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ISBN 978-65-00-53208-1
Vários autores.
Trabalhos apresentados no XIII Seminário de Ensino,
Pesquisa e Extensão em Ciências Humanas (SEPECH),
realizado na Universidade Estadual de Londrina, nos dias 27 a
30 de setembro de 2022.
Disponível em:
https://sites.google.com/uel.br/xiii-sepech/e-book?authuser=0
Inclui bibliografia.
CDU 3
APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 08
Volume III
Apresentação
O XIII Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão em Ciências Humanas
(SEPECH) foi realizado na Universidade Estadual de Londrina, nos dias 27 a 30 de
setembro de 2021, tendo suas atividades sido desenvolvidas integralmente de modo
remoto, em virtude da Pandemia de COVID-19, que ainda assolava o país e o mundo.
Mostrou o empenho de todas as áreas envolvidas na manutenção das reflexões sobre
ensino, pesquisa e extensão, mesmo em um cenário que exigiu adaptações, criatividade
e resiliência. E consolidou nossa ênfase na esperança e nossa aposta na vida,
materializadas no movimento de transmissão, entre sujeitos e gerações, do
conhecimento e das práticas educacionais promovidos no espaço da UEL.
Durante o Evento, 15 Eixos Temáticos recepcionaram uma miríade de novas
ideias, de investigações em fase de consolidação, de pensamentos dispostos a encontrar
interlocutores. Tais Eixos reuniram os trabalhos acerca dos temas relacionados à
História, Filosofia, às Ciências Sociais e Letras, potencializando também as suas
interfaces e sua vocação interdisciplinar. Congregaram apresentações de estudantes de
graduação e pós-graduação, professores e professoras da educação básica, do ensino
superior e de escolas de idiomas, além de egressos da UEL. E ofereceram as bases para
os textos que compõem este livro, como forma de enfatizar a necessidade de que a
sociedade se aproprie do conhecimento produzido nas Universidades Públicas e de
que ele envolva sempre um processo democrático de compartilhamento de saberes.
Neste Terceiro Volume estão concentradas as contribuições decorrentes das
exposições, discussões e revisões temáticas oriundas dos Eixos 11 a 14. Nesse
contexto, vale destacarmos que as questões étnico-raciais, de gênero e sexualidade
ocupa hoje importante espaço no debate público brasileiro, adquirindo destaque na
produção de pesquisas e outras formas de conhecimento. O reconhecimento das
diferenças sociais na composição populacional do país tem mobilizado reivindicações
de movimentos sociais, mudanças legislativas e a implementação de políticas que visam
superar as desigualdades sociais concomitantes a tais questões. No entanto, esse
processo de democratização tem encontrado tergiversações conceituais e oposição
política por parte de alguns setores. Dado esse contexto, o Eixo 11, “Gênero,
sexualidade e relações étnico-raciais”, coordenado pelas professoras Martha
Ramírez-Gálvez e Silvana Mariano, ambas do Departamento de Ciências Sociais da
UEL, propôs-se a refletir, discutir e debater tais questões, a partir de trabalhos
finalizados ou em andamento nas ciências humanas, de estudantes de graduação e de
pós-graduação e docentes da educação básica ou superior, com relação com os
marcadores sociais indicados E/ou sua interseccionalidade. Os textos que compõem
este livro e são provenientes desse Eixo materializam todo esse corpo de pressupostos
e de debates e devem ser entendidos pelo(a) leitor(a) como oportunidades de reflexão
ativa acerca desses assuntos.
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Coordenado por Bruno Lira (SOC - UEL) e Charles Feldhaus (FIL - UEL), o
Eixo “Pandemia e Ciências Humanas e Letras”, Eixo 12, teve por objetivo
recepcionar as pesquisas que abordaram e refletiram a partir do contexto pandêmico
vivenciado desde o início dos anos de 2020, algumas delas publicadas aqui para
publicização e fomento de importantes questionamentos. O avanço da COVID-19
sobre a vida social afetou profundamente os significados à vida coletiva e individual
dos seres humanos, ampliando o abismo entre os poucos privilegiados e as massas
oprimidas dentro do sistema capitalista. Assim, o referido Eixo visou, a partir de uma
perspectiva que envolve diversas áreas das Ciências Humanas e Letras, fomentar
discussões sobre os impactos sociais derivados diretamente e indiretamente da
pandemia assim como aspectos conceituais da reflexão sobre desastres em geral,
criando a possibilidade de um debate bastante frutífero entre diversas áreas do
pensamento humano como a economia, a cultura, as letras, a filosofia moral, a filosofia
política, a ciência política, a administração pública, a história, a filosofia, a biologia e a
sociologia da saúde e da doença entre outras. Ademais, o espaço não se propôs apenas
a servir como uma ferramenta de diagnóstico dos problemas decorrentes do evento de
desastre que vivenciamos, mas também construir alternativas de enfrentamento da
situação.
Do Eixo 13 é proveniente uma série de análises também inspiradoras. Elas
partem do pressuposto de que a formação do docente e dos demais profissionais
inscritos nas áreas de Letras e Ciências Humanas tem sido ponto de importantes
discussões. O Eixo “Educação docente e desenvolvimento profissional”
destacou, em suas atividades, que, no campo da educação, as licenciaturas têm
reorientado seus currículos, buscando a constituição de um profissional mais
preparado para corresponder às demandas da contemporaneidade. Ademais, que, nos
demais campos, associados ou não ao ensino, também são as exigências do mundo
contemporâneo que abrem novas formas de atuação. Enfatizou, além disso, que, num
contexto de ressignificações e inovações das práticas profissionais dentro das
Humanidades, a formação inicial e a formação continuada são temas que merecem
atenção nos debates da área. Coordenado pelas professoras e pesquisadora Sheila
Oliveira Lima (LET - UEL), Patrícia Cardoso Batista (PPGEL - UEL) e Franciela Silva
Zamariam (PPGEL - UEL), ele abrigou propostas de trabalhos que abordaram a
formação docente, tanto nas licenciaturas quanto nas pós-graduações, e abriu espaço
para discussões a respeito de outras atividades profissionais, cujas formações se
alicerçam nos cursos de Letras e Ciências Humanas. De todo esse campo fértil de
debates resultaram as contribuições que este Livro materializa e publiciza.
Por fim, é importante ressaltarmos que o Eixo “Linguagem e significação”
recebeu trabalhos relacionados às práticas sociais para propor um conjunto de
reflexões e análises que contribuíssem para pensar o modo como nos constituímos
sujeitos que fazem parte dos processos de utilização da linguagem nas diversas áreas
de estudo, alguns dos quais marcam presença neste terceiro volume do livro do
Conexões Humanas: Reflexões do XIII SEPECH UEL. Coordenado pelas
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professoras Isabel Cristina Cordeiro (LET - UEL) e Lolyane Cristina Guerreiro de
Oliveira (LET - UEL) e pelo professor Marcelo Silveira (LET - UEL), o Eixo 14
recepcionou trabalhos de pesquisadores que marcam o seu lugar teórico no vasto
campo das Ciências da Linguagem, com diferentes possibilidades de ler as práticas
enunciativas sociais e históricas. Abordou temas cujas questões envolvem o
texto/discurso, o acontecimento do dizer, o espaço de construção de sentidos, a
argumentação, os sujeitos em movimento no funcionamento da linguagem, as questões
identitárias na relação com discursos dominantes, a constituição das línguas e dos
saberes sobre elas, o funcionamento da linguagem na relação com as práticas sociais e
históricas de enunciação, o dialogismo, o interdiscurso, entre outros. Enfim, temas
essenciais não apenas para as Ciências da Linguagem, mas para áreas com as quais os
estudos da linguagem estabelecem diálogos, em particular a História, a Política, a
Antropologia e a Filosofia, a partir de múltiplos olhares sobre as relações de poder, o
bilinguismo, o ensino de língua materna e estrangeira, os conflitos de ordem social,
étnico-racial, religiosa, cultural.
Esse trabalho dedicado das coordenadoras e coordenadores dos Eixos, além
do empenho de toda a sua equipe de monitoria e dos aprimoramentos provenientes
da interação entre pesquisadoras e pesquisadores e do diálogo com os ouvintes do
Evento, consolidado neste Livro, nos mostra a força do SEPECH-UEL. Nosso desejo
é que ele continue sendo sede de inspirações constantes para análises acerca da
indissociabilidade entre a pesquisa/ensino/extensão. Que ele possa sempre propiciar
o desenvolvimento dos alunos e alunas, nas diversas searas que compõem a área de
Ciências Humanas e Letras, permitindo que os assuntos debatidos no âmbito da UEL
exerçam impacto na sociedade. Esperamos que os seus frutos – dentre os quais este
Volume do Conexões Humanas: Reflexões do XIII SEPECH UEL – perpetuem-
se através das inspirações e aprimoramentos que possam ser gerados naqueles que se
abrirem para as reflexões propostas aqui.
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
Caroline Remedi1
Claudia Neves da Silva(orientadora)2
Resumo: O interesse pelo tema saúde ligado à política de educação se deu a partir de
vivências pessoais durante o processo de formação em escolas públicas de Londrina,
levando-nos ao seguinte questionamento: “Como a heteronormatividade na Política
de Educação interfere na saúde dos estudantes?” O objetivo se deu na perspectiva de
verificar se há abordagem de conteúdos, por parte dos professores, que contemplem
a diversidade sexual e afetiva fora das relações heterossexuais. O aporte teórico da
pesquisa utilizou-se de alguns capítulos dos livros História da Sexualidade e Vigiar e
Punir do Filósofo e Psicólogo Michael Foucault. Também foi realizada uma revisão de
literatura sobre heteronormatividade, gênero e sobre questões LGBT+, bem como os
documentos oficiais da educação. A amostra da pesquisa foi constituída por 53 jovens
estudantes entre 15 e 27 anos, ativos ou já graduados, do ensino médio de Londrina,
que aceitaram responder ao questionário enviado via Google Docs. Verificamos que o
ensino médio de Londrina possui expressões de heteronormatividade em sua
condução que acarretam prejuízos e/ou lacunas à saúde afetiva e sexual dos estudantes
de ambos os gêneros, e a importância da quebra do paradigma heteronormativo na
educação, possibilitando desenvolver e garantir o respeito à diversidade.
Introdução
termo utilizado para expressar que existe uma norma social que está relacionada ao
comportamento heterossexual como padrão. Dessa forma, a idéia de que apenas o
padrão de conduta heterossexual é válido socialmente, colocando em desvantagem
os sujeitos que possuem uma orientação sexual diferente da heterossexual
.(PARANÁ, 2010, p.8)
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
“Ler a realidade” implicaria saber confrontar-se com ela, mas parece claro que a
escola não sabe fazer isso. Ao contrário, ela reproduz a realidade, como sempre
constou da tradicional sociologia da educação de pendor althusseriano
(BOURDIEU & PASSERON, 1975), na qual escola é vista como aparelho
ideológico do Estado, a serviço dos donos dos meios de produção. (DEMO, 2018,
p.52).
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
A escola é um lugar propício para que ocorra essa segregação, pois segundo Foucault
(1996) o sistema educativo é uma maneira política de se manter e se apropriar dos
discursos, assim como dos saberes e poderes decorrentes desse, mantendo assim um
tipo de subjetividade dominante pautada no binarismo de gênero e suas
correspondentes expectativas, assim como a heterossexualidade. Para o autor
(FOUCAULT, 1996), o sistema educativo se dá através da qualificação e fixação dos
papéis daqueles sujeitos que lá falam.(BICALHO;ACETTA, 2014, p.5)
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
[...] termo utilizado para expressar que existe uma norma social que está relacionada
ao comportamento heterossexual como padrão. Dessa forma, a idéia de que apenas
o padrão de conduta heterossexual é válido socialmente, colocando em desvantagem
os sujeitos que possuem uma orientação sexual diferente da heterossexual
(PARANÁ, 2010, p.8).
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
e dos homossexuais, considerada pecado pela pastoral cristã [...]” (DANTAS, 2010,
p.716).
Não obstante, surge entre o séc. XVIII e XIX o interesse de pesquisadores em
desenvolver um saber sobre a sexualidade que envolve o corpo. De acordo com
Foucault (1976), em seu livro História da Sexualidade I, tal interesse surge a partir da
vontade das famílias burguesas em vigiar as práticas sexuais de seus filhos.
Deste modo, em vez de manter o cunho privado das práticas sexuais, o cenário
muda:
Temos que admitir que o poder produz saber [...] que poder e saber estão
diretamente implicados; que não há relação de poder sem a constituição correlata de
um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo
relações de poder [...].
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Percurso metodológico
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formação, 45, também acreditam ser por preconceito, bem como 32 assinalam pauta
moral como hipótese.
Dos 53 voluntários, 92,5% afirmaram desconhecer os cadernos sobre
diversidade sexual nas escolas e gênero, disponíveis para qualificação dos profissionais,
de forma online e gratuita e que direcionam atuação.
Na última parte do questionário o participante foi convidado a responder sobre
seu próprio percurso no ensino médio e como o modo com o qual a política de
educação foi desenvolvida e aplicada impactou em sua vida.
Quatro alternativas foram disponibilizadas para retratar a Educação em
sexualidade recebida pelo participante:
1- “Considero que minha educação em sexualidade FOI
SATISFATÓRIA abordando AMPLAMENTE saúde hétero e LGBT+.”
(7,5%).
2- “Considero que minha educação em sexualidade FOI
SATISFATÓRIA, mesmo que abordando exclusivamente saúde
heterossexual.” (13,2%).
3- “Considero que minha educação em sexualidade FOI
INSUFICIENTE mesmo abordando ambos os temas: saúde hetero e
LGBT+” (17%)
4- “Considero que minha educação em sexualidade FOI
INSUFICIENTE ao abordar exclusivamente saúde heterossexual.” (62,3%)
Neste espectro pode-se observar que a grande maioria (79,3%) dos
entrevistados consideram que seu trajeto formativo foi transpassado por lacunas de
discussões e conhecimentos sobre saúde sexual e afetiva. E que a outra parcela que
considera seu trajeto como satisfatório se divide entre aqueles que acessaram
amplamente discussão sobre diversidade e saúde sexual (7,5%) e aqueles que acessaram
conteúdos exclusivamente cis-heteronormativos nas discussões de saúde sexual e
afetiva (13,2%).
Sobre os impactos dos conteúdos estudados na escola, obteve-se da pesquisa
que:
● 7,5% consideram que “IMPACTARAM
NEGATIVAMENTE. A não abordagem de Diversidade Sexual e Afetiva,
além das lacunas teóricas, me trouxe alguma IST, intercorrência ou/e prejuízos
que poderiam ter sido evitados/identificados facilmente a partir do
conhecimento sobre sexualidade-afetividade.”.
● 7,5% acreditam que os conteúdos “IMPACTARAM
POSITIVAMENTE minha vida, saúde e desenvolvimento sexual-afetivo.”.
● 84,9% entendem que “PODERIAM TER SIDO MELHOR
DESENVOLVIDOS. A não abordagem de Diversidade Sexual e Afetiva
deixaram LACUNAS no meu aprendizado, mas aprendi e me preveni
sozinha(o).”.
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Considerações Finais
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de culpa ao sentirem atração ou desejos afetivos fora das relações hetero e dores
subjetivas durante a construção de sua personalidade.
Por fim, pelo presente estudo, ressaltamos a importância do tensionamento em
direção à quebra do paradigma heteronormativo na educação, permitindo, de forma
ampla e democrática, desenvolver nos/nas jovens cidadãos/ãs a noção de respeito e
liberdade ligados à coletividade. Assim, abrir-se-á o ensejo a um desenvolvimento de
consciência corpórea, física, sexual e mental, permeado por limites saudáveis,
reduzindo riscos à sua saúde física, de violências, bem como redução de sofrimentos
psíquicos dos jovens.
Referências
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Resumo: O romance Motta Coqueiro ou A Pena de Morte foi escrito pelo escritor,
farmacêutico, jornalista e ativista político José do Patrocínio, sendo publicado em
folhetim no ano de 1877. Uma das características instigantes próprias do enredo é o
fato de perpassar a ficção e a realidade, pois é baseado em fatos reais, em específico, a
última pena de morte aplicada no Brasil, em 1852. Outro aspecto da obra, que será de
fato aprofundado no presente trabalho, é o conjunto de personagens masculinos com
peculiaridades comportamentais que movimentam a trama. Vemos através de obras da
Literatura Brasileira, como Motta Coqueiro ou A Pena de Morte, um campo fértil para o
desenvolvimento dos estudos de gênero e sexualidade, sendo as masculinidades um
foco relevante para esses estudos, como mais uma forma de refletir e/ou repensar
sobre o sistema hegemônico, graças às representações contidas nas obras literárias.
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Eram eles Manuel João, um mulatinho de vinte e poucos anos, bem apessoado e
falante, - um pernóstico, segundo o Viana da venda; o Sebastião Pereira, robusto rapaz
que morava perto das terras de Coqueiro, e muito conhecido pela perícia em tocar
viola e cantar o desafio; e o Viana da venda já meio maduro - como dizia o André
inspetor, e creio mesmo que ligado por laços matrimoniais. Cada um desses três
indivíduos suspirava muito em segredo por uma das morenas do Chico Benedito - por
pena das pobres raparigas.” (PATROCÍNIO, 1877, p. 25-26)
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Acreditava mesmo que seria uma loucura, ele, pobre feitor de roça, e demais disso
homem de cor, ir afrontar os escrúpulos da família, quando Mariquinhas era tão bonita
que fácil lhe era escolher um marido entre os robustos moços trabalhadores dos
arredores. (PATROCÍNIO, 1877, p. 32)
Contrastado pela suspeita, o feitor via no lhano entregar-se de Mariquinhas, não uma
prova da bondade daquele coração ingênuo, mas a cilada indecorosa da mulher
decaída, que planeja a reabilitação na profusão dos afagos. Os preconceitos haviam-
no por várias vezes esmagado, porque pertencia à raça mista, à raça a que traçam raias
ao coração e aos afetos. Mariquinhas devia partilhar a opinião geral e, portanto, a sua
aquiescência ao amor, que lhe votara, devia ter um móvel ou muito generoso ou
miseravelmente baixo. A primeira ponta do dilema não feria a imaginação tresvairada
de Manuel João; malferia-o, porém, a segunda. - É bonita demais para um homem de
cor, dizia ele, e ficava a cismar. (PATROCÍNIO, 1877, p. 46)
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uma ação impaciente que profana algo ou alguém porque está baseada na ira.
(MUSZKAT, 2018, p. 82)
O trecho acima mostra que a sociedade exige que o homem seja um indivíduo
infalível para encaixar-se na forma exemplar do homem padrão. Muszkat afirma que o
ato de violência praticado pelo homem “se configura como ferramenta de controle e
de sua estabilidade”, sendo assim, a violência é visível nas atitudes dos personagens
ambientados em 1888, assim como na atualidade, logo reforça-se a ideia da importância
dos estudos literários, juntamente com os estudos das masculinidades para verificar e
compreender a sociedade.
[...] voltou então para junto de Mariquinhas e, travando-lhe do punho, disse-lhe com
um acento que a fez tremer: - Uma palavra mais, e eu que te estimo como um doido,
arranco-te a língua como um malvado. Olha que já há noites que eu penso nisto;
enforquem-me depois, mas eu hei de chamar-te minha hoje, já... Uma palavra mais e...
esta casa tem armas e no meu pulso há força. - Para que há de ser mau pra mim;
murmurou Mariquinhas, que esperava abrandá-lo pela humildade. Foi porém um
novo incitamento. De chofre Manuel João apertou sobre os lábios de Mariquinhas a
sua mão vigorosa, enquanto com o braço, que lhe passara à cinta e um esforço brutal,
fazia vergar-lhe o corpo delicado. O candeeiro, talvez pela agitação do ar durante a
luta, deixou de iluminar a sala. (PATROCÍNIO, 1877, p. 95)
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se mude com a sua família, para evitar novos embates, sendo ele um homem íntegro e
pacífico, segundo o narrador.
A família do agregado Francisco Benedito é atacada por um personagem que
aos poucos foi sendo introduzido na narrativa, com breves aparições. O agregado foi
imobilizado pelo personagem misterioso e testemunhou a morte de seus familiares
com crueldade. O personagem é denominado “monstro” pelo narrador pela forma
atroz e fria que procedia dentro da casa do agregado e sua família, os torturando com
o medo e o pavor da desesperança de estarem perdidos nas mãos de um homem
vingativo e sem misericórdia. A causa da vingança não é revelada, e Francisco Benedito
foi imobilizado pela “fera”, podendo apenas “soltar gemidos abafados”.
Uma por uma das filhas pequenas do agregado foram mortas com frieza e
descritas pelo narrador de uma forma impactante até mesmo para os leitores mais frios
e contidos.
A menina de onze anos foi então arrastada pelo monstro, que assentando-se num
mocho obrigou-a a sentar-se nos seus joelhos. A lubricidade veio então misturar-se à
ferocidade. - É realmente bonita, e, pelas dores que tenho sofrido, juro-te, amigo
Francisco, o meu coração está a pedir-me que eu não mate-a. Houve um instante de
silêncio, durante o qual o pudor da menina, quase desfalecida, foi posto a tratos pelo
facínora. - An! seu capitão! que mal lhe fizeram as crianças, tenha dó delas. Este grito
de desespero, proferido por Antonica, deteve em meio uma cena de iniqüidade
indizível. O malvado ergueu-se de súbito e arrastando após si a presa, acocorou-se
junto de Francisco Benedito. - Ouviu o que disse a sua filha, amigo Francisco? Ela
pensa que é o capitão quem se desforra neste momento; e todos, quando encontrarem
esta casa contendo os pedaços da tua raça, hão de pensar também que foi o capitão o
autor desta vingança. E eu viverei tranquilamente; nem ao menos podes levar a
esperança de que eu sofra um pouco, uma hora somente! Quanto é bom ter-se como
tu, amigo Francisco, inimigos a cada canto! Os que são mais ofendidos podem castigar
sem temor. Há quem sofra por eles. A faca do assassino sumiu-se na região torácica
da indefesa menina, e duas vezes mais cravou se-lhe no seio. Quando a vítima não
dava mais sinais de vida, o monstro passou pelos beiços a lâmina ensangüentada e
disse demoradamente: - Oh! como é tão doce e cheiroso o sangue dos teus. Devias
amar muito a tua mulher, amigo Francisco, para que tivesses filhas tão bonitas. Faltam-
me ainda duas e é preciso que eu dê conta da tarefa antes que o dia clareie.
(PATROCÍNIO,1877, p.204)
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Conclusão
Referências
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Introdução
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têm em suas constituições menções de igualdade de gênero (ONU 2015), sendo este o
requisito mais básico de qualquer Estado moderno. Nem estamos falando sobre os
regimes abertamente discriminatórios, como é o caso de países como Arábia Saudita,
Irã, Bangladesh, entre outros. Um ponto ressaltado no relatório é que, quando
analisamos as questões relacionadas ao direito da família, vemos que os dados são ainda
mais desiguais, e, em alguns casos, mais restritivos. Nestes exemplos, o Estado é
destacado como um ator fundamental para a alteração destas condições e a religião,
quando atrelada ao Estado, tende a ser um componente que dificulta os avanços
(ONU, 2015).
Neste contexto, avaliando especificamente o caso brasileiro, que elegeu em
2018 um presidente com traços que lembram de maneira clara os casos mundiais que
representam uma invisibilidade - para usar aqui um eufemismo - da agenda das
mulheres e da igualdade de gênero (Trump, Orbán, Andrzej Duda, Erdoğan). Nestes
três anos de mandato, é possível avaliar a posição do governo em relação às políticas
para a mulheres que foram implementadas até agora e o que se pode se esperar do
próximo ano, lembrando que, de um presidente que foi mundialmente conhecido por
sua misoginia , não é possível esperar um horizonte alvissareiro.
O governo Bolsonaro pode ser qualificado como neoliberal na economia e
conservador em relação aos costumes. O objetivo deste artigo é comprovar através de
um estudo de caso como estas duas racionalidades que não são, de acordo com as suas
bases ideológicas, compatíveis (BROWN, 2006), acabam se unindo em “matrimônio”
no governo Bolsonaro sob a "bênção" de um verniz religioso.
O estudo de caso selecionado é a campanha publicitária com o objetivo de
conscientizar as mulheres sobre a gravidez precoce, empreendida pelo ministério da
saúde, em ação conjunta com o ministério da mulher, família e direitos humanos, que
coloca a questão da abstinência sexual como um método contraceptivo. A ação em si
denota um claro viés religioso em uma campanha, que deveria, de acordo com os
próprios manuais da ONU e dos ministérios da saúde, focar em ações de educação
sexual e métodos contraceptivos efetivos.
Para elucidar as questões relacionadas à campanha e políticas públicas
relacionadas à gravidez precoce, dividi este artigo em duas partes, na primeira parte
quero pormenorizar questões relacionadas ao governo Bolsonaro e temas relacionados
a igualdade de gênero, direitos sexuais e reprodutivos e as metas da agenda 2030 que
são basilares para os governo signatários, como é o caso do Brasil. Na segunda parte
entramos especificamente no estudo de caso no qual farei alusões à campanha e às
diretrizes neoliberais.
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Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
O título deste apartado soa quase como um oxímoro para qualquer observador
atento à cena brasileira. O próprio deputado Jair Bolsonaro fora sempre famoso pelas
frases misóginas, não seria diferente como presidente. Em uma breve análise sobre o
seu plano de governo, vemos que há apenas uma menção à palavra mulher e ainda está
no capítulo da segurança pública (PLANO, 2018), em relação a penas mais severas
para estupro e possibilidade das mulheres se defenderem. Nenhuma política pública
específica para as mulheres foi mencionada neste documento.
Ao tomar posse, em sua reforma ministerial, o presidente alterou o nome do
ministério das mulheres, da igualdade racial e dos direitos humanos, para ministério da
família da mulher e dos direitos humanos. Importante frisar a colocação da palavra
“família”. pois isso irá remeter a um aspecto conservador e religioso como veremos a
continuação.
Como ministra ele escolheu uma pastora conservadora com uma entrada muito
forte nas igrejas evangélicas, Damares Regina Alves, e que pelas suas falas polêmicas
logo foi alçada à segunda ministra mais bem avaliada de seu governo (O GLOBO,
2019), perdendo apenas para o midiático Sergio Moro. A ministra, sempre que tem
oportunidade, faz menção à questão da família como um norte de suas ações e,
principalmente para as políticas públicas: “Ainda tem gente que não entende o objetivo
do nosso ministério. A gente vem para trazer a família para o centro de todas as
políticas públicas, fortalecendo vínculos” .
Entre as ações destacadas em prol da mulher, o próprio site da Casa Civil
destaca que o governo Bolsonaro já sancionou quatorze novas leis para ampliação da
proteção da mulher. Entre as leis aprovadas, está a instituição da semana nacional de
prevenção à gravidez na adolescência, que está em sintonia com a meta 3.7 da agenda
2030 (BIDEGAIN PONTE, 2017) e reforça a questão de que o Brasil tem números
altos em relação a este tema e ações efetivas devem ser tomadas.
E é justamente na prevenção da gravidez na adolescência que vemos uma ação
da ministra Damares, que simboliza muito bem as dificuldades mencionadas no
relatório da ONU em se ampliar os direitos das mulheres quando questões religiosas
influenciam as políticas públicas.
Isso fica bastante claro com a tentativa em 2018 da Ministra fazer uma
campanha de prevenção à gravidez precoce, com o mote da abstinência sexual, no
melhor estilo das campanhas feitas por igrejas no Brasil e em outros países do mundo,
sendo a mais notória “eu resolvi esperar” . A campanha atribui um claro componente
conservador e religioso para um problema que, segundo relatórios de especialistas
(ONU, 2013), demandam, além de conscientização, educação sexual e conhecimento
do próprio corpo, métodos contraceptivos efetivos e não uma abstinência sexual que
se confunde com crença de um restrito grupo da população.
Para analisarmos esta iniciativa do Ministério da mulher, da família e dos
direitos humanos, é preciso antes fazer um breve apartado sobre metodologias de
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Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
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Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
aumenta os aspectos punitivos e fecha ainda mais o leque das possibilidades legais e
previstas na constituição, onde o aborto é legal (NIELSSON, 2020).
Não é o objetivo deste artigo tratar a questão do aborto em si, mas ele é
importante de ser mencionado, pois elucida aspectos do controle do próprio corpo. O
caso da gravidez na adolescência inclui um certo paradigma em relação a esse tema que
é caro aos conservadores e principalmente sob matizes religiosos e, no entanto, está
presente na legislação e em relatórios internacionais como destaque importante, tanto
no controle do próprio corpo pela mulher, como em iniciativas para estimular a
educação sexual.
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da transformação social, muito bem elucidado por um dos motes de campanha “mais
Brasil e menos Brasília”. e o aspecto religioso, também central em sua campanha e
presente no slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. Esta direção fica
clara quando elucidamos a posição do governo em relação às metas da agenda 2030,
do qual o Brasil é um signatário e deveria seguir à risca as diretrizes.
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as percepções desta “nova razão” neoliberal que tem o poder de fazer com que os
indivíduos, mais do que nunca, pensem a si próprios como um reflexo do mercado,
ou seja, pensem a si próprios como uma empresa (DARDOT, LAVAL, 2016;
BROWN 2019).
A publicidade, ao incluir um componente moral junto a uma política pública,
carrega consigo um componente neoliberal relacionado à escolha individual, que isenta
o Estado de sua responsabilidade, transferindo a culpa de uma eventual gravidez à
própria mulher, acabando por despolitizar um problema social. A racionalidade
neoliberal, derivada dos preceitos neoclássicos, se molda a partir da ideia de que os
indivíduos devem ser autossuficientes e donos do próprio destino (PRADO, 2014).
Desse modo, cada indivíduo é livre para fazer as próprias escolhas, em relação às quais,
ao final, é o único culpado pelos resultados.
Vemos então a ideia implícita na publicidade de um Estado que busca se eximir
de suas responsabilidades diretas. Quando na realidade, de acordo com os relatórios
internacionais (ONU, 2015; ONU, 2013), ele deve se posicionar justamente na posição
contrária, como um ator primordial com foco, principalmente na questão da
informação associada à educação sexual que “são um dilema na saúde pública, de
fundamental diálogo e de políticas públicas eficazes” (ROSANELI, COSTA, SUTILE,
2020, p.2). O aspecto educacional deveria ser um norte fundamental para a tomada de
decisões, no entanto, não parece ser o foco do Ministério.
O foco na educação e conscientização vai além do simples aspecto pedagógico,
ele vem junto de um componente de empoderamento, no sentido de que a mulher
tendo mais controle e conhecimento sobre o próprio corpo pode ser mais livre,
independente e, por que não, sexualmente ativa. Este seria um dos motivos de uma
certa aversão dos conversadores em relação ao debate sobre a sexualidade da mulher,
que vem desde a época vitoriana tendo sua própria sexualidade reprimida e, pior ainda,
tratada como um aspecto pejorativo estigmatizante.
Vale salientar que existe uma associação direta entre gravidez não planejada em
adolescentes e a questão da baixa escolaridade (PRIETSCH, 2011) e o Brasil é um dos
países com maior média de gravidez precoce, com uma taxa de 68,4 adolescentes
grávidas para cada mil meninas de 15 a 19 anos (RIBEIRO, 2018). Esse número é bem
maior que a média mundial de 46 (MONTENEGRO, 2019). A falta de conhecimento
é um fator chave que impacta nesses números e é nesse vértice que há de se incluir
políticas públicas eficazes e, é claro, associada a métodos contraceptivos comprovados.
O alvo da Ministra não foi somente o Estado, como responsável pelas políticas
públicas, mas também a própria ideia de sociedade, pois o social é “o local em que
somos mais do que indivíduos ou famílias, mais do que produtores, consumidores ou
investidores econômicos e mais do que meros membros da nação” (BROWN, 2019,
p.39).
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Considerações finais
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Referências
HARVEY, David. A condição pós-moderna. 17. Ed. São Paulo: Loyola, 1992.
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LASWELL, Laswell, H.D. Politics: Who Gets What, When, How. Cleveland,
Meridian Books. 1936/1958.
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Resumo: O racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como
fundamento, se manifestando através de práticas conscientes ou inconscientes.
Semelhantemente, compreendemos que o racismo discursivo transcende a questão
moral e subjetiva do indivíduo, mas emerge das relações interdiscursivas, dependentes
das formações discursiva (FDs) e da formação ideológica (FI)), dependentes do
trabalho da Memória. Por intermédio dos estudos da Análise do Discurso francesa
(AD), o presente estudo observou os aspectos da heterogeneidade enunciativa do
discurso racista, para isto, o corpus de pesquisa foi composto por pichações presentes
em universidades públicas e encontradas em banheiros entre os anos de 2016 e 2018.
O período de intenso debate político que precedeu as eleições presidenciais e a
intensificação da polarização direita/esquerda deram vazão para discursos mais
extremistas. A metodologia de pesquisa consistiu no levantamento bibliográfico e no
método qualitativo-interpretativista para as análises. Identificou-se nos escritos
aspectos relacionados às ideologias políticas alusão a movimentos históricos de
extermínio, incitações sexistas e homofóbicas. As pichações em banheiros são vias de
acesso aos padrões de intimidade dos indivíduos. O discurso que tem por alvo os
grupos minoritários encontra espaço nesses ambientes, onde os sujeitos, através do
anonimato, se expressam livre do que é considerado “politicamente correto”.
Introdução
rosemeri@uel.br.
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uma pesquisa realizada pelo site Poder Data3 em novembro de 2020 aponta que 81% da
população considera que o Brasil é um país racista, todavia, por outro lado, apenas
34% admitem que têm preconceito contra negros. Com isso, pode-se identificar que
discutir o racismo no Brasil ainda é considerado um tabu. E, devido ao caráter velado
do racismo no Brasil, a busca de uma manifestação racista mais evidente motivou a
escolha do corpus desta pesquisa: as pichações em banheiros. Local onde, protegidos
pelo sigilo do anonimato, os indivíduos sentem-se livres na expressão do seu dizer.
Além disso, vale ressaltar que o racismo não se constitui um problema meramente
ligado à moral do indivíduo, mas se estabelece de uma forma estrutural, dando sentido
à reprodução de violência e de desigualdades. Segundo o pesquisador Silvio Almeida,
autor do livro Racismo estrutural, “O racismo é parte da estrutura social e, por isso, não
necessita de intenção para se manifestar [...]” (ALMEIDA, 2019 p.52).
Por conseguinte, os discursos racistas não se concebem apenas em dizeres
isolados em determinados contextos, mas carregam uma ideologia que os estruturam.
Nessa ótica, a Análise do discurso (doravante AD) contempla entendimentos
fundamentais para compreender esses discursos que nos rodeiam e como eles se
constroem. Compreendemos que as palavras mudam de sentido de acordo com a
posição ideológica de quem as emprega e, portanto, não existe uma neutralidade, pois
por trás de qualquer palavra que se escolha há um posicionamento ideológico. Logo,
o presente estudo busca compreender o racismo enquanto um fenômeno linguístico-
discursivo, e, orientados por essa teoria, contém um método de abordagem qualitativo-
interpretativista, isto é, elabora-se um dispositivo analítico, levando sempre em conta
os objetivos propostos. Além disso, seguindo os princípios da AD, tendo o discurso
sua base na materialidade histórica, a natureza da pesquisa será bibliográfica, visto que
não há como se compreender os fatos do passado sem que haja um levantamento de
dados bibliográficos.
No que concerne ao ambiente universitário, essa forma de manifestação
subversiva da linguagem possibilita o acesso a pensamentos de notório preconceito,
contrastante aos padrões morais aceitáveis de nossa época. Por intermédio das
pichações, é exequível a constatação de dizeres que não poderiam ser observados em
outros espaços, sobretudo, no espaço dos debates acadêmicos. Sendo assim, as
análises foram feitas por meio desses escritos. Realizados em um recorte temporal
entre os anos de 2016 e 2018 e extraídas de reportagens de diferentes jornais
eletrônicos que apuraram estes manifestos em regiões do Brasil. É importante lembrar
que no ano de 2018 ocorreram eleições presidenciais e a intensificação da polarização
entre direita e esquerda contribuiu significativamente para o surgimento de discursos
mais extremistas. Assim, considerando que os discursos são as principais ferramentas
para se compreender os processos ideológicos que levam o indivíduo à construção do
seu dizer, acredita-se que as especificidades oriundas dos estudos discursivos podem
3 Pesquisa realizada pelo site Poder Data em novembro de 2020. Disponível no site:
https://www.poder360.com.br/poderdata/81-veem-racismo-no-brasil-mas-so-34-admitem-preconceito-
contra-negros/. Acesso em 22 de abril de 2021.
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ganha significação, mas também o que não é dito. Isso porque só uma parte do que
dizemos é acessível ao sujeito. Por trás do que é dito (ou não dito) emerge uma relação
interdiscursiva feita de enunciados anteriormente produzidos e esquecidos que assim
o determinam. Para Orlandi (1999):
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estáveis. Além disso, compreendemos por formação discursiva aquilo que afirma o
que se pode dizer dentro de uma formação ideológica dada e é definida através dos
interdiscursos que lhe dão possibilidade de existência. Nessa articulação, são
perceptíveis os conceitos de FI e FDs em operação conjunta. Para Brandão (1997), o
processo das FDs envolve um funcionamento parafrástico, isto é, lugar de
reformulação e retomada de enunciados. Compreende-se, portanto, que as FDs
envolvem um pré-construído, possibilitando que o sujeito conheça as evidências e os
objetos de seus discursos, em outras palavras, é um espaço de representação da
realidade que é assimilado pelo enunciador em seu processo de assujeitamento
ideológico. Na definição de Brandão (1997), uma FD é compreendida enquanto um:
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imagens que se distanciam desse ideal e são, portanto, excluídas do círculo social.
Como podemos ver nesse outro enunciado abaixo:
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Nessa transgressão articula-se o discurso com o seu avesso, o seu reverso na medida
em que “se tenta fazer aparecer ao sujeito, em sua fala, o que se diz, à sua revelia, à
revelia de seu desejo”. O discurso não se reduz, portanto, a um dizer explícito, pois
ele é permanentemente atravessado pelo seu avesso. (BRANDÃO: 1996, p. 54).
A identidade é marcada pela diferença, mas parece que algumas diferenças – neste
caso entre grupos étnicos – são vistas como mais importantes que outras,
especialmente em lugares particulares e em momentos particulares. (SILVA; HALL;
WOODWARD, 2012, p. 11).
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Considerações
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Referências
ALMEIDA, S. L. de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
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Introdução
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Embora não seja possível captar a real intenção de quem fez o registro, seja
para denúncia ou mera gravação do acontecimento, o arranjo das imagens que formam
o vídeo não é supérfluo, ingênuo ou neutros, nem mesmo a posição de quem estava
produzindo as imagens com o celular nas mãos, carregada de consentimentos.
Longe de negar as alegações dos movimentos sociais de que houve omissão e
transfobia4 por parte das guardas municipais e dos Estados brasileiros, aproximamos
para oferecer suporte científico para utopias de transformação social que extrapolam
a esfera da justiça criminal. A ANTRA, rede de organização política e social de travestis
e pessoas trans, quando foi notificada sobre o caso, exigiu uma resposta imediata dos
aparelhos de segurança pública do município de Teresina, capital do Piauí, para
identificar e punir os envolvidos, inclusive, a travesti suspeita de furto, em nota declara
que:
4 Optamos pela utilização do termo transfobia por se tratar de categoria amplamente utilizada
pelas travestis e pessoas trans participantes de movimentos sociais e por ser o mais usado pelo
movimento LGBTI+ no Brasil e no mundo para caracterizar o ódio e a aversão dirigidos a
travestis e transexuais. Mas, gostaríamos de mencionar que a adoção do sufixo "fobia" para
caracterizar qualquer modalidade de preconceito e discriminação sexual e de gênero parece-
nos limitada, já que reforça um discurso biológico e patologizante, quando se sabe que os
fundamentos das disputas de poder entre grupos diversos, inclusive sexuais, são claramente de
ordem social, política, cultural e econômica.
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Para melhor observarmos essa relação, dividimos o nosso texto em três partes:
na primeira, recuperamos a síntese antipunitivista de Maria Lucia Karam (1996), a fim
de refletir sobre o papel da justiça criminal em nossa sociedade e os equívocos de sua
utilização na resolução de problemas sociais; na segunda parte, nos debruçamos sobre
o dossiê produzido pela ANTRA e analisamos seu conteúdo de modo a apontar o
fluxo de reações punitivistas ali presentes e enquadrar sua postura na expressão
cunhada por Karam de esquerda punitiva; na terceira parte, utilizamos os dados
fornecidos pela ANTRA para uma análise interseccional, afastando-se de tendências que
promovem a utilização do cárcere como saída, ilustrando as limitações de leis punitivas
sobre a realidade de travestis negras; encaminhando-se para as considerações finais.
“Esquerda punitiva” é uma expressão cunhada por Maria Lucia Karam (1996)
para referir-se a setores da sociedade brasileira que reivindicam ideias progressistas e
igualitárias, mas, e, ao mesmo tempo, se interessam pela extensão da reação penal sobre
condutas tradicionalmente imunes de intervenção dos aparelhos da justiça criminal.
Apesar de parecer uma postura razoável, à luz da análise sociológica ela não é
coerente e não promove avanços na resolução dos problemas sociais. Pois, o papel do
sistema penal não é outro senão ser um dos principais instrumentos de manutenção e
reprodução da dominação e da exclusão, características da formação social capitalista
(KARAM, 1996, p. 79).
Além disso, em um passado não muito distante, nosso Brasil gestou uma
história intima com a escravização de índios, africanos e descendentes, fazemos parte
do último país das Américas a abolir a escravidão, sem discutir os efeitos do
escravismo, este que se enraizou em nosso país de tal forma que costumes, hábitos e
palavras foram por ele marcados, inclusive, o sistema judiciário (SCHWARCZ, 2019,
p. 27).
Tratou-se de um costume escravista o hábito de cercear a liberdade da
população negra a partir da senzala e de castigos físicos, acima de tudo, no uso das
prisões utilizadas a partir das ações legitimadas pelo judiciário, que, tributado por
proprietários rurais, favoreciam as camadas senhoriais e assim classificavam os
escravizados como culposos permanentes em qualquer circunstância (COSTA, 2010,
p.342).
No Brasil, quase dois terços da população carcerária é afrodescendente,
pesquisas relacionadas ao tema, publicadas em sites, revistas, jornais on-line, como a
seguinte, do portal R7 Notícias5, apontam que o rigor da Justiça Criminal com os
negros é maior em relação aos brancos, enquanto para o primeiro caso a medida
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tomada é a prisão, o segundo tem mais acesso a penas alternativas, da população total,
812 mil presos, 64% são afrodescendentes, pobres e periféricos (DALAPOLA, 2017).
De todo modo, o interesse da ‘esquerda’ pela repressão à criminalidade,
utilizando os mesmos aparatos que serviram para reprimir os grupos que dizem
representar, se expandiu e se expande através da atuação de movimentos populares,
como a atuação de uma parcela do movimento feminista na busca de punições
exemplares para autores de atos violentos contra mulheres e seu encontro com a Lei
Maria da Penha.
Contudo, a recente produção literária e acadêmica já assinalou as limitações
práticas do que fora aclamado de conquista das mulheres no campo judiciário. Juliana
Borges (2019) e Carla Akotirene (2019) contribuíram através da crítica sociológica para
desnaturalizar e refletir sobre os reais efeitos do cárcere e da justiça perante os casos
de feminicídio no Brasil.
Ambas alinhadas pelo conceito de interseccionalidade, elaborado por Kimberlé
Crenshaw (2002), as autoras foram capazes de demonstrar que quando a violência de
gênero era atravessada de forma simultânea pelo marcador de raça, mulheres negras,
pobres e periféricas não eram contempladas pela lei implementada. O que
supostamente seria resolvido pelo Estado através do encarceramento – como a
“esquerda punitiva” propunha:
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Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
Após a decisão do STF sobre a retificação registral das pessoas trans, nos chama
atenção a falta de marcadores de orientação sexual e/ou identidade de gênero nos
formulários de atendimento, ou seu correto preenchimento, especialmente nas
delegacias, hospitais e órgãos de atendimento às vítimas de violência. As pessoas que
tiveram seus nomes retificados serão lidas pelo Estado como sendo pessoas cisgêneras,
o que contribui ainda mais para o aumento da subnotificação dos casos e dificulta a
busca de informações, motivações relacionadas e outros padrões encontrados nos
assassinatos de pessoas trans. (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021, p.53)
Segundo Lilia Schwarcz (2019, p.199), não mensurar ou não divulgar dados
sobre a realidade de determinadas populações é uma forma de entrelaçar duas posturas:
a de desconhecer e desdenhar. Neste sentido, se nas modernas sociedades
democráticas o policiamento das manifestações e da qualidade de vida é uma das
tarefas das mais importantes e que revela muito sobre a qualidade da democracia e da
cidadania experimentada pelos setores da sociedade, a ausência de discussões e
policiamentos das condições de vida das travestis e pessoas trans também podem
revelar muito sobre a qualidade da democracia brasileira.
Logo, a ausência de dados governamentais expressivos sobre a situação das
travestis e pessoas trans no Brasil, bem como, a subnotificação de suas respectivas
existências em casos de violência e assassinatos, demonstram a precariedade da
democracia experimentada por essa parcela da população LGBTI+. Já a presença dos
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7 O objeto de investigação da ANTRA nos dossiês são casos de violência e assassinatos contra
travestis e pessoas transexuais no Brasil. A metodologia utilizada para o levantamento é a
mesma utilizada pela Transgender Europe – TGEU, isto é, a pesquisa quantitativa, construída
a partir de dados coletados via sites jornalísticos e outros canais de comunicação como
WhatsApp, Facebook, Instagram e e-mails. A entidade reconhece a subnotificação dos casos,
o que significa dizer que os dados produzidos não conseguem refletir a realidade concreta
desses números no país.
8 Consultora de diversidade da ANTRA.
9 E não é apenas sobre responsabilização, mas o quanto estamos dispostas enquanto pessoas
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Assim, ignoram o fato de que nenhuma reação punitiva, por mais correta ou
sistemática que seja, pode dar fim à impunidade ou à criminalidade de qualquer
natureza, afinal, este não é seu objetivo. A imposição da pena, resume a manifestação
de poder que é destinada a manter e reproduzir os valores e interesses dominantes de
determinada sociedade. Para isso, “[...] não é necessário nem funcional acabar com a
criminalidade de qualquer natureza e, muito menos, fazer recair a punição sobre todos
os autores de crimes o que resultaria no esperado levantamento de dados.” (KARAM,
1996, p. 82).
Distantes do pensamento feminista negro, a ANTRA percebe de forma
superficial a concentração da atuação do sistema penal sobre os membros das classes
subalternizadas, sobre as mulheres negras e descendentes de escravizados, apesar da
extensa bibliografia disponível em relação ao encarceramento em massa da população
jovem e afrodescendente.
Loic Wacquant (2008) define que a penalização como uma das formas do
neoliberalismo de lidar com problemas sociais; ao passo que legislações de trabalho e
proteção social são enfraquecidas e o investimento no sistema penal aumenta, deixa-
se para trás propostas de um Estado de bem estar social para um Estado penal.
Enfim, ao promover a distorção do papel do Poder Judiciário, articulando a
imagem de um bom magistrado burocrata, ao invés de um aparelho de manutenção e
reprodução da dominação e da exclusão, a ANTRA encontra-se incapaz de ver os
acontecimentos presentes, bem como de lembrar-se das lições da história - como a
‘operação tarântula’10.
Em relação ao histórico de violações por parte de agentes e trabalhadores da
segurança pública, seja no atendimento ou abordagem de travestis e pessoas
transexuais, seja no não reconhecimento das diversas formas de violência que enfrenta,
a entidade sugere:
10Operação policial que teve início em 27 de fevereiro de 1987 na cidade de São Paulo. Seu
objetivo era reprimir e encarcerar travestis e trabalhadoras sexuais que transitassem em público
pelas ruas da capital sob alegações de crime por promover o contágio venéreo.
(CAVALCANTI; BARBOSA; BICALHO, 2018, p.180).
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punitiva, termo que serve para diagnosticar o abandono dos ideais de transformação
social para a conformação da realidade, utilizando o sistema penal como recurso para
a resolução dos problemas sociais e na manutenção da ordem e do status quo.
A "descoberta" da ANTRA do sistema penal acontece em um tempo de
sentimentos de insegurança e medo coletivo, provocados pelo processo de isolamento
social e de ausência de convívio coletivo, assim, alia-se à decepção enfraquecedora das
utopias e contribui ao conservadorismo presente em nossa sociedade, que não abre
mão de um presente marcado por assassinatos diários de travestis e transexuais.
Segundo o dossiê, o Brasil lidera o ranking de países que mais matam travestis
e pessoas trans no mundo, 98% das vítimas de assassinatos globais são pessoas que
vivenciam o gênero feminino e oriundas das classes populares (BENEVIDES;
NOGUEIRA, 2021, p.15), realidade que necessita ser transformada, mas isso não
ocorrerá caso a saída seja, justamente, o que sustenta o poder, afinal:
[...] sob o capitalismo, a seleção de que são objeto os autores de condutas conflituosas
ou socialmente negativas, definidas como crimes (para que, sendo presos, processados
ou condenados, desempenhem o papel de criminosos), naturalmente, terá que
obedecer à regra básica de uma tal formação social — a desigualdade na distribuição
de bens. Tratando-se de um atributo negativo, o status de criminoso necessariamente
deve recair de forma preferencial sobre os membros das classes subalternizadas, da
mesma forma que os bens e atributos positivos são preferencialmente distribuídos
entre os membros das classes dominantes (KARAM, 1996, p.81).
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Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
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Considerações Finais
Assim, se for para riscar a “navalha” no chão e seguir adiante, sem olhar para
trás, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais deve recordar-se de
acontecimentos históricos como a “Operação Tarântula”, que perseguiu, prendeu,
torturou e assassinou travestis e transexuais há apenas 34 anos, sob o aval da justiça
criminal. Inclusive, perceber que a pena, em essência, pura e simples manifestação de
poder — e, no que nos diz respeito, poder de classe do Estado capitalista — é
necessária e prioritariamente dirigida aos excluídos, aos desprovidos deste poder,
demonstrando que o aparato da justiça criminal sob o sistema capitalista não é
armadura, mas arma contra as próprias travestis que recorrem ao mesmo solicitando
defesa.
Então, além da necessidade de um diálogo entre as teorias do abolicionismo
penal e da teoria crítica de raça, parece-nos que uma das alternativas que poderiam ser
seguidas pelo ativismo trans é a sugestão de Boaventura de Sousa Santos (2002), a fim
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Eixo 11
Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
Referências
AÇO, Diário do. Travesti agride homem e leva R$50,00. 2020. Disponível em:
https://www.diariodoaco.com.br/noticia/0077652-travesti-agride-homem-e-leva-r-
50. Acesso em: 28 jul. 2021.
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. 5ª. ed. São Paulo: Editora da
Unesp, 2010.
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Gênero, sexualidade e relações étnico-raciais
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma Sociologia das ausências e uma Sociologia
das emergências. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 63, p. 237- 280. 2002
WACQUANT, Loïc. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo, 2008. 156 p.
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Pandemia e Ciências Humanas e Letras
Palavras-chave: COVID 19. Drama social. Victor Turner. Processo ritual. Brasil
Introdução
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Eixo 12
Pandemia e Ciências Humanas e Letras
longo do texto consiga traçar paralelos entre a realidade experimentada por nós
enquanto brasileiros vivenciando uma pandemia e as discussões realizadas por autores
como Roberto da Matta, Victor Turner e Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti
pensando lógicas rituais, e conceitos como o de drama social. Após estas discussões,
tentarei apontar possíveis caminhos para as discussões apresentadas, levando em conta
os conceitos articulados e a realidade que estamos enfrentando enquanto nação no
contexto da pandemia.
1. Desenvolvimento
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Eixo 12
Pandemia e Ciências Humanas e Letras
Figura 1: Fotografia tirada por Isaac Fontana, no Terminal Rodoviário de Londrina Milton
Gavetti, no dia 15 de março de 2021.
Fonte: https://www.instagram.com/p/CMc_tFajey9/
Como fica claro na imagem acima, muitas pessoas estão precisando sair de casa
durante a pandemia e não somente, estão precisando se expor ao vírus em um
ambiente onde a aglomeração é inevitável: o transporte público. Consigo associar isso
a muitos fatores, um deles sendo a não continuidade de um auxílio emergencial digno
no Brasil. Com o fim do auxílio emergencial ofertado inicialmente pelo Governo
Federal no início da pandemia, muitas pessoas que já estavam em situações mais
vulneráveis; justamente o público-alvo do auxílio, precisaram sair de suas casas para
“enfrentarem” o vírus. Ao longo do texto, falarei também de outras táticas utilizadas
pelo Governo Federal para que esta vulnerabilidade social do povo brasileiro ficasse
ainda mais escancarada conforme a pandemia foi avançando. Por hora, voltamos ao
“drama social”.
Após este momento de crise inicial, segundo a autora, temos a ampliação da
crise. Neste momento, os atores atingidos buscam acionar suas redes de apoio para lidarem com
o momento conturbado do qual estão passando. Para ilustrar este momento retorno a março
de 2020, como havia feito no início do texto. Com a Universidade temporariamente
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Eixo 12
Pandemia e Ciências Humanas e Letras
fechada, o terreiro do qual fazia parte também, percebi que o momento vivido por nós
não passaria tão logo. Me lembro de uma conversa que tive na época com meu
companheiro, que recém havia conhecido, sobre como achava que o isolamento social
não seria algo tão passageiro assim. Levando em consideração as orientações dos
órgãos de saúde responsáveis, as notícias que acompanhamos incessantemente e o
pavor que estávamos diante de algo completamente desconhecido, eu e meu
companheiro tomamos a decisão de que, pelo menos provisoriamente, ele iria sair da
república que dividia com mais duas pessoas e iria vir morar comigo. Veja, fizemos um
cálculo de risco. Estávamos assustados. Meus pais moram em uma cidade distante de
Londrina, a meu ver então não fazia sentido para mim “cumprir isolamento” com eles.
Neste período ainda não tínhamos sequer orientações sobre como o coronavírus era
transmitido, tínhamos medo até de ir ao mercado fazermos compras. No momento de
ampliação da crise, nada faz mais sentido do que estar próximo aos seus, ou pelo
menos, o quão próximo uma pandemia permite que estejamos. E isto, por conta da
forma como o vírus é transmitido, foi nos tirado, de certa forma. Quantas histórias
não ouvi de amigos, de conhecidos, que estavam com medo de contaminar parentes?
Em meados de março e abril, muito ainda falávamos em “grupos de risco” em contrair
COVID. Tentávamos preservar pessoas mais velhas. Acho que, mesmo neste
momento no qual ver qualquer pessoa é arriscado, consigo perceber vislumbres de
como o brasileiro tem em si um quê de alguém solícito, que carrega uma lógica familiar
mais “alargada”. Lembro-me que ouvi do antigo síndico de um prédio onde morei
pelos meus primeiros anos em Londrina que ele não ia mais ao mercado com medo de
se contaminar. Outras pessoas estavam fazendo suas compras para ele. Neste exemplo,
fica claro como algumas redes de apoio foram construídas no início da pandemia para
que todos tentássemos ficar bem juntos, ou pelo menos, vivos.
O terceiro momento relatado pela autora seria, então, a regeneração. Nela,
alguns dos sujeitos envolvidos se mobilizam em prol de soluções e esforços de conciliação que implicam
sempre a realização de ações rituais e amplos rituais coletivos. Posso colocar este momento do
drama social no contexto da pandemia, por exemplo, nos esforços que as áreas médicas
e da saúde embargaram para procurarem tratamentos e medidas de contenção da
doença que fossem efetivas. Também cabe aqui falarmos dos esforços individuais que
devemos empregar durante a pandemia para o bem-estar coletivo, como por exemplo,
a utilização de máscaras e álcool em gel para higienização, ou também, o isolamento
social voluntário por aqueles que conseguem fazê-lo. Outro pacto social que, ao longo
do tempo, foi se solidificando foram as campanhas de vacinação contra COVID-19,
que iniciaram no Brasil no início de 2021.
A meu ver, aqui começam a surgir algumas problemáticas nesse entrelace que
me propus a fazer. Primeiro, pois, sabemos que conforme março de 2020 ficou no
passado, e hoje rumamos para um ano e meio de pandemia, não conseguimos manter
grandes esforços em prol da não propagação do vírus no Brasil. Aqui, cabem alguns
parêntesis: a pandemia não foi levada a sério como deveria ter sido pelos nossos
governantes. Conforme os meses foram se passando, era percebido por todos que
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estavam atentos que cada vez mais pessoas estavam precisando sair do isolamento
social voluntário para trabalhar, consumir, ir à academia, confraternizar com os seus.
O esforço individual passou a não compensar mais, de certa forma. Cabe aqui
resgatarmos o exemplo do ônibus lotado trazido no início do texto, complementando-
o com outro: uma campanha, que hoje posso colocar como criminosa, promovida em
vídeo pelo próprio Governo Federal em 27 de março intitulada “O Brasil Não Pode
Parar”.
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2. Considerações Finais
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Então, nesse sentido, a gente precisaria, a minha sugestão é essa, até enviei uma
mensagem ao Executivo, mandei a carta para o Weintraub, o Arthur, talvez fosse
importante se montar um grupo e a gente aqui poderia ajudar. Não vou fazer parte
desse grupo, porque eu não sou especialista em vacina, mas eu gostaria de ajudar o
Executivo a montar um ‘shadow board’, como se fosse um ‘shadow gabinet’, esses
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indivíduos não precisam ser expostos, digamos assim, à popularidade (trecho retirado
do vídeo da fala de Paolo Zanotto, sobre a criação deste “gabinete paralelo”).
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Uma coisa fica clara para mim analisando o vídeo, e todas as outras
informações mencionadas no decorrer do texto: temos um Governo Federal altamente
negacionista lidando com uma pandemia. Vejamos, praticamente todos no ambiente
estão sem máscara. É um ambiente fechado. Bolsonaro fala, no trecho destacado, que
“ninguém será obrigado a tomar vacina”. Pensando nisso, me pergunto: como
podemos cogitar um reajuste no nosso “drama social” pandêmico tendo como
presidente do nosso país alguém que age da forma que Bolsonaro age?
Isso implicaria um verdadeiro caos. Será que sobreviveríamos à cisão? Será que
a cisão já não ocorreu? Com mais de 600 mil mortos, o Brasil vive um momento
nefasto de genocídio, etnocídio, e uma tentativa de higienização social dura e difícil de
engolir.
Para finalizar por ora minhas reflexões, trarei um trecho do texto de Adriane
Luisa Rodolpho, intitulado “Rituais, Ritos de Passagem e Iniciação: uma revisão da
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bibliografia antropológica” para que pensemos: o que nos custará não estarmos
chorando nossos mortos pela pandemia de COVID-19?
[…] a morte não se relaciona simplesmente com um cadáver, com o fim de uma vida,
mas trata-se igualmente de uma nova condição, uma nova iniciação à vida eterna, ao
reino dos mortos (dependendo das crenças de cada grupo sobre o destino dos
homens). Os rituais de sepultamento igualmente simbolizam a separação do mundo
dos vivos; estes devem zelar pelo bom encaminhamento dos ritos segundo os
costumes do grupo. O não-cumprimento destas prescrições pode ocasionar
resultados, como o destino da alma que pode errar sobre a terra, ou ocasionar outros
riscos para o mundo dos vivos. (RODOLPHO, 2004, p.142)
Referências
GOVERNO lança campanha 'Brasil Não Pode Parar' contra medidas de isolamento.
CNN, São Paulo, 27 mar. 2020. Disponível em:
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/2020/03/27/governo-lanca-campanha-
brasil-nao-pode-parar-contra-medidas-de-isolamento. Acesso em: 14 jun. 2021.
GOULART, J. Brasil volta ao mapa da fome e começa a chegar ajuda global. Veja,
30 abr. 2021. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/radar-
economico/brasil-volta-ao-mapa-da-fome-e-comeca-a-chegar-ajuda-global/. Acesso
em: 15 jun. 2021.
PFIZER foi ignorada pelo governo federal 81 vezes, expõe Randolfe Rodrigues à CPI.
UOL Cultura, 9 jun. 2021. Disponível em:
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https://cultura.uol.com.br/noticias/25780_pfizer-foi-ignorada-pelo-governo-
federal-81-vezes-expoe-randolfe-rodrigues-a-cpi.html. Acesso em: 14 jun. 2021.
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1 Introdução
Natureza.
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possível perceber que seria necessário um tempo maior para o retorno das aulas no
modo presencial. O Governo do Estado do Paraná investiu em aulas no modo remoto,
gravadas e disponíveis por aplicativos, sites da internet e transmitidas também pela
televisão em canal aberto a fim de proporcionar acesso ao ensino a todos os alunos da
rede. Além disso, foi disponibilizado o Google Classroom, sala de aula virtual para que
os docentes da instituição e os alunos pudessem trabalhar no modo assíncrono e assim
realizar as avaliações necessárias.
De início, a ideia parecia boa, pois não havia uma previsão de retorno ao modo
tradicional de ensino, todavia com o passar do tempo alguns contratempos foram
surgindo, por exemplo, a falta de preparo dos profissionais da educação quanto ao uso
da tecnologia; alunos despreparados para utilizar ferramenta tecnológica; e o fato de
parte da população somente ter acesso ao material impresso. Essa situação vivenciada,
nos trouxe como questionamento: as instituições públicas de ensino cumpriram o seu
papel social na formação do aluno, proporcionando um aprendizado eficaz em um
cenário de pandemia?
Assim, o presente estudo apresenta o resultado de um questionário aplicado
aos docentes de duas escolas estaduais do município de Cambé, no estado do Paraná.
Nesse sentido, busca-se entender quais foram as percepções positivas e negativas dos
professores da rede básica sobre o ano letivo de 2020 e as principais dificuldades
encontradas por eles no desenvolvimento do trabalho pedagógico. Também foi
delineado o perfil desses docentes, a fim de saber se de algum modo, o tempo de
serviço, o grau de instrução, o conhecimento de ferramentas tecnologias contribuíram
ou não para uma prática mais eficaz no modo remoto neste cenário de pandemia. Para
tanto, apresentamos um breve panorama sobre as tecnologias e educação em tempos
de Covid-19; os procedimentos metodológicos; a apresentação e análise dos resultados;
e por fim, as considerações finais.
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Por meio do ensino virtual, o docente passa a ter uma nova função junto ao
papel de apresentar o conteúdo, assumem o papel de motivador, criador de recursos
digitais, avaliador da aprendizagem e dinamizador de grupos de interação online, em
atividades síncronas e assíncronas (SALMON, 2000).
A partir deste novo formato de educação, ficou mais evidente que a educação
que sustenta um conhecimento coletivo e uma aprendizagem colaborativa requer o
envolvimento profundo dos diferentes sujeitos que nela participam, a fim de que haja
colaboração entre os pares que sustentam os processos de inovação e criação do novo
conhecimento.
Não podemos deixar de destacar o empenho dos educadores da rede pública
de ensino que aprenderam um novo modo de ensinar dentro deste novo formato e
superaram suas dificuldades com as tecnologias, reinventando-se a fim de promover
um ensino significativo a seus educandos. A partir desse momento, abre-se
precedentes para novas formas de aprender e reaprender, possibilitando uma libertação
da sala de aula tradicional e possibilitando um mundo de oportunidades para os
aprendizes de todas as idades. Os educadores foram expostos a novas formas de
ensinar, novas ferramentas de avaliação que manterão em sua prática docente. E, os
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educandos entenderam que precisam se organizar, dedicar e planejar para que possam
aprender no mundo digital (CORDEIRO, 2020).
Em aproximadamente um mês, todo um sistema de ensino on-line foi
desenvolvido. Nesse formato, os educadores das instituições que permaneceram em
trabalho remoto, assumiram o papel de avaliadores da aprendizagem utilizando a
plataforma de ensino assíncrona em que o educando deveria acessar diariamente a fim
de realizar atividades postadas pela mantenedora (Estado) e as atividades
desenvolvidas pelo professor da instituição de ensino. Cada aluno recebeu uma conta
de e-mail especial criada pelo Governo em parceria com a Google, permitindo a ele
acesso a sala de aula virtual (Google Classroom) entre outros aplicativos educacionais, sem
custo para o aluno e com acesso ilimitado.
O Google Classroom é uma plataforma utilizada mundialmente para o ensino a
distância e/ou mediação com metodologias ativas. A plataforma mediadora não
necessita de instalação nos aparelhos dos educandos e funciona de modo eficaz
independente do modelo e qualidade do aparelho usado pelo aluno. A ferramenta é
online, abriga professores, alunos e até mesmo a equipe gestora da instituição e permite
a integração de diferentes recursos facilitadores e educacionais disponibilizados pelo
próprio Google (GOOGLE CLASSROOM, 2020). Um dos diferenciais desta
plataforma é o sistema de Feedback que é oferecido para que o professor proporcione
o suporte necessário aos seus alunos nas atividades, desde o início até o fim do
processo formativo (JUNIOR; MONTEIRO, 2020).
Em meados do último trimestre do ano letivo de 2020, o Governo começou a
exigir que os seus docentes que estavam em trabalho remoto começassem a realizar
aulas síncronas por meio da plataforma Google Meet, a fim de promover uma
aproximação com o corpo discente e uma motivação, tendo em vista que o número de
abandono escolar estava cada dia mais expressivo. Mais uma vez o professor foi
obrigado a reaprender a educar, tendo que preparar aulas a serem realizadas ao vivo.
Evidentemente, não houve êxito no que foi proposto, pois os alunos já estavam
saturados, assim como o corpo docente. Porém um ponto positivo das atividades
síncronas foi a possibilidade da realização de aulas interdisciplinares que acabaram
tendo uma boa aceitação, em especial pelas turmas do ensino fundamental II.
Próximo ao fim do ano letivo de 2020 e após inúmeras reclamações dos
docentes e das equipes gestoras, o Governo do Estado do Paraná lançou o programa
‘Formação em Ação”, em que um grupo de estudos mediados por um professor da
própria rede no papel de formador iria ensinar os docentes a utilizar algumas
ferramentas tecnológicas para promover uma melhora na prática docente deles, tendo
em vista que o próximo ano letivo provavelmente se iniciaria no formato híbrido de
ensino. Infelizmente, o curso foi ofertado a apenas professores de quatro disciplinas,
com futuras intenções de expandir para as demais. O curso foi uma tentativa de reparar
a falha na formação tecnológica dos docentes, mas que podemos considerar um
paliativo, tendo em vista a baixa oferta de vagas.
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3 Procedimentos metodológicos
Para fins deste estudo, foi realizada uma pesquisa de campo por meio de um
formulário online. O questionário foi elaborado contendo 12 perguntas, sendo a
maioria de múltipla escolha (8 questões) a fim de facilitar a participação dos
pesquisados.
As questões tiveram como objetivos conhecer um pouco sobre a formação
acadêmica dos participantes, assim como o tempo de serviço dos mesmos na educação,
o número de locais em que eles trabalham, a sua intimidade com tecnologias, a
metodologia de trabalho que os mesmos utilizam no dia a dia, as reflexões dos mesmos
sobre a eficácia do ensino nesse novo modelo, tanto para eles quanto para os alunos,
os aspectos positivos e negativos elencados por eles sobre a sala de aula virtual (Google
Classroom) e também quais foram as maiores dificuldades enfrentadas nesse estilo de
trabalho.
O questionário desenvolvido foi aplicado para docentes de dois colégios
estaduais da cidade de Cambé, no estado do Paraná. A pesquisa foi divulgada por meio
dos grupos de mensagens instantâneas (WhatsApp) oficiais dos colégios com a
colaboração das equipes gestoras destas instituições para a elaboração deste trabalho.
No total, 36 educadores responderam os questionamentos propostos, sendo estes de
áreas distintas do conhecimento e com tempos variados de atuação na rede estadual
de ensino.
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Com base nos dados obtidos foi possível perceber que a maior dificuldade
apontada se refere ao comprometimento dos educandos com os estudos, assim como
a participação deles nas atividades on-line. Levando em consideração que os alunos da
rede pública pouco tiveram acesso a esse tipo de ensino e que eles foram introduzidos
às pressas neste formato, podemos concluir que isso seria algo esperado e que o
número de alunos que não participaram chega até ser simbólico dentre todos os
acontecimentos e dificuldades do ensino remoto.
Com relação a presença e participação dos pais ao longo do último ano junto
a educação dos seus filhos, foi sim um fator de extrema importância. Fator este que
contribuiu para que o aluno tivesse um aproveitamento dentro do possível.
Infelizmente como apontado por parte dos participantes deste estudo, alguns pais não
se fizeram presentes, devido a fatores como: necessidade de trabalhar, por pertencerem
a grupos essenciais; falta de conhecimento científico/ saberes para auxiliar; e até
mesmo desinteresse na vida acadêmica do filho.
Outro ponto interessante que surgiu com essa questão é a falta de interação
entre professor e aluno, elemento comum nas atividades presenciais e no modo
síncrono, mas que infelizmente a sala de aula virtual não proporciona, pois devido a
mesma ser uma ferramenta para o uso no modo assíncrono.
Por último, um apontamento muito relevante foi sobre a dificuldade de utilizar
a plataforma com os alunos da educação especial, a dificuldade na comunicação, tendo
em vista que esse grupo de aluno precisa de um acompanhamento mais próximo e uma
maior atenção. Foi possível perceber que a plataforma não é pensada para este público
e não houve uma preocupação por parte do Governo em buscar uma outra ferramenta
que fosse mais eficaz na formação científica deste grupo de alunos e que atendesse às
suas especificidades.
Quanto a nona questão, sobre os pontos positivos da utilização da sala de aula
virtual pelos docentes, aponta como algo positivo o uso da tecnologia, pois possibilitou
manter o ensino e o contato com os alunos em tempos tão adversos como o de uma
pandemia. Um outro ponto interessante abordado foi as novas possibilidades que a
tecnologia trouxe para o educar em relação a sua prática, em especial, no que tange a
elaboração de atividades e do uso de ferramentas que as corrigem promovendo uma
maior economia de tempo do docente.
Sobre a questão 10, o distanciamento social foi um dos pontos negativos que
mais dificultou o ensino no último ano, em especial quando se trata da educação
especial que necessita de um maior apoio por parte do educador. As barreiras das
dificuldades para o acesso ao ensino remoto não foram superadas por muitos
educandos devido à falta de acesso à internet e até mesmo a falta de tecnologia
necessária para isso, visto que boa parte do alunado não tinha acesso anteriormente,
quiçá durante um período de recessão econômica e lockdown em que muitos pais
passaram a sobreviver do auxílio financeiro disponibilizado pelo Governo federal.
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A respeito da questão 11, sobre o que o docente mais havia sentido falta na
utilização da sala de aula virtual, os seguintes dados foram coletados: uma boa parte
dos participantes apontou que sentiram falta da presença física do aluno, o contato
com eles. Esse dado nos permite concluir que uma parcela dos educadores não
conseguiu diferenciar ferramentas para uso no modo assíncrono e síncrono. O Google
Classroom foi desenvolvido para que o docente trabalhe sem o contato direto com o
aluno, no modo assíncrono, onde teoricamente esse distanciamento não seria um fator
negativo, mas como estamos lidando com um grupo de profissionais que nunca teve
esse tipo de prática, com certeza esse ponto seria o principal.
Com relação ao último questionamento realizado aos participantes deste
estudo acerca do uso das metodologias ativas durante o ensino remoto, foi possível
perceber que parte dos educadores buscaram por fazer uso da sala de aula invertida, o
que proporciona uma maior autonomia ao aluno, tendo em vista que ele se tornou
responsável por boa parte do seu aprendizado, e utilizaram a rotação por estações,
porém essa última se faz mais eficaz quando feita no modo presencial.
5 Considerações finais
Por meio da realização deste estudo, foi possível notar que a pandemia do
COVID-19 trouxe mudanças significativas na educação. Cenário em que ocorreu a
reinvenção do papel do professor, assim como do formato de sua prática docente e
até mesmo do sistema de ensino que vinha de certa forma estagnado no tempo. Nesse
sentido, houve a necessidade de aprender uma nova forma de ensinar e aprender que
provavelmente permanecerá após a pandemia. O aluno percebeu que é preciso ter
autonomia, organização e comprometimento quando se trata de estudar e que a
internet vai muito além de diversão, mas também de uma ferramenta muito rica
quando utilizada de forma correta.
Com relação a eficácia do ensino ofertado de forma remota pelo Estado do
Paraná pode-se concluir que não foi perfeito e nem o melhor, mas dentro do atual
momento foi algo que significou na vida do alunado. Não podemos deixar de destacar,
que os educadores foram um dos pilares de extrema importância para o ensino remoto.
Eles contribuíram para que o ensino fosse minimamente eficaz, mesmo com todos os
entraves que se sucederam ao longo do ano letivo de 2020.
O fato da não qualificação para uso das tecnologias por parte do Governo para
com seus colaboradores foi, com certeza, um dos fatores que mais contribuiu de forma
negativa para que o ensino remoto não tenha sido melhor e mais significante, mesmo
assim devemos enaltecer aqueles profissionais que se reinventaram e aprenderam
novas formas de educar.
O distanciamento social e a falta de contato em tempo real com o aluno foram
um dos fatores que mais se fez presente ao longo da pesquisa, mostrando que as
relações interpessoais são sim de extrema importância durante o processo de ensino-
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aprendizagem e que educação não se faz sozinho. Por outro lado, foi possível perceber
que para um grupo significativo de alunos a autonomia desenvolvida ao longo deste
período foi algo enriquecedor.
É notório que mesmo tendo as tecnologias conquistado vários dos educadores
devido às suas facilidades, ainda há aqueles que não renunciam ao ambiente escolar e
da sala de aula tradicional para se sentirem totalmente realizados. Por mais que haja
investimentos em tecnologias voltadas para a educação, a figura do professor e o
contato presencial com o aluno sempre será um dos fatores principais para uma
educação eficaz.
Apesar de todos os fatores contrários para que esse modelo remoto de ensino
fosse algo significante é preciso apontar que, para boa parte, ela cumpriu o seu papel,
mesmo que seja de uma forma minimamente eficaz. Esse sistema possibilitou a quase
todos uma continuidade de suas rotinas em um momento tão ímpar da vida deles. Não
podemos deixar de citar que houve sim uma exclusão de uma parcela da população
que não teve acesso à educação, o que contribuiu para o aumento da desigualdade no
nosso país, mas dentre o momento vivido qual seriam as outras possibilidades?
Poderíamos ter tido um modelo mais abrangente e eficaz? Com certeza, mas se
ponderarmos que todo esse sistema foi criado em praticamente um mês, não podemos
negar sua eficácia, apesar das falhas.
Referências
GOOGLE CLASSROOM. Google for education. [S.l.: s.n.], 2020. Disponível em:
< classroom.google.com>. Acesso em: 10.03.2021.
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Educação docente e desenvolvimento profissional
Resumo: Este trabalho tem como objetivo elaborar uma proposta de formação de
professores não indígenas que têm interesse em trabalhar com uma comunidade
indígena. A metodologia usada neste trabalho teve como base entrevistar professores
indígenas que atuam nas duas escolas indígenas da Aldeia Sede, da Terra Indígena
Apucaraninha (Tamarana-PR), sendo que uma atende a alunos da Educação Infantil e
Ensino Fundamental I e a outra atende os alunos do Ensino Fundamental II e o
Ensino Médio. Por ser uma escola diferenciada, a maioria dos professores que
trabalham nessas escolas não sabe como atuar em sala de aula com alunos indígenas e
começam a trabalhar conforme se tem trabalhado nas escolas da cidade, com base em
outra cultura. Por este motivo, tivemos interesse em elaborar uma proposta de
formação de professores voltada para esses profissionais, não só voltada à sala de aula,
mas a todas as áreas componentes da comunidade escolar.
Introdução
O ensino escolar dentro das terras indígenas tem sofrido avanços na área da
educação escolar indígena. Atualmente, há cada vez mais indígenas se graduando em
muitas instituições de ensino superior no Brasil.
Esse avanço tem início, principalmente, a partir da Constituição Federal de
1988, que começou a tornar menos marginalizados os povos indígenas em território
nacional, no que concerne sua situação social, educacional e sociolinguística. Isso não
significou, porém, que todas as agressões (denotativa e conotativamente falando) que
esses povos vêm sofrendo desde a chegada do europeu no continente americano
acabaram do dia para a noite.
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Educação docente e desenvolvimento profissional
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Educação docente e desenvolvimento profissional
maioria dos profissionais trabalha na área da educação, nas escolas estaduais das Terras
Indígenas. Esses tiveram a sua formação igual à dos profissionais que atuam nas escolas
estaduais localizadas fora da aldeia. Essa formação vem da Secretaria do Estado da
Educação (SEED), o que faz com que as escolas indígenas sigam o mesmo padrão das
demais escolas do Paraná.
A proposta deste trabalho é pesquisar bases teóricas sólidas para a formação
de profissionais que atuam nas escolas indígenas da Terra Indígena Apucaraninha,
localizada no município de Tamarana-PR. Realizamos a pesquisa gravando
considerações de profissionais da educação sobre como os alunos indígenas aprendem
e também sobre sua experiência de trabalho. Demos liberdade ao informante de falar
sobre esses temas, pois assim se sentiriam à vontade, sem ter que se preocupar com o
tempo ou o formato desse registro.
Ao final do trabalho, apresentamos uma proposta teórica para a formação dos
profissionais que atuarão nessas escolas ou que já estão atuando, para que possam ler
e refletir sobre as escolas indígenas, seu funcionamento e sua organização na realidade
cultural e sociolinguística dos Kaingang.
De acordo com o IBGE (2010), no Brasil, existem 305 etnias indígenas com
274 línguas diferentes e com culturas diferentes umas das outras. Esses povos estão
distribuídos por todo o país, por todos os estados. Dentre essas diversas etnias, existe
o povo Kaingang, que é a terceira maior população indígena do Brasil, da qual a maioria
é falante da língua. A língua pertence ao tronco jê, ocupando pouco mais de 30 áreas,
reduzidas em relação a seu território original, distribuídas pelos Estados de São Paulo,
Paraná, Santa Catarina e Rio grande do Sul. A população hoje está estimada em cerca
de 50 mil indígenas Kaingang (IBGE, 2010).
O povo que estudamos é o que habita a T.I. Apucaraninha, localizada em
Tamarana-PR, com aproximadamente 2000 indígenas, com mais de 400 famílias,
residentes em quatro aldeias (Sede, Barreiro, Água Branca e Serrinha), sendo a maioria
da população falante da língua. Na T.I., existem três escolas estaduais, mas
estudaremos somente as duas localizadas na aldeia Sede, em que são matriculados mais
de 200 alunos em cada instituição.
A Escola João Kavagtãn Vergílio atende aos alunos da Educação Infantil.
Primeiramente, eles são alfabetizados na língua Kaingang do Pré ao 3º ano, que é a
língua materna deles. Além de aprender o Kaingang, do 3º ano ao 5º ano se inicia o
processo de aprendizagem do português. Com exceção da professora de educação
física, os demais professores desta escola são indígenas.
No Colégio Estadual Benedito Rokag atuam nove profissionais não indígenas
e nove indígenas, em todas as disciplinas da matriz curricular. As lideranças afirmam
que seria bom se houvesse mais indígenas formados para atuar em todas as áreas das
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Educação docente e desenvolvimento profissional
disciplinas, pois, ainda que misturados com não indígenas, não é suficiente para tornar
uma escola que seja de fato diferenciada, visto que os não indígenas não pensam como
os indígenas. Essa consideração das lideranças vai ao encontro do que dizem as
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, quando falam da Educação
Escolar Indígena: “III – ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades
atendidas, como uma das formas de preservação da realidade sociolinguística de cada
povo; […]” (BRASIL, 2013, III).
Em relação à educação, esta tem avançado quanto à legislação que a regula.
Atualmente existem leis que asseguram uma educação específica de qualidade e
diferenciada para os povos indígenas, garantida pela Constituição Federal de 1988 e
pela LDB proporcionando aos povos indígenas o direito de ter uma organização
particular na organização escolar. Um exemplo disso é o calendário específico que
contempla a realidade desse povo e que seja de acordo com a realidade dos alunos.
A partir disso, as escolas se organizam para criar os seus próprios currículos,
tendo como mais importante a oralidade e as histórias contadas pelos seus
antepassados, pois daí vem todo o conhecimento e a valorização dos ancestrais.
Assim, as escolas indígenas estão asseguradas para que façam uma escola que
seja de fato uma organização específica e diferenciada. Por a escola ser uma
comunidade indígena, cada sistema de ensino e cada não indígena que trabalhará junto
com essas comunidades deverá respeitar essa organização conforme ela é. Existem os
saberes tradicionais dos mais velhos, pois eles, sim, têm todo o conhecimento
adquirido pelos seus antepassados, que é transmitido de geração em geração para
manter vivo todo esse conhecimento. Esse conhecimento é a fonte de toda a sabedoria
dos Kaingang, presentes em suas organizações, costumes e crenças.
Também é necessário saber que nem todos os povos indígenas têm costumes
iguais, pois cada etnia tem suas particularidades. Uma comunidade Guarani, por
exemplo, tem um modo de pensar e agir diferente. É necessário estudar um povo antes
de entrar em suas terras para trabalhar, porque são povos de culturas diferentes das
dos não indígenas.
A maioria das pessoas acha que os povos indígenas são todos iguais, por
estarem todos sob a mesma classificação: índios, indígenas, porém não são, embora
em algumas situações eles se juntem, como para lutar pelos seus direitos, por exemplo.
Todos os indígenas têm a qualidade de fazer as coisas em coletividade; isso é próprio
dessa cultura geral. Por isso, cada indivíduo não indígena que trabalha ou quer trabalhar
em uma escola indígena não deve fazê-lo sozinho, mas pensar sempre nessa
coletividade, entre outros fatores.
É interessante pôr em destaque, também, a questão da diversidade linguística
e cultural das T.I., visto que há, por vezes, crianças vindas de outras T.I. onde não se
fala o Kaingang, e invariavelmente há integrantes de outras etnias que passam a habitar
o mesmo território e a frequentar as mesmas escolas. Isso aponta para a necessidade
de uma formação acadêmica dos docentes que dê conta da diversidade e que se
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Educação docente e desenvolvimento profissional
apresente com bases teóricas e categorias de análise que comportem pensar a educação
escolar indígena com parâmetros mais apropriados.
Saviani (2007, p. 108) diz que “a prática é a razão de ser da teoria, o que significa
que a teoria só se constituiu e se desenvolveu em função da prática que opera […]”.
De acordo com esse estudo podemos dizer que tudo o que foi ensinado aos Kaingang
da atualidade é uma teoria. Uma teoria que não teve um registro, pois ainda não existia
uma escrita. Apesar disso, entendemos essa prática educativa longe de estar no nível
da doxa, que está ligada ao saber opinativo, mas, sim, atingindo o nível da episteme,
visto que é uma prática que vem dando certo há séculos para os propósitos da cultura,
o que pressupõe um “saber metodicamente organizado e teoricamente fundamentado”
(SAVIANI, 2007, p. 132).
Tudo era e ainda é feito com base na oralidade, com explicações de como fazer,
como agir, sendo, assim, transmitidas de geração em geração. A suas práticas eram
feitas no dia a dia e assim sobreviveram, sempre dependendo do que os indígenas mais
velhos falavam; essa é a forma como a educação acontece espontaneamente na T.I.
Apucaraninha. Isso comprova o que o autor fala, visto que estamos diante de uma
teoria que nunca foi escrita, mas que sempre foi valorizada pelos mais novos e assim
posta em prática na comunidade.
Cada uma das técnicas desenvolvidas numa cultura “supõe séculos de
observação ativa e metódica, hipóteses ousadas e controladas, a fim de rejeitá-las ou
confirmá-las através de experiências incansavelmente repetidas” (LÉVI-STRAUSS,
1989, p. 29).
O sucesso de uma cultura que subsiste no tempo, mesmo que não tenha ligação
direta com saberes científicos, aponta para a necessidade de aproximação dessa ciência
com os saberes populares e tradicionais, bem como da valorização destes, papel
atribuído à etnociência.
A cultura está diretamente ligada à educação, visto ser esta considerada parte
daquela (BRANDÃO, 1986); assim, sobre a educação, Mazzeu (2009) afirma que é
fundamental para o ser humano, pois, diferentemente dos animais, o ser humano não
tem uma herança genética no desenvolvimento de suas ações sobre a realidade. Sendo
assim, o ser humano carrega consigo toda a herança cultural que é fundamental durante
a sua vivência.
A fala a seguir mostra essa realidade do ensino nas escolas indígenas, na
educação infantil. É a fala do professor Jorge Ri͂r Nã de Almeida, alfabetizador dos
alunos na Educação Infantil. Atualmente é o professor do 4º ano:
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
4 Tradução de: “Nén kar ki e͂g ag kanhrãn ti͂, português, geografia, ciência ka matemática vy͂ ki rãnh nhu͂ gé
my͂n. Ha e͂g ne sir tagki aldeia realidade to han ti͂ my͂r. E͂g goj ag to my͂r, e͂g vãnh ky͂ e͂g sir geografia ti ni͂m
ti͂ my͂r ka ciência... ka história ti my͂r... Ag rágrá ty͂ e͂g ag my͂ ni͂m ti͂ gé, marcas tribais e͂n”.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
indígenas com formação em nível superior; além disso, durante a pandemia, tem sido
um desafio muito grande para a maioria dos professores, pois, nos relatos de suas falas,
a maioria deles relata a dificuldade do ensino remoto.
A história do ser humano está marcada por processo e ao mesmo tempo pelo
fato de precisar se apropriar da cultura acumulada pelas gerações passadas, porém ele
precisará criar novos objetivos que correspondam aos desafios de seu tempo
(MAZZEU, 2009). Ainda de acordo com o autor, nós, a comunidade escolar, devemos
proporcionar que isso aconteça no meio escolar para beneficiar a criação de novos
objetivos por parte dos nossos alunos.
Metodologia
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Estas foram as perguntas feitas para alguns profissionais indígenas que atuam
nas escolas indígenas da T.I. Apucaraninha, para dar uma visão geral sobre o que é
ensinado nessas instituições, para, então, refletir sobre como seria a proposta de teoria
para a formação de professores.
Já as seguintes perguntas foram feitas para os professores não indígenas:
1) Qual foi o maior desafio enfrentado quando começou a
trabalhar na escola indígena?
2) Quais as diferenças encontradas na escola indígena em relação
às escolas de branco?
3) Como os alunos indígenas aprendem?
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
têm suas dificuldades, principalmente nesse momento em que vivemos uma nova
experiência, quando precisamos nos acostumar com a realidade, para assim podermos
continuar o nosso trabalho. As dificuldades enfrentadas pelos alunos e professores têm
sido um desafio não só para as escolas indígenas, mas para o mundo todo.
Eles não chegam a fazer uma boa leitura, uma interpretação e formação de frases.
Estive pensando, talvez a nossa cabeça fica mio assim, certamente. A nossa língua vai
até o 3º (série), mas quando chega ao 3º caem mais coisas (conteúdos) e entra mais a
língua kaingang, certamente.
Às vezes penso o porquê que eles não conseguem aprender o português. Será que é
por causa da nossa cultura? O alfabeto kaingang é o mesmo que a do português,
certamente, mas tem a questão dos acentos também, mas o som e a fala são diferentes.
Outros estão no 4º ano, mas não reconhecem o alfabeto, não entendem o português.
Então eles dão a aula desde o começo (alfabetização do português). Eles sobem para
cima e começa é mais (conteúdos). Mas se somos kaingang, vamos ser assim mesmo.
Trabalhamos a nossa cultura. História... geografia, ciência estão aqui, dentro da nossa
aldeia (Lícia Gaotãn Guilherme Ribeiro, pedagoga indígena da Escola João
Kavagtãn).5
5 Tradução de “Inh mỹ ag tóg tag hã ki krój nĩgtĩ, leitura kar kỹ interpretação de texto tag ti mỹn, formação
de frase mỹr. To isóg jikrén é, ẽg krĩ hỹn sir genh ke mũ mỹr. Ẽg vĩn ki ag tóg até 3º he mũ mỹr, ag tỹ 3º
ra mũ kỹ sir vãhã ag krĩ ti nỹ si ge mũ mỹr, língua kaingang ti ki rã tĩ gé mỹr.
Kỹ isóg siri ag tỹ hẽ ri ken ki kanhrãn tũg e né, fóg vĩn ki, he tĩ. Kỹ sóg ẽg cultura to ke mỹ vỹ, he tĩ.
Alfabeto kaingang vỹ hã ri ke nỹ gé vẽ mỹr, hara ti ne kri nãgnã nỹtĩ gé mỹr, há ti tó hã ne si tỹ ũ nĩ e
mũ mỹr.
Ũ ag sir ag tỹ 4º ano ki nỹtĩ ra alfabeto, fóg vĩ ki kagtĩg nĩgtĩ mỹr. Kỹ ag si vãhã desde o começo ki nĩm tĩ
mỹr, ag tỹ aula nĩm ti kỹ. kỹ ag ag tỹ kri ra mũn kỹ si ke tavĩ han em, fóg tũn ki mỹn. Ha ẽg tỹ tỹ
kanhgág pẽ nĩn kỹ ẽg ge nĩnh ke mũ.
Ẽg cultura hã to ẽg tóg ag mré rãnhrãj tĩ mỹr. História mỹr... Geografia, ciência tóg tag hã kãkã nĩ mỹn,
ẽg jamãn kãkã.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
por 3 anos, visto que o estudo das duas línguas caminha até o 5º ano do Ensino
Fundamental I.
A fala seguinte é da professora de Artes, que explica o seguinte:
No 1º ano, ensino as formas, vogais e a pintar só para pintar desenhos, isso para eles.
Eles relembram o que eu ensinei. “É aquilo”, eles dizem. Então, me parecem que eles
aprendem rápido... as palavras.
Explico na língua para eles, mostro a forma da escrita e depois explico na minha língua
como é para fazer.
Certamente, tem uns que demoram a aprender, outros aprendem rápido e tem outros
(alunos) que são difíceis de ensinar.
Tem outros alunos que assistem muito desenhos, então, me parece que esses
aprendem mais a língua do branco. Talvez eles assistem desenhos, talvez no celular
(Priscila Garigtẽ Felisbino, professora de artes, na Escola João Kavagtãn Vergílio).
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Uma proposta de teoria para a formação do professor que atua numa escola
indígena
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Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
desejarão conhecer o mundo de fora da T.I. Estes que sairão já demonstram que
querem conhecer mais, algo desperta o interesse deles. Respeitar o desejo de cada um
é fundamental.
Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo apresentar uma proposta de algumas bases
teóricas para formação dos professores não indígenas que estão atuando ou para
aqueles que querem atuar nas escolas indígenas da T.I. Apucaraninha.
Teve como metodologia a pesquisa-ação, a observação participativa e a
entrevista com alguns professores que trabalham nas duas escolas da aldeia Sede, que
é uma das quatro que compõem a T.I.
Ao final do artigo apresentamos alguns pontos gerais da cultura Kaingang, que
se tornam pontos-chave para a apresentação da teoria de ensino-aprendizagem. Há
muito ainda a estudar no campo da educação, então esperamos que este seja apenas o
início e que possamos dar uma continuidade a esta pesquisa.
Esta pesquisa teve o diferencial de um dos pesquisadores ser indígena
Kaingang, professora em uma das escolas, que mantém amizade com os participantes,
o que tornou ideal a metodologia da observação participativa, da pesquisa-ação e das
entrevistas. Além disso, contemplou o ponto de vista do professor indígena, bem
como do professor não indígena que se interessa em colaborar nas escolas da T.I. e
que precisam, do ponto de vista cultural dos Kaingang, adequar sua metodologia à
cultura da sociedade em que exercerá sua docência.
Referências
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Educação docente e desenvolvimento profissional
YAMASHITA, Bruna Ester Gomes. De que você vai se lembrar? In: OLIVEIRA,
Sandra Regina Ferreira de (org.). Escolas em Quarentena: o vírus que nos levou
para casa. Londrina: Madrepérola, 2020, p. 31-44.
❖
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Na verdade, eles terminam sua formação sem terem sido abalados em suas crenças, e
são essas crenças que vão se reatualizar no momento de aprenderem a profissão na
prática, crenças essas que serão habitualmente reforçadas pela socialização na função
de professor e pelo grupo de trabalho nas escolas, a começar pelos pares, os
professores experientes. (TARDIF, 2012, p. 273)
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Educação docente e desenvolvimento profissional
Paradoxo na prática
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Educação docente e desenvolvimento profissional
Não há nada que mais contradiga e comprometa a emersão popular do que uma
educação que não jogue o educando às experiências do debate e da análise dos
problemas e que não lhe propicie condições de verdadeira participação. (FREIRE,
2017, p. 93)
Aliás, esse é outro paradoxo que pôde ser percebido no curso: a insistência de
que o professor usasse ferramentas e práticas inovadoras, com metodologias ativas, ao
mesmo tempo que deveria cumprir listas fixas de conteúdos tradicionais, muitas vezes
descontextualizados, e usar instrumentos orientados, sem o devido suporte
tecnológico ao professor, tampouco ao aluno. E aqui identificamos também o
cerceamento da autonomia docente, nas imposições do que ensinar e quando ensinar
a todos indistintamente, sem levar em consideração as diferentes realidades presentes
no Paraná: mais uma contradição, agora em relação ao discurso de empoderamento do
professor.
Considerações Finais
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Referências
PAULO, Freire. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Editora Paz
e Terra. 40ª ed., 2017.
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Educação docente e desenvolvimento profissional
1 Introdução
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Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
discursiva, como funcionamento que caracterizamos como políptico, ou seja, com várias
faces.
Destacamos que a especificidade da instituição escolar é o processo de
Educação multifacetado, a fim de atingir a todos em suas potencialidades visando o
entrelaçamento da instituição social com a vida.
2.1 Educação
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
garantido pela natureza tem que ser produzido historicamente, pelos homens, e aí se
incluem os próprios homens'' (SAVIANI, 1992, p. 13).
A escola é destaque na sociedade como espaço específico para transmissão e
assimilação dos conhecimentos, Saviani (1992, p. 14), afirma, que “a escola diz respeito
ao conhecimento elaborado e não ao conhecimento espontâneo, ao saber
sistematizado e não ao fragmentado, à cultura erudita e não a popular”.
Para além de uma visão naturalista, a escola é espaço de contradições e
interesses múltiplos. Assim, o processo por ela desempenhado requer clareza por meio
de um projeto de Educação, o qual se distancia de práticas espontaneístas. O
planejamento pelos profissionais da Educação é imprescindível para a coerência do
percurso a ser trilhado.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
A gestão escolar e esta democrática, não está dada, sendo considerada utopia.
No entanto, como profissionais da Educação, a buscamos. “A palavra utopia significa
lugar que não existe. Não quer dizer que não possa vir a existir. Na medida em que
não existe, mas ao mesmo tempo se coloca como algo de valor, desejável” (PARO,
2006, p. 9).
Veiga (1998), define projeto político pedagógico no sentido etimológico da
palavra, “o termo projeto vem do latim que significa projectu, particípio do verbo
projicere, que significa lançar para diante”. Todo ser humano pensa e projeta, logo ele
faz objetivos, metas e ações do que se pretende alcançar, sendo assim, ele lança- se
para diante.
Segundo Veiga (1998), o projeto político pedagógico de cada instituição escolar
“busca um rumo, uma direção'. É uma ação intencional”. O projeto político
pedagógico não deve ser um mero instrumento burocrático, pois, esse instrumento de
planejamento da gestão assume a organização do trabalho pedagógico escolar,
buscando a organização em sua globalidade.
O trabalho pedagógico, a organização, a estrutura, a cultura da escola, a
comunidade escolar, são fundamentados pelo projeto político pedagógico de cada
instituição escolar, sendo intencional, pois é um instrumento da gestão que define e
norteia o trabalho pedagógico, o que expressa sua cultura organizacional única, mesmo
que mantenha relações de identidade com outras instituições da mesma natureza,
segundo apontado por Silva Jr e Ferretti (2004).
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a
compreensão de sua totalidade [...]”, além de manter a presença consciente e atuante
do pesquisador no processo de coleta de informações.
Sobre a coleta dos dados, Minayo, destaca:
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Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
3 Considerações Finais
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Referências
BERGER, Peter L.; BERGER, Brigitte. O que é uma instituição social? In:
FORACCHI, M. M.; MARTINS, J.S. (Org.). Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro:
Livros técnicos e científicos, 1977. p. 193-199.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. São Paulo: Editora
Ática, 2006.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
SILVA JR, João dos Reis; FERRETTI, Celso João. O institucional, a organização
e a cultura da escola. São Paulo: Xamã, 2004.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Resumo: O projeto, ainda em fase inicial, tem como objetivo investigar e identificar
fatores relevantes nas trajetórias de formação leitora de professores de língua materna
e licenciandos de Letras e Pedagogia, tendo como foco as subjetividades leitoras. Trata-
se de pesquisa de caráter qualitativo baseada em registros de depoimentos. Os corpora
compõem-se de: (a) registros de entrevistas com professores de língua materna da
educação básica; (b) depoimentos escritos de estudantes de Letras e Pedagogia sobre
sua formação leitora. A partir de tais corpora, pretende-se realizar análises baseadas no
conceito de “escuta” desenvolvido pela Psicanálise (LACAN, 1998) e ratificado para
esse tipo de trabalho pelos estudos relativos à formação de leitores (BAJOUR, 2014)
e pela metodologia do “paradigma indiciário”(TFOUNI; PEREIRA, 2018 e
GINZBURG, 2001). Espera-se identificar elementos da subjetividade que constituem
o processo de formação do leitor e que se manifestam nas suas práticas docentes. A
partir desses dados, pretende-se evidenciar mais amplamente a relevância dos aspectos
afetivos na condução do trabalho docente no campo da leitura.
Introdução
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
A leitura é um fenômeno complexo. Passa por diversas instâncias do corpo, nas suas
diversas compleições. Ela resulta de uma trama de processos, que se iniciam na feição
mais bruta do que podemos chamar de corpo, um corpo concreto, neurofisiológico,
até atingir seu limite máximo de abstração, revelado pelos instantes de prazer
experimentados por um corpo psíquico, urdido pelos afetos.
- 134 -
Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
modo, conhecer profundamente um objeto requer ter uma experiência não mediada
com ele, para que se possa, depois, no relato da própria vivência, simbolizá-la. Nesse
sentido, no que se refere à leitura, nada supera a própria experiência do leitor para que
possa se considerar conhecedor de um texto e do próprio ato de ler. Sua relação,
marcadamente subjetiva, com o que lê é fundamental no processo de formação leitora
e também enquanto docente.
Para Petit (2013), a experiência leitora é fator essencial no trabalho dos
formadores de leitores. Isto é, embora o conhecimento didático seja extremamente
relevante, sobretudo na organização do trabalho docente, o formador de leitores deve
acessar o que lhe é mais íntimo em sua experiência para que possa tocar efetivamente
seus alunos e conduzi-los a uma vivência que os motive a prosseguir o percurso de
leituras. Petit (2013, p. 37) afirma:
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
Fui uma criança bastante desinibida e falastrona que por muitas vezes fui convidada
a recitar poemas e cantar músicas de uma dupla que eu era fã chamada “Gian e
Giovane”. Na época, os CD’s eram acompanhados de um livrinho com as letras de
todas as músicas e eu passava horas olhando e tentando ler todas as músicas.
Acabei assim, ganhando uma certa popularidade na ‘Creche Criança Feliz’ e todas
as tias e professoras sabiam quem era. (…)
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
que se percebem reconhecidos em suas tarefas de ser: ser professora, ser leitora, ser
desinibida e falastrona, ser.
4. Considerações finais
Referências
BAJOUR, Cecilia. Oír entre líneas: El valor de la escucha en las prácticas de lectura.
Ciudad Autónoma de Buenos Aires: El Hacedor, 2014.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
JOUVE, Vicent. A leitura. Tradução de Brigitte Hervot. São Paulo: Unesp, 2002.
LACAN, Jacques. Escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998.
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Eixo 13
Educação docente e desenvolvimento profissional
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Eixo 14
Linguagem e significação
Introdução
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Eixo 14
Linguagem e significação
Metodologia
Entende-se, aqui, tira, como Ramos (2017) afirma: um texto curto, de formato
geralmente retangular, constituído de três a quatro vinhetas, com presença de
personagens fixos ou não e que traz uma narrativa com desfecho inesperado no final.
O autor enumera diferentes tipos de tiras: tira cômica, que possui desfecho cômico;
tira seriada, que compreende parte de uma narrativa maior; tira cômics seriada, que
mescla os dois primeiros tipos citados; e tira livre, sem formato regular, com marcas
variáveis. Destarte, a tira pode ser vista como um formato, um componente de vários
gêneros de tiras.
As tiras de Bichinhos de Jardim são, predominantemente, tiras cômicas, o mais
popular dos tipos apresentados. Tira cômica, como o próprio nome diz, revela
aspectos que aproximam este gênero do gênero piada, como, por exemplo, a quebra
da expectativa do leitor ao final da narrativa que acaba gerando o humor; o fato de
ambos serem textos curtos; apresentarem personagens fixos ou não; a necessidade de
conhecimentos prévios e de inferências por parte do interlocutor para entender o
efeito de humor das histórias.
A série Bichinhos de Jardim fora criada no início do ano 2000 pela cartunista
carioca Clara Gomes, para o jornal Tribuna de Petrópolis. Inicialmente, as histórias
abordavam as desventuras do caramujo Caramelo em busca do amor da borboleta
Brigitte e da realização do seu grande sonho: poder voar. No entanto, com o decorrer
do tempo, outros bichinhos foram integrando as narrativas, que passaram a abordar
temáticas mais atuais, como questões políticas, sociais e éticas. Com o advento da
internet, a cartunista trouxe os bichinhos para o seu blogue pessoal
(http://bichinhosdejardim.com/) e suas histórias também passaram a integrar as
páginas do jornal O Globo, onde estão até os dias de hoje.
O recorte realizado para a seleção do material compreendeu apenas as tiras
publicadas dos meses de janeiro a agosto de 2021. Dos personagens criados por Clara
Gomes, um dos critérios de seleção foi a interação de dois deles: Joana e Mauro. O
primeiro, uma joaninha que ganhou o coração dos leitores graças ao seu humor irônico,
e o outro, um “minhoco” um tanto ingênuo. As duas personagens funcionariam como
polos opostos e apresentam pontos de vista diferentes.
Vinte (20) tiras foram selecionadas no site oficial
(http://bichinhosdejardim.com/), nas quais se buscou analisar os principais aspectos
apontados pelos teóricos Acevedo (1990), Cagnin (2014) e Ramos (2004; 2007; 2011;
2017): formato da tira, elementos da narrativa (tempo, espaço, personagens e ação),
estratégias gráficas (balões, expressões faciais, onomatopeias); comparando as tiras
selecionadas e destacando a recorrência dos principais aspectos apontados.
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Eixo 14
Linguagem e significação
1 As principais estratégias em
Há uma nítida mescla entre os conceitos de piada e tira cômica. Em parte, seria pela
falta de um estudo que comparasse os dois gêneros. Houve trabalhos científicos que
analisaram especificamente as tiras cômicas, mas abordaram o tema de forma
tangencial. A preocupação central não era saber se eram ou não uma piada (mesmo
apoiando-se em teorias de humor) (RAMOS, 2007, p. 127).
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Eixo 14
Linguagem e significação
demonstrando sua total indiferença diante destas questões. Na terceira vinheta, Joana,
indignada, questiona Mauro sobre o que ele tem na cabeça, já que não pensa em tais
assuntos. O leitor cria a expectativa de que o bichinho esclarecerá o motivo dessa total
indiferença. Contudo, na quarta vinheta, quebra-se a expectativa do leitor e provoca-
se o riso, quando Mauro, ao responder a dúvida de Joana, afirma possuir um cérebro
de minhoca. O humor acontece da dualidade de sentido que a expressão “cérebro de
minhoca” cria, uma vez que, como uma minhoca, anatomicamente, Mauro possui um
cérebro de minhoca, porém, como bem sabemos, uma pessoa com cérebro de minhoca
é alguém ignorante. A preferência pelo formato horizontal justifica-se, pois, apesar de
possuírem o mesmo tamanho, as vinhetas na vertical ocupam mais espaço se
considerarmos a disposição delas em um jornal e/ou revista.
No entanto, Ramos (2014), pautado nas observações de Bakhtin (2003) acerca
da flexibilidade dos gêneros do discurso, defende que a estrutura do gênero discursivo
não é algo fixo, acabado, imutável, uma vez que está sujeito a mudanças devido à
situação discursiva do momento.
Como se observa, a questão do formato fixo precisa ser reavaliada, dado o contexto
de produção. Há casos concretos que registram um alargamento no tamanho da tira
cômica. Mas o conteúdo continua obedecendo às características essenciais do gênero,
que são produzir uma narrativa tendencialmente curta, com desfecho inesperado, que
leva ao efeito de humor. E o fato de ser veiculada com dimensões maiores nos jornais
ajuda a familiarizar o molde em quem a lê, criando uma expectativa de que o gênero
abarca também tais dimensões ampliadas. Nos sites e blogs, que circulam em um outro
tipo de suporte, também é possível perceber ecos desse comportamento. (RAMOS,
2014, p. 9)
Dessa forma, apesar de possuir uma forma “fixa” (Figura 1), a tira cômica, bem
como os demais gêneros discursivos, são flexíveis quanto ao formato. Porém, isso não
atrapalha na sua classificação, pois se enquadra no gênero devido ao conteúdo
característico da tira cômica.
Como um dos diferentes gêneros que fazem uso da linguagem dos quadrinhos,
a tira cômica é predominantemente composta por uma sequência narrativa, ou seja, a
sequência em que são narrados os fatos, considerando tempo, espaço, enredo e
personagens, como se observa na Figura 1. A passagem do tempo é marcada de uma
vinheta para outra por meio do movimento das personagens e pela sucessão dos
acontecimentos. Enquanto nas três primeiras vinhetas os bichinhos permanecem
estáticos, apenas conversando olhando para o céu, na última vinheta é possível
perceber a movimentação de Mauro ao inclinar-se para responder à Joana. Há também
a alternação do ângulo entre a primeira, a segunda e a terceira vinhetas, estratégia pouco
comum na série Bichinhos de Jardim, mas que, aqui, corrobora para compreendermos a
passagem de uma cena para outra. Destarte, como Ramos (2014) observa, o tempo e
o espaço estão associados, pois, pela observação do espaço na sequência de cenas, é
possível reconhecer o tempo da ação.
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
amarelas, é alguém despretensioso, por vezes simplório, que acredita na felicidade, mas
também é comum notar em seus comentários certo posicionamento crítico. Na Figura
1, o total desinteresse dele pode parecer fruto dessa ingenuidade que o caracteriza, mas
a afirmação de que ele possui um “cérebro de minhoca” é suficiente para perceber que
ele tem consciência de que pensar em tais assuntos seja necessário. Portanto, em
Bichinhos de Jardim, tem-se personagens fixas, tanto no desenho quanto na personalidade
e, por vezes, é conhecendo essa personalidade que se consegue compreender o texto
em sua totalidade.
“Nos quadrinhos, parte dos elementos da ação é transmitida pelo rosto e pelo
movimento dos seres desenhados” (RAMOS, 2014, p. 107). As ligeiras mudanças de
expressão das personagens motivam uma interpretação além do texto.
Quando estamos alegres, tudo parece expandir-se e isto nota-se também no rosto. As
sobrancelhas se arqueiam para cima e a boca vai, como se diz, “de orelha a orelha”.
[...]
Na raiva, ao contrário, tudo parece contrair-se. Em vez de expansão, há tensão: as
sobrancelhas voltam-se para o centro do rosto e a boca se torce num movimento para
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Conclusão
Referências
GOMES, Clara. Tira cômica “Bom Humor Olímpico”. Rio de Janeiro, 03 ago.
2021. Disponível em: http://bichinhosdejardim.com/bom-humor-olimpico/. Acesso
em: 01 jun. 2021.
GOMES, Clara. Tira cômica “Coisa leve”. Rio de Janeiro, 15 jul. 2021. Disponível
em: http://bichinhosdejardim.com/coisa-leve/. Acesso em: 01 jun. 2021.
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Eixo 14
Linguagem e significação
RAMOS, Paulo. Faces do humor: uma aproximação entre piadas e tiras. Campinas,
SP: Zarabatana Books, 2011.
RAMOS, Paulo. Tiras cômicas e piadas: duas leituras, uma piada. 2007. Tese
(Doutorado em Letras). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-04092007-141941/pt-
br.php. Acesso em: 01 jun. 2021.
RAMOS, Paulo. Tiras livres: um novo gênero dos quadrinhos. Paraíba: Marca da
Fantasia, 2014.
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Eixo 14
Linguagem e significação
1 Considerações Iniciais
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Eixo 14
Linguagem e significação
2 Contexto Sócio-Histórico
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Eixo 14
Linguagem e significação
[...] a censura foi a principal arma do governo para centralizar o poder no executivo, já
que impedia os veículos de comunicação de fazerem denúncias, tecerem comentários
contra as ações não governamentais, mostrar ações negativas do governo e atividades
que consideravam subversivas (SILVA, 2019, p. 3).
2A primeira edição da obra Os quadrinhos: linguagem e semiótica: um estudo abrangente da arte sequencial
de Antonio Luiz Cagnin foi publicada em 1975. Neste estudo, é utilizada a edição publicada
em 2014.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Os movimentos nas histórias em quadrinhos são indicados por meio das linhas
cinéticas. De acordo com Acevedo (1990), são linhas que indicam o movimento ou
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Eixo 14
Linguagem e significação
O humor é visto por quase todos estudiosos, como um recurso, um meio, um caminho,
um instrumento, uma arma usada em todas sociedades para descobrir através da análise
crítica do homem e da vida e revelar verdades escondidas e falsificadas, permitindo uma
visão especial da vida, uma nova visão do mundo pela transposição de conceitos, uma
ampliação dos contatos com nossas realidades. (TRAVAGLIA, 1990, p. 67).
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Transcrição
— Ai, que emoção: faltam 7 gols! 7 gols pro Pelé inteirar os mil! (1ª vinheta)
— Já pensou que bacana: quando ele chegar nos 999 é atropelado e tem que amputar
as duas pernas? (2ª vinheta)
— Tá ok! Tá ok! Amputa só uma perna... (3ª vinheta)
Nessa figura, tem-se uma tira em formato vertical, constituída por três vinhetas
ausentes de linha demarcatória. O cenário é composto apenas por duas pedras, onde
os dois fradinhos se sentavam. As personagens e o cenário estão representados por
completo, sendo este o plano de visão geral. A temática é o futebol brasileiro,
3 Henfil comumente não intitulava as tiras de Os Fradinhos, portanto, o título apresentado foi
atribuído pela autora do trabalho.
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
5 Considerações Finais
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Eixo 14
Linguagem e significação
Referências
MORAES, Dênis de. O rebelde do traço: a vida de Henfil. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1996.
SILVA, Douglas Porto da; PINTO, Paulo Rodrigo Ranieri Dias Martino. A difusão
de notícias na mídia impressa brasileira no período da Ditadura Militar: censura,
imprensa alternativa e o jornal Movimento. In: XV Jornada de Iniciação Científica e
Mostra de Iniciação Tecnológica, IX, 2019. São Paulo. Anais... São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2019. Disponível em:
http://eventoscopq.mackenzie.br/index.php/jornada/xvjornada/paper/view/1663/
1065. Acesso em: 20 out. 2021.
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Eixo 14
Linguagem e significação
http://www.ileel.ufu.br/travaglia/sistema/uploads/arquivos/anais_recursos_linguiti
cos_discursivos_humor.pdf. Acesso em: 28 set. 2021.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Introdução
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Eixo 14
Linguagem e significação
1 Noções de nacionalidade
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Linguagem e significação
faixa etária II e 4 - mulher, da faixa etária II. Depois da barra, os números indicam as
localidades3.
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Eixo 14
Linguagem e significação
(1) “Tem, tem muita gente que puxa bastante o R, né, e tem uns que já fala, mas que
tem de tudo aqui, tem nordestino, tem tudo, aí é, tem gente que fala diferente, sim (1/121).”
(2) “Ah, sotaque, né, tem sotaque diferente, tem... De região, principalmente em
fazenda, certo, [...] Sempre nas fazenda tem alguém que fala... Não sei se é por causa da
mistura, porque tem...” (3/121).
Esses depoimentos são um reforço da teoria explicada por Beline (2002), além
de serem uma comprovação de que o próprio povo brasileiro, mesmo o leigo, não só
reconhece a existência dessa variedade linguística como demonstra capacidade de
relacioná-la à mistura causada pela miscigenação. O gráfico 2 mostra, em percentuais,
os índices de informantes que percebem as diferenças linguísticas locais:
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Eixo 14
Linguagem e significação
(1) INF.- Ah deve tê né, porque aqui tem tudo, é, como que fala, gente de todo lado,
paraguaio, tem uns... né, aí eles já fala diferente da gente né.
INQ.- Que língua o paraguaio fala?
INF.- Ah como que é? Castelhano né?(4/112).
(2) INF.- Não tem só paraguaio, tem aquele lá da aldeia que eis ((?=eles)) fala que é
guarani né, que é guarani por cau’do ((?=por causa do)) que é lá da aldeia (2/116).
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Eixo 14
Linguagem e significação
(2) INQ.- Assim, grupos de pessoas que falam diferente de vocês aqui.
INF.- Sem sê a língua portuguesa mesmo, são estrangera (Inf 111/1).
Considerações finais
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Eixo 14
Linguagem e significação
Referências
MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Rio de Janeiro: Ática, 2000.
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Linguagem e significação
RENAN, Ernest. Que é uma nação? Tradução de Samuel Titan Jr. São Paulo:
Plural, [1947] 1997.
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Linguagem e significação
1 Introdução
frederico.manhaes@uel.br
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Linguagem e significação
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Linguagem e significação
2 Müller e Schleicher
3 Whitney e Humboldt
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Eixo 14
Linguagem e significação
a língua (...) possa, por vezes, aparecer como o reflexo de uma mentalidade nacional,
mas o que chamamos de nação é, mais precisamente, um grupo social (...) O inegável
é que a vida em comum numa mesma unidade política cria modos de vida, atitudes,
reflexos que são próprios a esse conjunto de cidadãos e constituem efetivamente, por
oposição a outros grupos similares, o que chamamos um espírito nacional. (LEROY,
1971, p.48).
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
5 Considerações Finais
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Eixo 14
Linguagem e significação
dado, condicionante, natural - e, por quê não, divino - para a condição de material,
manipulado via interferência humana, convencional. É ultrapassado o campo de uma
fenomenologia demasiado solta em seus fins e origens para compreender os fatos de
maneira sólida e sistemática, na atribuição de seus estados e processos.
Assim, partindo de um processo que une, em especial, a Economia e a
Sociologia, com Marx e Durkheim, Saussure assegura a Linguística dentro das ciências
humanas, propondo interpretações do valor enquanto método, não mais presas a uma
visão científica naturalista. Emancipando-a, definitivamente, das ciências naturais,
Saussure a institui nas ciências humanas, preocupadas com o valor de um ponto de
vista dos fatos e fenômenos sociais. Esta emancipação tem papel decisivo na reflexão
do campo das humanidades, uma vez que designa-se à Linguística a compreensão dos
movimentos sociais por meio da comunicação discursiva em sociedades pluralistas. Tal
caráter reflexivo traz um entendimento da história e dos seus desdobramentos no
contexto atual, operando como elemento crítico sobre os processos sociais.
Referências
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2006.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Resumo: Neste estudo apresenta-se um panorama histórico acerca das relações entre
as Ciências da Linguagem e a(s) Psicologia(s). Assim, não visa a aprofundar a temática,
senão fornecer breve percurso, objetivo, sobre os pontos de contato entre as duas áreas
do conhecimento. Para tanto, serão apresentadas evidências das contribuições de uma
área à outra e vice-versa. As vertentes abordadas e seus respectivos representantes são:
a Semiologia de Ferdinand de Saussure e Roland Barthes, a Linguística Estrutural de
Leonard Bloomfield, a Gramática Gerativa de Noam Chomsky, em suas relações com,
respectivamente, a Psicologia Social e a Psicanálise (de Lacan), o Behaviorismo de
Skinner e a Psicologia Cognitiva; bem como a Semiótica de linha francesa e a Análise
de Discurso em suas relações com a Psicanálise de Freud e Lacan. Buscaremos, aqui,
estabelecer quais pontos já foram aprofundados e quais ainda podem ser
aprofundados, de forma que este trabalho possa servir de ponto de partida para um
futuro aprofundamento quanto ao estado da arte no assunto.
Introdução
Partimos aqui do pensamento de que não se pode falar em algo como uma
“teoria boa” ou “teoria ruim”. Uma teoria é boa na medida em que há nela coerência
conceitual e um modelo coerente. No entanto, para uma ciência se desenvolver como
tal, é necessário que ela dialogue com as suas próximas. Edgar Morin destaca: “a ciência
nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdisciplinar” (MORIN, 2005, pp.135-
136). Para o autor, “mesmo o conhecimento mais sofisticado, se estiver totalmente
isolado, deixa de ser pertinente” (MORIN, 2007, p. 32).
Dito isso, há uma preocupação por parte dos autores com respeito às relações
entre a Linguística e as ciências próximas a ela em geral; a Psicologia, em particular.
Tecer tais relações, no entanto, é tarefa exaustiva, dadas as diversas vertentes e
franzon.schurmann@uel.br.
3 Professora do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Londrina
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Eixo 14
Linguagem e significação
abordagens tanto de uma como de outra ciência. O presente estudo propõe-se, assim,
breve panorama sobre o tema, apresentando relações entre escolas específicas de cada
uma das disciplinas.
As relações apresentadas serão o projeto semiológico de Saussure; a relação entre
significante e significado na linguística, na semiologia e na psicanálise; o estruturalismo
“antimentalista” de Bloomfield e o behaviorismo, especificamente a abordagem de
Skinner; o gerativismo e o nascimento da ciência cognitiva; as relações desta com os
estudos da linguística textual; a transdisciplinaridade da Análise do Discurso
pecheutiana, que une, ao lado da teoria da ideologia de Althusser, a linguística e a
psicanálise; e a possibilidade de uma articulação entre psicanálise e semiótica. Por fim,
teceremos breves conclusões sobre as relações que foi possível traçar e serão
enumeradas algumas das que não se pôde fazê-lo.
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Bloomfield e o comportamento
pelo menos para Saussure, Hjelmslev e Frei, como os significados fazem parte dos
signos, a Semântica deve fazer parte da Linguística Estrutural, enquanto, para os
mecanistas americanos, os significados são substâncias que devem ser expulsas da
Linguística e dirigidas para a Psicologia. (BARTHES, 2012, p. 42)
Ora, é disto que se trata a abordagem não mentalista: afastar da Linguística uma
investigação que caberia a outra área do conhecimento. Isso não quer dizer que algo
de psicológico não se atenha ao método bloomfieldiano. Uma forte consequência
epistemológica para ele é o fato de que Bloomfield define a língua a partir de um
conceito psicológico; define-a como comportamento aprendido, tese com a qual,
veremos a seguir, o maior de seus sucessores rechaça com veemência.
Chomsky e o cognitivismo
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Eixo 14
Linguagem e significação
A partir dessa nova visão, Chomsky definira o que chama de modelo perceptual
(não mais uma caixa preta, como no caso dos behavioristas), em que as entradas e as
saídas não são mais estímulo e resposta, mas sinais e outras informações e
representações sintática, semântica e fonética. O gerativista argumenta que descobrir
as características de um tal modelo é um problema central para a psicologia.
Outro ponto de ruptura trazido pela rejeição do modelo comportamental é
que, não há mais razão para supor que os princípios que governam a fala sejam
aprendidos. Afirmando que a faculdade da linguagem é biologicamente inata, Chomsky
(2006) insiste no ponto que os comportamentos linguísticos não devem ser assumidos
como aprendidos. Para ele, ainda (Ibid.), a performance linguística é governada por
princípios de estrutura cognitiva.
Barthes
recém-esboçada e ainda frágil, buscou ela avidamente, posso dizer, contato com outras
ciências, outras disciplinas, outras exigências. Faz dez anos que a Semiologia (francesa)
se movimenta consideravelmente: forçada a deslocar-se, a arriscar bastante em cada
encontro, manteve ela um diálogo constante e transformador com: o estruturalismo
etnológico (Lévi-Strauss), a análise das formas literárias (os formalistas russos, Propp),
a Psicanálise (Lacan) [...]. (BARTHES, 2012, p. 10, grifo nosso)
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Eixo 14
Linguagem e significação
em dois pontos: 1) O significante (S) é global, constituído por uma cadeia de níveis
múltiplos (cadeia metafórica): significante e significado estão numa ligação flutuante e
só ‘coincidem’ por certos pontos de ancoragem; 2) A barra de separação entre o
significante (S) e o significado (s) tem um valor próprio (que não tinha, evidentemente,
em Saussure): representa o recalcamento do significado (BARTHES, 2021, p. 63)
Linguística Textual
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Eixo 14
Linguagem e significação
Semiótica e Psicanálise
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Eixo 14
Linguagem e significação
Considerações finais
Como vimos, não é possível dizer que haja uma relação biunívoca entre a
Linguística e a Psicologia, visto que as várias vertentes de cada grande área do
conhecimento são por vezes incompatíveis entre si. Procuramos, assim, demonstrar
que as relações que as diferentes abordagens linguísticas tiveram com as disciplinas
psicológicas que com elas dialogam engendraram — ou podem engendrar —
consequências sobre seus respectivos pressupostos teóricos e metodológicos.
Por se tratar de um panorama, não foram incluídas neste estudo diversas outras
vertentes, tanto da Linguística quanto da Psicologia. Não falamos, apenas para citar
dois exemplos, da linguística cognitiva de Steven Pinker ou da psicolinguística. Trata-
se, portanto, de um tema a ser aprofundado.
Referências
KOCH, I. Introdução à Linguística Textual. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
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Eixo 14
Linguagem e significação
SAUSSURE, F. de. Curso de Linguística Geral. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
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Linguagem e significação
1.Introdução
franzon.schurmann@uel.br.
3 Professora do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Estadual de Londrina
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Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
No escopo dos estudos linguísticos, morfologia é a área que estuda a forma das
palavras em diferentes usos e construções. Desse modo, os estudos morfológicos
abrangem (a) a análise da estrutura interna das palavras em seus constituintes menores
dotados de expressão e conteúdo, chamados morfemas, (b) as diferentes funções
dessas unidades e (c) os vários mecanismos responsáveis pelas criações de novas
unidades. (GONÇALVES, 2019, p. 14)
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
também requer uma mudança na língua. Assim, temos que refletir: como a língua muda
e o que é passível de mudança? A realidade da língua é a mudança, contudo, a própria
mudança não foge às regras estruturais do sistema. Se a transformação da língua fosse
caótica, seria impossível a comunicação, já que estaríamos todos usando variações
distintas. Faraco (2005) elucida como ocorre a mudança na língua sem que o sistema
perca sua organização:
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Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
As três primeiras dessas dimensões aparecem em resposta a uma pergunta: quais são
os fatores que condicionam a diversidade linguística? E ele [William Bright] distingue
três fatores principais: a identidade social do falante, a identidade social do destinatário
e o contexto, situando-se assim no marco de uma análise linguística que tomou
emprestadas noções-chave da teoria da comunicação (emissor, receptor, contexto).
[…] Seus estudos, ele acrescenta, dizem respeito às relações entre linguagem e
sociedade, mas essa definição é vaga, e ele então esclarece que “uma das maiores
tarefas da sociolinguística é mostrar que a variação ou a diversidade não é livre, mas
que é correlata às diferenças sociais sistemáticas. (CALVET, 2002, p. 21)
Para compreendermos ainda melhor o que nos diz Bright podemos recorrer a
um dos trabalhos feitos dentro da sociolinguística. Um bom exemplo é o de Bernstein
(apud CALVET, 2002) que trabalhou a diferença das produções textuais de crianças de
classe baixa e alta. Nesse trabalho ele reconhece que as crianças de classe baixa
construíam seus textos de forma bem mais simples, sem aporte imagético: “Eles jogam
futebol, ele chuta, quebra a vidraça etc.” (CALVET, 2002). Enquanto as crianças de
classe alta produziam textos mais complexos com usos imagéticos: “Meninos jogam
futebol, um deles chuta, a bola atravessa a janela e quebra uma vidraça etc.” (CALVET,
2002). O autor justifica essa diferença pelo próprio ambiente, ao qual as crianças estão
expostas. Sua educação e socialização serão certamente distintos, e, logo, para além de
outras determinações, a posição social determina os comportamentos linguísticos.
Assim, as formas linguísticas e variações que utilizamos não são escolhidas a
esmo, têm muito de nossa própria posição social e a quem nos dirigimos. Não somos
coordenados pela concordância da “língua oficial”, mas pela participação nas normas
que compartilhamos na nossa sociedade falante (LABOV, 2020). Mesmo que a
classificação de algo tão volátil quanto uma variação linguística seja no mínimo
complicado, na teoria variacionista, há algumas classes de variação a que podemos
recorrer. A classe que nos interessa é a diastrática, que como nos expõe Lagares, é a
variação pela qual os atores sociais se reconhecem nos grupos sociais:
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
objeto da formação dos signos é a ideologia, essa, por sua vez, será uma refração da
realidade. Os signos ideológicos não representam a coisa em si, mas apenas uma parte
de sua realidade, e por isso um mesmo objeto pode gerar diferentes signos. Como, por
exemplo, é o caso da cruz, dentro das sociedades antigas ela era um instrumento de
tortura, mas dentro da ideologia cristã ela representa a morte de Jesus pelos pecadores.
Assim, o signo é uma experiência externa ao sujeito, sendo que ele sempre será criado
nos grupos ideológicos e só terá o significado opondo ou concordando com outros
signos de seu âmbito. Dessa forma, para que surjam signos é necessário muito mais
que dois homens, eles precisam estar socialmente organizados pela coletividade. O ato
comunicativo é intrínseco ao signo, pois esse só existirá enquanto relação com o outro.
Ora, algo só se torna signo pela necessidade de representação, se esse não é
compartilhado, não tem o porquê de sua existência.
Sobre a realidade da palavra, Volóchinov (2017), diz estar totalmente ligada à
sua função de signo, tornando esse o meio mais apurado e importante da comunicação
individual. A palavra é importante para esse propósito principalmente por ser um signo
neutro. Como vimos anteriormente, alguns signos ligam diretamente ao seu campo
ideológico, como no caso da cruz, mas a palavra caminha com facilidade entre todos
esses e pode se tornar parte de qualquer um. Os conteúdos dessas formas sígnicas
serão enviesados, não criamos signos de tudo, apenas daquilo que tenha o mínimo de
pertinência social: “somente aquilo que adquiriu um valor social poderá entrar para o
mundo da ideologia, tomar uma forma e nele consolidar-se.” (VOLÓCHINOV, 2017,
p. 111). Assim os signos sociais mudarão de acordo com as exigências ideológicas do
contexto: “Ao realizar-se no processo da comunicação social, todo signo ideológico,
inclusive o signo verbal, é determinado pelo horizonte social de uma época e de um
grupo social.” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 110).
Logo, a vida sígnica tem relação direta com os embates ideológicos na
sociedade, é somente a partir dessa tensão e diferentes direcionamentos do signo que
farão com que ele seja pertinente para a comunicação social. Na teoria bakhtiniana, a
retirada do signo da disputa social, significa a morte deste: “O que determina a refração
da existência no signo ideológico? O cruzamento de interesses sociais
multidirecionados nos limites de uma coletividade sígnica, isto é, a luta de classes”
(VOLÓCHINOV, 2017, p. 112). Hoje poderíamos ampliar, repensar e
recontextualizar essa ideia bakhtiniana da luta de classes estar refletida e refratada no
signo, para também englobar as lutas de gênero, lutas contra o racismo, lutas contra o
machismo etc.
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Linguagem e significação
6.Considerações finais
Referências
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Linguagem e significação
GNERRE, Maurizio. Linguagem escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
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Linguagem e significação
Introdução
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Eixo 14
Linguagem e significação
Por conta desse e de outros fatores, o nível lexical tem sido alvo de análises
linguísticas em diversas áreas, dentre as quais destacamos a Dialetologia, método
geolinguístico por meio do qual se investigam os falares/dialetos de diversas
localidades considerando sua distribuição geográfica (perspectiva monodimensional)
e/ou características sociais de seus falantes (perspectiva pluridimensional).
No caso do Português Brasileiro, pesquisas dialetológicas de natureza lexical
têm sido realizadas a fim de se verificar os limites e investigar as particularidades das
áreas dialetais brasileiras (RIBEIRO, 2012; PORTILHO, 2013; ROMANO, 2015;
SANTOS, 2016; SANTOS, 2018). Para tanto, os pesquisadores têm se baseado em
Nascentes (1953), o qual propôs para o Brasil a divisão em dois grandes dialetos, o do
falar do Norte, composto pelos subfalares amazônico e nordestino, e o falar do Sul,
composto pelos subfalares baiano, fluminense, mineiro, sulista e uma área que
Nascentes denominou de território incaracterístico.
Neste artigo, enfocamos a área do subfalar nordestino, na qual buscamos
investigar as variantes lexicais atribuídas ao bicho-da-fruta, larva da mosca-da-fruta, nome
popular para o inseto anastrepha obliqua, item investigado na questão 86 (Como se chama
o bichinho branco, enrugadinho, que fica dentro da goiaba ou do coco?) do Questionário
Semântico Lexical (QSL) do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB).
Vale ressaltar que a área do subfalar nordestino não corresponde fielmente à
delimitação geográfica e política da região Nordeste, uma vez que esta corresponde
aos estados Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Sergipe, e Bahia; enquanto aquela contempla os mesmos estados, com
exceção de Bahia e Sergipe, além de abarcar o nordeste do Tocantins. Estes últimos,
segundo Nascentes (1953), compõem o subfalar baiano, inserido no Falar do Sul.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Procedimentos metodológicos
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Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Por meio da distribuição diatópica das lexias, notamos que se trata de uma área
heterogênea, na qual a lexia bicho é hegemônica, presente em todos os estados
contemplados, abrangendo 43% do total de registros; lagarta, segunda variante mais
recorrente, com 23%, também foi elicitada em todos os estados, porém de forma
menos expressiva; tapuru, 16,5%, mais recorrente no litoral oriental do subfalar
nordestino; gongo, 5%, registrada no PI, MA, e CE, além da área de entorno no PA; e
morotó, 2%, presente no sul do PI e oeste de PE, além de municípios da BA, fora dos
limites do subfalar nordestino.
Além destas, foram registradas as variantes larva (com sete registros), minhoca
(cinco registros), broca (com quatro registros), corongo, mosca branca, lêndia, piolho, lesma,
rosca, coró, e caraquinha de goiaba (com um registro, cada).
A fim de analisar a densidade dessas variantes, elaboramos cartas de arealidade,
apresentadas nas Figuras 3 a 7, expostas e discutidas nas subseções seguintes.
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Linguagem e significação
A Carta L13 do ALiB (CARDOSO et al, 2014) mostra que a lexia é fortemente
disseminada no Norte brasileiro e também em algumas capitais do Nordeste, como em
São Luís (MA), João Pessoa (PB), Recife (PE) e Maceió (AL).
Na região do subfalar nordestino, de acordo com a Figura 5, foi registrada
principalmente na faixa que inicia no centro do PI, em direção ao centro do CE e toda
a PB, se dissipando pelo litoral leste da área, além de também ser registrada no MA
(pontos 26 – São Luís e 28 – Bacabal), ao oeste. Nota-se ainda que a lexia tapuru é mais
produtiva na área onde não foi registrada a forma bicho, coexistindo apenas com a
variante lagarta, em grande parte das localidades.
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Eixo 14
Linguagem e significação
A lexia gongo, juntamente com suas variantes bigongo e gongolô, foi registrada ao
oeste da região do subfalar nordestino, mais precisamente no norte do PI, em direção
ao centro-oeste e sul do MA, e nordeste de TO; também registrada no ponto 15 –
Marabá (PA), localizado na área de entorno.
Assim como as notas sobre a Carta L13a do ALiB evidenciam que um
informante de Porto Velho (RO) atribui nomenclaturas diferentes para os bichos da
goiaba e do coco, sendo este último denominado gongo, enquanto o da goiaba é
chamado minhoca, larva ou tapuru; informantes maranhenses também fazem diferença
entre os bichos. Para eles, apenas o encontrado no coco, chama-se gongo ou bigongo, em
contrapartida, o presente na goiaba não tem um nome específico, recebendo a
nomenclatura genérica de bicho:
Excerto 1
(INF 029/01, Imperatriz (MA))
INQ. – E aquele bichinho branco, enrugadinho, que dá na goiaba?
INF.– Eh... fala só bicho-da-goiaba, dêxa eu vê, ele...
INQ. – É como vocês chamam aqui.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Excerto 2
(INF 029/04, Imperatriz (MA))
INQ. – ... aquele bichinho branco, enrugadinho, que dá em goiaba, em coco?
INF.– Nois chama aqui bicho de goiaba mehmo.
INQ. - E o que dá em coco?
INF. – O que dá no coco é bigongo, já comi tanto. Morro de saudade...
INQ. – E como é o bigongo?
INF. – A gente frita. Mamãe trazia... mamãe quebrava coco, aí a gente fritava,
comia com arroz, tão gostoso... Crocante, ele fica crocantinho...
INQ. – E é um bichinho bem limpinho, né, (inint.)
INF. – Ah, é uma delícia, uma delícia! Eu comi muito!
INQ. – Ele é bem branquinho, né?
INF. – Bem alvinho... Aquilo ali, a gente fura ele é só o leitinho. Já comi muito!
INQ. – Ah, eu imagino...
INF. – E quando frita ele fica tão sequinho...
INQ. – Deve ser gostoso, o povo (=?experimenta) só do coco...
INF. – Ah, pense!
Excerto 3
(INF 032/03, Balsas (MA))
INF. – Eh..., nós usa, aqui, chamando bicho, mehmo, bicho de goiaba, é.
INQ. – E o que dá no coco? Aquele enrugadinho que dá no coco?
INF. – Aqui, nós usa, chamá aquelas caraquinha de goiaba, né?
INQ. – Uhn rũ. E o do coco? Do coco? O bichinho que dá no coco? Por
exemplo, no coco babaçu, às vezes, dá aquele bichinho.
INF. – Ah, o gongo. Aquele é o gongo.
INQ. – É o gongo?
INF. – É.
Excerto 4
(INF 033/03, Alto Parnaíba (MA))
INQ. – É... Como é esse gongo que o senhor fala?
INF.– É a mesma coisa da... bicho vareia. Tem de vários tipos né? Da goiaba
dá o que a gente chama de bicho mesmo.
INQ. – Da goiaba chama de bicho mesmo?
INF.– É, enrugadinho. Ou gongo, tanto faz. As características são...
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Eixo 14
Linguagem e significação
INQ. – Tanto se ele... Mas eu digo o senhor chama de gongo pro que dá na
goiaba?
INF.– Bicho é o que dá na goiaba.
INQ. – Bicho? E o que senhor chamou de gongo?
INF.– O que dá no coco.
INQ. – Em que coco?
INF.– É o babaçu. Palmeira.
INQ. – Ah, então tem uma diferença?
INF.– Tem diferença.
INQ. – Eu chamo de bicho-da-goiaba? E gongo?
INF.– É. Que ele é mais longo. E o outro é corcundinha assim. O bichinho
bem feitinho.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Considerações Finais
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Eixo 14
Linguagem e significação
pois foram registradas lexias de origem latina, tupi e africana, refletindo a história do
nosso país.
Referências
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Eixo 14
Linguagem e significação
- 215 -
Eixo 14
Linguagem e significação
Giovanna Freitas1
Resumo: O presente artigo realiza uma análise dos poemas “A flor e a náusea” (1945),
e a “Escada” (1954), do poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, a fim de
observar as relações, como também às significações presentes nos poemas, uma vez
que o poeta utiliza as imagens como estratégia poética. O primeiro poema faz parte de
um momento sócio-histórico brasileiro em que o eu lírico expressa em seus versos as
suas reflexões sobre a sociedade por meio da significação da imagem flor, a qual
significa a pureza e a liberdade, e busca por meio desta romper e purificar o sujeito
social que sofre frente às transformações sociais, políticas e culturais. O segundo,
mostra ao leitor outro tema, o amor erótico, em que o poeta utiliza a imagem da escada
e suas significações para demonstrar a ascensão de um sentimento. Para este estudo,
utilizamos os teóricos Antonio Candido (2006) sobre os fatores sociais; Octavio Paz
(1982) para o conceito de significação; e acerca da imagem Alfredo Bosi (1977) entre
outros teóricos pertinentes a esta pesquisa.
Introdução
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Eixo 14
Linguagem e significação
alternância entre o verso livre e o metrificado na composição dos seus poemas. O livro
é um poderoso olhar, partindo da perspectiva do modernismo brasileiro, acerca das
transformações históricas, sociais e culturais da Segunda Guerra Mundial,
desenvolvendo em sua escrita uma divisão ideológica, uma perspectiva da vida nas
cidades, da morte e do amor.
John Gledson faz algumas considerações sobre a poesia de Drummond
contida no livro A rosa do povo (1945), o autor ressalta a concretude nos versos do poeta:
“A poética inteira de Drummond em A rosa do povo – nunca é demais ressaltar a
importância deste fato – baseia-se na sua confiança de que os poemas são formas vivas
que refletem as formas vivas do mundo objetivo: a rosa do povo, concretamente”.
(GLEDSON, 1981, p. 196).
Em 1954 publica a obra Fazendeiro do ar, três anos depois da publicação de Claro
enigma (1951), é composta por um conjunto de versos que ainda se desenvolvem na
perspectiva de observar o ciclo da vida e de questionar o sentido das coisas. A obra
possui um tom noturno no desenvolver dos poemas, mas em contrapartida deste tom
noturno, o Fazendeiro do ar (1954) permeia o erotismo e a vida no poema “Escada”.
Para este artigo, analisaremos o poema “A flor e a náusea” da obra A rosa do
povo (1945) e o poema “Escada” inserido na obra Fazendeiro do ar (1954). Para este
estudo, partimos de temas transversais recorrentes nas referidas obras de Drummond,
tais como a posição social do eu lírico frente às transformações sociais, o amor e o
erotismo.
- 217 -
Eixo 14
Linguagem e significação
O poema “A flor e a náusea” estruturado com nove estrofes possui uma forte
crítica social permeada de um lirismo social latente. O eu lírico se envolve em uma
problemática social, mas ao mesmo tempo tem como característica uma hesitação na
sua capacidade de contribuir, denunciar e transformar o seu contexto social.
A FLOR E A NÁUSEA
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Na sexta estrofe, o eu lírico relembra com dor a sua posição social na sociedade,
já que em sua juventude se declarou anarquista, “Ao menino de 1918 chamavam
anarquista”, porém agora se vê condicionado e submisso a esta sociedade como tantos
outros. O momento da esperança de um possível rompimento com esta imposição é
mostrado pelo autor na sétima estrofe e em seu primeiro verso “Uma flor nasceu na
rua!”, ao descrever a flor frágil e desprotegida que nasce em meio à rigidez do asfalto
demonstra que ainda há esperança, e por ser algo tão inusitado tem a capacidade de se
camuflar enganar o sistema, “Uma flor ainda desbotada/ilude a polícia, rompe o
asfalto.”.
A flor que mesmo feia rompe com o asfalto maciço e tem a coragem de nascer
em meio a uma cidade em constante desenvolvimento capitalista como um “rio de aço
do tráfego.” É desta figura de pureza que o autor usa a flor como um símbolo de
liberdade e esperança, mesmo pequena perturba a ordem social estabelecida,
desabrocha frente às transformações do seu tempo e simboliza, além da esperança, a
fé diante do desespero.
ESCADA
Na curva desta escada nos amamos,
nesta curva barroca nos perdemos.
O caprichoso esquema
unia formas vivas, entre ramas.
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Eixo 14
Linguagem e significação
E mortos, e proscritos
de toda comunhão no século (esta espira
é testemunha, e conta), que restava
das línguas infinitas
que falávamos ou surdas se lambiam
no céu da boca sempre azul e oco?
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Eixo 14
Linguagem e significação
escada, ó assunção,
ao céu alças em vão o alvo pescoço,
que outros peitos em ti se beijariam
sem sombra, e fugitivos,
mas nosso beijo e baba se incorporam
de há muito ao teu cimento, num lamento.
(DRUMMOND, 2012, p. 45).
A estrutura do poema nos remete a uma escada, pela maneira como o escritor
estruturou seus versos em uma espiral constante, com pontos finais apenas no final de
cada estrofe, utiliza a vírgula para uma sensação de continuidade. A escada como
imagem tem um significado ao longo da história, aparecendo em alguns momentos
significativos como um ligamento a algo a mais, a algo superior. Na Bíblia cristã, temos
a escada de Jacó3 que liga a terra ao céu, o mundo dos mortais com o mundo celestial.
Além disto, a imagem do objeto escada lembra uma travessia, mais
precisamente a barca de Caronte4, o qual na Mitologia Grega é o barqueiro de Hades.
Sua função é atravessar as águas do rio Estige e Aqueronte e levar as almas do mundo
dos vivos para o mundo dos mortos, denominado Hades. A escada também nos
remete a uma ponte ou a uma torre, lembrando também da torre de Babel5 construída
para alcançar o mundo dos deuses e chegar na porta do céu.
No referido poema vemos como tema central o amor. O poema inicia com o
seguinte verso, “Na curva desta escada nos amamos,” temos como referência a imagem
da escada, em que em suas curvas o amor desenrola-se. Já no segundo verso
percebemos que o sentimento faz com que o eu lírico reflita sobre esta relação, “nesta
curva barroca nos perdemos.” O erotismo presente na segunda estrofe se destaca no
primeiro e segundo verso “Lembras-te, carne? Um arrepio telepático /vibrou nos bens
municipais”, neste momento temos o indício que a escada da qual o autor se refere no
início do poema é de um imóvel municipal.
A saudade permeia os versos do poema como “das línguas infinitas /que
falávamos ou surdas se lambiam /no céu da boca sempre azul e oco?”. O eu lírico
sente falta da pessoa amada, e nesta falta questiona aquele amor, ou o que poderia
obter daquele relacionamento, “mas que restava, que restava?/Ai, nada mais restara,”.
O eu lírico nos encaminha para o fim do poema, como também para o fim desta união
função era transportar as almas para além dos rios do Hades, pelo pagamento de um óbolo.
(BRANDÃO, 1986, p. 317).
5 Segundo o Antigo Testamento (Gênesis 11,1-9), a torre de Babel foi construída pelos
descendentes de Noé na Babilônia, a intenção da construção era de construí-la tão alta que
alcançasse o céu. A torre vista por Deus como soberba, provoca sua ira e castiga os mortais
ao confundir a linga de todos e por toda a terra. Disponível em: Bíbliaon-Bíblia sagrada Online.
<https://www.bibliaon.com/versiculo/genesis_11_1-9/ > Acessado em: 03 jul. 2021.
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Eixo 14
Linguagem e significação
com o verso, “Aqui se esgota o orvalho, /e de lembrar não há lembrança.” Após este
momento de lamentação chegamos ao fim do poema, ou a base desta escada, a parte
que é presa ao chão, que nos remete ao que é sólido, ao real, “mas nosso beijo e baba
se incorporam /de há muito ao teu cimento, num lamento”.
O amor estruturado na imagem da escada ocorre também em O Banquete6 de
Platão em forma de metáfora chamada de “escada do amor”, a ascensão de seu amor
através da scala amoris. Neste banquete, a imagem da escada é usada por Diotima7,
sarcedotista da arte de amar. Ela utiliza a escada para ter a ascensão ao amor, uma vez
que irá buscar de maneira insaciável atender aos desejos de seu apaixonado e para isso
faz uso das “belezas” do mundo dos mortais.
Assim, podemos analisar o poema de Drummond por meio desta perspectiva
da scala amoris. A construção do poema se desenvolve de forma ascendente,
primeiramente, o poema descreve um relacionamento pautado pela atração física e
posteriormente, evolui para um sentimento. Há uma ascensão do sentimento do eu
lírico que passa a lamentar a ausência da sua amada.
Considerações Finais
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Eixo 14
Linguagem e significação
o céu coincide com o céu da boca da pessoa amada. O paraíso para o eu lírico é através
do prazer, mas este se esvai rapidamente ao decorrer da escada ou dos seus
sentimentos, esta passagem de tempo transforma este amor erótico para um
sentimento, porém esta relação não é duradoura e se finda em cimento.
Referências
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega- vol I- Rio de janeiro: Vozes Ltda, 1986.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira / Alfredo Bosi. – 50. ed. – São
Paulo: Cultrix, 2015
BOSI, Alfredo. 1936- O ser e o tempo da poesia. São Paulo, Cultrix, Ed. da Universidade
de São Paulo, 1977.
CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. - 9ªed- Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2006.
PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: editora Nova Fronteira, 1982.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Resumo: O verbo ser é considerado verbo de ligação, cópula, verbo estativo, pois tem
a função de ligar o sujeito e suas características, chamadas de predicativo do sujeito.
Nem todas as línguas, porém, apresentam um verbo para realizar essa função. A
variedade de realizações nas línguas conhecidas é bastante grande. Assim, esta pesquisa
tem como objetivo analisar como as orações construídas com o verbo ser em
português são realizadas em Kaingang, pois, como afirmado na pesquisa de
Domingues (2013), não há um elemento lexical específico para essa função no
Kaingang. A metodologia deste artigo consiste em uma pesquisa qualitativa.
Inicialmente, pretendíamos, após contar com os materiais teóricos já existentes em
relação ao tema, fazer uma pesquisa de campo. Porém, devido à pandemia da
COVID19, não foi possível realizar tal pesquisa de campo. Dessa maneira, foi
necessário recorrer a encontros virtuais, mensagens de texto e ao livro Brilhos na
Floresta em Kaingang, traduzido pela professora Kaingang Damaris Kanĩnsãnh
Felisbino, também colaboradora nesta pesquisa. Assim, com base nas pesquisas de
Domingues (2013) e Domingues e Silveira (2020), analisamos os dados coletados,
apresentando a maneira como o verbo ser se apresenta na língua Kaingang.
Introdução
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Eixo 14
Linguagem e significação
copulativos são: ser, estar, continuar, permanecer, ficar, andar, parecer, tornar-se e
revelar-se. Esta pesquisa aborda o verbo ser.
Dessa maneira, o objetivo geral desta pesquisa consiste em estudar como as
orações que têm verbo ser em português são realizadas na Língua Kaingang, pois,
como afirmado na pesquisa de Domingues (2013), não há um elemento lexical
específico para essa função no Kaingang.
Outro objetivo da presente pesquisa é fornecer fundos teóricos para a
compreensão do verbo ser na língua Kaingang, os quais usaremos na elaboração da
referida gramática pedagógica.
1 Metodologia
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Eixo 14
Linguagem e significação
Silveira (2020), essa marcação é exercida por meio de itens lexicais que desempenham
a função de aspecto.
Nos exemplos dados pelos autores, é possível analisar as seguintes sentenças
elicitadas, a primeira não tendo o copulativo em Kaingang, mas tendo a mesma
correspondência temporária que a oração em Português, e a segunda apresentando em
Kaingang um verbo estativo gramaticalizado atribuindo aspecto temporário ao
adjetivo em posição de verbo:
1) Gĩrvỹ og sór mũ
menino MS tomar líquido querer ASP (sentido temporário)
‘O menino está com sede.’ (lit. ‘O menino quer tomar líquido’)
2) ka vỹ téjgy jẽ
árvore MS alta ASP (sentido temporário)
‘A árvore é alta.’
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Eixo 14
Linguagem e significação
5) Pedro vỹ jũ nĩ
Pedro MS bravo ASP
‘Pedro está bravo.’
6) gĩr vỹ kaga mũ
criança MS doente ASP
‘O menino está doente.’
Dessa maneira, pode-se afirmar que, segundo os autores, o morfema jẽ marca
um estado permanente, enquanto os morfemas mũ e nĩ marcam um estado temporário
ou momentâneo.
Sendo assim, poderia se pensar nas partículas mũ e nĩ como o verbo estar e a
partícula jẽ como verbo ser. Porém, a autora e seu orientador levantaram um
questionamento a partir do seguinte exemplo:
7) kukrũ vỹ kusa nĩ
panela MS fria ASP
‘A panela é fria.’
Uma panela é fria naturalmente. Para que ela esteja quente, é necessária a
circunstância de estar no fogo. Apesar disso, pode-se notar que o marcador usado é o
nĩ, que expressa estado temporário em (7). Assim, um verbo estativo/descritivo de
sentido temporário estava sendo usado como sentido permanente, ao menos do ponto
de vista do não Kaingang.
A partir do questionamento desse questionamento, respondido por um
colaborador, foi possível concluir que o formato do objeto interfere na marcação de
aspecto, pois, como já dito, a cosmologia Kaingang é formada por metades que se
completam: os Kamẽ, com traços compridos; os Kanhru, com traços redondos.
Assim, a panela, objeto de formato redondo, recebe a marcação de aspecto nĩ.
Com isso, pode-se afirmar, segundo Domingues (2013), que a partícula jẽ expressa
estado permanente e as partículas nĩ e mũ, estado temporário. Contudo, nas orações
em que se tem um sujeito de traço semântico arredondado, a partícula nĩ é utilizada
para estado permanente.
Com isso, pode-se ressaltar a importância do que é considerado extralinguístico
(a questão da cosmologia) na questão sintático-semântica, aquele influenciando este,
como já aventado em Guerra, Silveira e Felisbino (2020).
Diante do referencial teórico apresentado acerca dos verbos
estativos/descritivos na língua Kaingang, foram selecionadas algumas frases simples
com o verbo ser para que se pudesse analisar como elas se dão no Kaingang. Com o
auxílio da colaboradora Kaingang, chegou-se a alguns exemplos.
Como primeiro exemplo, temos a seguinte oração:
8) Jéssica fi vy͂ tỹ professora je͂
Jéssica MF MS EXIST professora ASP (em pé)
‘Jéssica é professora’
Na oração 10, é possível observar o marcador de aspecto je͂ desempenhando a
função de verbo estativo/descritivo de sentido temporário, pois, segundo a
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Eixo 14
Linguagem e significação
participante Kaingang, o sujeito Jéssica pode deixar de ser professora. Outro fator foi
também foi responsável pelo uso desse marcador, pois o sujeito da oração, nas palavras
dela, passa a impressão de estar em pé, provavelmente pela imagem que se tem do
professor, em pé, ministrando aula.
A oração seguinte (11) foi:
9) Toto vy͂ son ky͂ ni͂gti͂.
Borboleta MS pintura POSP. formadora de verbo ASP (estar sentado)
‘A borboleta é colorida’
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Linguagem e significação
14) Ka vỹ téjgy jẽ
árvore MS alta ASP (sentido duradouro/permanente)
‘A árvore é alta.’
16) Mũ ag mũ
Ir eles ASP
‘Eles estão indo’
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Linguagem e significação
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Linguagem e significação
2 Nem todos os verbos em Kaingang recebem alguma forma de flexão indicativa de futuro,
tempo que é geralmente indicado pelo morfema ke, classificado como verbo intransitivo por
Wiesemann (2011, s.v. ke).
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Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Considerações finais
Pode-se concluir que a representação das orações com verbo ser é realizada por
meio de itens lexicais que desempenham a função de marcadores de aspecto, sendo
eles mũ, nĩ e jẽ. Inicialmente, tentou-se, em comparação com a língua Portuguesa,
indicar quais desses marcadores exerceriam a função de estado permanente e estado
temporário com mais regularidade, como ocorre com os verbos ser e estar. Após as
investigações, concluiu-se que os marcadores de aspecto citados não exercem apenas
sentido permanente ou temporário. O contexto de uso é o que irá determinar isso. Isso
se assemelha ao que ocorre na língua Inglesa com o verbo to be, que ora significa ser,
ora significa estar.
De acordo com Schmitt (1992, 2005), o verbo ser possui uma leitura aberta,
sendo potencialmente, mas não exclusivamente permanente. Assim, diferentemente
do verbo estar – que possui uma leitura transitória – o verbo ser pode adquirir outros
significados de acordo com o contexto. Dessa maneira, pode assumir contextos
estativos. Isso ocorre, por exemplo, em 20 e 21. Trata-se de uma atribuição tida como
permanente no português do Brasil, porém é temporária, pois ser cacique não é um
cargo vitalício.
Além disso, o marcador nĩ também é utilizado quando se quer passar a ideia de
estar sentado e quando faz referência a algo pertencente ao grupo Kanhru (redondo),
como no caso do exemplo “a borboleta é colorida” e “a panela é fria”. Já o marcador
jẽ é utilizado quando se tem a ideia de o referente estar em pé e quando o sujeito
pertence ao grupo Kamẽ (comprido). Quando o referente se encontra no plural, o
marcador utilizado é o ny͂ ti͂. Quando o referente se encontra pendurado (como nos
exemplos “seu cabelo era longo” e “o quadro da sala de aula é branco”), o marcador
de aspecto utilizado é o sa. Além disso, o marcador de aspecto vẽ, quando unido ao jẽ,
é utilizado com sentido de algo no passado.
Dessa maneira, pode-se concluir a importância de aspectos culturais e sociais
na estrutura da língua Kaingang. Isso se dá porque sua lenda de origem determina a
divisão social do povo e interfere na gramática da língua também, como é o caso da
utilização de marcadores diferentes de acordo com o grupo a que o referente pertence
(Kamẽ ou Kanhru).
Espera-se que esta pesquisa sirva, também, para que outros pesquisadores se
interessem pelos estudos da língua Kaingang e de seu povo, para que seja possível
auxiliar na descrição, preservação e revitalização da língua Kaingang.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Referências
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Linguagem e significação
Resumo: Este trabalho foi desenvolvido a partir dos estudos propiciados pela linha
de pesquisa Territórios do Político, do Programa de Pós-graduação em História Social,
da Universidade Estadual de Londrina - UEL. Objetiva analisar de que forma as
manifestações nacionais, ocorridas no mês de junho de 2013, foram noticiadas pela
imprensa brasileira, quais atores se sobressaíram e que instrumentos discursivos foram
usados para este fim. Deste modo, foi priorizada a cobertura realizada pela revista
semanal “Veja”. O estudo foi desenvolvido a partir da análise da literatura
especializada, com destaque para a obra de Michel Foucault, no que o autor definiu
como formas de controle social dos discursos. Já no que diz respeito à metodologia,
utilizou-se a análise de conteúdo temática, assim como pressupõe Laurence Bardin. A
partir do estudo foi possível entender que, ao optar por noticiar as manifestações em
seus termos, a revista “Veja”, colaborou para colocar na cena pública, grupos com
ideais autoritários, que não compartilhavam a mesma visão política da empresa e que
poderiam vir a prejudicar, em muito, a atuação da imprensa livre brasileira.
Introdução
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Eixo 14
Linguagem e significação
Um gigante que desperta: caminhos para uma análise das Jornadas de Junho
“Se a tarifa não baixar a cidade vai parar”, é o recado que consta em um dos
cartazes de manifestantes que foram às ruas em 2013, e pediam a revogação do
aumento da tarifa de ônibus e metrô – uma taxa de aumento de 0,20 centavos –
3O “Movimento Brasil Livre” foi fundado em 2014, por um grupo de jovens, dentre eles Kim
Kataguiri, atualmente eleito Deputado Federal, pelo partido DEM-SP. A organização “Vem
Pra Rua” é uma iniciativa de Rogério Chequer (empresário), fundado no ano de 2014. Já o
movimento “Nas Ruas” atua desde 2011, uma iniciativa de Carla Zambelli, então Deputada
Federal, pelo partido PSL-SP.
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Eixo 14
Linguagem e significação
instituído pela prefeitura da cidade de São Paulo, comandada na época por Fernando
Haddad (PT).
De fato a cidade parou como o prometido, não apenas em função do
transporte público, mas por uma multiplicidade de outras demandas que emergiram ao
longo daquele mês. Segundo explica Tatagiba (2014, p.56), estas manifestações podem
ser compreendidas como parte de um processo mais profundo, que ultrapassa a
demonstração de um descontentamento popular pouco articulado, “a lógica de “cada
pessoa um cartaz” foi expressão eloquente da crise de representação das democracias
contemporâneas”.
Sendo assim, a interrogação que se impõe de imediato é, o que teria mudado
entre os manifestantes em um intervalo de poucas semanas, a ponto das reivindicações
terem se modificado de forma tão ampla? Seria possível falar em uma crise de
representação, assim como alertava Tatagiba (2014)? E se sim, quais características
podem ser apontadas como indicadoras deste processo? Diante destas problemáticas,
o objetivo deste tópico é analisar como se desenvolveram as manifestações das
Jornadas de Junho, na cidade de São Paulo.
Antes de dar prosseguimento à discussão é preciso esclarecer o critério
utilizado sobre as produções bibliográficas escolhidas. Talvez, devido à proximidade
do evento no tempo, os resultados ainda são esparsos no campo da História e por isso,
será acompanhado a discussão empreendida no campo das Ciências Sociais, em
específico, o que foi produzido sob o prisma da Teoria dos Movimentos Sociais e que
respondem aos objetivos traçados neste tópico.
Feitas as seguintes considerações, de acordo com Gohn (2019), o
acontecimento das Jornadas de Junho pode ser compreendido a partir de duas
perspectivas complementares, que ligam o evento tanto a outros processos históricos
de participação democrática no Brasil, bem como, pode ser relacionado a uma
conjuntura social mais ampla, de mobilizações que ocorreram em escala internacional,
a partir do chamado “movimento dos indignados”, que compreenderam atos de
grande repercussão como o Occupy Wall Street4, nos Estados Unidos.
Ainda no que trata sobre este assunto, as manifestações em escala internacional
se intensificaram como resultado da crise mundial do capitalismo em 2008, aliadas às
políticas econômicas neoliberais, que se mostraram incapazes de atender de forma
satisfatória, a promessa de melhoria da qualidade de vida para a população, em geral.
Em diversos países, multidões saíram às ruas para manifestar sua insatisfação contra
4 De acordo com as informações da página oficial do grupo, na web: "Occupy Wall Street é um
movimento que se iniciou em setembro de 2011, na Liberty Square no Distrito Financeiro de
Manhattan, e se espalhou por 100 cidades nos Estados Unidos [...] #ows está lutando contra o
poder corrosivo dos grandes bancos e corporações multinacionais acima do processo
democrático, e toda a Wall Street que criaram um colapso econômico responsável por causar
a maior recessão em gerações” (About Occupy Wall Street, Estados Unidos, Disponível em
< http://occupywallst.org/about/> Acesso em 25 jun. 2021, tradução nossa)
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Eixo 14
Linguagem e significação
políticos, em defesa do meio ambiente, pelos direitos das mulheres e contra reformas
políticas e sociais conservadoras, dentre outros temas (GOHN, 2019).
A nova era das mobilizações também apresentou novas ferramentas e uma
transformação dos atores em cena. Foi a vez do uso intensivo da internet e das redes
sociais, que serviram como pontes para a mobilização de adeptos, além da ampla
divulgação dos protestos. Um ciberativismo que garantiu uma aceleração das
discussões públicas, principalmente o lançamento de exigências independentes e por
vezes sobrepostas. Em relação aos novos atores, nota-se uma mudança substancial no
perfil do manifestante, ele não é mais o militante e sim, tornou-se o ativista, aquele que
atua em prol de causas pontuais e não possui uma relação fixa com nenhuma instituição
(GOHN, 2019).
Logo, as manifestações brasileiras possuem muitas semelhanças aos modelos
de ação internacionais descritos anteriormente, sobretudo quanto à forma de
mobilização e às reivindicações dos primeiros protestos. A saber, quando o MPL
chamou as primeiras manifestações, a defesa da “tarifa zero” representava, em última
instância, o princípio de ocupação do espaço urbano, direito que foi negado a aqueles
que estão localizados nas zonas periféricas devido às taxas incompatíveis de transporte
(TATAGIBA, 2014). Todavia, estas semelhanças não são suficientes para explicar o
desfecho das manifestações e a ampliação das demandas, mesmo depois de anunciada
a revogação da tarifa de transporte, em diversas cidades e a retirada do Movimento
Passe Livre das ruas, por parte de seus dirigentes.
De acordo com Gohn (2019) e Pérez (2019), um dos indícios dessa
modificação dos protestos durante 2013, está ligado à emergência dos chamados
coletivos, que trata de um formato mais fluído de organização política. O termo coletivo
ainda merece algumas delimitações na Teoria dos Movimentos Sociais, porém é
possível caracterizá-lo enquanto grupos que agregam em seu escopo de manifestantes,
indivíduos com perspectivas ideológicas diferentes e que podem se reunir em prol de
lutas comuns. Os coletivos não se vinculam a partidos e se denominam como
“apartidários”, uma vez que prezam pela horizontalidade da tomada de decisões e não
possuem porta-vozes autorizados a falar em nome dos grupos.
Este tipo de organização horizontal em que se baseiam os coletivos, não é nova
na história da participação democrática brasileira. Durante a década de 1970, momento
atravessado pelo golpe militar (1964), a resistência foi protagonizada tanto por
movimentos sociais organizados, como por meio da participação popular mobilizada
em torno de bairros, conjuntos de trabalhadores e estudantes, que reivindicavam
direitos sociais básicos, tolhidos durante o regime. Esta forma de associativismo, assim
como denomina Gohn (2019), congregou visões sociais diferentes quanto à
estruturação da participação democrática, apesar de lutarem pela mesma causa, de
derrubada do regime militar. Entre esses grupos, destacavam-se aqueles que
reivindicavam bens e serviços, bem como uma parcela do que conhecemos hoje por
novos movimentos sociais ligados a raça, gênero, sexo, dentre outros.
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Eixo 14
Linguagem e significação
pouco tempo depois das manifestações de 2013, também revela dados semelhantes. A
pesquisa buscava avaliar a confiança dos brasileiros nas instituições do Estado, a partir
do seguinte enunciado: "Para cada uma das instituições o (a) sr(a) tem muita confiança,
alguma confiança, quase nenhuma confiança ou nenhuma confiança”. Se considerado
apenas as avaliações obtidas na escala de “muita confiança” e “alguma confiança”, os
Partidos somaram um índice bastante inferior (20,9%) comparado ao do Corpo de
bombeiros (84,6%) ou mesmo das Igrejas (72,8%). Caso semelhante ocorreu com o
Governo Federal (44,1%), Congresso (26,5%) e os Sindicatos (37,3%).
Embora esse assunto seja de extrema importância, não é o objetivo aprofundar
esta reflexão neste momento. Por hora, é suficiente compreender que o afastamento
dos coletivos dos espaços institucionais, não ocorreu à margem de seu contexto
histórico e revela uma crise de representatividade que ultrapassa seus limites.
Apesar disto, Tatagiba e Galvão (2019) apresentam um outro ângulo desta
discussão, dessa vez associado aos limites da atuação dos governos petistas, nos
últimos anos. Assim, as manifestações refletiram tanto a insatisfação de grupos que
desejavam avançar mais com relação às políticas redistributivas de renda e programas
sociais, quanto daqueles setores da sociedade, que estavam incomodados com as novas
mudanças e o questionamento da sua posição no status quo:
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Eixo 14
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perderia cada vez mais espaço, até o abrupto processo de impeachment que se
desencadearia, apenas dois anos depois.
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Eixo 14
Linguagem e significação
6 A verdade sobre José Dirceu. São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122 versão online.
Disponível em: <Veja (abril.com.br)> Acesso em: 25 jun. 2021.
7 Roberto Civita (1936-2013). São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122 versão online.
São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122 versão online. Disponível em: <Veja
(abril.com.br)> Acesso em: 25 jun. 2021.
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Eixo 14
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De acordo com os dados obtidos no quadro é possível inferir, tanto pelo uso
dos termos apresentados, como pelos sentidos que estes conformam, que o
enquadramento exercido pela revista, objetivou colocar em debate uma imagem
bastante pejorativa dos manifestantes, com ênfase em seu descontrole, a quebra do
patrimônio público e a violência contra civis e a própria polícia.
Os manifestantes apareceram ainda como atores que não poderiam se encaixar
dentro das próprias reivindicações sobre o uso do transporte público, uma vez que
pertencem a uma “elite” brasileira e que, portanto, concentram uma rebeldia “sem
causa” ou mesmo podem ter sido mobilizados pelo desejo de uma esquerda política.
Em última instância, um discurso que não deve ser ouvido.
O que se sobressai deste enquadramento é uma tentativa deliberada de
desmoralização do coletivo Movimento Passe Livre, semelhante a interdição da palavra
do “louco” na teoria foucaultiana. O louco é aquele que tem a fala interditada de tal
maneira, que nunca pode ser escutado e quando é convidado a falar, está sob a
condição de uma mística que o coloca novamente no lugar em que o discurso tende a
desaparecer (FOUCAULT, 2014). Do mesmo modo, o manifestante representa a fala
que precisa ser interditada, e quando não está sujeito a figura de vândalo, aparece
relegado à posição de um ator que não pode ter um pensamento independente de sua
classe social.
Esta redução do manifestante à posição de vândalo continuou vigente no
volume posterior, “Edição Histórica n° 2327 - Os sete dias que mudaram o Brasil”9,
em oposição a um personagem novo, "o jovem brasileiro”, conforme segue no Quadro
2 - Análise Temática - Edição 2327:
9Os sete dias que mudaram o Brasil. São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122 versão
online. Disponível em: <Veja (abril.com.br)> Acesso em: 25 jun. 2021.
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Linguagem e significação
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Linguagem e significação
Assim, tanto o “jovem brasileiro” que vai às ruas para lutar por seus direitos,
quanto o “vândalo” que está disposto a impedi-lo, estão alinhados à narrativa que já
vinha sendo publicada pela revista. O manifestante legítimo é aquele que defende
políticas liberais e que está preocupado com o futuro do Brasil. Já o vândalo é o
militante de esquerda, que tem de ser cerceado, preso e punido, ele não deve ter um
local de fala, apenas o discurso excluído.
Por último, outro ponto que precisa ser destacado foi a intensa mobilização de
sentidos históricos sobre o acontecimento. Através deste jogo de distensão entre o
presente e o passado, a revista já anunciava um possível futuro político para o país, a
partir de assuntos como o impeachment de Fernando Collor de Mello e uma renúncia
por parte de Dilma Rousseff, para acalmar os ânimos das ruas. Uma edição que
pretendeu ser "histórica" no título, apenas por narrar eventos em uma temporalidade,
de forma a promover no âmbito público, a narrativa de um desfecho inevitável.
Considerações Finais
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Eixo 14
Linguagem e significação
que compreendeu como oriundos de uma esquerda, assim como, buscou promover a
reverberação de outros mais alinhados a sua agenda liberal , fato que, certamente,
influenciou em muito a opinião de seus leitores, quanto às movimentações de junho.
Isto demonstra, assim como pontua Foucault (2014), a importância dos discursos nos
jogos de poder.
Em contrapartida, o que chama a atenção é que, ao criar o personagem “o
jovem brasileiro” e dar voz a esta representação como parte da estratégia discursiva, a
revista Veja colaborou para colocar na cena pública, grupos com ideais autoritários,
que não compartilhavam a mesma visão política da empresa e que poderiam vir a
prejudicar, em muito, a atuação da imprensa livre brasileira. Provavelmente, um
enquadramento que não estava em perspectiva naquele momento.
Referências
A verdade sobre José Dirceu. São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122
versão online. Disponível em: <Veja (abril.com.br)> Acesso em: 25 jun. 2021.
Banco de Dados CESOP. Disponível em:
<https://www.cesop.unicamp.br/por/banco_de_dados/v/4482> Acesso em: 25
jun. 2021
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. 279 p.
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: o caso da Editora Abril. 1997.
359f. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em:
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Linguagem e significação
Os sete dias que mudaram o Brasil. São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122
versão online. Disponível em: <Veja (abril.com.br)> Acesso em: 25 jun. 2021.
Por uma vida sem catracas, São Paulo. Disponível em: https://www.mpl.org.br/
Acesso em: 25 jun. 2021
Roberto Civita (1936-2013). São Paulo: Revista Veja, 2013-. ISSN 0100-7122 versão
online. Disponível em: <Veja (abril.com.br)> Acesso em: 25 jun. 2021.
SECCO, Lincoln. História do PT. 2°ed. Cotia, São Paulo: Ateliê Editorial, 2011.
338 p.
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Linguagem e significação
Manuela Serpeloni1
Julia Franzon2
Rosemeri Passos Baltazar Machado3
Introdução
Assim como o morrer, também o menstruar manifesta-se como fato social e cultural,
implicando em crenças, condutas, atitudes ou mesmo rituais próprios associados às
concepções nativas sobre a menstruação. Isso se aplica não apenas às sociedades ditas
‘primitivas’ como também às modernas, contemporâneas, nas quais se inclui
certamente a sociedade brasileira (SARDENBERG, 1994, p. 7).
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Linguagem e significação
O sangue menstrual tem três características básicas que fazem com que ele tenha um
impacto emocional muito mais forte do que qualquer outro: é humano, derrama
independentemente da vontade da mulher e está relacionado ao sexo e à procriação.
Isso poderia explicar os tabus e mitos que cercam a menstruação. E tabu significa
proibido, perigoso, mas, às vezes, tem ao mesmo tempo um caráter sagrado. O ciclo
menstrual é um fato feminino, e como a mulher é o sexo dominado, mitos e tabus não
fazem nada senão manifestar essa situação (HERMOSA; MEJIA, 2015, p.17. Nossa
tradução).
Para uma mulher, é comum escutar a frase “virou mocinha” após sua primeira
menstruação, enunciado que explicita a noção de maturidade e atribuição da condição
de mulher por meio de seu primeiro período, porém, este evento vem acompanhado
de diversas regras e tabus acerca do corpo, que fazem com que o sujeito se distancie
dele e recrie uma experiência pessoal por meio do discurso social. Além disso, cabe
destacar que a condição de mulher não pode ser reduzida ao fator biológico
menstruação, a ter um útero, pois se trata de uma perspectiva reducionista e
excludente, uma vez que mulheres trans se situam na condição de mulher mesmo sem
apresentarem um útero, e há síndromes em que mulheres nascem sem o útero.
Dessa forma, entende-se o recorte da propaganda referente à menstruação,
contudo, é válido reforçar que o ser mulher abrange um nível social, em uma distinção
entre sexo, referente às características inatas biologicamente, e gênero, que diz respeito
às construções histórico-culturais acerca das determinações de papéis sociais.
Portanto, a análise das publicidades da marca Sempre Livre permite apreender
os possíveis efeitos de sentidos referentes à discursivização menstrual, de forma a
investigar o conceito e seus desdobramentos em uma relação direta com o corpo que
menstrua para além do aspecto biológico, mas atingindo o espectro social.
A publicidade, como uma forma de comunicação que veicula abertamente em
diferentes tipos de mídia, é uma maneira de propagação e manutenção da ideologia
dominante (TAVARES, 2006), uma vez que busca gerar no público o ímpeto da
compra a partir da identificação e projeção. Para tanto, tratando-se dos comerciais de
absorventes, há a imagem do “ser mulher” construída por meio do resgate de situações
vivenciadas, bem como dos frequentes estereótipos a elas impostos.
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Antes que algo seja dito, vê-se a matéria corpórea e a ela confere-se uma
impressão, um sentido. Contudo, esse ver não está atrelado diretamente à visão, mas à
relação imaginária que é resgatada sobre o corpo, ao gesto de interpretação que é feito
mediante o corpo:
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Linguagem e significação
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Tendo isso em vista, ao refletir sobre o corpo que menstrua, lida-se com um
processo que é natural, biológico e também periódico, trata-se de algo, quase sempre
– salvo alterações hormonais e anatômicas –, inerente ao corpo e que, por tal
características, deveria ser naturalizado. Contudo, o pensamento acerca desse
fenômeno aparece juntamente ao silenciamento do mesmo, por mais que a abertura
dos tempos atuais seja maior do que antes, ainda não é possível falar em naturalização,
uma vez que o ciclo menstrual apresenta multidimensões e ocorre a partir de uma série
de influências recíprocas que não são só biológicas ou psicológicas, mas também
sociais e culturais
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Linguagem e significação
Análise do
Quando uma Mulher tiver fluxo de sangue que sai do corpo, a impureza da sua
menstruação durará sete dias, e quem nela tocar ficará impuro até a tarde, tudo sobre
o que ela se deitar durante a sua menstruação ficará impuro, e tudo sobre o que ela se
sentar ficará impuro. (Lv 12, 19.20)
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Todo mês é o mesmo desconforto... não é só menstruação, é ter que esconder meu
absorvente, é ter que faltar na aula, é ter que dizer que eu tô bem, quando eu não tô,
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Linguagem e significação
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Linguagem e significação
encarnada. Situado na sociedade que o constrói, são os costumes e modo de ser que
agem sobre ele:
[…] os indivíduos nunca são abandonados à sua natureza; obedecem a essa segunda
natureza que é o costume e na qual se refletem os desejos e os temores que traduzem
sua atitude ontológica. Não é enquanto corpo, é enquanto corpos submetidos a tabus,
a leis, 56 que o sujeito toma consciência de si mesmo e se realiza: é em nome de certos
valores que êle se valoriza. E, diga-se mais uma vez, não é a fisiologia que pode criar
valores (BEAUVOIR, 1970, p. 56-57).
Logo, este corpo seria sua materialidade que o amarra à sua consciência, mas
seria também a amarração das significações a ele imputadas, que interferem
diretamente no âmbito pessoal, em seu modo de se enxergar, posicionar-se e
relacionar-se consigo mesmo. À vista disso, a relação entre as vivências pessoais e as
vivências externas são possibilitadas pela via do corpo.
Em uma outra perspectiva, Judith Butler, em Problemas de gênero: feminismo e
subversão da identidade, lança um olhar mais crítico ao pensamento de Beauvoir, pois a
autora amplia a perspectiva crítica acerca da formação cultural do que é próprio de
cada gênero e o próprio binário de sexo. Por conseguinte, até mesmo a leitura de um
corpo como “naturalmente” feminino se enquadraria, também, em uma construção
discursiva e, portanto, cultural. Butler ressalta que mesmo em termos de naturalidade
corpórea, existem construções históricas que, no âmbito do discurso da ciência,
respondem aos interesses políticos.
O gênero não deve ser meramente concebido como a inscrição cultural de significado
num sexo previamente dado (uma concepção jurídica); tem de designar também o
aparato mesmo de produção mediante o qual os próprios sexos são estabelecidos.
Resulta daí que o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; ele
também é o meio discursivo/cultural pelo qual “a natureza sexuada” ou “um sexo
natural” é produzido e estabelecido como “pré-discursivo”, anterior à cultura, uma
superfície politicamente neutra sobre a qual age a cultura (BUTLER, 2020, p. 27).
Tendo isso em vista, a autora defende que não seria viável reduzir as categorias
de gênero de forma fixa, pois o gênero não seria algo fechado em si, mas uma categoria
variável e fluida. Bem como o sujeito, eles não seriam preexistentes, mas o molde da
identidade de gênero estaria em uma constante construção estratégica por parte dos
processos regulatórios, a fim de atender às imposições culturais. Dito de outra forma,
Butler postula o gênero como performativo, já que é a repetição de sua performance
que constrói a identidade que a ele é sugestiva como natural.
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Linguagem e significação
qualificações do ser sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser
expandida (BUTLER, 2020, p. 18).
Dessa forma, as ações e gestos que o corpo produz apontam uma identidade
que é inata, porém, a linguagem dos corpos atua no sentido de produzir e reproduzir
comandos sociais. Disso decorre a denominação de atos performativos, pois não se
trata de uma postura inerente, antes, a identidade exteriorizada é produto cultural e
discursivo das performances referentes ao gênero que esses corpos produzem.
Consequentemente, a autora depreende que os moldes criados por meio do gênero
são, na realidade, ilusões usadas para o controle e organização social, que aparentam
um caráter ingênito a fim de mascarar o ato de criação política.
Logo, pensar o gênero é pensar o controle biopolítico sob ele exercido, a
reflexão acerca da condição de mulher vem carregada das performances de
feminilidade impostas a essa categoria e o corpo, também controlado por tais poderes,
enquadra-se nessa categoria e recebe rótulos acerca de uma anatomia feminina ou não
por discursos também construídos anteriormente.
Considerações
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Linguagem e significação
direcionam ao sujeito mulher que se identifica com tal condição em gênero e sexo. E
pensar esse sujeito e sua condição enquanto ser que menstrua é pensar também as
situações às quais o corpo é submetido, seja em âmbito biológico, seja no social.
Todas as publicidades evidenciaram o sentido de monitoramento e controle
dos corpos, uma vez que apontam o desconforto para falar sobre e viver a
menstruação, fator resultante de uma cultura fundamentalmente machista e das
práticas biopolíticas que regulam esses corpos e influem diretamente nas FIs do outro
e do sujeito mulher cis, ao ponto de interferirem na relação dessas mulheres com seus
corpos e experiências menstruais.
Referências
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Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
Marcelo Silveira1
Juliana Machado de Oliveira2
Lucenilda Maria Rodrigues3
Introdução
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Linguagem e significação
1 Concordâncias
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Linguagem e significação
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Linguagem e significação
2 A questão do Gênero
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Linguagem e significação
3 Cosmologia Kaingang
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Eixo 14
Linguagem e significação
4 Concordâncias várias
singular plural
1ª pessoa inh ẽg
2ª pessoa à ãjag
3ª pessoa masculina ti ag
3ª pessoa feminina fi fag
Casal fag
Quadro 1: Pronomes pessoais e possessivos em Kaingang
Fonte: o autor.
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Eixo 14
Linguagem e significação
pijé; d) o verbo jãn (comer), que apresentou diferença no singular e no plural, é realizado
no Apucaraninha por jẽ e jẽgjẽ, respectivamente; e) da mesma forma que em “d”, o
substantivo vãfy (balaio, artesanato), usado tanto no singular quanto no plural no RS,
se realiza como vãfy e vãgfy, respectivamente, no PR. Os exemplos de 1 a 30, então, são
de D’Angelis, mas reescritos por Felisbino, conforme a variante usada em sua Terra
Indígena.
Estas duas últimas diferenças (itens d e e) são as únicas que interferem um
pouco nas considerações de D’Angelis (2002), apreciadas juntamente com os dados
adaptados à variante Kaingang da T.I. Apucaraninha. Sinalizamos que, para este
estudo, houve a trocado termo NOM (nominativo) por MS (marcador de sujeito), por
não estarmos tratando de sistema de alinhamento morfossintático no Kaingang;
mantivemos SG/PL indicando singular e plural junto aos verbos; os verbos
permanecem em negrito.
Nas orações 5 e 6, os sujeitos (kasor e kasor ag) são controladores e o alvo são os
verbos; o verbo no plural deriva do singular pela composição com um termo prefixado:
ter (morrer.SG) e kãgter (morrer.PL)
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Eixo 14
Linguagem e significação
Entendemos, neste caso, que o controlador (ka), apesar de não ter marca
morfossintática de plural, traz consigo, pragmaticamente, a ideia de plural. O alvo, neste
caso, kym, realiza-se no plural com reduplicação parcial: kykym.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Podemos notar que o termo ti (13) indica gênero masculino e número singular;
fi (13, 14), feminino singular; ag (14, 20, 22), masculino plural; fag (21), feminino plural.
Os sentidos são exatamente os mesmos dos pronomes pessoais de 3ª pessoa. Em 18,
20, 21 e 22, esses itens lexicais, que indicam os gêneros masculino e feminino (fi, ag,
fag), coexistem com itens lexicais que indicam o sexo (gré e ũn tỹtá). Assim, D’Angelis
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Eixo 14
Linguagem e significação
conclui que a forma não feminina singular é marcada opcionalmente, enquanto a forma
masculina plural é obrigatoriamente marcada, bem como as formas femininas.
Esses mesmos dados, no Apucaraninha, se comportam de maneira diferente:
gré e ũn tỹtá carregam consigo o traço de humanidade; sendo assim, os animais só
carregam os termos gramaticais indicadores de gênero feminino singular, e masculino
e feminino plural. A forma opcional ti, em 13, não é mais usada na T.I. pesquisada.
Nas orações 1-20, vimos aparecer concordância de número e gênero masculino
e feminino nas variações da palavra velho, a saber: kófa (velho MS), kófa (M.PL), kófa
(F.SG), para completar as possibilidades, incluímos kófa (F.PL). Outra ocorrência
é kasor e kasor para cachorro e cachorros; assim, para o feminino, teríamos a inserção
de fi e fag na forma básica masculino singular (M.SG).
Outros exemplos de D’Angelis (2002) apresentam também invariância no
plural de substantivos inanimados em orações cujo elemento que concorda é apenas o
verbo.
Nas orações 23-26, a forma dos sujeitos, sejam eles singulares ou plurais, não
é alterada. O plural, então, como já dito, é somente informado pelo verbo,
provavelmente evitando redundância, visto que basta um plural (no verbo) para indicar
o plural do único argumento (no substantivo, mesmo que somente ideologicamente),
no contexto de uma oração monovalente.
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Eixo 14
Linguagem e significação
Este tópico une três assuntos para dar sequência à descrição que vimos
fazendo: concordância, cosmologia e posposições locativas.
Sobre a concordância, notamos, nos exemplos apresentados nas seções
anteriores, que a relação entre controlador e alvo em Kaingang é assimétrica, visto que,
como diz Corbett (2006, p. 19-20), eles não partilham de características morfológicas
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Eixo 14
Linguagem e significação
comuns. De qualquer forma, há uma relação entre eles, o que nos permite continuar
falando em concordância.
Sobre a cosmologia Kaingang, relembremos que ela envolve os personagens
Kamẽ e Kanhru e, consequentemente, as duas metades clânicas em tudo do mundo
Kaingang está classificado, que são basicamente elementos que têm forma redonda,
baixos, pertencentes à metade Kanhru, e elementos que têm forma comprida, altos,
pertencentes à metade Kamẽ.
A respeito dos elementos que indicam localização (posposições, em Kaingang),
são elementos que normalmente são elementos regidos, como acontece na língua
Kaingang. Os exemplos 33 e 34 são representativos de quase todas as posposições.
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Eixo 14
Linguagem e significação
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Eixo 14
Linguagem e significação
ações, significando que o agente colocou várias coisas no mesmo copo. Assim,
entendemos a concordância de kãkã (Kanhru) com ação única (singular) e kãki (Kamẽ)
com ações múltiplas (plural).
44) Kópa kãkã inh nĩm 45) Kópa kãki inh vin
copo em.SG 1SG. copo em.PL 1SG.
colocar.SG colocar.PL
(4) “Coloquei dentro do (5) “Coloquei dentro dos
copo” copos”
Considerações
8 Os verbos posicionais do Kaingang que também são usados como marcador de aspecto de
outro verbo são jẽ (em pé), nĩ (sentado), nã (deitado), sa (pendurado)
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Eixo 14
Linguagem e significação
Mesmo diante das descrições postas neste artigo, que sintetiza o que já
conhecemos sobre a influência da cosmologia Kaingang na gramática da língua, outras
questões permanecem com pontos de tensão, motivadoras de novas pesquisas, a fim
de identificar se há uma hierarquia que privilegia um tipo de concordância em relação
aos demais. Por exemplo, em havendo a seguinte situação em uma oração – (a)
concordância cosmológica no sintagma posposicional, (b) concordância cosmológica
em orações locativas e (c) orações que apresentam verbo posicional na posição de
marcador de aspecto –, qual seria a concordância privilegiada?
Fica, por enquanto, esta descrição da concordância em língua Kaingang, com
foco especial na concordância de gênero referente à cosmologia desse povo e como
ela influencia a gramática dessa língua, como início destas pesquisas.
É importante sinalizar que a pesquisa de D’Angelis (2002) sobre
morfofonologia será necessária para estudar a sonoridade que pode estar por trás dos
léxicos referentes aos mundos Kamẽ e Kanhru; além disso, é preciso complementar
estes estudos com pesquisa mais aprofundada sobre a concordância anafórica, já
iniciada por Felisbino, em 2018, em trabalho para disciplina da Especialização em
Língua Portuguesa.
Em síntese, a concordância, em Kaingang, acontece de várias formas: (a) entre
sujeito e verbo, (b) por meio de elementos gramaticais que indicam gênero feminino
singular (o masculino singular é zero) e gênero masculino e feminino plural na função
acompanhando (à direita) os entes da oração; (c) em verbos que indicam ação única e
ação múltipla e as posposições kãkã e kãki; (d) em locuções posposicionais com os
mesmos elementos de “c”; (e) em orações estativas, em que jẽ está relacionado a kamẽ
e nĩ relaciona-se a kanhru.
Esperamos ter alcançado nosso objetivo, ou seja, descrever a concordância em
Kaingang, bem como influência do fator cultural nessa concordância; esperamos,
também, ter contribuído para a descrição de línguas indígenas e para a ciência
linguística.
Referências
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