota-se elegância e riqueza em seu porte
e em sua vestimenta, o que se assemelha da terceira obra, mesmo que essa apresente características
opostas em sua estética, pois a indumentária pintada revela um estilo mais conservador e sóbrio. A quarta
e última obra possui conexão com o retrato da Princesa, devido ao estilo conservador e sóbrio, apesar de
essa possuir em seu traje uma cor mais viva. Portanto, esse detalhe se refere ao estilo da década, que se
passa logo a seguir à pintura anterior.

AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador pelo apoio e orientação e a Fundação Araucária (FA) pelo fomento à pesquisa
brasileira no estado do Paraná. Agradeço também à Universidade Estadual de Maringá – Programa de Pós-
Graduação (PPG) e ao Departamento de Design e Moda (DDM) do curso de Moda da UEM – Campus
Regional de Cianorte (CRC).

REFERÊNCIAS
[1]. ANACLETO, Laura Mello de Mattos. O cinema americano das primeiras décadas do século XX e a construção
de estereótipos femininos: algumas análises. Programa de pós-graduação em têxtil e moda, Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2016. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/100/100133/tde-27072016-
171815/publico/laurammanacleto.pdf. Acesso em: 20 de out 2020
[2]. AUGUSTA, Nísia Floresta Brasileira. Cinco obras completas. Editor Sérgio Barcelos Ximenes, 2019.
[3]. CALANCA, Daniela. História social da moda. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.
[4]. DUARTE, Constância Lima. Nísia Floresta / Constância Lima Duarte. – Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
Editora Massangana, 2010. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4711.pdf
[5]. UNIVERSIA. Conheça a Leitura, de Almeida Júnior. 2012. Disponível em:
https://noticias.universia.com.br/tempo-livre/noticia/2012/07/25/953396/conheca-leitura-almeida-junior.html.
Acesso em: 12 de jun. 2020
[6]. KIEVEL, Gustavo Luiz; SCHERER, Camila Brum. Moda e política: uma análise sobre a indumentária de Maria
Antonieta e dos Sansculottes durante a revolução francesa. 5º Encontro Nacional de Pesquisa em Moda. Disponível
em:https://docplayer.com.br/19924686-Moda-e-politica-uma-analise-sobre-a-indumentaria-de-maria-antonieta-e-
dos-sans-culottes-durante-a-revolucao-francesa.html Acesso em: 19 de out 2020
[7]. LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
[8]. LURIE, Alison. A linguagem das roupas. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
[9]. MÁS Notícias. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021.
Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1604/mas-noticias>. Acesso em: 10 de out 2020. Verbete
da Enciclopédia.
[10]. ISBN: 978-85-7979-060-
33
[11]. PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
[12]. PINHEIRO, Rute; SÁNCHEZ, Laura. Nísia Floresta: memória da mulher intelectual do século XIX. Foz do
Iguaçu: Epígrafe, 2018.
[13]. PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Editora Ática Didáticos, 2002.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

[14]. Retrato Princesa Isabel. MuseuImperial/Ibram/Ministério Cidadania. 22 nov 2019 Disponível em:
https://escola.britannica.com.br/pesquisa/artigos/princesa%20isabel/recursos/242785
[15]. SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das Letras,
1987.
[16]. VASQUES, Ronaldo Salvador. Identificação e análise do vestuário/têxteis presente em museus do traje e
moda do século XIX. Tese de Doutoramento Engenharia Têxtil. Universidade do Minho Escola de Engenharia, janeiro
de 2018. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/55775. Acesso em: 04 de dez 2020
[17]. VÍRUS DA ARTE E CIA. Rodolpho Amoedo: más notícias. 2016. Disponível em:
https://virusdaarte.net/rodolpho-amoedo-mas-noticias/. Acesso em: 15 de jun. 2020.
[18]. XIMENES, Maria Alice. Moda e arte na reinvenção do corpo feminino do século XIX. São Paulo: Estação das
Letras e Cores, 2009.
[19]. ZAGHETTO, Sonia. História do Quadro: Leitura, de Almeida Júnior. Arte Livre, 2018. Disponível em:
https://zaghetto.com/alivre/2018/11/17/historia-do-quadro-leitura-de-almeida-junior/. Acesso em: 12 de jun.
2020.

34
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 4
Diversine, uma experiência estética fílmica para
pensar a diversidade na perspectiva do gênero
Hugo Bueno Badaró
Thaumaturgo Ferreira de Souza
Maria Lúcia Tinoco Pacheco

Resumo: O presente artigo visa apresentar a experiência do “Projeto Diversine”, ocorrida


no segundo semestre de 2017, no campus Manaus Centro/CMC, do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas/IFAM. O principal objetivo do projetofoi
promover, a partir da arte cinematográfica e seu viés estético, um debate sobre o tema
diversidade junto à comunidade escolar do CMC. Como um dos maiores desafios no
contexto educacional, considerando-se o paradigma inclusivo, é a mudança atitudinal, a
necessidade de se empregar diferentes estratégias nos levou ao cinema como um
espaço de formação importante. O recorte para esse trabalho se dará em torno de dois
filmes nos quais a questão de gênero foi evidenciada. O projeto atingiu 5 turmas, num
total de 87 estudantes.

Palavras-Chave: Projeto Diversine; Diversidade; Gênero; Cinema; Educação.

35

* Trabalho apresentado no IJ04 – Comunicação Audiovisual, do Intercom Júnior – XIV Jornada de Iniciação
Científica em Comunicação, evento componente do 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO: DA INCLUSÃO À DIVERSIDADE, UM PROJETO


Nos últimos dez anos, a sociedade brasileira tem acompanhado uma mudança pontual no que se refere à
inclusão e muito embora o tema não seja novo, em contexto social posto que desde a Declaração Universal
dos Direitos do Homem (1948), ele já apareça, é somente agora que o tema inclusão, na perspectiva da
diversidade, encontrou espaço na agenda política do Brasil, em que se insere a educação.
Diremos, inclusive, tomando como referência o documento anteriormente citado, que a inclusão caminhou
de uma ideia de igualdade entre os povos para o reconhecimento da diversidade, na perspectiva dos
diversos sujeitos que compõem essa última.
Em um breve recorte documental a ideia de inclusão no campo educacional passa, portanto, pelo
entendimento de que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”, dentre
esses, o direito à educação (DUDH, 1948), mas agora não mais aquela homogênea, mas àquela que atenda
as diferenças como apregoa aDeclaração Mundial sobre Educação para Todos, de 1990.

3. A prioridade mais urgente é melhorar a qualidade e garantir o acesso à


educação para meninas e mulheres [...]
4. Um compromisso efetivo para superar as disparidades educacionais
deve ser assumido. Os grupos excluídos – os pobres; os meninos e meninas de
rua ou trabalhadores; as populações das periferias urbanas e zonas rurais; os
nômades e os trabalhadores migrantes; os povos indígenas; as minorias étnicas,
raciais e linguísticas; os refugiados; os deslocados pela guerra; e os povos
submetidos a um regime de ocupação – não devem sofrer qualquer tipo de
discriminação no acesso às oportunidades educacionais.
5. As necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de
deficiências requerem atenção especial.
(Art.3)

Atrelados então ao reconhecimento do sujeito diverso, de que trata o documento de 1990, o discurso da
inclusão, nos tempos de agora, passou a incluir e ressignificar outros vocábulos como respeito, cultura,
acessibilidade, desenho universal, gênero, diversidade, mudança atitudinal, dentre outros. E sobre esse
último se assenta o campo educacional e um dos desafios à política educacional vigente: Como educar para
a diversidade?
Foi a partir do desafio de pensar em estratégias capazes de promover essa mudança de comportamento
em favor da diversidade e da inclusão, em que pudéssemos construir um olhar plural sobre o tema, que
propusemos o “Projeto Diversine”, que tem como princípio norteador a relação cinema-educação-
comportamento. Proposto por meio de edital de assistência estudantil (PAES), o projeto manteve como
preocupação constante o ato de educar por meio da arte fílmica.
Dentre os filmes trabalhados no período de vigência do projeto, estavam, de 2014, a produção inglesa “O
jogo da Imitação”, biografia de Alan Turing, e de 2016, o filme “Estrelas além do Tempo”, produção norte-
americana, autobiográfica, que apresenta a história de três mulheres negras, no exercício de suas
profissões na NASA, na década de 60. Ambos os filmes são recortes da diversidade na questão do gênero e
dos estereótipos e nos aproximam da relação inclusão e diversidade.

2. DO CINEMA E DA EDUCAÇÃO, O PROJETO DIVERSINE


Dentre os muitos teóricos que tratam da arte cinematográfica, Walter Benjamin (1987) é aquele que mais
trouxe contribuições das mais importantes para o contexto deste trabalho.
Para ele, o cinema é “uma obra da coletividade” dadas as condições de produção e recepção, “que serve 36
para exercitar o homem nas novas percepções e reações” (1987, p. 174) e, enquanto obra de arte, é
aquela que permite ao homem contemporâneo, uma experiência estética, por meio da qual ele se
confronta profundamente com sua existência e com tudo que dela faz parte.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Segundo Neves (2012, p. 3), em Benjamin, o “cinema tinha a capacidade de ir até estratos ocultos da
realidade, provocando paralelamente à diversão um alargamento da percepção”, ou seja, para além da
diversão e do prazer lúdico, é nessa ampliação da percepção sobre a existência humana, nessa
“visualização cinematográfica” dos problemas, desejos e enfrentamentos, que emerge no público uma
reflexão sobre seu mundo e sua própria prática social. Filmes interessantes, tanto quanto livros bons, são
aqueles capazes de provocar no seu interlocutor um incômodo, uma insatisfação.
Em uma breve analogia, o cinema é uma grande caixa preta (mágica) pela qual temos que passar. Antes de
adentrá-la somos um, após a passagem por ela, na saída, já não somos mais o mesmo que entrou. É
nesse sentido que Benjamin vê o cinema: um espaço de afetação. Afetado pelo que viu e ouviu nesta
experiência, o público-receptor échamado a uma mudança.
No que tange à diversidade, a promoção de um comportamento inclusivo, a mudança, é fundamental;
logo, apropriar-se de uma ferramenta como o cinema, capaz de provocar uma reflexão sobre o tema no
contexto educacional pareceu-nos fecundo e promissor.
Sabe-se que a utilização de filmes não está atrelada a um ou outro campo, e embora seu uso não seja novo
na escola e seu emprego geralmente ligado a certo pedagogismo e menos a uma experiência individual (e
também coletiva) com uma arte, não se pode negar que eles “[...] podem contribuir com a promoção da
sensibilização, da expansão da consciência e do reconhecimento das desigualdades sociais e
preconceitos.” (NEVES, 2012, p. 2).
Para Napolitano (2009), ao ser tomado como um texto gerador, ou seja, do qual é possível debater um
tema ou vários outros atrelados a uma mesma ideia, o filme não promove tal discussão somente por
meio de seu conteúdo literal, mas, sobretudo, por seu caráter estético e ideológico, metafórico. O filme,
como um texto, possui entrelinhas, que permitem ao público uma experiência diferenciada. Afetado pelo
que viu e ouviu nesta experiência, o receptor é chamado a uma mudança.
Nesse sentido, resgatar a relação do cinema com a educação brasileira, que se inicia por volta dos anos 20,
quando os filmes nos surgem em contextos de projetos educacionais, por apresentarem potencial
educativo (LEITE, 2005), e ressignificar seu valor artístico, estético e cultural no que se refere à
construção de um olhar plural sobrea diversidade foi o objetivo que norteou o Projeto Diversine.
Centrado na arte cinematográfica, em diálogo com a educação, considerando-se, sobretudo, seu objetivo
principal que fora promover, a partir da sétima arte e seu viés estético, um debate sobre o tema
diversidade, o projeto Diversine teve nos seus interlocutores – a comunidade escolar do IFAM – e na
recepção que fizeram do material selecionado o ponto principal de sua atividade.
De natureza interventivo–investigativa, e abordagem qualitativa, o projeto considerou as seguintes
atividades:
1ª Preparação da equipe do projeto e material publicitário;
2ª Seleção e Edição de filmes com enfoque em deficiência, gênero, orientação sexual e cultura;
3ª Debate sobre o filme pela equipe de trabalho;
4ª Produção de questionário semiaberto;
5ªExibição fílmica, seguida de diálogo com a turma e aplicação do questionário;
6ª Produção de relatório parcial e final;
7ª Socialização do projeto em amostra institucional.

De modo geral, essas atividades foram distribuídas em duas fases: na primeira, denominada
“Planejamento”, tivemos a preparação da equipe executora por parte do coordenador, e incluiu a
apresentação do plano de trabalho, com as reuniões de grupo. Nessa, ocorria a seleção do material fílmico
a ser exibido no mês subsequente, o levantamento de pontos a serem discutidos, a confecção de material
para divulgação do projeto (figura 1), a produção de questionário específico sobre a exibição feita 37
(figura2), e a definição da abordagem a ser empregada junto ao público no momento da sessão.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Figura 1- Cartaz do projeto

Fonte : Bolsistas/Voluntário do Projeto Diversine (2017)

Figura 2- Modelo de questionário específico

Fonte : Projeto Diverse (2017)

Nas reuniões preparatórias da equipe, ganhou relevância o modo como a arte cinematográfica fora
trabalhada sob o viés da linguagem, das escolhas estéticas dos realizadores do material, da performance
dos atores, da construção das personagens, dentre outros, e de como estes aspectos apresentaram a
diversidade, de modo direto ou indireto, se por meio de comparações ou por meio alegorias.
Na segunda fase, denominada “Exibição”, ocorreu a apresentação fílmica, seguida do diálogo com o
público e da aplicação do questionário junto a ele. A partir das respostas dadas ao questionário, da
observação direta sobre a plateia e da receptividade da atividade proposta, a equipe, em reunião
posterior, avaliou a condução do processo e do impacto da exibição na comunidade.

3. OS FILMES: DA EXIBIÇÃO ÀS DISCUSSÕES


38
Nesta etapa do projeto foi feita a exibição dos filmes selecionados, seguida de uma conversa com a plateia
sobre os variados aspectos que aquela experiência propunha, a começar pelo roteiro proposto. Os filmes
apresentados, no contexto da diversidade, com recorte na questão do gênero (e sexualidade), foram "O
Jogo daImitação" e "Estrelas além do tempo".
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Lembramos que a seleção desses e de outros filmes se deu no âmbito das reuniões dos gestores do
projeto. Sobre a escolha pesou, sobretudo, a experiência fílmica individual vivenciada pelos membros
da equipe inicialmente, as discussões posteriores em torno das percepções que tivemos quando feitas as
reuniões. A ideia era trazer para o nosso público o mesmo clima, da experiência individual à coletiva, a
produção de um olhar sobre a diversidade.
O filme "O jogo da imitação" de Allan Turing, foi pensado e escolhido por diversas questões pertinentes
no mesmo, questões essas, que estão diretamente ligadas ao objetivo e assunto que queremos tratar.
Visto como um tabu à época em que se passa, e, mas que tem permeado até os dias atuais, a questão do
homossexualismo, adensado por uma sociedade onde o machismo é preponderante, é tema no filme.
Em "Estrelas além do tempo", a abordagem que fora um pouco diferente, manteve o mesmo objetivo,
promover no público-alvo uma mudança de pensamentos e atitude. Nesse filme, tratamos da questão das
minorias, agora visto pelo olhar da pessoa negra, da mulher negra, ou melhor dizendo – das mulheres
negras. O filme nos permitiu acompanhar a dificuldade por que passaram as protagonistas, vivenciando
jornadas duplas e também sofrendo duplamente, tanto por serem mulheres, quanto por serem negras. Por
outro lado, mostra o enfrentamento de determinada situação é necessário para a mudança que se quer.
Os filmes acima mencionados foram escolhidos dentre todos os outros, pensados e discutidos, pois além de
tratarem como diz Benjamim, de “perigos existenciais” totalmente pertinentes em nossa sociedade como o
tratamento diferenciado entre os gêneros, a sexualidade enquanto tabu, racismo e machismo, também
dizem respeito às dificuldades enfrentadas em partes pelo nosso público - os alunos do IFAM. Para Gomes
(1996), o racismo, a discriminação racial e de gênero, que fazem parte da cultura e da estrutura da
sociedade brasileira, estão presentes na vida e nas relações entre educadores e educandos.
Após a escolha dos filmes e a respectiva apresentação e discussão posterior, houve a aplicação do
questionário, no qual os alunos puderam nos dar mais informações sobre essa experiência. Foi por meio
dele também que conhecemos o ponto de vista e experiências sobre o assunto e sobre o que foi tratado em
sala.

4. O JOGO DA IMITAÇÃO
O filme foi exibido em duas turmas de informática do ensino médio técnico, na modalidade integral –
INF11A e INF11B –, em dias diferenciados, e assistido por cinquenta e dois (52) estudantes, no total.
Muitos, mesmo sendo do curso de informática, nunca tinham ouvido falar de Alan Turing, e muito menos
do Teste de Turing - avaliação para saber quão humano uma máquina pode parecer.
A diversidade no filme, segundo os alunos que assistiram à exibição, estava diretamente relacionada ao
preconceito, ao machismo e ao homossexualismo. Sobre a orientação sexual, um estudante discorreu: “Na
minha opinião, ele realmente pode ter se suicidado, pelo viveu. Por ser homossexual, ele não aguentou
viver com esse preconceito e com o acordo judicial, ou seja, ele pode ter ficado com depressão por esse
motivo”. Para outros alunos, “ [...] a diversidade está presente no filme quando uma mulher trabalha no
meio de homens, mesmo sofrendo muito machismo e discriminação, que era muito intenso e extremo na
época”.
Um outro ponto, bastante mencionado pelos alunos nos questionários, foi a superação contida nele, tanto
pela personagem Joan Clarke, única integrante feminina da equipe – quando ela suplanta obstáculos e
preconceito e consegue se destacar na cena em que ela finaliza a prova que a colocaria em melhor posição
na equipe em relação aos outros, quanto pelo protagonista – na criação da máquina, mesmo quando todos
desacreditaram e duvidaram dele. Superação essa, bem descrita pela frase mencionada no filme, “Aqueles
de quem menos se imaginam, fazem coisas que ninguém sequer poderia imaginar”.
Realizar uma abordagem pessoal do personagem Alan Turing, visando os obstáculos que sofreu por ser
homossexual e fora dos padrões da sociedade serviu para que muitos alunos enxergassem o humano por
trás do gênio, inclusive, considerando que a genialidade é também um fator de diferença e preconceito. A
partir dos dados coletados verificamos que os alunos dessas turmas possuem uma grande disposição para
essa temática, apesar de seu pouco conhecimento. Nesse sentido, buscar meios e estratégias para uma 39
maior abordagem do tema diversidade ajudará na compreensão doque a ela é e das suas implicações para
a inclusão.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

5. ESTRELAS ALÉM DO TEMPO


Na turma de mecânica (EMEC), em virtude de problemas de ordem técnica, o que comprometeu o tempo
destinado à atividade, optou-se por uma palestra sobreDiversidade a partir da seleção de cenas específicas
do filme “Estrelas além do tempo”. Surgiram no contexto do debate, por meio do alunado, as questões do
gênero e da raça no mundo do trabalho e do conhecimento científico.
O curso de engenharia mecânica no IFAM é marcadamente composto por um público masculino. Na turma
do 10º período, em que o debate ocorreu, há dez (10) alunos matriculados; mas apenas um é do sexo
feminino. Essa disparidade nos revela, consequentemente, ainda, o domínio dos homens em determinadas
áreas de trabalho, dentre as quais, a engenharia mecânica.
O filme “Estrelas além do Tempo”, situado na década de 60, resgata, nesse sentido, essa divisão,
marcadamente histórica, do trabalho e do conhecimento, entre homens e mulheres. As cenas selecionadas
para essa atividade objetivaram apresentar, portanto, os enfrentamentos da mulher negra, à época, no
mundo do trabalho, em áreas denominadas convencionalmente como “lugares de homens”.
A partir da escuta estabelecida no processo dessa exposição, os estudantes dessa turma consideraram que
a engenharia mecânica é, como a matemática da década de 60, sobre a qual o filme trata, ainda uma área
com predominância masculina, o que implica para as mulheres que procuram cursos dessa natureza
desafios importantes tanto na faculdade, na condição de aluna, quanto no trabalho, quando profissional.
Os cursos de engenharia mecânica, tanto na fala de alunos quanto de alunas, também é um espaço
masculinizado, que se revela inclusive no tratamento das alunas em sala de aula por parte de quadro
docente, que em sua maioria também é composta de homens.
Tais quais as protagonistas dos filmes, que ouviram que a NASA não era um lugar para mulheres, as alunas
da turma revelaram que muitos discursos proferidos, ainda que em “tom de brincadeira”, como por
exemplo, a pergunta “O que vocês estão fazendo aqui?” tem a mesma conotação. É uma experiência de
segregação.
Nas falas, pontuou-se, sobremaneira, o tratamento diferenciado e desigual a que muitas mulheres são
submetidas: sujeitar-se a cobranças maiores no mundo do trabalho para comprovar o que sabem diante
de seus pares profissionais, em grande maioria, homens; além das diferenças salariais, que as pesquisas de
modo geral já assinalam. Sobre a questão da raça, apontada inicialmente, embora tenha sido pouco
aprofundada no contexto de hoje, reconhece-se haver preconceito racial, no entanto, para a maioria, no
âmbito da mecânica a problemática do gênero é mais acentuada.
No entanto, todos os estudantes, no momento do debate, que muitas situações exigem enfrentamentos e
observar com isso se deu na trajetória das protagonistas do filme e onde elas puderam chegar mesmo com
tamanhas dificuldades é um caminho a ser trilhado. Por fim, os estudantes pontuaram que é necessário
que a mudança não deva recair somente sobre o sujeito excluído, como se ele sozinho tivesse a
responsabilidade de mudar seu destino.
A mudança deve ser parte de um conjunto maior, o que inclui a sociedade e seus mecanismos sociais:
instituições, dispositivos legais, ações.

6. CONCLUSÃO
Após a finalização do projeto “Diversine”, através dos métodos de coleta utilizados, avaliamos que a
utilização da arte cinematográfica com enfoque na diversidade no contexto do IFAM-CMC foi de grande
valia e se caracteriza como ferramenta de reflexão no contexto de educação para a diversidade.
O cinema como estratégia para conscientização dos docentes e discentes no meio acadêmico tem se
mostrado bastante produtivo e significativo, pois além de se trabalhar com a imagem e os audiovisuais,
linguagem do mundo atual, tem se mostrado promissor na quebra dos preconceitos e paradigmas em
nossa sociedade, de maneira simples, clara e através de uma experiência individual e ao mesmo tempo
coletiva.
40
A partir dos filmes selecionados e em meio às temáticas específicas abordadas com o público do IFAM,
dentre elas, o racismo, o machismo e a homofobia, pudemos observar e medir a importância e o valor da
educação para a diversidade. Por meio dessa experiência, dos comentários e da discussão da qual
participamos todos, equipe, professores e alunos, verificamos a presença do preconceito e da
discriminação ainda enraizados nas turmas do instituto.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Por outro lado, percebemos que há espaços possíveis para a discussão e que a comunidade apresenta
predisposição para participar dela e mudar seu comportamento. O bom uso de estratégias e ferramentas
como filmes que promovam a reflexão, podem serem diferenciais nesse processo no momento atual.
Ver a mulher de modo igual, discutir os direitos do outro, entender a alteridade nos ambientes
educacionais passa pelas escolhas pedagógicas. Nisso, se reafirma o papel social da escola que é o de
promover espaços que acolham as diferenças.

REFERÊNCIAS
[1] Assembleia Geral da ONU. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos (217 [III] A). Paris.
[2] BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In
[3] Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras Escolhidas v.1)
[4] ESTRELAS ALÉM DO TEMPO. Direção de Theodore Melfi. Estados Unidos da América,2016.
[5] GOMES, Nilma L. Educação, Raça e Gênero: Relações Imersas na Alteridade. Artigo apresentado no GT
“Gênero e Raça”, XX Reunião Brasileira de Antropologia e I Conferência: Relações Étnicas e Raciais na América Latina e
Caribe, em abril de 1996, p.69.
[6] LEITE, S. Cinema brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.
[7] O JOGO DA IMITAÇÃO. Direção de Morten Tyldum. Inglaterra, Irlanda do Norte e EstadosUnidos da América,
2014.
[8] NAPOLITANO, M. Cinema: experiência cultural e escolar. In: TOZZI, D. (org.) caderno de cinema do
professor: dois. São Paulo: FDE, 2009.
[9] NEVES, Fátima Maria. Como trabalhar com filmes em sala de aula. Minicurso. Anais da Semana de
Pedagogia da UEM. Volume 1, Número 1. Maringá: UEM, 2012.
[10] UNESCO. Declaração mundial sobre educação para todos. Plano de ação para satisfazer as necessidades
básicas de aprendizagem. Tailândia, 1990.

41
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 5
O fenômeno das Fake News na sociedade da
informação e os reflexos nos direitos fundamentais

Eduardo Lemos Barbosa


Luiz Gonzaga Silva Adolfo

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o tema das Fake News na
sociedade da informação e os efeitos nos direitos fundamentais. O termo Fake News é
utilizado para identificar a disseminação de notícias falsas, ponderando-se a respeito dos
reflexos gerados pela prática nos direitos fundamentais na sociedade da informação,
tendo em vista as transformações geradas pelos avanços tecnológicos. A problemática se
dá a partir da análise da existência ou não de impactos gerados pela propagação das
Fake News aos direitos fundamentais. Constatou-se, ao longo do estudo, que às Fake
News utilizam de diversos meios para espalhar as informações, principalmente as redes
sociais, uma vez que a internet se tornou um propagador das Fake News, pelo fácil
acesso dos usuários e a celeridade que as informações alcançam os indivíduos, podendo,
desta forma, gerar consequências na sociedade contemporânea. A pesquisa se
desenvolve usando o método exploratório, com o uso de doutrina, leis e artigos e sobre o
tema.

Palavras-chave: Fake News. Internet. Sociedade da Informação. Direitos Fundamentais.

42
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
O trabalho tem por tema o fenômeno das Fake News na sociedade da informação e os reflexos aos direitos
fundamentais. A problemática se dá a partir da disponibilização de notícias falsas, e os respectivos
impactos sofridos pela sociedade contemporânea.
Apresentou-se, a definição de alguns dos institutos sob análise, com objetivo de esclarecer como
funcionam e suas possíveis consequências para a coletividade, principalmente, aos direitos fundamentais.
Neste passo, buscou-se ponderar acerca da importância dos diversos atores envolvidos neste tema e a
necessidade da informação confiável.
Observou-se, de plano, que as Fakes News possuem impacto direto na sociedade atual e, faz-se necessário,
que todas as informações sejam analisadas com cautela afim de se evitar a disseminação desse mal. Frisa-
se, ainda, que com o crescimento constante das plataformas online, principalmente as mídias sociais, tem
aumentado também, a propagação de informações, inclusive as falsas, gerando um efeito de
desinformação na atualidade.
Verifica-se, que a temática em comento tem reflexos na coletividade, tendo em vista que cada vez mais
está presente no cotidiano da sociedade pelos próprios efeitos da era tecnológica atual. As Fake News
passaram a ter maior notoriedade nos últimos anos, que em síntese, são notícias falsas, criadas com o
intuito de moldar a opinião pública sobre determinado assunto ou causar danos a determinados sujeitos.
A metodologia utilizada foi a abordagem crítico-descritiva das leituras, tomando por pressuposto crítico a
preponderância e necessidade de proteção dos Direitos Fundamentais.

2. APONTAMENTOS SOBRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO


Para que seja possível compreender a temática abordada no presente estudo, inicialmente, serão
apresentados conceitos a respeito dos direitos fundamentais na sociedade da informação, para que assim,
no transcorrer do artigo, seja possível ponderar acerca dos impactos das Fake News na atualidade. Cabe
ressaltar, que os direitos fundamentais são o cerne das constituições contemporâneas, já que deixaram de
figurar somente como direitos subjetivos e começaram a ser aplicados a todas as relações jurídicas,
inclusive aquelas abarcadas pela seara do direito privado (REIS; ZIEMANN, 2016).
E, neste passo, frisam-se os efeitos emanados da Carta Magna de 1988, que buscou disciplinar com foco
nos direitos sociais, com a finalidade de (re)colocar o Brasil novamente sob a ótica da democracia e, assim,
garantir uma maior proteção aos indivíduos. Buscou-se, desta forma, um reequilíbrio na sociedade, ao se
amparar nas normas pátrias para tutelar os direitos assegurados ao longo do texto constitucional.

Assim, o contexto jurídico brasileiro contemporâneo resta brevemente


delineado. Pode-se destacar que a Constituição Federal de 1988 recolocou o
Brasil no caminho da democracia o que por si só, já representaria um enorme
avanço. Não bastasse isto, as disposições constitucionais passaram a servir
como um instrumento para embasar as reivindicações sociais, o que demonstra
uma maior proximidade entre o texto constitucional e a realidade à qual se
destina a tutelar (REIS; ZIEMANN, 2016, p. 6).

Pontua-se que os direitos fundamentais passaram por grandes mudanças na sociedade, desde seu
reconhecimento até seus conteúdos, que tratam da titularidade e de sua efetivação, dividindo-se em
múltiplas dimensões. E, foi com a Carta Universal dos Direitos Humanos, que houve a retomada das ideais
indicadas na Revolução Francesa, que tinha como alicerce os direitos fundamentais, ao buscar garantir a
todos os indivíduos, independentemente de nacionalidade, cor, raça, sexo, orientação religiosa, política ou
sexual, tivessem seus direitos protegidos (SARLET, 2012).
Nota-se, a influência da Carta Universal dos Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988, pois foi a 43
partir dela, que se passou a considerar todos os direitos fundamentais como normas de aplicação
imediata, disciplinando ao longo de todo o texto constitucional os direitos fundamentais sociais
classificados no grupo dos direitos de defesa. O termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles
direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de
determinado Estado, sendo assim, a base para um Estado Democrático (SARLET, 2012).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

E, essa sociedade que se encontrava em uma evidente mudança nas normas constitucionais, surge a
terminologia “sociedade da informação”, que com base nessa nova Constituição, passa-se também, a
questionar as práticas realizadas no espaço da internet (REIS; ZIEMANN, 2016). Neste passo, os direitos
fundamentais começaram a ser exercidos nesse ambiente digital, logo, carecendo de amparo jurídico e
proteção aos indivíduos, que passam a ser chamados de usuários.
Ademais, a sociedade da informação seria, então, uma nova representação de composição da coletividade
social, estabelecendo-se uma forma de evolução em que a informação passa a ser elemento primordial
para conceber conhecimento, ao gerar efeitos na satisfação e qualidade de vida das pessoas (MALHEIROS,
2016). Isto é, tem-se uma sociedade que consome e compartilha informações de forma instantânea,
alcançando um grande número de indivíduos.
Ainda, Malheiros (2016, p. 219) leciona que, “a sociedade da informação sugere competitividade que,
porém, se reflete diretamente no progresso intrínseco dos indivíduos. A revolução tecnológica nas
comunicações e na eletrônica é a sua face mais visível”. E, é com base nesse avanço tecnológico que a
sociedade contemporânea se fundamenta, passando a enfrentar questões antes não conhecidas, como é o
caso das Fake News.

A era da sociedade da informação, iniciada após a Segunda Guerra Mundial,


apresenta como uma de suas características o desenvolvimento das novas
tecnologias (NT) e das tecnologias de informação e comunicação (TIC). Nesse
período, ocorreram muitas transformações na esfera jurídica, quando o papel
desempenhado pelo constitucionalismo e pelos direitos humanos e/ou
fundamentais ganharam outros contornos e dimensões (NASCIMENTO, 2017, p.
265/266).

E, assim, nota-se que a sociedade da informação trouxe algumas características marcantes, como a
propagação do ambiente virtual, que passa a ser um espaço muito mais rápido, ganhando dimensões
incalculáveis (NASCIMENTO, 2017). Vive-se, na atualidade, em um mundo digital, tendo como meios de
comunicações, tablets, smartphones e computadores, tudo de fácil acesso e com rápida propagação de
informações.

Com efeito, após a Segunda Guerra Mundial, a proteção da personalidade


humana foi realizada de forma insuficiente; e, depois de várias ditaduras, houve
necessidade de se dar atenção especial à dignidade humana e à personalidade
(NASCIMENTO, 2017, 268).

E, essa alteração na valoração social e cultural dos direitos de personalidade, passam a ter reflexos em
diversos campos da coletividade, modificando-se inclusive as relações jurídicas, que passam a evidenciar
um pluralismo de situações subjetivas (NASCIMENTO, 2017). Nota-se, que se alteram elementos basilares
da sociedade, gerando efeitos que atingem a Economia, Política e também o Direito.
É na sociedade da informação, que surge a competitividade, refletindo-se diretamente no avanço
tecnológico, tendo na informação uma nova forma de comunicação, que passa a ser utilizada em diferentes
contextos sociais, econômicos e políticos, adaptando-se, assim, a uma nova estrutura social. Tem-se, desta
feita, reflexos na sociedade local e global.
Frisa-se, que nessa nova sociedade, as informações não são lineares, visto que elas não seguem uma
estrutura fixa, ao contrário, são dinâmicas e podem carregar ao mesmo tempo diversas mensagens e
conhecimentos, podendo ser lidas, ouvidas até em tempo real (CASTELLS, 2005). A sociedade passa, desta
forma, a se conectar de forma instantânea, por diversos meios de comunicação, divulgando informações
com apenas alguns cliques. 44

Em todas as sociedades, a humanidade tem existido em um ambiente simbólico


e atuado por meio dele. Portanto, o que é historicamente específico ao novo
sistema de comunicação organizada pela integração eletrônica de todos os
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modos de comunicação, do tipográfico ao sensorial, não é a indução à realidade


virtual, mas a construção da realidade virtual (CASTELLS, 2005, p. 459).

A internet é vista, atualmente, como um meio de comunicação que interliga dezenas de milhões de
computadores no mundo inteiro, permitindo o acesso a uma quantidade de informações praticamente
inesgotáveis, anulando toda a distância de lugar e tempo (PAESANI, 2012). Contudo, não se pode ignorar
que mesmo com tantas vantagens advindas da tecnologia, também podem ocorrer prejuízos em desfavor
da sociedade, cite-se o fenômeno das Fake News, que será tratado posteriormente, no presente estudo.
Ressalta-se, ainda, que após o advento da internet, houve um crescimento de danos à vida privada, à
imagem das pessoas, tendo em vista que são direitos facilmente violados no ambiente digital, uma vez que,
com a liberdade plena que o internauta possui, alguns utilizam a ferramenta para o mal, bem como a falta
de vigilância nos sites, além da não punição civil, tanto ao usuário quanto ao provedor de serviço, que
podem ocasionar tais ofensas (BAHIA, 2014). Assim, nota-se a necessidade de regulamentação e proteção
aos direitos dos indivíduos, como é o caso dos direitos fundamentais, que se baseia em princípios e
normas para regulamentar essas garantias constitucionais.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CF) (BRASIL, 1988), no seu


art. 5º, inc. X, tutela a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e
imagem como direitos fundamentais. Vale ressaltar que os direitos da
personalidade, sendo considerados direitos subjetivos privados, inatos e
vitalícios, têm como objeto manifestações interiores da pessoa e que, por isso,
não podem ser disponibilizados de forma absoluta e relativa (NASCIMENTO,
2017, p. 272).

Pontua-se, que a internet constitui apenas mais um espaço que merece o amparo das normas pátrias,
principalmente, no que se refere aos direitos fundamentais, que possuem o papel que historicamente
sempre desempenharam em favor da sociedade. Porém, nesse novo espaço, o virtual, emergem
constantemente, necessidades criadas pela globalização, a partir da qual tudo acontece muito mais rápido
e se conecta de forma instantânea (NASCIMENTO, 2017).
Dentre as garantias constitucionais, destaca-se, o direito à informação, que tem previsão no artigo 5º,
inciso XIV da Carta Magna brasileira, ao assegurar a todos o acesso à informação, resguardado o sigilo da
fonte, sendo um direito a um conjunto de dados (MALHEIROS, 2016). Contudo, como é o caso das Fake
News, observa-se, que muitas vezes, ocorre um sensacionalismo informacional, a partir de uma verdadeira
espetacularização de uma notícia.
Ainda, outro direito fundamental que merece atenção, no presente estudo, é o Direito à privacidade, que
possui também respaldo na doutrina norte-americana, contando com um vocábulo consolidado pela
doutrina e pela jurisprudência: “privacy” (ou “right to privacy”) (NASCIMENTO, 2017). Ressalta-se, que o
direito fundamental à privacidade se insere nos chamados direitos de personalidade, que tem em sua base
o princípio da dignidade da pessoa humana, em favor da proteção de uma série de garantias para o
desenvolvimento do cidadão (SOUZA, 2008).
Doneda (2006, p. 139) discorre a respeito desse linear histórico, aludindo que,

(i) partia-se de um novo fato social, que eram as mudanças trazidas para a
sociedade pelas tecnologias de informação (jornais, fotografias) e a
comunicação de massa, fenômeno que se renova e continua moldando a
sociedade futura; (ii) o novo “direito à privacidade” era de natureza pessoal, e
não se aproveitava da estrutura da tutela da propriedade para proteger
aspectos da privacidade; (iii) no que interessa somente aos EUA, o artigo abriu 45
caminho para o reconhecimento (que, porém, ainda tardaria décadas) do
direito à privacidade como um direito constitucionalmente garantido.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

No direito pátrio a norma que dispõe sobre a privacidade está disciplinada no artigo 5º, inciso X, da
Constituição Federal de 1988, tendo o legislador se preocupado em resguardar a vida privada e a
intimidade, isto é, tratando a respeito das camadas na interpretação desse direito (BRASIL, 1988).
Ademais, menciona-se, o direito à privacidade do domicílio e correspondência, que possui amparo no
artigo 5º, incisos XI e XII, da Carta Política.
E, do mesmo modo que ocorre em outros direitos fundamentais, o direito à privacidade também passa a
ser observado pelo ambiente digital, visto que surge a necessidade de proteção da privacidade, em um
ambiente caracterizado pela liberdade de uso do indivíduo. Dentro desse contexto, nota-se a defesa dos
direitos humanos na sociedade da informação (MALHEIROS, 2016).

O hodierno período de evolução da sociedade da informação é revérbero do


raciocínio e dos movimentos ideais para a importante tutela de interesses
fundamentais no cenário das relações exteriores. A irascível luta pelo poder
muitas vezes não encontra qualquer limite, com incontáveis perdas nas relações
humanas. A imprescindível conscientização do ser humano de seu verdadeiro
valor e da necessidade intrínseca de colaboração mútua para a construção de
uma sociedade igualitária e justa pode até se configurar como uma ideia
completamente utópica e sem a devida aplicação prática (MALHEIROS, 2016, p.
229).

Destaca-se, que não se busca criar impedimentos para o avanço tecnológico, uma vez que, trata-se de um
progresso inerente a sociedade contemporânea, mas deve ocorrer, uma equalização com as tutelas dos
direitos fundamentais, por meio de uma colaboração mútua tanto nas relações públicas como privadas.
Logo, frente as possibilidades de prejuízos aos indivíduos nos ambientes virtuais, deve-se aplicar e
respeitar as normas constitucionais, protegendo-se, assim, a sociedade.
Frisa-se, que o direito de navegar com privacidade liga-se à possibilidade de entrar em diversas páginas da
internet, com expectativa de fazê-lo com privacidade, vinculando-se ao direito de estar navegando com a
segurança de saber se está ou não vendo vigiado (NASCIMENTO, 2017). Contudo, observa-se, que se de um
lado existe o direito à privacidade on-line, de outro, pode ocorrer a propagação de informações, sem ser
possível identificar o usuário que compartilhou a notícia, podendo esta inclusive ser falsa, sendo apenas
um dos efeitos das Fake News, principalmente, se a divulgação da informação for realizada por meio das
redes sociais, situação que implica ainda mais fragilidade para a efetiva proteção dos usuários no
ambiente virtual.
Registra-se, assim, que mesmo havendo a busca para a proteção dos direitos fundamentais no
ordenamento jurídico pátrio, permanecem questões novas, que surgem constantemente na sociedade da
informação, que carecem de tutela aos indivíduos. Neste passo, o próximo tópico tratará objetivamente do
fenômeno das Fake News e seus efeitos aos direitos fundamentais.

3. O FENÔMENO DAS FAKE NEWS NA SOCIEDADE DA INFORMARÇÃO E OS IMPACTOS NOS DIREITOS


FUNDAMENTAIS
O fenômeno das Fake News, tornou-se uma questão social da sociedade contemporânea, tendo em vista as
alterações informacionais que a prática gera ao utilizar como ferramenta de propagação as redes sociais,
sendo este um dos principais meios de comunicação na Era Digital. Com efeito, é baseado nesse amplo
acesso à internet e o massivo compartilhamento de informações e dados, que cresce a disseminação de
notícias falsas, amparando-se no ambiente digital para ganhar cada vez mais impulso e, atingir o maior
número de usuários.
A internet se tornou além de uma rede mundial de computadores, considerando que os computadores,
atualmente, tornaram-se mais que um meio de conexão entre os indivíduos, fazendo que desta forma, cada
46
vez mais os usuários estejam interligados no ambiente virtual (FARIAS; ROSENVALD; BRAGA NETTO,
2015). E, com base nessas evoluções tecnológicas, que se originam questões a respeito da função do
Direito, em regular as relações realizadas, também no ambiente digital.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Uma autoestrada da informação e a criação de uma infraestrutura


informacional de base tecnológica possibilita a divulgação e a transmissão de
mensagens a um maior número de pessoas, por meio da acessibilidade e a
conectividade em internet e o tráfego de veículos digitais que levam em seu
conteúdo dados (bits e bytes) provenientes da transmissão de áudio, vídeo,
formas variadas de mídia, escrita etc. (MALHEIROS, 2016, 221).

Os conteúdos informacionais passaram a circular em maior quantidade e de modo mais rápido, em


suportes que logo se tornam obsoletos ao passo que novas tecnologias foram sendo desenvolvidas. Assim,
houve a necessidade de repensar a propagação de informações dentro desse novo padrão tecnológico
(NASCIMENTO; FREIRE, 2014).
Nota-se, de plano, que a análise do fenômeno das Fake News tem ganhado notoriedade ao longo do mundo,
principalmente nos últimos anos, com a expansão da internet, que por meio das redes sociais podem criar,
compartilhar e disseminar as informações falsas. Pontua-se, que as notícias falsas, denominadas por “Fake
News”, passaram a ganhar notoriedade nas mídias, principalmente nos ambientes digitais, já que as redes
sociais são vetores para essas propagações de (des)informações.
A pós verdade, é um termo já incorporado ao vocabulário da mídia mundial, sendo parte de um processo
inédito provocado essencialmente pela avalanche de informações geradas pelas novas tecnologias de
informação e comunicação (TICs) (CASTILHO, 2016). Estas disseminações, evidenciam condutas
normalmente sensacionalistas, que visam atingir o maior número de usuários possíveis, sob o disfarce de
reportagens de notícias.
O direito à informação, que é um direito fundamental insculpido na Constituição Federal do Brasil,
aproxima-se mais do conceito de pós-verdade, embora esse último não represente compromisso algum
com sentido de verdade ou credibilidade da informação que se tem como referência nos dias atuais, mas
que traz um apelo mais emocional e menos racional (FAUSTINO; FULLER, 2018). Logo, parece surgir uma
sensação de permissibilidade ao indivíduo dar sua opinião pessoal na construção da informação, mesmo
que não seja a princípio, amparada por fatos reais.
Ademais, a revolução digital propiciou um contexto no qual as pessoas estão aptas a exercer uma
comunicação muito mais dinâmica e célere com as outras, o que não ocorria em épocas anteriores, com a
comunicação por cartas ou mesmo com a comunicação pelos telefones fixos, por exemplo. As novas opções
de comunicação digital se modificaram significativamente, tendo em vista as evoluções no modo como a
sociedade se comunica na atualidade, pois todos contemplam oportunidades de se comunicar e colaborar,
em qualquer momento e em qualquer lugar, sendo necessário discutir a respeito das decisões apropriadas
para cada momento e opção advinda da comunicação digital (SIQUEIRA; NUNES, 2018).
Portanto, essas notícias falsas, utilizam-se de meios de comunicação para conferirem aparência de
verdade, gerando canais de disseminação informacional em massa. Ainda, quem gera e divulga as Fake
News, tem o objetivo de que seja realmente publicada e compartilhada a informação, preferencialmente,
pelo maior número de usuários e, assim, alcançando um número expressivo de consumidores, amparando-
se em mentiras, para alcançar a finalidade deseja.

A manipulação da informação ou da notícia com a finalidade de amoldamento


da opinião pública ou de buscar o alcançar algum objetivo torna-se a
justificativa do surgimento de uma cultura de fake news, ou seja, a
materialização do que se entende pós-verdade (FAUSTINO; FULLER, P. 127).

Tem-se, então, que a divulgação de informações falsas ou distorcidas não é um problema novo, mas a
disseminação em massa desse conteúdo por meio da Internet e seu impacto na sociedade contemporânea
vêm chamando atenção a atualidade. Destaca-se, os efeitos na política, que após 2016, tiveram diversas
47
notícias falsas divulgadas durante as eleições norte-americanas e as discussões sobre o referendo que
decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia, verificou-se a emergência de se entender o que
seriam as chamadas Fake News e como elas poderiam ser combatidas sem prejudicar as liberdades
fundamentais e a diversidade de opiniões. (TEFFÉ; SOUZA, 2019).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

A pós-verdade ganhou destaque após fatos recentes ocorridos, principalmente


após as eleições presidenciais de 2016 dos Estados Unidos, sendo eleita a
palavra do mesmo ano pelo dicionário de Oxford. Ela denota o surgimento de
uma nova forma de agir do ser humano diante da verdade quando ligada à
informação ou às notícias, nesse sentido o próprio dicionário de Oxford2
definiu a pós-verdade como sendo: “Relacionando ou denotando circunstâncias
em que os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública
do que atrai a emoção e a crença pessoal”, dessa forma o conceito de pós-
verdade se relaciona de forma mais abrangente com a mentira, pois não
significa a mentira em si, porém a indiferença com a verdade (FAUSTINO;
FULLER, p. 125/126).

Pontua-se, ainda, que as eleições presidenciais dos Estados Unidos no ano de 2016 deixaram evidentes a
possibilidade de utilização da pós-verdade como ferramenta de direcionamento da opinião pública em
relação ao candidato Donald Trump, visto que, foi atribuindo a ele uma série de discursos e informações
falaciosas, que só foram possíveis devido às Fake News (FAUSTINO; FULLER, 2018). Desta feita, nota-se,
que a informação falsa por ser transformada em um emissor de notícias ou de informações, sem o
compromisso com a verdade.
Cabe destacar, que as Fake News não surgiram agora somente, na era da tecnologia, sendo já eram tratadas
nas divulgações realizadas em jornais, televisão e rádio. Contudo, pontua-se que, nenhum desses canais de
comunicação tinha força de alcance quanto a internet, e também, era possível identificar, na maioria dos
casos, quem ou qual empresa disseminou tal informação, diferentemente no ambiente virtual, que os
usuários se escondem atrás de avatares, com nomes e características criadas, sem se preocupar com a
veracidade das informações indicadas.
As Fake News possuem reflexos diretos nos direitos fundamentais, e também nos direitos de
personalidade, estes que são direitos sem os quais a personalidade restaria completamente irrealizada,
privada de todo o valor concreto, considerando que são direitos sem os quais todos os outros direitos
subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo. São esses os chamados “direitos essenciais” com
os quais se identificam precisamente os direitos de personalidade, referindo-se, aos direitos essenciais
pela razão de que eles constituem a medula da personalidade (CUPIS, 2008).
Neste passo, a propagação deste tipo de conteúdo acaba gerando danos a esses direitos essenciais do
indivíduo, que são de difícil reparação, pelo próprio grau de complexidade. Se enquadram como direitos
de personalidade a vida, a integridade física, o nome, a imagem, a honra (subjetiva - moral e objetiva -
reputação), a liberdade, a paternidade intelectual e a privacidade (CUPIS, 2008).
As Fake News, como fenômeno de profundas repercussões sociais e potencial produção de danos diversos,
se apresentam, portanto, como uma conduta ludibriosa, realizada com o intento de produção de danos por
meio da dissimulação da verdade dos fatos (GUIMARÃES; SILVA, 2019). Nesse sentido, merece atenção
dos operadores do direito e dos legisladores em vista da proteção dos direitos da personalidade e da
dignidade da pessoa humana.
Com efeito, o usuário ao se deparar com a informação disponibilizada, por vezes, não consegue detectar a
veracidade do conteúdo e, por consequência, pode acabar compartilhando a notícia e propagando as Fake
News. As ferramentas que fomentam a disseminação dessa espécie de conteúdo, na maior parte dos casos,
são as redes sociais, considerando que por meio de um post realizado no perfil do indivíduo, pode-se
atingir milhares de pessoas em instantes.

Com a efetiva popularização do uso da internet na década de 90 as redes sociais


ocuparam um espaço importante sob o ponto de vista das relações entre os
indivíduos, diversas manifestações são expressadas dentro desse tipo de
aplicação de internet, evidenciando uma característica marcante em relação à
48
liberdade de expressão e ao direito de informação na medida em que cada
membro, cada integrante pode se tornar uma fonte de informação, permitindo
que a circulação de informação ultrapasse o tradicional modo jornal/ rádio e
passe a criar novas fontes, novas formas de abordagem na propagação de uma
informação ou, até mesmo, na manipulação de uma informação e posterior
divulgação dessa informação (FAUSTINO; FULLER, p. 127).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Observa-se, que o modo pelo qual os usuários das redes sociais as utilizam, no que se refere a leitura e
compartilhamento de publicações, manifesta-se muitas vezes como um mecanismo de intensificação das
Fake News, devido ao fato de que a leitura do conteúdo nesses meios. Logo, via de regra, limita-se a uma
análise superficial da mensagem veiculada ou somente da manchete (GUIMARÃES; SILVA, 2019).
Torna-se, assim, uma tarefa quase impossível para o usuário, buscar a autenticidade da notícia, pois pela
celeridade da proliferação da informação, ela pode ser considerada como verdadeira, mesmo não sendo. E,
no que se refere a disseminação ou propagação de Fake News, verifica-se, de pronto, que é necessária a
presença do dano, caracterizando-se, somente se constatado o liame causal entre a conduta de disseminar
e o dano pessoal, que pode atingir de forma direta os Direitos Fundamentais dos indivíduos (GUIMARÃES;
SILVA, 2019).

Os critérios de confiabilidade das fontes de informação passam a ser mitigados


no atual contexto de evolução tecnológico e pela quantidade de possibilidades
que surgem para o compartilhamento dessa informação, a volatilidade e a
velocidade da circulação da informação bem como a possibilidade de infinita de
acessos a essa informação através das redes sociais, fez com que em poucos
anos as redes sociais passaram a ser o lócus de discussão e de divulgação de
informação, embora em sua grande maioria seja de conteúdo perfunctório, no
padrão médio da população as redes sociais passaram a ser o maior ponto de
divulgação de notícia e de procura por essas notícias, a timeline do Facebook
substitui a antiga página do jornal, fazendo com que o os hábitos das pessoas
direcionassem para esse tipo de meio, Jean Baudrillard bem elucida essa
questão (FAUSTINO; FULLER, p. 128).

Verifica-se, que é a celeridade e imediaticidade das informações disponibilizadas na Internet, que geram
riscos e, em verdade, a finalidade é fazer com que a notícia falsa viralize em diversos ambientes digitais.
Logo, o objetivo é que uma manchete inverídica, alcance o maior número de usuários possíveis, atingindo
uma grande parcela da população, que levarão as informações como se verdade fossem.
As Fake News, como informações falsas e sensacionalistas disseminadas sob o disfarce de reportagens
verdadeiras, apelam por meio das emoções e crenças dos sujeitos, com o intuito de “viralizar” e disseminar
uma falsa informação, moldando a opinião pública. Sob esta ótica, observa-se, a possiblidade de existência
de um dano social na medida em que as Fake News atingem a sociedade como um todo, rebaixando a
qualidade da vida dos indivíduos enquanto integrantes desta sociedade (GUIMARÃES; SILVA, 2019).
Ressalta-se, que as Fake News representam uma forma de manifestação do pensamento do indivíduo,
tendo ligação direta com a liberdade de expressão e com o direito de informação, ambas garantias
constitucionais expressas, no que tange a possibilidade do emissor dessa notícia falsa promover a sua
circulação. Contudo, mesmo que haja proteção ilustrada no texto constitucional, nos casos em que ocorrer
abusos na emissão de notícias falsas, que são evidentemente imorais, devem ser observadas as
penalidades cabíveis ao propagador da notícia (FAUSTINO; FULLER).
Há de se levar em consideração, desta forma, a expansão da falsa informação, seus reflexos sociais no
cenário da era das comunicações, a quebra da legítima expectativa de confiança entre os sujeitos da
sociedade e o direito fundamental do cidadão à informação (GUIMARÃES; SILVA, 2019). Cabe referir, que
o ordenamento jurídico brasileiro não possui dispositivo específico para combater as notícias falsas,
amparando-se em legislação ampla para proteger o lesado, nos casos em que seja possível localizar o
indivíduo que divulgou a notícia falsa, enquadrando-se, conforme o caso em concreto, em injúria, calúnia e
difamação.

Este é um problema que gira em torno da necessidade atual de as pessoas se


tornarem visíveis para existir. Aqui se pode mencionar que, devido à falta de 49
legislação específica, é necessário recorrer à cláusula geral da proteção da
personalidade e ao princípio da dignidade humana para tentar conciliar a
proteção integral da pessoa humana com os interesses das grandes empresas
envolvidas no fluxo de tecnologias e informações (NASCIMENTO, 2017, p. 285).
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No Brasil, a questão das Fake News não é um fenômeno recente, pois já houveram diversas notícias falsas
que ficaram famosas, mas que foram absorvidas pelos receptores de notícias que deram credibilidade a
esse tipo de informação, como, por exemplo, o jornal “Notícias Populares” que veiculou na década de 70
uma série de reportagens sobre um suposto bebê que era filho do diabo, ficando conhecido como bebê
diabo, essas notícias ganharam visibilidade e notoriedade, embora dotadas de clara falsidade, aguçou a
curiosidade dos leitores do jornal daquela época (FAUSTINO; FULLER). Verifica-se, portanto, que esse tipo
de veiculação já está presente na sociedade há anos, mas que atualmente, por conta de diversos casos de
Fake News, utilizando-se das redes sociais para propagar as notícias falsas que, o tema ganhou espaço de
discussão também pela doutrina e jurisprudência.
Cabe mencionar, que recentemente foi aprovado pelo Senado Federal em 30 de junho de 2020, estando
ainda pendente de apreciação pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 2.630/2020, que tem como
fundamento instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, sendo
apelidada de “Lei das Fake News”. O referido projeto de lei busca regulamentar a responsabilidade dos
provedores, a proteção da liberdade de expressão e o acesso à informação.
Contudo, enquanto não há aprovação definitiva do referido projeto de lei, permanecem as incertezas e
desproteção das vítimas, quanto a propagação de notícias falsas. Ressalta-se, neste passo, que o fenômeno
das Fake News carece de uma disciplina própria no ordenamento jurídico pátrio, para que sejam
reparados os prejuízos suportados pela sociedade e, que desta forma, busque-se pelo (re)equilíbrio
psíquico emocional do indivíduo da melhor e mais eficaz forma possível.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abordou-se, no presente estudo, o fenômeno das Fake News na sociedade contemporânea e os efeitos
negativos gerados aos direitos fundamentais. Mesmo a expressão surgindo como uma novidade na
atualidade, ao ganhar espaço nas discussões do cotidiano, juntamente com a doutrina e jurisprudência,
verificou-se que a questão já está presente na sociedade há muito tempo, mas se intensificou ao se tratar
da questão no ambiente digital.
Logo, as Fake News são um problema social que ilustra a preocupação com o fenômeno da desinformação,
que tem como meio norteador e propagador das notícias falsas, as mídias de comunicação social e, em
geral, à revolução tecnológica representada pela expansão da internet, a qual interferiu no modo de
disseminação de informações e de expressão de opiniões. Vê-se, os impactos democráticos das Fake News
na sociedade, pela análise de qual dilema que o fenômeno coloca, cuja compreensão exigiu o estudo sobre
as características das notícias falsas e seu modo de atuação.
Constatou-se, no presente estudo, que as notícias inverídicas estão relacionadas aos conteúdos noticiados
pelos meios tradicionais e também digitais de comunicação. Pontuou-se, a respeito dos efeitos gerados
pelas Fake News nos direitos fundamentais, e também nos direitos de personalidade, estes que seriam
então, direitos sem os quais a personalidade restaria completamente irrealizada, privada de todo o valor
concreto, considerando que são direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o
interesse para o indivíduo.
O enfoque do assunto se deu a partir da análise nos casos em que se constata a propagação de notícias
falsas, ressaltando-se que ainda não há disciplina específica para amparar o instituto no sistema jurídico
pátrio, mas que recentemente foi aprovado pelo Senado Federal em 30 de junho de 2020, estando ainda
pendente de apreciação pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n. 2.630/2020, que busca
regulamentar a responsabilidade dos provedores, a proteção da liberdade de expressão e o acesso à
informação. Conclui-se, portanto, que o fenômeno das Fake News é uma realidade no Brasil e no mundo,
tendo reflexos em diversos campos, como o político e econômico, sendo dever do Direito proteger e
resguardar as garantias dos usuários. Logo, cabe o sistema jurídico brasileiro, instituir normas específicas
que reparem as violações dos direitos fundamentais, quando da propagação de notícias falsas.

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

REFERÊNCIAS
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Liberdade Existencial e Direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

51
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 6
A extinção da punibilidade pelo pagamento como
medida despenalizadora no crime de descaminho
Edivanira Vidal Medeiros
Rui Machado Junior

Resumo: O presente artigo traz resultados de um estudo bibliográfico referente a extinção da


punibilidade pelo pagamento como medida despenalizadora nos crimes de descaminho, sendo
uma medidas que o Estado dispõe para viabilizar o ressarcimentos aos cofres públicos, visto que
os prejuízos decorrentes desses ilícitos reduzem a arrecadação tributária, assim, o estado criou
normas que visam isentar a punição penal aos infratores desses ilícitos, a exemplo o crime de
descaminho previsto no Art. 334 do Código Penal(CP), esse benefício de extinção da punibilidade
é previsto em lei, evoluindo historicamente buscando trazer melhores resultados quantos a
guarda do bem jurídico tutelado, assim, temos a Lei 4.729/65 (sonegação fiscal), lei 8.137/90
(crimes contra a ordem tributária), lei nº 9.430/96 (legislação tributária federal), a lei
10.684/03 (altera a legislação tributária, e dispõe sobre parcelamento de débitos), lei nº
13.008/2014 que dá nova redação ao art. 334 do Decreto-Lei nº 2.848/40 - CP, que estabelecem
um marco limite para o pagamento do débito, o recebimento da denúncia, e posteriormente
admitindo o pagamento do débito a qualquer momento. O objetivo desse estudo é abordar as
possibilidades da extinção da punibilidade pelo pagamento integral, trazendo a possibilidade da
extinção da punibilidade no crime de descaminho, inclusive o pagamento feito após o
recebimento da denúncia, tais resultados foram importantes contribuindo no entendimento do
pagamento como medida despenalizadora no crime de descaminho, alcançando assim a
finalidade de ressarcir os cofres públicos.

Palavras chave: Crimes tributários. medida despenalizadora. descaminho.

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a aplicação da medida despenalizadora através do pagamento no crime de descaminho,
visam reduzir os danos causados ao Estado através dos tributos nos quais deixam de entrar nos cofre
públicos, esses tributos surgem a partir de um fato gerador, ou ainda de uma atividade específica relativa
ao contribuinte.
O Código Tributário Nacional Brasileiro, no artigo 3º, conceitua tributo como toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, ou seja é uma
obrigação que o estado impõe, a pessoas físicas e jurídicas, objetivando o recolh imento de valores para
o Estado formando a sua receita.
A temática desse estudo refere-se a possibilidades na qual o Estado busca para proteger a arrecadação do
tributo de modo a não comprometer sua receita, uma vez que esta receita garante o bom funcionamento
do Estado, protegendo o disposto na Constituição Federal referente aos direitos individuais que
favorecem diretamente a vida do indivíduo, assim como os coletivos.
Justifica-se este estudo pela necessidade de esclarecer o que vem a ser as medidas despenalizadoras nos
crimes tributários, a sua aplicabilidade e eficiência, na extinção da punibilidade, a partir dessas
informações, responder ao seguinte questionamento: Como as medidas despenalizadoras podem ser
aplicadas no crime de descaminho?
O Objetivo geral deste estudo é “verificar a possibilidade da aplicabilidade das medidas despenalizadoras
nos crimes tributários” e os Objetivos específicos são, identificar quais são essas medidas
despenalizadoras; Apontar as possibilidades de extinção do tributo pelo pagamento; e Enfatizar a
importância dessas medidas para a proteção tributaria do Estado.
Para melhor entendimento da leitura, este artigo divide-se em cinco partes, na primeira, encontra-se a
fundamentação teórica quanto os crimes contra a ordem pública tributária, na segunda, traz os aspectos
quanto as medidas despenalizadoras, a terceira enfocará na extinção da punibilidade pelo pagamento, a
evolução histórica das leis de que tratam dos crimes tributários, a quarta parte trata do crime de
descaminho e a última parte refere-se as considerações finais.

2. PERCURSO METODOLÓGICO
A metodologia adotada para este estudo, foi a pesquisa bibliográfica, Segundo Diehl (2004) “a escolha do
método se dará pela natureza do problema”, considerando os objetivos esperados com o desenvolvimento
desse artigo, a pesquisa bibliográfica é a mais favorável, uma vez que traz conteúdos já existentes sobre o
assunto, incluindo a consulta em Leis e pressuposto sobre a arrecadação tributária, de modo a
desenvolver e acrescentar informações sobre o tema abordado.

A pesquisa bibliográfica é então feita com o intuito de levantar um


conhecimento disponível sobre teorias, a fim de analisar, produzir ou explicar
um objeto sendo investigado. A pesquisa bibliográfica visa então analisar as
principais teorias de um tema, e pode ser realizada com diferentes finalidades.
(CHIARA, KAIMEN, et al.,2008).

3. DENVOLVIMENTO
3.1. CRIMES CONTRA A ORDEM PÚBLICA TRIBUTÁRIA
A lei 8.137/90 define os crimes contra a ordem pública tributária, econômica e contra as relações de
consumo, classificados como crimes materiais, uma vez que resultado é a efetiva supressão ou redução do
tributo devido. 53

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou


contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I -
omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II -
fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;


III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer
outro documento relativo à operação tributável; IV - elaborar, distribuir,
fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento
equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço,
efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena -
reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Conforme os entendimentos de Cezar Roberto Bitencourt, com uma visão patrimonialista, nos crimes
conta a ordem pública tributária, “o objeto jurídico tutelado vem a ser o patrimônio da Fazenda Pública,
mais especificamente o erário público”, arrecadação e a receita tributária, a proteção ao patrimônio
público, busca garantir a administração pública e suas relações sociais e econômicas.
Segundo José Alves Paulino a definição de crimes tributários é:

A Lei nº 8.137/90 define como “crimes contra a ordem tributária” aquelas


condutas ou crimes que afrontam o chamado “sistema” de órgãos e
instituições preservadores da “ordem tributária”, coletivamente, dos direitos
e deveres dos contribuintes, e não a infração tributária cometida por
contribuinte que, em tese, teria deixado de recolher ou pagar tributo devido à
Fazenda Nacional (PAULINO, 1999, p.2)

3.2. DEFINIÇÃO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS


Medidas despenalizadoras, que são meios que o estado busca para não punir o acusado por cometer um
ato ilícito, protegendo a liberdade deste indivíduo, e buscando a celeridade na recuperação dos tributos,
a exemplo de medidas despenalizadoras, mais especificamente em crimes tribu tários tem, a transação
penal e a suspensão condicional do processo que são formas de acordos entre o ministério público e o
possível infrator, a suspensão da pretensão punitiva do Estado pelo parcelamento e ainda a extinção da
punibilidade através do pagamento do valor integral do débito tributário devido.
Conforme define Luiz Flávio Gomes, medidas despenalizadoras são:
Medidas despenalizadoras são aquelas que afastam a pena, logo incidem na
punibilidade. A Lei nº 9.099/95, que regulamentou os Juizados Especiais no
âmbito estadual, dispõe sobre algumas medidas despenalizadoras para as
infrações penais de menor potencial ofensivo, quais sejam: a) composição
civil (reparação de dano e consequente extinção da punibilidade) b) transação
penal c) suspensão condicional do processo d) exigência de representação
para a lesão leve e culposa.( GOMES, 2019)

Conforme Danillo Vilar.


Não é por outra razão que, atualmente, tem sido travada intensa discussão acerca da legitimidade e
eficácia do sistema punitivo vigente, notadamente pelo baixo índice de prevenção, em que o presídio é
considerado uma escola do crime, de forma que o papel desempenhado pela sanção tem se revelado,
constantemente, inverso ao proposto (PEREIRA,2019).
A transação penal é um exemplo de medida despenalizadora, prevista na lei 9.099/1995 pode ser
aplicada em crimes de menor potencial ofensivo. E busca a não instauração do processo, é pr oposto um
acordo entre o suposto autor e o ministério público, nesses casos é extinta a punibilidade se for
cumprido o acordo conforme previsto. 54

Ainda como medida despenalizadora tem a suspensão condicional do processo, ou sursis processual,
que é uma medida despenalizadora cabível, também em crimes de menor potencial ofensivo, nas qual a
pena máxima não ultrapasse um ano. Esta medida é aplicada após iniciada o processo, e está prevista na
Lei 9.099/95 no art. 89:
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Art 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um
ano, abrangidas ou não por esta lei, o ministério público, ao oferecer a
denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos,
desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido
condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a
suspensão condicional da pena.

A suspensão condicional do processo ocorre quando o Ministério Público, apresenta uma proposta de
acordo para ser apresentada ao réu após o seu recebimento. Para aqueles que interpretam o
art. 399 do CPP como norma que autoriza o contraditório antes mesmo da instauração do processo, a
aceitação da proposta poderia anteceder o referido ato. A Suspensão Condicional do Processo por ser
uma medida despenalizadora não gera o reconhecimento de culpa nem antecedentes criminais.
Através da lei 10.684 de 30 de maio de 2003, incrementando a política que incentiva a busca pela
regularidade fiscal, assim como a arrecadação de tributos, especificamente no art. 9 da referida lei, foi
instituído o parcelamento especial, o qual beneficia o contribuinte por parcelar a dívida devida, e ao
estado por recuperar seus impostos, benefício possível mesmo após o recebimento da denúncia, como
disposto em seu texto:

Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes


previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos
arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código
Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos
aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da
pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a
pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos
débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

3.3. A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ATRAVÉS DO PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO NOS CRIMES


TRIBUTÁRIOS
Existem divergências quanto a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo devido
considerando o momento do pagamento, uma vez que o pagamento isenta o autor da punibilidade, este
infrator poderia não mais pensar nas consequências do ato ilícito, uma vez que bastaria pagar o valor
devido para esta isenta da pena, por outro lado a legislação tributária é falha e o pagamento como
medida despenalizadora viria ao encontro dos interesses financeiros do Estado. Diante dessa
possibilidade surgiram leis que possibilitam a extinção da punibilidade pelo pagamento
A Lei 4.729, de 14 de julho de 1965, conforme o “Art. 2º extingue-se a punibilidade dos crimes previstos
nesta lei quando o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera
administrativa, a ação fiscal própria”. Entretanto, como era previsto em lei a extinção da punibilidade
somente antes do recebimento da denúncia, tal dispositivo não tornava eficiente.
Assim como a Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990 em seu “Art 14. Extingue-se a punibilidade dos
crimes definidos nos Arts. 1º a 3º quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição
social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Posteriormente revogado pela Lei
no 8.383, de 30 de dezembro de 1991, uma vez que também não estava atingindo a finalidade pretendida
pelo estado. 55
O posicionamento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL(STF) conforme trechos extraídos de acórdãos.

“O pagamento integral pago em única vez é regulado pelo artigo 9º parágrafo


2º da Lei 10.684 de 2003. Conforme excerto do Recurso Ordinário Em Habeas
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Corpus 117.173 – DF de relatoria do Ministro Luiz Fux julgado em


18/02/2014, também reconhece a possibilidade da extinção da punibilidade
pelo pagamento nos termos da Lei 10.684/03:[...] O pagamento integral do
crédito tributário constitui causa de extinção da punibilidade do agente, nos
termos do artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/03. Precedentes: HC 84.965, Segunda
Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 11.04.12; HC 93.351,
Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJe de 1º.07.09; HC 89.794,
Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ de 10.08.07 [...].

Complementa o Ministro Dias Toffoli ao julgar o Habeas Corpus 116.828 São Paulo em 13 de agosto de
2013, que o pagamento do tributo devido a qualquer tempo, resulta na extinção da punibilidade.

O pagamento integral de débito – devidamente comprovado nos autos -


empreendido pelo paciente em momento anterior ao trânsito em julgado da
condenação que lhe foi imposta é causa de extinção de sua punibilidade,
conforme opção político-criminal do legislador pátrio. Precedente.
Entendimento pessoal externado por ocasião do julgamento, em 9/5/13, da
AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11,
que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de
parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da
Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do
pagamento do débito, a qualquer tempo.

O superior tribunal de justiça, conforme constam nas jurisprudências, alterou seu entendimento
referente a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito tributário observando a
Lei 10.684/2003, passando a admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito mesmo
depois do recebimento da denúncia.

3.4. O CRIME DE DESCAMINHO


O crime de descaminho, que está previsto no artigo 334 do Código Penal Brasileiro, refere-se a um ato
ilícito que é a fraude que busca evitar o pagamento devido de impostos, referentes a entrada ou saída de
mercadoria , nas quais são permitidas no Brasil, mediante pagamento dos devidos tributos.
O crime de descaminho se consuma quando ocorre a fraude, se desviando do fisco, e não realizando o
pagamento do imposto, a fraude também ocorre pela qualidade e quantidade do produto. Por ser crime
comum, tem como sujeito ativo qualquer pessoa, e sujeito passivo o Estado, é consumado no momento
da entrada ou saída da mercadoria. Conforme o Código Penal Brasileiro o artigo 334, que trata do crime
de descaminho tem a seguinte redação:

Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto


devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria (Redação
dada pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro)
anos. § 1o Incorre na mesma pena quem I - pratica navegação de cabotagem,
fora dos casos permitidos em lei; II - pratica fato assimilado, em lei especial, a
descaminho; III - vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer
forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade
comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que
introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que
56
sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de
importação fraudulenta por parte de outrem; IV - adquire, recebe ou oculta,
em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou
industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de
documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.
§ 2o Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo,
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias


estrangeiras, inclusive o exercido em residências. § 3o A pena aplica-se em
dobro se o crime de descaminho é praticado em transporte aéreo, marítimo
ou fluvial.

O crime de descaminho alcança o sujeito que iluda no todo ou em parte o pagamento imposto devido. A
ação penal é pública incondicionada, conforme a súmula 151 do STJ, ação penal é competência da Justiça
Federal “a competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define -
se pela prevenção do juízo federal do lugar da apreensão dos bens.”

4. ANÁLISE E RESULTADOS
Através da análise dos conteúdos mencionados, pode-se chegar aos objetivos esperados, citando as
medidas despenalizadoras que são, a transação penal, a suspensão condicional do processo, sendo estas
acordos propostos pelo ministério público para o possível infrator, a suspensão da pretensão punitiva
do Estado pelo parcelamento e a extinção da punibilidade através do pagamento do valor integral
devido.
Com a possibilidade da extinção da punibilidade pelo Estado após o pagamento, pode se garantir a
proteção ao erário, logo, enfatiza a importância da aplicação dessa medida para a proteção tributária do
Estado.

5. CONSIDERAÇÕES
Através deste artigo foi possível conhecer as possibilidades nas quais são aplicadas as medidas
despenalizadoras, enfatizando-o a nos crimes de descaminhos, tendo em vista aprimorar os
conhecimentos relacionados a crimes tributários, de modo a entender o objetivo final do pagamento do
tributo devido, ou seja, proteger a receita tributária do Estado.
Através do conteúdo apresentado foi possível concluir que a aplicação das medidas despenalizadoras nos
crimes de descaminhos visam priorizar o pagamento do tributo devido, sendo a aplicação da punição um
fator menos relevante, uma vez que o Estado através da arrecadação do tributo, busca garantir a
manutenção de uma sociedade equilibrada e organizada.
É através da arrecadação dos tributos que o Estado mantem a sua receita, e vai financiar o Estado,
mantendo o bom funcionamento da máquina pública, através da realização de benfeitorias de uso comum
para a sociedade.
A aplicação das medidas despenalizadoras são consideradas eficientes no crime de descaminho, uma vez
que beneficia a arrecadação tributária do Estado e favorece a manutenção da economia. É importante citar
que a extinção da punibilidade não se caracteriza com um fator que possibilita a prática do descaminho,
mas sim busca conscientizar o possível infrator, sendo o pagamento uma forma de punição.
Considerando que o crime de descaminho é um crime de natureza tributária, no qual a sua prática vai de
encontro aos interesses da Fazenda Pública, uma vez que o tributo não é recolhido, assim, o pagamento do
tributo devido extingue a punibilidade.
Dessa forma, as alterações na lei e a jurisprudência, levam ao entendimento que é mais eficiente ao Estado
recolher o tributo a qualquer tempo, sendo anterior ou posterior ao recebimento da denúncia, do que
apenas punir o indivíduo no crime de descaminho. Sendo assim, é admissível o pagamento do tributo em
qualquer momento, extinguindo a punibilidade do estado para com o infrator, considerando para tanto o
crime de descaminho.

57
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

REFERÊNCIAS
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1988
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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm> Acesso em: 26 setembro de 2019.
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Disponível em:<https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24974578/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-
117173-df-stf/inteiro-teor-113784767>. Acesso em: 27 setembro de 2019.
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[6]. BRASIL. Lei 4.729 de 14 de julho de 1965. Define o crime de sonegação fiscal e dá outras providências.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1950-1969/L4729.htm> Acesso em: 24 setembro de
2019.
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e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8137.htm> Acesso em: 27 agosto de 2019.
[8]. BRASIL. Lei 10.684 de 30 de maio de 2003. Dispõe sobre legislação tributária ,parcelamento de débitos junto
à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social.
Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.684.htm> Acesso em: 22 setembro de 2019.
[9]. BRASIL. Lei 13.800 de 26 de junho de 2014. Dispõe sobre a nova redação ao art. 334 do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e acrescenta-lhe o art. 334-A. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Ato2011-2014/2014/Lei/L13008.htm> Acesso em: 17 setembro de
2019.
[10]. BRASIL. Súmula 151 do STJ – Dispõe sobre A competência para o processo e julgamento por crime de
contrabando ou descaminho. Disponível em <https://www.jusbrasil.com.br/topicos/831547/sumula-151-do-stj.
Acesso em: 17 setembro de 2019.
[11]. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 116.828 São Paulo. Relator: Ministro Dias Toffoli.
Julgamento em 13 de agosto de 2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp>. Acesso
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[12]. CHIARA, I. D. et al. Normas de documentação aplicadas à área de Saúde. Rio de Janeiro: Editora E-papers,
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[16]. PAULINO, José Alves. Crimes contra a Ordem Tributária: a visão dos Tribunais Regionais Federais.
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Brasília-DF: 05 ago. 2016. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.56463>. Acesso
em: 18 agosto de 2019.

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 7
Lei Maria da Penha, medidas protetivas e as
diferenciações semânticas do sistema jurídico

Priscila Ramos de Moraes Rego Agnello

Resumo: A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) previu a concessão de medidas


protetivas de urgência de natureza cível para resguardar os direitos das mulheres que
estão em situação de violência. Ocorre que o sistema híbrido (processual civil e penal)
existe apenas no momento da concessão da medida, quanto às demais fases (recursal e
de cumprimento de sentença), há o tratamento direcionado aos demais processos. Neste
trabalho serão utilizados os conceitos presentes nas obras de Niklas Luhmann, Gunther
Teubner e Boaventura de Sousa Santos para uma reflexão sobre as comunicações
presentes no sistema judicial. A hipótese levantada é a de que a previsão legislativa de
um processo híbrido deveria incluir os procedimentos da fase inicial até a final, porém,
encontra limites que são dispostos pelas diferenciações semânticas entre os ramos do
direito e também pelas comunicações presentes nas decisões judiciais.

Palavras-chaves: Lei Maria da Penha; Medida Protetiva Cível; Sistema de Justiça;


Violência contra a mulher; Diferenciações

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
O sistema jurídico como um subsistema na sociedade mantém a sua autopoiese codificando a diferença
entre o que é lícito e ilícito, traçando e mantendo um limite ao comunicar essa diferença entre os
participantes dentro do sistema constituído. São numerosas as comunicações institucionalizadas, que
podem ter como fontes o legislativo e os tribunais, dando escopo a redes de interação que continuamente
aplicam este código ao que está dentro de seu domínio.
Nem sempre as mudanças legislativas ultrapassam os processos que concebem uma fronteira em torno do
que é lícito e que também reproduzem os arranjos institucionais que mantêm o próprio código. Nesse
sentido, pode-se dizer que o sistema jurídico é autopoiético, auto produtor, criador de fronteiras e
mantém a sua identidade.
Na obra “O direito da sociedade” Niklas Luhmann menciona que as formas de diferenciação interna do
sistema jurídico não ocorrem apenas pelas divisões semânticas dos diferentes ramos (como por exemplo
direito civil/ direito penal), mas sim pela complexidade das formações operacionais do sistema
(LUHMANN, 2017).
Dentro dessa perspectiva, contextualiza-se a atuação do legislativo por meio da Lei Maria da Penha (Lei
11.340/2006), cuja edição foi precedida de debates com os movimentos feministas, que contribuíram para
a inclusão de disposições que se alinham à proteção da mulher em situação de violência, mas que do ponto
de vista estrutural parecem divergir dos arranjos decisórios presentes no Judiciário. Assim, utiliza-se a
seguinte pergunta: A edição das medidas protetivas cíveis pelo legislativo provocou irritações capazes de
promover alterações nas diferenciações internas do sistema de justiça?
O presente trabalho pretende compreender as diferenciações presentes no sistema de justiça quando da
aplicação das medidas protetivas cíveis da Lei Maria da Penha- LMP e para tanto, serão descritas novas
possibilidades cognitivas do sistema, por meio dos principais argumentos utilizados para fundamentar
alguns acórdãos do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios- TJDFT identificando as possíveis
irritações que o tema sugere para o sistema jurídico.

2. LUHMANN, A SOCIOLOGIA “DO DIREITO” E A AUTO OBSERVAÇÃO DO SISTEMA


Luhmann descreve que a economia, o direito, a ciência, a política, a religião e a educação têm, cada um, seu
próprio código, suas próprias operações institucionalizadas e a própria autopoiese, tornando inaplicáveis
dentro de seus limites os códigos dos outros com a finalidade de defender a sua identidade como
subsistema social (RODRIGUES; NEVES, 2012). Citam-se como exemplos: a corrupção na política; a
conduta não científica na academia; as práticas jornalísticas antiéticas, que ressaltam como diferentes
subsistemas da sociedade protegem sua própria forma de autopoiese contra comunicações de outros.
O sistema jurídico deve ser considerado como uma “instituição de tomada de decisão”, em que a
comunicação pode ser ajustada criticamente a cada norma definida, mas ao fazer isso, uma sugestão de
substituição também deve ser enviada. Não há a possibilidade de recomendar ou abster-se de qualquer
recomendação. É preciso respeitar a necessidade de chegar a uma decisão no centro do sistema: em sua
jurisdição. Na autodescrição do sistema há a exigência de redução das controvérsias. Independentemente
do que se pretende perseguir, é necessário justificá-lo no sistema, recorrendo aos meios de argumentação.
O que se observa na distinção legislação/ jurisprudência que se destaca para a autodescrição do sistema.
Pode se dizer que os subsistemas de Luhmann apreendem a dinâmica que os torna continuamente o que
são em qualquer momento de sua existência autopoiética. Assim, torna-se necessário observar as
operações do sistema de justiça, as diferenciações e a sua autorreprodução para uma melhor compreensão
do tema desenvolvido no trabalho.

3. A COMPETÊNCIA HÍBRIDA PREVISTA NA LEI MARIA DA PENHA (LEI 11.340/2006)


Utilizando a denominação elaborada por Carmen Hein de Campos, pode se dizer que a Lei Maria da 60
Penha- LMP (Lei 11.340/2006) criou um “microssistema de proteção para a mulher em situação de
violência”, cujo objetivo é a concessão e processamento de medidas de várias naturezas (criminais e
cíveis) em um mesmo juízo de forma célere (CAMPOS, 2015).
As medidas protetivas estão divididas da seguinte forma: “as dirigidas contra o agressor (art. 22); e as
estabelecidas em favor da ofendida (art. 23) ou fixadas no intuito de salvaguardar os bens comuns ou
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

próprios da mulher (art. 24)” (DIDIER JUNIOR; OLIVEIRA, 2020). O objetivo é a prevenção de ilícitos
contra a mulher, familiares, a dilapidação do patrimônio e a manutenção da subsistência da ofendida e de
seus dependentes de modo a manter a sua integridade física e psíquica.
A LMP prevê que as medidas protetivas cíveis devem ser processadas e julgadas pelos Juizados de
Violência Doméstica e Familiar. Porém, enquanto não houver estrutura de atendimento, há a possibilidade
de encaminhamento das ações para as varas criminais. Nesse ponto, há inclusive algumas críticas sobre a
escolha do legislador, pois a maioria das demandas estariam no rol de competências das varas de família
(DIDIER JUNIOR; OLIVEIRA, 2020).
Percebe-se que a previsão encontra obstáculos na maneira como é pensada e estruturada a prestação
jurisdicional. A clássica divisão do direito em ramos (civil, penal, familiar, etc) está presente na
organização legislativa, doutrinária, jurisprudencial e na estruturação das varas nos tribunais. As tensões
geradas podem ser observadas nos julgados que direcionam a competência para a concessão das medidas
cíveis aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar (primeira instância), em caso de recurso, a
competência recai para uma Turma Cível ou Criminal (segunda instância) e o cumprimento de sentença
para uma Vara Cível ou Criminal. Em alguns momentos a manutenção dessa estrutura pode ir de encontro
à previsão normativa de uma prestação jurisdicional célere e direcionada à mulher. Desse modo, percebe-
se que a complexidade legislativa pode promover irritações nas diferenciações do sistema jurídico e os
argumentos presentes nas decisões judiciais podem representar uma tendência a um fechamento
operacional (LUHMANN, 2005).

4. A ESTRUTURA DE APLICAÇÃO DA LMP NOS JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR NO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS- TJDFT
No caso do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios- TJDFT, os juizados especiais cíveis e
criminais criados pela Lei 9.099/1995 foram adaptados para o julgamento das ações envolvendo a
violência doméstica e familiar.
Em 13 de outubro de 2006, editou-se a Resolução do Conselho Especial do TJDFT nº 07 (CONSELHO
ESPECIAL DO TJDFT, 2006), que ampliou a competência dos Juizados Especiais Criminais e dos Juizados
Especiais de Competência Geral, com exceção da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília, Núcleo
Bandeirante e Guará, para abranger o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes de
prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Nessa Resolução ficou especificado que os ritos da Lei nº. 11.340, de 2006, deveriam ser aplicados,
separadamente, aos observados na Lei nº 9.099, de 1995. Assim, vários Juizados Especiais Criminais
absorveram a competência das causas envolvendo a violência doméstica. A esse respeito, é preciso
lembrar que o art. 33 da LMP prevê que as Varas Criminais deveriam ser adaptadas para cumprir essa
finalidade. No entanto, o que se observa é que, talvez, pelo fato de processarem outros crimes e
contravenções que estão relacionados ao âmbito da violência doméstica, a exemplo do crime de ameaça,
tornou-se mais simples a estruturação desse atendimento nos juizados.

4.1. AS DIFERENCIAÇÕES SEMÂNTICAS ENTRE RAMOS DOS DIREITOS PRESENTES NAS DECISÕES DO
TJDFT
Um segundo ponto diz respeito à reprodução de uma cultura jurídica na qual há uma divisão entre ramos
jurídicos. Alguns profissionais podem “preferir” (influenciados pelas comunicações presentes nas
decisões e pelas interações institucionais) ajuizar ações autônomas nas varas cíveis e de família, por
entenderem que a prestação jurisdicional poderia ser mais célere.
Utiliza-se como exemplo a argumentação do seguinte acórdão:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUÍZO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E 61


FAMILIAR CONTRA A MULHER DE SAMAMBAIA. JUÍZO DO SEGUNDO JUIZADO
ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL DE SAMAMBAIA. VARA DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR. COMPETÊNCIA HÍBRIDA. COMPETÊNCIA CÍVEL
RESTRITA. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. DANO MORAL.
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL. 1. Nos termos
do artigo 14 da Lei Maria da Penha, os Juizados de Violência Doméstica e
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e


criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e
pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas
decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. A
despeito da natureza híbrida do Juízo da Violência Doméstica e Familiar,
não se pode olvidar que a pretensão envolvendo a apreciação de questões
eminentemente de cunho patrimonial, configura nítida competência afeta
à seara cível. 3. O Enunciado n° 3, do FONAVID, dispõe que "a competência
cível dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é
restrita às medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da
Penha". 4. O pedido de cumprimento de sentença referente à indenização
por dano moral, ainda que decorrente de ato delituoso de competência da
Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, não se subsume
ao rol de competências desse juízo especializado. 5. Compete ao juízo cível
processar e julgar o feito em que se busca o cumprimento de sentença na
qual o réu fora condenado ao pagamento de indenização por dano moral
em decorrência de ato tipificado na Lei Maria da Penha [grifo nosso]. 6.
Conflito negativo de competência acolhido e declarado competente o Juízo
Suscitado.
(Acórdão 1241237, 07004789720208070000, Relator: GISLENE PINHEIRO, 1ª
Câmara Cível [grifo nosso], data de julgamento: 30/3/2020, publicado no PJe:
7/4/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Percebe-se que há a possibilidade do juízo da Vara de Violência Doméstica e Familiar fixar o quantum
indenizatório em sede de medida protetiva de urgência, porém, quando há o descumprimento da medida a
competência recai sobre uma das varas cíveis.
Esse tipo de interpretação também está presente em casos de recursos, quando, por exemplo, a medida é
concedida pelo juiz da Vara de Violência Doméstica, mas a competência para julgar é da Turma Cível do
Tribunal, e em caso de divergência o processo ainda pode ser analisado por uma Câmara Cível, como se
pode observar no julgado mencionado.32 É o que se verifica nos seguintes enunciados do Fórum Nacional
de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher:

ENUNCIADO 3: A competência cível dos Juizados de Violência Doméstica e


Familiar contra a Mulher é restrita às medidas protetivas de urgência previstas
na Lei Maria da Penha, devendo as ações cíveis e as de Direito de Família
ser processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família,
respectivamente [grifo nosso].
ENUNCIADO 21: A competência para apreciar os recursos contra as decisões
proferidas pelos Juizados de Violência Doméstica contra a Mulher é dos
Tribunais de Justiça, independentemente da pena.

Refletindo sobre a objetividade jurídica presente na LMP, que visa a proteção da mulher que está em
contexto de violência e a noção de um sistema híbrido de proteção, essa prestação especializada não
poderia se restringir apenas ao âmbito da concessão das medidas, mas sim a todo o seu processamento,
incluindo a fase recursal e o cumprimento da sentença.
Ocorre que, pensar numa prestação jurisdicional especializada em todas as suas instâncias pode ensejar
irritações na forma como está organizado o sistema de justiça. O que compreende toda a estrutura das
varas de primeira e segunda instância, a capacitação dos servidores e a percepção sobre a necessidade
dessas mudanças. 62

A hipótese aqui levantada é a de que a previsão legislativa de um processo híbrido deveria incluir os
procedimentos da fase inicial até a final do processo, encontra limites que são dispostos pelas

32O TJDFT é composto por 8 turmas cíveis (que julgam processos das 54 varas cíves) e 2 câmaras cíveis (Disponível
em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/composicao/2a-instancia/turmas-civeis. Acesso em 03 jun. 2021)
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

diferenciações semânticas entre os ramos do direito e também pelas comunicações presentes nas decisões
judiciais.
4.2. QUANDO AS DIFERENCIAÇÕES PROMOVEM UM “REPENSAR” SOBRE AS SOLICITAÇÕES DAS
MEDIDAS PROTETIVAS CÍVEIS
Alguns estudos apontam uma redução na concessão das medidas cíveis pelas Varas de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher- VVDFM (DINIZ, GUMIERE, 2016; ÁVILA, 2019) principalmente
quando envolvem o patrimônio do casal ou regulação das visitas dos filhos menores.
Essa redução pode ser motivada pelas decisões judiciais e a percepção dos defensores de que a
necessidade de um cumprimento de sentença em outro juízo pode não ser tão célere quanto o ajuizamento
direto da ação de conhecimento no juízo específico (vara cível ou família). Caso essa seja uma tendência,
pode se dizer que a previsão legislativa da medida protetiva cível torna-se exaurida, pois a primeira
concessão não solucionará a situação da mulher que se mantém em vulnerabilidade.
Para Luhmann (2005) a decisão não é determinada pela ordem das leis editadas, ela opera dentro de uma
construção própria, que é possível no presente, mas que possui consequências no futuro. Para o autor “a
decisão é um paradoxo que não pode ser tematizado, mas apenas mistificado”. A autoridade, as
condecorações, a restrição de acesso aos segredos, os textos aos quais nada se pode referir, a entrada ou
saída da cena, tudo isto ocupa o lugar que impede que apareça o paradoxo da decisão e denuncia que a
razão que decide sobre o que está em conformidade (ou discrepância) com a lei é um paradoxo, e que a
unidade do sistema só pode ser observada nessa perspectiva. Por meio desse pensamento entende-se que
a unidade do sistema jurídico só pode ser posta em operação por meio de distinções (certo / não certo,
normas / fatos).
O ato de comunicar acontece por meio de três seleções: a) seleção da informação (o que relatar/ dizer); b)
seleção de uma expressão ou ato de comunicação (forma de expressar a informação, ou seja, como se diz);
e c) seleção de um entendimento / mal-entendido (escolha de uma das possibilidades de entender ou mal-
entendido, momento em que há a diferenciação). Entre as seleções da informação e da expressão há o
entendimento do interlocutor.
A partir desse movimento são estabelecidos limites e critérios de seletividade. Pode se dizer que os
sistemas sociais enfrentam a complexidade do meio ambiente. E por meio da negação (reflexiva), os
sistemas têm a capacidade de selecionar sem eliminar definitivamente as possibilidades não circunscritas
(LUHMANN, 2005).
As decisões que limitam as competências para o julgamento e processamento das medidas protetivas
cíveis expressam essa finalidade, uma limitação do sistema jurídico ao que foi determinado pelo entorno
(legislativo).
É preciso ressaltar que a decisão tem relação direta com a alternativa referente a “um ou mais caminhos
elegíveis”, que, por sua vez, influenciam as decisões subsequentes. As decisões subsequentes são
previsíveis dentro de margens restritas.

5. A LIMITAÇÃO DA COMPETÊNCIA COMO “UM TRATAMENTO DIFERENCIADO ENTRE DESIGUAIS”


Um ponto que precisa ser pensado é a possibilidade de que mulheres que estejam em situações
semelhantes recebam tratamentos diferenciados na prestação jurisdicional. Isso pode ocorrer no
momento em que possibilita-se que a efetividade da medida esteja no âmbito da discricionariedade do
defensor.
Embora a LMP preveja a designação de advogado dativo para as mulheres que se encontrem em situação
de violência, a praxis judicial aponta que isso não ocorre e muitas medidas protetivas são concedidas sem
essa assistência, pois geralmente são solicitadas pelo Ministério Público (LANG, 2021). Ocorre que, caso a
medida seja questionada, a mulher precisará de uma defesa técnica para auxiliá-la, ocorrendo o mesmo
em caso de descumprimento da medida.
63
Há a assistência judiciária gratuita prestada pela Defensoria Pública e pelos núcleos de práticas jurídicas,
mas não estão presentes em todos os processos, e nem no momento da concessão da medida. Assim,
quando a vítima percebe que o mais adequado seria não ter solicitado a medida protetiva de urgência, mas
sim uma ação autônoma, precisará seguir o rito recursal que está estabelecido para aquela medida (o que
pode ser moroso). Nessa situação, a mulher que possui uma defesa técnica constituída desde a fase inicial
do processo, pode ter uma resposta jurisdicional mais célere.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Gunther Teubner (2011) menciona como a forma em que está estruturada a prestação jurisdicional pode
propiciar decisões injustas. Para o autor a irritação da justiça se inicia com os conflitos sociais, com a
linguagem artificial do Direito, e se reproduz na praxis da aplicação do Direito, “nas táticas advocatícias,
nos conflitos de interpretação, na tomada de decisão judicial, na imposição do cumprimento da lei, na
observância às regras, e termina com a não observância das normas e decisões jurídicas”. Trata-se de um
ciclo que está ligado à contingência do direito.
A tentativa de que o sistema de justiça mantenha a sua autopoiese, mas se adéque aos anseios sociais pode
ser repensada pelas “reentradas” do sistema. A “re-entry” do extrajurídico no jurídico ocorre por meio das
auto-observações jurídicas utilizando a diferenciação “Direito/não-Direito”, só que dentro do mundo
simbólico do Direito”. Para o autor, a justiça opera no direito pela “re-entry da ecologia no Direito”,
promovendo uma construção jurídica interna de demandas externas da sociedade, dos homens e da
natureza.
Trata-se da "auto-transcendência do direito", movimento no qual o direito se diferencia de si mesmo por
meio da “reentrada auto-produzida”. Assim, aqueles ambientes em que os conflitos jurídicos são
originados (sociedade, homem), que o autor utiliza a expressão “enacted ecologies”, podem ser verificados
para a construção de critérios pelo sistema jurídico, a partir do “seu próprio conhecimento do mundo”.
Pode se dizer que o sistema jurídico funcionalmente diferenciado se utiliza dos conceitos, interesses,
redundâncias e variações por meio da argumentação jurídica (MIGUEL, 2016). Nesse ponto há a crítica de
que uma sociedade justa não seria engendrada pela justiça jurídica, pois lhe compete a organização das
operações, estruturas do direito, atos e normas jurídicas, os quais Teubner indica como sendo
“especializados e pobres” (TEUBNER, 2011).
Assim, cabe ao sistema jurídico a redução da complexidade dos casos. Há que se pensar na auto-
transcendência como estímulo à fórmula de contingência, mas de uma maneira racional e não como
impulso cego, pois “restringe-se ao problema especificamente jurídico da conexão entre estrutura e
operação, entre norma e decisão” (MIGUEL, 2016).
Com relação ao processamento das medidas protetivas cíveis, há a necessidade de refletir sobre as
repercussões do seu processamento sob o aspecto de uma prestação jurisdicional equânime e direcionada
à mulher em situação de violência.
A interpretação de Teubner sobre as “re-entry” do sistema jurídico, sob uma perspectiva ecológica do
direito, pode auxiliar na identificação sobre os pontos que podem ser aprimorados.

5.1. A SOCIOLOGIA DAS AUSÊNCIAS COMO PONTO DE REFLEXÃO PARA UM PROCESSO JUDICIAL
VOLTADO PARA AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
Os procedimentos criados por Boaventura Santos sobre uma sociologia das ausências e das emergências
podem ser utilizados para uma reflexão sobre como a comunicação presente nas decisões judiciais pode
refletir as “ausências” naturalizadas no meio social (SANTOS, 2002).
O autor propõe a existência de uma "Sociologia das Ausências", visando identificar o "âmbito da subtração
e da contração". Para Santos, tornar-se presente significa "considerar as alternativas às experiências
hegemônicas". Desse modo, a Sociologia das Ausências teria como objetivo "transformar objetos
impossíveis em possíveis e com base neles transformar as ausências em presenças, centrando-se nos
fragmentos da experiência social não socializados pela totalidade metonímica (SANTOS, 2002)".
Nessa argumentação o autor menciona que a Sociologia das Ausências teria como premissa duas
indagações. A primeira questiona as razões pelas quais uma concepção "tão estranha e tão excludente de
totalidade obteve tão grande primazia nos últimos duzentos anos". E a segunda visa "identificar os modos
de confrontar e superar essa concepção de totalidade e a razão metonímica que a sustenta". Sendo o foco
do seu trabalho relacionado com a segunda questão.
Santos propõe como procedimento a ser utilizado, pensar os termos das dicotomias fora das articulações e
relações de poder entre os homens. O primeiro passo para a libertação dessas relações seria a construção 64
de outras relações alternativas, antes ofuscadas pelas dicotomias hegemônicas. Assim, seria possível
pensar "o sul como se não houvesse norte; a mulher como se não houvesse homem; o escravo como se não
houvesse senhor”. Desse modo, o pressuposto desse procedimento da razão metonímica seria arrastar as
identidades para dentro das dicotomias, principalmente aqueles "componentes ou fragmentos não
socializados pela ordem da totalidade como meteoritos perdidos no espaço da ordem insuscetíveis de
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

serem percebidos e controlados por ela (SOUSA, 2002)."


Pode se dizer que a forma como estão organizados os procedimentos judiciais obedecem a uma ordem
hegemônica que está estabelecida no meio social. Por mais que exista uma operação de contingência para
que o sistema judicial promova o seu fechamento operacional, as decisões judiciais comunicam uma forma
de julgar que colabora para a reprodução dessa ordem.
Nesse sentido, houve um avanço com a edição da LMP, pois as medidas protetivas de urgência podem
representar o início de uma prestação jurisdicional que seja direcionada ao contexto de vulnerabilidade
que a mulher está inserida.
Não são raras as situações em que há violência institucional no próprio âmbito do judiciário (CHAÍ, 2018).
E a mulher em vez de se sentir amparada, acaba sendo exposta e uma situação que poderia ser resolvida
por meio de procedimentos mais direcionados.
Isso ocorre pela naturalização de algumas condutas sociais que mesmo com o fechamento operacional do
sistema de justiça estão presentes na forma de manifestação dos interlocutores.
É o que Boaventura (2002) chama de “monocultura da naturalização das diferenças”, que consiste na
distribuição das populações por categorias que naturalizam hierarquias, percebendo-se as classificações
raciais e sexuais como mais salientes. Assim, a não existência é produzida sob a forma de inferioridade
insuperável porque natural, "quem é inferior porque insuperavelmente inferior não pode ser uma
alternativa credível a quem é superior".
A Lógica da Classificação Social, visa uma articulação entre o princípio da igualdade e o princípio da
diferença, abrindo espaço para a possibilidade de diferenças iguais, por meio de uma ecologia de
diferenças feitas de reconhecimentos recíprocos.
Assim, o autor menciona que o exercício da sociologia das ausências é contrafactual e tem lugar por meio
da confrontação com senso comum científico tradicional. Essa perspectiva necessita de uma imaginação
epistemológica, permitindo diversificar saberes, perspectivas, escalas de identificação, análise e avaliação
das práticas. A imaginação democrática possibilita o reconhecimento de diferentes práticas e atores
sociais.
Boaventura elabora o procedimento da “tradução”, que consiste em criar condições para emancipações
sociais concretas de grupos sociais, permitindo revelar ou denunciar a dimensão de desperdício, e o tipo
de transformação social que a partir dele possa se construir, exigindo que as constelações e sentidos
criadas pelo trabalho de tradução sejam situação e práticas transformadoras
A tradução pode possibilitar um diálogo entre pontos que antes eram invisibilizados em determinadas
sociedades e culturas, com o objetivo de que sejam colocados como visíveis por meio da sociologia das
ausências.
Visibilizando as naturalizações da violência presentes nas decisões judiciais pode ser possível pensar em
um processo judicial mais adequado, de modo que os procedimentos sejam céleres e que a mulher esteja
amparada e assistida em todas as fases do processo.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio do desenvolvimento do trabalho foi possível apresentar alguns argumentos presentes nas
decisões do Tribunal de Justiça e Territórios-TJDFT sobre o processamento das medidas protetivas cíveis
na fase recursal e de cumprimento de sentença.
Na auto observação do sistema judicial percebeu-se que o tribunal tem adotado o sistema híbrido da Lei
Maria da Penha apenas no momento da concessão da medida de urgência, nas demais fases há a
necessidade de ajuizamento de processo autônomo a respeito da medida concedida.
Verificou-se que durante o processamento da medida pode haver conflitos de competências entre as
turmas recursais e que são resolvidos pela câmara recursal cível. O que pode contribuir para a morosidade 65
processual.
Percebeu-se que as mulheres em situação de violência podem não estar acompanhadas de uma defesa
técnica no momento da concessão da medida, não lhe sendo oportunizada a escolha para que a sua
concessão se dê no âmbito da LMP ou de ação autônoma. Situação essa que pode repercutir nas demais
fases processuais.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Na análise desse ponto foram utilizados os conceitos trazidos por Gunther Teubner sobre a forma como
acontece a comunicação no sistema judicial, e como essa pode contribuir para um tratamento diferente
entre desiguais.
Como sugestão para um processo que seja mais adequado ao contexto de vulnerabilidade da mulher em
situação de violência, utilizou-se os procedimentos elaborados por Boaventura de Sousa Santos para
promover uma reflexão sobre a sociologia das “ausências”, e como o sistema judicial pode colaborar para
a invisibilidade de determinados atores sociais.
Nesse aspecto, utilizou-se da “tradução” para verificar o que está sendo invisibilizado e promover uma
reflexão sobre uma nova forma de prestação jurisdicional, que seja adequada ao contexto da violência
contra a mulher, de modo que o processo seja pensado em todas as suas fases.
Conclui-se que a edição das medidas protetivas cíveis pelo legislativo provocou irritações na forma como
está estruturado o sistema judicial, mas essas não foram capazes de promover alterações nas
diferenciações internas do sistema de justiça.

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contra a mulher: o Poder Judiciário, de pretenso protetor a efetivo agressor. Revista Eletrônica do Curso de Direito da
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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

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67
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 8
Racismo e Injuria Racial: Uma análise na perspectiva
do judiciario brasileiro
Guilherme Henrique Brito dos Santos
Ada Mônica Santos Brito

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo analisar como o judiciário brasileiro vem
gradativamente desqualificando o crime de racismo para injúria simples, conhecidas
pelas normas (estabelecidas no art. 5º, XLII, da CF, que "a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão", nos termos da Lei nº
7.716 de racismo, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor e a
injúria racial pois ambas estão ligadas e está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do
Código Penal), como foco principal. Trata de um tema bastante polêmico e por esta
razão, vem reafirmar que ordenamento jurídico não está sendo eficaz quanto ao
enquadramento do racismo e a injúria racial. O trabalho foi realizado através de
pesquisasem livros, artigos e jurisprudências de tribunais. Com a imputação do crime de
injúria simples ou injúria racial aos crimes que deveriam ter sido enquadrados como
crime de racismo de fato definidona lei, os tribunais preferem desqualificar e dão brecha
para que esse crime seja praticado pelas pessoas pois não irão ser enquadrados no crime
de racismo pois a punição é mais severa. No Brasil os afrodescendentes contribuem em
todos os aspectos da sociedade, inclusive para o enriquecimento da nossa cultura, e
mesmo com a toda reafirmação da cultura negra existente, vários índices e pesquisas
mostram que os negros, tem acesso desigual as políticas públicas, ao mercado de
trabalho e a infraestrutura urbana. No que diz respeito a educação, que é um dos fatores
associados ao alcance de melhores oportunidades no mercado de trabalho e um dos
principais caminhos para a mobilidade social; os negros tem acesso inferior aos brancos,
68
tanto na escola básica, como no ensino superior.

Palavras-chave: Racismo, Injúria, Normas, Judiciário


Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
O tema proposto apresenta-se bastante relevante e intrigante, haja visto a complexidade das discussões de
diferenciação de racismo e injúria racial, e como a desqualificação interfere no meio social e jurídico.
A história do racismo começou desde a época colonial e se estendeu por vários anos mediante um processo
histórico até os dias contemporâneos. Pode-se dizer que o crime de racismo começou a dar seus primeiros
passos com a extinção da escravidão sem nenhuma contrapartida indenizatória, em 13 de maio de 1888,
com a Lei nº 3.353, sancionada pela Princesa Imperial Regente, foi extinta a Lei da Escravidão no Brasil. Seu
artigo 1° dispunha:“É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”.
O regime escravocrata brasileiro foi bastante extenso e também foi o último a ser extinto nas Américas.
Fazendo uma breve comparação, como exemplo, o Chile que foi um dos primeiros países a declarar a
liberdade em 1823, sob a presidência interina de Ramón Freire. Já nos Estados Unidos, alguns estados
aboliram a escravidão entre 1789 e 1830 e, definitivamente, ao final da Guerra Civil. Em 1865, os
abolicionistas americanos obtiveram a libertação dos escravos nos estados em que continuava havendo
escravidão.
A abolição no Brasil trouxe a liberdade, mas as relações sociais e políticas entre negros e brancos seguiram
em linha que poderia ser descrita como “não segregamos”, “não incluímos”, “queremos o
embranquecimento. Nesse sentido, o brasil logo após o fim da escravidão não trouxe políticas específicas de
integração dos negros recém-libertos à sociedade envolvente, o que fortaleceu as bases do histórico
processo de desigualdades sociais entre brancos e negros que perdura até os dias atuais”. Tal inserção
constitui um avanço na perspectiva da lei no Brasil. O mito da democracia racial ou a ideologia de um país
“sem racistas” parece permanecer presente nas relações sociais brasileiras, pois esta convive com a
estatística da discriminação racial que evidencia o racismo e suas práticas, mas dificilmente o racismo é
admitido por um brasileiro. (DE MELLO, 2010, p.10 a 14)
Além de doutrina, o racismo é também referido como sendo um corpo de atitudes, preferências e gostos
instruídos pela ideia de raça e de superioridade racial, seja no plano moral, estético, físico ou intelectual.
Assim, por exemplo, as pessoas que consideram os negros feios, ou menos inteligentes, ou menos
trabalhadores, ou fisicamente mais fortes são comumente referidas como racistas. Popularmente, no
Brasil, se diz que tais pessoas têm preconceito de cor. Tais atitudes não necessariamente constituem ou
derivam de uma doutrina. Podem formar, e geralmente formam, um simples sistema difuso de
predisposição, de crenças e de expectativas de ação que não estão formalizadas ou expressas logicamente.
Assim é totalmente plausível imaginar-se que, via de exemplo, considerado os negros menos
trabalhadores que os brancos, refreie-se de tratar diferentemente negros e brancos no mercado de
trabalho, ou mesmo de expressar publicamente a sua opinião. Por isso dizem-se que a discriminação racial
consiste no tratamento diferencial de pessoas baseado na ideia de raça, podendo tal comportamento gerar
segregação e desigualdade de raciais. Por outro lado, o preconceito seria apenas a crença prévia nas
qualidades morais, intelectuais e físicas baseada na ideia de raças. Como se vê o preconceito pode se
manifestar de forma verbal, ou seja, de modo comportamental sendo referido como discriminação.
Chama-se ainda de racismo o sistema de desigualdades de oportunidades, inscritas na estrutura de uma
sociedade, que podem ser verificadas apenas estatisticamente através de uma estrutura de desigualdades
raciais, seja na educação, na saúde pública, no emprego, na renda, na moradia entre outros. Tal sistema,
ainda que não exista independentemente de seus agentes, os cidadãos de um Estado, não pode ser
confundido, seja com a doutrina, seja com o sistema de atitudes, seja com os comportamentos individuais
concretos. Isso porque alguém de raça ou cor que historicamente usufrua de menos oportunidades de vida
não necessita, para acabar numa posição de inferioridade social, ser discriminada, sofrer preconceitos ou
ser inferiorizada doutrinariamente. O próprio sistema de desigualdades raciais se encarrega de reproduzir
sua própria inferioridade social de fato bastando, portanto, que ela nascesse em uma família típica de sua
situação racial. (GUIMARÃES, 2004, p. 17 a 20).
O racismo e a injúria racial e suas diferenciações: A injúria qualificada, assim como os demais crimes
contra a honra reclama seja a ofensa dirigida a pessoa ou pessoas determinadas. Destarte, a atribuição de
qualidade negativa a vítima individualizada, calcada em elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou 69
origem, constitui crime de injúria qualificada (CP, art. 140, § 3°). Esse crime obedecer às regras
prescricionais previstas no Código Penal.
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Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: § 3o Se a


injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia,
religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.

Quando fundada em elementos relativos à raça, a injúria qualificada não se confunde com o crime de
racismo pois é a divisão dos seres humanos em raças, superiores ou inferiores, resultante de um processo
de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se essa prática nefasta que, por sua vez,
gera discriminação e preconceito segregacionista. O racismo não pode ser tolerado, em hipótese alguma,
pois a ciência já demonstrou, com a definição e o mapeamento do genoma humano, que não existe
distinções entre os seres humanos, seja pela segmentação a pele, formato dos olhos, altura ou quais quer
outras características físicas. Não há diferença biológica entre os seres humanos, que nas essências,
biológica ou constitucional (art. 5°, caput), são todos iguais.
A injúria qualificada é delito inafiançável, imprescritível, e de ação penal pública condicionada à
representação do ofendido (CP, art. 145, parágrafo único, com a redação dada pela Lei 12.033/2009),
enquanto o racismo, de ação penal pública incondicionada, por mandamento constitucional expresso,
constitui-se em crime inafiançável e imprescritível (CF, art. 5°, XLII). (MASSON, 2016)
No Brasil, o crime de racismo se encontrou tipificado no Código Penal desde 1940, Lei específica 7.716 e
na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5° no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais,
especialmente especificado entre os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, garantias diretamente
ligadas à Dignidade da Pessoa Humana. (DE MELLO. 2010, p.10)
Os crimes de racismo são definidos pela Lei nº 7.716/1989 (crimes resultantes de preconceito de raça ou
cor), e se evidenciam por manifestações preconceituosas generalizadas (a todas as pessoas de uma raça
qualquer) ou pela segregação racial (exemplo: vedar a matrícula de uma criança de uma raça qualquer em
uma escola). Exemplificativamente, chamar alguém de “gringo safado” tipifica injúria qualificada,
enquanto afirma que “todos os gringos são safados” constitui crime de racismo.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade , à segurança , e à
propriedade , nos termos seguintes XLII - a prática do racismo constitui crime
inafiançávele imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

O racismo é algo que se reinventa e que se perpetua, como expressa RUFINO (1984, p. 34/35) “O racismo
não é produto de mentes desequilibradas, como ingenuamente poderia se pensar, não existiu ou existirá
sempre, o preconceito racial é também um dos filhos do capital, e tem conseguido se manter durante
séculos”.
O preconceito racial está depositado no fundo das mentes dos indivíduos, e sobrevive ao passar do tempo
e a mudança de culturas, há nele uma dose de irracionalismo que nenhum sistema social, nenhuma nação
e nenhum povo conseguiram se desvencilhar até hoje.
Sendo assim, o racismo é qualquer prática da qual vislumbra uma raça perante as demais, assim dizendo o
primeiro pensamento que surge na ideologia das pessoas é um crime apenas contra negros, porém é
englobado a etnias seja pardo, indígenas, mulatos ou brancos em alguns casos fazendo parte da cultura
crescerem ouvindo as diferenças e superioridade de determinadas raças, como um caso muito conhecido
no nazismo onde havia a separação raças.

2. BREVE HISTÓRICO DO RACISMO NO BRASIL 70


O Racismo está presente na sociedade há muitos séculos, pois o ser humano sempre teve a necessidade de
mostrar que é superior, principalmente de forma xenofóbica. Com a evolução da tecnologia, a Europa
iniciou a busca da sua conquista econômica sobre o mundo, e desde então, surgiram ideologias que
justificavam a superioridade do povo europeu com relação aos demais povos. Nesse diapasão, Maria Luiza
Tucci Carneiro diz:
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Desde o século XVI, expressões estereotipadas foram empregadas pelo


colonizador europeu interessado em segregar esses grupos. Apesar de viver no
século do humanismo e das descobertas de outros mundos, para além da velha
Europa e da Ásia, esse homem não soube conviver com aquele que era
diferente; não soube entender o outro, o desconhecido, visto ora como infiel,
ora como exótico. (CARNEIRO, 1996, p. 9)

É fato que “durante cinco séculos consecutivos, negros, mulatos, indígenas, judeus e ciganos, uns mais,
outros menos, foram discriminados pelo homem branco cristão. Foram, em momentos distintos e sob
diferentes justificativas, tratados como seres inferiores, em função de sua cultura, raça ou condição social”.
(CARNEIRO, 1996, p. 9).
Ao longo dos séculos XVI a XVIII, fora possível perceber a expansão da manufatura e o surgimento da
indústria na Europa, e, “nessa mesma época, nas colônias do Novo Mundo, criaram-se e expandiram-se as
plantations, os engenhos e as encomendas. O trabalho escravo era a base da produção e da organização
social nas plantations e nos engenhos”. (IANNI, 1988, p. 15).
Como fala RODRIGUES (1995, p. 11/26): “Em resumo, os brasileiros sabem haver, negam ter, mas
demonstram, em sua imensa maioria, preconceito contra negros”.
Esses números não aparecem limpos e encadeados ao final da pesquisa. É que os mais de cinco mil
entrevistados sabiam, ainda que de forma velada, que ser racista não é boa coisa. Agiram de acordo com
uma frase cunhada no início dos anos 60 pelo sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995): “O brasileiro
não evita, mas tem vergonha de ter preconceito”. Foi exatamente assim na pesquisa Datafolha. A imensa
maioria dos brasileiros demonstrou ter ou estar inclinada a ter atitudes preconceituosas em relação a
pessoas negras, mas quais minimizá-las. Uma demonstração de cordialidade, talvez, para não ofender
ainda mais aquele que se discrimina. Este trabalho da folha e do Datafolha analisou minuciosamente as
respostas e identificou esse racismo cordial, embora seus protagonistas tenham tentado ocultá-lo.
Os dois primeiros achados do Datafolha eram absolutamente contraditórios: 89% dos brasileiros diziam
próprios, racistas. Havia, claramente um buraco entre essas duas respostas dos brasileiros pesquisados.
Como a pesquisa era longa, com 34 perguntas, jornalistas a fazer cruzamentos de respostas.
Nesses cruzamentos, escolheram-se 12 perguntas básicas que faziam parte da pesquisa. Essas perguntas,
interpretadas a luz de novos cruzamentos de resultados, poderiam ajudar a compreender as atitudes mais
cotidianas dos entrevistados quando o assunto era racismo. E, principalmente, contribuir para alcançar os
objetivos principal da pesquisa, que era saber o tamanho exato do racismo no Brasil, quem o exerce e de
que forma.
Foi adotado neste trabalho de pesquisa e reportagem a segunda proposição. Ou seja, alguém que
concordasse com a afirmação seria considerado uma pessoa que “manifesta preconceito contra negros em
algum momento, ainda que de forma indireta”. Essa expressão, é evidente que há uma diferença entre
pessoa que diz, “negro bom é negro de alma branca” e outra que, por exemplo, impede um negro de entrar
em um restaurante ou em sala de cinema.
O racista cordial: Evidentemente, foi impossível encontrar alguém que se dissesse abertamente um
“racista cordial”. Até porque, ao fazer isso, não estaria incluído na categoria. A reportagem não buscou os
tradicionais estereótipos racistas, como os de grupos neonazistas. Esse fenômeno de agrupamentos
extremistas não ocorre apenas no Brasil. E não seria algumas pessoas desse estrato social que poderia
representar os 87% dos brasileiros que manifestam preconceito contra negros em algum momento, ainda
que de forma indireta.
Entre as personagens encontradas, está a professora e diretora de escola estadual aposentada Maria
Thereza Ferraz Ramos Féris, que tinha 59 anos em junho de 1995. Sem a menor má intenção, Maria
Thereza diz que “tem preto que é gente”. Ela não tem intenção de ser racista. E diz não ser racista.
71
Maria Thereza faz propaganda a favor de negros. Teve várias testemunhas negras depondo em sua defesa,
num processo a que respondeu por acusação de racismo, em 1990. Naquela época, ela dirigia uma escola
estadual em Paulínia, a 120 km a nordeste de São Paulo. A professora Ana Augusta da Silva acusou Maria
Thereza de proibi-la de entrar na escola. E, mais, de ter dito: “Lugar de negro é na senzala”. Em 1995,
Maria Thereza foi absolvida em segunda instância – quando o condenado recorreu ao Tribunal de Justiça
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do Estado – e sua pena foi revogada.


Negro contra negro e ideias preconcebidas: Negros também manifestam algum tipo de preconceito em
relação às pessoas de sua etnia. ara 48% dos negros entrevistados, por exemplo, a frase: "negro bom é
negro de alma branca" está total ou parcialmente correta. O que isso significa? Para o diretor executivo do
Datafolha, Antônio Manuel Teixeira Mendes, trata-se de "um caso típico de baixa autoestima, e não de
racismo propriamente". Mas o percentual mostra, sobretudo, o grau de enraizamento do racismo na
sociedade brasileira, a ponto de os próprios negros repetirem, ainda que de maneira irrefletida.

3. DOS CRIMES ALUSIVOS À QUESTÃO DE “RAÇA”


Lei Eusébio de Queiroz, a Lei 581, intitulada Eusébio de Queirós, aprovada em 04 de setembro de 1850,
extinguiu a importação de escravos pelo Brasil, realizada estritamente via mar, proibindo a entrada de
novos escravos em território brasileiro. Essa lei abalou sensivelmente o tráfico negreiro externo, atingindo
fortemente os traficantes e todos aqueles interessados no comércio de escravos. (SILVA; SILVA, 2012, p.
22).
A Lei do Ventre Livre (Lei n. 2.040), também conhecida como Lei Rio Branco, fora promulgada no dia 28 de
setembro de 1871, com o intuito de libertar os filhos de escravos que nasciam a partir desta data. Segundo
esta lei, as crianças ficariam sob custódia dos seus donos ou do Estado até que completassem 21 anos,
porém eles ainda eram obrigados a servir os seus senhores. Desta forma, as crianças tinham dois destinos:
“serem criadas pelos senhores de suas mães até os oito anos de idade, e a partir dessa faixa etária estes
senhores poderiam optar em utilizar dos seus serviços até os 21 anos de vida, ou entregá-los aos cuidados
do governo monarquista mediante uma indenização pecuniária, deixando-os totalmente livres”. (SILVA;
SILVA, 2012, p. 23).
A Lei n. 3.270, mais conhecida como Lei dos Sexagenários, fora promulgada no dia 28 de setembro de
1885, e tinha como objetivo a libertação dos escravos com mais de 65 anos de idade, pois estes não
possuíam força física e disposição suficientes para suportar as péssimas condições de trabalho oferecidas
pelos senhores de engenho. Entretanto, a libertação dos escravos mais velhos também beneficiou os
senhores de engenho, pois eles dispensavam mão-de-obra que não produzisse de forma eficaz.
Após a luta dos abolicionistas para acabar com a escravidão, fora promulgada no dia 13 de maio de 1888 a
Lei Áurea, com a finalidade de libertar os escravos que dependiam dos senhores de engenho. Amaury Silva
e Artur Carlos Silva explicam que: No dia 13 de maio de 1888 foi sancionada a Lei n. 3.353, conhecida
como Lei Áurea. Assinada pela Princesa Isabel, quando esta substitui, no comando do Império, o seu pai,
Dom Pedro II, em viagem à Europa, libertando de vez todos os escravos viventes no Brasil, que se tornou o
último país do continente americano a libertar seus cativos. (SILVA; SILVA, 2012, p. 23, grifo nosso).
A Lei 1.390 de 1951 possui um texto legal de extrema importância para a História Brasileira, pois a partir
dela foi possível notar o reconhecimento da existência do racismo no Brasil, apesar de ter sido um fato
frequente antes de sua promulgação. Desta forma, destaca- se que a Lei Afonso Arinos criou penas
compatíveis com a contravenção penal para tentar inibir o racismo, conforme explicita os autores Amaury
Silva e Artur Carlos Silva: A Lei n. 1.390/51, intitulada Lei Afonso Arinos, criada por este renomado jurista,
na ocasião deputado federal pelo Estado de Minas Gerais, na tentativa de solucionar a discriminação racial
no país, criou mecanismos para tal desiderato, porém a título de contravenção penal (infrações criminais
ou atos delituosos de menor gravidade que o crime, tipificados na Lei n. 3.688/41), (SILVA; SILVA, 2012, p.
27).
A Lei nº 7.716 de 05 de janeiro de 1989, entrou em vigor na data de sua publicação, vindo a dar nova
redação a antiga Lei Afonso Arinos (Lei nº 1.390, de 03 de julho de 1951), a qual incluiu entre as
contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor.
Quando da promulgação de Nossa Constituição Federal em 1988, seu art. 5º, inciso XLII, determinava que
“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei”, sendo referido inciso um mandado expresso de criminalização, o qual teve sua eficácia com a
promulgação da Lei nº 7.716/89. 72

Curiosamente a Lei nº 7.716/89 determina em seu título a punição de crimes resultantes de preconceito
de raça ou de cor, categorias estas que foram ampliadas no ano de 1.997, quando o legislador então
acrescentou ao art. 1º da referida lei os termos etnia, religião e procedência nacional, passando referido
art. a vigorar da seguinte forma: “Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. (Redação dada pela Lei
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nº 9.459, de 15/05/97).
A lei 9.459 de 15 maio de 1.997 além de criar novas categorias para a “lei de racismo”, também acresce ao
artigo 140 do Código Penal, o parágrafo terceiro, criando com isso a figura da injúria qualificada, in verbis:
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ouo decoro:
§ 3º - Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor,
etnia, religião ou origemPena - reclusão de um a três anos e multa.

O parágrafo terceiro do art. 140 do Código Penal ainda sofreu nova alteração no ano de 2.003, com a Lei nº
10.741, quando então foram incluídas duas novas categorias, pessoa idosa ou portadora de deficiência,
passando a vigorar da seguinte forma:§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a
raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Mister se faz a menção de referido parágrafo e suas alterações, pois em muito ainda se confunde o crime
de racismo com a injúria qualificada do art. 140, parágrafo terceiro, do Código Penal. No crime definido na
Lei nº 7.716/89 a ofensa é dirigida a toda uma raça, a qual é caracterizada por um fato pejorativo, por sua
vez, na injúria qualificada do parágrafo terceiro do Código Penal, a ofensa é direcionada a honra subjetiva
do indivíduo, ofensa esta que é agregada à raça, cor, etnia, religião ou origem.
Ainda necessário se faz a análise das cinco categorias elencadas na “lei de racismo”, iniciando pela raça.
Esta do ponto de vista antropológico é uma categoria social, ou seja, mesmo que biologicamente não haja
evidências da existência de grupos raciais humanos, os grupos sociais dividem a humanidade e as
sociedades a partir de traços fenotípicos. Na segunda categoria encontramos a cor, a qual se trata única e
exclusivamente da pigmentação da pele. Por sua vez, etnia refere-se a aspectos sócio culturais, enquanto
que a religião é toda crença, e aqui cabe fazer uma observação, o ateísmo não está abrangido pela “lei de
racismo”, vez que não é uma religião, mas uma filosofia de vida. Por fim, está a figura da procedência
nacional, a qual deve ser vista de modo ampliativo, devendo não ser entendida apenas a nacionalidade do
indivíduo, mas também sua origem regional.
Deste modo, após traçarmos os aspectos históricos e analisarmos cada uma das categorias abrangidas pela
“lei de racismo”, importante se faz a análise do art. 20 desta lei, o qual diz: “Art. 20. Praticar, induzir ou
incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
Observem que o legislador, quando da elaboração do art. 20 da “lei de racismo”, quis dar a este a
característica de subsidiariedade em relação aos outros artigos, posto que ao trazer em sua redação o
verbo “praticar”, contempla qualquer outra forma, como sendo crime, que não esteja exposta nos artigos
anteriores.
No tocante a imprescritibilidade dos crimes de racismo, ainda há divergência entre os autores. Se
analisarmos a Constituição Federal, esta é clara ao dispor no art. 5º, inciso XLII: “a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei”.
Assim, embora tenha o legislador ampliado às categorias protegidas pela Lei 7.716/89, acrescentando a
esta a etnia, religião e procedência nacional, entendemos que foi intenção do legislador constitucional
impor imprescritibilidade apenas ao crime de racismo, e por este, entendemos como aqueles relativos
somente à raça e cor. Não obstante nossa posição há autores que defendem ainda a inclusão da etnia no rol
dos crimes imprescritíveis, por entenderem que a etnia está ligada intrinsecamente ao conceito de raça.
O Supremo Tribunal Federal, no caso Ellwanger, em setembro de 2003, decidiu por 8 votos a 3, a
condenação, pelo crime da prática de racismo, de Siegfried Ellwanger. Esta vinha, no decorrer dos anos,
dedicando-se de maneira sistemática e deliberada a publicar livros notoriamente antissemitas, como os
"Protocolos dos Sábios de Sião", e a denegar o fato histórico do Holocausto, como autor do livro
"Holocausto - judeu ou alemão?”. Na ocasião, a defesa de Siegfried Ellwanger, negou que os livros tivessem
qualquer conotação racista, adotando a ideia de que, caso o STF entendesse de forma contrária, o conteúdo
dos livros feria a religião dos judeus e, por isso, o delito já se encontraria prescrito, vez que a Constituição
Federal limita a imprescritibilidade aos crimes de racismo (ai entenda-se como sendo apenas os crimes 73
decorrentes de raça, cor e para alguns autores a etnia).
Após esse julgamento, ficou clara a posição do STF acerca da imprescritibilidade também no tocante à
religião. No que diz respeito à procedência nacional, está ainda não foi objeto de deliberação pelo STF,
porém, acreditamos que após o caso Ellwanger, caso referida matéria seja levada à discussão em nossa
corte maior, o posicionamento da imprescritibilidade deve ser majoritário pelos ministros.
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Diante de tais ponderações, vê-se que mesmo após vinte anos da promulgação da Lei nº 7.716/89 ainda
padecem muitas dúvidas a respeito de sua interpretação e aplicabilidade por parte dos operadores do
direito. Entendemos que o legislador ao ampliar o alcance da Lei nº 7.716/89 para os crimes contra a
etnia, religião e procedência nacional, perdeu grande oportunidade em acrescentar ao art. 1º a figura da
opção sexual, a qual também deveria ser matéria de proteção por parte do legislador.

3.1. DA INJÚRIA RACIAL


Como explica MASSON (2009, p. 212/219): A injúria é crime contra a honra que ofende a honra subjetiva.
Consequentemente, ao contrário do que ocorre na calúnia e na difamação, não há imputação de fato.
Caracteriza-se o delito com a simples ofensa da dignidade ou do decoro da vítima, mediante xingamento
ou atribuição de qualidade negativa.
A dignidade é ofendida quando se atacam as qualidades morais da pessoa (exemplo: chamá-lo de
“desonesta”), ao passo que o decoro é abalado quando se atenta contra suas qualidades físicas (exemplo:
chamá-la de “horrorosa”) ou intelectuais (exemplo: chamá-la de “burra”).
O bullying também conhecido como intimidação sistemática e regulamentado pela Lei 13.185/2015, pode
caracterizar o delito de injúria, notadamente nas situações de insultos pessoais e comentários sistemáticos
e apelidos pejorativos.
A queixa-crime ou denúncia ajuizada pelo crime de injúria deve descrever, minuciosamente e sob pena de
inépcia, quais foram as ofensas proferidas contra a vítima, por mais baixas e repudiáveis que possam ser.
Objetividade jurídica: Tutela-se a honra subjetiva; objeto material, é a pessoa cuja honra subjetiva é
atacada pela conduta criminosa.
Núcleo do tipo: Injuriar equivale a ofender, insultar ou falar mal, de modo a abalar o conceito que a vítima
tem de si própria. Basta a atribuição de qualidade negativa, prescindindo-se da imputação de fato
determinado. Para o Supremo Tribunal Federal: “A difamação pressupõe atribuir a outrem fato
determinado ofensivo à reputação. Na injúria, tem-se vinculação capaz de, sem especificidade maior,
implicar ofensa à dignidade ou ao decoro”.
Esse crime, normalmente, é comissivo. Mas é possível também a injúria por omissão. Confira-se o exemplo
de Magalhães Noronha: “Também por omissão se pode injuriar: se uma pessoa chega a uma casa, onde
várias outras se acham reunidas e cumprimenta-as, recusando, entretanto, a mão a uma que lhe estende a
destra, injuria-a”.
Nada impede a injúria indireta, nas situações e quem a injúria, além de atacar a honra da provocada,
alcança reflexamente pessoa diversa. Exemplo: chamar um homem casado de “corno” importa em injuriar
também sua esposa.
Consumação: Como esse crime atinge a honra subjetiva, dá-se sua consumação quando a ofensa à
dignidade ou ao decoro chega ao conhecimento da vítima. É irrelevante tenha sido a injúria proferida na
presença da vítima (injúria imediata) ou que tenha chegado ao seu conhecimento por intermédio de
terceira pessoa (injúria mediata).
Tentativa: É possível quando a injúria for praticada por escrito (exemplo: bilhete ofensivo que o garçom
de um restaurante entrega para pessoa diversa da visada pelo agente), pois, nessa hipótese, o crime é
plurissubsistente.
Sustenta a doutrina, contudo, que não se admite a tentativa (Conatus) na injúria cometida verbalmente,
por se tratar de crime unissubsistente. Essa afirmação deve ser encarada com ressalvas, mormente
levando-se em conta os meios modernos de comunicação. Nada impede, exemplificativamente, a tentativa
de injúria verbal cometida por meio de uma ligação de telefone celular, ou de uma conversa pelo
computador, utilizando- se a internet (webcam), na qual o sinal é interrompido no momento em que o
sujeito atribui à vítima uma qualidade negativa.
É possível ainda falar de tentativa de injúria verbal na denominada injúria medita. Vejamos um exemplo: 74
“A” pede a “B”, todavia, não leva a mensagem ao seu destinatário. Iniciou-se a execução de um crime de
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injúria que somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente33.

3.2. DO COMBATE AO RACISMO NO BRASIL


Podemos dizer que o combate de fato ao racismo só começou de fato com a chegada da Constituição Federal
de 1988 com o novo estado democrático de direito.

Constituição Federal de 1988


Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdadee a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias,promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançávele imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei;

Como vem a ser noticiado pela (Agência Senado). A bancada antirracista e seus aliados conseguiram
aprovar na Constituição de 1988 a proposta que tornou a prática do racismo crime sujeito a pena de
prisão, inafiançável e imprescritível. Mas a legislação brasileira já definia, desde 1951 com a Lei Afonso
Arinos (lei. 1.390/51), os primeiros conceitos de racismo, apesar de não classificar como crime e sim como
contravenção penal (ato delituoso de menor gravidade que o crime).
Com essa norma constitucional, segundo Paim, foi aberto o caminho para o resgate da plena cidadania dos
negros e mulatos. Em 1989, o Congresso aprovou a proposta do deputado Luiz Alberto Caó (lei
7.716/89)que passou a ser conhecida como Lei Caó. Essa lei explicitou os crimes de racismo de acordo
com o novo conceito da Constituição.
A Lei Caó também definiu como crime sujeito a pena de prisão, entre outros, o ato de, por motivo de raça
ou cor, recusar ou impedir acesso de pessoas a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou
receber cliente ou comprador. No artigo 14, por exemplo, é instituída a pena de dois a quatro anos de
prisão para quem impedir ou criar obstáculo por qualquer meio ou forma a casamento ou convivência
familiar ou social por motivo racial.
Já em 1990 o Congresso aprovou a lei 8.801/90 que explicita os crimes praticados pelos meios de
comunicação ou por publicação de qualquer natureza e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de
preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.
Para atualizar a Lei Caó e a legislação subsequente sobre o assunto, em 1997 o então deputado Paulo Paim
propôs - e o Congresso aprovou - a Lei 9.459/97. A norma estabelece pena de um a três anos e multa para
os crimes de praticar, induzir, ou incitar o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A pena é a mesma se qualquer desses crimes é cometido por intermédio dos meios de comunicação social
ou publicação de qualquer natureza.
No parágrafo primeiro do artigo 20, a lei específica o crime de fabricar, comercializar, distribuir ou
veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou 75

33 MENDONÇA, Dalila Farias. Documento Disponível em: < https://docplayer.com.br/46119701-Na- forma-


escrita-contudo-e-possivel-o-conatus-exemplo-bilhete-contendo-imputacao-ofensiva-a-honra- alheia-que-se-
extravia-excecao-da-verdade-como.html> Acesso em 21/05/2020.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

gamada, para fins de divulgação do nazismo. (PIRES; LYRIO [2011?]).


Também autoriza o juiz da causa a determinar o recolhimento imediato ou a busca e apreensão de
material com propaganda racista e a cessação de qualquer transmissão por rádio, televisão ou internet de
conteúdo discriminatório.
Essa lei, lembra o senador Paim, agravou o crime de injúria, ofensa à dignidade ou decoro de alguém
(Código Penal, art. 140) quando essa consistir na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia,
religião ou origem. A pena prevista para esse crime é prisão de um a três anos e multa.
O racismo no Brasil é algo pertinente desde o período colonial, no qual os portugueses achavam que a cor
da pele determinava características como: força e capacidade intelectual. Com a abolição da escravidão e a
criação de leis que visam erradicar o racismo, essa prática criminosa diminuiu muito; no entanto, ainda se
encontra presente na sociedade atual. Por conseguinte, as pessoas negras sofrem diariamente com piadas
na internet, recebem salários inferiores aos brancos e são excluídas de vários grupos sociais.
Logo, percebe-se que há uma necessidade de o Governo, juntamente com a população, realizar medidas
preventivas para mudar esse cenário. Periodicamente a mídia relata casos de pessoas negras que foram
atingidas pelo racismo, como o caso do jogador de futebol Daniel Alves. Diante disso, percebe-se que
grande parte da população ainda pensa que o fato de possuir uma maior quantidade de melanina na pele
determina uma inferioridade, mesmo sendo provado por cientistas que a cor da pele não atribui ao
indivíduo uma menor capacidade racional e física. Outrossim, alguns grupos, como os “skinheads”, acham
que deve existir uma supremacia branca, e eles usam como justificativa a questão da escravidão no país.
Assim, observa-se que essa prática ilegal deve ser erradicada, uma vez que ela gera muitas consequências
ruins. Com a evolução tecnológica e a propagação das redes sociais, o número de piadas racistas aumentou
drasticamente, fazendo com que o negro sofre cada vez mais com esses atos. Ademais, dentro das
empresas há um grande preconceito com a população afrodescendente, que geralmente ocupam cargos
inferiores e recebem menos que os brancos realizando o mesmo tipo de trabalho. Também é importante
ressaltar que o racismo começa dentro das escolas, nas quais existem grupos de amigos que excluem uma
determinada pessoa simplesmente por ela ser negra.
Dessa maneira, fica claro que, se não houver uma melhora significativa, os índices de racismos
aumentarão. Em suma, é evidente que o preconceito com o negro está presente na sociedade brasileira, e
isso não pode ser encarado como normal e deve ser erradicado. Para que isso ocorra, é necessário que o
Governo Federal fiscalize de forma efetiva os casos de racismos, punindo os infratores e garantindo a
segurança das pessoas. Além disso, é preciso que o Ministério da Educação (MEC) melhore o ensino acerca
da população africana, para que as pessoas aprendam desde pequenos que não há diferença entre um
indivíduo da cor branca e negra. Também é imprescindível a participação da sociedade, que, por meio de
mobilizações e manifestações, deve se conscientizar e mudar esse cenário. Immanuel Kant disse que o ser
humano não é nada além daquilo que a educação faz dele, e são com esses passos primordiais que o Brasil
caminhará a uma nação que respeita todas as pessoas.

4. O NOVO CONSTITUCIONALISMO E A (IN)TOLERÂNCIA COM O AUTOR DEAÇÕES RACISTAS


Para o entendimento do novo constitucionalismo perante as práticas de autoria racistas precisa-se
entender o breve histórico até se chegar nos dias atuais, tal como conceito biológico de raça foi
desacreditado, o velho racismo biológico baseado em diferenças ao nível dos traços físicos raramente se
exprime de forma aberta na sociedade atual. O fim da segregação legal nos Estados Unidos e o colapso do
Apartheid na África do Sul foram momentos de não a rejeição do “racismo biológico”. Em ambos os casos,
as atitudes racistas assentavam numa associação direta entre traços físicos e inferioridade biológica.
Aqueles que argumentam que emergiu um novo racismo defendem que os argumentos culturais são agora
utilizados, em vez dos argumentos biológicos, de forma a discriminar certos segmentos da população. De
acordo com esta perspectiva, hierarquias certos segmentos da população. De acordo com esta perspectiva,
hierarquias de superioridade e inferioridade são construídas de acordo com os valores da cultura maioria.
Logo, os grupos que representam minorias são marginalizados ou difamados pelo fato de se recusarem a 76
ser assimilados. Alega-se que o novo racismo tem uma dimensão política evidente.
Logo pode-se concluir que as novas formas de preconceitos raciais descrevem atitudes racistas que são
expressas por meio da ideia de diferenças culturais, em vez da noção de inferioridade biologia.
Em que pese haver um consenso no sentido de que as formas atuais de racismo são mais sutis, quase
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imperceptíveis, ainda é possível colher nos jornais o registro de agressões racistas a velha moda do século
passado.
O constitucionalismo é um fenômeno político social cultural que pretende limitar o poder arbitrário do
Estado. Originalmente, o constitucionalismo remonta à antiguidade clássica, ao Estado Teocrático do povo
hebreu, que limitava o poder político pelas leis do Senhor. Assim, não há uma relação direta entre
Constituição escrita e o surgimento do constitucionalismo, que lhe é bastante anterior.
A Constituição Federal 1988 consagrou, já no seu preâmbulo, materializado em texto eloquente e
inovador, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias. Partindo-se de tal construção, observa-se, de maneira clara, que o legislador constituinte
objetivou viabilizar a construção de uma sociedade fraterna e pluralista sem preconceitos, fundada na
harmonia social.
Por tudo exposto, fica evidente o posicionamento majoritário do STF no sentido de defender as ações
afirmativas, em favor das minorias, como forma de equilibrar as oportunidades sociais.

5. DA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL


O pioneiro deles é o REsp 258.024. Julgado em 2001, o recurso tratou de indenização por danos morais
devido a agressões verbais manifestamente racistas. A Terceira Turma confirmou decisão de primeiro e
segundo graus que condenaram o ofensor a indenizar um comerciário em 25 salários mínimos. O
comerciário instalava um portão eletrônico, quando o homem se aproximou e começou a fazer
comentários contra o serviço. O instalador tentou ponderar que se tratava de uma benfeitoria cuja
finalidade era proteger os moradores da vila, que haviam decidido por maioria a colocação do
equipamento, quando começou a ser agredido verbalmente pelo outro, morador do local. Diante do
ocorrido, a vítima acionou o Judiciário para resgatar sua dignidade e honra, que foram feridas por ofensas
descabidas. Na ação, pediu uma indenização de 200 salários mínimos, mais juros e correção monetária, e
que o agressor também pagasse os honorários advocatícios e as custas processuais, já que ele havia
requerido o benefício da justiça gratuita. O agressor, por sua vez, negou as acusações, afirmando tratar-se
de um lamentável mal entendido e alegou que as testemunhas que confirmaram a história não seriam
idôneas. Argumentou que a ação era um atentado à realidade dos fatos, representando mais um capítulo
de verdadeira expiação por que vinha passando desde que, no exercício da cidadania, e em defesa de seus
direitos, denunciou a ocupação e a apropriação indébita, pela quase totalidade dos moradores da vila onde
habita, de bens de uso comum do povo, como a rua e a calçada. Em primeira instância, após análise das
consequências dos fatos e da situação econômico-financeira dos litigantes, verificou-se que o agressor não
era pessoa de grandes posses. Por isso, a indenização por danos morais foi fixada no equivalente a 25
salários mínimos e o pagamento dos honorários advocatícios, em 10% do valor da condenação. O Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou a apelação interposta pelo ofensor, que recorreu ao STJ. O relator
do processo, ministro Waldemar Zyeiter, destacou que as instâncias ordinárias são soberanas na
apreciação da prova e manteve a condenação. Porém, como o pedido foi concedido em parte, os
honorários advocatícios deveriam ser repartidos tanto pelo agressor quanto pela vítima.
Outro caso que chamou a atenção foi o julgamento do HC 15.155, ocasião em que o STJ, em decisão inédita,
classificou discriminação e preconceito como racismo. A Quinta Turma manteve condenação de um editor
de livros por editar e vender obras com mensagens antissemitas. A decisão foi uma interpretação inédita
do artigo 20 da Lei 7.716/89, que pune quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito
de raça. No habeas corpus, a defesa sustentou que o editor de livros não poderia ser condenado pela
prática do racismo, pois o incitamento contra o judaísmo, de que foi acusado, não teria conotação racial.
Para o relator, ministro Gilson Dipp, a condenação do editor se deu por delito contra a comunidade
judaica, não se podendo abstrair o racismo de tal comportamento. “Não há que se fazer diferenciação
entre as figuras da prática, da incitação ou indução, para fins de configuração do racismo, eis que todo
aquele que pratica uma destas três condutas discriminatórias ou preconceituosas é autor do delito de
racismo, inserindo-se, em princípio, no âmbito da tipicidade direta”, afirmou. O ministro destacou que tais
77
condutas caracterizam um crime formal, de mera conduta, por isso não se exige a realização do resultado
material para sua configuração, bastando, para tanto, a concretização do comportamento típico, como
descrito na legislação, com a intenção de sua realização. O entendimento foi seguido pela maioria do
colegiado da Quinta Turma.
No julgamento do HC 63.350, a Quinta Turma determinou que dois comissários de bordo da American
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Airlines, acusados de racismo, prestassem depoimento à Justiça brasileira no processo a que respondiam.
A Turma negou pedido para que eles fossem interrogados nos Estados Unidos, onde residem. Os dois
comissários foram processados por terem agredido um passageiro brasileiro em junho de 1998, durante
um voo da empresa que saía de Nova Iorque com destino ao Rio de Janeiro. Depois de um
desentendimento com o passageiro por causa de assento, um deles teria dito: “Amanhã vou acordar jovem,
bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano, e você vai acordar como safado, depravado,
repulsivo, canalha e miserável brasileiro.” Segundo o processo, o outro comissário também teria cometido
o crime de racismo, previsto no artigo 20 da Lei 7.716, por incentivar o colega e por tentar agredir
fisicamente o brasileiro. Seguindo voto do relator do processo, ministro Felix Fischer, a Turma manteve a
ação penal por entender que a intenção dos comissários foi humilhar o passageiro exclusivamente pelo
fato de ele ser brasileiro. A ideia do ofensor foi ressaltar a superioridade do povo americano e a condição
inferior do povo brasileiro. Para os ministros, houve agressão à coletividade brasileira. No HC 137.248, a
Sexta Turma negou habeas corpus a um ex-presidente e o fundador de um clube, localizado em Uberaba
(MG).
Ele foi acusado do crime de racismo enquanto exercia a direção do estabelecimento. O ex-presidente teria
impedido a aquisição de cota da agremiação por uma mulher negra sem nenhuma justificativa.
Posteriormente, o marido da vítima teria gravado uma conversa na qual discutiriam as supostas práticas
racistas dentro do clube. (STJ).
A defesa alegou que a prova seria ilegal. Porém, para o relator do caso, desembargador convocado Celso
Limongi, a suposta prova ilegal não causou prejuízos à defesa as demais provas apresentadas não eram
derivadas dessa. (STJ).
Ao julgar o RHC 24.820, a Quinta Turma negou pedido de trancamento de ação penal a um homem
condenado por instigar discriminação racial contra uma adolescente que residia no mesmo condomínio
que ele. A menina era filha de empregada doméstica e morava no apartamento onde a mãe trabalhava. A
jovem fez amizade com outras adolescentes que moravam no mesmo condomínio e passou a frequentar a
piscina do prédio. O homem, que exercia a função de síndico, informou ao morador do apartamento em
que a menina vivia que não era permitido aos empregados usar a piscina – proibição que se estendia à
garota, por ser filha de uma empregada doméstica. Na ocasião, um funcionário encerrou o acesso à piscina
antes do horário habitual. A mãe da menina registrou um boletim de ocorrência quando apenas soube das
restrições impostas pelo então síndico. O relator do processo, ministro Jorge Mussi, ressaltou que o
trancamento da ação penal pela via de habeas corpus só é admissível quando a ausência de indícios que
fundamentam a acusação é demonstrada sem a necessidade de reexame das provas. Para ele, o argumento
foi enfraquecido, também, pela existência de posterior sentença condenatória. (STJ).
No julgamento de um conflito de competência, o STJ entendeu que o crime de racismo praticado por meio
de mensagens publicadas em uma mesma comunidade da internet deve ser processado em um mesmo
juízo. Por essa razão, determinou a competência da Justiça Federal de São Paulo para investigar
discriminação praticada contra diversas minorias, como negros, judeus e homossexuais. (STJ).
O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo deu início à apuração. Após verificar que os acessos dos
investigados à internet ocorriam a partir de estados como Ri o Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e
Bahia, o MP pediu o desmembramento das investigações. O pedido foi acolhido pela Justiça Federal em São
Paulo, mas o juízo federal do Rio de Janeiro se recusou a dar seguimento ao processo desmembrado. Em
seu voto, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, concluiu que a conexão entre as condutas dos
investigados também poderia ser verificada em razão de serem idênticas e consumadas na mesma
comunidade virtual do mesmo site de relacionamento. (STJ).
Em um caso polêmico (REsp 911.183), a Quinta Turma absolveu um apresentador de TV do crime de
racismo. Ele havia sido condenado a dois anos e quatro meses de reclusão em regime aberto, por ter
ofendido etnias indígenas por ocasião de demarcação de terras em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Para a Turma, não houve crime de racismo, mas exacerbação do pensamento num episódio conturbado
que ocorria na região. Segundo descreve a acusação, o apresentador teria, em cinco oportunidades, entre
janeiro e maio de 1999, incitado a discriminação contra grupos indígenas em disputa com colonos pelas
terras das reservas de Toldo Chimbangue, Toldo Pinhal, Xapecó e Condá. O STJ entendeu que houve 78
exteriorização da opinião acerca de uma situação grave, descrição de comportamentos, mas não
necessariamente incitação ao racismo. (STJ).
No julgamento do REsp 157.805, a Quinta Turma, pela impossibilidade de reexaminar provas, manteve
decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que inocentou um jornalista acusado do crime de
racismo. Ele foi denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal por ter publicado em sua coluna
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

uma piada que comparava uma candidata a deputada pelo Rio de Janeiro a uma macaca, o que, de acordo
com o denunciante, incitaria a discriminação e o preconceito de raça e de cor. (STJ).
O mesmo aconteceu no REsp 273.067. A Sexta Turma não examinou a acusação de crime de racismo
contra um jornalista e manteve decisão do Tribunal de Justiça do Ceará, que o inocentou ao entendimento
de que não houve comprovação de dolo, ou seja, da vontade livre e consciente de praticar o crime. Em seu
voto, o relator, ministro Fernando Gonçalves, destacou que, para verificar a existência desse elemento
subjetivo, seria necessário o reexame de provas, o que é vedado pela Súmula 7 do Superior Tribunal de
Justiça. (STJ)

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos concluir somente estudando a todos os conceitos, dados históricos, legislações e direitos que a
situação jurídica dos negros é desprivilegiada, que comprova o acesso reduzido dos afro descendentes e a
existência do racismo, se torna viável a implementação de políticas afirmativas para viabilizar o acesso ao
ensino superior e criar políticas de enfrentamento a questão do racismo, pois de maneira geral, acredita-se
que o judiciário brasileiro e Estado, nas suas diversas instâncias, ainda não demonstrou o
comprometimento necessário com a diminuição das desigualdades raciais, tanto nas políticas sociais,
como na aplicação de sanções pelos tribunais do nosso país.
Observando a cronologia da história percebe-se que desde os primórdios da sociedade se tem exemplos de
racismo, anteriormente a discriminação estava ligada a questão cultural, só depois da idade média, com as
teorias racistas criadas pelos europeus para justificar e comprovar a inferioridade da raça negra escravizá-
los, é que foi implementado o racismo de cor.
O preconceito de cor está presente em todos os âmbitos da sociedade brasileira, o que inclui as
universidades. O acesso reduzido de negros nas instituições de ensino superior reproduz a exclusão
vivenciada anteriormente. Diante de todo esse contexto o presente trabalho visou proporcionar um olhar
crítico para sociedade contemporânea sobre o racismo, tentando alcançar uma discussão ampliada da
questão e consequentemente diminuir a problemática.
No entanto, os negros vêm buscando seu espaço no mercado de trabalho, na utilização dos serviços
públicos e no acesso à educação, como qualquer outro cidadão. A sociedade não pode ficar ausente a essa
questão, um Brasil democrático não pode evitar uma discussão franca da qual façam parte setores em
metade da população total. trata-se de uma necessidade e um momento histórica importante para criar
políticas antirracistas que possam reduzir esse racismo em toda sociedade.
Conclui-se que o presente trabalho alcançou os objetivos propostos através da análise da pesquisa que
estão de acordo com o referencial teórico, confirmando que o racismo atuante na sociedade brasileira é
consequência de um aparato histórico, e se expandiu em todas as esferas da sociedade até mesmo pelo
poder judiciário da parte de quem julga, e se tornou ao longo dos anos hipócrita e camuflada.

REFERÊNCIAS
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[18]. PIRES, Thula Rafaela de Oliveira; LYRIO, Caroline. RACISMO INSTITUCIONAL E ACESSO À JUSTIÇA: Uma
análise da atuação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro nos anos de 1989-2011. [S.I.],[2011?] Disponível
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[19]. RUFINO, Joel dos Santos. O que é racismo? São Paulo: Brasiliense, 1984.
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intolerância. 2011. Disponível em:https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/2803870/racismo-decisoes-judiciais-
estabelecem- parametros-para-repressao-a-intolerancia Acessado em: 21/05/2020.
[21]. SILVA, Amaury; SILVA, Artur Carlos. Crimes de Racismo, 1 ed. Leme.Editora JH Mizuno, 2012.

80
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 9
Reestruturação produtiva, mudanças técnico-
ocupacionais no agrohidronegócio canavieiro e os
rebatimentos para as migrações do trabalho para o
capital na 10a Região Administrativa de Presidente
Prudente (SP)

Fredi dos Santos Bento


Antonio Thomaz Junior

Resumo: Nesta segunda década do século XXI, amplia-se a ofensiva do capital sobre o
trabalho em monta jamais vista, o que nos instiga a qualificar quais os desafios e saídas
para uma ruptura com o metabolismo societário do capital, tendo em consideração que
as alternativas propostas que não se pautem na irrupção deste modelo destrutivo,
acabam por legitimar as graves contradições que marcam o modelo societário vigente.
Dessa forma neste texto nossa preocupação advém para com os impactos da
reestruturação produtiva para o setor agroindustrial canavieiro e seus rebatimetos para
uma das principais engrenagens de reprodução do mesmo, advindo da utilização da
mão-de-obra migrante principalmente para o corte manual, mesmo diante de um quadro
de transição entre o corte manual e o mecanizado.

Palavras-chave: reestruturação produtiva; trabalho, migração do trabalho;


agrohidronegócio.

81

*O texto foi apresentado e debatido no VIII Simpósio Internacional de Geografia Agrária (SINGA), 2017, Curitiba-PR e
faz parte originalmente dos Anais do VIII Simpósio de Geografia Agrária, 2017. v. 1.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
Nesta segunda década do século xxi, amplia-se a ofensiva do capital sobre o trabalho em monta jamais
vista, desse modo, tensionamos qual o papel da geografia em ler e apreender tal fenômeno, bem como,
quais respostas a ciência geográfica pode oferecer dada a emergência de uma ruptura com o atual estado
de coisas existente. Nesse sentido, quais são os limites, desafios e possibilidades para pensarmos o
trabalho neste início do século xxi?a emancipação do sociometabolismo do capital é possível? Qual o papel
do trabalho nesta empreitada e quais os desafios e desdobramentos tem se apresentado para os
trabalhadores nas últimas décadas?
Nesta perspectiva, trazemos para essa proposta à importância de se empreender uma leitura geográfica
do trabalho, pautada pelos limites, desafios e possibilidades para refletirmos em respeito aos
acontecimentos do início deste século, bem como seu papel central na emancipação do atual estado de
coisas. Assim, é crucial que assumamos que é pelo viés da negatividade e positividade do trabalho, que
podemos pensar a respeito das contradições que perpassam a humanidade imersa no sociometabolismo
da barbárie, ou melhor, do capital. Então, é preciso que nos direcionemos para os sinais dos tempos
oferecidos pelo capital, dado estes expressarem o conteúdo de irracionalidade que perpassa o nosso
tempo histórico, tomando em consideração também, a nova polissemia que caracteriza a classe
trabalhadora, levando em consideração as marcas destrutivas geradas pelo capital (thomaz junior, 2011).
É sob a égide dessa discussão que a geografia do trabalho tem se inserindo neste início do século, dados os
desafios que se colocam como nunca antes para a construção da mesma, tendo em vista a ampliação dos
agravos para a saúde dos trabalhadores, processo saúde-doença, a ofensiva neoliberal e o pacote de
austeridade que perpassam os países do ocidente, bem como a ampliação dos ambientes refeitos pela
reestruturação produtiva, do desemprego estrutural, da terceirização, produção flexível, relações
semidegradantes de trabalho e de trabalho escravo, feminização do trabalho, migrações do trabalho, etc., e
que nos põem a propugnarmos qual a geografia do trabalho estamos construindo efetivamente nesta
segunda década do século xxi, e qual o papel da mesma na emergência de se refletir sobre um modelo
alternativo ao que está posto.
Então, trazemos para este trabalho questionamentos referentes ao atual momento do agrohidronegócio
canavieiro no pontal do paranapanema (sp), no que diz respeito à migração do trabalho, e os (re) arranjos
que se configuram no período de transição técnica/tecnológica e do controle do trabalho, especialmente
nas operações de corte e plantio da cana-de-açúcar, que se amplia territorialmente também para a nova
alta paulista, que vem a compor, juntamente com o pontal do paranapanema, a 10 a região administrativa
(ra) de presidente prudente.
Porém, para a realização desses intentos, realizamos trabalhos de campo na região de estudo (teodoro
sampaio, mirante do paranapanema, sandovalina, junqueirópolis, flórida paulista e martinópolis-sp), dada
a possibilidade de problematização, tendo em vista enxergarmos o trabalho de campo enquanto
“laboratório por excelência do geógrafo”, que adjunto das investigações realizadas por meio de entrevistas
semiestruturadas, nos tem possibilitado apreender a trajetória pessoal, laboral e familiar dos
trabalhadores (thomaz junior, 2005).
Em contrapartida, também realizamos entrevistas semiestruturadas junto às instâncias de representação
desses trabalhadores, a citar os STR’s (Sindicato dos Trabalhadores Rurais), SER’s (Sindicato dos
Empregados Rurais), Centro de Estudos Migratórios (CEM); CPT (Comissão Pastoral da Terra), SPM
(Serviço Pastoral do Migrante); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); DataLUTA;
DataCETAS,etc.,todos a nível regional, ou seja, que recobrem a Região Administrativa de Presidente
Prudente (10a R.A.), bem como aos representantes das prefeituras dos municípios de enfoque, como
assistentes sociais, secretários de planejamento e desenvolvimento dos municípios enfocados.
Com relação às entrevistas é preciso nos ater aos pressupostos estabelecidos por Colognese e Melo
(1998), dado que ao entrevistarmos, o fazemos por pressupormos que o entrevistado detenha
informações que direta ou indiretamente possam nos ajudar em nossos questionamentos. Por isso, temos
nos utilizado de entrevistas semiestruturadas, dado o potencial destas últimas enquanto uma conversa
com finalidade, unindo questões abertas e fechadas, num diálogo sem amarras presentes caso nos
82
utilizássemos de um questionário fechado, como argumentam Minayo (2005) e Santos et al. (2014).
No entanto, para que possamos tratar em respeito a essas questões é primordial que qualifiquemos o que
estamos entendendo enquanto uma leitura geográfica do trabalho em meio a um quadro marcado pelos
rebatimentos diretos da reestruturação produtiva no agrohidronegócio canavieiro, dadas as mudanças
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

técnico-ocupacionais que tem passado o setor nos últimos anos, com ênfase para a configuração
apresentada na Região Administrativa de Presidente Prudente-SP.

2. POR UMA LEITURA GEOGRÁFICA DO TRABALHO EM TEMPOS DE CRISE E MUDANÇAS TÉCNICO-


OCUPACIONAIS NO AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO
Nesta segunda década do século XXI ampliam-se as contradições que permeiam o metabolismo societário
do capital com impactos de grande monta para os trabalhadores e trabalhadoras que diariamente vendem
sua força de trabalho, nos permitindo por em debate alguns questionamentos e reflexões referentes às
principais mudanças que tem ocorrido no tecido social.
Todavia, é imprescindível pormos em debate os retrocessos pelos quais tem passado os trabalhadores e
trabalhadoras nas últimas décadas sob a emergência da crise estrutural do capital tal como nos apresenta
Mészáros (2002), e seus desdobramentos de grande profundidade no que tange ao ataque não apenas a
classe trabalhadora como para com suas instâncias de representação, ou seja, os sindicatos, frentes de
luta, movimentos sociais etc., além dos rebatimentos políticos e econômicos que nos permitem pensar e
falar numa crise de civilização.
A crise estrutural materializada sob os auspícios do metabolismo societário do capital é também uma crise
de “acúmulo de contradições sociais”, sendo um rebatimento claro da mesma, a ampliação do desemprego
estrutural e do trabalho precarizado, bem diferente da situação vivenciada no período fordista, dadas as
proporções reais que a acometem, pois nem mesmo o Estado tem o poder e a capacidade de apontar ou
mesmo solucionar os graves problemas que estamos vivenciando com a ampliação da miséria,
desemprego, adoecimento dentro e fora do trabalho, mudanças na legislação trabalhista, pilhagem dos
recursos naturais, sob o verniz da ideia irreal contida nas propostas de desenvolvimento entre outras
(SCZIP, 2013; MÉSZÁROS, 2014).
Então ao tensionarmos alguns desdobramentos do metabolismo societário do capital, é preciso que
sinalizemos para as relações fora do ambiente de trabalho, as associações, movimentos e sindicatos, bem
como o lazer, a cultura, ou seja, que perpassam a esfera da vida cotidiana imersa no conteúdo destrutivo
que se materializa com o desenvolvimento das forças produtivas pelo capital em oposição a um modelo
pautado pela autoafirmação dos trabalhadores e trabalhadoras que diariamente vendem sua força de
trabalho.
Ao tatearmos tais reflexões não podemos perder de vista que mais que um papel central, é assumindo o
trabalho enquanto centralidade que consideramos possível não apenas realizar o enfrentamento ao estado
de coisas vigente, como também superar os limites que nos impedem de enxergar nos trabalhadores e
trabalhadoras, os sujeitos históricos capazes de tomarem o curso do processo societário de reprodução e
construírem coletiva e concretamente uma alternativa oposta a que está posta, baseada nas mediações de
primeira ordem, na igualdade substantiva, rompendo inclusive com o Estado tal como ele está, dada a
falência da democracia representativa como estamos assistindo no Brasil nos últimos meses.
Diante de tal urgência é que enxergarmos na Geografia não apenas a possibilidade de se realizar uma
leitura da configuração exposta, como também podermos dar passos na construção de uma alternativa
verdadeiramente concreta no que diz respeito à deposição e substituição do metabolismo
socioreprodutivo em vigor, mais que isso um dos desafios que nos lançamos ao escrevermos esse texto diz
respeito justamente à construção de uma Geografia do Trabalho neste início do século, que neste
momento traduzimos enquanto as dificuldades de se empreender uma leitura geográfica do trabalho, haja
vista todo o conteúdo destrutivo do processo de reprodução capitalista, bem como a imprescindibilidade
de lermos o trabalho enquanto mediação central e capaz de promover a emancipação humana.
Thomaz Junior (2002, p.03) destaca que a leitura geográfica do trabalho deve considerar a compreensão
da Geografia enquanto razão ontológica do ser trabalho, rompendo com uma perspectiva de leitura do
trabalho (des) sintonizada da sociedade, estando “(des) situado geograficamente...alienado do processo
social de produção e obliterado pelo estranhamento diante das amarras sociais que lhe impendem viver a
integridade da existência social”
83
É em respeito a essa plêiade de consequências, que está o desafio de se construir uma Geografia do
Trabalho neste início do século, dado que as amarras que prendem e submetem o trabalho ao capital
devem ser transpostas, pois nunca foram tão graves as contradições que se materializam na manutenção
do metabolismo societário do capital, sendo não apenas sumamente importante, como imprescindível que
realizemos uma leitura geográfica e territorial do trabalho com fins a não apenas nos posicionarmos
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

diante do atual estado de coisas, como também rumar para uma alternativa diferente daquela que nos é
apresentada todos os dias, que é a do capital e seus rebatimentos mais diretos, à exemplo da
reestruturação produtiva e os impactos diretos quando pensamos a realidade enfocada na 10 a Região
Administrativa de Presidente Prudente-SP, diante do avanço do agrohidronegócio canavieiro.

3. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E MUDANÇAS TÉCNICO-OCUPACIONAIS NO


AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO NA 10A REGIÃO ADMINISTRATIVA DE PRESIDENTE PRUDENTE-
SP
Nesta segunda década do século XXI, crescem as apostas na manutenção de um modelo societário marcado
por seu caráter incontrolável, caracterizado por sua capacidade em estabelecer o controle sobre as
relações sociais dentro e fora do trabalho. Todavia, nas últimas décadas, esse modelo tem assumido alguns
adjetivos com destaque para seu viés desenvolvimentista e promotor da igualdade e equidade entre as
pessoas, ou seja, tem se assumido enquanto alternativa para solucionar os problemas que assolam a
sociedade contemporânea.
Mészáros (2014) propõe que uma mudança radical nas determinações estruturais da produção é
essencial, dado que o metabolismo societário do capital dá sinais de que os desdobramentos perversos de
sua lógica incontrolável tenderão a se agravar, e quem sofrerá diretamente os impactos dos mesmos são
os trabalhadores e trabalhadoras que diariamente vendem sua força de trabalho, diante das mais diversas
formas de controle via capital, legitimado pelo Estado, a exemplo dos impactos ocasionados pelas políticas
de austeridade, a ofensiva neoliberal, o advento da reestruturação produtiva do capital e da produção
flexível.
No entanto, para realizarmos o movimento do pensamento em respeito a tal configuração, é preciso que
nos perguntemos se as saídas que tem sido propostas, de fato são suficientes ou mesmo válidas diante do
cenário cada vez mais devastador para a classe trabalhadora e para a sociedade como um todo. Diante
dessa necessidade é que precisamos qualificar o debate em respeito ao discurso falacioso do
desenvolvimento, e que neste início do século XXI assume o verniz de sustentável.
Ao falarmos destas questões é interessante nos situarmos diante do cenário que se apresenta para os
trabalhadores e trabalhadoras nesta segunda década do século XXI, emersos na crise estrutural do capital
que se alastra desde meados da década de 1970, com desdobramentos de grande magnitude para a classe
trabalhadora, principalmente pela emergência da reestruturação produtiva do capital, e as mais inúmeras
consequências ocasionadas pela mesma, principalmente no que diz respeito às formas de existência
fragmentadas do trabalho, o que impede que realizemos uma leitura orgânica do mesmo (THOMAZ
JUNIOR, 2012).
O processo de reestruturação produtiva produzida pelo capital nos permite pensarmos em agravos não
apenas na elaboração e gestão do trabalho, como também nos expedientes regressivos no que diz respeito
à saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, dada a ampliação cada vez mais gritante do número de
trabalhadores adoecidos dentro e fora do trabalho. Porém, também é importante destacarmos os
trabalhadores que atuam no campo, tendo em vista o crescimento dos adoecimentos decorrentes de
contaminação por agrotóxicos que atingem não só os trabalhadores que lidam com essa atividade, como
também as populações que residem nos arredores das áreas pulverizadas por agrotóxicos e pesticidas
(LOURENÇO, 2009; 2013).
Pignati (2013) nos propõe refletirmos sobre a ampliação dos agravos a saúde do trabalhador, dada à
necessidade de ampliação dos estudos que tratam a saúde ocupacional, visando não só o indivíduo, mas
todo o coletivo de trabalhadores e trabalhadoras exposto a agentes patogênicos, asseverando assim, o
papel da medicina enquanto aliada aos estudos que visem à fragmentação, precarização, degradação e
superexploração do trabalho num ambiente refeito pela reestruturação produtiva e suas consequências
mais diretas relacionadas ao novo modo de se produzir que se manifesta diante a crise do modelo fordista.
Alves (2000) e Rigotto (2013) assinalam que a reestruturação produtiva é uma expressão do avanço do
capital mundializado sobre as mais diversas instâncias, a citar o campo, a cidade, o ambiente, ampliando
84
os conflitos sociais e ambientais, sob a emergência da acumulação flexível, diante da utilização de novas
estratégias organizacionais, sob o argumento escuso de que as regressões nas conquistas trabalhistas de
herança fordista são benéficas, pois gerariam mais empregos, omitindo o fato de o mesmo ser meio de
subsistência desses trabalhadores e trabalhadoras.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Em contrapartida, os trabalhadores se alienam no produto de sua atividade, ao mesmo tempo em que


estão alienados de seus semelhantes e este é um reflexo não só das novas estratégias organizacionais
como também das ofensivas promovidas diante de um cenário marcado pela reestruturação produtiva do
capital, que impede que os homens se percebam enquanto seres genéricos em si e para si, ou seja, como
gênero vivo, ser universal e livre (MARX, 2003).
Dessa forma, nos últimos anos tem ganhado destaque as propostas de desenvolvimento enquanto
protoforma da geração de equidade entre as pessoas, com destaque para a roupagem “sustentável” que tal
proposta tem ganhado a partir das mudanças ocorridas na década de 1970, com a ofensiva neoliberal, a
produção de caráter flexível, todas fazendo parte do processo de reestruturação produtiva promovido
pelo capital.
Nessa perspectiva, mais que um modelo oposto ao que está posto, é preciso entender que o que está em
disputa são modelos distintos de sociedade, sendo impreterível pensarmos num modelo diferente daquele
baseado em monocultivos para exportação, promotor da concentração fundiária, de riqueza e de capital,
bem como de controle dentro e fora do trabalho, dado estarmos vivendo não apenas uma crise estrutural,
mas uma crise social, ecológica, cultura e da sociabilidade.
Assim, ao nos referenciarmos nessas questões não podemos perder de vista a necessária compreensão de
que o tempo histórico em que vivemos nos coloca a necessidade de rompermos com a causa das
constantes mudanças nas formas de expressão do trabalho nos diferentes setores da atividade laboral
característicos do processo de reestruturação produtiva do capital, rompendo com a vida reduzida a
tempo de trabalho estranho, captura da subjetividade e a perversão do ser genérico do homem como ser
social, enquanto forma de tensionarmos as contradições que perpassam o metabolismo societário do
capital (ALVES, 2013).
O que debatemos neste texto até o presente momento, nos estimula a refletirmos em respeito aos desafios
que tem marcado a classe trabalhadora em sua vocação por excelência enquanto capaz de fazer a oposição
e construir algo diferente do que está posto, mesmo diante das mais diversas dificuldades porque passa o
que qualificamos enquanto sociometabolismo do trabalho, dado o ambiente marcado pela reestruturação
produtiva do capital nas últimas décadas e que sinalizam desdobramentos de grande monta para
pensarmos em respeito às possibilidades de uma ofensiva do trabalho sobre o capital.
Todavia, um rebatimento importante desta questão diz respeito ao momento atual vivenciado pelo do
agrohidronegócio canavieiro no Pontal do Paranapanema (SP), no que diz respeito à migração do trabalho,
e os (re) arranjos que se configuram no período de transição técnica/tecnológica e do controle do
trabalho, especialmente nas operações de corte e plantio da cana-de-açúcar.
Essa tendência se materializa nos estudos realizados e orientados por Thomaz Junior (2014), no âmbito da
demarcação territorial do Polígono do Agrohidronegócio, que reúne os cinco maiores produtores de cana-
de-açúcar, do país: São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Paraná e Goiás. De todo modo, nestas primeiras
décadas do século XXI, com a mecanização da colheita da cana aliada às estratégias de acesso a terra, tem
ganhado destaque os grupos mais tecnificados, crescendo também o quadro de precarização do trabalho
na região, principalmente nos grupos que não conseguiram (conseguem) acompanhar o avanço dos
demais.
Ao falarmos do agrohidronegócio canavieiro é preciso que não nos limitemos a pensá-lo enquanto algo
novo, dado que apenas tenha assumido uma nova roupagem nestas primeiras décadas do século XXI, pois
podemos buscar correlações com a própria efetivação da agroindústria canavieira no país, destacando que
o cultivo da cana-de-açúcar advém do período colonial, sendo a região Nordeste a principal produtora até
as primeiras décadas do século XX (SZMERECSÁNYI, 1991; BRAY; FERREIRA; RUAS, 2000; THOMAZ
JUNIOR, 2002; OLIVEIRA, 2009).
O avanço do agrohidronegócio canavieiro na 10ª Região Administrativa neste início do século XXI exige
uma compreensão que ultrapasse sua leitura meramente técnica, ou seja, aquela que tem por objetivo
apenas constatar o aumento da composição orgânica do capital. Observar esse processo é fundamental,
porém é preciso questionar os impactos das recentes mudanças técnicas, no que tange à mecanização do
corte da cana para os trabalhadores e que se revelam quando pensamos o desenvolvimento recente do 85
agrohidronegócio canavieiro na região supracitada.
Enfatizamos, assim, a necessidade de apreender o atual período vivenciado pelo agrohidronegócio
canavieiro e os rebatimentos para a dinâmica territorial das migrações do trabalho para o capital, dado
que este movimento nos tem chamado atenção na 10 a Região Administrativa de Presidente Prudente,
doravante não apenas pela oposição capital x trabalho, como também pelo histórico das disputas
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

territoriais. Nesse sentido, intentamos enxergar na utilização da mão de obra migrante não só o caráter
estratégico do capital, mas também enquanto manutenção da regressividade da exploração da força de
trabalho, encimada, pois, na remuneração por produção, nas jornadas extenuantes de trabalho, além do
controle exercido sobre os trabalhadores.

4. AS MIGRAÇÕES DO TRABALHO PARA O CAPITAL EM MEIO AS MUDANÇAS TÉCNICO-


OCUPACIONAIS NO AGROHIDRONEGÓCIO CANAVIEIRO NA 10A REGIÃO ADMINISTRATIVA DE
PRESIDENTE PRUDENTE-SP
O processo de territorialização do agrohidronegócio aciona o movimento migratório de trabalhadores, e aí
chamamos atenção para as migrações sazonais ou temporárias, ou ainda a migração do trabalho para o
capital neste início do século XXI, na Região Administrativa de Presidente Prudente (10a R.A.),
principalmente nos municípios de Teodoro Sampaio, Mirante do Paranapanema, Sandovalina,
Junqueirópolis, Flórida Paulista e Martinópolis-SP, que diante do atual cenário do agrohidronegócio
canavieiro, ganham destaque na 10a R.A., com a instalação de unidades processadoras de cana mais
tecnificadas, ou a reativação de plantas industriais antigas, nestas primeiras décadas do século XXI
(BENTO, 2015) (Figura 01).

Figura 01-Localização das agroindústrias canavieiras na 10a Região Administrativa de Presidente


Prudente-SP

86
Fonte: Pesquisa de campo (2017).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Este cenário permite-nos chamar a atenção para as migrações do trabalho para o capital que como adverte
Oliveira (2009, p.137), nos leva a entender "que o migrante é obrigado a escolher aquilo que ele não quer
ser, ou seja, migrante", tendo em vista como constatamos em pesquisas anteriores, os trabalhadores
migrantes quando argumentam que migram para buscar melhores condições de vida e de trabalho, se
amparam no que lhes resta diante da situação de abando e de desproteção nos locais de origem.
O migrar temporariamente envolve a transição de um tempo a outro, pois o migrante sazonal se
caracteriza por “ser duas pessoas ao mesmo tempo, é sair quando está chegando e voltar quando está
indo... é estar em dois lugares ao mesmo tempo, e não estar em nenhum” (MARTINS, 1988, p.45).
O trabalhador então viveria duas situações, ao mesmo tempo em que manteria relações com os locais de
origem, também constituiria novas relações no lugar de destino, o que acaba por configurar sua dupla
personalidade. Entretanto, devemos entender que esta dupla personalidade que o envolve não é fruto de
seu desejo, mas das próprias condições que enfrenta ao sofrer o processo migratório e neste sentido
podermos sinalizar de que migração estamos fazendo menção, que são as sazonais ou temporárias e de
que forma elas têm ocorrido no Brasil, sob a titulação de migrações do trabalho para o capital.
As migrações do trabalho para o capital, também podem ser entendidas como parte de um processo de
mobilidade do trabalho, dado que a mobilidade do trabalho segundo Gaudemar (1977) é uma
característica do trabalhador submetido ao capital. Tal leitura efetuada por este autor nos permite a
compreensão de que os deslocamentos migratórios fazem parte do terceiro momento caracterizado pelo
autor, e que diz respeito ao processo de circulação das forças de trabalho, que promove o deslocamento
dos trabalhadores no espaço, havendo submissão da mobilidade do trabalhador às exigências do mercado.
O processo de mobilidade do trabalho atenua ainda mais o caráter forçado assumido pelas migrações
sazonais do trabalho para o capital, dado que visualizemos que o trabalhador migrante sazonal, não migra
porque quer, havendo toda uma construção relacionada à estrutura social, econômica e política que
permite que se apreenda o migrar enquanto um processo histórico (SILVA, 2004).
Ao realizarem esse processo de mobilidade forçada, os trabalhadores migrantes acabam sujeitando-se as
estratégias do agrohidronegócio canavieiro, que desde a contratação dos trabalhadores, empreende
seleções que visem à habilidade, destreza, força e resistência física dentro do eito, no intuito de ampliar a
produtividade sob a intensificação do ritmo de trabalho (NOVAES, 2007).
Silva (2011); Flores (2006) enfatizam que as migrações dividem a vida das pessoas no tempo e no espaço,
nos permitindo pensar no quadro de transitoriedade assumido pelos sujeitos sociais que ativam o ato
migratório, dando atenção ao nosso interesse em analisar as estratégias dos trabalhadores migrantes para
resistir às estratégias do capital, o que nos leva a aposta de identificação dos territórios migratórios ou
migrante.
Thomaz Junior (2011) adverte que há uma conciliação de interesses dos conglomerados agroquímico-
alimentar-financeiros, de modo a incentivar a produção para exportação (commoditização), a exemplo do
etanol da cana-de-açúcar, o que por si só também é responsável pela produção das migrações do trabalho
para o capital, dado o reordenamento territorial efetivado. Ao passo que o desenho/desenvolvimento das
rotas migratórias do trabalho para o capital, apresenta complexidade considerável, dados os novos
fatores/elementos postos em cena, principalmente com o advento da transição técnico-ocupacional
porque tem passado o agrohidronegócio canavieiro.
Sem embargo, é preciso que realizemos as devidas mediações tendo em consideração a 10 a Região
Administrativa de Presidente Prudente-SP enquanto uma das rotas destes deslocamentos que tem se dado
nos últimos anos (Figura 02), levando em consideração as estratégias colocadas em ação pelo
agrohidronegócio canavieiro, sendo as migrações do trabalho para os canaviais da região, uma das
mesmas e que se dá encimada nos trabalhadores migrantes sazonais.
Esse movimento é percebido na região, com maior força neste período de transição no capital
agroindustrial canavieiro entre a colheita manual e a mecanizada da cana, por conta da urgência dos
protocolos firmados em torno do fim da realização da queima (despalha) da cana, o que nos permite,
questionar quais os sentidos da utilização da mão de obra migrante, bem como os impactos gerados a
87
Região Administrativa, enquanto parte das rotas migratórias do trabalho para o capital.
Em respeito à discussão em torno dos principais motivos de a 10 a Região Administrativa se manter
enquanto rota das migrações do trabalho para o capital no Polígono do Agrohidronegócio canavieiro, vale
se ressaltar a especificidade que tem assumido o processo de reestruturação que o setor canavieiro tem
passando na região nos últimos anos, com a substituição lenta e gradual dos cultivos e colheitas manuais
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

pelo mecanizado, o que omite uma série de questões que vão em direção oposta ao discurso hegemônico
de substituição das colheitas manuais pela mecanizada, pois ao mesmo tempo em que se amplia o
percentual de plantio e colheita mecanizada, se mantém e até mesmo se amplifica o expediente regressivo
presente na exploração da mão de obra migrante em condições semidegradantes como diagnosticado nos
municípios de enfoque da pesquisa, a exemplo de Flórida Paulista-SP (Figura 03).

Figura 02- Principais locais de origem dos trabalhadores migrantes na 10a Região Administrativa de
Presidente Prudente-SP

Fonte: Pesquisa de campo (2016-2017).

88
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Figura 03-Trabalhadores migrantes em greve no município de Flórida Paulista-SP

Fonte: Pesquisa de campo (2016-2017).

É fundamental que consideremos que as estratégias do setor agroindustrial canavieiro, com as unidades
processadoras mais tecnificadas ampliando seu raio de ação, e passando a alterar as rotas de oferta de
trabalho na região, tendo em vista não apenas o trabalhador migrante encontrar dificuldades ao buscar se
empregar no setor, como também os trabalhadores regionais, que passam a deslocar-se para áreas cada
vez mais distantes, para manterem-se vendendo sua força de trabalho de forma precária para os grupos
usineiros que ainda fazem uso da realização das colheitas manuais.
Ademais, a utilização da mão de obra migrante além de ter caráter estratégico para o capital
agroindustrial canavieiro, também revela um quadro de regressividade no que diz respeito à exploração
da força de trabalho, encimada, pois, na remuneração por produção, nas jornadas extenuantes de trabalho,
além de toda uma cooptação do trabalhador, no intuito de que ele alcance índices de produtividade cada
vez maiores, ampliando assim, as contradições que perpassam a utilização da força de trabalho migrante.
Em respeito às contradições que envolvem a força de trabalho migrante, podemos enfatizar o fato do
mesmo ser considerado um ser ‘excluído’, pois sua exclusão realizada em torno da desterritorialização do
mesmo dos locais de origem remete a inclusão precária nos canaviais da 10 a Região Administrativa de
Presidente Prudente-SP ou em outras funções pelo território nacional em suas constantes rotas
migratórias, produzindo assim, laços que o interligam a sociedade que os produz, mesmo que de forma
desumana e precária.
O trabalhador migrante acaba ao desembarcar na região, tendo que se sujeitar a outras atividades a citar:
servente de pedreiro, garçom, realizando bicos em sítios e fazendas, ou trabalhando na indústria local. 89
Dessa forma, o mesmo é vitimado pelo novo cenário que começa a se construir, no que diz respeito
principalmente a constante mudança de lavra e a plasticidade do trabalho que lhe é característica.
Ao nos posicionarmos diante das questões que envolvem a plasticidade do trabalho, não podemos deixar
de considerar as mais distintas identidades que assumem os trabalhadores e trabalhadoras migrantes, e
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

sua relação com as corporações sindicais, tendo em vista a mudança de lavra também significar a mudança
na representatividade sindical, sendo essa uma das características marcantes do período vivenciado de
ampliação dos sindicatos de cariz corporativo em detrimento dos sindicatos combativos de herança
fordista (THOMAZ JUNIOR, 1998).
Barreto; Heloani (2011) nos permitem entendermos outra característica relacionada à identidade
assumida por esses trabalhadores e trabalhadoras enquanto força de trabalho, tendo em vista que ao
adoecerem os mesmos vivenciam um processo de negação de sua capacidade e identidade enquanto força
de trabalho.
Então, ao pensarmos as mais diversas identidades que assumem os trabalhadores migrantes ao mudarem
constantemente de lavra, temos que perceber o movimento perverso que perpassa tais relações tendo em
vista que sob o metabolismo societário do capital, ampliam-se cada vez mais as relações estranhas e
fetichizadas de trabalho, marcadas pelo controle dentro e fora do trabalho que permitem refletirmos em
respeito aos agravos não apenas para o corpo físico, como também para a psique dos trabalhadores e
trabalhadoras que realizam diariamente um trabalho pelo qual não se reconhecem nem enquanto
partícipes, muito menos enquanto gerador de felicidade e satisfação.
Tais afirmações nos levam a desenhar algumas questões que perpassam a sociedade do capital neste início
do século XXI e pelas quais não temos respostas, mas que se traduzem na ofensiva brutal e irracional do
capital que permite que alguns teóricos proclamem o tempo histórico em que vivemos enquanto tempos
de barbárie. Nesse aspecto podemos pensar quais os sujeitos que nesta segunda década do século XXI são
capazes de inverter com a lógica racionalizante e incontrolável do capital? De que forma as ações e
mediações promovidas e projetadas pelo capital atingem os trabalhadores e trabalhadoras dentro e fora
de suas funções laborais? Qual rumo estamos tomando, tendo em vista o caráter de conflitualidade que se
traduz quando pensamos a disputa entre capital x trabalho? Será a plasticidade do trabalho um reflexo
mais amplo e perverso da cultura de desigualdade substantiva a que estamos imersos?

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O(s) mundo(s) do trabalho neste início do século exige (m) - nos que pontuemos a necessária e
imprescindível busca por uma alternativa oposta a que está colocada, dados os expedientes regressivos
que tem se expressado na fragmentação do trabalho, tornando urgente a busca por um modo de
intercâmbio social diferente, o que por si só é diferente de outras mediações que tem se construído, mais
preocupadas em reformar o que é irreformável do que propriamente alterar o estado de coisas em voga.
Assim, é preciso que captemos através das mediações realizadas encimadas no trabalho, as reais
possibilidades de construirmos uma leitura geográfica e territorial do trabalho, principalmente nestes
tempos de transição pela qual passa a sociedade em contraposição a “nebulosa transubstanciação
especulativa das ordens materiais estruturalmente reforçadas do capital”, sendo vital o estabelecimento
de mediações que não as antagônicas do capital, permitindo assim assumirmos o controle do processo
sociometabólico, caminhando para uma “nova forma histórica” (MÉSZÁROS, 2009, p.283).
Tal leitura não pode deixar de considerar que o trabalhador migrante é um personagem considerado vital
em nossa perspectiva de analisar o caráter de invisibilização, degradação e superexploração do trabalho
nos canaviais da 10a Região Administrativa de Presidente Prudente-SP, pois ao chegarem aos locais de
destino esses trabalhadores são submetidos não apenas a uma dura rotina de trabalho, mas a todo um
quadro de cooptação que permitem que o mesmo seja visto enquanto um ser invisibilizado, dadas as
contradições presentes desde sua contratação até a utilização de sua mão de obra nos canaviais e que
fortalecem nossa discussão em respeito de um modelo oposto ao que está colocado, baseado na
exploração sem precedentes de um trabalho que por si só, já é desprovido de sentidos.
Então, diante da fúria expansionista do capital, amplia-se a necessidade de tensionarmos o modelo que
está posto, e não apenas isso, é preciso por em debate a necessidade de que o mesmo é irreformável e
consequentemente deve dar lugar a outro que diferente deste, seja marcado pelo que Mészáros (2002)
definiu enquanto mediações de primeira ordem, distorcidas ao longo da história. A urgência em não
90
apenas fazer o enfrentamento, como também construirmos um modelo que não apenas se anteponha, mas
que substitua o que está posto, diz respeito à continuidade de nossa existência enquanto espécie no
planeta, dadas as graves e gigantescas consequências causadas pela continuidade na aposta de um modelo
falido e que está fadado a implodir-se!
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 10
A ação territorial do PRONAF nos Assentamentos
Rurais da Reforma Agrária em Sapé-PB

Rômulo Luiz Silva Panta


Ivan Targino Moreira

Resumo: Durante o século XX, “foi preciso que o campesinato se consolidasse como
classe social e se proliferasse enquanto um contingente social expressivo, para que suas
demandas aparecessem elaboradas em forma de teses políticas” e se iniciassem os
debates sobre as condições conjunturais e estruturais de sua reprodução material e de
sua ação política. Entretanto, quando se investiga o processo contraditório que envolve
as reais condições de sua infraestrutura, manutenção, desenvolvimento e reprodução,
percebe-se a essência do problema da subordinação produtiva e territorial da
agricultura camponesa ao capital. Nesse sentido, a pesquisa objetivou analisar a ação
territorial do PRONAF na agricultura camponesa, verificando os processos de
dependência e recriação da agricultura nos Assentamentos Rurais da Reforma Agrária
em Sapé-PB, levando em consideração sua ação territorial.

Palavras-chave: Território, Assentamento, PRONAF.

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
O ordenamento político e econômico imposto pelo capitalismo a partir da Divisão Internacional do
Trabalho (DIT) colocou o Brasil como um país periférico, ou seja, economicamente frágil no desenho do
capitalismo global, e, portanto, passível de ajuda financeira do capital internacional dos países centrais.
Esse foi o fio condutor para introjetar as políticas de dependência e subordinação ao capital internacional.
O PRONAF é um programa oriundo das políticas de desenvolvimento no campo brasileiro que objetiva
“promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural constituído pelos agricultores familiares, de
modo a propiciar-lhes o aumento da capacidade produtiva, a geração de emprego e a melhoria de renda”
(PRONAF, 1996, p.01). Sua regulamentação se deu a partir do decreto nº 1946/96 de 28 de junho de 1996,
durante o primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que redimensionou as
políticas voltadas para espaço agrário brasileiro.
Contudo, as pressões dos movimentos sociais por Reforma Agrária, aliadas às ações da Confederação
Nacional dos Agricultores (CONTAG), bem como do Departamento Nacional dos Trabalhadores da Central
Única dos Trabalhadores (DNTR-CUT) acompanhadas pelas notícias de ocupações do MST (Movimento
Sem-Terra); faziam reivindicações não somente por Reforma Agrária, mas também reivindicavam
infraestrura, meio-ambiente e assistência técnica, o que provocaram atitudes no âmbito do governo
federal.
Diante das pressões e como forma de postergar atitudes mais consolidadas no sentido de promover a
Reforma Agrária, o crédito foi uma das respostas do governo FHC (1994- 1998) aos pedidos reivindicados
pelos agricultores e movimentos sociais. Contudo, temos que reconhecer que o PRONAF foi construído
como uma linha de crédito direcionada a esse extrato da sociedade brasileira que, historicamente, não era
reconhecido pelos agentes e pelas instituições financeiras públicas e privadas.
O importante a ressaltar é que o Estado brasileiro buscou a solução para as desigualdades existente no
campo brasileiro “via redistribuição de ativos em detrimento de políticas agrárias e agrícolas, que
pudessem alterar as estruturas produtivas, contudo, mantendo a propriedade privada, nem transformar a
realidade social” (LUSTOSA, 2012, p. 255).
Assim, as discussões no âmbito do governo se estabeleciam em torno das seguintes decisões: dever-se-ia
investir mais em infraestrutura e apoiar mais o grande proprietário da terra ou o maior número de
pequenos produtores rurais. “Esse debate teve a ver diretamente com a política econômica adotada pelo
governo federal, isto é, se vai priorizar o mercado externo, através dos incentivos para os produtos
exportáveis ou se vai incentivar o mercado doméstico”, a partir de políticas que valorizassem a produção
de produtos de subsistência (COUTO, 2006, p. 34).
Com isso o PRONAF surge como um programa de crédito por especialização. Falamos especialização tendo
em vista a formatação desse programa, que se estrutura por linhas de crédito diferenciadas pelo grau de
exploração, inserção ao mercado e especialização do produtor rural.
Faz-se necessário explicar que estamos trazendo tal abordagem por compreender que foi neste contexto
teórico que o PRONAF se institui como programa de grande respaldo na agenda política do governo
federal, tendo sua origem a partir das políticas de desenvolvimento dependente de cunho neoliberal.
Nesse contexto do neoliberalismo, contraditoriamente, o Estado não deixa de participar do jogo de
interesses, nem se torna parcial, pelo contrário, ele pactua uma robusta aliança com o mercado, e executa
seus direcionamentos e intencionalidades a partir dessa perspectiva, se caracterizado assim um Estado
Máximo, pois interfere não só nas políticas, mas também nas relações estabelecidas entre o mercado e o
produtor, aumentando o grau de dependência.
Podemos perceber que há um jogo de interesses que configura a afirmação que o Estado tem um papel
decisivo e um poder simbólico para direcionar os caminhos do desenvolvimento político e econômico da
sociedade na contemporaneidade. Percepção definida por Bourdieu (2011): o “Estado tem um poder
quase criador”. Afinal, é ele quem define o que é oficial ou não. E, no caso do Brasil, é dele que partem as
políticas de crédito e a gestão as quais configuram os espaços urbano e rural. Deste modo o PRONAF se
institucionaliza, sob um modelo de desenvolvimento político e econômico de Estado, reproduzindo no
94
espaço rural brasileiro o impositivo do modelo de desenvolvimento capitalista.
Assim, efetuamos aqui o registro das transformações que ocorreram no modelo de desenvolvimento dos
países centrais, modelo este exportado para os países periféricos, que resultou na mudança de
direcionamento político e no modelo de desenvolvimento que estruturam as políticas no rural brasileiro.
A partir daí, é possível identificar que as políticas já não respondiam às crises estabelecidas entre capital e
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Estado, pois o capital se inseria, por meio de suas estratégias, na tentativa de reduzir o papel do Estado
frente aos novos períodos de maior participação do mercado de forma flexível. É nesse momento que “o
mercado volta a querer coordenar tudo, segundo os neoliberais, ao Estado resta utilizar o monopólio da
violência para que tudo ocorra num ambiente ideal para o mercado” (TOLENTINO, 2013, p. 69).
É a partir do contexto político-econômico, marcado pela hegemonia da dupla neoliberalismo e acumulação
flexível, que o PRONAF se consolida como um programa de financiamentos que emerge das políticas
públicas de desenvolvimento rural lançadas pelo Governo Federal. Políticas estas que ofertam as
transformações, o controle e a subordinação territorial; todos em favor da consolidação do projeto
hegemônico do capital, que redefine as instanciam espaciais e os territórios aos seus interesses
monopolizadores sem, necessariamente, ocorrer sua territorialização. Essas contradições serão abordadas
no tópico a seguir de maneira mais detalhada.
Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é analisar a ação territorial do PRONAF nos Assentamentos
Rurais da Reforma Agrária no município de Sapé, região da Zona Mata paraibana, na tentativa de
compreender como a partir desse programa o capital financeiro, mediado pelo Estado, consegue
monopolizar o território trabalho e subordinar o processo de produção camponesa, subsumindo a renda
da terra e a renda trabalho aos interesses da acumulação capitalista.
Como perspectiva metodológica, nos amparamos no materialismo histórico dialético, como método que
nos permite a partir da ação contraditória, interpretamos a realidade posta nos Assentamentos rurais da
Reforma agrária de forma a efetuarmos uma leitura que considere as possibilidades, os limites e as
contradições.

2. A CONFORMAÇÃO DO CRÉDITO DO PRONAF E O PROCESSO DE SUBORDINAÇÃO PRODUTIVA E


TERRITORIAL
Diante das considerações precedentes, agora nos deteremos a compreender as estratégias de conformação
do PRONAF como instrumento de crédito. Para isso traremos os dados obtidos em pesquisa de campo
realizada nos Assentamentos que serviram como objetos de pesquisa, bem como os dados colhidos na
instituição bancária/agente de crédito que gerencia os recursos do PRONAF no município de Sapé,
Paraíba. No tocante a esse aspecto, torna-se necessário informar que no município de Sapé os recursos do
PRONAF são gerenciados integralmente pelo Bando do Nordeste do Brasil, agente de crédito responsável
pela execução e concessão dos recursos do FNE-PRONAF-A.
Para concessão do crédito do PRONAF, algumas etapas do processo de transformação das estruturas
produtivas e sociais sob a lógica capitalista devem ser cumpridas, mesmo que de forma política-ideológica.
Assim, acontecem mudanças necessárias em que primeiramente, a unidade produtiva torna-se um
empreendimento e, posteriormente, transforma o pequeno agricultor, o camponês-assentado, em uma
figura de mercado, o agricultor familiar, tendo como referência os agricultores das Regiões Sudeste e
Sul, que possuíam uma base técnica e de produção superior se comparados com os da região Nordeste.
(SILVA, 2006. p. 62).
No que nos referirmos ao agricultor familiar, o sujeito social ao qual se destina o PRONAF, não nos
propomos aqui, significar, diferenciar ou tipificar essa categoria, pois consideramos que toda agricultura
de pequeno porte, a camponesa, dá-se sobre a base familiar. Contudo compreendemos todo o discurso
político que a traz para a categoria agricultor familiar.
O reconhecimento do agricultor de base familiar acontece através da Declaração de Aptidão ao PRONAF
(DAP) que trata de um documento emitido por instituições chanceladas pelo Estado a qual tipifica o
agricultor familiar e o credencia como um sujeito capaz de gerenciar sua unidade produtiva e receber
recursos do referido programa. O Estado se apropriou desse conceito para enquadrar o produtor rural sob
uma perspectiva de mercado, observando os seguintes elementos que contribuem para o desenvolvimento
dessa abordagem: uma renda, condições de vinculação ao mercado, modos de apropriação da terra e de
produzir; bem como de apropriação do produto do trabalho, para assim ratificar a necessidade do uso
desse conceito.
95
Na verdade, a apropriação dessa categoria esteve diretamente ligada à intenção de capitalização do
agricultor e consequentemente sua transmutação em um pequeno capitalista, “logo, necessitava-se de
guiar-se pela obtenção da taxa de lucro e pela concorrência entre capitais, passando a comandar o
trabalho alheio e desvincular-se das atividades produtivas diretas” (GRAZIANO DA SILVA, 1999, p. 216).
Do ponto de vista técnico, seria necessário que houvesse um volume de capital que funcionasse
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

efetivamente como capital para isso acontecer.


Nesse sentido, o agricultor, e o tipo de agricultura desenvolvida por ele estariam diretamente atrelados à
dependência do capital financeiro que se constituía como elemento capaz de enquadrá-lo nos moldes
totalmente capitalistas do produtivismo mercadológico. Contudo, essa dinâmica não se efetivou para o
grupo dos agricultores Assentados pelo Programa de Reforma Agrária, visto que, suas bases técnica e de
produção, ainda não se enquadram nos moldes capitalistas.
Isso nos permite compreender que o “agricultor familiar”, como um sujeito de mercado tipificado como
um profissional do setor agrícola, não congrega todas as especificidades e diferenciações existentes entre
os agricultores e as agriculturas desenvolvidas por eles. E, para dirimir a lacuna existente entre os vários
tipos de agricultores e agriculturas de base familiar, são criadas diferentes linhas de crédito do PRONAF, a
fim de contemplar todos os estratos sociais existentes no campo brasileiro. O próprio Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) explicita que os Assentados são agricultores familiares em fase de
consolidação e não apenas um seguimento à parte. Desta forma, o PRONAF foi estratificado em linhas de
créditos que vão do A ao E, com especificações e beneficiários distintos
A metodologia para a definição dos beneficiários do PRONAF passa pelo cálculo da RMB (Renda Monetária
Bruta), o tamanho da área da unidade de trabalho familiar, e também no tipo de relações de trabalho
desenvolvidas. Graziano da Silva (1999, p. 218) entende que a metodologia de “classificação dos
agricultores familiares ainda é tida como conservadora, pois os critérios que a definem baseiam-se nas
condições materiais”, não adequando o Programa ao universo heterogêneo existentes nas unidades de
trabalho.
Contudo, as variações constantes entre grupos de beneficiários do programa, na verdade, têm como
objetivo a ampliação do seu escopo para os vários segmentos da agricultura familiar, incorporando um
maior número de beneficiários ao programa, inclusive aqueles que não haviam sido contemplados com
uma linha de ação específica, uma forma de capitalizá-los e consequentemente subordiná-los aos
interesses de acumulação capitalista.
Foi nesse sentido que surgiram as inserções dos agricultores Assentados oriundos do Programa de
Reforma Agrária. Estamos nos referindo especificamente ao grupo dos beneficiários do PRONAF-A tendo
em vista o objeto da pesquisa. Esse grupo foi inserido ao programa, tanto para fazer cumprir as mudanças
propostas pelo Estado na base produtiva da categoria dos agricultores assentados, sem alteração na
superestrutura, bem como, para conter as pressões dos movimentos socioespaciais, e dos outros
indivíduos fragilizados.
Dessa maneira, o Estado manteve o modelo conservador legitimado num conjunto de construções teóricas
e práticas que reorientem a racionalidade do mundo rural, a partir da manutenção da propriedade da
terra sob dominância da classe patronal capitalista e de uma Reforma Agrária com pouca terra, apoiada na
descentralização, na revalorização das microdimensões dos espaços geográficos, e nas microestruturas
sociais como a família, a comunidade e os Assentamentos.
Quanto à formalização do crédito do PRONAF–A aos agricultores Assentados do programa de Reforma
Agrária, dá-se sob um processo engendrado entre o Estado, as instituições financeiras e o mercado, sendo
as instituições financeiras, o elemento chave nesse processo, elas atuam como “concessionárias do poder
monetário exercido pelo Estado, sendo o principal meio de comunicação entre o mercado e autoridade
monetária” (WILDMANN, 1997, p. 26).
Nessa pauta, analisando as ações do PRONAF no território, percebemos que ele tem reconfigurado a
produção do espaço agrário a partir do crédito. Contudo, a condução do crédito pelos agentes financeiros
leva a transformações no âmbito das relações de trabalho e de produção de mercadorias, que ele, o
crédito, seria o veículo responsável pela ascensão, via capitalização dos camponeses sem, no entanto,
alterar a base social e as relações com os meios de produção.
Sobre a relevância dessas transformações, para que ocorra a formalização do PRONAF necessariamente
tem que ocorrer a mutação do agricultor em produtor e do programa em produto. São as instituições
estatais e financeiras que controlam e estabelecem a evolução da organização produtiva mediante
96
inserção dos agricultores nas estruturas de mercado. Essa mediação se processa por meio da capacidade
de conceder crédito e consequentemente a geração de capital fictício34 que deve ser realizado com o

34 O conceito de capital fictício foi criado por Marx. Diz respeito a um dos aspectos mais destacados da economia
capitalista, que é a multiplicação ilusória da riqueza realmente existente, com base no capital portador de juros, por
intermédio dos mecanismos monetários e financeiros (MARX, 1968).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

aumento futuro da produtividade.


Podemos perceber que a subordinação do agricultor à nova estrutura dá-se desde a elaboração da
proposta de crédito via projeto, via acordos estabelecidos entre o setor financeiro e setor industrial e
comercial até a data de liquidação da dívida.
Nesse processo de subordinação, a elaboração da proposta de crédito, via entidades de apoio técnico,
ocorre mediante a aprovação do agente de financeiro. Este por sua vez, enquadra a proposta de crédito às
metodologias e aos normativos financeiros de prospecção de negócios, condicionando, assim, contratação
do crédito ao atendimento das metodologias. Esse processo de sujeição acontece de forma atrelada às
metodologias instrumentalizadas pela orientação técnica que pode ser do próprio agente financeiro ou
terceirizado, caracterizando- se, assim, como um mecanismo de controle. As metodologias propõem, entre
outros, estabelecer o tipo de cultura a ser financiada, a forma como os recursos são liberados, o manejo e
os tratos culturais e o volume de recursos a serem investidos.
Esse processo pôde ser percebido na pesquisa campo. Quando indagamos os Assentados sobre a aquisição
dos financiamentos: quem tomou a decisão de qual atividade/cultura iria ser financiada? Obtivemos
resultados expostos no quadro1:

Quadro 1- Indagação sobre quem tomou a decisão do que iria financiar


Resposta Percentual (%)

Você individualmente 15%

Decisão coletiva tomada em reunião 25%

Decisão do técnico 35%

Decisão do banco 25%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa de campo realizada em 2014.

Nesse sentido, a pesquisa revelou o lastro de controle e subordinação das atividades financiadas,
consequentemente das atividades produtivas e do território, que se são modeladas pelo aparelho
institucional das agências técnicas de extensão rural e pelo agente financiador do crédito (o banco).
Nesse processo, as atividades e culturas financiadas, orientadas pela empresa prestadora de assistência
técnica e pelo banco, são atividades atreladas às prospecções de negócios e conjugadas às possíveis
cadeias produtivas ligadas ao setor industrial. Os agentes de crédito investem preferencialmente em
culturas que apresentam performance positiva, que são as culturas ligadas à exportação e às
agroindústrias (SILVA, 2006, p. 59). Contudo, não é o que ocorre na prática, visto que a formatação desse
tipo de crédito provoca fissuras na produção da unidade familiar que ampliam o processo de subordinação
às estruturas do capital. Isso podemos verificar na fala do Assentado João Barbosa de Melo do
Assentamento de Rainha dos Anjos:

A gente num tinha experiência, num sabia como era. Chegou o dinheiro, e
disseram que se agente quisesse que o dinheiro viesse tinha que tirar para gado
(...) Porque disseram que só tinha e só podia ser assim. Pra isso mesmo.(...) Mas
deu tudo errado. O dinheiro veio pra os fornecedor. Colocaram umas vaca a mil
e duzentos, mil e quinhento, e elas num valia nem trezentos. Agente nem
escolheu (...). As vacas vieram dos fornecedor direto pra gente. Umas vacas
doente, fraquinha. Uma até morreu, a outra tava doente aí mandei matar pra
não perder tudo (...), Os recursos ficaram tudo nas mão dos fornecedores. A 97
gente só ficou com a dívida.

No que se refere à formalização dos contratos de crédito que se estabelecem entre os agricultores e o
agente de financeiro, notamos, em pesquisa de campo, que os mesmos existem em maioria da Nota de
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Crédito Rural (NCR). É um instrumento de garantia fidejussória, ou seja, aquela prestada por pessoas, e
não por bens financiados, o qual não exige a formalização de garantias reais.
Às modalidades de crédito, podem ser para custeio para safra agrícola e investimento produtivo. Segundo
o MCR (10-3), os créditos de custeio se destinam a financiar atividades agropecuárias e não agropecuárias,
de beneficiamento ou de industrialização da produção própria ou de terceiros enquadrados.
Há de se explicar que, créditos são em sua maioria destinados às culturas de maior acesso ao mercado, e
que este requer uma maior integração do agricultor e, também, uma maior necessidade de contratação de
mão de obra. Essas culturas comumente não podem ser produzidas de forma diferenciada da
recomendada tecnicamente, ou em áreas parceladas, ou seja, em parte dos lotes, dado ao seu custo de
produção e manutenção, que torna inviável uma produção muito pequena. Percebemos esse processo
durante a pesquisa, que revelou que proporcionalmente a maioria dos créditos do PRONAF destinava-se
às culturas de inhame e mandioca (isolada ou consorciada) por serem mais integradas ao mercado e à
indústria do que as culturas com menor integração como feijão, milho, fava entre outras. Ver tabela 1.

Tabela 1- Percentual das culturas agrícolas financiadas pelo PRONAF

Inhame Mandioca (roça) Cana-de-acúçar Macaxeira Milho Feijão Fava

48,3% 31% 3,4% 10,3% 10,3% 10,3% 0%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa de campo realizada em 2014.

No que se refere aos investimentos, estes têm seus recursos ligados a determinadas cadeias produtivas
dos circuitos de mercado. Os investimentos se destinam a equipar as unidades produtivas, e transformá-
las em uma unidade de negócios. Contudo, nesse processo, dado o pouco conhecimento de manejo da nova
infraestrutura equipada, os agricultores ficam inteiramente dependentes das orientações técnicas e da
extensão rural.
Constatamos em pesquisa que as orientações técnicas, assim como nos custeios, incentivam as atividades
de investimento que tivessem um melhor relacionamento com o mercado, que fossem viáveis
competitivamente ou integradas a uma cadeia produtiva e, consequentemente, atreladas aos grandes
oligopólios do setor de agrotóxico, dos intensivos agrícolas, sementes e ração.
Sobre essa perspectiva Karl Monsma (2000) comenta que o incentivo do uso de agrotóxicos em atividades
agrícolas de pequeno porte, se dá mediante as parcerias entre as grandes empresas multinacionais, o
capital financeiro e o Estado, que através de grandes esquemas políticos burocratas urbanos se unem para
reorganizar e subordinar a produção no campo. Um mecanismo de subordinação que se constrói sob o
falso discurso da coletivização da agricultura e da redução das percas na produção.
Sobre as atividades financiadas pelo crédito de investimento, verificamos na pesquisa, que as mesmas se
concentraram majoritariamente às atividades ligadas a bovinocultura e avicultura. Essas atividades foram
incentivas observando eminentemente sua capacidade de retorno em rendimentos, contudo, sem
observância aos interesses dos agricultores, e sem verificar a operacionalidade por parte deles na
atividade financiada. Por se tratarem de atividades de um maior retorno tinham proporcionalmente
maiores riscos, que não poderiam ser assumidos pelo agricultor, dado seu nível de descapitalização.
Percebemos tal processo no depoimento do Assentado Assis Barbosa do Assentamento Rainha dos Anjos:

(...) Eu num queria tirar para investir em galinha não. Eu nem sabia trabalhar
daquele jeito, criava galinha, pouca, solta mesmo. Fiz tudo do jeito que eles
mandaram o galpão, o galinheiro. Comprei as ração, dei os remédio, mas num
teve jeito.(...) Tá aí os elefante branco. Mas ruim mesmo era criar os pinto, 98
adoecia, morria (...) E a ração era muito cara comecei a compra o saco por vinte
e oito reais, quando deixei já tava em cinquenta reais (...). Disseram que era por
que tinha cotação no dólar. Aí meu amigo, fazer o quê se eu num tinha dinheiro
para manter o negócio (...). E ainda tem que trabalhar pra pagar isso aí.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Na fala do agricultor, podemos percebemos que o controle exercido pelo agente técnico bem como pelo
agente financeiro, no processo produtivo e consequentemente territorial, subordinando não só a renda
trabalho, mas também a renda da terra ao processo de monopolização do capital. Nesse sentido, a
autonomia produtiva é sensivelmente comprometida face o direcionamento e a formatação na aplicação
do crédito. Ou seja, o que financiar, o que plantar, onde plantar, ainda é determinado, limitado e ofertado
institucionalmente.
Nesse ínterim, compreendemos que não é necessário haver a territorialização do capital para que seus
tentáculos possam subordinar e controlar o processo produtivo e o território. Contudo, esse tipo de
modelagem de financiamento que se propõem em transformar os territórios a partir de uma lógica
produtivista sem, entretanto, promover a correspondência entre o produtor e os meios de produção
torna-o inviável, visto que, na execução desse tipo de empreendimento, vários elementos devem ser
observados: a capacidade produtiva, as condições de trabalho, as competências e experiências, as relações
com o mercado e a estrutura dos programas e políticas públicas. Ver foto 1.

Foto 1- Galinheiro desativado construído com recursos do PRONAF-A – Investimento.

Fonte: Rômulo Panta-2014.

Nesse sentido, compreendemos que a concepção do agroprodutivismo não se adéqua às necessidades


diárias e ao ritmo de produção dos agricultores Assentados. Conforme já verificamos em pesquisa, a
organização da produção realizada nas unidades agrícolas, obedecem a uma estrutura econômica interna
própria, baseadas a partir de suas necessidades, já que sua maioria, 66% do público pesquisado, produz
primeiramente para o consumo interno, diferentemente dos objetivos propostos pelo crédito financiado
pelo PRONAF, que seria a produção voltada para o mercado.
Desse modo, as distorções e contradições surgidas na operacionalização dessa modalidade de crédito,
acabam levando aos altos índices de endividamento (constatamos que 93% dos assentados pesquisa estão
endividados a partir das operações financeiras de custeio e investimento). Dessa forma subordinando não
só o território, mas, concomitantemente o processo produtivo, atual e futuro, visto que a partir desse
momento, toda renda produzida seja, sob forma de renda trabalho ou da renda da terra será
comprometida com o pagamento do financiamento contraído.
Referente as liberações dos recursos do PRONAF que se constituem como o momento do desembolso, ou
seja, o momento da implementação do projeto pré-elaborado via recursos financeiros, fase que refere-se à 99
capitalização do produtor em que os recursos serão recebidos e aplicados.
Por se tratar de uma implementação do programa de recursos federais, o processo de liberação dos
recursos ocorre de forma criteriosa (sendo os critérios estabelecidos pelo banco). Aqui nos detemos a
compreender como se dá os desembolsos dos créditos, que é dividido em três fases: a primeira refere à
fase dos tratos culturais; a segunda à implantação da cultura e/ou objeto financiado e a terceira a
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compreende a fase de manutenção. Sua sequência só ocorre mediante comprovação técnica da aplicação
dos recursos na finalidade proposta no financiamento.
A principal reclamação se dá no que se refere à época em que ocorre a liberação, 89,7% do público
pesquisado informou que as liberações dos recursos ocorreram atrasadas, em épocas posteriores ao
calendário agrícola e ao período de necessidade do produtor. O banco possui um calendário de dotação
orçamentária própria, em que muitas das vezes não comparticipam do calendário agrícola e nem com as
necessidades dos agricultores na fase de implementação do financiamento. Essa problemática inviabiliza
sensivelmente o processo produtivo, visto que pela insuficiência de capitalização, os agricultores não têm
condições de tocarem o projeto. Podemos constatar essas colocações ao analisar os depoimentos dos
Assentados:

O dinheiro do capim demorou tanto, que as vacas chegaram primeiro que o


capim. Ai foi ruim viu (...) Como eu ia dar de comer as vacas sem o capim, que já
era pra tá plantado? (...) Eu rodei visse, atrás de comer para essas vacas,
coloquei nos terreno de um amigo meu, e mesmo assim num dava. Ai pronto
depois daí tudo deu errado (Fala do Assentado João Balbino – Assentamento
Santa Helena- I).
Eu tirei dinheiro para inhame, mas o dinheiro só chegou em agosto, depois que
tinha acabado as chuva. Eu aí ia plantar mais o que? Nada. (...) Aí eu tive que
colocar roça para não perder tudo, o gerente disse, não podia, mas agora toque
para frente para pagar (Fala do Assentado Severino- Assentamento Rainha dos
Anjos).

Na pesquisa, verificamos que em cada parcela liberada em média são sorvidos 5% do montante dos
recursos com pagamento ordinário das exigências bancárias. Nesse sentido, para um segmento
descapitalizado, a exemplo dos beneficiários do PRONAF-A, esse percentual sorvido de cada parcela
liberada representa um impacto negativo e possivelmente comprometerá a aplicação dos recursos.
No que se referem aos processos de desembolsos, os mesmos advêm de maneiras diferentes para cada
finalidade estabelecida nas operações de crédito. Eles seguem os mesmos tramites referentes ao
cumprimento formal das exigências da aplicação do crédito. É o laudo técnico o instrumento credenciador
das liberações de recursos. Assim, o agente de crédito, mediante suas ações impositivas, controla não só o
processo produtivo, bem como, o uso do território, subordinando assim toda a produção e as relações
desenvolvidas no território aos interesses do capital.
Sobre o processo de subordinação ao capital, verificamos que as liberações dos recursos de implantação
das lavouras e os de implantação das inversões de investimento, revelam-se de modo articulado entre o
capital financeiro, o capital industrial e o comercial. Tal processo se efetua para que as liberações sigam
integralmente o produtor precisa cumprir todas as orientações técnicas. Dentre tais orientações,
lembramos-nos da compra de sementes, geralmente híbridas, tendo em vista sua capacidade de
resistência a pragas e as aplicações dos agrotóxicos, pesticidas e fungicidas que estão constantes nas
inversões ora financiadas, caracterizando assim, o processo de subordinação, como podem ver no
depoimento da Assentada Marizete Arthur de Carvalho (Assentamento Santa Helena):

Eu tinha guardado as maniva do último roçado que eu tinha botado. Tava com o
quarto todo cheio. Aí eu pensava que podia usar. Eu num já tinha! Eu podia até
adianta meu roçado. (...) Veio o técnico do banco e disse pode parar. “Você vai
ter que comprar semente nova, que vem no projeto. Tem que apresenta o recibo
pra gente liberar” (...) Eu falei que dizer que eu vô perder tudo isso aqui? Num
teve jeito visse. Se eu num aceitasse o dinheiro num saia (...) tive que botar
as maniva tudo pros bicho comer, pra não perder de vez. Foi do mesmo jeito 100
quando eu tirei pra inhame, e para milho e feijão (...)

Ao saber que todo o processo é financiado e alocado no próprio programa de inversões como podemos
perceber no programa de desembolso de um projeto financiado, constatamos que o total controle que o
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capital financeiro tem com esse processo, que além de se revelar como um processo subordinação, se
caracteriza também como as estratégias de reprodução do capital a partir do financiamento. Ver figura 1.

Figura 1: Cópia do orçamento do custeio do PRONAF

Fonte: Adquirida por doação durante a pesquisa realizada em 2014.

A propósito, vale salientar que o agente de crédito além de estabelecer um pacto velado com as indústrias
e oligopólios do setor de intensivos agrícolas, sobre os discursos de minimizar os ricos e os custos e
consequentemente ampliar o lucro. Por conseguinte, as liberações do crédito rural tem demonstrado que
houve transferência de recursos controlados, dos segmentos produtores agrícolas para os segmentos à
montante e à jusante da agricultura – setores industriais e comerciais. (SILVA, 1981, p. 65).
Com base na interpretação de Silva (1981) entendemos que o capital consegue acumular duplamente, a
partir das liberações do PRONAF, visto que os valores financiados em contrato além de serem destinados
ao capital industrial com a aquisição dos intensivos são incorporados ao saldo devedor do financiamento
ao qual são cobrados juros, pagos pelo produtor ao capital financeiro. Por isso, os agricultores ficam
impossibilitados de fazer qualquer alteração no cronograma financiado, sob penalidade de terem
suspensas as demais parcelas a serem liberadas e terem seus contratados de crédito interpelados, ou seja,
considerados antecipadamente vencidos e consequentemente prejuízados. É nesse estágio que, além da
cobrança dos juros de inadimplemento sobre o saldo devedor, o devedor é inserido no CADIN (Cadastro
Informativo de créditos não quitados do setor público federal) é exigido também o reembolso imediato.
Devemos registrar, no entanto, que a partir desse processo o produtor é impossibilitado de realizar
qualquer outra operação de crédito em instituições financeiras. 101

É sabido que os mecanismos de operações de crédito tratam de uma implementação do programa de


recursos federais, mas aqui devemos acrescentar que estes servem de controle a possíveis desvios do
crédito, bem como constituem um processo de subordinação e imposição das regras capitalistas no
território, o que em muitos dos casos contraria a lógica produtivo do agricultor e termina por
inviabilidade a atividade financiado. Vejamos os depoimentos colhidos nas entrevistas durante a pesquisa:
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Às vezes eu via que o projeto ai dá errado. Eu conheço essa terra, eu sei onde da
certo cada coisa aqui, eu sei como aproveitar a terra, sei onde é o lugar onde dá
batata, onde é o lugar da roça (...) Mas o técnico vem e diz é assim e pronto (...)
se agente não seguir ai bloqueia tudo (Fala do Assentado João Balbino-
Assentamento Santa Helena I).
Olhe, eu mudei o lugar de plantar o capim, de um terreno para o outro, pra ficar
mais fácil pra mim dá de comer aos bicho, que coloquei eles naquele terreno
que já tinha cerca, e plantei um capim no outro (...) só isso. Aí quando fui no
banco o gerente disse que eu tinha desviado o dinheiro do gado, e que num
podia nem neguciar, tinha que pagar. Como eu desviei? Eu botei o dinheiro tudo
ali, mais trabalho e tudo. (Fala do Assentado José Belo- Assentamento Boa
Vista).

A sondagem dos discursos acima apresenta um indicador importante que precisa ser considerado: o
capitalismo, a partir das ações dos programas e políticas, entre eles, principalmente os direcionados ao
crédito, organiza e redefine o processo de trabalho das sociedades não necessariamente capitalistas. Nesse
sentido, o capital consegue “coagir o trabalhador a ceder, sujeitando sua produção ao capital monopolista,
que controla não só os meios de produção, mas o próprio trabalho, na tentativa de transformar tudo em
renda capitalizada” (MARTINS, 1979, p. 15). E, no caso específico da ação do PRONAF, o capital tem atuado
contraditoriamente quando se precisa criar e recriar condições para o desenvolvimento da agricultura
camponesa de base familiar, sujeitando o trabalho e a renda da terra ao capital.
O processo de reembolso é compreendido como o retorno do crédito adquirido por financiamento. Nesse
aspecto, nas operações do PRONAF, o reembolso dá-se de maneira integrada com o desenvolvimento da
atividade financiada, uma vez que, existe um período de carência que compreende o intervalo de tempo da
última liberação dos recursos ao primeiro reembolso (pagamento) do financiamento. Nesse intervalo de
tempo o agente de crédito subentende que o projeto financiado produza sob uma perspectiva ascendente
ao ponto de ser negociada em mercado e possivelmente gerar rendas superiores às necessidades da
unidade produtiva, e com essa receita adquirida, possa-se ocorrer o reembolso da operação de crédito.
Os reembolsos das operações são diferentes a cada tipificação das inversões financiadas. Aos custeios são
concedidos prazos e exigidos para o reembolso de acordo com a cultura ou atividade agropecuária
financiada que poderá ser de um a três anos. Aos investimentos os prazos, depois de cumprido o período
de carência, que é compreendido como o período de estruturação do empreendimento, decorre de forma
semestral ou anual, de acordo com a inversão financiada, podendo compreender até quinze anos, incluído
três de carência (http://www.bcb.gov.br).
Para Shanin (1980), a produção camponesa de base familiar está subordinada não só ao mercado, como
também aos direcionamentos do Estado e das condições naturais, e além dessa conjuntura, como já vimos
anteriormente, no tocante à liberação dos recursos, os mesmos já são subsumidos a partir do pacote
tarifário, das exigências bancárias pertinentes às operações de crédito. Por conseguinte, os valores
investidos no projeto ou na cultura ora financiada são menos do que realmente consta na proposta formal,
ampliando assim a distorção entre o valor realmente empregado na atividade financiada e o valor a ser
pago, visto que sobre o saldo devedor ainda serão aplicados os encargos financeiros.
Durante a pesquisa verificamos que cerca de 76,4 % do público pesquisado está em situação inadimplente
e sobre as operações inadimplentes são cobradas os encargos financeiros normais acrescidos a 12% a.a
(doze por cento ao ano) de juros de mora, calculados e capitalizados sobre a fórmula de juros compostos
aumentando ainda mais o saldo devedor e o nível de endividamento. Registramos também, que após 60
dias de inadimplência, os Assentados são inseridos nos órgãos de restrições como a exemplo do Serasa35,
CADIN e SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), e ampliando consecutivamente a subordinação da
agricultura camponesa de base familiar aos liames do capital.
Nesse sentido, trazemos para a discussão a racionalidade do agricultor entre o pagamento da dívida e o
102

35 Serasa significa Centralização de Serviços dos Bancos, e não é uma sigla. A Serasa é uma empresa privada
brasileira, que faz análises e pesquisas de informações econômico-financeiros das pessoas, para apoiar decisões de
crédito, como empréstimos. A Serasa foi criada pelos bancos, com o objetivo de centralizar informações, e fazer com
que seus custos administrativos diminuíssem e diminuir também a margem de erros sobre as informações para
emprestar crédito a pessoas.
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endividamento. Na pesquisa verificamos que o sequencial produtivo de mercado (produção – circulação –


acumulação), quando ocorre, vem posterior às necessidades de vida e reprodução da família, visto que no
processo de produção, os camponeses primeiramente traçam táticas de reprodução visando à reprodução
da família e não de uma empresa de sua propriedade individual, como foi percebido na pesquisa, quando
indagamos sobre o destino da produção passada. Ver quadro 2.

Quadro2- Indagação sobre destino da produção


Resposta Percentual (%)

Toda para o consumo familiar 21%

Parte para o consumo familiar e parta para a venda 66%

Toda para a venda 13%

Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados de pesquisa de campo realizada em 2014.

O quadro contradiz a visão mercadológica proposta pelo PRONAF, que tem como objetivo a prospecção de
negócios e inserção ao mercado. Somente 13% de toda a produção realizada pelo público pesquisado
destinam-se inteiramente para a comercialização36. Em contrapartida ao percentual majoritário de 66%
que produz primeiramente para o atendimento das necessidades e consumo familiar. Lógica esta diferente
da assentada pelo PRONAF, que concebe os camponeses enquanto indivíduos–empresários e não
enquanto famílias camponesas.

3. CONSIDERAÇÕES
À vista do que foi exposto inferimos que o que dá sustentação ao modo de vida de previdência do
campesinato é o seu trabalho, uma vez que, é próprio camponês que com seu trabalho dá sustentação a
todo um habitar, todo um modo de vida que nunca é puramente econômico, político ou cultural, mas é
muito mais um amálgama destas diversas dimensões. Nesse sentido, os resultados da pesquisa confirmam
as análises de Chayanov (1981), tomando por base à dinâmica da economia interna do campesinato,
tencionamos verificarmos que à maioria dos agricultores não vertem sua produção eminentemente para o
mercado, e sim, primeiramente, ela é direcionada ao atendimento das necessidades da unidade familiar,
comercializando o possível excedente.
Sobre essa visão, Bordieu (1979), expõe algumas semelhanças às ideias de Chayanov (1981), quando ele
afirma que a ação econômica do campesinato “se orienta em direção a um por vir diretamente
assenhorado dentro da experiência ou estabelecido por todas as experiências acumuladas que constituem
a tradição”, distintamente da compreensão capitalista (BORDIEU, 1979, p. 21-22).
A natureza econômica e organizacional da reprodução camponesa de base familiar se opera na lógica da
reprodução simples representada pela equação: M-D-M (mercadoria- dinheiro-mercadoria). O esquema
supracitado foi abordado por Marx (1968) que analisa a reprodução simples a partir da perspectiva de
negação a reprodução ampliada do capitalismo. Ou seja, a forma “simples de circulação das mercadorias,
onde a conversão de mercadorias em dinheiro se faz com a finalidade de se poderem obter os meios para
adquirir outras mercadorias igualmente necessárias à satisfação de necessidades” (OLIVEIRA, 1987, p.
68).
Isto é bem diferente da acumulação de capital que além de se valer da exploração da força de trabalho de
outro, se faz a partir do valor de troca em detrimento do valor de uso. Ou seja, no capitalismo, a produção
antes utilizada para reprodução de uma empresa e não para reprodução de um habitar.
Essas asserções foram verificadas na pesquisa: 66% dos camponeses Assentados relataram que a sua
primeira intenção ao produzir nos lotes está atrelada as necessidades de sobrevivência e consumo, ou seja, 103
na reprodução do seu habitar, ficando o reembolso do crédito do PRONAF na dependência da produção de
um excedente superior as necessidades da unidade de familiar. Desse modo, 50% dos camponeses

36 Esse percentual refere-se a quatro agricultores, que possuem terras arrendas e produzem cana de açucar para as
usinas.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Assentamentos endividados relatam não pagar seus financiamentos, porque não conseguem congregar
valores a partir do pequeno excedente produzido, que possa abastecer a família e gerar recursos
superiores para garantir os reembolsos.
Nesse sentido, podemos compreender que o crédito do PRONAF, possui dinâmicas contrárias à sua
proposta inicial no que se refere à geração de renda e ao desenvolvimento do protagonismo da agricultura
familiar, pelo contrário, durante a pesquisa verificamos que a formatação do programa na verdade está
atrelado ao processo de subordinação territorial e da produção tendo como instrumentos de controle o
desembolso e reembolso das operações de crédito, que terminam sorvendo as rendas da terra e do
trabalho aos interesses capitalistas. Desse modo, a tão propagandeada autonomia produtiva é
sensivelmente comprometida pelo inevitavelmente endividamento em proporções elevadas. Sobre essa
constatação nos dedicaremos no próximo tópico.

REFERÊNCIAS
[1]. BORDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
[2]. COUTO, Alberto Ilha. Endividamento dos agricultores assentados pela reforma agrária no Estado da Paraíba
no período 1990 a 2004. João Pessoa: [s.n], 2006. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal da Paraíba. João
Pessoa.
[3]. GRAZIANO DA SILVA, J. Resistir, Resistir, Resistir: considerações acerca do Futuro do Campesinato no Brasil.
In. O Novo Rural Brasileiro, Campinas: IE/UNICAMP, 1999.
[4]. LUSTOSA, Maria das Graças Osório P. Reforma agrária à brasileira: política social e pobreza. São Paulo:
Cortez, 2012.
[5]. MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo, Ciências Humanas, 1979.
[6]. MONSMA, Karl. James C Scott e resistência cotidiana no campo: Uma avaliação Crítica. IN
[7]. BIB RJ, nº 49, 1º. Semestre, 2000, (p.95 - 121).
[8]. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção e agricultura. 2 Ed. São Paulo: Editora Ática,
1987.
[9]. PRONAF. Decreto nº 1946 de 28 de junho de 1996 (cria o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar- PRONAF e dá outras providências). Brasília: 1996.
[10]. SHANIN, Teordor. A definição de camponês: conceituação e desconceituação: o velho e o novo em uma
discussão marxista. Estudos Cebrap, Petrópolis, n. 26, p. 43-79, 1980.
[11]. SILVA, José Graziano da. Progresso Técnico e Relações de Trabalho na Agricultura. São Paulo: Hucitec. 1981.
[12]. SILVA, Fernanda Faria. Distribuição de crédito para agricultura familiar: um estudo do PRONAF a partir de
um indicador de desenvolvimento rural. Uberlândia, 2006 (Dissertação de Mestrado). Instituto de Economia.
Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia.
[13]. TOLENTINO, Michell Leonard Duarte de Lima. O (Des) envolvimento do PRONAF: as contradições entre as
representações hegemônicas e os usos dos camponeses. 2013. (Dissertação de Mestrado). Universidade de São Paulo.
Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana. São Paulo.
[14]. WILDMANN, Igor Pantuzza. Aspectos jurídicos da securitização de dívidas rurais como medida de subvenção
econômica. Movimento Editorial da Faculdade de Direito da UFMG, 1997.

104
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 11
O papel atribuído à educação na sociedade capitalista:
Uma abordagem a partir do contexto brasileiro

Dionéia Edlyng Maciel


Cleonilda Sabaini Thomazini Dallago

Resumo: O presente artigo apresenta uma contextualização sobre a educação de forma


articulada à organização econômica e dos modos de organização da sociedade. Busca,
portanto, evidenciar aspectos sobre o papel que tem sido historicamente atribuído à
educação, identificando as particularidades presentes no desenvolvimento da sociedade
brasileira, a partir da divisão de classes, principalmente após a instituição do modelo
capitalista de produção e reprodução social no país.

Palavras-Chave: Emancipação humana; formação para o trabalho; divisão de classes.

105
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
A educação, desde seus primórdios tem a possibilidade de produzir transformações capazes de promover
mudanças importantes na organização social. No entanto, há distintas lógicas por detrás da tentativa de
delinear um papel na sociedade.
Por essa razão, o presente artigo irá tratar sobre a educação no Brasil, contextualizando-a de forma
articulada à organização econômica e dos modos de produção e reprodução social. Dessa forma, buscar-
se-á identificar as particularidades presentes no desenvolvimento da sociedade brasileira, a partir da
divisão de classes e da política de educação no país, principalmente após a instituição do modelo
capitalista de produção.
O direito à educação se constitui historicamente e é permeado por lutas e desafios. Aos poucos conquista
espaço e reconhecimento, o que nem sempre ocorre sob a perspectiva da democratização do saber e
universalização do ensino nas instituições educacionais formais. Isso porque, inserida em uma sociedade
capitalista, a educação é distanciada de seu papel social - de contribuir na emancipação dos sujeitos -, para
ser colocada a serviço do capital na formação de mão de obra e preparação dos indivíduos para o mercado
de trabalho.
Nesta lógica, do capital, tem-se uma vinculação da educação ao exercício da cidadania. Isso desperta para a
necessidade de reflexão acerca do papel desempenhado pela cidadania no âmbito de uma democracia
liberal, assim como, da apreensão do conceito de educação, uma vez que está inserida em uma sociedade
dividida em classes, cujas implicações afetam diretamente os sujeitos e as relações sociais.
Reconhecendo a educação como importante meio de acesso aos bens culturais, compreende-se, então, que
ela pode se constituir como caminho para a emancipação humana, pois viabiliza a aquisição do
conhecimento, a democratização do saber e, consequentemente, possibilita ampliar a participação
consciente dos sujeitos nos mais diversos espaços políticos e sociais.
Entretanto, só é produtivo debater sobre esse tema se forem consideradas as desigualdades sociais
existentes no país, reconhecendo-se que as instituições escolares estão longe de ser ambientes imparciais
e igualitários, onde as classes podem conviver sem exclusão. Isso porque, a educação só conseguirá
alcançar efetivamente o objetivo emancipatório com a eliminação da sociedade de classes criada pelo
capital. E não se trata da buscar mudanças superficiais que não alteram o domínio do capital sobre as
relações sociais, e sim, de uma transformação que liberte a sociedade do aprisionamento dentro do círculo
vicioso institucionalmente articulado sob a lógica do capital.

2. A EDUCAÇÃO NO CAPITALISMO
Analisar o desenvolvimento da educação no Brasil remete a identificar as particularidades presentes no
desenvolvimento da sociedade brasileira no contexto da organização econômica, política e social que
regem a sociabilidade vigente.
Pondera-se, assim, que o processo de desenvolvimento dos modos de produção no país, a partir da fase de
colonização, é marcado por uma forte heterogeneidade, pois, conforme explicita Sodré (1997, p. 58-59):

No nível social, o índio vivia em comunidade primitiva, o luso provinha de


relações feudais e o africano era originário de comunidades tribais, na sua
maior parte. O feudalismo luso estava em processo de enfraquecimento,
justamente pelo desenvolvimento do capital comercial - era época do
mercantilismo. A fusão, com emprego em larga escala da coerção física, [...]
assinala nítidos traços fundamentais na sociedade colonial: o feudalismo
português da legislação e dos costumes da classe dominante dos senhores e do
mínimo de aparelho do Estado então instalado coexistia com o escravismo e a
comunidade tribal indígena.
106

Por essa razão, desde o início da formação econômica no país esses três regimes – o feudalista, o escravista
e o comunitário tribal indígena –, se desenvolveram e exerceram influência uns sobre os outros, gerando
categorias mescladas ao longo do tempo. O Brasil se caracterizou fundamentalmente pelos traços
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

contraditórios dessa coexistência e essa particularidade foi responsável, também, pelo modo como o
capitalismo se desenvolveu no país.
A origem do capitalismo, enquanto categoria histórica, dependia da existência de determinadas condições,
as quais ocorreram em épocas distintas em cada país ou nação, configurando um desenvolvimento
histórico desigual (SODRÉ, 1997). Na realidade brasileira, o surgimento do capitalismo compreendeu
especificidades no seguinte sentido:

[...] quando o Brasil foi "descoberto", Portugal era um dos países em que se
desenvolvera largamente o capital comercial e, em menor escala, o capital
usurário.37 [...] A empresa da "descoberta" do Brasil foi tarefa do capital
comercial português. A empresa da "colonização" do Brasil foi também
tarefa daquele capital e do capital holandês. O Brasil colonial,
consequentemente, conheceu apenas o capital comercial. Foi obra do capital
comercial (SODRÉ, 1997. p. 58).

Dessa forma, no desenvolvimento econômico da recente colônia portuguesa, o mercado mundial começou
a gerar as condições fundamentais para a passagem do modo de produção feudal, para o modo de
produção capitalista. Uma nova ordem social começou a aparecer quando determinadas condições
tornaram esse processo possível, ou seja: quando o trabalhador deixou de deter a propriedade dos meios
de produção, passando a depender da venda sua força de trabalho para os proprietários desses meios, a
fim de garantir sua subsistência; quando o trabalhador passou da condição servidão, se tornando
trabalhador livre, podendo dispor de sua força de trabalho em troca de um salário; e quando o principal
objetivo do trabalho deixou de ser a satisfação das necessidades humanas, passando a ser o da produção
voltada para o mercado. Contexto que possibilitou o aparecimento das mais favoráveis "[...] condições para
o surgimento das relações capitalistas e de uma estrutura social em que a burguesia passou a ser a classe
dominante e a controlar o aparelho de Estado” (SODRÉ, 1997, p. 67-68).
Assim, permeando a transição para modo de produção capitalista estava a divisão do trabalho, que se deu
sob a lógica da especialização da mão de obra para fins de atendimento das demandas do mercado. Além
disso, o trabalhador independente se tornou trabalhador assalariado, trocando sua força de trabalho por
um salário ao utilizar os meios de produção pertencentes ao capitalista e produzir riqueza para este. E,
finalmente, o que marcou o aviltamento do trabalho foi a divisão técnica, que implicou na decomposição
de um processo em tarefas complementares, favorecida pelo emprego da maquinaria, que estabeleceu o
ritmo ao qual o trabalhador passou a ser subordinado.
Tais formas de organização do trabalho passaram a exigir dos indivíduos conhecimentos específicos que
lhes permitissem se inserir nas novas relações de produção. Isso implicou diretamente na forma como a
educação foi sendo (re)organizada na sociedade. Conforme assegura Mészáros (2008, p. 35):

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu [...]


ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à
máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e
transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como
se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma
“internalizada”(isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou
através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e
implacavelmente impostas.

37Quando o capital surgiu, a forma mais ostensiva da riqueza foi, por longo tempo, a posse de muito dinheiro. Na realidade, os
verdadeiramente ricos nem sempre possuíam muito dinheiro - possuíam grandes propriedades de terras ou bens imóveis. A riqueza 107
notória, entretanto, foi aquela que se constituiu em dinheiro, o que resultou, em grande parte, do desenvolvimento comercial.
Realizando trocas comerciais, determinadas pessoas acumulavam montantes crescentes de riqueza em dinheiro, aos quais se deu o
nome de capital comercial. Outros, usando o montante de dinheiro que possuíam, realizavam empréstimos e cobravam juros por tais
empréstimos, ficando conhecidos pelo exercício dessa função: tornaram-se detentores de capital usurário. Capital comercial e capital
usurário foram formas anteriores ao aparecimento do capital como a sociedade moderna veio a conhecê-lo. Foram formas pré-
capitalistas do capital, isto é, formas em que o montante de dinheiro, mesmo grande, não funcionava como capital, não era capital
(SODRÉ, 1997. p. 57).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Dessa forma, incorporando a política neoliberal38, a educação institucionalizada se transformou em uma


espécie de fábrica, organizando os níveis e modalidades de ensino como uma linha de produção.
Os setores dominantes passaram a criar e aperfeiçoar instituições – entre elas as educacionais – com o
intuito de controlar as políticas de crescimento e desenvolvimento. Para tanto, colocavam-se em prática
medidas, muitas vezes denominadas reformas39, que, na realidade, toavam para aperfeiçoar o status quo,
ou seja, tinham o objetivo de meramente “[...] reformar alguma coisa para que nada se transforme. Isto é,
modernizar instituições para que grupos e classes permaneçam sob controle, não ponham em causa a “paz
social”, ou a “lei e a ordem”” (IANNI, 1994, p. 100-101). As instituições educacionais, por sua vez, se
transformaram em espaços apropriados para adaptação às das relações sociais que nasciam com o
capitalismo, como lugares apropriados para preparação de crianças e jovens para o mercado no novo
modelo de produção.
Com o início do capitalismo, o novo modo de organizar a produção exigia que se construísse um perfil de
trabalhador adequado à produção para o mercado. Por essa razão, a escola passou, também, a se ajustar a
essa exigência e a organizar a atividade pedagógica de uma forma hierarquizada e centralizada. Para tanto,
o capital impelia à educação moldar os novos perfis de trabalhadores.
Nesse sentido, fortalecendo a política neoliberal, a educação passava a oferecer aos alunos uma formação
que correspondesse às exigências colocadas pelo mercado. Ocorre que, na sociedade capitalista, a
educação escolar começou a generalizar-se e constituir-se como a principal e dominante forma de
educação. Começou-se, então, a adotar um novo conceito de formação profissional, sob o discurso de
promover uma educação ampla que possibilitasse aos indivíduos não só acompanhar as mudanças nos
processos de produção, mas se avistar como parte desse processo e, consequentemente, da sociedade
(SAVIANI, 2007).
Todavia, a intencionalidade desse artifício não estava relacionada à democratização do acesso ao
conhecimento entre as diferentes classes, mesmo por que:

[...] o acesso de todos, em igualdade de condições, às escolas públicas


organizadas com o mesmo padrão de qualidade viabilizaria a apropriação do
saber por parte dos trabalhadores. Mas a sociedade capitalista funda-se
exatamente na apropriação privada dos meios de produção. Assim, o saber,
como força produtiva independente do trabalhador, define-se como
propriedade privada do capitalista. O trabalhador, não sendo proprietário de
meios de produção, mas apenas de sua força de trabalho, não pode, portanto,
apropriar-se do saber. Assim, a escola pública, concebida como instituição de
instrução popular destinada, portanto, a garantir a todos o acesso ao saber,
entra em contradição com a sociedade capitalista (SAVIANI, 2007. p. 20).

Por essa razão, o direcionamento dos currículos educacionais voltava-se a ultrapassar o caráter
informativo e limitado, até então predominante, mas sem estimular o pensamento crítico e a capacidade
inventiva dos indivíduos. Tratava-se, na realidade, do interesse em formar trabalhadores com um novo
perfil, principalmente a partir da incorporação cada vez maior da tecnologia e da ciência ao processo de
produção de mercadorias.
Até a década de 1970, aproximadamente, predominava na produção brasileira um modelo conhecido
como “fordista-taylorista” 40, no qual o trabalhador era visto como peça de uma grande engrenagem. Ele
deveria executar repetidamente a mesma tarefa durante toda sua jornada de trabalho. Por isso, o que se

38
O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o
capitalismo, como uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é
“O Caminho da Servidão”, de Friedrich Hayek, escrito em 1944. Trata-se de um ataque intensivo contra qualquer limitação dos 108
mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à liberdade econômica e política. Seu
propósito era preparar as bases de um outro tipo de capitalismo, duro e livre de regras para o futuro (ANDERSON, 1995).
39Reformas na educação, ver: “Educação conformada: a política pública de educação no Brasil” (ROCHA, 2000); “Universidade

brasileira: reforma ou revolução?” (FERNANDES, 1975); Contra-reforma na educação superior: de FHC a Lula (LIMA, 2007).
40 O fordismo e o taylorismo mesclam-se em uma forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo do

século XX, cujos elementos constitutivos básicos eram dados: pela produção em massa; pelo controle dos tempos e movimentos
do cronômetro taylorista e a produção em série fordista; pela fragmentação das funções; pela separação entre
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

esperava da educação era que pudesse profissionalizar os indivíduos para que fossem capazes de exercer
determinada profissão ao longo de toda sua vida (TONET, 2005).
A partir dessa realidade, a educação, que poderia ser instrumento essencial para a mudança, acabou sendo
direcionada à formação do pessoal necessário à maquinaria produtiva do sistema capitalista, além de
servir para criar e propagar valores que legitimavam os interesses dominantes, colaborando para a
reprodução e a perpetuação e desse sistema (MÉSZÁROS, 2008). Tal contexto fez com que as instituições
formais de educação se distanciassem cada vez mais da sua função social – de desenvolver potencialidades
para alcançar à necessária emancipação humana –, passando a servir ao capital e se apresentando como
um:

[...] aparelho a serviço dos interesses da classe dominante, cumprindo a função


de reproduzir as relações sociais de classe pela inculcação da ideologia
dominante e pelo preparo dos indivíduos para ocupar os postos que lhes são
destinados pela estrutura da sociedade de classes (SAVIANI, 2007, p.14).

Essa lógica, presente no ideário da classe dominante, foi se materializando também nas legislações do país
(não se alterando essencialmente, mesmo nas leis mais atuais), de modo a assegurar que a educação
permanecesse vinculada à produção de mão de obra, se distanciando de sua real função de formação na
vida e para vida no fortalecimento de relações verdadeiramente humanas.
Isso pode ser observado na Constituição Federal brasileira de 1988, ao dispor que: “A educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (BRASIL, 1988. Art. 205). Assim, ao vincular, de certo modo, a educação ao mundo do
trabalho corrobora com a lógica do capital. E o próprio contexto das expressões contidas na concepção
legal de educação evidencia que estas não se dissociam da ordem do capital. Conforme assevera Tonet
(2005, p.130), “O simples enunciado destes itens e sua explicitação deixam claro que eles não apontam
para além do capital e, portanto, não fazem parte do horizonte de uma sociedade efetivamente livre”.
Além disso, a legislação vincula diretamente a educação com o exercício da cidadania. Tal fato não é
negativo, posto que a educação pode ser compreendida como um dos pressupostos para o exercício dos
demais direitos, contudo, antes de associar a educação à cidadania como uma finalidade, é necessário
refletir sobre qual papel cumpre a cidadania, principalmente no contexto de uma democracia liberal. Essa
reflexão é fundamental para que não se adote incondicionalmente o discurso de que “todos são iguais
perante a lei”, sem considerar a função que a cidadania acaba exercendo, por meio de estratégias
compensatórias, como instrumento de manutenção das desigualdades.
Dessa forma, é de suma importância refletir sobre os conceitos de educação, a fim de identificar se estes
estão, ou não, reforçando a conservação das relações sociais excludentes, uma vez que a preparação para o
trabalho objetiva, essencialmente, adaptar os indivíduos às exigências do mercado, e não estimular a
reflexão crítica acerca da inserção produtiva dos indivíduos e à compreensão dessa realidade com a
intenção de transformá-la.
Ressalta-se, ainda, que o acesso à educação, embora seja uma condição necessária, por si só não é
suficiente para superar as desigualdades ainda existentes na sociedade. É necessária a mudança na
compreensão do papel da educação para emancipação humana e consequente transformação social. Para
seguir nessa direção, portanto, se torna imprescindível buscar ampliar cotidianamente o processo de
conquista da educação pelos trabalhadores, enquanto espaço fundamental para a apropriação dos
conhecimentos sistematizados, sem perder de vista o objetivo de construir uma sociedade sem classes
(SAVIANI, 2007).
Logo, os desafios que se apresentam para as transformações necessárias na educação, estão relacionados à
compreensão de que os indivíduos não são "produtos", e que a educação precisa assumir um caráter
político e transformador e não adotar ações que se confundem com as linhas de produção fabris. 109

Nesse sentido, importa considerar, a relação da educação com o trabalho, no sentido em que é
problematizada por Tonet (2005), sendo que:
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Embora a categoria da educação integre a categoria do trabalho, as duas não se


confundem. [...] o trabalho é um ato de transformação da natureza. [...] a ação do
sujeito se exerce sobre uma “matéria-prima” cuja natureza é completamente
diferente da “matéria-prima” do ato educativo. A primeira é desprovida de
subjetividade, enquanto a segunda tem na subjetividade um dos seus
momentos fundamentais. [...] O ato educativo, ao contrário do trabalho, implica
uma relação não entre um sujeito e um objeto, mas entre um sujeito e um
objeto que é ao mesmo tempo também sujeito. Trata-se, aqui, de uma ação
sobre uma consciência visando a induzi-la a agir de determinada forma
(TONET, 2005, p.139).

Assim, fica evidente que educação não é trabalho (na concepção elaborada por Marx), mas é também
fundamental para a reprodução social. Destaca-se, ainda, que toda transformação na educação precisa
atingir sua essência, pois, diferente do trabalho que tem seu fim teleologicamente planejado e que pode
ser afetado somente pelas leis da causalidade, na atividade educativa há como assegurar a consecução do
objetivo da forma como foi inicialmente planejado, pois trata-se de uma atividade regida pela
subjetividade. É por isso que a educação deve preparar os indivíduos para a vida e para as relações entre
os sujeitos, não para a produção e o mercado.
Nessa direção, recorrendo a Mészáros (2008, p. 09), afirma-se que educar “[...] é resgatar o sentido
estruturante da educação e da sua relação com o trabalho, as suas possibilidades criativas e
emancipatórias”. Assim, apenas uma concepção ampla de educação pode contribuir na busca de alcançar o
objetivo de uma mudança radical que seja capaz de pressionar a lógica do capital rumo à sua necessária
superação.

3. CONSIDERAÇÕES
Ao longo da construção deste artigo foi possível evidenciar que a relação entre educação e capitalismo é
histórica, ou seja, há bastante tempo as instituições educacionais formais têm servido como meio pelo qual
é formada a mão de obra necessária à manutenção da ordem social do capital. Esta análise, portanto,
realizou-se através de uma postura crítica perante o desenho da educação no Brasil, discutindo o processo
de formação educacional em sentido contrário ao da reafirmação do status quo, e convergente ao da
construção de uma educação cuja principal referência seja o ser humano, onde os indivíduos sejam
reconhecidos como sujeitos ativos de suas histórias.
Reafirma-se, portanto, a necessidade de avançar na perspectiva da transformação dos próprios
parâmetros na educação, tanto no que se refere aos métodos de organização e de ensino, como na relação
com os sujeitos que a compõe. Também se mostra necessária a superação da ideia de que o indivíduo ao
adentrar em uma instituição educacional, por si só, tem as condições iguais de aprendizagem e de
desenvolvimento de habilidades individuais e coletivas que lhe possibilitem condições de vida
verdadeiramente humanas. Os sujeitos presentes no cenário educacional são diretamente afetados pelas
transformações nas relações na sociedade capitalista e vivenciam os efeitos das desigualdades que, dada
sua origem estrutural, também se manifestam dentro e fora das instituições educacionais. Ainda fazem
parte da realidade situações como: estudantes que acessam, mas não conseguem concluir sua formação no
período adequado (em todos os níveis); forte atuação do setor privado na área educacional, tanto que, em
alguns níveis, o ensino público tem menor cobertura do que das instituições privadas (como no caso das
universidades); a destinação insuficiente de recursos financeiros para aperfeiçoamento na gestão escolar e
na capacitação de profissionais, entre outras questões que se constituem como desafios para o sistema
educacional. Daí a importância de persistir buscando a democratização da educação enquanto
instrumento que possibilita transformação da realidade social.
No âmbito da construção de conhecimento, por meio da pesquisa, as considerações apresentadas neste
estudo possibilitaram refletir sobre a concepção de educação nos pressupostos da sociedade de classes no
Brasil. Estimulando, também, a percepção de alguns dos desafios presentes para a educação, na forma 110
como esta se constitui na sociedade capitalista. Evidenciando que a reflexão sobre o papel da educação
para a sociedade deve levar em conta, como condição central, a eliminação da sociedade de classes criada
pelo capital.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

REFERÊNCIAS
[1]. ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. In. SADER, E.; GENTILI, P. (Orgs.).Pós-neoliberalismo: as políticas
sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 9-23.
[2]. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. – 8.
ed. – São Paulo: Cortez, 2002.
[3]. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Brasília:
Casa Civil, 1988.
[4]. IANNI, O. A ideia de Brasil moderno. – 2. ed. – São Paulo: Brasiliense, 1994.
[5]. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. – 2. ed. – São Paulo: Boitempo, 2008. (Col. Mundo do
Trabalho).
[6]. SAVIANI, D. Os desafios da educação pública na sociedade de classes. In. ORSO, P. J. (org.). Educação,
sociedade de classes e reformas universitárias. Campinas-SP: Autores Associados, 2007. p.09-42. (Col. educação
contemporânea).
[7]. SODRÉ, N. W. Capitalismo e revolução burguesa no Brasil. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Graphia, 1997.
[8]. TONET, I. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí-RS: UNIJUÍ, 2005. p.127-159.

111
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Capítulo 12
Dimensões do trabalho precário no campo: Mobilidade
e informalidade em Campo do Brito, Sergipe

Vanessa Dias de Oliveira


Bruno Andrade Ribeiro

Resumo: O artigo se debruça sobre algumas das expressões do trabalho precário no


campo, a partir da realidade observada em povoados localizados no município de Campo
do Brito, na denominada mesorregião do Agreste Central Sergipano. A fundamentação
teórica e as pesquisas de campo revelam interrelações entre a condição de trabalho dos
sujeitos e a estrutura fundiária concentrada, a subordinação das relações não
capitalistas de produção, a ausência de perspectiva de inserção do mercado de trabalho
dito estável/formal e a informalidade expressa em uma miríade de formas precárias. Os
resultados indicam que, entre a permanência no campo e a condição da mobilidade do
trabalho (intrínseca ao trabalhador dissociado dos meios de produção e livre para a
vendabilidade de sua força física e mental), coexistem particularidades e singularidades
que não estão dissociadas das transformações do/no mundo do trabalho no quadro de
crise do capital.

Palavras-Chave: Trabalho; campo; informalidade; mobilidade e precariedade.

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Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

1. INTRODUÇÃO
Particularmente nas últimas décadas, compreender as contradições do mundo do trabalho no quadro da
crise sistêmica do capital, pressupõe reafirmar a o arcabouço categorial marxiano (e o materialismo
histórico e dialético) como instrumentos capazes de mostrar a precarização, precariedade e informalidade
do trabalho como algumas das tendências irreversíveis e totalizadoras da acumulação flexível, e não
apenas circunstanciais.
A centralidade do trabalho permite explicar diversas transformações em curso além de ser historicamente
determinante na produção do espaço e suas desigualdades, uma vez que expressa a dinâmica territorial e
geográfica da sociedade. Vale ressaltar que as configurações do mundo do trabalho com a reestruturação
produtiva imprimem, conforme Oliveira (2020), tendências mundiais de informalização diversas (novas
formas de valorização do capital e novos mecanismos geradores de trabalho excedente, que expulsam da
produção trabalhadores sobrantes e descartáveis que vão avolumar o contingente do trabalho no
comércios e em serviços); uma maior intelectualização do trabalho nos ramos de maior impacto
tecnológico-informacional digital; a uberização, a informalidade e feminização do trabalho; o retorno ao
trabalho em domicílio, homeoffice, teletrabalho; dentre tantas formas que são acompanhadas pelo
desperdício de força humana nos processos produtivos, a corrosão/destruição do contrato ou
regulamentação e a precariedade horrenda em todas essas dimensões.
A precariedade e precarização são formas indispensáveis do capital se valorizar; na sociabilidade
capitalista o trabalho é, desde sua gênese, sempre precário e com tendencia à precarização. Mattos (2017)
delimita o trabalho precário com base em características como incerteza, irregularidade, anormalidade,
temporalidade reduzida (dias, horas, semanas ou meses), que atinge justamente os que não têm controle
sobre o seu destino, que dependem da sorte. Podem ser classificados como precários: o trabalho
temporário das agências de emprego; o trabalho sobre demanda (on-call work); trabalho com contrato
zero-hora; trabalho sazonal; trabalho ocasional; trabalho diário recrutado informalmente ao ar livre;
trabalho intermitente; contratação independente; trabalho freelance; estagiários e trabalhadores
autônomos.
Podemos incluir nessa categoria outras modalidades no campo ou cidade: trabalho em condições análogas
à escravidão, migrante, realizado por plataformas de aplicativos, os trabalhos em minas e carvoarias, os
trabalhadores informais em sua pluralidade, a produção doméstica de base familiar, pedintes,
carregadores, etc., a lista seria imensa. O trabalho precário sempre será reflexo da produção desigual do
espaço, da apropriação privada da riqueza, seja no campo ou na cidade, ele sempre esteve presente, é
parte da paisagem, é condição da produção de territórios, é expressão histórica da força de trabalho como
mercadoria. Já a precarização é uma modalidade da precariedade, um processo de diluição dos obstáculos
constituídos pela luta da classe trabalhadora à voracidade do capital no século XX, é então o processo que
envolve a conquista do estatuto de direitos do trabalho que passam a ser corroídos nas décadas
neoliberais em curso.
A informalidade é expressão do trabalho precário e pode ser definida como condição laboral desprotegida
de um amplo contingente de trabalhadores e trabalhadoras, é a manifestação mais comum da
precariedade estrutural recente e deve ser entendida/considerada em sua pluralidade de manifestações.
Para Antunes (2013) a informalidade envolve desde nos trabalhadores informais tradicionais inseridos
em atividades que requerem baixa qualificação, na busca da renda familiar ou individual, que podem ser
classificados menos instáveis (com o mínimo de conhecimento profissional e posse dos meios de trabalho)
e mais instáveis (recrutados temporariamente em trabalhos eventuais, de baixa qualificação e pelo uso da
força física) e ocasionais (que trabalham enquanto estão desempregados ou à espera de oportunidades de
retornar ao trabalho; trabalhadores informais assalariados sem registro que sobrevivem à margem da
legislação trabalhista como os trabalhadores em domicílio; trabalhadores informais por conta própria,
pela produção variante de produtores simples de mercadorias e serviços para sobrevivência.
A informalidade sempre foi um traço dos países periféricos, onde a superexploração do trabalho faz parte
da condição histórica de inserção na Divisão Internacional do Trabalho em distintas fases, envolve assim
os países que não perpassaram pelo chamado “Estado de Bem-Estar Social” (1945-1975), como: China,
Índia, África do Sul, México, Argentina, Paquistão, Bangladesh, Egito e o Brasil, além de inúmeros outros 113
países com contingentes menores de população trabalhadora não inscritas nas relações mais protegidas
de trabalho. Com a crise estrutural a informalidade deixa de ser restrita aos países mais periféricos e
alcança os países do centro capitalista, passa a ser um fenômeno mundial universal.
Nos espaços rurais e urbanos multiplicam-se as formas laborais que configuram uma contínua morfologia
do trabalho em transformação nos contornos da acumulação flexível, e que, de acordo com Antunes
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

(2020) é uma processualidade intrínseca à superexploração do trabalho a qual o Brasil atravessa com a
desertificação neoliberal, desde os anos 1990. Os exemplos não faltam: trabalhadoras/es do telemarketing
e todo um contingente de infoproletários que acompanha a indústria 4.0 na nova fase do capitalismo
mundializado, trabalhadoras/es domésticas que se deslocam diariamente das regiões periféricas de
centros urbanos, os boias-frias e trabalhadores da agroindústria que adquiriram propulsão com o peso do
agronegócio na reprodução das relações dependentes do capitalismo brasileiro, através da exportação de
commodities.
Oliveira (2020, p. 161) destaca que: “a Geografia se encontra exatamente nessa conjunção, entre a
capacidade produtiva das coisas existentes no mundo originada pelo trabalho humano; e no processo de
apropriação desigual deste mesmo mundo produzido socialmente”. Desse modo, as dinâmicas do trabalho
em sua condição social possibilitam a análise sobre o espaço (processo histórico de transformação da
primeira natureza em segunda natureza, nos pressupostos do materialismo histórico e dialético), em
destaque, sobre as múltiplas relações constituídas em um contexto contraditório de intensificação da
produtividade, incremento de trabalho morto na composição orgânica do capital e desemprego estrutural.
A mobilidade emerge aqui, enquanto “(...) condição de exercício da sua “liberdade” de se deixar sujeitar ao
capital, de se tornar a mercadoria cujo consumo criará o valor e assim produzirá o capital” (GAUDEMAR,
1977, p. 190). A consolidação do sistema capitalista, ao dissociar o servo das amarras do feudo, imprime
ao trabalhador a qualidade de ser móvel de acordo com a disponibilidade do mercado de trabalho. A
mobilidade deixa de ser uma exterioridade ao ser humano e transmuta-se em condição sui generis da
mercadoria força de trabalho.
Sabe-se que a formação territorial do Brasil teve como uma de suas bases o estabelecimento de uma
estrutura fundiária concentrada, que legitimou a propriedade privada através do aparato da Lei de Terras
de 1850. Desde então, a negação da terra e do trabalho a um contingente de milhões de ex-escravos no
final do século XIX passa a ser um dos pilares que assentou a constituição das relações capitalistas de
produção no Brasil. De modo que, pensar a configuração do mercado de trabalho brasileiro e a própria
acumulação capitalista a partir de 1930, perpassa compreender o papel central da manutenção das
condições de precariedade social no campo e do posterior mito da modernização agrícola na mobilização
de amplos contingentes de força de trabalho excedente (OLIVEIRA, 2011).
Na atualidade, os dados do último Censo Agropecuário, cujo ano de referência foi 2016, as pequenas
propriedades ocupam somente 2,3% das terras da agropecuária no Brasil, enquanto as médias e grandes
propriedades, caracterizadas como latifúndios, territorializam 47,6%. Ao mesmo tempo, o setor da
chamada agricultura familiar perdeu 2,2 milhões de postos de trabalho em comparação ao ano de 2006.
Portanto, parte-se da premissa de que pensar o mundo do trabalho no campo brasileiro, é entender não
somente os liames da precariedade laboral do/no agronegócio (exploração do trabalho em frigoríficos,
canaviais, milharais e propriedades de soja, além dos casos de trabalho análogo à escravidão), mas
também os vínculos entre desemprego estrutural, informalidade e subordinação das relações não
capitalistas de produção.
Embora a reestruturação produtiva seja hegemônica nas cidades, seu avanço no campo tem crescido e
redefinido igualmente a divisão social e territorial do trabalho. Por isso, a pesquisa objetivou analisar
como esses processos tem se apresentado no campo, nos povoados do município de Campo do Brito em
Sergipe, em que a vida dos trabalhadores e trabalhadores está sendo condicionada à dinâmica territorial
do trabalho capitalista. Para tanto, efetivamos leituras teóricas e empíricas tanto na Geografia como áreas
afins, Sociologia, Serviço Social, Filosofia e História, bem como aplicamos questionários e entrevistas nas
localidades e fizemos pesquisas no IBGE. Como fundamentação da presente análise valorizamos os relatos
entre trabalhadores e trabalhadoras que habitam povoados do município de Campo do Brito; o percurso
da pesquisa permitiu identificar distintas expressões da informalidade e mobilidade do trabalho.
Reiteramos ainda que a compreensão da totalidade permitiu inserir o método dialético como ponto de
partida da/na pesquisa à compreensão concreto em Campo do Brito como síntese de múltiplas
determinações e unidade do diverso, presente nas mediações e contradições das formas sociais-espaciais
encontradas, ou seja, a mobilidade e informalidade em suas precárias dimensões e, reveladas na pesquisa,
são socialmente determinadas, traduzem a dinâmica das relações de classe/produção/trabalho no país e
no mundo como parte totalidade. 114
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

2. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E DESDOBRAMENTOS NA PRODUÇÃO E TRABALHO NO CAMPO


BRASILEIRO
A mundialização do capital em sua fase mais recente, desde os anos 1970, impõe algumas diretrizes ao
trabalho, caracterizadas pela ampliação dos níveis de exploração da força física e psíquica. No Brasil, a
partir dos anos 1990, Alves (2009) aponta que o receituário neoliberal do Consenso de Washington,
encabeçado por Fernando Collor de Mello, é responsável pelas mudanças estruturais no mundo do
trabalho brasileiro que aprofundam a precariedade social existente no país. O incremento de trabalho
morto, através de capital fixo, em contraposição à diminuição de custos com capital variável relaciona-se
ao aumento das taxas médias de extração de mais-valor no Brasil, através do desmonte aos principais
mecanismos de negociação coletiva dos sindicatos e de proteção trabalhista, dos planos de demissão
voluntária e da privatização de empresas públicas para o capital privado mundializado.
Entender o suplício do trabalho na atualidade exige que considere a contradição capital versus trabalho no
contexto brasileiro, em destaque, como chegou-se a uma atualidade marcada, no campo e na cidade, pela
precarização estrutural e irreversível. As quedas nas taxas de acumulação a partir das contradições da
crise do capital, cujas expressões são materializadas no Brasil em fins dos anos 1970 e, principalmente, a
partir de 1980, prepara um contexto de transformações agudas no modelo produtivo que se consolida
com os princípios neoliberais. Na contratendência à suposta homogeneização de lugares, o capital acirra
contradições (in) visíveis responsáveis pela fragmentação e concentração. Do discurso regional-
desenvolvimentista que o Estado assume desde os planos e projetos da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), os pressupostos do capital financeiro trazidos pelo
neoliberalismo aos países da assim chamada periferia capitalista, chega-se ao lugar como realidade a ser
constituída como lócus de exploração do trabalho. O discurso de flexibilização acompanha o que se
denomina pelos defensores do livre mercado como descentralização: é o espaço da miséria gestado pelos
interesses dos proprietários dos meios de produção.
Alguns exemplos trazidos pela realidade podem contribuir nesse entendimento: em análise intitulada
“Quem tomou conta do campo brasileiro” organizada pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e
Pela Vida41, entende-se como a concentração de riqueza produzida pelo trabalho é captada por oligopólios
nacionais e transnacionais do setor agrícola, em destaque, na produção de carne, grãos e insumos –
agrotóxicos, máquinas, fertilizantes, etc. Ao final, chega-se à conclusão de que uma ínfima parte dos lucros
do agronegócio é destinada para a sociedade brasileira, um setor altamente modernizado, cuja força de
trabalho empregada é cada vez menor. Na sistematização da estrutura produtiva e de classes, a análise
destacou a presença do latifúndio que soma 180 milhões de hectares improdutivos no Brasil; o
agronegócio, intrínseco ao mercado externo de commodities; a agricultura familiar, com 5 milhões de
unidades produtivas, com menos de 100 hectares e que responsabiliza-se pela produção de cerca de 80%
da produção alimentar interna brasileira e, por fim, o chamado proletariado rural, com aproximadamente
4,5 milhões de trabalhadores assalariados, permanentes ou temporários, sujeitos a uma condição de
mobilidade do trabalho (SILVA, 2020).
Uma trabalhadora rural, cuja força de trabalho é empregada em uma casa de fabricação de farinha em
Campo do Brito, um dos municípios do estado de Sergipe com maior produção de mandioca, pode ajudar a
entender essa tendência geral à precariedade: neste caso, ela e outras centenas trabalham dia após dia, em
uma carga horária que varia das cinco horas da madrugada até cinco horas da tarde, sentadas em posição
que exige constantes esforços da coluna vertebral, repetem sem parar o movimento de raspar as raízes do
tubérculo. Por dia de trabalho, recebem rendimentos de cinquenta a setenta reais. Ao trabalho exaustivo
na casa de farinha soma-se o trabalho doméstico não-pago. A precarização e precariedade acompanham
tais formas exploratórias, combinada à situação do mundo do trabalho no campo, cuja concentração
fundiária, associada à desproteção trabalhista e à ausência de políticas públicas que focalizam a
problemática estrutural da pobreza e miséria, contribui para um cenário de suplício e desesperança.
Os exemplos do agronegócio e da casa de farinha (considerada uma agroindústria na perspectiva do
capital) estão inter-relacionados a um contexto particular do mundo do trabalho no Brasil, cujo quadro de
transformações pode ser demarcado após os anos 2000, através das políticas desenvolvimentistas dos
Governos Lula e Dilma, em que se amplia o contingente do proletariado brasileiro, com o fortalecimento
115
de setores da burguesia brasileira, em destaque, o agronegócio e a construção civil. Todavia, os impactos
da crise de 2008 e a insatisfação da burguesia apoiada pela classe média brasileira, diante da queda das

41 https://contraosagrotoxicos.org/quem-tomou-conta-do-campo-brasileiro/. Acesso em: 10 mai. 2021.


Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

taxas médias de lucro e a defesa de demissões, aumento do desemprego como possibilidade de diminuição
dos salários, etc. desvelam contradições dentro do modelo proposto no quadro das relações neoliberais:

Se os governos Lula e Dilma conseguiram aumentar o número de


trabalhadores/as empregados/as e formalizados/as, e assim reduzir os índices
de desemprego, não foram capazes, no entanto, de eliminar as condições de
vulnerabilidade presentes nos níveis de informalidade, terceirização e
precarização da força de trabalho no Brasil recente (ANTUNES, 2020, p. 126).
A partir de 2016, rompe-se com a base “neodesenvolvimentista do Estado”, que assume as diretrizes de
uma burguesia cada vez mais avessa diante de políticas sociais, legislações trabalhistas e que encabeça a
defesa de austeridades contra a classe trabalhadora, disseminadas como reformas. Trata-se do período em
que a história através de seus fatos se constitui até o momento. Inicia-se um processo acelerado de
desmonte de instâncias públicas, em que fazem parte: o Sistema Único de Saúde (SUS), universidades e
institutos federais, IBGE, INCRA, IBAMA, INPE, museus, acervos, sindicatos, etc. Tanto o Brasil, quanto
outros países que perpassam uma mudança estrutural em seus modelos produtivos em direção ao
ultraneoliberalismo, adentra o ano de 2020 com uma ampla parcela da força de trabalho na informalidade,
com altas taxas de desemprego e sistemas públicos de saúde e educação desestruturados.
No século XXI, de acordo com Alves (2021) vive-se no Brasil a materialização da catástrofe neoliberal.
Entre 2016 e 2021, o estado de exceção em curso foi responsável por transformações profundas e
disruptivas no mundo do trabalho brasileiro. Com Michel Temer e, mais recentemente, Jair Bolsonaro,
aprofunda-se uma nova fase do neoliberalismo iniciado no Brasil dos anos 1990, numa configuração
pautada no aumento da exploração da força de trabalho. Todo um plano de desmonte social como forma
de renovar as taxas de lucro do capitalismo brasileiro concretiza-se a partir da institucionalização da
precariedade social, cujo marco encontra-se na Reforma Trabalhista de 2017, e a posterior aprovação da
Reforma da Previdência, em 2019, quando se selam os interesses da burguesia nacional e internacional,
com a classe trabalhadora confrontada diante de seus algozes. Na desmedida do capital está a face da
destruição do trabalho vivo e do substrato da vida composto pelos recursos naturais: a terra.
As profundas mudanças no mundo do trabalho, engendradas no quadro da crise estrutural do capital,
impuseram novas formas de relacionamento entre o capital e o trabalho. A reestruturação produtiva do
capital emerge com o propósito de redefinir, subordinar e ajustar o trabalho vivo em suas múltiplas
expressões a um nível intensificado de subordinação e exploração, como caminho de atenuação da queda
tendencial da taxa de lucro.
Afirma Alves (2012) que as variadas inovações (organizacionais, tecnológicas, sócio metabólicas,
econômicas, político-administrativas e culturais) que emergem a partir dessa organização social do
trabalho projeta-se enquanto caráter universal, mesclando-se com outros modelos de produção; e,
adaptando-se territorialmente, a depender de cada condição nacional, regional, local/setorial. No campo
brasileiro, o contexto de superexploração laboral e intensificação da mobilidade é processualidade
intrínseca às determinações da reestruturação produtiva do capital; entendidas, sob a ótica geográfica
(OLIVEIRA, 2016), como territorialização (expropriação da terra e assalariamento da força de trabalho
rural) e monopolização (por meio dos mecanismos de subordinação do trabalho camponês na imposição
do que produzir).
O exercício de entender o cenário de profunda precariedade social no campo significa explicitar as bases
de um processo de modernização ao longo da segunda metade do século XX aos chamados países
periféricos, como parte da propagação do mito do desenvolvimento capitalista como solução de
erradicação da condição subdesenvolvida. Na perspectiva de Oliveira (2007), a agricultura dita arcaica é
inserida nesse projeto como possibilidade de ser superada através da introdução de tecnologias na
produção. O mito da modernização, portanto, caracterizou-se no período que engloba o golpe civil-militar
de 1964, em destaque o chamado “milagre econômico”, entre 1969 e 1974, pela disseminação de pacotes
tecnológicos de insumos, maquinário, fertilizantes, técnicas e venenos, com a expansão dos complexos
agroindustriais e da fronteira agrícola em direção ao Centro-Oeste e ao Nordeste, por meio dos I e II
116
Planos Nacionais de Desenvolvimento (OLIVEIRA, 2007).
A leitura acima fundamenta a compreensão sobre a produção do espaço brasileiro atual, pois a
modernização agrícola enquanto parte da disseminação dos pressupostos da Revolução Verde significou a
intensa e efetiva consolidação de um padrão acumulativo urbano, sustentado pela expropriação de
milhões de trabalhadores do campo. Gestam-se dinâmicas populacionais da mobilidade do trabalho
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

campo-cidade que formam um amplo contingente da superpopulação relativa latente. Para Francisco de
Oliveira (2011), a não contestação da concentração fundiária somada à ausência de uma efetiva legislação
social estendida ao campo, desde os anos 1930, com a manutenção de baixíssimos padrões de custo da
força de trabalho e do nível de vida no campo foram fundamentais para o desenvolvimento industrial
brasileiro.
Ao mesmo tempo, na forma de acumulação gestada pelo capitalismo no Brasil, além da simbiose moderno-
arcaica característica da expropriação do campo, situa-se uma ampla gama de ocupações disseminada
como “inchaço dos serviços”:

Os serviços realizados à base de pura força de trabalho, que é remunerada a


níveis baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades
econômicas de corte capitalista, uma fração do seu valor, “mais-valia” em
síntese. Não é estranha a simbiose entre a “moderna” agricultura de frutas,
hortaliças e outros produtos de granja com o comércio ambulante? (OLIVEIRA,
2011, p. 57).

Desse modo, para fundamentar o conceito de informalidade no Brasil, a partir de um contexto Neoliberal
de flexibilização do mundo do trabalho, há que se considerar as bases da precariedade social do processo
de desenvolvimento capitalista no país, no qual, os trabalhadores do campo possuem papel central. As
discussões conceituais sobre a informalidade são amplas e compreendem uma dimensão heterogênea de
estudos em distintos campos de análise. Ao mesmo tempo, não é pretensão do presente artigo esgotar esse
debate, ou mesmo, apresentar todas as suas diferenciações de cunho teórico.
Nas contribuições traçadas por Antunes (2020, p. 123) acerca da nova morfologia do trabalho, argumenta-
se: “Se a informalidade (que ocorre quando o contrato empregatício não obedece à legislação social
protetora do trabalho) não é sinônimo direto de precariedade, sua vigência expressa formas de trabalho
desprovidas de direitos e, por isso, encontra clara similitude com a precarização”.
Na definição de quem seja a classe trabalhadora na atualidade, o supracitado autor a insere como um
contingente amplo, heterogêneo, fragmentado e complexo; ou seja, o proletariado no século XXI é formado
por aqueles que vendem sua força de trabalho em troca de um salário, seja no campo ou na cidade, mas
também por amplas parcelas dos precarizados – dos serviços, part-time, terceirizados, temporários e
subempregados (ANTUNES, 2020).
De acordo com Tavares (2002, p. 5): “o novo milênio inaugura a era do trabalho informal”. Contudo, deve-
se atentar e fazer a devida crítica para com algumas leituras que consideram a informalidade sinônimo de
autonomia e emancipação do trabalhador, podendo até chegar ao status de capitalistas (TAVARES, 2002).
Tal visão acrítica traz consigo a ilusão de que o trabalhador adquire independência, simplesmente porque
não sai de casa e não sofre uma vigilância no trabalho. Na verdade, o suposto ‘trabalho independente’ é
executado segundo uma obrigação por resultados, portanto, sob rigoroso controle e sob maior exploração.
Seja qual for a organização do trabalho nesta ordem, permanece inalterada a lei do valor (MARX, 2017;
MÉSZÁROS, 2011). Não erramos em afirmar que a informalidade tem sido excelente fonte de extração e
realização de mais valia, pois faz parte da dinâmica capitalista de desvalorizar o trabalho distanciando-se
dos custos de proteção ao trabalho, por isso mesmo, ela transborda em todas as escalas geográficas locais,
nacionais, mundiais, sob o falso discurso da independência, empreendedorismo e autoemprego.

3. INFORMALIDADE E MOBILIDADE DO TRABALHO: A PRECARIEDADE NA PERMANÊNCIA DOS


TRABALHADORES E TRABALHADORAS EM CAMPO DO BRITO, SERGIPE
A expansão da informalidade é funcional ao sistema. ‘Os fios invisíveis’ podem ser observados quando se
ultrapassa o discurso falseado de autonomia. Deve-se observar que o trabalho informal não comporta
apenas ocupações excluídas do trabalho coletivo, e menos ainda, que se restringe às atividades de estrita
117
sobrevivência. Toda relação entre capital e trabalho na qual a compra da força de trabalho é dissimulada
por mecanismos que descaracterizam a condição formal de assalariamento, dando a impressão de uma
relação de compra e venda de mercadorias, configura-se um trabalho informal (OLIVEIRA; TARGINO,
2011).
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

Nesse sentido, chega-se à análise sobre os trabalhadores e trabalhadoras que permanecem em seus modos
de vida atrelados ao campo (a partir do trato com a terra), mas que, contraditoriamente, estão
subordinados à mobilidade que se expressa na informalidade. Todavia, para entender os nexos entre a
precarização e as relações não capitalistas de produção, é preciso compreender como está configurado o
campo sergipano.
A estrutura fundiária em Sergipe é caracterizada pela presença de alguns dos principais monocultivos
brasileiros: milho, cana-de-açúcar e laranja; bem como, cultivos característicos de pequenas propriedades
camponesas: mandioca e feijão. O mapa abaixo (Figura 01) oferece um panorama sobre as maiores
produções agrícolas, em toneladas, em cada município sergipano, de acordo com os dados do Censo
Agropecuário 2017:

Figura 01 – Sergipe: maiores produções agrícolas em toneladas por município,

Censo Agropecuário 2017


Fonte: Dados do Censo Agro 2017, IBGE. Organização: Bruno Andrade Ribeiro.

É preciso ressaltar que, apesar de alguns municípios estarem associados à determinada produção, não
significa que a estrutura fundiária está reduzida a esta, a exemplo dos municípios de Itabaiana, Campo do
Brito e Macambira, em que se documenta como maior produção a do milho forrageiro. Nestes municípios,
presencia-se uma estrutura fundiária caracterizada por minifúndios de policultura – Itabaiana com a
produção hortifrúti; Campo do Brito e Macambira, com produções de mandioca.
A alta produtividade do milho forrageiro, tanto no Alto Sertão Sergipano, quanto no Agreste encontra
respaldo nos processos de reordenamentos territoriais do campo, que desde os anos 1980 e, 118
principalmente, 1990, aprofunda a concentração fundiária em Sergipe, através da tendência de expansão
das áreas de pastagens e de plantios de commodities, em destaque, o milho. De acordo com Conceição
(2007), o Estado acompanha as transformações ocorridas no campo brasileiro, em um contexto de
Neoliberalismo, marcado pelo surgimento de políticas públicas de desenvolvimento rural, que disseminam
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

o modelo do camponês como um empreendedor rural, devendo inserir-se no mercado de insumos e


tecnologias:

O discurso da modernização do campo, ao tempo que reforça o processo da


monopolização e da territorialização do capital, acentua a expulsão dos
camponeses da unidade de produção familiar, à medida que permite o processo
de subsunção do trabalho ao capital. Desprovidos de possibilidades da terra
como condição de vida, o Estado, pela coação, impõe um discurso velado da
submissão ao capital à medida que favorece a crescente mobilidade do trabalho
(CONCEIÇÃO, 2007, p. 79).

Nas regiões de permanência camponesa, em que se mantêm relações não capitalistas de produção, a
exemplo dos minifúndios de mandiocultura, visitados para a consecução da pesquisa, a subordinação da
produção, com a queda dos preços médios da farinha de mandioca, de acordo com as demandas
estabelecidas pelo mercado, é responsável pela diminuição da renda camponesa.
Para trabalhadoras como a senhora G. A., a farinha não consegue mais oferecer renda para o trabalhador
do campo, sendo que, o que a mantém enquanto atividade agrícola é a raspa, destinada para o consumo
bovino. A casa de farinha, a malhada (minifúndio) e o curral de gado configuram-se em formas espaciais
integradas nos povoados Gameleira, Cercado, Terra Vermelha, Tabua e Pilambe, em Campo do Brito
(Figura 02).

Figura 02 – Campo do Brito: trabalhador rural em uma malhada de mandioca, 2016

Autoria: Ribeiro, 2016

O gado agrega renda ao total adquirido pelo trabalhador na produção de farinha de mandioca, enquanto a 119
malhada (porção de terra de poucas tarefas) mantém-se como substrato de permanência geracional e
possibilidade de concretização da aposentadoria rural. Além de ser destinada para o plantio de milho,
amendoim e feijão, intrínsecos ao consumo na unidade familiar:
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

A terra constitui seu principal objeto de trabalho, garantia da sua vida, tem
valor de uso juntamente com o próprio trabalho, compreendem uma unidade
natureza-homem representada pelo indissociável amor, apego à terra e no
trabalho pelo prazer da atividade com sua família (OLIVEIRA, 2013, p. 22).
Todavia, diante da perda de rendimento na produção, ao lado dos relatos de falta de perspectivas de
trabalho no campo, os trabalhadores recorrem a outras ocupações, seja no próprio campo ou na cidade,
como ambulantes, trabalhadores informais em feiras e comércios locais.
O trabalhador E. S., por exemplo, se apresenta enquanto empacotador em supermercado, habitando o
campo, mas deslocando-se diariamente para o trabalho na cidade; antes disso, ele firma que a única
oportunidade estava no trabalho sucroalcooleiro nas usinas paulistas, em curtos períodos do ano,
retornando para o Nordeste quando dispensado. A sua condição laboral é marcada até o momento por
jornadas extenuantes, salários baixos, pouco ou nenhum acesso aos direitos trabalhistas.
Ao lado deste exemplo, encontram-se inúmeros outros trabalhadores que se deslocam do campo
diariamente para as áreas urbanas; são os chamados pendulares, que habitam o campo nos horários de
descanso e fins-de-semana, e trabalham nas cidades, em ocupações informalizadas e precárias; são os
feirantes, os que fazem jogos de sorte/azar, mototáxis, vendedores ambulantes, os jovens que trabalham
em supermercados, lojas de roupas e serviços em geral, redes de fast-food, cabelereiros, manicures e uma
ampla e heterogênea classe-que-vive-do-trabalho (THOMAZ JUNIOR, 2004).
A trabalhadora G.A., por exemplo, planta, colhe e raspa a mandioca; mas também em dias de quartas-
feiras, sábados e domingos comercializa frangos abatidos, em sua própria residência e na feira municipal
do município limítrofe de São Domingos, configurando-se na principal fonte de renda. Aponta-se para uma
tendência à generalização da informalidade: trabalho por conta própria, bicos, subcontratação,
terceirização. A mobilidade do trabalho expressa-se nos deslocamentos pendulares, reconfigurando a
relação dialética campo-cidade; concomitante ao gradual desaparecimento de práticas de manejo do solo,
saberes sobre a lavoura e modos de ser e (re) produzir o campo e o camponês.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a partir
da PNAD 2013, existiam 77.365 empregados no espaço agrário sergipano, sendo 7.233 em condições
formais (carteira de trabalho assinada) e 70.132 em condições informais, ou de ‘anormais’ (carteira não
assinada). O camponês, desterritorializado pela automação das forças produtivas, pelo uso de métodos de
manejo do solo a partir de venenos e pela difusão do discurso de modernização do espaço agrário, é
subordinado a uma condição de mobilidade do trabalho e à superfluidade laboral. Enquanto sujeitos
supérfluos, territorializam-se em espaços urbanos ou no próprio campo, não somente em atividades
agropecuárias, e sim, como informais, enquadrando-se em um amplo e heterogêneo contingente de
trabalhadores: mototáxis, atendentes em lojas, terceirizados em fábricas locais e usineiros. As baixas
escolaridade e remuneração também são elementos considerados ao analisarmos a informalidade no
campo, pois, em 2013, os 2.383.473 milhões de empregados rurais sem carteira assinada recebiam em
média R$ 579,20; muito abaixo dos R$ 1.120,79 recebidos pelos 1.612.917 milhões de empregados rurais
com carteira assinada (DIEESE, 2013):

Trata-se de grande retrocesso nas condições de trabalho, alcançadas em


décadas de lutas dos trabalhadores, que apenas com a Constituição de 1988
tiveram seus direitos equiparados ao do trabalhador urbano e que, antes disso,
contaram com o Estatuto do Trabalhador Rural, de 1963, conquistado após os
conflitos agrários dos anos 50 (BUZATO; PINTO, 2017, p.1).

No âmbito dos trabalhadores rurais sem carteira assinada, 276.462 estão ligados aos serviços, o que pode
incluir bicos, pequenos favores, a exemplo de faxineiros, mototáxis, bicheiros, auxiliares em geral,
vendedores ambulantes, etc. Um núcleo amplo e heterogêneo de trabalhadores e trabalhadoras, que para
sobreviverem, materializam deslocamentos interurbanos, entrecampos e campo-cidade.
120
As formas atuais de valorização do valor trazem embutidos novos modos de geração da mais-valia (em sua
forma absoluta). Desse modo, o trabalho torna-se sobrante, descartável, expandindo o número de
desempregados, deprimindo a remuneração da força de trabalho, retraindo o valor necessário à
sobrevivência dos trabalhadores e trabalhadoras (THOMAZ JUNIOR, 2004). No campo, onde persistem
algumas formas não-capitalistas de produção, a terra é a garantia de sobrevivência, tendo um valor de uso
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

atribuído ao próprio trabalho (OLIVEIRA, 2013); contudo, no contexto da reestruturação produtiva do


capital, o que se assiste é um processo de precariedade e precarização do trabalho em todos os âmbitos,
econômico, físico, mental, emocional, etc. (DAL ROSSO, 2008; TAVARES, 2004; THOMAZ JUNIOR, 2004).
O modelo de acumulação flexível implica em utilização de técnicas cada vez mais inovadores de produção
para o encurtamento do ciclo do capital, com a modernização e aquisição de novos equipamentos. As
visitas às comunidades e os relatos prévios possibilitaram visualizar e compreender que há um processo
de alteração tecnológica em curso: a enxada é substituída pelas tecnologias e venenos. Diminuem-se as
chances de trabalho camponês, seja na lavoura temporária ou permanente e a informalidade torna-se um
horizonte de busca de reprodução social sob o signo da precariedade do trabalho e também da vida.
No quadro abaixo (Quadro 01) encontra-se a sistematização dos relatos dos trabalhadores e trabalhadoras
entrevistados para a pesquisa:

Quadro 01 – Sistematização das ocupações dos trabalhadores e trabalhadoras entrevistados no município


de Campo do Brito. SE.
Trabalhador/Localidade de residência Atividade desempenhada
Faxineira em espaço de eventos na área urbana do
1. Trabalhador D – Povoado Gameleira, Campo do Brito
município de Itabaiana
Faxineira em casa na área urbana do município de
2. Trabalhador E – Povoado Gameleira, Campo do Brito
Itabaiana
Servente na empresa BTorneira, área urbana do
3. Trabalhador F – Povoado Pilambe, Campo do Brito
município de Itabaiana
Auxiliar em creche em escola municipal do Povoado
4. Trabalhador G – Povoado Pilambe, Campo do Brito
Gameleira
5. Trabalhador H – Povoado Gameleira, Campo do Brito Oficineiro no próprio povoado
6. Trabalhador I – Povoado Pilambe, Campo do Brito Auxiliar de pedreiro em várias localidades
7. Trabalhador J – Povoado Gameleira, Campo do Brito Proprietário de mercearia no próprio povoado
Feirante na área urbana do município de São Domingos
8. Trabalhador L – Povoado Gameleira, Campo do Brito
e vendedora de frangos abatidos na própria residência
Merendeira em escola municipal na área urbana de
9. Trabalhador M- Povoado Gameleira, Campo do Brito
Campo do Brito e no Povoado Pilambe
Organização: Bruno Andrade Ribeiro, 2017.
A análise da base de dados do extinto Ministério do Trabalho e Emprego (Quadro 02) indica que no
Agreste Central Sergipano, em janeiro de 2017, contabilizavam-se 539 empregos formais em atividades
ligadas à agropecuária, extração vegetal, caça e pesca.

Quadro 02 – Agreste Central Sergipano: Dados sobre trabalho na Agropecuária, Extração Vegetal, Caça e
Pesca, MTE, 2017
Empregos
Município Admissões Desligamentos Formais (1º
jan. 2017)
Areia Branca 300 325 130
Campo do Brito 351 385 80
Macambira 67 69 31
Moita Bonita 20 24 8
Malhador 34 33 15
Itabaiana 845 858 258
São Domingos 36 17 17
121
Fonte: MTE, 2017. Organização: Bruno Andrade Ribeiro

A definição de emprego formal, nos pressupostos da Economia Política, refere-se ao registro na Carteira
Profissional. Todas as ocupações que não se agrupam nesse quesito são inseridas na condição de emprego
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informal (RIBEIRO, 2020). Valendo-se dessa compreensão, ciente das limitações dos dados diante da
complexidade das definições de informalidade em um contexto de aprofundamento do desemprego
estrutural, no campo e na cidade, pode-se entender a partir de uma aproximação sobre a realidade:
A informalidade no campo expressa-se tanto nas suas formas precárias de assalariamento do trabalhador
rural, como nos exemplos de boias-frias, caseiros em sítios e chácaras, curtumes e indústrias que se
instalam em imediações dos povoados, como estratégia de contratação de força de trabalho de baixo
custo; quanto em ocupações precarizadas, ditas temporárias e vinculadas ao “inchaço dos serviços”
(OLIVEIRA, 2011);
Sobre estas últimas, pode-se entender, a partir dos relatos e observações de campo, uma simbiose entre a
permanência na terra, reduzida a pequenas tarefas geracionais e imprescindíveis para a moradia e a
futura aposentadoria rural, e a busca de ocupações no próprio povoado ou em centros urbanos, diante de
um contexto de desemprego (falta de oportunidades, nas palavras dos trabalhadores):

Sem a terra suficiente e com a produção subordinada aos mecanismos de


extração de lucro, atrelada à disseminação do discurso de um campo que
necessita ‘modernizar-se’, contraposto ao modo de vida camponês e sem
modificar a estrutura fundiária concentrada e a pobreza crônica, expande-se
uma polissemia de formas instáveis de trabalho no campo (RIBEIRO, 2020, p.
162).

Por fim, na contradição entre a falta de oportunidades e a necessidade de permanecer no campo (diante
dos altos custos de residir na cidade), esses trabalhadores e trabalhadoras são subordinados a uma
intensa mobilidade do trabalho para perpetuar-se no circuito de vendabilidade, diante de uma
superpopulação relativa expansiva.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das discussões sobre a relação entre a subordinação de relações não-capitalistas de produção,
permanência no campo e reprodução social a partir da generalização da informalidade, constata-se a
importância de entender esse conceito a informalidade à luz das novas formas de obtenção de mais-
valor/mais-valia, articulada à produção capitalista. Desse modo, a tendência é que, cada vez mais, o
trabalho formal estável torne-se uma exceção diante do trabalho precarizado, parcial, temporário,
informal, funcional à elevação nas taxas de exploração do trabalho, pois os custos de produção são
transferidos para os trabalhadores. Nessa Diretamente intrínseca à informalidade, a condição móvel deve
se fazer contínua, materializada nos deslocamentos pendulares, reconfigurando a relação campo-cidade;
concomitante ao gradual desaparecimento de práticas de manejo do solo, saberes sobre a lavoura e modos
de ser e (re) produzir o campo e o camponês.
A face contemporânea capitalista no campo é a reprodução de uma simbiose arcaico- moderno inscrita no
processo de acumulação capitalista no Brasil e que possibilitou o desenvolvimento industrial, com a
manutenção da precariedade social no campo e a formação de um amplo contingente de superpopulação
relativa. Portanto, reafirma-se o papel em compreender as transformações do mundo do trabalho recente
como parte dos reordenamentos espaciais de um contexto de crise, e que no Brasil, deve considerar as
particularidades de sua formação territorial e no estabelecimento das relações capitalistas de produção (e
de um mercado de trabalho). Na permanência e na mobilidade, a subsunção ao capital é o mecanismo de
propulsão produção na simbiose campo-cidade, que garante a extração de mais-valia em novos formatos.
Suas expressões estão inscritas no espaço: os assalariados rurais em atividades sucroalcooleiras, os/as
catadores/as de resíduos recicláveis, os/as comerciantes informais, os/as trabalhadores/as das
carvoarias, em fábricas terceirizadas, os/as camelôs, os/as que fazem bicos, os/as ambulantes, etc. Nos
ombros dos trabalhadores e trabalhadoras incidem todos os riscos, se sujeitam ao movimento do trabalho
precário como mercadorias móveis, descartáveis, mas inscritas no sociometabolismo da barbárie do 122
capital.
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

REFERÊNCIAS

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[20] As Mulheres no Âmago da Precariedade do Mundo do Trabalho. Revista Geografia em Atos (GeoAtos online),
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[22] RIBEIRO, Bruno Andrade. A condição camponesa sob o espectro da informalidade. Dissertação de mestrado
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[24] TAVARES, Maria Augusta. Os fios (in) visíveis da produçao capitalista: informalidade e precarizaçao. Sao
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[25] THOMAZ JUNIOR, Antônio. A Geografia do mundo do trabalho na viragem do século XXI. Revista GeoSul,
Florianópolis, v. 19, n. 37, p 7-26, jan. /jun. 2004.
AUTORES
ANDERSON LINCOLN VITAL DA SILVA (ORGANIZADOR)
Advogado. Doutorando em Educação pela ULBRA. Mestre em Ciências do Ambiente e
Sustentabilidade na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas. Graduado em Direito pelo
Centro Universitário Luterano de Manaus e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal
do Amazonas. Especialista em Direito Tributário pela Faculdade Metropolitana de Manaus -
FAMETRO. Professor da Universidade Federal do Amazonas – UFAM

ADA MÔNICA SANTOS BRITO


Mestranda em Educação- Universidade Internacional – Assunção/ Paraguai- 2020. Pós-graduada em
Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação-UNEB / 1998. Graduada em Licenciatura
em Filosofia – UFBA/ 1987. Graduada em Pedagogia-UNEB/ 2021. Professora de Filosofia no
Departamento de Educação CAMPUS VIII- Universidade do Estado da Bahia/UNEB período 1989 aos
dias atuais. Membro do grupo de pesquisa UBUTUN – Educação Contextualizada Aplicada á
Produção de Material Didático – CAMPUS VIII/UNEB e FORPEC- Grupo de Pesquisa em Formação de
Professores, Educação e Contemporaneidade- CAMPUS VIII?UNEB.

ANTONIO THOMAZ JUNIOR


Professor Titular em Geografia do Trabalho. Pesquisador PQ-1/CNPq. Graduado em Geografia pelo
IGCE/UNESP/Rio Claro, em 1982. Mestre em Geografia (1989) e Doutor em Geografia Humana
AUTORES

(1996) pela FFLCH/USP. Livre Docente em Geografia do Trabalho (julho/2009) e Titular em


Geografia do Trabalho (2017), junto ao Departamento de Geografia/FCT/UNESP/Presidente
Prudente. Fundador e Coordenador do Grupo de Pesquisa Centro de Estudos de Geografia do
Trabalho (CEGeT) e do Centro de Estudos do Trabalho, Ambiente e Saúde (CETAS).

BRUNO ANDRADE RIBEIRO


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe
(PPGEO//UFS). Mestre em Geografia (2020), com a Dissertação intitulada “A condição camponesa
sob o espectro da informalidade”. Graduado em Geografia - Licenciatura Plena (2017), na
Universidade Federal de Sergipe. É membro pesquisador do Grupo de Pesquisa Relação Sociedade
Natureza e Produção do Espaço Geográfico - PROGEO e do Laboratório de Estudos Territoriais –
LATER, nas seguintes linhas de pesquisa: Geografia Agrária; Geografia e Trabalho; Teoria e Método.

CLEONILDA SABAINI THOMAZINI DALLAGO


Bacharela em Serviço Social pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste (1998);
Mestre em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina – UEL (2006);
Doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP (2014).
Docente do curso de graduação em Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social
(PPGSS) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste – campus de Toledo/PR, Brasil.

DIONÉIA EDLYNG MACIEL


Bacharela em Serviço Social, pela Faculdade Guairacá (2012). Especialista nas áreas de: Gestão
social, políticas públicas, redes de defesa de direito; Gestão Pública com ênfase no Sistema Único de
Assistência Social - SUAS; e Famílias e Práticas Profissionais. Mestre em Serviço Social, pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste (2020). Assistente Social na Prefeitura
Municipal de Pinhão-PR.

EDISON HÜTTNER
Pós-doutor em História pela PUCRS. Tema: A Arte Sacra Jesuítico-Guarani (séc. XVII-XVIII) no Rio
Grande do Sul: itinerários e descobertas. Doutorado em Teologia pela Pontifícia Universidade
Gregoriana - Itália (2003). Possui graduação (licenciatura e bacharelado) e mestrado em Teologia
pela PUCRS (1995/2000). Atua como Professor Adjunto (DE) no Departamento de História, ligado
aos Programas de Pós-Graduação em História e em Teologia (PUCRS) orientando mestrandos,
doutorandos e estágios pós doutoral. Coordenador do Núcleo de Estudos em Cultura Afro-brasileira
e Indígena. Idealizou e coordenou o Iº Fórum Internacional Povos Indígenas: Terra Um Lugar para
viver. Primeiro na América (2005-PUCRS); realizou expedições multidisciplinares de pesquisa
interdisciplinar e atuação na área de saúde indígena com as etnias indígenas: Arara e Gaviões em Ji-
Paraná RO; Apurinã e Jamamadi naBoca do Acre (AM), com 7 tribos do Alto Xingu, Posto Leonardo
Vilas Boas (MT); com várias etnias na Casa da Saúde Indígena em Manaus (AM); com guaranis e
caingangues (RS). Atuação em telemedicina reconhecido pela Organização Mundial de Saúde;
organizou e publicou importante obra em parceria com a Fundação Darcy Riberio e karioca Média:
(Séculos Indígenas no Brasil: Catálogos de Imagens?. EDIPUCRS, 2010/ 2ª Edição 2010 (considerado
como o étnico brasileiro pelo Jornal Correio do Povo). Atuou como co-coordenador no Fórum de
Atualização sobre Cultura Indígenas (Módulo I, II e III- Brasília 2009, 10, 11). Coordenador da
Exposição Séculos Indígenas em 2005 (Porto Alegre), co-coordenador em Brasília (2011). Idealizou
e construiu junto com os índios Kocama (Alto Solimões) - o Centro Cultural Kocama, na aldeia de
Sapotal (Tabatinga - 2001-2006). Curador da obra do escritor Mario Arnaud Sampaio desde 2005.
Idealizou a Serie Sampaio, pela Editora Martins Livreiro (2019). Coordenador do Projeto de Arte
Sacra Jesuítico-Guarani e Luso-brasileira: descobriu mais de uma dezena de peças sacras de 300
anos.

EDIVANIRA VIDAL MEDEIROS


Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio, Licenciada em Educação Física pelo IFRR,
AUTORES

Bacharel em Educação Física pelo Centro Universitario Claretiano, Especialista em Ergonomia, em


Direito do Trabalho, em Psicopedagogia e em Gestão: Orientação e Supervisão Escolar

EDUARDO LEMOS BARBOSA


Formado pela PUC/RS, Especialização em Direito de Família pela PUC/RS, Mestre pela UNISC/RS,
Conselheiro Estadual da OAB/RS, Diretor da Escola da OABR/RS, Autor de livros e artigos jurídicos,
Professor em mini cursos e palestrante. Advogado especializado em Responsabilidade Civil e Direito
de Família

FABRÍCIO DE SOUZA FORTUNATO


Professor do Curso de Moda da Universidade Estadual de Maringá no Campus Regional de Cianorte.
Responsável pelas disciplinas de Fundamentos do Design aplicados a Moda, Metodologia de Projeto
de Produto, Pesquisa e Consumo de Moda e Desenvolvimento de Produto de Moda. Conhecimento
nas linhas de Pesquisa de Moda, Desenho de Moda, Desenvolvimento de Produto, Prospecção de
tendências, Consumo e comportamento. Graduado em Moda pela UNICESUMAR (2002) e
Especialista em Marketing de Moda pela UNIPAR (2007). Possui experiencia na industria de
vestuário em Pesquisa, Planejamento e Desenvolvimento de Coleção. Atua como Personal Stylist no
mercado de Consultoria de Moda e Imagem.

FREDI DOS SANTOS BENTO


Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) da Faculdade de Ciências e
Tecnologia (FCT), Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Membro do
Grupo de Pesquisa Centro de Estudos de Geografi a do Trabalho (CEGeT) e Centro de Estudos do
Trabalho, Ambiente e Saúde (Cetas). Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co
e Tecnológico (CNPq).

GUILHERME HENRIQUE BRITO DOS SANTOS


Graduando curso de Direito Universidade Tiradentes – UNIT ( em conclusão de curso). EVENTOS DE
EXTENSÃO: XVIII Congresso de Direito- CONADI – UNIT-SE, 2019, Estágio na Procuradoria Geral do
Municipal em Paulo Afonso/BA – 2016, 7 ª Jornada Jurídica da Faculdade Sete de Setembro-FASET
– Paulo Afonso-BA, 2016, VI Congresso Interdisciplinar da Faculdade Sete de Setembro- FASET-
Paulo Afonso-BA, 2015, Congresso Direitos Humanos: Desafios e perspectivas contemporâneas-
UNIT, Aracaju SE. 2018.

HUGO BUENO BADARÓ


Agente Local de Inovação (ALI) pelo Sebrae no Programa Brasil Mais em parceria com o CNPq,
graduado em Produção Publicitária, técnico em Administração, estudante das especializações
Administração Financeira e MBA em Gestão Empresarial, diversas horas em cursos na área e áreas
afins. Experiências nas áreas de comunicação aplicada e geral, através de trabalhos voluntárias tanto
na cidade de Manaus, como também nos interiores e comunidades ribeirinhas, atuando como gestor,
locutor, cinegrafista, designer, social média e comunicação em geral. Amante da vida, das pessoas,
da comunicação e de todas suas ramificações.

IVAN TARGINO MOREIRA


Doutor em Economia. Professor Titular da Universidade Federal da Paraíba. Concentra e orienta
pesquisas nas áreas de Economia e Geografia Agrária.

LAIS GRANADO BITENCOURT


Acadêmica do curso de bacharel em MODA pela Universidade Estadual de Maringa campus regional
AUTORES

de Cianorte Bolsista da fundação Araucária com o PIBIC "A trajetória da indumentaria e da moda
feminista oitocentista a partir das ideias da mulher intelectual Nísia Floresta"

MARCIA REGINA PAIVA DE BRITO


Mestre em Gestão da Informação pela Universidade Estadual de Londrina (2011) e bacharel em
Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina (2000). Bibliotecária chefe do setor de
Processamento técnico (PTE) da Biblioteca Central (BCE) na Universidade Estadual de Maringá.
Participante do Projeto de Extensão Tecidoteca (desde 2009). Tem experiência na área de Ciência
da Informação, com ênfase em Gerência de Unidades de Informação, atuando principalmente nos
seguintes temas: educação, gestão da informação, conhecimento organizacional, tecnologia da
informação e comunicação e gestão do conhecimento.

MARIA LÚCIA TINOCO PACHECO


Licenciada em Letras Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Amazonas; Mestra e Doutora
em Sociedade e Cultura da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas, na área de Linguagem
e Representações; Especialista em Língua Portuguesa e Orientação Educacional; Licenciada em
Letras pela Universidade Federal do Amazonas; Professora do Programa de Pós-Graduação em
Ensino Tecnológico – PPGET/IFAM, e do Departamento Acadêmico de Educação Básica e Formação
de Professores – DAEF no Campus Manaus Centro; Membro do Núcleo de Atendimento a Pessoas
com Necessidades Educacionais Específicas-IFAM/CMC. Revisora, conteudista e produtora de
material na área de Língua Portuguesa, Literatura e Diversidade. É ensaísta e crítica literária;
investiga mito e literatura, e a diversidade na perspectiva dos Estudos Culturais, desenvolvendo
trabalhos sobre gênero, sexualidade, EJA, imigração, Educação Especial e Inclusão. Integra o Grupo
de Pesquisa GEPROFET.

PRISCILA RAMOS DE MORAES REGO AGNELLO


Professora de Direito do Instituto Federal de Brasília. Mestra em Direito e Políticas Públicas pelo
Centro Universitário de Brasília- Uniceub. Autora de diversos artigos sobre direitos das mulheres e
sistema de justiça.
REGINÂMIO BONIFÁCIO DE LIMA
Doutorando em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Doutor livre em
Teologia pela Fatebeom (2005). Possui Graduação em História pela Universidade Federal do Acre
(2001); Graduação em Teologia pela Faculdade de Teologia de Boa Vista (2005); Especialização em
Cultura, Natureza e Movimentos Sociais na Amazônia (2007); Especialização em Ciências da Religião
(2011); Mestrado Livre em Teologia pela Faculdade de Teologia e Ciências Humanas da América
Latina (2002) e Mestrado em Letras - Linguagem e Identidade - pela Universidade Federal do Acre
(2008). É ocupante da Cadeira de n° 02, da Academia Acreana de Letras. Atualmente é professor de
História na Universidade Federal do Acre. Atuando principalmente nos temas: História da Amazônia
brasileira; Sobre Terras e Gentes: Amazônia em foco; os Multiversos DC Comics e Marvel Comics:
ideologia, poder e alteridade nas histórias em quadrinhos; e, Movimentos Sociais durante a Ditadura
Militar Brasileira. Já atuou no IBGE, na Divisão de Ensino da PMAC, na Educação Básica da Rede
Estadual de Ensino do Estado do Acre e em instituições da Rede Particular de Ensino Superior.
Coordenou a Pós-Graduação lato sensu em Bibliologia, no Seminário Teológico Kerigma; e,
coordenou a área de Historiografia da Fundação Cultural Garibaldi Brasil, em Rio Branco – Acre. É
autor de 15 livros, além de capítulos de livros e artigos publicados em periódicos indexados.

RÔMULO LUIZ SILVA PANTA


Doutor em Geografia. Professor do Governo do Estado da Paraíba. Concentra suas pesquisas na área
de Geografia Agrária, trabalhando com os seguintes temas: Reforma Agrária, assentamento e
AUTORES

exploração do território e do trabalho.

RONALDO SALVADOR VASQUES


Doutor em Engenharia Têxtil pela Universidade do Minho/Portugal (2018) pelo Programa de Pós-
Graduação em Engenharia Têxtil, com o título revalidado em Doutor em Design (2019) pelo
Programa de Pós-Graduação em Design, vinculado à área de concentração Design, Arte e Tecnologia
da Escola de Ciências Exatas, Arquitetura e Design da Universidade Anhembi Morumbi (UAM)
Mestre em História- Universidade Estadual de Maringá/PPH/ Maringá-Pr (2011). Especialista em
Administração em Marketing - FESP Curitiba (1999). Graduado em Engenharia Têxtil - UEM/CRG
(1997). Coordenador e orientador do projeto de extensão TECIDOTECA (acervo de bandeiras
têxteis), desde 2009 do departamento de Design e Moda (DDM). Organizador do livro: Indumentária
e moda: Caminhos Investigativos( 2013) e autor do livro: A Indústria Têxtil e a Moda Brasileira na
Década de 1960 (2018). Professor Adjunto no curso de MODA da Universidade Estadual de Maringá
(UEM) do Campus Regional de Cianorte - CRC, desde 2004. Líder do Grupo de Pesquisa do CNPq em
Moda, História e Têxteis (GEMOTEX), desde 2018.

RUI MACHADO JUNIOR


Professor Direito Financeiro e Tributário do curso de Graduação do Centro Universitário Estácio da
Amazônia – Especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG – Mestrando
em Segurança Pública, Direitos Humanos e Cidadania pela UERR – Escrivão de Polícia Federal

SOFIA VICENTE VAGARINHO


Apaixonada por escrever sobre diversas áreas temáticas. Ultimamente, tem desenvolvido trabalhos
científicos na área de história, os quais, têm sido aceites pelas editoras para publicação. Para, além
disso, a literatura Portuguesa e a língua Latina também tem sido áreas de atuação, onde alguns
trabalhos ainda estão em construção e outros em avaliação para posterior publicação.

THAUMATURGO FERREIRA DE SOUZA


Graduando de Tecnologia em Produção Publicitária pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Amazonas - Campus Manaus Centro.
VANESSA DIAS DE OLIVEIRA
Possui doutorado (2017), mestrado (2007) e licenciatura (2003) em Geografia pela Universidade
Federal de Sergipe. É professora Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Federal de
Sergipe (Campus Professor Alberto Carvalho ). É integrante do Grupo de Pesquisa PROGEO
(DGEI/UFS) e do Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho e as Políticas de Reordenamentos
Territoriais-GPECT (PPGEO-UFS). Membro do Laboratório de Estudos Territoriais do Programa de
Pós-Graduação da UFS (LATER-PPGEO/UFS). Tem experiência na área de Geografia nos temas:
tecnologias; agronegócio; trabalho camponês, reestruturação produtiva, Geografia e mudanças no
mundo do trabalho e políticas públicas.
AUTORES
Estudos em Ciências Humanas e Sociais - Volume 4

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