Você está na página 1de 178

A LINGUAGEM NAS

CIÊNCIAS HUMANAS:
processos formativos, educativos e linguísticos

Anderson Luís Venâncio


Marilurdes Cruz Borges
Nícolas Vladimir de Souza Januário
Talita de Carvalho Guiraldelli Venâncio
(ORGANIZADORES)
Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. A RIBEIRÃO GRÁFICA EDITORA detém direito autoral sobre
o projeto gráfico e editorial desta obra. Os autores detêm os direitos autorais de publicação. A LINGUAGEM
NAS CIÊNCIAS HUMANAS: processos formativos, educativos e linguísticos está licenciado com uma
Licença de Atribuição Creative Commons – Atribuição 4.0 Internacional, permitindo seu compartilhamento
integral ou em partes, sem alterações e de forma gratuita, desde que seja citada a fonte.
DECLARAÇÃO DOS AUTORES: Os autores desta obra atestam não possuir qualquer interesse comercial
que constitua um conflito de interesses em relação ao artigo científico publicado; declaram que participaram
ativamente da construção dos respectivos manuscritos, preferencialmente na: 1) concepção do estudo, e/ou
aquisição de dados, e/ou análise e interpretação de dados; 2) elaboração do artigo ou revisão com vistas a
tornar o material intelectualmente relevante; 3) certificam que os artigos científicos publicados estão
completamente isentos de dados e/ou resultados fraudulentos.
Todos os manuscritos foram previamente submetidos à avaliação cega por pares, membros da comunidade
acadêmica da área de Educação, tendo sido aprovados para a publicação.
A Ribeirão Gráfica Editora preza pela conduta ética e garante a integridade editorial em todas as etapas do
processo de publicação. Suspeitas de má conduta científica serão investigadas sob o mais alto padrão de
rigor acadêmico.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

VENÂNCIO, Anderson Luís; BORGES, Marilurdes Cruz; JANUÁRIO, Nícolas Vladimir de


Souza; VENÂNCIO, Talita de Carvalho Guiraldelli (Organizadores). A LINGUAGEM NAS
CIÊNCIAS HUMANAS: processos formativos, educativos e linguísticos. Franca, SP: Ribeirão
Gráfica Editora, 2022.Vários autores.
178 p.
ISBN: 978-65-89271-67-3
DOI: 10.47791/RGE/892716700

1. Linguística.
2. Crítica e interpretação.
3. Ciências humanas.
4. Pesquisa.
1. CDD: B869-9

© 2022 by Anderson Luís Venâncio, Marilurdes Cruz Borges, Nícolas Vladimir de Souza Januário,
Talita de Carvalho Guiraldelli Venâncio(org) Todos os direitos reservados.

Editora: Marilurdes Cruz Borges


Projeto gráfico: Fernanda Oliveira Ribeiro Andrade | Ribeirão Gráfica e Editora
Revisão Gramatical: Cláudia de Fátima Oliveira

www.ribeiraograficaeditora.com.br
contato@ribeiraograficaeditora.com.br
CONSELHO EDITORIAL

Acir de Matos Gomes


Faculdade de Direito de Franca, FDF

Aline Fernandes de Azevedo Bocchi


Universidade de Franca, UNIFRAN

Carolina Cau Sposito


Instituto Federal do Sul de Minas, IFSULDEMINAS

Glenda Cristina Valin de Melo


Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ

Flávio Henrique Dias Saldanha


Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM

Lucas Antonio de Araújo


Instituto Federal de Santa Catarina, IFSC

Luciana Carmona Garcia


Universidade de Franca, UNIFRAN

Maria Silvia Pereira Rodrigues Alves


Centro Universitário de Franca – Uni-Facef
Faculdade de Tecnologia – FATEC, campus Franca/SP
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................ 6

CAPÍTULO 1
A (RE) TEXTUALIZAÇÃO ENTRE GÊNEROS DISTINTOS COMO PROCESSO
FORMATIVO, EDUCATIVO E LINGUÍSTICO ..................................................................... 9
NÍCOLAS VLADIMIR DE SOUZA JANUÁRIO
CAMILA DE ARAÚJO BERALDO LUDOVICE
DOI: 10.47791/RGE/892716701

CAPÍTULO 2
A FÓRMULA DISCURSIVA SOBRE A GLOBALIZAÇÃO NA OBRA
DE MILTON SANTOS ............................................................................................................ 31
TALITA DE CARVALHO GUIRALDELLI VENÂNCIO
ANDERSON LUIS VENÂNCIO
MARILURDES CRUZ BORGES
DOI: 10.47791/RGE/89271670

CAPÍTULO 3
LEI DE LIBRAS: 20 ANOS DE UMA POLÍTICA INCLUSIVA?..................................... 47
MARCELO HENRIQUE BASTOS
ASSUNÇÃO CRISTOVÃO
DOI: 10.47791/RGE/892716703

CAPÍTULO 4
Mitologias: Obras mitológicas na sociedade contemporânea. ........................... 67
ALOÍSIO FRANCISCO ROSA
CLÁUDIO NAZARÉ SILVEIRA
DOI: 10.47791/RGE/892716704

CAPÍTULO 5
AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM DIÁLOGO
COM A GERAÇÃO Z .............................................................................................................. 82
RENATA DA SILVA COSTA SOUZA
DANIELLE CRISTINA TEODORO DE SOUZA
MARILURDES CRUZ BORGES
DOI: 10.47791/RGE/892716705

CAPÍTULO 6
ANTIGUIDADE CLÁSSICA: o legado da Grécia à Roma .......................................... 93
CÁSSIA MARIANA NUNES
ANDERSON LUÍS VENÂNCIO
DOI: 10.47791/RGE/892716706
CAPÍTULO 7
THINK TANKS: conceito, origem e suas ações no cenário político brasileiro ....... 110
JÚLIA ROBERTA NAQUES
TALITA DE CARVALHO GUIRALDELLI VENÂNCIO
DOI: 10.47791/RGE/892716707

CAPÍTULO 8
AS INFLUÊNCIAS DA ARTE SACRA NA CULTURA CRISTÃ CONTEMPORÂNEA ....... 122
ROGER DE CARVALHO GARCIA
CLÁUDIO NAZARÉ SILVEIRA
DOI: 10.47791/RGE/892716708

CAPÍTULO 9
MILITARES, POLÍTICA E IMPÉRIO: A Gênese da Crise entre Monarquia
e Exército (1860/1870) ....................................................................................................... 136
ANDERSON LUIS VENÂNCIO
DOI: 10.47791/RGE/892716709

CAPÍTULO 10
A NATUREZA DIALÓGICA DO ENUNCIADO EM MIKHAIL BAKHTIN
E SUA CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS .............................................. 154
CLÁUDIA DE FÁTIMA OLIVEIRA
RICARDO BOONE WOTCKOSKI
SIMONE TAVARES DE ANDRADE
DOI: 10.47791/RGE/892716710

SOBRE ORGANIZADORES ................................................................................................. 173

DADOS SOBRE AUTORES ................................................................................................. 174

ÍNDICE REMISSIVO .............................................................................................................. 180


APRESENTAÇÃO

Em tempos diferenciados, em que as relações humanas se fazem


cada vez mais necessárias, as ciências humanas se tornam uma
necessidade premente para a formação dos estudantes de diversas áreas
e a continuação dos estudos dos mestres, em especial aqueles que lidam
com os recursos linguísticos e históricos, tão essenciais no cotidiano
escolar, de todas as áreas e fases do sistema educacional vigente.
É com essas análises que os pesquisadores, aqui presentes nos
dez capítulos deste e-book, discutirão temas inerentes às ciências
humanas, em textos que enviesam a Linguística, a História e a
Educação com temas sociais, com recortes profundos, que se traduzem
em enunciados ímpares, carregados de ideias, reflexões, pesquisas e
estudos. Assim, surge o e-book A LINGUAGEM NAS CIÊNCIAS
HUMANAS: processos formativos, educativos e linguísticos.
O primeiro capítulo, A (RE) TEXTUALIZAÇÃO ENTRE
GÊNEROS DISTINTOS COMO PROCESSO FORMATIVO,
EDUCATIVO E LINGUÍSTICO, de autoria de Nícolas Vladimir de
Souza Januário e Camila de Araújo Beraldo Ludovice, busca
compreender o valor interativo nos textos, por meio da retextualização
entre gêneros distintos, como processo formativo. A partir da análise
dos pesquisadores, baseados em estudos linguísticos, de um capítulo
de uma HQ e de um texto bíblico, tem-se uma análise aprofundada
acerca da retextualização.
Em A FÓRMULA DISCURSIVA SOBRE A GLOBALIZAÇÃO
NA OBRA DE MILTON SANTOS, Talita de Carvalho Guiraldelli
Venâncio, Anderson Luis Venâncio e Marilurdes Cruz Borges trazem
à tona a presença da terminologia “globalização” e as reflexões de
Milton Santos em relação ao processo e suas incongruências. O texto
vislumbra uma discussão que se inicia a partir da análise da ocorrência
do sintagma “globalização” e as reverberações causadas pelo
fenômeno em questão à luz dos estudos do geógrafo Milton Santos.
No terceiro capítulo, intitulado LEI DE LIBRAS: 20 ANOS DE
UMA POLÍTICA INCLUSIVA?, os pesquisadores Marcelo Henrique
Bastos e Assunção Cristóvão buscam refletir sobre os direitos
linguísticos dos surdos, efetivados por meio da Lei de Libras. A partir
6
das reflexões elencadas no estudo, os autores, para além das benesses
trazidas pela lei, discutem a ausência de inclusão que ainda coexiste
na sociedade, tendo em vista o distanciamento entre alunos surdos e
não-surdos e, até mesmo, entre alunos surdos e professores. Tal fato
se afasta do processo educacional bilíngue.
Juntamente ao universo de análises aqui trazido, Aloísio
Francisco Rosa e Cláudio Nazaré Silveira, no capítulo MITOLOGIAS:
Obras mitológicas na sociedade contemporânea, abordam as questões que
permeiam a recriação das mitologias, que foram evoluindo
juntamente com a sociedade, hoje, tecnológica. Assim, por meio de
apontamentos de estudiosos da área, os autores visitam as adaptações
de mitos antigos dentro dos meios comunicacionais atuais,
demonstrando, assim, a relevância da pesquisa aqui exposta.
Com um olhar para as questões da aprendizagem, o quarto
capítulo, cujo título é: AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM
SIGNIFICATIVA EM DIÁLOGO COM A GERAÇÃO Z, traz, por meio
de seus autores-pesquisadores Renata da Silva Costa Souza, Danielle
Cristina Teodoro de Souza e Marilurdes Cruz Borges, a busca pela
compreensão de como a afetividade walloniana dialoga com
processos de aprendizagem, em especial, em relação a adolescentes
entre 13 e 14 anos, o que ocorre de forma significativa. Muito embora
os estudos do teórico não se refiram, especificadamente, à Geração
Z, esses são analisados, nesta obra, pelos pesquisadores por meio da
expressão da identidade dos sujeitos aqui identificados.
O capítulo seguinte, intitulado ANTIGUIDADE CLÁSSICA: O
LEGADO DA GRÉCIA À ROMA, da autoria de Cássia Mariana Nunes
e Anderson Luís Venâncio, corrobora as análises sobre o legado
deixado pela civilização grega para o Ocidente, o qual trouxe raízes
que demonstram uma multiplicidade que reverberou em diversas
vertentes, tanto históricas, como artísticas. O estudo colabora para o
aprofundamento das pesquisas sobre artes, literatura, urbanização,
religiosidade, estética e escravidão, herança deixada pelos gregos.
Dando continuidade às pesquisas, o capítulo THINK TANKS:
CONCEITO, ORIGEM E SUAS AÇÕES NO CENÁRIO POLÍTICO
BRASILEIRO, das pesquisadoras Júlia Roberta Naques e Talita de
Carvalho Guiraldelli Venâncio, traz a conceituação e a análise da
7
origem do termo “think tanks” e seu contexto histórico e social, além
das razões pelas quais o termo ainda se mantém na língua que lhe
deu origem. O fenômeno, cuja conceituação é ampla, será estudado
e analisado, em especial, no cenário nacional, o que trará grande
valor às pesquisas da área.
A arte é, mais uma vez, trazida e discutida no sétimo capítulo
deste e-book. AS INFLUÊNCIAS DA ARTE SACRA NA CULTURA
CRISTÃ CONTEMPORÂNEA, sob a responsabilidade de Roger de
Carvalho Garcia e Cláudio Nazaré Silveira, discorre acerca de como
a arte trouxe mudanças na cultura cristã e como a evolução dos estilos
reverberou nos novos templos e nas manifestações diversas, como,
por exemplo, na presença do grafite digital.
Anderson Luís Venâncio, autores do capítulo que se intitula
MILITARES, POLÍTICA E IMPÉRIO: A Gênese da Crise entre Monarquia
e Exército (1860/1870), discutem sobre a origem das lutas entre o regime
monárquico e o Exército inseridos no espaço político nacional. As
mudanças do papel do Exército são analisadas sob a luz do
protagonismo que esse passou a desempenhar no espaço político
nacional.
Por fim, A NATUREZA DIALÓGICA DO ENUNCIADO EM
MIKHAIL BAKHTIN E SUA CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS
LITERÁRIOS, sob a autoria de Cláudia de Fátima Oliveira, Ricardo
Boone Wotckoski e Simone Tavares de Andrade, busca trazer uma
visão geral sobre as principais abordagens acerca do desenvolvimento
dos estudos linguísticos, até o florescimento da linguística como ciência.
Nossa iniciativa, com este e-book, foi dar voz aos pesquisadores
da linguagem e da educação, a fim de que os trabalhos aqui expostos
trouxessem contributos importantes para o pensamento sobre a
sociedade. Trata-se de um livro que reúne pesquisadores e pesquisas
que buscam observações e análises sobre o corpo social e sua
formação, a partir do passado, do presente e do futuro.

Anderson Luís Venâncio


Marilurdes Cruz Borges
Nícolas Vladimir de Souza Januário
Talita de Carvalho Guiraldelli Venâncio
8
CAPÍTULO 1

A (RE) TEXTUALIZAÇÃO ENTRE GÊNEROS DISTINTOS


COMO PROCESSO FORMATIVO,
EDUCATIVO E LINGUÍSTICO

THE (RE) TEXTUALIZATION BETWEEN DISTINCT GENRES


AS A FORMATION, EDUCATIONAL
AND LINGUISTIC PROCESS

Nícolas Vladimir de Souza JANUÁRIO


Camila de Araújo Beraldo LUDOVICE

RESUMO
Em busca de compreender o valor interativo nos textos, entendemos que se
torna importante perscrutar arefacção (a retextualização) de um gênero textual
para outro como uma oportunidade de entender o processo de dinamicidade
linguística na comunicação humana. Assim, as reflexões sobre a prática de leitura
e interpretação direcionam a atividade interacional. Nosso trabalho tem como
objetivo, a partir de uma análise qualitativa e comparativa, apresentar a atividade
de retextualização entre gêneros distintos como processo formativo, educativo
e linguístico empreendido pelo cartunista norte-americano Robert Crumb em
sua história em quadrinhos (HQ) Gênesis, lançada em 2009, tendo como fonte o
livro do Gênesis da Bíblia Sagrada. A partir desta proposição, podemos constatar
que as estratégias linguísticas e interacionais pelo texto-base, aliadas à expressão
sincrética da HQ, permitem aos leitores uma corrente e significativa interação.
Como recorte, apresentamos análises de uma única parte do segundo capítulo
da HQ – a criação de Adão, comparando-os com os do texto-fonte. Este trabalho
advindo de uma pesquisa mais aprofundada, pautou-se de perspectivas teóricas
da Linguística Textual, por meio de enfoques da retextualização, advindos dos
estudos de Koch (2016), Marcuschi (2008), Cavalcante (2014), Bentes (2010),
Bakhtin (2011) e Dell’Isola (2007). Considerando a HQ como um texto
sincrético, pautamo-nos nos postulados teóricos sobre a linguagem dos
quadrinhos formulados por autores como Eisner (2010/2013), García (2012) e
Ramos (2016).
Palavras-chave: (Re)textualização. Histórias em Quadrinhos. Livro do Gênesis.
Robert Crumb.

9
ABSTRACT
In search of understanding the interactive value in texts, we understand that it
becomes important to scrutinize the refaction (retextualization) from one textual
genre to another as an opportunity to understand the process of linguistic dynamics
in human communication. Thus, reflections on the practice of reading and
interpretation direct the interactional activity. Our work aims, from a qualitative
and comparative analysis, to present the activity of retextualization between
different genres as a formative, educational and linguistic process undertaken by
the North American cartoonist Robert Crumb in his comic book (HQ) Genesis,
released in 2009. , having as source the book of Genesis of the Holy Bible. From
this proposition, we can see that the linguistic and interactional strategies by the
base text, allied to the syncretic expression of the comic, allow the readers a
current and significant interaction. As a cut, we present analyzes of a single part
of the second chapter of the comic – the creation of Adam, comparing them with
those of the source text. This work, arising from a more in-depth research, was
guided by theoretical perspectives of Textual Linguistics, through retextualization
approaches, arising from the studies of Koch (2016), Marcuschi (2008), Cavalcante
(2014), Bentes (2010), Bakhtin (2011) and Dell’Isola (2007). Considering the comic
as a syncretic text, we are guided by theoretical postulates about the language of
comics formulated by authors such as Eisner (2010/2013), García (2012) and
Ramos (2016).
Keywords: (Re)textualization. Comics.Bookof Genesis. Robert Crumb.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Sabe-se que o exercício da retextualização é uma prática
comum e que escrever continua sendo uma importante atividade
comunicativa do ser humano, após a fala, como defende Marcuschi
(2008) em seus pressupostos teóricos a respeito da retextualização.
Nesse sentido, precisamos nos atentar para a importância da
linguagem no processo de interação, buscando alternativas para a
efetividade na leitura, na compreensão, na interpretação e na
produção textual.
Segundo Dell’Isola (2007), a retextualização é um processo
de reescrita ou refacção textual, ou seja, uma transformação de um
gênero textual em outro, e tal processo envolve algumas operações
que tornam evidentes o funcionamento social da linguagem
enquanto interação comunicativa. Levando em consideração essa
10
perspectiva, a atividade de retextualizar ratifica a importância dos
gêneros textuais, promovendo habilidades e competências de leitura
e escrita, bem como a percepção de fatores sociais, históricos e
culturais.
O processo de retextualização, sem discordar das abordagens
científicas publicadas até o momento, é sem dúvida uma atividade
semelhante à tradução. Assim, a questão nesse caso é a observância
e análise de como um texto “primitivo” é capaz de se derivar em
outro, inclusive de gênero diferente, sem que se percam as
essencialidades (as equivalências) do lado textual, pelo processo de
refacção e reescrita.
Para este trabalho, elegemos como corpus um recorte menor do
segundo capítulo da história em quadrinhos (HQ) Gênesis, do
cartunista norte-americano Robert Crumb, que tem como texto-fonte
o livro do Gênesis da Bíblia Sagrada. A HQ e seu texto-fonte
pertencem a gêneros textuais distintos e, apesar de apresentarem a
mesma narrativa, têm propósitos diferentes de intencionalidade.
Enquanto o livro da Bíblia Sagrada tem uma função reveladora e
norteadora para os que creem em Deus, a HQ se apresenta como
uma versão de um texto “clássico” pelas mãos de um renomado
cartunista.
Sabemos que a leitura, bem como a interpretação de textos,
sempre esteve atrelada aqueles que de fato exercem tal prática e, em
outra perspectiva, menos praticada ou valorizada por outros.
Pensando em teorias mais claras e específicas, bem como modelos
de produtividade para serem aplicadas à prática discursiva, partimos
de dois pontos de interesse. O primeiro foi pensar em um texto que a
maioria das pessoas conhece e que, de certa forma, aprecia por
questões sociais, culturais e religiosas, tal como a Bíblia Sagrada. No
caso do segundo ponto, a decisão pelas histórias em quadrinhos, que
consideravelmente são também materialidades do pensamento
humano em formas artística, linguística e representativa do mundo
real que ratifica o processo formativo, educativo e linguístico –
temática deste e-book.
11
Partindo desses pontos, pretendemos mostrar como um
determinado texto, pertencente a um gênero específico, pode ser
reescrito em outro gênero, como também verificar como o corpus do
trabalho (uma HQ, fruto de um processo de retextualização) demanda
diferentes estratégias de leitura e interpretação. Destacaremos também
os sentidos produzidos por meio das modalidades de expressão
presentes no recorte do corpus, tais como as expressões comunicativas
e as ações das personagens empregadas na obra de Crumb,
relacionando-as ao texto-fonte.
Vale ressaltar que, segundo Koch e Elias (2015), um
determinado gênero textual pode assumir a forma de outro gênero,
tendo em vista o propósito de comunicação, evidenciando a
hibridização ou a intertextualidade intergenérica de texto. De acordo
com essa teoria, o leitor/receptor de um determinado gênero deve
estar atento à materialidade linguística, às palavras, se o texto for
unicamente verbal, bem como aos índices constitutivos do texto para
que a leitura seja profícua e confirme o propósito principal, que é
entender os enunciados.
Este trabalho está pautado em estudos da Linguística Textual,
da Linguagem dos Quadrinhos e da Retextualização. Para
compreender algumas perspectivas da textualidade, tomamos das
posições teóricas de Koch (2016), Marcuschi (2008), Cavalcante
(2014), Bentes (2010) e Bakhtin (2011), no que concerne à
intertextualidade. Atentando-nos ao referencial teórico para o
entendimento do processo de retextualização, utilizamos as obras de
Dell’Isola (2007) e Travaglia (2013). Considerando a HQ como um
texto sincrético, trabalhamos também com os estudos sobre a
linguagem dos quadrinhos formulados por autores como Eisner
(2010,2013), García (2012) e Ramos (2016). Cabe destacar que todo
o composto teórico possibilita entender as diferentes interfaces
textuais que reiteram a importância e a necessidade da compreensão
do nosso objeto de estudo em um processo formativo, educativo e
linguístico.

12
FIGURA 1 – CAPA DA HQ GÊNESIS POR ROBERT CRUMB1

Fonte: Disponível em: http://www.crumbproducts.com/pages/books_comics.html.Acesso em:


20 set. 2022.

1. DIÁLOGOS ENTRE TEXTOS: RELAÇÕES INTERTEXTUAIS


Segundo Cavalcante (2016), os textos mantêm uma relação
profícua de ideias, o que a autora denomina de “diálogos entre
textos”. Muitos teóricos também se utilizam desta nomenclatura, o
que nos permite uma fácil assimilação conceitual do termo. Após as
proposições de Kristeva e a assimilação do pensamento de Bakhtin
sobre a concepção de intertextualidade, o conceito passou a ser
estudado sob outras perspectivas, tendo como teóricos Genette (1982)
e Piègay-Gros (1996). O primeiro estudou os processos intertextuais
no disc urso literário, enquanto, a última, reorganizando a teoria do
primeiro, oferece-nos resumidamente sua percepção, como mostra a
figura a seguir, que permite compreender como a produção de um
discurso com base em outro texto previamente estruturado assume
papeis distintos em decorrência dos enunciados e das circunstâncias
nos quais ele seráembutido.
1
Nosso corpus se trata da tradução para o português e ditado pela Editora Conrad e publicado em
2009 no Brasil.

13
Segundo Januário (2018, p. 41), a intertextualidade é
constitutiva de ideias que se relacionam entre si dentro de uma
sequência de evidências dialogais entre os textos diferentes, que se
aproximam pela copresença ou pela derivação. Isso ocorre num
repertório linguisticamente constituído de classificações e
potencialidades que efetivamente torna o diálogo entre textos uma
dinâmica comunicativa sendo imediata ou distante entre aspartes.

FIGURA 2 – RELAÇÕES INTERTEXTUAIS E CIRCUNSTÂNCIAS EMBUTIDAS


– PARA PIÈGAY-GROS (1996)

Fonte: CAVALCANTE, 2016, p.146.

Segundo Cavalcante (2014), a copresença é aquela em que o


receptor-leitor percebe indícios de um determinado texto na
constituição daquele que lê. Isso nos faz lembrar a fala da maioria
das pessoas, quando se utilizam de pensamentos (frases) de alguém
para atingir seu objetivo de comunicação. Tal evidência dialogal tem
por teoria as formas intertextuais sugeridas por Genette (1982), sendo
a citação, a alusão e o plágio; efetivamente, ajustado por Piegày-
Gros (1996), com a referência.
Já a intertextualidade por derivação está diretamente relacionada
às produções artísticas com propósitos categoricamente transformativos
do texto-fonte e diante a isso, ressaltamos que a produção de um texto
ou sua reescrita apresenta objetivos ou propósitos do emissor-autor,
que partem de sua intenção, como também as opiniões diversas sobre
sua produtividade, tendo o receptor-leitor, como seu destinatário. A
14
esta intenção dá-se o nome de intencionalidade e o percurso que envolve
como a mensagem chegará ao seu receptor, a aceitabilidade. Mas para
que esses dois fatores sejam efetivamente atingidos, cabe ao interlocutor
do texto apresentar habilidades e competências de leitura para que o
sentido do texto seja depreendido. Para tanto, apresentamos a seguinte
citação.

[...] A intencionalidade tem relação estreita com o que se


tem chamado de argumentatividade. [...] já a
aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade,
[...] quando duas pessoas interagem por meio da
linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e
procuram calcular o sentido do texto, partindo das pistas
que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo,
da situação etc. (KOCH, 2016, p.97-99).

Os fatores de consistência e relevância têm sua matriz em uma


perspectiva de ancoragem e de interpretabilidade. Quando um texto
apresenta enunciados adequadamente articulados e uma segmentação
lógica, afirmamos que o mesmo apresenta consistência (ancoragem
de ideias), o que tão certo nos revela o processo argumentativo do
texto produzido. Se o texto é produzido de maneira coesiva e coerente,
inevitavelmente, o mesmo se tornará relevante para quem lê
(interpretabilidade). Então, a consistência e relevância de um texto
não são apenas traços de propriedade, e sim espaços unitários de
construção de uma comunicação concreta e apropriada.
Tomando-nos da teoria de Koch (2016), a intertextualidade é
nada mais que a dialogia entre os enunciados, sejam eles verbais e/
ou não-verbais que dinamicamente efetuam trocas e se relacionam
pelas equivalências linguísticas, icônicas e de sentido. Todo texto para
que tenha de fato seu valor comunicacional deve apresentar todos os
componentes mencionados de textualidade, uma vez que é nossa
marca efetiva de interação, seja nosso “dizer” por meio das palavras,
imagens ou por pela linguagem verbo-visual. Sabemos que cada ato
de fala revela uma intenção, que determina quem somos social e
culturalmente, dentro do arcabouço temporal e espacial.

15
2. A (RE) TEXTUALIZAÇÃO: VALORES DIACRÔNICOS NA
INTERAÇÃO VERBAL
Segundo Januário (2018, p. 56 – 57), a linguagem existe desde
os primórdios da humanidade como instrumento constitutivo da
comunicação. Sua serventia está relacionada diretamente à
sobrevivência do indivíduo com o meio, fazendo parte integralmente
do nosso dia a dia e permeando grupos sociais instituídos de princípios
e valores significativos. Situando a importância do processo de
comunicação, ressaltamos aqui que a palavra, vocábulo que sofre
dificuldade de conceitualização por problemas de tradução e por estar
disperso e construído ao decorrer da obra de Bakhtin, é de suma
importância, uma vez que é a materialidade da língua em práticas
de linguagens dentro de um espaço/tempo que determina a
funcionalidade comunicativa e operacional das realizações textuais.
O contato inicial entre as pessoas se dá pela língua oral por ser
uma forma espontânea e de necessidade social ligada a um conjunto
de contextos possíveis. Tomemos do exemplo de Marcuschi (2008)
ao dizer em seus estudos que a língua, especificamente, a oral é
transformadora e permite o desenvolvimento de conhecimentos. Um
exemplo disso para salientar a especificidade apontada pelo
pesquisador é o choro da criança para indicar necessidades, como
instinto de sobrevivência, determinando assim o começo de
possibilidades comunicativas caracterizando outras modalidades de
correspondências como a prosódia, a gestualidade, os movimentos
do corpo e dos olhos e expressões fisionômicas.
A língua falada é consideravelmente privilegiada por apresentar
identidades culturais de seus falantes, dentro de uma imensa
diversidade do uso de uma mesma língua que, dialogicamente,
instaura-se no momento inicial de interação. Para Koch (2011, p.14),
essa perspectiva implica em um processo de coautoria, pelo simples
fato dos interlocutores estarem face a face e refletirem juntos a
materialidade linguística conjunta. Levando em consideração a ação
verbal conjunta da fala “face a face”, apresentada por Koch (2011),
também é de suma importância destacar que essas interações podem
16
apresentar um grau menor quando um dos interlocutores domina a
fala do outro sobre um tema em desenvolvimento. A pesquisadora,
tomando dos conceitos teóricos de Charaudeau e Maingueneau
(2004), nos apresenta tal ação comunicativa como turno de fala.
Atrelada à fala, sabemos ainda, a partir disso, que a escrita passou
a ser utilizada em outros veículos materiais até chegar finalmente ao
papel. A partir dos estudos feitos por Graff (1995), a cronologia da escrita,
parte de fato da Idade Média, com o surgimento da imprensa e as
traduções da bíblia feitas por Martin Lutero, teólogo que gradualmente
percebeu o avanço da ação material da língua em um processo exclusivo
para aqueles conhecidos como letrados. Ainda devemos ressaltar que a
escrita promove contextos sociais básicos da vida cotidiana, que em
paralelo à oralidade criam um dinamismo no processo de interação
verbal, sendo eles: (1) o trabalho, (2) a escola, (3) o dia a dia, (4) a família,
(5) a vida burocrática, (6) a atividade intelectual.
Para cada um dos contextos apresentados anteriormente, há
ênfases e objetivos, sendo os mesmos diferentes e estabelecidos como
parâmetros, o que propicia entender a escrita como ponto de partida
para produção de gêneros textuais distintos e seus respectivos
domínios.
Em se tratando da escrita a partir das reflexões anteriores,
percebe-se claramente que tal modalidade é reconhecida como
manifestação intelectual do letramento, evidenciando uma
aprendizagem social e histórica para fins utilitários em suas variadas
formas no processo comunicativo, pautada pelo padrão, sem que seja
acusada de ação ignóbil, como acontece com a oralidade.
Com base nas ideias anteriores e tomando-nos da teoria da
retextualização, Dell’Isola (2007) afirma que tal teoria, conhecida
também como reescrita e refacção de uma modalidade escrita para
outra, é um processo que envolve situações de funcionalidade da
linguagem. Tal operação evidencia influências históricas, sociais,
políticas, econômicas, culturais dentro de uma perspectiva de
reestrutura interacional entre participantes ativos de um mesmo
grupo. Seguindo uma estrutura normativa de retextualização, tendo
17
como base a teoria marcuschiana, tal processo indica a utilidade
comunicacional a partir de outras propostas de reescrita na
legitimação interacional, mantendo a ideia, o sentido, a intenção, o
conteúdo e o contexto. São várias as possibilidades de retextualização:
(1) de texto oral para texto oral; (2) de texto oral para texto escrito;
(3) de texto escrito para texto escrito; (4) de texto multimodal para
texto oral; (5) de texto multimodal para texto escrito; (6) de texto
não verbal para texto escrito, dentre outras. Segundo a pesquisadora,
a realização dessa atividade envolve tanto relações entre gêneros e
textos – o fenômeno da intertextualidade – as relações entre discursos
– a interdiscursividade, como podemos verificar na citação a seguir.

[...] considera-se que processo de retextualização (ou refacção


e reescrita) de gêneros textuais traz à tona a necessidade de se
refletir sobre a situação de produção do texto como parte
integrante do gênero e também sobre as esferas de atividades
em que os gêneros se constituem e atuam. Inevitavelmente,
uma retextualização implica que se levem em consideração
as condições de produção, de circulação e de recepção dos
textos (DELL’ISOLA, 2007, p. 12).

Nesse ponto, a pesquisadora deixa evidente que a


retextualização é entendida como uma atividade de adaptação, termo
usado também por Marcuschi (2013) elucidado no quadro sobre a
expressão e conteúdo no processo de reescrita. Por mais que a
temática pareça complexa, a atividade de retextualização é contínua,
pois fazemos isso no dia a dia, faz parte de nosso cotidiano. E para
entender tal proposição, Marcuschi (2013) apresenta quatro variáveis
relevantes do processo, sendo elas: (1) o objetivo da retextualização;
(2) a relação entre o produtor do texto-fonte e o retextualizado; (3) a
relação tipológica entre o gênero-fonte e o gênero da retextualização
e por último, (4) os processos deformulação típicos de cada
modalidade textual. Destacamos as variáveis do pesquisador
apresentando as essencialidades de cada uma em um quadro a seguir,
determinando-as em etapas do processo de reescrita ou refacção
textual.

18
FIGURA 3 – PROCESSOS DE (RE) TEXTUALIZAÇÃO

RELAÇÕES FALA (F) e ESCRITA (E)

Continnuum Grade dos gêneros textuais; gêneros similares

Semelhanças Aspectos linguísticos e sociocomunicativo; normalizações

Diferenças Nas preferências e nos condicionamentos

Característicaspreferenciais Contextualização/ descontextualização


Envolvimento/distanciamento

Multissemiose (F) gestualidade, mímica, prosódia


(E) elementos gráficos, logográficos, icônicos, pictóricos

Apropriação (F) natural, acessível


(E) tecnológica, elaborada

Atividades sociointerativas Alternativas de atualização da língua

Retextualização Passagem de uma ordem para outra/ de um gênero para outro

Capacidade cognitiva (E) não acrescenta massa cinzenta ao indivíduo

Fonte: MARCUSCHI, 2010, p. 45-51.

O processo o qual mencionamos neste tópico permite entender


as representações que focalizam a equivalência em diversos níveis de
textualidade, tais como: a transferência de elementos e pragmática
textuais, transposição de ideias e/ou de pensamentos e transferência
de sentidos; todos, advindos do texto-fonte e ratificados no texto
reescrito.
Nesse sentido, o processo retextual, sem destoar das abordagens
científicas publicadas até o momento, é sem dúvida uma atividade
semelhante à tradução, pois, segundo Moscowitz (1972, p. 112, apud
TRAVAGLIA, 2013, p. 77), “a tradução é a passagem de um texto
original redigido numa língua de partida, para um texto redigido
numa língua de chegada”. Assim, a proposta é a observância e análise
de como um texto “primitivo” é capaz de derivar em outro, em
perspectivas de gêneros, sem que se percam as essencialidades do
lado textual pelo processo de refacção e reescrita.
Neste trabalho podemos ainda perceber que o evento do
processo ao qual nos remetemos evidencia uma singularização

19
inicial de leitura e interpretação, por fim, de produtividade, uma
vez que um texto preciso é analisado. Infere-se então a ideia de que
cada texto é único, individualizado. Sendo assim, a retextualização
também apresenta um caráter particular, individual do
“retextualizador”.

3. AS HQS: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ARTE SINCRÉTICA


NO PROCESSO COMUNICATIVO
Segundo Ramos (2016), os quadrinhos são discursos
permanentes, pois possuem recursos próprios que são trasferidos
de uma linguagem para outra, de um artefato linguístico para outro.
Além de serem verossimilhantes, em alguns aspectos, aproxima-se
da literatura por apresentarem estr uturas com elementos
narratológicos que estabelecem uma situação inicial, um
desenvolvimento e uma situação final. A narratividade é colocada
nas HQs (histórias em quadrinhos) com o uso de recursos imagéticos
e gráficos, elementos esses que representamos ato de “contar
histórias”. Em outros tempos, de maneira equivocada, os
quadrinhos eram vistos pela maioria das pessoas como materiais
de entretenimento para crianças e adoslecentes. Vale destacar que
tais artefatos apresentam certa complexidade, por apresentar um
maior número de informações linguísticas, no que concerne à
produtividade discursiva, determinando os mesmos em um
composto de materialidade artística e culturalmente estabelecida.
Conseguinte, ressaltamos dois valores precisos e estilísticos de
produção, a literatura com seus elementos alfabéticos (escritos
exclusivamente), e nos quadrinhos, as palavras e os elementos
visuais que, unificados, produzem sentidos perfazendo-se em uma
tipologia efetivando seu arcabouço ou sua interioridade.
As HQs ganharam reconhecimento no Brasil a partir das
publicações de postulados teóricos de Will Eisner (2008, 2010). Seus
estudos respoderam questionamentos quanto à importância das
HQs na sociedade e como expressão sincrética do processo
comunicativo, além de passar a ser considerada uma arte estética
20
assim como a música, a literatura, o cinema, dentre outras. Ainda,
podemos afirmar a partir de Eisner que a diferença entre textos
literários e HQs está no imediatismo e função da leitura. Enquanto
a primeira exige do leitor, a criação da imagem a partir do que se
lê, a segunda oferece os dois planos que estruturam o gênero a partir
dos elementos alfabéticos e visuais, o que podemos confirmar pela
citação a seguir.

As adaptações de clássicos da literatura, por exemplo,


para os quadrinhos, têm apresentado resultados positivos
que valorizam o processo comunicacional e evidenciam
a importância da retextualização em uma produção mais
popular, mas não menos literária. Essa linguagem
autônoma permite o avanço e a contribuição para os textos
conhecidos como multimodais, ou seja, compostos de
arranjos, combinações de linguagens de diferentes
modalidades (palavras, imagens, cores, gestos, expressões
corporais, etc) que atrativamente fazem com que o leitor
perceba o universo subjetivo e depreenda significados.
(JANUÁRIO, 2018. p. 70).

A valorização do processo comunicacional mencionado por


Januário (2018) está relacionada à prática de leitura e de interpretação
por parte do interlocutor-leitor. Além disso, o pesquisador deixa claro
que as HQs ao apresentar seus compostos e combinações de diferentes
modalidades para materializar a linguagem, reforça as relações de
multissemiose 2 e de atividades sociointerativas 3 no processo de
(re)textualização, com o objetivo de recriar a realidade por meio de
uma linguagem sincrética.

2
Entende-se que são aqueles que envolvem o uso de diferentes linguagens. Neste sentido, a maioria
dos gêneros que circulam socialmente são multissemióticos, pois envolvem no mínimo a linguagem
verbal e a visual (fotos, ilustrações, cores). Um poema visual, por exemplo, configura-se como um
texto verbo-visual.
3
Atividades que propõe uma nova compreensão da dinâmica do processo social de construção da
identidade do indivíduo/pessoa humano a partir dos atos de fala e/ou comunicação escrita, seja
factível ou em aspecto de verossimilhança (no caso da literatura e similares).

21
4. ROBERT CRUMB E SUA (RE)TEXTUALIZAÇÃO: UM PROCESSO
FORMATIVO, EDUCATIVO E LINGUÍSTICO
Robert Crumb teve uma infância e adolescência conturbadas,
em um cenário de violência doméstica e contato com drogas, bebidas
e anfetaminas. Ele nasceu em 30 de agosto de 1943, na Filadélfia,
Pensilvânia, nos Estados Unidos da América. Filho de Charles
Crumb e Beatrice como um de seus cinco filhos. Seu pai era ilustrador
de combate no Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Seus
pais tiveram um casamento infeliz por causa do qual os filhos
sofreram. Ele adorou as animações de Walt Kelly e Fleischer Brothers
e começou a desenhar seus próprios quadrinhos junto com seus
irmãos.
Segundo Robert Hyghes (2010), crítico de arte da revista Time,
da vida suburbana, o que mais marcou a vida do cartunista foram
suas experiências psicodélicas com os hippies de São Francisco e
que, por meio delas, encontrou sua maneira de expor seus
sentimentos e revoltas acumuladas durante as fases anteriores à fase
adulta. Estimulado por esse contexto, Crumb produz suas obras
trazendo à tona um humor negro, permeado por situações bizarras
e pelo sarcasmo. Essas características ganham forma e conteúdo
em suas revistinhas e a sociedade e o status quo, de modo geral,
tornam-se os alvos de suas provocações. Os trabalhos do cartunista
tiveram visibilidade durante a década de 1960, quando Crumb se
integra ao movimento de contracultura que estava se formando nos
EUA. Embora parecesse uma decisão imprudente na época, isso
provaria ser essencial na carreira do cartunista. Dentre os trabalhos
de Crumb nesse período, destacam-se a tira Keepon Truckin; o
personagem “Mr. Natural”, um guru espiritual que era contra os
princípios morais; e “Fritz The Cat”, um gato antropomórfico que
tinha uma vida lasciva. Tendo essas produções em mãos, Crumb
mostra à sociedade seus interesses intersubjetivos, suas críticas e
sátiras presentes em suas HQs.
Após a breve biografia do cartunista Crumb, passamos para as
análises do recorte selecionado.
22
Tanto a refacção quanto a equivalência das linguagens estão
atreladas ao fator de intertextualidade que designa um conjunto
de relações entre textos que se faz evidente. É um fenômeno
linguístico pertinente à textualidade que contribui para a
constituição de uma unidade progressiva e factível no processo
de interação comunicativa. Tomando-nos das análises a seguir,
verificamos que além da refacção textual, ou seja, alterações
vocabulares do texto-fonte para o texto-derivado, a equivalência
das linguagens expressamente explícitas se adornam a um estilo
de produtividade do autor. Tais relações entre a imagem de Deus
e os compostos verbais de ambos os textos representam
mimeticamente contextos “reais” de acordo com a história bíblica,
ao mesmo tempo em que evocam conhecimentos de mundo, os
quais são compartilhados com o leitor.
Para que possamos verificar a dialogia entre os textos e o
valor de retextualização como processo formativo, educativo e
linguístico, apresentamos o seguinte recorte retirado de uma
pesquisa maior com o objetivo de adequarmos ao formato de
artigo. Para tanto, as relações entre os textos são perceptíveis no
texto-fonte e no texto retextualizado, permitindo ao leitor a
depreensão da passagem bíblica em questão sem prejuízo de
interpretação.
Ademais o recorte que apresentamos, evoca o fenômeno da
inter textualidade – quanto relações entre discursos – a
interdiscursividade. Sob este aspecto, explicitamente apresentado
no processo, o leitor passa a refletir sobre as regularidades
linguísticas, textuais e discursivas dos gêneros envolvidos e passa
a entender a organização das informações dos textos em questão
que efetivamente reforçam o princípio interacional, comunicativo.
Vejamos estes aspectos na tabela 1 a seguir e como a atividade
de retextualização acontece por ancoragens linguísticas.

23
TABELA 1 - TEXTO-FONTE (BÍBLIA SAGRADA DO REI JAMES) E GÊNESIS,
DE ROBERT CRUMB (PÁGINA 15)

TEXTO-FONTE TEXTO-RETEXTUALIZADOGÊNESIS DE
BÍBLIA SAGRADA ROBERT CRUMB – página 15
DO REIJAMES

30:1 Também dou a todos os


animais da terra, a todas as
aves dos céus, a todos os rép-
teis da terra, e a todas as cria-
turas em que há fôlego de
vida, todos os vegetais exis-
tentes, como mantimento e
sustento!” E assim aconte-
ceu.31:1 Então Deus contem-
plou toda a sua criação, e eis
que tudo era muito bom. Hou-
ve, assim, a tarde e a manhã:
esse foi o sexto dia.2:1 Assim
foram concluídos o Céu e a
Terra, como todo o seu exér-
cito.2:2 No sétimo dia, Deus
já havia terminado a obra que
determinara; nesse dia des-
cansou de todo o trabalho que
havia realizado.2:3 Então
abençoou Deus o sétimo dia
e o santificou, porquanto nele
descansou depois de toda a
obra que empreendera na cri-
ação.2:4 Esta é a história do
início da humanidade, no tem-
po em que Yahweh Deus criou
o Céu e a Terra.2:5 Não havia
ainda brotado nenhum arbus-
to sobre a terra e nenhuma
erva dos campos tinha ainda
crescido, porque o SENHOR
não havia feito chover sobre
a terra e não havia homem
para cultivar o solo.2:6 Entre-
tanto, fontes de água brota-
vam da terra e regavam toda
a superfície do solo.2:7 Então
o SENHOR modelou o ser
humano do pó da terra, feito
argila, e soprou em suas nari-
nas o fôlego de vida, e o ho-
mem se tornou um servivente.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2018.

24
O texto-fonte traz no versículo 2:4 “Esta é a história do início
da humanidade, no tempo em que Yahweh Deus criou o Céu e a
Terra”. Já o texto retextualizado por Crumb, temos “Tal é a história
dos céus e da terra, de quando eles foram criados”. Nota-se que o
termo “humanidade”, presente no texto-fonte foi suprimido no texto
retextualizado por Crumb. Isso se deve ao fato, segundo a história
bíblica, de não existirem seres viventes humanos na passagem em
questão. O artista obedece de fato à progressão discursiva bíblica.
Por mais que as personagens tenham sido apresentadas nas páginas
14 e 15 de sua obra, estas apresentações são apenas uma antecipação
do que terá por vir na sequência narrativa. Esta estratégia de
composição auxilia os leitores a entenderem a história da criação,
bem como depreender as significações entre o verbal e o visual.
Verificamos que as partes verbais entre os textos (texto-fonte e
texto retextualizado) sinalizam seus componentes linguísticos e
visuais.
Na tabela 1, Crumb une os versículos em duas progressões
discursivas. Na primeira, acima dos quadrinhos em uma sequência
horizontal, Deus está satisfeito com a criação, o que de fato abre o
segundo capítulo da obra de Crumb. Na sequência, o artista cria três
quadros estabelecendo uma relação efetiva entre o verbal e visual,
pois as situações representadas nas imagens reforçam o que é expresso
verbalmente no texto bíblico.
Espera-se que o leitor ao ler a parte escrita e a visual possa
atentar-se às duas dimensões comunicativas que se alinham,
propondo a ativação da memória e dos conhecimentos de mundo e
partilhados para uma efetiva interpretação do início da narrativa
bíblica, no que se compreende a criação da vida humana.
Segundo Eisner (2010, p.19), nas HQs, a imagem e a palavra
apresentam o mesmo peso e se complementam constituindo uma
linguagem acessível para o entendimento do leitor. Crumb ao ilustrar
as cenas da tabela 1 robustece a teoria de Eisner. As linguagens verbal
e visual se complementam numa representação quase “documental”
sobre o que pode ser imaginado como a história da criação.
25
Segundo Januário (2018, p. 119), cabe ressaltar aqui a importância
da retextualização, tendo como peculiaridade os requadros da página
da HQ. Atentando-se à página 15, é perceptível a ausência de moldura.
Para Eisner (2010), o ato de enquadrar ou moldurar a ação não só
define seu perímetro, mas estabelece a posição do leitor em relação às
cenas e pode indicar a duração do evento, que neste caso é o tempo
presente. O leitor passa a perceber a materialização “dos feitos” de
Deus que são expressos nos quadrinhos 2 e 3 da página 15, sendo:
Deus, de braços cruzados, contemplando Adão e Eva que interagem
com as outras criaturas e, recostado em uma árvore com semblante
sereno, de olhos fechados, conotando a satisfação e/ou a ideia de “dever
cumprido”. Crumb, ao apresentar as personagens e a interação dos
mesmos em uma determinada sequencialidade (os três primeiros
quadrinhos da página 15), oferece ao leitor a depreensão de que as
cenas possuem maior duração de tempo. Este indicativo pode ser
devidamente verificado a partir das locuções adverbiais apresentadas
nas seguintes passagens do texto-fonte e no texto retextualizado,
respectivamente: “Houve, assim, à tarde e a manhã: esse Foi o sexto dia” e
“E houve uma tarde e houve uma manhã, o sexto dia”.
Ainda, segundo Januário (2018, p. 119 – 121), os versículos 2:6
e 2:7 do texto-fonte e os quadrinhos 3 e 4 do texto retextualizado,
verificamos a presença de analepsis4, a interrupção de uma sequência
cronológica narrativa pela interpelação de eventos ocorridos
anteriormente, neste caso, a criação do homem, como um ser vivente.
É, portanto, uma forma de anacronia, ou seja, uma mudança de plano
temporal que apresenta a relevância da temática e ressalta o valor da
memória do narrador.
Os elementos narratológicos apresentados anteriormente, bem
como os demais de toda a HQ de Crumb, podem ser depreendidos
4
A analepse é um recurso narratológico conhecido como “flashback” (de volta ao passado) usado em
narrativas literárias com o objetivo de criar um suspense ou efeito dramático mais forte na história,
ou ainda, para desenvolver um personagem, dando-lhe mais destaque.
5
As HQs de modo geral são textos híbridos por apresentarem os requadros e falas em balões, que
representam a sequência de ações e falas das personagens. A hibridização é verossímil e dinâmica no
processo comunicativo das HQs, oferecendo ao leitor evidências de elementos estruturantes de
diferentes gêneros textuais.

26
pelas linguagens verbal e visual, que evidenciam o processo de
retextualização e a importância da situacionalidade defendidos por
Travaglia (2013, p.130-131) ao afirmar que tal processo e fator de
textualidade influenciam na recepção da mensagem apresentada ao
leitor, referindo-se a compostos devidamente instituídos de valores,
tomados de elementos de estrutura textual que são diluídos e propõem
a contextualização. Devemos entender que os quadrinhos
apresentados em nosso corpus apresentam duas linguagens distintas
com seus respectivos elementos de estrutura, formando textos
híbridos5 em uma convenção narrativa histórica, social e cultural.
O que salientamos neste tópico são as possibilidades de entender
melhor a sequência narrativa do recorte proposto e compreender
como funcionam seus elementos constitutivos dentro de um plano
explícito ou implícito de ações.
O plano explícito está na associação entre o verbal (texto-fonte)
à esquerda e o texto-derivado não verbal (à direita), enquanto o plano
implícito está no processo de interpretação do leitor ao fazer as
devidas associações e perceber as equivalências entre os elementos
linguísticos dos textos.
Com base na assertiva anterior, verificamos a intencionalidade
e aceitabilidade do texto-fonte e do texto derivado. Em ambos, o
repertório linguístico e visual são claros e concisos para o leitor, sem
que haja suspeitas ou questionamentos quanto à temática
apresentada, pois o conteúdo é símile. É verificável que a
retextualização do verbal feita por Crumb é diferente, mas o composto
vocabular obedece à transmissão sinonímica do repertório narrativo
bíblico. Quanto à consistência e a relevância entre os textos
comparados na tabela 1, os mesmos apresentam enunciados verbais
e elementos visuais que se articulam em uma segmentação lógica,
conferindo ao leitor a interpretabilidade, o que ratifica o estilo e a
forma presentes na HQ.

27
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou promover uma reflexão sobre a atividade
da retextualização que, consequentemente, reforça a importância da
leitura, compreensão e interpretação, a partir dos conhecimentos
teóricos apresentados que possibilita o desenvolvimento das
habilidades e das competências do leitor.
Após análises feitas e apresentadas neste trabalho, sobre a
temática da retextualização, verificou-se que o gênero HQ permite
algumas possibilidades e estratégias de leitura e interpretação, que,
consequentemente, recai na escrita, priorizando a participação ativa
entre os interlocutores, o que promove a realização de um trabalho
coletivo, encurtando as distâncias entre emissor-autor, voz do texto e
receptor-leitor.
Assim, este trabalho considerou reflexões como um ponto de
partida para novas possibilidades de retorno ao tema. O campo de
pesquisa para as histórias em quadrinhos ainda é vasto, possibiltando
novas perspectivas de análises sobre a temática proposta no âmbito
educacional ou linguístico. Ambos os campos oferecem elementos
capazes de enfatizar valores de dinamicidade e dialogia entre textos,
permitindo com que o desenvolvimento cognitivo aconteça de
maneira gradativa, reflexiva e criativa, por parte do leitor. Assim,
entendemos que a atividade da retextualização faz parte de um
processo formativo, educativo e linguístico.

AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)
– Código de Financiamento 001.

28
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 5. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2010.
Bíblia King James Version 1611. Londres (EN): Cambridge Edition, 1900.
SCRIBD. Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/291542996/110496266-
1611-King-James-Bible. Acesso em: 20 fev. 2018.
CAMPOS, R. Imageria: o nascimento das histórias em quadrinhos. São Paulo:
Veneta, 2015.
CARDOSO; E. A. Atas do V SIMELP. Simpósio 29 – Estudos do estilo em
diferentes gêneros discursivos. De volta ao futuro da língua portuguesa. Universitá
del Salento, 2017, p. 1727 – 1738. Disponível em:<http://siba-ese.unisalento.it/
index.php/dvaf/article/view/17931/15282>. Acesso em: 05 out. 2017.
CAVALCANTE, M. M. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2016.
CAKOF. L. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/2/18/
ilustrada/9.html>. Acesso em: 05 out. 2017.
CRUMB, R. Gênesis. Tradução Rogério de Campos. São Paulo: Conrad, 2009.
p.11- 27.
DELL’ISOLA, R. Retextualização de gêneros escritos. Rio de Janeiro: Lucerna,
2007.
DUNCAN, R; SMITH, M. J. Thepowerofcomics: history, formandculture. New
York: Bloomsbury, 2015.
EISNER, W. Quadrinhos e arte sequencial. Tradução Luís Carlos Borges. São
Paulo: Martins Fontes, 2010.
______. Narrativas gráficas. Tradução de Leandro Luigi Del Manto. São Paulo:
Devir,2008.
GARCIA, S. A novela gráfica. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Martins
Fontes, 2012.
GOMBRICH, H. E. História da Arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender: os sentidos do texto. São Paulo:
Contexto, 2015.
KELLY,L.G.TheTrueInterpreter:aHistoryofTranslationTheoryandPracticeinthe
West. Col: Lecture notes in mathematics 1358. [S.l.]: St. Martin’s Press,1979.
______. ELIAS, V. M. Ler e Escrever: estratégias de produção textual. São Paulo:
Contexto,2011.
______. BENTES, A. C.; CAVALCANTE, M. M. Intertextualidade:
diálogospossíveis. 1 ed. São Paulo: Cortez,2008.

29
MARCUSCHI, L. A. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. In:
DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria
Auxiliadora (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 10. ed. São Paulo:
Cortez, 2013.
______. Linguística do texto: o que é e como se faz? 3. ed. São Paulo: Parábola,
2013.
______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
MCCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M. Books do Brasil
Editora Ltda, 2005.
JANUÁRIO, Nícolas Vladimir de Souza. Da Bíblia para os quadrinhos: o
processo deretextualização em “Gênesis” de Robert Crumb. 2017. 162f.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.
RAMOS, P. Histórias em quadrinhos: gênero ou hipergênero? Universidade
Metodista de São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.gel.org.br/
estudoslinguisticos/volumes/38/EL_V38N3_28.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2017.
SAMOYAULT, T. A intertextualidade. Tradução de Sandra Nitrini. São Paulo:
Hucitec, 2008.
TRAVAGLIA, N. G. Tradução retextualização: a tradução numa perspectiva
textual. 2. ed. Uberlândia: Edufu, 2013.

30
CAPÍTULO 2

A FÓRMULA DISCURSIVA SOBRE A GLOBALIZAÇÃO NA


OBRA DE MILTON SANTOS
THE DISCURSIVE FORMULA ABOUT GLOBALIZATION IN THE
WORK OF MILTON SANTOS

Talita de Carvalho Guiraldelli VENÂNCIO


Anderson Luis VENÂNCIO
Marilurdes Cruz BORGES

RESUMO
A ocorrência do sintagma “globalização”, tomado como exemplo desse
funcionamento formulaico que uma palavra ou expressão pode assumir, é o que
nos leva, então, a tomar para nossa pesquisa o ponto de partida segundo o qual o
estatuto de fórmula para o sintagma nos propomos a analisar, ou seja, a
globalização. Para além disso, cabe inserir as reflexões propostas por Milton Santos
a respeito das incongruências do processo de globalização.
Palavras-chave: Análise do discurso; sintagma; globalização.

ABSTRACT
The occurrence of the phrase “globalization”, taken as an example of this formulaic
functioning that a word or expression can assume, which leads us, then, to take for our
research the starting point according to which the status of formula for the phrase we
propose to analyze, that is, globalization. In addition, it is worth inserting the reflections
proposed by Milton Santos regarding the inconsistencies of the globalization process.
Keywords: Discourse analysis; syntagma; globalization.

INTRODUÇÃO
Em sua tese de doutorado intitulada Émergence et emplois de la
formule “purification éthnique” dans la presse française (1980-1994), une
analyse du discours, Krieg-Planque (2000) apresenta um estudo da
circulação do sintagma “purificação étnica” e suas variações, como
“limpeza étnica” e “depuração étnica”, nas mídias francesas e
internacionais, no período da guerra da ex-Iugoslávia. Os resultados
desse estudo e sua análise dão origem à obra “Purification éthnique”:
une formule et son histoire (KRIEG-PLANQUE, 2003).
31
A partir da tradução do livro para o português, no Brasil, diversas
pesquisas foram realizadas, tanto para investigar como determinados
sintagmas se consolidam como fórmulas discursiva, quanto para
estudar a circulação de fórmulas já consagradas, como é o caso de
“globalização”, citada como exemplo de fórmula discursiva por Krieg-
Planque (2010). Facin e Freitas (2012), por exemplo, apresentam uma
pesquisa sobre a fórmula discursiva “sustentabilidade” inscrita em
anúncios publicitários, divulgados em número especial da revista Veja
de 2011, com o objetivo de analisar de que modo o conceito de
sustentabilidade se consolida nesse gênero discursivo. Trata-se,
portanto, de um estudo que não objetiva discutir a ocorrência ou não
de uma fórmula, mas de partir de um sintagma já entendido como
fórmula discursiva e investigar seu percurso em determinado corpus.
Mas esse não é o tipo de pesquisa mais comum em se tratando do
conceito de fórmula tal como entendido por Krieg-Planque (2010).
Geralmente, os pesquisadores discutem sobre a possibilidade de se
pensar ou não um determinado sintagma como uma fórmula discursiva,
a partir do exame de como o referido sintagma preenche, mesmo que
parcialmente, as propriedades que constituem uma fórmula discursiva.
Considerando o exposto, entendemos que a proposta teórico-
metodológica de Krieg-Planque (2010) sobre a noção de fórmula
discursiva, pode ser empregada em pesquisas para análise discursiva
de diversos corpora, ampliando, assim, as possibilidades dos analistas
de discursos, notadamente daqueles que lidam com os campos
políticos, midiáticos e institucionais em geral.
Os sentidos de “globalização” nesta análise serão tomados em
relação ao pensamento do geógrafo Milton Santos1 (2006, 2015), cujos
1
Milton Santos (1926-2001) foi bacharel em Direito (UFB, 1948) e doutor em Geografia(Universidade de
Strasbourg,1958). Em um momento em que a Geografia ainda estava em estado germinal como ciência no
Brasil, foi um dos responsáveis pela estruturação do conhecimento geográfico na academia brasileira,
considerado, portanto, um dos pioneiros do campo da Geografia nacional. Lecionou em diversas universidades
brasileiras e estrangeiras e, mesmo depois de aposentado, continuou a lecionar na USP, onde ingressou em
1984. O Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal) sedia a Cátedra Milton Santos,
dedicada a estudos e pesquisas na área. Autor de várias obras que tratavam de temas como a economia
urbana dos países em desenvolvimento; a renovação da Geografia como ciência; os estudos do meio técnico-
cientifico-informacional e a globalização, em 1994, Santos recebeu o Prêmio Internacional de Geografia
Vautrin Lud,uma espécie de Nobel da especialidade, atribuído por universidades de vários países.

32
textos sobre o tema consideraremos corpus de referência para a
pesquisa, daí a perspectiva de uma análise interdiscursiva.

GÊNESE DA NOÇÃO DE FÓRMULA


Krieg-Plangue, em seu livro A noção de fórmula em análise do
discurso: quadro teórico e metodológico, publicado no Brasil em 2010,
propõe a noção de fórmula discursiva como uma maneira de estudar
os diferentes lugares discursivos dos atores sociais na
contemporaneidade
Há uma continuidade do trabalho de Faye nos estudos de Ebel
e Fiala que analisam as fórmulas Überfremdung (influência e
superpopulação estrangeiras) e “xenofobia”. O estudo é centrado nas
três campanhas2 para o plebiscito, nas quais os cidadãos suíços se
pronunciaram contra ou a favor de uma proposta de limitação da
imigração. “O objetivo dos autores é analisar [...] as unidades lexicais
‘Überfremdung’ e ‘Xenofobia’ na medida em que elas cristalizam
certos temas sociopolíticos e se caracterizam por um funcionamento
polêmico” (KRIEG-PLANQUE 2010, p. 51).
Apesar da expressão Überfremdung ser encontrada em alguns
textos legislativos antes dos plebiscitos da década de 70, é somente
nos anos 1960 “que a expressão começa a se constituir como fórmula,
isto é, a ser uma unidade que significa alguma coisa para todos, ao
mesmo tempo em que se torna objeto de polêmicas” (KRIEG-
PLANQUE 2010, p.52). Já “xenofobia” foi tomada como termo de
acusação nos debates durante as campanhas constituindo-se, assim,
como “referente social dominante [...] os adversários da iniciativa
impuseram a asserção ‘vocês são xenófobos’, que, designando-
interpelando seus interlocutores, assumiu a forma de uma acusação”
(FIALA e EBEL, 1983, apud KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 52).
Considerando os estudos de Faye, Fiala e Ebel fazem uso da noção
de fórmula e dizem que

2
Campanhas de 1970, 1974 e 1977, nos três plebiscitos os cidadãos se pronunciaram contra a
limitação de imigrantes na Suíça.

33
uma fórmula assemelha-se a um referente social, isto é,
um signo que significa alguma coisa para todos em um
momento dado. Ao dizer que “Überfremdung” e
“Xenofobia” são referentes sociais, entendemos que, nos
anos 1960-1980, qualquer locutor, individual ou coletivo,
sabia ou pretendia saber o que “significavam” essas
fórmulas (FIALA & EBEL, 1983, apud KRIEG-
PLANQUE, 2010, p.53).

É um fato que a fórmula posta em circulação permite inferirmos


que quando há um significante comum o significado pode ser
redefinido devido a sua circulação, e é exatamente por essa razão
que ela assume um caráter polêmico.

A fórmula é constitutivamente polêmica. É porque se põe


como dominante que ela não é aceita por todos, é porque
se impõe que ela faz tanto barulho. A distinção ‘“referente
social”’/‘“polêmica”’ pode, então, ser vista como um
artifício a serviço da análise, permitindo descobrir os
lugares de instalação ou, ao contrário, de fragilização da
fórmula. Mas, na massa de discursos que se respondem,
construção da fórmula como referente social e construção
da fórmula como objeto polêmico são indissociáveis
(KRIEG-PLANQUE, 2010, p.56).

Observando os trabalhos de Faye e de Fiala e Ebel, Krieg-


Planque propõe que o objeto fórmula possui algumas propriedades
fundamentais, ou seja, para que uma sequência possa ser
caracterizada como fórmula é preciso que ela atenda a quatro
propriedades.

2.1 PROPRIEDADES CONSTITUTIVAS DA FÓRMULA


Em seu livro Purification ethique: une formule et son historie
publicado em 2003, Krieg Planque analisa a fórmula “purificação
étnica” estudando os momentos, na história, em que as palavras
“purificação”, “limpeza”, “depuração” e “étnica” formam os
sintagmas neológicos “purificação étnica”, “limpeza étnica” e
“depuração étnica” que começa a circular na década de 1990,
principalmente, em textos jornalísticos que se propunham interpretar
34
a questão dos conflitos étnicos na antiga Iugoslávia. O objetivo era
apreender de que modo o sintagma “purificação étnica” aparecia
nos discursos de comentadores das guerras iugoslavas. Assim, a autora
estabelece quatro propriedades que devem constituir uma sequência
linguística em ascensão à fórmula, são elas: a) ter um caráter
cristalizado; b) se inscrever numa dimensão discursiva; c) funcionar
como um referente social e d) comportar um aspecto polêmico.
A primeira propriedade, o caráter cristalizado da fórmula, pode
ser identificada pelo fato de possuir uma forma significante mais ou
menos estável cuja cristalização se dá através de um processo
tautológico. Podemos distinguir dois modos de cristalização,
cristalização de ordem estrutural e cristalização de ordem memorial.

A primeira ordem “remete a uma análise sistemática das


expressões cristalizadas nos ternos da língua e nas
categorias da gramática” (Habert e Fiala, 1989:87). Os
autores citam como exemplo “chercher des crosses”
[procurando sarna pra se coçar] e “em flagrant délit” [em
flagrante delito]. A segunda ordem de cristalizações “remete
ao conjunto de enunciados ou fragmentos de enunciados
que circulam “em bloco”’ num dado momento e que são
percebidos como formando um todo cuja origem é, ou não
é, recuperável, como “le vin nouveau est arrivé”’ [saiu a
nova safra (de vinho)] ou “Ariel lave plus blanc” [Ariel
lava mais branco] (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.64).

O processo de cristalização varia de acordo com o grau


resultante do julgamento feito pelos locutores a determinadas
sequências discursivas. Para Krieg-Planque, dizer que há julgamento
é dizer que existe uma subjetividade dos locutores. Assim, podemos
afirmar que é de fundamental importância para sua aceitabilidade e
circulação. O caráter cristalizado é sustentado por um processo
tautológico. Conforme Krieg-Planque (2010, p. 66), “a cristalização
não é só um fenômeno intrínseco, mas que resulta de um julgamento
atribuído pelos locutores a certas sequências discursivas”. O caráter
cristalizado da fórmula depende, em parte, de avaliações pessoais,
aliás, pode ser percebida como cristalizada por certos interpretantes
num dado contexto e percebida de forma livre por outros.
35
A sequência “produit actif” [princípio ativo] talvez seja
entendida como um sintagma cristalizado por um
farmacêutico ou por um toxicologista quando esse
sintagma figura nas indicações de uso de um produto
medicamentoso. Mas é possível que o usuário ordinário
dessa indicação entenda “produit actif” [literalmente,
produto ativo] como uma composição livre, e é possível
que o mesmo farmacêutico entenda “produit actif”’ como
uma sequência livre em outros contextos (“‘Tu ferais
mieux d’utiliser ce débouche-évier, c’est um produit
actif”’ [Você devia usar esse desentupidor de pia, que é
um produto ativo (forte/eficaz)] (KRIEG-PLANQUE,
2010, p.66).

O caráter cristalizado da fórmula é marcado por uma


materialidade linguística particular com a qual ela se identifica,
portanto não se deve proceder a análise munido de um formalismo
absoluto, pois os sintagmas podem possuir variantes, ou seja,
modificações morfológicas que podem conduzir a sintagmas novos,
ou seja, formulações concorrentes da fórmula 3. Krieg-Planque
entende que as formulações concorrentes não são sinônimas em
língua da fórmula, mas são sequências que funcionam efetivamente
no discurso e, por vezes, são mais ou menos polêmicas, portanto não
são adversárias linguísticas, mas “concorrentes do ponto de vista
sociopragmático” (HENRY BOYER, 1987 apud KRIEG-
PLANQUE, 2010, p. 71).
O suporte para a fórmula é encontrado na materialidade
linguística, relativamente estável e linguisticamente descritível.
“Mesmo assim, a noção de fórmula não é uma noção linguística. Ela
é, antes de mais nada, uma noção discursiva. A fórmula não existe
sem os usos que a tornam uma fórmula” (KRIEG-PLANQUE, 2010,
p.81). Assim, o estatuto da fórmula acontece juntamente com suas
primeiras aparições materiais e quando se põe a circular no espaço
público. Isso nos leva à segunda principal propriedade da fórmula: o
seu caráter discursivo.
3
Formulações concorrentes da fórmula são “sequências que podem ser estranhas à fórmula de um
ponto de vista morfológico, mas que funcionam, em contexto, como alternativas (eventualmente
como alternativas conflituosas)” (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.70).

36
O caráter discursivo da fórmula é o que resulta, na
sequência, de uma certa utilização, seja ela concomitante
ou posterior ao aparecimento dessa sequência na língua.
Essa utilização varia de uma fórmula a outra. Ela deve,
no entanto, reunir duas propriedades constitutivas da
fórmula: seu caráter de referente social e seu caráter
polêmico, duas propriedades que apreendemos como
independentes (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.90).

O caráter de referente social da fórmula é a terceira principal


propriedade que a constitui. É importante lembrarmos que a
significação que a fórmula porta não é homogênea, pois suas
significações podem ser múltiplas e até mesmo contraditórias, revelando
sua face dominante num determinado momento e num dado espaço.
Krieg-Planque (2010) entende que a fórmula como referente
social é um signo que permite lembrar alguma coisa para todos num
dado momento, tornando-se conhecida na medida em que designa
alguma coisa e para que isso ocorra, é necessário que ela seja
conhecida por todos. Assim, o signo precisa ser notório. Um indicador
do caráter notório do signo pode ser identificado através de sua
frequência e fortalecimento no universo discursivo. Em certos
momentos, o aumento da frequência não é sinônimo da presença de
fórmulas, pois esse aumento pode ser derivado de acontecimentos
isolados que não acarretaram no fortalecimento da presença dessas
palavras, ou seja, não é um acontecimento discursivo e nocional.
A partir do momento em que a autora infere que a fórmula,
sendo um referente social, é um signo conhecido de todos, partimos
do princípio que esse signo seja testado em tipos variados de discursos,
tanto orais quanto escritos, especializados e leigos. Mesmo partilhando
das características que constituem uma fórmula, certas palavras ou
expressões só são consideradas fórmulas se transpõem seu domínio,
ou seja, para que possamos dizer que se trata de uma fórmula é
necessário que a encontremos nos mais variados tipos de discurso.
Assim, o lugar de emergência da fórmula precisa ser diversificado.
Por fim, a quarta e última propriedade constitutiva da fórmula:
seu caráter polêmico. Fiala e Ebel (1983 apud KRIEG-PLANQUE,

37
2010, p. 99) ressaltam que o caráter polêmico é indissociável do caráter
de referente social, pois quando há um território partilhado há
polêmica, ou seja, a fórmula é objeto de polêmicas porque é portadora
de questões sociopolíticas. Krieg-Planque (2010) entende que a
fórmula tem um caráter histórico, devido ao fato de se constituir como
um referente social em um espaço público e, por isso, ser objeto de
debate e carregar questões polêmicas.
Considerando que uma fórmula raramente participa de um
único processo discursivo e, durante os debates, concentra várias
questões, quase sempre se insere em polêmicas variadas. E ainda,

o caráter polêmico da fórmula não é algo abstrato. Também


não é, tal como o consideramos, algo vago, isto é, algo que
seria mais ou menos associável a uma “tonalidade” geral
do discurso ou a um modo de enunciação globalmente
rotulado de “polêmico”. Trata-se exatamente do caráter
polêmico da própria fórmula. Esse caráter polêmico é,
parcialmente, determinado, orientado pela morfossintaxe
e pelos componentes lexicais da sequência [...]. Mas ele é,
também e sobretudo, determinado pelos usos que são feitos
dessa sequência: não é porque ela é um adjetivo ou uma
nominalização de ação etc., que ela é polêmica, mas porque
ela é tomada nas práticas linguageiras (KRIEG-
PLANQUE, 2010, p.105).

Tendo apresentado as principais propriedades para que um


sintagma possa ser considerado uma fórmula, passamos à definição
de fórmula.

2.2 DEFINIÇÃO DE FÓRMULA


A palavra “fórmula” é atingida por múltiplas acepções que,
muitas vezes, são externas ao discurso científico das ciências da
linguagem. O termo traz acepções (que ele tem) no domínio da religião
e do sagrado; do jornalismo4. Enfim, o termo “fórmula” é um
4
Por exemplo, acepção religiosa: “a fórmula (mágica, sacramental, encantatória, cabalística...) é um
enunciado cristalizado (a ser recitado na ordem exata) e eficaz (enquanto performativa, ela age) [...]
acepção jornalística, algo pejorativa: um enunciado conciso, supostamente gerador de efeitos,
frequentemente pronunciado com fins provocativos ou polêmicos, talvez demagógicos, e fácil de ser
memorizado, portanto reproduzido, citado” (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.110).

38
enunciado “bem talhado e apto a chamar atenção; ela pode ser um
adágio, um provérbio, um ditado, uma sentença; ela pode ser uma
possibilidade, o elemento de uma alternativa (a fórmula federalista, a
fórmula centralizadora)” (KRIEG-PLANQUE, 2010, p.110).
As propriedades, expostas anteriormente, são precisas,
entretanto a fórmula se situa num continuum, pois a noção de fórmula
é aproximada. Conforme uma sequência se constitui, mais ou menos,
de cada uma das quatro propriedades que a caracterizam, ou seja, é
gradual e, até mesmo desigual, por exemplo, cristalização forte, mas
caráter polêmico fraco. Portanto, não são mensuráveis em termos de
presença ou ausência de cada propriedade, mas sim em termos de
ser mais ou menos bem preenchida:

O fato de a fórmula ser um objeto inscrito em um


continuum não faz dela, de modo algum, um objeto
totalmente acientífico que resiste a uma análise
fundamentada. Ao contrário, o caráter contínuo do objeto
– e, consequentemente, a grande diversidade de silhuetas
e figuras sob as quais será possível encontra-lo – faz da
noção de fórmula uma noção heurística, suscetível de ser
sempre recolocada, revisitada, redefinida (KRIEG-
PLANQUE, 2010, p.112).

A noção de fórmula se baseia na noção de usos e se põe a


funcionar num conjunto de práticas linguageiras e de relações de poder
e de opinião, em um momento e espaço público dados. As fórmulas
são sequências verbais, formalmente demarcáveis e relativamente
estáveis, que começam a funcionar nos discursos produzidos no espaço
público como expressões ao mesmo tempo partilhadas e polêmicas.
Uma fórmula discursiva se caracteriza pelo fato de ser um referente
social, isto é, em um determinado momento, ela circula em diferentes
setores (educacional, religioso, político, jornalístico etc.) em diferentes
gêneros discursivos (manuais, notícias, relatórios etc.) e em diferentes
suportes (jornais, sites etc.). Por fórmula, designamos

Um conjunto de formulações que, pelo fato de serem


empregadas em um momento e em um espaço público
dados, cristalizam questões políticas e sociais que essas

39
expressões contribuem, ao mesmo tempo, para construir.
Assim, por exemplo, podemos considerar que formulações
como “mundialização/globalização”, “mundializar/
globalizar” [...] etc. constituem as variantes de uma mesma
fórmula – “mundialização” – cujo estudo seria útil para
compreender o modo pelo qual os debates sobre o estado
das relações sociais se desenvolveram na virada do século
XX para o século XXI (KRIEG-PLANQUE, 2010, p. 9).

Temos aí, portanto, no dizer da autora, a ocorrência do sintagma


“globalização” como exemplo desse funcionamento formulaico que
uma palavra ou expressão pode assumir, o que nos leva, então, a tomar
para nossa pesquisa o ponto de partida segundo o qual o estatuto de
fórmula para o sintagma que estudamos, ou seja, “globalização”, já
está dado, não sendo necessário remontar aos diferentes momentos
da vida dessa palavra para construir (ou não) seu estatuto.

3.1 A GLOBALIZAÇÃO SEGUNDO MILTON SANTOS


Santos (2015), em seu livro Por uma outra globalização: do
pensamento único à consciência universal, defende a ideia de que é possível
outra inter pretação sobre o fenômeno da globalização,
problematizando acerca de como os avanços técnicos desse período
beneficiam um pequeno número de atores globais, em oposição a
uma proposta, defendida por Santos, da construção de um mundo
menos excludente e mais justo:

O mundo de hoje também autoriza uma outra percepção


da história por meio da contemplação da universalidade
empírica constituída com a emergência das novas técnicas
planetarizadas e as possibilidades abertas a seu uso. A
dialética entre essa universalidade empírica e as
particularidades encorajará a superação das práxis
invertidas, até agora comandadas pela ideologia
dominante, e a possibilidade de ultrapassar o reino da
necessidade, abrindo lugar para a utopia e para a
esperança. Nas condições históricas do presente, essa
nova maneira de enxergar a globalização permitirá
distinguir, na totalidade, aquilo que já é dado e existe
como um fato consumado, e aquilo que é possível, mas
ainda não realizado, vistos um e outro de forma unitária.
Lembremo-nos da lição de A. Schmidt (The concept of
nature in Marx, 1971) quando dizia que “a realidade é,

40
além disso, tudo aquilo em que ainda não nos tornamos,
ou seja, tudo aquilo que a nós mesmos nos projetamos como
seres humanos, por intermédio dos mitos, das escolhas,
das decisões e das lutas” (SANTOS, 2015, p.168).

O autor apresenta a existência de pelo menos três mundos num


só. O primeiro seria o mundo tal como nos fazem vê-lo: a globalização
como fábula; o segundo seria o mundo tal como ele é: a globalização
como perversidade; e o terceiro, o mundo como ele pode ser: uma
outra globalização.
O primeiro mundo, segundo Santos, seria repleto de fantasias
cuja repetição solidifica a visão do mercado global como sendo capaz
de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais
são aprofundadas: “Há uma busca de uniformidade, a serviço dos
atores hegemônicos, mas o mundo se torna menos unido, tornando
mais distante o sonho de uma cidadania verdadeiramente universal”
(SANTOS, 2015, p.19).
A perversidade do mundo é retratada pelo constante aumento
do desemprego, da pobreza, da baixa qualidade de vida, da fome,
das doenças e do desabrigo vistos em todos os continentes. Por fim,
o terceiro mundo: uma outra globalização:

Todavia, podemos pensar na construção de um outro


mundo, mediante uma globalização mais humana. As bases
materiais do período atual são, entre outras, a unicidade da
técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento
do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se
apoia para construir a globalização perversa [...]. Mas, essas
mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos,
se forem postas a serviço de outros fundamentos sociais e
políticos (SANTOS, 2015, p.20).

De acordo com Santos (2015), a globalização é o auge do


processo de internacionalização do mundo capitalista. Para o
entendimento dessa fase da história faz-se necessário levar em conta,
segundo o autor, dois elementos: o estado das técnicas e o estado da
política, que são, em sua visão, indissociáveis:

Há uma tendência a separar uma coisa da outra. Daí muitas


interpretações da história a partir das técnicas. E, por outro

41
lado, interpretações da história a partir da política. Na
realidade, nunca houve na história humana separação entre
as duas coisas. As técnicas são oferecidas como um sistema
e realizadas combinadamente através do trabalho e das
formas de escolha dos momentos e dos lugares de seu uso.
[...] Só que a globalização não é apenas a existência desse
novo sistema de técnicas. Ela é também o resultado das
ações que asseguram a emergência de um mercado dito
global, responsável pelo essencial dos processos políticos
atualmente eficazes (SANTOS, 2015, p. 24).

Devido ao avanço da ciência, no final do século XX, um sistema


de técnicas, especificamente, técnicas da informação começam a
formar um elo entre as demais técnicas propiciando, assim, um novo
sistema técnico em nível global.
Por conseguinte, a globalização não tem sua base apenas nesse
novo sistema de técnicas, ela também é capaz de proporcionar o
surgimento de um mercado dito global. Segundo Santos (2015), para
explicar a arquitetura da globalização é necessário considerarmos
quatro fatores: a) a unicidade da técnica, b) a convergência dos
momentos, c) a cognoscibilidade do planeta e d) a existência de um
motor único na história, representado pela mais-valia globalizada.
Como os fatores citados acima são o cerne da obra de Santos
(2015), para que o sistema de técnicas contemporâneas possa ser
utilizado de outras formas, ou seja, para entender de que maneira
outra globalização possa emergir no lugar dessa globalização
perversa, torna-se necessário entender, ainda que de maneira breve,
alguns dos seus aspectos constitucionais mais relevantes.
A unidade técnica atual pode ser representada pela técnica da
informação, isto é, por meio da internet e dos avanços na área
eletrônica, as diversas técnicas podem ser compartilhadas quase
instantaneamente e em qualquer lugar. Ao surgir um novo conjunto
de técnicas, as existentes, muitas vezes, não desaparecem, pelo
contrário, continuam existindo, “mas o novo conjunto de
instrumentos passa a ser usado pelos novos atores hegemônicos,
enquanto os não hegemônicos continuam utilizando conjuntos menos
atuais e menos poderosos” (SANTOS, 2015, p.25). Quando um país
42
não tem condições para mobilizar as mais atuais técnicas acaba se
tornando um ator de menor importância no cenário global:

Na história da humanidade é a primeira vez que tal


conjunto de técnicas envolve o planeta como um todo e
faz sentir, instantaneamente, sua presença. Isso, aliás,
contamina a forma de existência das outras técnicas, mais
atrasadas. As técnicas características do nosso tempo,
presentes que sejam em um só ponto do território, têm
uma influência marcante sobre o resto do país, o que é
bem diferente das situações anteriores. [...] A técnica da
informação alcança a totalidade de cada país, direta ou
indiretamente. Cada lugar tem acesso ao acontecer dos
outros. O princípio de seletividade se dá também como
princípio de hierarquia, porque todos os outros lugares
são avaliados e devem se referir àqueles dotados das
técnicas hegemônicas (SANTOS, 2015, p.25).

O fenômeno técnico desse período histórico procura se espalhar


graças à facilidade de acesso à internet, pelo território global a partir
de uma fragmentação da produção5, daí temos o surgimento das
empresas transnacionais. Essa relação entre a economia globalizada
e o fenômeno técnico é marcada por uma unidade política de comando,
em que cada empresa comanda suas respectivas operações
internamente, respeitando seu espaço no mercado, mas não há, até o
momento, uma unidade de comando do mercado global.
Santos (2015) denomina convergência dos momentos a possibilidade,
seja onde for, de se ter acesso ao que acontece em qualquer lugar do
mundo instantaneamente, mas esse acesso não é generalizado porque
é intermediado pelas grandes empresas de informação:

A história é comandada pelos grandes atores desse tempo


real, que são, ao mesmo tempo, os donos da velocidade e os
autores do discurso ideológico. Os homens não são
igualmente atores desse tempo real. Fisicamente, isto é,
potencialmente, ele existe para todos. Mas efetivamente, isto
é, socialmente, ele é excelente e assegura exclusividades,
ou, pelo menos, privilégios de uso (SANTOS, 2015, p.28).

5
“Estas funcionam a partir de uma fragmentação, já que um pedaço da produção pode ser feita na
Tunísia, outro na Malásia, outro ainda no Paraguai, mas isto apenas é possível porque a técnica hegemônica
de que falamos é presente ou passível de presença em toda a parte” (SANTOS, 2015, p.26).

43
Como visto, o período histórico atual dispõe de uma unicidade
técnica marcada pela convergência dos momentos, que permite ações
igualmente globais. Segundo Santos (2015), durante o imperialismo
existiam diversos motores do capitalismo, cada qual com suas
especificidades, gerenciavam suas ações seguindo modelos que
consideravam mais adequados para cada país. Atualmente, podemos
falar de uma mais-valia à escala mundial que atua como um motor único
e não mais vários motores do capitalismo atuando independentemente:

Esse motor único se tornou possível porque nos encontramos


em um novo patamar da internacionalização, com uma
verdadeira mundialização do produto, do dinheiro, do
crédito, da dívida, do consumo, da informação. Esse conjunto
de mundializações, uma sustentando e arrastando a outra,
impondo-se mutuamente, é também um fato novo. [...] Esse
sistema de forças pode levar a pensar que o mundo se
encaminha para algo como uma homogeneização, uma
vocação a um padrão único, o que seria devido, de um lado,
à mundialização da técnica, de outro, à mundialização da
mais-valia (SANTOS, 2015, p. 30).

O quarto e último fator que nos auxilia a compreender a


estrutura da globalização é a cognoscibilidade do planeta. O atual
período histórico nos permite conhecer o planeta Terra de forma
extensiva e inédita, pois em nenhum outro período foram oferecidos
ao homem recursos que possibilitassem desvendar os mistérios do
nosso universo com tanta propriedade e cientificidade.
Para Santos (2015), esse período técnico-científico da história
permite ao homem não apenas utilizar o que encontra na natureza,
mas, também, criar novos materiais e conceber novos objetos. O autor
exemplifica citando a construção de satélites que possibilitam o
registro de imagens detalhadas da Terra, por meio dos quais passamos
a conhecer todos os lugares e a observar os astros do sistema solar:

Com a globalização e por meio da empiricização da


universalidade que ela possibilitou, estamos mais perto de
construir uma filosofia das técnicas e das ações correlatas,
que seja também uma forma de conhecimento concreto do
mundo tomado como um todo e das particularidades dos

44
lugares, que incluem condições físicas, naturais ou
artificiais e condições políticas. As empresas, na busca da
mais-valia desejada, valorizam diferentemente as
localizações. Não é qualquer lugar que interessa a tal ou
qual firma. A cognoscibilidade do planeta constitui um dado
essencial à operação das empresas e à produção do sistema
histórico atual (SANTOS, 2015, p. 33).

A globalização é um fenômeno de múltiplas dimensões:


econômica, social, política e cultural. Seu estudo pode ser realizado
a partir da articulação dos conceitos que englobam o capitalismo, ou
seja, as relações de poder, a organização da produção e as ideologias
que são produzidas em escala global.
Para Santos (2015, p.65),

[...] essa globalização tem de ser encarada a partir de dois


processos paralelos. De um lado, dá-se a produção de uma
materialidade, ou seja, das condições materiais que nos
cercam e que são a base da produção econômica, dos
transportes e das comunicações. De outro há a produção de
novas relações sociais entre países, classes e pessoas. A nova
situação, conforme já acentuamos, vai se alicerçar em duas
colunas centrais. Uma tem como base o dinheiro e a outra
se funda na informação. Dentro de cada país, sobretudo entre
os mais pobres, informação e dinheiro mundializados
acabam por se impor como algo autônomo em face da
sociedade e, mesmo, da economia, tornando-se um elemento
fundamental da produção, e ao mesmo tempo da geopolítica,
isto é, das relações entre países e dentro de cada nação.

Tendo apresentado tal concepção sobre o fenômeno da


globalização, passamos à análise dos modos com o sintagma
“globalização”, entendido como uma fórmula discursiva, circula nos
diversos volumes do Caderno do Professor de Geografia do Estado
de São Paulo, construindo prescrições para o trabalho do professor e
sentidos sobre um tema polêmico da contemporaneidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É evidente que o processo de globalização é irreversível. São
inegáveis os benefícios trazidos por esse processo, tais como:

45
conectividade, rapidez no fluxo de informações, facilidades nos
transportes e comunicação, intercâmbios culturais e, claro, geração
de riqueza. Porém, é nisso que está o principal entrave trazido pela
globalização: a concentração excessiva e aviltante de riqueza nas mãos
de uma minoria. Além disso, a melhoria no fluxo de informação não
significa, em grande parte dos casos, em melhoria do conhecimento.
O paradoxo imposto pelo atual modelo de globalização está no fato
de que nunca foi tão fácil produzir riqueza e mesmo assim a maior
parte do mundo continuar pobre. Isso é mais evidente nos países que
não conseguiram ainda alcançar um patamar elevado em pesquisa e
desenvolvimento. Se tirarmos a maquiagem, veremos que a
globalização não é tão bela quanto parece.

AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)
– Código de Financiamento 001.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, Alexandre de Freitas. O mundo globalizado. 5 ed. São Paulo:
Contexto, 2010.
KRIEG-PLANQUE, Alice. A noção de “fórmula” em análise do discurso:
quadro teórico e metodológico. Tradução de Luciana Salazar Salgado e Sírio
Possenti. São Paulo: Parábola, 2010.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à
consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2015.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: Edusp, 2006.
SANTOS, Marie-Hélè Tiercelin. Biografia de Milton de Santos, 2011. Disponível
em: http://miltonsantos.com.br/site/biografia. Acesso em: 29 abr. 2021.
SENE, Eustáquio de. Globalização e espaço geográfico. 4 ed. São Paulo:
Contexto, 2012.

46
CAPÍTULO 3

LEI DE LIBRAS: 20 ANOS DE UMA POLÍTICA INCLUSIVA?

LIBRAS LAW: 20 YEARS OF AN INCLUSIVE POLICY?

Marcelo Henrique BASTOS


Assunção CRISTOVÃO

RESUMO
Neste artigo, foi apresentada uma reflexão acerca de um acontecimento
histórico que marcou profundamente a comunidade surda e os movimentos
sociais que lutavam para serem reconhecidos os direitos linguísticos dos surdos.
Referido momento se materializou com a aprovação e promulgação da lei nº
10.436/02 que significou um novo olhar a este grupo minoritário. Dessa forma,
estabeleceu-se a Língua Brasileira de Sinais como a primeira língua do surdo
para que este possa ter a possibilidade de interagir e participar de uma
sociedade majoritariamente ouvintista. Decorridos vinte anos da aprovação
da lei de Libras evidencia-se a implementação e a oferta de interlocutores no
ambiente educacional e isso, sem dúvida, é um ganho para o aluno surdo em
seu processo de aprendizagem. Entretanto, a partir de trabalhos recentes,
também foi possível verificar que uma inclusão de fato ainda não ocorreu,
posto que a interação entre alunos surdos e ouvintes e, até mesmo com os
professores regentes da sala regular apresenta-se falha, o que não contribui
para um processo educacional bilingue.
Palavras-Chave: Surdez. Libras. Educação. Inclusão.

ABSTRACT
In this article, a reflection was presented on a historical event that profoundly
marked the deaf community and the social movements that struggled to have
the linguistic rights of the deaf recognized. That moment materialized with the
approval and enactment of Law nº 10.436/02, which meant a new look at this
minority group. In this way, the Brazilian Sign Language was established as the
first language of the deaf so that they can have the possibility of interacting and
participating in a mostly hearing society. Twenty years after the approval of the
Libras law, the implementation and the offer of interlocutors in the educational
environment are evident, and this is a gain for the deaf student in his learning
process. However, from recent works it was also possible to verify that an
inclusion in fact has not yet occurred, since the interaction between deaf and

47
hearing students, and even with the teachers in charge of the regular classroom
is flawed, which does not contribute to for a bilingual educational process.
Keywords: Deafness. Libras. Education. Inclusion.

INTRODUÇÃO
O interesse em desenvolver este artigo relaciona-se a um
acontecimento que marcou profundamente a memória e a história
da comunidade surda e seus militantes.
A comunidade surda, os movimentos sociais e os militantes da
causa ideológica (Libras) viram suas reivindicações e lutas se
materializarem em uma política de libertação linguística no dia 24
de abril de 2002, reconhecendo, desta maneira, a Língua Brasileira
de Sinais como a primeira língua do surdo. Diante deste
reconhecimento linguístico e cultural, o surdo passa a ser um sujeito
que estabelece sua interlocução por intermédio de um canal
comunicacional diferente. (HOFFMEISTER, 1999; JOKINEN,
1999; MOURA, 2000; SKLIAR, 2001; SÁ, 2002)
Portanto, o surdo não é um ser em falta em déficit que precisa
ser corrigido a fim de se adaptar à sociedade ouvintista, mas sim, um
indivíduo que se comunica e interage por meio da Língua de Sinais
que é distinto da interlocução oralista e ouvinte. Brito (2013, p.11)
enfoca que:

A discussão e votação pelos parlamentares ocorreram em


uma sessão seguida de perto por uma multidão de mais de
uma centena de pessoas surdas acompanhadas de intérpretes
e militantes ouvintes que lotava as galerias do plenário. Assim
que o presidente do Senado anunciou a aprovação da lei,
não se ouviu o habitual som de aplausos dos participantes
do evento. A cena que se viu era inédita naquele espaço de
poder legislativo, e profundamente simbólica. Os surdos
celebraram o resultado aplaudindo em Libras (mãos verticais
abertas, palma a palma, a cada lado da cabeça, os pulsos
girando, virando as palmas para frente e para trás, várias
vezes, com expressão facial de alegria).

Esta esperança de libertação linguística ficou demarcada em


um plenário repleto de conexão entre surdos e ouvintes unidos por
48
um objetivo comum, ou seja, a aprovação do Projeto de Lei do Senado
(PLS nº 131/96).
Com a aprovação do (PLS nº 131/96) de 13 de junho de 1996
no já mencionado 24 de abril de 2002, os grilhões oralista/ouvinte
foram rompidos e a colonização linguística imposta à comunidade
surda alforriada.
Todos os envolvidos compreendiam o valor histórico e
simbólico deste momento. Brito (2013 p. 12) destaca que

O ambiente era marcado por risadas, lágrimas, felicitações


e abraços. “3 de abril de 2002 é um dia de Festa, que
marcará a história dos Surdos brasileiros.
Conseguimos!!!”, escreveram os militantes Silvana
Patrícia de Vasconcelos e César Nunes Nogueira,
respectivamente diretora ouvinte e diretor surdo da
Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos
do Distrito Federal (Feneis-DF) e testemunhas desses
acontecimentos. (Apud FENEIS, 2002b, p. 4)

Diferentemente do Congresso de Milão de 1880, onde a


maioria ouvinte e oralizada determinou que fosse retirada a
comunicação dos surdos pela língua de sinais, os militantes ouvintes
que participavam deste momento ímpar bradavam pela legitimação
da língua de sinais para a comunidade surda. Esta corroboração
sinalizou a perspectiva de um novo futuro para este grupo minoritário.
A obscuridade e a falta de empatia dos congressistas de 1880 agora
se dissolviam no mar do passado. As cicatrizes de Milão permanecem,
mas o presente oportuniza a voz (sinais) da comunidade surda, que
agora precisa ter sua língua reverberada em todos os seguimentos
sociais. (GOLDFELD, 1997; TARTUCI, 2001; GÓES, 2002).
No dia 24 de abril de 2002, a comunidade surda brasileira
constata de maneira oficial que o (PLS nº 131/96) se transforma em
Lei sob o nº 10.436/02, assinada pelo então, Presidente Fernando
Henrique Cardoso. A publicação da Lei de Libras se deu no dia 25 de
abril de 2002 no Diário Oficial da União nº 79 na seção 1, página 23.
Diante desta publicação oficial, a materialização da conquista estava
consumada. Porém, a comunidade surda, os militantes e os grupos
49
sociais teriam que continuar a luta agora para uma real implementação
da lei em questão. Cassiano (2017, p. 23) entende que:

No entanto esse reconhecimento da Libras não é suficiente


(ainda) para que a comunidade surda possa ter seus
direitos afirmados. É necessário também que os ouvintes
que manterão relações com os surdos nos
estabelecimentos de ensino ou em quaisquer outros
lugares públicos, tenham a consciência e competência
para utilizar a Libras como meio oficial de comunicação.

Decorridos vinte anos deste triunfo histórico, ou seja, a


conquista da aprovação da Lei 10.436/02 pela comunidade surda,
duas indagações surgem: Qual a real difusão da Libras no ambiente
escolar para o aluno surdo? Existe suporte para que este aluno surdo
interaja e aprenda em sala de aula?
Para responder a esses questionamentos, pretendemos realizar
uma pesquisa bibliográfica e buscar em trabalhos mais recentes e em
possíveis respostas a respeito da implementação da Libras e da
educação de surdos no ensino regular.
A escolha dos trabalhos a serem analisados serão obtidos por
meio de pesquisa no google, sendo realizada de forma aleatória dentro
da temática em questão. Apenas há uma ressalva, quanto ao
delineamento dos trabalhos pesquisados: a do aspecto temporal, ou
seja, serão selecionadas pesquisas realizadas entre os anos de 2020,
2021 e 2022. Tal delineamento fará com que seja possível verificar
como se encontram a difusão da Libras e o processo de interação e
aprendizagem do aluno surdo no ensino regular decorridos vinte anos
da implementação da Libras.
No transcorrer deste trabalho, apresentaremos de forma concisa
um histórico legislatório que de certa forma contribuiu para que se
chegasse à base legal definitiva que foi a conquista do surdo em se
comunicar por meio de sua língua natural, ou seja, a Libras. (Lei
10.436/02).

50
LIBRAS - LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS – UM BREVE HISTÓRICO
Para discorrer a respeito da Língua de sinais no Brasil, é preciso
compreender e refletir todo o processo histórico de construção, luta
e afirmação desta, como uma língua natural do surdo e não uma
mera simplificação de gestos, códigos e mímicas.
A legitimação desta língua ainda encontra barreiras que se
configuram na falta de conhecimento, na dominação da língua oral
e no preconceito para com esse grupo minoritário (surdo). (SÁ, 2002).
A consciência cultural e identitária deste grupo trouxe a
autoestima necessária para o embate na busca por seu direito linguístico,
posto que, a conquista da Libras (Língua Brasileira de sinais) se efetivou
mediante o enfrentamento e engajamento das associações de surdos e
a superação da excludência desta comunidade que foi e, ainda é tratada
com indiferença. Monteiro (2006, p. 295) aponta que:

A “preservação” da Língua de Sinais e da Identidade


Cultural Surda são condições necessárias para a garantia
da auto-estima e para a manutenção da energia pela luta
por direitos em uma sociedade preconceituosa e excludente.
Por isso, os surdos brasileiros não param de lutar pela
divulgação do status de língua finalmente reconhecido para
a Língua de Sinais e pelos seus direitos e metas.

Um dos aportes desta indiferença histórica e do retrocesso para


a aceitação da Língua de Sinais e, consequentemente da comunidade
surda foi o Congresso de Milão de 1880 onde docentes ouvintes
decidiram arbitrariamente, sem a participação dos professores surdos,
que a oralização do indivíduo surdo seria o melhor caminho para o
surdo aprender a conviver na sociedade ouvinte/oralista. (TARTUCI,
2001; GÓES, 2002)
Este fato comprovado historicamente trouxe um verdadeiro
“aprisionamento linguístico”, ou seja, uma barreira comunicacional difícil
de se transpor e que trouxe muito sofrimento e a não aceitação das
características peculiares deste grupo linguístico minoritário. Nota-se a
tentativa de mudanças no discurso ouvinte, porém, ainda incipiente para
neutralizar a dominação cultural e linguística oralista. (MOURA, 2000).
51
Trabalhos recentes demonstram que há ajustes a serem
materializados nos contextos sociais e educacionais que atrele um real
processo inclusivo e participativo dos surdos na sociedade majoritariamente
ouvinte. Mesmo diante de um cenário legislativo promissor no que
concerne a direitos adquiridos pelas associações e comunidades surdas
ainda não se pode dizer que após 20 anos da promulgação da Lei 10.436/
2002, as lutas e os confrontos linguísticos se enceraram.
É importante salientar que esta batalha linguística é secular e
que a preocupação com o processo educacional, comunicacional e
interacional do surdo no mundo ouvinte no Brasil começa com Dom
Pedro II em terras brasileiras.
Referido Imperador, por meio da Lei nº 939 (de 26 de setembro
de 1857), que:

Fixando a Despeza e orçando a Receita para o exercicio


de 1858 – 1859, no CAPÍTULO III Disposições geraes
define assim, em seu Art. 16. He o Governo autorisado no,
§ 10º Conceder, desde já ao Instituto dos surdos-mudos a
subvenção annual de 5.000$000, e mais dez pensões,
tambem annuaes, de 500$000 cada huma, a favor de outros
tantos surdos-mudos pobres, que nos termos do
Regulamento interno do mesmo Instituto, forem aceitos
pelo Director e Commissão approvados pelo Governo.

Pode-se observar pela Lei 939/1857 que Dom Pedro II


demonstra a intenção de oportunizar aos surdos a possibilidade de
uma interação e subvencionar a educação, a integração social e
comunicacional destes indivíduos surdos.
Esta percepção advém pela concessão de subvenção anual ao
instituto de surdos-mudos e também pelas dez pensões anuais a favor
dos surdos-mudos mais pobres. Obviamente que não é uma
afirmação, mas uma possível interpretação em relação aos trâmites
legais apontados pela legislação.
Para Mori e Sander (2015, p. 1), “[...] o papel de Dom Pedro II
para a história dos surdos, o qual trouxe um professor surdo da
França, Ernest Huet, que foi peça fundamental para se consolidar a
educação de surdos no Brasil e legitimar o uso da língua de sinais”.
52
Assim, a vinda de um professor surdo para o país com a intenção
de ensinar a Língua de sinais é um significativo marco na construção
de um olhar identitário para o indivíduo surdo no Brasil. Pela origem
francesa do professor Huet, a Língua de Sinais de nosso país tem
genitura linguística na língua de sinais francesa, diferentemente da
Língua Portuguesa. (MOURA, 2000).
Strobel (2007, p. 121) pontua que:

Um pouco antes (1857), o professor francês Edward Huet


(surdo e partidário de L’Epée, que usava o Método
Combinado) veio para o Brasil, a convite de D. Pedro II,
para fundar a primeira escola para meninos surdos de
nosso país: Imperial Instituto de Surdos-Mudos, hoje,
Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES),
mantido pelo governo federal, e que atendia, em seu
Colégio de Aplicação, crianças, jovens e adultos surdos,
de ambos os sexos. A partir de então, os surdos brasileiros
passaram a contar com uma escola especializada para sua
educação e tiveram a oportunidade de criar a Língua de
Sinais Brasileira (LSB), mistura da Língua de Sinais
Francesa com os sistemas de comunicação já usados pelos
surdos das mais diversas localidades

Entretanto, seguindo a tônica mundial que se referenciava no


já descrito Congresso Internacional de Milão, o Instituto Nacional
de Educação de Surdos, no Brasil também proibiu a utilização da
língua de sinais como meio de comunicação dos alunos surdos. Esta
realidade imposta à comunidade surda reafirmou a já declarada
supremacia oralista. Fator este que colaborou na construção da visão
patológica da surdez, ou seja, um corpo em falta, deficitário e que
precisa ser curado. (SKLIAR, 2001).
Como pôde ser compreendido, a educação e a participação de
surdos na comunidade ouvinte se constitui em um universo complexo
e preconceituoso, posto que, apresenta um cenário simbólico de
enfrentamento entre ouvintes e surdos. Sendo que o primeiro procura,
mesmo que veladamente, impor e coagir com o oralismo, visto que,
está em uma posição majoritária e, portanto, precisa que o axioma
ouvinte seja pleno. (MOURA, 2000).
53
Ao longo dos séculos, a língua de sinais sofreu várias tentativas
de dominação. Entretanto, a mesma não deixou de fazer parte da
vivência do indivíduo surdo, mesmo que ocultamente em alguns
períodos da história.
Porém, a busca pela liberdade da utilização da Língua de Sinais
reivindicada pela comunidade surda começa a despontar em forma
de conquistas legislatórias. Estas legislações de forma gradativa
passam a garantir o acesso e a interação por meio da língua de sinais
aos surdos. Dentre estas leis estão:
A Lei nº 8.160, de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a
caracterização de símbolo que permita a identificação de pessoas
portadoras de deficiência auditiva. Sua configuração se apresenta
em seis artigos e faz menção à necessidade da obrigatoriedade do
uso do Símbolo Internacional da Surdez, de forma a ser visto, pelos
surdos em áreas de circulação e utilização.
Esta lei tem grande importância, pois mesmo que ainda não se
falasse a respeito da Libras, demonstrava a necessidade de um olhar
ao indivíduo surdo. (BRASIL, 1991).
Já a Lei nº 11.796, de 29 de outubro de 2008, institui o Dia
Nacional dos Surdos. Ficou estabelecido por força da lei que o dia
26 de setembro se tornou o dia Nacional dos Surdos. Este dia é
também fruto de lutas sociais por ações afirmativas. Ações estas que
são necessárias para que esse grupo minoritário possa fazer valer seu
direito de cidadania e não seja mais esquecido ou “escondido”. Assim,
essa celebração é um passo importante de reconhecimento desse
grupo linguístico que ainda sofre com a invisibilidade na sociedade
ouvinte. (BRASIL, 2008).
Outra lei importante para a afirmação da cultura e identidade
surda é a Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, que regulamenta
a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS. A lei em questão é formada por dez artigos. Esta
regulamentação da profissão de Tradutor e Intérprete foi fundamental
para a qualificação de profissionais para o apoio ao surdo em sua
comunicação, interação e expressão. O surdo precisa ter a
54
oportunidade de se comunicar independentemente de onde estiver.
E, para isso, o tradutor e intérprete são figuras essenciais nesse
processo inclusivo. (BRASIL, 2010).
A Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece
normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade
das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
dá outras providências. Está estruturada em vinte e sete artigos, sendo
o artigo 18 regulamentada pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro
de 2005, que apresenta a seguinte descrição:

Art. 18. O Poder Público implementará a formação de


profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem
de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer
tipo de comunicação direta à pessoa portadora de
deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação.
O Poder Público implementará a formação de
profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem
de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer
tipo de comunicação direta à pessoa portadora de
deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação.
(Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000)

Como pode ser entendido a data da Lei 10.098/2000 é anterior


a promulgação da lei de Libras que na ocasião ainda tramitava no
Congresso Nacional e seria anunciada alguns anos depois.
Entende-se que o artigo 18 da citada lei já mencionava a
obrigação do uso da linguagem de sinais e intérpretes para a
comunicação direta a quem necessitasse do serviço, mas ainda sem
o status de Língua da comunidade surda. Portanto, a Libras ainda
não se configurava como língua natural e oficial do surdo, mas
apresentava um olhar inclusivo para este grupo minoritário.
Houve também na Lei 10.098/2000 a inclusão do inciso IX do
art 2º incluído pela Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que Institui
a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da
Pessoa com Deficiência).
O destacado inciso IX apresenta a seguinte redação:

55
IX - comunicação: forma de interação dos cidadãos que
abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua
Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o
Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil,
os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim
como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas
auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios
e formatos aumentativos e alternativos de comunicação,
incluindo as tecnologias da informação e das
comunicações. (Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000).

Na descrição apresentada pelo inciso IX da Lei 10.098/20 é


possível observar a mudança de status da Libras que passou de
linguagem de sinais para Língua Brasileira de Sinais, haja vista, a
aprovação da Lei de Libras ter ocorrido no ano de 2002.
O Artigo 19 aponta os direitos de acessos aos serviços de
radiodifusão sonora, de sons e imagens com o uso da linguagem de
sinais sendo assim descrito:

Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e


imagens adotarão plano de medidas técnicas com o
objetivo de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra
subtitulação, para garantir o direito de acesso à informação
às pessoas portadoras de deficiência auditiva, na forma e
no prazo previstos em regulamento. (Lei nº 10.098, de
19 de dezembro de 2000)

Observa-se neste artigo acima citado que os surdos possuem


direitos a obter acesso aos mais variados serviços de radiodifusão sonora
e sons e imagem. Mesmo que para isso tenha que utilizar outras formas
de linguagem, ou seja, não apenas, por meio da oralidade.
Ao se estabelecer outras formas de linguagem, evidencia a
particularidade linguística deste grupo minoritário. Entretanto,
novamente surge o termo linguagem para se referir a peculiaridade
linguística do indivíduo surdo.
Mas é imperativo salientar que há neste artigo também os
conceitos de garantia e direito para o acesso à informação. Conceitos
estes importantes para a construção de uma sociedade mais aberta à
informação, à diversidade e à diferença.
56
O artigo 19 se assemelha ao artigo 18 no que concerne a
conceituação da Língua de Sinais como uma linguagem para o acesso
à comunicação e informação do surdo na sociedade, porém, sem
retratá-la enquanto língua natural deste grupo. (BRASIL, 2000).

A LEI 10.436 DE 25 DE ABRIL DE 2022


A concepção do projeto que culminaria com a futura aprovação
e promulgação da Lei de Libras (Lei 10.436/02) inicia-se com a
apresentação do Projeto de Lei do Senado (PLS n° 131, de 1996) de
autoria da Senadora Benedita da Silva (PT/RJ) no dia 13/06/1996,
uma quinta-feira. (Brasil, 1996; BRITO, 2013).
A partir da indicação do Projeto de Lei inicia-se um longo
caminho de tramitação para a consecução daquela que seria a grande
conquista da comunidade surda, isto é, de se expressar e interagir
por meio de sua língua natural.
Brito (2013) em seu trabalho descreve três esquemas de
tramitação do PLS nº, 131/96, que se seguiu até chegar à aprovação
e promulgação da Lei 10.436/02.
Brito (2013, p. 206) apresenta o primeiro esquema de tramitação
do PLS nº 131/96 da seguinte forma:

FONTE: Brito, 2003

57
Neste esquema de tramitação o projeto de lei é apresentado ao
Senado no ano de 1996, posteriormente, segue para a comissão de
Educação (CE) em junho de 1997. Logo após é discorrido na
Comissão de Assuntos Sociais (CAS) onde se destaca o parecer
favorável nº 574 em 1998. Neste momento, o projeto de lei é
denominado Parecer 574/98, posto que, seria necessário promover
algumas alterações.
Em novembro de 1998, o Parecer vai ao plenário para leitura e
apreciação e em dezembro do mesmo ano encerra-se esta primeira
etapa com o encaminhamento a Câmara dos Deputados para revisão.
(Brito, 2003)

FONTE: Brito, 2003

O segundo esquema de tramitação do PLS nº 131/96


apresentado por Brito (2013, p.222), é assim demonstrado: Em janeiro
de 1999, o já renomeado PL 4857/98 vai para a Câmara dos
Deputados.
Ainda no ano de 1999, o mesmo é enviado à Comissão de
Educação e Cultura (CEC), onde recebe parecer favorável e aprovação
com emenda ao Projeto de Lei pela (CEC). Em 2000, chega à

58
Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), onde o Projeto de
Lei também recebe parecer favorável e aprovação com emenda da
(CEC).
No ano de 2001, passa pela Comissão de Constituição e Justiça
e de Cidadania (CCJC), onde apresenta parecer favorável e aprovação
ao Projeto de Lei 4857/98 com emenda da (CEC). É também
aprovada pela CCJC a Redação final do citado Projeto de Lei.
Finaliza-se, assim a primeira etapa de aprovação do PL. No mesmo
ano é despachado com emenda ao Senado Federal. (BRITO 2003)

FONTE: Brito, 2003

Brito (2013, p.226) pontua que no terceiro esquema, a emenda


nº 1 chega no Senado para leitura no Plenário e segue para a (CE)
que aprova o parecer 170 favorável a Emenda do Senado ao PLS nº
131/96. Continua na (CE) onde é aprovado o parecer nº 171 pela
(CAS) favorável a emenda da Câmara ao PLS nº131/96 no ano de
2002.
59
Os pareceres nº 170 (CE) e nº 171 (CAS) vão a Plenário para
leitura em regime de urgência para que, dessa forma, fosse votado o
PLS nº131/96. É aprovado o requerimento de leitura e a discussão
se dá em turno único onde se aprova a Emenda da Câmara e a redação
final e ao Projeto de Lei. Em 05/04/2022, é enviado o PLS nº131/
96 para ser sancionado pelo Presidente da época. E, em 24 de abril
de 2022, o referido Projeto de Lei do Senado transforma-se em Lei
nº 10.436. (BRITO, 2003)

METODOLOGIA
Como metodologia para o presente artigo, optou-se pela
pesquisa bibliográfica. De acordo com Gil (2002 p. 44)

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em


material já elaborado, constituído principalmente de livros
e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos
seja exigido algum tipo de trabalho dessa natureza, há
pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes
bibliográficas [...] as pesquisas sobre ideologias, bem
como aquelas que se propõem A pesquisa bibliográfica é
desenvolvida com base em material já elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos.
Embora em quase todos.

O intuito deste capítulo é justamente analisar materiais que


apresentem bases científicas para compreender como se tem
encaminhado o processo de difusão da Libras e o suporte para que
este aluno surdo interaja no ambiente escolar. Para a apresentação
de dados com bases científicas, foram selecionadas três dissertações
para que se pudessem encontrar as respostas a que este trabalho se
propõe.
A procura pelas dissertações ocorreu, por meio do buscador
Google Acadêmico onde foram inseridas palavras-chave como:
Libras, Educação de surdos, Inclusão, Professor, Tradutor, Legislação
e surdez.
Também se delimitou o período das referidas dissertações para
que as mesmas fossem mais recentes, ou seja, trabalhos defendidos
60
entre os anos de 2020, 2021 e 2022 para que assim, fosse possível
observar a implementação da lei no decorrer destes 20 anos de
aprovação (Lei de Libras).
No ano de 2020, encontrou-se uma pesquisa do Programa de
Pós-Graduação Mestrado Profissional em Educação da Universidade
de Uberaba intitulada: Ensino de libras para alunos ouvintes na
educação básica em Uberlândia: uma proposta didática e tecnológica,
(Cristiano Silva Ribeiro) orientador Prof. Dr. Osvaldo Freitas de Jesus;
Já no ano de 2021, foi encontrado um trabalho no Programa
de Pós-Graduação em Educação Especial, do Centro de Educação e
Ciências Humanas da Universidade Federal de São Carlos, intitulada:
A Criança surda na educação Infantil: O desenvolvimento de
linguagem na perspectiva do professor (Milena Maria Pinto),
orientadora: Profa. Dra. Lara Ferreira dos Santos.
E, no ano de 2022, encontrou-se outra pesquisa do Programa
de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Humanidades do
Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente pela Universidade
Federal do Amazonas, intitulada: Libras e a inclusão no contexto
escolar do aluno surdo (Jefferson Cristiano Vargas) orientador: Prof.
Dr. Aldair Oliveira de Andrade.
Após a escolha deste material como corpus do capítulo foi
realizada a leitura da introdução e das considerações finais destas
pesquisas para posterior análise. Análise esta que terá como arcabouço
teórico a visão socioantropológica da surdez de (HOFFMEISTER,
1999; JOKINEN, 1999; MOURA, 2000; SKLIAR, 2001; SÁ, 2002;
STROBEL, 2007 entre outros).

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na dissertação de 2020, o pesquisador entende que ainda não
ouve uma efetiva comunicação entre surdos e ouvintes e, que apesar
da Lei ser de 2002, ainda se encontra incipiente em termos de
efetividade.
Sendo que pouco se avançou no processo de inclusão do surdo
na sociedade ouvinte, ainda existem surdos que não sabem Libras e
61
poucos pares para a comunicação na Língua de sinais. Percebe-se
que o contato ouvinte com a primeira língua dos surdos ainda é muito
básico e que, portanto, a vivência do surdo, solitária.
Entende que seu trabalho contribuirá para a reflexão e que,
dessa forma, poderá contribuir para uma comunicação mais efetiva,
além da vivência de um novo momento social para a Libras.
Na dissertação de 2021, a pesquisadora percebe que a barreira
linguística ainda é um complicador para a educação dos surdos e
que falta uma centralização da Libras no ensino das crianças surdas
no contexto escolar, visto que, o cenário bilingue apresenta falhas e
falta de suporte estrutural.
O vínculo social é comprometido por falta de pares linguísticos,
ou seja, a ausência de interação entre os surdos. Também enfatiza as
necessidades de mais pesquisas na educação de crianças surdas e
que o aprofundar da Libras é necessário para experiências e relações
sociais na constituição de sujeitos surdos.
Na dissertação de 2022, há o enfoque de que a língua natural
do surdo é a Libras e que esta tem características próprias (visual,
motora e manual) e que hoje começa a existir mais interesse na
singularidade linguística. Porém, por meio desta pesquisa,
compreendeu-se que a escola muitas vezes não oferece recursos
estruturais para as reais necessidades dos alunos.
De acordo com a pesquisadora, o governo precisa oferecer mais
capacitação e qualificação aos profissionais da educação. O não
comprometimento na oferta de estrutura pode causar uma visão
negativa do surdo e que, apesar do discurso de igualdade, a falta de
estrutura reforça as diferenças.
Enfoca que as bases legais contemplam as necessidades do aluno
surdo, entretanto, as ações cotidianas das instituições dificultam a
aplicação da Lei no processo inclusivo do surdo. Assim, sem a
efetivação da Libras fica difícil a concretização do ensino bilingue
garantido por força das Leis.
Diante da análise destes dados, é possível compreender que o
processo de inclusão do aluno surdo ainda passa por problemas
62
estruturais e humanos (formação e qualificação), além da incipiente
difusão da Libras. Portanto, ainda falta uma real implementação das
legislações inclusivas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No percurso deste artigo compreendemos que um conjunto de
leis bem elaborado e estruturado é essencial para que se possa garantir
os direitos e a cidadania do sujeito surdo, principalmente, por se tratar
de um conjunto legal marcado pela luta e obstinação deste grupo
minoritário. Grupo este que buscou sua subjetividade e peculiaridade
linguística em um mundo condicionado ao ouvintismo e ao oralismo.
A conquista precisa ser comemorada, entretanto, a busca pela
implementação e fiscalização da Libras precisa ser recobrada a todo
momento e, em todos os seguimentos sociais. É preciso entender
que a tensão secular dos grupos linguísticos majoritário e minoritário
não se extinguiu totalmente e, dessa forma, é preciso vigilância para
que não se tenha apenas uma legislação simbólica e “engavetada”
(DIAS, 2006).
A luta pela legitimação dos direitos garantidos pela Lei Nº
10.436/02 e Decreto nº 5.626/05 exigem das comunidades surdas e
movimentos sociais recobradas ações de defesa das políticas públicas
inclusivas.
Estas ações políticas defendidas pelos grupos são para que o
surdo possa viver no interior da sociedade ouvinte com garantias de
acesso a todas às informações, à educação de qualidade e à plena
participação social.
Para se vislumbrar o cenário descrito anteriormente é preciso
que o aluno surdo tenha uma escola que o acolha e saiba enxergar as
diferenças linguísticas, além da necessidade da difusão da Libras entre
seus pares (surdos) que, muitas vezes, não a conhece.
A difusão da Libras é de suma importância para que a mesma
possa romper as barreiras da comunicação e, assim se torne presente
na escola e na sociedade como um todo. Esta base de interação
comunicacional entre surdos e ouvintes contribuirá para a construção
63
de uma sociedade mais inclusiva onde a deficiência se tornará
diferença.
Entretanto, de acordo com as pesquisas recentes analisadas
neste trabalho mesmo, decorridos vinte anos da aprovação da lei de
Libras, a efetivação e a difusão da mesma ainda se encontra
preambular no ambiente educacional. Ambiente este que marca um
cenário pouco inclusivo.
Esta situação ainda embrionária do contexto educacional advém
da falta de estrutura e de políticas educacionais afirmativas, para que
dessa forma se rompa o processo pedagógico segregacionista.
Embora tenham existido sinais de melhora de acordo com as
pesquisas analisadas, tal situação ainda é insuficiente para uma real
integração dos alunos surdos nas instituições de ensino, que é
majoritariamente ouvinte.
O ambiente educacional bilingue atual apresenta falhas que se
manifestam na formação e qualificação do corpo docente, além do
desconhecimento da Libras por parte dos alunos ouvinte e até mesmo
surdos.
A situação descrita contribui para que a interação do surdo no
interior da escola seja deficitária, o que acentua um processo de
exclusão.
Diante deste cenário histórico de conquistas e insucessos para
o processo de inclusão do aluno surdo, os questionamentos que nos
levaram a esta pesquisa foram a princípio esclarecidas, porém, aberta
a novas reflexões mais apuradas.

AGRADECIMENTOS
Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior – BRASIL (CAPES) – Código de Financiamento:
88887.673590/2022-00).

64
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 8.160 de 8 de janeiro de 1991. Brasília Presidência da República
do Congresso Nacional.
BRASIL. Parecer 574, de 19 de maio de 1998. Brasília Presidência da República
do Senado Federal, 1998.
BRASIL. Projeto de Lei 131 de 1996. Brasília Presidência da República do Senado
Federal, 1996.
BRASIL. Projeto de Lei 4857 de 26 de novembro de 1998. Brasília Presidência
do República do Congresso Federal, 1998.
BRASIL. Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000. Brasília Presidência da
República do Congresso Nacional, 2000.
BRASIL. Lei 10.436 de 24 de abril de 2002. Brasília Presidência da República,
Casa Civil, 2002.
BRASIL. Lei 11.796 de 29 de outubro de 2008. Brasília Presidência da República
do Congresso Nacional, 2008.
BRASIL. Lei 12.319 de 1º de setembro de 2010. Brasília Presidência da República
do Congresso Nacional, 2010.
BRASIL. Lei 13.146 de 6 de julho de 2015. Brasília Presidência da República do
Congresso Nacional, 2015.
BRASIL. Parecer 574, de 19 de maio de 1998. Brasília Presidência da República
do Senado Federal, 1998.
BRITO, F. B. de. O movimento social surdo e a campanha pela oficialização da
língua brasileira de sinais. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. São Paulo: s.n., 2013. p.275.
CASSIANO, P. V. O surdo e seus direitos: os dispositivos da lei 10.436 e do
decreto 5.626. Revista virtual de cultura surda, 2017. v. 21, p. 01-28, 2017.
DIAS, T.R.S. Inclusão escolar e a educação do surdo: Ambiguidades e dificuldades
no processo. In: SICCA, N.A.L (ORG.) Cultura e práticas escolares.
Florianópolis: Insular, 2006. P. 15-34.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GÓES, M.C.R. Linguagem, Surdez e Educação. 3ª ed. Campinas, SP: Editora
Autores Associados, 2002. 88p. Coleção Educação Contemporânea.
GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio
interacionista. São Paulo: Plexus, 1997: 176p.
HOFFMEISTER, R.J. Famílias, crianças surdas, o mundo dos surdos e os
profissionais da audiologia. In: SKLIAR, C. (ORG.), Atualidade da educação

65
bilíngue para surdos: interfaces entre pedagogia e linguística. 2ª ed. Porto Alegre:
Mediação, 1999. p.113-130. V2.
JOKINEN, M. Alguns pontos de vista sobre a educação dos surdos nos países
nórdicos. In: SKLIAR, C. (ORG.), Atualidade da educação bilíngue para surdos:
interfaces entre pedagogia e linguística. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 1999.
p.105-127. V 2.
MONTEIRO, M. S.: História dos movimentos dos surdos e o reconhecimento da
Libras no Brasil. In: ETD -Educação Temática Digital 7 (2006), 2, pp. 295-305.
MORI, N. N. R.; SANDER, Ricardo Ernani. História da educação dos surdos
no Brasil. In: XIII Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em
Educação. Anais Maringá: UEM, p. 1-16, dez. 2015.
MOURA, M. C. de. O Surdo: Caminhos para uma Nova Identidade. Rio de
Janeiro: Revinter, Ltda, 2000. 151p.
SÁ, N.R.L. Cultura, poder e educação de surdos. Manaus: Editora da
Universidade Federal do Amazonas, 2002. 388p.
SKLIAR, C. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e as diferenças. In:
SKLIAR. C. (Org.), A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre2ª ed.
Porto Alegre: Mediação, 2001. p. 07-32.
STROBEL, K. L. História dos Surdos: representações ‘mascaradas’ das
identidades surdas, in QUADROS, R. M. e PERLIN, Gladis (ORGs). Estudos
Surdos II, Petrópolis-RJ: Editora Arara Azul, 2007.
TARTUCI, D. A experiência Escolar de Surdos no Ensino Regular: Condições
de interação e construção de conhecimentos. Piracicaba/SP: UNIMEP, 2001.
187 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Metodista de
Piracicaba.

66
CAPÍTULO 4

MITOLOGIAS: Obras mitológicas na sociedade contemporânea.

MYTHOLOGIES: Mythological works in contemporary society.

Aloísio Francisco ROSA


Cláudio Nazaré SILVEIRA

RESUMO
Sob o viés das tecnologias, as mitologias são recriadas na sociedade por meio de
conceitos inovadores, encontrando várias formas de distribuir seu conteúdo para
serem contadas e readaptadas ao público e ao mercado. Ao falar em mitologias
na atualidade, estamos nos referindo a uma variedade de informações que
evoluíram juntamente com a sociedade. Assim, é possível compreender as razões
pelas quais esse tema permanece tão relevante nesse momento em que a tecnológica
teve seu avanço expoente. Observando os trabalhos apresentados dentro da cultura
cinematográfica, literária e da indústria de jogos eletrônicos, deparamo-nos
também com um universo de contos recém-criados, que levam em conta a
adaptação de mitos antigos, se fixando como outros modos de visitar as mitologias.
Considerando os apontamentos relevantes feitos por autores como Leonardo
Campos, Carlos Giovane Dutra Del Castilho e Igor Barbosa Cardoso, em
associação à Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho, responsáveis por colher
informações das inserções mitológicas na literatura e demais mídias, podemos
confirmar que a transformação desse tema aconteceu de fato, mas mantendo seu
cerne intacto. Atribuindo os trabalhos desenvolvidos através de novas pesquisas,
tendo em mente a variedade do público, as mitologias alcançaram um maior
interesse e, com isso, veio também a oportunidade de se destacar ainda mais na
história, dentro dos meios de comunicação existentes atualmente.
Palavras-chave: Mitos; Obras mitológicas; adaptações de mitologias; construção
cultural; mitologia grega.

ABSTRACT
From the perspective of technologies, mythologies are recreated in society through
innovative concepts, finding various ways to distribute their content to be told
and re-adapted to the public and the market. When talking about mythologies
today, we are referring to a variety of information that has evolved along with
society. Thus, it is possible to understand the reasons why this theme remains so
relevant in this moment in which technology has had its exponential advance.

67
Observing the works presented within the movie, literary, and electronic game
industry culture, we also come across a universe of newly created tales, which
take into account the adaptation of ancient myths, setting themselves as other
ways of visiting mythologies. Considering the relevant notes made by authors
such as Leonardo Campos, Carlos Giovane Dutra Del Castilho and Igor Barbosa
Cardoso, in association with Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho,
responsible for gathering information about mythological insertions in literature
and other media, we can confirm that the transformation of this theme has indeed
happened, but keeping its core intact. Attributing the work developed through
new research, having in mind the variety of the public, mythologies have reached
a greater interest and, with this, also came the opportunity to stand out even
more in history, within the existing means of communication today.
Keywords: Myths; mythological works; adaptations of mythologies; cultural
construction; Greek mythology.

INTRODUÇÃO
A análise a respeito das mitologias, abordada por meio de uma
pesquisa que busca visualizar a introdução dos mitos em novos
formatos de mídia, mostra uma passagem por um processo de
transformação cultural contínua. Através de um estudo comparativo,
a partir do significado das mitologias, entre a atualidade e a
antiguidade, é permitido distinguir um panorama da variação dos
paradigmas neste ponto da história, construindo um conceito que
atribui novos valores sobre a interpretação mitológica, o qual passa
a se relacionar com o setor de mercado, produzindo bens de consumo.
Ao observar a inserção das mitologias em conteúdos de mídia
diversos, como livros, filmes, séries, desenhos e jogos eletrônicos,
entende-se que essa relação produziu uma grande absorção desse
tema por parte do setor industrial, provocando nos consumidores
uma grande vontade de encontrar mais informações a respeito desse
assunto, trazendo uma nova perspectiva que vai ao encontro com a
capacidade de comercializar essas histórias, conseguindo ensinar e
aguçar a curiosidade de quem adquire esses materiais, aproximando-
os de diversas culturas e suas mitologias.
Na sociedade atual, as mitologias tornaram-se um produto que
vai além dos campos de estudos, alcançando o caminho do
68
entretenimento. Ao levar em consideração a forma como as
mitologias foram reinterpretadas atualmente, mostra que elas
passaram a ser enxergadas como uma matéria bruta, densa e rica,
com muito potencial de ser refinada para que dessa maneira consiga
explorar um espaço dentro do mercado consumidor.
Para, além disso, cria-se a capacidade de aproximar as culturas
através do entretenimento e maximiza a dispersão em novas formas
de arte. Del Castilho (2017, p.181) faz referências sobre a importância
do conhecimento da mitologia onde diz que:

(...) as mitologias do mundo inteiro são importantes de


serem estudadas, suas características articuladas,
supostamente sob o prisma de narrativas puramente
ficcionais e só compartilhadas pelos curiosos da área
literária, na verdade, foram de tal importância para o
homem primitivo, que eram praticamente uma religião
para este. Eram, assim, precursoras das narrativas, que
do ponto de vista literário, são as mais famosas do mundo:
as histórias bíblicas, cujas temáticas possuem o mesmo
teor sagrado de busca de explicações sobre a origem do
homem e a criação do mundo que vemos nas mitologias
de todos os povos.

A tendência de acumular e preservar as informações e


conhecimento sobre as mitologias presenteou uma grande parte da
sociedade com a possibilidade de examinar essa matéria em diversos
meios. Explorando os mais diversos livros que trazem em seu
conteúdo as narrativas que dizem respeito aos mitos, encontra-se a
liberdade de explorar múltiplos universos através de textos adaptados
para incorporarem novas visões de acordo com nossa sociedade.
Vídeo aulas também se enquadra nesse nicho de materiais que atraem
espectadores e estudiosos desse assunto. Os vídeos e áudio livros são
agora ferramentas que conseguem complementar e enriquecer as
pesquisas voltadas para essa área.
As mitologias saem do contexto religioso para ganharem
adeptos não como seguidores de uma crença, mas sim como
consumidores de uma forma de arte que usa dessas antigas mitologias
para construir produtos que têm interesses dentro do mercado.
69
MITOLOGIAS EM EMBALAGENS DIFERENTES.
Passamos agora a observar a transposição que os mitos sofreram
se tornando um produto de consumo distribuído por indústrias de
entretenimento. Atualmente, a indústria cinematográfica e de jogos
eletrônicos abocanham uma gigantesca parcela da receita de capital
no mundo através da venda de produtos digitais. Uma parcela desses
produtos é voltada diretamente para a construção de obras baseadas
nas antigas mitologias.
Em uma matéria organizada por um site que fala sobre a
indústria de jogos, traz a informação de que “Não é novidade que o
novo God Of War era muito aguardado pelos fãs da franquia.
Exclusivo do PlayStation 4, o jogo desembarcou no console em abril
e, em apenas três dias, vendeu mais de 3,1 milhões de cópias,
tornando-se o título exclusivo com melhor performance de estreia
na plataforma.” (MONCKEN, 2018, p. 01), o que mostra um ótimo
desempenho por parte de um jogo baseado em uma mistura de
mitologia nórdica e fantasia, sendo essa uma busca pelo elemento
mítico por parte dos curiosos sobre o assunto e fãs da franquia criada
ao redor dessa temática. Esse índice indica a aceitação e procura
pelo conteúdo inserido no jogo, que se trata de aventura e ação usando
como pano de fundo a mitologia.
Indo além do conceito de produto mercantil, a utilização dos
contos mitológicos, como forma de entretenimento, acompanha um
ponto de vista filmográfico e interativo para conceber uma
identificação entre o espectador, que aprecia os mitos e sua
representação nos cinemas, passando a ser visualizado como uma
fórmula a ser copiado pelos espectadores, com Studart (2019, p. 03)
assim aponta:

A mitologia é utilizada pelo cinema, pois representa a busca


do ser humano pelo autoconhecimento a partir de histórias
[sic] heroica. As aventuras vividas por personagens, como
Cinderela ou Hércules, precisam ocorrer para que possam
alcançar tal autoconhecimento. Segundo Campbell, narrar
e escutar histórias nos [sic] ajudam a nos desenvolver como

70
seres humanos, abandonar a infância e enfrentar a vida
adulta. Não existe espaço de experimentação melhor do
que o cinema para isto.

Filmes, séries, desenhos animados, jogos eletrônicos, todas essas


mídias hoje fazem parte de novos costumes de uma sociedade que
conseguiu unir o elemento da simbologia mitológica ao fator de consumo
de mídias como forma de informação e ou com objetivo de entreter.
Os livros foram um meio inovador de propagar as histórias
míticas que antes era tarefa apenas dada à oralidade, porém, o objetivo
não é datar as formas com que as informações sobre as mitologias
foram chegando até a sociedade atual, mas sim, apresentar os objetos
de transformação em produtos com que os mitos alcançaram novos
status dentro de uma cultura mundial através do comércio da arte.

ABORDAGEM DOS MITOS DENTRO DOS CINEMAS.


Ao nos depararmos hoje com filmes e séries que trazem em
seu contexto a exposição de algum mito, somos apresentados, na
verdade, a várias adaptações e releituras com “licença poética” que
contam sobre os mitos antigos de uma nova forma. Tornou-se comum
o fato de se utilizar de alguma crença ou de simbolismos para recriar
a maneira de como apresentar uma mitologia. “Nesse aspecto, os
filmes que tematizam a Antiguidade podem ser ferramentas singulares
para discutir as fronteiras entre passado e presente, a historiografia
sobre a Antiguidade (...)” (CARDOSO e COELHO, 2020, p.120).
As tecnologias atuais avançaram na questão do processo de
ativar a imaginação do homem, dando ainda mais vazão ao peso do
caráter representado nos seres presentes nos mitos. Não apenas através
das artes visuais, mas também em formatos mais conceituais, como
em músicas, textos, as mitologias são cultuadas de modo abrangente,
conseguindo levar informações a outros povos, produzindo uma
mistura cultural onde a venda de produtos traz, além de renda capital,
uma soma em novas informações e conhecimento. Ao tratar sobre
esse assunto, Campos (2020, p. 01) comenta em seu artigo sobre a
construção de algumas cenas do filme Hércules de 2014 e as
71
dificuldades de se relacionar os efeitos visuais com referências na
mitologia para conseguir entregar um bom resultado:

John Bruno, Supervisor de Efeitos Visuais, expôs nos


[sic] featurettes do filme que não acredita na qualidade
artística de produções que investem exclusivamente em
efeitos visuais para o seu desenvolvimento. O profissional
comenta que é preciso unir as possibilidades do CGI,
importantes para a realização de determinados trechos, tais
como a destruição do Templo de Hera, nos momentos finais
da produção, mas também trabalhar com o elenco, os
dublês, as miniaturas e animatrônicos para permitir mais
“humanidade” para a produção. (CAMPOS, 2020, p. 01)

AS COMPOSIÇÕES E ADAPTAÇÕES DA MITOLOGIA NA


CINEMATOGRAFIA.
Abrindo para o campo do cinema, as grandes telas conseguiram
construir e desenvolver uma forma ainda mais imersiva de apresentar
as mitologias às diversas culturas e sociedades. Entretanto, a arte
dos filmes e sua interpretação dos mitos, contraditoriamente, não
consegue entregar de modo coerente às histórias. “Naturalmente, o
conhecimento das culturas clássicas granjeia uma perspectiva
diferente, mas a falta dele não impede a apreciação, podendo, por
outro lado, muitas vezes, ajudar a compreendê-la e/ou incrementá-
la.” (CARDOSO e COELHO, 2020, p.121). As visões dos diretores
e roteiristas, ainda que se baseiem em diversos livros de estudo sobre
mitologias, constroem mundos particulares, transformando os contos
mitológicos em um amontoado de informações desencontradas e sem
compromisso com a originalidade do conteúdo do mito a ser
representado. Campos (2020, p. 03) cita:

Sabemos que nenhuma produção cinematográfica


consegue ser “fiel” ao seu ponto de partida literário. Os
esquemas verbais são outros, há uma relação entre leitor
e obra, diferente do contato entre espectador e obra, pois
os códigos de linguagem de cada meio possuem as suas
especificidades. A Odisseia é um desses filmes que tentam
emular ao máximo todos os elementos possíveis do poema
de Homero.

72
Uma interpretação de Hollywood produzida em 1997, dirigido
por Andrey Konchalovsky, a película intitulada A odisseia, adapta
os poemas de Homero sobre a história do mítico Odisseu, um
personagem que se confunde dentro da mitologia grega. Nessa
história adaptada, o poema de Homero sobre a tentativa do guerreiro
grego Odisseu, que em suas desventuras fica prisioneiro na ilha de
Ítaca e tem de enfrentar diversas criaturas míticas em situações
angustiantes. Aliás, a mitologia grega é de fato uma das mais (senão
a mais) apreciadas e utilizadas pela cultura ocidental nas indústrias
de filmografia, literatura e de jogos eletrônicos.
A série literária Percy Jackson também foi objeto utilizado como
fonte para a construção de livros e filmes. “A série de filmes é baseada
nos livros escritos por Rick Riordan sobre semideuses e os deuses do
Olimpo. Na trama, a mitologia grega é trazida para os dias atuais,
tendo como adicional a criação dos semideuses (filhos dos deuses) e
seu acampamento onde são treinados e podem ser quem realmente
são longe dos olhos mortais.” (LAZARIN, 2014, p. 02). A história
dos livros pegou emprestada de referências mitológicas para construir
sua própria visão do universo baseado na cultura grega, recontando
os mitos com uma mistura entre o mundo moderno e elementos
míticos.

A LITERATURA OCIDENTAL
Aos entusiastas da literatura, existe um campo vasto, o qual
consegue explicar sobre as diversas mitologias ao redor do mundo,
sua temporalidade, os significados e suas filosofias. No entanto, há
inúmeras formas de enxergarmos essas mesmas informações hoje.
Houve mudanças no modelo de entrega dos mitos, como no caso
dos grandes escritores contemporâneos que são conhecidos como
verdadeiros gênios na arte de reinterpretar e contar histórias baseadas
em mitologias antigas.
Um desses escritores é Neil Gaiman, um autor que consegue
atender ao ritmo do mercado e produzir grandes obras cuidando de
assuntos que abordam diferentes mitologias. Através de Gaiman,
73
somos apresentados à obra 1 Deuses Americanos. “Deuses
Americanos é uma crítica sobre nossa concepção de deuses,
sociedade, fé e o que realmente importa para nós. Trazer essa premissa
em uma história normal poderia ser cansativo e clichê, mas ao criar
um universo fantástico (que se mistura com nossa própria realidade),
Gaiman torna tudo mais atrativo.” (DELAVY, 2017, p. 04).
Essa obra retrata a chegada dos antigos deuses em terras
americanas. Todo esse passeio, todavia, apresenta conceitualmente
os antigos deuses de diversas mitologias, como por exemplo, Odin
da mitologia nórdica, Ostara das lendas célticas e diversos outros
elementos. Estes seres mitológicos entram em conflito com os ditos
“novos Deuses”, nascidos em terras americanas, surgidos do culto
às tecnologias que se personificam em formas antropomórficas. A
Mídia se torna um desses “novos Deuses”, assim como o Senhor
Mundo, entre outros elementos contemporâneos que são apreciados
pelas sociedades.
Neil Gaiman traz, em sua obra, a finalidade da rivalidade entre
os antigos e novos deuses, disputando entre eles a adoração dos
humanos. Dentro da obra de Gaiman, Deuses americanos faz mais
do que apresentar deuses em sua eterna disputa pela glória eterna.
Neil dá ao leitor a oportunidade de conhecer outros aspectos sobre o
caráter dos seres divinos, criando personalidades e motivações que
esclarecem as relações com a fé e os poderes de cada deus ou criatura
mitológica perante a humanidade. De acordo com o psicólogo e
historiador Guarnieri (2017, p. 01), em seu blog, Gaiman explica sobre
essas relações tanto no livro quanto na série adaptada e apresenta os
personagens com uma mistura de ficção e mitos, onde diz:

Nos dias de hoje, essas divindades perderam grande parte


de seus poderes divinos e fazem o que podem para se
sustentar. Assim, já no começo da série somos apresentados
a um numeroso e inusitado elenco de personagens
secundários: um jinn árabe que dirige um táxi pelas ruas
de Nova York; um leprechaun irlandês encrenqueiro que
1
American Gods originalmente em inglês.

74
precisa sustentar seu alcoolismo; uma versão do deus
egípcio Anubis que trabalha administrando uma funerária,
entre outros. Até Cristo aparece, e em múltiplas faces, uma
para cada denominação religiosa, incluindo encarnações
mexicanas, negras, asiáticas, e até uma hippie. Cada religião
acredita e, portanto, vê e sustenta uma versão de sua
divindade. (GUARNIERI, 2017, P. 01).

O livro e a série têm outra característica muito peculiar, onde


traz a existência de deuses já conhecidos e cultuados, e também
permite brincar com o surgimento de novas mitologias, novas crenças
e devoções das relações humanas com seu aspecto imaginário. Caldas
Filho (2018, p. 04) em um de seus artigos sobre Deuses Americanos
cita que “A premissa básica do livro é que os deuses só existem se são
lembrados. Deuses esquecidos não podem existir. De fato, ‘nenhum
deus consegue sobreviver se não é atualizado pela atividade prática
do ritual’ (apud ARMSTRONG, 2012, p. 33)”.
O nascimento dos deuses flutua de encontro com a força da fé
humana, mostrando que o homem é o verdadeiro criador dos deuses,
tanto os antigos quanto os novos e se tornam dependentes de suas
criações, se tornando os adoradores de deuses que nasceram da
própria fé para servir de arauto de seus medos e anseios. Em seu
livro, Gaiman consegue ser muito influente ao creditar aos homens
o fato de que são senhores de suas crendices, mostrando que apenas
através de sua fé e adoração os deuses podem existir e por elas serem
alimentados. Em outra citação de Caldas Filho (2018, p. 07) diz:

Os Estados Unidos são apresentados como uma terra de


migrações, que recebe os imigrantes com seus deuses.
Só que, com o passar do tempo, os antigos deuses foram
esquecidos, e no lugar deles, surgiram os novos deuses.
Estes, curiosamente, são pouco mencionados na narrativa:
a tecnologia, o capitalismo, a mídia. São os deuses de
plástico, como o cartão de crédito, e de celulose, como a
mídia. Os entorpecentes também são apresentados como
sendo os novos deuses. Pelo menos, é o que Shadow
desconfia: “Um dos deuses novos – Shadow desconfiava
de que fosse uma droga, pelo jeito como sorria, e cintilava
e tremia” (apud GAIMAN, 2016, p. 509).

75
Outra obra de Neil Gaiman que retrata personalidades
mitológicas é a série Sandman. Nesse livro, Gaiman traz uma proposta
eloquente a respeito de sua criação própria introduzida em consonância
com o que as pessoas conhecem sobre a mitologia. Sandman é uma
série de títulos de histórias em quadrinhos, uma obra dividida em vários
volumes em que cada parte trata de um acontecimento em particular.
O protagonista da série é retratado pelo ser mítico homônimo à obra,
Sandman, ou Morfeu, uma referência ao deus grego do sono. A
narrativa se abre em um mundo onde deuses e forças da natureza
entram em conflito causando problemas entre deuses e homens; coloca
em teste a honestidade de alguns escolhidos pelos deuses para
desenvolver tarefas que podem trazer sua própria ruína.

O HORROR CÓSMICO ENTRANDO COMO MITOLOGIA MODERNA.


Outro autor que está em um lugar de status como sendo um dos
expoentes máximo da criação de mitos modernos, manifestação das
ideias que transportam em seu significado a importância de mitologias
que teriam o poder de serem cultuadas por povos antigos, é o Howard
Phillips Lovecraft, escritor Norte americano mais conhecido como H.P.
Lovecraft. Pode-se dizer que Lovecraft reinventou as formas de contar
histórias de catástrofes envolvendo o horror cósmico, e foi através de
suas construções mitológicas que se tornou um dos mais famosos
escritores de histórias fantásticas sobre temas de mitos.
Foi através do anti-antropocentrismo, filosofia de que o homem
não é o centro do universo, que Howard se apoiou para desenvolver
suas maiores criações literárias. De suas obras mais famosas que
contam com o surgimento de uma mitologia moderna baseada no
horror cósmico é a história intitulada O Chamado de Cthulhu. Ricci
(2003, p. 03) comenta sobre as inspirações em diversas mitologias as
quais Lovecraft se baseou para criar seu universo mitológico:

Lovecraft usou as mitologias suméria, egípcia e grega


como base para seus [sic] semi-deuses monstruosos. Ele
disse que seu deus-mensageiro Nyarlathotep era um
membro do panteão egípcio – a própria Esfinge ou um

76
grande faraó. Ele identificou o peixe-deus fenício Dagon
(anteriormente Oannes) como o próprio Grande Cthulhu,
e assim se tornou a primeira pessoa a ligar extraterrestres
a religiões antigas.

O chamado de Cthulhu é uma obra prima de Lovecraft, o qual


navega por gerações transmitindo os conceitos acerca de contos e
crenças inspirados na mitologia antiga para inserir em seu próprio
universo. Isso entrega ao leitor e à própria cultura, uma inovadora
concepção sobre entidades que se relacionam diretamente com o
horror cósmico e as crenças da mente humana, tanto dos personagens
inseridos nas histórias, quanto dos leitores que experimentam a
interpretação da vivência sobrenatural, levando a uma imersão em
sua obra literária.

AS MITOLOGIAS ORIENTAIS E SUA REPRESENTAÇÃO CULTURAL


NA LITERATURA E ARTE.
Na cultura oriental, a mitologia é comumente utilizada como
tema de obras literárias populares, através de contos e trabalhos de
arte, sendo algo que abrange um vasto terreno.
Os mangás2, livros contendo quadros ilustrados com um enredo
e roteiro de uma história, são objetos de leitura próxima das populares
revistas em quadrinhos da cultura ocidental.
Entre uma das obras que escalaram uma grande importância
dentro da cultura japonesa, que alcançou e impactou grande parte
do mundo, foi o clássico Pokémon. A história baseada em criaturas
com poderes elementais, as quais podem ser capturadas e usadas em
batalhas entre seus treinadores, faz referência às deidades de diversas
partes da mitologia japonesa, chinesa e coreana, como por exemplo,
usando o ser mítico Kitsune, a raposa de nove caldas, “[...] Vulpix e
Ninetales, dois monstrinhos [...] que possuem poderes de fogo e
psíquicos [...] o que condiz com as lendas, se levarmos em conta
que kitsunes anciãs podem assumir uma forma espiritual.”
(GANIKO, 2021, p. 09).
2
Mangá é o nome dado a histórias em quadrinhos japonesas

77
Podemos encontrar outros seres míticos nessa obra assim como
a lenda da carpa, aqui citado por Avancini (2020, p. 05) sobre o uso
da mitologia chinesa nessa adaptação:

Talvez uma das histórias mais interessantes, temos aqui


a origem mitológica de Magikarp e Gyarados. Ambos os
Pokémon foram inspirados em uma lenda chinesa que
dizia que no Rio Amarelo havia uma cachoeira
denominada “Portão do Dragão”. Se as carpas que viviam
ali fossem capazes de nadar contra a correnteza e chegar
ao topo da cachoeira, elas seriam transformadas em
enormes dragões como forma de recompensa pelos seus
esforços.

É uma prova de que seus métodos de como cultuar as divindades


se expandem além dos templos devotados às entidades místicas. A
religião do xintô é organizada de forma a não restringir essas
representações, agindo de modo que adere aos novos conceitos e
formas de contar e ensinar às novas gerações sobre os aspectos de
suas crenças, amalgamadas em obras modernas.
Novas formas de contar a história desses seres elementais
surgiram, passando a ser publicado em mangás e logo depois,
transmitido em forma de animação em desenhos animados, chegando
às telas das televisões em grande parte do mundo no formato dos
populares “animes” como são conhecidos os desenhos animados
japoneses. Essa arte foi capaz de levar os mitos japoneses ao redor
do mundo, saindo das terras orientais e chegando ao ocidente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise observativa a respeito das mitologias na cultura
contemporânea concede a compreensão de que o mercado se agarra
ao que tem a maior margem potencial de ser comercializado. As
formas como os mitos, os contos e lendas foram projetados para serem
inseridos nas sociedades, comprovam que o estímulo ao
conhecimento é também voltado pelo impulso de fazer da história
um produto competitivo no mercado.

78
Observando cada aspecto com que as mídias são desenvolvidas
e trabalhadas para conseguirmos acessar seus conteúdos, percebemos
que o formato das mitologias sofrem modificações tanto de semântica
quanto de significado para se tornar mais atrativo, ou para se
enquadrar melhor na sociedade, quase como se seguisse o conceito
político da janela de Overton, onde a descrição sobre esse fenômeno
diz que “Na formulação de Overton, é sempre possível desenhar um
[sic] continuum de posicionamentos para qualquer tema e há sempre
um espaço, bem delimitado, onde há aceitação unânime”. (ELEMAR
Jr., 2019, p. 02).
Então, podemos ligar o fato de que as mudanças nas mitologias
acontecem por dois motivos, onde o primeiro deles diz respeito sobre
a curva de aceitação da sociedade sobre um determinado assunto ou
posicionamento a respeito de uma discussão, seja político ou social e
o segundo motivo é a aceitação desse material dentro da concorrência
mercadológica.
Como a cada geração, as informações ganham novos apêndices,
somos capazes de distinguir dentro das circunstâncias, que a maneira
como os mitos são expostos, dependem também da geração que está
disposta a contar sobre as mitologias e o modo como vão usar para
fazê-lo.
Observamos que escritores como Neil Gaiman, Howard P.
Lovecraft, conseguiram confeccionar grandes obras fazendo uso das
antigas mitologias de diversas culturas, ora adaptando-as como são,
ora transformando, modificando e deturpando fatos sobre as histórias
originais.
Nesse ponto, conseguimos entender então a importância nessa
distribuição das mitologias dentro da sociedade. A dispersão de livros,
filmes e demais mídias que apresentam dentro de si as novas fórmulas
para entregar os velhos mitos, amplificados, melhorados ou não,
modificados para selecionar públicos alvos, mas sempre sendo
reavivada no imaginário da humanidade, causando admiração,
curiosidade e, às vezes, até mesmo novas devoções.

79
REFERÊNCIAS
AVANCINI, Lucas. As influências mitológicas de Pokémon, p. 05, Site Pokémon
Blast News. 18 Jan. 2020. Disponível em: <https://bityli.com/ZPgARac >.
Acessado em: 28 ago. 2022.
CALDAS FILHO, Carlos Ribeiro. Migrações e deuses de ontem e de hoje:
Perspectivas a partir de Deuses americanos de Neil Gaiman. Teoliterária – Revista
de literatura e Teologias. v. 8 n. 16, p. 04 e 07, (2018): Teologia e Literatura
Russa, 28 Ago. 2018. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/teoliteraria/
article/download/36388/39309?inline=1> Acessado em: 02 set. 2022.
CAMPOS, Leonardo. Crítica – A odisseia (1997), p. 01, Site Plano Crítico, 9 de
maio 2018. Disponível em: <https://www.planocritico.com/critica-a-odisseia-
1997/>. Acessado em: 27 ago. 2022.
CAMPOS, Leonardo. Entenda Melhor. Efeitos Especiais e Visuais no cinema, p.
03, Site Plano Crítico, 8 fev. 2020. Disponível em: <https://
www.planocritico.com/entenda-melhor-efeitos-especiais-e-visuais-no-cinema/>
Acessado em: 27 ago. 2022.
CARDOSO, Igor B.; COELHO, Maria Cecília de M. N. Mitologia, História e
Cinema: Um projeto de extensão sobre recepção do mundo greco-romano em
curso. Perspectivas e Diálogos: Revista de História Social e Práticas de Ensino,
v. 2, n. 6, p.120 e 121. jul./dez. 2020.
CASTILHO, Carlos G. D. Del. A literatura e a Mitologia: Uma experiência nas
mídias da educação à distância. Revista Eletrônica Travessias, Cascavel, v. 11,
n.3, p. 181, 10 set. 2017. Disponível em: < http://www.unioeste.br/travessias >.
Acesso em: 24 ago. 2022.
DELAVY, Eduarda. Desvendando a história de Deuses Americanos, p. 04, Site:
Amor por Livros, 21 Set. 2017. Disponível em: <https://
www.amorporlivros.com.br/deuses-americanos/>. Acessado em: 27 ago. 2022.
ELEMAR Júnior. A janela de Overton. Blog EximiaCo, p. 02, 30 Set. 2019.
Disponível em: <https://eximia.co/a-janela-de-overton/> Acessado em: 30 ago.
2022.
GANIKO, Priscila. O mito da raposa de nove caudas na cultura pop, p. 09, Site
Jovem Nerd. 20 Jan. 2021. Disponível em: <https://bityli.com/OoagGeQ>
Acessado em: 27 ago. 2022.
GUARNIERI, Leonardo Veiga. Eram os deuses imigrantes? (Deuses Americanos)
– Psicologia em série, P. 01, 27 Jul. 2017. Disponível em: <https://
www.psicologiaemseries.com.br/post/eram-os-deuses-imigrantes-deuses-
americanos> Acessado em: 02 set. 2022.
LAZARIN, Adele; Por Zeus! Os mitos gregos queimam no Tártaro do cinema,
p. 02, Coluna do Site Cinema com Rapadura. 18 Fev. 2014. Disponível em:
<https://bityli.com/QlCgQTJ>. Acessado em: 26 ago. 2022.

80
MONCKEN, Eduardo. Finja surpresa: God of War fez meio bilhão de reais
apenas com cópias digitais em seu lançamento, p. 01, Site: Tudo celular.com, 01
Ago. 2018. Disponível em: <encurtador.com.br/cqBQ8>. Acesso em: 26 ago.
2022.
RICCI, Denílson E. Mitos de Cthulhu. Site Lovecraft – a vida e obra de H. P.
Lovecraft. Jundiaí, Abr. 2003, p. 03. Disponível em: <https://
www.sitelovecraft.com/mithos.php#Mithos>. Acessado em: 02 set. 2022.
STUDART, Clara. O uso da mitologia no cinema, p. 03, 9 Set. 2019. Disponível
em: https://abrir.link/p3BiJ. Acessado em: 24 ago. 2022.

81
CAPÍTULO 5

AFETIVIDADE E APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM


DIÁLOGO COM A GERAÇÃO Z

AFFECTIVITY AND MEANINGFUL LEARNING IN DIALOGUE


WITH GENERATION Z

Renata da Silva Costa SOUZA


Danielle Cristina Teodoro de SOUZA
Marilurdes Cruz BORGES

RESUMO
O objetivo do estudo desenvolvido neste capítulo visa compreender como a
afetividade walloniana dialoga com os processos de aprendizagem significativa de
adolescentes entre 13 e 14 anos. Aprender com afetividade favorece o desenvolvimento
cognitivo dos alunos, como aponta Henri Wallon, o primeiro filósofo a trazer as
emoções do aluno para a sala de aula, considerando-as fundamentais para a formação
do eu. Embora os estudos sobre afetividade e adolescência de Wallon não dizem
respeito à Geração Z, primeira geração a nascer em ambiente totalmente digital, eles
nos fornecem subsídios para sua compreensão. Através do método dedutivo e
qualitativo, este estudo analisa, sob a perspectiva dialógica bakhtiniana, os aspectos
subjetivos do comportamento humano de adolescentes entre 13 e 14 anos. Os nativos
digitais caracterizam-se pela expressão de sua identidade, são sujeitos abertos à
inovação, comunicação e diversidade. Educar esses sujeitos com afeto é capacitá-los
a aprender a aprender, aprender a ser, aprender a conviver e aprender a conhecer. A
pesquisa mostra que o diálogo entre afetividade e aprendizagem na educação escolar
de adolescentes determina a identidade de um sujeito ativo e participativo, não só
com o mundo digital, mas também com o meio social. Desse modo, resulta em
educação de qualidade porque contribui para a saúde e o bem-estar do indivíduo e da
sociedade, corroborando, assim, com a Agenda 2030 e com os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável 3 e 4, justificados pela ONU.
Palavras-chave: Afetividade Waloniana; Geração Z; dialogismo; Bakhtin;
educação de qualidade.

ABSTRACT
The objective of the study developed in this chapter aims to understand how
Wallonian affectivity dialogues with the meaningful learning processes of
adolescents between 13 and 14 years old. Learning with affectivity favors the

82
students’ cognitive development, as pointed out by Henri Wallon, the first
philosopher to bring the student’s emotions into the classroom, considering them
fundamental for the formation of the self. Although Wallon’s studies on affectivity
and adolescence do not concern Generation Z, the first generation to be born in
a fully digital environment, they provide us with subsidies for its understanding.
Through the deductive and qualitative method, this study analyzes, from the
Bakhtinian dialogical perspective, the subjective aspects of the human behavior
of adolescents between 13 and 14 years old. Digital natives are characterized by
the expression of their identity, they are subjects open to innovation,
communication and diversity. Educating these subjects with affection is enabling
them to learn to learn, learn to be, learn to live together and learn to know. The
research shows that the dialogue between affectivity and learning in the school
education of adolescents determines the identity of an active and participative
subject, not only with the digital world, but also with the social environment. In
this way, it results in quality education because it contributes to the health and
well-being of the individual and society, thus corroborating the 2030 Agenda and
the Sustainable Development Goals 3 and 4, justified by the UN
Keywords: Wallonian affectivity; generation Z; dialogismo; Bakhtin; quality
education.

INTRODUÇÃO
A indisciplina dentro da sala de aula é um problema recorrente
e que se agrava ainda mais na fase da adolescência, época em que
muitos estão num processo de descoberta da própria identidade,
mudanças de hormônio e outros fatores que caracterizaram a
construção do cidadão.
Para entender seus fenômenos e minimizá-los no ambiente
escolar, é necessário que os professores compreendam a importância
que eles exercem na formação do aluno, sujeito que exercerá um
papel ativo na sociedade. Além da família, a escola também exerce
um papel fundamental na educação dos estudantes, visto que, além
de passarem grande parte do tempo dentro dos muros escolares, a
escola funciona como laboratório das experiências sociais.
Cientes da responsabilidade que a escola e o professor têm na
formação dos alunos, esta pesquisa objetiva compreender de que
forma o docente pode contribuir para que o educando tenha acesso a
uma educação de qualidade e igualitária, seja o aluno disciplinado
83
ou não. Para tanto, a presente pesquisa teve seus estudos baseados
na teoria da psicogenética do filósofo Henri Wallon, o qual considera
que a pessoa deve ser compreendida em seus aspectos biológicos,
afetivos, intelectuais e sociais.

1. BREVE BIBLIOGRAFIA DE HENRI WALLON


Conhecido nos meios acadêmicos e pedagógicos apenas como
Wallon, Henri Paul Hyacinthe Wallon foi um importante pesquisador
e cientistita no que diz respeito à Psicologia do Desenvolvimento.
Nasceu na França no ano de 1879 e morreu com 83 anos, no ano de
1962. Formou-se como filósofo, psicólogo e médico. Juntamente com
Vygotsky e Piaget, Wallon enxergava o sujeito como sendo construído
na interação com o outro e com o meio em que está inserido.
Wallon vivenciou as duas grandes guerras mundiais. Na primeira,
entre 1914-1918, serviu como médico, atendendo soldados com lesões
cerebrais que chegavam até ele mortos ou feridos. Durante esse período,
observou as lesões desses soldados e fez grandes descobertas que mais
tarde o ajudaria em sua teoria do desenvolvimento enquanto trabalhava
como psiquiatra (FRAZÃO, 2018).
Na segunda guerra mundial, entre 1939-1945, atuou como
ativista político por não concordar com o fascismo que se espalhava
e foi fortemente perseguido por Gestapo por se opor ao totalitarismo
da direita. Tornou-se ativista político, passando a compartilhar do
pensamento marxista, filiou-se ao partido comunista francês o que
exerceu forte influência em seu modo de pensar e também em suas
pesquisas (FRAZÃO, 2018).
Devido a suas experiências na guerra e seu envolvimento com
a política, Wallon se interessou e dedicou-se a entender como acontece
o desenvolvimento humano. Com esse conhecimento, passou a
observar o desenvolvimento infantil enquanto trabalhava no
atendimento de crianças com deficiências neurológicas em
instituições psiquiátricas.
Wallon também lecionou para grandes cientistas sociais de seu
tempo no ensino superior da França e do mundo, participou da
84
organização do ensino da França, com a proposta Langevin-Wallon,
a qual contribui para a reforma do ensino francês, a partir dos
princípios da Escola Nova.

2. A TEORIA DA PSICOGÊNESE DA PESSOA COMPLETA


Em seus estudos, Henri Wallon criou o conceito de “domínios
funcionais”, como uma forma de estudar a inteligência da criança.
São considerados domínios funcionais: o motor, a afetividade, a
inteligência e a pessoa. Para Wallon, é necessário compreender esses
domínios de forma integral, pois um complementa o outro. Assim,
domínios funcionais são “constructos de que se lança mão para analisar
o homem como objeto de estudo [...]” (PRANDINI, 2004, p.30).
Wallon considera que, no período inicial da vida, os três campos
funcionais – afetividade, motricidade e inteligência – estão
indissociavelmente integrados, formando um quarto campo funcional
– a formação da pessoa (DANTAS, 1990). Trataremos de maneira
sucinta de cada um dos campos apresentados acima, mas nos
deteremos mais especificamente no da afetividade por ser o objeto
de nossa análise.
O movimento faz parte do primeiro campo funcional a ser
desenvolvido na criança, pois é ele que permite e dá lugar para que
os outros se evoluam e se desenvolvam. Antes mesmo de a pessoa
falar, o movimento se faz presente na representação das emoções e
da afetividade. Wallon diz, em seu livro “Psicologia e educação da
infância”, que a vida psíquica do ser humano tem a sua tradução no
movimento (WALLON, 1975). A função expressiva do movimento
é vista na interação entre os bebês e os adultos, que não se comunicam
necessariamente através da fala, mas sim por meio de uma intensa
troca afetiva carregada de gestos e expressões faciais.
Agora, partindo para a inteligência, vemos que ela está
intimamente ligada ao sistema de símbolos e da linguagem. Para
Wallon (1975), é o fator biológico e o social que contribuem e
colaboram para que o ser humano amplie seu poder de abstração,
podendo assim pensar sobre o que não se enxerga no presente.
85
Quanto a pessoa, ou seja, a formação do eu, pode-se dizer que
ela é o responsável por integrar e unir os campos do movimento, das
emoções e da inteligência. É neste campo que se constitui o sujeito
como ser único, com sua consciência e identidade pessoal. Durante
o primeiro ano de vida do bebê, a personalidade é formada e
construída, sempre por intermédio de outro.
Por fim, a afetividade, conceito de suma importância para a
realização desta pesquisa e de destaque nos estudos de Wallon. São
as emoções, ou seja, a afetividade que impulsiona o movimento e é
por meio dela que o campo da inteligência é trabalhado.
Wallon (1986, p. 146) aponta que:

[...] a coesão de reações, atitudes e sentimentos, que as


emoções são capazes de realizar em um grupo, explica o
papel que elas devem ter desempenhado nos primeiros
tempos das sociedades humanas: ainda hoje são as emoções
que criam um público, que animam uma multidão, por uma
espécie de consentimento geral que escapa ao controle de
cada um. Elas suscitam arrebatamentos coletivos capazes
de escandalizar, por vezes, a razão individual.

A afetividade é a fase mais primitiva do desenvolvimento


humano. Esse conjunto funcional responde a estados, sejam de bem-
estar ou de mal-estar. Para o teórico, a afetividade se manifesta de
duas formas: psicologicamente (sentimentos e desejos) e
biologicamente (emoções).
Em seus estudos, Wallon (1975) apresentou as seguintes etapas
do desenvolvimento humano:

· ESTÁGIO 1 – Impulsivo-emocional (0 - 12 meses);


· ESTÁGIO 2 – Sensório motor e projetivo (12 meses - 3 anos);
· ESTÁGIO 3 – Personalismo (3 - 6 anos);
· ESTÁGIO 4 – Pensamento categorial (6 – 11 anos);
· ESTÁGIO 5 – Puberdade-adolescência (a partir de 11 anos).

Essas etapas são importantes para compreender os domínios


funcionais do desenvolvimento humano.

86
3. GERAÇÃO Z E OS ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO DE WALLON
O termo geração Z veio de uma definição sociológica para definir
características comum às pessoas nascidas entre 1997 e 2010. Assim,
se tomarmos como base o ano de 2022, pertencem à geração Z os
adolescentes/jovens com idade entre 12 e 25 anos. Esses sujeitos são
caracterizados como nativos digitais, pois são adolescentes que
nasceram em contexto digital, ou seja, na denominada Era Digital, já
com o uso de computadores e telefones móveis desde a infância, onde
as tecnologias se integram a cada dia com mais rapidez no cotidiano.
Em continuidade, com base no exposto por Wallon, em seus
estágios de desenvolvimento humano, uma grande parte dos
integrantes da geração Z faz parte do estágio 5 – “Puberdade-
adolescência”, que vai dos 12 anos até a idade adulta. Essa fase é um
momento caracterizado por processos de transformações, fase em
que o adolescente passa a desenvolver sua afetividade de forma mais
ampla, como, por exemplo, buscando a autoafirmação e, de forma
biológica, abarcando o seu desenvolvimento sexual.
De forma geral, os sujeitos presentes nessa geração buscam
antecipar e simplificar as coisas, ou seja, buscam a otimização das
tarefas devido ao contato com os constantes avanços tecnológicos, o
que tem impacto direto no processo de ensino-aprendizagem ao terem
sua compreensão tecnológica apurada.
Mahoney e Almeida trazem algumas das características gerais
do sujeito que está passando pelo 5º estágio:

No 5º estágio – puberdade e adolescência (11 anos em


diante) - vai aparecer a exploração de si mesmo, na busca
de uma identidade autônoma, mediante atividades de
confronto, auto-afirmação, questionamentos, e para isso
se submete e se apoia nos pares, contrapondo-se aos
valores tal qual interpretados pelos adultos com quem
convive. (MAHONEY; ALMEIDA, 2005 p. 23-24)

Em diálogo com o exposto, tem-se que a busca da identidade


autônoma que a geração Z tanto procura se faz presente em algumas
de suas características: de serem comunicativos e de não
87
estabelecerem barreiras e fronteiras grandes de mais para o diálogo,
pois compreendem as diferenças e as respeitam.
Ademais, as atividades de confronto presentes no quinto estágio
de Wallon dialogam com o fato de adolescentes e jovens do século
XXI serem contra os extremismos e polarizações. Eles demostram
isso por meio de manifestações em defesa do meio ambiente, pelo
fim da violência contra mulher e pela aceitação das diversidades.
Sendo assim, é de fundamental importância levar em
consideração a maneira como esses adolescentes/jovens são tratados
dentro das salas de aula das instituições de ensino. O professor precisa
ter em mente estratégias para lidar com essa geração de forma afetiva,
buscando tratá-los com compassividade e empatia.

4. A ESCOLA E O PROFESSOR AFETIVO COMO INFLUÊNCIA NA


MUDANÇA DE COMPORTAMENTO DE ALUNOS INDISCIPLINADOS
Wallon propõe, em sua teoria, que o homem se desenvolve em
sua interação com o meio, cuja relação se dá entre os fatores orgânicos
e socioculturais, ou seja, não é a genética a única que determina seu
destino, mas o meio em que ele vive também exerce influência sobre
suas escolhas.
Em consonância, o meio em que a criança vive também
influencia no modo como se desenvolve a sua inteligência, os
estímulos que ela recebe, a forma em que sua família é organizada, a
interação com as pessoas do seu cotidiano, tudo isso fará parte da
bagagem que cada indivíduo forma durante sua vida.
Pensando nisso e levando em consideração que a escola faz
parte do meio onde a criança e o adolescente vivem e passam grande
parte do seu dia, ela exerce um papel importantíssimo na vida desses
alunos e pode afetá-los tanto positivamente quanto negativamente.
Contudo, para que isso ocorra de forma positiva, é necessário que
toda a comunidade escolar tenha consciência disso, principalmente,
os professores que estarão em contato direto na sala de aula.
Assim, o professor, como mediador e participante nos processos
de autoconhecimento de seus alunos, deve levar em consideração que:
88
na puberdade e adolescência, o recurso principal de
aprendizagem do ponto de vista afetivo volta a ser a
oposição, que vai aprofundando e possibilitando a
identificação das diferenças entre ideias, sentimentos,
valores próprios e do outro, adulto, na busca para
responder: quem sou eu? Quais são meus valores? Quem
serei no futuro?, que é permeada por muitas
ambiguidades. (MAHONEY; ALMEIDA, 2005, p. 24)

Como visto, Wallon propõe que a pessoa deva ser compreendida


como pessoa completa. O autor afirma que não pode haver dicotomia
entre os aspectos biológicos, afetivos, intelectuais e sociais.
Logo, o professor, ao receber o aluno em sala de aula, deve
lembrar que este traz uma história, vivências e experiências que
formam sua bagagem cultural, e seus conhecimentos exercerão
influência em relações ao aprendizado escolar. Não observar isso,
leva a incompreensão dos pilares da indisciplina, a qual tem se feito,
cada vez mais, presente no ambiente escolar e na sociedade como
um todo.
Quando a indisciplina ocorre dentro da sala de aula, causa
muito incômodo, atrapalha o desempenho do indisciplinado, da
turma e do professor. Por causa desse tipo de comportamento, muitas
vezes, os estudantes indisciplinados são advertidos e suspensos por
dias consecutivos, o que ocasiona na perda dos conteúdos ensinados
e no afastamento do convívio escolar. A prática de suspensão às aulas
prejudica o desenvolvimento dos estudantes no processo de ensino-
aprendizagem e, como consequência, em muitos casos, o problema
se estende até a vida adulta do indivíduo.
Trabalhar com alunos indisciplinados na sala de aula não é
uma tarefa fácil e quando não se tem afetividade essa tarefa fica ainda
mais difícil. Fatores externos, causadores do chamado stress tóxico,
como salas de aula cheias, poucos recursos humanos e pedagógicos,
família de baixa renda, falta de perspectiva de futuro, dificultam ainda
mais o processo de ensino-aprendizagem.
Porém, observa-se que os alunos que vivenciam esse tipo de
realidade são, muitas vezes, condicionados a pensar que o conteúdo

89
aprendido na escola não servirá para o futuro que os aguarda, que a
escola não é capaz de oferecer o que é relevante à sua necessidade.
Desse modo, eles não se dedicam a aprender, não enxergam a
funcionalidade da escola para a sua formação.
A escola, como visto, na maioria dos casos, suspende o aluno
de frequentar as aulas ao invés de investigar a fonte do problema, ou
seja, libera-se da responsabilidade de ter que lidar com alunos com
esse perfil, deixando toda a responsabilidade a cargo dos pais.
Entretanto, a família, em muitos casos, não possuí estrutura, por
exemplo: pais separados, alguém da família que seja dependente
químico, famílias sem poder aquisitivo suficiente à alimentação
adequada e situações em que os pais saem para trabalhar de
madrugada e só voltam à noite, deixando seus filhos sozinhos. Nesses
casos, a responsabilidade de cuidar da casa e dos irmãos mais novos
acaba ficando na mão do próprio adolescente.
Essas são situações em que se tornam difíceis para a família
resolver sozinha, o que agrava ainda mais o problema, estendendo-
se até a vida adulta, portanto, a suspensão do aluno de frequentar às
aulas não é o meio mais eficaz para que tal comportamento deixe de
ocorrer novamente. É preciso que a escola e a família se unam a fim
de compreender qual a causa ou as causas que fazem com que o
aluno aja de forma indisciplina no ambiente escolar.
É nesse momento que o professor pode mediar esse processo.
Usando da afetividade como ferramenta, ele poderá aproximar-se
dos alunos e estes ao conteúdo, mostrando-lhes uma perspectiva
melhor para o futuro. Dessa forma, o aluno poderá compreender
que quem faz o seu futuro é ele próprio. Cabe, pois, a inclusão e não
a exclusão do estudante indisciplinado. O professor deve mediar os
conflitos por meio do afeto e promover situações para que a criança
e o adolescente encontrem na escola o lugar da acolhida e da
aprendizagem significativa ao seu desenvolvimento motor, afetivo,
cognitivo e identitário.

90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta pesquisa foi possível verificar como os estudos de
Wallon contribuíram para a compreensão de como acontece o
desenvolvimento da inteligência do ser humano desde a infância. Seus
estudos ajudam diferentes áreas do conhecimento a observar a formação
integral do indivíduo, seja no aspecto motor, intelectual e afetivo.
Após o estudo sobre a psicogênese da pessoa completa,
entendemos que o aluno, ao chegar na sala de aula, é um sujeito em
processo de desenvolvimento, já vem dotado de saberes que serão
ressignificados e solidificados em contanto com outros sujeitos no
ambiente educacional. Portanto, está com todos os campos funcionais
ativos.
Em posse desse conhecimento, o professor precisa ter em mente
que as emoções também devem estar presentes no ambiente escolar
e participar da formação cidadã é ativar, além do cognitivo, a
afetividade. Wallon foi o primeiro a falar sobre a importância da
afetividade e da emoção no processo de desenvolvimento da criança.
Dentro do ambiente escolar e da sala de aula, não se adquire saberes
sem afeto, pois isso influencia o modo com que as relações humanas
acontecem. Explorando emoções e afeto, o professor terá competência
e habilidade para mediar o conhecimento e a convivência na sala de
aula, logo, minimizará os problemas de indisciplina.
Dessa forma, para que o educando se desenvolva tanto nos
aspectos orgânicos como sociais, faz-se necessário o aumento do
contingente de professores qualificados, dotados de habilidades que
possam interagir afetivamente com os alunos, de forma a contribuir
positivamente para a aprendizagem e, consequentemente, para o
desenvolvimento global do indivíduo.

AGRADECIMENTO
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)
– Código de Financiamento 001.

91
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2011.
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação. 1996. Disponível em: https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/19394.htm. Acesso em: 25 abr. 2021.
FRAZÃO, Dilva. Henri Paul Hyacinthe Wallon. 2018. Disponível em: https://
www.ebiografia.com/henri_paul_hyacinthe_wallon/ Acesso em: 20 nov. 2022.
MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. de. Afetividade e processo ensino-
aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. In: Psicologia da Educação. São
Paulo: 20, 2005. p. 11-30.
ONU. Agenda 2030. Disponível em: https://www.agenda2030.com.br/ods/4/.
Acesso em: 25 abr. 2021.
PRANDINI, R. C. A. R. A constituição da pessoa: integração funcional. In:
MAHONEY, A. A.; ALMEIDA, L. R. de. (Org.). A constituição da pessoa na
proposta de Henri Wallon. São Paulo: Edições Loyola, 2004. p. 25-26.
SOBRAL, Adail. Do dialogismo ao gênero: as bases do pensamento do círculo
de Bakhtin. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2009.
WALLON, H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Editorial Estampa,
1975.

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Almeida, 1998.

92
CAPÍTULO 6

ANTIGUIDADE CLÁSSICA: o legado da Grécia à Roma

CLASSICAL ANTIQUES: the legacy from Greece to Rome

Cássia Mariana NUNES


Anderson Luís VENÂNCIO
RESUMO
O presente artigo analisa o legado que a civilização grega deixou para Roma e,
consequentemente, para o Ocidente. Essas heranças são múltiplas e se manifestam
com intensidade nas artes, estética, literatura, arquitetura, urbanização, escravidão
e religiosidade. Não é exagero dizer que as “entranhas” do Ocidente foram forjadas
no intercâmbio dessas duas civilizações. Para levar a cabo essa análise, foram tratados
alguns pontos sobre o pensamento, ambientação e relacionamentos internos e
externos dos povos gregos, verificando desde os mitos fundadores até a sua Filosofia.
Palavras-chave: Grécia. Formação. Legado. Roma. Ocidente.

ABSTRACT
This article analyzes the legacy that Greek civilization left for Rome and,
consequently, for the West. These legacies are multiple and manifest themselves
with intensity in the arts, aesthetics, literature, architecture, urbanization, slavery
and religiosity. It is no exaggeration to say that the “inner parts” of the West were
forged in the exchange of these two civilizations. To carry out this analysis, some
points were treated about the thought, setting and internal and external relationships
of the Greek peoples, verifying from the founding myths to their Philosophy.
Keywords: Greece. Training. Legacy. Pomegranate. Western.

INTRODUÇÃO
O presente capítulo tem por objetivo servir de bússola. Assim
como a geografia guia pelo espaço, dá dimensão física e direciona, a
história busca, dentre outras coisas, mostrar de onde as civilizações
vieram e o que compõe suas culturas. Não que a história vá dar um
caminho exato para onde seguir, corroborando com narrativas que
vêm a história como cíclica ou linear, mas sabendo da própria
identidade e tomando o passado como professor, o que torna mais
93
fácil saber quais passos tomar, como agir no cenário geopolítico e
vislumbrar um futuro livre de amarras, manipulações e guerras ou
pelo menos atenuar tais possibilidades.
Nota-se, então, um constante exercício de humildade e
admiração, onde olhar para aquilo que ficou com dedicação mostra
a sabedoria de um povo. Há diferenças notáveis entre os moldes da
cultura oriental e ocidental e o que cada cultura manteve para si ao
longo das eras. Ambas tiveram início espiritualizadas, porém, de
modo geral, enquanto o Ocidente viu as suas filosofias seguindo para
o crescimento de ideias e contrapontos livres, o Oriente viu na
hierarquia e no rigor o fortalecimento dos seus ideais.
Com constantes debates atualmente sobre conservadorismo nos
moldes ocidentais e devido aos eventos políticos recentes, “O Legado
da Grécia à Roma” busca vislumbrar o que a Grécia deixou
culturalmente para Roma e para o Ocidente, não de modo detalhado,
mas dando o caminho das pedras e um gosto de aprofundamento
para o tema.

1. O MITO COMO BASE DA CIVILIZAÇÃO


Toda e qualquer civilização tem o seu início marcado por Mitos
originários, essas cosmogonias possuem um sentido
metafísico\religioso e, ao mesmo tempo, educacional. A parte
religiosa é de fácil assimilação. A parte educativa é mais complexa,
sendo necessário olhar com cuidado para cada mito e verificar as
lições que o mesmo buscava passar. O objetivo disso? Estabelecer
limites, dar ordem ao caos, permitir uma melhor compreensão do
sentido da existência e do papel do destino. Além desse fator, mesmo
os mitos espiritualizados não surgem no imaginário popular
gratuitamente, suas histórias possuem borrões de outros povos que
se relacionaram de alguma forma com seu povo, histórias de pessoas
que viveram situações reais, porém foram esquecidas dentre tantos
outros fatores que marcaram o meio social e foram apagados pelas
intempéries do tempo e da falta de documentação. Com a Grécia e
com a Roma, não foi diferente.
94
1.1 GRÉCIA
Na antiguidade, era considerada “Grécia” qualquer população
que falasse grego. Por esse fator, o território grego que se localiza na
Península Balcânica era repartido em Grécia Peninsular (ou região
do Peloponeso) ao sul do continente, Grécia Continental (Ática e
com o tempo a Macedônia e regiões mais ao norte), Grécia Insular
(região de ilhas como Creta [que foi considerada grega
posteriormente], Rodes, Lesbos e outras menores) e Grécia Oriental
(ao lado oriental do mar Egeu, atual Turquia). Esses fatores
contribuíram para uma inevitável expansão territorial, já que um
território difuso cobrava condições de sobrevivência que, muitas vezes,
somente outros lugares poderiam oferecer.
Nesse contexto, a história grega cresce. A Grécia Continental,
por exemplo, dona de solos pobres era inapropriada para o plantio,
sendo habitada em grande parte, por pastores de ovelhas, ao seu lado
Creta florescia, trazendo requinte, gigantescos palácios, escrita e
relacionamentos estreitos com civilizações mais desenvolvidas como
o Egito. Por meio de Creta, a Grécia Continental passou a se
desenvolver e a criar muitos dos seus mitos baseados em um povo
que estava a muitos anos à frente de seu tempo. Os mitos traziam
consigo elementos tanto naturais quanto caros ao ser humano, por
isso que até os dias atuais eles conseguem falar tão bem a qualquer
pessoa de qualquer cultura.
Os deuses gregos, diferentemente do Deus de Israel e do
cristianismo, eram deuses que não eram perfeitos. O Deus da
narrativa bíblica é retratado como único e o ápice do que se pode
chegar nos quesitos perfeição, santidade, bondade, misericórdia,
justiça e amor, por exemplo. Já os deuses gregos em contrapartida
são humanos, mas poderosos e imortais, tem um relacionamento
próximo com a humanidade tanto em suas qualidades quanto em
seus defeitos. O que faz com que historiadores consigam perceber
ao analisar os mitos gregos (que antes de ter essa característica
fantasiosa eram simplesmente vistos como relatos) muitos dos
costumes sociais.
95
Além desse fator, é importante lembrar que as sociedades gregas
passaram por muitas guerras, catástrofes, construções e reconstruções
e, durante todo esse período, a história foi passada, em grande parte,
oralmente, misturando dessa forma o fantasioso e a realidade.
Segundo (FUNARI, 1989, p.11)

Creta – uma ilha ocupada pela região anatólica – não foi,


inicialmente, tomada pelos gregos. A civilização cretense
origina-se no final do terceiro milênio antes de Cristo e,
em 1800 a.C., já havia construído grandes palácios com
depósitos monumentais de alimentos e arquivos contábeis.
Os cretenses mantinham muitos contatos com o Egito
faraônico, o que foi importante para a difusão da cultura
egípcia no Mediterrâneo oriental. A escrita cretense,
hieroglífica, compunha-se de sinais que marcavam
sílabas, mas a língua usada pelos cretenses não foi
decifrada pelos pesquisadores até hoje, o que deixa muitas
perguntas no ar. Sabe-se que a principal cidade de Creta,
Cnossos, era um centro administrativo monumental. Creta
foi a diretriz da região da Grécia na Idade do Bronze. Em
meados do segundo milênio a ilha conheceu o apogeu da
chamada “talassocracia minoense”, ou seja, o poder
marítimo de Creta influenciava toda a região.

Admirados com a imponência dos palácios cretenses, os gregos


criaram a narrativa do Minotauro e do Labirinto.

1.2 ROMA
“Rômulo e Remo” é de longe a lenda mais popular sobre a
fundação de Roma e o fato de a origem histórica da cidade ainda ser
um mistério traz um ar ainda mais miraculoso sobre as origens dessa
grande civilização.
Conta uma das versões mais conhecidas da lenda que Rômulo
e Remo eram filhos do deus da guerra, Marte, com Reia Sílvia, filha
de Numítor, de Alba Longa. Quando os gêmeos eram bebês, Amúlio,
irmão de Numítor, destronou seu irmão e obrigou sua sobrinha a
tornar-se sacerdotisa, obrigando-a a jogar seus filhos no Rio Tibre.
Por um milagre, eles sobreviveram, foram criados por uma loba,
Capitolina, e depois receberam os cuidados de Fáustulo e sua esposa.
96
Quando adultos, eles restauram o trono de Alba Longa ao pai
e pedem permissão para fundar uma cidade à beira do Rio Tibre
(Roma). No entanto, eles acabam brigando e Rômulo mata o seu
irmão. Logo em seguida, ele transforma o Capitólio em refúgio. Para
obter esposas, os membros de Roma (que eram somente homens)
roubavam mulheres sabinas. Ao morrer, Rômulo foi levado aos céus
e passou a ser adorado como deus Quirino.
Outra lenda diz que Eneias era um troiano, filho da deusa Vênus
e Anquises (Rei troiano de Dárdano). Após a vitória dos gregos na
guerra de Tróia, Eneias vagou pelo Mediterrâneo, até chegar ao Lácio,
onde reinou por alguns anos. Depois de morto, foi adorado como
Júpiter Indiges. Seu filho Ascânio fundou Alba Longa e seu
descendente, Numítor foi pai de Reia Sílvia; era, então, avô de
Rômulo. De acordo com (FUNARI, 1989, págs. 86 e 87),

As possibilidades econômicas da região eram grandes,


tanto na produção agrícola (trigo e outros cereais) e na
criação de animais, como no comércio. Desde o início do
milênio a.C., os povos que ocupavam a península eram
indo-europeus. Como os latinos, sabinos e gregos, ao sul,
e os etruscos, uma civilização original que combinava
elementos gregos e orientais.
Não se conhecem os detalhes da fundação histórica de
Roma, mas uma das hipóteses é que teria sido fundada na
região do Latium por chefes etruscos que teriam unido
numa única comunidade diferentes povoados de latinos e
sabinos. Entre 753 a.C. e 509 a.C., Roma cresceu, deixou
de ser uma pequena povoação e transformou-se numa
cidade dotada de calçadas, fortificações e sistemas de
esgoto, tendo o latim se consolidado como língua corrente.
Em 509 a.C., os nobres romanos, chamados de patrícios,
teriam se revoltado contra seus dominadores etruscos,
deposto o rei etrusco que governava a cidade e instaurado
um sistema republicano. Segundo romanos, Brutus foi o
líder da revolta contra os Tarquínios, reis etruscos de Roma,
e tornou-se o primeiro magistrado da nova República.

2. GRÉCIA – SÉCULOS VIII – VI A.C.


Do terceiro milênio a.C. até o século IX, seguiu-se uma série
de eventos que possibilitou o surgimento da “Grécia clássica”.
97
Primeiramente os cretenses foram subjugados pelos jônios junto
com os outros habitantes da Ásia Menor, eles sofreram influência da
cultura Creta, mas nem de longe eram tão sofisticados quanto, já
que possuíam uma cultura militarizada.
Os jônios, em seguida, foram subjugados pelos aqueus,
especialmente os reis da cidade de Micenas. Como Creta não possuía
cultura militar, foi de fácil tomada. A partir desse ponto, a Grécia
passa por um período de palácios opulentos, poder centralizado,
estatizado e com um rígido controle através da escrita, até a chegada
dos dórios.
A partir de guerras violentas, seguiu-se o que ficou conhecido
como “Período das Trevas” onde há pouco registro da sociedade
grega. Imaginava-se que com as guerras dóricas, a Grécia teria
declinado a ponto de não se poder esperar mais nada dela. Um mundo
no qual existia apenas guerreiros e camponeses espalhados, sem
registros e sem uma cultura que os unisse, mas a verdade é que os
mitos, lendas e histórias eram transmitidos oralmente e foi dessas
comunidades de camponeses e guerreiros que surgiu a Grécia
Clássica, já que toda a cultura aprendida com todos os povos que
fizeram parte da Grécia de algum modo se conservou e foi passada
adiante. Inclusive a partir do século IX, com a retomada da escrita
(os fenícios inventaram o alfabeto para o controle de mercadorias e
afins), foi possível ver o surgimento de grandes obras como Ilíada e
Odisséia, datadas do século VIII.

2.1 ESTRUTURAS SOCIAIS (PÓLIS, DEMOS, ARISTOCRACIA,


ESPARTA, ATENAS E DEMOCRACIA)
Por um bom tempo, acreditava-se que os Gregos foram criaturas
superiores que subjugaram os povos que habitavam a região da
Península Balcânica, quando na verdade acredita-se cada vez mais
que os gregos se originaram de uma junção de vários povos e culturas
(tal como os brasileiros), o que gerou uma enorme capacidade de
adaptação. Um bom exemplo é o rápido aprendizado da escrita fenícia
a partir dos séculos IX e VIII a.C.
98
No início do século VIII a.C., o mundo grego está dividido
politicamente em várias cidades. E dos séculos VIII ao VI, esse processo
de formação de cidades se completa. A Grécia que antes era uma
sociedade de guerreiros e camponeses, agora é uma sociedade centrada
em cidades fortes e solidificadas (poleis). Os gregos espalharam cidades
por todo o Mediterrâneo, rivalizando economicamente com os fenícios.
De acordo com (FUNARI, 1989, p.23)

A cidade – pólis em grego – É um pequeno Estado


soberano que compreende uma cidade e um campo ao
redor e, eventualmente, alguns povoados urbanos
secundários. A cidade se define, de fato, pelo povo –
demos – que a compõe: uma coletividade de indivíduos
submetidos aos mesmos costumes fundamentais e unidos
por um culto comum as mesmas divindades protetoras.
Em geral, uma cidade ao formar-se, compreende várias
tribos; a tribo está dividida em diversas fatrias e estas em
clãs, estes, por sua vez, composto de muitas famílias no
sentido estrito do termo (pai, mãe e filhos). A cada nível
os membros desse agrupamento acreditam descender de
um ancestral comum e se encontram ligados por um
estreito laço de solidariedade. As pessoas que não fazem
parte desses grupos são estrangeiros na cidade, e não lhes
cabe nem direitos, nem proteção.

Dentro dessas cidades os descendentes de gregos que eram


donos de vastas propriedades, pastos, gado e ovelhas, acreditavam
que eram donos de uma posição privilegiada porque lhe fora conferida
pelos deuses. Esses passaram a governar e a serem conhecidos como
Aristocratas, que geraram as Aristocracias ou Oligarquias.

· ESPARTA
Localizava-se na região da Lacônia, a sudeste da Península do
Peloponeso, cortada pelo rio Eurotas, num vale cercado por altas
montanhas de difícil transposição. Era muito fértil e rica em minerais,
porém devido aos terrenos pantanosos e ao difícil acesso era um
território pouco disputado.
Conta-se que os dórios deram origem a Esparta durante os
séculos VIII e IX, subjugando os povos da região da Lacônia e
99
expandindo-se. Os povos capturados eram obrigados a trabalhar para
os espartanos, os chamados hilotas. Naturalmente que eles não
gostavam da sua condição de vida e se revoltaram diversas vezes,
tendo suas tentativas suprimidas.
Devido ao aparato exigido para se controlar outros territórios
e temendo haver mais povos não espartanos que espartanos em seu
território, o governo de Esparta opta por diminuir o território e
concentrar as suas forças em formar um exército de excelência. Dessa
forma dá-se início ao estilo de vida espartano retratado na maioria
das obras literárias, onde o cidadão espartano é escolhido por um
ancião quando nasce (caso contrário é morto jogado de um penhasco),
depois separado da mãe aos sete anos e treinado como militar. Eles
aprendem pouco sobre arte, escrita e até mesmo fala, atendo-se ao
necessário para as suas atividades militares.
O cidadão de maior direito em Esparta era o ancião, os outros
eram treinados a obedecer. Isso fez de Esparta um povo extremamente
disciplinado e forte, porém sem traquejo político e cultural.

· ATENAS
Localizava-se na Ática, a sudeste da Península Grega Central.
Com solo pouco fértil a cevada e o trigo mal davam conta de
alimentar os seus cidadãos. Por outro lado, as colinas favoreceram
o plantio de uvas e oliveiras, e as planícies a extração de prata,
deste modo Atenas se valia do seu comércio (principalmente
marítimo).
Ampliou o seu território, diferentemente das outras cidades,
e durante o século VIII já tinha tomado toda a região da Ática
(sendo uma das últimas cidades micênicas a resistir, expulsou os
dórios e tomou as cidades vizinhas). Dos séculos IX-VI a.C., os
atenienses foram governados por Aristocratas e eupátridas (bem-
nascidos). Os reis foram substituídos por magistrados, que se
encarregavam das guerras e alguns outros assuntos, juntamente com
o conselho. Somente esses administravam a cidade, enquanto pobres
e camponeses sofriam até pena de escravidão por dívida.
100
Com o aumento dos contatos no Mediterrâneo devido ao
crescimento da cidade entre os séculos VII e VI, os comerciantes
passaram a ter mais poder e a exigir concessões políticas. Nesse
contexto, surgiu Drácon (“serpente”), figura importante que se tornou
legislador, redigindo e tornando conhecidas as leis diante de todos.
O código Draconiano teria sido escrito por volta de 620 a.C., ele foi
responsável por tornar as leis públicas e aplicáveis a todos, mas não
acabou com o poder econômico dos aristocratas, fazendo com que
os ânimos não se acalmassem em Atenas.
Vendo esse cenário Sólon, arconte, tomou medidas para
favorecer o desenvolvimento econômico, a indústria e o comércio.
Além disso também favoreceu os cidadãos mais pobres eliminando
medidas como escravidão por dividas e dando mais poderes a
Assembleia popular por exemplo. Fora vincular os direitos políticos
as grandes fortunas e não mais as famílias de renome.
A Eclésia (Assembleia popular dos cidadãos) e a Bulé (Tribunais
populares), de começo não eram tão importantes, mas depois, por
volta do século VI a.C., irão se sobrepor ao poder dos arcontes
(políticos afortunados) e dos aerópagos (conselho da nobreza). O
período de transição, porém não foi algo fácil.
De 560 a 527 a.C, Atenas passou pela tirania de Pisístrato, um
governante moderado que valorizava a cultura (ele que ordenou que
se escrevesse Ilíada e Odisséia, pois ainda eram transmitidas
oralmente), os pequenos proprietários e a economia.
Foi somente com Clístenes que as quatro tribos hereditárias foram
substituídas por dez tribos definidas por seus territórios geográficos, a
Bulé passou a ter quinhentos membros definidos por sorteio e os
campos foram repartidos em trítrias (três por tribo), cada um com um
certo número de demos. A partir desse ponto, todo cidadão que estivesse
alistado em um demo poderia votar na Assembleia.
No tempo de Clístenes, também foi criado o Ostracismo que
permitia que um cidadão que fosse considerado causador de
problemas fosse exilado. Isso foi importante para manter o controle
e evitar guerras civis.
101
A Grécia, desde 491 a.C., vinha sendo atacada por persas
constantemente e durantes as batalhas que se sucederam em 485 a.C.
Atenas teve um papel fundamental para a derrota persa. Depois desse
grande feito, Atenas passou a ser uma das cidades mais suntuosas e
influentes do território grego atingindo o seu ápice. Restaurou suas
fortificações, ergueu construções admiráveis, tornou-se um império
e evoluiu em direção à democracia.

2.2 BASES FILOSÓFICAS


Como já exposto, a Grécia tem a sua formação repleta de contos
mitológicos que buscam a transcendência como último fim. O mito
não era visto como fantasioso, no entanto, era um relato do que
parecia estar além dos gregos e também da sua própria formação.
Em meio aos contos mitológicos, surgiram grandes pensadores
e intelectuais que marcaram as suas eras, revolucionando o
pensamento e buscando novas visões não só da sua formação como
povo e ser humano, mas também da formação do universo (Cosmos),
o motivo da existência, do material e do imaterial racionalmente.
Passaram a ser chamados de Filósofos, que significa “amigo do saber”
ou “arte de pensar”. Os gregos, diferente do pensamento atual, não
separavam razão e religiosidade, nem experiência de conhecimento.
De acordo com (FUNARI,1989, p.62),

Razão era um conceito essencial que os gregos estudaram a


fundo. Razão em grego era logos, palavra derivada do verbo
legein, que quer dizer juntar, e daí, “dizer” e logos significam,
ao mesmo tempo “palavra”, “discurso” e “razão”.

Os primeiros filósofos do mundo grego são conhecidos como


Pré-Socráticos, são alguns exemplos: Anaximandro, Heráclito, Tales
de Mileto, Pitágoras, Parmênides, Demócrito, dentre outros. Essa
mistura de conhecimento foi possível graças as relações gregas,
especialmente na Ásia Menor, que trazia o conhecimento de povos
orientais até os gregos que racionalizavam e buscavam sentido nos
relatos transmitidos.

102
Muito do conhecimento atual deriva das suas teorias
matemáticas, físicas, naturais e meditações. Contudo, a era de ouro
da Grécia foi marcada por três principais filósofos, que, com a sua
maneira de pensar, trouxeram o foco da filosofia para o ser humano,
seja na sua formação, propósito e psiquê (alma segundo os gregos)
ou na sua inserção no todo como algo de extrema importância e não
igualado.

· SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES


A Atenas democrática foi lar de Sócrates, Platão e acolheu
Aristóteles. Filósofos esses extremamente críticos do seu tempo e da
realidade que os abarcava em busca da verdade. E foi justamente através
do questionamento e da crítica que o primeiro embasou a sua filosofia.
Sócrates via os grandes governantes de Atenas na luta pelo poder
e também os sofistas (pessoas que ensinavam em troca de dinheiro e,
portanto, concordavam com todo tipo de argumentação, desde que
rendesse lucros), defendendo tais governantes e questionava se esse era
o melhor meio de se adquirir a sabedoria e o conhecimento genuínos.
Em praça pública, de modo modesto, sem várias viagens, sem cobrar
por conhecimento e no auge da Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.),
Sócrates reunia cada vez mais adeptos, dentre eles Platão.
Quando questionava a respeito do que era virtude e justiça aos
sofistas, estes falavam como se soubessem todas as respostas. Já
Sócrates admitia a sua ignorância e o fato de precisar buscar por
conhecimento, o que enfurecia os seus adversários. A Alegoria da
Caverna inclusive foi escrita por Platão, enquanto este ouvia um
diálogo entre Sócrates e seus irmãos. Sócrates foi morto, acusado de
“corrupção da juventude” em 399 a.C..
Platão, seu discípulo, obteve o auge do seu pensamento no
século V a.C. durante as guerras entre Democratas e Aristocratas.
Abatido pela morte do seu mentor e vendo os excessos que ambos os
lados cometiam, Platão concluiu que a classe política ateniense estava
corrompida de modo incorrigível e propõe um modelo de sociedade
com apenas três grupos: os filósofos, os guerreiros e os artesãos.

103
Fundou uma escola, a Academia, onde tem os seus ensinos
voltados cada vez mais para o mundo das ideias. E, então, é nesse ponto
que surge a base para o termo “amor platônico”, sem contato físico.
Aristóteles, por sua vez, é muito mais prático. Nascido em Stageira em
484 a.C. começou a estudar na Academia com apenas dezessete anos, e
teve Platão como mentor, que o chamava de “cérebro da escola”.
Com a morte de Platão em 347 a.C., Aristóteles saiu de Atenas,
continuou estudando e se tornou tutor de Alexandre, filho do rei
Filipe II da Macedônia em 342 a.C. Somente quando este assumiu o
trono em 336ª.C., Aristóteles retorna a Atenas e funda o Liceu.
Redigiu inúmeras obras, de inúmeros temas, desde biologia lógica,
até críticas literárias. Diferentemente de Plantão, Aristóteles embasou
a sua filosofia no mundo real, naquilo que podia ser examinado e
estudado, além de substituir os diálogos usados pela prosa, que julgava
mais filosófico. Segundo (FUNARI, 1989, p. 70),

Platão e Aristóteles forneceram os fundamentos para todas


as formas de pensamentos posteriores, não só na própria
Antiguidade, mas também na Idade Média e até chegar
aos Tempos Modernos. Suas ideias surgidas da pólis,
tornaram-se instrumentos de conhecimento do mundo que
transcenderam, em muito, aquele mundo das cidades gregas
a tal ponto que, com exagero, é lógico, toda a restante
Filosofia já foi descrita como comentários à Filosofia grega.

2.3 JOGOS OLÍMPICOS E AS ARTES


Os gregos visavam à excelência na formação dos seus cidadãos,
buscando exercer todas as capacidades que compunham o ser
humano, isso não se limitava somente ao preparo militar e ao
conhecimento filosófico, estendia-se ao treino do físico e da mente
para reconhecer o belo e o harmonioso.

· JOGOS OLÍMPICOS
Nas Olimpíadas, podiam competir todos os gregos livres de
nascimento que não tivesse tido algum tipo de condenação, estando
excluídos, portanto, os escravos e os bárbaros, além da mulheres,

104
que não apenas eram impedidas de disputar como também de assistir
aos jogos, com a única exceção da sacerdotisa de Deméter. Os Jogos
continuaram a ser celebrados até 494 d.C. e quando a Grécia passou
a ser dominada por romanos, também puderam competir os cidadãos
de Roma. Ao final da competição, todos os vencedores, com suas
coroas de louros, ofereciam sacrifício a Zeus, ao que se seguia um
banquete, ao som de um canto especialmente composto para a ocasião
por algum poeta renomado e interpretado por um coro.

· ARTES
Segundo (FUNARI, 1989, p.71 e 72),

Não era apenas na Filosofia que a pólis tornou o homem


a medida, o referencial, para tudo, mas também na arte
os gregos passaram a basear todas as suas formas de
representação na proporcionalidade das partes em relação
ao todo. A beleza para eles estava, precisamente, nas
proporções entre as partes, por analogia com as
proporções entre as partes do corpo humano. Esse anseio
por uma ordem, taksis que levou a introdução do plano
das cidades em “tabuleiro”, com ruas paralelas levando a
um esquema ortogonal.

A arquitetura grega usava em suas edificações pedras, mármores


e tijolos, tendo desenvolvida algumas ordens arquitetônicas, definidas
como a forma e a disposição das partes salientes e, sobretudo, das
colunas e do entablamento que distinguem os diferentes processos
de construção.
Havia três ordens principais: as dóricas, com colunas sem base
e capitel curvo; a jônica, com base e capitel terminado em duas
volutas; e a coríntia, uma combinação das outras duas.

3. GUERRA DO PELOPONESO – 431 A.C. A 404 A.C.


Foi a guerra que envolveu Atenas e Esparta desde pouco antes
da morte de Péricles, em 429 a.C. até 404 a.C. O objetivo era o
controle das cidades gregas, mas o resultado foi que, com a derrota
de Atenas, as cidades entraram em declínio e continuaram a guerrear.
105
Espalhou-se uma onda generalizada de decadência entre as
cidades, afetando os camponeses e artesãos. Os guerreiros eram
chamados para lutar fora das cidades e pagos como mercenários.
Isso não bastou para que cessassem as disputas. As cidades ficaram
enfraquecidas e o rei Filipe II da Macedônia aproveitou dessa
vulnerabilidade para subjugá-las. Seu filho, Alexandre, o Grande,
não só dominou toda a Grécia, como derrotou Pérsia e chegou à
Índia, estabelecendo dessa forma um império gigantesco.
Entre 336 a.C. e 323 a.C., Alexandre fundou diversas cidades
com o seu nome e comandou todo o império, porém, com a sua
morte, o grande domínio que ele havia conquistado se desfez,
tornando as várias cidades vulneráveis sem exércitos próprios ou
política externa autônoma. As cidades-Estados gregas, no entanto,
se mantiveram, seguindo sua constituição e leis. A partir do século
II, a cultura Helena passou a ser absorvida aos poucos pelos romanos
e mesmo que os gregos a mantivessem orgulhosamente elas passaram
a se modificar.

4. HELENISMO
De acordo com (GREEN, 2007, p.9),

Longe de ser apenas um elo entre a Grécia clássica e o


imperialismo nascente de Roma, como supôs Grote, estes
três séculos revelam-se como uma época própria, de
violência política e criatividade variada, e é assim que
eles são estudados hoje.

O Helenismo é visto, muitas vezes, apenas como uma ligação


entre as sociedades gregas e o mundo romano, quando na verdade é
produto de um esforço consciente por parte de Alexandre, o Grande,
para unir o que havia de melhor entre Oriente e Ocidente. Alexandre
soube romper com os preconceitos das sociedades grega-macêdonia
em relação aos povos, ditos bárbaros. No Egito, encantou-se com o
esplendor e grandiosidade dos templos, pirâmides e com a própria
religiosidade local. Aceitou de bom grado ser aclamado Faraó. Ao
conquistar o Império Persa, Alexandre viu não apenas a chance de
106
aumentar o poderio grego, mas de ampliar as interações culturais
entre os dois mundos.
“Heleno” é como o grego chamava todo aquele que utilizava a
língua grega, por essa razão, os estudiosos modernos utilizaram o
termo “Helenístico” para denominar toda civilização que falava grego
entre o período das conquistas de Alexandre, o Grande e a tomada
da Grécia por Roma em 146 a.C.. A principal característica do mundo
helenístico é a convivência de vários povos, já que o império de
Alexandre se estendeu por toda Grécia, Palestina, Egito, Pérsia e
Mesopotâmia. Todos esses povos respondiam a elite Macedônica em
grego que era a língua oficial, dessa forma a troca cultural se tornou
extremamente diversificada.
Um exemplo interessante esteve em Alexandria, onde uma
importante comunidade judaica passou a interpretar o Velho
Testamento a luz da Filosofia grega, o que foi de suma importância
e basilar para a consolidação do cristianismo adiante. Segundo
(FUNARI, 1989, págs. 79 e 80),

Um exemplo disso, é o desenvolvimento da Filosofia


estoica, fundada por um pensador de origem fenícia,
Zenão de Cítion. Segundo o estoicismo, Deus é o logos,
ou razão, e o homem deve viver de acordo com o logos,
que se identifica com a natureza. Essa mescla de Oriente
com Ocidente leva a uma visão que separa “bem” e “mal”,
e que propõe a moderação e o distanciamento do mundo.
O estoicismo terá grande difusão no mundo romano, com
Sêneca e Marco Aurélio, e estará muito próximo do
cristianismo. Para São João, em seu Evangelho: “No
princípio era o logos, e Deus era o logos”. O estoicismo
de múltipla origem, grega e oriental, converteu-se em um
dos grandes fundamentos da tradição do Ocidente.
Milhares de anos depois, vivemos em um mundo marcado
pela civilização helenística, com sua grande variedade
cultural.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS – A GRÉCIA EM ROMA


Em 146 a.C., a Grécia foi tomada por Roma e passou a fazer
parte do Império, contudo, a lei do mais forte deve ser levada em

107
consideração, já que Roma conseguiu a Grécia politicamente, mas
culturalmente foi a Grécia quem dominou.
Um olhar para a arte romana, os mitos e histórias, a arquitetura
e até mesmo a língua falada entre a elite e é possível ver isso com
bastante nitidez. Duas coisas a serem levadas em consideração
quando analisamos a presença da Grécia no Império Romano é que,
da mesma forma que não podemos olhar os deuses gregos como
olhamos para o Deus bíblico, também não podemos olhar para as
civilizações do mundo antigo como olhamos para as nossas
atualmente.
Após a Revolução Francesa, no final do século XVIII, foi
incutido no senso comum o conceito de Estado Nacional onde, para
ser considerada nação, uma civilização deve conter um povo, um
território e uma cultura. Na Antiguidade, havia mesclas culturais
muito mais evidentes, aceitáveis e abrangentes, onde o que importava
eram as línguas e tradições conservadas, além ou apesar do domínio.
E isso leva a segunda consideração, que é o fato de Roma
manter-se imponente diante do Helenismo, e da Grécia a todo custo
manter-se firme em suas tradições, mesmo que a longo prazo seja
possível observar que tanto a cultura grega quanto a romana sofreram
modificações. A Grécia já estava presente em Roma, muito antes do
domínio, seja nos etruscos que compunham a civilização romana ou
na presença da Grécia na chamada Magna Grécia (onde os gregos
ocupavam o sul da Península Itálica e a Sicília), e mesmo absorvendo
da cultura, Roma manteve uma identidade extremamente forte e
contundente. O cuidado necessário para uma análise fidedigna dessa
questão requer uma honestidade e uma abrangência de visão que vai
além de dois pesos e duas medidas, haja visto que ambas as
características estavam presentes tanto no Império (pelo seu caráter
agregador), quanto na Grécia (pela sua formação e hábitos de
aprendizagem). De acordo com (FUNARI, 1989, p.132),

(...) Eles [os gregos] e sua cultura foram muito importantes


para os romanos a tal ponto que se diz que a Grécia,
capturada pelos romanos, capturou-os culturalmente. O

108
poeta latino Horácio (século I a.C.) (Ep. 2, 1, 156) compôs
a famosa fórmula: Graecia capta ferum uictorem cepit,
“A Grécia capturada conquistou o orgulhoso
conquistador”. Basta lembrar que os deuses gregos e suas
histórias foram incorporados pelos romanos, tendo seus
nomes traduzidos, como é o caso de Zeus (Júpiter),
Afrodite (Vênus) ou Ares (Marte).

REFERÊNCIAS
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Editora Contexto, 1989.
GRENN, Peter. Alexandre, O Grande e o Período Helenístico. Rio de Janeiro:
Editora Objetiva LTDA, 2007.

BLOCKMANS, Wim. Introdução a Europa Medieval 300-1500. Rio de Janeiro:


Editora Forence LTDA, 2012.

109
CAPÍTULO 7

THINK TANKS: conceito, origem e suas ações no cenário


político brasileiro

THINK TANKS: concept, origin and its actions in the


brazilian scenario

Júlia Roberta NAQUES


Talita de Carvalho Guiraldelli VENÂNCIO

RESUMO
Este artigo mantém por desígnio a conceituação, ainda que amplamente discutida,
do termo ‘’think tanks’’ expondo sua origem internacional e seu significado histórico
que permite que o termo se mantenha na sua língua original, seus meios de
propagação e sua influência em políticas públicas citando, com ênfase no cenário
exterior, a RAND Corporation, um think tank norte-americano desenvolvido em
1948 pela Douglas Aircraft Company para oferecer pesquisa e análise às Forças
Armadas dos Estados Unidos que teriam supostamente dado origem ao formato
conhecido hoje como think tanks. Através da conceituação e análise de sua origem,
partiremos para uma análise um pouco mais ampla das ações de instituições
brasileiras que podem ser identificadas e encaixadas sob a luz do que o amplo
debate nos permite compreender como think tank, levantando a questão de que
tal fenômeno que tanto atinge cenário políticos e militares é pouco abordado e
analisado tanto internacionalmente quanto no território brasileiro. O artigo em
questão não pondera com a criação de respostas para as dúvidas pendentes acerca
das corporações que atuam no cenário brasileiro, mas se presta a expor informações
apanhadas de estudos que contemplam o objetivo de oferecer esclarecimentos
dentro do debate e nos oferecem um conceito mais concreto para um fenômeno
de considerável amplitude conceitual.
Palavras-chave: think tanks; políticas; Brasil; conceito; fenômeno.

ABSTRACT
This article maintains by design the conceptualization, although widely discussed,
of the term ‘’think tanks’’ exposing its international origin and its historical
meaning that allows the term to remain in its original language, its means of
propagation and its influence on policies. public citing, with an emphasis on the
foreign scenario, the RAND Corporation, an American think tank developed in

110
1948 by the Douglas Aircraft Company to provide research and analysis to the
US Armed Forces that allegedly gave rise to the format known today as think
tanks. Through the conceptualization and analysis of its origin, we will start with
a slightly broader analysis of the actions of Brazilian institutions that can be
identified and embedded in the light of what the broad debate allows us to
understand as a think tank, raising the question that such a phenomenon that
affects both political and military scenarios is little discussed and analyzed both
internationally and in Brazil. The article in question does not ponder with the
creation of answers to the pending doubts about the corporations that operate in
the Brazilian scenario, but it lends itself to exposing information gathered from
studies that contemplate the objective of offering clarifications within the debate
and offering us a more concrete concept. for a phenomenon of considerable
conceptual breadth.
Keywords: think tanks; Policies; Brazil; concept; phenomenon.

CONCEITO E ORIGEM
A origem de instituições que tinham como objetivo a produção
de ideias políticas e a sua divulgação é de ampla discussão entre
diversos autores. Para alguns autores, dentre eles McGann (2018), a
origem dos think tanks remonta ao século XX, tanto nos Estados
Unidos quanto na Europa, como uma maneira de resolver
instabilidades decorrentes da Revolução Industrial, por meio da forte
confiança em especialistas. Instituições como a Brookings Institution
(1916), o Carnagie Endowment for International Peace (1914), o Kiel
Institute of World Economics (1914) e o Royal Institute for
International Affairs (1920) seriam consideradas resultantes da
primeira onda dessa modalidade de organização.
É interessante reafirmar que o conceito de thinks tanks tem
sido constantemente revisado na literatura e algumas
considerações devem ser abordadas, como aponta Thiago Aguiar
de Moraes em suas pesquisas denominada Os think tanks brasileiros
em perspectiva: características gerais, apontamentos conceituais e
possibilidades de pesquisa:

A denominação TT possui uma carga de pretensão de


neutralidade que deve ser levada em consideração na

111
análise do fenômeno. Ademais da reivindicação de
independência das próprias instituições em relação a
partidos políticos, governos ou qualquer outra instância,
os valores, estudos e projetos que um TT defende e
difunde têm um perfil mais conservador ou progressista.
(MORAES, 2013, p.2)

Tanto o termo quanto a primeira instituição a se associar ao


termo ocorreram durante a Segunda Guerra Mundial para
caracterizar o que seria um ‘’ambiente seguro no qual os especialistas
militares e civis se situavam para poder desenvolver planos de invasão
e estratégias militares.’’ (HAUCK, 2015)
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o termo think tank
foi empregado a empresas que realizam pesquisas por encomenda
como a Rand Corporation, a qual, segundo seu próprio site, conta
um pouco de sua origem e definição:

Em 14 de maio de 1948, o Projeto RAND - uma


organização formada imediatamente após a Segunda
Guerra Mundial para conectar o planejamento militar com
as decisões de pesquisa e desenvolvimento - separou-se
da Douglas Aircraft Company de Santa Monica,
Califórnia, e tornou-se uma organização independente e
sem fins lucrativos. Adotando seu nome de uma contração
do termo ‘’pesquisa e desenvolvimento’’, a entidade
recém-formada foi dedicada a promover propósitos
científicos, educacionais e de caridade para o bem-estar
e segurança pública dos Estados Unidos.1

1
On May 14, 1948, Project RAND—an organization formed immediately after World War II to
connect military planning with research and development decisions—separated from the Douglas
Aircraft Company of Santa Monica, California, and became an independent, nonprofit organization.
Adopting its name from a contraction of the term research and development, the newly formed entity
was dedicated to furthering and promoting scientific, educational, and charitable purposes for the
public welfare and security of the United States.

112
FIGURA 1 – RAND – RESEARCHER NANCY NIMITZ

Fonte: September 1, 1958. Photo by Leonard McCombe/The LIFE Picture Collection/Getty Images

Em 1960, o termo se expande em seu sentido e abrange instituições


que oferecem pesquisas e estudos nas áreas de política e relações
diplomáticas, estudos estes com um perfil quase-academic, ou seja, estudo
que se aproximam de um caráter acadêmico, mas não o é. A priori, a
problematização de toda a definição e da febre dos thinks tanks está ligada
ao modo como essas instituições se vendem: como um polo científico-
político de alta credibilidade e de estudos alheios a ‘’ideologias’’ e
desconectado do governo central de um país sendo que, em sua maior
parte, essas instituições se mantém através do financiamento bruto de
empresários de diversos ramos. O desígnio do financiamento de uma
classe econômica elevada leva a compreender que as pesquisas, os estudos
e todo aparato de promoção de ideias e divulgação dessas instituições
está completamente voltado aos interesses desta mesma classe
econômica, impossibilitando que haja um debate mais amplo no campo
político e podendo atingir as classes menores de forma que a classe
eminente se conserve em seu posto e com seus proveitos.
Tal problemática se aplica tanto em locais dominados por
pensamentos liberais ou não, ressalvando que, ainda que mínima
parte, existem think tanks financiados pelo próprio governo. Um
exemplo seria os think tanks chineses que são financiados pelo Estado
para colher dados como uma maneira de promover o poder do Estado
e ponderar articulações internacionais. Por meio de uma pesquisa

113
realizada pelo acadêmico James McGann, fundador da Think Tanks
and Civil Societies Program (TTCSP), listou os think tanks mais influentes,
sendo sete deles instituições chinesas como Instituto Chinês de
Relações Internacionais Contemporâneas (CICIR), Academia
Chinesa de Ciências Sociais, Centro de Pesquisa para o
Desenvolvimento do Conselho de Estado (DRC). No estudo Think
Tanks, Foreign Policy and Geo-Politics: Pathways to Influence, realizado
pelos pesquisadores e acadêmicos Donald Abelson, Stephen Brooks
e Xin Hua constataram que essas organizações tiveram impacto na
formulação das políticas da China no período subsequente à crise
financeira global de 2008, particularmente no que diz respeito à
crescente proximidade do país com o continente europeu.
Outro tópico questionável é o caráter acadêmico assumido
pelos thinks tanks em suas pesquisas e estudos oferecidos, pois ao se
tratar de instituições privadas e sem compromisso com áreas
relacionadas ao Estado, não existe um sistema que fiscalize a
veracidade e honestidade dessas produções quase-academic, dando-
lhes liberdade para a criação e divulgação de dados que não
correspondem com a realidade e, se delatado a sua falta de veracidade
e alteração, não há penalidades existentes que possam impedir a
disseminação de informações alteradas para favorecer alguma das
partes de interesse daqueles que financiam essas organizações.
Ao ressaltar algumas das problemáticas trazidas pelos thinks
tanks na atualidade, partiremos para o cenário brasileiro.

1. THINK TANKS NO BRASIL


Ao citar os think tanks brasileiros, podemos analisar e
compreender com clareza as ações e objetivos dessa classe
institucional através da observação de dois dos maiores think tanks
nacionais, dando uma atenção especial ao IPES (Instituto de Pesquisa
e Estudo Sociais) e a sua intensa participação no golpe militar de
1964.
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foi fundado
em maio de 1959 por Ivan Hasslocher, acompanhado de outros
114
empresários, tais como Gilbert Huber Jr., Glycon de Paiva e Paulo
Ayres Filho. O IBAD contava com o objetivo de eliminar qualquer
disseminação de conteúdo e ideias comunistas e possuía, em sua
formação, diversos militares e empresários, além de contar com o
que seria uma revista mensal disseminando discursos golpistas. Mais
tarde, iria se tornar parte da organização de mesma função
denominada IPES.

FIGURA 2 – REVISTA AÇÃO DEMOCRÁTICA

Fonte: IBAD, 1962

O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) foi instituído


em 29 de novembro de 1961 por Augusto Trajano de Azevedo
Antunes (ligado à Caemi Mineração) e Antônio Gallotti (ligado à
Light S.A.) sendo Augusto um dos maiores conspiradores contra o
governo de Goulart e em apoio ao golpe de 64.
Para definir de modo mais preciso a maneira como o IPES
se apresentava e como era defendido por seus apoiadores, René A.
Dreifuss descreve em sua obra ‘’1964: Conquista do Estado’’ de 1981
alguns trechos apresentados pelos apoiadores e pelo próprio IPES:

115
O IPES desenvolveu uma dupla vida política desde o seu
início. Aos olhos de simpatizantes e defensores, a sua
face pública mostrava uma organização de ‘respeitáveis
homens de negócio’ e intelectuais, com um número de
técnicos de destaque, que advogavam a ‘participação nos
acontecimentos políticos e sociais e que apoiavam a
reforma moderada das instituições políticas e
econômicas existentes’. Seu objetivo ostensivo era
estudar ‘as reformas básicas propostos por João Goulart
e a esquerda, sob o ponto de vista de um tecno-
empresário liberal’, conforme uma versão de seu
documento básico. ‘A responsabilidade democrática do
empresário’, distribuído entre recrutas potenciais, o
IPES foi instituído como uma ‘agremiação apartidária
com objetivos essencialmente educacionais e cívicos’.
Além disso, segundo o documento, o IPES seria
orientado por ‘dirigentes de empresas e profissionais
liberais que participam com convicção democrática,
como patriotas e não como representantes de alguma
classe ou de interesses privados. Eles se reúnem para
analisar a situação e contribuir para a solução dos
problemas sociais que curtem constantemente na vida
brasileira. (DREIFUSS, 1981, p.163-165

Com o cenário internacional dividido no período da Guerra


Fria, os Estados Unidos tinham como prioridade o combate às ideias
do comunismo que iam contra os seus ideais, houve a preocupação
com a disseminação comunista na América Latina em decorrência
dos atos ocorridos em Cuba. É devido a esse cenário e a preocupação
dos Estados Unidos que ocorre a criação da Aliança Para o Progresso,
um programa de desenvolvimento idealizado por John Kennedy e
fundado em agosto de 1961. Cerca de 22 nações da América Latina
assinaram um documento onde os países latino-americanos deveriam
traçar planos de desenvolvimento e garantir parte dos custos do
programa, tendo a outra parte custeada pelos Estados Unidos, além
da administração da aliança ficar por conta da United States Agency
for International Development.
Uma das instituições que receberam o financiamento
estrangeiro se trata do IPES e, com a carta branca e o financiamento
necessário, a missão dada a este think tank foi a de preparar o solo
116
para o que seria um movimento de impedimento da disseminação
de ideias de esquerda que ocorreria com João Goulart assumindo o
poder. A missão envolveu a divulgação de discursos golpistas,
infiltração em movimentos de operários e estudantis, material
acadêmico e pesquisas que demonizavam o comunismo e os países
que adotaram a ideias comunistas. Dreifuss, ainda em sua obra,
reproduz o que seria a composição do IPES:

Fonte: Dreifuss, 1987.

Com toda a sua participação ativa em diversos setores ligados


ao cenário político, o IPES se encerra em 1972, porém os think tanks
brasileiros continuam a surgir.

1.1 THINK TANKS CONTEMPORÂNEOS


INSTITUTO MILLENIUM
O instituto Millenium, lançado inicialmente como Instituto da
Realidade Nacional, foi fundado em 2005 pela economista Patrícia
Carlos de Andrade e faz parte de uma nova onda de TT’s que se auto
reconhecem como tal tipo de organização. Segundo seu próprio site,
é possível notar a sua autoclassificação:

O Instituto Millenium (Imil) é uma associação civil sem


fins lucrativos e sem vinculação político-partidária,
reconhecido como uma entidade que defende interesses

117
públicos e, principalmente, valores e princípios
democráticos que pautam o desenvolvimento do país.
Com um quadro de formadores de opinião e
influenciadores, o think tank promove valores e princípios
que garantem uma sociedade livre, com liberdade
individual, economia de mercado, democracia
representativa e Estado de Direito.2

Além de Patrícia Carlos de Andrade, filha de Evandro


Carlos de Andrade, ex-chefe-editor da Globo em 1971, o Instituto
Millenium se liga diretamente a membros que possuem relação com
vários veículos jornalísticos, tais como a Folha de São Paulo e
Estadão, sendo um dos seus membros fundadores o jornalista Pedro
Bial. Além da utilização desses veículos para a sua divulgação, o
Instituto Millenium também foi responsável pela publicação de
diversos livros e artigos que podem ser encontrados no site da
organização.
Tanto o Instituto Millenium como outros thin tanks brasileiros
como o Mises Brasil, MBL (Movimento Brasil Livre), VemPraRua e
Instituto Liberal fazem parte de uma rede maior de think tanks
internacionais chamada Atlas Network, fundada em 1981 por
Anthony Fisher que serviu na Força Aérea Britânica durante a
Segunda Guerra Mundial e endossado por Margaret Thatcher, ex
primeira-ministra do Reino Unido. Segundo seu próprio site, a visão,
conceito e missão da Atlas é descrita da seguinte forma:

Hoje, a Atlas Network é parceira de mais de 500 think


tanks em todo o mundo para promover mudanças em
ideias, cultura e políticas; remover barreiras às
oportunidades; e capacitar os indivíduos a viver uma vida
de escolha. A Atlas Network aumenta a prosperidade
global ao fortalecer uma rede de organizações parceiras
independentes que promovem a liberdade individual e
estão comprometidas em identificar e remover barreiras
ao florescimento humano. A Atlas Network cultiva uma
rede de parceiros que compartilham essa visão. Para
acelerar o ritmo de conquistas de nossos parceiros em
suas comunidades locais, o modelo estratégico Coach,
2
Disponível em: https://www.institutomillenium.org.br/sobre-nos/ Acesso em: 30 nov. 2022.

118
Compete, Celebrate!™ exclusivo da Atlas Network
inspira nossos parceiros a melhorar o desempenho e
alcançar resultados extraordinários.3

Além dos thinks tanks brasileiros citados anteriormente que se


comportam como um aparelho de função ideológica midiático, uma
organização que se destaca no cenário nacional se trata do RenovaBR
onde, além de se comportar de maneira divergente a outros TT’s,
não se reconhece como pertencente a essa categoria organizacional.

Fonte: https://blogdoverissimo.com.br/renovabr-abre-inscricoes-para-formacao-de-politicos/

O RenovaBR foi fundado em 2017 por Eduardo Mufarej,


ex CEO da Tarpon Investimentos e tem como apoio o apresentador
Luciano Huck, do empresário Abílio Diniz e do economista Armínio
Fraga e faz parte de uma organização maior suprapartidária
denominada CLP (Centro de Liderança Pública). O projeto de
Eduardo Mufarej funciona como uma espécie de escola política que
lança diversos candidatos nas eleições desde sua fundação. Durante
as eleições, foram estimados cerca de 120 candidatos lançados pela
RenovaBR, sendo 16 eleitos como senadores e deputados ligados a
partidos como o Partido Novo, PSL e REDE e contando com nomes
chamativos como a deputada Tabata Amaral, a deputada Joênia
Wapichana e o deputado Vinicius Lazzer Poit. Nas eleições
municipais de 2020, elegeu cerca de 147 alunos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de uma análise da fundação do RenovaBR é possível
perceber o seu discurso liberal e a sua origem atrelada a grandes
empresários e homens que detém altíssimo poder através do acúmulo
3
Disponível em: https://www.institutomillenium.org.br/sobre-nos/Acesso em: 30 nov. 2022

119
de capital e, ainda que as instituições citadas se declarem como sem
partido ou neutras, é possível identificar que não se trata de
neutralidade, mas de agir de acordo com os interesses políticos
daqueles que os comandam.
Aqui utilizaremos a máxima ‘’quem paga a banda, escolhe a
música’’, a qual deflagra o fato de que todo tipo de entrega de recursos,
legais ou não, detém como promessa o retorno de favores, o que se
aplica intensamente nos casos das organizações de think tanks desde
a sua origem até a atualidade que tem sido tão deturpada por ações
atreladas ao acúmulo de capital e ao pensamento liberal.

REFERÊNCIAS
ARAUJO, Jonathan Frade. O fenômeno dos think tanks e as relações
internacionais: o caso do instituto de pesquisas e estudos sociais (ipes).
Universidade federal rural do rio de janeiro, 2019.
ATLAS NETWORK. Disponível em: Atlas Network | Unleashing Individual
Ingenuity To Enrich Humanity. Acesso em: 19 out. 2022.
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação política, poder
e golpe de classe. Editora Vozes. 1987.
GODEMENT, François et. al. A hundred think tanks bloom in China. European
Council on Foreign Relations. 2016. Disponível em: hundred_think_tanks.pdf
(ecfr.eu). Acesso em: 19 out. 2022.
HAUCK, Juliana C. Rosa. Think tanks: quem são, como atuam e qual seu
panorama de ação no brasil. Belo Horizonte. 2015. Disponível em:
disserta__o_juliana_hauck_tts_no_brasil.pdf (ufmg.br). Acesso em: 19 out. 2022
INSTITUTO MILLENIUM. Disponível em: Instituto Millenium. Acesso em:
19 out. 2022.
KOTZ, Ricardo. Ceiri News. A ação dos think tanks mais influentes da China.
2018. Disponível em: A ação dos think tanks mais influentes da China – CEIRI
NEWS – Jornal de Relações Internacionais. Acesso em: 18 out. 2022.
MATTOS, Fernando Preusser. Fundações Partidárias e think tanks no Brasil:
uma proposta de análise. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2015.
MCGANN, James G. Global Go To Think Tank Index Report. University of
Pennsylvania. 2018. Disponível em: 2017 Global Go To Think Tank Index Report
(upenn.edu). Acesso em: 19 out. 2022.
MORAES, Thiago Aguiar de. : características gerais, apontamentos conceituais
e possibilidades de pesquisa. XXVII Simpósio Nacional de História. 2013.

120
Disponível em: http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/
1371335322_ARQUIVO_ThiagoAguiardeMoraes-ANPUH2013-FINAL.pdf
Acesso em: 19 out. 2022
NEVES, Isabela Bichara de Souza. Análise do arranjo institucional e discursivo
dos movimentos RenovaBR e MBL: reflexos no período eleitoral de 2018. Terceiro
Milênio: Revista Crítica de Sociologia e Política. 2019. Disponível em: Vista do
Análise do arranjo institucional e discursivo dos movimentos RenovaBR e MBL
(uenf.br). Acesso em: 19 out. 2022.
PASTORE, Bruno. Complexo IPES/IBAD, 44 anos depois: Instituto
Millenium?. Universidade Federal do Mato Grosso, 2012.
Rand Corporation. Objective analysis. effective solutions. Disponível em: RAND
Corporation Provides Objective Research Services and Public Policy Analysis |
RAND. Acesso em: 18 out. 2022.
SILVEIRA, Luciana. Fabricação de Ideias, Produção de Consenso: Estudo de
caso do Instituto Millenium. Campinas, 2013. 242 p.
VIEIRA, Allana Meirelles; CHIARAMONTE, Aline Rodrigues. O Instituto
Millenium na busca por poder. Revista USP. Disponível em: Vista do O Instituto
Millenium na busca por poder (usp.br). Acesso em: 19 out 2022.
VIEIRA, Fernando de Oliveira. O discurso anticomunista nos boletins mensais
do ipês entre 1963-1966. Universidade Federal de São Paulo. 2016.

121
CAPÍTULO 8

AS INFLUÊNCIAS DA ARTE SACRA


NA CULTURA CRISTÃ CONTEMPORÂNEA

THE INFLUENCES OF SACRED ART


ON CONTEMPORARY CHRISTIAN CULTURE

Roger de Carvalho GARCIA


Cláudio Nazaré SILVEIRA

RESUMO
O presente artigo tem como objetivo apresentar, por meio da arte, uma mudança
na cultura cristã, a qual se encontra, com o decorrer dos anos, percebendo com
fluidez o ocorrer dos períodos que essas edificações sofreram mudanças em sua
arquitetura e seus interiores, com referências de Gombrich, Graça Proença,
Claudio Plastro. Historiadores, Artistas, Teólogos e jornalistas. O artigo apresenta
formas em que a mente se evoluiu em questões da doutrina, em relação aos
costumes e com exposição dos pensamentos. A evolução do estilo clássico para o
contemporâneo, levando em consideração a modernidade que se encontra inserida,
os novos templos e novas manifestações artísticas como a arte urbana na qual se
encontra relatos de modernidade, um exemplo é o grafite que com o passar do
tempo veio se modernizando e hoje se encontra o grafite digital, no qual o artista
com o auxilio de um projetor e uma imagem pré-programada projeta em um
prédio e aquela é sua intervenção. Contudo se deve muito aos artistas barrocos
com suas técnicas de valorização do contraste, os artistas impressionistas com as
ideias da iluminação, as igrejas se encontram em constante evolução, e ela se vem
na necessidade de quebrar paradigmas impostos.
Palavras chave: Influencia, Cultura, Arte, Cristã

ABSTRACT
The purpose of this article is to present a change in Christian culture, in which it
is found throughout the years through art, noticing the occurrence of the periods
when these buildings underwent changes in their architecture and interiors, with
references. by Gombrich, Graça Proença, Claudio Plastro. Historians, Artists,
Theologians and Journalists. The article presents ways in which the mind evolved
into questions of doctrine, in relation to customs and the exposition of thoughts.
The evolution from classic to contemporary style, taking into account the
modernity that is inserted, the new temples and new artistic manifestations such

122
as urban art in which reports of modernity are present, one example is the graffiti
that over time came modernizing and today is the digital graffiti, in which the
artist with the aid of a projector and a pre-programmed image projects in a building
and that is his intervention. However, it owes a great deal to Baroque artists with
their contrast-enhancing techniques, Impressionist artists with the ideas of
enlightenment, churches are constantly evolving, and it comes in the need to
break imposed paradigms.
Keywords: Influence, Culture, Art, Christian

INTRODUÇÃO
Atualmente, é comum observar a diversidade cultural e seus
valores, o que torna evidente a multiplicidade de costumes que são
transferidos de gerações para gerações. Nota-se, de alguma forma,
uma herança de povos de séculos atrás, evidenciando o motivo desse
capítulo, na busca de atenuar o interesse sobre diversos movimentos,
instigar o leitor de que acontece uma evolução muito grande a
respeito da fé cristã e uma evolução tão rápida em tempos históricos
que se assemelha com a da nossa própria tecnologia.
Com referências de Gombrich e Graça Proença, este capítulo
foi dividido em três partes de desenvolvimento, na primeira parte
há a evolução histórica dos conceitos culturais, com uma citação
dos períodos importantes para abordar o tema, o qual se encontra
com base na estética de cada período.
Em segundo instante, o tema já se apresenta com a cultura
cristã atual, retratando algumas edificações arquitetônicas e
mostrando uma certa evolução em suas construções. Aqui se
encontra, nas referências da música, um conceito mais que
significante na cultura, já que nos primórdios da tradição os cultos
eram ricos em arranjos musicais. No mesmo instante, trata-se do
respeito das artes visuais, com suas pinturas, muitas vezes,
acadêmicas, mas com o conceito da contemporaneidade, as obras
saem do estilo acadêmico e começam a tomar novos horizontes em
outros conceitos.
Já na terceira etapa, trata-se da tecnologia nas igrejas como
uma forma de atrair os fiéis, trazendo uma crítica sobre a aceitação
123
para os fiéis mais antigos, pois sempre ocorre um extremo vício do
uso dos aparelhos tecnológicos com os jovens. Outro ponto
relativamente importante é sobre a aceitação da alquimia entre os
fiéis com base sobre a inquisição, pois, por muito tempo do período
medieval, era difícil fazer utilização de certa ciência sem sofrer os
castigos impostos.
Através de pesquisas e de vivências no tema, a arte sacra veio
tomando seu lugar em cada cultura, em cada templo de orações e na
vivência pessoal de cada um. Antes de entender o agora, procura-se
entender o passado no qual foi o berço de tudo, todas as evoluções
que se teve a esse respeito.

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS ATRAVÉS DA CULTURA


Temos muitas influências da arte sacra na contemporaneidade
onde, segundo Cláudio Pastro (2016), a cultura desses povos provém
da cultura cristã ortodoxa, ela se originou com a separação de Roma
em oriental e ocidental, em bizâncio que ficava localizada na roma
oriental com o imperador constantino. A partir deste ponto, a igreja
cristã passou a ter poder no estado, e passou de templos insignificantes
para grandes salões e, assim, surge a arte nas igrejas cristãs, pois há
tempos, ela só era utilizada a fins pagãos (um dos motivos pelo qual
gerou muitas brigas entre os fiéis, já que os mais antigos não aceitavam
o uso de estátuas nas basílicas), com essa aceitação da arte nas igrejas
já ocorreu uma grande evolução.
Essa revolução vem pela questão da estética, é impossível
diferenciar a beleza do sagrado, pois ela denuncia que estamos
inseridos em algo maior, essa cosmética na arte sacra se desenvolveu
por mais de 2000 anos. Em nossa cultura atual, observa-se um certo
enriquecimento pelas tendências e evoluções artísticas. Como o
gótico, renascentismo e barroco, ela sempre foi utilizada para fins
didáticos. Segundo o historiador Sir Ernst Gombrich (2015, p.135),
“a arte fazia para o analfabeto o mesmo que a escrita fazia para
aqueles que sabem ler”, assim sendo, as missas eram feitas em latim,
como só a burguesia dominava a leitura, os meros plebeus não
124
entendiam o que os padres falavam, com isso, os padres apontavam
para a arte e os fiéis passavam a entender a explicação do padre.
Com a evolução do ser humano, nota-se que não só a burguesia
se encontra alfabetizada, assim sendo, as pinturas passam a ser
motivos para adorações e para riqueza estética das catedrais.
Gombrich, em seu livro, cita que as formas que as pinturas eram
retratadas, com cristo no centro, davam impressão de divindade. A
princípio com formas rígidas, sem movimentos, assemelhando muito
com uma obra infantil, porém, em hipótese, não tem referências à
arte primitiva, embora o artista gostaria de representar formas simples.
Outro fator de grande relevância foi o movimento gótico com
suas características de construções obscuras nas catedrais. Segundo
Liane Carvalho Oleques, Mestre em artes visuais pela (UDESC,
2010), “A arte gótica se desenvolveu em um contexto político, social
e principalmente religioso associado a princípios estéticos e filosófico,
contrapondo a arte românica.”
Sendo originada dos povos godos, considerados bárbaros pelo
império romano, pois não possuíam uma cultura alheia, eram
identificados por escudos redondos e espadas curtas, o termo foi
utilizado para se referir à arte escolástica medieval.
A arquitetura expressa a grandiosidade, a crença na existência
de um Deus que vive num plano superior; tudo se volta para o alto,
projetando-se na direção do céu, como se vê nas pontas agulhadas
das torres de algumas igrejas góticas. Segundo a historiadora Graça
Proença (2014), este estilo artístico europeu que predomina de meados
do século XII ao início do século XV, período compreendido entre o
fim do estilo românico e o início do Renascimento. O termo gótico,
que faz referência ao povo godo, é utilizado originalmente pelos
tratadistas do Renascimento com sentido pejorativo para designar a
arquitetura – depois a escultura, a pintura e as “artes menores” – da
Idade Média, consideradas “bárbaras” em relação ao clássico. Giorgio
Vasari (1511-1574) é um dos primeiros a designar a arte gótica como
“monstruosa e bárbara”. Hoje temos muitas catedrais góticas, muitas
por heranças passadas, um grande exemplo é a Catedral de Notre
125
Dame, uma das mais famosas catedrais da França, localizada na Ilê
de la Cité, ilha localizada no curso do Rio Sena, que passa pela cidade
de Paris. A catedral possui arquitetura gótica, e sua construção
estendeu-se por quase duzentos anos.
Segundo Gombrich (2015, p. 189), “mesmo quando visto de
longe, esse edifício milagroso parecia proclamar a gloria celestial, a
fachada é talvez a mais perfeita. Tão lucida e desenvolta é a disposição
dos pórticos e janelas, tão ágil e gracioso o rendilhado do trifório.”
Suas gárgulas localizadas no topo da catedral que desperta a
curiosidade de vários, originalmente seu uso se torna partes salientes
das calhas, e sua função é cobrir essas partes. As gárgulas são estatuas
sinistras e se utilizam para afastar maus espíritos, simbolicamente se
tornam guardiões do templo para lembrar que nada pode ameaçar
os fiéis na casa de deus.
Atualmente, é um dos principais pontos turísticos da França e
é um local que foi palco de uma série de acontecimentos importantes
da história francesa e mundial. Tragicamente, foi atingida por
um incêndio em 2019, que danificou bastante a sua estrutura.
Segundo Cilene Pereira, redatora do jornal estadão (16 de abril
de 2019), “De acordo com testemunhas, as portas foram fechadas
após o último grupo de turistas tentar entrar no local, fumaça se
tornou visível minutos depois.” O incêndio teve uma repercussão
gigantesca pelo fato de se tornar um grande marco histórico. Segundo
jornalistas da BBC, o prédio se encontra em período de restauração,
quando a igreja católica fez um apelo para salvar a estrutura. O peso
da água utilizada pelos bombeiros fragilizou as estruturas e causou
danos colaterais aos imóveis vizinhos.
Partindo do gótico que de fato foi um período sombrio na
história e que se tem grandes mistérios guardados tais como as
inquisições católicas, o estilo Barroco foi um movimento muito
especulado por diversos artistas de vários países, surgindo em meados
do século XVIII na Itália, o que mais chama atenção neste movimento
é o uso da luz, tons escuros e um rico destaque nas sombras, foi uma
“ferramenta” da contra reforma liderada por Martinho Lutero, além
126
disso ajudou a preservar os ideais teocentristas. Outra característica
era a dualidade entre os prazeres do corpo e a espiritualidade, com o
constante conflito com os prazeres mundanos defendidos pelos
renascentistas e a devoção pregada pela contrarreforma.
Além das dificuldades com respeito às datas, deve-se considerar
aquela relativa à própria definição estilística da arte barroca. Após
seu surgimento na Roma católica, ela se dissemina fortemente pelo
mundo, gerando uma série de variações nacionais. Por isso, a
dificuldade de unir num mesmo denominador comum trabalhos de
alguns dos grandes mestres como Michelangelo Merisi da Caravaggio
(1571-1610), Peter Paul Rubens (1577-1640), Diego Velázquez (1599-
1660), Rembrandt van Rijn (1606-1669), Gian Lorenzo Bernini (1598-
1680), Francesco Borromini (1599-1667), Baciccio (1639-1709) e
Aleijadinho (1730-1814). Estudos mais profundos sobre o período
são relativamente recentes, considerando que só a partir da segunda
metade do século XVIII a arte posterior ao Renascimento começa a
ser chamada de forma pejorativa de barroca. Em contraposição ao
ideal clássico, as obras desses artistas mostram certa tendência ao
bizarro, ao assimétrico, ao extravagante, ao apelo emocional,
inexistente até então na arte renascentista.
No Brasil, o barroco foi introduzido no final do século XVI
através dos jesuítas, foi um movimento destinado para a catequização,
nos séculos XVII e XVIII não havia ainda condições para a formação
de uma consciência literária brasileira. Para Marcela Silva do
Nascimento, Mestre em literatura brasileira (UERJ, 2010), “O barroco
brasileiro é uma estética da Era colonial da literatura brasileira, cujo
marco é A prosopopeia de Bento Teixeira (1601). Como não havia
independência política, o barroco aqui produzido faz parte da
literatura brasileira e lusitana. Ainda assim, é possível observar ecos
da vida colonial na literatura barroca.”
A vida social no país era organizada em função de pequenos
núcleos econômicos, não existindo efetivamente um público leitor
para as obras literárias, o que só viria a ocorrer no século XIX, por
este fator sempre ouvimos que os escritores atuais se encontra com
127
várias características barrocas, os escritores tiveram no Brasil grandes
nomes como Bento Teixeira – sendo seu poemeto bastante sem
desenvoltura, Botelho de Oliveira – sua obra é marcada por analogias
e paradoxos, Gregório de Matos – sem dúvida o mais expressivo
dos barrocos. Conhecido como Boca do Inferno por causa de sua
poesia satírica, criticava, principalmente, o governador da cidade da
Bahia Câmara Coutinho.
O barroco se tornou uma expressão do conflito do ser humano
renascentista e a tentativa de restauração da religiosidade medieval,
entre o material e o espiritual.

A ARTE CRISTÃ CONTEMPORÂNEA


A arte cristã não é a expressão de atos criativos individuais de
pessoas que supostamente teriam encontrado a Cristo. O pecado,
com seu potencial destrutivo, pode se manifestar tanto na obra de
arte de um cristão como na de um pagão. O teólogo Filipe fontes
(Doutor em Educação, Ar te e história da Cultura pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie) cita “No livro A arte não
precisa de justificativas, Rookmaaker menciona quatro atitudes
fundamentais que os artistas cristãos deveriam tomar em nossos
dias. A primeira delas é lamentar o estado de mediocridade estética
no qual vivemos na atualidade. A segunda é orar, como resultado
do reconhecimento de que este estado não poderá ser superado à
parte da ação de Deus. Em terceiro lugar, Rookmaaker diz que
“os artistas cristãos devem entender como chegamos a este estado
de mediocridade”, em seguida, menciona que um artista que se
diz cristão não precisa se preocupar em fazer a arte cristã e sim
precisa se preocupar em fazer arte.
Com a “evolução” dos movimentos artísticos, os cristãos
seguiram o conceito da arte moderna, em suas pinturas, músicas e
arquiteturas, porém os templos já vinham perdendo suas
características tradicionais, com a qual já vem se modernizando, agora
se encontra templos com características mais arrojadas, com traços
modernos se dá um outro estilo as construções.
128
A jornalista Ludmilla de lima, no dia 25/06/201, faz uma
matéria que se diz “IGREJA DIFERENTONA ATRAI JOVENS
EVANGÉLICOS”, Logo na matéria, é citado “O salão escuro, de
paredes pretas, está tomado de jovens, que cantam e vibram com o
som alto de uma banda formada por músicos cabeludos. Quando a
cantoria acaba, a turma com pinta roqueira cede o lugar a um rapaz
de calça jeans skinny, botas, camiseta podrinha e jaqueta de couro.
Imediatamente, o silêncio reina no ambiente e todos os olhos se
voltam para o jovem, que segue para um púlpito e abre a Bíblia”. A
observação da jornalista diz respeito a uma igreja que se perde
totalmente aos padrões clássicos de uma edificação cristã, na qual
atrai o gosto dos jovens, no qual se encontrariam perdidos.
Há exemplos de novas catedrais com um aspecto artístico mais
primitivo com traços ingênuos próximos a traços naifes, essas igrejas
vem pegando novos estilos, um bom exemplo de catedrais
“modernas” são as que são construídas em cidades do interior, não
há nada que as prendam em contextos históricos, assim sendo os
arquitetos podem “brincar” com suas formas e recriar algo que não
se encaixa nos padrões clássicos, um exemplo é a Paróquia N.Sra.da
Penha / Passos – MG.
Outro bom exemplo foi uma pequena igreja em uma cidade do
interior do estado de São Paulo, chamada Morro Agudo, essa igreja
se encontra em uma forma de pirâmide, seu interior é de mármore,
ela apresenta duas estátuas e as paredes são lisas, como dito ela é um
grande salão de reunião, suas paredes não têm referências sacras nas
pinturas.
Outras referências são nas músicas, temos muitas influências
com bases das melodias sacras, com a queda do Império Romano, a
igreja teve um papel fundamental para o desenvolvimento de sua
evolução, pois os monges continuam a desenvolver a escrita e a teoria
musical na Idade Média. Como exemplo, o monge e papa São
Gregório Magno que reuniu alguns cânticos já existentes e outros de
sua própria autoria numa coletânea que intitulou de Antifonário, e a
esta forma de cantar deu-se o nome do famoso Canto Gregoriano,
129
que tinha uma melodia simples que seguia o ritmo das palavras e era
usado como forma de oração. Segundo a professora MSc. Maria
Bernadete Miranda (2015), “No Período Barroco surgiu o
desenvolvimento tonal, como os tons dissonantes por dentro das
escalas diatônicas como fundação para as modulações dentro de uma
mesma peça musical. Em períodos anteriores, usava-se um único
modo para uma composição inteira causando um fluir
incidentalmente consonante e homogêneo da polifonia.”
No período Barroco, Johann Sebastian Bach (1685-1750) era
o grande nome. Incrível compositor, foi de grande importância seu
trabalho. Bach faz parte da tríade dos maiores músicos eruditos ao
lado de Beethoven e Mozart, Filho de um professor de violino e
viola, enquanto frequentava a escola, Johann Sebastian tinha lições
dos respectivos instrumentos com o pai, além de classes de teoria
musical. Segundo Dilva Frazão, bacharelado em biblioteconomia
pela UFPE ”Bach tocava órgão três vezes por semana e lecionava
música aos jovens do coro da igreja”. Durante esse
período, produziu ”Tocata e Fuga em Dó Maior”, para cravo,
“Fantasia e Fuga em Sol Menor”, para órgão, e o “Prelúdio e Fuga
em Lá Menor”, para órgão. Em 1707, foi contratado para ser
organista da Igreja de São Brás, em Mühlhausen, com sólida
tradição de importantes músicos. Nessa ocasião, compôs “Das
Profundezas Clamamos”. Compôs também ”Deus é Meu Rei”,
cantata de n.º 7, inspirada no versículo do Antigo Testamento. Por
ordem do Conselho, teve a sua primeira cantata impressa. Acusado
de forasteiro, pediu demissão.”
A orquestra, a ópera e o ballet também surgem como grandes
destaques musicais deste período, gerando enormes contribuições
para a musicalidade.
Nos períodos modernos, fazemos muitas referências aos
compositores da época porém em outros gêneros musicais, encontra-
se também a música barroca, um outro estilo que traz muita
inspiração é o rock, uma banda que se tem o nome de Power Wolf,
suas sonoridades apresentam muitos adereços da música sacra, como
130
o órgão que é o principal instrumento das músicas sacras, e suas
letras dizem respeito a lendas urbanas de vampiros e lobisomens.
Nas artes visuais, esses conceitos encontram-se “evoluindo” e
trazendo muitas referências em seus estilos, uma obra conta uma
história, assim sendo, quando falamos de arte sacra, suas obras são
completas histórias, assim sendo as obras atuais também se aglomera
por diversas histórias. Um exemplo é o quadro “O nascimento de
vênus”, uma obra feita por Sandro Botticelli, essa obra em questão
conta uma história pagã da cultura grega, no sentido o renascentismo
promoveu uma grande revolução na pintura, e tratando com o tempo
em outros estilos, nota-se que os artistas cristãos beberam desta fonte.

A TRANSFORMAÇÃO DA MENTE
Como dito anteriormente, nos últimos séculos, nota-se uma
mudança na mentalidade cristã, sentimos uma perda do interesse
das pessoas, tal como, já que não é mais a arte que chama os fiéis,
então o que os chamam? O que faz com que se saia de casa e escute
a palavra de um desconhecido?
Para Humberto Chaves da Rocha, (presbítero da assembleia
de Deus e mestre em Teologia Livre pela FTN – Palmas- em janeiro
de 2018). Em seu artigo “desafios da igreja cristã na pós-
modernidade”, ele comenta: “A Igreja está inserida num contexto
em que houve uma ruptura com a cultura de valores éticos, moral e
espirituais. Isso revela a face perversa do mal que afeta a sociedade
como um todo, e que acaba tentando afetar também a cultura da
igreja do Senhor. Ainda é possível verificar que o atual contexto
histórico de sociedade é evidenciado por uma geração sem referência,
sem reverência e sem limites, relativista, narcisista, hedonista, céticos
e ao mesmo tempo moralistas.”
O jovem vem evoluindo com o tempo, e parte dessa evolução
se encontra no modo em que se vive a partir de uma doutrina imposta
por algum antepassado, a doutrina é um conjunto coerente de ideias
fundamentais a serem transmitidas e ensinadas, podem ser de formas
literárias, filosófica, política e religiosa. Com ela se encontra uma
131
bussola para guiar os conceitos éticos e morais, contudo os jovens se
encontram evoluindo através de certos preceitos culturais no qual
esses meios se encontram com uma grande mudança nas doutrinas.
Com a citação de Humberto Chaves, nota-se isso em nossa realidade,
a cada dia se percebe a formação de jovens sem limites relativistas,
narcisistas e céticos.
A era tecnológica que se encontra, não se pensa em nada mais
além das vidas cotidianas, e não enxerga-se nada que não esteja sobre
uma tela, isso é bem um grande empecilho, porem pode-se tirar muito
aproveito desta ferramenta, tal como a utilização da arte digital no
meio sagrado, há exemplos com a própria arte urbana já se adaptando
a essa nova fase, o famoso grafite digital, no qual se monta a arte por
meio tecnológico e já se projeta em alguma parede com o uso de um
projetor.
Com a transformação do século, os discípulos também vêm se
transformando, isso gera resultados diversos, um ponto negativo é a
falta do senso estético e apreciativo de certos templos, percebemos
que graças as tecnologias as pessoas perdem muito fácil o foco
apreciativo em algo que está a sua frente.
A grande transformação vem de que muitos paradigmas os quais
vêm se quebrando com o tempo, o que antes era estritamente proibido,
hoje de certa forma é liberado, como o fato de que no período
medieval os alquimistas, a química da Idade Média, que procurava
descobrir o remédio contra todos os males físicos e morais, e a pedra
filosofal, que deveria transformar os metais em ouro, eram rivais
mortais da igreja e se fosse encontrado fazendo o uso da alquimia,
iria sofrer pela inquisição, nos atuais períodos, o alquimista traz muitas
inovações com tratamentos de doenças. Como dito já estudante
Jenifer Fogaça (graduada em química- 2013), “No ano de 1493 nasceu
Phillipus Aureolus Theophrastus Bombast von Hohenheim, mais
conhecido como o médico Paracelso. Apesar de ainda estar ligado à
alquimia, ele desenvolveu a iatroquímica, em que a principal
finalidade era a preparação de medicamentos apropriados para
combater as doenças por meio de fontes minerais. Para ele o corpo
132
era um conjunto de substâncias químicas que interagiam
harmonicamente e que, se a pessoa estivesse doente, isso significaria
que havia uma alteração dessa composição química, que podia ser
eliminada por meio de produtos químicos.” Através disso, os
preconceitos da alquimia passaram a ser banais.
Nota-se um grande salto quando se fala da tecnologia com a
sacralidade. Torna-se a mesma briga que houve com o uso de imagens
nos templos na hera bizantina, muitos se tornam a favor, porém
muitos acabam se tornando contra, pois fala-se que a tecnologia não
pode estar interligada nas igrejas, porém muitos líderes religiosos se
utilizam das mídias sociais para conectar com os fiéis. Quando se
fala de tecnologia e religião, faz parecer que é algo que não se mistura,
a questão é que com a tecnologia à tona, vemos uma grande cadeia
de vantagens a respeito, temos um exemplo das visitações online nos
museus do mundo, no qual você não necessariamente sai da sua casa
para visitar um museu, temos exemplos na catedral de Notre Dame
e na Capela Sistina, na qual com a ajuda de óculos de realidade
virtual, podemos fazer uma visitação em seus acervos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se inúmeras bases artísticas que se encontra no dia a dia,
no qual basta ser observado quando se caminha para o trabalho e
encontra uma catedral no estilo neoclássico, ou barroco, encontramos
referências da qual consegue-se perceber com grande facilidade
quando olhado para um prédio histórico, ao caminhar no centro das
grandes cidades e prédios que hoje são prefeituras ou prédios públicos
se encontra um grande choque artístico cultural, como nas cidades
de Ouro Preto, Ribeirão Preto, São Paulo, cidades nas quais houve
algum contexto histórico como o próprio imperialismo.
Observa-se, nas músicas atuais, diversas bases nas sonoridades
que conseguem trazer várias influências eruditas, um exemplo na
música brasileira é o samba, o qual é um ritmo com as raízes
interligadas e seus instrumentos é de fácil percepção de percussão,

133
este instrumento é o mais antigo instrumento musical e retrata os
primórdios da civilização humana. Seu uso está relacionado a festas
e celebrações religiosas e profanas, cerimônias fúnebres, danças e
muitos outros eventos.
Muitas técnicas de pintura que se sabe hoje devem-se aos
impressionistas, com a ideia de iluminação nas pinturas, aos artistas
barrocos, com a valorização do contraste e a emoção sobre a razão,
a qual foi uma ferramenta muito importante na contra reforma, os
naifes, com a ingenuidade em seus traços ingênuos, ainda é um estilo
que se aprimora a cada dia. Agora se encontra o uso do grafite digital,
já retratando a respeito da arte urbana, com a utilização de um
projetor e de um programa de animação se consegue fazer uma forma
de grafite temporário, o artista deixa uma animação pronta em
alguma mídia e projeta em algum muro ou prédio, transformando
em uma arte efêmera.
As igrejas se encontram em constante evolução para atrair os
fiéis, atualmente se torna um desafio a cada dia para atrair novos
membros para as igrejas, com a grande era tecnológica, acaba-se
idolatrando outros deuses, no caso a tecnologia. Como serão as
próximas igrejas nessa nova era, qual será as novas cruzadas religiosas.

REFERÊNCIAS
BARROCO. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.
São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://
enciclopedia.itaucultural.org.br/termo64/barroco>. Acesso em: 29 out. 2019.
COUTINHO, Afrânio; COUTINHO, Eduardo de Faria. A literatura no Brasil.
Vol. I, tomo. 1. São Paulo: Global, 1999.
FERREIRA, Joaquim. História da literatura portuguesa. Porto, Ed. Domingos
Barreira, s/a.
FRAZÃO, Dilva. Johann Sebastian Bach. e.BIOGRAFIA. 2019. Disponível
em:<https://www.ebiografia.com/johann_sebastian_bach/> Acesso em: 29 out. 2019.
GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. 688 p.
JM, Ricardo. Desafios da igreja cristã na pós-modernidade. 2018. Disponível
em: <https://www.jmnoticia.com.br/2018/01/14/desafios-da-igreja-crista-na-
pos-modernidade/> Acesso em: 29 out. 2019.

134
LIMA, Ludmilla. Igrejas diferentonas atraem jovens evangélicos. O Globo.
2017.<https://oglobo.globo.com/rio/igrejas-diferentonas-atraem-jovens-
evangelicos-21516757> Acesso em: 29 out. 2019.
Música Barroca <http://www.direitobrasil.adv.br/arquivospdf/musica/bar.pdf>
Acesso em: 29 out. 2019.
PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Ed. Ática, 2010.

RAMOS, Feliciano. História da literatura portuguesa. Braga, Livraria Cruz, 1967.

135
CAPÍTULO 9

MILITARES, POLÍTICA E IMPÉRIO: A Gênese da Crise entre


Monarquia e Exército (1860/1870)

MILITARY, POLITICS AND EMPIRE: The Genesis of the Crisis


between Monarchy and Army (1860/1870)

Anderson Luis VENÂNCIO

RESUMO
O presente artigo visa discutir a gênese das lutas entre regime monárquico e Exército
no espaço político brasileiro. Entende-se que a partir da centralização do Estado
levada a cabo pelo Partido Conservador entre as décadas de 1840 e 1850, o poder
militar ficou restrito aos civis, cabendo ao Exército – aqui entendido como instituição
– um papel de simples figurante na cena política nacional. Somente a partir da
Guerra do Paraguai (1864 a 1870) é que o Exército passa, lentamente, de figurante
a protagonista da vida política nacional. Tal mudança implicou em sérios atritos
entre militares e civis. Fato que se faria sentir pesadamente na configuração
institucional brasileira do final do século XIX até os tempos atuais.
Palavras-chave: Império; guerra; Paraguai; exército.

ABSTRACT
This article aims to discuss the genesis of the struggles between the monarchical
regime and the Army in the Brazilian political space. It is understood that from the
centralization of the State carried out by the Conservative Party between the 1840s
and 1850s, military power was restricted to civilians, leaving the Army – understood
here as an institution – a role of simple extra in the national political scene . It was
only after the Paraguayan War (1864 to 1870) that the Army slowly changed from
an extra to a protagonist in national political life. This change resulted in serious
clashes between the military and civilians. A fact that would be heavily felt in the
Brazilian institutional setting from the end of the 19th century to the present day.
Keywords: Empire; war; Paraguay; army.

INTRODUÇÃO
No dia 15 de novembro de 1889, um golpe articulado pelo
Exército (mais precisamente o Alto Comando e as tropas localizadas
no Rio de Janeiro), Republicanos e Cafeicultores: derrubou o
136
Ministério comandado pelo Visconde de Ouro Preto e pôs fim aos
67 anos de governo monárquico brasileiro. O fato é ainda mais
chamativo quando se tem em mente que o Imperador deposto era D.
Pedro II. Afinal, os 49 anos do Governo de D. Pedro II foram
marcados por uma profunda estabilidade política e pelo crescimento
econômico do país. Tais anos também deixaram evidente o
predomínio do elemento civil sobre o militar. Daí surgir a seguinte
pergunta: como o Exército deixou de ser uma instituição figurante
na cena política nacional, para se tornar um dos principais
protagonistas? Nesse artigo, busca-se resgatar o ponto onde a curva
de prestígio do Exército, dentro dos círculos políticos, passou de
estável à ascendente.
Tal como CARVALHO (2005), COSTA (1995) e
DORATIOTO (2007), acreditamos que o cerne da questão se
encontra na Guerra do Paraguai. Como demonstraremos, foi nesse
episódio que o Exército brasileiro ganhou prestígio e pode se organizar
em termos institucionais. Acima de tudo, foi no decorrer da guerra
que um militar de alta patente (no caso tratava-se do comandante
das tropas brasileiras na Guerra do Paraguai, Marques de Caxias)
desafiou o poder civil (o atrito foi com o Presidente do Conselho de
Ministros e liberal de grande prestígio, Zacarias de Góes e
Vasconcellos). Nesse momento, percebeu-se um fato até então nunca
visto na cena política imperial: o imperador optou em prestigiar as
forças armadas, em detrimento do poder civil. Daí em diante a relação
entre Exército e políticos nunca mais foi a mesma. É claro que tal
episódio deve ser melhor matizado para que possamos perceber as
implicações institucionais e a própria mudança na cultura política
nacional que daí em diante, lentamente, se faria sentir.
Desta forma faremos um breve resumo da vida política nacional
entre a década de 1840 até o início da Guerra do Paraguai. Faremos
um breve resumo da política externa do Império no período que
antecedeu a Guerra. Também será interessante analisar os motivos
da Guerra – sem, contudo, descrevê-los pormenorizadamente – e
por fim, trazer a toda os eventos políticos que acabaram por criar o
137
precedente para a proeminência do elemento militar sobre o civil na
política nacional.

1. O IMPÉRIO EM MOVIMENTO
O Segundo Reinado foi marcado pelo esforço da elite nacional
em buscar um novo ordenamento político. Dessa maneira, o Estado
Imperial assumiu uma nova postura frente aos desafios impostos pelos
poderes locais. No campo da macro-política, Liberais e
Conservadores se sucederam no poder. No decorrer da década de
1840, os Liberais levaram adiante dois movimentos armados, visando
contestar o poder Central, representado pelos Ministros alocados no
Rio de Janeiro.
Tanto conservadores quanto liberais defendiam o progresso para
o Império. Esse progresso significava o aumento do investimento em
obras de infra-estrutura dentro do país, principalmente no que se refere
à construção de estradas que interligassem os centros produtores com
as zonas de distribuição no litoral ou nas capitais do interior. Os
grupos lutavam pela hegemonia política, pelo direito de imprimir
suas marcas na administração publica e na própria consolidação do
Estado Nacional brasileiro.
Entrementes, em 1844 um fato novo tomou a cena da política
imperial. Um grupo de liberais do norte, denominados praieiros
começou a ter uma certa ascendência na Corte. As causas dessa
ascendência não foram suficientemente exploradas pela
historiografia, mas segundo Joaquim Nabuco, eles contavam com o
apoio da Facção Áulica. O fato é que esse grupo ganhou
proeminência justamente no momento em que os Conservadores
sofreram grandes desgastes junto a Coroa. A “inversão” Ministerial
promovida pelo Imperador em 1844 somada a Anistia aos liberais
envolvidos com a Revolução de 1842 deu novo vigor aos grupos
liberais. Segundo Jose Murilo de Carvalho (2007, p. 46):

O desejo de todo partido é, naturalmente, conquistar e


manter o poder. Os partidos da época não fugiam à regra.
Mas as lutas regências tinham demonstrado que no Brasil

138
essa pretensão era causa de permanente instabilidade.
O fato de não serem os conflitos entre grupos dominantes
marcados por diferenças de classe não os tornava menos
freqüentes ou menos intensos (...) A saída para o problema
foi o estabelecimento de um contrato político não escrito
das elites com a monarquia e com o Poder Moderador:
Ela e ele seriam aceitos na medida em que possibilitassem
a convivência civilizada dos partidos e a paz social.

Essa conjuntura desfavorável aos conservadores era ainda


agravada pelos desentendimentos entre uma de suas principais
lideranças, Honório Hermeto Carneiro Leão – Marques de Paraná –
e o próprio Imperador. Em 02 de Fevereiro de 1844, subia ao poder o
4º Ministério do Segundo Reinado, de orientação Liberal, tendo à
frente Manuel Alves Branco (Fazenda e Justiça), José Alves de
Almeida Torres e o Visconde de Macaé na pasta do Império
(BRASIL, 1979, p. Deixa eu ver aqui 112-113). A partir desse
momento os Liberais iriam se manter no poder por mais cinco anos,
totalizando-se nesse período seis trocas ministeriais. Além disso, os
liberais de forma geral contavam com folgada maioria na Assembléia
Geral. Claro que essa maioria não era homogênea na medida em
que liberais do sul e praieiros tinham formas de agir e bases
econômicas distintas. Daí os Ministérios enfrentarem problemas
quanto a governabilidade.
Os Conservadores, por sua vez, se viram alijados da sua
representatividade na Assembléia Geral. Entretanto os mesmos ainda
tinham folgada maioria no Senado Imperial, dado o caráter vitalício
dessa Câmara. Utilizando-se do Senado, os conservadores impuseram
uma oposição vigorosa, sobretudo aos liberais praieiros.
Em 1847, foi aprovada a criação do cargo de Presidente do
Conselho de Ministros. O primeiro ocupante desse cargo foi Manoel
Alves Branco. Ele era conhecido pela sua disposição para luta
partidária. Já em 1844 ele participou do primeiro ministério do
qüinqüênio liberal. Alves Branco “caracterizava o programa do novo
ministério de um modo que não consentia duvida: Parcere subjetictis et
deblliare superbos” (BRASIL, 1979, p. 93), (Debelar os soberbos e poupar

139
os humildes). Como Presidente do Conselho de Ministros, Alves
Branco levou a cabo uma lei que obrigava os funcionários públicos a
aderirem ao partido dominante, do contrário seriam demitidos.
(BRASIL, 1979, p. 200)
Tanto na Revolução Liberal de 1842, quanto na Revolução
Praieira, os liberais foram derrotados. Sua derrota militar acabou se
tornando uma derrota política, na medida em que os projetos
Conservadores passam a ganhar as instituições. Izabel Marson deixou
isso bem claro ao afirmar: “O Estado imperial que emergiu da luta entre
os partidos de Pernambuco não tolerava mais fazer grandes concessões aos
senhores locais, exatamente por disputar com eles o império político sobre o
território e sobre os cidadãos (...)”. (MARSON, 1987, p. 118)
Em 1848, frente à incapacidade dos liberais em levar adiante
os projetos do Gabinete, o Imperador reconvocou os conservadores
ao poder. Assim, em 29 de setembro de 1848, assumiu um Gabinete
Conservador, que governou até 11 de maio de 1852, quando foi
substituído por outro similar (BRASIL, 1979, p.112-113). Em 1849,
Sales Torres Homem, sob o pseudônimo de Timandro, publicou seu
famoso panfleto “O Libelo do Povo”, onde teceu críticas acidas à
Casa Bragança. (DUARTE, 1996, p. 119)
O gabinete conservador que havia sido formado logo após o
fim do quinquênio liberal se empenhou em utilizar todos os meios
para impor sua autoridade. Para os conservadores, perder para os
praieiros, significava antes de tudo abrir mão de sua hegemonia
política, além disso, os conservadores haviam passado um bom tempo
no ostracismo político e tiveram bastante tempo para repensar suas
estratégias políticas. Se no início da década de 1840 o discurso da
ordem era essencial, em 1849 a ordem deveria vir acompanhada do
progresso.
O ano de 1850 foi um dos anos mais profícuos dentro dos
propósitos da direção saquarema, e não só para ela, mas para todo o
Brasil no Segundo Reinado1 . O Estado centralizado ganhou
1
É justamente a partir de 1850 que o Império Brasileiro começa a passar por reformas modernizadoras
de sua economia e sociedade. A esse respeito ver: GRAHAN, Richard.Grã-Bretanha e o Início da
Modernização do Brasil: 1850-1914. Brasiliense, 1973.

140
finalmente corpo. O Brasil projetava-se na política latino-americana
e firmava-se como um grande exportador de commodities. Afinal,
justamente em 1850 aboliu-se o “comércio infame”. Também foi
promulgada a Lei de Terras, efetivou-se a reforma na Guarda
Nacional e, por fim, promulgou-se o Código Comercial.
(SCHWARCZ, 2007, p. 102). Além disso, no plano da política
externa, o Brasil logrou uma vitória significativa em seus negócios
no Prata, derrotando o líder uruguaio Oribe. (p.103)
Mas mesmo assim, a tensão, ao menos nacionalmente, entre
liberais e conservadores mantém-se. Parte de Honório Hermeto
Carneiro Leão a iniciativa de uma nova proposta política. O episódio
é assim definido por Jose Murilo “Agora chegara a vez da transação, da
conciliação, da superação dos velhos antagonismos. A palavra conciliação
começou a circular. O imperador não só apoiava a idéia, como lhe foi atribuída
sua iniciativa”. (CARVALHO, 2007, p. 55)
Assim, a década de 1850 assiste uma mudança significativa na
atuação dos partidos. Deixando de lado velhos antagonismos, a
“conciliação” permitia a formação de vários Ministérios, onde
Liberais e Conservadores conviviam pacificamente. Entretanto, a
visão de estado patrocinada pelos conservadores se fez sentir. A ordem
defendida pelos conservadores é aquela necessária para manutenção
da Escravidão, para a regulação e disciplina da violência dentro do
país, para a centralização do monopólio da violência e, em última
instância, a completa preponderância do Estado sobre o “Governo
da Casa” (MATTOS, 2004, p. 103-192). Esse esforço por parte dos
Saquaremas pode ser melhor entendido a partir de uma passagem
citada por Ilmar Mattos quando os Conservadores haviam acabado
de debelar a Revolução Liberal de 1842:

No calor dos acontecimentos, parecia como


imprescindível punir com severidade os responsáveis por
“uma rebelião aberta e devastadora” nas palavras do
ministro da Justiça, Paulino José Soares de Sousa, e que
pretendera que “a Vontade Nacional, legitimamente
representada se curvasse diante do capricho de
representantes de interesses meramente provinciais,

141
exorbitando se suas atribuições”. Contra a pretensão dos
luzias, a força vencedora defendia a necessidade de
“armar o poder com os meios indispensáveis para
emancipar-se da tutela das facções”, propugnando, assim,
uma distribuição desigual do aparelho do Estado pelo
espaço territorial do Império. (MATTOS, 2004, p. 104)

A Civilização que os Saquaremas sonhavam era inspirada


claramente no modelo europeu. Na crença inabalável do princípio
de hierarquia. A ideia era tornar o Brasil o mais parecido possível
com a Europa. Isso tudo claro, tendo como modelo econômico o
Agrarismo. Havia uma clara intenção em ser um Império
fundamentado nas ideias liberais. Os saquaremas conseguiram ao
final das revoltas liberais impor uma agenda política ao país. Segundo
Mattos (2004, p. 129):

Os saquaremas não se limitaram a impor aos luzias uma


derrota no campo de batalha. Empenharam-se por reduzir
as pretensões de uma “revolução” à condição de
“rebeliões”, reclamaram maiores poderes para o Governo,
e mais do que tudo, buscaram imprimir uma direção ao
predomínio que exerciam no Mundo do Governo desde
então.

A conciliação teve como arquiteto político o Marquês de Paraná


(Honório Hermeto Carneiro Leão), o gabinete presidido por ele se
finda com sua morte em 1856, entretanto, os gabinetes de Caxias
(1856-1857) e Olinda (1857-1858) mantiveram a política da
Conciliação. Por que tais informações são necessárias para se entender
a Guerra do Paraguai e as implicações que tal guerra trouxe para o
Exército? Simples, o Estado Imperial montado entre as décadas de
1840 até 1863 – quando o gabinete de Caxias foi derrubado – foi
feitura dos Conservadores. A subordinação dos agentes de coerção
do Estado ao poder central foi uma luta travada pelos conservadores.
O “enquadramento” ao qual o Exército foi submetido ao longo desses
anos deve muito aos conservadores, em especial ao então Marquês
de Caxias. Caxias não era um político no Exército, mas sim um militar
na política. Cioso de sua influência junto ao partido conservador
142
bem como de sua carreira militar, Caxias imprimiu sua marca no
Exército como instituição. Muito significativo é o fato de que figuras
como Deodoro da Fonseca só tiveram prestígio após a morte de
Caxias. Os maiores atritos entres civis e militares se deram após a
morte de Caxias. Além disso, a política externa do Império,
principalmente em relação a América Latina, foi delineada pelos
conservadores. Tal assunto será melhor explicado no próximo item.

2. POLÍTICA EXTERNA CONSERVADORA


O objetivo mais precioso da política externa brasileira no
intervalo entre 1850 e 1863 foi evitar a qualquer custo a reconstrução
do antigo Vice-Reino do Rio da Prata. Além disso, tornou-se vital,
sobretudo para a manutenção da Província do Mato Grosso, a livre
navegação no Rio da Prata. (COSTA, 1995, p. 112)
A política de contenção da reconstrução do Vice-Reino
do Rio da Prata, teve seus primeiros ganhos com a derrota de Rosas
e Oribe. Era essencial para a diplomacia brasileira, conter a pretensões
expansionistas de Buenos Aires e garantir a independência do
Uruguai e do Paraguai. Segundo Wilma P. Costa (1995, 112-114):

Embora também presente nas hostes unitárias, a idéia da


recomposição do Vice-Reino do Rio da Prata sempre foi
mais forte nas províncias argentinas e a bandeira do
federalismo parecia mais apta a reunir as diferentes
regiões sob a égide da Confederação do que uma
República Unitária. A derrota do federalismo rosista, por
outro lado, abriu um novo ciclo de lutas internas, desta
feita entre Buenos Aires e o conjunto das províncias pela
redefinição do centro político e econômico que absorvia
as energias nacionais, arrefecendo os projetos de
unificação do Vice-Reino do Rio da Prata (...) No tocante
ao Brasil, entretanto, a luta interna da Argentina não
obstava e até facilitava o entendimento bilateral. Em 1852,
no acordo que sucedeu a queda de Rosas, a Argentina
reconhecia a independência do Paraguai. (...) Em 1859
os dois países assinavam outro tratado, reiterando, como
no de 1828, a autonomia e a neutralidade do Uruguai,
como estado-tampão entre o Império e a Confederação.

143
Bem mais difíceis eram as relações do Brasil com as duas
pequenas repúblicas que colocara (o Uruguai desde 1828
e o Paraguai desde 1843) sob sua proteção.

O Uruguai, em função da sua instabilidade política, e o


Paraguai, por vetar a livre navegação do Prata e ao mesmo tempo
ver o Império como um inimigo, passaram a ser as fontes dos maiores
problemas para a diplomacia imperial. Em relação ao Uruguai, a
princípio o Brasil selou um acordo de não intervenção. Acordo este
que mais tarde foi obrigado a rever. Já no que se refere ao Paraguai a
situação tendia a ser mais complexa:

O Paraguai fora, desde sua independência até a morte de


Francia (1840), uma incógnita na América do Sul. Quase
nada se conhecia de seus costumes, de sua vida política e
até de sua geografia. A única expressão conhecida de sua
política externa até então fora a defesa feroz de sua autonomia
em relação à Argentina, marcada pela recusa em incorporar-
se às Províncias Unidas, a derrota da expedição do general
Belgrano em 1810 e uma estratégia de completo isolamento
em relação aos seus vizinhos. (COSTA, 1995, p. 114)

De qualquer maneira a política externa conservadora se


orientou sempre no sentido de manter o Uruguai como um Estado-
Tampão, afastar qualquer pretensão expansionista por parte de
Buenos Aires e em relação ao Paraguai de um aparente paternalismo
evoluiu para uma desconfiança crescente (e em alguns momentos
desdém). Assim tal política foi mantida até os anos de 1860. Daí em
diante o quadro foi alterado substancialmente.
No Uruguai a guerra entre Blancos e Colorados alterou a
correlação de forças. No Paraguai a subida de Solano López ao poder
significou uma guinada na política exter na paraguaia; e
principalmente, uma atitude de confrontação crescente com o Brasil.
Na Argentina as tendências unitaristas representadas por Mitre
tornavam o jogo ainda mais perigoso.
Como se não bastasse esses complicadores externos,
internamente o Império passava por uma nova conjuntura política.
Os Conservadores encontravam-se afastados do poder. Uma
144
agremiação política conhecida como Liga Progressista (composta
por liberais moderados e conservadores dissidentes) assumiu o
Ministério entre os anos de 1863 e 1868. Com isso, a atitude da
diplomacia brasileira tornou-se muito mais confusa, numa época em
que antes de ser diplomata o individuo era político. E como político
ele devia lealdade ao seu partido. Essa dificuldade em separar as
instituições do interesse partidário complicaram não só a política
externa brasileira levada a cabo nesse período; mas a própria
condução do Exército e da Marinha na guerra. A política de não
intervenção (ao menos direta) no Uruguai – estopim da guerra contra
o Paraguai – encontrou seu colapso quando:

Em sessão da Câmara no mês de abril de 1864, o deputado


conservador Ferreira Veiga interpelava ao ministro dos
Negócios Estrangeiros em plenário sobre a situação de
cidadãos brasileiros residentes no Uruguai. O deputado
descrevia os súditos do Império encontrados decapitados
nas estradas uruguaias, com o documento da nacionalidade
na boca como ultraje, ao passo que outros eram açoitados.
Enquanto isso, vindo do Rio Grande do Sul, o general Souza
Neto trazia uma representação formal dos pecuaristas dessa
província e de outros instalados no Uruguai, ao governo
brasileiro, denunciando desordens na fronteira e buscando
apoio armado oficial; seria a guerra. O gabinete Zacarias
temia perder o controle da situação, tendo em vista a
possibilidade de os estancieiros gaúchos tomarem a iniciativa
de aliados aos colorados, fazer guerra a Montevidéu por se
sentirem desamparados pelo Rio de Janeiro na defesa de
seus interesses. Tal fato poderia reavivar os sentimentos
gaúchos contra o governo imperial quando ainda era forte a
lembrança da tentativa secessionista da Farroupilha. O
governo imperial consultou o marquês de Caxias, expoente
do Partido Conservador e a maior autoridade militar do
Império, com experiência no Rio Grande do Sul e no Prata,
sobre eventual apoio àqueles fazendeiros. Souza Neto
procurou pessoalmente o marquês, prometendo mobilizar
40 mil brasileiros bem armados no Uruguai. Caxias
respondeu a Souza Neto que não se mobilizariam nem mil
brasileiros e, mais, que sua opinião era de que o Brasil não
devia se envolver nas questões internas dos países vizinhos
(...). (DORATIOTO, 2007, p.51)

145
A recomendação de Caxias não foi ouvida. O Ministério buscou
pressionar Montevidéu para que Aguirre recua-se. A solução
diplomática, por vários motivos, tornou-se cada vez mais distante.
Compondo com Buenos Aires, o Rio de Janeiro optou por uma
solução armada. Uma ação rápida e precisa garantiu a posse do líder
colorado, Venancio Flores; considerado um “verdadeiro amigo do
Brasil”. (DORATIOTO, 2007, p. 75)
Nesse episódio ficou evidente que uma composição diplomática
entre Brasil e Argentina era perfeitamente possível. Ao mesmo tempo,
o Paraguai pretextando perigo a sua soberania e alegando que o Império
não honrara sua palavra – empenhada em 1852 – de não se meter na
política interna Uruguai e, ainda, contando com o suposto apoio das
Províncias argentinas de Entre Rios e Corrientes; decidiu por uma
ação militar. Apreendeu o navio brasileiro Marquês de Olinda, fecho
em definitivo o rio Paraguai à navegação brasileira e o atacou a
Província do Mato Grosso. Como se não bastasse, num movimento
ousado, pois em risco toda a fronteira Sul do Brasil ao penetrar no Rio
Grande do Sul. O Império do Brasil foi arrastado para uma guerra que
não estava preparado. A Argentina, por um erro de cálculo de Solano
López, decide entrar na guerra contra o Paraguai. O Uruguai, por ter
um “presidente amigo dos brasileiros” se viu na obrigação de integrar
a aliança. A resultante dessa equação não poderia ser outra: o Paraguai
deveria agora lutar contra seus três vizinhos e, acima de tudo, fazer
frente ao poder de mobilização que o Império possuiu. Resta uma
pergunta: a intervenção no Uruguai representava um risco direto ao
Paraguai? Wilma Peres Costa responde (1995, p. 138)

É inverossímil que, em si mesma, a política de intervenção


no Uruguai fosse uma ameaça à independência do
Paraguai. Entretanto, a aproximação entre os blancos
uruguaios e López tornava o Paraguai parte integrante
do conflito crônico e lhe oferecia a oportunidade para
intervir. Os elementos novos trazidos pelo envolvimento
paraguaio, de um lado, e as fragilidades dos três aliados
(Brasil, Uruguai e Argentina) iriam revolucionar o cenário
platino e apresentar desafios nunca antes enfrentados.

146
3. A GUERRA
Não é nossa proposta nos alongarmos no desenvolvimento da
Guerra do Paraguai, entretanto algumas considerações são
pertinentes. Ao início da guerra, a correlação de forças era a seguinte:

País População Efetivo do Exército

Paraguai 400.000 77000

Argentina 1737076 6000

Brasil 9100000 18320

Uruguai 250000 3163

Fonte: Apud. DORATIOTO, Francisco. 2007, p. 91

Pela tabela acima fica fácil perceber que o Paraguai, mesmo


tendo a segunda menor população, estava preparado para guerra.
Contava com o maior contingente do Exército e havia investido
pesado no complexo defensivo de Humaitá. Solano contava com
ataques rápidos às posições brasileiras. Pensava que sua superioridade
numérica das forças paraguaias e o seu preparo logístico seriam
suficientes para forçar o Império no mínimo a uma negociação de
paz que favorece os interesses paraguaios. O ataque desferido ao Mato
Grosso, a princípio, parecia confirmar a tese de que o Império não
passava de um gigante de “pés de barro”. Devemos levar em
consideração que as forças combinadas da Tríplice Aliança não
somavam em 1864 a metade do efetivo paraguaio. Além disso, Solano
López contava com a adesão das províncias de Corrientes e Entre
Rios; se tal fato se concretizasse, a posição de Buenos Aires seria
insustentável. López num lance muito ousado ordenou um ataque
ao Rio Grande do Sul. A princípio o ataque pegou o Exército imperial
totalmente desprevenido. O Comandante do Exército no Sul do
Brasil, General. Osório pode contar com no máximo com 2000
soldados, para enfrentar um inimigo que marchava com 10 mil almas.
(COSTA, 1995, p. 170).
Sem sombra de dúvida a reação do Império foi lenta. Tal
lentidão se dava em função do amadorismo do Exército e pelo fato
147
da guerra não ter sido cogitada seriamente. Segundo Francisco
Doratioto (2007, p. 111):

O ataque paraguaio ao Mato Grosso causou indignação no


Brasil, visto como um ato traiçoeiro e injustificável, pois eram
normais as relações entre os dois países, bem como o fato de
o Marquês de Olinda ter sido aprisionado sem declaração de
guerra. Por todo o país houve, de início, entusiasmo popular
e voluntários se apresentaram para o campo de batalha(...), O
governo imperial mobilizou os modestos efetivos do Exército
espalhados pelo país, insuficientes para travar uma guerra. O
serviço militar era considerado um castigo, uma degradação,
quer pelos soldados do Exército serem compostos por aqueles
vistos como desclassificados pela elite, quer pelas más
condições de vida nos quartéis.

O comando das tropas brasileiras foi muito confuso, em função


do acordo diplomático, que em princípio dava o comando das tropas
aliadas, fora do território do Império ao presidente Mitre e ao mesmo
tempo, dentro do Império fragmentava tal comando em função do
general Osório (ligado ao partido Liberal, com bom trânsito entre a
Liga Progressista) comandar o primeiro corpo do Exército e o general
Conde de Porto Alegre comandar o segundo corpo do Exército
(COSTA, 1995, p. 192-193). Nota-se que até o início de 1865, o
Exército aliado ainda não havia adota um comando unificado, fato
que comprometia muito as operações em conjunto. Além disso, a
Marinha brasileira, comandada pelo Almirante Tamandaré, se
mostrava recalcitrante em receber ordens que não partissem de
brasileiros. Tudo isso contribuía para aumentar a ineficiência da ação
dos aliados nos primeiros anos da guerra. Um fato que ilustra bem
as dificuldades do Império, se deu quando o Imperador viajou para
o Rio Grande do Sul (viagem de grande peso simbólico) a fim de
expulsar os paraguaios do território brasileiro, numa operação
conjunta com as demais tropas aliadas, e vários constrangimentos –
em especial a Escravidão – ficaram em evidência:

É certo, porém, que nunca antes dos eventos em


Uruguaiana, a monarquia tivesse sentido tão

148
concretamente o opróbrio que a escravidão representava
para o Império, diante de um inimigo que a lançava em
seu rosto, dos aliados perante quem ela era constrangida
e humilhada e das próprias tropas brasileiras nas quais os
homens de cor se amiudavam. No mesmo cenário,
desnudara-se a fragilidade militar Império, a
vulnerabilidade de suas defesas e a dependência de um
aliado recente (mas adversário histórico) para expulsar o
invasor de seu território. Apenas por um fio, o imperador
foi poupado de presenciar um general (e chefe de Estado)
republicano comandando a libertação de uma porção do
território do Império, e das missões, sobre a qual
subsistiam litígios entre o Brasil e as repúblicas do Prata.
(COSTA, 1995, p.185)

A partir de 1866, delineia-se um novo quadro. Os aliados, até


então na defensiva, precisam partir para ofensiva. A superioridade
da Marinha de Guerra do Império impunha uma situação difícil ao
Paraguai. Além disso, Solano López menosprezou o poder de
mobilização do Brasil. Mesmo desorganizado, o Exército do Império
passou a crescer quantitativa e qualitativamente.
Um dos maiores entraves à eficiência dos aliados era a questão
comando. Pelos Tratado da Tríplice Aliança o comando geral cabia
a Mitre, fato esse que causava irritação ao General Osório e ao
Almirante Tamandaré. Fato, os oficiais brasileiros não confiavam
em Mitre e eram relutantes a se curvar frente ao seu comandante. Os
reveses sofridos em setembro de 1866 pelos aliados deixaram claro
ao Império que um novo comandante era necessário. Alguém que o
Exército respeitasse e que você capaz de fazer composições políticas.
O Ministério Liberal, ainda que a contra gosto, foi obrigado a nomear
o Marques de Caxias como comandante do Exército.
Caxias passou a reorganizar o Exército brasileiro. Em 1867
confrontou-se com as linhas fortificadas de Humaitá e por lá ficou
até meados de 1868. A opinião publica no Rio de Janeiro ficou muito
inquieta com a demora de Caxias em avançar. O Ministério passou a
adotar uma postura muito dúbia em relação ao comandante. Aí estava
o cerne da crise em militares e civis que abalou substancialmente a
correlação de forças entre civis e militares.
149
De qualquer maneira, em 1868, Caxias estava no comando de
todas as forças aliadas. Mitre havia se retirado para Argentina. O
comando das forças estava unificado. Caxias obteve no decorrer do
ano vitórias significativas. Segundo Doratioto: “Ao terminar 1868, o
Exército aliado destruíra o poder militar paraguaio e se preparava
para entrar na capital inimiga” (DORATIOTO, 2007, p.309).
Em janeiro de 1869, as tropas brasileiras já haviam ocupado
Assunção. Solano López fugira para o interior. Alegando problemas
de saúde, Caxias se retira. O Império nomeou o Conde D’Eu para o
posto que outrora fora de Caxias. O Imperador se recusava a dar a
guerra por acabada enquanto López estivesse solto. Finalmente, em
março de 1870, o objetivo final foi atingido. Solano López foi morto.
A guerra acabara. O Brasil venceu a guerra. O Exército brasileiro,
dos modestos 18000, no final da guerra detinha um efeito de 13900
(DORATIOTO, 2007, p. 458). Resta agora analisarmos o impacto
da luta entre Caxias e o Ministério e suas implicações para a relação
civis e militares no Brasil.

4. O GENERAL, O IMPERADOR E O MINISTÉRIO.


Caxias como oficial e político era um homem muito cioso de
suas vitórias passadas. Tinha bom trânsito junto ao Imperador e como
político ligado ao partido conservador estava entre os da “velha
guarda”, tinha arraigado dentre si um orgulho enorme de sua posição.
O Gabinete com o qual ele teria de lidar era:

Do ponto de vista de sua coloração política, o terceiro


gabinete de Zacarias (agosto de 1866 a julho de 1868)
pode ser considerado uma continuidade do Gabinete
Olinda. Era um gabinete “ligueiro” (Zacarias fora líder
da oposição parlamentar que derrubara o Gabinete Caxias-
Paranhos em 1862) e a marca principal da continuidade
política se expressava na manutenção de Ângelo Muniz
da Silva Ferraz no Ministério da Guerra. Diferenciava-se
porém Zacarias de Olinda no estilo da condução do
Governo. Não procurava, como seu antecessor, disfarçar
sua cor política e procurava enfrentar a Câmara caprichosa
que já o derrubara duas vezes, mediante uma postura
combativa, confiante (...). (COSTA, 1995, p. 243)

150
Nota-se então que temos uma situação muito complexa em
termos políticos. Um Ministério cioso de sua autoridade e uma crise
terrível nos quadros da alta cúpula militar em 1866. Havia uma
enorme pressão para que o Marquês de Caxias fosse enviado ao
Paraguai. É necessário ter em mente que o Alto Comando estava
rachado por intensas rivalidades políticas (Osório e Porto Alegre) e
a Marinha sob o comando de Tamandaré não utilizada seus recursos
na plenitude. Caxias tinha várias coisas que o tornavam superior
aos demais: prestígio político, título nobiliárquico de alta
envergadura, bom transito no Conselho de Estado, amigos
poderosos no Senado, respeito e admiração da tropa, antiguidade
de suas patentes e de convivência com o Exército. Todos os oficiais
que estavam em conflito já haviam servido com Caxias e sempre
em posições subalternas a ele. De fato, Caxias era a solução mais
viável para os problemas do Exército. Entretanto, sendo Caxias um
homem de partido e chefe conservador, mandá-lo para o Paraguai
implicaria em grave risco para a sobrevivência do sistema político
em vigor. Implicaria na remoção de todos os inimigos que pudessem
atrapalhar o trabalho que Caxias teria de fazer. O Ministério correu
o risco. Nomeou Caxias (COSTA, 1995, p. 248-249). Uma das
primeiras conseqüências desse ato foi a necessidade de demitir o
Ministro da Guerra (figura publicamente antipática a Caxias) e
afastar o Almirante Tamandaré do comando da Marinha Imperial,
nomeando J.J. Inácio – amigo do Marquês para o posto (p.250).
Ouçamos o que Joaquim Nabuco nos diz sobre tal episodio:
“Sacrificando o seu ministro da guerra à necessidade de mandar
para o Paraguai o Marquês de Caxias, Zacarias tinha de antemão
assentido à sua própria demissão de ser com a ele a
incompatibilidade do novo comandante em chefe. (...) Esse era o
fato que dominava a situação política: o gabinete estava à mercê do
seu general e com ele a situação política.” (NABUCO, 2001, p.90)
Não demorou muito para que Caxias e Zacarias tivessem um
tremendo enfrentamento político. Caxias não apresentou nenhum
milagre na Guerra. Ele assumiu o comando das operações e tratou
151
de reorganizar as tropas e providenciar a logística necessária parra
levar a guerra a Assunção. No início de 1868, Humaitá ainda não
havia caído. A opinião pública começou a se impacientar. Alguns
jornais do Rio de Janeiro – como o Anglo Braziliam Times que recebia
subsídios do Gabinete – passaram a atacar a condução da guerra
feita por Caxias. Periódicos declaradamente liberais atacaram o
Marquês. (COSTA, 1995, p. 251-252)
Dessa forma, uma crise sem precedentes explodiu a cena
política nacional em 1868. Caxias pediu demissão do seu posto e
independente dos motivos oficiais, fez chegar ao Rio de Janeiro o
real motivo de sua demissão: ele não se sentia apoiado pelo Ministério.
Zacarias, por seu turno, resolveu partir para uma perigosa queda de
braço. Apresentou também o pedido de demissão de todo o
Ministério, fato esse que implicaria em dissolver o Parlamento e
convocar novas eleições. Traduzindo: se o Imperador insistisse em
manter Caxias, ele teria de implodir com toda a situação política e
criar uma, onde os Conservadores fossem maioria. O custo político
de tal operação seria alto e o desgaste da figura do Imperador seria
evidente. (COSTA, 1995, p. 253-254)
O Imperador recorreu ao Conselho de Estado para saber se
deveria demitir o general ou o Ministério. Percebendo o perigo da
situação, o Conselho indicou que nenhuma demissão fosse dada. O
Imperador, por seu turno, reenviou a questão, dando a entender que
preferia manter Caxias e fazendo a mesma pergunta. O Conselho
respondeu que o mal menor seria demitir o general. Ao nosso ver, o
Conselho temia dar poder demais a qualquer militar. Zelava pela
primazia do poder civil. Alguém poderia dizer que a maioria do
Conselho era liberal, daí a decisão pela saída de Caxias. Uma rápida
olha na lista de conselheiros derruba essa tese. Tanto é, que os
membros do Conselho procuraram Caxias e propuseram uma
conciliação com Zacarias. (COSTA, 1995, p. 255)
Tais fatos se deram em fevereiro de 1868. Em julho, o gabinete
caiu. Enfraquecido e não apoiado pelo Imperador. Zacarias passou
a fazer oposição ácida ao Poder Moderador, o que implica em fazer
152
oposição ao próprio Imperador.Os conservadores voltaram ao poder.
Caxias conduziu a guerra com precisão e só se retirou quando o
Paraguai não representava mais um perigo ao Império. Daí em diante
uma grave crise se instalou no sistema político. A estabilidade ficou
severamente comprometida.

CONCLUSÃO
Ao não apoiar o Ministério e dar a entender que preferia seu
general, o Imperador criou um precedente perigoso na História do
Brasil. O Exército saiu da guerra totalmente mudado. Entrou criança,
saiu adulto. Enquanto Caxias, Osório e Porto Alegre estiveram a
frente da força, ninguém ousou contestar a Monarquia. Porém na
década de 1880, todos esses já haviam morrido. Novos oficiais menos
políticos e mais corporativos passaram a dar ao Exército mais ousadia.
Em 1889, setores do Exército derrubaram o regime. Criou-se uma
República institucionalmente fraca. Até 1985, os militares
mantiveram o hábito de “derrubar ministérios”.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Organizações e Programas Ministeriais. Regime Parlamentar do
Império. MEC, Instituto Nacional do Livro, Brasília, 1979.
CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. por José Murilo de Carvalho; coordenação
Elio Gaspari e Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo, Companhia das Letras, 2007.
CARVALHO, José Murilo. Forças Armadas e Política no Brasil. Ed. Jorge Zahar, 2005.
COSTA, Wilma Peres. A Espada de Dâmocles: O Exército, A Guerra do Paraguai
e a Crise do Império. Ed. Hicitec, 1995.
DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra: Nova História da Guerra do Paraguai.
Companhia das Letras, 2007.
DUARTE, Regina Horta. História, verdade e identidade nacional. Quatro panfletos
políticos do Segundo Reinado. In: LOCUS, Juiz de Fora, v. 2, n. 2, 1996.
MARSON, Isabel Andrade. O Império do Progresso. São Paulo: Brasiliense, 1987.
MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.
NABUCO, Joaquim. Um Estadista no Império. II vol. Ed. TopBooks, 2001.

SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. Op. Cit, p. 101-102.

153
CAPÍTULO 10

A NATUREZA DIALÓGICA DO ENUNCIADO EM MIKHAIL


BAKHTIN E SUA CONTRIBUIÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

THE DIALOGICAL NATURE OF MIKHAIL BAKHTIN’S


ENUNCIATION AND ITS CONTRIBUTION TO LITERARY STUDIES

Cláudia de Fátima OLIVEIRA


Ricardo Boone WOTCKOSKI
Simone Tavares de ANDRADE

RESUMO
O estudo dos processos linguísticos que o homem realiza ao fazer uso de sua
competência linguística para produzir enunciados é o objeto de estudo da
Linguística, ciência autônoma, que encerra teorias e metodologias sólidas e, por
isso, realiza-se em contraponto ao estudo gramatical tradicional que dominou o
estudo da linguagem humana desde tempos remotos até seu advento na transição
do século XIX para o XX. O estudo tradicional a que se referem os estudiosos da
linguagem, portanto, diz respeito a um período extenso, que se inicia na
Antiguidade Clássica e desemboca no século XIX. Como Gramática Tradicional,
consequentemente, conforme pontua Weedwood (2002, p. 10), identifica-se “um
exame não científico do fenômeno gramatical, em que as línguas eram analisadas
com referência ao latim, pouca atenção sendo prestada aos fatos empíricos”.
Assim, o presente estudo tem o objetivo de oferecer uma visão geral a respeitodas
principais abordagens que ocuparam os estudos pré-linguísticos e o contexto dos
estudos linguísticos em que se deram as proposições bakhtinianas, na sequência,
apresenta-se uma síntese do desenvolvimento dos estudos linguísticos, antes e
durante o florescimento da linguística como ciência.
Palavras-chave: Linguística. Pré-Linguística. Bakhtin.

ABSTRACT
The study of linguistic processes that man performs when making use of his
linguistic competence to produce utterances is the object of study of Linguistics,
an autonomous science, which contains solid theories and methodologies and,
therefore, is carried out in contrast to the traditional grammatical study. that
dominated the study of human language from ancient times until its advent in the
transition from the 19th to the 20th century. The traditional study to which
language scholars refer, therefore, concerns an extensive period, which begins in

154
Classical Antiquity and ends in the 19th century. Consequently, Traditional
Grammar, as Weedwood (2002, p. 10) points out, identifies “an unscientific
examination of the grammatical phenomenon, in which languages were analyzed
with reference to Latin, little attention being paid to empirical facts”. Thus, the
present study aims to provide an overview of the main approaches that occupied
pre-linguistic studies and the context of linguistic studies in which Bakhtinian
propositions took place. linguistic studies, before and during the flowering of
linguistics as a science.
Keywords: Linguistics. Pre-Linguistics. Bakhtin.

INTRODUÇÃO
O interesse pelo funcionamento da linguagem humana remonta
à Antiguidade e, no caso do Ocidente, seus primórdios se encontram
na Grécia, sob o arbítrio da Lógica e da Retórica, ramos da Filosofia.

Nos escritos que se conservaram dos filósofos pré-


socráticos, dos retóricos do século quinto, de Sócrates,
Platão e Aristóteles, encontramos observações sobre a
linguagem, mais precisamente sobre a língua grega. Só na
época dos estóicos, porém, é que se dá o reconhecimento
de um domínio separado de estudos linguísticos dentro do
vasto campo da filosofia (ROBINS, 1983, p. 10-11).

Inicialmente marcada pela reflexão em torno dos princípios


orientadores da língua, ou seja, se a língua se conforma a elementos
naturais e, portanto, imutável e alheia ao ser humano; ou por
convenções e subordinada às relações sociais e, consequentemente,
mutável, os gregos questionavam se:

[...] a conexão entre as palavras e aquilo que denotavam


provinha da natureza, physei, ou era imposta pela
convenção, thései. Havia dois aspectos na questão:
primeiro, a natureza da atual relação entre as palavras e
seus denotata; e segundo, como esta relação viera a surgir
- a origem das palavras” (WEEDWOOD, 2002, p. 25).

Essa primeira reflexão sobre a linguagem de que se tem registro,


no Ocidente, coube a Platão (429-347 a.C.), que fomenta em sua
essência a discussão a respeito da língua como reflexo da realidade
que, por sua vez, se organiza no pensamento.
155
Um dos diálogos de Platão, o Crátilo, é todo consagrado
a questões linguísticas, ainda que seu conteúdo seja sob
certos aspectos decepcionante. Referências à linguagem
e à sua análise também se encontram em outros diálogos
em que Sócrates é o principal interlocutor. Embora Platão
nunca tenha reunido e sistematizado suas observações
linguísticas, um escritor de época posterior, Diógenes
Laércio, atribui-lhe certo papel na introdução dos estudos
gramaticais na Grécia, ao afirmar que Platão “foi quem
primeiro investigou as potencialidades da gramática”
(ROBINS, 1983, p. 11).

Depois de Platão, Aristóteles (384-322 a.C.) apresentou uma


explicação para esse processo por meio da proposição de que a escrita
representa a fala, a fala representa a impressão apreendida da
realidade, impressão essa que reflete a própria realidade. Aristóteles
foi quem utilizou pela primeira vez o termo gramática1 e também
estabeleceu as noções de sujeito e predicado, considerados elementos
essenciais da oração, pela gramática normativa.
Na esteira de Aristóteles, os estoicos (séculos III-II a.C.)
elaboraram uma sistematização da língua grega (ROBINS, 1983).
Para dar cabo dessa complexa relação entre a realidade e a língua, os
estoicos propuseram a noção de conceito. Nessa perspectiva, seriam
os conceitos representados pela língua, não a realidade em si
(WEEDWOOD, 2002).
As questões postas pelos filósofos gregos, portanto, giravam
em torno do naturalismo ou convencionalismo e do analogismo ou
anomalismo da língua. Segundo Robins (1983), embora os gregos e,
posteriormente, os romanos tenham realizado melhor trabalho nos
estudos gramaticais, as controvérsias sobre os princípios orientadores
da língua serviram para aquecer o interesse pelo funcionamento da
língua, impulsionando estudos mais acurados, que se consolidaram
como ponto de partida para a constituição da Linguística.
1
O termo grammatiké significava, de início, apenas a compreensão das letras; o que hoje se considera
como investigação linguística estava compreendido sob o título genérico de philosophía, que cobria
então um campo muito mais amplo do que o da “filosofia” de hoje, pois abrange a virtualmente
todos os setores do conhecimento humano (ROBINS, 1983, p. 10).

156
A ascensão do Império Romano (século IV a.C.) não ofuscou
a importância grega para o estudo da linguística, pelo contrário,
manifestou importante contribuição ao legado grego. Nesse sentido,
Robins (1983, p. 35) observa que:

Ao apoderar-se do mundo helenístico, os romanos


colocaram sob seu jugo o povo judeu e a terra do Antigo
e Novo Testamento. O passado intelectual da Grécia e
Judéia junto com a unidade política e a liberdade de
comunicação decorrentes da estabilidade do poder
romano formaram o quadro em que se deu o nascimento
e expansão do Cristianismo, que se tornou no século IV
d.C. a religião oficial do Império Romano. A estes três
povos, gregos, romanos e judeus, a Europa atual e grande
parte do mundo moderno devem a origem de sua
civilização intelectual, moral, política e religiosa.

Nesse período, sob influência dos postulados gregos para a


gramática, o latim teve em Marcio Terêncio Varrão (116-27 a.C.)
importante gramático.

As inclinações de Varrão como historiador e filósofo conferem


a seu trabalho um sabor muito diferente do das outras obras
romanas sobre linguagem que chegaram até nós. Nas porções
remanescentes do De lingua latina, Varrão estabelece duas
dicotomias problemáticas: o papel da natureza e da convenção
na origem das palavras, e a questão da analogia e da anomalia
na regulação do discurso. Tal como Platão, Varrão conclui
que o significado original das palavras, imposto em
concordância com a natureza, foi obscurecido em diversos
casos pela passagem do tempo, e que a etimologia pode
frequentemente ajudar a recuperar o significado verdadeiro e
original. Por etymologia Varrão entende um tipo de explicação
semântica, em vez do tipo de explicação primordialmente
fonológica da etimologia histórica a que estamos habituados
(WEEDWOOD, 2002, p. 37).

A atividade romana com relação ao estudo da língua atinge


seu auge com Prisciano (que faleceu cerca de 500 d.C.). Autor de
uma gramática (institutiones grammaticae) considerada o principal
manual de estudo do latim durante a Idade Média, Prisciano abriu
157
caminho para o estudo da gramática especulativa. O que faz de sua
obra, conforme aponta Robins (1983, p. 48), “mais que o final de
uma era: constitui a ponte entre a erudição linguística da Antiguidade
e a da Idade Média”.
O Medievo teve início com o declínio do Império Romano e
foi marcado por uma radical mudança na sociedade europeia, agora
centrada na Igreja Católica Apostólica Romana. Com relação à
língua, Robins (1983, p. 54) observa que:

O latim permanece como língua da erudição, adquirindo


maior prestígio por ser usada como língua da literatura
patrística e dos serviços e administração da Igreja católica.
Isso já era suficiente para que lhe fosse assegurado papel
de relevo e, consequentemente, para os trabalhos
linguísticos dos primeiros anos da Idade Média fossem
em sua maioria estudados de gramática latina.

Na segunda parte do período medieval, que inicia em 1100 e


marca o florescimento da filosofia escolástica, surgem diversas
gramáticas voltadas à descrição de línguas vernáculas2. Mas os
trabalhos mais importantes do período foram as gramáticas
especulativas, produzidas entre 1200 e 1350, cujos principais
representantes foram os modistas.

Sua doutrina se baseava na noção do modi significandi,


“modos de significação”, que fornecia um arcabolso para
se descrever o processo de verbalização. Na concepção
modista, o objeto do mundo real, externo ao entendimento
humano, podia ser apreendido como um conceito pelo
entendimento, e o conceito podia ser dado a conhecer
por um signo falado, tornando-se dessa maneira um
significado (WEEDWOOD, 2002, p. 58).

2
A expressão “gramáticas medievais vernáculas” é usada em geral de modo pouco preciso para
denotar três gêneros literários bastante diferentes: 1) livros didáticos preparados para ensinar latim a
falantes não nativos, escritos em vernáculo; 2) obras escritas numa língua vernácula que explicitam
os princípios gerais da gramática - quase sempre os princípios de natureza semântica e funcional - e
extraem seus exemplos da língua em que são escritas; 3) obras que descrevem a estrutura do vernáculo,
usando normalmente o vernáculo como meio de expressão (WEEDOOD, 2002, p. 61).

158
Em termos gerais, pode-se sintetizar os estudos linguísticos dos
períodos Antigo e Medieval nos termos seguintes:

A linguística grega e a romana formam um continuum


com a medieval: os romanos se basearam nas iniciativas
dos gregos (e, de maneira limitada, desenvolveram-nas),
enquanto os pensadores medievais estudaram, digeriram
e transformaram a versão romana da tradição linguística
antiga (WEEDWOOD, 2002, p. 23).

Prevalece nos três períodos, apesar das reflexões que


acompanham seus postulados, a preocupação em estabelecer normas
para se redigir e falar “corretamente”, segundo as regras estabelecidas
nos manuais tradicionais de gramática.
A transição da Idade Média para a Idade Moderna (século
XVI a XVIII) se deu em meio ao Renascimento cultural,
econômico e político (séculos XIV a XVI) que se estendeu por
toda a Europa, a partir da Itália. Nesse contexto, os estudos
linguísticos começam a se distanciar da tradição greco-romana,
graças ao interesse pelo estudo do hebraico e do árabe que ganhou
impulso ainda na Baixa Idade Média e, posteriormente, de outras
línguas de fora do continente europeu.

[...] No Renascimento os europeus acrescentaram ao


conhecimento do árabe e do hebraico o conhecimento de
outras línguas não européias. Vários fatores contribuíram
para despertar o interesse dos estudiosos pela até então
nunca sonhada riqueza de línguas do mundo: a
colonização do Novo Continente, as viagens marítimas,
o estabelecimento de novas terras de entrepostos
comerciais e de colônias de expatriados, a obra dos
missionários (ROBINS, 1983, p. 81).

Weedwood (2002) observa que o contraste entre gramática


especulativa e gramática positiva corrente na Idade Média assumiu
tamanha divergência com o passar do tempo que, na Modernidade,
convertera-se em duas abordagens bem distintas: a “particular” e
a “universal”. E, desde então, se revezam na condição de
abordagem preponderante. Embora, a busca pelo particular na
159
língua ganhasse cada vez mais espaço nos estudos linguísticos, a
partir do Renascimento.
A fonética e a fonologia já dispunham de noções suficientes
para o início de análises formais, permitindo a investigação do
desenvolvimento histórico e a linhagem das línguas. A etimologia,
por sua vez, cada vez mais se distancia da comparação dos
significados e se aproxima da comparação das formas
(WEEDWOOD, 2002). No final do século XVIII, essa abordagem
se encontrava já saturada e o que permitiu novo fôlego nas
pesquisas linguísticas veio por meio do contato com o sânscrito e
a gramática indiana.
No entanto, o estudo da língua segundo a lógica e a razão, que
buscava princípios que permitissem estabelecer regras universais e
aplicáveis a todas as línguas continuou a se manifestar. Seus principais
representantes foram Antonie Arnauld e Claude Lancelot, com o
lançamento, em 1660, da Gramática geral e racional ou, como ficou
amplamente conhecida, Gramática de Port-Royal. Embora sua
proposição fizesse avançar o estudo da língua, ao propor uma
gramática universal, ainda tomara como princípio a ideia da língua
como representação do pensamento (ROBINS, 1983).
É entre o final do século XVIII e início do XIX que a noção
segundo a qual a língua atuaria como reflexo do pensamento e da
lógica começa a dar lugar ao estudo comparado das línguas, focado
em sua evolução e descrição. Surge então a gramática histórico-
comparativa, que procura comparar e classificar as línguas, segundo
suas semelhanças. Sua proposta sistemática confere ao estudo da
linguagem certa aparência de científico. Seu marco inicial se dá em
1816, quando Franz Bopp publica Sobre o sistema de conjugação da língua
sânscrita, que faz comparações pormenorizadas da morfologia verbal
de diversas línguas com a do sânscrito e suas correspondências, de
acordo com o grau de parentesco entre elas.
Todavia, uma nova perspectiva no estudo da linguagem tomará
forma, no início do século XX, com Ferdinand de Saussure, cujo
foco se volta ao estudo descritivo da língua, inaugurando o estudo
160
científico da linguagem, ou seja, a Linguística como Ciência, segundo
os postulados positivistas dominantes na época.

A LINGUÍSTICA COMO CIÊNCIA


No século XX, a Linguística se abre a uma infinidade de
abordagens e diálogos com outros campos do saber; especialmente
com as ciências humanas (WEEDWOOD, 2002). Dentre essas
abordagens, interessa à presente pesquisa a proposta dialógica do
Círculo de Bakhtin, com a qual se ocupará esse capítulo mais adiante.
Antes, porém, seguirá uma breve apresentação do contexto em que
se deu a proposta bakhtiniana, no que diz respeito ao momento em
que se constitui a Linguística como ciência autônoma.

FERDINAND DE SAUSSURE, PAI DA LINGUÍSTICA MODERNA


Embora o estudo do fenômeno linguístico remonte à Antiguidade,
é com Ferdinand de Saussure (1857-1913) que a Linguística se aproxima
de traços próprios de uma ciência nos moldes propostos pelo Positivismo
em ascensão entre o final do século XIX e início do século XX. Para
Saussure (2006) três abordagens dominaram os estudos da língua, desde
os gregos: a primeira, que o autor chama de “gramática, era centrada na
lógica, voltada à normatização e desprovida, portanto, de qualquer
interesse na língua em si; a segunda é a “filológica” que merece a crítica
de Saussure por não fazer da língua seu objeto em si.

A língua não é o único objeto da Filologia, que quer, antes


de tudo, fixar, interpretar, comentar os textos; este primeiro
estudo a leva a se ocupar também da história literária, dos
costumes, das instituições, etc.; em toda parte ela usa seu
método próprio, que é a crítica. Se aborda questões
linguísticas, fá-lo sobretudo para comparar textos de
diferentes épocas, determinar a língua peculiar de cada
autor, decifrar e explicar inscrições redigidas numa língua
arcaica ou obscura (SAUSSURE, 2006, p. 7-8).

Para Saussure (2006), a Filologia de seus dias era a mesma


iniciada em Alexandria, ainda na Antiguidade, falha ao se apegar
por demasia à língua escrita.
161
À terceira abordagem, Saussure (2006) chama de “gramática
comparativa” e, embora a reconheça como nova possibilidade,
entende que falhara ao não delimitar seu objeto de pesquisa e,
consequentemente, seu método próprio de abordagem.

A Linguística propriamente dita, que deu à comparação


o lugar que exatamente lhe cabe, nasceu do estudo das
línguas românicas e das línguas germânicas. Os estudos
românicos, inaugurados por Diez - sua Gramática das
Línguas Românicas data de 1836-1838 -, contribuíram
particularmente para aproximar a Linguística do seu
verdadeiro objeto (SAUSSURE, 2006, p. 11).

Saussure (2006) considera que os romanistas e os germanistas


contavam com certas condições que favoreceram seu acesso aos
respectivos conjuntos de línguas sob sua análise, permitindo um
acompanhamento minucioso de sua evolução. Por fim, atribui aos
neogramáticos o feito de dar um passo à frente ao superar a visão da
língua como conjunto de leis descoladas de seus grupos sociais. O pai
da Linguística moderna, portanto, considera a língua como fato social.

Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com


a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial
dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto
social da faculdade de linguagem e um conjunto de
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para
permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos
(SAUSSURE, 2006, p. 17).

Ao propor que nossa percepção da realidade se dá por meio da


linguagem, Saussure (2006) rompe com a tradição gramatical herdada
desde a Grécia Antiga. Segundo o autor, “é o ponto de vista que cria
o objeto” (SAUSSURE, 2006, p. 15). Dessa forma, a língua em si
passa a ser o objeto de estudo da Linguística que, além de descrever
o acontecimento linguístico, procura explicá-lo por meio de
procedimentos científicos.
Para dar conta de sua proposta sistêmica da língua, Saussure
procura estabelecer os princípios coerentes de seu funcionamento.

162
Como bem observa Parreira (2007, p. 1033):

Sua ideia é avaliar o sistema no momento como uma


estrutura que vai cruzando, relacionando as oposições.
Assim, todo o sistema é descrito a partir das oposições,
evidenciando com clareza que o signo linguístico é
sempre oposto ao outro. Sua proposta inovadora será
desenvolvida por pesquisadores da língua que mantêm
as ideias de sistema, de organização trazidas por ele.

A busca por certa sistematização e homogeneidade levou à


identificação de um conjunto de unidades entrelaçadas a
funcionalidades coesas que permitiram a Saussure propor uma análise
linguística pautada em termos de dicotomias e que, grosso modo,
pode ser sintetizada em dois tipos: “(1) langue3 em oposição a parole4
e (2) forma em oposição a substância” (WEEDWOOD, 2002, p. 127).
Essa abordagem proposta por Saussure inaugura o que ficou
conhecido como Estruturalismo5 e que diz respeito ao entendimento
de que existe uma estrutura de relações abstratas implícitas à língua
e que não deve ser confundida com os enunciados concretos. Nesse
jogo de oposição entre sistema e fala, para Saussure (2006), seria o
sistema (língua) o objeto de estudo da Linguística, que poderia se
dar em duas perspectivas temporais: diacrônica e sincrônica.

É sincrônico tudo quanto se relaciona com o aspecto


estático da nossa ciência, diacrônico tudo que diz respeito
às evoluções. Do mesmo modo, sincronia e diacronia
designarão respectivamente um estado da língua e uma
fase de evolução (SAUSSURE, 2006, p. 96).

Portanto, enquanto a linguística diacrônica se ocuparia da


língua ao longo da história, a sincrônica faria um recorde para estudá-
la em determinado período.
3
“Embora langue signifique “língua” em geral, como termo técnico saussuriano fica mais bem
traduzido por “sistema linguístico”, e designa a totalidade de regularidades e padrões de formação
que subjazem aos enunciados de uma língua” (WEEWOOD, 2002, p. 127).
4
“O termo parole, que pode ser traduzido por “compotamento linguístico”, designa os enunciados
reais” (WEEDWOOD, 2002, p. 127).
5
Usa-se aqui o conceito como referência ao Estruturalismo Europeu.

163
Importante para essa proposição foi a compreensão saussuriana
do que chamou de duas faces do mesmo signo. A uma chamou
significante e diz respeito à materialidade do signo; à outra,
significado e se relaciona ao conceito que evoca na mente, conforme
os valores que subjazem sua formação.
A proposta de estudo dicotômico da língua pode ser sintetizada
nos termos seguintes:

diacronia/sincronia; língua/fala; significante/significado e


paradigma/sintagma. A diacronia estuda as mudanças
sofridas pela língua através do tempo, enquanto a sincronia
estuda a língua em um determinado tempo. A língua é um
sistema, enquanto a fala é o uso desse sistema. O signo é a
união do significante com o significado. Signos colocados
em ordem formam uma relação sintagmática. Chama-se
sintagmática a relação que se baseia nos elementos que são
combinados. As relações sintagmáticas e paradigmáticas
ocorrem em todos os níveis da língua, isto é, dos sons, dos
morfemas e das palavras (PARREIRA, 2007, p. 1042).

Embora, parcial por excluir a fala do estudo da Linguística, a


proposta de Saussure abriu caminho para novas perspectivas nos
estudos linguísticos, como o proposto por Noam Chomsky (1928-),
cujas principais contribuições à Linguística se fará breve referência
na sequência.

NOAM CHOMSKY (1928-)


Chomsky, diferentemente de Saussure, compreende a língua como
sistema inerente à faculdade humana e seu objeto de estudo a descrição
e a explicação desse sistema intrínseco. É a partir de 1957, com a
publicação de Estruturas Sintáticas, que Chomsky se contrapõe à
propositura saussuriana de estudo da língua como objeto social.
Observa Parreira (2007) que, ao associar a linguística à
dimensão psicológica do ser humano, Chomsky revolucionou a
ciência da linguagem. Segundo a teoria chomskiana:

a mente funciona como um sistema computacional. Em


outras palavras, ele dá ênfase à criatividade do sujeito e

164
demonstra que a linguagem desencadeia o processo de
criação do conhecimento. A capacidade inata que ele
defende em 1957 atesta que mesmo uma criança
desfavorecida socialmente aprende bem a linguagem,
segundo padrões universais. Desse modo, ele enfatiza a
importância do sujeito e da mente no processo de
aquisição da língua (PARREIRA, 2007, p. 1034).

Essa proposição de Chomsky, portanto, fundamenta-se numa


noção de estrutura sintática que opera por meio de uma estrutura
geradora e um componente transformacional, que permite a produção
de uma infinidade de possibilidades (desempenho) a partir de uma
capacidade inata (competência). Com essa distinção, Chomsky muda
o foco teórico e metodológico da Linguística, que se voltam à
descrição das regras que regem a estrutura da competência linguística.
Enquanto o estruturalismo saussuriano se ocupava da oposição entre
língua e fala, Chomsky volta sua atenção à descrição da diferença
entre conhecimento linguístico e o seu uso efetivo em situações
concretas de fala (PARREIRA, 2007).
Os postulados de Chomsky levaram ao conceito de gramática
gerativa, segundo o qual, numa língua, as regras gramaticais geram
enunciados. O debate em torno dessas regras levou os gerativistas a
desenvolverem a teoria dos princípios e parâmetros.

Na teoria de Princípios e Parâmetros a criança nasce com


princípios universais que são usados em todas as línguas
e com um conjunto de parâmetros definidos pela língua a
que ela está exposta. Sua função, de acordo com essa
teoria, é escolher as regras a serem usadas e descartar as
que não são adequadas (PARREIRA, 2007, p. 1037).

Essa teoria é, portanto, uma resposta às críticas ao conceito de


gramática universal e às descobertas posteriores a respeito da
aquisição da linguagem. Nessa fase, Chomsky afirma que nascemos
com princípios universais, mas os parâmetros são dados.
A principal contribuição de Chomsky se deu no
desenvolvimento da competência linguística do falante-ouvinte e na
construção de sintática de estruturas frasais. A ideia segundo a qual
165
é a competência linguística que permite ao falante produzir seus
enunciados foi um passo importante, que resultou no princípio da
gramática internalizada.
Com sua teoria, Chomsky objetiva principalmente:

a) a descrição do conhecimento do falante de uma língua


em particular; b) a caracterização do tipo de conhecimento
que a criança traz para a aquisição de uma língua; c) a
explicação dos processos que levam uma criança até o
conhecimento de sua língua (PARREIRA, 2007, p. 1042).

É importante observar que os ajustes a que a teoria chomskiana


precisou se adequar ao longo de seu desenvolvimento aponta para sua
plausibilidade e abertura aos avanços científicos, o que assinala sua
objetividade científica e possibilidade de contínua reelaboração por
meio de pesquisas específicas ao redor do mundo (PARREIRA, 2007).
Numa sintética comparação entre os postulados saussurianos
e chomskyanos, observa ainda Parreira (2007) que, enquanto Saussure
se ocupa com a descrição dos sistemas linguísticos, Chomsky, por
outro lado, procura descrever as possibilidades linguísticas a partir
da capacidade inata do ser humano em fazer uso concreto da língua.
Em ambos, contudo, observa-se um interesse especial pela langue
(língua) em detrimento da parole (fala). Em outras palavras,
privilegiam a dimensão abstrata da língua, deixando em segundo
plano sua concretude. Observa também Parreira (2007) que, essa
oposição entre social e geral, entre o sistema linguístico e os atos de
fala, conduzem tanto o estruturalismo de Saussure como o
gerativismo de Chomsky à concepção do ser humano como descolado
de suas dimensões psicológica e social, tratando a linguagem como
acontecimento alheio à situação em que se realiza. Com Chomsky,
todavia, a Linguística avança em direção à compreensão da língua
como enunciado, embora a ênfase permaneça na capacidade do
falante de articular, em termos sintáticos, sua competência linguística.
A percepção de que a enunciação se materializa em contexto
mais amplo ganha fôlego com as contribuições de outro importante
pensador do início do século XX: Émile Benveniste.
166
ÉMILE BENVENISTE (1902-1976)
Contemporâneo de Saussure e Chomsky, Benveniste entende a
linguagem como instrumento que se presta a transmitir uma
mensagem que requer do interlocutor uma resposta. Decorre desse
entendimento que, para Benveniste, o enunciado produz sentido no
seu contexto usual, momento em que o locutor revela sua
subjetividade e se faz sujeito.

A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta


como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu
discurso. Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, sendo
embora exterior a “mim”, torna-se o meu eco - ao qual digo
tu e que me diz tu. A polaridade das pessoas é apenas uma
consequência totalmente pragmática. Polaridade, aliás, muito
singular em si mesma, e que apresenta um tipo de oposição
do qual não se encontra o equivalente em lugar nenhum,
fora da linguagem. Essa polaridade não significa igualdade
nem simetria: ego tem sempre uma posição de transcendência
quanto a tu; apesar disso, nenhum dos dois termos se concebe
sem o outro; são complementares, mas segundo uma
oposição “interior/exterior”, e ao mesmo tempo são
reversíveis (BENVENISTE, 1988, p 90.).

Para o autor, o fundamento linguístico da subjetividade se


desvenda numa “realidade dialética” que engloba e define pela relação
mútua os termos eu/tu, que indicam a “pessoa” e se fazem presentes
em todas as línguas. Segundo Benveniste (1988), é a organização
que possui a linguagem que permite ao locutor se apresentar como
eu em todas as suas manifestações linguísticas.
Dessa forma, a linguagem, para Benveniste (1988), contém as
formas linguísticas apropriadas para que a subjetividade se torne
possível, materializando-se no discurso com suas “instâncias
discretas” e as formas “vazias”6, que permitem a cada locutor delas
6
Os pronomes pessoais são o primeiro ponto de apoio para essa revelação da subjetividade na
linguagem. Desses pronomes dependem por sua vez outras classes de pronomes, que participam do
mesmo status. São os indicadores da deíxis, demonstrativos, advérbios, adjetivos, que organizam as
relações espaciais e temporais em torno do “sujeito” tomado como ponto de referência: “isto, aqui,
agora” e as suas numerosas correlações “isto, ontem, no ano passado, amanhã”, etc. Têm em comum
o traço e de se definirem somente com relação à instância de discurso na qual são produzidos, isto é,
sob a dependência do eu que aí se enuncia (BENVENISTE, 1988, p. 288).

167
fazer uso para se definir como eu e a um outro como tu. A categoria
pessoa se materializa na “subjetividade” que se instala na e fora da
linguagem, apresentando efeitos os mais variados sobre a organização
das formas e nas relações da significação das línguas. Acrescenta o
autor que a noção de tempo que há nas línguas também se manifesta
sob o domínio da subjetividade.

uma língua distingue sempre “tempos”, quer seja um


passado e um futuro, separados por um “presente” [...].
Sempre, porém, a linha de participação é uma referência
ao “presente”. Ora, esse “presente”, por sua vez, tem como
referência temporal um dado linguístico: a coincidência
do acontecimento descrito com a instância de discurso
que o descreve [...]. A marca temporal do presente só pode
ser interior ao discurso. [...] “o tempo em que se fala”.
Esse é o momento eternamente “presente”, embora não
se refira jamais aos mesmos acontecimentos de uma
cronologia “objetiva” porque é determinada cada vez pelo
locutor para cada uma das instâncias de discurso referidas.
O tempo linguístico é sui-referencial. Em última análise,
a temporalidade humana com todo o seu aparato
linguístico revela a subjetividade inerente ao próprio
exercício da linguagem (BENVENISTE, 1988, p. 289).

O processo de construção da subjetividade se daria, portanto,


por meio dos recursos linguísticos, como o uso de certos verbos e de
certas classes de palavras a eles associadas.

[...] esta é o verdadeiro enunciado, não a forma verbal


pessoal que a governa. Em compensação, essa forma
pessoal é, se se pode dizer, o indicador de subjetividade.
Dá à asserção que segue o contexto subjetivo - dúvida,
presunção, inferência, - próprio para caracterizar a atitude
do locutor em face do enunciado que profere. Essa
manifestação da subjetividade só tem relevo na primeira
pessoa. Não se imaginam verbos semelhantes na segunda
pessoa senão para retomar verbatim uma argumentação
(BENVENISTE, 1988, p. 291).

A subjetividade, na percepção de Benveniste, fica ainda mais


evidente quando se atenta aos sentidos produzidos por alguns verbos
que “denotam pelo seu sentido um ato individual de alcance social:
168
[...] jurar, prometer, garantir, com variantes locucionais [...]”
(BENVENISTE, 1988, p. 292).
Destaca o autor que a diferença entre a enunciação “subjetiva”
e a “não subjetiva” se manifesta na oposição entre as “pessoas” do
verbo.

É preciso ter no espírito que a “terceira pessoa” é a forma


do paradigma verbal (ou nominal) que não remete a
nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto colocado
fora da alocução. Entretanto existe e só se caracteriza
por oposição à pessoa “eu” do locutor que, enunciando-
a, a situa como “não pessoa”. Esse é o seu status. A forma
ele… tira o seu valor do fato de que faz necessariamente
parte de um discurso enunciado por “eu”.
(BENVENISTE, 1988, p. 292).

Nesse sentido, argumenta o autor que a enunciação é o próprio


ato em si. As consequências do ato expresso na primeira pessoa se
desenrolam no acontecimento do discurso.

A enunciação identifica-se com o próprio ato. Essa


condição, porém, não se dá no sentido do verbo: é a
“subjetividade” do discurso que a torna possível. [...] o
mesmo verbo, segundo seja assumido por um “sujeito”
ou esteja colocado fora da “pessoa”, toma um valor
diferente. É uma consequência do fato de que a própria
instância de discurso que contém o verbo apresenta o ato,
ao mesmo tempo em que fundamenta o sujeito. Assim o
ato é cumprido pela instância de enunciação do seu
“nome” [verbo], ao mesmo tempo em que o sujeito é
apresentado pela instância de enunciação do seu indicador
(que é “eu”) (BENVENISTE, 1988, p. 293).

Conclui o autor que a análise da língua por meio do discurso


-, que é a língua falada pelo homem, condicionada pela
intersubjetividade, possibilidade singular para a comunicação
linguística - per mitirá uma abordagem diferenciada da
Linguística.
Como síntese das proposições iniciais da Linguística do século
XX, pode-se dizer que Saussure, com o Curso de Linguística Geral,

169
propõe uma abordagem estruturalista em detrimento da historicista
em voga. Tal abordagem se daria em termos de sistemas de relações
nas quais se constituiria a língua. O gerativismo assume, por outro
lado, que a linguagem deve ser analisada como reflexo genético. Seu
interesse, entre outros, recai sobre os aspectos inatos da mente que
geram o conhecimento linguístico. Benveniste, por sua vez,
demonstra que o sujeito se constitui em relação ao outro, por meio
da língua, enquanto produz sentidos dialogados no discurso.
Outros estudiosos da língua manifestaram proposições em torno
da Linguística e seu objeto de pesquisa. Os três aqui referenciados
são ilustrativos do estado da arte em que desponta, no Leste da
Europa, o círculo de Bakhtin.

O CÍRCULO DE BAKHTIN E SUA CONTRIBUIÇÃO À LINGUÍSTICA E


À LITERATURA
O Círculo de Bakhtin fora composto por um grupo
multidisciplinar de intelectuais que se reuniram num intervalo
aproximado de 10 anos (1919-1929). Dentre eles, destacaram-se, pela
bibliografia publicada: Mikhail M. Bakhtin (1895-1975), Valentin
Nikoláievitch Volóchinov7 e Pavel N. Medviédev (1892-1938). O
maior expoente do grupo, no entanto, é Bakhtin, catalisador do
pensamento do Círculo que leva seu nome e em torno do qual gravita
a produção intelectual de seus componentes.
7
Valentin Nikoláievitch Volóchinov nasceu em São Petersburgo em 1895. Ainda antes da revolução
tornou-se amigo de Mikhail Bakhtin e frequentou encontros da sociedade mística Rosacruz. Estudou
na Faculdade de Direito da Universidade de Petersburgo, mas em 1916 teve de interromper o curso.
Entre 1919 e 1922 se estabeleceu em Vitebsk, onde publicou artigos sobre música e deu palestras
sobre crítica de arte e literatura na Primeira universidade Proletária, fundada por Pável Medviédev.
Nesta época integra o chama do Círculo de Bakhtin, grupo que se reunia em torno do intelectual
russo e era formado por Volóchinov, Medviédev, Maria Iúdina, Matvei Kagan, Lev Pumpianski e
Ivan Solertinski, entre outros. De volta a Petersburgo, graduou-se na então Universidade de Leningrado
(atualmente SPBGU, Universidade Estatal de São Petersburgo) em 1924, no departamento de Ciências
Sociais, com especialização em Linguística. Foi pesquisador e depois docente no Instituto da História
Comparada das Literaturas e Línguas do OCidente e do Oriente (ILIAZV), e professor no Instituto
Pedagógico Aleksandr Herzen, no Instituto da Cultura da Linguagem (IRK), e no Instituto de Práticas
Avançadas para Trabalhadores Manuais (LIPKRI). Neste período produziu suas obras mais
importantes, como o artigo “A palavra na vida e a palavra na poesia” (Zvezdá, no 6, 1926) e os livros
O freudismo: um esboço crítico (1927) e Marxismo e filosofia da linguagem (1929). Em seus últimos
anos, devido à tuberculose, teve de se afastar do trabalho e até mesmo da leitura. Morreu em 1936 no
sanatório de Tsárskoie Sieló (GRILLO; AMÉRICO, 2018, p. 371).

170
Natural de uma pequena cidade dos arredores de Moscou
chamada Oriol, Bakhtin cedo mudou-se para a então capital da
Lituânia, Vilna, cidade em que aprendeu a conviver com a diversidade
linguística. Em 1913, ingressou na universidade de Odessa,
transferindo-se pouco tempo depois para Petrogrado.
Em 1928, Bakhtin foi condenado a cinco anos em um campo
de trabalhos forçados, pena que foi permutada, em seguida, pelo exílio
no Cazaquistão, lá vivendo até 1936. Ao regressar, fixou residência
em Saransk, onde lecionou no Instituto Pedagógico da Mordóvia.
Pouco tempo depois, transferiu-se para Kimri, onde lecionou em
duas escolas secundárias.
Entre 1930 e 1940, Bakhtin desenvolveu sua tese de doutorado
sobre François Rabelais e escreveu seus trabalhos sobre o gênero
romanesco e o conceito de cronotopo. Em 1945, regressou à Saransk
e ao antigo posto de professor universitário até se aposentar em 1961.
A partir de então, uma série de publicações colocou novamente em
evidência seu nome. Depois da re-publicação de sua obra sobre
Dostoiévski (1963), publicou seu trabalho sobre François Rabelais
(1965) e desenvolveu seus ensaios sobre estética literária, publicados
logo após sua morte. Bakhtin viveu seus três últimos anos em Moscou
e faleceu em 1975.

CONCLUSÃO
Vistos, então, os fins a que se destinam os estudos dos linguistas
aqui demonstrados, verifica-se que todos eles tiveram exímia
contribuição para os trabalhos e os estudos linguísticos, os quais são
tidos como apoio para importantes pesquisas de estudantes e
professores das áreas inerentes à Letras e outras afins.
Bakhtin, ao trazer os estudos acerca do dialogismo, trouxe
relevante contribuição aos estudos literários, os quais reverberam até
os dias atuais. Muitos dos estudos literários e linguísticos se fundam
em suas concepções, bem como nas de seus antecessores, o que
comprova a relevância dos estudos dos linguistas que habitam o
ambiente acadêmico e reverbera por toda a sociedade.
171
REFERÊNCIAS
BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral I. Campinas, SP: Pontes,
1995. ______. Problemas de linguística geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989.
PARREIRA, Miriam S. A importância do pensamento de Saussure e da teoria de
Chomsky para a Linguística Moderna Domínios de Lingu@gem | Uberlândia |
vol. 11, n. 3 | jul./set. 2017
ROBINS, R.H. Pequena história da lingüística. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico,
1983.
SAUSSURE, Ferdinand de. (2006). Curso de lingüística geral. 27. ed. São Paulo:
Cultrix.
WEEDWOOD, B. História Concisa da Linguística. Tradução: Marcos Bagno.
São Paulo: Parábola, 2002.

172
SOBRE ORGANIZADORES

ANDERSON LUIS VENÂNCIO


Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de
Franca. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora,
graduação em Ciências Sociais pela Universidade de Franca, graduação em
Filosofia pela Universidade de Franca, graduação em Geografia, graduação em
Pedagogia pela Universidade de Franca, graduação em Artes Visuais pela
Universidade de Franca, especialização em Gestão Escolar pela Universidade
de Franca. Mestrado em História e Cultura Política pela Unesp-Franca. É
membro do grupo de pesquisa certificado pelo CNPq GEBGÊ- Grupo de
Estudos Bakhtinianos dos Gêneros do Discurso.
E-mail: venancioglobal@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5293190107424519
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-0837-5416

MARILURDES CRUZ BORGES


Docente dos Programas de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Linguística
e Promoção de Saúde, da Universidade de Franca. Possui graduação em Letras,
habilitação em Literatura (2001), graduação em Pedagogia (2017), especialização
em Língua Portuguesa e Literatura (2004), mestrado em Linguística (2008) pela
Universidade de Franca, especialização em Neuroaprendizagem (2019) pelas
Faculdades Metropolitanas e doutorado em Linguística e Língua Portuguesa (2015)
pela Unesp/Araraquara. É membro e vice líder do grupo de pesquisa certificado
pelo CNPq GEBGÊ- Grupo de Estudos Bakhtinianos dos Gêneros do Discurso
E-mail: marilurdescruz@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6941101023784646
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-0602-9838

NICOLAS VLADIMIR DE SOUZA JANUÁRIO


Doutorando com bolsa/taxa CAPES no Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade de Franca. Possui graduação em Letras-habilitação
Português/Inglês (2003) pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH),
especialização em Metodologia do Ensino Superior (2008) pelo Centro de
Pesquisas Educacionais de minas Gerais (CEPEMG) em pareceria com o Centro
Universitário Newton Paiva e Mestrado em Linguística, pela Universidade de
Franca. Docente e membro do grupo gestor de pesquisa na Universidade José do
Rosário Vellano (UNIFENAS). É membro do grupo de pesquisa certificado pelo
CNPq GEBGÊ- Grupo de Estudos Bakhtinianos dos Gêneros do Discurso. E-
mail: nvjanuario@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9274559311263964
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-2702-9527

173
TALITA DE CARVALHO GUIRALDELLI VENÂNCIO
Mestrado em Linguística, pela Universidade de Franca – UNIFRAN (2017).
Especialização em Educação a Distância, pela Universidade de Franca -
UNIFRAN (2013). Graduação em Pedagogia (2016), em Geografia (2010) e em
Informática Empresarial e Comercial (2007), pela mesma universidade. Graduação
em História (em andamento) também pela UNIFRAN. Foi docente nos cursos
de graduação em História e Geografia da Universidade de Franca. É tutora do
curso de Pedagogia do CEAD da Universidade Federal de Ouro Preto (Bolsa
Capes). Leciona na Educação Básica (privada e pública)
E-mail: tcguiraldelli@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9685264053524977

DADOS SOBRE AUTORES

ALOÍSIO FRANCISCO ROSA


Possui graduação em História pela Universidade de Franca (2022). Atualmente é
Professor eventual da Escola Estadual Professora Maria Pia Silva Castro.
E-mail: aloiziofr2@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4060221685273187

ASSUNÇÃO APARECIDA LAIA CRISTOVÃO


Docente do Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) da Universidade
de Franca. É pós-doutora pela Capes-Unesp de Araraquara. Possui graduação
em Jornalismo pela PUC-Campinas (1982), especialização em Linguística de
Texto e de Ensino (2000), mestrado em Linguística e Língua Portuguesa (2005) e
doutorado em Linguística e Língua Portuguesa (2011) pela Unesp/Araraquara.
Realizou parte dos estudos de doutoramento na Università di Bologna, na Itália.
Atuou como docente substituta no Departamento de Ciências Humanas da Unesp
de Bauru e docente permanente no Programa de Mestrado Profissional em Letras
(ProfLetras), na Universidade Aberta do Brasil (UAB). É membro do grupo de
pesquisa certificado pelo CNPq GEBGÊ- Grupo de Estudos Bakhtinianos dos
Gêneros do Discurso
E-mail: assuncao.cristovao@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2794999150252727
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-1304-1106

CAMILA DE ARAÚJO BERALDO LUDOVICE


Docente permanente e vice coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Linguística (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Franca e professora dos
cursos de Letras e Pedagogia. Possui graduação em Letras-Habilitação em
Português e Inglês pela Universidade de Franca, é Mestre em Linguística pela

174
Universidade de Franca e Doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela FCLAR
- Unesp (Araraquara). Realizou estágio de pós-doutorado no Departamento de
Educação, Informação e Comunicação, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (USP), sob a supervisão da Profa.
Dra. Soraya Maria Romano Pacífico. É líder do GEBGÊ - Grupo de Pesquisas
Estudos Bakhtinianos dos Gêneros do Discurso - certificado pelo CNPq.
E-mail: camilaludovice@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2484816022138902
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0002-5998-7597

CÁSSIA MARIANA NUNES


Possui graduação em História pela Universidade de Franca (2022).
E-mail: cassiamanunes@hotmail.com

CLÁUDIA DE FÁTIMA OLIVEIRA


Doutoranda com bolsa/taxa CAPES no Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade de Franca. Possui graduação em Letras-Habilitação
em Português/Inglês pela Universidade de Franca, bacharelado em Direito pela
Faculdade de Direito de Franca, especialização em Direito do Trabalho pela
Universidade de Franca e mestrado em Linguística pela Universidade de Franca.
É membro do grupo de pesquisa certificado pelo CNPq GEBGÊ- Grupo de
Estudos Bakhtinianos dos Gêneros do Discurso
E-mail: claoliv@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4665504606205580
ORCID ID: https://orcid.org/000-0001-7695-1679

CLÁUDIO NAZARÉ SILVEIRA


Doutorando em Linguística pela Universidade de Franca – UNIFRAN. Mestre
em Linguística pela Universidade de Franca (2018). Possui especialização
avançada com Ênfase em Finanças, Auditoria e Marketing, pela FACEF (1993),
especialização em Teorias e Práticas na Educação, pela UNIFAL (2013),
especialização em Educação Musical, pelo CENSUPEG (2014),
especialização em Gestão Escolar pela UNINA (2020). Possui graduação em
Ciências Econômicas, pela FACEF (1991), graduação em Música pelo Instituto
de Artes, pela UNESP (1999), graduação em Educação Artística, pela UNIFRAN
(2007), graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de São João Del Rei
– UFSJ (2015). Atua como Coordenador e Professor dos Cursos de Pedagogia,
Letras e História na UNIVERSIDADE DE FRANCA. Atua como Coordenador
Institucional da Residência Pedagógica (CAPES/UNIFRAN).
E-mail: claudioartmusica@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8635727783703367

175
DANIELLE CRISTINA TEODORO DE SOUZA
Mestranda em Linguística pela Universidade de Franca (bolsista CAPES).
Graduada em Pedagogia pela Universidade de Franca (2021). Participante do
PIBID (bolsista CAPES - 2021). Iniciação Científica (2020) junto ao Programa
de Pós-Graduação em Linguística da Universidade de Franca (voluntária).
Premiada na Coninc-Semesp categoria Ciências Humanas e Sociais (2020).
Técnica em Administração pelo Centro Estadual de Educação Tecnológico Paula
Souza (2018). Membro dos grupos de pesquisa GEBGÊ e LABOAD.
E-mail: daniellesouzat@outlook.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6448969794346993
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-6949-6612.

JÚLIA ROBERTA NAQUES


Possui graduação em História pela Universidade de Franca (2022).
E-mail: naquess.j@hotmail.com

MARCELO HENRIQUE BASTOS


Possui graduação em Licenciatura Plena Em Geografia pela Universidade de Franca
(1997); graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela Universidade de Franca
(2004); graduação em Licenciatura Plena em Filosofia pela Universidade de Franca
(2010); graduação em Licenciatura Plena em História pela Universidade de Franca
(2014); Mestrado em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda (2009);
graduação em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade de Franca
(2017); Artes Visuais pela Universidade de Franca (2020), 5º semestre Bacharelado
- Geografia pela Universidade de Franca; Doutorando em Linguística pela
Universidade de Franca. Atualmente é professor Peb II de Geografia (Educação
de Jovens e Adultos) da Prefeitura Municipal de Franca e professor efetivo -
designado Vice - Diretor na E E Professor Vicente Minicucci. Atuando nos
seguintes temas: surdez, educação de surdos, ensino de Libras.
E-mail: marcelohbastil.os@hotmacom
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2306278035616182

RENATA DA SILVA COSTA SOUZA


Possui graduação em Letras, habilitação português e inglês (2022). Fez iniciação
científica junto ao PPG Linguística da Universidade de Franca.
E-mail: renata09costa@hotmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6466707142820308

RICARDO BOONE WOTCKOSKI


Doutorando com bolsa/taxa CAPES no Programa de Pós-Graduação em
Linguística da Universidade de Franca. Possui graduação em Teologia pelo
Instituto Concórdia de São Paulo, em Letras-Habilitação Português/ Inglês, pelo

176
Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto, em Letras-Habilitação
Português/Espanhol, pela Universidade de Franca, em Pedagogia pelo Claretiano
- Centro Universtiário de Batatais, especialização em Docência no Ensino Superior
nas Modalidades a Distância e Presencial pelo Claretiano - Centro Universitário
de Batatais, em Planejamento, Implementação e Gestão da EAD pela
Universidade Federal Fluminense – Niterói/RJ, em Metodologia do Ensino da
Língua Inglesa pela Faculdade de Educação São Luís de Jaboticabal/SP, mestrado
em Linguagens da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Docente
e coordenador de curso no Claretiano - Centro Universitário de Batatais, Professor
EBT Substituto do IFSuldeMinas – Campus Muzambinho e docente da FATEC
Mococa. É membro do grupo de pesquisa certificado pelo CNPq GEBGÊ- Grupo
de Estudos Bakhtinianos dos Gêneros do Discurso.
E-mail: rwotckoski@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1944251139657142
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-7105-9286.

SIMONE TAVARES DE ANDRADE


Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (FDRP/USP). Especialista em Direito e Processo do
Trabalho pela UNIDERP. Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba
(UNIUBE). Pós-graduanda em Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD e Pós-
graduanda em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade LEGALE. Membro
dos grupos de pesquisas: Núcleo de Pesquisa e Extensão – “O Trabalho além
Direito do Trabalho” (NTDAT-FD/USP), “A transformação do Direito do
Trabalho na Sociedade Pós-Moderna e seus reflexos no Mundo do Trabalho”
(GEDTRAB-FDRP/USP), “Contemporaneidade e Trabalho: questões sobre
Direito do Trabalho” (GPCeT/UNAERP), “Observatório da LGPD” e
“Observatório do Marco Civil da Internet” pela FDRP/USP juntamento com
“Mercosul, Direito do Consumidor e Globalização” pela UFRGS e “Radical
Change Brasil” (RxC- FDRP/USP). Membro do Grupo de Estudos sobre
Formação Docente e Metodologia do Ensino do Direito - FDRP/USP.
E-mail: standradeadv@gmail.com
Currículo Lattes: : http://lattes.cnpq.br/5174361915006068
ORCID ID: https://orcid.org/0000-0003-1958-0538.

ROGER DE CARVALHO GARCIA


Possui graduação em Artes Visuais pela Universidade de Franca(2019) e em
História pela Universidade de Franca (2022).
E-mail: rogercgarcia1999@icloud.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8857331212635794

177
ÍNDICE REMISSIVO

ALMEIDA, L. R. – 87, 89 EISNER, W. – 9, 10, 12, 20, MONCKEN, E. – 70


AVANCINI, L. – 78 21, 25, 26 MONTEIRO, M. S. – 51
BAKHTIN, M. M. – 9, 10, ELEMAR, J. – 79 MORAES, T. A. – 111, 112
12, 13, 16, 82, 83 ELIAS, V. M. – 12 MORI, N. N. R. – 48, 51
BENVENISTE, É. – 166, FRAZÃO, D. – 130 MOURA, M. C. – 48, 51, 53
167, 168, 169, FRAZÃO, D. – 84 NABUCO, J. – 138, 151
BRASIL. – 54, 55, 57 FUNARI, P. P. – 96, 97, 99, PARREIRA, M. S. – 163,
BRITO, F. B. – 48, 49, 57, 102, 104, 105, 107, 108 164, 165, 166
58, 59, 60 GANIKO, P. – 77 PRANDINI, R. C. A. R.
CALDAS FILHO, C. R. – GARCIA, S. – 9, 10, 12
75 PROENÇA, G. – 122, 123,
GIL, A. C. – 60 125
CAMPOS, L. – 67, 68, 71,
72 GÓES, M.C.R. – 49, 51 RAMOS, F. – 133

CARDOSO, I. B. – 67, 68, GOLDFELD, M. – 49 RAMOS, P. – 9, 10, 12, 20


71, 72 GOMBRICH, E. H. – 122, RICCI, D. E. – 76
CARVALHO, J. M. – 136, 123, 124, 125, 126 ROBINS, R.H. – 155, 156,
138, 141 GUARNIERI, L. V. 74, 75 156, 157, 158, 159, 160
CASSIANO, P. V. – 50 HAUCK, J. C. R. – 112 SÁ, N.R.L. – 48
CASTILHO, C. G. D. D. – HOFFMEISTER, R.J. – 48, SANDER, R. E. – 52
67, 68, 69 61 SANTOS, M. – 31, 40, 41,
CAVALCANTE, M. M. – JANUÁRIO, N. V. S. – 14, 42, 43, 44, 45
10, 12, 14, 16, 21, 26 SAUSSURE, F. – 160, 161,
COELHO, M. C. M. N. – JOKINEN, M. – 48, 61 162, 162, 164, 165, 166, 167
67, 68, 71, 72 KELLY, L.G. – 22 SCHWARCZ, L. K. M. –
COSTA, W. P. – 137, 143, KOCH, I. V. – 9, 10, 12, 15, 141
146, 147, 148, 149, 150, 151, 16 SKLIAR, C. – 48, 53, 61
152
KRIEG-PLANQUE, A. – SOBRAL, A. – 85
CRUMB, R. – 9, 10, 11, 13, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, STROBEL, K. L. – 53, 61
22, 24, 25, 26, 27 39, 40
STUDART, C. – 70
DELAVY, E. – 73 LAZARIN, A. – 73
TARTUCI, D. – 49, 51
DELL’ISOLA, R. – 9, 10, LIMA, L. – 129
12, 17, 18 TRAVAGLIA, N. G. – 12,
MAHONEY, A. A. – 87, 89 19, 27
DIAS, T.R.S. – 63
MARCUSCHI, L. A. – 9, WALLON, H. – 82, 83, 84,
DORATIOTO, F. – 137, 10, 12, 16, 18, 19 85, 86, 87, 89, 91
145, 146, 147, 148, 150
MARSON, I. A. – 140 WEEDWOOD, B. – 154,
DREIFUSS, R. A. – 115,
MATTOS, I. R. – 141, 142 155, 156, 157, 158, 159, 160,
116, 117
MCGANN, J. G. – 111, 114 163, 164
DUARTE, R. H. – 140

178

Você também pode gostar