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APOIO
banca examinadora composta pelas professoras doutoras Rosa Maria Frugoli da Silva (Presidente),
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em Psicologia da Saúde
Agradecimentos são necessários, pois é o momento em que somos guiados pelo coração e
À minha mãe Adalia, irmã Keli, sobrinhos Lucas, Fernando e Isabella, pela família
maravilhosa que somos, pelo apoio em todos os momentos, paciência e entendimento para comigo
em todas as vezes em que não estive tão presente fisicamente como desejavam e como eu gostaria
de estar, para poder trabalhar em minha pesquisa, pelo carinho, união, ajuda e dedicação. E, a
minha irmã Mirella, psicóloga como eu, meu orgulho e exemplo de ética, por tudo o que citei e
À minha amada companheira de alma e vida, Sílvia Dotta, pela parceria incondicional, pelo
incentivo constante em meus estudos, pelo estímulo em todos as fases do meu mestrado, pelas
discussões calorosas, pelas trocas, por seu tempo, por sua dedicação constante a mim, por
Aos meus amores e companheiros inseparáveis de todas as horas, filhos de quatro patas –
Talita (in memorian), Floquinho, Lua, Amora, Mel e Safiri, minhas bençãos nessa vida, em todos
À minha amiga querida, Leni Munhoz Granado, pelo incentivo para que eu iniciasse o
contribuições com meu questionário e entrevista, por ter lido minha dissertação e ter contribuído
em muitas de suas fases, por todo o seu apoio e parceria em nossos grupos de supervisão e cursos
de contos e mitos, por estar sempre tão presente junto às nossas supervisionandas e alunas, atenta
e atuante por nós duas, em ocasiões em que eu não pude estar pelas demandas do estudo.
Aos amigos do coração, Cleide Aparecida de Oliveira e João Assumpção, pelo carinho e
por toda a contribuição cuidando das minhas pequenas de 4 patas, Safiri e Amora, para que eu
tivesse paz, equilíbrio e tranquilidade interna e externa para escrever minha dissertação. Somente
eles e eu sabemos a profundidade desta ação deles para comigo e para com elas, e o que isso
À minha querida psicóloga, Vera Valente, pelo incentivo, carinho e por seu cuidado que
me faz tão bem, pelas discussões tão profundas sobre o meu tema e por suas importantes
contribuições.
À Zuleide Paiva e à Mariam Pessah, por terem, em algumas de nossas conversas, observado
que não cabia atribuir o termo homossexual a homens e mulheres que tinham interesse
afetivo/sexual por pessoas do mesmo sexo, mas que estas mulheres deveriam ser chamadas de
tivemos e por terem me ensinado tanto sobre este assunto que norteou muitas pesquisas e parte
À Andréa Vistue, por ter me mostrado pela primeira vez este mundo encantador da
psicologia junguiana e ter despertado em mim um desejo infindável por conhecer e aprender cada
vez mais, por ter me adentrado aos mitos os gregos, início da minha paixão por este universo, e
por ter contribuído com minha dissertação auxiliando-me com conteúdos mitológicos.
tantos anos me ensinou tanto sobre psicologia junguiana, por sua amizade, seu incentivo, carinho
À Malena Contrera, professora e mitóloga com quem aprendi sobremaneira sobre os mitos
admiro mesmo sem conhecer pessoalmente, agradeço por terem compartilhado comigo de seus
vastos conhecimentos sobre mitos que necessitei para compor parte do referencial teórico desta
pesquisa.
À Michele Gimenez, por sua contribuição de grande valor para com minha dissertação de
mestrado, seu apoio e diálogo, à Marisa Rugai, por todas às vezes em que me enviou materiais
importantes e que foram de grande contribuição para minha dissertação e à Julia Herrera
Fernandes, por seu afeto, incentivo constante, interesse profundo em minha pesquisa.
À Daniela Dias Nakazaki pelas contribuições com meu questionário e entrevista desta
pesquisa e à Valéria Baltazar e Edson Pimentel por terem avaliado e validado este questionário de
pesquisa via Google Forms, apontando importantes correções para o êxito de sua aplicação.
confiando a mim suas vidas, pelos valores que neles encontro, que os livros não são capazes de
ensinar, por me fazerem mais humana, mais humilde e desejosa de cada vez aprender mais, por
qualificado e pelo apoio financeiro, junto a CAPES, que me permitiu realizar este mestrado de
apoio financeiro para com meus estudos, tornando-se, assim, possível a realização deste sonho.
Psicologia da Saúde da UMESP, coordenado pela Profa. Dra. Rosa Frugoli, pelas discussões
Aos colegas de mestrado, Fernanda Figaro, Silvania Rita Ramos, Edinete Noqueira, Yanco
e ajuda incondicional sempre que eu precisei durante o mestrado. Vocês foram imprescindíveis e
lhes sou muito grata! Agradeço ainda aos demais colegas do mestrado, pelas trocas, amizade,
Aos participantes desta pesquisas que se dispuseram a contribuir para com a ciência, por
doarem parte importante de seu tempo, por me contarem parte tão delicada de suas vidas,
feridas antes abertas, e fizeram isto com a finalidade de contribuírem para que outras pessoas não
sofram desta mesma forma e para que a violência um dia possa ter fim, por acreditarem neste
trabalho e pela luta constante contra a violência, a discriminação e o preconceito a gays e lésbicas.
À Profa. Dra. Rosa Frugoli, minha orientadora e professora neste mestrado, pela honra de
ser sua orientanda e por ter seu nome vinculado ao meu, por seus ensinamentos inestimáveis, por
seu exemplo enquanto profissional e de vida, pelo incentivo constante, pelas discussões profundas
e calorosas, pelos almoços e trocas de mensagens infinitas, por suas orientações semanais, por
tantos projetos desenvolvidos em conjunto, pela parceria verdadeira, por todo seu tempo valioso
dedicado à mim, por ter acredita em mim, por suas palavras sempre positivas e encorajadoras, por
ter seguido ao meu lado durante todo tempo e, por fim, como costumo dizer, por ser a melhor
À Profa. Dra. Miria Benincasa, por todos os seus ensinamentos preciosos, por sua
sinceras, regadas de tanta humanidade e afeição, por sua amizade, sua nobreza de caráter e por
tanto afeto!
A todos os professores que tive neste mestrado, com os quais aprendi tanto! Por seus
ensinamentos e trocas e pela oportunidade de tanto aprendizado que levarei para vida, por terem
contribuições que foram imprescindíveis para a conclusão desta dissertação com êxito.
momento em que apliquei para o mestrado. Por sua doação incondicional e incansável, auxiliando
em tudo o que estava e não estava ao seu alcance, por seu suporte amigo e prestativo.
À Felipe Policarpo, amigo e professor de inglês, por todas as direções de estudo que me
deu para eu fazer a prova de proficiência e a quem devo ter conseguido bom resultado, pois suas
E, por fim, àqueles que acreditaram que este trabalho seria possível.
Lista de Figuras1
Figura 3 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas por Milhão de Habitantes ..................... 188
Figura 9 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Números de LGBTfobia em 2017 ..................... 191
Figura 10 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas registradas em 2017 ............................ 191
Figura 13 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas por segmento LGBT ........................... 193
1
A Norma APA – American Psychological Association, 7ª. edição compreende por figura tudo o que não é tabela:
gráficos, fotos, desenhos, imagens, diagramas.
Figura 21 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Sudeste ............................................. 197
Figura 23 – Violência à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 – Brasil
..................................................................................................................................................... 199
Figura 24 – Lesão Corporal à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 –
Figura 26 – Violência a homossexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN ...... 201
Figura 27 – Violência a bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN ........... 201
Figura 30 – Tortura a gays, lésbicas e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN
..................................................................................................................................................... 203
Figura 31 – Outros tipos de violência a gays, lésbicas e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de
Figura 32 – LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – fonte: site Homofobia Mata (dados de 2017
Figura 33 – LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Perfil das Vítimas – fonte: site Homofobia
Mata (dados de 2017 e 2018) e Grupo Gay da Bahia (2018) ................................................... 205
Figura 34 – LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Idade – fonte: site Homofobia Mata (dados
de 2017 e 2018) e Grupo Gay da Bahia (2018) ................................................................... 206
Figura 35 – Crimes de ódio – número de mortes violentas a LGBTI+ no Brasil entre 2000 e 2021
Figura 40 – Ninguém nunca vai se sentir atraído por você ........................................................ 274
Lista de Tabelas2
2
De acordo com a Norma APA – American Psychological Association, 7ª. edição, tabelas são compostas por
linhas/colunas, contendo informações numéricas/textuais.
Cabe esclarecer que a APA - American Psychological Association - 7ª. edição, estilo de escrita e formatação utilizado
na formatação desta dissertação, seguindo as diretrizes da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), dispõe,
exclusivamente, de duas nomenclaturas ou modalidades para apresentação das ilustrações: tabela e figura. Dessa
forma, ainda que se reconheça que existam gráficos e ilustrações dispostos nesta pesquisa, serão utilizadas das
modalidades de exposição das ilustrações conforme as diretrizes da APA - 7ª edição.
Tabela 5 – Categorias e Subcategorias de Análise .................................................................... 337
HM Homofobia Mata
OC Obras Completas
Dai força para que lésbicas, bissexuais e gays possam lutar contra
seguro.
em tua benção.
A violência contra gays e lésbicas está presente em diversos contextos, como família,
amigos, religião, política, saúde. Este estudo busca compreender, descrever e explicitar o
sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência, assim como identificar as consequências desse
se trata de uma pesquisa de caráter qualitativo, do tipo exploratório, desenvolvida por meio do
delineamento de estudo de caso. Foram utilizados como instrumento de seleção dos entrevistados
pessoas, homens e mulheres, a partir de 18 anos, gays e lésbicas vítimas de violência, com
a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? b) Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo
e como eu me sinto? c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? As categorias apresentaram as
quando gays e lésbicas são vítimas de violência, por não serem aceitos e não se sentirem livres
para viverem e existirem, eles podem temer pela sua própria vida e entrar em profundo sofrimento,
Violence against gays and lesbians is present in different contexts, such as family, friends, religion,
politics, heath. This study aims to understand, describe, and explain the suffering of gay and
lesbian victims of violence, as well to identify the consequences of this suffering in their lives. The
work is based on theoretical contributions from the Jungian psychology and, this is a qualitative,
exploratory research, developed through the design of a case study. As an instrument for selecting
the interviewees, the application of an interest form and a questionnaire were used, and as a data
psychological test and the WHOQOL-bref quality of life assessment instrument were used. A
sample of 12 people, men and women, aged 18 and over, homosexual victims of violence, with
instruments. The data were submitted to Bardin’s Content Analysis and generated the following
categories: a) I’m Gay / I’m Lesbian: How is my surroundings? b) I’m Gay / I’m Lesbian: What
do I perceive and how I feel? c) I’m Gay / I’m Lesbian: Who am I? The categories presented the
prejudice, and discrimination in the lives of these people, confirming the hypothesis that when
gays and lesbians are victims of violence, because they are not accepted and do not feel free to live
and exist, they may fear for their own lives and enter into deep suffering, becoming ill due to the
1 Introdução ................................................................................................................................23
2 Justificativa ..............................................................................................................................27
3 Objetivos ..................................................................................................................................30
Palavras ..................................................................................................................................34
........................................................................................................................................................54
........................................................................................................................................................69
......................................................................................................................................................137
4.5 Direitos Alcançados pela População LGBTQIA+ na Luta em prol da Cidadania e contra a
5 Método.....................................................................................................................................230
6.1 Caracterização dos Participantes da Pesquisa e suas Vivências com a Homofobia, Lesbofobia
e Translesbofobia.........................................................................................................................249
6.4 Análise do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida The World Health Organization
6.5 Comparação dos Resultados Apresentados pelo BDI-II e WHOQOL-bref, por Participante da
Pesquisa........................................................................................................................................332
6.6.2 Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? .....................395
Referências ................................................................................................................................449
Apêndices ..................................................................................................................................463
Anexos .......................................................................................................................................497
Metodista de São Paulo (UMESP), na linha de Pesquisa Saúde, Violência e Adaptação Humana, é
– Brasil (CAPES) e tem como tema O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência: Um
De acordo com MacRae (2018a), inicialmente o termo homossexual era utilizado para
mulheres e homens que tinham desejo/atração sexual por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, por
volta de 1978, as mulheres discordaram do uso do vocábulo homossexual para mulheres e homens,
pautadas no argumento de que as mulheres possuíam necessidades diferentes das dos homens,
intitulando-se, assim, por lésbicas, cabendo, desta forma, apenas aos homens, as adjacências
homossexual e gay. Com isto, a manifestação da sexualidade de mulheres lésbicas recebeu o nome
seus próprios movimentos sociais e foram aos poucos se fortalecendo nesta luta (MacRae, 2018a).
Dessa forma, chamá-las de homossexuais, é negar-lhes toda uma história de luta e de conquistas
Não se trata de dizer que há um termo certo e outro errado, mas, sim, de que atribuir a cada
identidades políticas e suas manifestações sociais, legitimando os esforços de cada grupo, bem
discriminação, por cada uma destas identidades políticas de forma bastante específica, e a fim de
23
decorrer desta pesquisa, quando houver referência às mulheres que possuem desejo afetivo/sexual
por outras mulheres, será utilizado do termo lésbicas e, aos homens com desejo afetivo/sexual por
outros homens, será referido a eles como homossexuais ou gays. Da mesma quando se fizer alusão
à manifestação da sexualidade destas mulheres, será utilizado do termo lesbianidade e, a aos gays,
Apesar de gays e lésbicas serem seres humanos como quaisquer outros, até os dias atuais
eles são vítimas de intolerância e segregação e sofrem diversas formas de violência advindas de
preconceito e discriminação por não fazerem parte das normas sociais ditadas por uma sexualidade
heteronormativa, a qual a sociedade busca definir como única forma possível de manifestação da
O termo homofobia (Cerqueira-César et al., 2015; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b),
teve sua utilização pela primeira vez no ano de 1971, por George Weinberg, psicólogo nova-
medida que novas formas de manifestação da sexualidade foram surgindo e se unindo, o termo foi
readaptado para LGBTfobia4 e, mais a diante, a fim de alcançar maior visibilidade e intensificar a
3
Ainda que cada letra da sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) tenha, enquanto identidade política,
uma forma de expressar a violência, a discriminação e o preconceito sofridos (L = lesbofobia; G = gayfobia ou ainda
homofobia; B = bifobia; T = transfobia), diversos autores fazem menção a homofobia como forma de expressão do
fenômeno.
Cabe esclarecer que, nas citações diretas e indiretas, será mantida a forma como o autor se refere a este fenômeno.
Todavia, reconhecendo-se a importância de se nomear o tipo de violência, preconceito e discriminação sofridos, esta
pesquisa, quando não fizer citações diretas ou indiretas, citará o fenômeno, conforme a expressão de cada letra.
4
Fazendo referência a violência, preconceito e discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (Marinho
et al., 2004; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b).
24
luta pelos direitos de uma vida digna, cada grupo criou termos específicos para designar as
LGBTQIA+ se deu ainda pelo fato de algumas mulheres lésbicas feministas rejeitarem o termo
mesmo ocorreu com a palavra homoafetivo, forma de relacionamento ao qual estas mesmas
mulheres atribuem, no caso das mulheres, o termo lesboafetivo, cabendo a adjacência homoafetivo
referir ao relacionamento afetivo/sexual entre mulheres, não se utilizará o termo homoafetivo, mas
lesboafetivo, exceto quando se tratar de citação direta ou indireta feitas por algum autor citado.
O preconceito, segundo Marinho et al. (2004), Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), pode
gays e lésbicas e, não raras ocasiões, ao suicídio, quando o sofrimento é vivenciado de forma
angustiante, intensa e reprimida, minando a consciência. (Baracat et al., 2020; Ortiz, Bogo &
Navasconi, 2020).
As ações de homofobia e lesbofobia depõem contra a vida de gays e lésbica, assim como
de todas as pessoas LGBTQIA+5, levando-os a viver sob contínuo medo de serem agredidos,
5
LGBTQIA+ é uma sigla utilizada para se referir às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer,
intersexuais, assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero (Santos, 2020; Silvia, 2020; Araujo;
Benincasa & Frugoli, 2022).
25
violados em sua integridade física e emocional, assassinados, vivendo, portanto, em ininterrupto
esferas, inclusive na área da saúde, caminhando, neste caso, em desencontro ao que deveria ser
promovido pela área da saúde, ou seja, saúde e não doença, pois, uma vez que se discrimina o
atendimento a algum grupo, marginaliza-se as pessoas que fazem parte dele e as torna vulneráveis,
podendo elas, segundo Santos et al. (2020) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), adoecerem
mentalmente e/ou até mesmo fisicamente pela discriminação que sofrem. A falta ou a precariedade
pertencentes a sigla.
(Re)incluir socialmente gays e lésbicas é fundamental para que eles tenham direito a uma
vida digna. No favorecimento da inclusão social estão as redes de apoio, que são organizações que
vida do indivíduo que a ela recorre em busca de apoio, fortalecendo laços de proteção e garantia
de uma vida digna (Braga et al. 2017; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022e). As redes de apoio,
neste contexto, são fundamentais e exercem um papel basal na minimização de riscos, bem como
na exposição de violência, esclarecem Braga et al. (2017) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e).
Trazermos estas questões para reflexão é, sem dúvida alguma, de suma importância para
se haver mudanças, as quais são possíveis de acontecer por meio da educação no sentido da
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alteridade, considerando sempre que há vida além de si mesmo, em outras palavras, que os outros
existem, são diferentes e merecem respeito e direito à uma vida digna, sem discriminação,
preconceito e sofrimento.
Face ao exposto, esta pesquisa, com um recorte a gays e lésbicas, se propõe a compreender,
descrever e explicitar o sofrimento destas pessoas que passaram por situações de violência, como
sociedade sobre a realidade de gays e lésbicas, para além do mundo científico e acadêmico, a partir
de sua própria voz, a qual raramente é ouvida, pois que, comumente, conhece-se sobre a
escreveram e falam sobre eles, mas não do que eles mesmos têm a dizer sobre si.
A coleta de dados desta pesquisa, por meio da Análise de Conteúdo, pretende dar som e
tom à estas vozes. Esta pesquisa pretende ainda contribuir para o combate à violência a gays e
deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública especificas para esta
população que sofre, a fim de que ela tenha uma melhor qualidade de vida.
2 Justificativa
da saúde, tem seus direitos violados, ficam vulneráveis e marginalizadas (Santos et al., 2020;
Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b). Para Santos et al. (2020) e Araujo, Benincasa e Frugoli
27
(2022b), na saúde, isso ocorre porque com frequência os profissionais não se sentem confortáveis
em atender pacientes que não sejam heterossexuais, o que faz com que as pessoas que tenham
consequência, promovendo ainda mais homofobia e a lesbofobia e inibindo estas pessoas levando-
homofobia e lesbofobia, assim como LGBTfobia como um todo, podem levar pessoas saudáveis
ao adoecimento, tanto emocional como físico, de modo que aquele que deveria promover a saúde
às pessoas pode ser exatamente quem as adoece e isso compromete a ética profissional. (Araujo,
O Sistema Único de Saúde (SUS), conforme Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d) dispõe
Bernardo do Campo, realizando sorologias para HIV; Ambulatório de Saúde Integral para
Muitas pessoas LGBTQIA+, por não conhecerem esses recursos e pela discriminação que
sofrem, sentem-se inibidas a buscarem por ajuda interdisciplinar e, para o norteamento destas
6
HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, que pode levar a síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS). (UNAIDS Brasil, 2003).
28
pessoas, as redes de apoio, segundo Braga et al. (2017) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e), são
inclusive com direcionamento às locais de saúde adequados para receber a essa população.
Conhecer seu funcionamento e atuação é de interesse para psicologia social e da saúde, uma vez
emocionais que podem advir do sofrimento ocasionado pela homofobia, esclarecem Braga et al.
diretrizes do Conselho Federal de Psicologia – CFP (2005) posiciona-se contrária a todo e qualquer
individual e coletiva. O psicólogo tem por dever notificar as autoridades competentes violências
Ante o exposto, a Psicologia pode contribuir com a saúde mental deste público,
compreendendo o sofrimento de gays e lésbicas que passaram por situações de violência, como
ações para conscientizar a população sobre este fato, contribuindo para o combate à violência,
de saúde pública especificas para esta população, para que ela tenha uma melhor qualidade de
vida. E, nesta perspectiva, este estudo pode colaborar com a produção de conhecimento a este
O trabalho desenvolve-se em torno do problema: de que forma a violência pode levar gays
e lésbicas ao sofrimento e quais as suas reverberações na vida dessas pessoas? E a hipótese sugere
29
que quando gays e lésbicas são vítimas de violência, por não serem aceitos e não se sentirem livres
para viverem e existirem, eles podem temer pela sua própria vida e entrar em profundo sofrimento,
3 Objetivos
• Descrever o sofrimento das pessoas gays e lésbicas que passaram por situações de
violência.
situações de violência.
30
4 Fundamentação Teórica
pode levar gays e lésbicas ao sofrimento e quais as suas reverberações na vida dessas pessoas, o
aporte teórico será sustentado pelas contribuições da psicologia junguiana, perpassando, inclusive,
pelos subsídios da psicologia psicanalítica e fenomenológica e, para tanto, estará divido nas
seguintes subseções:
Fenomenológica e Junguiana
Lesbianidade?
Lesbianidade?
Lesbianidade?
Junguiana
31
4.4 O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência
contra a LGBTfobia
O modo como esta pesquisa aborda este fenômeno, parte do princípio de que as questões
humano, como uma questão de opção e direcionamento do desejo sexual por uma ou outra pessoa,
mas parte do pressuposto de que a sexualidade humana é complexa, produz-se e se manifesta por
Neste sentido, este referencial teórico enfoca delineamentos nos quais a sexualidade e as
identidades de gênero fazem parte de dinâmicas de personalidade, culturais e sociais, que podem
heteronormativas. Para tanto, este estudo irá se debruçar sob os conhecimentos trazidos pelas
qual há uma interação dinâmica dos processos psíquicos inconscientes e conscientes, por meio da
qual se pode encontrar a essência dos fenômenos e compreender o sentido da experiência a partir
mostrando seus pontos de convergência, assim como de divergência e a forma como cada
32
orientação psicológica concebe a homossexualidade e a lesbianidade, justificando, por fim, porque
a psicologia junguiana foi a escolhida para se estudar o sofrimento de gays e lésbicas vítimas de
violência.
são formas de manifestação e expressão da sexualidade, não menos complexas que qualquer outra,
A partir desta problematização e com base na proposta deste estudo, será justificado o
motivo pelo qual a psicologia junguiana será a orientação psicológica escolhida para se estudar o
lesbianismo e lesbianidade, para que, a seguir, se discorra sobre o fenômeno na perspectiva das
33
4.2 Homossexualismo x Homossexualidade, Lesbianismo x Lesbianidade – Etimologia e
De acordo com Guimarães (2009), Tavares et al. (2010) e Araujo, Benincasa e Frugoli
semelhante e, sexualidade, vem de sexus. do latim e significa sexo, a forma de cada um viver a sua
experiência sexual.
entre pessoas do mesmo sexo. E, neste contexto, homossexual é a pessoa que vive e se relaciona
afetivo/sexualmente com outras do mesmo sexo (Guimarães, 2009; Jesus, 2012; Silva, 2020;
homossexual foi assim compreendido, inclusive, sendo ele atribuído a homens e mulheres que
tinham desejo sexual por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, essa realidade se modificou por volta
de 1978, quando essas mulheres, especialmente as feministas, não se sentindo representadas como
homossexuais, uma vez que, como mulheres e como lésbicas tinham necessidades diferentes das
enquanto identidade política, atribuíram-se o termo lésbica, cabendo, a partir deste momento, as
A partir deste momento, a orientação sexual destas mulheres passou a ser nomeada por
lesbianidade e, dos homens, por homossexualidade, antes, porém, foram chamadas de lesbianismo
34
A palavra lésbica era nesta época, em meados de 1978, utilizada de forma ofensiva, pelos
forma, a fim de esta palavra não ser agressiva à estas mulheres, mas ao contrário disto, ser natural,
elas se apropriaram do nome lésbicas, vindo, inclusive, o amor entre mulheres, a ser chamado de
Homossexual. Mas pode me chamar de lésbica. E por que não? Procure em qualquer
dicionário e você verá que a palavra lésbica tem, por definição ‘mulher homossexual’.
Alguma ofensa nisso? Nenhuma, mas essa sempre foi usada com o intuito de ferir por uma
sociedade heterossexual que não admite que ninguém saia dos padrões que ela considera
‘normais e aceitáveis’. Além de não ser nada ofensivo em si, a palavra lésbica tem uma
origem muito bonita, que remonta aos tempos da antiga Grécia, à ilha de Lesbos, onde a
poetisa Safo viveu e cantou a beleza do amor entre as mulheres. Se você transportar essa
palavra para o seu dia a dia, ela vai perder gradualmente essa capacidade de ferir, você está
pejorativa, ofensiva, que a palavra lésbica carrega, mostrando que ela não precisa estar
O termo lésbica advém da lenda de Safo, poetisa da Antiga Grécia, que teria vivido na Ilha
de Lesbos, situada no mar Egeu, e se dedicado por toda a sua vida a fazer poesias líricas, escritas
para serem cantadas ao som de liras, enaltecendo o amor entre as mulheres (MacRae, 2018b;
Franco, 2022b). Considera Boheringer (2007, citado por Franco, 2022b) que “[...] o universo
lésbico, apoiado em sua imagem originária das “mulheres de Lesbos” tem a presença de elementos
7
Subgrupo independente e atuante dentro do Grupo Somos, em 1978, formado por mulheres feministas, intitulado
Lésbico-Feministas, para lutar por seus direitos de mulheres lésbicas. (MacRae, 2018a).
35
como solidariedade, companheirismo, acolhimento e pertencimento entre mulheres”. Um de seus
poemas mais conhecidos é Ode a Afrodite (1992/1993, citado por Franco, 2022a, pp. 71-72):
suplico-te, ó dominadora,
(...)
contravontade amará.”
citado por Franco, 2022a, pp. 71-72 (In Fontes, 1992/1993, p. 71).
36
Muito embora em 1978 tenha havido esta diferenciação entre lésbicas e homossexuais,
por pessoas do mesmo sexo, bem como a sua orientação sexual. E será por esta vertente que os
pela psicologia como o interesse sexual por pessoas do mesmo sexo. Trata-se de uma orientação
sexual ou orientação do desejo sexual de uma pessoa pela outra (Jesus, 2012; Silva, 2020; Araujo,
Benincasa & Frugoli, 2022a), chegando no passado a ser considerada a homossexualidade como
uma patologia. E, neste sentido, consideram Quinet e Jorge (2013/2020) que, para se compreender
como uma determinada prática sexual chegou a ser um diagnóstico, há de se considerar o contexto
Quinet e Jorge (2013/2020) deu-se por Caelius Aurelianus, no século V a.C, no qual Caelius
traduziu para o idioma latim alguns estudos que Soranus de Ephesus vinham desenvolvendo, nos
quais mencionava a homossexualidade como condição de aflição mental, tanto em homens como
em mulheres. E, não suficiente a isto, desde o século V a.C. textos originários da Bíblia e da Torah,
a mulher foram criados por Deus para serem complementares. De acordo com Quinet e Jorge
de Aquino, seguiram por este mesmo pensamento atribuindo o sexo a procriação como única
condição plausível e possível de existir. E seguiu de tal forma que, no século XII, o artigo 48, do
código de Gengis Kan, orientava a pena de morte para os homens que cometessem sodomia.
37
Historicamente, consideram Hopcke (1993), Quinet e Jorge (2013/2020) e Jorge e
de perversão. E, a isto, observam Guimarães (2009), Salles e Melo (2011), Quinet e Jorge
Karl Maria Kertbeny, em escritos anônimos contra as leis da Prússia que previam leis severas as
práticas de sodomia, entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com Costa (1944/1992), o termo
homossexual, foi inventado em 1869, por Benkert, com a finalidade de combater a legislação
Observam Marques (2016) e Quinet e Jorge (2013/2020) que antes de ser criado o termo
doentes mentais, invertidos etc. Relata Marques (2016) que Benkert definiu a expressão
Por sua vez, o advogado e teólogo alemão Carl Heinrich Ulrichs, a fim de sustentar que a
corpo masculino, popularizou o termo uranismo8 e, de outro lado, o neurologista Carl Westphal
apoiou a teoria inata da homossexualidade, tendo por certo a existência de um terceiro sexo,
Pontua Soares (2012) que durante longos anos os homossexuais não tinham voz própria. A
eles competiam o lugar da terceira pessoa. Falava-se sobre eles, quem eram, como eram, o quer
eram, o que faziam, porque faziam e falava-se com tanta veemência, que transparecia ser verdade.
8
Termo do século XIX que se referia a homens homossexuais, de acordo com Marques (2016), Quinet e Jorge
(2013/2020), Jorge e Travassos (2021).
38
Não lhes era atribuído o direito de existirem e isto talvez ocorresse para que não ocupassem um
Elucidam Silva et al. (2015, citado por Vasconcelos, 2008) e MacRae (2018a) que as
relações afetivo-sexuais devem ser compreendidas a partir do espaço, cultura, tempo, idade e
demais aspectos que compõe a história naquele determinado momento em que acontece. Observam
subjetividade, interagindo com o meio e vivendo sua sexualidade enquanto uma forma possível de
homossexualidade enquanto uma categoria universal, dado que ela é suscetível de mudança de
acordo com o momento sócio-histórico e cultural em que ela se dá, sendo revestida, portanto, de
subjetividades.
Para Salles (2011) e Ceccarelli (2012) e Silva et al. (2015, citado por Vasconcelos, 2008),
revelando-se, assim, a sexualidade como uma construção inerente a um jogo de poder, aclaram.
Aufranc (2018) avigora a afirmação de Salles (2011) e Ceccarelli (2012), pontuando que
relacionamento sexual, destinando-o à procriação, adjetivando como pecado tudo o que fugisse a
esta regra. Neste contexto, citado por Rodrigues (2012) e Jorge e Travassos (2021), com a
promoção do cristianismo, a fim de que a igreja católica tivesse seu poder firmado, utilizou-se da
39
De acordo com Pastana e Klipan (2021) e Jorge e Travassos (2021) foi a partir do
A esta forma de conceituar a homossexualidade, observa MacRae (2018a) que é mais fácil
revelação divina.
Observa Franco (2022c) que a literatura traz a presença da religião, sobretudo a presença
como binarismos e outros. Pontua Franco (2022c) que estas representações sociais acerca de
judaico-cristã. E, neste contexto, observa Rodrigues (2012), a homossexualidade era tida como
exagero dos desejos carnais, tida como crime, imoralidade, vício, pecado.
Para Franco (2022c), quando há uma disponibilidade interna para se refletir acerca das
permitindo-se, assim, uma compreensão mais ampla e profunda de cada ser humano.
Neste mesmo sentido, asseguram Silva et al. (2015) que a religião, até a atualidade, com
40
promovendo, na contramão, um distanciamento ainda maior dos homossexuais com relação a
anulando o instinto sexual. Caso as mulheres, ditas então honestas, vivessem o prazer, o qual era
condenado, tratar-se-ia, então, de uma patologia. Assim, de acordo com Rodrigues (2012) e
Nesta perspectiva, Soares (2012) analisa que ao divino foi conferida a rejeição a
ser curado. tornando-se heterossexual e, tendo assim, uma vida plena e saudável, conclui Soares
(2012).
Historicamente, o lugar da igreja foi ocupado pela medicina a partir do século XIX,
homossexuais, por seu modo de caminhar, traços corporais, tom da voz, dentes etc. Tratava-se de
uma caça aos homossexuais e, por isto, conforme MacRae (2018a), muitas pessoas foram
torturadas com sentimento de medo e culpa e, outras tantas, foram assassinadas por pessoas
homofóbicas.
41
Consideram Quinet e Jorge (2013/2020) que os discursos religiosos apoiados na psicologia
para divulgar a cura gay representaram um considerável retrocesso, uma vez que atribuíram à
Face a este advento, anos mais tarde, mais precisamente em 1886, o termo
homossexualismo é incluído por Krafft-Ebing, na medicina, entre os desvios sexuais, vindo a ser
revisto mais adiante (Quinet & Jorge, 2013/2020), mais precisamente em 1973 com a American
Manual - DSM9, iniciando-se, assim, a revisão de outras organizações de saúde mental (Tavares
Observa Tavares et al. (2010, p. 444) que houve, ao longo dos anos, modificação no campo
termo no passado, sendo a forma mais comum e genérica, a expressão homossexualismo para falar
sobre orientação sexual de pessoas que se relacionavam afetiva/sexualmente com outras do mesmo
sexo.
O sufixo “ismo” originalmente, ao se referir a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo,
recebeu atribuição de doença, de modo que o conceito homossexualismo foi empregado no sentido
relacionar sexualmente entre iguais (Toledo & Pinafi, 2012; Silva et al. 2015; Jorge & Travassos,
9
No Brasil, trata-se do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, destinado a profissionais da área da
saúde mental, reunindo variadas categorias de transtornos mentais, bem como critérios para diagnosticá-los, baseados
na American Psychiatric Association – APA.
42
2021), sendo visto o homossexualismo, inclusive, como um misto de pecado, crime e doença, ao
Neste sentido, esclarecem Toledo e Pinafi (2012, p. 162) que o “sufixo ismo, do conceito
homossexualismo, criado pelas ciências médicas, tinha como referência o significado de patologia,
p. 27), que o “sufixo ismo é utilizado para designar patologias no âmbito teórico da psiquiatria.
Desde o DSM III-R, tal categoria diagnóstica foi excluída e a nomenclatura utilizada passou a ser
homossexualidade”, segundo Silva et al. (2015, p. 679) passando a designar “um modo de ser”.
homossexualismo, não caracteriza em sua totalidade a sexualidade dos homossexuais, uma vez
lesbianidade, tanto coloquialmente como academicamente, são utilizados sem distinção entre as
É o termo correto a ser usado ao se referir a uma pessoa que é homossexual, indicando
43
Neste mesmo sentido, pode-se pensar a utilização do termo lesbianidade como o correto,
menção à mulheres e, mediante citação direta ou indireta de autores, será conservada a palavra
conforme for citada pelo autor, os quais, a seguir, discorrerão sobre estes fenômenos nas
Fenomenológica e Junguiana
fazendo aproximações entre suas teorias e evidenciando as diferenças e discorrerá sobre a forma
Cabe reiterar uma vez mais que, referente as pessoas que se relacionam sexualmente com
outras do mesmo sexo, muito embora desde 1978 as mulheres tenham se intitulado por lésbicas,
competindo aos homens o termo homossexual e gay, diversos autores seguem se referindo a estes
homens e mulheres por homossexuais (de forma igualitária), passando-se o mesmo com o termo
homossexualidade para designar orientação sexual de homens e mulheres que se relacionam com
44
se que não se trata de certo ou errado, mas da forma como se reconhece as identidades políticas e
suas manifestações sociais, validando seus esforços e conquistas em suas lutas específicas por seus
Frente a isto, esta pesquisa se utilizará dos termos lésbicas e lesbianidade a fim de
afetiva/sexualmente com outros homens. Todavia, face a citações diretas ou indiretas de autores,
psicanalítica, fenomenológica e junguiana, com base na proposta deste estudo, será justificado o
porquê a psicologia junguiana será a orientação escolhida para se estudar o sofrimento de gays e
vida das pessoas no qual os traumas se configuraram, de onde o sofrimento atual advém e,
pressupõe a existência de um inconsciente onde habitam conteúdos que não temos conhecimento
e nem acesso e que é possível, por meio da psicoterapia, acessá-los ressignificando estes traumas
e sofrimentos psíquicos.
45
Compartilhando deste mesmo pensamento, Sigmund Freud (6 de maio de 1856, Příbor,
psiquiatra, precursor da psicanálise, e Carl Gustav Jung (26 de julho de 1875, Kesswil, Suíça - 6
(ou psicologia junguiana ou psicologia dos complexos), seguiram juntos, até o momento em que
coletivo e, para além disto, concebeu diferentes formas da manifestação da libido, além da sexual,
como postulava Freud. Desta forma, cada um dentro de seus estudos, desenvolveram suas teorias
fenomenológico, trazendo esta afirmação em pelo menos treze diferentes passagens em suas Obras
tal, me mantenho fiel ao ponto de vista fenomenológico. Mas não acho que infringimos os
Creio, de fato, que não há experiência possível sem uma consideração reflexiva, porque a
alguma. Daqui se deduz que abordo os fatos psicológicos, não sob um ângulo filosófico,
10
As Obras Completas de Carl Gustav Jung, reúnem seus principais escritos. Foram originalmente escritas em
alemão, Gesammelten Werke von C. G. Jung, vindo, posteriormente, a ser traduzidas para outros idiomas, dentre eles,
para a língua portuguesa.
46
validade de outras abordagens, mas não posso pretender a uma correta aplicação desses
De acordo com Lima e Diogo (2009) o precursor da escola da fenomenologia foi Edmund
[...] um processo de, como o próprio Husserl o chamava, “retorno às coisas mesmas”, de
busca das essências dos fenômenos, que equivalem aos sentidos das experiências. O
filosofia medieval que significa um estado de repouso mental onde nada se nega e nada se
afirma. Nesse estado, o sujeito prescinde de sua atitude natural e ingênua e coloca o mundo
filosófico, ainda que não o tenha seguido disciplinadamente, já que possuía também influência de
Kant.
Jung buscou tornar o seu método científico, entretanto, em função de continua revisão de sua obra
até o final de sua vida, sempre aberto a rever e repensar sua teoria, pouco tempo teve para fazê-lo.
Isto implicou em que não existir uma única abordagem de seu método.
Neste mesmo sentido, esclarecem Lima e Diogo (2009), que Jung, no que diz respeito a
fenomenologia, expressava uma afinidade com esta perspectiva do ponto de vista empírico,
47
fundamentando-se mais na observação e experimentação daquilo que parece do que na teoria.
Todavia, aos seus contemporâneos filósofos e pesquisadores desta corrente, Jung parecia não nutrir
uma forma e expressão à experiência sob o ponto de vista dinâmico e psicológico, o que pode ser
observado quando ele conceitua os arquétipos anima, animus, Self, sombra etc. Entretanto, quando
Brooke (1991/2015) sustenta que é possível ler Jung por meio da fenomenologia, ao dizer
que:
[...] he criticised Freud and established his own position in the name of phenomenology.
That his relation to phenomenology was fairly unsophisticated, and certainly inconsistent,
is true. Nevertheless, it did exist, and I think that despite its inconsistency, this relation to
[...] criticou Freud e estabeleceu sua própria posição em nome da fenomenologia. Que a
verdade. No entanto, ela existiu e eu penso que apesar de sua inconsistência, esta relação
Ainda para Padua e Serbena (2018), Jung, ao olhar para a arte, religião, política, dentre
outros aspectos coletivos, voltou o seu olhar para o inconsciente coletivo e para os mitos, como
forma de ilustrar o drama vivido pela humanidade já tendo sido experienciado por alguém em
48
algum lugar, encontrando-se, portanto, caminhos e saídas para soluções de conflitos. Jung
(1928/2015b) dizia que o estado do padrão psíquico humano poderia ser equiparado a um estado
de semelhança ao divino. Para ele, esta semelhança dizia respeito ao bem e ao mal com que cada
um se reconhecia e trazia dentro de si, de modo que era fundamental a integração destes dois
aspectos da psique, a fim de o homem pudesse se reconhecer em Deus, a sua imagem e semelhança
e, da forma como visse este Deus, atuar no mundo com os demais (Jung, 1952/2012d). Não se
tratava de uma diretriz religiosa, mas da religiosidade, do re-ligare, da religação com o Sagrado, o
Em outros momentos, de acordo com Padua e Serbena (2018) Jung voltou-se para os
religiosidade. Neste momento, Jung (1958/2013e, p. 43) considerou que “os deuses viraram
doença”.
inconsciente coletivo. E, neste contexto, saber a religião de uma pessoa, é sinônimo de conhecer
um pouco da maneira como ela se relaciona com o outro por meio de suas crenças. Jung dizia
(1938/2012c):
Encaro a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com o
espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais, ou qualquer outra denominação dada pelo
homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a experiência ter-lhe-ia mostrado
49
consideração, ou suficientemente grandes, belos e racionais, para serem piedosamente
Uma vez que os deuses deixaram de ser adorados e não mais vistos como expressão dos
sentimentos humanos, passando os humanos a serem detentores dos sentimentos, esses potenciais
psíquicos, perderam sua expressão cultural e se somatizam nos homens, adoecendo-os. E, assim,
Congratulamo-nos por haver atingido um tal grau de clareza, deixando para trás todos esses
fatos psíquicos responsáveis pelo nascimento dos deuses. Ainda estamos possuídos pelos
conteúdos psíquicos autônomos, como se estes fossem deuses. Atualmente eles são
chamados: fobias, compulsões, e assim por diante; numa palavra, sintomas neuróticos. Os
partindo do pressuposto de que cada psicopatologia, observam Padua e Serbena (2018, p. 129) que
“se cada psicopatologia manifesta uma fenomenologia específica, cabe compreender qual Deus
E, a partir das ideias de Hillman (12 de abril de 1926, Atlantic City, Nova Jersey, EUA -
fenomenologia e a partir das ideias de Jung, buscando reconhecer tanto a fantasia como o mito,
como partes da vida psicológica, podendo personificar-se a partir de mitos e deuses, a pergunta
50
A psicologia arquetípica dialoga com a psicologia analítica e, ao mesmo tempo, diverge
dela, uma vez que a primeira tem como foco o Self e outros elementos da ssique, como anima e
animus, ao passo que a segunda se direciona para a Alma ou Archai, elementos mais profundos da
psique, os quais fazem parte da fantasia da vida. Desta forma, Hillman (1980/1997) visava revelar
por meios das fantasias, o discurso da Alma (também chamada de Psique). O foco central da
psicologia arquetípica de Hillman é a imaginação e sua proposta é restaurar a psique no que ele
acreditava ser seu "devido lugar" na psicologia. Hillman (1980/1997) observava ainda que:
Neste particular, a teoria, bem como a terapia, arquetípica de Jung é tradicional e grega.
Pergunta ela: "O que existe na natureza mesma da minha perturbação e da minha aflição
que é necessário, autoprovado (causado pelo eu)?" [...] a terapia arquetípica faz a pergunta
mais filosófica) "o quê” - e, finalmente, a pergunta religiosa ‘quem", qual Deus ou Deusa,
que daimon11, está atuando internamente naquilo que acontece. A terapia junguiana é,
portanto, teofânica, no sentido de Corbin. Ela pede ao Deus da doença que se manifeste.
E, nessa conjunção, de acordo com Padua e Serbena (2018), o que levou Jung ao
Hillman (1975/2010) nos chama a atenção para o fato de que não devemos classificar as
pessoas em termos psicopatológicos, sem considerar a pessoa em todos os seus aspectos, em sua
11
James Hillman (1996/2013) referia-se ao daimon enquanto uma vocação, destino, caráter que cada um traz dentro
de si e que precisa ser despertado. Para Jung (1952/2013), o daimon e equivale ao mito do significado, sentido de vida,
ao chamado de cada um.
51
integridade. Para Hillman as palavras dizem respeito às descrições somente e, estas, por sua vez,
Pondera ainda Hillman (1975/2010) que pode ser que ao se examinar determinado
fenômeno não haja patologia implícita dele, portanto, nenhuma doença real. Desta forma, a lógica
descritiva, considera, cabe para objetos desprovidos de vida, sem personalidade e serve, assim, ao
mundo da ciência, ao passo que a psicopatologia, serve ao mundo da alma. As palavras usadas
para descrever as aflições da alma requerem uma subjetividade que expresse e contenha suas
queixas bizarras e doídas, se verdadeiramente expressam o que pretendem descrever. Para tanto,
precisamos de uma psicopatologia arquetípica. Quando nos utilizamos da descrição lógica para
descrever o mundo da alma, considera Hillman, incorremos no risco de patologiza o que não é
vazios personalizando-os com indivíduos reais. Na realidade, é isto mesmo o que ocorre,
pois os termos, tão arbitrários e tão vazios, são atrelados a pessoas que dessa forma se
parecem substanciar as palavras, fornecendo aos termos, através de suas pessoas palpáveis,
uma realidade psíquica empírica. Os termos adquirem a substância dos corpos que
nomeiam; vivem como parasitas de sua própria instância. Estas instâncias, estes casos de
52
em vasos fechados o conteúdo daquilo que nomeiam, e a pessoa assim nomeada é relegada
Consideram Lima e Diogo (2009, pp. 17-18) que, ao se referir a sua proposta
fenômeno dependerá do intelecto do sujeito, por sua psique, ou seja, estará sob influência de fatores
subjetivos de cada um. Para Jung, “manter uma postura fenomenológica significava valorizar a
experiência, compreendida como a experiência vivida pelo indivíduo”, concluem Lima e Diogo
minha ocupação intensa com neuroses e psicoses fui levado a reconhecer que – por mais
Este método, porém, exige que se esteja livre de pressupostos teóricos. Toda ciência natural
é descritiva quando não pode mais proceder experimentalmente, sem, no entanto, deixar de
ser científica. Mas uma ciência experimental torna-se inviável quando delimita seu campo
Conforme nos foi possível observar, a psicologia analítica dialoga tanto com a psicanálise
53
seguindo sua teoria, mantendo sua essência e diálogo com as escolas psicanalítica e
fenomenológica.
Mas, e no que diz respeito a estas três perspectivas ao olharem para homossexualidade e a
lesbianidade, o que cada escola e seus teóricos concebem, onde se convergem e se distanciam?
Lesbianidade?
compreensão particular e específica de cada ser humano com seu respectivo desejo (Leite Netto,
2014), e, Freud, em comunicação com o pastor Oskar Pfister, em sua carta datada de 25 de
novembro de 1928, esclarece que a psicanálise não pertence a alçada de médicos e sacerdotes
(Leite Netto, 2014; Freud & Pfister, 1966). Conforme aponta Leite Netto (2014), a carta de Freud
Não sei se você adivinhou a relação oculta entre a “análise leiga” e a “ilusão”. Na primeira,
quero proteger a análise frente aos médicos e, na outra, frente aos sacerdotes. Gostaria de
entregá-la a um grupo profissional que não existe ainda, o de pastores de almas profanos,
que não necessitam ser médicos e não devem ser sacerdotes. Afetuosamente, seu velho
Freud. (Freud & Pfister, 1966, p. 121, citado por Leite Netto, 2014, p. 81, tradução de Leite
Netto).
54
E, no que diz respeito ao relacionamento afetivo/sexual entre pessoas do mesmo sexo,
afirma Leite Netto (2014, pp. 84-85), que embora seja tema de controvérsia entre os teóricos e
mesmo dentro das mesmas escolas psicológicas, não foi diferente a visão de Freud, mantendo suas
bases, uma vez que a “[...] psicanálise não se interessa pelos fenômenos visíveis da prática sexual,
mas pelas suas expressões não aparentes, recalcadas, inconscientes”, mas parte de uma escuta
desprovida de moralismo e julgamento, oportunizando que o outro seja ouvido, percebendo seu
mundo interior e buscando acolhê-lo em suas demandas, rumo as “conquistas de sua autonomia,
de acordo com Ceccarelli (2012), na contramão de teóricos como Krafft-Ebing, que, em seu
conhecido livro Psycopatia Sexualis, de 1886, traçou um inventário das perversões humanas,
forma de manifestação da sexualidade que tomou o caminho errado de uma sexualidade dita como
Sobre a ideia de perversão, Pacheco (2015) pondera que é possível que ao se legitimar a o
manifestação da sexualidade assim como outra forma qualquer, este fato poderia se caracterizar
com a ideia de ameaça a ordem do mundo sexual, desencadeando uma desordem que as pessoas
De outro lado, pondera Ceccarelli (2012) que, o termo mais apropriado ao ser falar sobre
homossexualidade é utilizá-lo no plural, homossexualidades, uma vez que seria um engano crer
que a orientação sexual se manifesta dentro de uma forma e com a mesma dinâmica pulsional.
Para Ceccarelli (2012, p. 105) “falar do ‘homossexual típico’ é tão absurdo quanto falar do
55
‘heterossexual típico’, do ‘transexual típico’, do ‘travesti típico’ e assim por diante: não existe
nada típico na sexualidade humana”. E, reitera Costa (1944/1992, p. 11) que “[...] vocabulários
diversos criam ou reproduzem subjetividades diversas”, de modo que estas subjetividades são
vividas a partir de quem as experiencia, não podendo, portanto, serem categorizadas ou limitadas
Muito mais que isto, Quinet e Jorge (2013/2020) consideram que a sexualidade sempre foi
utilizada como uma arma política, na qual, em pouco tempo foi possível se deparar com o
entendimento do sexo, do gênero e da opção sexual, em defesa da moral, da religião e dos bons
costumes.
(readaptado para os dias atuais) e/ou homossexuais, dependerá exclusivamente da intenção moral
de quem as emprega. E, considera Costa (1944/1992), por fim, que o importante não é saber qual
a crença moral que cada um se utiliza, mas as consequências éticas que isto acarreta a vida de
Ao se referir às práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo, Costa (1944/1992) preferiu
motivos centrais:
A primeira é ordem teórica. Diz respeito à maior clareza que proporciona o uso do primeiro
12
De acordo com Costa (1944/1992) o termo homoerotismo foi pela primeira vez utilizado pelo psicanalista húngaro,
da mesma época histórica de Freud, Sandor Ferenczi, para debater o tema da homossexualidade, demonstrando,
pioneiramente na literatura psicanalítica que o termo homossexualismo não dispunha da competência necessária para
se pormenorizar as experiências psíquicas de pessoas homoeroticamente inclinadas.
56
Homoerotismo é uma noção mais flexível e que descreve melhor a pluralidade das práticas
como uma essência, uma estrutura ou denominador sexual comum a todos os homens com
tendências homoeróticas é incorrer num grande erro etnocêntrico. Penso que a noção de
homoerotismo tem vantagem de tentar afastar-se tanto quanto possível desse engano.
perversão etc., que acabaram por fazer parte do sentido da palavra ‘homossexual’.
Segundo, porque nega a ideia de que existe algo como ‘uma substância homossexual’
enfim, porque o termo não possui a forma substantiva que indica identidade, como no caso
pp. 21-22).
Freud sustentou sua visão tanto na teoria como na prática. Certa vez foi solicitado a se
posicionar, pelo jornal vienense Die Zeit, sobre um alvoroço arrastando uma admirável
personalidade sobre práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo, ao que Freud, sem titubear,
[...] a homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. [...] eu tenho convicção de
que os homossexuais não devem ser tratados como doentes, pois uma tal orientação não é
uma doença. Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande número de pensadores
que admiramos justamente em razão de sua saúde mental [...]. Os homossexuais não são
pessoas doentes. (Freud, 1903 citado por Ceccarelli, 2012, p. 111 e por Quinet & Jorge,
2013/2020, p. 40).
13
Tradução do inglês para o português: orientada para o mesmo sexo.
57
Inicialmente, de acordo com Leite Netto (2014), com a psiquiatria, Pinel, com uma
a no Manual Diagnósticos e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM, ao que Freud pareceu não
concordar, uma vez que para ele, ao tratar pessoas homossexuais, não se deve buscar como
resultado a tranquilização do sujeito, seu bem-estar e sua felicidade, isto pode ocorrer, mas não
deve ser o objetivo final, e sim a busca de um conhecimento por meio da vivência e da experiência
Observa Costa (1944/1992) que nunca nos questionamos, mesmo porque é assim que se
formam as crenças, porque é tão importante para nossas crenças morais dividir os homens entre
fossem importantes para nós no que diz respeito aos diferentes tipos de manifestação da
sexualidade dos outros e mesmo nossa. Assim, seria então a prática de sua sexualidade dos sujeitos
Pastana e Klipan (2021) elucidam que para Freud há de se considerar três vertentes de
características sexuais na perspectiva do sujeito, sendo elas: física, mental e a escolha do objeto.
Partindo do pressuposta de que o a sexualidade humana, antagônica a dos animais, não se entrelaça
religiosa ou de senso comum, e instaura, assim, um novo olhar para a sexualidade que não deve
ser normatizada (Leite Netto, 2014; Marques, 2016), ponderando que há a possibilidade de o
58
instinto sexual, inicialmente, ser independente ao objetivo, de modo a não se relacionar
originalmente aos encantos dele. (Freud 1905/2016, p. 38). Esclarecem Ceccarelli (2012), Marques
(2016), Pastana e Klipan (2021), Jorge e Travassos (2021) que Freud concebia a pulsão, como
forma de prazer, presente em todas as ações humanas e não responsável apenas pela reprodução.
experiência subjetiva moralmente desaprovada pelo ideal sexual da maioria. Dizer isto é
dizer que numa cultura como a nossa, voltada para a ideia de realização afetiva e sexual,
privar certos sujeitos dessa realização é extremamente problemático. Tanto quanto aos
mesmos sujeitos foram ensinados a desejar esse tipo de satisfação. [...] o homossexual é
uma forma de subjetividade como qualquer outra subjetividade pode ser historicamente
circunscrita em seu modo de expressão e reconhecimento. [...]. Durante muito tempo, por
exemplo, acreditou-se que certos homens eram ‘por natureza escravos’, outros, ‘por destino
espiritual, hereges’ e, certas mulheres primeiro por serem mulheres, depois por
apresentarem condutas que as afastavam da média, feiticeiras. (Costa, 1944/1992, pp. 22-
23).
Para Quinet e Jorge (2013/2020), a pulsão, conforme o olhar de Freud, dá-se a partir da
partindo-se de uma sobrevalorização a moral da natureza. E, foi neste desvio de pensamento que
preconceito e discriminação.
59
Observam Pastana e Klipan (2021) que, muito embora a homossexualidade feminina14
tenha ocupado e ainda ocupe um lugar de pouca exploração cientifica, Freud considerou que o
relacionamento afetivo/sexual nas mulheres era tão presente quanto nos homens, ainda que
contextos heterossexuais. Todavia, de acordo com Pastana e Klipan (2021), este pensamento foi
questionado por Zalcberg, afirmando que no caso de Dora, em uma condição de histeria na qual
coisas diferentes.
Postulam Marques (2016) e Jorge e Travassos (2021) que um ser humano, seja ele homem
desejo sexual, terá uma pulsão voltada ao seu objeto de desejo, que poderá ser masculino – amar,
ou feminino – ser amado por um objeto definido como homem ou mulher biologicamente. Deste
modo, afirma Marques (2016) que homossexualidade se trata de mais uma manifestação da
[...] este dito saber sexual, unificado pelo sistema de valores morais não correspondente à
não condiz com o sujeito inerente a qualquer escolha do sujeito, já que a relação sexual,
enquanto pré-determinada entre pulsão e objeto, não existe. (Marques, 2016, p. 479).
14
Termo utilizado por Pestana e Kiplan (2021), fazendo a alusão ao pensamento de Freud, para se referir a orientação
sexual de mulheres que se relacionam afetiva/sexualmente com outras mulheres. Na atualidade, especialmente por
mulheres lésbicas feministas, o termo utilizado é lesbianidade.
60
Embasando este pensamento, postulam Quinet e Jorge (2013/2020, p. 27) que Freud
ponderam Quinet e Jorge (2013/2020) e Jorge e Travassos (2021) não haveria um único
direcionamento da pulsão, mas sim uma gama de possibilidades intrínsecas a cada indivíduo de
manifestação da sua sexualidade e, sendo intrínseco a cada um, não existiria como se considerar
um erro a escolha do objeto a partir do desejo e das experiências de cada um, não podendo-se
pressupor, portanto, que haja uma noção correta de manifestação da sexualidade humana em
detrimento de outra.
Para Leite Netto (2014) o mundo interno de cada um se organiza e se constrói o tempo
inteiro a partir de sua subjetividade e, neste processo, sua sexualidade pressupõe diversos fatores,
não havendo um lugar único e pré-determinado para se dirigir o desejo. E isto implica em dizer
que o importante para o analista é a maneira como cada um se organiza frente a constante pressão
exercida pelas pulsões e dos limites que o mundo interno e externo nos impõe a todo instante.
Enfatiza Leite Netto (2014) que para Lacan, neste mesmo sentido, ao término da análise,
não interessa se o objeto analisado é homo ou hetero, mas, sim as novas possibilidades de arranjo
que surgirão, a partir da análise, para que o paciente possa viver sua sexualidade de forma mais
livre do que no início da análise podia fazê-lo. Pondera Leite Netto (2014) que não temos controle
e nem nunca teremos sobre nossa vida erótica. E, pelo fato de nos assustarmos com isto, vamos
em busca de adequá-la em algum padrão e quando não conseguimos, muitas vezes a patologizamos
na tentativa de catalogá-la para enquadrá-la e controlá-la. Isto ocorre, porque, para Ceccarelli
(2012, p. 106) “por falta de identidade, somos condenados à identificação! Eis o nosso destino
61
Explicam Quinet e Jorge (2013/2020, p. 30) que, de acordo com Lacan, a fonte de todo o
preconceito contra a homossexualidade pode se dar no mito de que existe uma relação prévia e
determinada para ser vivida entre os sexos feminino e masculino e que a homossexualidade pode
ser explicada a partir desta suposta relação. Não deve haver um Outro sexo pré-determinado para
autores.
Observam ainda Quinet e Jorge (2013/2020, p. 30) que, sob este olhar, de acordo com
Lacan, neste contexto se “[...] não há o Outro sexo, para cada sujeito, o Outro sexo é sempre Outro
É importante fazer uma pausa nesta narrativa e observar que, apesar de contrário aos
aportes feitos por Leite e Neto (2014) e Quinet e Jorge (2013/2020) acerca do direcionamento da
considerar que Borrillo (2000/2021), relata em seus escritos que Lacan foi inicialmente antagônico
homossexuais a atuarem profissionalmente. Relata ainda Borrillo (2000/2021) que, apesar da visão
de Freud para além de sua época, sua filha Ana Freud, mulher lésbica, em seus atendimentos
na sociedade heteronormativa. Mesmo Freud precisou, em alguns momentos, render-se a sua época
e questionar dentro dos padrões que lhe eram impostos, sobre a homossexualidade. Todavia, a
homossexualidade e seus desdobramentos parecem não ter sido uma questão para o pai da
psicanálise.
relação a homossexualidade, Jorge e Travassos (2021, p. 45), pontuam que de acordo com Lacan
62
“[...] a homossexualidade deve ser considerada a forma mais subversiva de evidenciar a
e mulher”.
Findo este à parte, retomemos o ponto de vista sobre a questão da busca do Outro sem que
este Outro tenha necessariamente que corresponder a um sexo predeterminado. A fim de embasar
cientificamente esta visão, explicam Quinet e Jorge (2013/2020) que a palavra sexo se origina do
latim secare, e significa separar, cortar, dividir, todavia, como o sujeito do inconsciente não tem
sexo, ele é o próprio sexo, a divisão e o corte, de modo que ele é quem deve delimitar sua vida e a
apresenta de várias formas, sendo a homossexualidade uma de seus matizes e que não se deve
das outras pessoas, como um grupo especial de seres humanos. Estudando outras excitações
sexuais além daquelas manifestadas abertamente, ela sabe que todas as pessoas são capazes
ligações afetivas libidinosas com pessoas do mesmo sexo não têm, como fatores da vida
psíquica normal, papel menor- e, como motores do adoecimento, têm papel maior - do que
aquelas que dizem respeito a pessoas do outro sexo. Para a psicanálise, isto sim, a escolha
antigas, parece ser a atitude original, a partir da qual se desenvolvem, mediante restrição
por um lado ou por outro, tanto o tipo normal como o invertido. (Freud, 1905/2016, p. 35).
63
Freud (1905/2016, p. 35) pondera ainda que para a psicanálise, “também o interesse sexual
exclusivo do homem pela mulher é um problema que requer explicação, não é algo evidente em
si, baseado numa atração fundamentalmente química”. Deste modo, se há questões sobre da
homossexualidade a serem entendidas, também acerca da heterossexualidade o há, uma vez que
ambas são formas genuínas de manifestação da sexualidade, assim como outras formas de
Observa Ceccarelli (2012) que a sexualidade em cada um terá seu destino particular, pois
paradigma que Freud trouxe acerca da sexualidade e suas manifestações, na qual, buscou
desnaturalizá-la, buscando mostrar que as escolhas sexuais, sejam elas quais forem, condizem ao
inconsciente e suas determinações na busca da realização do desejo, sem que haja algo pré-definido
Considera Leite Netto (2014, p. 87) que “a relação da psicanálise com a homossexualidade
essa escolha de objeto do que a de especular e teorizar sobre sua origem e funcionamento”.
Esta visão da psicanálise pode ser observada mesmo por outros psicanalistas, como Jaques
André, quando, segundo Leite Netto (2014), em entrevista concedida pelo conhecido psicanalista
francês, ao Jornal de Psicanálise em 2009, foi-lhe perguntado sobre sua opinião referente ao fato
de alguns psicanalistas se assumirem gays frente aos seus clientes, ao que Jacques André responde:
do psicanalista é que ele esteja livre para perder sua identidade, para poder trabalhar em
64
todas as posições exigidas e necessárias ao paciente. Penso que o problema é declarar a
identidade. Você precisa viver como analista em diferentes condições. Ser uma mulher
heterossexual. E seria outra questão parecida também ao se esconder. São os extremos. [...].
Acredito que qualquer analista deveria dispor de uma plasticidade psíquica que lhe
permitisse transitar em posições. (André citado por Leite Netto, 2014, p. 90).
Freud manteve-se sempre coerente sempre que questionado sobre seu ponto de vista no que
diz respeito à homossexualidade. Em 1935, quatro antes de seu falecimento, na tradução de uma
carta em resposta a mãe de um homossexual, carta esta que foi reproduzida em 1951 no American
Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a
minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele
me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a
motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.
Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma
alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo,
15
Jornal Oficial da Associação Americana de Psiquiatria - https://ajp.psychiatryonline.org/.
65
Leonardo da Vinci etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a
homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra,
Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma
termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver
maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade
A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando
descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social
Sigmund Freud
(1935), psicanalista norte-americano, citado por Ceccarelli (2012), que a psicanálise se apoiou em
que não foi diferente com outras escolas, uma vez que não se tem informações que amparem uma
ainda que comprove que a homossexualidade é uma anomalia ou uma enfermidade. Pacheco
66
[...] Ainda que Freud não tenha dado seu aval a patologização da homossexualidade – A
170).
E tantas outras sanções lhes foram feitas, sendo propício inclusive para a contribuição ao
cenário de homofobia que se desencadeou ao longo da história, ratifica Pacheco (2015). Nesse
sentido, considera Marques (2016) que, embora Freud, preocupado com o sofrimento do sujeito,
tenha trazido importantes contribuições para a humanidade, na atualidade ela ainda continua sendo
algo de questionamento.
De acordo com Costa (1944/1992) não há como deixarmos de ser quem somos, de modo
que não temos como negar nossos desejos sexuais por outrem. Fazer isto seria como desaprender
podemos querer deixar de falar e desejar, mas enquanto sujeitos da vontade podemos
67
vertente da ‘perseguição & culpabilização’ significa manter-se fiel à engrenagem perversa
De acordo com Quinet e Jorge (2013/2020), apesar de Freud ter lançado esforços para
basearam-se, muitos deles, na abordagem de Sandor Rado, que apontou como um erro a teoria de
Freud sobre a bissexualidade ser inata ao sujeito, de modo que a homossexualidade não deveria se
enquadrar como normal e sim a heterossexualidade deveria ser a norma biológica. Rado concebia
degradação do ser humano ou mesmo uma doença (Quinet & Jorge, 2013/220).
Conforme Quinet e Jorge (2013/2020), de acordo com Freud podemos dizer à nós mesmos
que todos os que conseguiram educar-se dentro de uma verdade que acredita como certa para si,
estará eternamente protegido de ser imoral, ainda que seus padrões de moralidade, integridade e
Provando uma reflexão acerca da afirmação de Quinet e Jorge (2013/2020) embasados nos
pensamentos de Freud, podemos nos perguntar: os padrões sexuais socialmente definidos, são
certos, morais, íntegros e dignos para quem e sob qual ponto de vista? Podemos definir o que é
bom e adequado ao outro se quando somos nós que estamos nesta condição, nos sentimos
invadidos e rejeitamos nos submeter ao que nos é imposto? Se o que nos incomoda no outro diz
respeito ao que negamos em nós, ao dizermos que o outro está errado e não pode agir livremente
68
de acordo com sua vontade, quem de fato estará errado e impedido de ser livre? Será que ser
Lesbianidade?
nesta vertente, “[...] o conhecimento não se nega e nem se declara em todo o sentido como algo
desenvolvida por Husserl, filósofo alemão, na busca de compreender o fenômeno em sua totalidade
para então se chegar a sua essência. Anterior a este pensamento, os teóricos positivistas da época
restringiam o ser em ideal de ser e dentro de uma razão e causalidade para existir. Para Husserl
intelectual-filosófico. Analisa, Ziles (2007), neste sentido, que o objetivo de Husserl é alcançar o
de se conhecer.
Para Trzan-Ávila (2020) Husserl recusou a compreensão de que a consciência era um lugar
subjetiva e individual do sujeito, uma vez que haveria acerca da compreensão da percepção
humana uma gama importante de elementos fora da consciência que, se observados, produziriam
69
Com o método fenomenológico, os fenômenos são em si o modo de existir que se revela
através das atividades e manifestações do ser, distanciando as deduções e induções feitas até então
sobre as formas de expressões de subjetividades. Esclarecem Ziles (2007), Pereira (2017) e Trzan-
diferença apontada por Husserl, pioneiro nos estudos da fenomenologia, sobre ente e ser, todavia,
com os demais teóricos que vieram, refletindo sobre a questão do ser, atribuíram-lhe um sentido
de entidade, de algo que existe para além da razão e do óbvio, esclarece Pereira (2017), pela
dificuldade em se definir o ser, pensamento que contrapõe Heidegger, ao dizer que esta
impossibilidade não invalida a questão do seu sentido, mas por este motivo a determina como
importante. E, com isto, esclarece Pereira (2017, p. 5), alicerçado em Heidegger, que “não
devemos mesmo abrir mão da ambiguidade ente e ser e que é necessário abolir o caráter universal
humana, compreendendo este fenômeno a partir do ser no mundo, em sua totalidade, suas
vivências e experiências.
De acordo com a fenomenologia, a que constitui o mais puro e sutil do ser é a sua existência,
deste modo, o ser não pode em nenhuma hipótese se diferenciar e se separar do seu modo de ser.
70
Isto nos mostra que não há um ser universal, mas único, não há uma essência, um modo de existir,
que seja igual a todos, dado que cada possui sua própria unicidade e por meio dela vivencia suas
experiências no mundo. É quando existimos no mundo que nossa essência se manifesta e é assim
desenhada como modos possíveis de ser. Heidegger busca o sentido do ser e não a sua origem,
concebe a liberdade humana, seus desejos e escolhas como parte do ser (Pereira, 2017; Trzan-
Ávila, 2020).
inerente a vida dessas pessoas, dado que face às diversas manifestações de violência a que são
vítimas, são impedidas de viverem suas experiências de forma digna, satisfatória e completa,
implicando em que estas pessoas vivam em situação de constante defesa. Neste aspecto, a
Enfatizam Alves e Morin (2014) que para o homossexual, revelar sua orientação sexual
pode caracterizar a revelação de um sonho de poder existir em um mundo onde nem todas as
expressões de sexualidade são possíveis, podendo assim viver uma relação amorosa, com alicerces
construídos no amor, como qualquer outra forma de relacionamento afetivo, o que não lhes é
permitido pela cultura heteronormativa que os coloca em uma condição de diferentes dos demais.
A psicologia fenomenológica tem por objetivo o rigor na descrição dos fatos e não a
dedução ou indução de como ocorrem, busca mostrar e não demonstrar, evidenciar as bases em
que a experiência se dá, não expondo-a a uma lógica, mas clarificando sua subjetividade inerente
a cada ser que a experiencia e a vivencia em determinado momento de sua vida (Ziles, 2007;
71
O método fenomenológico, de acordo com Ziles (2007), Pereira (2017) e Macedo (2017),
revelar, buscando, assim, o sentido das coisas para então se propor a realizar uma análise do
existencial. Para Pereira (2017, p. 6) “É o modo de ser que define as coisas, dando sentido. É o
fenômeno que se mostra e não nós que o fazemos”. Para Husserl (1907/2000, p. 26) “O fenômeno
Alves e Moniz (2014) observam que no que diz respeito ao olhar da fenomenologia para a
homossexualidade, a partir do ser no mundo, suas vivências e experiencia, há uma forte violência
global pautada na supervalorização de uns em detrimento de outros, sem considerar cada ser
humano em sua subjetividade, mas tentando padronizá-los dentro de uma norma heterossexual,
que, por meio da homofobia, se utiliza desta lógica de inferiorização para a discriminação do outro.
Heidegger, citado por Macedo (2017), não é admissível a dissociação de um conjunto estruturado
Souza Filho (2009) considera que a homossexualidade independe da opção do indivíduo, assim
como nenhuma outra orientação sexual depende. E, pontua Macedo (2017) que, na visão da
72
pouco a concepção de doença, pois, seguindo-se pelo pensamento de Heidegger, ao homem lhe é
Ao olharmos para uma pessoa, para suas questões existenciais, para a expressão de sua
psicólogo vai em busca de não rotular e tão pouco prescrever o que supostamente faria sentido
para aquela subjetividade, mas, sim, de ampliar as probabilidades de ação para expandir os
significados dentro da individualidade daquele ser. O paciente torna-se parte ativa do processo
sendo o responsável por suas escolhas, ciente dos riscos que ela implicará, assim como de suas
Observa Macedo (2017) que, no mundo, está submetido a fatores culturais, histórico e
sócio-políticos que lhe são impostos, fazendo-se relevante questionar sobre as implicações de
a fim de compreendê-la como uma das diversas formas de expressão e manifestação da sexualidade
humana, que há de se considerar toda a constituição “[...] dessa faceta da sexualidade humana
visão do homem, percebendo-o como a única pessoa capaz de ter novas experiências e não apenas
73
Postula Husserl (1907/2000, pp. 28-29) que o “[...] conhecimento do universal é algo de
singular, é sempre um momento na corrente da consciência; o próprio universal, que aí está dado
na evidência, não é algo de singular, mas sim, um universal, portanto, transcendente em sentido
verdadeiro”. Neste sentido, considera Macedo (2017) ao citar Bruns e Trindade (2003), que as
relações constituídas pelo homem com o mundo são compostas por tonalidades afetivas,
compreensão e linguagem, pois o homem se atrai pelo que no mundo existe, utilizando-se de sua
compreensão para apreciar e se descobrir no mundo. Isto permite com que o homem tenha contato
com as diversas possibilidades de “vir-a-ser”, desde que tenha abertura para esta experiência,
todavia, o homem, por ter a possibilidade de escolher, não se torna livre, mas pela possibilidade
experienciar suas escolhas e decisões, com direito a “vir-a-ser” o que sua abertura o permitir
alcançar, não havendo, portanto, respaldo para enquadrá-lo dentro de normas pré-estabelecidas por
outrem que não possuem abertura para vivenciar a sua sexualidade desta mesma forma, mas de
outras.
existencial é que ainda que o paciente tenha experienciado situações dolorosas, cabe a ele a escolha
de permanecer ou sair delas, sendo ele o protagonista de sua existência. A individualidade do ser
é respeitada em sua integridade, criando condições junto a ele para que se transforme indo de
encontro que lhe fizer mais sentido. “Somente o homem possui o sentido em jogo no seu existir,
uma vez que ele é dotado do privilégio de ser abertura de sentido, ou seja, ser-no-mundo, uma
condição de possibilidade para que aquilo que ele é seja desvelado”. (Macedo, 2017, p. 33).
74
Observa Macedo (2017, p. 12) que a fenomenologia é o “[...] estudo ou a ciência do
fenômeno, sendo que por fenômeno, em seu sentido mais genérico, entende-se tudo o que aparece,
que se manifesta ou revela por si mesmo”. E, deste modo, argui Husserl (1907/2000, p. 32) que
“[...] não tem sentido algum falar de coisas que simplesmente existem e não apenas precisam de
ser vistas”. Frente ao exposto, ao psicólogo, competirá caminhar ao lado de seu paciente,
acolhendo sua dor, seu medo, duas dúvidas, abrindo caminho para uma maior conscientização de
suas escolhas e possibilidades frente ao que aquele ser escolher vivenciar, pois que cada um tem
expressar de acordo com sua subjetividade e desejo, a sociedade alcançaria uma visão de mundo
melhor, mais saudável e compreensível para com o outro, em suas diversas possibilidades e
Com todas as possibilidades de vir-a-ser em uma sociedade que impõe tantas proibições e
pauta-se em tantos preconceitos e tentativa de restringir a vida do outro que, de seu ponto de vista,
é tido como diferente, cabe a pergunta: Como deve ser o lugar de fala de pessoas gays e das
lésbicas, que tem grande parte de seus direitos básicos16 desacatados, pessoas estas que são
excluídas socialmente, que caminham literalmente nas ruas com medo de serem agredidas e até
mesmo assassinadas, pessoas estas que tem suas vidas sendo violentadas dia após dia? Neste
Essa é uma reflexão bastante considerável de se fazer se queremos também ter o nosso
lugar de fala respeitado e validado no mundo, se queremos entender como é ser e estar no lugar do
16
Direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, à habitação, direito de ir e vir, liberdade religiosa, de expressão e
de opinião), sem diferenciação quanto a gênero, orientação sexual, cultura, raça, classe social, nacionalidade ou
religião (United Nations, 1948; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022c). Para aprofundamento, ver Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948 - https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights.
75
outro, compreender o que se passa com ele, quem ele é, e principalmente qual é o nosso lugar de
fala caso sejamos o lado que se omita ou que violente estas vidas.
analítica, mostra-se relevante, num primeiro momento, apontar quem é Carl Gustav Jung,
Esta divisão é importante, uma vez que, segundo Hopcke (1993), encontramos diferenças
de pensamentos acerca da homossexualidade nestas duas gerações, de modo que os analistas que
conheceram Jung ou que exerceram suas profissões simultaneamente a ele, tendem a compartilhar
Complexa (estudiosa dos complexos) e Psicologia Profunda (a qual avança para o inconsciente,
17
Conforme Hopcke (1993) fazem parte da primeira geração os analistas junguianos que conheceram Jung ou que
profissionalmente o acompanharam no tempo. E, da segunda geração, os analistas junguianos contemporâneos a Jung,
que tiveram acesso ou familiaridade às suas obras e pensamento.
76
Jung foi um importante estudioso da vida interior do homem e o fez através de profundos
estudos sobre mitologia, religiões, filosofia, astrologia, alquimia e culturas de vários povos,
Suas Obras Completas (OC) foram inicialmente escritas em alemão, datadas no período de
1958 a 1981, contemplando 18 volumes. Em 1983 e 1994, dois volumes foram adicionais,
respectivamente, contendo a Bibliografia das obras de Jung e o índice geral. Entre 1978 e 2003,
pela Editora Vozes, foram publicados os 18 volumes mais o Índice Geral. Alguns volumes se
desdobram somando um total de 34 livros mais o Índice Geral. Há ainda outros livros como
No decorrer desta subseção, para uma compreensão mais profunda e completa da visão
evolução de seu pensamento ao longo de seus escritos, serão trazidos recortes das alusões a
Completas (OC), traduzidos para a língua portuguesa. Para tanto, estes trechos serão apresentados
seguir, discorrer sobre eles, ampliando-os. Cabe esclarecer que nas Jung utilizava-se do termo
Além das Obras Completas de Jung, serão trazidas menções a este fenômeno, encontrados
nos livros Memórias, Sonhos e Reflexões e O Homem e seus Símbolos, pois, embora não façam
parte das OC, trata-se de importantes literaturas, compondo a temática que abordaremos, que se
somam e se integram às Obras Completas. No Livro Vermelho e nos Livros Negros, livros também
77
destacáveis na literatura, na tradução feita para língua portuguesa, não foram identificadas
referências à homossexualidade em suas formas variadas de citação, desta forma, não serão aqui
abordados.
Nas Obras Completas de Carl Gustav Jung, publicadas pela Editora Vozes, aparecem
homossexuais, num total de 88 vezes, sendo uma delas em alemão, homosexualität18. No livro
Memórias, Sonhos e Reflexões e em O Homem e seus Símbolos, Editora Nova Fronteira, foram
nos livros em referências, teremos, portanto, um total de 95 citações feitas por Jung entre as
numa visão analítica e biológica, objetiva, explicando o mistério das paixões entre pessoas do
Quem conhece bem os textos de Jung sabe, porém, que ele nunca pretendeu construir uma
teoria completa e linear a respeito da psique humana. Muito mais interessado em descrever
e interpretar os fatos que via ao seu redor do que em promulgar posições teóricas, Jung não
18
Tradução do alemão para o português: homossexualidade.
78
homossexualidade no trabalho de Jung reflete a relativa falta de importância que esse
fragmentado, havendo desde definições que tendem a postular uma patologização indireta até
aquelas que direcionam o foco para o processo de individuação, seguindo o Chamado do Self, que,
para Jung (1916/2014b) é o que nos coloca no caminho do nosso processo de individuação,
Esta última definição parece ser a que mais se adere ao pensamento de Jung (1916/2014b)
que, em seus escritos, parecia não estar preocupado com a heterossexualidade ou com a
homossexualidade do sujeito e sim em como a energia psíquica era direcionada, uma vez que, para
ele, essa energia é indiferenciada, portanto, faz pouco sentido aplicá-la a padrões de discriminação
à dinâmica do inconsciente e, menos sentido ainda se faz tomar o conceito de individuação sem a
punindo-as, por suas preferências sexuais. De acordo com Jung (1921/2013i; 1961/2015a, citado
individuação como algo que fura o vigor da norma coletiva, que não é linear
79
individualidade. (Jung, 1921/2013i; 1961/2015a, citado por Santos, 2022, p.
87).
psíquico genuíno – que não pode haver sem que o indivíduo autorize sua
Para além disto, Jung (1967/2013a), em sua visão acerca da manifestação da sexualidade,
não categoriza as pessoas como homossexuais ou heterossexuais, dado que a energia psíquica é
inconsciente não exercendo diferenciação neste contexto e, para além disso, Jung postula que
humana e suas formas de manifestações, pois, Freud e Adler já o faziam (Jung, 1954/2013b;
Lingiardi, 2011). Jung (1954/2013b) postulava que a psicologia deveria considerar o homem em
seu estado biológico e espiritual (no âmbito da religiosidade) e, deste modo, o mais importante não
haveria de ser a sexualidade da pessoa, mas a busca pelo sentido de vida e a forma como como
cada um caminha rumo ao seu processo de individuação. Jung (1954/2013b; 1967/2013a) observa
ainda que a sexualidade precisa ser considerada a partir do fenômeno que ela representa e não
como algo que defina a vida da pessoa, pois sexualidade é energia psíquica e a energia psíquica
está voltada para a vida como um todo da pessoa e não apenas para a sua sexualidade.
80
Ainda que Jung não tenha se dedicado aos estudos da sexualidade humana e suas formas
para que as pessoas que se relacionam afetiva/sexualmente entre iguais, sejam marginalizadas,
estigmatizadas e com seus direitos de uma vida digna subtraídos. Lingiardi (2011) corrobora com
A partir destes aportes, podemos mergulhar e aprofundar estes estudos, suprimindo estas
lacunas. E isto nos parece de grande valia fazê-lo na atualidade, na qual nos encontramos em um
momento atípico da história, em que após muita luta dos homossexuais e das lésbicas contra a
homofobia e a lesbofobia e para terem direitos de existir igualmente aos heterossexuais, forças
símbolos, podendo-se, por meio de sua ampliação, chegar ao conhecimento (Penna, 2014, citado
e a tomada de consciência vem acompanhada de imensa dor, uma vez que não é fácil ter
consciência, porque isto implica em fazer escolhas, tomar decisões e assumir a responsabilidade
pelas escolhas feitas. Escolher implica renunciar a alguma coisa em prol de outra, implica em
81
angústia e sofrimento. E, acrescenta Silveira (2011, p. 90), no processo de individuação “[...] é
Postula Jung (1916/2014b) que a individuação é uma busca, mas não chegaremos nunca à
correspondido pela Imagem de Deus (Imago Dei) presente em cada um. Explica Hopcke
(1989/2012):
considerava que a pessoa poderia então consolidar um senso de sua individualidade única,
bem como de sua conexão com uma experiência mais ampla da existência humana,
chegar a esse equilíbrio psíquico, Jung chamou de individuação [...]. (Hopcke, 1989/2012,
p. 75).
82
A individuação é a busca do sentido da vida e, todo processo evolutivo acontece a partir da
crise, sem a qual não há como evoluir. A crise surge como possibilidade de mudança e, para que
outro, ser quem de fato se é, conhecendo e sempre que possível integrando seus aspectos de luz e
Jung (1916/2014b) evidencia este fato especialmente ao falar sobre a alquimia19, que tem
como objetivo a coniuncio20, união, integração dos opostos, surgindo, a partir da crise e da
transformação, um novo elemento. O mesmo ocorre conosco, sem crise não nos transformamos e,
neste processo o ego precisa estar consciente e colaborativo para que não haja dor e sofrimento.
Individuar-se é, portanto, tornar-se um ser único, inteiro, pleno e neste processo o confronto
com a sombra é inevitável. É preciso reconhecer a própria sombra e o que nela habita, assim como
as variadas personas utilizadas ao longo da vida. Esta ação estimula o indivíduo a despertar o que
dentro de nós, alguém contrário aos nossos desejos conscientes e, neste sentido, o ato de amar este
inimigo interno não elimina o inimigo externo a nós, todavia, pode ser um caminho se transformar
nossa forma de lidar com ele. Considera ainda que o mal perde sua potência frente à vida e à nós
mesmos, automaticamente, somos levados a lidar com ele de outra forma, sob uma ótica mais
humanizada. E, de acordo com Schmookler, este é o caminho que nos leva a nossa paz interna, é
o caminho da humildade e do resgate à nós mesmos. Neste contexto, persona e sombra precisam
19
Psicologia e Alquimia, OC 12.
20
A psicologia da transferência In Ab-reação, análise dos sonhos e transferência, OC 16/2.
A conjunção In Mysterium Coniunctionis, OC 14/3.
83
Conteúdos ligados a sexualidade também podem estar presentes e adormecidos na sombra,
conforme Jung (1954/2013d, p. 141) explana ao apresentar o caso de uma menina, a qual a define
como sendo bastante inteligente, popular por “[...] não ser social, mas rebelde e incapaz de adaptar-
se às situações escolares”. Por vezes se mostrava “[...] muito desatenta” e dava “[...] respostas
inadequadas, o que ela nem sabia explicar. Era crescida, bem desenvolvida e parecia gozar de
excelente saúde”. Possuía menos idade que as colegas de classe, entretanto, aos trezes anos,
procurava “[...] levar a vida de uma mocinha de dezesseis ou dezessete anos, sem ter capacidade
para isso. Do ponto de vista físico era superdesenvolvida; a puberdade já se iniciara antes de haver
completado onze anos”. Relata preocupação com o que definia por “[...] uma certa excitabilidade
sexual que sentia e também com o desejo de masturbar-se”. Sua mãe, “[...] mulher de inteligência
brilhante e de um acentuado desejo de poder” desde muito já tomara a decisão de que sua filha
haveria de “[...] tornar-se uma criança prodígio. Procurava estimular na filha todas as capacidades
intelectuais e reprimir qualquer expressão emocional. Quis também que a menina entrasse para a
escola mais cedo que as outras crianças”. Seu pai permanecia ausente de casa, devido ao trabalho,
por longo tempo e sugeria “[...] natureza propensa a seguir algum ideal nebuloso e não
A menina sofria de uma enorme tensão provocada por sentimentos represados. Tais
sentimentos se nutriam mais com fantasias homossexuais do que com relações objetivas.
Confessou que algumas vezes sentia um desejo ardente de ser acariciada por determinada
professora, e nessas ocasiões se punha a fantasiar que de repente toda a roupa lhe caía do
corpo. Frequentemente não se lembrava com clareza do que lhe haviam perguntado; daí
suas respostas absurdas. Sonhou um dia: "Vi que minha mãe estava afundando na banheira
e eu sabia que ela ia afogar-se; mas não podia mexer-me. Nisso senti um medo horrível e
84
comecei a chorar, porque eu a tinha deixado afogar-se. Acordei chorando". Este sonho
serviu-lhe para trazer à tona as resistências já sepultadas que opunha a esse modo de vida
1954/2013d, p. 141)21.
Trata-se de um caso em que fica evidente, pontua Jung (1954/2013d, p. 142), a relevância
do papel dos pais na vida de seus filhos, inclusive, uma afetividade inadequada, podendo afetá-los
recursos internos positivos. Neste relato, nota-se um pai absorto em seus negócios e uma mãe que
precisa ter êxito e satisfação social a partir da filha. Pondera Jung que mães com estas
características tendem a não enxergar o filho como ele de fato é, mas sim como gostaria que ele
fosse. Com isto, “[...] se projeta na criança e a governa com seu poder de domínio, sem nenhuma
consideração”. Considera ainda Jung (1954/2013d) que é possível que haja uma distância marital
[...] a mulher, quando é dotada de tal masculinidade, torna-se quase incapaz de ter uma
verdadeira compreensão relativamente aos sentimentos de seu marido. A única coisa que
consegue tirar do marido é o dinheiro. E ele paga para que ela se mantenha numa disposição
desejo de poder, se é que já não procedia assim muito antes do casamento, imitando
inconscientemente o exemplo de sua própria mãe. Os filhos de tal mãe quase não passam
de bonecos vestidos e adornados como lhe apraz. São figuras mudas no tabuleiro de xadrez
21
O caso completo pode ser encontrado em O desenvolvimento da personalidade, OC 17, § 221-223.
85
do egoísmo dos pais; no entanto, tudo isso é feito sob o manto do desprendimento de si e
da dedicação à criança querida, cuja felicidade constitui o único intento da vida da mãe.
Mas na realidade não se dá à criança o menor vestígio de verdadeiro amor. Por isso a
menina sofre duplamente: primeiro, de sintomas de sexualidade precoce, como ocorre com
tantas crianças largadas ao abandono ou maltratadas; em segundo lugar, sente-se como que
mostram claramente que sua necessidade de verdadeiro amor não está satisfeita; por isso
sente desejos de que sua professora a ame, mas de modo errado. Quando não se abre
Nas obras de Jung, ao longo do desenvolvimento de sua teoria, podemos observar que a
segunda geração de junguianos, conforme Salles e Melo (2011), que relatam que a sexualidade, na
psicologia analítica, está associada a padrões arquetípicos e, neste sentido, Jung (1959/2014a) faz
uma aproximação com a questão anímica, que está ligada com fascinação, atração, relacionada a
manifestação de animus e anima, que faz com que alguém pareça ao sujeito como algo fascinante,
inconsciente, apresenta uma imagem de totalidade, ou seja, quando eu me sinto muito atraído eu
tenho a sensação de que vou conseguir aquilo que me falta. Neste sentido, observa Franco (2022b,
p. 117) que
Os binarismos presentes no pensamento abissal têm sido base para várias formas de
exclusão, entre elas, a violência de gênero. Considerar que existe uma norma binária de
86
gênero que divide o mundo entre homens e mulheres gera silenciamentos importantes de
formas de subjetividade que não se reconhecem nas polaridades”. (Franco, 2022b, p. 117).
No campo da Psicologia Junguiana, cabe indicar, [...] que as concepções iniciais de Jung
sobre o masculino e o feminino e sobre animus e anima refletiram sua época e acabaram
Jung em seus primeiros escritos e primeiras definições acerca de animus e anima deram
compreensão de que a proposta da Psicologia Junguiana tem em seu bojo uma possível
Nas Obras Completas de Carl Gustav Jung, a primeira referência feita a homossexualidade,
aludindo-se ao homossexual, pode ser encontrada no ano de 1906, onde Jung (1906/2011a) faz a
citação, ao ampliar o sonho de uma de suas pacientes, faz uma breve referência ao termo
[...] Depois, está sentada à mesa de comer com a senhorita L. Portanto está com ela numa
situação sexual, mas não se deve pensar em algo homossexual, pois o sentido sexual de
"mesa de comer" já ficou claro para o autor e seria, por isso, muito evidente. Aqui
87
certamente só significa: "Sinto-me sexualmente como a senhorita L.". O alarme do fogo a
Em uma de suas viagens, neste caso à África do Norte, ao conhecer uma família indígena,
perda de sua totalidade natural (shamba, filhos, gado miúdo, casa particular e fogo do átrio),
a feminilização do homem branco não seria também outra consequência disso. Os Estados
mais racionalistas apagam ao máximo a diferença entre os sexos. O papel que desempenha
complexo materno e em parte um fenômeno natural (cujo fim é evitar a procriação!). Jung
Hopcke (1993, pp. 25-26) observa que inicialmente em sua teoria, mais precisamente de
1908 a 1920, apesar de em 1912 ter rompido com Freud, Jung se encontrava bastante influenciado
pela psicanálise, compreendendo a homossexualidade como uma “anomalia”, em grande parte dos
casos podendo ser considerada como um “desvio psíquico”, todavia o fato de ser homossexual não
comprometia o “[...] valor do indivíduo como membro da sociedade”, de modo que não seria um
assunto de ordem legal, a ser debatido e avaliado pelas autoridades, uma vez que não se tratava de
literatura psiquiátrica23, cita Löwenfeld, trazendo seu livro como uma das referências da época
22
O caso completo pode ser encontrado em Estudos Experimentais, OC 2, § 842-843c.
23
Conforme Jung, Correspondenz-Blaff für Scweizser Aerzte, XXVI-XI, 1906-1910, Basileia. Redescoberto por Henri
F. Ellenberger durante as pesquisas para seu livro The Discovery of the Unconscious – The History and Evolution of
Dynamic Psychiatry. Nova York/Londres: [s.e.], 1970.
88
sobre homossexualidade, abordando a homossexualidade enquanto anomalia, todavia, não
patológica e tampouco fator depreciativo para o indivíduo. Para além disto, tema não passível de
ser discutida por autoridades, dado a desumanidade à que esta condição da pessoa é infligida:
Löwenfeld, L24. Homosexualität und Strafgesetz. Wiesbaden: 1908. Este livro é um produto
da disputa que surgiu atualmente na Alemanha sobre o malfadado artigo 175 do Código
Penal alemão. Como se sabe, o artigo se refere ao vicio antinatural entre homens, e também
é uma anomalia que pode manifestar-se na esfera física em associação com doença e
degeneração; mas na maioria dos casos é um desvio psíquico isolado da norma, que não
pode ser considerado como patológico ou degenerativo, nem tampouco reduzir o valor do
indivíduo como membro da sociedade”. O artigo 175 que obteve força de lei somente por
pressão ortodoxa, apesar da oposição por parte de autoridades influentes, mostrou-se até
extorsões profissionais com todas as consequências tristes e repulsivas. O livro oferece uma
A palavra anomalia vem de anormalidade e, para que algo exista é necessário que haja o
seu oposto, a normalidade. Salles e Melo (2011, p. 17) contrapõem este pensamento de Jung,
elucidando que a concepção de normalidade provém de uma análise estatística, portanto, de algo
não natural, que não faz parte da natureza. Esclarecem ainda a origem da palavra normal, do latim,
norma, esquadro que o carpinteiro utiliza com o objetivo de colocar as coisas em ângulo reto. Não
sendo o esquadro um objeto que se encontra na natureza, ele é algo não natural, em outras palavras,
24
Conforme Jung, refere-se provavelmente à Análise fragmentária de uma histeria (1905) e sobre a teoria sexual
(1905).
89
trata-se de um “[...] símbolo das construções artificiais”. Logo, a palavra anomalia não comporta
para ser utilizada a algo natural, que faz parte da natureza de uma pessoa, no caso, a
homossexualidade.
Este pensamento de Jung (1916/2014b, p. 93) se evidencia nas passagens abaixo, no qual
Jung, ao falar sobre seu método sintético construtivo25, explanando sobre sua funcionalidade ou
não, narra o sonho de em uma paciente com “[...] tendências homossexuais”. Tratava-se de uma
paciente que “[...] se encontrava exatamente no ponto crítico do limite entre a análise do
inconsciente pessoal e o despontar dos conteúdos do inconsciente coletivo [...]”: Relata Jung sobre
a paciente, ela
Quer passar para a outra margem de um rio. Não há ponte por perto. Mas ela encontra um
escondido dentro da água, agarra seu pé e não a solta mais. Amedrontada, ela acorda. (Jung,
1916/2014b, p. 93).
Após Jung ampliar os elementos presentes no sonho da paciente, rio, vau e caranguejo, ela
se recorda que teve “[...] de novo uma briga tremenda com uma amiga”. E Jung (1916/2014b)
observa:
Essa amiga tem muito a ver com o caso. Trata-se de uma amizade de muitos anos,
duas, a minha cliente tem a personalidade mais forte. Como a relação entre elas é de
nervosas. Apesar de uma amizade ideal, suas brigas são violentas, devido à irritabilidade
25
Psicologia do Inconsciente, OC 7/1, § 121-140.
90
recíproca. Com isso, o inconsciente quer distanciá-las uma da outra. Mas elas não querem
perceber isso. Em geral o escândalo começa quando uma delas acha que ainda não se
se uma à outra, muito entusiasmadas. Como é óbvio, o desentendimento não tarda. E isso
provoca outra cena, bem pior do que a anterior. “Faute de mieux26”, durante muito tempo
a briga era para ambas um sucedâneo do prazer a que não estavam dispostas a renunciar.
Minha paciente não conseguia prescindir da doce dor de ser incompreendida pela melhor
amiga, muito embora dissesse que cada uma dessas brigas a “matava” de exaustão.
Também já tinha reconhecido há muito tempo que essa amizade estava superada e que só
uma falsa ambição alimentava a ideia de que ela pudesse se transformar numa relação ideal.
A cliente já tinha tido com a mãe um relacionamento efusivo e fantasioso. Depois da morte
Essa interpretação pode ser resumida numa única frase: “Vejo muito bem que eu deveria
transpor o rio e passar para o lado de lá (isto é, desistir da relação com a amiga); mas eu
quero que as pinças (abraços) da amiga não me larguem, o que corresponde ao desejo
infantil do abraço da mãe, naquele seu jeito conhecido e efusivo de me apertar contra o
os fatos dão sobejas provas. O caranguejo fisga-lhe o pé. A paciente tem pés grandes,
“masculinos”. Na relação com a amiga é ela que desempenha o papel do homem, e tem
26
Palavra advinda do idioma francês que significa na falta de algo melhor.
27
O caso completo pode ser encontrado em Psicologia do inconsciente, OC 7/1, § 123-131.
91
fantasias sexuais a respeito. Como é sabido, o pé tem um significado fálico. A interpretação
global é essa: não quer separar-se da amiga por causa dos desejos homossexuais reprimidos
que tem em relação a ela. Como esses desejos são moral e esteticamente incompatíveis
com a tendência consciente da personalidade, são reprimidos e, por isso, mais ou menos
Após esta reflexão, Jung (1916/2014b) se refere a homossexualidade, no que diz respeito
a esta paciente, como algo que “não era agradável”, uma “tendência inoportuna”, porém, que
necessitava ser reconhecido pela paciente e, naquela ocasião do sonho, já o era, de modo que seria
paciente. No momento presente da análise, ela já não teria levado a mal essa interpretação.
uma tendência homossexual, de tal modo que já lhe era possível reconhecê-lo francamente,
apesar de isso não lhe ser muito agradável. Se eu lhe tivesse comunicado a interpretação
mais doído dessa tendência importuna já estava superado pelo reconhecimento. Mas ela
teria me interpelado assim: “Por que perder tempo ainda com análise desse sonho? Só
repete as mesmas coisas que já sei há muito tempo”. Na realidade, essa interpretação nada
acrescenta à paciente; por isso, não é interessante nem eficaz. No início do tratamento teria
sido simplesmente impossível fazer tal interpretação, pois em hipótese alguma o excessivo
pudor da paciente a teria aceito. O “veneno” do reconhecimento tinha que ser instilado com
a maior cautela, em doses mínimas, pouco a pouco, até penetrar sua razão. No momento
92
repetitiva, torna-se oportuno modificar o método interpretativo. [...]. (Jung, 1916/2014b,
pp. 95-96).
homossexualidade da paciente como uma “tendência (sentida como tenebrosa)” e faz menção a
Uma identificação só pode produzir-se quando for baseada numa semelhança inconsciente,
não realizada. Qual seria então a semelhança da nossa paciente com X? Neste ponto pude
lembrá-la de uma série de fantasias antigas e sonhos que tivera. Estes haviam mostrado
nitidamente que ela também tinha uma veia muito leviana, mas sempre temerosamente
reprimida pelo receio de que essa tendência (sentida como tenebrosa) a seduzisse para uma
vida dissoluta. Ganhamos assim mais uma contribuição fundamental para o conhecimento
visando, neste caso, os homens. Isso nos leva a compreender mais uma razão por que não
pode largar a amiga: precisa agarrar-se a ela para não sucumbir a essa outra tendência, que
lhe parece bem mais perigosa. Isso a retém num nível homossexual infantil, que, no
entanto, lhe serve de defesa. (A experiência nos ensina que este é um dos motivos mais
fortes que impedem o rompimento de relações inadequadas e infantis.) Mas nisso também
está sua saúde, o germe de sua personalidade futura e sadia, que não se intimida diante das
Nesta mesma época, em momentos distintos e com outros de seus pacientes, é possível se
1993). A saber, o caso de outro de seus pacientes, ao qual Jung (1916/2014b) também observa
93
Jung (1916/2014b) inicia apresentando seu paciente ao leitor, contextualizando-o e, ao
fazê-lo, justifica, sob ótica de seu pensamento inicial acerca da homossexualidade, o motivo desta
Primeiro, quero familiarizar o leitor com a pessoa do sonhador, sem o que seria difícil
entrar na atmosfera peculiar dos sonhos. Existem sonhos que são pura poesia; portanto, só
podem ser compreendidos dentro do seu clima geral. O sonhador é um rapaz de pouco mais
de 20 anos e de aspecto bem infantil. Tem até mesmo um jeito de menina, tanto na
aparência quanto nas expressões, e que deixam transparecer a esmerada educação e cultura
e uma acurada compreensão por todas as formas de arte. Sensível, sentimental, arrebatado
devido ao seu caráter adolescente e um tanto feminino. Nenhum sinal da grosseria própria
Após a apresentação de seu paciente, Jung (1916/2014b, p. 115) descreve o sonho que ele
teve na véspera de sua primeira consulta, quando veio em busca de “um tratamento de cura” para
Na véspera da primeira consulta, teve o seguinte sonho: Estou numa catedral enorme;
dizem que é a basílica de Lourdes. Uma penumbra misteriosa espalha-se por todo o
santuário. No centro, um poço profundo. Deveria descer dentro dele. (Jung, 1916/2014b,
p. 115).
28
O caso completo pode ser encontrado em Psicologia do inconsciente, OC 7/1, § 167-188.
94
Jung (1916/2014b) ao se refletir sobre qual era a mensagem do sonho, considera evidente
seu conteúdo acerca do “homossexualismo”, de acordo com o que cita ao discorrer sobre ele:
Poderíamos contentar-nos com sua interpretação como uma forma poética de exprimir a
disposição do rapaz naquele dia. Mas nunca seria o bastante. Sabemos por experiência que
os sonhos são muito mais profundos e significativos. Poderíamos até pensar que o cliente
procurou o médico numa disposição poética e que iniciou o tratamento como quem entra
num lugar sacrossanto, cheio de mistério e misericórdia, para assistir a um ofício divino.
Mas isso não corresponde em absoluto à realidade dos fatos; tanto é que o cliente veio
procurar o médico única e exclusivamente para tratar-se de uma coisa bem desagradável,
direta para explicar a origem do sonho, o estado de espírito real da véspera não justificaria,
em todo caso, um sonho tão poético. Mas, ainda assim, poderíamos imaginar que foi por
reação ao assunto extremamente antipoético que levou o rapaz a procurar a terapia, que ele
teve tal sonho. Assim, o sonho mencionado seria tão carregado de poesia, justamente
devido à carência poética da sua disposição da véspera; mais ou menos como alguém que
sonha com fartas refeições à noite, depois de ter jejuado o dia inteiro. Não se pode negar
que o sonho evoca o pensamento do tratamento, da cura, dos dissabores do processo – mas
estética e emocional do sonhador. Ele será inevitavelmente atraído por esse quadro
atmosfera desse sonho sobreviverão ao sono e perdurarão até a manhã do famigerado dia
95
de cumprir um dever tão antipoético. As sensações do sonho talvez deem um toque dourado
Ainda sobre este sonho, o paciente faz associações e unifica a catedral de seu sonho à
catedral da Colônia, a qual conta que o impressionava deveras quando pequeno e que foi sua mãe
quem pela primeira vez lhe contou sobre ela e passou a desejar ser padre nesta catedral. Tratando-
se de uma lembrança infantil de extrema relevância para o paciente, Jung (1916/2014b, pp. 118-
119) observa no paciente uma intensa ligação materna e o faz associando a igreja a mãe,
considerando, dentre outros aspectos que “esta falha”, no caso a homossexualidade, “[...] poderia
ter sido evitada, se um homem tivesse cuidado do desenvolvimento de sua fantasia infantil”:
A história da catedral de Colônia, que a mãe contou ao garoto, tocou nessa imagem
primordial, despertando-a para a vida. Mas não apareceu um sacerdote educador, que
tivesse dado continuidade ao processo recém iniciado. Este permaneceu nas mãos da mãe.
O anseio pelo homem orientador deve ter desabrochado no menino, porém sob a forma de
uma tendência homossexual. Eventualmente, esta falha poderia ter sido evitada, se um
homem tivesse cuidado do desenvolvimento de sua fantasia infantil. Ora, o desvio para o
homem, mal interpretada, mas nem por isso menos oportuna. Talvez também se possa
afirmar que o medo do incesto, que se origina no complexo materno, torna-se extensivo a
todas as mulheres. Contudo, na minha opinião, um homem imaturo tem toda a razão de
temer as mulheres, pois, em geral, as suas relações com elas são um fracasso. (Jung,
96
Considerando a homossexualidade como possível de ser tratada e curada, Jung
(1916/2014b, p. 119) observa que o sonho teve a função terapêutica sobre o paciente de prepará-
adulto. O sonho resumiu, em poucas e expressivas metáforas, aquilo sobre o que estamos
incomparavelmente mais rica do que o tratado mais erudito. O sonho preparou o paciente
para o tratamento melhor e com mais sentido do que a mais completa coleção de ensaios
médicos e educativos do mundo. (Por isso considero o sonho não só como uma fonte
(1916/2014b) traz outro sonho que, em sua visão, inegavelmente era a continuação e complemento
sagração do homem. Juntou-se-lhe uma nova figura: a do padre, cuja ausência observamos
homossexualidade foi preenchido; agora pode iniciar-se uma nova etapa de seu
97
mas por detrás está uma imagem viva, arcaica, capaz de operar tais mutações à força. (Jung,
Ao fazer associações com o sonho, o paciente mostra, assim como Jung (1916/2014b)
identificar conteúdos homossexuais neste. Jung observa que “O sonho indicava que o que devia
ser batizado era uma estatueta japonesa de marfim. O paciente faz a seguinte observação a
respeito”:
Era um homenzinho grotesco, que me lembra o órgão genital masculino. É estranho que
esse membro tivesse que ser batizado. Mas entre os judeus a circuncisão é uma espécie de
batismo. Deve ter alguma relação com o meu homossexualismo; pois o amigo que está
comigo, ao pé do altar, é aquele com quem tenho a ligação homossexual. Ele está na mesma
corporação acadêmica que eu. O anel representa provavelmente essa ligação. (Jung,
1916/2014b, p. 120).
O anel, considera Jung (1916/2014b, p. 120), na vida cotidiana corresponde à “[...] um sinal
de união ou de relação [...]. Portanto, esse anel pode ser interpretado tranquilamente como uma
significar o mesmo”. E, com isto, conclui que havia um mal que se queria tratar, no caso o
ser tratado:
Ora, o mal que se quer tratar é o homossexualismo. Com a ajuda do sacerdote, e por meio
às minhas reflexões acerca do sonho anterior. Até aí, com o recurso das imagens
98
ponto algo vem atrapalhar, aparentemente. Uma senhora de certa idade apropria-se
subitamente do anel da corporação. Em outras palavras, a partir deste incidente tudo que
até então era relação homossexual fica polarizado por ela. Isto faz com que o sonhador
tenha medo de uma nova relação comprometedora. O anel passa para um dedo de mulher,
evoluído para uma relação heterossexual, mas uma relação heterossexual um tanto
estranha, pois trata-se de uma senhora de certa idade. “É uma amiga da minha mãe”, diz o
paciente. “Gosto muito dela; para dizer a verdade, ela é para mim uma amiga-mãe”. (Jung,
1916/2014b, p. 121).
Por aí podemos deduzir o que acontece no sonho. A sagração faz com que a ligação
primeiro, uma amizade platônica com uma mulher de tipo maternal. Apesar da semelhança
materna, essa mulher já não é a mãe. A relação significa, portanto, deixar a mãe para trás.
121).
p. 121) o medo da heterossexualidade, dado suas possíveis implicações, todavia, parece ser para o
poderia significar, devido à dissolução da relação homossexual, uma total regressão à mãe;
99
segundo, o medo do novo e do desconhecido, inerente ao estado adulto heterossexual,
do sonho parece confirmar que não se trata de um retrocesso, mas de um avanço. Pois o
fortemente. A música tem uma conotação muito positiva para ele, logo o fim do sonho é
reconciliador, e essa sensação de beleza e solenidade se estende pela manhã do dia seguinte.
que em um segundo momento, Jung (1953/2013f) questiona Freud sobre a teoria da sexualidade,
ponderando:
Antes de examinarmos a solução da contradição, devo dizer algo mais sobre a teoria de
de fantasia sexual na infância que parece atuar de forma traumática leva-nos à hipótese de
mesmo polimorfo-perversa, ao contrário do que se supunha até então. Sua sexualidade não
parece estar centralizada na função genital e no outro sexo, mas se ocupa com o próprio
corpo, e por isso a criança foi considerada autoerótica. Quando seu interesse sexual se
orienta para fora, para uma outra pessoa, a criança não faz distinção de sexo, ou, se o faz,
inexistente função sexual localizada, há toda uma série dos assim chamados maus hábitos
que, considerados sob este ponto de vista, parecem perversidades, porque possuem uma
29
Para melhor compreensão destes conteúdos trazidos por Jung, pode-se ler a obra Freud e a psicanálise, OC 4.
100
A partir deste pensamento, Jung (1953/2013f) pontua que, se olharmos para a sexualidade
como em indivíduos que possam se interessar por pessoas do mesmo sexo e, em outros momentos,
A partir do caso de um jovem30 com desejos sexuais por pessoas do mesmo sexo e do sexo
oposto, Jung (1953/2013f) refletindo acerca de possibilidades que pudessem revelar a forma como
si. Está se formando um consenso de que as perversidades, por exemplo, vivem à custa da
teve, por alguns anos, uma fase de homossexualismo; não se interessava por moças. Pouco
a pouco, por volta dos vinte anos, o seu interesse erótico passou a ser normal. Começou a
homossexualidade. Isso durou anos; teve êxito em várias aventuras amorosas. Por fim,
desejou casar-se; mas a decepção foi enorme, pois a amada lhe deu o fora. A primeira fase
desinteresse por qualquer mulher e, um dia, descobriu que voltara a ser homossexual, pois
os jovens do sexo masculino provocavam nele um efeito excitante. (Jung, 1953/2013f, pp.
120-121)31.
30
Visão geral das antigas hipóteses In Freud e a psicanálise, OC 4.
31
O caso completo pode ser encontrado em Freud e a psicanálise, OC 4, § 247-250.
101
Questiona Jung (1953/2013f) de que forma as diversas formas de manifestação da
sexualidade haveriam de se dar e se comportar no ser humano e faz algumas conjecturas a partir
destas reflexões:
tão estável, possa desaparecer por completo, sem deixar vestígios ativos. Seria muito difícil
imaginar essas mudanças. Uma saída seria considerar a evolução como tendo passado por
maturação, seja repentinamente excluído por força de uma impressão, para ceder o lugar a
a lado – por que só uma delas atua, e a outra não? Alguém talvez possa dizer que a
excitabilidade estranha, uma sensibilidade especial com relação a outros homens. Segundo
exemplos todos os dias, tem sua causa aparente numa perturbação no relacionamento com
as mulheres, onde podemos encontrar uma forma especial de dependência que contém
aquele algo mais que tem o seu correspondente no algo menos da relação “homossexual”.
Um pouco mais adiante, Jung (1953/2013f, p. 123) considera que o conceito de libido
102
poucos se movimentou da homossexualidade para a heterossexualidade, desaparecendo quase que
O conceito de libido nos ajuda a compreender melhor o grande número de relações mútuas
das diversas funções sexuais. Mas isto suprime também a ideia original da multiplicidade
alma”. Esta ideia é substituída pelo conceito de libido que admite as mais variadas
diversas partes e dividida em diversas raízes, uma unidade dinâmica, sem a qual aquelas
conceitual é muito importante: ele representa o mesmo progresso que o conceito de energia
trouxe para a física. Da mesma forma que a teoria da conservação da energia retira das
determinada energia, assim também a teoria da libido retira das componentes sexuais o
Considera ainda Jung (1953/2013f, p. 124) que a teoria da libido nos permitiria
compreender o caso do jovem a pouco citado, sendo que a decepção experimentada quando
ambicionava se casar fez com que sua libido se voltasse aos interesses homossexuais que
anteriormente experimentara. Observa o fato da importância em analisar para onde a libido havia
se deslocado no momento que lhe os interesses sexuais do jovem deixaram de se voltar para o sexo
oposto e defende que “Se aplicarmos este ponto de vista, como princípio heurístico, à psicologia
da vida de uma pessoa, faremos descobertas surpreendentes”. Avalia que onde há excesso mostra
103
uma falta na outra polaridade e, descobrir para onde a energia da libido foi deslocada é importante
tarefa da psicanálise.
conforme era até então compreendida e, a partir da reavaliação de suas antigas hipóteses, isto lhe
permite, no futuro, conceber a energia psíquica para além da sexualidade, presente em todas as
transformação. Para fazer justiça ao caso em questão, devemos admitir uma grande
mobilidade das componentes da sexualidade, a tal ponto que uma das componentes
desaparece quase por completo, quando a outra domina o primeiro plano. Se houvesse, por
há evidência disso no caso em questão. Havia, sim, ligeiros traços de tais influências, mas
de intensidade tão diminuta que não podiam ser comparados com a intensidade anterior da
Neste sentido, explicam Salles e Melo (2011) que sendo a energia psíquica, indiferenciada
em uma primeira instância, parece pouco adequado acreditar que o inconsciente a discrimine
enquanto manifestação homossexual ou heterossexual, mas sim como energia sexual, o que vai de
104
encontro a postura de Jung ao não categorizar as pessoas por homossexuais ou heterossexuais, uma
vez que se categoriza coisas e não pessoas. Aclara Lingiardi (2011), que não é possível
categorizarmos a homossexualidade, pois ela não é uma categoria, de modo que como categoria
ela não existe, todavia, podemos olhar para os homossexuais, que, assim como a
homossexualidade, não podem ser categorizados, neste caso, podemos pensar a homossexualidade
Para Jung o processo de individuação estava acima do tipo de sexualidade manifesta pelo
indivíduo, mas por seu livre arbítrio em fazer escolhas e, sobretudo, em se tornar quem de fato se
é, da forma mais inteira possível, integrando luz e sombra. Elucidam Salles e Melo (2011, p. 19)
“[...] o que verdadeiramente é importante é como o indivíduo se forma e se torna o ser único e
diferenciado que se é”. Defende Ligiardi (2011) que “A formação de uma identidade sexual,
orientação de impulsos e desejos não pode ser separada de suas representações e da vida em
Ainda de acordo com Hopcke (1993, p. 36), esta concepção de Jung sobre a
imaturidade inconsciente com relação ao sexo oposto, mas sim validaria este pensamento,
À vista disto, um ano antes de seu falecimento, Jung (1960/2013g) ao escrever sobre a
psicogênese das doenças mentais e, ao abordar doença mental e psique, cita o caso de um de seus
pacientes, onde podemos notar a imaturidade de sentimentos e sua visão sobre a homossexualidade
sobre sua sexualidade. Trata-se de um caso em que o rapaz descobriu que o acreditavam
105
homossexual e, a partir daí, suas ideias paranoicas ganharam independência, manifestando-se
Quando era bem jovem, mas já dotado de grande capacidade intelectual, apaixonou-se
loucamente pela cunhada. Isso, naturalmente, aborreceu o marido que, no caso, era seu
irmão. Eram sentimentos imaturos, inspirados de luar, da busca da mãe como todos os
impulsos psíquicos ainda não maduros. Tais sentimentos precisam realmente da mãe, de
uma incubação prolongada para poder amparar o inevitável encontro com a realidade.
interpretação que o irmão fez de seus sentimentos provocou um efeito desastroso, pois ele
a aceitou como verdadeira. Foi assim que se desfez o sonho. (Jung, 1960/2013g, pp. 257-
258).
Jung (1960/2013g) pondera que este fato não repercutiria necessariamente em um dano se
não custasse a vida sentimental de seu paciente. Esclarece que seu intelecto atuou como o irmão,
Jung que uma pessoa cuja natureza seja menos apaixonada, pode superar uma situação como estas,
entretanto, uma natureza cuja sensibilidade seja excessiva, pode sucumbir. E considera:
Ele acreditava estar conseguindo, pouco a pouco, alcançar esse ideal, quando descobriu
interesse. Ironizavam-no, olhando-se como cúmplices. Certo dia, percebeu que o julgavam
homossexual. Com isso, as ideias paranoicas adquiriram autonomia. Podemos ver, sem
muita dificuldade, que existe um nexo estreito entre a austeridade do intelecto que afastava
com sangue frio todo sentimento e a convicção paranoica inabalável. É o que chamamos
106
de causalidade psíquica, ou psicogênese. Desse modo é que se manifestam – evidentemente
com múltiplas variações – não apenas a paranoia, mas também as formas paranoides de
258).
dão de forma diferente sobre a filha e o filho. Sobre a filha, o complexo materno não oferece
mulher”. Os efeitos do complexo materno sobre o filho são representados pela ideologia
filho não é puro, na medida em que existe uma dessemelhança quanto ao sexo. Essa
diferença é a razão pela qual em cada complexo materno masculino, ao lado do arquétipo
é o primeiro ser feminino com o qual o futuro homem entra em contato e ela não pode
inconscientemente à masculinidade do filho, tal como este último toma consciência gradual
32
Conforme Jung, o complexo paterno desempenha aqui um papel considerável.
107
continuamente atravessadas pelos fatores de atração ou repulsa erótica. Assim sendo, o
E, conclui, Jung (1959/2014a) que o complexo materno está sempre associado a ideia de
dano e sofrimento, por ser ele um conceito que advém da psicopatologia, todavia, se o olharmos
por outro viés, de modo mais amplo, poderemos ainda o encontrar sob a forma de manifestação
positiva:
podem ainda ocorrer dons de educador aperfeiçoados pela intuição e tato femininos ou um
valores do passado. Pode ocorrer um sentido especial de amizade que tece laços
extremamente delicados entre almas masculinas, e até resgata a amizade entre os sexos da
religioso, que ajuda a tornar realidade uma ecclesia spiritualis33, e enfim uma receptividade
Além disto, Hopcke (1993, p. 36) enfatiza que Jung considera que as paixões, sejam elas
qual para cada identificação algo é projeto, sendo que, na homossexualidade, pela identificação
com a persona, a anima ou o animus são projetados. Neste ângulo, observa Jung (1959/2014a, p.
202) que:
33
Palavra oriunda do latim que significa igreja espiritual.
108
Uma vez que a totalidade do homem, na medida em que não é constitutivamente
homossexual, só pode ser uma personalidade masculina, a figura da anima não pode ser
E, sobre a forma de aparecimento da anima, Jung segue elucidando: “A anima aparece nos
produtos da atividade inconsciente também sob a figura da jovem e da mãe, razão pela qual a
interpretação personalista a reduz sempre à mãe pessoal, ou a qualquer outra mulher”. Jung
(1964/2008) cita o sonho de um de seus pacientes, Henry, onde a personificação da anima presente.
Este sonho pareceu -me revelar uma deformação homossexual de Henry: julgava que uma
"máscara'' feminina o tornaria atraente para os homens. Esta hipótese foi confirmada no
seguinte sonho: Volto aos meus cinco ou seis anos. Meu colega desta época diz-me como
se entregou a um ato obsceno com o diretor de uma fábrica. Colocou sua mão direita sobre
o pênis do homem para aquecê-lo e, ao mesmo tempo, para aquecer sua mão. O diretor era
amigo íntimo de meu pai e eu o respeitava por inúmeras razões. Mas ríamo-nos dele
chamando-o "o eterno adolescente''. Para crianças desta idade, brincadeiras de caráter
homossexual não são raras. O fato de Henry voltar a este assunto no sonho indica que
estavam ligados a um profundo receio de contrair um laço duradouro com uma mulher. Um
outro sonho e suas associações ilustram este conflito: Tomo parte no casamento de um
a dama de honra — volta da cerimônia. Entram num grande pátio onde os espero. Parece
que os noivos já tiveram uma briga, assim como o outro casal. Solucionam o problema
109
decidindo que os dois homens e as duas mulheres irão dormir separados. (Jung, 1964/2008,
p. 386).
Logo surge em Henry a ideia de que aquela não é uma figura de mulher, mas a de
sexo pode, muitas vezes, ser observada na puberdade; e por isso a homossexualidade no
período da adolescência não é um fator raro. Tampouco é excepcional essa incerteza num
jovem com a estrutura psicológica de Henry; ele já deixara entrever isto em alguns dos seus
Constata Lingiardi (2011) que estas hipóteses advêm de homossexuais que buscaram por
ajuda psicoterapêutica com esta temática, assim sendo, de uma amostragem que não representa a
consequência, na qual o afastamento do pai poderia se dar pela percepção desconfortável, ainda
que inconsciente, da sexualidade do filho, não aceitando-a. Isto poderia inclusive nos levar a
refletir sobre a existência de projeção de sombra por parte do pai ao filho, rejeitando e negando no
Argumenta ainda Silveira (2011) que, no amor entre mulheres, por exemplo, não há a
caracterização necessária de problemas entre a mulher e seu pai, mas, sim, o arquétipo feminino
sendo realizado na mulher. Considera Silveira (2011) que ao se fixar na interpretação do complexo
110
Silveira (2011) postula que quando a sexualidade é compreendida como um problema ela
demonstra uma busca frustrada de estabelecer para algo tido como uma verdadeira feminilidade
sombra.
Para compreendermos melhor este aporte de Silveira, precisamos recorrer a Jung que
concebe sombra e persona como pares de opostos, necessitando-se uma compreensão de ambos,
neste caso.
Desta forma, de acordo com Jung (1921/2013i) persona e sombra são pares de opostos.
Personas são personalidades adaptativas e conscientes, que criamos para apresentamos ao mundo
exterior, são máscaras que utilizamos para aparecermos frente à sociedade correspondendo às suas
expectativas, ao passo que a sombra está presente no inconsciente pessoal e coletivo. Segundo
Jung, na sombra estão presentes conteúdos reprimidos pela consciência dos quais não nos
orgulhamos de tê-los em nós e por isso o negamos e os ocultamos. Por não suportar, o ego reprimi
o que não deseja ter em si, mandando estes conteúdos para sombra, sendo, portanto, a sombra o
nosso contraponto com a Persona, podendo (a sombra) ser positiva ou negativa, dependendo do
que a contém. O que nos incomoda no outro e rejeitamos é parte de nós e está em nossa sombra.
Nesta mesma perspectiva, observam Baron Mussi e Serbena (2015) que quando algo em
nós que podemos ver no outro, então é possível se falar sobre projeção e este conteúdo, reprimido
em função de um ego ideal, estará inconsciente na sombra. Esclarecem ainda que, na sombra de
cada um, há diversos conteúdos inconscientes que podem ser projetados a qualquer momento e,
sobre eles, recaem medo e insegurança, considerando o outro como uma ameaça para si e, neste
111
Considera Schmookler (1980/2012), ao falar sobre sombra, que mostrar-se como se é de
fato causa medo da inaceitação por parte do outro. E, somente quando alcançamos a verdadeira
fortaleza de admitir a nossa condição moral imperfeita, deixaremos de ser possuídos por demônios,
que compõem a nossa sombra e que estão prontos a qualquer momento a nos “agarrar pelas costas”
Para Baron Mussi & Serbena (2015), conforme Whitmont (1995), a expressão sombra diz
respeito a uma parte de nossa personalidade que foi reprimida pela consciência, para sombra, para
que possa existir, assim, um ego ideal, a partir das expectativas do mundo e do outro sobre nós.
reprime, estes atributos vão para sombra, de modo que nela não há apenas conteúdos negativos,
mas também conteúdos criativos e que, apenas, não puderam ocupar lugar na consciência naquele
determinado momento, em função de algo que deveria ser socialmente cumprido, correspondendo
Neste sentido, no amor entre pessoas do mesmo sexo, amor este, combatido, condenado e
comumente encontrado na literatura como homofobia internalizada, infringido pelo meio social.
Neste contexto, pode-se observar como a homofobia pode ocupar espaço de profunda dor para os
para se tornar mais inteiro e íntegro consigo mesmo. (Silveira, 2011). Conforme Santos (2022, p.
90),
dentro dela, pois adaptar-se é uma necessidade humana. Contudo, como ensina a psicologia
112
uma ética individuada, em diálogo com as exigências da fantasia. Por isto, uma consciência
crítica que recebe a fantasia é, em todo sentido, um potencial modo de romper com a
dinâmica de opressão que nos coloca não só como vítimas, mas também como
Considera Silveira (2011) que ao se ser capaz de assumir-se e viver sua masculinidade
enquanto um sujeito homossexual é um caminho para se confrontar a persona até então vista como
Silveira, (2011) uma persona adequada, capaz de representar e conter os desejos interiores de cada
um, sem negá-los, que consiga proteger o indivíduo de suas dores e do meio externo, sendo, ao
mesmo tempo, branda e flexível, conservada e expressiva, é um dos afazeres psicológicos mais
importantes.
O ocidental criou uma ciência sexual que examina, observa e cria regras, diferente do
oriente, que não tinha uma ciência sexual, mas uma arte erótica, em que havia um processo de
de que quando falamos com tanta paixão e tanto rancor, quem está investido de libido é o “nós”
uma relação imatura em relação ao sexo oposto, todavia, em um segundo momento, de 1920 a
1927, no qual Jung iniciou o desenvolvimento de sua teoria sobre o aparelho psíquico, conceitua
imagem”, dado as características femininas desta, seria a mulher e, para a mulher, seria o homem
este portador. Esta alma-imagem, sendo projetada no outro, resultaria em duas pessoas do sexo
113
oposto se apaixonando e, onde não houvesse esta projeção, mas sim da persona, seria uma
Para o homem, o portador mais adequado da imagem da alma é a mulher, por causa das
qualidades femininas de sua alma e, para a mulher, é o homem. Sempre que houver uma
relação absoluta, de efeito mágico, por assim dizer, entre os sexos, trata-se de projeção da
imagem da alma. Sendo frequentes essas relações, também a alma tem que ser muitas vezes
inconsciente, isto é, muitas pessoas não tomam consciência do modo como se comportam
para com os processos psíquicos internos. E pelo fato de essa inconsciência vir sempre
acompanhada de uma total identificação com a persona, esta identificação tem que ser
muito frequente. Realmente, muitas pessoas se identificam tanto com sua atitude externa
que já não têm relação consciente alguma com os processos internos. Mas também pode
acontecer o contrário: que a imagem da alma não seja projetada, mas permaneça no sujeito.
Disso resulta tal identificação com a alma que o sujeito se convence de que o modo como
se comporta em relação aos processos internos seja também seu único e real caráter. Devido
à sua inconsciência, a persona, neste caso, é projetada e, além disso, sobre um objeto do
transferências de pai, nos homens, e transferências de mãe, nas mulheres. Esses casos
acontecem sempre com pessoas com adaptação exterior deficiente e com relativa falta de
relacionamento, pois a identificação com a alma cria uma atitude que se orienta
34
Definições In Tipos Psicológicos, OC 6.
114
principalmente pela percepção de processos internos – o que retira do objeto a influência
O conceito empregado neste primeiro momento por Jung (1921/2013i), como alma, ou
mesmo citado como alma-imagem por Hopcke (1993), mais adiante será chamado por Jung por
anima/animus. Importante esclarecer que ao longo de sua vida, Jung revê sua teoria, retomando
suas ideias anteriores, reformulando-as e avançando com novos insights35, isto permite com que
em nenhum momento Jung encerre sua teoria, mas a torne dinâmica e suscetível de mudança, a
Nesta mesma direção, de acordo com Hopcke (1989/2012) anima e animus são arquétipos
contrassexuais que se mostram presentes nos sonhos e atuam como psicopompos, mediando os
processos inconscientes e conscientes. Por serem arquétipos, não podem ser integrados a
consciência.
figuras estáticas. O uso popular da teoria arquetípica de Jung transformou a perspectiva dos
35
Palavra escrita no idioma inglês que significa, em português, revelações súbitas de algo, compreensão, percepção,
inspiração, epifania.
115
arquétipos em uma matéria de direção unicamente essencialista, quando sua teoria aponta
[...] estas confusões são causadas pela personificação literal no entendimento da dinâmica
do animus por meio das imagens e figuras que se revelam, de modo a superá-las e transpô-
las.
anima/animus, Silveira (2011) nos convida a ponderar sobre este tema do mesmo modo que
refletimos sobre todas as expressões de vida no ser humano, como parte do amor e da manifestação
humanidade e possui uma característica sagrada, numinosa. Não temos acesso ao arquétipo em si,
mas às experiencias arquetípicas. O arquétipo é uma forma, uma imagem, algo que,
individualmente, cada um vai presenciar quanto àquela forma. É um modelo que depende de quem
vivência e num determinado momento. Um exemplo disso é o arquétipo materno, no qual, dentro
junto a sua mãe, é que este arquétipo será experienciado. Jung (1967/2013a), refere-se ao
arquétipo, dizendo:
consciente, quer dizer, é transcendente, razão pela qual eu a chamo de psicóide. Além disto,
116
qualquer arquétipo torna-se consciente a partir do momento em que é representado, e por
esta razão difere, de maneira que não é possível determinar, daquilo que deu origem a essa
representantes da parte sexual oposta de cada um (no homem tem-se a anima como correspondente,
e na mulher o animus), tende-se a buscar no outro aquilo que completa a cada um nos
Não havendo dissociação entre papel sexual e gênero, pondera Hopcke (1993) que Jung
imaturidade psicológica, além de um desejo do indivíduo em ser do sexo oposto ao seu. E, para
ser mais bem compreendida, necessita ser observada a partir de um contexto histórico e cultural.
Considera Hopcke (1993) que Jung não concebia a homossexualidade como algo absurdo e
incoerente, mas como uma manifestação universal da sexualidade humana, em determinada época
e cultura. Nesta perspectiva, de acordo com Hopcke (1993) Jung demonstrava considerar
uma preocupação declarada com ela, mas, diferente disto, com a forma como o indivíduo poderia
viver sua sexualidade, expressando-a no mundo, de forma salutar, caminhando assim em seu
que há a contraposição de masculino, feminino e andrógino, de modo que é possível que a condição
117
Neste sentido, de acordo com Franco (2022b, pp. 121-122), ao se debruçar sobre as obras
Coletivo, permite observar a presença e atuação das instâncias animus e anima como energias
psíquicas complementares, operando como polaridades em busca da concretização “da união dos
opostos ou ainda Coniunctio, união alquímica, ou ‘casamento sagrado’.” Esclarece Franco (2022b,
[...] Jung postula, de fato, uma psique híbrida, em que animus e anima estariam presentes
integralidade perdidas, os conceitos de animus e anima ganham uma perspectiva que foge
Considerando que a ideia da orientação sexual surgiu de uma interação complexa entre o
feminino, o masculino e o andrógino, talvez pensar a inclinação sexual como sendo um fenômeno
arquetípico multifacetado é abrir espaço para o plural, para o diversificado, para atrações eróticas
homossexualidade, mesmo porque as pessoas não são categorias, são pessoas. Neste sentido,
outro mythos e outro pathos. O “terceiro sexo” é, para mim, um tipo de eros; não uma
mistura andrógina transcendente e reconciliadora, mas “outro sexo”, outro eros, outra
118
forma de amor – que se sustenta a si mesma e que, principalmente, deve ser compreendida
nela mesma, ou seja, a partir de suas próprias configurações arquetípicas. (Barcellos, 2011,
p. 79).
humano em sua natureza arquetípica. Eros é o amor em todas as suas realizações, é o filho da deusa
grega Afrodite e tem a representação do amor da forma mais sublime, podendo ele ser erotizado
ou não.
Ao arquétipo do Andrógino, Hopcke (1993) pontua que, de 1936 a 1950, Jung amadurece
seus pensamentos e aprofunda-se neles até o final de sua vida. E, neste período, pondera sobre a
resistência evidente com o papel do ser sexual unilateral”. Assegura Hopcke (1993) que
mesmo sexo que seja inata e não adquirida – é uma ideia venerável na psicologia. É óbvio
que, se isso pudesse ser determinado de forma definitiva, o tratamento clínico de homens
predisposição genética pode ser encontrada nas memorias de homens e mulheres gays que
experimentam atrações e sentimentos em relação ao mesmo sexo numa época tão primitiva
de seu desenvolvimento que sua personalidade mal estava formada. (Hopcke, 1993, p. 50).
[...] pessoas mais jovens, antes de atingirem a metade da vida (por volta dos trinta
e cinco anos) conseguem suportar sem dano até mesmo a perda aparentemente total da
119
anima. Em todo caso, neste estágio um homem deveria conseguir ser um homem. À medida
em que cresce, o jovem deve poder libertar-se do fascínio pela anima, exercido sobre ele
pela mãe. Há, no entanto, exceções, especialmente no caso de artistas, onde o problema se
que em geral se caracteriza por uma identificação com a anima. Em vista da conhecida
identificar-se com o papel de um ser sexual unilateral. Uma tal disposição não deve ser
julgada sempre como negativa, posto que conserva o tipo humano originário que, de certa
um problema de inconsciente pessoal ou coletivo. A homossexualidade passa a ser vista como uma
Este olhar reflete muito da psicologia analítica, que concebe o indivíduo a partir de sua
totalidade e não de suas partes isoladas, de modo que a homossexualidade teria pouca importância
a se considerar frente ao indivíduo como um todo. Observa Hopcke (1993) que os pressupostos de
[...] a homossexualidade era tão variável quanto um indivíduo o é em relação ao outro; que
positivo e a ameaça de efeitos negativos para a personalidade do indivíduo. Já que ela tem
120
sentido dessa homossexualidade para cada uma e tomar uma decisão moral sobre como
à uma concepção mais rigorosa cientificamente, pode ser observado em seu livro Civilização em
Transição, publicado no ano de 1964, após sua morte, mediante anotações encontradas.
O amor é sempre um problema em qualquer idade. [...]. O amor é uma das grandes forças
do destino que vai do céu ao inferno. [...] todos os critérios e regras gerais perdem sua
acontecimentos, sempre de novo foi codificada, mas que, como fenômeno primordial, é
sempre uma experiência individual, não se curvando a nenhuma regra tradicional. [...].
Com o amor dos esposos saímos do campo espiritual e entramos naquela esfera que medeia
entre espírito e instinto onde, por um lado, a pura chama do eros incendeia o ardor da
sexualidade e, por outro, se misturam formas ideais de amor como amor aos pais, amor à
pátria e amor ao próximo com a ânsia de poder pessoal, o desejo de posse e dominação.
[...]. O amor dos namorados vai mais fundo. Quando falta a bênção nupcial, a bênção ao
compromisso da vida em comum, então este amor pode ser transfigurado pela força do
destino ou por sua própria natureza trágica. Via de regra, porém, o instinto predomina com
seu ardor escuro ou seu fogo de palha bruxuleante. Mas a palavra amor ainda não encontrou
aqui seus limites. Com palavra “amor” entendemos também o ato sexual em todos os níveis
36
A discussão completa sobre o amor e o caso do estudante, pode ser encontrado em O problema amoroso do estudante
In Civilização em transição, OC 10/03, § 197-235.
121
[...]. Fala-se também do amor entre rapazes, entendendo-se com isto a homossexualidade
que desde a época clássica da Grécia perdeu a aura de uma instituição social e educativa e
no que diz respeito aos homens. Nos países anglo-saxões, porém, a homossexualidade entre
mulheres parece significar ultimamente bem mais do que lirismo sáfico, na medida em que
serve de suporte à ideia da organização social e política das mulheres, exatamente como a
Jung (1964/2013c, p. 110), ao iniciar a apresentação e discussão de seu caso, pondera que o tema
desta discussão é o “problema amoroso do estudante” e frisa que tal problema amoroso refere-se
“à relação de ambos os sexos entre si”, e não à “questão sexual do estudante”. E, a fim de não
deixar dúvidas sob o ponto de vista que seguirá com sua explanação, declara que a “questão sexual
relacionamento”.
puberdade, Jung (1964/2013c, pp. 115 e 117), mediante os estudos desenvolvidos ao longo de sua
imaginamos; mais tarde são experiências heterossexuais, nem sempre bonitas. [...]. Não é
raro haver relações homossexuais entre estudantes, e em ambos os sexos. [...]. Não falo
portanto, não são bem aceitos entre os normais, mas dos jovens mais ou menos normais
122
que sentem uma amizade tão entusiástica um pelo outro que manifestam este sentimento
também sob forma sexual. [...]. Pode também a relação homossexual entre pessoa mais
velha e mais jovem ser proveitosa para ambas e significar uma melhoria na vida. Condição
[...]. Os mesmos aspectos positivos podem ser apontados na amizade entre mulheres, só
que aqui a diferença de idade e o momento educativo têm menos importância. Serve mais
para troca de sentimentos carinhosos, por um lado, e troca de ideias, por outro. [...]. Em
Ambas as práticas podem inclusive subsistir por certo tempo. Conheci uma mulher muito
inteligente que viveu grande parte de sua vida numa relação homossexual e que aos
Jung, ao longo de sua vida, por diversas vezes revê seus próprios pensamentos e teoria,
contestando-a e buscando formas de aferi-la e validá-la, caso estivesse correta. Foi um estudioso
sobre a psique humana e, em uma de suas leituras, sobre Zaratustra de Nietzsche, demonstra seu
que lia diz “[...] dois homossexuais o aprovavam abertamente: um acabou por suicidar-se e o outro
Uma de suas reflexões sobre sua teoria no que diz respeito a homossexualidade, é possível
de ser observada quando Jung (1961/2015a) relata uma passagem, no início de 1920, em viagem
à África do Norte:
123
[...] Alguns martins-pescadores fulgurantes como joias fugiam através da folhagem. Neste
tendência era o cimento da sociedade dos homens e da polis, fundada sobre ela. Ficou claro
para mim que, aqui, os homens falavam aos homens e as mulheres às mulheres. Encontrei
raras figuras femininas, quase que totalmente veladas, como freiras. Vi algumas sem véu.
O intérprete explicou-me que eram prostitutas. Nas ruas principais, os homens e as crianças
propostas em seguida. O bom homem não desconfiava dos pensamentos que, como o raio,
original, crepuscular, que existia desde os tempos mais remotos, e a tomar consciência da
Fato é que as relações e fantasias eróticas entre pessoas do mesmo sexo estão presentes em
todas as épocas da história. Salles e Melo (2011) afirmam que o que de fato importa “[...] é como
um indivíduo se forma e se torna o ser único e diferenciado que se é sem que venha a sucumbir
aos preceitos ditados pelas normas e convenções sociais”. E embasa este seu pensamento no fato
de que, em sua concepção, “[...] o processo de individuação, significa “ser aquilo que se é”, sem
124
quaisquer adjetivos de conotação positiva ou negativa, independentemente de qualquer orientação
Jung (1964/2013c) sustenta em sua teoria que a psique humana é composta pelo
inconsciente pessoal e coletivo, sendo o inconsciente pessoal formado pela história pessoal do
indivíduo constituída ao longo de sua vida e o inconsciente pessoal pela história da humanidade.
No inconsciente pessoal estão materiais reprimidos, recalcados, sem energia suficiente para
estarem na consciência. Pode-se comparar o trauma a uma ferida psíquica, como um complexo
com elevada carga emocional. São conteúdos que podem emergir à consciência por meio de
sonhos, imaginação ativa e outros estímulos. (Jung, 1964/2013c). Acentua Jung que:
Além dos fatos esquecidos, existem também percepções subliminares, quer sejam simples
percepções sensoriais que ocorrem sob o limiar da estimulação auditiva ou do campo visual
internos ou externos. Todo este material constitui o inconsciente pessoal, nós o chamamos
1964/2013c, p. 17).
Ao se referir aos sonhos, Jung reflete sobre a importância em não o traduzir para o paciente,
pois literalizá-lo incorrerá em sufocar o valor simbólico que este contém. Como ilustração, Jung
(1953/2013f, p. 239) relata o sonho trazido por um de seus pacientes e a maneira como o manejou.
Seu paciente sonhou: “[...] subia com minha mãe e minha irmã uma escada. Chegando ao topo,
Jung observa componentes sexuais presentes no sonho, no que diz respeito a escada,
todavia, observa que se literalizar a escada como um símbolo sexual, o terá que fazer com os
125
demais símbolos presentes no sonho (mãe, irmã, bebê), de modo que as imagens oníricas perderão
sua capacidade simbólica. Frente a isto, o paciente deverá fazer as próprias associações. Não tendo
traduzido o sonho ao paciente, mas permitido que este fizesse suas próprias associações, como
[...]. O resultado foi surpreendente. Vou apresentar, palavra por palavra, as associações
referentes a cada parte do sonho, de forma que os senhores mesmos possam formar um
juízo sobre o material. Devo antecipar que o jovem havia concluído, poucos meses antes,
seus estudos universitários. Depois, não conseguiu se decidir na difícil escolha de uma
profissão, e ficou neurótico. Abandonou, por isso, o trabalho. Sua neurose assumiu, entre
acordo com Jung (1953/2013f) a função compensatória dos sonhos é pessoal e diz respeito a cada
sonhador. E, como um mecanismo de autorregulação da psique, nos sonhos ocorre uma liberação
de energia do inconsciente que leva à consciência conteúdos reprimidos e ocultos a ela, podendo
Sombra e complexos estão presentes no inconsciente pessoal. Von Franz (1993) refere-se
a sombra dizendo que dentro de cada um de nós há uma sombra que se esconde e, por meio de
Destaca Von Franz (1993) que para se lidar com a sombra é preciso se tomar consciência
dela, sabê-la existente, o que exige significativo esforço mental, já que as pessoas não gostam de
suas sombras, que ela faz parte de cada um, é forte e poderosa e, se a reprimida, ela se fortalecerá
126
De acordo com Von Franz (1993, p. 46) todos tem um inimigo que o habita e que é sua
sombra, em geral. E, quando uma pessoa se depara com alguém que a incomoda, o melhor que se
tem a fazer é “[...] sentar-se e escrever um texto sobre as características dessa pessoa”. Feito isto,
deve-se ler e dizer “Este sou eu”. Conclui Von Franz (1993, p, 46) “Eu fiz isso quando tinha
dezoito anos; meu rosto ficou vermelho e suado quando terminei. Ver a própria sombra é um
choque real”.
Sanford (1980/1987) clarifica que todos os aspectos que se nega em si são projetados nos
outros e viram sombra. A negação ocorre, explica Sanford (1980/1987), pois, não é fácil
reconhecer em si e como seu algo que não se aceita. Considera o autor que nos relacionamentos,
especialmente nos parceiros conjugais, existe uma projeção de sombra do cônjuge ou parceiro
íntimo constantemente. Inicialmente, projeta-se tudo o que se deseja que o outro seja e, ao se
sombras neste outro e enfurece-se com ele, sem se dar conta que o que está causando fúria é a parte
deste outro negada em si, ou seja, não é o outro em si, mas si mesmo. Neste momento vem as
crises conjugais e se não houver uma busca por se compreender o que de fato está havendo, e sair
desta projeção, comumente a separação será o caminho. Nem sempre a projeção de sombra é a
afetiva/sexualmente com outras do mesmo sexo, pode-se refletir sobre as postulações de Jung
127
Ao longo de seus estudos, Jung (1964/2013c) foi revendo seus conceitos sobre a
mulheres lésbicas, ao tocante à sua teoria, Jung teceu considerações e ponderou que este modelo
[...] mulheres temperamentais, intelectuais e algo masculinizadas que neste tipo de relação
procuram apoio e supremacia contra o homem. Por isso sua atitude para com o homem é
muitas vezes de auto segurança estranha e de certa resistência. O efeito sobre o caráter
consiste num fortalecimento dos traços masculinos e perda do encanto feminino. Não raro
o homem descobre sua homossexualidade quando percebe que uma mulher desse tipo o
deixa mais frio que uma geladeira. [...] É claro que as coisas não precisam chegar a este
extremo. Mas já há bastante tempo que a masculinização psíquica da mulher vem trazendo
consequências indesejáveis. Ela pode talvez ser uma boa companheira para o homem, mas
sem encontrar o acesso aos sentimentos dele. A razão é que o animus dela (isto é, seu
racionalismo masculino, e que nada tem a ver com verdadeira racionalidade!) fechou o
acesso aos seus próprios sentimentos. Pode ficar frígida, como defesa contra um tipo sexual
128
masculino que corresponde ao seu tipo intelectual masculino. Mas se a reação de defesa
“prático” de lançar, a todo custo, uma ponte para forçar de volta o homem que vai se
afastando paulatinamente. Uma terceira possibilidade, que parece a favorita dos países
Zweig e Abrams (1991/2012, p. 22) relatam que Jung afirma que “Ingenuamente,
esquecemos que por debaixo do nosso mundo racional jaz um outro enterrado. Não sei o que a
humanidade terá de sofrer até que ouse reconhecê-lo”. E, neste mesmo pensamento, Bly
(1991/2012, p. 31), alerta para o fato de que “Passamos nossa vida até os 20 anos decidindo quais
as partes de nós mesmos que colocaremos na sacola e passamos o resto da vida tentando retirá-las
de lá”. E conclui Sanford (1980/2012, p. 53), “É como se a Sombra deixasse os sentimentos morais
e os compromissos para a personalidade, enquanto ela própria tenta viver os impulsos interiores e
ampliar ao longo da vida. Conteúdos de tonalidade afetiva, com núcleo arquetípico, são autônomos
e tomam as pessoas atuando e levando-as a agir como se fossem outras pessoas. Ativados, os
passado, neste momento se é tomado pelo complexo e reage-se de formas muitas vezes estranhas
a si mesmo.
129
processo das associações; aparecem e desaparecem, de acordo com as próprias leis;
Os complexos são núcleos formados por experiências afetivas (que afetam) e que atraem
para si, como um imã, experiências semelhantes. Dão significado a todos os acontecimentos e
ressignificam o evento, exemplo: se alguém tem certeza de que está sendo traído, tudo o que
acontece só vai provar que se está mesmo sendo traído. Os complexos fazem com que se venha a
Jung concebeu os complexos enquanto fragmentos psíquicos presentes nas duas instâncias
do inconsciente, pessoal e coletivo. Joseph Henderson, porém, no início de 1960, de acordo com
Kimbles (2014) e Silva e Serbena (2021), considerou a existência de uma terceira instância e a ela
atribui o nome inconsciente cultural. Esta instância seria como que uma espécie de memória
história, arquetípica, e estaria localizada entre o inconsciente pessoal e o coletivo (Silva & Serbena,
contexto cultural, observou que nele estavam contidos os complexos culturais e, conjuntamente a
Thomas Singer (Silva & Serbena, 2021), com base na psicologia junguiana, fundou a teoria dos
complexos culturais.
dizem respeito à características comuns em termos de religião, gênero, raças e etnias, unindo as
pessoas por meio de suas experiências pessoais, assim como pelas expectativas do grupo. Trata-se
130
de comportamentos culturais inconscientes, manifestando-se arquetipicamente na cultura grupal,
inconsciente de medo, ansiedade e/ou de ameaça à saúde grupal, por meio de uma sombra coletiva
(por se tratar de um complexo), o sentimento de alienação dolorosa naquele que for diferente da
cultura do grupo. Nesta perspectiva, em uma cultura heteronormativa, as pessoas com qualquer
O complexo cultural, de acordo com Kimbles (2014) exerce forte influência nas famílias e
nos grupos (sociais, políticos, religiosos etc.) e, complementam Silva e Serbena (2021), se
manifesta por meio de crenças e emoções que perfazem as ideologias da vida do grupo e da própria
cultura que permeia os grupos, dizendo respeito tanto às exigências do passado como à manutenção
atuar em indivíduos ou em grupos inteiros, neste segundo caso, teremos a manifestação da sombra
cultural de forma coletiva, podendo agir pelo bem ou pelo mal, por exemplo, com ações generosas
orientações sexuais, identidades de gênero e racismo, podendo, além de sofrimento físico e/ou
37
Funcionamento dentro de determinados padrões.
131
Retomando o aparelho psíquico na teoria da psicologia junguiana, no inconsciente coletivo,
além de complexos e sombra, estão presentes os arquétipos e os instintos. Trata-se de uma instância
conteúdos vão à consciência quando assim o querem, está presente em tudo e pode ser visto em
toda parte. É uma herança coletiva e espiritual do desenvolvimento da humanidade e faz parte de
nossa história mesmo antes de nosso nascimento. Traz conteúdos de experiências repetidas através
das gerações, desde os primórdios, estando presentes em nós de forma inconsciente, o que explica
muitas vezes se ter a sensação de já se conhecer um lugar mesmo sem nunca ter estado nele antes,
sentir determinados medos sem nunca termos antes sido expostos a eles etc. (Jung, 1964/2013c).
O inconsciente coletivo compreende toda a vida psíquica dos antepassados desde os seus
primórdios. É o pressuposto e a matriz de todos os fatos psíquicos e por isto exerce também
uma influência que compromete altamente a liberdade da consciência, visto que tende
1967/2013a, p. 58).
numinoso, de sagrado, logo traz a visão do arquétipo, de modo que todo complexo possui um
núcleo arquetípico. Ao passo que o arquétipo, postula Jung (1916/2014b, p. 81) “não são apenas
empiricamente como forças ou tendências à repetição das mesmas experiências”. São constituintes
do inconsciente coletivo, que se diferencia do inconsciente pessoal por ser uma “dimensão da
psique que é de caráter humano geral”. (Whitmont, 1995, p. 38). De acordo com Jung
(1953/2013f):
132
[...]. Cada uma das situações humanas normais é, por assim dizer, prevista e impressa nessa
estrutura herdada, uma vez que já ocorreu inúmeras vezes em nossos antepassados. Ao
mesmo tempo, a estrutura traz consigo uma tendência inata de procurar ou produzir
vazio se não estivesse preso e seguro neste substrato instintivo preestabelecido. Aqui estão
aquelas forças que fazem a maior resistência à razão e à vontade e possibilitam, assim, a
Todo complexo possui um núcleo arquetípico, afirma Jung (1959/2014). Dentre outros, pai
e mãe são arquétipos e, neste sentido, Jung (1953/2013f, p. 301), ao refletir sobre a importância
do pai no destino de uma pessoa, observa uma consideração de Freud sobre a neurose que pode se
manifestar na vida sexual de uma pessoa, quando um relacionamento não está bem:
[...] a pessoa volta para trás e procura uma amizade sentimental ou uma falsa religiosidade.
Se o decepcionado for um neurótico ele volta ainda mais para trás e se apega em
relacionamentos infantis que ele nunca abandonou de todo e aos quais também o normal
está preso por mais de uma corrente: o relacionamento com o pai e a mãe. (Jung,
1953/2013f, p. 301).
E, para ilustrar o que pretende dizer, Jung (1953/2013f) relata ao caso de um de seus
causa de nervosismo”. E, segue descrevendo-o: “Disse ser muito irritadiço, cansava-se facilmente,
tinha distúrbios estomacais nervosos, ficava profundamente deprimido a ponto de já ter pensado
133
Fazendo menção a importância do pai na vida deste paciente, Jung (1953/2013f) observa
Na escola, era sempre o bode expiatório e objeto de zombaria dos colegas. O paciente
achava que era devido a seu dialeto diferente. Mais tarde ficou sob as ordens de um mestre
severo e brabo; e ali aguentou dois anos. As condições eram as piores possíveis, de tal
forma que os outros aprendizes logo iam embora. Aos quinze anos, aconteceu o fato citado
França. Lá conheceu um francês do sul, grande fanfarrão e campeão sexual. Ele o levou a
impotente. Depois veio a Paris, onde seu irmão mais velho (reprodução exata do pai) era
mestre pintor e levava vida dissoluta. Permaneceu ali por longo tempo, com um salário
bem baixo, e ajudava sua cunhada por pena dela. O irmão levou-o várias vezes ao bordel,
E, assim, semelhante a este, outro fato ligado ao pai do paciente se sucedeu em sua vida,
afetando-o diretamente em sua sexualidade, ao que, para uma melhor compreensão nossa sobre o
Também este paciente girou a vida toda no círculo mágico da constelação familiar. O fator
está bem evidente em tudo o que fazia. Até o infeliz casamento foi determinado pelo pai,
pois o paciente se casou com a ex-mulher do irmão mais velho, o que significa se casar
com sua mãe. Ao mesmo tempo, sua mulher foi a mãe substituta daquela que morreu no
38
O caso completo pode ser encontrado em Freud e a psicanálise, OC 4, § 707-715.miort
134
infantil e, pela primeira vez, aproximou-se de um objeto individual determinado. Neste
caso, como no seguinte, a constelação familiar se mostra tão forte que só resta, ao que luta
se, conforme Jung (1953/2013f, p. 314) de um caso de um garoto com anos de idade, “[...]
inteligente, de aparência algo delicada, foi trazido por sua mãe devido à enurese”. Esclarece Jung
que no decorrer da consulta, “o garoto ficou o tempo todo grudado na mãe, uma jovem e elegante
senhora”. O casamento dos pais, dizia a mãe, era feliz, todavia o pai “era um tanto enérgico e o
garoto (o filho mais velho) tinha medo dele”. A mãe, por sua vez, na tentativa de compensar a
dureza do pai, tratava o filho de forma bastante carinhosa, o que resultava em ele não se afastar da
mãe. “Nunca brincava com os colegas de escola, nunca ia sozinho para a rua [...]. Temia a rudeza
e brutalidade dos colegas de escola; brincava em casa com jogos de inteligência ou ajudava a mãe
no trabalho caseiro”. E, conclui, “Tinha grande ciúme do pai, e não suportava vê-lo fazendo
carinho na mãe”.
Jung (1953/2013f) ao perguntar ao garoto sobre seus sonhos, obtém como resposta que ele
sonhava constantemente que uma cobra vinha ao seu quarto lhe morder o rosto. Ele acordava
chorando e a mãe, que dormia no quarto ao lado do seu, vinha acalmá-lo. À noite não apresentava
resistência para ir dormir em seu quarto, entretanto, logo começava a sonhar que, agora, um
homem alto, magro, preto e furioso, contendo uma espada ou uma espingarda, deitava-se ao seu
135
lado e queria matá-lo. Também era comum o garoto sonhar que coisas horríveis estavam
acontecendo no quarto dos pais, cobras pretas e homens maus queriam matar sua mãe. E, neste
momento, gritava e a mãe o vinha acalmar e, sempre que molhava a cama, sua mãe vinha trocar a
roupa de cama.
Observa Jung (1953/2013f) que o pai do garoto era alto e magro. Pelas manhãs, durante a
higiene matinal, diante do garoto, ficava nu em frente ao lavatório. Também lhe contara o garoto
que diversas vezes despertava com barulhos vindo do quarto dos pais. Ficava assustado, com
receito de algo ruim estivesse acontecendo à mãe, mas esta logo o tranquilizava dizendo que não
estava se passando nada. Jung considera que o garoto era um rival do pai em uma disputa do amor
materno, nutria ciúmes pela mãe e desejava assim, inconscientemente, separar os pais.
Nota-se, porém, que além da cobra que queria morder o rosto do garoto, acrescia-se o fato
do homem mau que o ameaçava. Jung (1953/2013f, p. 315) pondera, “[...] acontece com ele o
mesmo que com a mãe no quarto vizinho”. Neste sentido, o garoto identifica-se com sua mãe,
colocando-se, assim, em uma relação com de competição com pai pela mãe, mas sente-se
ameaçado e fragilizado frente a este pai. E, para justificar esta ligação, faz referência a
arquétipo:
[...] Isto se deve ao seu comportamento homossexual que se sente feminino com relação ao
pai. Molhar a cama significa, neste caso, um substituto da sexualidade. A pressão da urina
136
neste caso, o valor de uma masculinidade prematura que visa compensar a inferioridade da
Além dos arquétipos e dos instintos, pode ainda estar presentes no inconsciente coletivo a
sombra, pois ela ultrapassa nossos limites e, quando isto ocorre, deixa de ser pessoal e passa a ser
sombra coletiva, trazendo registros arcaicos que levaram a humanização com suas glórias e
pecados. Desta forma, ao falarmos no inconsciente coletivo, também podemos olhar para a história
Junguiana
inconsciente coletivo e, portanto, parte de todos os seres humanos por meio de suas
fantasia do imaginário. Sem tempo e espaço, são heranças da humanidade e estão presentes no
inconsciente coletivo, podendo ser acessados a qualquer momento. Lidos a partir de metáforas,
representam em nós experiências já vividas por outras pessoas, mostrando que esta mesma situação
já aconteceu em outro momento, que não estamos sós e que há alternativas para resolução dos
conflitos.
olhar da mitologia grega, pautada na psicologia junguiana. Para tal escopo, para fins didáticos de
39
O caso completo pode ser encontrado em Freud e a psicanálise, OC 4, § 731-741.
137
uma melhor compreensão, primeiramente serão apresentados os conceitos mitologia e mitos e, na
comunica linguisticamente, por meio de palavras e desenhos. Esta forma de pensamento ocorre de
dentro para fora, buscando, o indivíduo, adaptar-se socialmente, transmitindo aos demais o seu
ocorre de fora para dentro, se comunica por meio do inconsciente, através de conteúdos psíquicos
herdados (arquétipos), é subjetivo, não tendo como princípio a busca pela adaptação, mas a
manifestam os mitos, por meio de histórias e sonhos. E é nesta instância psíquica que se encontram
as mitologias.
determinado grupo social, religião ou cultura que compartilhe as mesmas crenças”. Face ao
exposto, para adentrarmos a mitologia, seja ela qual for, precisamos antes discorrer sobre o
conceito de mito.
que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares”. Jung
138
(1959/2014a), compreende o mito como uma manifestação arquetípica, a qual recebe o nome de
imagens primordiais, universais e atemporais, a qual, observa Brandão (2013, p. 39) que a palavra
arquétipo advém do grego arkhétypos e constitui-se de um “modelo primitivo, ideias inatas” e que
[...] os arquétipos são ainda mais do que forma os símbolos para estruturar a Consciência.
Eles são também a fonte que os realimenta. Por isso, os mitos, além de gerarem padrões de
como marcos referenciais através dos quais a Consciência pode voltar às suas raízes para
se revigorar. [...]. A grande utilidade dos mitos, por conseguinte, está não só no
cultura durante sua formação, mas também na delineação do mapa do tesouro cultural
através do qual a Consciência Coletiva pode, a qualquer momento, voltar para realimentar-
Dito isto, Campbell (1988/1990, p. 17) considera que os mitos ensinam aos homens que se
pode voltar para dentro de si mesmos, o que permite captar mensagens simbólicas. Recomenda
que se leia mitos de todos os povos, não apenas dos nossos, pois assim se captará mensagens dos
símbolos. E observa “O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar
Pondera Campbell (1988/1990) que o homem não está em busca do sentido da vida, mas,
sim da experiencia de estar vivo e, neste sentido, os mitos nos remetem a essa experiência,
Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim.
Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas
139
ser e da nossa realidade mais íntima, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar
característica irracional e ilógica, os mitos necessitam ser lidos a partir de metáforas, não devendo,
portanto, ser literalizados, a fim de que não percam seu encanto e simbologia. (Jung, 1959/2014a;
Campbell, 1988/1990; Brandão, 2013). Concebem experiências pelas quais outras pessoas já
passaram, despontando a percepção de que não se está sozinho, de que alguém em algum lugar já
passou por determinada situação, abrindo, com isto, o campo de percepção e permitindo se ver
alternativas além das que parecem possíveis para solução de situações conflitantes.
O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é efetivamente uma
representação coletiva, que chegou até nós através de várias gerações. E, na medida em que
pretende explicar o mundo e o homem, isto é, a complexidade do real, o mito não pode ser
Esclarece Jung que os mitos nascem a partir da necessidade do ser humano de ter as suas
significado dos fenômenos pelos quais passa, bem como caminhos e alternativas para lidar com o
problema (1959/2014a). Neste mesmo sentido, postula Anaz (2021, p. 7) que os mitos passam a
existir desde a aptidão imaginativa “[...] do homo sapiens sapiens40 de criar coisas que não existem
no mundo natural, impulsionada, em última instância, pelas angústias existenciais provocadas pela
40
Denominação científica do homem moderno pertencente a subespécie do Homo sapiens – termo derivado do latim,
que significa "homem sábio, homem que sabe".
140
[...] o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo
primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças
às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade
ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que
Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso
e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais
que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural. (Eliade, 1963/1972, p. 9).
Isto posto, pondera Anaz (2021, p. 7) que “as narrativas míticas são, assim, a resposta da
ontológicas que afligem o ser humano”. Ao que Jung compartilha do mesmo pensamento ao
A mentalidade primitiva não inventa os mitos, mas os vivencia. Os mitos são revelações
acontecimento anímico inconsciente e nada menos que alegorias de processos físicos. [...].
Os mitos, [...] têm um significado vital. Eles não só representam, mas também são a vida
141
sua herança mítica, tal como um homem que perdesse sua alma. A mitologia de uma tribo
é sua religião viva, cuja perda é tão como para o homem civilizado, sempre e em toda parte,
uma catástrofe moral. [...]. Muitos desses processos inconscientes podem ser gerados
inconscientemente por iniciativa da consciência, mas jamais por arbítrio consciente. (Jung,
de que há uma permanente influência dos mitos ancestrais na produção simbólica humana. Para
relativamente conhecido, pois que ele representa algo por meio de imagens, vivências e
semelhanças. Por ter nos símbolos aspectos conscientes e inconscientes, eles exercem certo
a união das polaridades, conhecidas por antinomias. O símbolo não tem característica unilateral,
não se fixando, portanto, em nenhuma polaridade. Pelo contrário, ele integra o que a consciência
separou.
dos dados de todas as funções psíquicas. [...] Possui um lado que fala à razão e um outro
inacessível a razão, pois não se constitui apenas de dados de natureza racional, mas também
1921/2013i, p. 491).
142
Neste sentido, explica Brandão (2013), consagrado e profundo estudioso sobre mitologia
grega que, ao longo dos anos, se dedicou em entender suas funções na psique humana, narrando
[...] o mito atrai, em torno de si, toda a parte do irracional no pensamento humano, sendo,
por sua própria natureza, aparentado à arte, em todas as suas criações. E talvez seja este o
caráter mais evidente do mito grego. Verificamos que ele está presente em todas as
atividades do espírito [...]. Para um grego, um mito não conhece limites. Insinua-se por
toda parte [...]. Reserva de pensamento, o mito acabou por viver uma vida própria, a meio
De acordo com Jung (1959/2014a) não nos demos conta ainda de que os mitos são, antes
de tudo, manifestação psíquica que representa a essência da alma. Os mitos estão presentes no
inconsciente coletivo e seus conteúdos acessam a consciência quando o querem. Trata-se, pois, de
uma herança da humanidade que faz parte da nossa história anteriormente ao nosso nascimento
(Jung, 1964/2013c; Brandão, 2013). De acordo com Brandão (2013), ao decifrarmos o mito,
seus primórdios (Hopcke, 1993; Santos & Bernardes, 2008; Guimarães, 2009; Salles & Melo,
41
Ao utilizarem o termo homossexualidade, os autores estão se referindo a homens e mulheres que se relacionam
afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo sexo.
143
Os livros descrevem narrativas mitológicas sobre a origem do amor entre pessoas do
mesmo sexo. Em o Banquete42 de Platão, por exemplo, conta Aristófanes que inicialmente três
eram os gêneros da raça humana, que eram duplos de si mesmos: havia o gênero masculino-
masculinas. Certa feita se revoltaram contra os deuses e, Zeus, com medo por serem muito fortes,
ordenou à Apolo que os dividissem em duas partes. E, desta forma, os que foram de cortes de
andróginos, passaram a buscar seu contraponto homem ou mulher, configurando-se o amor entre
resultando-se no amor entre pessoas do mesmo sexo, sendo que quando estas metades se
encontram, sentem-se tão plenas que não querem mais se separar, desejando fundirem-se
parte da história. (Salles, 2011; Platão 385 a.C – 380 a.C./2012). Nas palavras de Aristófanes:
Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante
do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de
amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do
outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida afora
são estes, os quais sem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao
Observa Franco (2022b, p. 130), ao citar Edinger (2008) que se pode “compreender como
42
O Banquete, conhecido ainda como Simpósio trata-se um colóquio a respeito do amor – Eros. Data-se que foi escrito
entre 385 a.C e 380 a.C.
144
é possível observar um movimento de separação e busca pela reunião das partes, indo de encontro
a totalidade.
afetivo/sexual entre parceiros do mesmo sexo desde os primeiros tempos, a exemplo da Grécia
homossexuais, como em Apolo e Jacinto, Dáfnis e Pã, Crispo e Laio, Aquiles e Pátroclo, Zeus e
Ganimedes, Poseidon e Pélope, Hércules e Hilas, Apolo e Ciparisso, Apolo e Tamiris, dentre
outros.
Por outro lado, as narrativas sobre lesbianidade são menos comuns de se encontrar,
entretanto, podem ser identificadas nas lendas de Safo e sua Ode a Afrodite e em algumas nas
passagens mitológicas, como na que Zeus se transforma em Ártemis para seduzir a ninfa Calisto.
Considera Franco (2022b, p. 130) ao citar Aufranc (2018) que é possível observa-se que “a
maioria dos deuses cosmogônicos tem uma natureza bissexual e que na mitologia grega, a
Cabe fazer um aparte e se destacar que, para além da mitologia grega, em outras mitologias,
é possível se encontrar relacionamentos entre divindades do mesmo sexo, como, por exemplo, na
mitologia ioruba43, conforme Prandi (2001), entre as Yabás, orixás femininos, Yansã, Nanã,
pertencentes exclusivamente a um único gênero, como Oxumarê (Prandi, 2001 e 2004/2020), que,
em uma das versões do mito, é homem e mulher ao mesmo tempo; Logunedé ou Logun Edé, que
43
Para aprofundar os estudos, ler:
Prandi, R. (2001). Mitologia dos Orixás. Companhia das Letras.
Prandi, R. (2020). Oxumarê, o Arco-Íris. Companhia das Letras. Trabalho original publicado em 2004).
145
tem expressões masculinas e femininas, pelo fato de parte do tempo, ao ficar com sua mãe, Oxum,
pegar traços e, na parte do tempo, ao ficar com seu pai, Oxóssi, pegar traços dele.
Grécia, quando uma pessoa se sentia atraída por outra, não era o humano que deseja o outro
humano, mas era um(a) deus(a) que se manifestava naquela pessoa, no caso do amor, era Afrodite
emoções eram a eles atribuídas, cabendo ao mortal vivenciá-las na medida certa do mortal, a fim
de que suas ações se transformassem em virtudes (Pastore, 2013). Com isto, a homossexualidade
e a lesbianidade não existiam, pois para que alguma emoção ou desejo existisse, era preciso que
houvesse alguém para sentir ou desejar algo, nesse caso, a emoção e o desejo eram atributos do
sinônimo de educação sexual, cabendo aos mais velhos educar os mais novos para a guerra e para
a vida. E, nesta perspectiva, relatam Salles e Melo (2011, p. 13) que “[...] os espartanos treinavam
para as batalhas e lutavam em duplas de amantes, justificando que, por isso, cada um deles lutaria
mais bravamente em defesa do outro”. Observa ainda que uma dupla de guerreiros que se tornou
bastante conhecida em Ilíada, conforme descrito por Homero, foi Pátroclo e Aquiles. Ainda de
relacionamento homoafetivo e Alexandre Magno e seu eunuco persa, Bagos, também foram
amantes.
abandonando suas crenças nos mitos e as emoções e desejos passaram a ser dos homens e não mais
146
donos dos sentimentos e das coisas, passando a vivenciá-los de forma unilateralizada, em sua
não existia mais um deus para sentir e mediar as emoções, então os humanos podiam realizar suas
ações e vivenciar seus sentimentos, cometendo excessos e desmedidas. Com isto, os potenciais
doenças, aos “ismos” de nossa atualidade. (Jung, 1958/2013e). Para Jung (1938/2012b):
A “semelhança com Deus” não eleva o homem até ao divino. Ao contrário, apenas o lança
ser humano. O homem se sente atormentado por essa máscara e por isso atormenta os
deu-se a repressão do desejo erótico em prol do sexo utilizado apenas para procriação da espécie,
ficando o prazer destinado ao pecado, sendo, portanto, necessário reprimi-lo (Rodrigues, 2012). E,
judaico-cristã desempenhou seu papel na história das repressões às sexualidades. De acordo com
Campbell (1988/1990)
Cada indivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida.
Os mitos têm basicamente quatro funções. A primeira é a função mística – e é disso que
venho falando, dando conta da maravilha que é o universo, da maravilha que é você, e
mistério, para a consciência do mistério que subjaz a todas as formas. Se isso lhe escapar,
você não terá uma mitologia. Se o mistério se manifestar através de todas as coisas, o
universo se tornará, por assim dizer, uma pintura sagrada. Você está sempre se dirigindo
147
ao mistério transcendente, através das circunstâncias da sua vida verdadeira. (Campbell,
1988/1990, p. 44).
Por meio desse olhar, é possível vislumbrar uma multiplicidade inerente a cada pessoa,
pois incontáveis são as configurações arquetípicas que podem estar por detrás de cada um, mas,
apesar disto, longa e incansável tem sido a luta dos homossexuais e das lésbicas contra a homofobia
Apesar dos avanços conquistados, a homofobia ainda perdura até os dias atuais, por meio
teóricas, o foco teórico se dará a partir dos aportes teóricos da perspectiva junguiana, para a
vista da violência, preconceito e discriminação à gays e lésbicas, estudo do qual vem se dedicando
a mais de 10 anos.
Antes que esta pesquisa se debruce mais especificamente sob olhar junguiano, o que
ocorrerá sobretudo nas discussões das categorias apresentadas por meio da Análise de Conteúdo
evidenciado na fala dos teóricos trazidos para dialogarem nas perspectivas acima apresentadas, na
148
4.4 O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência
Esta subseção se apropriará para suas discussões da vertente do sofrimento enquanto pathos
demonstrando como o sofrimento pode ser produto da sociedade, neste sentido, retomando o
De acordo com Silva (2011), a palavra sofrimento tem origem na palavra grega pathos, que
Silva (2011) que se trata de um sofrimento intrínseco à vida, inerente a condição humana, universal
e necessário para que se tornar um indivíduo capaz de se relacionar com o outro de forma inteira.
Enquanto paixão, pathos também remete diretamente ao sofrimento, pois que o homem
sofre, entretanto, demonstra e guarda aquilo que desencadeia o seu sofrimento. Trata-se, portanto,
Para Sarti (2001) o sofrimento manifesta-se pela dor, a qual é produto da vinculação entre
indivíduo e sociedade. Neste contexto, cada cultura possui uma maneira singular de expressar a
sua dor, a qual é definida a partir do coletivo, que define a forma de se expressar os sentimentos.
Ainda que singular e subjetiva, para quem sente a dor e sofre, ela é universal do ponto de vista da
44
Soren Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês, precursor da Filosofia Existencial.
149
existência em todos os tempos, considera Sarti (2001), podendo ser vivida por qualquer pessoa
Esclarece Sarti (2001) que o ser humano prescinde do coletivo para viver e, portanto, sua
dor e seu sofrimento estão intrinsecamente ligados ao coletivo e ao social, sendo, inclusive, o social
que, de acordo com cada cultura, produz o corpo, a dor e o sofrimento, conferindo-lhe um
determinado sentido. E, assim, o mundo social tem significado a partir do sentido que confere às
Observa Sarti (2001) que, por serem a dor e o sofrimento singulares e subjetivos, não
poderem ser mensurados, mas sentidos e vividos de forma diferente e individual por cada um, uma
pessoa não pode dizer que a outra não sofre e tampouco pode avaliar o sofrimento ou a dor alheia
Considera Silva (2011) que, para Kierkgaard, toda forma de transgressão é um sofrimento
e implica em se chegar à sua essência, à sua totalidade, preservando-se quem de fato se é. Assim,
considera ainda o autor que não parece contraditório pensar que o amor é em si uma forma de
Observa Brígido (2020) que o estilo de sociedade em que vivemos no século XX, por não
valorizar a condição humana, gera a violência e, complementa Sarti (2001) que, em decorrência
de transgressões morais, por meio do sofrimento, esta mesma sociedade deixa suas marcas, em
formato de cicatrizes, nos corpos e nas mentes de quem é violentado, física e psiquicamente, pois
150
Pondera ainda Lima (2020) que, no contexto social, o sofrimento advém das relações
estabelecidas como forma de poder e domínio sobre o outro, a fim de impedir que o outro obtenha
satisfação e gozo, especialmente naquilo que a si é negado e proibido viver. E, quando o sofrimento
e o abuso não são nomeados e a violência sofrida é reprimida, sendo, portanto, negada a realidade
do ocorrido, de acordo com Baracat el al. (2020) a vivência fica pendente, de modo a não poder
ser simbolizada e ressignificada. Deste modo, na busca de findar o sofrimento vivido, o trauma se
mantém vivo e atuante, vivendo de forma expressa no corpo em formato de doença, já que à
Para que se consiga impedir que o outro exista, um dos recursos utilizados é estigmatização,
por meio do demérito, da desonra do descrédito. Explicam Oliveira et al. (2020, citados por
Oliveira et al. 2019) a etimologia da palavra estigma como originária da Grécia, tendo sido criada
com o objetivo de se demarcar nos corpos a representação de se ser malvisto socialmente. Essas
marcas eram feitas com a utilização do fogo, com objetos que marcassem os corpos e deixasse
neles o registro de algo ruim, indicando que a pessoa deveria ser evitada, ignorada. Esclarecem
ainda os autores que, no viés médico, estigma dizia respeito a comoções físicas. E, à medida que
os anos se passaram, este vocábulo teve a incorporação de outros significados como o de pessoas
socialmente desvalorizadas, implicando nas relações com familiares, amigos e trabalho. Com isto,
para Oliveira et al. (2020) o estigma implica em ainda mais sofrimentos e decorrências
impresumíveis na vida dessas pessoas, por serem classificadas e expelidas pela sociedade e por
viverem carregando uma culpa e um sentimento de opressão, como se de fato tivessem feito algo
de errado e pecaminoso.
Explica MacRae (2018a) que os sentimentos de culpa que são incutidos nos homossexuais
os levam a se sentirem medo e a se isolarem. Neste sentido, observam Ortiz, Bogo e Navasconi
151
(2020) que cada pessoa atravessa a sua existência mediante os recursos que possui frente ao que
socialmente lhe é cobrado, entretanto, há algo em comum que se repete nestas vidas, a
discriminação da sociedade e o não apoio familiar diante de sua orientação sexual e das decisões
E asseguram Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que a partir de o momento em que a pessoa
reflete sobre ser ou não homossexual, já se evidencia o sofrimento oriundo de uma sociedade que
consequência, o próprio homossexual, muitas vezes, se nega a aceitar-se como tal, lutando contra
sua subjetividade a fim de não sofrer preconceito e discriminação. O estigma que existe com
Para este sentido de sofrimento trazido por Sarti (2001), cabe-se agregar o conceito de
Kimbles (2014) sobre o complexo cultural, no qual a cultura de um grupo ou de uma sociedade
pode, de acordo com seus ideais, promover a aceitação ou a rejeição de pessoas, muitas vezes de
forma bastante cruel, causando dor, promovendo violência, preconceito e discriminação, como a
De acordo com Durkheim (1985, citado por Sarti, 2001), os fatos sociais perpassam as
pessoas e as coage, uma vez que são impostos de serem seguidos. Os costumes são introjetados
sem que sejam questionados, e o mesmo fenômeno se passa com o corpo, vive estes fatos sociais
como se fosse algo natural, espontâneo e não imposto e, assim, é introjetado sem ser questionado,
152
Ainda que não declarada esta coerção (Durkheim, 1985, citado por Sarti, 2001), ela se torna
evidenciada quando o indivíduo não se identifica com as regras impostos socialmente e tenta
ultrapassá-las, tendo como resultado tensão entre o indivíduo e a coletividade na qual ele faz parte.
A exemplo disto estão os homossexuais e às lésbicas, e o sofrimento a que são lançados por
sobre esta população, sendo ela vítima de preconceito, violência e discriminação sexual.
e violência à gays, lésbicas e ainda bissexuais (Vasconcelos, 2019, Araujo, Benincasa e Frugoli,
2022b). A palavra homofobia, etimologicamente, tem sua origem composta por homo, de
homossexual, e phobos, do grego, que significa medo irracional, aversão ou fobia. Assim,
homofobia, significa aversão, repugnância, medo, ódio, preconceito negativo contra os sujeitos
normal), utilizando, para isto, não poucas vezes de violência física e/ou verbal e até mesmo
assassinatos e/ou outros crimes, postulam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) citando Cerqueira-
153
se como um instrumento que cria e reproduz um sistema de diferenças para justificar a exclusão e
a dominação de uns sobre outros”. (Perucchi; Brandão & Vieira, 2014, p. 68).
Relatam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) que, de acordo com Cerqueira-Cesar et al.
(2015) o termo homofobia teve sua primeira utilização no ano de 1971, pelo psicólogo nova-
entre pessoas do mesmo sexo. Nesta perspectiva, para Baron Mussi e Serbena (2015, p. 41)
“Homofobia é o conceito utilizado para designar medo, aversão, desprezo, ódio às pessoas
Observam Baron Mussi e Serbena (2015, p. 41) que “A palavra ‘homo’ também significa
homem e nesse caso o conceito de homofobia traria a ideia de medo do igual, e consequentemente,
Esclarece Vasconcelos (2019), de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), que o
termo homofobia teve necessidade de se atualizar, pois estava direcionado a gays, lésbicas e
transexuais. Embora, para se tornar mais abrangente e contemplativo, termo homofobia tenha sido
readaptado para LGBTfobia, na literatura ele pode ser encontrado das duas formas, com o mesmo
sentido.
identidade de gênero (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b). No caso de pessoas homossexuais, as
154
letras G e L representam Gayfobia e Lesbofobia que, respectivamente, para Vasconcelos (2019),
normatizado e por serem gays” e “abuso às mulheres, por serem mulheres, sexismo (discriminação
de gênero, por serem mulheres) e por serem lésbicas, sendo vítimas de homofobia por sentirem
atração por pessoas do mesmo sexo” (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b, pp. 15-16).
Costa (1944/1992) observa que nossos comportamentos do ponto de vista moral tendem a
existir a partir daqueles que se assemelham a nós e que se aproximam de nossas ideias e valores e
de um modelo pré-aprovado por nós e que conscientemente desejamos seguir. Neste contexto
todos aqueles que não se enquadram nos modelos predeterminados, no caso, dentro da sociedade
heteronormativa, são tidos como errantes, transgressores e/ou anormais. Partindo desta visão,
Costa (1944/1992) compreende a palavra preconceito, tendo por base a intolerância, caracteriza-
Preconceito, segundo Baron Mussi e Serbena (2015, p. 41) diz respeito a atitudes agressivas
e/ou opositoras a pessoas ou grupos que, ao seu modo de vida e de acordo com as normas sociais,
A palavra preconceito nem sempre é negativa, geralmente, trata-se de uma ideia pré-
concebida sobre algo ou alguém, mas, quando direcionado a pessoas LGBT, o preconceito
outrem, mas de práticas discriminatórias e excludentes, expressas por meio da homofobia. (Baron
155
Consideram Santos e Bernardes (2008) que o preconceito e a estigmatização aos
Pervertido, doente, blasfemo, imoral, devasso, indecente, observa Barcellos (2011) são
adjetivos usados muitas vezes para ofender os homossexuais, colocando-os numa categoria,
buscando de fato categorizar, discriminar, repudiar o diferente. Todavia, lembra Foucault (1988),
a homossexualidade como categoria mental ou tipo psicológico não existe, entretanto, existem os
homossexuais.
aprisionados no “armário”45 ou, quiçá, deixá-los sair e transportá-los para um lugar bem distante,
E, neste lugar, estereotipados, são ofensivamente nomeados por “bicha afetada, sapatão,
outros adjetivos pejorativos que lhe são atribuídos (Santos & Bernardes, 2008, p. 289). E, neste
lugar de sofrimento a que são transportados, observam ainda Santos e Bernardes (2008, p. 290),
“Gays e lésbicas são vetados ao toque, ao olhar, ao abraço, ao beijo, à expressão genuína e
espaço público”.
No momento em que este amor proibido de existir, toma a forma declarada de sua
existência, deixa de ser um segredo velado para ser um segredo aberto, passando a se fazer presente
45
Armário, conforme Borrillo (2000/2021), no caso da homossexualidade, equivale a um lugar em que se está
escondido do mundo, sexualmente falando.
156
em uma estrutura heteronormativa que busca impedir a manifestação de qualquer outra forma de
subjetividade humana, o desejo e as formas de buscar e sentir prazer de cada um. (Santos &
Bernardes, 2008).
Por este ângulo, Silva (2020) considera que a sociedade ocidental se pauta em regras e
proibições do que se define como certo e errado e essas precisam ser seguidas para que se haja um
controle do próprio poder, e isto impede que se tenha uma compreensão subjetiva da sexualidade
em suas diversas formas de manifestação, do prazer e do desejo. Foucault (1988) refere-se ao poder
nas definições da lei pertinentes ao sexo, o que equivale dizer que o sexo pelo poder se reduz a um
regime binário: lícito e ilícito, permitido e proibido, o que aprisiona e condiciona a uma verdade
Perucchi, Brandão e Vieira (2014, p. 68) consideram a homofobia “um fenômeno complexo
dos sujeitos, mas que não se encerram na individualidade, processando-se no âmbito das relações
que as pessoas se reconheçam e se assumam homossexuais, por medo, não raras vezes, dos crimes
de ódio que possam ser vítimas, os quais, por sua vez, explica Efrem Filho (2016) caracterizam-se
por brutalidades e crueldades praticadas contra os homossexuais, em seus corpos, no ato destes
crimes.
Em um de seus relatos, a fim de demostrar do que se trata o crime de ódio, expõe Efrem
Filho (2016, p. 314), “A injustificável quantidade de facadas – ou o seu lugar geográfico no corpo
da vítima: o ânus – diferencia os ‘crimes de ódio’ dos crimes comuns, e mesmo dos passionais. As
157
O crime de ódio é um termo guarda-chuva que abarca uma diversidade de crimes
caraterizados pela brutalidade e crueldade das mortes, direcionadas a determinados grupos. Estão
De acordo com Aguião (2018b), o Brasil é o país em que mais ocorre crime de ódio à
homossexuais, vindo na sequência México e Estados Unidos e, postula Efrem Filho (2016) que o
que leva ao crime de crime de ódio é a homofobia. Segundo Chequer (2018, citado por Aguião,
2018b, p. 127),
levando à construção de uma agenda adversa”. (Chequer, citado por Aguião, 2018b, p.
127).
Aguião (2018b) uma consideração feita pelo deputado Iran Barbosa (PT-SE, 2018), na qual o
Brasil. Os dados apresentados mostram que precisamos fazer um movimento para que se
reconheça que as populações de LGBT no Brasil são vítimas de uma violência direcionada.
158
Acerca dos crimes de ódio, Efrem Filho (2016), traz um recorte de uma entrevista
[...] geralmente os crimes cometidos contra homossexuais, eles têm muito mais violência.
A tinta é muito mais carregada. Entendeu? É diferente. (...). Pra mim, pela minha
fútil. É por nada, é por muito pouco ou patrimonial. Sempre tem esse lado. É por pouca
coisa. Às vezes por uma discussão de rua, uma bobagem. Motivos fúteis mesmo.
uma desproporção inexplicável entre as “tintas” do crime e aquilo que o motivaria – uma
Neste mesmo sentido, observam Quadrado e Ferreira (2020) que os discursos de ódio se
fazem presentes em todos os âmbitos, inclusive nas redes sociais, sendo disseminados de forma
159
rápida e com longo alcance. Assegura Guterres (2022) que um discurso de ódio com a palavra
arma sendo utilizada repetidas vezes, pode ser materializado por meio de um crime com uma
Guterres (2021; 2022) considera que todo discurso de ódio é altamente perigoso e deve
veementemente serem combatidos e, para tanto, observa Guterres (2021) que a educação e a
evoluem rapidamente para a violência, levando, deste modo aos crimes de ódio contra as minorias
sexuais, raciais, religiosas, causando medo entre seus alvos. E, neste contexto, Perucchi, Brandão
mas por um medo internalizado de ser vítima de um crime de ódio, a sexualidade destes
viverem sua homossexualidade, com outras funções que a partir daí se são atribuídas, gerando
histórico pejorativo que o termo homossexualismo carrega consigo ao longo dos tempos, desde
que a homossexualidade passou a existir enquanto doença, não cessando mesmo após ter sido
finalmente despatologizada.
conotação pejorativa que o termo ‘homossexualismo’ possui, dada sua origem médica-
160
psiquiátrica, seu uso estabelece desequilíbrio no tratamento moral dos ‘homossexuais’, em
tudo contrário aos ideais éticos de nossa cultura. [...]. (Costa, 1944/1992, p. 37).
ser entendidas como projeção de sombra individual e ainda coletiva, quando conteúdos internos
não são vistos como positivos e, na tentativa de eliminá-los de si, busca-se a eliminação do outro
que incomoda, uma vez que reflete sua própria negação e, nesse sentido, Jung (1967/2013a) muito
tem em seus escritos a contribuir conosco. Quanto mais escondemos e negamos nossa sombra,
mais ela insiste em aparecer e se fortalece, daí a possibilidade de haver tantas agressões físicas e
assassinatos a pessoas que se relacionam afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo sexo. (Jung,
Welzer-Lang (2001), citado por Baron Mussi e Serbena (2015), enveredam pelo
heterocentrismo”.
Baron Mussi e Serbena (2015), de acordo com Mello (2005, p. 193) afirmam que pessoas
sexualidade quando irrompem com o padrão que considera gênero igual a papel sexual,
especialmente quando não atrela a passividade sexual a mulher e a sexualidade ativa ao homem,
161
mas concebe a ambos as duas possibilidades. Deste modo, a homofobia poderia ser assinalada por
um temor de se
[...] assumir socialmente que, segundo Neto (s/d.), como Jung postulou, há aspectos do
animus (como ser ativo, racional, lógico, agressivo) (Neto, s/d.) seriam socialmente aceitas
quando demonstradas por homens e rejeitadas quando aparentadas por mulheres; assim
protetora) (Neto, s/d) só seriam toleradas quando exibidas em mulheres. (Baron Mussi &
e Serbena (2015), esteja ela presente em espaços públicos ou privados, reverbera agressivamente
homossexual equivale a afrontar o outro, quando este outro não permite que o diferente dele tenha
De acordo com Pereira (2017), a homofobia se trata, e deveria ser assim caracterizada,
como um crime de ódio, onde, o assassino premedita sua vítima, escolhendo-a consoante a um
grupo a que pertence. E considera ainda Pereira (2017, p. 12) que, no crime de ódio, “As razões
mais comuns são deficiência física ou mental, etnia ou nacionalidade, orientação sexual, raça,
De acordo com o Grupo Gay da Bahia (2018), o Brasil caracteriza-se como sendo altamente
inseguro para LGBTI+, pois tem demostrado uma tendência a um significativo aumento de crime
de ódio nas últimas duas décadas, pois é habitado por uma sociedade LGBTfóbica estrutural.
162
Consideram Santos e Bernardes (2008) que a homofobia é concernente a sentimentos
negativos a gays e lésbicas, ao passo que o heterossexismo se pauta no amor entre homem e
mulher, no caso, heterossexual, como única forma possível de vivenciá-lo. Neste sentido, ela pode
ser encontrada de forma interna ou externa à pessoa, de modo que, quando internalizada, como
forma de negação da própria sexualidade pelo homossexual, pode levá-lo a agredir outros
homossexuais ou mesmo a adoecer por não poderem viver abertamente sua sexualidade,
consideram Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), a partir de estudos apresentados por César et al.
(2015), todavia, consideram Perucchi, Brandão e Viera (2014) que assumir a homossexualidade
homossexualidade, pode ser inibida por sentimentos de desvalia, desconforto, bem como ameaças
outras tantas, podem ser sentidas por meio da manifestação inesperada de um afeto abrasador,
vivenciado por quem o sente, de forma conflituosa e proibitiva, assim, projetando, no outro o
desprezo e a violência, como forma de representação de seu próprio conflito interno com sua
Para Marinho et al. (2004), no contexto brasileiro, a homofobia pode ser enquadrada em
e, a segunda, sutil, discreta, subtendida, observam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b). Sendo
163
que na homofobia sutil como dizem os autores, ou sub-reptícia como aqui se prefere chamar, dado
que ela é velada, ao se falar em igualdade e tolerância, o preconceito pode estar presente, mas de
forma não declarada. Ao passo na homofobia declarada, o preconceito está estampado e dito
claramente de tal modo que é possível observá-lo se fazendo presente sem tentativas de disfarce a
sobre algo ou alguém e pode, em suas variadas formas de manifestação e violência, levar a
discriminação, negando o direito dos outros, e inclusive ceifar vidas, pontuam Araujo, Benincasa
e Frugoli (2022b). E, quando se trata de homofobia, assegura Costa (1944/1992) que para muitas
pessoas isto equivale a uma violência impossível de se suportar. E ressalta ainda que, com
frequência, em alguns depoimentos dos quais ele analisa, o mal-estar é característico e evidente
Poucas vezes a maioria heteroerótica é capaz de identificar-se com essa posição e pensar
imaginativo de supor como seria a vida de alguém que, malgrado sua vontade, fosse
permanentemente obrigado a ser reconhecido por sua preferência erótica e não por outras
qualidades pessoais que quisesse ver apreciadas e respeitadas pelos outros. No entanto seria
tivessem que conviver com a exposição pública de alguma de suas tendencias sexuais,
1944/1992, p. 37).
Nesta perspectiva, esclarece Lima (2020) ao citar Tavares (2010) que o sofrimento de gays
e lésbicas procede na angústia que carregam, cotidianamente, em suas vidas e no mal-estar de sua
164
adversidade pessoal, além da culpa de sofrer em uma coletividade que concebe o sofrimento como
algo inaceitável e necessário de ser evitado, silenciado e medicado, pois é tido como patológico e
disfuncional.
se referir a um terceiro sexo, de modo que se trataria de uma disposição inata. Entretanto, de outro
lado, havia compreendesse a homossexualidade como perversão, sendo ela adquirida, aversiva e
Observa Brígido (2020) que nunca na história houve tão numerosas, intensas e seriadas
barbáries cometidas contra as pessoas como no século XX e, esclarece que por barbáries há de se
compreender toda forma de atitudes cruéis e desumanas em prol do sofrimento determinado das
pessoas. Lembra MacRae (2018a) que mesmo após a relativa libertação da homossexualidade dos
normas religiosas, até os dias atuais estas pessoas sofrem sansões sociais, como depreciação,
ironias, chacotas, degradação, exclusão, perseguição policial e prisão para investigação, fora as
invasões nos bares para provocar o esvaziamento nestes pontos de encontros e o medo nesta
lésbicas contra a homofobia e a lesbofobia e pelo direito à vida, causando contínuo sofrimento
nestas pessoas.
Neste ângulo, observam Baracat et al. (2020) que quando o sofrimento é muito intenso e
reprimido vem as invasões dos pensamentos de morte como única forma de dar fim a vivência
traumática, minando a consciência e levando a pessoa a se matar. Explicam Baracat et al. (2020)
que isto ocorre, pois, quando a consciência é minada a pessoa não consegue mais racionar com
165
apenas encontra alívio em outra forma de sofrimento, no caso no ato de tirar a própria vida. E,
assim, não raras vezes, o suicídio toma conta e ceifa muitas vidas.
Uma vez que o suicídio é produzido por vários atores (econômico, racial, social,
psicológico, biológico, de gênero, cultural, dentre outros) ele se encontra diretamente vinculado
na relação do indivíduo com o meio em que vive e se trata de um problema coletivo e não apenas
individual como a priori pode parecer, pois que as reverberações vão para além de quem comete o
Para Hillman (1926/2011) o suicídio é o problema mais alarmante da vida, mas não é
apenas um problema de vida, mas de vida e de morte e, a morte, precisa ser considerada como uma
realidade psíquica advinda de sofrimento, de modo que não o sofrimento não deve ser negado e
nem mesmo o desejo de morte do indivíduo, pois, de outra forma, a morte se lançará sobre o sujeito
De acordo com Cassorla (1991, citado por Ortiz; Bogo & Navasconi, 2020, p. 168) o
suicídio se dá em consonância a uma série de agentes que vão se aglomerando na vida da pessoa,
sendo eles, “fatores constitucionais até fatores sociais, ambientais, culturais, biológicos e
psicológicos [...] e o que se chama de “causa” é geralmente, o elo final dessa cadeia”. No que diz
respeito às cobranças sociais, de acordo com Carloto (2005, citado por Ortiz, Bogo & Navasconi,
2020) são normas estabelecidas socialmente indiferentes ao desejo e às disposições das pessoas,
pautadas em bases sexistas, classistas e raciais e a maneira como cada um lidará com estas regras,
dependerá de sua própria sobrevivência como sexo, raça e classe. Explicam Ortiz, Bogo e
Navasconi (2020) que isto implicará, invariavelmente, em sofrimento para as pessoas que não se
166
adequarem as regras impostas, podendo, muitas delas, não suportarem e acabarem enxergando o
Ortiz, Bogo e Navasconi (2020, p. 167) ao olharem para o suicídio do ponto de vista de
LGBT que sofre homofobia e são vítimas, portanto, de sofrimento, consideram que se trata de um
fenômeno denso que envolve diversos fatores como individual, psicológico, cultural, biológico,
dentre outros. Relatam ainda que as pesquisas assinalam que LGBTTs 46 podem se suicidar de 2 a
7 vezes a mais que pessoas heterossexuais e que “[...] e jovens LGBT pensam três vezes mais em
suicídio que jovens heterossexuais e têm cinco vezes mais chances de tentar de fato o suicídio”.
E, para que se tenha uma compreensão ainda mais ampla e profunda acerca do sofrimento
de gays e lésbicas, relatam ainda Jorge e Travassos (2021) que o Irã é um país em que considera a
homossexualidade enquanto crime e consideram a morte como uma das formas de punição para
homossexuais no país, mas uma reportagem feita em 2014 revelou que, para escapar da
pena de morte no Irã, gays e lésbicas deveriam se submeter à cirurgia de mudança de sexo:
a homossexualidade é crime, mas o clérigo aceita a ideia de que alguém “tenha a alma
encerrada num corpo do sexo errado”. A orientação seguida pelos médicos prevê que
ao clérigo são incentivados a fortalecer sua fé. Segundo informações não oficiais fornecidas
por um médico à reportagem, só ele realiza mais de 200 cirurgias de transgenitalização por
46
Sigla utilizada para se referir a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis (Santos, 2020; Silva, 2020).
167
Não há dúvidas que a homofobia manifesta por meio da violência, preconceito e/ou
inclusive, como um significativo fator de risco para ideação e consumação do suicídio. (Nagafuchi,
sofrimento e uma angústia com a qual se vive de maneira continua e ininterrupta. E ponderam os
autores que
[...] o alto índice de suicídio em Jovens LGBTTs vem aumentando, justamente por ser um
como questões individuais, sociais, econômicas, psicológicas, biológicas, bem como por
vivenciarmos em uma sociedade capitalista e LGBTfobica, haja vista que, que a pessoa
sofre não por sua orientação sexual, mas sim pelo preconceito da sociedade, pois estamos
inseridos numa sociedade em que heterossexualidade deve ser vista como padrão para
Pereira (2017, p. 10), esclarece que a violência manifestada por meio da homofobia, de
acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002, citado por Sacramento &
Rezende, 2006), refere-se ao “[...] uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou
efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem
ou privações”.
De acordo com Pereira (2017) o homem existe a partir da relação que estabelece com o
mundo e não pode existir fora dele, pois os dois estão constante interação. Neste sentido, a
168
suas ações e escolhas. Assim, como consequência do sofrimento incutido nestas pessoas, muitas
não suportam e acabam sendo levadas ao suicídio e isto é considerado um crime de ódio, o qual
produz sequelas para toda a sociedade que jamais poderão ser reparadas dada a gravidade de suas
consequências. Relativo a isto, Alves e Moniz (2014), declaram que constantemente podemos
grupos religiosos que declaram publicamente a sua posição homofóbica, psicólogos que
declaram que tem a cura, policiais inescrupulosos que consideram os homossexuais como
matam, acreditando que estão livrando a sociedade de uma praga [...]. (Alves & Moniz,
2014, p. 5).
Observam Silva et al. (2015) que ainda na atualidade, comumente, grupos religiosos
postulam a necessidade de cura dos homossexuais, mudando assim sua conduta sexual, uma vez
discriminação à estas pessoas, e constatam Alves e Moniz (2014) que os números de violência a
LGBT aumentam ano após ano e que, em 2011 e 2012, houve o seguinte índice representativo de
violência:
Em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações
ocorreu o maior número de registros, 342 denúncias. Em relação a 2011 houve um aumento
169
de 6.809 violações de direitos humanos47 contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275
suspeitos”. (Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano 2012, p. 18, citado por
No ano de 2016, os dados apresentados no Relatório do Grupo Gay da Bahia - GGB de 2016
[...] suicídios de 26 pessoas LGBT, sendo 21 gays, 3 lésbicas e 2 trans, liderando São Paulo
com 8 ocorrências e MG, MS e BA com três casos em cada estado, suas idades variando
de 17 a 61 anos, seis dos quais entre 20-26 anos. A maioria dos suicidas ingeriu remédios
ou se lançou de viadutos ou prédios altos, como solução final para escapar do inferno em
que viviam devido ao preconceito e discriminação. (GGB, 2017, p. 5, Pereira, 2017, p. 15-
16).
Para além do preconceito à que a população LGBTQIA+ como um todo (lésbicas, gays,
de gênero (Silva, 2020; Santos 2021; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b) é alvo, relatam Araujo,
Benincasa e Frugoli (2022b), há ainda os estereótipos que lhes são atribuídos em função de sua
orientação sexual (orientação sexual ou orientação do desejo sexual diz respeito ao interesse
afetivo/sexual de uma pessoa pela outra (Jesus, 2012; Silva, 2020; Araujo, Benincasa & Frugoli,
comportamentos desta população, tendo como base o senso comum, pautados em suas vestimentas
47
Para aprofundamento no assunto, ver: Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (United Nations, 1948)
- https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights.
170
e comportamentos. Os estereótipos têm como objetivo rotular e limitar pessoas ou grupos,
preconceito, o Brasil é o país que mais mata homossexuais e pessoas LGBT no mundo. E, os dados
compilados e apresentados no site Homofobia Mata (fonte fidedigna que reúne indicadores
realidade, do ponto de vista de ser o Brasil o país com a maior quantidade de registros de crimes
Pereira (2017, p. 6) observa que o Brasil é o país que possui maior índice de mortes a
que suscitam austeros danos psicológicos, em que muitas pessoas adoecem de depressão,
Observa ainda Pereira (2017) que familiares de LGBTI, também são alvo de violência, pois
são socialmente vistos como culpados e negligentes por seus filhos serem LGBT e este preconceito
é tão forte, que estes pais se sentem naturalmente culpados e envergonhados. Pereira (2017, p. 6)
adverte que ainda outros três grupos de pessoas são alvo de violência: “[...] heterossexuais
confundidos com pessoa LGBTI, companheiros das travestis e mulheres transexuais e pessoas que
tentaram salvar uma pessoa LGBTI de situação de violência física. Todas essas pessoas são
Nesta perspectiva, salienta MacRae (2018a) que as lésbicas sofrem dupla repressão e
correm um risco ainda maior no que se refere a violências a elas praticadas, primeiro por serem
mulheres e depois por serem lésbicas. Estas mulheres, tomadas pelo medo e vítimas frequentes de
171
preconceito e discriminação, com o objetivo de tentarem se proteger da violência ou minimamente
reduzirem riscos, elas buscam, sempre que possível, não saírem sozinhas a noite, para bares e
lugares LGBT. E, considera ainda MacRae (2018a) que pelo fato de as mulheres lésbicas exporem
menos a sua sexualidade, acabam sendo, neste sentido, menos visíveis que os homens
homossexuais, entretanto, apesar disto, são alvo de homofobia frequente e em diversos setores de
Sofrimentos e angústias são sentimentos que podem ser vividos de forma literalizada ou
reprimida pela consciência, dependendo do grau dos recursos internos que o indivíduo dispõe para
lidar com tais conteúdos (Jung, 1916/2014b). Uma das formas de literalização em LGBT do
sofrimento causado pela homofobia, é o suicídio, mas também há outras formas, como a
homofobia internalizada, com a negação do desejo sexual por pessoas do mesmo sexo e a projeção
de ódio nas pessoas que vivem esta forma de sexualidade proibida para si, o medo de manifestação
De acordo com Barbosa e Medeiros (2018, citado por Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020) ao
saírem “do armário” as pessoas LGBT tornam-se visíveis e vulneráveis a inúmeras formas de
LGBTfobia, sendo atravessadas pelas mais diversas formas de violência. E estes fatores podem
Teixeira-Filho e Rondini (2012), citado por Ortiz, Bogo e Navasconi, 2020, assinalam a
negativos na vida destas pessoas que sofrem preconceito e, dentre outros aspectos, os autores
apontam
172
[...] a própria negação de sua homossexualidade para si próprio e para a sociedade, por
medo de ser julgado; a mudança é algo comum, em um primeiro momento negam e tentam
fazer algo bom para que a sociedade o aceite; uma visão muito negativa de si mesmo;
desprezo ao público LGBT por serem assumidos a sociedade; a visão de que a homofobia
pode ser algo aceitável e não grave; preconceitos com outros grupos que também são
sua sexualidade ao ponto de se casar com alguém do outro sexo para provar para a
sociedade que não é homossexual, enganando a si mesmo; práticas íntimas não seguras;
uso excessivo de alimentos ou de drogas ilícitas. (Teixeira-Filho; Rondini, 2012, citado por
dentre outros, gera forte sofrimento nas pessoas, uma vez que ser amado, aceito, valorizado, sentir-
se seguro e protegido, fazem parte de processos cruciais para a constituição do ser humano,
saudável tão qual a heterossexualidade o é e, nesta afirmação, não consideram que, pelo uso do
homossexuais, provocando uma ferida aberta há que não se cicatriza, pois há sempre forças
173
contrárias buscando, por meio do preconceito, denegrir e depreciar estas pessoas, negando-lhes a
De acordo com MacRae (2018a) citando Bernadet (1982), o sofrimento de gays e lésbicas,
dado o nível de agressão a que se encontram diariamente expostos, é tão grande que, aos pedaços,
já não seduzem, não são modelos atrativos e menos ainda vistos e reconhecidos em sua
potencialidade e totalidade de se ser humano. E, diante disto, já não buscam existir, mas lutam
necessariamente aceitos, mas querem ser respeitados como qualquer outro ser humano que tem
este direito.
O preconceito a LGBT, afirmam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) desencadeia riscos para
a saúde mental desta população, interferindo em sua saúde emocional e física. Quando ocorre o
adoecimento físico é porque a dor já está além do emocional, manifestando-se no corpo (Goswami,
2004/2006; Ramos, 2006). De acordo com Jung (1916/2014b), quando isto ocorre é porque foram
se em forma de medo, angústia, pânico, negação de si mesmo etc., pois, conforme Jung (citado por
Ramos, 2006), quando ocorre um funcionamento inadequado da psique isto pode levar a
incontáveis danos ao corpo, do mesmo modo que, inversamente, um sofrimento corporal pode
afetar a psique, dado que psique e corpo não estão separados, mas são animados por uma mesma
vida. Nesta circunstância, raramente a doença corporal não revelará em complicações psíquicas,
mesmo quando não seja psiquicamente causada. E vice-versa. Para se compreender o ser humano
em sua totalidade, é preciso olhá-lo de maneira integral, considerando que ele possui psique e
174
A proposta de Jung, de uma visão integral do ser humano, teve importante contribuição no
campo da psicossomática, a qual, de acordo com Ramos (2006), ao citar Lipwiski (1894) é:
que ela implica uma visão do ser humano como uma totalidade, um complexo mente-corpo
imerso num ambiente social. (Lipowiski, 1984, citado por Ramos, 2006, p. 47).
Tendo por base seus estudos empíricos, mais especificamente a associação de palavras
utilizadas em pacientes histéricos, foi-lhe possível observar que esses pacientes desenvolviam uma
o que lhe permitiu concluir que os sintomas tinham origem nos complexos, levando as pessoas ao
integridade. Nesta perspectiva, tornou-se possível dizer que toda doença é psicossomática,
Em vista disto, Jung concebe que os sintomas ou a doença são formas de expressões dos
complexos, resultando de conflitos entre o ego e o inconsciente. Em seus escritos declara que “Os
sintomas físicos e psíquicos não são mais do que manifestações simbólicas de complexos
doença.
De acordo com Jung (1954/2013d), os complexos são núcleos formados por experiências
afetivas (que nos afetam) e que atraem para si, como um imã, experiências semelhantes. Dão
estamos sendo traídos, tudo o que acontece só vai provar que estamos mesmo sendo traídos.
Inconscientes, fazem com que venhamos a dar sempre as mesmas respostas às diferentes situações.
175
Os complexos tendem a se manifestar de forma projetadas, como objetos externos e não
pertencentes ao “eu” e esta projeção se faz sentir por uma forte carga de afeto (afetação emocional).
Nossa reação é determinada pelo afeto, de modo que somos incapazes de reagir adequadamente
em relação a uma ·pessoa ou situação; não conseguimos nem aceitar, nem modificar, nem
causando doença. Nós não temos os complexos, mas são os complexos que nos tem, de modo que
uma pessoa tomada por um complexo pode adoecer vindo até mesmo a morrer.
Hoje em dia todo mundo sabe que as pessoas têm complexos. Mas o que não é bem
conhecido e, embora seja de maior importância é o que os complexos podem nos ter […].
que por detrás de cada adoecimento existe um conflito e a doença é a forma de expressão desse
conflito (Jung, 1954/2013b; Ramos, 2006). A doença é uma produção da psique para falar de algo
que coletivamente é vivido como um padrão saudável. Quanto mais um sujeito está preso a um
padrão que ele considera como saudável, mais os outros padrões podem ser vividos como doença,
Sustenta Ramos (2006, p. 77) que “toda e qualquer doença é um símbolo, o qual revela
uma disfunção no eixo ego-Self”48. A doença é vista como tentativa da psique de reintegrar
48
Conforme Jung (1967/2013a), trata-se do equilíbrio entre o mundo externo e o interno.
176
Ramos (2006) observa que as expressões do fenômeno psique-corpo e suas alterações
compreensão ampla da doença. Sob este ponto de vista, o corpo é a visibilidade da alma, da psique
físicos são retratos simbólicos do complexo patológico (Jung, 1906/2011a) e, compreender estes
Para Jacobi (1957/1995), símbolo vem de Symbolon, palavra formada a partir do verbo
grego symballo, que admite diversas definições e interpretações, no entanto, todas convergem para
o ponto em que designam algo que, por trás da acepção objetiva e visível, ocultam um sentido
invisível e mais profundo. Explica Jung (1964/2008) que o símbolo é mediador e busca unificar a
consciência e o inconsciente.
O símbolo indica algo que está por detrás do que a consciência percebe e o responsável por
Não diferente do que era na antiguidade, o corpo continua sendo o lugar do mal, só
que não mais açoitado com chicotes e, sim, martirizado de outras formas, sendo, por
Para o cristianismo, o corpo sempre teve uma característica de fé; é o corpo crucificado,
glorificado e que é comungado por todos os cristãos. Como sabemos, as técnicas coercitivas
Santo Ofício (a Inquisição – oficializada pelo papa Gregório IX), o autoflagelo marcam a
177
Idade Média. A Inquisição, inicialmente com o intuito de salvar a alma aos hereges, passou
a empregar, mais tarde, a tortura e a fogueira como forma de punição, com autorização do
Papa Inocêncio IV, em 1254. Estes eram acontecimentos e cerimónias públicas, cujo
objetivo era o de expor à população a sentença recebida pelo réu, era um verdadeiro acto
festivo assistido não só pela população, mas pelas autoridades religiosas. (Barbosa, Matos
A doença é muitas vezes uma penitência e a dor pode ser vista como um castigo, como um
demônio. Explicam Barbosa, Matos e Costa (2011) que, se por um lado o cristianismo reprimi o
corpo, de outro, o glorifica por meio do corpo sofredor de Cristo, levando a compreender, a partir
desta reflexão, que a dor do corpo era mais sublime que os prazeres, sendo, portanto, uma forma
objetificado, ele vive em crise e o resultado não difere do que se via no passado e, conforme
Barbosa, Matos e Costa (2011), com isto, parece que o modelo passado se repete e se prepondera
sobre o presente.
Como refere a historiadora Rosário (2006), citada por Barbosa, Matos e Costa (2011), o
ser humano tem-se constituído numa duplicidade que só se consegue perceber em posições
distintas: corpo e alma, razão e emoção, feminino e masculino, construindo o sentido dos seus
corpos numa lógica de produção, economia, mercado, consumo, que têm regido a sociedade
ocidental (desde a diferenciação sexual no século XVIII). Daí instituir-se um corpo sexual e
demasia o espaço sedutor (feminino). Neste processo, a começar pela repressão imposta na Idade
Média, todos os mecanismos instituídos pelo poder que reprimem o corpo, parecem, por seu lado,
178
E, sob este ponto de vista, o resultado é bastante semelhante ao que era no passado. Toda
crise convida a uma retomada de consciência, pois, cada escolha que fazemos, ela nos faz. Com
isto, não se pode simplesmente servir aos outros sem um propósito, ser apenas servos, há de ser
servos conscientes ao que se está servindo, ter-se um objetivo de vida, com possibilidade de se
sentir feliz em alguns momentos e infeliz em outros, eficiente e ineficiente, crente e descrente,
decidido e indeciso, enfim, é preciso se permitir viver todas as possibilidades, não só uma coisa e
nem só a outra, do contrário, permitindo-se viver apenas um lado sem espaço para que o outro se
o sintoma ou a doença como forma de expressão da psique, sinalizando que algo está desajuste
interno. Para que se tenha o sintoma, é necessário que haja um estilo dominante na consciência e
uma cisão. A cisão ocorre quando se começa a desagregar (ou é isto ou é aquilo, quero ou não
quero) e o estilo que ganha é o que vai para a consciência, sendo assombrado pelo que ficou na
inconsciência. O ideal é que esses estilos troquem de posição, estejam harmonizados e não
polarizados, podendo ora ser um e ora o outro a prevalecer, a escolher, sem precisamente se ter
uma rigidez, um determinado padrão a se seguir, pois, de outra forma, virará sintoma. É a
intensidade que promove a cisão e faz o sintoma e, se isso acontece, para restabelecer a saúde, o
padrão dominante tem que descer ao inconsciente, recuperar o que aparentemente não tinha valor
e subir de volta a consciência, sendo outro padrão agora, não mais o que estava na consciência e
Somos compostos por pares de opostos como luz e sombra, amor e poder, bem e mal e,
179
saúde e de resgatar o amor-próprio, o que estava perdido ou adoecido. O literalismo é suicida, mata
todos os outros sentidos. A literalidade implica em perda da capacidade simbólica, o que significa
apresentando-se de diversas formas, de modo que om corpo, por meio de sintomas e doenças,
busca se expressar e ser ouvido. A psique cria a partir da interpretação e são os complexos que
interpretam, de modo que para se encontrar a cura, é preciso ressignificar o complexo (Jung,
1959/2014a).
[…] O sintoma é como que o broto que surge na superfície da terra, mas a planta mesma
neurose, a terra nutriz dos complexos, dos sintomas e dos sonhos. Temos boas razões,
inclusive, para supor que os sonhos refletem com fidelidade os processos subterrâneos da
O sintoma, para Jung (1959/2014a), pode indicar muitas vezes uma cr ise de
individuação, dado que esta é a busca do sentido da vida e, todo processo evolutivo acontece a
partir da crise, sem a qual não há como evoluir. A crise surge como possibilidade de mudança e,
para que esta mudança ocorra, é necessário se desassemelhar (deixar de ser semelhante, se
diferenciar) do outro, ser quem de fato se é, conhecendo e sempre que possível integrando seus
opostos, surgindo um novo elemento, sem crise não ocorre a transformação e, nesse processo o
180
Ego precisa estar consciente e colaborativo para que não haja dor e sofrimento, mas, sim,
Nesse sentido, Jung (1959/2014b) sugere que todo sintoma ou fenômeno de crise que
mobiliza um indivíduo, vem como possibilidade de tomada de consciência. E, acerca disto, acentua
Goswami (2004/2006, p. 54), que “a doença é um distúrbio objetivo do organismo que pode ser
diagnosticada por máquinas, por exames adequados, sobre a qual especialistas podem formar um
dos homossexuais, pelas implicações sociais com sua sexualidade, pode encontrar lugar de
adoecer por não poder viver abertamente sua sexualidade. Salles e Melo (2011, p. 32) explicam
de se sentir confortável como gay pode ser constantemente ameaçada pelos sentimentos de
181
Para Garcia e Coutinho (2004), vivemos uma sociedade que produz sofrimento, que preza
satisfação dos desejos pessoais, o que usualmente, e de forma contraditória, tem como
como se sentem gays e lésbicas frente aos seus direitos subtraídos de uma vida digna, aos seus
desejos que lhe são condenados, aos seus amores que lhe são proibidos de serem vividos, às suas
vidas que lhes são extirpadas de forma violenta, tanto psíquica como fisicamente.
Em resposta ao sofrimento a que são vítimas gays e lésbicas, muitas são as doenças que
podem se manifestar em seus corpos e mentes, influenciando em suas vidas e muitas vezes
paralisando-os.
Explica Jung (1961/2015a) que o ser humano está em desenvolvimento por toda a vida, o
qual só termina com a morte e, esse desenvolvimento sofre influências de fatores internos e
externos. Staude (citado por Moreira, 2015) reforça esse pensamento elucidando que “[...] a
importantes, tais como [...] traumas muito fortes e doenças muito graves, depressão ou
prosperidade.” E, especificamente sobre a depressão, esclarece Isay (1998, p. 15), que ela “é
causada pela sensação de não autenticidade gerada pelo esforço em dissimular” e, assumir-se
[...] pensamos que o lugar que a liberdade ocupa no laço social contemporâneo produz uma
nova versão individualista, marcada sobretudo pelo mal-estar associado à errância à qual
errante, sem amarras e à deriva, como paradigmática dos novos contornos que o
182
se em uma modalidade de sofrimento psíquico, associado a uma situação de insegurança
restrições. Nossa suposição, referendada pela escuta clínica, é de que este estado de coisas
articuladas a uma experiência de desamparo perturbadora. (Garcia & Coutinho, 2004, pp.
131-132).
Para Costa (1944/1992, p. 40) não se pode dizer às pessoas que elas têm direito a felicidade
e, em seguida, negar-lhes este direito a golpes de violência à sua humanidade. E, considera o autor
que, “Uma cultura que faz de seus pactos ‘trapos de palavras’ destrói insidiosamente seu mais
Todavia, ainda que seja assim, as palavras ditas parecem não encontrar eco em quem as
profere e, ao invés de se primar pelo direito à vida, quando se diz respeito à vida do outro, muitas
condições são colocadas e muitos questionamentos destes direitos são feitos. No caso dos
homossexuais, é exatamente isto o que ocorre e, como resposta aos seus direitos básicos enquanto
seres humanos, são vítimas diárias de homofobia, por meio de discriminação, preconceito e
todo, segue aumentando a cada ano (Baron Mussi & Serbena, 2015) e, para explicitar esta
183
4.4.1 Dados de Violência contra LGBT no Brasil
estudo divulgado em 2013, pela International Lesbian Gay Bissexual Trans and Intersex
Association (ILGA)50, acerca da conjuntura mundial de LGBT com relação à validade da legislação
Dos 76 países nos quais uma orientação sexual ou identidade de gênero discordante da
norma é considerada crime passível de punição — dentre elas prisão, exílio, linchamento
público e morte —, apenas dois deixaram de integrar a lista: Moçambique (em 2015) e
Não obstante a isto, Jorge e Travassos (2021), relatam uma reportagem publicada pela
[...] batidas policiais e prisões secretas, em que homossexuais são espancados e torturados
até a morte. O governo checheno negou as acusações e, para surpresa geral, repetindo o
que o presidente russo já afirmara em outra ocasião, declarou que naquela república
como mentirosos os relatos sobre a detenção. (Jorge & Travassos, 2021, p. 26).
Esclarecem Jorge e Travassos (2021) que para além do desejo e da tentativa de se eliminar
as pessoas que são homossexuais ou mesmo de se dizer que estas pessoas não existem, o que se
49
Gays e lésbicas.
50
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais - organização comprometida com o
avanço dos direitos humanos para todas as pessoas. Atuante nesta causa, compõe a agenda das Nações Unidas na
participação de eventos importantes na visibilidade LGBT – www.ilga.org.
51
BBC News Brasil - https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39603792.
184
busca é negar a homossexualidade, negando, como consequência, a existência do homossexual,
invisibilizando-o a qualquer custo e a qualquer preço, ainda que estas ações custem dor, sofrimento
Neste sentido, pondera Brígido (2020) que os seres humanos possuem predisposição a
eliminar uns aos outros enquanto forma de atender a satisfação de suas tendências egoístas e, para
atingir seus objetivos, buscam eliminar aqueles que representam o espelhamento de seus desejos
negados e reprimidos. Todavia, quando estes mesmos seres humanos se agrupam, na busca de
viverem em civilidade, necessitam, inevitavelmente renunciar às inclinações egoístas, uma vez que
viver em sociedade pressupõe a possibilidade de múltiplas formas de viver, mas, pela frustração
que sentem em ver o outro viver aquilo que negam como possibilidade de vida para si, buscam
destruir este outro, como forma inconsciente de destruir em si aquilo que não suportam ou que, de
Embasados nas notificações do Portal Vermelho (2014), postulam Baron Mussi e Serbena
(2015, p. 41) que “nos últimos anos as denúncias relacionadas à homofobia cresceram 460% e que
a cada hora pelo menos um homossexual é vítima de violência e o Brasil é o país com maior
número de assassinatos de travestis e transexuais”. E, para além disto, ainda apresentando dados
informam que
pelo Grupo Gay da Bahia, documentou a morte de 326 gays, lésbicas e travestis, sendo 9
suicídios, o que reflete um assassinato a cada 27 horas (Grupo Gay da Bahia, 2015). (Baron
185
A fim de que se compreenda a gravidade da situação de violência desencadeada pela
homofobia, outras fontes fidedignas reportaram seus dados, dentre elas, a Secretaria Nacional de
Direitos Humanos (Assunção, 2015), que de acordo com “[...] suas estatísticas com base no Disque
100 - Disque Direitos Humanos, registrou 1.013 denúncias relacionadas à homofobia em 2014 e
Os dados apontados pelo Disque 100, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b),
revelam ainda que, desencadeados pela homofobia, por homicídios e suicídios, cerca de um
homossexual perde sua vida a cada 20 horas no Brasil, sendo que aproximadamente 70% dos casos
de mortes à LGBTs ficam impunes e muitas não devidamente notificadas, mas, sim,
invisibilizadas.
Para além disto, as estatísticas apresentadas em Homofobia Mata, evidenciam que o Brasil,
entre os anos de 2011 e 2018, concentrou um número maior que 2.700 assassinatos homofóbicos
ou transfóbicos, sendo que, apenas em 2017 houve 445 gays, lésbicas e travestis assassinados, em
grande parte, com aparecimentos de mortes com crueldade e, no ano de 2018, de acordo com os
dados exibidos no relatório Homofobia Mata (2017) e pelo Grupo Gay da Bahia (2018), houve
420 mortes violentas de LGBT+ no Brasil, conforme pode-se observar nas informações constantes
nas figuras que seguem, baseadas em dados reais e recentes, advindos de fontes fidedignas em suas
informações reportadas.
186
Figura 1
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 23.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 2
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 23.
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187
Figura 3
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 24.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 4
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 24.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia.
188
Figura 5
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 25.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 6
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 25.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
189
Figura 7
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 26.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 8
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 26.
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190
Figura 9
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 27.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 10
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 28.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
191
Figura 11
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 29.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
A partir de dados divulgados pelo site Homofobia Mata, sobre homofobia seguida de
mortes violentas a homossexuais, fornecidos pelo Grupo Gay da Bahia, conforme Araujo,
Benincasa e Frugoli (2022b), foram apresentados importantes indicadores que demostram pessoas
LGBT mortas no Brasil, por ano, segmento, faixa etária, cor, causa da morte, permitindo-nos
refletir acerca da violência, seu alcance e consequências na vida destas pessoas. Pessoas LGBT,
192
Figura 12
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 30.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 13
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 31.
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193
Figura 14
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 32.
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Figura 15
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 33.
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194
Figura 16
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 34.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 17
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 35.
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195
Figura 18
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 36.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 19
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 37.
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196
Figura 20
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 38.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 21
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 39.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
197
Figura 22
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 40.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
fruto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2021), conforme Araujo, Benincasa e
Frugoli (2022b) que a carência de dados é um problema significativo para que os dados reais sejam
apurados e apresentados e esta lacuna poderia preenchida a partir da inclusão das questões de
identidade de gênero e orientação sexual no próximo censo, bem como registro de boletins de
ocorrência. Estas ações poderão facilitar inclusive para que LGBTQI+ venham a compor as
população LGBTQIA+, como o Disque 100, que encaminha denúncias contra os direitos humanos.
E, de 2011 a 2018, notificou, por meio do Atlas da Violência 2020, de acordo com Araujo,
198
Figura 23
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 42.
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Figura 24
Lesão Corporal à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 - Brasil
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 43.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
199
Figura 25
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 44.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
A partir destes indicadores é possível, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b)
observar que o Brasil se compõe de homofobia diária que desencadeia em agressões e mortes de
LGBTQIA+.
(2022b):
200
Figura 26
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 45.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 27
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 46.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
201
Figura 28
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 47.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 29
SINAN
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 48.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
202
Figura 30
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 49.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 31
SINAN
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 50.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
203
De acordo com indicadores trazidos pelo site Homofobia Mata – HM (2017 e 2018) e pelo
Grupo Gay da Bahia – GGB (2018), segundo Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), que houve um
Figura 32
LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – fonte: site Homofobia Mata (dados de 2017 e 2018) e
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2., 2022, p. 51.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
A partir destes dados é possível inferir ter havido uma redução de 5,62% de 2018 para
2017, entretanto, há de se considerar o que possa ter influenciado para baixa destes indicativos, o
204
Figura 33
LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Perfil das Vítimas – fonte: site Homofobia Mata (dados
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 52.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Com base nestas informações, observam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) que o foco
último, a heterossexuais, que podem ter sido confundidos com LGBT. Somado a isto, 2018
Há ainda indicadores de mortes a LGBT por idade, trazidos pelo Site Homofobia Mata,
que podem ser correlacionados as informações do Grupo Gay da Bahia, de 2017 e 2018, de que o
maior índice de assassinatos se deu na idade entre 18 e 25 anos. No que se refere as demais idades,
as duas fontes apresentam distanciamento nas informações e, precisamente, com relação a idade
de 40 anos, não é possível fazer a correlação das duas fontes, pois, Homofobia Mata não reuniu
205
Figura 34
LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Idade – fonte: site Homofobia Mata (dados de 2017 e
Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 53.
https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia
Figura 35
Crimes de ódio – número de mortes violentas de LGBTI+ no Brasil entre 2000 e 2021 – fonte
https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/orgulho-lgbt/junho-2022/?gclid=Cj0KCQiA
maibBhCAARIsAKUlaKT408-F5dGB6vwDloz1ACZ_vRg4PVknoFEqVtyNOAua_G2DhOM8
f-UaAknmEALw_wcB
206
Para Vasconcelos (2019), conforme observam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), a
suas vítimas por diversas feridas, que vão de lesões físicas e/ou emocionais, silenciamentos a
assassinatos.
LGBTI, dentre elas pessoas trans e travestis, avalia que um problema significativo que as pessoas
que são transgêneras, assim as militâncias se deparam, é o fato de que os crimes advindos de
homofobia e/ou transfobia são subnotificados. E, enfatiza que isto se torna ainda mais grave,
considerando-se que:
[...] há no país uma única delegacia especializada em crimes contra LGBTI, a Delegacia de
que criminalize não há, mas há outras leis que começam a conter esses tipos de violência,
como exemplo: a Lei Federal Maria da Penha (Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006), a
Lei do Governo do Estado do Rio de Janeiro Contra a Discriminação LGBT (Lei nº 7.041,
Todavia, quando está inserida em uma sociedade desigual, que valoriza a heterossexualidade a
qualquer outra forma de expressão da sexualidade, e que busca deslegitimar os direitos daqueles
homofobia que poderá chegar a implicações graves, como sofrimento psíquico, físico e até mesmo
207
morte, advindas de assassinatos ou de suicídio por não suportarem o sofrimento a que são expostas
na exclusão de pessoas, devido a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, estigmatizando-
pessoas.
Pondera Pereira (2017) que frente a tanto sofrimento e impossibilidade de viver a vida de
forma íntegra, a invisibilidade deve ser um caminho para a maioria das pessoas que tem como
corpo, ela vai para o mundo quando as pessoas se expressão e se tornam visíveis e neste momento
os riscos são maiores, porque a homofobia pode se manifestar contra elas. Quando falamos então
da identidade de gênero, é ainda mais complexa a tentativa de invisibilizar, pois ela é não tem
como esconder, está expressa no corpo, na voz, nas cirurgias corretivas, assim como sua expressão
de gênero, que são evidenciadas nas pessoas trans no princípio da transição de gênero. Isto nos
leva a inferir o porquê de as pessoas trans e travestis serem a maioria a sofrerem violência, por não
Observam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que é por meio das relações sociais que a
construção de gêneros ocorre, de modo que as pessoas se constroem a partir de suas relações com
as demais. E, neste ângulo, o gênero está para além dos papéis de masculinos e femininos
questões de poder, isto é, aos papéis sociais determinados socialmente a homens e mulheres e que
208
produzirão a forma de se relacionar uns com os outros. Observam ainda Ortiz, Bogo e Navasconi
(2020) que:
[...] é nas relações interpessoais que passa-se a construir categorias de diferenciação entre
encontramos relações de poder, posto que, socialmente é produzido discursos que nos
fazem crer que essas diferenças seriam inatas, ou seja, que mulheres seriam mais emotivas
e homens mais agressivos, e assim passa-se a construir estereótipos e signos que passarão
Para Costa (1944/1992, p. 52), neste contexto de busca pela coerção da humanidade e da
sexualidade das pessoas “[...] o sono da repressão produz monstros. [...]. O desejo amoroso torna-
se uma verdadeira descida aos infernos. As personagens vivem uma atmosfera de aflição e
desespero que só o assassinato e o suicídio vêm remediar”. Pondera Costa (1944/1992) que para
[...] ser ou não ser homossexual é uma questão mais aflitiva ou mais vital que a de ser ou
não ser herege, ser ou não ser religioso, ser ou não revolucionário, ser ou não ser corrupto,
ser ou não ser oportunista e mesquinho, ser ou não ser generoso e tolerante para o outro
etc.”. Isto evidencia o sofrimento que ser homossexual manifesta nas pessoas. (Costa,
1944/1992, p. 90).
Nesta mesma direção, observam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020), citando Rodrigues (2010)
que, devido a homossexualidade ter um passado histórico contextualizado como doença mental,
sendo, portanto, algo que se tornou herança da humanidade e está presente no inconsciente coletivo
(Jung, 1964/2013c), descobrir-se homossexual pode causar na pessoa inúmeros sofrimentos, não
porque se identificam e se percebem como doentes, mas porque vivem em uma sociedade
209
heteronormativa que valida a heterossexualidade como única forma possível de manifestação da
padrões esperados.
discriminação que lhes é infringido. Elas se sentem culpadas por sua sexualidade diferente da
heteronormativa, sentem-se como se tivesse algo errado com elas, deprimem, ficam ansiosas,
nervosas, desenvolvem fobias sociais, sofrem de falta de perspectiva na vida, tentam tirar a própria
vida, dentre outras formas de sofrimento que lhes abate e lhes tira o direito à uma vida digna.
os contextos: familiar, social, profissional, educacional, saúde, religioso, político, dentre outros,
Neste lugar de discriminação, preconceito e exclusão, Macedo (2017, p. 34) questiona “[...]
configurar em um elemento causador de sofrimento para o homem que se encontra frente a esta
questão”.
ainda o são, discriminados e excluídos, sendo, portanto, fundamental a reinclusão social destas
pessoas, para que elas, assim como as demais, possam usufruir dos mesmos direitos de cidadania
De acordo com Frugoli e Tanizaka (2019), dado a violência a que os homossexuais são
alvo, eles necessitam de cuidados e intervenções para sejam reinseridos socialmente, ocupe o lugar
210
Para que estas pessoas que foram segregadas sejam reinseridas e ocupem um lugar que lhes
foi tirado e que era delas por direito, conforme Pereira (2017), “[...] ainda temos muito o que
Devemos nos atentar de que compartimentar pessoas entre social e biológico fomentará uma
discussão interminável, é briga de poder entre ciências”. Definitivamente, há muito o que se fazer
E, neste sentido, gays e lésbicas, assim como a população LGBTQIA+ como um todo, tem,
incansavelmente, lutado por seus direitos de uma vida digna e contra a discriminação, apoiados
em movimentos sociais em prol da cidadania e contra a LGBTfobia (Araujo, Benincasa & Frugoli,
contra a LGBTfobia
As pessoas LGBTQIA+ há muito tempo lutam pelo direito de terem direitos, de existirem
e de terem voz em meio a tantas outras vozes que tentam silenciá-las e, nesta luta, ao longo dos
anos, esta população tem conquistado espaço, embora muito ainda se tenha por lutar e conquistar,
Em 1969, um grande evento estava para acontecer na vida de pessoas LGBT+ e marcaria
Stonewall foi um evento que, segundo Marques (2016), Quinet e Jorge (2013/2020) ocorreu
em um bar chamado Stonewall Inn, em Nova York, em 1969, o qual foi invadido por policiais em
211
ataque aos homossexuais, os quais, por sua vez, reagiram e se defenderam, iniciando-se, assim,
Stonewall foi um evento que marcou o início do movimento LGBT+ com a revolta, em 28
de junho de 1969, dos frequentadores desse night club52 de Nova York, contra os policiais
que os achacavam regularmente. Desde então, a Gay Pride, parada realizada nesta data
símbolo da luta pelos direitos LGBT+, e vários direitos foram efetivamente conquistados,
desde o registro da união civil até a autorização à adoção de filhos e a promulgação de leis
Um ano depois deste ocorrido, em 1970, uma passeata reunindo mais de 10.000
fato demarcou o Dia do Orgulho Gay, o qual passou a ser comemorado mundialmente em 28 de
junho (Gomes & Zenaide, 2009). E, como resultado deste movimento, de acordo com Quinet e
Jorge (2013/2020), o amor entre pessoas do mesmo sexo conquistou seu direito de existir.
Foi neste mesmo cenário que as organizações de ativistas gays e lésbicas, convencidos de
ao estigma social, decidiram invadir, nos anos de 1970 e 1971, as reuniões realizadas anualmente
52
Bar noturno.
53
Ainda que tenha cada letra que compõe a sigla LGBT tenha uma forma específica de se referir à violência,
preconceito e discriminação sofridos (L = lesbofobia; G = gayfobia ou homofobia; B = bifobia; T = transfobia),
comumente encontraremos autores se referindo a todas a estas formas de violência, preconceito e discriminação, como
homofobia.
54
American Psychiatric Association - APA (Associação Americana de Psiquiatria), sediada nos Estados Unidos, é a
principal organização profissional de psiquiatras e estudantes de psiquiatria - https://www.psychiatry.org/.
212
Em decorrência ao protesto, em 1973 a American Psychiatric Association - APA retirou a
outras organizações de saúde mental (Tavares et al., 2010; Silveira, 2011; Marques, 2016) e isto
se deu, de acordo com Quinet e Jorge (2013/2020) logo após o congresso da APA de maio deste
mesmo ano, onde Stoller56 fez uma conferência nomeada “Homossexualidade é um diagnóstico?”,
homossexualidade não preenchia os requisitos para ser enquadrada como patologia, devendo ser,
portanto, removida da nomenclatura diagnóstica que lhe foi dada e a homossexualidade, por fim,
De acordo com Tavares et al. (2010) e Silveira (2011), dois anos depois, 1975, tanto a
mesma forma.
Enquanto isso, neste início de tantas lutas, aponta Pereira (2017) um novo momento entrou
para a história em prol da luta na busca de se conquistar garantias dos direitos civis das pessoas
LGBTI57, ocorreu, na cidade de São Francisco, no ano de 1977, a vitória de Harvey Milk, primeiro
homossexual a ocupar um cargo público nos EUA. Lutou para conquistar o seu espaço e conseguiu,
todavia, um ano depois foi assassinado. O filme Milk, lançado em 2009, sob direção de Gus Van
55
No Brasil, trata-se do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, destinado a profissionais da área
da saúde mental, reunindo variadas categorias de transtornos mentais, bem como critérios para diagnosticá-los,
baseados na American Psychiatric Association – APA.
56
Robert Stoller foi um psicanalista que, em 1964, partindo de seus estudos acerca da transexualidade, criou o
conceito de identidade de gênero, segundo Maya, 2007.
57
Termo utilizado para se referir a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (Santos, 2020; Silva,
2020).
213
Os movimentos e grupos sociais envolvidos na luta em prol dos direitos de cidadania e
homossexualidade compunha o rol das patologias, iniciou-se no Brasil, em meio a ditadura militar,
em 1978, a trajetória do Movimento Homossexual Brasileiro – MHB, que viria a ser o marco das
lutas pelo reconhecimento dos direitos homossexuais e contra a homofobia (MacRae, 2018a).
LGBTQIA+58, fazendo alusão às letras que compõem a sigla e a seus respectivos movimentos
sociais. O MHB teve três onda importantes e que valem a pena destacar.
1ª: 1978, no Rio de Janeiro, foi lançado o Jornal Lampião da Esquina, voltado às minorias
que sofriam preconceito e discriminação sexual, trazendo em sua pauta assuntos como homofobia,
2ª. 1980, na Bahia, foi inaugurado o Grupo Gay da Bahia (GGB), vindo, sequencialmente,
novos grupos a existirem em consonância à luta pelo Movimento Homossexual. No ano de 1985,
o Grupo Triângulo Rosa, em parceria com o GGB, teve forte influência na despatologização da
homossexualidade pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), seguindo na luta para que outros
58
Por tratar-se de uma sigla viva, novas letras vão se somando a ela, de modo que a qualquer momento pode sofrer
nova reconfiguração.
214
Enquanto os movimentos aconteciam, novas conquistas, como consequência, se davam. E,
em 1985, foi a vez do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Psicologia retirar
substituída por orientação sexual egodistônica e, o DSM 560, recentemente, recolocou como
disforia de gênero.
sua décima revisão da CID, que a orientação sexual, seja ela heterossexual, homossexual ou
bissexual não deve ser considerada como doença e nem transtorno mental, não requerendo,
portanto, tratamento. Assim, o dia 17 de março passou a ser considerado e comemorado como o
cargo de analistas e professores, o que antes havia sido vetado, por serem considerados sujeitos
inadequados ao desempenho destas profissões, por não serem discriminados em suas condições e
práticas sexuais.
59
Classificação Internacional da Doença – 10ª. edição.
Diagnostic and Statistical Manual – 5ª. edição, também referenciado como DSM V, conforme American Psychiatric
60
215
ratificando que a homossexualidade e a bissexualidade não eram doenças ou mesmo transtornos
mentais, ficando estas desqualificadas para tratamento. (Quinet & Jorge, 2013/2020).
Ressaltam Quinet e Jorge (2013/2020) que muitas mudanças se deram neste cenário e, em
organizações de saúde mental a apoiar e solidarizar-se com o casamento entre pessoas do mesmo
sexo, o que somente anos mais tarde, em 2003 e 2005, seria feito, respectivamente, pela American
Ressaltam Quinet e Jorge (2013/2020) que muitas mudanças se deram neste cenário e, em
organizações de saúde mental a apoiar e solidarizar-se com o casamento entre pessoas do mesmo
sexo.
março de 1999, estabeleceu a Resolução n° 001 sobre as normas de conduta e atuação dos
psicólogos acerca da questão da orientação sexual, prevendo que na atuação do psicólogo não lhe
sim como uma forma de expressão possível da sexualidade humana. O CFP, no ano de 2011,
complementa Pereira (2017, p. 8), sobre as atribuições e conduta do psicólogo, ratifica que: “[...]
os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e
Nos anos de 2003 e 2004 a American Psychological Association (APA) apoiou o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, a exemplo do que foi feito em 1997, pela Associação Americana de
216
Ainda em 2004, para que se respeitasse e se protegesse a liberdade das pessoas em
psicoterapia, foi publicado o parecer 08/2004, sobre o Projeto Lei de “auxílio” a homoeróticos,
advertindo-se, inclusive, os psicólogos para a questão ética sobre o preconceito e, nesta ocasião,
da Cidadania Homossexual: Brasil Sem Homofobia” (Silveira, 2011, p. 82). A partir deste
momento, ressaltam Quinet e Jorge (2013/2020) muitos homossexuais passaram a ser assumir, o
que não antes não lhes era possível dada a situação que lhes era imposta. O que, acordo com Isay
(1998), o ato de se assumir é uma atitude de fundamental importância para os homossexuais, uma
vez que isto implica em se libertar da culpa, do sentimento de estar fazendo errado no mundo.
A partir de 2004, avanços significativos na luta contra a homofobia e pelos direitos de uma
vida digna à população LGBTQIA+ continuaram a acontecer. Houve o movimento Brasil sem
Homofobia, programa, segundo Araujo, Benincasa e Frugoli (2022c), lançado em 2004 pelo
Governo Federal e pela Sociedade Civil Organizada, tendo como objetivo extinguir a
empreender a cidadania destas pessoas, por meio da uniformidade dos direitos básicos de toda a
população (Brasil, Ministério da Saúde & Conselho Nacional de Combate à Discriminação, 2004).
vigorar a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) nos artigos 2º e 5º (Brasil, 2006) que
preconizam, respectivamente, que à todas as mulheres lhes são asseguradas viverem sem violência,
tendo sua saúde física e mental preservadas, independe da classe, ração e outras condições a que
61
GLBT – sigla utilizada para se referir a pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, vindo, posteriormente, a
ser alterada para LGBT, conforme Aguião, 2018a. Para aprofundamento, ler:
https://books.scielo.org/id/k8vc4/pdf/aguiao-9788575115152-05.pdf.
217
pertençam; que configura violência doméstica ou familiar toda agressão contra a mulher baseada
Na continuidade de lutas e conquistas, em 2010, foi instituído pelo Decreto nº 4/2010 o dia
17 de maio, Dia Nacional de Combate a Homofobia. Nesta data, no ano de 1990, ocorreu a 10ª.
de junho de 2010, declarou o dia 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia
(Brasil, 2014). Assim, o dia 17 de maio simboliza a luta pelos direitos humanos e cidadania de
LGBT.
Outro aspecto também relevante de ser apontado em 2010 é a criação do Conselho Nacional
revogado em 27 de junho de 2019 (Brasil, 2019), conforme citado por Araujo, Benincasa e Frugoli
(2022c).
Alguns anos mais tarde, mais exatamente em 2013, outra conquista se deu, o Estatuto da
Juventude (Brasil, Lei nº 12.852/2013), nos artigos 17 e 18 da Seção IV: Do Direito à Diversidade
e à Igualdade que preveem, respectivamente, que todo jovem tem direito à diversidade e não será
discriminado por raça, etnia, orientação sexual ou qualquer outra condição; que a ação do poder
pública está prevista face a qualquer agressão que fira os seus direitos. E, neste mesmo ano de
2013, a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça trouxe a garantia da união entre
Alguns anos depois, mais precisamente em 06 de outubro de 2016, observa ainda Pereira
(2017), que o CFP divulgou em seu site uma importante notícia sobre o Supremo Tribunal Federal
218
– STF declarar o Conselho Regional de Psicologia como órgão que luta e fala em nome das causas
LGBTI.
Contudo, observam Jorge e Travassos (2021) que juntamente aos avanços da conquista aos
Cabe ressaltar que poucos avanços se deram na perspectiva dos cuidados com gays e
lésbicas e, ainda que o direito à saúde seja para todos, conforme previsto e garantido na
Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), no Sistema Único de Saúde, conforme Carta dos
Direitos dos Usuários de Saúde (Brasil, Ministério da Saúde & Conselho Nacional de Saúde,
O acesso à saúde é direito das todas as pessoas, conforme Araujo, Benincasa e Frugoli
(2022d), de acordo com o que está previsto na Constituição Federal de 1988, no Sistema Único de
Saúde (Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, 2011), pelo Ministério da Saúde e Conselho
Nacional de Saúde, contudo, devido a deficiência de divulgação, muitas pessoas ignoram esse fato
e não usufruem das instituições de ensino da forma como poderiam e, em especial, isto acontece
com os grupos de vulnerabilidade, dentre eles, LGBTQIA+, que são discriminados e tratados com
219
preconceito. Trata-se de uma realidade que carece de mudança e, para que haja mudança é
em todas as áreas da saúde, esta subseção, embora desejasse se debruçar sobre todos estes aspectos,
saúde como um todo, de forma genérica, abrindo uma exceção apenas para a área ginecológica, a
Todas as pessoas têm o direito de serem atendidas no SUS e, sem que sobre elas recaia
ética, respeito em suas demandas, com empatia, atenção, transmissão de confiança e infraestrutura
apropriada para que o atendimento médico seja realizado com uma prestação de serviço de saúde
adequada, entretanto, indo na contramão do que se pretende, a saúde, não raras vezes, ao invés de
a discriminação e a violência, ainda que emocional, consideram Sarti (2009), Santos et al. (2020),
220
Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), produzindo assim doença ao invés de saúde, conforme
deveria ser.
com Santos et al. (2020), conforme Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), o acesso à saúde por
parte da população LGBTQIA+ é demarcada por dificuldades que afastam estas pessoas de
alvo por não se enquadrar em uma sociedade que tenta normatizar a heterossexualidade como
única forma possível de manifestação da sexualidade humana, tendo como forma de punição pela
homofobia, seus direitos infringidos, ficando expostas e fragilizadas (Araujo, Benincasa & Frugoli,
2022d).
inclusive na saúde, na qual, visivelmente, seus profissionais não estão preparados para atender à
esta população em suas demandas específicas e legítimas. Minimamente sabem como tratar com
respeito estas pessoas e invadem sua intimidade com perguntas, observações e comportamentos
Conforme Torres (2020), de acordo com o que apregoa o Ministério da Saúde, o SUS é
universal, integral e garante o direito para todos, de modo que todas as pessoas têm direito ao
atendimento com respeito e sem preconceito e sem discriminação em todas as áreas da saúde,
assim como em todas as demais esferas de suas vidas, independente da orientação sexual e
221
E, do ponto de vista de que a saúde é para todos, mas a população LGBTQIA+ é excluída
(Sarti, 2009; Rodrigues & Falcão, 2021; Torres, 2020; Araujo. Benincasa & Frugoli, 2022d), cabe-
nos questionar: afinal, a saúde está a serviço de quem? Quem de fato pode dela usufruir? Saúde
para quem de fato estamos falando? E podemos ir ainda mais além nesta reflexão: trata-se então
de uma mesma saúde que, quando é para os heterossexuais busca produzir saúde, conteúdo, quando
pessoas?
Considera Sarti (2009), neste viés, que o sofrimento psíquico à que estas pessoas são
lançadas não se reduz à doença, mas diz respeito ao bem-estar a que elas são privadas, o que fere
os princípios éticos dos profissionais da saúde que juraram em prol da vida humana sobre todas as
Ponderam Santos et al. (2020) e Rodrigues e Falcão (2021), conforme Araujo, Benincasa
e Frugoli (2022d) que, de acordo com as evidências encontradas em seus estudos, na área da saúde,
De acordo com Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) os estudos trazem dados que demonstram
que no âmbito da saúde as pessoas LGBT sofrem preconceito e discriminação de diversas formas
e um dos contextos em que isto ocorre é quando um LGBT que tentou suicídio é levado ao hospital,
[...] em apuros ou quase perdendo sua vida, os olhares de desprezo são presentes e relevante
para [...] que ele se sinta da pior das hipóteses um nada, intensificando a condição de
adoecimento e sofrimento, posto que neste momento o que está vítima de um sistema
discriminatório e violento precisava, não recebe, ou seja, de afeto e cuidado. Deste modo,
222
isto denuncia como profissionais da saúde não são formados e formadas para olhar, intervir
e acolher pessoas LGBTTs [...]. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020, p. 172).
Explicam Santos et al. (2020, citados por Araujo, Benincasa & Frugoli 2022d) que este
tipo de discriminação contribui para que estas pessoas não tenham suas necessidades de saúde
homofobia advinda destes profissionais. E isto, de acordo com os autores, implica diretamente e
de forma bastante incisiva para que estas pessoas não se sintam à vontade para revelarem sua
orientação sexual, quando necessários, nas consultas médicas, temendo pelo preconceito à que
poderão sofrer.
médico integral, no ano de 2011, o Ministério da Saúde, promoveu a Política Nacional de Saúde
Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Araujo, Benincasa & Frugoli
2022d).
vulnerabilidade, todavia, não foi suficiente para cessar o preconceito e a discriminação a elas, pois
ainda há um evidente despreparo pelos profissionais da saúde para atenderem a LGBT (Araujo,
Observam Silva et al. (2015) que, de fato há um grande despreparo dos profissionais da
saúde em atender às pessoas LGBTQIA+ e, somado à isto, ou até mesmo como consequência, há
um restrito número de instituições de saúde com serviços destinados à esta população, como
223
De acordo com Silva et al. (2015) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), este despreparo
e recursos escassos implicam diretamente para que LGBTQIA+ não tenham uma saúde que lhes
qualificado leva ao maior adoecimento destas pessoas, como já foi o caso da AIDS/HIV, por
exemplo.
A questão da discriminação na saúde à LGBTQIA+, para Sarti (2009) vai muito além do
que aparentemente está estampado e evidenciado. Sarti (2009) postula que o preconceito, a
discriminação e a violência homofóbica foram trazidos à saúde, passando a fazer parte dela e a
responder a uma lógica classificatória e permissível de ser entendida e aceita na perspectiva dos
discriminação a que comumente e em diversos âmbitos são vítimas, podem vir a se sentirem
constrangidos em buscar ajuda na área da saúde. Nesta perspectiva, justificam Carrara e Sarti
do ponto de vista sociológico, implica em olhar para o problema no âmbito em que o sujeito opera
“no sentido da transgressão, da não reprodução, da transformação de uma situação percebida como
uma injusta imposição de sofrimento, de dor física ou moral”, pois que é como se, por exemplo, o
fato de um homossexual masculino ter interesse sexual por outros homens, não caracterize a
violência sexual à eles, dado que há o desejo da penetração ainda que de forma inconsciente (Sarti
2009).
Compartilhando deste mesmo pensamento, assegura Pereira (2017, p. 26) assegura que, no
setor da saúde, “[...] além da grande chance de contraírem o vírus HIV, gays apresentam uma taxa
de depressão e pensamentos suicidas muito superior às pessoas comuns”. E observa que a situação
224
é ainda mais complexa para pessoas trans e travestis: [...] “necessitam realizar seus preventivos e
exames clínicos, mas são hostilizadas e humilhadas no próprio hospital”, como resultado, não
voltarão e, pela dificuldade que a sociedade lhes impõe, deixarão de acessar o sistema único de
saúde e buscarão outras formas de atender às suas demandas, correrão riscos “[...] em
uso de “[...] produtos falsificados e de baixa qualidade”. Isto implicará em futuro de mais gastos,
Nesta perspectiva, de acordo com Sarti (2009) quando se trata do atendimento a pessoas
que sofreram violência sexual, o serviço de atendimento à saúde, para se reconhecer um ato como
violento, olha para o fenômeno a partir dos atributos identificados na vítima, o que significa dizer
que se um homem homossexual sofreu uma violência sexual, ele desejou ser penetrado por outros
homens e, portanto, não se trata de uma violência, mas de algo que ele desejou em alguma
instância.
Falcão (2021), a realidade se apresenta de forma tão discriminatória e preconceituosa como nos
casos acima, somando-se ainda diversas formas de violência que são praticadas pelos próprios
médicos com estas pessoas, trazendo-lhes sofrimento psíquico e contribuindo para que padeçam
de doenças e cheguem até mesmo a óbito. Este assunto demanda de um olhar profundo em sua
especificidade, no âmbito da saúde ginecológica de mulheres lésbicas, e necessita ser tratado sem
mais delongas,
De acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d) é urgente que esta realidade seja
transformada, que se reduza a apatia, o descaso e o desamparo à estas pessoas que sofrem e
necessitam serem atendidas tanto quanto os demais seres humanos. E não é adequado e nem digno
225
com estas vidas que elas sejam excluídas por não perfazerem a heteronormatividade imposta
socialmente.
Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), as mulheres lésbicas são vítimas de dupla estigmatização,
em primeiro lugar, por serem mulheres em uma sociedade patriarcal, machista, excludente,
discriminatória e sexista e, em segundo lugar, por serem lésbicas e se relacionarem com pessoas
situação de discriminação, preconceito, violência e/ou invisibilidade (Assis et al., 2017; Araújo, et
al., 2021).
Olhar para isto reafirma uma história marcada por fragilidade, omissão e invisibilidade,
preconceito e discriminação, declaram Assis et al. (2017), Araújo et al. (2021), Araujo, Benincasa
e Frugoli (2022c).
e, nesta perspectiva, as mulheres lésbicas, por serem discriminadas e tratadas com preconceito
desalentadas e desconfortáveis (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022c), podendo não recorrerem a
invasivos e que possam vir a constrange-las, deixando, assim, de tratar de doenças graves que estão
226
acometidas, podendo, até mesmo, vir a óbito como decorrência (Assis et al., 2017, Araújo et al.,
2021).
Estas mulheres, ao serem discriminadas pelos profissionais da saúde, têm seus direitos
tivessem direito a existir, dado que parece não haver um atendimento humanizado e que
compreenda as demandas dessas mulheres que, assim como outra mulher, necessita de atenção à
sua saúde (Parente, Moreira & Albuquerque, 2018; Rodrigues & Falcão, 2021; Araujo, Benincasa
De acordo com Pereira (2017, p. 19), isto acontece por se “Ter uma compreensão limitada
e objetificada das pessoas faz com que as tratemos sem o respeito, de que devem agir conforme se
Embora o Sistema Universal de Saúde - SUS, de acordo com o explicitado por Torres
e participação social e, muito embora as mulheres lésbicas tenham sido incluídas, ao longo dos
anos e após muita luta, nas políticas públicas e, em sua diversidade, sejam reconhecidas, pelo que
podemos observar, este modelo de saúde inicialmente idealizado não corresponde à realidade e
mulheres lésbicas.
Para muitas mulheres lésbicas, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022c),
psíquico, exposição e constrangimento, pois, quando se revelam lésbicas aos médicos, são por
227
muitos deles tratadas como aberrações e passam por questionamentos inadequados acerca de sua
Nota-se ainda uma omissão médica na orientação à estas mulheres sobre infecções
sexualmente transmissíveis - ISTs, seja pela falta de interesse ou pelo desconhecimento médico
sobre mulheres lésbicas e suas formas de se relacionarem sexualmente com pessoas do mesmo
desinteresse, uma falta de habilidade profissional em se lidar com pacientes lésbicas, agregando-
que não considera a humanidade das pessoas, mas, acima de tudo, parece considerar a orientação
Frugoli (2022c).
A fim de que estas pessoas não sofram mais do que já sofrem por serem vítimas de violência
diariamente, e com o objetivo de se evitar mais adoecimentos psíquicos e físicos e mesmo óbitos
de pacientes compatíveis a vida, que poderiam ter sua saúde preservada e tratada sempre que
para, assim, poderem atendê-las dentro de suas necessidades, sem discriminá-las, sobretudo.
228
Evidentemente as políticas públicas são importantes, todavia, serão sempre insuficientes
se, em paralelo a elas, não houver programas que zelem por um atendimento de qualidade na saúde
e que validem o direito desta população. (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022d).
urgente, deste modo, novas ações de políticas públicas universais que validem e que garantam os
intensificado de homofobia nos últimos anos, e por ser uma pauta que envolve as relações sociais,
caracterizar e/ou denunciar estas ocorrências, não podendo sob nenhuma forma, ser conivente com
estas práticas.
Para Ortiz, Bogo e Navasconi (2020, p. 170), considerando que, no contexto da psicologia,
o Conselho Federal de Psicologia (CFP), em função dos direitos humanos de pessoas LGBTQIA+,
constituiu normas de atuação aos psicólogos, em relação ao tema de orientação sexual, no qual a
homossexualidade, em nenhuma hipótese, pode ser tratada como doença, perversão ou distúrbio
psicológico, dado que ela não é assim reconhecida, e, neste sentido, cabe aos psicólogos atuarem
dentro desta perspectiva e, denunciarem práticas diferentes à esta, respeitando assim as pessoas
em sua integridade e em sua humanidade, contribuindo, com isto, para que as práticas homofóbicas
vetada.
229
Neste ângulo, consideram Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que é fundamentalmente
homossexualidade não é doença, perversão ou mesmo desvio, mas sim uma forma de manifestação
da sexualidade humana, dentre outras várias possibilidades existentes. E, ainda mais importante,
consideram os autores, é que os psicólogos não sejam coniventes de nenhuma forma com terapias
alternativas de cura a algo que não a doença, no caso às práticas sexuais de pessoas LGBTQIA+.
quando se fala em LGBTfobia, pois olhar por estas pessoas que foram discriminadas ao longo da
história, constitui-se em fator de proteção, uma vez que as pessoas LGBTQIA+ passam a ser vistas
(2020), pontuar e lutar pela construção de espaços de acolhimento à estas pessoas em situação de
vulnerabilidade.
conhecimento à toda a população, a fim de que compreendam a diversidade humana e não mais
científico libertam do preconceito. E, por isto, é preciso, dentre outros assuntos, cientificamente,
5 Método
Para se alcançar o objetivo proposto nesta pesquisa, o método utilizado foi qualitativo do
tipo exploratório, realizado por meio do delineamento de estudo de caso, com amostra
230
populacional advinda de bola de neve, no qual utilizou-se de formulário de interesse, questionário,
instrumento de avaliação de qualidade de vida (The World Health Organization Quality of Life –
lésbicas vítimas de violência foram analisados a partir da Análise de Conteúdo de Bardin. E, após
esta análise, uma vez identificadas as categorias, o diálogo estabeleceu-se a partir dos aportes da
perspectiva junguiana.
Destaca-se que o projeto de pesquisa bem como os instrumentos utilizados para coleta de
dados, foram previamente enviados para aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade
delineamento de estudo de caso. A pesquisa qualitativa tem como objetivo responder questões que
dizem respeito aos significados, motivos, anseios, das crenças, dos valores e costumes (Minayo,
2009, Santos & Silva, 2017). Outro ponto relevante na pesquisa qualitativa é que o indivíduo é
participante do estudo por meio das experiências vividas (Yin, 2016), nesse caso, pode-se observar
de que forma cada pessoa que é gay ou lésbica, que sofreu violência e tem sofrimento, descreve
essa experiência em sua vida. Quando se deseja estudar um determinado fenômeno acontecendo
231
5.1.1 Estudo de Caso
O estudo de caso observa um fenômeno acontecendo em seu contexto real, fazendo análise
intensiva sobre um indivíduo. (Shaughnessy et al., 2012; Yin, 2016). Pode ser utilizado em uma
pesquisa de campo ou ainda na prática clínica, podendo, neste segundo caso, descrever os sintomas
de uma pessoa, os métodos utilizados no tratamento deste e sua efetividade, o que nos mostra a
riqueza das informações que o estudo de caso nos permite ter acesso (Shaughnessy et al., 2012).
Nesta pesquisa, o estudo de caso utilizado na pesquisa de campo, permitiu compreender de forma
integral e fidedigna, por meio das experiências reais do indivíduo, a partir da vivência dos
O estudo de caso, esclarecem Shaughnessy et al. (2012) e Yin (2016), permite ainda se
realizar a análise de fenômenos raros, dos quais pouco se sabe a respeito, contribuindo para novas
pesquisa, mostrando-se como um terreno fértil para o estudo do sofrimento de gays e lésbicas
vítimas de violência, permitindo confirmar e levantar novas hipóteses acerca das consequências
Neste sentido, esta pesquisa explora o significado da violência na vida de gays e lésbicas,
levando em conta a vivência e a individualidade de cada um, sem prender-se em valores, médias,
experimentos (Yin, 2016). Este significado foi explorado durante a participação das pessoas que
232
5.2 População e Amostra
amostra desta população adveio de “bola de neve”, formulários de interesse distribuídos em redes
sociais. Inicialmente, pretendia-se entrevistar, ao final 12, pessoas homossexuais/gay e/ou lésbica,
pesquisa e que seguiriam, então, para as próximas fases da pesquisa, previstas para ocorrer com
desejando-se uma amostra distribuídas dentro das diversas fases do desenvolvimento humano
• Maiores de 18 anos.
233
• Que não eram homossexuais/gays ou lésbicas.
estudo.
5.3 Instrumentos
após a aprovação.
impressa com espaços em branco a serem preenchidos pelo interessado, a fim de fazer pedido,
234
apresentar declarações etc.; documento pré-impresso com lacunas, onde informações podem ser
introduzidas.
Para verificar o interesse das pessoas em participarem da pesquisa, por meio de uma
planilha no Google Drive, criou-se pelo Google Forms um formulário de interesse que foi aplicado
Esclarecido (TCLE) e se autorizava o envio do questionário para seu e-mail, juntamente ao TCLE.
5.3.2 Questionário
De acordo com Shaughnessy et al. (2016), em uma pesquisa que objetiva fazer um
taxas de respondentes são maiores quando o questionário trata os respondentes pelo nome, o tema
preenchimento sejam claras, o tema tenha uma sequência e o questionário tenha uma atratividade
visual. A aplicação de um questionário pode se dar de forma direta ou indireta. Ela é direta quando
a aplicação ocorre pelo pesquisador ou alguém treinado, junto ao responde, podendo ser coletiva
ou individual. E indireta quando não ocorre aplicação presencial, podendo os dados serem
coletados por correio, internet ou por terceiros. Quando o pesquisador necessita de um maior
controle na maneira como o levamento é administrado, bem como deseja explorar temas
específicos observando a forma de resposta dos respondentes, ele pode utilizar das entrevistas.
235
Para tal fim, aplicou-se um questionário para verificar o perfil da população no que diz
respeito a orientação sexual, com quem residiam atualmente, se possuíam união estável e/ou civil,
faziam uso de medicamente, se já passaram por alguma situação de violência que lhes causou
dispostos a autorizar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual lhes seria
enviado conjuntamente para ser assinado e autorizado. O questionário foi utilizado para selecionar
Na busca de se tentar atingir 200 questionários respondidos, foram aguardados por 2 meses
consecutivos. Foi montada uma planilha em Excel, por ordem de recebimento dos questionários,
analisando-se os participantes que perfaziam os todos os critérios de inclusão citados no item 5.2.1,
seguindo, estes, para as próximas etapas da pesquisa contempladas pela entrevista semiestruturada
de coleta de dados em que é possível obter informações e observar comportamentos e reações dos
participantes ao abordar temas específicos (Minayo, 2001; Yin, 2016). Ao elaborar um roteiro com
questões específicas de um determinado tema, essa entrevista passa a ser semiestruturada, esse tipo
de instrumento estrutura-se a partir de alguns questionamentos e não impede que outras perguntas
sejam inseridas a fim de esclarecer ou aprofundar alguns pontos, além de possibilitar uma
236
investigação mais precisa. Este tipo de entrevista dificulta a perda do foco, uma vez que existe um
Neste sentido, esclarece Shaughnessy et al. (2016) que a entrevista pessoal proporciona
uma flexibilidade maior para se fazer as perguntas, além do que, durante a entrevista o respondente
pode esclarecer dúvidas que eventualmente venha a ter sobre as perguntas, o entrevistador controla
a ordem em que as questões serão feitas e respondidas por todos os respondentes, ao mesmo tempo
determinado contexto, pode-se ainda aplicar testes psicológicos para se somarem as coletas de
dados.
fase da pesquisa que se dará com a aplicação do teste psicológico de depressão e instrumento de
inferência e interpretação, dando significação aos resultados obtidos a fim de se validar a análise,
237
A Análise de Conteúdo de Bardin (1977/2016) realizada às entrevistas possibilitou se
chegar às categorias temáticas: a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? b) Sou Gay /
Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou?
Cada categoria temática apresentou as suas respectivas subcategorias, as quais serão foram
contempladas na análise: a.1) Família. amigos, política, religião; a.2) Medo, preconceito e
Educação/Informação.
Resultados.
Nesta pesquisa, para se verificar o grau de sofrimento de gays e lésbicas que foram vítimas
encontravam, buscando-se ampliar a coleta de dados, permitindo uma análise mais profunda,
qualidade de vida.
O teste de depressão aplicado nos sujeitos dessa pesquisa foi o Inventário de Depressão de
Beck – BDI-II e o instrumento de avaliação de qualidade de vida aplicado foi The World Health
238
O Inventário de Depressão de Beck – BDI-II ou Escala de Depressão de Beck é de autoria
de Aaron T. Beck, Robert A. Steer e Gregory K. Brown. No Brasil, foi adaptado por Clarice
Gorenstein, Wang Yuan Pang, Irani de Lima Argimon e Blanca Susana Guvara Werlang,
publicado pela Editora a Casa do Psicólogo. Sua primeira publicação foi em 2011 e, em 2014, teve
para medir a severidade ou intensidade da depressão. Composto por itens relacionados aos
sintomas depressivos, o teste pode ser respondido por pessoas a partir de 13 anos de idade. A
aplicação pode ser realizada de forma individual ou coletiva e leva de 5 a 10 minutos para o teste
ser concluído.
Por sua vez, o The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref, devido a
necessidade de se ter instrumentos mensuráveis de qualidade de vida com aplicação rápida, é uma
em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. É um instrumento que
Qualidade de Vida nos participantes da pesquisa, realizou-se suas respectivas correções, seguindo
239
Os resultados alcançados, advindos do teste de depressão e do instrumento de qualidade de
aplicada às entrevistas semiestruturadas, foi possível se realizar uma análise mais aprofundada
respectivamente nas sessões 6.3 - Análise do Teste Psicológico Inventário de Depressão Beck -
BDI-II e 6.4 - Análise do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida The Word Health
Saúde que determinam as normas para realização de pesquisas envolvendo seres humanos, bem
tudo o que o compõe, ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, via
Plataforma Brasil e, face a sua aprovação, deu-se sequência com sua aplicação nos sujeitos desta
pesquisa.
Google Meet, com gravação e transcrição da entrevista na íntegra, período de arquivamento dos
240
dados, sigilo de todas as informações conforme Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o,
Foi informado aos participantes que as entrevistas gravadas teriam seus arquivos de áudio
destruídos logo após a transcrição, cumprindo-se com o acordado e que os dados coletados seriam
duas vias, sendo uma elas, após a assinatura pelo participante da pesquisa e pela pesquisadora,
disponibilizada ao sujeito da pesquisa e, a outra via, arquivada em local seguro pela pesquisadora
responsável.
5.4.1.1 Riscos
Os riscos deste estudo são de o participante se sentir constrangido durante a aplicação dos
instrumentos, podendo reviver sofrimentos causados pela violência vivida anteriormente e/ou
ainda, devido a este constrangimento, ou mesmo por força maior, desistir de fazer parte da
Outros riscos ainda podem ser considerados, como a intermitência na conexão com a
pesquisa.
241
5.4.1.2 Benefícios
Os benefícios não serão diretos, entretanto, o resultado deste estudo poderá auxiliar a gays
Outrossim, esta pesquisa espera ainda suscitar a problematização por parte de psicólogos
na área da saúde, nesta forma de violência que perpetua ao longo da vida da comunidade
LGBTQIA+, bem como as consequências desse sofrimento em gays e lésbicas que são vítimas de
violência, podendo educar, informar e conscientizar as pessoas sobre este fato, combater a
demanda pela continuidade deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública
especificas para esta população que sofre, a fim de que a mesma tenha uma melhor qualidade de
vida.
Além disso, este estudo aponta para as possibilidades de pesquisa na área da Psicologia da
Saúde, Psicologia Social, e Saúde Coletiva (Saúde Pública), propondo a inserção de novas políticas
que precisa ser investigado, ser atendido, ser reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois
esse sofrimento pode gerar consequências, não só no agravamento dos quadros individuais como
coletivos, uma condição inata ao indivíduo o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo
242
5.5 Procedimentos para Coleta de Dados
Este estudo foi qualitativo do tipo exploratório, desenvolvido por meio do delineamento de
estudo de caso, entrevistando-se 12 pessoas que, no decorrer da vida, passaram por algum tipo de
foram utilizados de formulário de interesse aplicados via “bola de neve”, distribuídos em redes
sociais. A “bola de neve” remete a uma amostra não probabilística, útil para se alcançar e pesquisar
grupos de difícil acesso, para se estudar questões delicadas, e quando não se há precisão sobre sua
quantidade.
os questionários serem distribuídos por mais 30 dias, a fim de se chegar a este número de respostas.
Todavia, ainda que a pesquisa tenha sido divulgada por 90 dias consecutivos, com link para
autorizaram o envio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e 1 não autorizou. Junto aos
Esclarecido (TCLE), bem como link de resposta ao questionário, foi dado prosseguimento com
envio de e-mail com link para acesso e resposta ao questionário e Termo de Consentimento Livre
243
proposta de data para o início da pesquisa. Orientou-se aos participantes assinarem este Termo de
foi enviado aos demais, salientando a importância na participação da pesquisa e, como resultado,
Foi elaborada uma planilha contendo a ordem do recebimento dos questionários e, a partir
das respostas dadas, verificou-se que, dos 23 interessados em participar da pesquisa, no quesito
respondentes que informaram ser gays ou lésbicas, 18 tinham disponibilidade em seguir com a
pesquisa.
participar da pesquisa que respondiam positivamente ao critério de inclusão, foi-lhes feito novo
contato, por e-mail, para agendamento da entrevista, sendo que 2 responderam de imediato que
refletiram melhor e não desejavam participar mais, pois falar sobre o assunto
homofobia/lesbofobia lhes faria reviver a dor que sofreram. Desta forma, seguindo a ordem da
agendaram a entrevista e 2 não retornaram ao e-mail, mesmo tendo sido feitas novas tentativas de
62
Gay ou lésbica
244
Das 12 entrevistas agendadas, 5 compareceram na entrevista e na aplicação dos testes nas
alcance populacional, dentro dos parâmetros desejados, foi alcançado com êxito, obtendo-se como
resultado participantes gays e lésbicas, com as idades e respectivos número de participantes (entre
parênteses), 23(1), 25(1), 28(1), 31(1), 36(2), 38(1), 40(1), 42(1), 54(1), 61(1) e 66(1), que
manifestaram livre interesse em participar da pesquisa, tendo sofrido situações de violência com
Cabe ressaltar que este projeto de pesquisa, assim como o formulário de interesse, o
qualidade de vida foram devidamente encaminhados para aprovação prévia, ao Comitê de Ética
da Universidade Metodista de São Paulo (CEP – UMESP,) pelo fato de envolver seres humanos.
E, somente mediante a aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo
(CEP – UMESP) - CAAE63: 52943621.6.0000.5508, foi dado início com o envio do formulário,
Na fase das entrevistas semiestruturadas, aos entrevistados, por e-mail, foram explicados o
método, objetivos da pesquisa, instrumentos a serem utilizados, número de encontros on-line pela
arquivamento dos dados, sigilo de todas as informações conforme Código de Ética Profissional do
63
Certificado de Apresentação de Apreciação Ética
245
Psicólogo, disposição da pesquisadora para atendimento/encaminhamento psicológico caso
Após serem expostas às condições do estudo e sanadas as dúvidas, foi enviado por e-mail o
link enviado para realizar a entrevista, que ocorreu de forma individual (1 participante por vez e
que as entrevistas gravadas teriam seus arquivos de áudio destruídos logo após a transcrição, e foi
lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com todo detalhamento do estudo.
Finalizada a entrevista, foi acordado com o participante uma nova data para continuidade e
No dia acordado, participante e pesquisadora acessaram o link e, pelo Google Meet, foram
dadas as orientações ao participante, pela pesquisadora, para realização dos testes e sanadas as
dúvidas. Com a realização dos testes pelos participantes, deu-se a finalização da coleta de dados,
gravações das entrevistas, com duração de aproximadamente 180 minutos cada, foram ouvidos
diversas vezes e transcritos de forma literal, considerando-se as falas dos entrevistados, em sua
246
de afetividades verbais e não verbais, conforme salientam Yin (2016) e Kublikowski, Kahhale e
Tosta (2019), a importância deste procedimento, a fim de se manter a entrevista o mais fidedigna
possível.
Mantendo sigilo absoluto dos dados coletados, todos os dados foram armazenados e
guardados de forma sigilosa pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Assuntos de Gênero e Saúde
Importante esclarecer que por se tratar de uma pesquisa realizada em meio ou ambiente
5.6 Local
Considerando o fato de que a pesquisa abarcará gays e lésbicas residentes em todo o Brasil,
em pandemia da COVID-1964 e sem prazo previsto para se chegar ao fim, entendeu-se que a
deveria ser de forma on-line, e escolheu-se, para tanto, a plataforma Google Meet, primando pela
64
Doença infecciosa causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (WHO, 2019).
“O nome COVID é a junção de letras que se referem a (co)rona (vi)rus (d)isease, o que na tradução para o português
seria "doença do coronavírus". Já o número 19 está ligado a 2019, quando os primeiros casos foram publicamente
divulgados’. (FIOCRUZ, 2019).
247
Profissional do Psicólogo, com as devidas e prévias orientações para que a pessoas estivessem
igualmente sozinhas e em local privado. Definiu-se ainda que, mesmo que a COVID-19 terminasse
antes da finalização da pesquisa, seguir-se-ia até o fim da pesquisa de forma on-line, a fim de se
manter um padrão e para que não implicasse no deslocamento das pessoas e necessidade de uma
preconceito experienciados no seu dia a dia, a fim de que se conheça quem são os entrevistados e
possa, desta forma, compreender mais de perto suas realidades que farão parte das narrativas e
avaliação de qualidade de vida The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref,
bem como no momento da análise das categorias a que se permitiu chegar por meio da Análise de
explicando-se o método escolhido, bem como a maneira como se chegou às três categorias e suas
248
E, dando-se prosseguimento, serão trazidos os resultados do instrumento de avaliação de
qualidade de vida The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref com sua
respectiva análise, para então se finalizar a análise de dados discorrendo-se sobre as categorias
da discussão, serão trazidos o aporte teórico da psicologia junguiana, os recortes das entrevistas
Os participantes desta pesquisa se identificaram como gays ou lésbicas, para os quais será
apresentada abaixo, uma breve caracterização sobre cada um. Objetivando-se manter total sigilo
sobre as identidades dos participantes da pesquisa, de acordo com a ordem da entrevista realizada,
optou-se por nomeá-los de E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11 e E12.
Percebeu-se lésbica com aproximadamente 28 anos, em uma viagem a trabalho, quando estava
249
conversando com uma colega e foram abordadas por um desconhecido, gay, que perguntou-lhes
acontecendo, passando então a refletir sobre esta questão e a perceber que havia um desejo, sim,
por pessoas do mesmo sexo, de modo que optou por não se furtar ao desejo e viver a experiência.
Compartilhou com marido o que estava se passando e ele demonstrou compreender, mas a
princípio não levou muito a sério, acreditando que talvez fosse uma experiência sem importância
e propôs um pacto de cumplicidade e discrição, no qual seria melhor que ninguém soubesse, que
ficasse apenas entre eles e não viesse a público. No momento E1 aceitou, mas depois percebeu que
se tratava de um “armário” e o armário era uma violência e, para ser discreta, viveu um tempo esta
realidade até conhecer sua companheira atual, com quem está junto a 28 anos. E, nesta ocasião,
tornou-se pública, revelou sua orientação sexual, com muito cuidado, para sua família, em
momentos distintos, sendo que os dois filhos lideram bem e a irmã também, sendo esta foi quem
contou para mãe que, por sua vez, reagiu aparentemente bem, apesar de demonstrar preconceito,
em algumas outras ocasiões, com pessoas lésbicas, como foi o caso com uma amiga de E1, mas
com a filha sempre foi bastante acolhedora, embora faça bastante tempo que não se veem, pois a
mãe é eleitora de Bolsonaro e o diálogo fica muito complicado, esclarece E1. Além disto,
juntamente a irmã, a mãe é evangélica e radical, e isto dificulta a relação, considerando sua
orientação sexual e não aceitação religiosa. Atualmente não conversam, E1 e a irmã, devido a
questões de não vacinação da mãe influência política. E1 conta que seus amigos sabem de sua
orientação sexual e quase não tem amigos heterossexuais. Relata que não se sente mais à vontade
para ter manifestação pública de afeto com sua companheira dependendo do lugar e, em especial
se estiverem sozinhas, sem um grupo, pois se sente com medo da vulnerabilidade e do pode lhes
250
acontecer em termos de agressão por pessoas que são lesbofóbicas, preferindo, assim, não arriscar
suas vidas.
E1 relata ter sofrido lesbofobia em sua vida, sendo que uma situação, em especial, marcou-
a sobremaneira. Trata-se de uma carta anônima que E1 recebeu em seu exercício docente, no
trabalho. E1 conta que nesta universidade onde tudo ocorreu, ela era declaradamente lésbica,
professora que primava pela extensão e desenvolvia projetos de extensão de combate à violência
e foi quando recebeu uma carta anônima, durante uma de suas reuniões com movimentos sociais,
outras formas de violência. E1, bastante assustada, revelou em voz alta o conteúdo da carta na
reunião, a todos os presentes e tornou esta carta pública, deixando-a circular em várias mãos, a fim
gerar em torno de si uma rede de segurança e proteção. E1 declara que esta experiência mudou sua
vida, pois nunca imaginou que alguém pudesse odiá-la tanto por ser lésbica e nem lhe fazer tanto
mal como estava descrito na carta que lhe faria. Com a carta em mãos, E1 foi até o diretor da
universidade e ele a apavorou e a responsabilizou pelo ocorrido, dizendo que lá era uma região
muito violenta e preconceituosa e já teve outros casos assim lá, relatando, inclusive o que
aconteceu com a pessoa. Quando questionado sobre o que seria feito, ele desconversou e apenas
pediu para uma colaboradora a acompanhar para fazer um boletim de ocorrência, o qual foi feito,
porém não teve resultados, sequer constou a palavra lesbofobia, apesar de E1 ter insistido para que
fosse colocado. Chegando na juíza, da mesma forma ouviu que seu trabalho a vulnerabilizava. E1
65
Termo informal que segundo o dicionário online de língua portuguesa Houaiss (2022) significa violação sexual de
alguém mediante cumplicidade de uma ou mais pessoas; violação; estupro.
251
acredita saber quem foi o autor da lesbofobia que sofreu, entretanto, não teve como provar. O caso
não foi investigado e não teve evolução e, E1, bastante fragilizada, não insistiu. E1 permaneceu na
cidade e decidiu estudar, optou por entrar para o campo dos estudos feministas e, assim, fortalecer-
se e ter instrumentos e argumentos para enfrentar a lesbofobia e fez seu segundo mestrado. E1
seguiu na cidade e desde 2006 coordena outros projetos de extensão voltados ao fim da violência
contra as mulheres. Entretanto, E1 declara que ter ficado com a autoestima bastante abalada e com
depressão, o que não tinha antes da lesbofobia que sofreu. Atualmente, entende que sua maior
contribuição contra a lesbofobia está no campo da produção de conhecimento, através de uma luta
constante. Possui alunas e orientandas que, por serem lésbicas, sofrem violência, preconceito e
discriminação diariamente e constata que por mais que se tenha conquistado espaço, a sociedade
não aceita e tenta voltar as pessoas para o “armário”, por meio da lesbofobia praticada contra elas
e o governo contribui bastante para que isto aconteça, esclarece. E1 vê a informação como um
caminho para que esta realidade se transforme, pois, quando se tem a informação, nomeia-se, pois
aquilo que não tem nome não é nomeado e não existe e, no caso da lesbofobia, o combate à
violência contra a mulher não dá conta disto, uma vez que quando se é lésbica, sofre-se duas vezes,
por ser mulher e por ser lésbica e, por fim, E1 considera que é preciso que continue se lutando para
252
incompleto. Reside em São Paulo. É solteiro e namora. Percebeu-se homossexual na adolescência,
por volta dos 17 anos de idade, ocasião em que pela primeira vez se apaixonou. Esclarece antes
desta idade ter passado por muitas cirurgias no tórax, de modo que seu foco central era manter-se
vivo. Relata ter vindo de família cristã e observa que o cristianismo é avassalador para população
gay e isto fez com que a descoberta da homossexualidade fosse bastante conflituosa para ele, desta
forma, ainda que não tivesse atração sexual por mulheres, sentia-se menos desconfortável
aceitando-se como bissexual e foi um processo até que conseguisse se assumir como homossexual,
no qual sentia-se culpado como se estivesse fazendo algo errado. Contou para os pais sobre sua
sexualidade e teve, a princípio, mais resistência por parte de mãe do que de seu pai. Tem 1 irmão
de 34 anos que é gay e devido a cobrança dos pais de ele ter filhos e dar netos a eles, somente aos
28 anos se assumiu homossexual para a família e saiu do Brasil, indo morar na Europa. Relata que
todos os seus amigos sabem sobre sua orientação sexual, mas trata-se de novas amizades a partir
do momento em que se assumiu homossexual, pois muitos amigos, especialmente homens, não
E2 relata que na época da escola sofreu bullying porque era uma criança muito afeminada
e alta, sendo que aos 6 anos de idade, foi molestado sexualmente por um aluno adolescente, dentro
da escola. Tentou falar para os pais e apanhou, pois eles entenderam que o filho havia feito algo
errado para isto acontecer. E2 tinha sofrido uma violência sexual por parte de um aluno de 15 anos
de idade e os pais não tentaram entender o que havia acontecido, com isto, E2 nunca mais tocou
no assunto e se fechou. Mas os bullyings foram aumentando e a escola tendo percebido, sugeriu
253
que ele fosse transferido ao que os pais acolheram, mas logo as agressões passaram também a
ocorrer na nova escola e em uma das situações, alguns meninos quebraram a perna de E2 e, de
uma criança alegre, E2 observou que foi se tornando triste e fechado, tentando suicídio aos 13
anos, dentro da sala de aula. E2 estava se cortando inteiro na sala e a professora lhe disse que se
quisesse se matar que o fizesse no corredor e o colocou para fora, mas a coordenadora pedagógica
estava passando e o ajudou, chamando seus pais, conseguindo para ele psicoterapia pelo SUS etc.
Destaca E2 que a violência sexual que sofrera o marcou profundamente, que o menino o
segurava e lhe dizia “você é muito feio, você é horroroso, nenhuma mulher nunca vai te querer” e
esta frase nunca mais saiu de sua cabeça. Até hoje, por muitas vezes, parece ouvi-la novamente e
precisa dizer para si mesmo que isto não está acontecendo, que não é real.
Muitos anos se passaram e, aos 17 anos, ocasião em que E2 se assumiu homossexual, sua
mãe ficou entre 3 e 4 meses sem falar com ele. Quando E2 estava com 22 anos de idade, o pai
tendo percebido que se tratava de algo sério e não passageiro, teve brigas com ele e, inclusive,
chegou a quase se divorciar da esposa, mãe de E2, porque achava errado a mãe não se opor a sua
homossexualidade, tendo a mãe dito que entre escolher pelo pai e pelo filho, escolheria pelo filho.
Nesta ocasião, o pai deu entrada no pedido de separação, permaneceu por 3 anos fora de casa, e
quando se reconciliaram, voltou para casa e E2 ficou entre 3 e 4 anos sem se falar com o pai,
apenas respondendo com a cabeça para ele ver que era ouvido. E2 sentia-se como se não fosse
amado e acreditava ter introjetado que não tinha valor, de modo que a partir daí começou a ter
transtorno de ansiedade e buscava ser o melhor aluno na escola, pois gostava de estudar, e ser o
melhor em tudo o que fazia para compensar esse sentimento de falta de valor. Sentia que precisava
254
E2 conta que sofreu homofobia na graduação em várias ocasiões. Uma delas, por parte de
uma professora evangélica, que lhe falou que queria que ele explicasse a ela o que o levava uma
pessoa a ser gay, porquanto ela tinha um filho e queria evitar este risco, pois pai nenhum quer ter
um filho gay. Relata E2 que se tratava de uma professora de neurofisiologia que afirmava que
existia uma característica neurológica para que as meninas gostassem de rosa e os meninos de azul.
atendido na clínica escola da instituição, por um profissional do mesmo curso que o seu,
naturologia, e este pressupôs que iria curar a sua homossexualidade. E2 formalizou uma
medicina chinesa, sobre a medicina chinesa e suas explicações sobre pessoas transexuais, uma vez
que esta medicina traz coisas que devem fazer se a pessoa for homem ou se ela for mulher, mas
não traz nada se ela for transexual, E2 escreveu um artigo que mais tarde veio a ser publicado pela
revista Bagoas, mas, na época, o professor lhe deu nota 7 e disse que era a nota mínima para que
ele não reprovasse, pois, este assunto não era de interesse e nem relevante para a disciplina de
Narrou ainda, E2, ter sofrido casos de homofobia por colegas da universidade, na qual um
dos colegas, sempre que passava perto dele, cantava I Will Survive de forma caricata. Em outra
lecionava. Ocorre que E2 orientava um estudante gay que fez um trabalho que, embora não
trouxesse nada sobre homossexualidade, foi reprovado 5 minutos antes da banca com a alegação
255
Acredita, E2, que isto aconteceu porque ele, E2, era gay e a professora que reprovou o
estudante foi a mesma que, em outra ocasião ensinava aos alunos como utilizar florais de Bach
para se curar lesbianismo e parou quando E2 formalizou uma reclamação na pró-reitora, de que
ela era psicóloga e psicólogos não podem ter esta postura e tampouco florais de Bach curavam
lesbianismo, pois ser lésbica não era sinônimo de ser doente para ter que ser curado.
E2 considera que uma das piores homofobias que ele sofreu foi por parte da polícia, na
qual, ele, saindo de um carnaval em Florianópolis, foi pegar ônibus com seu amigo, perto de onde
havia um bloco de policiamento com polícia montada para evitar problemas no carnaval entre as
pessoas. Estavam sentados, conversando, quando chegou um rapaz, talvez embriagado ou drogado,
e o agrediu fisicamente, com socos e xingamentos. A polícia ficou olhando, de braços cruzados, e
Relata E2 que ele era drag queen neste período e não tinha problemas de sair na rua
montado e, a partir daí, passou a sentir muito medo, chegando ao ponto de não ousar dar a mão em
público para outro homem ou ter outras demonstrações de afeto, e nunca mais se sentiu seguro
quanto a fazer isto. Este fato que lhe aconteceu marcou sua vida, pois, naquele instante sentiu que
o Estado não se importava, que para o Estado ele era um cidadão de segunda categoria, por ser
gay.
Pouco tempo depois, fazendo uma iniciação científica, entrou em contato o “gays jovens”
e, através deste grupo, conheceu Luiz Mott, um importante ativista, que lhe sugeriu que ele
publicizasse a questão da homofobia em Santa Catarina e ele assim o fez, por meio de entrevista
com a RBS, na ocasião em que foi procurado pela Globo. Junto a gays e lésbicas que ele conheceu,
256
E, em uma tentativa de ressignificar aquele episódio que havia passado, fez uma pesquisa
sobre homofobia e teve seu artigo aceito em um congresso importante de Florianópolis, iniciando
Relata ainda ter rompido com os eleitores de Bolsonaro, mesmo com seus familiares, pois
se votou em alguém contra homossexuais, votou contra ele, contra sua vida. E2 pontua que os
familiares de seu namorado são homofóbicos e que ele sofre demais com isto, especialmente com
o pai, tendo este dentre outras coisas, certa feita, jogado café fervendo no filho.
Para E2, para que a homofobia acabe, é preciso que haja punição contra ela, o que não
ocorre, mesmo com as leis que se tem, esclarece. Diz que tudo é visto como se fosse uma
brincadeira, liberdade de expressão, uma piada inofensiva e, na verdade, não é desta forma, pois
machuca, fere e deixa marcas. E haveria de se ter punição para que isso fosse inibido até cessar,
considera.
Comenta ainda E2 que, como cientista da religião que é, pode afirmar que os homossexuais
ocupam o lugar que as bruxas, no passado, ocuparam. São como que a reencarnação do mal e se
tornam bodes expiatórios e não há mecanismo para proteger estas pessoas, que sofrem o tempo
inteiro, saem às ruas e não sabem se voltaram para suas casas, são alvos pelas costas e não sabem
se vão ser assinados e nem o que lhes acontecerá no dia seguinte, considera.
Conta que após a eleição de Bolsonaro, uma amiga sua, lésbica, foi despejada pela
proprietária que era evangélica, pelo fato de sua amiga ser lésbica, deste modo as pessoas se viram
autorizadas. Se isto acontece com os homossexuais, o que dirá com os gays, diz.
E2 crê que seria necessário políticas públicas de educação, mas que sem a punição imediata
da homofobia, não haveria solução, pois poderia se chegar uma ministra mulher, a efeito do que
houve, e desfazer tudo o que foi feito até então pela comunidade LGBTQIA+.
257
Cabe destacar que durante a entrevista, E2 relata que, por causa do transtorno de ansiedade
vida, necessita de medicação para suportar e faz muitos desenhos para exprimir o sentimento que
traz dentro de si e, tendo de livre e espontânea vontade autorizado, por escrito, a utilização de suas
imagens nesta pesquisa, as quais seguem algumas ilustrações com o respectivo descritivo,
Figura 36
[...] o humano pintado de panda representa meus períodos de tristeza. Eu fiz esse desenho
porque na época do ateliê, eu fiz uma máscara de gesso que eu também pintei como um
panda. Mas eu fiz a figura segurando um leque com o símbolo do sol acima da cabeça para
258
representar a esperança. O peito está negro porque meu tórax foi um local de tantas
De acordo com Vilas Boas (2008), por seu carisma e empatia, os pandas-gigantes, a mais
reconhecida e ilustre das espécies-bandeira, são utilizados como atrativos turísticos e compõe o
rol das espécies mais ameaçadas no mundo. Ainda de acordo com Vilas Boas (2008), vivendo em
seu habitat natural no centro-oeste da China, há em torno de 1.600 ursos pandas-gigantes livres, e
por volta de 160 pandas-gigantes, no mundo, vivem em cativeiro. Observam Hansen et al. (2009)
que:
diet comprised almost exclusively of bamboo. Wild and captive giant pandas use highly
selective foraging behaviors for processing and consuming bamboo. These behaviors are
for the first time quantified in captive giant pandas over a 5-year period of time showing
highly specific seasonal trends. [...]. In addition to consuming large amounts of bamboo,
the giant panda is extremely selective in the bamboo it eats. [...]. Leaf intake occurs
primarily in midsummer through winter (July–February). Shoots are eaten in the spring
(April–June), and culm, or the stalk of the bamboo, is consumed through the months of
em uma dieta composta quase que exclusivamente de bambu. Pandas gigantes selvagens e
66
Procurar recursos alimentares na natureza.
259
pandas gigantes cativos durante um período de 5 anos mostrando tendências sazonais
Os bambus, seus brotos e raízes, fonte de alimento principal dos pandas, de acordo com
Gheerbrant (2018), curiosamente, cabe observar que não há referência a este animal, todavia, há
forma, serão trazidos alguns destes recortes a fim de nos debruçarmos sobre o símbolo do panda,
também urso.
masculino, da energia Yang. Na mitologia grega o urso aparece acompanhado de Ártemis, deusa
lunar, a qual toma sua forma em suas aparições. Ligado ao mito lunar, o urso pode representar
duas faces: monstro ou vítima, sacrifício ou sacrificado. Ligado ao instinto, Jung, segundo
inconsciente”. Ainda segundo os autores, o urso faz parte do está ligado à noite e a lua, assim como
a terra-mãe. Preto ou negro, corresponde ao primeiro processo da alquimia, nigredo, e pode ser
ou regressão.
260
Enquanto elemento lunar, pode-se fazer uma aproximação do panda com o andrógino
A imagem do panda recebeu por seu autor, E2, o nome de “homem pintado de panda” de
modo que, nota-se na figura, sobretudo, o rosto com características de panda, em especial o olhar.
Cabe-se observar que há uma patologia chamada de “doença de Wilson” ou “faces de panda” ou
ainda “faces do panda gigante”, trazendo, na ressonância magnética, sinais da imagem do panda
no encéfalo. Trata-se, de acordo com Brito et al. (2005), de uma doença rara, hereditária, que se
manifesta iniciando-se entre 11 e 25 anos de idade. Ocorre devido ao fato de o fígado não excretar
mais o excesso de cobre na bile para ser eliminado pelo organismo. Esclarecem Brito et al. (2005)
que o fígado então lesionado, libera o cobre na corrente sanguínea, afetando órgãos como cérebro,
oculares. Observam ainda Brito et al. (2005, p. 176) que se tem nas últimas décadas encontrado
achados radiológicos, revelados pela ressonância magnética como sinais das “faces de panda”, que
junguiana, entre a figura do “humano pintado de panda”, o habitat e a sua base alimentar de bambu,
é possível se pensar em um humano colocado, muitas vezes, em contextos de exposições que visam
levar à sua extinção, no caso de E2, é possível se tratar da exposição à homofobia, a qual diversas
vezes foi vítima. Um humano que, embora resistente em sua essência e de fato os homossexuais o
são, todavia, em seu íntimo verte dor, como demonstrado no peito da figura do “humano pintado
261
E, por último, pode-se ainda aproximar a doença “faces de panda”, que compromete
como doença mental, impedindo-se de se enxergar os homossexuais como seres humanos como
quaisquer outros que são merecedores de uma vida digna. A doença afeta ainda os rins, podendo,
neste caso, contar com o olhar da psicossomática (Ramos, 2006; Goswami, 2004/2006; Araujo,
2021) que indica ser um órgão do corpo que diz respeito ao medo e ao territorialismo, no sentido
Figura 37
Deusa Rhiannon
“A mulher com o cavalo vestida de verde é a deusa Rhiannon. No mito dela, ela é punida
por um crime que ela nunca cometeu, e a punição dura anos. Eu me identifico muito com esse
262
De acordo com Morás (1999) e Damm (2019), Rhiannon é uma deusa Galesa, presente na
Mitologia Celta, no Folclore Medieval. De acordo com Morás (1999, pp. 239-240), de acordo com
o conto;
Pwyll sobe com seus homens a colina maravilhosa de Arberth, onde sempre se realizam
prodígios para aqueles que sobem até seu cume. De lá, vê uma mulher montada num grande
cavalo branco que atravessa o caminho principal e que partia da colina. Durante dois dias,
ocasiões ele manda um de seus homens interceptar a amazona. É em vão que o faz: por
mais que o cavaleiro tentasse, seu cavalo mantinha-se sempre à mesma distância do cavalo
da jovem. No terceiro dia, é o próprio Pwyll que a persegue e, vendo que não conseguiria
alcançá-la, pede para que ela o espere. Como a jovem acatasse seu pedido, Pwyll fica
sabendo que seu nome é Rhiannon, e que ela veio porque queriam casá-la com outro,
embora ela estivesse interessada nele, Pwyll. A esta altura, já fascinado pela beleza de
Rhiannon, Pwyll acompanha-a até o Outro Mundo e consegue superar Gwawl, o outro
que o leva a passar por um mendigo para enganar o rival do Outro Mundo. Como resultado
Pwyll. O segundo ano de seu reinado continuou a ser próspero. Entretanto, passados três
anos, ela ainda não havia dado um filho a Pwyll. Por causa disso, os parentes mais próximos
de Pwyll, seus irmãos de leite (alusão ao 'fosterage', aparentamento por criação), pedem-
lhe que repudie sua esposa. Pwyll adia sua decisão por um ano, e neste mesmo ano
Rhiannon tem um filho nos domínios da corte de Arberth. Contudo, a criança desaparece
263
misteriosamente na noite de seu nascimento, e as parteiras, para evitar que qualquer
punição recaísse sobre elas, alegam que Rhiannon devorou seu próprio filho, após tê-la
untado com o sangue de uma cachorra enquanto dormia. Como penitência por seu suposto
crime, Rhiannon deveria permanecer durante sete anos nos limites de Arberth, contar a
todo viajante sua história e oferecer-se para levá-lo até a corte montado em suas espáduas.
E assim passou-se meio ano. Teyrnon Twryv Vliant, um senhor do sudeste de Gales,
possuía uma égua insuperável em formosura que paria sempre na noite de primeiro de maio,
mas o potro jamais era encontrado. Resolvido a elucidar este mistério, Teyrnon pegou suas
armas e pôs-se a montar guarda na noite de primeiro de maio. No começo da noite a égua
pariu um potro de belas proporções, e neste momento Teyrnon ouviu ruídos vindos do
exterior e viu uma grande garra entrar pela janela e agarrar o potro pela crina.
Imediatamente ele pegou a espada e cortou este braço, que caiu no interior do recinto com
o potro. Correndo para fora da casa, Teyrnon não achou ninguém, mas ao regressar
encontrou um menino com uma capa de brocados e cabelos dourados ao lado do potro.
Teyrnon descobririu então que se tratava do filho de Pwyll e, avisando-o do ocorrido, deu
Para Morás (1999) e Damm (2019), Rhiannon é conhecida como regente do outro mundo,
aquela que acompanha as pessoas até o outro mundo, que as ajuda em suas passagens, guiando as
almas dos mortos para o outro lado, auxiliando, deste modo, em suas passagens da vida para o
além da morte.
Rhiannon pode ainda ser aproximada, na mitologia grega, a Caronte, barqueiro de Hades,
que carrega em seu barco as almas dos mortos sobre as águas do rio Estige, ajudando-os, assim, a
fazerem a passagem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos. Na qualidade daquela que rege
264
o outro mundo, também pode ser assemelhada a Perséfone, a qual para se adentrar a vida adulta,
deixando de ser filha de Deméter, para ser Esposa e Senhora do Hades, precisa transgredir,
comendo da Romã. Talvez a transgressão de Rhiannon tenha sido ser acusada de comer o próprio
filho, muito embora não o tenha feito. Deste modo, foi sentenciada e sofreu as consequências de
psicologia junguiana, sendo ela equivalente à Grande Mãe, àquela que cuida e repreende seus
filhos, a exemplo do que faz com seus pretendentes; a mártir, que suporta a dor da perda de seu
filho e do castigo por algo que não cometeu, que padece do julgamento alheio, mesmo sem ter
praticado nenhum delito, muito embora não tenha a consciência, uma vez que se encontrava
adormecida, e não possa assegurar que não o tenha de fato cometido; à esperança de que um dia o
Na imagem de E2, Rhiannon vestida de verde ao lado de seu cavalo branco, pode denotar
a esperança pelo fim de um sofrimento que ele, E2, padece, embora não o mereça, por não ter
praticado crime algum. Para E2, talvez estas dores digam respeito a homofobia pela qual ele foi
vítima.
simultaneamente, da vida e da morte e faz referência a figura lunar que ilumina, acende e clarifica
a terra.
Nos contos de fadas, comumente os cavalos podem ser encontrados como meio de
transporte e de salvação pelo qual chega um príncipe, montado, a fim de salvar uma princesa que
sofre ou que está injustamente sendo destratada e castigada por algo que não cometeu e, na
265
condição de indefesa àquele mal e aos que lhe causam o mal, necessita de um salvador para que
Neste sentido, para E2, pode ser que o cavalo simbolize a sua espera e o caminho pelo qual
virá algo ou alguém que representará sua libertação da dor que ele sente, da violência, da
discriminação e do preconceito a que foi e ainda é vitimizado pelas pessoas que são homofóbicas.
Figura 38
Carta de espadas
A carta de tarô é um personagem do Mortal Kombat que sempre morre, mas é imortal e
volta de novo a vida só para morrer de novo. Essa carta de espadas representa a derrota. Eu
acho que ela me chama a atenção porque é como eu me sinto com o cenário político que a
gente vive hoje. Parece que há muito pouco que a gente consegue fazer. (E2).
266
A imagem do desenho feito por E2 refere-se ao personagem Geras67, do Mortal Kombat.
Geras foi criado de Kronika, Guardiã do Tempo e do destino do Universo e, habilidoso e imortal,
é seu servo fiel e cuida de sua segurança. Geras possui o poder de se recuperar de todas as feridas,
desde as mais simples às mortais e, a cada vez que morre, voltar mais forte e mais sábio do que
antes.
por espadas e sangrando. Cabe esclarecer que o tarô, de acordo com Chevalier e Gheerbrant (2018)
apresenta-se ao mundo por meio de símbolos coloridos vividamente. Mostra-se como um caminho
duplo, interno e externo, de evolução em direção à sabedoria, uma vez que não indica uma solução,
mas traz reflexões acerca das opções que podem ser tomadas, mostrando caminhos a serem
analisados e, então, escolhidos. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 868), Jung observa que
o tarô contém os dois aspectos da luta humana: “contra os outros e contra si mesmo”.
Por sua vez, a espada, conforme Chevalier e Gheerbrant (2018), representa dois lados, o
destruidor e o destruído, independente do lado que se está na luta. Representa os opostos, luz e
guerra-fome-peste e, nas tradições cristãs, ela é tida como uma arma nobre que serve aos cavaleiros
e aos heróis.
O sangue, também presente na imagem do desenho feito por E2, representa, do ponto de
vista de Chevalier e Gheerbrant (2018), vida, calor, sol. O derramamento de sangue, conforme
Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 800), simboliza nas tradições bíblicas, as chagas de Cristo,
67
Para conhecer mais sobre o jogo e o personagem, acessar: https://mortalkombat.fandom.com/pt-br/wiki/Geras.
267
Reunindo-se os elementos consolidados nesta imagem seus símbolos e suas simbologias,
na perspectiva da psicologia junguiana, é possível que E2 tenha ao longo de sua vida se sentido
muitas vezes como alguém que esteve à beira da morte, mas renasceu, e isto pode ser evidenciado
em suas falas sobre suas cirurgias no tórax e sobre sua luta contra a homofobia que foi vítima e
que tantos homossexuais também o foram, tendo, mesmo após passado por situações graves de
O sangue, na vida de E2, pode representar suas dores, suas feridas, suas lutas e vitórias,
mostrando que ainda há ferimentos em sua psique. A espada por sua vez, pode remeter-nos aos
dois lados de se ser homossexual face a homofobia, sendo que de um lado se é atingido por ela e,
Figura 39
Autorretrato
268
“... meu autorretrato é como um alienígena. Eu me baseei nos Asari do Mass Effect, que é
uma espécie alienígena que só tem um gênero. Se não tem gênero, não teria homofobia, eu acho”.
(E2).
A palavra alienígena, de acordo com o dicionário on-line Houaiss (2022), trata-se daquele
que é de outro país, que pertence a outro lugar, que é forasteiro, estrangeiro. Se somarmos o sentido
atribuído pelo dicionário à esta palavra e a olharmos sob a perspectiva dos complexos culturais
pelo viés da psicologia junguiana, o alienígena será, portanto, aquele que é estranho e não cabe
naquele espaço e tampouco é bem-vindo naquele contexto, de modo que será socialmente excluído
e marginalizado.
da lua, se revoltou contra os deuses, de modo que, visando enfraquecê-los, Zeus ordenou que
fossem cortados ao meio, transformando-os em dois indivíduos, com duas pernas, dois braços,
uma cabeça e, com isto, cada parte cortada ficou com um sexo e não mais com dois como eram a
princípio os andróginos. Assim, com este feito, passou a existir a parte feminina e a parte masculina
novamente.
68
Para aprofundamento ler: Platão (2017). O Banquete. Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 385 aC).
69
Para aprofundamento, ver autores atuais que falam sobre a Teoria Queer.
269
agregadas. Pondera ainda Eliade (1962/1999) que muitas das divindades masculinas ou femininas
são andróginas, como as divindades hindus Siva e Sakti ou Shiva e Shakti, na qual Shiva é o
divindades um caráter de nobreza, pois não se pode ser uma coisa ou outra, sem antes ter se
Pode-se ainda, neste sentido, olhar para a totalidade, como sendo composta pelos pares de
opostos, no qual, sem um, não há ou outro, como o bem e o mal, luz e sombra, tristeza e alegria,
claro e escuro, céu e terra, medo e vida, amor e poder, dentre outros (Jung. 1921/2013i; Eliade,
1962/1999). Neste enfoque, considera Jung (1959/2014a) que todos os arquétipos são duais,
portanto, quando se fala no arquétipo do andrógino, ele, por si só, reúne os opostos feminino e
masculino.
segundo, ao mito de Hermafrodite ou Hermafrodito, junção dos nomes de seus pais, Hermes e
Afrodite. Hermafrodite ou Hermafrodito era possuidor da máxima beleza, tendo, Salmákis, uma
ninfa, sentindo-se fortemente atraída por ele, quando o viu banhando-se nas águas de um lago e, a
ninfa, descontroladamente apaixonada e rejeitada por seu amado, atirou-se no lago e agarrou-se a
ele, pedindo aos deuses que nunca ninguém os separasse. Com a realização do pedido de Salmákis,
ambos se uniram em um só corpo, com os dois sexos biológicos. Assim, originou-se o termo
desesperou-se e, mergulhado em seu desespero e não podendo reverter sua atual condição, pediu
aos deuses que todas as pessoas que se banhassem naquele lago, terminassem como ele.
270
Hermafrodito representou, então, o enfraquecimento do homem e o fortalecimento da mulher
(Gonçalves, 2014).
e, de acordo com Ribeiro (2010), pode-se encontrar uma delas, talvez a mais conhecida, na versão
de Ovídio70:
Um menino filho de Mercúrio e da deusa Citereia foi criado pelas náiades nas grutas do
Ida; seus traços fisionômicos permitiam reconhecer quem era o pai e quem era a mãe;
também o seu nome foi tirado de ambos. Quando completou três lustros, abandonou as
as cidades lícias e os caios, vizinhos da Lícia. Ali viu um lago cuja água é transparente até
o fundo. Não crescem ali nem cálamos palustres, nem ervas daninhas, nem juncos de ponta
afiada (...). Uma ninfa mora ali, mas não se dedica à caça (...). Muitas vezes, colhe flores.
Estava colhendo-as, por acaso, quando viu o adolescente, e, vendo-o, desejou conquistá-
lo. (...). Agarra o jovem que resiste, rouba-lhe beijos enquanto luta, abraça-o, acaricia-lhe
o peito contra a sua vontade, e ele se vê envolvido, ora de um lado, ora de outro. (...) Resiste
o descendente de Atlas e nega à ninfa o prazer que ela espera. Ela o retém com mais força,
e com todo o corpo unido ao dele, pareciam pregados um ao outro. Podes lutar, perverso,
mas não fugirás, disse. Ordenai, ó deuses, que jamais ele possa se separar de mim ou eu
dele! Os deuses ouviram sua súplica. Eis que os corpos dos dois foram juntados
intimamente e se tornam um só corpo. (...) Depois que os membros dos dois se uniram e
num forte amplexo, já não são dois, mas têm uma dupla forma, não se pode dizer que seja
70
Para aprofundamento, ler: Ovídio. (1983). As Metamorfoses (D. G. Jardim Júnior, trad.). Rio de Janeiro: Tecnoprint.
271
uma mulher ou um adolescente, o aspecto não é nem de um nem de outro, e é, ao mesmo
temido, maldito, de modo que as crianças que nasciam apresentando em seus corpos quaisquer
sinais anatômicos-fisiológicos de hermafroditismo, eram, por seus pais, sacrificadas, uma vez o
presságios de mau agouro, precisando ser eliminados a fim de que as predições não se
Jung (1959/2014a), traz o andrógino presente em sua teoria ao falar sobre a voz feminina
que habita seus pensamentos (Jung, 1961/2015a, Gonçalves, 2014), formulando, mais adiante, o
mulher:
Sentia-me extremamente interessado pelo fato de que uma mulher, que provinha de meu
“alma”, no sentido primitivo do termo e perguntei a mim mesmo por que a alma foi
designada com o nome de anima. Por que é representada como sendo feminina?
Compreendi mais tarde que esta figuração feminina em mim correspondia a uma
1961/2015a, p. 191).
272
O andrógino foi no contexto histórico apresentado por Eliade (1962/1999), de acordo com
Gonçalves (2014), como sendo concebido como a busca pela totalidade e pela perfeição. Todavia,
com o passar dos anos e com o desenvolvimento da história, o sentido da totalidade sofreu
desconstruções e construções no quesito sexo e gênero e ainda segue sob diversos questionamentos
e estudos na busca de se vir a alcançar uma compreensão mais profunda acerca da androginia e de
2014.
da psique andrógina, já que Jung fala que a meta da psique é a união das polaridades, e que
tal processo está na base do nascimento da consciência, que retorna ao seu estado de
separação e totalidade.
Pelos apontamentos acima, pode-se observar que, na atualidade, faz-se mais sentido se falar
em pessoas andróginas do que hermafroditas, pois a androginia diz respeito a uma condição
psíquica de pessoas que se mostram sem barreiras emocionais de gênero e sexo, ao passo que ao
sexuais de seus corpos. Além do que, para Jung, conforme Franco (2022b), a consciência busca
por alcançar uma psique andrógina, permitindo-nos, assim, a vivência de diferentes formas de
273
Figura 40
autoestima corporal. A frase "ninguém nunca vai se sentir atraído por você" que me foi dita quando
atraído por você”, remete a carta de tarô intitulada o “Enforcado”, representando uma pessoa
pendurada pela perna esquerda, em uma espécie de forca de madeira. Nesta carta, a pessoa possui
uma imagem entristecida e ao mesmo tempo enfadada e seus braços mostram-se para trás, sem
oferecer resistência contra sua condição, resignada como se de alguma forma fosse merecedora do
274
castigo a que fora condenada. Observando-se a imagem do “Enforcado” pode-se inferir ainda em
um sacrífico em prol de algo que se deseja alcançar ou, se olharmos esta figura sob o viés do
cristianismo, a necessidade de o corpo purgar para se absorver dos pecados, haja visto do que
mostra o filme “O Código Da Vince”. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2018) a carta do
A imagem representada pelo desenho de E2 concebe uma pessoa com o corpo nu,
deformado, com suas extremidades (mãos e pés) e ainda outras pastes do corpo, em forma de raízes
que se adentram e se misturam com o tronco ao qual se está preso, sendo torturado e colocado em
estado sofrimento. A pessoa traz um olhar triste e abatido e um corpo magro, mostrando os ossos
por entre a pele, sobretudo, despontando um afundamento na região do estômago, ventre e baixo
ventre, como se há muito não se alimentasse e estivesse naquele lugar de dor, fome e sofrimento,
tanto que seu corpo criou raízes e se misturou com o seu objetivo de tortura, confundindo-se com
ele.
As raízes que saem das mãos da figura apontam para cima da cabeça, em direção ao céu e
as raízes que saem dos pés, lançam-se em direção ao solo, de modo que se pode aproximar esta
representação com a de uma árvore. Para Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 88), a árvore possui
diversos significados, dentre eles, quando associada ao humano “pressupõe que a fonte da vida se
encontre concentrada nesse vegetal; portanto, que a modalidade humana ali se encontre no estado
virtual, sob forma de germes e de sêmens”. Observam ainda Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 90)
que quando se refere a cruz, a árvore simboliza “um instrumento de suplício e de redenção, que
reúne em uma única imagem os dois significados extremos [...] pela morte para a vida [...], pela
275
O tronco de madeira no qual a pessoa está presa, na perspectiva de Chevalier e Gheerbrant
(2018) representa construção, sabedoria. Assemelha-se ainda com a cruz, mostrando sacrifício e
É possível que, ao fazermos uma aproximação sob a ótica da psicologia junguiana, entre
E2 e os elementos e suas representações simbólicas contidas em seu desenho, que E2 sinta-se como
que preso a esta árvore, tendo sido condenado a sofrer pela eternidade, como que se sofrendo
pudesse se absolver de seus pecados, talvez, dentro de uma cultura permeada pelo cristianismo
que está ao seu redor, que o julga e o culpa por ser homossexual.
capital e mora sozinho, mas com planos de morar em breve com seu namorado. Possui ensino
superior incompleto, cursando psicologia. Relata ter se percebido homossexual, com desejo sexual
direcionado para o mesmo sexo, em torno dos 14, 15 anos de idade e foi pavoroso, pois, sentiu
muito medo, já sabendo o que acontecia com os homossexuais em termos de homofobia e mesmo
por parte da religião, o que lhe preocupou bastante, pois era testemunha de Jeová e sabia que seria
condenado, que segundo a religião, iria queimar no inferno etc. Aos seus 26 anos mais ou menos,
sua irmã descobriu sobre sua homossexualidade em uma conversa que pegou em seu celular e
contou para sua mãe, a qual não o tratou mal, mas levou em torno de 2 anos para aceitar.
Relata que o pai parece ter aceito que E3 era homossexual, mas com muita frequência fazia
à E3 comentários sobre mulheres que passavam na rua. A irmã demorou um pouco para aceitar,
ela era 1 ano mais nova que ele. E, seu irmão 4 anos mais velho, ficou 2 meses sem falar com ele.
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Conta, E3, que todos os seus amigos sabem de sua orientação sexual e que em seus
trabalhos nunca omitiu esta informação, embora não tenha o hábito de divulgar que é homossexual,
mas não nega ao ser questionado ou quando precisa falar, por algum motivo, que é homossexual,
mas, apesar disto, relata que sente que se esconde muito e que muitas vezes se questiona sobre a
questão do orgulho que tanto falam, do que é que ele ser orgulha em ser homossexual? De ter a
sua vida em risco o tempo todo? De ser rejeitado pelas pessoas? De sofrer homofobia? De não ser
aceito?
E3 comenta que na época da escola, não conseguia conviver com a possibilidade de ser
homossexual e chegou até a jogar futebol em um time que os colegas fizeram de heterossexuais
contra homossexuais. Relata que, a princípio, jogava do lado dos heterossexuais, mas depois notou
que pertencia de fato ao outro time, ao time dos homossexuais, e se aproximou, então, daquelas
pessoas, tornando-se amigo delas, pessoas que antes ele também não conseguia aceitar por medo
Na época da escola, E3 sofreu bastante, pois seus amigos faziam piadas com homossexuais
e ele tinha medo do que poderiam fazer com ele, ficando sem saber se deveria se assumir ou se
esconder. Relata que quando por vezes tentou se interessar por meninas, já que não lhe era
permitido gostar de meninos, especialmente por uma questão religiosa, mas não conseguiu e foi,
deste modo, parando de frequentar a religião, afastando-se dela para não ser discriminado.
E, quando decidiu se assumir, diz que se sentiu como se o E3 tivesse morrido para que
outro pudesse nascer e foi o que aconteceu, pois todos os seus amigos se afastaram. E3 descreve
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que sofre homofobia constantemente, quando está com seu namorado nas ruas, e olham torto para
eles, quando fazem piadas, quando não é aceito pelos familiares, pelos amigos, pela religião, no
trabalho.
Relata que teve um namorado que em certa ocasião de eles terem ido a um jogo de futebol,
tirou uma foto dos dois se beijando e, apesar de sua solicitação para que o namorado não fizesse,
o namorado postou a foto nas mídias sociais e a partir daí começou o pesadelo de sua vida, de uma
ferida que nunca mais cicatrizou. Várias pessoas viram a foto e comentaram coisas como “nossa
eu conheço esse viado, se eu ver ele na rua eu vou matar ele, eu vou bater nele”. E muitas outras
Nesta ocasião, conta E3, que ele entrou em desespero e ficava imaginando como iria olhar
para uma pessoa que ele conhecia e que dizia que iria matá-lo. Passou a ter medo de sair de casa e
foi, com seu pai, a delegacia para fazer boletim de ocorrência. O boletim foi feito, mas o delegado
o aconselhou a deixar para lá, até que as pessoas parassem de falar. Como consequência do medo,
parou de frequentar o clube que sempre frequentara desde pequeno, parou de sair de casa, excluiu
Considera E3 que este foi um período bastante traumático, no qual sentia-se ameaçado e
amedrontado o tempo todo, sentindo que precisava se defender das pessoas e que elas lhe fariam
mal. Isto durou por volta de 3 anos até acabarem os comentários nas mídias.
E3 comenta que recebeu todo o apoio de sua família e foi isto que o ajudou, pois diferente
de seu primo homossexual que foi colocado na rua pelos pais, ele foi aceito e teve forças para com
o passar dos anos conseguir sair desta situação e voltar as ruas e a conseguir conviver com as
pessoas.
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Para E3 é muito difícil e sofrido ser homossexual e não poder manifestar afeto livremente
por seu namorado, pois, se o fizer, muito provavelmente sofrerá punição social por isso. Assim,
E3 pontua sobre a questão da política e dos impactos que um dirigente político religioso
pode ter na vida dos homossexuais, uma vez que influencia a massa que o segue. E, por fim,
acredita que o caminho para se acabar com a homofobia é por meio da educação e da
conscientização das pessoas sobre o que é ser homossexual, para que sabendo, elas possam
E4 é do gênero feminino, lésbica, tem 36 anos de idade, é psicóloga, mora sozinha em São
Paulo e possui pós-graduação incompleta. Percebeu-se lésbica aos 19 anos de idade e viveu um
grande conflito, relata, pois, para ela “ser homossexual71 não era uma possibilidade” (E4, 2022).
Considera ter sido muito complicado para ela mesma se aceitar. Iniciou um relacionamento com
uma moça e sua mãe logo percebeu e passou a pegar em seu pé, conta. Este período durou um ano.
E4 conta que demorou mais de 1 ano para contar para os amigos e na faculdade, por medo de não
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Algumas mulheres se intitulam lésbicas e/ou homossexual. Foi mantida nesta pesquisa a maneira como a
participante se referia a si mesma.
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d.2) Lesbofobia Sofrida por E4
De acordo com E4 a pior lesbofobia que já sofreu foi dentro de sua própria família, a iniciar
por sua mãe que desde o momento em que percebeu que E4 era lésbica, passou a não quer deixá-
la sair, a não permitir que a namorada dormisse em sua casa e a tentar controlá-la de todas as
maneiras.
E, um dia em que a namorada foi para passar um final de semana com ela na praia, relata
que tudo saiu do controle e virou um grande problema na família. Começou por seu avô materno,
um terrorista como ela diz, falar que “elas duas” estavam parecendo um casal de uma determinada
Na sequência sua tia veio falar com ela, apoiando-a e, em seguida sua prima fez o mesmo.
Seu pai somente se colocou um ano depois, em uma ocasião em que sua mãe, no dia dos
namorados, viu um presente sobre sua cama e ficou transtornada e, depois seu pai a chamou para
conversar e disse para que ela usasse a sua liberdade com parcimônia.
Nesta ocasião, E4 saiu de casa e namorou por 5 anos, só vindo sua mãe a se aproximar
quando do término do namoro, em que E4 estava destruída, então, sua mãe encontrou a solução
para sua homossexualidade, relata E4, fazer uma viagem para Europa. A viagem aconteceu, E4
voltou e 4 anos depois, tendo reatado o relacionamento com ex-namorada e ambas decidido
Comenta E4 que o maior sofrimento que teve foi o sentimento de solidão, de não ter
ninguém com quem contar mediante ao comportamento da família para com ela. E, neste cenário,
seus amigos foram as pessoas que mais lhe deram suporte. Sua avó tinha um filho homossexual e
este seu tio, embora nunca tenha lhe falado nada diretamente, ela sabia que ele possivelmente
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intervinha a favor dela para a família não a atormentar por fato de ela ser lésbica e namorar
preconceituosa especialmente às lésbicas, mas assegura que isto não a incomoda, uma vez que se
trata de um sentimento deles e não está sendo direcionado a ela naquele contexto, deste modo, não
Nas ruas, com sua namorada, E4 relata que apesar de gostar de andar de mãos dadas e não
se importar em ter manifestações de afeto em público, sempre que percebe alguém se aproximando
ou um ambiente hostil, solta a mão de sua namora e se prepara para o que pode vir a acontecer se
Acredita E4 que a desigualdade social é sobre o que se precisa falar antes de tudo, para que
quando as pessoas se sentirem iguais e tiverem direitos iguais de vida, então possa se falar sobre
homofobia para elas, para que conscientes, entendam o que é ser homossexual e o respeito que se
faz necessário à todas as pessoas, pois, antes de elas mesmas serem respeitadas enquanto seres
universitário. Atualmente reside com suas tias em Curitiba, onde nasceu. Relata que se percebeu
homossexual por volta dos 15, 16 anos, mas como vinha de família bastante tradicional, ser
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Ao se referirem a violência contra mulheres lésbicas, algumas mulheres utilizam-se do termo lesbofobia e/ou
homofobia. E, ao falarem sobre as atitudes discriminatórias, referem-se como lesbofóbicas e/ou homofóbicas. Nesta
pesquisa foi mantida a forma como a participante se referiu.
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homossexual não era uma possibilidade para ele, mas quando conseguiu se perceber e assumir seu
desejo por pessoas do mesmo sexo, decidiu viver sua vida, apesar do sentimento de medo que tinha
sentimentos, pois, ao mesmo tempo em que sentia bem ao estar com a pessoa que estava se
relacionando, havia algo desconfortável dentro de si que o fazia se questionar, se culpar e se sentir
errado e pecador, pensava como se seria se sua família o rejeitasse e o colocasse para fora de casa,
ao mesmo tempo em que sabia que não estava fazendo mal para ninguém.
E5 relata que levou muito tempo para se aceitar e que para reduzir a gravidade do problema,
“do crime”, pensava que ele poderia ser bissexual, mas não era. Sabia que se fosse conversar na
igreja, seria expulso, falar na família também não lhe era uma opção, com os amigos, ele tinha
medo de ser excluído, era uma época de pouca informação disponível na internet, então, sentiu-se
Relata E5 nunca ter conversado com o pai sobre sua orientação sexual, mas que talvez ele
soubesse, entretanto, embora desejasse, já não poderia mais falar sobre isto, reflete, porque seu pai
já faleceu. Sua mãe parece tê-lo aceito bem, quando soube que seu amigo na verdade era seu
namorado. Suas irmãs não criaram problema, diz, mas seu irmão ficou anos sem falar com ele e
quando, de certa forma, retomaram o convívio, nunca se falou sobre noivo/a, namorado/a, nada.
Observa que por muito tempo sofreu com isto, mas depois cansou de sofrer e decidiu parar de
E5 comenta que tinha duas grandes amigas, e uma delas ainda segue com a amizade até os
dias de hoje, mas a outra acabaram se afastado, e era na casa delas que E5 podia ser quem ele era,
pois, a família, especialmente de uma de suas amigas, permitia que ele brincasse com elas, de
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boneca, do que quisesse, e inclusive orientava-as para não contarem aos pais de E5, a fim de que
não dessem bronca nele. E assim E5 foi vivendo sua infância e adolescência. Declara não se sentir
à vontade para ter manifestações de afeto em público, pois teme ser vítima de agressões e violência
porque é isso o que acontece quando as pessoas veem cenas de afeto entre pessoas do mesmo sexo.
E5 conta que sofreu homofobia na infância e adolescência. Era uma criança bastante
ingênua e foi muito xingado e ofendido pelos colegas, mesmo sem entender do que estavam
falando quando diziam para ele “você gosta de meninos, não é não?”. Em uma ocasião lembra-se
de ter chegado em casa e falado para família que o estavam xingando e lhe disseram que isto
acontecia porque ele era “deste jeito”, brincava de bonecas etc., e neste momento E5 entendeu que
No colégio E5 tentou pedir ajuda da coordenação, mas foi em vão, o professor o via sendo
vítima de bullying e não intervinha. Seus coleguinhas eram criança como ele e não adiantaria pedir
ajuda, então percebeu que não havia outra solução, ou buscava se enquadrar nos padrões ou
Optou pela primeira opção e passou muitos anos assim, tentando ser o que não era, tendo
muitos pensamentos suicidas lhe invadindo, mas nunca teve coragem de executá-los. Passou anos
sem conseguir se aceitar e tentando ser o que não era, mas quando sentiu que aquilo não estava
Considera E5 que quando entrou na faculdade permanecia armado o tempo todo, para que
não fosse agredido, não procurava fazer amizades para não passar por isso novamente, mas aos
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poucos foi vendo que isto não acontecia com ele na faculdade, e foi se permitindo se aproximar de
algumas pessoas. Via algumas risadinhas, comenta, mas não as considerava como algo relevante.
Hoje, como professor, não permite este tipo de comportamento para consigo e nem com os outros
a sua volta.
Ao longo de sua vida foi desenvolvendo o que chama de hipervigilância, uma necessidade
automática de estar vigilante o tempo todo para que não lhe acontecesse nada. Precisou se despir
de conceitos cristãos que o aprisionavam e o impediam de viver sua sexualidade de forma livre e
sem culpa, e conseguiu, mas até hoje tem necessidade de medicações para dormir e para conseguir
conviver com a ansiedade e a depressão que vieram dos sofrimentos pelos quais passou, observa.
E5 acredita que acabar com a homofobia não seja fácil, pois, trata-se de uma luta e de um
caminho árduo. Uma das formas de se acabar com a homofobia é através da informação, assegura
E5, mas acredita que é a informação que vem do debate, do questionamento, da troca de ideias,
que é o caminho, pois é necessário que haja conscientização das pessoas, que elas saibam
professor universitário. Solteiro, mora sozinho. Nasceu e mora em São Paulo, capital. Percebeu-
se homossexual por volta dos 8 anos de idade e sabia que era algo que tinha que tentar esconder,
que tinha que disfarçar, mesmo porque via os colegas na escola sofrendo bullying e não queria
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Comenta E6 que na adolescência, quando começou a frequentar a igreja católica, sofria,
pois, para a igreja, a homossexualidade era (e ainda é) um pecado que deveria ser condenado. E6
relata que por volta dos 15, 16 anos, tinha alguns colegas com quem falavam sobre suas
sexualidades, mas era algo que deveria ser guardado em segredo por todos eles e mantinham as
suas promessas para que ninguém soubesse e para que não ficassem expostos aos outros.
E6 chegou a namorar por algo em torno de 1 mês com uma menina, e se relacionou
sexualmente com mulheres, na tentativa de ser pelo menos bissexual e atenuar assim sua angústia,
mas, por fim, seu objeto de desejo eram (e são) as pessoas do mesmo sexo, considera. Nunca
conversou com seus pais sobre sua orientação sexual, mas acredita que talvez eles imaginem algo,
embora não falem sobre o assunto com ele e, como a família toda mora em outro Estado e se veem
pouco, não sente necessidade de dialogar sobre este assunto com nenhum deles, pois acredita que
seria uma conversa difícil, todavia, se fosse necessária, ele teria este diálogo, esclarecesse.
Não se sente à vontade para ter manifestações de afeto em público, pois se sente
incomodado com a exposição para si e para o outro e acredita que somente faria sentido se ambos
estivessem em um relacionamento sério e vissem motivos para se fazer isto. Atualmente não está
namorando e diz não sofrer com isto, mas também não gostaria de passar o resto da vida sozinho.
E6 relata já ter sido vítima de homofobia e narra um episódio que viveu em sua docência,
em sala de aula, com alunos, o que lhe incomodou demais por temer ser exposto, perder o controle
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Nesta época E6 deveria ter entre 28 e 30 anos de idade, considera, e por ter uma voz que
não era (e ainda não é) grossa, talvez alguns alunos possam ter percebido que ele era homossexual
e ouviu risadinhas no fundo da sala. Conta que parou a aula, olhou para os alunos e disse: “se você
tem alguma coisa pra falar sobre isso, você vem falar comigo, porque eu não vou admitir
desrespeito”. Relata que isto deve ter acontecido 3 ou 4 vezes em sua trajetória como professor,
mas pontuou na hora e acabou com o desrespeito, pois se não o tivesse feito no mesmo instante
em que aconteceu, acredita que teria perdido o controle e o respeito como professor.
Conta que isto lhe causou sofrimento, pois se sentiu discriminado e viu-se tentando ser
diminuído como pessoa, como ser humano, o que não era justo, pois ele era uma pessoa boa e,
como professor, era um bom profissional. Então reagiu e não permitiu que lhe fizessem isso.
Lembra-se de, no período da graduação, de ter ouvido muitas falas de colegas que moravam
com ele em república, sobre fulano ou beltrano ser homossexual e sempre pensava se eles estavam
percebendo que ele também era, e sentia receio disso, tentando sempre ser o mais contido possível
e não dar qualquer demonstração sobre sua orientação sexual, a fim de não ser vítima de
homofobia. E6 conta ainda que chegou a procurar fonoaudióloga para ver se voz conseguia
engrossar e ficar mais firme, embora sem ter contado a ela o motivo real de sua busca.
é normal discriminar homossexuais e é anormal ser homossexual, o que não é verdade, então, é
preciso educar, falar sobre o assunto, dialogar sobre o que a homossexualidade, questionar e não
aceitar o que vem pronto das outras pessoas. É importante ter programas que cuidem disto, pois,
assim como o racismo, observa E6, a homofobia é estrutural e muito perigosa, pois pode inclusive
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g.1) Caracterização do participante entrevistado E7
E7 é do gênero masculino, homossexual, tem 23 anos de idade e mora com seu pai. É
estudante de medicina e reside em São Paulo, capital e no momento não se encontra namorando.
Percebeu-se homossexual desde muito cedo, mas tentou evitar falar sobre isso em sua casa, pois
notava preconceito por parte de sua mãe. Todavia, quando começou a namorar, conta que sua mãe
o colocou “contra a parede” e, sem outra opção, ele decidir contar que era homossexual.
Como ela não aceitou, foram vários meses de conflito e E7 pegou suas coisas e foi morar
com o pai. Contou a ele o que tinha acontecido entre ele a mãe e que era homossexual, e o pai lhe
disse que não era exatamente confortável para ele esta situação, mas também não interferiu em sua
Com o restante da família não houve grandes conflitos, relata E7. Comenta que todos os
amigos sabem de sua orientação sexual e não se incomodam e que se não dá para falar abertamente,
E7 relata que sofreu homofobia em casa, por sua mãe, e isto lhe fez sofrer bastante,
inclusive afastando-se dela. Observa que ela sempre demonstrou discriminação por homossexuais
e ele sabia que todo aquele amor que ela dizia sentir por ele, era condicional e, quando ele se
assumisse para ela, muitas coisas seriam contestadas e este amor não seria assim tão forte a ponto
de aceitá-lo e foi o que aconteceu, conclui. Diz: “Questionei o que ela realmente amava... Se ela
amava a mim integralmente ou a ideia que ela tinha de mim?”. A medida em que os anos foram se
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passando, sua mãe foi tentando se reaproximar e pareceu aceitá-lo, por fim, diz E7, entretanto
relata que não se sentiu mais à vontade para ir à casa de sua mãe e ficar lá, dormir, ter longas
conversas etc. Sente-se bastante aliviado que ela o tenha aceito, mas a discriminação que ele sofreu
Diz que não sabe se acredita que a homofobia possa acabar um dia, pois ela é bastante forte,
mas acredita que talvez a educação seja um caminho para isto ocorrer, implementação de práticas
e ações que possam levar a reflexão das pessoas e a conhecerem de fato sobre o que é ser
Considera que a política com base religiosa é um grande problema no mundo, pois instiga
seus eleitores a intolerância e ao ódio contra aqueles a quem denigrem e odeiam, no caso, os
homossexuais. E que para minimamente possa se reduzir a homofobia, seria fundamental que os
políticos não se utilizassem de discurso religioso para atacar os homossexuais, como é o que ocorre
completo, mora sozinho e namora. E8 tem 3 irmãos e 1 irmã, sendo que 1 dos irmãos faleceu sem
Relata que desde criança se percebeu homossexual e seus pais nunca o aceitaram. Sentiu-
se estranho quando se percebeu interessado por outros meninos e diz que se tivesse tido o apoio
da família ele seria uma pessoa totalmente diferente, pois sofreu muito com a discriminação, o
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Chegou a comentar sobre ter pensado em transexualidade, mas em seguida disse que já há
muito havia descartado essa possibilidade por não bancar enfrentar isso, pois assim, da forma como
é, homossexual, tem mais passabilidade e corre menos riscos de vida, de ser agredido, de ser
assassinado.
E8 relata que desde criança tinha traços e comportamentos diferentes que levaram seus pais
a agredi-lo fisicamente, dando-lhe várias surras, sendo eles as pessoas mais homofóbicas e que lhe
causaram o maior sofrimento de sua vida. Os pais passavam o tempo todo vigiando-o e cortavam-
Conta que uma vez sua mãe lhe deu um soco que o jogou longe e cortou sua boca e assim
eram as agressões constantes em sua vida. Ela sempre lhe dizia que ele estava falando fino, que
era afeminado e que tinha que mudar. Sua avó falava que ele poderia vir a ser homossexual e ela
e a mãe não se entendiam, de modo que a mãe queria provar ao contrário e por isso o punia. E,
para sobreviver, foi se moldando e se fechando, tornando-se uma pessoa quieta, introspectiva,
triste. Sua família era evangélica e, para os evangélicos, relata, a homossexualidade é um tabu, é
pecado e é inaceitável. Nunca foi uma pessoa de fazer amizades e por isso tem poucos amigos.
Relata E8 que um de seus irmãos o agredia muito verbalmente por ele ser homossexual,
falava palavras ofensivas, mandava áudios e mensagens e, antes de morrer, enviou uma mensagem
a ele, mas acreditando que fossem mais ofensas, não chegou a ouvir e deletou. Alguns dias depois
o irmão veio a falecer e isto lhe dói demais, pois não sabe o que tinha na mensagem. Pensa que é
melhor permanecer “na casquinha” para não sofrer mais violência ainda.
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Acredita que a religião faz com que as pessoas vejam os homossexuais como pessoas
doentes e anormais e, que a política de base religiosa, e que se utiliza disso para discriminar as
pessoas, pode influenciar a massa de forma negativa, então, isso deveria ser proibido, considera.
Narra E8 que seus pais são evangélicos, ortodoxos, da igreja Assembleia de Deus e foram
fortemente influenciados para não o aceitar na condição de homossexual, valorizando mais seus
irmãos, e mesmo o irmão que faleceu em um assalto no qual estava envolvido, do que ele que é
uma pessoa trabalhadora e honesta, mas que é homossexual. Relata se sentir uma pessoa sem valor
e ter sido assim desde sua infância. Fala bastante que foi uma criança sem valor.
Teve uma cachorrinha que amava, conta E8 bastante sensibilizado, e quando veio para São
Paulo, seus pais mandaram que ele fosse buscá-la e como não ele tinha condição financeira de
cuidar dela, pois estava passando por grandes dificuldades, teve que doá-la.
Enfatiza E8 que sempre amou estudar e desde pequeno se apegava nisto como possibilidade
de fugir de sua realidade dura, mas seu pai chegava alcoolizado em casa e destrua sempre seu
material escolar, o que lhe causava enorme sofrimento. O pai não valorizava seus estudos e dizia
que não era preciso estudar e, embora a mãe escondesse seu material, o pai sempre tentava
encontrar e destruir. Disse se lembrar de uma vez que ele e a mãe esconderam seu material no
meio do mato, a noite choveu, molhou e destruiu tudo! Relata que vivia uma dualidade de um pai
agressivo e uma mãe que não se impunha, e ambos o agrediam verbalmente e fisicamente.
E8 sofreu abuso sexual por parte do tio, umas 5 vezes. Conta que o tio o ficava tocando em
suas partes íntimas e o proibia de contar, sob ameaça de em o fazendo, bater em sua mãe, e ele
E8 diz que na época precisou esquecer para sobreviver, mas, recentemente, veio a doer.
Sempre foi um excelente aluno para tentar ser alguém na vida, mas não teve chance, pois logo,
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não suportando mais a violência do lar, foi expulso de casa pelos pais por ser homossexual, e
recebeu ajuda de uma transexual famosa, para se estabelecer por um tempo na Casa 1.
Relata ser sofrido homofobia no trabalho, em uma loja em que era vendedor e seu chefe,
evangélico, o chamava de bicha ao invés de chamá-lo pelo nome. Pediu para ser transferido, foi
atendido e demitido em seguida. Decidiu fazer boletim de ocorrência, mas o sistema estava fora e
não fez. Depois desistiu, porque não queria prejudicar sua amiga que havia arrumado trabalho para
Acredita que seria importante ter uma política de que ser homossexual não é errado, para
assim poder haver redução da homofobia no mundo. Que as pessoas deveriam ser educadas desde
Diz ter medo de agressão, de morte, de ter demonstrações públicas de afeto, conta que tem
pensamentos suicidas e depressão e que isto acontece como consequências das agressões e das
E9 é do gênero feminino e é uma mulher transexual lésbica, tem 28 anos e está cursando
faculdade de filosofia. Relata ter sido uma criança com características andróginas. Nasceu em
Torres-RS e reside em Porto Alegre, em uma casa de estudantes autogerida. Quando se descobriu
transexual e, à medida que foi se percebendo lésbica, contou para seus pais e, sobretudo de sua
mãe, recebeu apoio, especialmente quando ela abandonou a religião evangélica, relata E9. Tem
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i.2) Translesbofobia Sofrida por E9
mulheres transexuais e lésbicas, sendo vítima de constantes agressões verbais desde os 8 anos de
idade, passando por diversos bullyings desde sua infância devido a forma como andava,
gesticulava, falava. Tentou se condicionar a ser diferente, a não andar de forma de forma que não
a deixasse em evidência, mas não conseguiu e isto a machucou bastante. À medida que o tempo
foi passando descobriu-se transexual, porém, relata, inicialmente agênero, mas isto se transformou
sofre, especialmente de homens que lhe ofendem demais e são violentos com ela por meio de
palavras. E9 conta que certa vez ouviu de um cara que ele iria esgarçá-la com o pênis dele; outro
que a estava cantando e lhe disse que ela era uma mulher e não precisava de outra e disse isso de
forma vulgar, observa; outro que estava olhando para ela e se masturbando na calçada; isto tudo
Diz E9 sentir-se à vontade para ter manifestações afetivas em público, mas sente medo do
que pode vir a lhe acontecer e a quem está com ela, considerando a violência a que estão expostas
por serem transexuais e lésbicas. Sente-se vulnerável o tempo todo e acredita que uma das formas
de se acabar com translesbofobia é pela da educação e conscientização das pessoas, por meio de
transexualidade.
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j.1) Caracterização da participante entrevistada E10
E10 é do gênero feminino, lésbica, tem 38 anos de idade, possui ensino superior completo,
é psicóloga e mora em São Paulo, capital, com sua tia. Relata que se percebeu homossexual quando
estava cursando o ensino médio, em uma ocasião em estava assistindo a um filme chamado
“Beijando Jéssica Stein” e se percebeu identificada com as coisas que a atriz estava narrando que
sentia. Naquele momento percebeu que também era lésbica e pensou o que ela iria fazer agora.
Tinha uma amiga que já havia demostrado não aceitação a homossexuais, conta, mas foi
para ela que E10 ligou e foi aceita e recebida em sua declaração de ser lésbica. Pontua que a amiga
lhe disse que tinha um amigo gay e que talvez fosse melhor eles conversarem, pois ela não conhecia
muito do assunto e além de dizer que estava tudo bem, não poderia ajudá-la.
E10 aceitou a oferta e estabeleceu amizade com este rapaz, vindo a conversarem longas
vezes sobre a orientação sexual e dúvidas de E10. E aos poucos foi contando para as pessoas sobre
sua orientação sexual, sendo que, cada vez que contava, era como um evento, todos os amigos que
Em casa, contou primeiro para mãe, a qual, segundo E10, fugia dos padrões orientais por
ter sido mãe solteira, então, não teve dificuldades em aceitá-la, pelo contrário, a apoiou, vindo a
contar para sua tia em seguida, a quem acredita que seria mais complicado de lidar, mas nunca
A tia hoje idosa recebe a namorada de E10 em sua casa e não faz comentários, parecendo
aceitá-la bem. Incialmente a avó também morava junto, mas veio a falecer e depois foi o tio e logo
depois sua mãe que veio a óbito, de modo que apenas E10 permaneceu morando com a tia.
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j.2) Lesbofobia Sofrida por E10
E10 lembra-se de uma vez, na época da escola, uma colega lhe ter perguntado sobre o que
ela pensava a respeito da bissexualidade e ela ter respondido à colega que poderia ser interessante,
pois a pessoa teria mais opções de escolha e, a partir daí, todos os colegas souberam da resposta e
passaram a evitar tocá-la e serem tocados por ela. Conta que certa feita encostou em uma colega
Lembra-se de uma vez ter ouvido de uma amiga que não tinha problema o fato de ela ser
lésbica, desde que a respeitasse. Na hora em que isto aconteceu, E10 disse que respondeu tudo
bem, mas depois entendeu o que aquilo significava e se sentiu muito mal, pois o fato de ser lésbica
Considera ter sofrido muito especialmente por ser oriental e os orientais terem regras para
si e para sua comunidade e excluir todos os que fogem à essas regras. Na escola em que estudava,
com raras exceções, as crianças eram orientais e se desfaziam dela, assim como uma determinada
professora que E10 conta que admirava demais e sempre esperava ser vista e notada por ela, mas
isto nunca aconteceu, exceto um dia em que estava somente ela e a professora, uma passando pela
outra, e a professora perguntou se ela era “fulano ou fulano”, “homem ou mulher”. E isto a
machucou muito, pois claro que ela era uma menina e isto estava evidente. Depois, descobriu que
uma professora, certa vez, havia chamado sua mãe na escola para falar sobre E10 e sugerir que
algo fosse feito pela maneira como ela era, ao que a mãe respondeu que a filha iria ser o que ela
quisesse e não seria feito nada contra isso. E, depois, juntando os fatos, descobriu que se tratava
294
E10 conta que sentia o tempo todo como se houvesse algo errado com ela, pela maneira
que a tratavam e a discriminavam. Não era bem-vista por homens e nem por mulheres, por seu
jeito de ser e se sente o todo sendo vítima de uma violência silenciosa, na qual muitas vezes as
pessoas sequer verbalizam o que sentem, mas olham, riem, comentam entre si e fazem parecer
Relata ter medo de ser discriminada, sentir mal-estar entre as pessoas, especialmente
orientais e ter sentimento de tristeza e injustiça frente a lesbofobia velada a que frequentemente é
vítima em diversos lugares, sentir medo de se revelar lésbica na área da saúde e ser maltratada e
Na área médica, E10 conta que evita falar que é lésbica, a fim de não sofrer nenhum tipo
de violência e já sofreu discriminação uma vez que precisou acompanhar sua namorada, dentista,
em consulta médica em uma unidade de HIV, por ter furado o dedo com uma agulha de anestesia.
A namorada foi medicada, mas os médicos não sabiam como orientá-las sobre cuidados sexuais
que deveriam tomar a partir deste ocorrido, caso a namorada tivesse sido contaminada por HIV,
pois, pareciam não saber como funciona relação sexual entre duas mulheres. Conta que a família
da namorada também é oriental e a namorada passa pelas mesmas dificuldades em sua casa e até
mais.
E10 considera que uma das formas de se acabar com a lesbofobia ou homofobia é por meio
da informação, pois, as pessoas necessitam dela para preencher esta lacuna que existe, dado que
sabe sobre algo, questiona-se o que se ouve e, neste sentido, a informação é fundamental.
295
k.1) Caracterização da participante entrevistada E11
E11 é do gênero feminino, lésbica, tem 66 anos de idade, possui ensino superior, é
das LBTs73. É solteira e reside com sua irmã e com o cunhado no Rio de Janeiro. Tem 4 filhos
adotados e muitos que fazem parte da comunidade e os considera assim, como filhos da
comunidade74.
Relata E11 ter se percebido lésbica desde pequena, pois admirava as mulheres e gostava de
ver sua mãe se arrumar, ficava durante muito tempo a observando e gostava muito de fazer isto.
Certa vez, E11 teve amizade com uma menina mais velha que ela, a qual descobriu que era lésbica
pela forma como sua mãe se referia a menina e pelas preocupações de convívio entre as duas e
isso só fez alimentar as informações que ela já tinha. E se percebeu muito parecida com a menina,
Relata que desde pequena não gostava dos vestidos que a mãe a irmã colocava nela, e nem
dos sapatos delicados, gostava de se sentir bem e confortável na roupa, adorava shorts e camiseta.
Aos 12 anos se apaixonou por uma amiga da escola e conta ter sido um escândalo para sua mãe e
sua irmã, mas com o passar dos anos, sem outra opção, foram aceitando ou pelo menos lidando
73
Lésbicas, bissexuais e transexuais.
74
Comunidade LGBTQIA+.
296
k.2) Lesbofobia Sofrida por E11
E11 alega se sentir à vontade para ter demonstrações públicas de afeto quando está
namorando e mesmo com os amigos, especialmente por ser uma figura pública e conhecida por
Um dos preconceitos e discriminação sofrida por E11 foi em uma empresa na qual
trabalhou e queriam que ela se vestisse de determinada maneira que não a agradava, pois ela
andava de jeans e camiseta e se sentia bem desta forma. E11 explicou seus motivos e acabou sendo
demitida.
Uma das piores formas de violência que sofreu foi com o assassinato de um de seus filhos
da comunidade, por ele ser homossexual. Ele a estava vindo encontrar em um evento e lhe trazia
um presente. Foi assassinado perto de chegar e logo ela foi avisada do ocorrido.
Relata que vê muitos casos, especialmente de travestis, que acabam se matando por serem
expulsas de casa e não quererem se marginalizar. Então, sempre que tem oportunidade fala sobre
isto com os familiares e sobre a importância de acolherem seus filhos e filhas e busca sempre
apoiar as travestis em suas necessidades, como muitas vezes no simples fato de pegarem um táxi,
militar. Mora com sua mãe, companheira e filho pequeno. Relata ter se percebido lésbica por volta
de 7 anos de idade, quando um menino passou a mão nela e ela esmagou a mão dele na parede.
297
Alega que naquele momento percebeu como não suportava ser tocada por meninos em seu corpo.
Conta que sua mãe queria que ela casasse e tivesse filhos, a avó cobrava-lhe um namorado.
Relata E12 que jogava bola com um grupo de meninas lésbicas e certa vez se interessou
por uma menina, conversaram e um tempo depois passaram a namorar. E o todo o problema se
A avó, para provocá-la, observa E12, somente falava em pinto o tempo todo em que ela
estava presente e isto a incomodava até que uma vez pontuou isto na mesa, no dia das mães. Logo
após, sua namorada foi em sua casa e sua mãe a chamou e lhe perguntou se era sua namorada, ao
Todas as mulheres de sua família se mostraram indignadas, mas não os homens, eles agiram
diferente e pareceram não se incomodar com o fato de E12 ser lésbica, relata. Seu irmão pequeno
lidou bem ao saber sobre sua orientação sexual e lhe pediu para ela não ser menino, ao que ela o
confortou dizendo que não tinha esta intenção, mas, que se tivesse, contaria primeiramente para
ele.
Outra situação de lesbofobia pela qual E12 conta ter passado, foi aos 16 anos, quando
jogava bola com este grupo de amigas lésbicas. Os meninos ficavam assistindo ao jogo e certa vez
um deles a convidou para tomar cerveja e quando, na conversa, ela disse que namorava uma mulher
e a namorada dela estava lá, ele fez comentários demonstrando surpresa, que ela e a namorada
eram bonitas etc. Ela conversou na ocasião com o rapaz, tentando mostrar-lhe que não havia
298
problema e tampouco algo de errado em uma mulher namorar outra e que esta fosse uma mulher
bonita.
Em outra circunstância, seu irmão sofreu bullying tendo os amigos dito que a irmã dele, no
caso ela, era sapatão. Defensora do irmão, E12, foi até os meninos para conversar, mas o que tinha
lhe xingado veio para lhe dar um soco e ela o derrubou primeiro. Os bullyings cessaram após esse
episódio.
E12 expõe ter se sentido muito perdida sobre a questão religiosa, de estar cometendo
pecado por ser lésbica e foi buscar resposta nas religiões, conversando com padres de igrejas
católicas e com seu tio, Pai de Santo no terreiro em que ela frequentava. Um dos padres a acolheu,
mas com o outro a conversa não foi muito promissora. Seu tio lhe recebeu muito bem e disse que
Afirma E12 não ter amigos, mas alguns colegas, pois seus supostos amigos, ao saberem
sobre sua orientação sexual, viraram-lhe as costas. E mesmo com as mulheres de sua família isto
aconteceu, todas lhe viraram as costas. Neste sentido, E12 relata um fato que lhe marcou ao cortar
o cabelo curto, sua tia lhe disse que ela estava parecendo homem com aquele corte. Isto a feriu
bastante, mas sempre tentou responder da melhor forma possível às ofensas recebidas.
E12 diz que sente medo da agressividade dos loucos, pois, eles são capazes de coisas
horríveis. Conta que uma das meninas, com 14 anos, que jogava bola com ela, quando a família
descobriu que ela era lésbica, a mãe foi para a igreja e o pai a estuprou já que ela lésbica, a fim de
Com outra colega aconteceu de ela responder para um motorista de um carro que a estava
provocando, que ela gostava de mulher, e o cara desceu do carro e a espancou e a teria violentado
e talvez a matado, diz E12, se as amigas não tivessem visto e corrido para ajudá-la.
299
Em seu trabalho também foi vítima de homofobia, pelas colegas que ficavam o tempo todo
falando sobre pinto e a incomodava, até que E12 se posicionou e isto acabou. Outro fato no
trabalho se deu com um determinado profissional, cargo acima do seu, que passava e tentava
encostar nela, até que E12 parou de se esquivar e ela se encostou nela. E12 se posicionou de forma
assertiva e após toda uma discussão a situação foi resolvida com a realocação desta pessoa para
outro setor, entretanto, foi pedido a E12 que não comentasse nada com ninguém.
Outro fato ainda com relação ao seu trabalho, onde, seu chefe falava mal o tempo todo de
um rapaz que trabalhava lá e era homossexual, também era racista e tinha intolerância à religião
de E12. Somente após E12 conversar com ele sobre isto, as ofensas cessaram.
E12 relata também já ter sofrido lesbofobia na área médica, em determinada vez que a
chamaram pelo nome de seu pai e ela pontuou, mas a profissional sugeriu se este não era seu nome
social. E, em outra ocasião, na área ginecológica, em que E12 sentiu-se constrangida pela
inabilidade médica em examiná-la, sendo ela homossexual, esclarece. Foi necessário E12 pontuar
para médica mais de uma vez que era lésbica e que determinados instrumentos a machucariam no
exame. A médica pareceu também constrangida e demonstrou não saber que poderia feri-la com
Relata sentir medo de ser agredida, de ter sua família agredida, de ter manifestações
afetivas em público, de ir em médicos que tenha que se revelar lésbica, de ser machucada em
exames médicos.
E12 acredita que a homofobia precisa ser combatida e um caminho para isto seria
necessário que houvesse leis e que elas fossem de fato cumpridas, pois não adianta existirem se
300
Tabela 1
Caracterização dos Participantes da Pesquisa e suas Vivências com a Violência – Homofobia, Lesbofobia e Translesbofobia
Idade - Revelação -
Sentimentos a
descobriu-se Como orientação Onde sofreu
Partic. Gênero Idade Profissão Escolaridade Residente Motivo partir da
homossexual/ lidou sexual à violência
violência sofrida
lésbica família
Autoestima
abalada, medo de
Pós- Permitiu-se Marido, se expor e de
Professora Auto- Família,
E1 F 61 doutorado Salvador 28 viver sua filhos, irmã, agressão,
universitária aceitação trabalho
incompleto sexualidade mãe sintomas de
depressão e
ansiedade
Sentimento de
não-valor, medo
de não ser
Escola,
amado,
universidade,
transtorno de
Pós- colegas,
Professor Florianó- Conflitos Família Pai, mãe, ansiedade,
E2 M 36 doutorado 17 professores,
universitário polis internos cristã irmão necessidade de
incompleto clínica escola,
ser o melhor e
trabalho,
ser aceito, medo
polícia, rua
de
demonstrações
públicas afetivas
Necessidade de
esconder sua
orientação
Família sexual, medo de
Administra- Superior Medo, Pai, mãe, Família, ruas,
E3 M 31 São Paulo 14, 15 testemunha sair de casa, de
tivo incompleto pavor irmã, irmão redes sociais
de Jeová ser agredido, de
ter
demonstrações
públicas afetivas
301
Não percebe
Mãe, pai,
Pós- Conflito, alteração, mas
Família não avó, avô,
E4 F 36 Psicóloga graduação São Paulo 19 impossibi- Família sempre esteve
aceitaria tio, tia,
completa lidade sob alerta com
prima
agressões na rua
Hipervigilância;
medo de
demonstrações
afetivas públicas,
Culpa,
medo de
Professor Doutorado pecado, Família Pai, mãe, Família,
E5 M 40 Curitiba 15, 16 violência e
universitário incompleto impossibi- católica irmão, irmãs escola
agressão,
lidade
depressão,
ansiedade,
pensamentos
suicidas
Não percebe
alteração, mas
Professor Doutorado Família Nunca sempre teve
E6 M 54 São Paulo 15, 16 Conflito Trabalho
universitário completo católica contou medo de que o
percebessem
homossexual
Permitiu-se
Estudante de Superior Auto- Não percebe
E7 M 23 São Paulo Desde criança viver sua Mãe, pai Família
medicina incompleto aceitação alteração
sexualidade
Medo de
agressão, de
morte, de ter
Administra- Ensino médio Família Mãe, pai, Família, demonstrações
E8 M 25 São Paulo Desde criança Conflito
tivo completo evangélica irmã, irmãos trabalho afetivas públicas,
pensamentos
suicidas,
depressão
302
F
(identidade Vulnerabilidade,
de gênero: Estudante de Superior Porto Angústia, Preconceito Ruas, lugares medo de ser
E9 28 Desde criança Mãe, pai
mulher filosofia incompleto Alegre conflito social públicos agredida, de ser
transe- violentada
xual)
Medo de ser
discriminada,
mal-estar entre as
Preconceito Escola,
pessoas, tristeza,
Superior social e lugares
E10 M 38 Psicóloga São Paulo Ens. Médio Angústia Mãe, tia medo de se
completo racial. É públicos,
revelar lésbica e
oriental. saúde
de ser medicada
errado de
propósito
Consultora,
Permitiu-se Mãe, Trabalho, ruas
ativista, Superior Rio de Auto- Não percebe
E11 F 66 12 viver sua madrinha, (filho
militante completo Janeiro aceitação alteração
sexualidade irmã assassinado)
LBTs
Medo de
agressão para
consigo e com
Família, sua família, de
Pós- Preconceito Mãe, avó, trabalho, ter manifestações
Enfermeira
E12 F 42 graduação São Paulo 7 Conflito religioso, tias, tio, lugares afetivas públicas,
militar
completa pecado irmão públicos, rua, de médicos (de
saúde ser ferida em
exames) por
inabilidade
médica
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora
303
6.2 Análise das Entrevistas
Para análise dos dados coletados das 12 entrevistas semiestruturadas, adotou-se a Análise
coletado através da fala ou escrita de cada participante. Na figura abaixo pode-se observar a
Figura 41
dados/
304
A seguir serão discorridas brevemente as fases da entrevista de Bardin (1977/2016), sendo
que a análise completa da entrevista, em seu detalhamento, poderá ser encontrada no Apêndice
IV, permitindo a observação do passo a passo até se chegar nas categorias e suas respectivas
Bardin (1977/2016) orienta que para se iniciar a Análise de Conteúdo, organize-se três
1) pré-análise;
2) exploração do material;
Fase 1 – Pré-Análise
sobre possíveis teorias que possam ser utilizadas – importante esclarecer que sendo o instrumento
pesquisa),
305
- 2.4) pertinência (os documentos necessitam estar adequados ao objetivo do estudo),
meio dos questionamentos manifestos durante a análise e verificar estão alinhadas aos objetivos a
material a fim de se facilitar a manipulação deste para análise. (Bardin, 1977/2016; Julio et al.,
2017).
Nesta fase, o corpus da pesquisa, entrevistas e testes, será estudado de forma aprofundada,
Nesta fase, considerando que esta pesquisa é qualitativa, deverão ser compreendidas as
que este se dividirá em unidade de registro (compreender o conjunto de palavras a que o documento
306
2- Enumeração: escolha das regras de contagem: contagem das unidades de registro a partir
das enumerações: presença (ou ausência), frequência, frequência ponderada, intensidade, direção,
ordem, coocorrência.
De acordo com Bardin (1977/2016) esta fase permite que se condense ainda mais os dados
obtidos nas etapas anteriores, sendo possível reagrupá-los novamente, caso seja necessário,
Após a realização de todas as etapas e regras, foi-se possível chegar as categorias temáticas
e suas subcategorias
Feitas estas inferências, seguiu-se com a análise dos dados, partindo-se para o teste
307
6.3 Análise do Teste Psicológico Inventário de Depressão Beck – BDI-II
de Beck, de acordo com Silva, Wendt e Argimon (2018) foi desenvolvido por Beck, Ward,
Mendelson, Moch e Erbaugh no ano de 1961 e foi adaptada por Clarice Gorenstein, Wang Yuan
Pang, Irani de Lima Argimon e Blanca Susana Guvara Werlang para população brasileira no ano
de 2011.
Beck, conforme Silva, Wendt e Argimon (2018), é de autoria de Aaron T. Beck, Robert A. Steer
e Gregory K. Brown e foi desenvolvida em 1966 e adaptada para população brasileira em 2011,
por Cunha e, em 2014, foi realizada sua 5ª reimpressão. Este inventário tem como editora a Casa
intensidade da depressão.
O BDI-II é um teste composto por itens relacionados aos sintomas depressivos, podendo
ser respondido por pessoas a partir de 13 anos de idade. A aplicação pode ser realizada de forma
e a amostra contou com 12 participantes sendo 5 mulheres lésbicas, 1 mulher transexual lésbica e
6 homens gays, com idades/número de participantes respectivos (entre parênteses), 23(1), 25(1),
28(1), 31(1), 36(2), 38(1), 40(1), 42(1), 54(1), 61(1) e 66(1), obtendo uma média de 40 anos para
308
as idades, atualmente residentes/número de participantes (entre parênteses) em Santo André (2),
São Paulo (6), Porto Alegre (1), Curitiba (1), Salvador (1), Rio de Janeiro (1). Em termos de
médio completo (1), superior incompleto (3), superior completo (2), doutorado completo (1),
São Paulo e Santo André, com escolaridade prevalentemente para superior incompleto (25%),
zelar por suas identidades, receberam os nomes de E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11,
E12, sendo que é E significa entrevistado e o número atribuído, trata-se da ordem em que as
entrevistas ocorreram.
Destas pessoas 34% (4) destas pessoas eram professores/as universitários/as, 17% (2)
psicólogas e, os demais 49% (6 pessoas), equivalendo a 8,16% para cada participante, (1)
não estudava.
O inventário de depressão Beck seguiu a metodologia definida pelo teste para a organização
dos dados e realização das análises e os resultados do teste apontaram que na população pesquisada
309
Figura 42
Depressão/Sofrimento Depressão/Sofrimento
grave mínimo
2; 17% 3; 25%
3; 25%
Depressão/Sofrimento 4; 33%
moderado
Depressão/Sofrimento
leve
obteve-se:
Figura 43
310
Tabela 2
Grau de
Participante Qti. Idade Escolaridade
Sofrimento/Depressão
E9 2 Grave 28 anos superior incompleto
E10 Grave 38 anos superior completo
E1 Leve 61 anos pós-doutorado incompleto
x escolaridade, encontrou-se:
311
Figura 44
Tabela 3
E6 3 Mínima doutorado
312
E2 Moderado pós-doutorado incompleto
Figura 45
313
1
4
3
7
6
5
11
Nº
TÍTULO DO EIXO
Tabela 4
10
20
30
40
50
70
0
60
Figura 46
E1
E4
E3
E7
E6
E5
E11
E9 sofrimento grave
superior incompleto; 1; 28
Participantes
E10 sofrimento grave
superior completo; 1; 38
Leve
Leve
Leve
Leve
E7 sofrimento leve superior
Mínimo
Mínimo
Mínimo
incompleto; 1; 23
Grau de Sofrimento
E1 sofrimento leve pós-
doutorado incompleto; 1;
1
61
E5 sofrimento mínimo
doutorado incompleto; 1;
40
E6 sofrimento mínimo
doutorado completo; 1; 54
A MO S T R A PE S Q U I S A D A
Superior completo
superior completo; 1; 66
Superior incompleto
Superior incompleto
Doutorado completo
Escolaridade
E8 sofrimento moderado
Doutorado incompleto
ensino médio completo; 1;
25
Pós-graduação incompleta
Pós-doutorado incompleto
E2 sofrimento moderado
pós-doutorado incompleto;
1; 36
E12 sofrimento moderado
pós-graduação completa; 1;
42
61
36
31
23
66
54
40
Idade
314
8 E8 Moderado Ensino médio completo 25
diferenças que auxiliem na interpretação dos resultados e, nesta perspectiva, evidenciou-se que as
haver interdependência entre si, de modo que o sofrimento pode estar presente em todas as
Verificou-se ainda que nas pontuações de sofrimento, a predominância foi para o grau de
sofrimento/depressão leve com 33%, identificando-se 4 participantes nesta pontuação, sendo que
1 deles com 23 anos de idade e escolaridade superior incompleto; 1 com 31 anos e superior
incompleto.
sendo localizados 3 participantes para sofrimento mínimo, sendo 1 participante com 40 anos de
idade e doutorado incompleto; 1 com 54 anos e doutorado completo, 1 com 66 anos e superior
completo.
315
Em paralelo a esta pontuação, para o grau de sofrimento/depressão moderada, obteve-se
25% da população pesquisada, ou seja, 3 participantes compostos por 1 pessoa com 25 anos de
idade e ensino médio completo; 1 com 36 anos e pós-doutorado incompleto; 1 com 42 anos de
grave, sendo 1 pessoa com 28 anos de idade e ensino superior incompleto; 1 com 38 anos e ensino
superior completo.
apresentados.
De acordo com Fleck (2000), não havendo uma concordância na definição de qualidade de
vida, a Organização Mundial de Saúde – OMS foi em busca de especialistas de todas as partes do
mundo que pudessem definir este conceito e nomeou o grupo The WHOQOL Group. Este grupo
chegou-se ao consenso e que qualidade de vida dizia respeito “a percepção do indivíduo de sua
posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos
316
Trata-se, portanto, de um conceito compreende “a complexidade do construto e inter-
relaciona o meio ambiente com aspectos físicos, psicológicos, nível de independência, relações
sociais e crenças pessoais” (Fleck, 2000, p. 34), ou seja, a qualidade de vida “reflete a natureza
subjetiva da avaliação que está imersa no contexto cultural, social e de meio ambiente”, ou seja,
composto por 100 questões referentes aos domínios “físico, psicológico, nível de independência,
domínios dividiam-se em 24 facetas exclusivas e uma 25ª pergunta geral sobre qualidade de vida.
avaliação mais curto e que demandasse menos tempo em sua aplicação, desenvolveu-se o
mulher transexual lésbica e 6 homens gays), seguindo-se a metodologia definida pelo instrumento
para a organização dos dados e realização das análises e obteve-se como resultado de qualidade de
vida, conforme conceito definido pelo WHOQOL Group (1995), como “a percepção do indivíduo
de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação
aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”, o que a seguir segue explicitado.
317
Questão “Como você avalia sua qualidade de vida?”
Esta questão busca avaliar como a entrevistado percebe sua qualidade de vida de modo
geral.
Figura 47
0; 0% Necessita 1
melhorar
4; 33%
5; 42%
Regular 2
3; 25% Boa 3
Muito boa 4
O gráfico aponta para que dos 12 participantes entrevistados, 42% (5 pessoas) percebem-
se com uma qualidade de vida boa; 33% (4 pessoas) com uma qualidade de vida que necessita
Esta questão busca avaliar como a entrevistado percebe sua qualidade de vida em termos de sua
saúde.
318
Figura 48
O gráfico aponta para que dos 12 participantes entrevistados, 34% (4 pessoas) acreditam
que necessitam que sua saúde necessita de melhoras; 33% (4 pessoas) percebe-se com uma saúde
Domínio Físico
dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividades da vida cotidiana,
Para se avaliar o domínio físico, as seguintes perguntas foram feitas aos participantes:
• Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?
319
• Quão bem você é capaz de se locomover?
• Quão bem você está com sua capacidade de desempenhar as atividades do seu dia a dia?
• O quanto você precisa de algum tratamento médico para levar sua vida diária?
Figura 49
Domínio Físico
Pelos dados reunidos no gráfico acima, pode-se observar que 42% (5 pessoas) dos
participantes da pesquisa necessitam melhor seu domínio físico; 33% dos participantes (4 pessoas)
tem um bom domínio físico e 25% dos participantes (3 pessoas) tem um domínio físico regular.
Domínio Psicológico
320
concentração, auto-estima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos,
espiritualidade/religião/crenças pessoais.
participantes:
• Com que frequência você tem sentimentos negativos como mau humor, desespero,
ansiedade, depressão?
Figura 50
Domínio Psicológico
321
Pelos dados compilados no gráfico acima, permitiu-se notar que 50% (6 pessoas) dos
participantes da pesquisa necessita melhor seu domínio psicológico e 50% dos participantes (6
Relações Sociais
sexual.
Para se avaliar as relações sociais, as seguintes perguntas foram feitas aos participantes:
• Quão satisfeito(a) você está com suas relações pessoais (amigos, parentes, conhecidos,
colegas)?
• Quão satisfeito(a) você está com o apoio que você recebe de seus amigos?
• Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de desempenhar as atividades do seu dia
a dia?
322
Figura 51
Relações Sociais
De acordo com o gráfico acima, possibilitou-se observar que 75% (9 pessoas) dos
participantes da pesquisa tem relações pessoais regulares, 17% (2 pessoas) necessitam melhorar
Meio Ambiente
O meio ambiente diz respeito à segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos
Para se avaliar o meio ambiente dos participantes da pesquisa, foram feitas à eles as
seguintes perguntas:
323
• Quão seguro(a) você se sente em sua vida diária?
• Quão satisfeito(a) você está com o seu acesso aos serviços de saúde?
• Quão disponíveis para você estão as informações que precisa no seu dia a dia?
Figura 52
Meio Ambiente
Meio Ambiente
0; 0% Necessita 1
2; 15%
melhorar
3; 23%
Regular 2
Boa 3
8; 62%
Muito boa 4
324
O gráfico acima permitiu notar que 62% (8 pessoas) dos participantes da pesquisa está
inserido em um meio ambiente regular; 23% (3 pessoas) tem um bom meio ambiente e 15% (2
onde:
- domínio físico refere-se a dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade,
trabalho;
espiritualidade/religião/crenças pessoais;
- meio ambiente diz respeito à segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos
seguintes dados:
325
Figura 53
Qualidade de Vida de E1
Qualidade de Vida de E1
Percepção da
Boa
Qualidade de Vida
Figura 54
Qualidade de Vida de E2
Qualidade de Vida de E2
Percepção da qualidade
de vida e da saúde,
Regular
relações sociais, meio
ambiente
326
Figura 55
Qualidade de Vida de E3
Qualidade de Vida de E3
Percepção da qualidade
de vida e da saúde,
Regular
relações sociais, meio
ambiente
domínio físico e
Necessita Melhorar
domínio psicológico
Figura 56
Qualidade de Vida de E4
Qualidade de Vida de E4
Regular Relações
sociais
Domínio físico e
Necessita Melhorar
domínio psicológico
Percepção da
qualidade de
Boa
vida e da saúde,
meio ambiente
327
Figura 57
Qualidade de Vida de E5
Qualidade de Vida de E5
4,5
Domínio físico,
4 domínio
3,5 psicológico,
relações sociais,
3 meio ambiente
Percepção da
2,5 qualidade de
vida e da saúde
2
1,5
1
0,5
0
Boa Regular
Figura 58
Qualidade de Vida de E6
Qualidade de Vida de E6
3,5 Percepção da Dompinio
qualidade de psicolóigo,
3 vida e da saúde, relações sociais,
domínio físico meio ambiente
2,5
1,5
0,5
0
Boa Regular
328
Figura 59
Qualidade de Vida de E7
Qualidade de Vida de E7
3,5
2,5 Percepção da
qualidade de
2 vida e da saúde,
domínio físico,
1,5 Dompinio
psicolóigo,
1 relações sociais,
meio ambiente
0,5
0
Regular
Figura 60
Qualidade de Vida de E8
Qualidade de Vida de E8
Domínio físico,
psicológico,
Necessita Melhorar
relações sociais,
meio ambiente
Percepção da
Boa qualidade de vida
e da saúde
329
Figura 61
Qualidade de Vida de E9
Qualidade de Vida de E9
Domínio físico,
relações
Regular
pessoais, meio
ambiente
percepção da
qualidade de
Necessita Melhorar vida e da saúde,
domínio
psicológico
Figura 62
Percepção da
qualidade de vida
e da saúde,
domínio físico,
Necessita Melhorar
Dompinio
psicolóigo,
relações sociais,
meio ambiente
330
Figura 63
3,5
3 Percepção da Percepção da
qualidade de vida, saúde, domínio
2,5
domínio físico, psicológico
2 relações sociais,
meio ambiente
1,5
0,5
0
Boa Regular
Figura 64
Domínio
psicológico,
Regular
relações sociais,
meio ambiente
Percepção da
Necessita Melhorar qualidade de
vida e da saúde
Participante da Pesquisa
Figura 65
332
333
334
335
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora
participantes) revelou a percepção de qualidade de vida dos entrevistados entre boa, regular e
entre regular e necessita melhor, despontando uma maior fragilidade nestes contextos.
psicológico, as relações sociais e o meio ambiente acentuaram-se ainda mais, podendo ser
Esta subseção tem como proposta realizar a análise das categorias temáticas a que a Análise
permitiu se chegar, sendo elas: a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? b) Sou Gay /
Sou Lésbica. O que eu percebo e como eu me sinto? c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? E,
336
Cada categoria temática apresentou as suas respectivas subcategorias, as quais serão
contempladas nesta análise: a.1) Família. amigos, política, religião; a.2) Medo, preconceito e
Educação/Informação.
Tabela 5
Esta categoria discorrerá sobre como é o contexto de vida de gays e lésbicas com relação a
sua família, amigos, política e religião, no que se refere a forma como estes núcleos respondem a
337
de cada um deles na vida destas pessoas. A categoria Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu
dada a família; a preocupação em contar ou não contar sobre a orientação sexual e o medo de ser
rejeitado pela família; a reação da família frente a revelação (não aceitação x aceitação) da
família; expulsão do/a filho/a de casa, aos pais ao sabê-lo/a homossexual/lésbica; o não falar mais
pais em o/a filho/a mudar de orientação sexual e ser só uma fase; moralismo na família; tentativa
de mudar para agradar aos pais; tentativa de namorar pessoas do sexo oposto para agradar aos pais;
as agressões físicas e verbais advindas dos pais e irmãos, o sofrimento e as consequências destas
- Amigos: A reação dos amigos frente a revelação de sua orientação sexual; rejeição x
acolhimento dos amigos; a importância de todos os amigos saber-lhe gay ou lésbica; a importância
deste núcleo enquanto rede de apoio e acolhimento na vida destas pessoas; a ajuda de terceiros no
direcionamento às ONGs e outros auxílios; acolhimento por pais de amigos; à possibilidade de ser
orientação sexual concebida como forma de pecado e erro; a não aceitação de familiares
evangélicos aos seus filhos/as homossexuais/lésbicas; a dor das pessoas que são evangélicas e se
338
seguir com o discurso de que ser homossexual/lésbica é pecado, arrastado, assim, os seus fiéis para
esta crença e para longe dos seus filhos/as; a expulsão dos/as homossexuais/lésbicas das igrejas; o
líder de Estado que governa pautado em sua religião e quando esta religião é a evangélica;
significado para gays e lésbicas de a família ter votado no Bolsonaro à presidente da República e
com permissão para atacar os homossexuais e as lésbicas; os ocorridos com estas pessoas após às
eleições para presidente da República em 2018; rompimentos com as pessoas que votaram no
Bolsonaro por este fato ser sinônimo de desejar a sua morte, já que ele prega preconceito e
política; os políticos que se utilizam do discurso de viés religioso para colocar a população contra
gays e lésbicas.
Para este objetivo, esta análise se utilizará das entrevistas realizadas com os 12
6.6.1.1 Família
O alcance e a constituição familiar que serão abordados nesta subseção abarcarão mãe, pai,
irmãos, filhos, enquanto família nuclear, sendo os tios, tias, avós, avôs e cônjuges dos
entrevistas.
339
Ao se refletir sobre a família e sua importância na vida do sujeito, pode-se concebê-la, de
acordo com Jung (1959/2014a), a partir dos arquétipos presentes no inconsciente coletivo da
E, no contexto da família (Jung, 1959/2014a), o pai é aquele que é provedor, que é protetor,
que cuida da família e protege o seu lar. É também aquele que dá segurança ao filho para que ele
possa ir para vida e, se precisar, poderá voltar que o pai estará lá para recebê-lo de volta e ajudá-
lo. A mãe, por sua vez, é aquela que protege, nutre, cuida, organiza, alimenta e fornece subsídios
para que o filho se desenvolva na vida. O arquétipo do filho, por sua parte, é aquele que fará de
Postula Jung (1959/2014a; 1967/2013a) que todo arquétipo é dual e reúne em si uma gama
de possibilidades, o que significa dizer que ele possui luz e sombra, deste modo, podemos olhar,
por exemplo, para o arquétipo da mãe como aquela que protege, mas que também pode vir a
colocar este filho frente as ameaças da vida, a fim de que ele cresça e evolua.
De acordo com Jung (1959/2014a) não temos acesso ao arquétipo em si, mas às
experiencias ou imagens arquetípicas, de modo que o arquétipo é uma forma, é algo que antecede
que dependerá de quem o vivencia e do momento que esta experiência se dará. Pode-se fazer uma
analogia a foto tirada pela máquina fotográfica, no qual o negativo corresponderá ao arquétipo, ao
A partir deste pensamento, para um filho gay ou uma filha lésbica, que assim como
qualquer outro/a filho/a, possui o desejo de ser aceito/a e amado/a por seus pais e familiares,
340
por receios, dúvidas, insegurança e medo de não ser aceito, de não ser amado, de ser expulsos de
casa etc.
A família pode funcionar como uma importante rede de apoio na vida de gays e lésbicas e,
quando isto não ocorre, estas pessoas buscarão pelo apoio dos amigos com a finalidade de
compartilhar e dividir suas apreensões e as dificuldades pelas quais passa, em busca de ajuda e
compreensão.
Por outro lado, quando pode contar a família, estas pessoas terão um porto seguro e o
amparo necessário para lidar com as adversidades da vida, especialmente em casos de homofobia
e lesbofobia, como foi com E3 (2022), em que a manifestação da homofobia, por meio da sombra
coletiva (Jung 1954/2013; Schmookler, 1980/2012; Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021),
E3, gênero masculino, 31 anos, descobriu-se homossexual por volta dos 14, 15 anos de
idade e relata ter se sentido com muito medo, pois na época frequentava uma religião evangélica
que condenava a homossexualidade, então levou algum tempo para se permitir viver sua
Foi assim, quando eu tinha 16 anos, eu namorei um rapaz e ele era mais velho que eu, né?
Eu tinha acho que uns 30 anos mais ou menos, não, uns 26 anos, vinte e pouquinhos anos,
acho que não era tão mais velho não, e aí uma... uma hora que eu tava tomando banho, eu
tinha um celular, aqueles celulares antigos, que não tinha senha nada e aí ele pegou e
mandou pra mim uma mensagem, dizendo que tava com saudade da gente se beijar, enfim,
aquela coisa íntima e aí minha irmã pegou a mensagem e acabou contando pra minha mãe
no desespero. E foi então que na verdade não foi uma escolha minha, né? Acabou
acontecendo deles ficarem sabendo e aí acabou que a família inteira soube [...]. Minha mãe
341
ficou uns dois anos pra aceitar de fato, né? Porque ela não conseguia aceitar, aquela
situação, né? Mas ela também nunca me tratou mal, nunca, sabe? Eu tinha muito medo de
como que isso ia acontecer, né? [...]. E aí meu pai meio que aceitou de primeira, mas ele
sempre ficava naquela, de passar uma mulher bonita na rua e ele comentava, falava o que
eu achava, sabe? E a minha irmã, foi um pouquinho mais difícil, porque ela já é mais
geniosa [...]. Eu senti que ela demorou bastante, até mais do que a minha mãe, pra ela
realmente definitivamente aceitar, né? [...], mas, graças a Deus, hoje a gente tem uma
relação muito boa, maravilhosa inclusive, eu tenho o apoio deles pra tudo assim, sabe. (E3,
2022).
Pelo relato de E3 (2022), pode-se notar que sua família teve dificuldades iniciais em lhe
aceitar, e que, a princípio a revelação de sua sexualidade deu-se a sua revelia, podendo inclusive
significar que ele estava pronto para isto ainda. Quando E3 (2022) relata que sua família o aceitou
notadamente quando ele diz “[...], mas, graças a Deus, hoje a gente tem uma relação muito boa,
com seu namorado. Tem bom relacionamento com a família e se encontra bastante abalado por ter
descoberto recentemente que o pai está com câncer e metástase no corpo 75. Está vivendo um
momento bastante difícil, pois tem em sua família um respaldo e uma ligação muito fortes.
O apoio da família é, como pudemos observar neste relato, e como Jung (1954/2013)
postula, crucial na vida do indivíduo. Quando não se pode contar com este apoio, o sentimento de
75
Nota: No mês de outubro deste ano, tomei conhecimento de que E3 havia perdido o pai para o câncer e se encontrava
bastante abalado, pois via no pai um porto seguro em sua vida, especialmente nos momentos em que mais precisou de
ajuda. Segue em acompanhamento psicoterapêutico.
342
abandono e de não se ser amado, adentra-se e se alastra pela vida de gays e lésbicas, contribuindo,
inclusive para que estas pessoas desenvolvam sintomas que poderão se fazer presentes
E2, gênero masculino, 36 anos, descobriu-se homossexual por volta dos 17 anos e se sentiu
internamente em conflito, pois vinha de uma família cristã e católica. “Eu me sentia um E.T. [...]”,
[...] quando de fato eu entendi que eu seria gay, daí eu decidi então já conversar com meus
pais. Eu já tava com 17 anos e conversei primeiro como meu pai, porque eu considerei que
seria mais difícil conversar com ele, porque meu pai veio da zona rural de Santa Catarina.
[...] E no primeiro momento foi tudo muito tranquilo. A minha mãe, eu tive muito mais
resistência da minha mãe do meu pai nesse início. A minha mãe ficou uns 3, 4 meses sem
falar comigo direito, né? [...] E daí, eu só fui ter problemas com o meu pai, foi quando eu
estava… com o meu segundo namorado, porque daí ele percebeu que aquilo não era uma
coisa passageira [...] e ali a gente teve uma briga muito séria, ele quase se divorcia da minha
da minha mãe nesse período [...], então ela ficou ali 4 meses em crise, mas depois ela tocou
a vida e tudo ficou normal. Mas daí nesse momento ele me deu um ultimato, ele achava
errado a minha mãe não se opor a minha homossexualidade, ela deveria se opor a isso. E
daí ela virou pra ele e falou, “você tá querendo fazer eu escolher, entre você e meu filho.
Então eu vou escolher, meu filho”. Ele chegou a dar entrada na papelada do divórcio, saiu
de casa, morou 3 anos fora de casa e eu fiquei de 3 a 4 anos sem falar com ele. (E2, 2022).
Foi um momento bastante delicado e turbulento na vida de E2, conforme se pode observar
por meio de seu relato e, como repercussão desta atitude de não aceitação dos pais, ele se sentiu
343
não amado, vindo, a partir daí, conforme relata, a desenvolver transtorno de ansiedade. Assinala
E2 (2022):
[...] eu acho que o mais complicado, é porque a gente..., eu me senti como não amado, né?
Então, quer dizer, cadê esse amor de pai? Eu tive que ouvir do meu pai nessa época, que
ele preferia que eu fosse drogado, que eu fosse traficante, bandido, do que fosse
homossexual. [...]. E, por muito tempo, eu também considero que isso teve um impacto
bem ruim, por exemplo, hoje eu tenho transtorno de ansiedade, eu acredito que grande parte
desse diagnóstico vem, porque eu meio que introjetei que eu não tinha valor por ser quem
eu era, então eu tentava compensar, eu tinha que ser o melhor [...] para compensar esse não
valor. [...]. E assim, até hoje eu convivo com transtorno de ansiedade, o psiquiatra já falou
que não tem cura, que o transtorno de ansiedade me acompanha pelo resto da vida, a gente
passa por períodos em que a gente, enfim, não precisa da medicação, mas dependendo do
período da vida tem que retornar com a medicação, enfim, eu passo por períodos em que
reduz a medicação, já cheguei a passar períodos sem tomar nenhuma medicação, só com a
psicoterapia, e aí acontece alguma coisa na vida, algum fator mais ansiogênico, daí tem que
voltar com a medicação e, e assim, vai passando por ondas, mas eu acredito que vem muito
E2 atualmente se encontra namorando e morando sozinho. Sente que sua vida foi bastante
impactada por não ter sido aceito por seus pais. E2 tem contato com a família, mas de forma não
tão frequente.
Os arquétipos pai e mãe são universais, primais e fundamentais na vida de uma pessoa e,
embora duais, tendo luz e sombra, há toda uma expectativa de apoio, afeto, amor e segurança por
parte de quem os vivencia. A partir da ótica junguiana, pode-se compreender que a experiência
344
arquetípica para E2, ao que se refere ao amor, apoio, afeto e segurança do pai e da mãe, foi contrária
Ainda que não se tenha a vivência arquetípica favorável por parte de pai e mãe, quando se
tem a experiência positiva vivenciada em um dos dois e parcialmente positiva no outro, ainda é
possível se desenvolver a segurança frente a vida, muito embora, fique, no relato que seguirá
abaixo, de E7, mais uma vez evidenciada que, a homofobia, assim como a lesbofobia, pode levar
E7, gênero masculino, 23 anos, percebeu-se homossexual aos 13, 14 anos e alega ter lidado
bem com a descoberta, aceitando sua orientação sexual. Todavia, com a família, especialmente
com a mãe, ele não foi bem aceito no início, o que repercutiu em sofrimento e afastamento entre
a desconfiar e ela me colocou contra a parede, num determinado momento, e aí foi quando
eu realmente abri e falei tudo que estava acontecendo e foi o momento em que tudo virou,
né? Bom, ela disse que jamais aceitaria e foram vários meses assim, de conflito, que foi
quando eu fui morar com o meu pai. [...] com o tempo eu fui percebendo que isso seria um
problema no futuro e por um bom tempo, meu planejamento para o futuro era, eu vivo a
minha vida do jeito que for possível até eu ter minha independência e aí, a partir daí, eu
posso fazer o que eu quiser. Até esse momento eu não vou ter a minha vida, de certa forma
ela será bem restrita, eu não vou poder ter um relacionamento, não vou poder desenvolver
algo com alguém. Eu levo isso até lá no futuro, quando eu tiver meus 20, 25, 26 e depois
disso aqui é vida que segue. Eu não preciso compartilhar essa parte da minha vida com ela,
mas..., no meio do caminho, tudo virou e não foi como planejado. [...] A gente discutia
345
bastante. As discussões foram diminuindo até que o rumo da conversa foi mudando e ela
passou para uma conversa no sentido de querer entender melhor e conhecer. Até que ela
aceitou conhecer a pessoa com quem eu me relacionava e a partir daí as coisas ficaram
melhores. Mas um conflito, assim, o mal-estar, continuou depois disso. Com o tempo, a
aceitação em relação à minha orientação sexual, depois disso, passou. (E7, 2022).
Com relação ao pai, E7 (2022) conta que, quando saiu da casa mãe, ao procurar pelo pai,
foi por ele acolhido e tiverem uma conversa melhor que entre ele e sua mãe. Desta forma, seguiu
morando com o pai e segue até hoje. Pondera E7 (2022) que ao se encontrar com o pai a conversa
[...] aí eu expliquei para ele o que que era a desconfiança dela. Eu falei, realmente, é isso
que está acontecendo, e “ele" não é só meu amigo. [...] em primeiro momento ele falou,
cara, você sabe que não é exatamente confortável para mim, mas, eu quero que você seja
E7 (2022) considera que a atitude da mãe para com ele os distanciou, apesar de conviverem
doloroso e difícil o processo de revelação aos demais membros da família, pois há acolhimento e
isto pressupõe um sentimento de segurança e apoio, como podemos ver no relato de E1 (2022).
E1, gênero feminino, 61 anos de idade. Estava casada e com 2 filhos na época em que se
descobriu lésbica. Tinha nesta ocasião aproximadamente 28 anos, aceitou-se como lésbica e se
permitiu viver sua sexualidade, revelando-a, na sequência, para sua família. E1 (2022) relata ter
346
pensado a melhor forma de contar para cada familiar, mas, conta que, por fim, houve uma boa
percebeu que se tratava de uma forma de violência e não mais a aceitou. E1 (2022) descreve que:
Para cada um foi em instante separado, né? Primeiro, o marido com esse acordo de
cumplicidade e discrição. Mas aí, veio os filhos, né? Como é que fala para os filhos? [...] a
minha irmã, eu contei para ela na década de 90, meados de 90, ela veio para cá passar uns
dias aqui comigo. [...] não impactei ninguém. [...] Pra minha mãe, não fui eu que contei,
né? Foi a minha irmã que contou, porque minha irmã foi embora, voltou pra casa, contou
se saia de um armário, a cada nova pessoa que se conhece uma nova porta se abre para um novo
armário, e sair dele dependerá de novos recursos internos e prontidão para exposição ou para o
escolhas serão feitas de acordo com a vivências e as possibilidades de cada um. Para alguns, o
armário pode ser uma proteção, mas, “essa assertiva é tão ilusória quanto perigosa, pois o
porque ambas se vincularem a igreja evangélica e são eleitoras de Bolsonaro, relata, o que, de
acordo com E1 (2022), dificulta a relação, uma vez que se trata de duas vertentes, igreja evangélica
Embora E1 tenha tido uma aceitação favorável por parte de seus familiares, este fenômeno
nem sempre ocorre, sendo mais comum a reação de rejeição, discriminação, a violência verbal
e/ou física e mesmo a expulsão do/a filho/a de casa, pelos familiares, frente a revelação da
347
sexualidade deste, pelo que pode-se observar pelos recortes das falas que trazidas a seguir de outros
entrevistados, em especial com o relato de E8 (2022), que passou por esta vivência, a qual marcou
sua vida, causando-lhe demasiado sofrimento e cuja as consequências ele as vivencia até hoje,
E8, gênero masculino, 25 anos, percebeu-se homossexual desde criança e seus pais sempre
foram bastante agressivos e violentos com ele por perceberem sua homossexualidade e não a
Eu sempre me atraí mais por meninos, por coisas de menina, sempre me percebi diferente
dos outros e eu comecei a demonstrar, a ter traços, ter relances diferentes e os meus pais,
eles foram as pessoas mais homofóbicas e até hoje são na minha vida. Eles não aceitavam
e meio que me cortavam, eu tive uma infância muito difícil, principalmente com a minha
mãe. Minha mãe foi, eu acho que ela foi pior do que o meu pai, o meu pai ele já não
aceitava, mas ele não, como posso dizer, ele não tava o tempo todo vigiando. A minha mãe,
ela já tava sempre, o tempo todo atrás de mim, sempre me dava uma surra ali outra aqui,
sempre tava me chamando atenção. Então assim, eu fui começando a me moldar, daí eu fui
começando a ter uma outra personalidade. Tanto que hoje em dia eu sou uma pessoa mais
fechada, né? Eu também venho de uma família muito evangélica, cristã, nordestina. O
homossexualismo sempre foi visto como um tabu mesmo, sabe uma coisa, até mesmo do
E8 conta que tem 4 irmãos, sendo que, especialmente um de seus irmãos, o que veio a
falecer, não o aceitava e o agredia verbalmente com frequência, fazendo-o por meio de áudios e
mensagens e, inclusive, após a última mensagem enviada pelo irmão, antes de vir a falecer, E8
(2022) conta com bastante sofrimento que a deletou, imaginando que fosse mais uma agressão do
348
irmão a ele, e sente-se mal até hoje por ter feito isto e não saber o teor da mensagem. Relata E8
(2022):
Esse meu irmão, ele era muito homofóbico, esse que faleceu, quando eu me assumi com
23 anos, assumi de fato, sabe? Eu fui expulso de casa, minha mãe me botou pra for a, pegou
minhas coisas e disse “hoje você não mora mais aqui”. E eu não tive apoio de ninguém. Eu
só fiquei sabendo por uma vizinha que minhas coisas estavam sendo tiradas. Nem consegui
entrar na casa, peguei o que eles botaram para fora e vim embora pra São Paulo. Esse meu
irmão era muito homofóbico e antes dele morrer, ele me mandou uma mensagem, acho que
uns 3 dias antes. Uma mensagem de áudio que eu não cheguei a escutar, porque
antigamente já tinha mandado outras, me chamando de viadinho, é que eu tava... [...] tava
dando o cú na república, que eu não prestava, então eu escutava, sabe, essas coisas. Quando
eles ficaram sabendo que eu vim para São Paulo… porque eu sempre quis vir para São
Paulo, porque eu achava que aqui eu poderia ser mais aceito. Eu poderia crescer mais. Eu
E8 (2022) considera que todas as homofobias que ele sofreu, a da família foi a mais
dolorosa: “Sofri várias homofobias [...] Eu acho que da minha família que foi pior, porque eu era
de quem, de quem eu deveria ter apoio, então eu não tive em toda minha família e isso foi pior”.
Relata que foi muito difícil para ele e que se sentiu sem valor.
Conta E8 (2022), inclusive, que teve uma cachorra que ficou na casa dos pais quando ele
saiu de lá, mas teve que ir buscá-la e acabou tendo que doá-la, por não poder seguir com ela, devido
a dificuldades financeiras que estava enfrentando em São Paulo, ao vir para cá. Esta narrativa de
E8 permite se observar que além de não poder contar com o suporte da família, que é algo
349
importante para qualquer pessoa, também ficou sem seu outro afeto, que era a cachorra, gerando
[...] Isso é, sabe, muito difícil. Eu me sinto sem valor. É o que às vezes eu me pego
pensando, eu, eu queria ter tido oportunidades, né? Eu sempre fui um ótimo aluno, sempre
fui aluno de destaque, sempre estive em primeiro lugar. Eu jogo bola, sempre fui muito
elogiado pelos meus professores. Eu sempre quis ser reconhecido. Sabe, eu amo animais,
eu tive uma dálmata que eu amava, e aí quando eu vim pra cá, minha mãe falou que não
queria ela lá na casa dela e eu acabei tendo que buscar e tendo que doar, porque como eu
eu vim pra cá, eu não tinha um espaço, um local pra abrigar ela. E eu morava em pensão,
né? Comecei morar em pensão, esses quartos alugados, eles não aceitam animais,
infelizmente. e eu não tinha condição de alugar um lugar maior. Eu peguei e acabei doando.
(E8, 2022).
E8 (2022) cita que passou por uma série de dificuldades ao ser expulso de casa e acredita
que sua vida poderia ter sido diferente se ele fosse aceito pela família e valorizado e, até mesmo,
poderia ter estudado e se formado, pois gostava muito de estudar e o pai não via valor nisso,
destruindo seu material cada vez que bebia e chega em casa alcoolizado. Atualmente E8 tem uma
vida mais digna, tem um namorado que o ama e a quem ama, esclarece, mas, apesar disto, segue
se sentindo uma pessoa sem valor na vida. A partir das considerações feitas por Jung acerca dos
arquétipos pai e mãe, consegue-se observar a reverberação do contato com o lado sombrio destes
homossexual ser excluído pelos pais por sua orientação não lhes ser aceita e as repercussões que
estas atitudes familiares desencadeiam no cotidiano desta pessoa, abrindo feriadas para toda a vida.
350
Jung (1954/2013) considera ser totalmente relevante o papel que os pais desempenham na vida
dos filhos, sendo que uma afetividade inadequada, pode vir a afetar os filhos em suas sexualidades,
causando-lhes, inclusive, sofrimentos que irão reverberar por toda suas vidas, conforme pode-se
A expectativa de se ter amor, segurança, afeto, cuidado e outras vivências positivas com os
pais existe por parte de todos os filhos e, se a experiência positiva pode salvar vidas homossexuais
e lésbicas, o que dirá então de vidas transexuais, que são ainda mais fragilizadas pela condição de
sua identidade de gênero à que estas pessoas são expostas. E, quando se é transexual e lésbica,
somado a sua orientação sexual, a exposição pode se tornar ainda maior e mais intensa, de modo
que a proteção dos pais fará ainda mais diferença positiva para estas vidas, como no caso de E9
(2022).
E9 é do gênero masculino, mulher transexual, lésbica e tem 28 anos de idade. E9 relata que
muito preconceito, discriminação e sofrimento. E9 (2022) expõe como se iniciou e tem se dado
É, digamos bem complexo. Eu era uma criança amab76 e femme77, embora também já
andrógena, mas suficientemente femme para sofrer uma série de discriminações e bullying
desde a infância. [...] qualquer maneira que eu andava já estava errada, então, eu comecei
a andar sem andar e uma coisa assim, meio robotizada. [...] Então, com 19 anos eu,
poderia ser um homem cis. [...]. Mas então, que eu descobrir a binariedade78 [...]. E aí
76
Designada como mulher ao nascer.
77
Feminina.
78
Os dois gêneros: feminino e masculino.
351
depois, eu comecei minha transição. Ah, tá, primeiro, enfim, da não binariedade, eu pensei
que eu fosse bigênero [...], aí eu concluí que eu fosse agênero [...] E aí, eu comecei a fazer
a transição social, no início, enfim, isso acaba, eu comecei a ter uma passabilidade 79 de
mulher trans, mas ao mesmo tempo eu era essa coisa agênera80 e assintoticamente feminina
mulher. [...], enfim, eu fiquei demigênero81, que era uma espécie, como se tivesse um
volume, né, da voz interna da identidade de gênero, esse volume da voz interna da
identidade de gênero, ele passou a ser é, enfim, ele não era 100%, era uma coisa entre 0 e
1. E aí [...] porque eu não era mais agênero, mas eu não sabia, quando aconteciam assim,
possíveis flertes com outras mulheres, né, no caso mulheres trans, eu também sou trans
centrada majoritariamente, embora, nada de modo exclusivo, mas, voltando, quando tinha
esses flertes, eu, enfim, ficava pensando “tá, mas ela se atrai por mulheres?”. [...] E aí, lá
percepção da minha sexualidade, do meu romantismo, porque eu passei a perceber que meu
interesse por mulheres e pessoas não binárias, era enquanto uma mulher. (E9, 2022).
E9 (2022) descreve que este foi um momento bastante complexo, reflexivo e sofrido em
sua vida, pois estava se conhecendo e se descobrindo a cada dia e, enquanto isso, passava por uma
79
Passagem ou possibilidade da pessoa ser socialmente lida como pertencente a um grupo diferente do seu de
pertencimento.
80
Pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros de determinado contexto.
81
Pessoas que se identificam parcialmente com o outro gênero ou se identificam como parcialmente femininas e
masculinas. Não confundir como demissexual, que se trata de pessoas que se envolvem afetivamente com as outras
somente se houver afeto envolvido ou envolvimento intelectual.
352
Em termos familiares, E9 (2022) observa que recebeu mais apoio por parte de sua mãe,
especialmente depois que ela se afastou da igreja, do que de seu pai, que demonstrou mais
[...] teve uma ocasião em que eu fiquei muito machucada, porque ele, enfim, demonstrava
não ter nenhuma compreensão do que era transgeneridade, ele falou que conhecia amigos
gays que, enfim, faziam inúmeras coisas, mas era no campo privado e tal, mas que, enfim,
na vida social pública, usavam calças. O problema não era com calças, porque, enfim, eu
gosto de calças, mas era porque ele não conseguia me entender e entender o que eu era. Eu
tive essa coisa de androginia bem forte e tal, e a minha mãe, mesmo antes dela acertar nome
e pronome, ela chegou em um momento, quando ainda fazia parte de uma igreja cristã, a
me dizer algo do tipo, ou que eu interpretei, como como pecado “acho isso pecador e tal”.
E daí na verdade depois houve um momento catártico em que ela, enfim, ela que nesse
momento ela percebeu que eu era trans e, embora eu recentemente, eu acredito que eu já
tivesse falado pra ela, mas também não tenha ficado inteligível, mas de qualquer forma, ela
começou a me apoiar muito nas questões de transição e tal. Ela me dava muitas roupas
dela, comprava roupas pra mim”. [...] eu acabei me abrindo mais com a minha mãe, [...],
enfim, eu, parece que eu vi um maior acolhimento na minha mãe, aí eu me abria mais pra
E9 segue seu processo de transição como mulher transexual e lésbica e segue podendo
contar com o apoio de seus pais, ao que se consegue, pelo relato acima, perceber a importância
deste na vida de E9, uma vez que ela passou por uma série de conflitos internos, além de ter sofrido
preconceito e discriminação.
353
A homofobia e a lesbofobia por serem um fenômeno social e cultural, no qual, de acordo
com Kimbles (2014) e Franco (2022b), os grupos, buscando manterem a sua identidade cultural,
tendem a excluir o homossexual e a lésbica e, por eles não fazerem parte de uma sociedade
heteronormativa, pode, não raras vezes, contribuir para a homofobia internalizada, de modo que o
homossexual e/ou a lésbica não se aceite por um medo intrínseco do que pode vir a lhe acontecer,
evitando, assim, viver sua sexualidade, negando-a e buscando, muitas vezes, outras formas de
E6, gênero masculino, 54 anos, percebeu-se homossexual aos 15, 16 anos, mas por ser de
uma família católica, teve dificuldade a princípio para se aceitar, tentando, inclusive, viver
experiências heterossexuais a fim de enquadrar nos padrões socialmente esperados e não sofrer
[...] eu cheguei a ter uma namorada, né? Até por conta disso, acho que era uma tentativa de
eu não dizer que para mim que eu era homossexual. [...] Então, assim, a gente chegou a
namorar, mas o namoro não durou mais do que um mês, porque, assim, eu era super
comportado e era aquela coisa de pegar na mão, acho que eu não, não, não sei se eu não
tentei ir além e eu não sei por que, eu não sei por que, mas, durou um mês mais ou menos.
E aí ela terminou comigo. [...]. Eu cheguei a ter paixonites por outras mulheres, eu me
lembro de algumas [...]. Mas que nunca, ah, nem cheguei perto, sabe? Nem a olhar
diretamente, porque para mim aquilo era algo, assim, eu não queria. Assim, eu me lembro
muito, que era uma questão de eu tenho que esconder. (E6, 2022).
Entretanto, E6 sentia que desejava sexualmente os meninos e não as meninas. Relata ter
passado por momentos difíceis tentando esconder sua sexualidade das demais pessoas,
354
preocupando-se quanto a percepção de sua homossexualidade por aqueles que o circulavam, com
[...] o meu objeto de desejo certamente é, são pessoas do mesmo sexo. [...]. Eu me lembro
que no período de graduação, eu, e aí talvez eu acho que esse tenha sido o período de maior
sofrimento, pra mim, não sofrimento como, sei lá, tô com depressão, mas era um sofrimento
no sentido de, eu acho que é o período que eu mais fiz questão de, eu não posso deixar que
ninguém perceba, porque eu morava em República com homens, né? Cheguei a dividir
quarto com 3, 4 pessoas e aí eu ouvia muitos comentários do “ah, tão falando do fulano,
tão falando de beltrano, porque fulano..., entendeu? Eu me lembro que eu ficava aflito com
aquilo, assim, “nossa, será que vão perceber de mim também? Então, assim, sabe? De nem
olhar de relance. [...] eu diria que, assim, a minha afetividade e minha sexualidade ficou
anulada por conta disso. No fim das quantas, eu não vivi nem uma coisa nem outra nesse
É perceptível que E6 tenha sofrido com sua sexualidade e a impossibilidade de viver sua
homossexualidade de forma livre, desde o início, tendo lutado sempre para escondê-la das pessoas,
inclusive, de sua família, para a qual nunca contou que era homossexual. E6 (2022) relata nunca
ter tido nenhuma conversa com seus pais e irmã, sobre sua orientação sexual, porque não queria
fazê-los sofrer, porque não via necessidade de lhes contar e porque moram distantes um do outro,
[...] eu nunca tive essa conversa com meus pais, né? Nunca precisei ter. Eu me lembro que
até há uns eu via umas tias, aquelas tias mais velhas, perguntar: “e aí você não tá
namorando, não vai, não casou, não vai casar? Não sei o que, não sei o que mais lá...”. E
aí depois pararam de perguntar isso, então ninguém, ninguém pergunta mais nada hoje em
355
dia. Eu me lembro de um episódio que uma prima, inclusive uma prima já falecida, que ela
chegou, a gente era muito próximo na adolescência, depois a gente se distanciou e depois
se reencontrou, e ela chegou a fazer algum comentário do tipo “alguém chegou a dizer que
é estranho que você não tenha namorada, que não sei o que...”, tipo assim: “você vai fazer
Por meio de sua narrativa fica aclarado que E6 não contou para sua família e, de fato, sentia
que, se o fizesse, realmente a faria sofrer, então, optou por não lhes contar sobre sua orientação
sexual. E6 escolheu por seguir sua vida afetiva mantendo-a o mais anônima possível. Hoje se
coletiva (Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021; Franco, 2022b), que os homossexuais e as
Não tendo o apoio da família e das pessoas que convivem com eles, os homossexuais e as
lésbicas vão se sentindo ainda mais expostos à violência e, não raras vezes, o medo permeia estas
vidas, levando estas pessoas a desenvolverem sintomas (Ramos, 2006), tornando-as, por exemplo,
atentas e vigilantes o tempo inteiro ao que pode lhes acontecer e as violências que podem sofrer
devido a sua orientação sexual. É possível observar estas vivências e o sofrimento advindo delas,
E5, gênero masculino, 40 anos, descobriu-se homossexual entre os 15, 16 anos. Relata ter
sido um momento bastante difícil a descoberta da homossexualidade, porque era algo para ele
muito contraditório em termos de sentimentos, por ele ter uma criação católica. Por medo do que
356
poderiam lhe fazer em termos de violência, por ser gay, conta, inclusive ter desenvolvido uma
hipervigilância.
criticando e me podando, sabe? Então foi bem difícil nesse sentido e não tinha ajuda,
porque se eu fosse numa igreja, eu sabia o que de antemão iriam me falar. Eu não era
assumido para minha família, então a família não era uma opção. Amigos, eu tinha medo
de ser cortado e me detonarem, então assim, era eu comigo mesmo. [...]. Ah, eu lembro de
me sentir muito errado o tempo todo, sabe? Como se tudo que eu fizesse fosse errado, o
que eu gostasse fosse errado, então me senti errado. [...]. E muito deprimido, assim também
de ficar muito triste, né, de porque isso né, ansioso assim, ansioso porque estava sempre
vigilante. O meu terapeuta falou para mim uma vez, você deve ter desenvolvido na tua
infância já, algo chamado hipervigilância, você estava sempre atento ao mundo a tua volta
para você já pensar, como que você agiria se acontecesse tal coisa. (E5, 2022).
E5, quando se aceitou homossexual e se permitiu viver sua sexualidade, viu-se muito
sozinho e, como não havia se assumido frente a família, sentia que não poderia contar com ela.
Diz E5 (2022), “Eu não era assumido para minha família, então a família não era uma opção” e,
assim, passou por vários enfrentamentos ao longo da vida, sem contar com eles. O pai veio a
falecer e E5 (2022) observa nunca terem conversado sobre sua orientação sexual, embora, hoje,
Assim, meu pai, a gente nunca teve uma conversa sobre. Eu acho que ele sabia. Talvez
tentasse se enganar um pouco. Eu acho que essa coisa do pai e da mãe ainda tem essa coisa
de ainda, lá no fundo, esperar estar errado, esperar que seu filho seja hétero, esperar que
vai encontrar uma esposa, um marido. Mas assim, daí meu pai faleceu, não tive tempo de
357
conversar com ele sobre, então não sei efetivamente qual era a percepção dele sobre mim,
até porque quando ele faleceu, eu ainda estava numa fase de trabalhar dentro de mim, então
eu nem sei se eu saberia o que falar para ele, exatamente. (E5, 2022).
Com relação a mãe e aos irmãos, E5 (2022) relata que a mãe, no início, apresentou mais
dificuldades em aceitar, acreditando sempre que ele poderia se modificar, uma das irmãs pareceu
não ter grandes problemas com isto e a outra tentou dissuadi-lo a mudar e o irmão ficou 1 ano sem
A minha mãe no começo, pra ela foi bem difícil. Era aquela coisa assim, “ah, você não
conheceu a mulher certa. Não, mas, um dia você vai se apaixonar pela mulher certa, você
vai ter filho”. “Não, porque o homem tem que ter uma mulher”. Então, assim com a minha
mãe foi difícil nesse sentido, de ser muito conservadora, mas, aos poucos eu fui
conseguindo mudar a percepção dela. Tanto, que depois que eu apresentei meu namorado,
que eu nem trouxe como namorado, a gente nem era namorado ainda, a gente era só amigo,
ela já gostou dele. [...] Com as minhas irmãs, minha irmã mais velha não vou dizer que foi
100% tranquilo, mas acho que de todos foi a mais de boa, que menos criou problemas. [...].
Minha irmã mais nova tentou me induzir a ir para outro caminho, para o caminho certo, o
caminho da luz (risos). [...] Ah, meu irmão ficou quando ele soube, ficou um ano sem falar
Relata E5 (2022), que isto lhe causou bastante sofrimento, pois a família não tinha uma
convivência próxima, na qual todos estivessem realmente bem uns com os outros, dado que seu
irmão o evitava e sua mãe precisava escolher entre estar com um e com o outro. Sofreu por muito
tempo até que, não suportando mais, teve que reagir ao sofrimento. Conta E5 (2022):
358
Eu sofri tanto durante tanto tempo por “n” coisas, e isso, e essa história toda de família
junto…, que é como se em um dado momento, não sei se minha cabeça ou meu coração
tivesse falado assim, “cansei, cansei, cansei, não aguento mais, não aguento ficar para
baixo, me deprimindo, chorando, triste, me acabando por conta disso e dessas pessoas, não
quero mais isso para minha vida”. E é como se a partir daquele momento, aceitação ou não,
Atualmente E5 encontra-se solteiro e reside com suas tias e tem uma convivência possível
Os relatos até aqui expostos permitem considerar que, com frequência, a homossexualidade
e a lesbianidade tem sido uma descoberta realizada desde cedo na vida dos jovens e, de forma
fenômeno denominado por complexo cultural (Kimbles, 2014; Franco, 2022b), legitimam a
E4, gênero feminino, 36 anos e percebeu-se lésbica aos 19 anos, ao que relata ter sido um
grande conflito, pois isto não era uma possibilidade em sua vida. E4 não contou sobre sua
[...] a minha mãe descobriu já no dia seguinte, ela já sabia, já percebeu logo de cara. Então,
a minha mãe começou a pegar no meu pé, assim, do tipo, ela não vai dormir aqui em casa,
você tem que voltar para casa. Foi assim por um tempo grande, tal foi o conflito da minha
mãe ter entendido o que se passava, mas ela não aceitava. [...] Foi péssimo. Foi um período
terrível assim. Eu acho que isso durou pelo menos um ano, esse caos na minha casa. (E4,
2022).
359
Pela narrativa de E4 (2022), torna-se oportuno observar quão sofrido e ruim foi este período
em sua vida de não aceitação familiar, especialmente quando as demais pessoas da família
começaram a se envolver e teve sua privacidade ainda mais exposta e invadida, conforme relata:
[...] uns 6 meses depois, eu entendi que a minha família inteira sabia. Todo mundo já tinha
percebido, mas ninguém falava nada. É isso, demorou uns 6 meses para as pessoas
começarem a falar assim. E aí a coisa saiu do controle quando a gente estava passando um
ano novo na praia e ela tinha casa lá também, então ela passava o dia comigo, na praia, na
casa, tudo, e aí virou um grande bafafá na minha família. [...]. Ah, começou com o meu
avô, esse... imbecil, insuportável. Meu avô, eu falo que ele é um terrorista, e ele é até hoje.
Começou com ele falando: Essas duas aí estão parecendo aquele casal da novela. [...] E aí
a minha tia, irmã da minha mãe, veio falar comigo. [...]. Aí, na sequência, minha prima
veio falar também [...]. Meu pai, por exemplo, ele só falou alguma coisa, um ano depois,
À medida que o tempo passava, mais a mãe de E4 intensificava a pressão para com ela e
No dia dos namorados que minha mãe viu um presente de dia dos namorados em cima da
cama. Ficou louca, deu um chilique, chorou e disse: como você faz isso comigo… e não
sei o quê… e você não vai sair de casa! E aí, meu pai me chamou para conversar e falou:
ó, sua mãe falou que não é pra você sair de casa. E aí eu falei, ah, mas vou sair de casa, vou
passear. Como assim, ele falou? E seguiu dizendo: Eu não quero me intrometer, então, use
a sua liberdade com parcimónia. É meio o que ele disse na época assim, sabe? E aí eu
realmente saí de casa, fui e fiz o que eu tinha que fazer, dormi fora de novo, tudo certo,
mas aí começou a virar meio que um caos, tinha que mentir o tempo todo, sabe. Durou
360
muito tempo, uns anos de eu mentindo. E aí, nesse período, eu namorei por 5 anos. (E4,
2022).
Estes 5 anos seguiram-se desta mesma forma, considera E4, até que, quando ela terminou
o seu relacionamento e estava mal, sua mãe se reaproximou e ela disse que gostaria de viajar, ao
que sua mãe prontamente aceitou e, para E4, sua mãe viu nesta viagem não efetivamente a
possibilidade de ajudá-la com o término do namoro, mas, sim, uma tentativa de afastá-la da
A minha mãe só relaxou quando ela entendeu o que eu estava na merda né? Que eu tava
mal, porque que eu tinha terminado. Falei para ela que eu queria fazer uma viagem para a
Europa e aí ela deu um jeito de me pagar uma viagem pra Europa. “Essa vai ser a solução
E4 relata que ao voltar de viagem, 4 anos depois retomou seu antigo relacionamento e foi
morar junto com a namorada, e neste momento, não tendo mais o que fazer, a mãe parece ter aceito
E aí depois, sei lá, 4 anos depois, quando eu voltei com a M., ela aceitou quando eu falei
que eu ia morar com ela, e a partir do momento que eu fui morar com a M., ela não tinha
mais o que fazer, né? Ou ela aceitava aquilo ou ela iria se afastar de mim. [...] E aí isso foi
uma um super estresse assim, e acabou que eu fui morar com ela e aí sei lá…, 2 meses
depois, minha mãe passou a aceitar. E chamava a M. de minha filha [...], ai, as minhas duas
82
Durante as entrevistas algumas mulheres lésbicas, ao falar sobre sua sexualidade, utilizaram-se do termo
homossexualidade, sendo os relatos conservados em sua integridade.
361
Com o cenário exposto por E4, fica evidente como foi difícil para ela o período em que sua
família não a aceitava, impactando diretamente em sua vida. Atualmente E4 está namorando com
Algo bastante semelhante, no quesito de não aceitação familiar inicial, se passou com E12
(2022), que lutou por ser respeitada em todos os setores de sua vida.
E12 é do gênero feminino, tem 42 anos de idade, tem um filho adotivo junto a sua
companheira. Relata que desde os 7 anos de idade já se percebia não gostando dos meninos, mas
não tinha noção da dimensão do que isto significaria no futuro em sua vida. E12 (2022) descreve:
A minha mãe queria que eu me casasse. A minha mãe queria que eu tivesse filhos. A minha
avó olhava pra minha cara e dizia “ai, mas você não tem um namorado?”, “mas, eu sou
feliz, eu não preciso ter namorado”. Então, aí, a família começa a ser homofóbica. É porque
aí a família começa “ah, mas cadê o namorado, ah, mas onde tá o namorado?”. Eu falei
“mas, que raio, que tudo tem que ter namorado, pra ser feliz nessa vida? Eu não tenho
namorado. “Ah, você gosta de jogar bola, essas meninas aí são todas machos”. “Que bom.
Eu não sou”. Só que eu não sabia que eu gostava de meninas, né? (E12, 2022).
E12 descobriu-se lésbica entre os 16 e 18 anos. Conta que jogava bola em um grupo de
mulheres lésbica e que um dia se apaixonou por uma delas e, certo dia, a namorada foi em sua casa
[...] vira a minha avó, que era viva na época “ah, mas e o namorado?”. “Ah, vó, não quis
arrumar um namorado não, eu preferi arrumar uma amiga”. Aí ficou um silêncio, ninguém
respondeu. Aí, a minha tia, olhou assim pra minha cara. E eu dei de louca, paguei de louca.
Aí quando eu falei que eu ia sair, a minha mãe me chama e faz assim. “E12, é ou não é?”.
Aí eu fiz “é ou não é o que? Não sei o que a senhora tá falando?”. “Você sabe, é ou não
362
é?”. Eu falei “olha mãe, eu aprendi a falar a verdade. A senhora que me ensinou, mas a
senhora não tá sendo clara. Pergunta o que realmente a senhora quer saber e eu vou
responder”. “E aí, essa menina é sua namorada ou não é?”. “Agora sim, como a senhora
me ensinou a falar a verdade, eu não posso mentir. Ela é minha namorada”. [...] Aí ela fez
assim, “é, é, é, é”. Aí eu fiz “é, é isso mesmo, mas, então, eu já vou sair, que a gente vai
jogar bola, depois a gente conversa. abençoa, a senhora, pode me benzer?”. Aí eu fiz assim
né, morrendo de medo dela me dar um tapão. Mas ela nunca fez isso. (E12, 2022).
Com relação ao seu irmão, por quem E12 tem imenso carinho e excelente convivência, E12
Aí, passou um tempo, aí meu irmão pegou e falou, “E12, posso te fazer uma pergunta?”.
“Pode, o que você quer falar, fala que eu respondo pra você?”. “Ô E12, você gosta de
menina?”. “Gosto, N., gosto de menina. Isso vai te magoar, isso vai te deixar mal? O que
que eu posso fazer pra você não ficar triste?”. “Ah, E12, eu gosto de você, o que você
quiser, você vai fazer. Eu queria uma coisa só”. “O que você quer falar, fala que eu vou
fazer”. “Você promete não ser menino?”. Aí, eu falei pra ele, “olha, eu não preciso te
prometer. Eu gosto de meninas e sou menina. Eu não tenho vontade de ser menino. Mas se
um dia eu tiver vontade de ser menino, você vai ser a primeira pessoa que eu vou falar. A
gente pode combinar desse jeito?”. “Ah, pode, tudo bem!”. “Então vamos jogar bola,
vamos”. Fui jogar bola, jogamos bola a tarde inteira. (E12, 2022).
E12 (2022) menciona que, a princípio, a maior dificuldade de aceitação se deu por parte
das mulheres da sua família, mas com o passar do tempo as pessoas foram se acostumando e a
respeitando. Atualmente E12 mora e vive em harmonia com sua mãe, sua companheira e com seu
363
Quando se pode contar com a aceitação, com o suporte e com o apoio familiar, o
ajudar a suportar a discriminação social e isto se torna perceptível na narrativa de E10 (2022).
E10 é do gênero feminino, tem 38 anos e se descobriu lésbica por volta de seus 15, 16 anos,
enquanto assistia ao filme Beijando Jéssica Stein e se identificava com os pensamentos da atriz.
[...] E eu tava sozinha na sala, tava assistindo um filme na época e [...] as coisas que ela
questiona, as coisas que ela pensa em algum momento do filme [...] eu tava assistindo, eu
pensei “fodeu”, porque eu me identifiquei com as coisas que ela tava pensando. Só nessa
hora que eu pensei, tipo assim, eu acho que eu me identifiquei com os questionamentos e
isso eram coisas corriqueiras, assim, coisas que eu passava, mas eu nunca tinha dado um
nome para aquilo. Eu nunca tinha parado para pensar por que que as coisas eram daquele
jeito. E aí naquela hora eu pensei “fodeu” e aí eu lembro de ter acabado o filme, o letreiro
ficar passando, e eu ficava parada, assim, olha só, eu não estava pensando em nada. Eu só
tava assim. Só estava num estado de “fodeu”. “E aí, o que que eu vou fazer agora?”. [...]
Nossa, eu acho, foi um, quando a gente fala desespero, parece uma coisa muito, muito
agitada, mas é muito barulhenta também, né? Mas não foi, foi uma coisa bem que eu
guardei lá dentro. Eu não sabia o que fazer e nem como lidar com isso. Desejei que não
fosse verdade, não pude aceitar na hora, mas isso ficou dentro de mim. (E10, 2022).
Sendo de família oriental, E10 conta que foi ainda mais difícil lidar com este momento de
descoberta e, em posse desta angústia, primeiramente conversou com uma amiga e mais adiante
contou para sua mãe, a qual a acolheu, especialmente por não perfazer o padrão oriental, uma vez
364
que era mãe solteira e isto não é aceito na comunidade oriental. Pontua E10 (2022) como foi contar
Mas a minha mãe já não era do padrão, então, facilitou muito a minha vida. [...] eu, e eu
nasci por um acidente, mas minha mãe não se casou. Eu não conheço meu pai. [...] E teve
um dia que tava minha mãe e minha tia na cozinha. Não sei o que tava acontecendo e aí,
elas deviam tá brigando comigo, sei lá. E aí, não sei o que tinha acontecido aquele dia, eu
sei que eu já não estava normal e daí eu comecei a chorar. Eu gritei, falei, “vocês não sabem
o que acontece na minha vida, não sei o que”, e subi. Óbvio que minha mãe subiu atrás
porque ela pensou, como assim, eu não sei o que tá acontecendo na sua vida, né? [...] Ela
subiu e aí eu tava deitado na cama, chorando, com a cabeça enfiada no travesseiro, assim
sabe? Daí ela sentou do meu lado e tal, [...], falou assim “você é homossexual?”. [...] Daí
ela pôs a mão nas minhas costas assim, e começou a mexer, sabe, e falou assim “você
roubou alguma coisa?”, falei “não”, “você matou alguém?”, eu falei “não”, “então está tudo
Assinala E10 (2022) que o acolhimento de sua mãe fez toda a diferença em sua vida, pois
ela sofreu diversas formas de preconceito e teve sempre o suporte de sua mãe e de seus amigos. A
mãe contou para tia sobre a orientação sexual da filha, que era a pessoa que poderia ter mais
dificuldade de aceitar, mas E10 (2022) comenta que nunca teve nenhum problema com a tia. Para
avó não contaram e alguns anos depois sua avó veio a falecer de AVC e, relata E10 (2022), que
quando o enfermeiro a chamou e E10 foi ao quarto ver a avó que tinha falecido, percebeu, ao
abaixar a cama, que o enfermeiro havia deixado o tubo de oxigênio preso na cama, entre os ferros.
Perguntou-lhe se isto era deste jeito mesmo, ao que ele respondeu com angústia que não. E10
contou apenas para sua mãe, mas não fizeram nada contra o enfermeiro, pois para ele já haveria
365
de ser um peso para se carregar pelo resto da vida, considera E10. Depois de um tempo, seu tio
faleceu e, logo em seguida sua mãe teve um AVC seguido de infarto e veio a óbito também. A
mãe estava com 70 anos e foi muito difícil para E10 perdê-la. Atualmente E10 reside com sua tia,
namora, e recebe a namorada em casa sem nenhum impasse junto a tia. Possuem uma relação de
respeito, observa.
A aceitação dos pais aos filhos homossexuais e lésbicas constitui fator de grande
importância para que estas pessoas se fortaleçam e tenham uma autoestima positiva, sinta-se
seguras e possam, inclusive, lutar contra a discriminação, o preconceito e a violência que existe
contra pessoas homossexuais e lésbicas. Entretanto, há homossexuais e lésbicas que desde cedo
possuem intrínseco o desejo de lutar por seus direitos e pelos direitos de sua comunidade,
independentemente de serem ou não aceitos em sua família, como temos E11 (2022), que é um
E11 é do gênero feminino, tem 66 anos, adotou 4 filhos e teve vários outros filhos advindos
de movimentos LGBT. Percebeu-se lésbica desde cedo, e relata que desde pequena apreciava
observar a feminilidade das mulheres e passava horas vendo sua mãe se arrumar para ir trabalhar.
Conta E11 (2022) que, certa feita, onde morava, havia uma menina mais velha com a qual
a mãe demonstrava incômodo quando E11 estava junto, brincando, e E11 passou a prestar atenção
às conversas da mãe sobre a menina e logo descobriu que a questão era porque a menina era lésbica.
E11 passou a observar que se identificava com menina e era também lésbica. Aos 12 anos, E11
(2022) relata que se apaixonou por uma professora e logo em seguida por uma colega e foi quando
contou para sua mãe e sua família, o que foi um escândalo para eles:
Então quando eu me apaixonei mesmo, foi que eu falei “hum, agora é pra valer”. Foi por
uma professora minha, professora, na época, de português [...] E, nessa mesma época eu
366
me apaixonei por uma amiga minha de escola, “aí, ferrou”. E falei, lá em casa [...] “Tá
apaixonada pelo R.?”, me perguntaram. “Não, não é pelo R., é pela fulana”. Foi um
escândalo [...] pra a minha mãe, pra minha irmã. [...] Demorou, demorou… Mamãe, eu
acho que a mamãe morreu com grandes esperanças de que a história ia mudar. Ela aceitou,
“aspas”, já que não morava aqui mesmo, morava longe... Ela sabia que eu morava com uma
companheira. [...]. E a minha irmã foi melhorando também, nessa deu ficar muito fora,
muito, morando muito fora, e muito longe. A minha irmã foi aceitando pra se aproximar,
mas, engraçadamente, com o meu cunhado eu nunca tive problemas, ele sempre soube.
(E11, 2022).
E11 atualmente mora com sua irmã e seu cunhado e segue tendo bom relacionamento com
eles e excelente parceria com a irmã, diz que uma cuida da outra. E11 é uma pessoa pública, ativista
lésbicas, bissexuais e transexuais. E11 (2022) relata ter sofridos discriminações ao longo da vida,
A discussão sobre como é o contexto familiar de gays e lésbicas frente a sua orientação
sexual, a partir do aporte da psicologia junguiana, apoiada nos recortes das falas dos entrevistados,
subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos, que “gays
e lésbicas muitas vezes permanecem com sua sexualidade oculta (chamado armário) devido ao
medo da violência e da morte, advindas da homofobia e da lesbofobia” e que “um dos mais intensos
367
Esta discussão mostrou-se ainda bastante esclarecedora acerca da importância da aceitação
familiar atuante como fator altamente benéfico e salutar na vida destas pessoas, chegando até
mesmo a salvá-las frente a violência a que são expostas e vitimizadas. Permitiu ainda observar os
sobremaneira.
E, neste mesmo contexto, como veremos abaixo, os amigos desenvolvem papel semelhante
na vida de gays e lésbicas, atuando como fator de apoio, validação, autoestima e sobrevivência
destas pessoas.
6.6.1.2 Amigos
Assim como a família, os amigos possuem um papel bastante relevante na vida de gays e
lésbicas, fazendo, inclusive as vezes da família, quando não há aceitação e apoio em seus lares,
por seus familiares, vindo os amigos a servirem de porto seguro e confidentes de seus sofrimentos,
Os amigos são também arquétipos (Jung, 1959/2014a), assim como a família e os membros
que a compõe. Em grego, amizade, no sentido mais amplo da palavra, lealdade, comunidade e
família, vem de philia, que, para Aristóteles significava ética, virtude, de modo que a verdadeira
amizade era uma virtude, um costume, um hábito, que deveria fazer parte de uma ética interna,
que deveria ser cultivada e respeitada. Aristóteles acreditava que a amizade deveria pressupor
368
Platão, por sua vez, fazia pouca diferenciação entre “eros” e “philia”, amor e amizade, pois,
para ele, um estava contido no outro, não sendo fácil separá-los, pois que estavam interligados e
De acordo com Barcellos (2022), a amizade também advém de fratria, que, do grego,
significa amizade, fraterno, fraternidade. E, quando associada a palavra philia, diz respeito a
sendo vital na relação entre as pessoas, pois que ninguém prescinde de ter amigos, já que as
verdadeiras amizades suportam às situações mais adversas nas vidas das pessoas. E, isto se
evidencia nos recortes dos entrevistados, gays e lésbicas, ao falarem da importância dos amigos
em suas vidas.
Dos 12 entrevistados, 11 afirmaram que todos os seus amigos conhecem sua orientação
sexual, pois de outra forma não poderia ser possível uma amizade verdadeira entre eles, a saber, a
[...] Ah, não tem nenhum que eu saiba, não sou amiga de ninguém que não saiba da minha
orientação. Não gosta, um abraço. Olha, desde o meu jornaleiro até os donos de todos os
lugares que eu frequento, e garçons e garçonetes sabem, tem que saber. Eu não gosto de
gaveta, quanto mais de armário. Teve armário numa época, em que todo mundo, tava se
Apenas o entrevistado E6 (2022) alegou que, dentre seus amigos, há aqueles que
desconhecem sua orientação sexual. “[...] Eu digo assim, os amigos, amigos sabem. É..., eu não
vou dizer que todos, eu diria 80% sabem, agora, tenho alguns amigos que eu considero amigos
369
Considera Santos (2022, p. 89) que “a depender do grau de ameaça dessas revelações,
novas e diferentes personas podem se reestabelecer. Contudo, nenhuma pessoa gay pode controlar
os múltiplos códigos pelos quais a informação sobre a identidade erótica pode ser transmitida”.
Barcellos (2022) observa a amizade pressupõe aceitar o outro como ele é e pontuar, até
mesmo, quando o amigo o machuca ou mesmo quando faz coisas que ele considera como
inadequadas. A amizade pressupõe alteridade, colocar-se no outro e ser empático a este outro.
Nas relações de amizades, as pessoas tendem a buscar por grupos e indivíduos semelhantes
a si, a fim de se sentirem aceitos e validados e, estes grupos que se formam, prezam por suas
buscam aceitar as pessoas que compõe esta identidade e excluir as que não fazem parte, buscando
manterem-se seguros desta forma (Kimbles, 2014; Franco, 2022b). Isto foi possível verificar nos
recortes das falas dos entrevistados abaixo, os quais alegaram que grande parte de seus amigos são
gays e lésbicas.
[...] Minha casa sempre é muito frequentada pelas amigas e amigos. Eu quase não tenho
amigas hétero, ou não tenho. Os colegas de Universidade, são quem mais frequentam
minha casa, que fazem parte da minha vida são muito poucos. (E1, 2022).
[...] Todo o meu círculo de amizades, a maior parte deles são gays né? Eu vivo num em
[...] Hoje eu não tenho nenhum amigo assim, que não saiba, que até porque a maioria deles
Os amigos representam uns na vida dos outros uma força bastante propulsora,
370
quando a família não faz este papel de acolhimento, pelos relatos abaixo, podemos perceber a
diferença que um amigo faz para as pessoas que são homossexuais e lésbicas.
Não falei para minha família, não falei para ninguém, na verdade, pra um amigo, só ele e
mais ninguém. [...] Foi péssimo. Foi um período terrível assim. Eu acho que isso durou
pelo menos um ano esse caos na minha casa, e escondendo as coisas da minha mãe. Eu,
por sorte tinha a mãe de uma amiga, que eu era amiga da J. e ela era amiga da F., que é a
irmã mais nova da J. Então a gente ia todos os finais de semana para a casa delas. E a mãe
[...] Eu lembro que na época foi bem difícil pra eu contar para duas amigas de infância, que
a gente era amigo desde os 5 anos de idade, a gente era irmãos, bem dizer. E eu achava que
elas sabendo, eu ia ser rejeitado, como eu tinha sido rejeitado por vários, entre aspas,
amigos, colegas da escola, e eu não queria perder a amizade delas. Eram pessoas muito
importantes para mim, então eu não conseguia falar, era um trauma, o trauma de perder, o
medo de perder por ter perdido o medo de perder as duas também. [...] Beleza, aí eu cheguei
para conversar com elas, morrendo de nervoso, devia estar assim, mais branco do que eu
já sou, gelado, duro de nervoso. E aí eu falei que precisava conversar com elas, contar uma
coisa, pela minha cara elas viram que eu não tava bem. Tava na minha mão, não é? Estava
morrendo de medo. “Você está gelado, elas disseram”. Eu falei “ai, pois é, tenho que contar
uma coisa para vocês e desabei”. Desabei, comecei a chorar e tal. E elas não entendiam
nada que estava acontecendo. E aí eu peguei e falei, “ai, é porque eu gosto de menino, sou
gay. [...] Aí, depois que eu parei de falar, elas olharam para mim e disseram “só isso?!” é
só por isso que você tá desse jeito? Você achou que realmente a gente ia deixar de ser tua
amiga, ia deixar de ser tua irmã e deixar de falar com você por isso? Aí eu falei, “ó desculpa,
371
mas é que quando você é uma pessoa que vem de muito trauma, de muita cacetada, você
não quer levar cacetada de novo. É, essa é a questão, né? E eu não queria perder vocês que
não são uma pessoa qualquer na minha vida, né? E aí foi muito libertador poder contar para
elas, sabe? Daí, a partir daquele momento, eu comecei a pensar o seguinte, por que que eu
tenho que falar para os outros? Fazer todo aquele drama e a pessoa, nossa, todo esse drama
por isso? Eu falei, cara, eu vou presumir que as pessoas já sabem que eu sou gay, e quem
achar que eu sou hétero, eu acho que vai ser poucas as pessoas, mas eu acho que vai ser
pouca gente, paciência. E isso aliviou para mim, entendeu? Aí eu já comecei a conhecer
pessoas pensando nisso: já sabe. Então, quem fica perto de mim não pode ter isso como um
problema, a minha sexualidade como um problema que se tiver, não fica perto de mim.
(E5, 2022).
[...] Falei com uma amiga, mas eu não sei quanto tempo depois. E eu assim, nessa época,
eu tinha um grupo de amigos. A gente devia ser uns 9 e nós éramos muito próximos, a
gente se via muito, a gente conversava muito e tal. E eu lembro quando a gente foi, eu não
sei em que momento que surgiu esse assunto, mas ela, uma menina que falava assim, já se
eu souber que uma amiga minha é lésbica, eu corto o contato, credo. [...]. Então ela tinha
essa fala, mas ela era a pessoa mais próxima. E eu acabei ligando para ela. Me acolheu
muito, falou que tinha um amigo que era gay. E que talvez fosse bom eu conversar com
ele, porque ela não, não, porque não frequentava esse mundo, né, então ela não sabia me
ajudar. A única coisa que ela podia fazer era falar que estava tudo bem assim. [...]. Eu falei
pra ela, e em seguida, logo em seguida, mas acho que no decorrer das semanas e tal, eu fiz
uma ordem claro, primeiro pra esse, depois pra esse que eu era, era assim, acho que aqui
372
vai ser mais fácil, eu acho que vai ser mais fácil. Fiz a ordem contei pra eles. [...] E depois
então, eu passei muito tempo nessa de fazer um evento para contar, né? (E10, 2022).
conforme os relatos que acima forma expressos, quando se é rejeitado pelo amigo frente a
revelação da orientação sexual, pode-se observar pelos recortes das falas dos entrevistados, a dor
[...] A partir do momento que me assumo com 17 anos e muitos amigos que vieram de
ensino fundamental, ensino médio, principalmente amigos homens que não conseguiram
aceitar. O meu melhor amigo na época não conseguiu aceitar, ele chegou a..., a gente
manteve uma amizade até os meus 24 anos, mas chega um determinado momento que ele
não consegue, pra ele se torna uma situação que é insustentável. Ele fala que ele não
consegue enxergar de que eu seria feliz, sendo gay, e a gente acaba rompendo, era uma
amizade assim, eu o conheci na terceira série... e essa amizade foi rompida, né? (E2, 2022).
[...] Quando eu realmente me assumi é como se eu tivesse morrido ali, né? Como se tivesse
sido um divisor de águas, né? Então, morreu um E3 anterior pra nascer um novo. E foi a
sensação que eu tive, porque todos os meus ciclos de amigos, eu tive que, sabe, me afastar,
até hoje eu tenho uma dificuldade de lidar com isso, né? De ver as pessoas no qual eu tinha
uma amizade antes e ter que encarar elas, né? (E3, 2022).
[...] Um dos motivos também deu não ficar em Limeira, sabe? eu poderia ter ficado em
Limeira quando minha mãe me expulsou, ter ficado lá, né, ao redor dela, ao redor deles.
Foram os meus amigos, eles se afastaram de mim e os meus amigos eram evangélicos,
todos eles. E as pessoas que eu convivi, sabe, a vida toda, praticamente pessoas que eu
conheci depois, mas que tiveram uma grande passagem pela minha vida, que eu achava
373
que iam me apoiar, que iam estar comigo, que não iriam me abandonar, foram as primeiras
a virarem as costas pra mim. [...] Foram as primeiras pessoas a virar as costas, pra mim.
[...] Na época, minha amiga falou assim, Há? Ah, não, não tem problema, desde que me
respeite. Isso me fez pensar muito o que que significa desde que me respeite. E aí eu fiquei
pensando, será que se um menino falar pra ela que gosta dela, ela vai achar que está sendo
respeitoso? E aí foi aí que eu acho que eu comecei a pensar a respeito de como assim?
Então as pessoas talvez falassem que tudo bem, mas não, sei que há uma diferença. E aí
surgiu uma pulga, assim, sabe? [...]. E aí eu comecei a comparar, foi aí que eu comecei a
comparar assim, porque com um homem tanta coisa é diferente e tudo que não é homem,
que não é mulher, que é gay é tratado diferente? Eu comecei a pensar nisso. [...]. Mas na
época, isso era uma fofoca, né? Então, em algum momento você perde o controle e eu
fiquei sabendo de pessoas que assim, que eu não tive mais contato. Muito obrigado a Deus
por isso, mas se tivesse contato, eu acho que essas pessoas não falariam comigo, sabe, uma
coisa assim... Porque, afinal, eu devia ser algum tipo de E.T. pra eles, né? Sei lá... Eu tive
[...] Não tenho amigos! Se eu tivesse amigos. Eles teriam ficado do meu lado, quando eu
falei da minha sexualidade. Certo? Todos eles se afastaram, então não tenho amigos. (E12,
2022).
Para pessoas gays, o processo de iniciação na cultura como si próprios começa, em geral,
374
dominação opressivas que marcam cada sujeito. Esse processo implica um desligamento
da identificação do Eu com essas estruturas, que podem ter imagem no desejo dos pais, na
religião, na escola ou mercado de trabalho etc. [...]. Por esse processo, porém, abre-se a
heteronormativa. [...]. Uma vez que essa separação enfim desenlaça o Eu da identificação
com a persona heterossexual incitada pelas estruturas de origem, cabe ao sujeito se preparar
Pondera Barcellos (2022) que, amigos sinceros e verdadeiros, no sentido mais profundo da
amizade, representada na junção de fratria e philia é, como diz a canção83, “coisa para se guardar
e o afeto. E, mergulhando por esta metáfora, observa Barcellos (2022) que, de acordo com Jung
(1958/2012a), no coração também há sentimentos contrários ao amor, de modo que, aos nos
referirmos a amores e amizades há luz e sombra, portanto, um território dual e que, por muitas
vezes, desconhecemos, podendo nos ser agradável e ao temos tempo árido, iluminado e ao mesmo
sombrios.
A discussão sobre como é o contexto de amigos de gays e lésbicas frente a sua orientação
sexual, a partir do aporte da psicologia junguiana, apoiada nos recortes das falas dos entrevistados,
subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos, que
“homossexuais/lésbicas sentem-se melhor cultivando amizades que saibam sobre sua orientação
sexual, a fim de terem o respeito destas pessoas, podendo desenvolver amizade verdadeiras com
83
Canção da América, composta por Fernando Brant e Milton Nascimento, no ano de 1979.
375
elas” e que “os amigos de homossexuais/lésbicas, quando, ao saberem sobre sua orientação sexual
se afastam, causam o sentimento de desvalorização e menos valia nestas pessoas, podendo elas
amparo, apoio e validão em momentos de angústia e desamparo, inclusive, familiar. Permitiu ainda
notar os desenvolvimentos de dor e sofrimento frente a rejeição dos amigos, ao saberem sobre sua
a orientação sexual.
Os relatos dos entrevistados revelaram que os amigos mostraram diferentes reações frente
a revelação da orientação sexual do outro, sendo que uns mantiveram a amizade e outros não
suportaram mantê-la, reafirmando, assim, que a amizade é território ambíguo de sentimentos que
nela podem existir. E, neste mesmo entendimento, há ainda outros contextos que mostram
numinosos e sombrios e que podem ser territórios e dispositivos de alívio e ao mesmo tempo de
6.6.1.3 Religião
seus corpos, buscou exercer um papel de domínio sobre a sexualidade, ditando as regras de como
deveria ser, do que era certo e errado e, neste sentido, baseada em seus princípios religiosos,
pautados em uma hipotética revelação divina por meio de escritos Sagrados, instituiu a
376
apenas para procriação em detrimento a qualquer forma de prazer (Aufranc, 2018; MacRae, 2018a;
Rodrigues, 2012; Jorge & Travassos, 2021; Pastana & Kiplan, 2021).
Considera E3 (2022) que a religião possui dominância sobre as pessoas, ao dizer que “[...]
depois veio a parte da religião, que entrou a religião no lugar da história pra domina mesmo, né?
E é o que acontece até hoje, né? Hoje eu vejo que a religião, ela domina muito né?” E, neste mesmo
sentido, de acordo com E4, a origem da homofobia pode se encontrar na religião: “Eu acho que
essa estrutura principal, assim, da origem da homofobia, sem falar de religião, tudo isso, né?”.
Com a igreja tendo instituído a heterossexualidade como uma forma de vivência possível
imoralidade, vício, pecado sendo, portanto, concebida como inadequada e antinatural. (Aufranc,
2018; MacRae, 2018a; Rodrigues, 2012; Jorge & Travassos, 2021; Pastana & Kiplan, 2021).
e o preconceito à gays e lésbicas, pautados na intolerância religiosa, seguiram e ainda podem ser
encontrados por toda parte, inclusive, como consequência, afastando as famílias de um convívio,
como relata E1 (2022), a qual afastou-se de sua mãe e sua irmã, por não haver mais diálogo, uma
vez que a família “[...] ficou crente, todo mundo, a família toda é crente, evangélica e radical, e
Neste sentido, a religião ao invés de aproximar as pessoas do contato com o Sagrado, vai
promovendo um distanciando de todos aqueles que foram por ela marginalizados, afastando estas
377
pessoas do contato com a igreja e da experiência religiosa. (Silva et al., 2015), conforme aconteceu
E a minha prima, que era a pessoa mais próxima que mais me ajudava nessa época [...].
Ela, em determinado momento, ela se converteu a igreja evangélica, e aí ela falou para
mim: eu não quero mais saber de nada. Eu não quero ver nada. Eu não quero, porque eu
não quero mentir e eu não quero fazer parte de nada que seja errado. Então ela estava
falando ali de mentira para a minha mãe, mas também da relação. Ela deixou de fazer todas
as coisas que ela fazia na vida dela né? A E. era super baladeira, ela saia com todo mundo,
ela era uma pessoa super livre assim, e não é mais. E ela deu sei lá, 10 passos atrás, com
isso tudo, então ser lésbica também era considerado errado na cabeça dela. (E4, 2022).
[...] eu me lembro que na adolescência e quando eu comecei a ir para igreja, crisma, aquela
coisa toda, né? Catequese etc., eu me lembro que, assim, eu, eu, eu, naquele tempo, eu
sofria com isso, porque, assim, eu achava que era uma coisa errada, que eu tinha que, que
[...] a minha mãe, eu ainda até sinto mágoa, do meu pai nem mágoa eu consigo sentir, do
meu pai eu não sinto nada. Se hoje ele morresse, se ele morresse de qualquer coisa, alguém
viesse lá, o seu pai morreu. Eu não... eu poderia... eu só simplesmente falaria sinto muito
não sentindo nada, porque é indiferente saber dele, ele é como se fosse um homem que me
religiosas é o Sagrado binário, não havendo espaço para o não-binário, podendo este fato contribuir
para que apenas heterossexuais sintam-se contempladas pelo Sagrado e, todas as outras pessoas
378
que não sejam heterossexuais, não contempladas e, logo, excluídas, afastando-se assim da
Fora isto, a igreja não acolhe a homossexualidade e a lesbianidade, pelo contrário, julga,
abandonadas por este Deus e pela igreja, como relata E12 (2022):
[...] eu fiquei bem perdida. É, aí entra aquela coisa de religião, né? Eu sou espírita,
espiritualista. O que que as pessoas do terreiro vão dizer? Tinha que ter uma resposta.
Beleza, fui à igreja, pedi pra conversar com o padre, contei pra ele, o que era, o que não
era. Óbvio que eu acho que o padre devia ter uns 90 anos. Ele só não desmaiou, mas ele
ficou sem saber, o que me responder. Aí ele me deu um exemplo, de que o amor visto por
Deus, ele é único pra todas as pessoas, você só não podia ser uma pessoa promiscua. Eu
falei “tá, então não é pecado?”. Porque na minha cabeça, eu ia pro Inferno! (E12, 2022).
Neste mesmo sentido, para Aufranc (2018) e Silva et al. (2015), a religião tem
desempenhado ao longo dos anos, com sua visão negativa sobre a homossexualidade, o papel de
vezes da igreja e do contato com a experiência com o Sagrado, como podemos observar na fala de
E3 (2022):
Eram pessoas desse, desse, até mesmo da igreja do Salão do Reino lá que eu estudava e do
clube que eu frequentava, que era um lugar muito importante pra mim, né? Um lugar onde
eu cresci ali, desenvolvi muito ali como da escola, assim como o pessoal da minha rua,
sabe? [...] Eu tive que me afastar da igreja porque não me aceitavam. (E3, 2022).
e a lesbianidade, os pais que têm filhos gays e/ou lésbicas podem tender a concebê-los como
379
pecadores e tentarem incutir-lhes esta culpa. E11, figura pública, militante contra a homofobia
durante toda sua vida, conta sobre como é comum encontrar familiares de gays, lésbicas e
transexuais que pautados em um fundamento religioso, exclui os seus filhos, discrimina-os e, não
Por isso que às vezes eu pego essas mães, que fica assim pro filho, “aí, tá parecendo um
viadinho”. Eu digo “não faz isso, amanhã você vai chorar, você vai ficar sem filho, aceita
que dói menos”. Ainda mais quando é evangélico…, eu digo “Deus não sabe o que faz?
concebe a experiência religiosa como o contato com o divino, com o Sagrado, com o numinoso,
com a Imago Dei, imagem de Deus que cada um traz dentro de si e, a partir da qual cada um
Assim, tendo a religião uma importância bastante grande para maioria das pessoas, e sendo
vista do ponto de vista da fé, a prática religiosa pode ser vivida como algo positivo ou negativo na
vida de seus fiéis, uma vez que pode atuar para qualidade de vida destas pessoas ou para lhes gerar
sofrimento mental, como no caso de gays e lésbicas que podem passam por conflitos internos ao
serem acusados como pecadores perante Deus e acreditarem que há um Deus ao qual podem
confiar e que os ajudará, mas, como serão ajudados se são pecadores? Este fator pode se revelar
conflitante na vida destas pessoas, conforme pode-se observar na fala de E3, quando se percebeu
tivesse morrido ali, né? Como se tivesse sido um divisor de águas, né? Então, morreu um
E3 anterior pra nascer um novo. E foi a sensação que eu tive, porque todos os meus ciclos
380
de amigos que eram da igreja, eu tive que, sabe, me afastar, até hoje eu tenho uma
dificuldade de lidar com isso, né? De ver as pessoas no qual eu tinha uma amizade antes e
Quando sempre se ouviu falar de um Deus bondoso e, de repente, se depara com um Deus
que exclui, que condena e que pune, que não abre espaço para a diversidade, mas que teria criado
o seu filho a sua imagem e semelhança, isto causa um enorme desespero e mesmo medo de assumir
homossexual ou lésbica, por significará estar desamparado por Deus. Podemos observar este
Eu vinha de uma família muito cristã, né, muito católica. Assim, o cristianismo ele é
avassalador pra população gay, eu hoje trabalho como cientista da religião, então posso
falar isso até mesmo enquanto profissional. O cristianismo, ele é avassalador, a gente ocupa
próprio diabo na terra, então isso foi uma coisa muito conflituosa pra mim, ter vindo de lar
cristão, eu já havia rompido com o cristianismo, eu rompi com 14 anos, mas vim de um lar
cristão, então tinha muita aquela coisa de eu não me aceitava como gay, eu me aceitava
como bi, não sinto nenhuma atração por mulheres, mas primeiro eu falava que era bi, um
bi que só fica com homens, entendeu? E teve todo um processo até eu de fato eu conseguir
vestir a camisa de que não, eu gosto de meninos. Eu falo meninos por causa da idade da
Eu senti muito medo, né? Eu levei algum tempo para me aceitar e para entender o que
estava acontecendo comigo. Porque assim, eu sou, na época quando eu me entendi como
381
testemunha de Jeová, então, a gente sempre era muito condenado, né? Então a gente sempre
olhava para o homossexual como algo errado, como alguém que vai pro inferno, né? Que
vai queimar como diz teoricamente a bíblia, né? E até mesmo a sociedade, né? (E3, 2022).
[...] eu me pegava muito mais em situações que eu não estava com ele, me questionando,
me culpando, porque aqui eu tinha uma criação católica, então eu me culpava muito que eu
estava pecando, que eu era errado, que eu não podia fazer isso, o que minha família iria
pensar, e daí se eu assumisse em casa e me botassem para fora de casa. Então eu vivia nesse
embate de “eu quero ficar com ele, eu gosto dele, ele gosta de mim, é legal, a gente se dá
bem, você não está fazendo mal para ninguém, pelo contrário, ninguém sabe, só nós dois”.
A gente faz bem um para o outro, mais ao mesmo tempo, eu via para outro lado. Eu me
culpei durante muito tempo, carreguei um peso dentro de mim durante muito tempo, tipo,
no sentido de me aceitar. Tanto que eu lembro que quando eu vi assim, que não tinha jeito,
que eu gostava dele, que eu queria ficar com ele, a gente começou a namorar. Eu dizia para
mim assim, para tentar, entre aspas, aliviar a culpa e diminuir a gravidade do problema,
“do crime”. Eu falava “não, então eu devo ser bissexual”. Porque amenizava eu não ser
100% gay, seria um problema muito grande, mas se eu colocasse uma mulher do outro
lado, eu não seria tão ruim. [...]. Então foi bem difícil nesse sentido e não tinha ajuda,
porque se eu fosse numa igreja, eu sabia o que de antemão iriam me falar. (E5, 2022).
[...] eu me lembro que era algo que eu sabia que eu tinha que esconder, entendeu? Que eu
tinha que disfarçar, enfim, esconder, esconder, esconder. [...]. Os meus pais simplesmente
condenam, julgam não porque são pessoas maléficas, por quê, na verdade, tem toda uma
geração, quer dizer, na cabeça deles, e eu acho que tem muita questão da religiosidade
382
também, né? Acho que as pessoas são criadas nas religiões tradicionais e que ficam, ficam
Eu me senti estranho, né? Mas sem entender, né? Eu, eu acredito que se eu tivesse tido o
apoio da minha família, sabe, no começo, talvez hoje eu, eu seria uma pessoa totalmente
diferente do que eu sou. [...]. A sexualidade sempre foi vista como um, principalmente
dentro da igreja, como um tabu. Como uma coisa que você tem que se privar, uma coisa
que você tem que cortar, uma coisa que você tem que podar. Que você tem que ser mais
espírito do que carne. [...]. Dentro da igreja eu já vi muitas coisas, já vi muitas pessoas, “ah,
porque traiu, não faz mais parte da igreja, ah, porque fez aquilo, não faz mais parte do corpo
da igreja”. Eu nunca concordei com isso. Eu sempre tive uma visão do tipo “nossa, que
coisa terrível, né?”. Já que a gente é humano e a gente tem tendências a errar, isso meio
que me chocava dentro da igreja, então eu sempre busquei outras respostas. Eu sempre,
sempre tive aquela coisa de “ah, não, eu acho que não é só isso”. Sabe aquela dúvida? Eu
sofrimento a que foram alvo ao se descobrirem homossexuais ou lésbicas, frente a visão religiosa
acerca do pecado que estariam cometendo com a manifestação inadequada de sua sexualidade,
todos os âmbitos, em outras palavras, ao preço que pagariam pelo “pecado” e ao “crime” que
frequentar uma religião enquanto uma entidade externa, mas, sim, ao contato com a religiosidade,
a vivência e a experiência interna com o Sagrado. Nesta perspectiva, Jung (1952/2012d) concebia
383
a ideia de o padrão psíquico de cada um se equipar ao estado de semelhança ao divino e, para ele,
este estado diria respeito a reconhecer o bem e o mal que cada um traz dentro de si, integrando
estes aspectos na psique e reconhecendo-se a imagem e semelhança de Deus, de modo que Deus
condenando-o. E a isto Jung, 1967/2013a, Zweig e Abrams, 2012 e Sanford, 2012 chamaram de
projeção de sombra, fenômeno no qual se tende a projetar no outro aquilo que se nega em si. Na
intensificada. Esta projeção de sombra pode ser percebida nas exposições de E2 (2022) e E8
Permitir que uma professora evangélica fale na cara de um aluno homossexual, que o
aluno..., pedir pro aluno ensinar como evitar a ser gay, porque ela tem filho menino e ela
não quer que isso aconteça jamais... Essa professora era professora de neurofisiologia, ela
queria ensinar uma coisa absurda, de que ela falava que existia uma característica
neurológica pra que meninas se sentissem mais atraídas pelo rosa e o menino pelo azul.
religioso que ela tinha pela sobre a população masculina e feminina, enfim, preconcepções
que ela tinha, porque depois quando eu me formei em mestrado e doutorado, vou seguindo
minha carreira eu sei que isso não tem embasamento em nada, e eu ouvi isso dessa
84
Para aprofundamento, ler Resposta a Jó, OC 11/4.
384
[...] eu trabalhava de vendedor numa loja e o gerente não me chamava pelo meu nome. Só
A este fenômeno, Kimbles (2014), Silva e Serbena (2021) e Franco (2022b) compreendem
como complexo cultural, no qual, de acordo com Franco (2022b, p. 129), citando Maranhão Filho
pressupostos e/ou dogmas religiosos ou espiritualistas’.” Pode-se, a partir desta afirmar, observar
que o mesmo fenômeno existe com relação a homofobia e lesbofobia religiosa, projetando em
[...] Tive essa coisa de androginia bem forte e tal, e a minha mãe, mesmo antes dela acertar
nome e pronome, ela chegou um momento em que, um pouco antes ela fazia parte de uma
igreja Cristã, e ela havia me dito algo ou que eu interpretei como “ah, questão do pecado,
2014; Silva & Serbena, 2021; Franco, 2022b) homofóbico e lesbofóbico, alastra-se, fazendo-se
presente em diversos ambientes pelos quais circula o homossexual e a lésbica, tais como, no núcleo
basal familiar, no trabalho, nas instituições educacionais, nas igrejas, nas relações de amizade etc.,
excluindo estas pessoas da família, partindo-se da premissa de que é pecado, erro, crime, dentre
outros adjetivos condenatórios, ser homossexual ou lésbica. Nesta ótica, E7 (2022) considera:
385
Eu acho que talvez se a gente tivesse uma cultura um pouco menos baseada no pensamento
isso ajudasse a sermos menos perseguidos. É porque da forma que a religião é vivida no
Brasil, como o cristianismo, por exemplo que é tão presente em tudo, tão presente na
política, nas escolas em si, e não que a religião não deveria estar presente, mas que talvez
fosse abordada de uma forma diferente, sem culpar as pessoas por serem como elas são,
sem distinguir hetero de homossexuais, porque as pessoas são pessoas, são humanas, não
são doentes e nem anormais ou diferentes, como a religião diz que são. (E7, 2022).
De acordo com Jung (1938/2012c) a religião nos liga ao numinoso, ao sagrado, o que é
diferente de dar legalidade para decidir entre o certo e o errado, inclusive para dizer que é mais ou
menos importante. Todavia, conforme E2, não é isto o que acontece. E2 esclarece e afirma:
Eu, como cientista da religião, reitero aquilo que te falei, sinto que a gente ocupa o lugar
social que as bruxas ocupavam, que as mulheres ocupavam, nós somos a reencarnação de
todo mal, é como se assim, nós somos grandes bodes expiatório, e a sociedade não tem
desde a questão cultural a questão de políticas públicas, mecanismo para nós proteger. O
tempo inteiro nós temos alvos nas costas, tem que ter, a gente, a gente sai na rua sem saber
se vai voltar. Então é muito complicado, claro, aqui, eu ainda moro em São Paulo que é
uma coisa mais tranquila, mas, em Santa Catarina, é esse o sentimento, você não sabe se
você vai voltar. Você sendo um gay assumido, você não sabe se vai ser assassinado, o que
Barcellos (2011) e Lingiardi (2011) parecem compartilhar deste mesmo pensamento, pois
consideram que ser ou não homossexual é uma questão aflição para as pessoas e é mais e isto
evidencia o sofrimento que ser homossexual manifesta nas pessoas. (Costa, 1944/1992, p. 90).
386
A discussão acerca do contexto religioso que permeia gays e lésbicas frente a sua
orientação sexual, sustentada pela psicologia junguiana, apoiada nos recortes das falas dos
Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos,
busca de poder, por meio do controle do corpo e da vida sexual do outro, está ligada à projeção de
Esta discussão mostrou-se ainda bastante esclarecedora, revelando outros fatores que estão
diretamente ligados a este fenômeno, como o complexo cultural apontados por Kimbles (2014),
Silva e Serbena (2021) e Franco (2022b). E, contribuiu ainda para se conhecer os desdobramentos
propagando-se em sua família, trabalho, instituição educacional e demais ambientes pelos quais
essas pessoas circulam, sendo tratados como se estivessem sob pecado, crime, inadequação,
partindo da premissa religiosa que compartilha e propaga estes dogmas sobre a sexualidade
humana e suas manifestações, compreendo a heteronormatividade, até os dias atuais, como a única
Permitiu ainda compreender a angústia e o sofrimento que gays e lésbicas sentem frente ao
Sagrado, quando descobrem sua orientação sexual, sabendo quão condenada ela é pelo
cristianismo. E como este fenômeno contribui para que estas pessoas, excluídas, excluíam-se ainda
mais da possibilidade de viverem as experiências religiosas, tendo assim, um contato próximo com
o Sagrado, o qual, de acordo com os autores trazidos, é de suma importância na vida de qualquer
pessoa.
387
A intolerância religiosa a gays e lésbica propaga-se ainda por outros vieses, atingindo essas
pessoas e colocando suas vidas em risco por meio da incitação da violência, preconceito e
discriminação, por exemplo, advindos por meio do discurso político de viés religioso.
6.6.1.4 Política
religiosas por parte de alguns líderes de Estado, para pautarem seus discursos políticos, alcançando
diretamente sua massa eleitora, no caso destes entrevistados, mais especificamente falou-se do
discurso político de viés religioso praticado pelo presidente da República Jair Bolsonaro. Trata-se
homofobia e a lesbofobia, o que pode evidenciar a presença de sombra nestes conteúdos sombrios
discurso religioso para instigar agressão e ódio a gays e lésbicas, contextualiza o que significa para
E assim, e essa revolta que eu tenho, ela é por causa disso tudo que eu sofri. E quando vêm
essa questão de Bolsonaro..., eu rompi com todo mundo que votou no Bolsonaro. Não
interessa, a tia que cuidou de você, essa tia votou em alguém que preferia que eu estivesse
considero uma pessoa com preconceito de homofóbicos. Eu não levo desaforo para casa,
não relevo. Esse parente votou contra mim, se entrar na ditadura e a homossexualidade ser
388
Discriminações e preconceitos a gays e lésbicas, são projeções de sombra com conteúdos
fazer presentes em todos os aspectos de suas vidas, na família, entre os amigos, no trabalho, na rua
etc., e quando presente em discurso político, pautado na religião como sustentação da fala, observa
E8 (2022), expondo seu sentimento, após ter sido alvo de inúmeras homofobias:
Eu acho que pra acabar com a homofobia mesmo, é preciso ter uma política de que não é
errado ser quem você é. É construir o ser humano. Eu ouvi isso de uma professora de
sociologia quando eu estudava. Que era muito querida, até o nome dela eu lembro, o nome
dela era G. Que ela falava assim “o ser humano nasce perfeito, a sociedade o corrompe”.
(E8, 2022).
Para gays e lésbicas, terem no seu contexto familiares que votaram em um presidente que
instiga o ódio contra eles, como o caso do presidente eleito Jair Bolsonaro, pode significar
sentimento de rejeição e abandono familiar, conforme a E2 (2022), quando retrata o ocorrido com
seu namorado, no que diz respeito a relação dele com seu pai e primo, considera “Eu sei que o F.
rompeu com um primo dele bolsonarista, o pai dele ficou do lado do primo... É muito interessante,
A sombra (Jung, 1906/2011a) e Von Franz (1993) pode estar presente no inconsciente
pessoal e no coletivo e, quando manifestada de forma coletiva, pode vir a gerar manifestações de
massa desatinada e agindo em descontrole em prol de alguma causa, como pode ser, por exemplo,
Neste mesmo sentido, Silveira (2011) observa que, se vista como um problema, a
homossexualidade ao invés de ser vivida de forma fluida, poderá ocupar um lugar de frustração e
389
(1981/1998), pondera que na sombra, é como se ficassem reprimidos os sentimentos morais,
enquanto ela tenta viver os impulsos interiores e proibidos, sem se questionar sobre o certo e o
errado.
Esclarecem Baron Mussi e Serbena (2015), que neste contexto, quando vemos no outro
algo que nos incomoda em nós mesmos, através da sombra projetada, ao invés de vivenciá-la,
poderá buscar-se eliminar sua possibilidade de existência, eliminando no outro, aquilo que nos
incomoda em nós mesmos. E, assim, podemos pensar que quando os pais e familiares não
sombra pode estar ocorrendo, levando-se, assim, a dor e a um distanciamento entre eles, como
E1, ao contar que está distante de sua mãe, relata o porquê o fez e diz que ela “virou
bolsomínia, aí fica difícil” continuar convivendo com ela, devido as suas crenças política e
religiosas identificados com este político que governa o País. (E1, 2022).
Observam Baron Mussi e Serbena (2015) e Sanford (1980/1987) que na sombra pode-se
encontrar medo e insegurança, considerando o outro como uma ameaça para si, pode ser projetada
tanto individual como coletivamente, por meio da agressividade. E evidencia-se nos discursos
políticos de viés religioso, voltados para não aceitação da homossexualidade, podendo reverberar
de várias maneiras na vida dos homossexuais, inclusive, em forma das mais diversas agressões.
E2 (2022) reflete sobre este fenômeno ao falar sobre agressões que sofreu em Santa
Catarina, enquanto trabalhava em uma determinada instituição de ensino, por parte de uma
professora evangélica, faz uma correlação a validação da homofobia pautada em uma política de
viés religioso:
390
Então, tem horas que eu acho isso um absurdo e que demonstra como que a situação de
Santa Catarina, não por acaso o Bolsonaro venceria no primeiro turno ali, mas enfim, como
a situação de Santa Catarina e com mais uma situação dessa instituição específica. Era uma
situação muito problemática, era muito problemática a gestão de pessoas e como que a
Unisul lidava com os seus estudantes. Permitir que uma professora evangélica fale na cara
de um aluno homossexual, que o aluno..., pedir pro aluno ensinar como evitar a ser gay,
porque ela tem filho menino e ela não quer que isso aconteça jamais [...]. (E2, 2022).
Embora estejamos isolados em nossa psique, temos uma identificação projetiva com o que
por nós, possuirá um caráter perigoso. Na projeção, o indivíduo tende a projetar suas tendências
sombrias e indesejadas, no outro (Sanford, 1980/1987), de modo que, que quando um político, em
religioso, de juízo de valor, no qual segrega grupos específicos populacionais, indicando que estes
não têm direito as expressões de orientações sexuais e de identidade de gênero diversas, pode
E2 (2022), neste ponto de vista, relata o desespero de pessoas homossexuais com relação a
tentarem dissuadir seus familiares e amigos a não votarem contra suas vidas, em outras palavras,
a não votarem em no então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, o que nos mostra
o medo e o desespero destas pessoas face ao que estaria por vir e de fato veio com a eleição deste
político.
O meu primo, esse primo que ia nas boates gays daqui de São Paulo, ele escreveu uma carta
enorme, pra família inteira, dizendo pra não considerarem o voto do Bolsonaro, porque
esse voto colocava a gente em risco. Esse meu primo apanhou, dos Skinheads, levou lá
391
uma lâmpada na cabeça. E não sensibilizou, não sensibilizou. Então assim, pra que que eu
quero essas pessoas na minha vida? Não quero! É uma situação muito complicada. Por
exemplo, vou dar o exemplo do meu namorado. Meu namorado não fala mais com o pai
juntos, e eu nunca conheci o pai dele. Conheço a mãe dele, eles são divorciados. Não
sustentado pela sogra, mas o irmão dele é maravilhoso pro pai dele. O pai dele está no
drogas, de cocaína, mas ele é hétero, então também, ok. O problema é o F. ser gay, apesar
do F. pagar as próprias contas, ter casa própria, ter trabalho etc. O F. é gay, né? então esse
é que é o problema. O pai tanto não o aceita, que na hora de escolher o candidato, escolhe
Quando as pessoas estão tomadas pela sombra elas a projetam sua sombra nas outras
pessoas que ativam o que nelas está inconsciente e podem se identificar com indivíduos que
possuem sombras semelhantes as suas (Jung, 1906/2011a; Von Franz, 1993), deste modo, pode-
se olhar para os eleitores de Jair Bolsonaro, que demonstram preconceito e discriminação a gays e
lésbicas, como tendo se identificado com o discurso político religioso deste líder de Estado,
E2 (2022) narra uma ocorrência com uma de suas amigas, após a eleição de Jair Bolsonaro,
por parte de uma proprietária evangélica de um local onde sua amiga alugava para morar. Vendo-
392
Quando o Bolsonaro foi eleito, teve uma amiga minha lésbica, que foi despejada, ela tinha
um contrato de aluguel, dela com a esposa dela, e ela foi despejada, porque, a partir do
momento que o Bolsonaro foi eleito, a dona do apartamento era evangélica, “então, agora
que ele é presidente, eu tô te despejando”. Ela chamou a polícia, a polícia não tava muito a
fim de fazer boletim de ocorrência para isso, mas fizeram, e mesmo assim, você acredita
que ela foi posta fora da própria casa que ela pagou aluguel? Então assim, é essa nossa
E3 (2022) fala sobre como é viver em um contexto em que a política e a religião caminham
inseparáveis:
E é o que acontece até hoje, né? Hoje eu vejo que a religião, ela domina muito né? A
política, domina o que você deve ou não. As leis do homem que a gente fala na parte da
religião, infelizmente, né? A gente não tem a liberdade de ir e vir. (E3, 2022).
E instigadas pelo ódio aos gays e às lésbicas, o medo instaurou-se entre estas pessoas que
de maneira mais incisiva passar a sofrer violência e agressão. Neste sentido, E1 considera (2022)
Primeira coisa, tirar, mudar o governo. Sem mudar, com esse governo não tem
possibilidades. Então, acho que o esforço, a luta agora, as alianças de todo mundo é pra
tirar. A partir disso é que a gente vai poder respirar um pouco melhor, porque esse cenário
é tão surreal que a gente nunca imaginou vivenciar, o que está vivenciando agora. Eu só
segregação implicarão na maneira como as grandes massas olharão para as minorias. Dentre as
393
como a condenação, o julgamento e a censura dos corpos que merecem ou não viver. Face a isto,
E5 (2022) considera que a política não deveria se misturar com a religião, devido a força de
manipulação de massa que ela tem e as consequências que os discursos políticos de viés religioso
promovem:
[...] E quando falo em política, eu acredito que se fosse dessa forma, que não ia ter na área
de religião, pessoas envolvidas nisso, em tentar mudar as outras, não haveria absolutamente
nada disso. É a partir do momento que uma pessoa, que é religiosa, escolhe seguir uma
carreira pública que vem estas falas, né? E uma pessoa com um peso político, influência a
massa e as pessoas veem motivos pra destruir aquelas pessoas que elas não concordam que
devam existir, especialmente porque a religião disse que não... Na política, quando uma
pessoa entra em um cargo público, ela não deveria manifestar nenhuma fala religiosa. (E5,
2022).
A discussão no que diz respeito ao contexto político que permeia gays e lésbicas frente a
sua orientação sexual, suportada pela psicologia junguiana, a partir dos recortes das falas dos
Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos,
para, identificadas à sombra de líderes políticos, projetarem suas sombras nos homossexuais,
buscando destruir no outro o que para si é tido como proibido e desejoso, ainda que
um líder de Estado frente aos seus liderados, especialmente para que este não paute seus discursos
394
em um viés religioso, promovendo incitação de ódio, violência, preconceito e discriminação a gays
e lésbicas, contribuindo para que estas vidas sejam ainda mais expostas à violência e à morte.
tem um Estado inteiro aos seus cuidados e o poder de influenciar os seus liderados, validando neles
6.6.2 – Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto?
Esta categoria discorrerá sobre o que os gays e as lésbicas percebem que os circundam,
fazendo parte de seu dia a dia, interferindo diretamente em suas vidas e como sentem frente a isto.
A categoria Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? possui as subcategorias
qualquer tipo de manifestação afetiva em público; de sofrer todo e qualquer tipo de violência e
agressão, frente aos ataques homofóbicos/lesbofóbicos sofridos; medo de sair de casa; medo de ter
como emocional, à gays e lésbicas, tais como ameaça de morte; bullying, discriminação,
395
discriminação, preconceito e violência na saúde; vingança; piadas nas mídias sociais e redes de
ofensas; maus-tratos, discriminação e preconceito dos professores aos alunos por serem
corpo por roupas ou trejeitos; discriminação, preconceito, violência e agressão por parte dos
casamento heterossexual como tentativa de se enquadrar nas normas e ser aceito/a; namoro
heterossexual para se ser aceito/a socialmente; não aceitação da própria sexualidade pelo auto
de medo, ansiedade e muitas vezes depressão; a experiência de ameaça tendo transformado a vida
lugar que não deveria ocupar, por ser homossexual/lésbica e ser recriminado/a pelos outros como
se estivesse fazendo algo errado; exposição frente ao mundo e às violências; sentimento de culpa;
sentimento de rejeição e de não ser amado/a; de não merecer ser feliz por estar em pecado e estar
fazendo algo errado e condenado socialmente; ideações suicidas; injustiça; embotamento afetivo;
cicatrizes físicas e emocionais pelas violências sofridas e por se cortar; sentimento de que se
esconde do mundo para poder sobreviver; deixar de frequentar os lugares que gosta por ter sido
exposto/a; traumas; sofrimento por não poder expressar afeto em público; choro; medo do ódio do
396
outro; estresse; solidão; não ter com quem contar; sofrimento com os estereótipos; tentativa de se
ocultar para não ser atacado/a; sofrimento na infância e nas demais fases da vida; sentir-se preso
sentimento de não ter voz; sentimento de não fazer parte; sentimento de insegurança e medo; lutar,
conquistar as coisas e ter impedimentos físicos e/ou emocionais para desfrutar, ocasionados pela
homofobia/lesbofobia sofrida.
Para tanto, apoiada nos aporte teórico da psicologia junguiana, esta análise se utilizará das
6.6.2.1 Medo
Destaca-se nesta subcategoria o medo sentido por gays e lésbicas de terem sua orientação
assassinados/as.
De acordo com Dalgalarrondo (1970/2019, pp. 70, 306 e 308), o medo não é “[...] algo que
acontece na mente ou no cérebro de uma pessoa; são, antes, eventos desencadeados por estímulos
como uma frustração ou ameaça, que levarão o indivíduo a gritar ou a ficar tremendo... é
397
angústia, de impotência e invalidez crescentes, ante a impressão iminente de que sucederá algo
que o indivíduo quer evitar, o que progressivamente se considera menos capaz de fazer”.
Nessa perspectiva, ainda que o medo seja uma reação afetiva que envolva processos
heteronormativa. Ademais, o termo medo, foi utilizado pelos entrevistados demonstrando o que
sentiam por conta da homofobia e da lesbofobia existente no mundo e que foram vítimas ao longo
de suas vidas, assunto ao qual será explorado na próxima subcategoria, denominada preconceito e
discriminação.
Pode-se observar o medo presente na vida dos entrevistados, conforme os relatos que se
seguirão, em diversos momentos de suas vidas e sob várias circunstâncias, mas sempre ligadas
[...] E isso gera uma situação em mim, que quer dizer eu era uma drag queen nesse período,
comecei a me montar com 17 anos, eu não tinha problemas de sair no meio da rua montado
de fazer coisas assim em público, e isso gera um medo, eu passo a ter medo assim, tipo de
[...] Eu observo também que esse medo, esse receio, é se estivermos só nós duas. Se a gente
estiver em grupo, aí a coisa fica mais suave. [...] a sociedade não aceita, por mais que esteja
liberado, por mais que a gente tenha orgulho de ser o que somos, por mais que a gente tem
conquistado, tenha tido muitas conquistas, mas essas conquistas elas também não são
conquistas seguras. Agora nos Estados Unidos com a Lei do Aborto, daqui a pouco, se não
der um break, não mudar o rumo das coisas, a gente vai perder todos os direitos já
398
conquistados, que são poucos. E ainda vamos voltar pro armário da pior forma possível.
[...] Na primeira brecha que teve, os ratos saíram dos esgotos mesmo, e tão aí atacando, e
prontos pra atacar, prontos pra atacar. Então qualquer vacilo, agora, a gente vai viver com
medo. Eu to vivendo o medo, o medo que eu não tive, a coragem que tive, quando lá, nos
Eu sinto muito medo. [...] Então, assim, por que que as pessoas não olham para nós e nos
respeitam? Isso me incomoda muito! E por que a sexualidade ela tem que estar tão em
medo. De medo de eu ser agredido, né? Eu posso ser agredido “n” vezes, não digo
fisicamente, fisicamente eu nunca fui agredido por ser homossexual, mas eu já fui agredido
por várias vezes, sabe? Ter que passar por situações “n” vezes constrangedoras por, por tá
com meu marido, com namorado, por ser homossexual, por postar uma foto [...]. (E3,
2002).
Como que eu ia, como que eu ia olhar pra aquela pessoa que que falou que ia me matar?
Sabe, tinha medo de sair de casa, eu tinha pavor de sair de casa, minha mãe não deixava
sair de casa, meu pai teve que ir comigo na delegacia e como que eu vou falar isso pra um
delegado, sabe? [...]. Eu lidei com o medo, com muito medo. Porque não tinha o que fazer
com medo. O medo só ia aumentando [...]. Ainda hoje sinto muito medo. (E3, 2002).
Eu demorei bastante para contar pra J. Eu tinha muito medo da reação das pessoas. (E3,
2022).
399
Na minha cabeça, duas mulheres andando de mãos dadas, chamam atenção e a ideia é que
quando eu estou andando em um ambiente hostil, eu não quero chamar atenção, eu quero
ser só uma pessoa passando. Então eu acho que é um mix assim, mas chama atenção porque
que não é o comum, né? Isto me dá medo. [...]. O que acontece é que eu sempre fico muito
alerta. Então, e isso, assim, me coloca num estado de alerta, talvez, uma pré-raiva ali,
embora não tenha acontecido nada. Antes que aconteça, eu já dou uma nutrida numa raiva,
de tipo assim, preciso ficar alerta, em estado de alerta. Ativo os instintos. (E4, 2022).
[...] Não fico, não fico à vontade. Eu fico basicamente em lugares assim, que eu sei que são
mais voltados pra o nosso público. [...] eu não ando de mão dada com um namorado ou
com um ficante, eu não abraço de uma forma muito evidente, não dou um beijo por medo
de violência, isso porque eu não sei se eu não vou levar uma lâmpada na cabeça, um chute,
uma pedrada, um soco. Porque é o que acontece! Pessoas como nós assim, com quem já
aconteceu isso, você nunca sabe o que pode acontecer e eu não estou disposto a passar de
novo por isso. Eu prefiro me proteger e não deveria ser assim, mas é o que tem para hoje.
Eu nunca fui aquela pessoa assim, de ter muitos amigos, apesar de eu ter muita vontade de
[...] Nessas situações mais ligadas às questões de assédio, eu gostaria de ter feito, assim,
gostaria de ter agido de uma maneira mais enfática, às vezes eu penso que poderia andar
com spray de pimenta. Gostaria de também lidar com as questões do assédio. Na questão
do assédio, eu sinto muito essa coisa de eu queria me defender de uma forma mais
substantiva, não com esse medo profundo. E também, por exemplo, aquelas vezes em que
400
eu, andava demonstrando afeto, com aquela essa demi-menina, homens cis ficarem
fazendo, xingamentos. Então, eu queria poder ser mais enfática se for no contexto do Brasil,
por exemplo, processar pessoas. Mas eu sempre tive e tenho muito medo do que essas
pessoas podem me fazer. [...] tenho um medo muito grande, quando, sobretudo, são homens
cis, endosexo, passáveis de gênero masculino, eu tenho muito medo, né, de sofrer, assim,
por exemplo, nas vezes em que, que aquele homem cis bêbado, segurando meu braço, eu
fiquei com medo de reagir de uma forma profunda, porque eu não saberia como ele iria
Então, acho que não..., mas sempre que posso, escondo essa informação - tenho medo de
ser prejudicada de alguma forma. Na saúde, na verdade, é assustador, ne? Fico fantasiando,
sabe? "Vai que me dão o remédio errado de propósito" e coisas do tipo. Às vezes, fico
pensando em como vou longe no meu medo, mas, no fim, acho que tenho motivos pra ter
Embora, o medo seja um afeto, ele é objetivável, portanto, passível de ser materializado.
violência, preconceito e discriminação a que os homossexuais comumente são vítimas e fala dos
medos individuais de situações que marcaram suas vidas, então, o medo que permeia suas vidas é
tanto coletivo, como individual, cerceando-os de todas as formas. Esse sentimento de medo é real
e necessário de ser acolhido e ressignificado, para que essas pessoas consigam caminhar e seguir
em suas vidas.
401
6.6.2.2 Preconceito e Discriminação
Consideram Toledo e Teixeira Filho (2013), Santos et al. (2020) e Araujo, Benincasa e
verdade única e superior a qualquer outra forma de expressão sexual e de gênero, pode ser
compreendido como uma forma de regular a sexualidade do outro, por meio de violência,
preconceito e a discriminação são práticas excludentes que se manifestam por meio da homofobia
e da lesbofobia (Baron Mussi & Serbena, 2015) que, de acordo com Vasconcelos (2019),
masculinidade normatizado e por serem gays” e “abuso às mulheres, por serem mulheres, sexismo
(discriminação de gênero, por serem mulheres) e por serem lésbicas, sendo vítimas de homofobia
por sentirem atração por pessoas do mesmo sexo” (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b, pp. 15-
16).
Nesta perspectiva, considera MacRae (2018a) que as mulheres lésbicas são alvo de dupla
repressão, correndo mais risco no que se refere a violências que lhes é praticada, pois são mulheres
e são lésbicas. Podemos perceber esta situação explicitada no relato de E1, que sofreu lesbofobia
em seu ambiente profissional, sendo marcada em sua vida, sobremaneira, por esta experiencia.
Conta E1 (2022):
402
Foi uma carta anônima que eu recebi, em exercício docente. [...]. Eu já cheguei na
universidade lésbica pública, todo mundo sabia, exatamente por não ter problemas com
carinho, com a expressão do afeto, então não era que eu saia dizendo para todo mundo não,
mas se me perguntasse também não ia negar e nesse movimento aí, eu sou uma professora
movimentos sociais do território onde esse departamento está localizado, eu recebi uma
[...]. Foi uma coisa bem violenta. E eu recebi essa carta, essa carta foi enviada pelos
Correios. [...] quando eu abri a porta da sala, eu peguei a carta e era um momento de reunião
com os movimentos sociais, então eu abri e levei um susto com aquilo e li a carta, em voz
alta para todo mundo que tava na sala ouvir, foi um choque, né? Então, foi essa experiência,
a experiência que realmente mudou a minha vida, porque eu nunca imaginei que alguém
pudesse ter tanto ódio de mim e querer me fazer tanto mal como tava expresso naquela
dupla, quando se trata de mulheres transexuais lésbicas, pode-se imaginar então como a
lesbotransfobia se dá. E9 é um exemplo disto, que passou por várias situações graves, como se
pode notar.
[...] E aí comecei a ouvir coisas como “você é uma mulher, você não precisa de outra, você
precisa é de um homem”. Ou talvez porque as pessoas achem que as mulheres trans enfim
estão o tempo ávidas por homens cis. [...]. Então ele disse assim, que eu precisava era dele,
que ele iria me esgaçar com o pênis dele, então era algo assim. Mesmo se eu fosse
403
interessada por homens, não seria esse tipo de questão. [...] teve também momentos em que
eu, um homem cis e provavelmente daqueles que se adicionam nas redes sociais, entre
milhões de mulheres trans, tem essa coisa, esse interesse, mas que se manifesta de uma
maneira feiticista, e aí, eu enfim, fui falar que só me interessava por mulheres e não-
binárias. Aí, a pessoa me convidou para fazer parte de um filme pornográfico, que ele iria
fazer. Sendo que, isso no contexto de eu estar negando um flerte. Então é extremamente
cansativo. [...] teve uma vez que eu estava andando na rua, [...], eu tava voltando pra casa,
daí tinha uma pessoa bêbada, foi, começou a, provavelmente um homem cis bêbado, pegou
no meu braço, e eu fui desvencilhando, também fico muito amedrontada nessas ocasiões.
E teve uma vez também que eu tava andando com outra menina trans, em início de
transição, [...], a pessoa, passa um carro assim, com vários homens cis, e aí gritam “putas”.
[...]. Depois teve, uma vez em que enfim, eu estava andando na rua e na parada de ônibus,
pra pegar um ônibus, aí, quando eu vejo, assim, conhecido, que olho bem na reta, e aí tá
um homem cis no chão, enfim, com a mão debaixo da calça se masturbando, e quando eu
olhei, eu vi que ele estava nitidamente olhando para mim. Eu só dei grito, xinguei, mas
depois, assim, um segundo depois eu vejo que vai vir o ônibus, eu descido pegar o ônibus,
porque não queria me atrasar para a aula, mas foi dando um sentimento assim, de revolta
Os homens por sua vez, de acordo com os indicadores de violência como Homofobia Mata
(2020), dentre outros, por terem menor passabilidade, e pelo preconceito a que são alvo por outros
homens, por não corresponderem a um padrão de masculinidade socialmente aceito, sofrem mais
ataques violentos e chegam em maior número a óbito. E, no que diz respeito a violência e óbitos,
404
pondera Pereira (2017) que o Brasil é o país que possui maior índice de mortes a homossexuais e
Desde pequenos os meninos são mais visibilizados em termos de sua orientação sexual,
vindo mais facilidade a sofrer bullying na escola e outras formas de violência, inclusive na família.
E2 é um exemplo disto.
E2 foi vítimas das mais diversas formas de homofobia ao longo de sua vida, desde pequeno,
passando por situações de preconceito e discriminação com a família, durante todo seu período de
estudo (escola a vida acadêmica), na vida profissional, nas ruas, dentre outros. Assim, foram
selecionados alguns recortes destas homofobias, conforme abaixo, a fim de ilustrar os sofrimentos
[...] Uma professora evangélica, para você ter uma ideia, chegou a falar na minha cara, que
ela queria que eu explicasse para ela o que leva uma pessoa a ser gay, porque ela queria
evitar que os filhos dela corressem esse risco, porque nenhum pai quer ver um filho ser
gay, ela falou isso na minha cara, uma professora evangélica. (E2, 2022).
[...]. Mas eu acho assim de todas as situações homofóbica que eu sofri na minha
vida, a pior foi quando eu sofri homofobia da própria polícia. [...]. Florianópolis tem um
em Florianópolis tem o que eles chamam de Pop Gay, é um bloco de rua onde eles levam
os artistas LGBTQIA+ [...], e eu era bem novinho, devia ter uns 18 pra 19 anos e fui para
esse bloco. Esse bloco era feito policiamento com polícia montada, [...] quando o bloco
acabou, nessa época eu não tinha carro ainda, então eu dependia de esperar o primeiro
ónibus. [...]. Então fiquei eu com um amigo meu, a gente nunca teve nada, ele só é meu
amigo, nunca fiquei com o R., nunca, a gente simplesmente ficou sentado no lugar onde a
405
polícia estava, então a gente falou, a polícia armada, montada, está aqui, então vamos ficar
aqui porque a gente está do lado da polícia. E daí ficou eu e ele naquela praça, sentados,
conversando, esperando dar o horário do primeiro ônibus [...]. O R. é 10 anos mais velho
que eu, então eu devia ter 19 anos e ele 29, ou tinha 18 e ele 28, daí a gente ficou
conversando ali, a polícia ali parada, também conversando. De repente chega um rapaz
completamente alterado, bêbado, drogado, sei lá o que ele tinha. Ele simplesmente chega
dando soco em mim, já chega falando que era um absurdo e, assim, toda a raiva dele foi
direcionada pra mim, que era o gay mais jovem, era o gay, eu nunca tive barba, então, ele
direciona toda raiva dele pra mim, “você tá aqui com esse cara todo peludo”, [...] “é um
absurdo, um nojo”. E a polícia ficou ali, de braço cruzado, olhando o circo, entendeu? A
polícia não foi, não fez absolutamente nada, contra aquele cara deixou o cara me agredir
fisicamente, e ficou olhando, só faltou a polícia, aplaudir assim o que estava acontecendo.
Os policiais estavam assim, a 50 metros de mim, eles estavam muito próximos e não
agressão física que eu estava sofrendo desse cara, foram outros amigos dele que chegaram
Sofri bullying porque eu era muito afeminado e porque eu era muito alto. Eu sempre
fui uma criança muito alta. Eu com 6 anos de idade, inclusive, fui molestado por um rapaz
adolescente, dentro da escola. Fui molestado, não sabia o que era sexo nesta época e tentei
falar para os meus pais, dessa situação, e acabei apanhando. Era aquela época que se batia
nos filhos ainda, década de 82. Eu estava na primeira série, tentei contar para os meus pais,
não consegui explicar o que aconteceu, eles acharam que eu tinha feito alguma coisa errada
e daí eu me lembro até da sena: “você prefere apanhar pelo pai ou pela mãe? (E2, 2022).
406
[...] minha mãe percebe que eu estou sofrendo muito bullying e a escola também
percebe os bullyings e daí a escola sugere que eu seja transferido, e eu sou transferido na
terceira série. E daí eu sou transferido, passa um tempo sem bullying, o bullying volta a
acontecer quando eu estou na 5ª, 6ª série. E chega ao ápice de que em uma das situações
[...] Fui me fechando, fui me fechando e com 13 anos eu tentei o suicídio dentro da
professora, isso eu tava na 8ª série, foi “se você vai se matar, se mata no corredor, porque
então eu não responsável pela sua morte”. Ela me bota para fora de sala pra que eu não
cometa suicídio dentro da sala de aula com ela. Ela não me assistiu no sentido de vamos
impedir o suicídio dessa criança. Ela me bota para fora com essa frase “se você quer se
matar, se mata fora da sala de aula, porque eu não vou ser responsável por isso”. (E2, 2022).
chegar à morte. (Marinho et al. 2004; Baracat et al., 2020; Ortiz, Bogo & Navasconi, 202; Araujo,
diversas formas, inclusive nas redes sociais, como aconteceu com E3 que sofreu homofobia nas
redes sociais, por pessoas conhecidas e desconhecias, sendo, inclusive, ameaçado de morte, o que
[...] Eu tinha por volta de uns 20 anos, meu namorado postou uma foto na época né? Que
eu tava com uma camiseta do São Paulo e ele tava com uma camiseta do Palmeiras e aí
407
fizeram uma piada daquela da Mastercard, sabe? “Uma camiseta do Palmeiras, tanto, um
passeio no Ibirapuera, tanto, ver dois gays, um palmeirense e um são paulino, isso não tem
preço”, sabe? E fizeram uma piada assim e repercutiu muito na internet na época, repercutiu
demais assim, tanto que eu, meus pais receberam, sabe? Várias pessoas me mandavam
mensagem falando “nossa, E3, eu vi isso daqui”, e assim, os comentários de quem via essa
foto era do tipo assim “nossa eu conheço esse viado, se eu ver ele na rua eu vou matar ele,
eu vou bater nele”, sabe? [...]. Como que eu ia, como que eu ia olhar pra aquela pessoa que
que falou que ia me matar? Sabe, tinha medo de sair de casa, eu tinha pavor de sair de casa,
minha mãe não deixava sair de casa, meu pai teve que ir comigo na delegacia e como que
eu vou falar isso pra um delegado, sabe? Bem constrangedor. E durou, durou muitos anos
[...]. Eu parei de frequentar o clube do qual eu frequentei a minha vida inteira, eu parei de
sair com pessoas do qual eu saí a minha vida inteira, eu literalmente bloqueei todo mundo,
exclui redes sociais, só realmente eu só me envolvi ali com pessoas iguais a mim, digamos
assim [...] deixei minha barba crescer pra ver se eu escondia meu rosto, meu cabelo
também, queria jogar ele pra frente pra ver se eu conseguia me esconder, sabe? (E3, 2022).
Pode ainda, conforme Kimbles (2014), Silva e Serbena (2021) e Franco (2022b), a
exclusão, rejeição e discriminação de gays e lésbicas, muitas vezes de forma bastante cruel,
causando dor e sofrimento nestas pessoas, podendo, inclusive, provocar mortes ou provocar feridas
psíquicas e físicas nestas pessoas, como foi o caso de E11 (que teve a vida marcada pela morte do
408
E11 (2022), figura pública, militante pelas causas LBTs, conta com muito sofrimento
expresso na voz e no rosto que teve seu filho D. assassinado, por causa de homofobia. Era um dia
de comemoração do Movimento e ele está, com um presente nas mãos, vindo se encontrar com
ela.
Mataram meu filho [...], mataram, meu D. Ele descendo de Teresópolis, tava morando em
Teresópolis com um rapaz que era cabeleireiro. Ele tava descendo pra vir pra festa de 30
anos do movimento e minha, né, de movimento. Eles vinham de moto e mataram os dois.
Soube por que ele estava com um presente pra mim, ele andava com a carteira do centro
de referência, então o meu telefone sempre foi referência pra denúncia, né, de qualquer
coisa relativo a homofobia. E foi pra mim que ligaram... mataram meu filho [....]. (E11,
2022).
E5, por sua vez, sofreu situações de homofobia desde criança, sobretudo, na infância e na
adolescência. E isto lhe causou consequências que duram até os dias atuais e que serão narradas
na subseção intitulada sofrimento. Neste momento será discorrido sobre as homofobias sofridas.
[...] eu como criança, vamos pensar aqui que eu nem sentia atração, não tinha nada que
tinha acontecido. Eu era criança realmente bem ingénua e era xingado e eu nem sabia o que
era aquilo que estavam me xingando. Eu acho, eu tentava ter uma noção, mas assim ah, por
exemplo, “você gosta de menino, não é não?”. Sabe, eu fui entender melhor quando eu me
apaixonei por um menino e aí ficou claro, mas até então eram palavras que nem eu sabia
entender exatamente o que que eram, sabe? Mas eu percebi que assim, que um ponto divisor
de águas na minha vida, nessa questão de homofobia, de eu começar a lidar melhor comigo
mesmo, inclusive com sexualidade e tudo mais, foi quando entrei na faculdade. Isso foi o
409
divisor de águas, assim, eu diria que eu sofri muito até meu último dia de aula do segundo
E8 também sofreu diversas homofobias, especialmente em sua casa, por parte de seus pais,
os quais batiam nele até literalmente cortá-lo. As atitudes do pai chegam a impedi-lo de estudar,
rasgando-lhe os livros e os cadernos. As agressões seguiram até o momento em que E8 foi expulso
de casa. O sofrimento seguiu mesmo estando de casa, pois um de seus irmãos mandava mensagens
agredindo verbalmente E8 e este irmão veio a falecer sem que E8 ouvisse sua última mensagem,
pois a deletou, dado que sempre eram agressões. Este fato até hoje é lembrado e sentido por E8
(2022).
[...] Meus pais, eles foram as pessoas mais homofóbicas e até hoje são na minha vida. Eles
não aceitavam e meio que me cortavam, eu tive uma infância muito difícil, principalmente
com a minha mãe. Minha mãe foi, eu acho que ela foi pior do que o meu pai, o meu pai ele
já não aceitava, mas ele não, como posso dizer, ele não tava o tempo todo vigiando. A
minha mãe, ela já tava sempre o tempo todo, sempre me dava uma surra ali outra aqui,
sempre tava me chamando atenção. Então, assim, eu fui começando a me moldar, daí eu
fui começando a ter uma personalidade. Tanto que hoje em dia eu sou uma pessoa mais
fechada, né? Eu também venho de uma família muito evangélica, cristã, nordestina. O
homossexualismo sempre foi visto como um tabu mesmo, sabe uma coisa, até mesmo do
mal. A minha mãe me espancava muito, ela me batia muito, me cortava de tanto bater.
Sempre a escutei dizer “cala a sua boca, você não presta”. Minha mãe, principalmente ela,
sempre teve uma violência muito grande comigo, ela sempre, tanto que eu tenho uma
cicatriz na boca de um copo que ela me deu e me jogou longe. Por causa que ela sempre
dizia, “você tá falando muito fino, você tá andando muito afeminado”, sabe, com essas
410
questões. E aí ela sempre foi muito violenta para que eu mudasse. [...] é uma história tão,
sabe, um pouco difícil para mim. Esse meu irmão, ele era muito homofóbico, esse que
faleceu, quando eu me assumi com 23 anos, eu fui expulso de casa, minha mãe me botou
pra for a, pegou minhas coisas e disse “hoje você não mora mais aqui”. E eu não tive apoio
de ninguém. Eu só fiquei sabendo por uma vizinha que minhas coisas estavam sendo
tiradas. Nem consegui entrar na casa, peguei o que eles botaram para fora e vim embora
pra São Paulo. [...] Um dos meus irmãos era muito homofóbico e antes dele morrer, ele me
mandou uma mensagem, acho que uns 3 dias antes. Uma mensagem de áudio que eu não
cheguei a escutar, porque antigamente já tinha mandado outras, me ofendendo sempre [...].
(E8, 2022).
A lesbofobia, olhando sob a ótica do complexo cultural (Kimbles, 2014; Silva & Serbena,
2021; Franco, 2022b), também pode ocorrer de grupos de mulheres voltado a mulheres lésbicas,
como tentativa de excluir do grupo mulheres cis, todas as que não perfazem a regra
heteronormativa, inclusive dentre do ambiente familiar, como ocorreu com E12 (2022).
Todas as mulheres. Minha mãe. Minha mãe eu não conto, né, porque na verdade minha
mãe, ficou em estado de choque. Ela ficou, acho que uns 6 meses, sem saber o que fazer.
Mas eu briguei com a minha vó. Tudo por parte de mãe. Eu briguei com a minha vó, briguei
com a minha tia, briguei com uma outra tia, tinha uma outra tia por consideração, ela me
via, ela falava de pinto, “porque o pinto”, com todo respeito a você, “o pinto é grande,
Os outros grupos também excluem, na verdade, todos os grupos, a partir de suas identidades
ímpares e singulares, tendem a excluir e a eliminar todo aquele que produz qualquer tipo de
ameaça, por ser diferente daquele determinado núcleo (Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021;
411
Franco, 2022b). Neste sentido, este tipo de comportamento também pode ser observado com
E6 buscou impedir que as pessoas percebessem sua orientação sexual e, nem sempre
[...] os episódios que mais me marcaram de homofobia, foram em sala de aula. E os que
mais me incomodaram, até acho que é porque eu estava numa situação de liderança, né,
como professor. [...] Eu não tenho voz grossa. [...] E aquilo que eu te falei a questão dos
trejeitos da mão, daquela coisa, enfim, acho até que eu não tenho tantos trejeitos assim,
mas, eventualmente posso ter tido, ou ter, enfim. Mas, eu não sei exatamente o que
acontecia e eu, uma vez, ouvi um comentariozinho, lá do fundo da sala; [...] Eu falei: “se
você tem alguma coisa pra falar sobre isso, você vem falar comigo”, enfim..., porque eu
não vou admitir desrespeito, né? Então, assim, eu lembro de três ou quatro vezes ter
acontecido, não foram muito mais do que isso, não. Eu cortei, eu disse: “não, não fica com
risadinha, se você tem alguma questão para falar comigo, você fala, porque eu não aceito
preconceito frente a sua orientação sexual, a partir das falas dos entrevistados e sustentada pelos
Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos,
que “a homofobia/lesbofobia pode se manifestar de forma individual e/ou coletiva contra gays e
lésbicas, podendo atuar de forma cruel sobre estas pessoas, vindo, inclusive a provocar feridas
412
Tornou-se ainda evidenciado nesta discussão que a homofobia e a lesbofobia, sem que
possamos deixar de citar a translesbofobia, estão presentes no dia a dia de gays e lésbicas e
mulheres transsexuais lésbicas, manifestando-se sob as mais variadas formas, desde um olhar
desaprovador à uma morte violenta, marcando de forma permanente estas vidas, conforme foi-se
possível observar nos relatos dos entrevistados, possibilitando-se, por meio de suas falas,
acerca de se ser ou não gay ou lésbicas, estas pessoas, como tentativa de esquivarem-se da dor que
significa fazer parte do grupo de pessoas que possuem esta orientação sexual, podem, muitas vezes,
Neste processo, para atenuar o peso que sentem em perceberem-se gays ou lésbicas, uma nova
6.6.2.3 Negação de si
por gays e lésbicas, podem dificultar que estas pessoas vivam de forma saudável a sua sexualidade,
chegando mesmo a negá-la como tentativa inconsciente de não ser vítima de preconceito e
discriminação.
413
Sofrimentos e angústias são sentimentos que, quando não há permissão para serem vividos,
podem ser reprimidos pela consciência (Jung, 1916/2014b) levando, no caso do homossexual e
negação da própria sexualidade pelo homossexual ou pela lésbica, podem estas pessoas chegar a
Para Jung (967/2013a), Zweig e Abrams (2012) e Sanford (2012), isto acontece devido a
devido a dificuldade de reconhecer em si estes aspectos como seus, uma vez eles não são aceitos
na consciência.
Quanto mais se oculta e se nega própria sombra, mais ela se fortalece e se no outro, uma
das possíveis razões pela qual há tantas agressões físicas e assassinatos a pessoas que se relacionam
(citado por Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020) este fato pode se dar com certa frequência.
Outro cenário que pode acontecer, ponderam Santos et al. (2020), Araujo, Benincasa e
Frugoli (2022d), é a pessoa por não poder viver de forma salutar e aberta a sua personalidade, e
vir a adoecer física e/ou psiquicamente. Quando se dá o adoecimento físico é porque a dor já está
Por não viverem sua sexualidade livremente, devido a homofobia e a lesbofobia a que quais
gays e lésbicas são vítimas frequentes, quando não gera uma homofobia internalizada, pode levar
a uma dificuldade de autoaceitação, desembocando, inclusive, na negação de si, pelo medo que ser
gay ou lésbica e sofrer, pode vir a representar na vida desta pessoa. E este fenômeno pode-se
414
[...] então tinha muita aquela coisa de eu não me aceitava como gay, eu me aceitava como
bi, não sinto nenhuma atração por mulheres, mas primeiro eu falava que era bi, um bi que
só fica com homens, entendeu? E teve todo um processo até eu de fato eu conseguir vestir
a camisa de que não, eu gosto de meninos. Eu falo meninos por causa da idade da época,
Eu senti muito medo, né? Eu levei algum tempo para me aceitar e para entender o que
Ah, foi um super conflito […]. Isto não era uma possibilidade, né? Eu não pensava sobre
isso. [...] Não falei para minha família, não falei para ninguém, na verdade, pra um amigo,
só ele e mais ninguém. Eu acho que levou assim, cerca de um mês para eu aceitar me
[...] quando eu entrei na minha pré-adolescência, eu comecei a olhar meninos de uma outra
forma que não era só afetiva, mas eu me reprimia muito, porque eu vim de uma família
bem tradicional, bem conservadora, católica, colégio bem tradicional, então assim, não era
uma possibilidade não ser hétero. [...]. Foi difícil, foi difícil, porque era, era muito
contraditório dentro da minha parte de sentimentos. [...] Eu me culpei durante muito tempo,
carreguei um peso dentro de mim durante muito tempo, tipo, no sentido de me aceitar. [...]
começou a namorar. Eu dizia para mim assim, para tentar, entre aspas, aliviar a culpa e
diminuir a gravidade do problema, “do crime”. Eu falava “não, então eu devo ser
bissexual”. Porque amenizava eu não ser 100% gay, seria um problema muito grande, mas
se eu colocasse uma mulher do outro lado, eu não seria tão ruim. (E5, 2022).
E eu cheguei a ter uma namorada, né? Até por conta disso, acho que era uma tentativa de
eu não dizer que para mim que eu era homossexual. (E6, 2022).
415
[...] E eu tava sozinha na sala, tava assistindo um filme na época e [...] as coisas que ela
questiona, as coisas que ela pensa em algum momento do filme [...] eu tava assistindo, eu
pensei “fodeu”, porque eu me identifiquei com as coisas que ela tava pensando. [...] Nossa,
eu acho, foi um, quando a gente fala desespero, parece uma coisa muito, muito agitada,
mas é muito barulhenta também, né? Mas não foi, foi uma coisa bem que eu guardei lá
dentro. Eu não sabia o que fazer e nem como lidar com isso. Desejei que não fosse verdade,
não pude aceitar na hora, mas isso ficou dentro de mim. (E10, 2022).
A partir destes recortes de relatos dos entrevistados, pode-se pressupor o grau de sofrimento
que se assumir gay ou lésbica tenha representado nestas vidas, pois além de todo um preconceito
que enfrentariam pela vida por serem gays ou lésbicas, enfrentaram a própria dificuldade em se
Por meio destas narrativas, observar o sofrimento que estas pessoas tiveram para se
aceitarem como gays ou lésbicas, negando a si mesmas para não terem que ser vítimas de violência,
preconceito e discriminação, que não podem ser negadas que existem, pois que estão estampadas
subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos, que “a
sentimento de culpa, com bastante frequência, uma vez o preconceito e a discriminação são
416
Para Perucchi, Brandão e Viera (2014), assumir a homossexualidade leva o homossexual a
6.6.2.4 Sofrimento
De acordo com Silva (2011), a palavra sofrimento é originária do grego, de pathos, que
no qual o ser humano invariavelmente passará por ele, inclusive, sendo necessário para que se
torne uma pessoa capaz de se relacionar com outras de forma inteira, podendo, assim, compreender
a si mesmo. (Silva, 2011). Neste sentido, o sofrimento relacionado a razão de se existir, ele é
profundo e vivido de forma integral e profunda, transformando a própria existência, passando pela
Esclarece Silva (2011) que, de acordo com Kierkegaard, as transgressões implicam são
sofrimentos para se chegar a sua essência, a sua totalidade, de modo que são necessárias na vida
das pessoas. E, neste cenário, em uma sociedade heteronormativa que discrimina, violenta
discriminação, gera marcas indescritíveis, por meio do sofrimento, nestas pessoas. Desta forma,
observam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que em uma sociedade como esta, quando a pessoa
reflete sobre ser ou não gay ou lésbica, já inicia seu sofrimento. Isto fica explícito nos recortes das
falas de E4 e E5:
Ah, foi um super conflito […]. Isto não era uma possibilidade, né? Eu não pensava sobre
417
[...] não era uma possibilidade não ser hétero. [...]. Foi difícil, foi difícil, porque era, era
O sofrimento, de acordo com Sarti (2001), perpassa o complexo cultural, em que a cultura
de uma sociedade ou de um grupo, a fim de manter vivo e proteger os seus ideais, rejeita e exclui
todo aquele que não fizer parte deste grupo (Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021; Franco,
2022b), podendo, inclusive, fazê-lo de forma cruel como por meio da prática da homofobia e da
lesbofobia, chegando ao extremo de matar gays e lésbicas, antes, porém, utilizando-se de práticas
de violência, preconceito e discriminação para com estas pessoas, torturando-as por meio da dor
Este tipo de violência, que pode culminar com a morte, pode ser caracterizado como crime
de ódio, dada a crueldade a que se prática a ação contra um determinado grupo escolhido, no caso
gays e lésbicas, segundo Perucchi, Brandão e Vieira (2014), Efrem Filho (2016) e Aguião (2018a).
Isto aconteceu com E11 (2022), com relação ao seu filho, provocando-lhe enorme sofrimento:
Mataram meu filho [...], mataram, meu D. Ele descendo de Teresópolis, tava morando em
Teresópolis com um rapaz que era cabeleireiro. Ele tava descendo pra vir pra festa de 30
anos do movimento e minha, né, de movimento. Eles vinham de moto e mataram os dois.
Soube por que ele estava com um presente pra mim, ele andava com a carteira do centro
de referência, então o meu telefone sempre foi referência pra denúncia, né, de qualquer
coisa relativo à homofobia. E foi pra mim que ligaram... mataram meu filho [....]. E11
(2022).
Observa Brígido (2020) que o Brasil é o país que apresenta o maior número de crimes e
418
Jung (1916/2014b), Hillman (1926/2011), Pereira (2017), Ortiz, Bogo e Navascon (2020),
Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) consideram que quando o sofrimento é extremo e ultrapassa
os limites do suportável, como forma de se libertar de uma vida que não cabe mais na própria vida,
o suicídio muitas vezes visita e ronda os pensamentos das pessoas, podendo até mesmo virem a
literalizá-lo. Pode-se verificar estes contextos expressos nos recortes das falas de E2, E8 e E5:
[...] com 13 anos eu tentei o suicídio dentro da sala de escola. Eu começo a me cortar inteiro
dentro da sala de aula e a postura da professora, isso eu tava na 8ª série, foi “se você vai se
matar, se mata no corredor, porque então eu não responsável pela sua morte”. Ela me bota
para fora de sala pra que eu não cometa suicídio dentro da sala de aula com ela. Ela não me
assistiu no sentido de vamos impedir o suicídio dessa criança. Ela me bota para fora com
essa frase “se você quer se matar, se mata fora da sala de aula, porque eu não vou ser
Minha mãe [...]. Ainda fala palavras duras, nossa ela me expulsou. Faz 2 anos que ela me
expulsou de casa, por conta deu ser homossexual. Aí eu disse pra mim mesmo que eu não
[...] eu precisava me encaixar. Eu passei muitos anos como que performando uma pessoa
que eu não era. Mas assim, o pensamento suicida sempre existiu, mas eu nunca tive
De acordo com Brígido (2020), Lima (2020) e Baracat et al. (2020), quando a violência é
sofrida e não é ressignificada, o trauma se mantém vivo gerando doenças psíquicas e/ou físicas,
como forma do corpo expressar o sofrimento e a dor, exemplo, ansiedade, depressão, pânico,
419
É, essa questão da ansiedade, eu acho que eu, me esforço muito pra não deixar a depressão
tomar conta de mim, porque se eu deixar, se eu vacilar, basta dar um vacilo pequenininho
que o mundo acaba e eu sabe, é horrível, [...] depois dessa experiência, isso mudou muito
a minha vida. Eu tenho que ficar falando para mim mesma, que tá tudo bem, que vamos lá,
você é corajosa, que senão minha filha, eu fico amuada. (E1, 2022).
[...] hoje eu tenho transtorno de ansiedade, eu acredito que grande parte desse diagnóstico
vem, porque eu meio que introjetei que eu não tinha valor por ser quem eu era, então eu
tentava compensar, eu tinha que ser o melhor estudante, o melhor profissional, se fosse
para fazer o artigo científico que fosse o melhor artigo científico, sabe? E essa super
cobrança, por trás disso, teve muito isso, eu comecei tocar piano e queria ser o melhor
pianista, então teve muito isso, de sempre eu querer ser o melhor para compensar esse não
valor. [...] até hoje eu convivo com transtorno de ansiedade, o psiquiatra já falou que não
tem cura, que o transtorno de ansiedade me acompanha pelo resto da vida, a gente passa
por períodos em que a gente, enfim, não precisa da medicação, mas dependendo do período
da vida tem que retornar com a medicação, enfim, eu passo por períodos em que reduz a
psicoterapia, e aí acontece alguma coisa na vida, algum fator mais ansiogênico, daí tem que
voltar com a medicação e, e assim, vai passando por ondas, mas eu acredito que vem muito
O que acontece é que eu sempre fico muito alerta. Então, e isso, assim, me coloca num
estado de alerta, talvez, uma pré-raiva ali, embora não tenha acontecido nada. Antes que
aconteça, eu já dou uma nutrida numa raiva, de tipo assim, preciso ficar alerta, em estado
420
[...]. Eu percebo assim que eu fico tenso e eu fico olhando, eu fico muito vigilante, fico
olhando para as pessoas à minha volta para ver se não tem ninguém que possa vir em cima
de nós para fazer o que quer que seja”. Eu não consigo ficar à vontade. Um casal hétero,
não sabe, não, não sabe o que é isso. Uma coisa que eu percebo é que assim, se eu tô num
shopping, por exemplo, e eu vejo um casal de duas meninas ou dois meninos ali de mãos
dadas e tal. Eu fico tenso, eu fico cuidando. Pra ver se não tem ninguém que vai chegar a
viverem sob contínuo medo de serem agredidos, violados em sua integridade física e emocional,
(Araujo; Benincasa & Frugoli, 2022d). Estes sentimentos podem ser observados nas narrativas de
E1, E3 e E5.
Então qualquer vacilo, agora, a gente vai viver com medo. Eu to vivendo o medo, o medo
que eu não tive, a coragem que tive, quando lá, nos enfrentamentos da lesbofobia. Hoje que
[...]. O medo tomou conta da minha vida. [...]. Não entendo por que fazem isso, porque nos
agridem tanto. É eu sou, eu não sou somente um homossexual, eu sou um homem, sou
trabalhador, eu sou um filho, eu sou um marido, eu sou um irmão, eu sou um amigo, né?
[...]. Então assim, por que que as pessoas não olham, como um contexto, né? Isso me
incomoda muito e por que que a sexualidade ela tem que estar tão, tão em destaque, né?
(E3, 2022).
medo. De medo de eu ser agredido, né? Eu posso ser agredido “n” vezes, não digo
421
fisicamente, não eu digo fisicamente eu nunca fui agredido por ser homossexual, mas eu já
fui agredido por várias vezes, sabe? Ter que passar por situações “n” vezes constrangedoras
por, por tá com meu marido, com namorado, por ser homossexual, por postar uma foto.
(E3, 2022).
[...] Isso tudo me afetou demais e ainda afeta. [...] Por exemplo, se eu to num dia legal, que
as coisas estão fluindo, e me vem uma palavra homofóbica, eu tento não transparecer, mas
aquilo é como se tivesse tirando a alegria do meu dia. É uma coisa que te desmotiva, que
você olha, você olha, mas que você não possa, não tem argumento pra falar que te dá uma
raiva, sabe? Poder falar alguma coisa, mas maioria das vezes você não pode falar, né? É
um sentimento de impotência, de sabe, “eles estão nos calando”, né? [...], mas não tem o
que fazer, o que que eu vou fazer? Eu vou chegar na pessoa e vou falar assim, “olha, você
está sendo homofóbica!”. “Você tá agredindo um ser humano”. E vou ouvir: “o que você
tem a ver com nisso?”. E ainda pode querer me agredir! E aí nisso às vezes é melhor a gente
se precaver, né? A gente se proteger disso, pela própria segurança. A própria segurança,
faz com que a gente fique quieto, né? Tipo, eu prefiro estar ileso, protegido do que correr
[...] eu não ando de mão dada com um namorado ou com um ficante, eu não abraço de uma
forma muito evidente, não dou um beijo por medo de violência, isso porque eu não sei se
eu não vou levar uma lâmpada na cabeça, um chute, uma pedrada, um soco. Porque é o que
acontece! Pessoas como nós assim, com quem já aconteceu isso, você nunca sabe o que
pode acontecer e eu não estou disposto a passar de novo por isso. Eu prefiro me proteger e
não deveria ser assim, mas é o que tem para hoje. (E5, 2022).
422
Afirmam Garcia e Coutinho (2004) que vivemos em uma sociedade que produz sofrimento
o tempo inteiro, pois preza acima de qualquer coisa a liberdade, mas tira a liberdade do outro a
qualquer preço e a duros golpes, como fazem com gays e lésbicas, que não correspondem ao padrão
digna e muitas vezes até mesmo a vida. Nesta perspectiva, pondera E2 (2022):
[...] O tempo inteiro nós temos alvos nas costas, tem que ter, a gente, a gente sai na rua sem
saber se vai voltar. [...] Que raio de liberdade é essa de sair na rua e ser morto?”. O tempo
inteiro somos agredidos, o tempo inteiro nós sofremos uma série de violências, desde
violências físicas até morais e psicológicas e nada é feito. As pessoas que cometem essas
A violência sofrida abre ferida emocionais em gays e lésbicas, fazendo com que as
lembranças do que sofreram sejam recorrentes, de modo que parece que o sofrimento estará sempre
lá, presente em suas vidas, pois suas vidas foram marcadas. (Pereira, 2017; Ortiz, Bogo &
Navasconi, 2020; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b). Os trechos seguintes destacam estes
[...] eu fui molestado [...] tinha 6 anos [...]. E aquelas frases, porque o menino me segurava
e ficava falando, “você é muito feio, você é horroroso, nenhuma mulher nunca vai te
querer”. Claro isso depois vai ser traduzido para o gênero masculino, então por muitos anos
eu me senti muito feio, sou muito feio, nenhum rapaz vai se sentir atraído por mim. Eu tive
sérios problemas de autoestima, por conta disso, foram anos e anos de terapia, e muitos dos
meus desenhos até hoje, porque a gente tem..., a gente introjeta essas frases, essas vozes,
elas continuam falando na nossa cabeça...., tanto que eu tenho que parar, respirar fundo e
423
Então, é uma questão de se sentir muito deslocado, muito errado, muito culpado, como se
realmente fosse 100% minha responsabilidade. E muito deprimido, assim também de ficar
muito triste né, de porque isso né, ansioso assim, ansioso porque estava sempre vigilante.
O meu terapeuta falou para mim uma vez, “você deve ter desenvolvido na tua infância já,
algo chamado hipervigilância, você estava sempre atento ao mundo a tua volta para você
já pensar, como que você agiria se acontecesse tal coisa”. (E5, 2022).
[...] Sofrimento [...] É de questionar o que ela realmente amava... Se ela amava a mim
integralmente ou era a ideia que ela tinha de mim, né? E eu acho que isso, de certa forma,
sempre gerou em mim dúvidas. É um sentimento de querer sempre fazer o máximo de mim,
o impossível, de dar o máximo de mim em tudo que eu fazia pra ela aprovar, "olha eu ainda
consigo fazer tudo mesmo sendo gay, sabe"?! [...] Me distanciou, emocionalmente. A
gente, antes disso, a gente sempre foi mais próximo [...] hoje, olhando para trás, eu consigo
Isso é, sabe, muito difícil. Eu me sinto sem valor. É o que às vezes eu me pego pensando,
eu, eu queria ter tido oportunidades, né? [...] às vezes, quando eu me deito para dormir,
comigo. Tipo, eu comecei a ter, lembrar sabe, do abuso sexual que eu sofri do meu tio,
sabe? [...] Eu acredito que eu tinha de 7 a 8. Aquilo de tocar nas minhas partes íntimas, dele
se tocar. Só que naquele momento eu não entendi aquilo. [...]. (E8, 2022).
O que mais me doeu é [...] acreditar, sabe, no que essas pessoas falavam me doeu muito.
Houve um momento que eu comecei a acreditar que isso era errado, que eu era errado!
Então isso me causou muito mal, né? Porque eu comecei a me sentir uma pessoa sem valor,
comecei a me sentir, que eu era uma pessoa suja, né, que eu era uma pessoa pervertida, por
424
conta de ser homossexual. E isso me causou uma dor muito grande, sabe, um sofrimento.
Eu comecei a sentir aperto no peito quando eu estava perto das pessoas. Eu não conseguia
conseguia mais. Sempre me sentia muito estranho. Então eu acredito que eu poderia ter
sido mais…, eu sofri…, isso me causou um sofrimento muito grande. (E8, 2022).
Tenho muitas feridas e [...] às vezes é algo que eu vou conversando com as pessoas também,
às vezes é algo que já cheguei à conclusão que nunca vou conseguir extirpara-las. (E9,
2022).
Perceber que eu cresci e a vida inteira eu fui discriminada, sabe, pelas mesmas pessoas que
estavam ali durante o meu crescimento..., é muito confuso. É inclusive dentro da minha
própria casa [...]. Então, eu tenho tudo de errado aqui pra comunidade, sabe? Porque além
de eu não ter pai, eu sou mestiça, que isso é um preconceito, sim, aqui do, dentro da
comunidade é uma questão isso. O brasileiro, o que não é da comunidade, então, eu não
tenho pai, sou mestiça. Ainda era uma criança que não era do jeito que devia ser, sabe, era
uma menininha, mas que não se comportava com uma menina, e eu cresci e eu sou sapatão,
sabe? Tipo, parece, que aí vira tudo “ah, tinha que ser”. (E10, 2022).
O sentimento de não pertencimento, de não ser valorizado, de não ser respeitado, de não
ser amado, de estar vulnerável e não ter com quem contar, pode, pelo que se pôde observar, gerar
forte sofrimento nas pessoas, pois que ser amado, aceito, valorizado, sentir-se seguro e protegido,
compõe os processos cruciais que constituem o ser humano, permitindo-o manter-se saudável
425
As discussões trazidas por meio dos recortes dos relatos acima dos entrevistados,
Análise de Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e
sentimento de pânico, depressão e/ou ansiedade, além de, em alguns casos, falta de vontade viver,
podendo levar desencadear pensamentos angustiantes como o suicídio, como tentativa de findar o
sofrimento”.
pessoas têm o desejo e lutam pelo direito de serem livres, de serem felizes, de amarem e de
poderem fazer suas escolhas, entretanto, quando se trata do direito de liberdade do outro e,
especialmente se este outro vai em desencontro aos complexos culturais de determinados grupos
sociais, contraditório ao que se busca para si, o direito à liberdade, à felicidade e à realização
pessoal, é negado a duros golpes de violência à estas pessoas e isso é o que acontece em uma
sociedade heteronormativa, com gays e lésbicas (Garcia & Coutinho, 2004, Araujo, Benincasa &
Frugoli, 2022b).
As pessoas desconhecem quem de fato são os gays e as lésbicas, pois não se ouve quem
são por suas falas, por suas vozes, mas, sim, por outras pessoas que pensam conhecê-los e
reproduzem o que confiam que seja verdadeiro. Para se falar a respeito de algo ou de alguém é
minimamente necessário se conhecer este algo ou esta pessoa com profundidade e, somente se
426
compreende com profundidade, quando se busca saber na fonte, no caso, ouvindo pela própria
pessoas que são gays e lésbicas, Farão parte desta categoria as subcategorias publicização da
pública a orientação sexual e a violência sofrida; a não aceitação em continuar no “armário” e nem
com a homofobia/lesbofobia, por meio da conscientização como meio de estímulo crítico para que
não se aceite o que é previamente dito e imposto como certo ou errado; trocar a política do orgulho
pela política da informação; educar desde pequeno; ensinar o respeito a pluralidade; mostrar os
Para esse fim, esta análise se utilizará das entrevistas realizadas com os 12 participantes da
427
6.6.3.1 – Publicização da Sexualidade e da Violência
discriminação, sofrendo violação de seus direitos básicos e sendo-lhes negado o direito de uma
aponta que uma estratégia é a publicização da sexualidade e da violência a que se sofre, falando
mais e abertamente sobre quem é o homossexual e a lésbicas, suas necessidades e direitos de serem
tratados como qualquer outro ser humano, assim como divulgando o que lhe acontece em termos
de homofobia e lesbofobia sofrida. E foi o que E1 (2022) fez, primeiramente, quando, pelo então
marido, sofreu a tentativa de ser colocada “no armário”. Quando percebeu do que se trata, reagiu
e “saiu dele” e, mais adiante, quando foi vítima de graves ameaças contra sua vida:
[...] Mas aí, o que ele falou comigo foi assim, “a gente fez um pacto, de cumplicidade e
descrição entendeu? Porque as crianças eram pequenas”, aí ele falou assim: “olha, é melhor
ninguém saber, fica só entre a gente, você não precisa tornar público”, eu não vi nenhum
problema nisso, porque também eu não tinha muita dimensão das coisas, depois que eu fui
[...] minha reação, foi contar para todo mundo, essa carta circulou na mão de todo
mundo. E na época também eu trabalhava com movimentos sociais, eu tinha muito acesso
as rádios comunitárias, então eu publicizei mesmo, não perdia uma oportunidade de falar,
por que qual foi a minha lógica? Eu vou falar para todo mundo e vou criar em torno de
mim uma rede de segurança, de proteção e foi isso que eu fiz. (E1, 2022).
428
A gravidade do ocorrido com E1 foi tamanha, que ao publicizar a carta ela tentou ser
silenciada, mas não desistiu, pois era sua vida e a vida de tantas outras pessoas que passava por
situações como esta. Ela estava com medo, mas a coragem de lutar e expor o ocorrido, e de viver,
[...] Peguei a carta e fui na sala do diretor, mostrar, falar. Sabe o que ele fez? “Entra, entra,
fecha a porta, fecha a porta”, e ele falou baixinho, ele me responsabilizou, simplesmente
ele falou assim, “você não é daqui, essa região é muito violenta”, que já teve um caso lá
mexendo com violência, isso é muito complicado, porque o povo daqui do sertão é muito
preconceituoso”, aí eu: “caraca, e agora, se o diretor tá dizendo isso para mim...”. Aí, eu
perguntei: “você tá achando que eu sou responsável por isso? E a partir daqui agora, o que
que vai ser feito?”. Aí ele ficou todo atrapalhado e mandou a substituta dele ir me
acompanhar.
E1, apesar do medo que sentiu e de ter também pelo diretor, naquele momento, sido vítima
de discriminação e preconcetio, reuniu mais forças e foi adiante com esta questão, entretanto,
[...] Eu fui na delegacia, ele não fez ocorrência, não fez nada, por quê? Eu prestei a
ocorrência, mas é uma coisa muito superficial. Eu tenho esse boletim ainda, eu fotografei,
o termo lesbofobia não aparece, eu insisti na delegacia: “você coloca aí para mim”. O
cuidado com o registro que não teve, não teve, mesmo eu ali dizendo, meio que ditando pra
ele o que colocar no boletim, não colocaram... Aí fui para a juíza, a juíza veio com o mesmo
texto, o mesmo argumento, que o meu trabalho me deixava vulnerável, aí eu perguntei para
429
ela se ela estava me acusando? E ela me disse que eu estava desacatando ela. [....] Foi um
homofobobia e a lesbofobia precisam ser denunciadas, publicizadas e de que as pessoas que são
homossexuais e lésbicas tem todo o direito à vida e a dignidade, precisando falar à respeito, se
expor, se posicionar, entretanto, ressaltam a importância de se ter cuidado com a violência, pois
O mesmo foi feito por E2 (2022), quando sofreu violência no carnaval, situação em que E2
relata que foi agradedido em frente a polícia e ela não fez nada. Ao procurar por ajuda, conheceu
Eu acabei iniciando, fazendo uma iniciação científica, eu entrei em contato com o “gays
Baia, e daí eu tive uma conversa muita rápida com o Luís Motti, e ele falou assim “olha,
eu acho que você tem que publicizar a questão da homofobia em Santa Catarina. Eu falei
“mas, eu tô na área da saúde”, daí ele falou “não interessa, é possível fazer pesquisas sobre
gays, sobre a sua condição, você poderia estar na área das artes, que você conseguiria
fazer”. E daí foi meio que o que eu fiz, teve essa questão da entrevista com a RBS, que isso
a própria Globo que me procurou. A partir da entrevista com a RBS, eu conheci algumas
lésbicas que eram bem militantes lá em Santa Catarina. A gente transformou essa questão
em um documentário, que eu não era a única vítima, tinham várias vítimas de homofobia
430
E2 não parou por aí, vendo os resultados que esta publicização poderia positivamente ter
para a comunidade LGBT, em termos de visibilidade acerca da discriminação a que eram expostos,
[...] e daí eu fiz minha iniciação cientifica, onde eu falava sobre o que eu tinha passado na
Universidade, sobre o preconceito dos futuros terapeutas. Então eu peguei todos os cursos
da área da saúde que tinha na Unisul, porque eu era estudante ainda e entrevistei todas as
coisas do tipo... “algum professor já fez piadinha contra a população LGBTQIA+?”; “você
acha que é possível curar homossexual?”; “você acredita que essa população homossexual
tem mais chance de contrair AIDS do que a população heterossexual?”; “se você tiver que
atender um paciente com HIV, e souber que é homossexual, você atenderia?”; “se você
tiver que atender um paciente, você se sente desconfortável, se soubesse que esse paciente
é homossexual?”. [...] E daí com esse artigo, esse artigo foi submetido para Sociedade de
acadêmica começou por ali, começou nessa tentativa de, pra ressignificar isso, construir
uma produção e demonstrar que isso estava acontecendo. E aquele trabalho que eu
publicado esse trabalho, foi esse, porque quando o professor fala que não é de interesse, eu
vou mostrar que é de interesse, mandei para uma revista acadêmica, e ele foi aceito sem a
Para Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e) as redes de apoio podem ser bastante eficazes
para que as pessoas que sofrem homofobia e lesbofobia possam denunciar a violência sofrida, pois
431
é preciso que se fale sobre isto. E, podemos notar no caso de E3 (2022), o que acontece quando
E3 (2022) ao ser vítima de homofobia e ser ameaçado de morte, também não se silenciou,
mas foi na delegacia desencorajado e, por medo do que pudessem fazer a ele e à sua família,
[...] gente foi pra delegacia. E aí o que o delegado falou foi o seguinte, o que eu me lembro
agora, né? “É, não tem o que fazer, porque já tava tão repercutido que a gente poderia entrar
com processo contra um só, que daqui a pouco vai aparecer de novo, e aí tem um processo
contra o outro e aí daqui a pouco a prova ia aparecer de novo, até outra pessoa postar....”.
[...] e aí ele falou: “É..., vai ser torturante pra vocês”, né? E já é constrangedor de ter ido
até lá. Então aí eu preferi me calar, porque eu não queria passar por isso, sabe? A única
coisa que eu queria é que aquilo tudo sumisse, sabe? Eu não queria entrar com o processo,
não queria me expor, eu não queria expor a minha família à violência, sabe? Porque se não
fosse ali o meu medo das pessoas realmente matar, as pessoas que têm ódio, né? Vão lá e
matam a minha família toda, sabe? Eu preferi me calar, né? Do que correr atrás dos meus
E11 (2022), figura pública, ativista e militante de causas LBTs, compartilha do pensamento
de que é preciso falar, contar o que está acontecendo, divulgar, tornar público, pois não se pode
ser algo de tanta dor e se viver escondido como se estivesse cometendo algum crime ou se fazendo
algo errado.
De 12, 11 entrevistados, todos, exceto E6, disseram não trazer para suas vidas pessoal ou
mesmo mais próxima, pessoas que não podem saber de sua orientação sexual e que verão algum
problema nisso. Consideram que são livres assim como qualquer outra pessoa, de modo que não
432
podem e não querem viver aprisionados, “no armário”. Esta fala pode ser bem representada por
E11 (2022):
[...] não sou amiga de ninguém que não saiba da minha orientação. Não gosta, um abraço.
Olha, desde o meu jornaleiro até os donos de todos os lugares que eu frequento, e garçons
e garçonetes sabem, tem que saber. Eu não gosto de gaveta, quanto mais de armário. (E,
2022).
Segundo Jung (1916/2014b) o processo de individuação diz respeito a nos tornarmos quem
de fato somos, integrando nossos aspectos de luz e sombra (sempre que puderem ser integrados),
pois, só assim, seremos inteiros e poderemos seguir nosso caminho de desenvolvimento psíquico
rumo a individuação.
tornar refém do medo e das ameaças. Todavia, há de se encontrar as ferramentas mais adequadas
para isto, como pudemos ver alguns caminhos tomados pelos entrevistados.
Análise de Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e
denunciadas e publicizadas, a fim de que o silêncio não promova uma espécie de aprisionamento.
Além do que é importante denunciar para que os homofóbicos e lesbofóbicos não se sintam
validados, mas, diferente disto, evidenciados, podendo, assim, vir a inibi-los de cometerem atos
433
A educação e informação podem ser caminhos para conscientização das pessoas acerca de
quem são os homossexuais e as lésbicas, seres humanos como qualquer outro, podendo, inclusive,
servir de estratégica para redução e, quem sabe, o fim da violência, preconceito e discriminação
6.6.3.2 – Educação/Informação
como a exemplo da Grécia antiga, em que a homossexualidade tinha a função educativa de inserir
na vida sexual os homens mais jovens, e esta tarefa cabia aos homens mais velhos. Com relação a
lesbianidade, Safo de Lesbos há muito teria existido e suas poesias eram, inclusive, cantadas ao
som de liras para enaltecer o amor entre as mulheres. Assim, a relação afetivo/sexual entre pessoas
do mesmo sexo atravessa a história da humanidade, fazendo-se presentes desde os seus primórdios,
em todas as épocas e culturas (Hopcke, 1993; Santos & Bernardes, 2008; Guimarães, 2009; Salles
lésbicas, no sentido de quem são estas pessoas, é preciso que se fale sobre isto publicamente e por
tanto se falou a respeito e de uma forma tão inadequada, que se perdeu a noção real de quem são
os homossexuais e as lésbicas.
“orgulho” pela política da educação para que, por meio da educação e da informação, as pessoas
possam conhecer quem são os gays e as lésbicas e também para que se possa acabar com a
434
[...] O caminho da educação... É isso, essa política que a gente sempre desenvolveu, a
política do orgulho, eu tenho cada vez mais ressignificado essa política do orgulho de uma
política de informação. É porque o orgulho é orgulho e é a informação que vai mudar, que
pode mudar. A partir do momento que você tem a informação, tem o nome das coisas, e
E5, da mesma forma que E1, acredita que a educação é fundamental para que se conheça
verdadeiramente quem são os homossexuais, as lésbicas e para que possa se colocar um fim a
[...] Eu acho assim, é a informação, mas não essa informação pronta, mas a informação que
vem do debate, do discurso, da troca de ideias de modo crítico, mas tem que ter abertura
para ouvir, porque também não adianta eu querer falar o que eu acho, mas não conseguir
te escutar. Se for assim, então não teremos um debate e a nossa conversa não será
construtiva. Assim, eu acho que essa informação, esses debates, essas conversas, essas
conclusões, tem que ser disseminadas cada vez mais para que cada vez mais se pense sobre
os porquês e se questione. Às vezes, quando a gente fala de algumas questões LGBT, para
muitas pessoas e aí, por desinformação mesmo, porque não se vai atrás, porque não se tem
contato, não se tem amigo, não se tem ninguém na família, não se tem no ambiente de
trabalho e não se tem interesse de buscar essa informação, se criam alguns monstros em
torno disso, sabe? [...] Então, se foi dito pra ele que estar na comunidade LGBT é a pior
coisa do mundo, ele vai continuar com isso na cabeça e eu entendo essa pessoa. Então, eu
trabalho na desconstrução disto e eu falo, eu como professor, eu tenho essa obrigação. Acho
que todo mundo que consegue ter acesso às informações, tem que com o seu jeitinho
435
explicar, dá para falar certas coisas. E, assim, sintetizando, eu acho que o caminho continua
Eu acho que a educação [...] começando de baixo, eu acho assim, eu tendo a achar que a
gente, e claro, e aí vão muitas gerações para isso, né? [...] Porque, no fim das contas, quando
não se fala sobre as coisas, sobre as questões, você acaba no não educando. As pessoas
podem achar que é normal discriminar, ou que é anormal ser homossexual. [...]. (E6, 2022).
Para E3 (2022) a educação e a informação também são o caminho para que se conheça
Eu acho que a homofobia, a gente tem tido uma evolução muito grande, na homofobia
sabe? A escola, eu acho, é uma coisa que poderia apoiar um pouco mais, né? [...] E mais,
eu vejo que falta um pouco de apoio na rede de educação, na gestão da escola para enxergar
isso como normal. [...]. Bem, o que poderia mudar hoje é, seria a questão da escola. (E3,
2022).
E10 pondera que para se conhecer quem são os homossexuais e as lésbicas, é preciso que
se parta da informação à população, pois esta é uma forma, a seu ver, de desfazer os preconceitos.
pensa coisas porque não sabe, então ele preenche esse buraco. [...]. Quando você não sabe, você
acredita no que nos boatos, rumores, fofocas, e aí, e a partir disso, só o pior. E eu acho que também
é porque você acaba não tendo contato, não sei, não sei qual é a questão aí. Eu, na verdade, eu fico
436
pensando, o que que é que a vida assim, se eu namoro uma mulher, que que isso faz diferença na
Afirma Guimarães (2009) que é bastante comum se ouvir comentários sobre pessoas de
diferentes sexos, heterossexuais, portanto. Fala-se sobre seus problemas, suas questões e até sobre
suas vidas sexuais e isto transcorre na vida sem nenhum questionamento, todavia, quando se fala
sobre pessoas do mesmo sexo, que se relacionam afetiva/sexualmente entre si, destarte,
discriminação e, avalia Guimaraes (2009) que há de considerar, antes de tudo, o que é ser
heterossexual, de modo que é preciso falar sobre sexualidades, sobre possibilidades, sobre
E8 (2022) acredita que as pessoas precisam desde cedo compreender que há diferenças e,
portanto, as pessoas não são iguais e todas merecem o respeito. Para E8 (2022):
[...] é preciso ter uma política de que não é errado ser quem você é. É construir o ser
humano. [...]. Você abordar o assunto desde pequeno, abordar que existe pessoas diferentes,
que nem todos somos iguais, que há aquela diferença de seres [...] E sabe, trabalha a cabeça
da criança e até mesmo das pessoas adultas, né? Ajuda entender que há algo diferente, que
há o oposto, se eu sou bom, há o ruim, se eu sou gay, há o hétero, né, então há pessoas
diferentes, mas, que vivemos numa sociedade plural. Então, entender que existe muitas
integral e não só o que é conveniente saber, não somente o que as pessoas dizem, mas ouvir aos
homossexuais e às lésbicas, o que estas pessoas têm a dizer sobre si e sobre suas formas de se
437
relacionarem afetiva/sexualmente com outras pessoas do mesmo sexo. É preciso que se entenda a
E2 acredita que é preciso educar, mas antes é preciso que se tenha uma punição real e não
apenas que hipoteticamente exista, mas que nada se faça sobre ela. Postula E2 (2022):
[...] Acho que num primeiro momento a gente precisaria ter uma punição contra a
homofobia. É algo que não existe, mesmo tendo lei e tudo mais, quase nunca quem comete
a homofobia são punidas. A coisa é muito vista como é uma brincadeira, é uma opinião,
liberdade de expressão. Era só uma piada, ter uma punição mais severa, seria mais
importante. É claro que a questão das pessoas serem punidas deveria ser punidas, é o
primeiro passo. A gente também poderia pensar em políticas de educação etc. e tal, mas
não adianta ter uma política de educação se depois vai chegar uma ministra da mulher e
direitos humanos, que vai fazer do Ministério dela, um ministério para coibir tudo contra a
população LGBTQIA e nunca ser punida por isso. E nunca ser punida por isso, então é
homofóbico tem que ser punido, tem que ir para a escória da sociedade, é lixo social, não
deve ser tratado, não deve receber premiação, não deve ser promovido a comentarista de
Aufranc (2018), observa que o cristianismo tem significativa contribuição para que os
homossexuais e as lésbicas sejam vistos como pecadores, criminosos, impuros, dentre outros tantos
adjetivos que a Igreja a eles atribuiu ao longo dos tempos. Observa E2 (2022):
[...]. Eu como cientista da religião, eu reitero aquilo que te falei, sinto que a gente ocupa o
lugar social que as bruxas ocupavam, que as mulheres ocupavam, nós somos a
reencarnação de todo mal, é como se assim, nós somos grandes bodes expiatório, e a
438
sociedade não tem desde a questão cultural a questão de políticas públicas, mecanismo para
Costa (1944/1992) demonstra compartilhar deste mesmo pensamento, pois assegura que
“[...] ser ou não ser homossexual é uma questão mais aflitiva ou mais vital [...] na vida de
homossexuais e lésbicas do [...] que a de ser ou não ser herege, ser ou não ser religioso, ser ou não
revolucionário, ser ou não ser corrupto, ser ou não ser oportunista e mesquinho, ser ou não ser
[...] Eu acho que talvez se a gente tivesse uma cultura um pouco menos baseada no
homossexuais, talvez isso ajudasse a sermos menos perseguidos. É porque da forma que a
religião é vivida no Brasil, como o cristianismo, por exemplo que é tão presente em tudo,
tão presente na política, nas escolas em si, e não que a religião não deveria estar presente,
mas que talvez fosse abordada de uma forma diferente, sem culpar as pessoas por serem
como elas são, sem distinguir hetero de homossexuais, porque as pessoas são pessoas, são
humanas, não são doentes e nem anormais ou diferentes, como a religião diz que são. E
quando falo em política, eu acredito que se fosse dessa forma, que não ia ter na área de
religião, pessoas envolvidas nisso, em tentar mudar as outras, não haveria absolutamente
nada disso. É a partir do momento que uma pessoa, que é religiosa, escolhe seguir uma
carreira pública que vem estas falas, né? E uma pessoa com um peso político, influência a
massa e as pessoas veem motivos pra destruir aquelas pessoas que elas não concordam que
devam existir, especialmente porque a religião disse que não... Na política, quando uma
439
pessoa entra em um cargo público, ela não deveria manifestar nenhuma fala religiosa. (E8,
2022).
Para E9 (2022) se ter um trabalho pautado nas leis, que assegurassem direitos tais como da
ajudaria muito a se respeitar estas pessoas e a reduzir a translesbofobia direcionada para mulheres
transexuais lésbicas.
Acho que esse trabalho de base e garantias legais e constitucionais e, ao mesmo tempo, que
nós façamos uma ética de despatologização, que não significa que não haja cuidado clínico,
neuro divergência, eu sempre cito “ser criança não é uma doença, mas existe a medicina da
criança, pediatria, se você é uma pessoa idosa, não é uma doença, existe a geriatria, você
estar gestante não é uma doença, existe a obstetrícia, então, dá mesma forma, ser trans não
é uma doença e não é algo que necessariamente envolve disforia e, ao mesmo tempo, você
pode ter acesso a cuidados médicos específicos. Tanto é que alguns casos, se eu pensar
E8 (2022), por sua vez, acredita que a mais do que leis, é preciso se conscientizar as
pessoas, é necessário que elas mudem a maneira de ver, compreender, pensar o homossexual e a
[...] Não acho que vá tanto no caminho de leis, porque isso a gente já tem. [...] O caminho
talvez seja [...] implementações práticas com ações de fato, mas acredito que o que
precisaria mesmo seria uma mudança na mentalidade, na cultura mesmo que a gente vive.
440
[...] investimento em educação. Educação, escola mesmo, conscientizar as pessoas sobre o
que a homofobia é, sobre como as pessoas sofrem com isso, como são atacadas,
Por sua vez, E4, compreende que antes da informação, para que tenha o respeito do outro,
é preciso que se acabe com a desigualdade social, pois, assim, o outro se vendo também respeitado,
[...] Eu acho que começa na educação e na tentativa de fazer uma sociedade mais igualitária,
mesmo, socialmente, economicamente, na questão de educação e tudo mais. Acho que isso,
só uma fatia, e tem um problema muito, muito maior, né? Que é a desigualdade. Mas se a
gente tivesse uma sociedade justa e igual para todas as pessoas talvez fosse diferente. [...].
(E4, 2022).
Oltramari (2010) considera ainda que é preciso educar as pessoas e isto pode ser feito de
várias formas, sendo uma delas por meio dos movimentos sociais e também políticos, atuando-se
junto ao Estado, na luta e na busca da validação dos direitos destas pessoas, bem como do respeito
à elas, enquanto seres humanos. E11 (2022) é ativista e militante e muito já fez em defesa da
Olha, eu acredito que a educação é a única forma. A educação desde o primário. A gente
fez um trabalho muito bom com o Brasil sem homofobia. Que se criou o material até pra o
pré-escolar, que depois aquela idiota disse que era material que tinha mamadeira de piroca.
Olha que coisa ridícula... [...]. A educação é tudo. Se a pessoa tem educação, tem casa,
comida e emprego. Na verdade, né, emprego, moradia, educação. Ela vai ver a vida como
uma coisa melhor, “não é aquele ali é pior que eu, aquele ali é melhor do que eu. Eu sou
441
eu e ele é ele. Eu vou respeitar”. Essa foi a nossa grande demanda, construir um Brasil sem
homofobia. Tava indo muito bem, aí chega esse governo aí, derrubou tudo, marcou a gente,
insiste, né, e resiste, porque eu sou da época da resistência. A gente criou um programa, o
Brasil para todos. Foi lançado, eu não podia ir, mas as meninas foram e o conselho nacional
popular lançou, que é, basicamente, o Brasil sem homofobia atualizado. E muito melhor
dificuldades e as necessidades de cada um, já está ali, tudo escritinho. (E11, 2022).
As discussões realizadas a partir dos recortes dos relatos acima dos entrevistados,
educação/informação como caminhos potenciais para que as pessoas possam conhecer quem são
da informação que pode se advir de escolas, de palestras, cursos, movimentos sociais e políticos
pessoas, para ouvirem e se (re)conhecerem, que se permitam este processo e que se se dispam de
ideia pré-concebidas e estejam abertas. Entretanto, ainda que não haja esta disponibilidade interna,
442
7 Considerações Finais
lésbicas que passaram por situações de violência e os estudos realizados permitiram se atingir estes
propósitos.
A hipótese inicial central foi confirmada, de que quando gays e lésbicas são vítimas de
violência, por não serem aceitos e não se sentirem livres para viverem e existirem, eles podem
temer pela sua própria vida e entrar em profundo sofrimento, vindo a adoecerem devido ao grau
forma mais profunda este delicado universo de gays e lésbicas que são vítimas diárias de violência,
Conhecer a realidade tão sofrida destas pessoas, e tão de perto, foi bastante impactante do
ponto de vista de ouvir os seus relatos trazidos com tanta emoção e verem-nas reviverem as
tão pessoais e sensíveis, em prol da ciência e, com o desígnio de que suas vivências, por meio de
seus relatos, possam contribuir para a sociedade, a fim de que as pessoas saibam e possam
permanentemente.
disponibilidades e não quererem se expor. Houve ainda pessoas que preencheram ao questionário
443
e se arrependeram depois, pedindo para não darem continuidade. Estes fenômenos propiciaram a
reflexão sobre o desconforto que estas pessoas sentiram em terem que remexer em um passado de
tanta dor, e até mesmo o medo que possam ter sentido de se exporem e virem a sofrer
A amostra da população inicialmente almejada foi alcançada. Foi desejado se obter, para
com idades/número de participantes respectivos (entre parênteses), 23(1), 25(1), 28(1), 31(1),
36(2), 38(1), 40(1), 42(1), 54(1), 61(1) e 66(1), obtendo-se uma média de 40 anos para as idades,
atualmente residentes/número de participantes (entre parênteses) em Santo André (2), São Paulo
(6), Porto Alegre (1), Curitiba (1), Salvador (1), Rio de Janeiro (1). Em termos de educação, os
(1), superior incompleto (3), superior completo (2), doutorado completo (1), doutorado incompleto
(1), pós-doutorado incompleto (3), pós-doutorado completo (1). A maior parte dos participantes
tinha entre 31 e 38 anos e residiam predominantemente em São Paulo e Santo André, com
escolaridade prevalentemente para superior incompleto (25%), vindo a seguir superior completo
Destas pessoas 34% (4) destas pessoas eram professores/as universitários/as, 17% (2) psicólogas
e, os demais 49% (6 pessoas), equivalendo a 8,16% para cada participante, (1) enfermeira militar,
(1) consultora/ativista/militante, (1) estudante de medicina, (1) estudante de filosofia, (1) trabalha
Considerar que as pessoas que efetivamente participaram desta pesquisa, tinham estas
444
empregadas na ocasião da realização da entrevista, e foram vítimas de homofobias e lesbofobias
gravíssimas, conforme descreveram em suas narrativas, pode-se, a partir daí, inferir o grau de
violência, preconceito e discriminação que sofrem as pessoas que são homossexuais e lésbicas e
financeira.
homossexual ou lésbica em condição de vulnerabilidade nestes setores da vida, pois que, como
consequência destas vulnerabilidades, outras se presentificam em suas vidas. E o que dizer, então,
sobre pessoas transexuais, que são ainda mais marginalizadas socialmente? E quando são mulheres
BDI-II (Inventário de Depressão de Beck) e The World Health Organization Quality of Life-
17% da amostra pesquisada com depressão/sofrimento grave; 25% moderado; 33% leve e 25%
sendo, E9, sexo masculino, mulher transexual lésbica e, E10, sexo feminino, lésbica. Os 25% dos
homossexual e, E12, sexo feminino, lésbica. Representando 33% com depressão/sofrimento leve,
temos E1, E3, E4, e E7, em que E1 é do sexo feminino, lésbica, E3 sexo masculino, homossexual,
E4 sexo feminino, lésbica e, E7, sexo masculino, homossexual. E, por fim, compondo 25% de
445
depressão/sofrimento mínimo, E5, sexo masculino, homossexual, E6, sexo masculino,
diz respeito às incidências de violência, preconceito e discriminação em cada um, torna-se possível
forma global (12 participantes) revelou que de modo a percepção de suas qualidades de vida
transitam em boa, regular e necessita melhorar, toda, com destaque para domínio psicológico,
relações sociais e meio ambiente, os quais revelam-se entre regular e necessita melhor, mostrando
acentuam-se ainda mais, podendo ser observados minuciosamente em cada entrevistado, fazendo
depressão/sofrimento e aferir o nível de qualidade de vida de gays e lésbicas, quando somados aos
estudos desenvolvidos nestas pesquisa, evidenciou-se que se trata e uma população inicialmente
saudável emocional e fisicamente, e que após ter sofrido homofobia e lesbofobia, passou a sentir
medo de ser agredida e/ou assassinada e a ter ansiedade, depressão, angústia e/ou hipervigilância,
sofrimento destas pessoas, gays e lésbicas, pois uma vez que o cerne da psicologia junguiana é o
a busca pela individuação e sentido da vida de cada um, em uma sociedade que concebe a
446
detrimento a qualquer outra, em uma sociedade que busca e preza pela sua liberdade e a felicidade
a qualquer custo e não permite que as pessoas que são homossexuais possam também ser livres e
felizes, fazendo de tudo para que isto não aconteça, discriminando-os e violentando constantes
suas almas e mesmo seus corpos, pode-se imaginar o grau de dor e sofrimento que gays e lésbicas
Cabe considerar que este estudo foi realizado dentro de um programa de pós-graduação
stricto sensu, por uma psicóloga, sob orientação de outra psicóloga, doutora em saúde coletiva e
considerando-se relevante outros olhares científicos que possam ser complementares para o
uma mulher lésbica, que parte de uma condição social bastante humilde e desprovida de recursos
econômico-financeiros, porém não de afeto, sendo que isto lhe serviu de alicerce para, ao longo
de sua vida, estudar e conquistar um lugar privilegiado que hoje ocupa, em termos econômico-
financeiros, haja visto, poder se dedicar aos estudos e em paralelo trabalhar como psicóloga clínica.
E isto lhe permite compreender de maneira mais profunda e intimista, o lugar de voz de uma pessoa
Ainda por ser a pesquisadora lésbica, foi para ela possível compreender de maneira mais
comovendo-se profundamente com suas narrativas e histórias de vida tão sofridas, tendo que
dispender infinitos cuidados e esforços para não contaminar a pesquisa também com sua dor, uma
447
vez que já sofrerá lesbofobias significativas e impactantes. Para este fim foi preciso a pesquisadora
se colocar em um lugar de quem compreende a dor do outro e seu sofrimento e é solidária a ela,
porém ouvindo-o a partir de uma escuta atenta e acolhedora, todavia, não de um lugar neutro, pois
quando se conhece a dor do outro na própria pelo, não há como ser neutro. Entretanto, a
pesquisadora, ao analisar os dados, esteve atenta a não promover interferências na análise, dado
Assim, por muitas vezes, a pesquisadora precisou se esforçar sobremaneira para este fim,
além de ler e reler os livros, artigos e resultados dos testes, buscando se debruçar sobre o que lhe
estava sendo apresentado naquele momento, enquanto informação, conteúdo e vivência dos
participantes.
pesquisadora, dado que eram muitas pessoas, elas já encontravam praticamente todas em processo
Se de um lado foi mais fácil para a pesquisadora compreender a dor que lhe estava sendo
apresentada narrada, por outro, foi preciso tomar cuidado para não se envolver e interferir na
pesquisa como pesquisadora, mas, como ser humano, e como mulher lésbica, foi impossível não
que esta pesquisa fosse realizada com êxito, foi imprescindível o fato de ter sido assistida por uma
448
relevantes sobre o tema objeto desta pesquisa, somada a sua disponibilidade interna e doação
pudesse realizar este estudo. Esta experiência acadêmica, em definitivo, não se vive todo dia!
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Apêndices
463
Apêndice A – Roteiro para o Formulário de Interesse
E-mail: __________________________
Tenho interesse em participar da pesquisa: ( ) sim ( ) não
Concordo em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): ( ) sim ( ) não
Autorizo o envio do link do questionário por e-mail: ( ) sim ( ) não
464
Apêndice B – Roteiro para o Questionário
Nome: ________________________________________________________________
Idade: ________________
465
Como você classificaria a sua orientação sexual?
( ) heterossexual ( ) homossexual ( ) bissexual
( ) assexual ( ) Pansexual ( ) outros: ________________
Cor/Raça: ___________________________
Escolaridade: ___________________________
466
( ) pós-graduação incompleta ( ) pós-graduação completa
( ) mestrado incompleto ( ) mestrado completo
( ) doutorado incompleto ( ) doutorado incompleto
Compreendendo que na palavra homofobia, o prefixo homo vem de homossexual, pessoas que tem
desejo afetivo/sexual por pessoas do mesmo sexo e, fobia, advém do grego e significa aversão,
medo irracional. Logo, homofobia é o ato de aversão, ódio, repugnância e preconceito contra
homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais (Silva, 2000). A termo inicialmente utilizado foi
cunhado por homofobia, entretanto, para se tornar mais abrangente, o termo homofobia foi
readaptado para LGBTfobia (Vasconcelos, 2019):
Você já passou por algum tipo de homofobia? ( ) sim ( ) não
Se já passou/viveu essa situação, poderia afirmar que isso mudou/influenciou seu comportamento?
( ) sim ( ) não
Caso positivo, de que forma?
_______________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
Das opções abaixo, escolha uma ou mais em que contexto você sofreu homofobia:
( ) no trabalho ( ) na escola/universidade ( ) em hospital
( ) em delegacia de polícia ( ) na igreja ( ) na rua
( ) na família ( ) nenhuma das anteriores
Em data a combinar entre as partes, você possui disponibilidade de tempo para seguir para as
próximas etapas que serão compostas por: entrevista-semiestruturada (duração de em média
467
00:40), aplicação de teste de qualidade de vida (duração de em média 10 minutos) e aplicação de
teste de depressão (duração de em média 10 minutos)? ( ) sim ( ) não
Em breve faremos contato com as pessoas que seguirão para a próxima fase da pesquisa.
468
Apêndice C – Roteiro para a Entrevista
Nome:
Com quantos anos você se percebeu homossexual?
Como foi para você se perceber interessado(a) por outra pessoa do mesmo sexo?
Sua família sabe sobre orientação sexual?
Se positivo, como reagiram ao saber?
E como reagem atualmente?
Seus amigos sabem sobre sua orientação sexual?
Isto o afeta de alguma forma?
469
Se positivo, de que forma?
Você se sente à vontade para ter manifestações afetivas com seu/sua parceiro(a) em público?
Você pode falar um pouco a respeito do tipo de homofobia que você sofreu, relatando onde
ocorreu, quando e como foi?
Que tipo de sofrimento esta ação homofóbica te causou?
Como você lidou ou lida com este sofrimento?
Recebeu algum tipo de ajuda?
O que você fez a respeito ou gostaria de fazer, se pudesse fazer algo?
Contou para alguém?
Se positivo, para quem e por que você escolheu esta pessoa para contar?
Como foi a reação desta pessoa que você contou?
Recebeu algum tipo de ajuda para lidar com esse sofrimento?
Se negativo, por que não contou a ninguém?
Com que frequência você se depara com comportamentos homofóbicos na sua vida? Em que local?
De que forma isso ocorre?
Esses comportamentos homofóbicos te afetam? De que maneira? O que você sente ou pensa?
Como você lida com este tipo de comportamento?
O que você acredita que seria necessário ou deveria ser feito para a homofobia acabar?
Há algo que você gostaria de acrescentar?
Em breve faremos contato para agendar a data de aplicação dos testes de qualidade de vida e de
depressão.
470
Apêndice D – Detalhamento da Análise de Conteúdo Realizada
de Conteúdo (Bardin, 1977/2016), uma análise pautada em categorias que permitem a apreciação
de todo o conteúdo coletado através da fala ou escrita de cada participante. De acordo com Bardin
(1977/2016, p. 132), conforme figura abaixo, segue a estrutura e todas as fases que devem compor
Fase 1 – Pré-Análise
A primeira fase, pré-análise, trata-se de organizar todos os dados que deverão compor o
Cabe salientar que, na análise de conteúdo realizada nesta pesquisa, a pré-análise foi
contemplada em sua totalidade, com todas estas 5 regras aplicadas e cumpridas integralmente,
471
Fase 1 – Regra 1 - Leitura Flutuante
Permite formular hipóteses durante a análise do material, refletindo sobre possíveis teorias
que possam ser utilizadas – importante esclarecer que sendo o instrumento a entrevista, essa deve
ser transcrita.
Para este propósito, realizou-se a leitura integral de cada uma das 12 entrevistas, de maneira
realizar agrupamentos destes conteúdos destacados para as hipóteses. Concluída esta regra, seguiu-
Trata-se da definição dos documentos que irão compor o estudo, considerando-se 4 regras:
2.1) exaustividade (todos os documentos devem ser analisados), 2.2) representatividade (os
(importante que os documentos perfaçam o mesmo assunto), 2.4) pertinência (os documentos
leitura de cada uma das entrevistas, por 3 vezes consecutivas, aplicando-se a regra da
472
exaustividade, buscando-se esgotar todos os elementos contidos em cada uma das 12 entrevista,
Para que não houvesse a influência dos elementos de uma entrevista sobre a outra, após a
leitura por 3 vezes consecutivas de cada entrevista, deu-se um intervalo de 15 minutos antes de se
passar para a próxima leitura. Feito isto, após esgotar a regra de exaustividade, seguiu-se, então
representações a evidência do sofrimento psíquico e até mesmo físico em gays e lésbicas que foram
eram homogêneos, permitindo-se afirmar que todas as entrevistas diziam respeito ao mesmo
fenômeno na perspectiva do sofrimento de gays e lésbicas que foram vítimas de violência. Desta
473
Fase 1 – Regra 2.4 – Pertinência
durante a análise e verificar estão alinhadas aos objetivos a que a pesquisa se propõe. A partir das
- Gays e lésbicas muitas vezes permanecem com sua sexualidade oculta (chamado armário)
e publicizadas, a fim de que o silêncio não promova uma espécie de aprisionamento. Além do que
é importante denunciar para que os homofóbicos e lesbofóbicos não se sintam validados, mas,
474
diferente disto, evidenciados, podendo, assim, vir a inibi-los de cometerem atos contra as vidas
das pessoas.
este discriminado desde a escola, por seus colegas, e muitas vezes professores, causando
e lésbicas, podendo atuar de forma cruel sobre estas pessoas, vindo, inclusive a provocar feridas
partir da busca de poder, por meio do controle do corpo e da vida sexual do outro, está ligada à
para, identificadas à sombra de líderes políticos, projetarem suas sombras nos homossexuais,
buscando destruir no outro o que para si é tido como proibido e desejoso, ainda que
sentimento de pânico, depressão e/ou ansiedade, além de, em alguns casos, falta de vontade viver,
475
podendo levar desencadear pensamentos angustiantes como o suicídio, como tentativa de findar o
sofrimento.
orientação sexual, a fim de terem o respeito destas pessoas, podendo desenvolver amizade
afastam, causam o sentimento de desvalorização e menos valia nestas pessoas, podendo elas virem
Mediante a formulação das hipóteses e constatação de que estão alinhadas aos objetivos da
indicadores.
documentos. A partir da leitura das entrevistas e da formação do conjunto de coleta de dados por
476
Tabela 6
6 Família 97 x 51 Homofóbica 22 x
7 Irmã 94 x 52 Ódio 22 x
8 Gay 80 x 53 Religião 22 x
9 Tia 80 x 54 Descobri 22 x
10 Homofobia 72 x 55 Informação 21 x
11 Homossexual 72 x 56 Matar 21 x
12 Escola 69 x 57 Social 21 x
13 Amigos 67 x 58 Adolescência 21 x
14 Homem 66 x 59 Filha 20 x
15 Difícil 65 x 60 Avó 20 x
16 Problema 64 x 61 Lesbofobia 19 x
17 Medo 63 x 62 Sofrimento 19 x
18 Professor 58 x 63 Sofrer 19 x
19 Trabalho 57 x 64 Contei 19 x
477
20 Filho 56 x 65 Segura 18 x
21 Irmão 55 x 66 Escondi 16 x
22 Sofri 53 x 67 Homofóbico 15 x
23 Gosto 52 x 68 Preconceito 15 x
24 Lésbica 49 x 69 Amigas 15 x
25 Mulheres 49 x 70 Curar 15 x
26 Amiga 49 x 71 Universidade 15 x
27 Tio 47 x 72 Esconder 15 x
28 Errado 40 x 73 Público 14 x
30 Contar 38 x 75 Errada 13 x
31 Professora 38 x 76 Palavra 13 x
32 Pais 37 x 77 Violenta 13 x
33 Culpa 36 x 78 Bullying 13 x
34 Namorado 36 x 79 Emprego 12 x
35 Hétero 33 x 80 Afeminado 11 x
36 Rua 31 x 81 Conflito 11 x
37 Homens 31 x 82 Irmãos 11 x
38 Educação 30 x 83 Evangélica 11 x
39 Namorada 28 x 84 Evangélico 11 x
40 Luta 26 x 85 Aceitou 11 x
41 Infância 26 x 86 Palavras 11 x
478
42 Cura 25 x 87 Proteger 10 x
43 Violência 25 x 88 Heterossexuais 10 x
44 Assumi 25 x 89 Delegacia 10 x
45 Pública 25 x 90 Expor 10 x
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora
número de repetição nas entrevistas, foi garantida a eficácia e a pertinência dos indicadores, por
meio de testagem em algumas passagens das entrevistas, certificando-se, assim, de seu êxito no
Concluídas todas as regras e, uma vez realizada a primeira fase (pré-análise), dando
continuidade à análise de conteúdo, seguiu-se para a segunda fase, conforme orientada por Bardin
479
Fase 2: Exploração do Material
Nesta fase, o corpus da pesquisa, entrevistas e testes, será estudado de forma aprofundada,
Nesta fase, considerando que esta pesquisa é qualitativa, deverão ser compreendidas as
Por meio do recorte será possível se ter um olhar detalhado do documento, sendo que este
se dividirá em unidade de registro e unidade de contexto, de modo que, por unidade de registro há
composto e, por sua vez, a unidade de contexto, refere-se ao conteúdo no qual estas palavras se
apresentam.
De acordo com Bardin (1977/2016) as unidades de registro que mais se utiliza para a
documento. Para esta pesquisa, foi escolhido o tema como unidade de registro, o qual, de acordo
com Bardin (1997/2016, p. 135), o tema, enquanto unidade de registro, na maioria das vezes é
480
etc.”. Desta forma, a partir do tema como unidade de registro nesta pesquisa, será possível
direcionar um olhar não apenas para os componentes racionais, mas, ideológicos, emocionais e
afetivos.
Buscando-se analisar detalhadamente o tema do documento único, adotou-se que cada frase
do documento consistiria em uma afirmação tendo por base o tema desta pesquisa: O Sofrimento
Estas frases-temas foram agrupadas em 10 (dez) blocos para os quais se utilizou do conteúdo
nomes citados a seguir, com seus correspondentes significados. Importante esclarecer ainda que,
cor diferente para cada bloco. Os nomes que surgiram tomando-se por base as análises de registro,
- Medo: diz respeito a análise de registro que se refere ao medo como consequência da
de sofrer todo e qualquer tipo de violência e agressão, frente aos ataques homofóbicos/lesbofóbios
sofridos; sentimento de pavor advindo de qualquer tipo de violência sofrida; medo de morrer;
medo de ser agredido/a; medo de sair de casa; medo de ter os pais assassinados; medo de falar,
violentado/a; da reação do outro; de ser prejudicado de alguma forma; da agressividade dos outros;
481
- Preconceito e Discriminação: diz respeito a análise de registro que se refere a
tais como ameaça de morte; bullying, discriminação, preconceito e violência na escola e/ou na
saúde; vingança; piadas nas mídias sociais e redes de relacionamento; risadas; piadas; fofocas;
discriminação dos professores aos alunos por serem homossexuais/lésbicas; demissão em emprego
por ser homossexual/lésbica e estar expresso no corpo por roupas ou trejeitos; discriminação,
preconceito, violência e agressão por parte dos familiares, tanto verbal como física.
- Família: diz respeito a análise de registro que se refere a importância dada a família (pai,
mãe, filho(s), filha(s), irmão(s), irmã(s), avô, avó, tio, tia, primos); a preocupação em como contar
sobre a orientação sexual à família; o medo de ser rejeitado pela família; a reação da família frente
a revelação; a reação da família frente às dúvidas se o/a filho/a era gay/lésbica; aos maus-tratos,
discriminação, preconceito, violência, agressão e brigas da família ao/a filho/a por achar ou por
saber que ele/a era homossexual/lésbica; ao sentimento de dor do/a filho/a frente ao
ao ser rejeitado pela família; expulsão do/a filho/a de casa ao sabe-lo/a homossexual/lésbica; o não
falar com o/a filho/a ao sabe-lo/a homossexual/lésbica; acolhimento familiar; resgate da relação
família; esperança dos pais em o/a filho/a mudar de orientação sexual e ser só uma fase; irmãos
homossexuais; moralismo na família; conflitos familiares; tentativa de mudar para agradar aos
pais; tentativa de namorar pessoas do sexo oposto para agradar aos pais; sofrimento na infância
com os pais.
482
- Amigos: diz respeito a análise de registro que se refere ao medo de falar para os amigos
amigos saberem; à importância do apoio dos amigos; a ajuda recebida por amigos frente a
refere a importância e aos riscos em tornar pública a orientação sexual e a violência sofrida; a não
- Negação de Si: diz respeito a análise de registro que se refere ao desejo de não ser
de se enquadrar nas normas e ser aceito/a; ao namoro heterossexual a fim de ser aceito/a
errado.
- Política: diz respeito a análise de registro que se refere à família ter votado no Bolsonaro
após às eleições para presidente em 2018; ao rompimentos com as pessoas que votaram no
Bolsonaro por ser sinônimo de desejar a sua morte, já que ele prega preconceito e discriminação
meio da política; aos políticos que se utilizam da religião para colocar a população contra os
homossexuais/lésbica.
483
- Religião: diz respeito a análise de registro que se refere ao preconceito e a intolerância
religiosa aos/as homossexuais/lésbicas e sua orientação sexual, como forma de pecado e erro; ao
quanto os familiares evangélicos não aceitam seus filhos/as homossexuais/lésbicas; a dor das
pecado, arrastado assim os seus fiéis para esta crença e para longe dos seus filhos/as; a expulsão
impedindo-os de levarem uma vida livre de sentimento de medo, ansiedade e muitas vezes
homofobia/lesbofobia sofrida; síndrome de impostora, de ocupar um lugar que não deveria ocupar,
por ser homossexual/lésbica e ser recriminado/a pelos outros como se estivesse fazendo algo
de não ser amado/a; de não merecer ser feliz por estar em pecado e estar fazendo algo errado e
emocionais pelas violências sofridas e por se cortar; sentimento de que se esconde do mundo para
poder sobreviver; deixar de frequentar os lugares que gosta por ter sido exposto/a; traumas;
sofrimento por não poder expressar afeto em público; choro; medo do ódio do outro; estresse;
solidão; não ter com quem contar; sofrimento com os estereótipos; tentativa de se ocultar para não
ser atacado/a; sofrimento na infância e nas demais fases da vida; sentir-se preso no “armário”;
484
não ter voz; sentimento de não fazer parte; sentimento de insegurança e medo; lutar, conquistar as
coisas e ter impedimentos físicos e/ou emocionais para desfrutar, ocasionados pela
homofobia/lesbofobia sofrida.
informação como forma de lutar contra e acabar com a homofobia/lesbofobia, por meio da
conscientização como meio de estímulo crítico para que não se aceite o que é previamente dito e
imposto como certo ou errado; trocar a política do orgulho pela política da informação; educar
respeito; implementação de práticas de ações educativas para conscientização das pessoas sobre o
Concluída esta etapa, seguiu-se para fase, enumeração: escolha das regras de contagem.
Para Bardin (1977/2016) é preciso que se faça a distinção entre a unidade de registro e a
regra de enumeração, de modo que a primeira diz respeito ao que se conta e, a segunda, ao modo
de contagem.
Isto posto, a enumeração tem por princípio a contagem das unidades de registro a partir das
ordem, coocorrência.
485
Para tal, após a nomeação, numerou-se cada bloco e unidade de registro de acordo com o
bloco pertencente. A numeração foi realizada em numerais cardinais, para exprimir a quantidade
de blocos e deu-se de acordo com a ordem em que se deu a análise da unidade de cada registro.
ordenação dos blocos de acordo com a análise da unidade de registro, utilizou-se da frequência,
que, de acordo com Bardin (1977/2016, p. 138), equivale ao pressuposto de que “a importância de
uma unidade de registro aumenta com a frequência de aparência”. Para este fim, somou-se o
número de vezes em que cada unidade de registro apareceu, obtendo como resultado:
Tabela 7
Quantidade de
Nº Cor Nome do Bloco
Unidade de Registro
1 Medo 63
3 Família 853
4 Amigos 234
5 Negação de Si 69
Publicização da Sexualidade
6 32
e da Violência
7 Política 24
8 Intolerância Religiosa 35
486
9 Sofrimento 457
10 Educação/Informação 66
Uma vez realizada a somatória das unidades de registro em cada bloco, a frequência
ponderada foi aplicada, a qual, de acordo com Bardin (1977/2016) indica qual o elemento que
possui preponderância ao outro. Para tal objetivo, utilizou-se do percentual da divisão do número
total de unidades (3.659), dividindo-se pelo número resultante da soma das aparições em cada
bloco. Feita a divisão, realizou-se a multiplicação deste resultado por 100, a fim de se chegar a um
percentual com representatividade do todo, seguindo, deste modo, os passos indicados por Bardin
(1977/2016).
Soma de Aparições
Percentual = x100
Total de Unidades
exemplo do cálculo realizado, pode-se pegar o bloco 1, denominado por medo, o qual apresentou
63 registros. Com base nestes dados, aplica-se a divisão de 63 (número de registros) por 3.659
(número total de unidades), e o resultado obtido será 0,0176520. Executada esta ação, na
sequência, com o objetivo de se obter o resultado do todo, este valor encontrado deverá ser
multiplicado por 100, o que, após o cálculo, resultará a uma equivalência a 1,72% das unidades de
registro.
487
A fim de se encontrar o grau de importância dos blocos dentre eles, foi realizado este
mesmo cálculo com todos os blocos trazidos na tabela, conforme resultado abaixo, apresentado na
Tabela 8
Qtid. Unidade
Nº Cor Nome do Bloco Divisão Percentual Relevância
de Registro
Preconceito e
2 686 0,18748292 18,7482919 18,75%
Discriminação
Frente a frequência ponderada e identificado seu grau de importância, deu-se início a fase
488
Fase 2 – Ação de Codificação - Escolha 3 – Classificação e Agregação: Escolha as Categorias
realizando-se a classificação e agregação por meio de reagrupamento de acordo com o gênero, por
analogia. Explica Bardin (1977/2016) que as categorias, na análise de conteúdo, reúnem unidades
de registro.
léxico e expressivo. Escolheu-se o critério semântico para categorização desta análise de conteúdo,
considerando que este critério considera o sentido atribuído aos blocos em consonância com o
tema. Em sequência a escolha do critério, fez-se a releitura do significado de cada um dos blocos.
Uma vez feita a releitura, os blocos foram agrupados levando em considerando a temática das
- O Agrupamento 01 foi nomeado por Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto?
e teve em si os blocos contidos de números 03, 04, 07 e 08. Este agrupamento deu-se com a escolha
destes blocos por se tratar de temas análogos as formas como se comportam é o contexto de
homossexuais/gays e/ou lésbicas no que diz respeito a família, aos amigos, a política e a religião.
- O Agrupamento 02 foi nomeado por Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como
eu me sinto? e teve contido os blocos de números 01, 02, 05 e 09. O agrupamento foi realizado
por meio da junção destes blocos pelo fato de perfazerem temas semelhantes no quesito
- O Agrupamento 03 foi nomeado por Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? Tendo
489
preconceito e a discriminação, através da publicização da sexualidade e da violência e maneiras
ter sido realizada a nomeação dos agrupamentos, duas etapas devem ser consideradas na
mensagens.
temas.
ordenação dos blocos foi realizada levando-se em consideração os blocos com maior número de
Tabela 9
Qtid. Un.
Nº do Qtid. Un. de
Nome do Bloco de Significado do Bloco Nº Agrupamento
Bloco Agrupamento
Registro
Preocupação em contar sobre
a orientação sexual à família;
3 Família 853 não aceitação, agressões
físicas e verbais aos filhos;
sofrimento e consequências.
490
Importância dos amigos para
lidar com o sofrimento
oriundo da
homofobia/lesbofobia;
4 Amigos 234
amigos como fonte
propulsora de aceitação e se
poder ser como se é;
acolhimento.
Líder de Estado
representando e incitando
preconceito, discriminação e
Sou Gay / Sou
violência a esta
7 Política 24 1.146 1 Lésbica: Como é o
homossexuais e lésbicas;
meu Contexto?
quebra de relacionamento
com eleitores do Presidente
da República Jair Bolsonaro.
Preconceito e intolerância
religiosa aos homossexuais e
lésbicas e sua orientação
8 Religião 35 sexual, como forma de
pecado e erro, a religião
como instigadora da
homofobia e da lesbofobia.
Medo de exposição, de
manifestação afetiva pública,
de homofobia/lesbofobia,
pavor, medo de morrer, de
ter seus familiares expostos,
1 Medo 63 de perseguição
homofóbica/lesbofóbica, de
denunciar
homofobia/lesbofobia, de ser
agredido/a, violentado/a,
assassinado/a.
Discriminação, preconceito e
Preconceito e
2 686 violência/agressão física
Discriminação
e/ou à gays e/ou lésbicas.
491
Desejo de não ser
homossexual/lésbica;
casamento heterossexual
como tentativa de se
enquadrar nas normas e ser
aceito/a; namoro
Sou Gay / Sou
heterossexual a fim de ser
Lésbica: O que eu
5 Negação de Si 69 1.275 aceito/a socialmente; não 2
percebo e como eu
aceitação da própria
me sinto?
sexualidade pelo auto-
preconceito estrutural e pela
homofobia/lesbofobia
internalizada; demora em
viver a sexualidade por se
sentir pecador/a e errado/a.
Sofrimento físico e
emocional advindos da
homofobia/lesbofobia;
adoecimento físico e
psíquico; autoestima
9 Sofrimento 457 abalada, medo,
vulnerabilidade, culpa,
silenciamento, rejeição,
ideações suicidas, traumas,
hipervigilância, ansiedade,
depressão etc.
Importância e riscos em
tornar pública a orientação
Publicização da Sou Gay / Sou
sexual e as violências
6 sexualidade e da 32 98 3 Lésbica: Quem eu
sofridas; não aceitação em
violência sou?
continuar no “armário” e
sofrer violências.
492
Educação e informação
como forma de se lutar
contra e acabar com a
homofobia/lesbofobia, por
meio da conscientização
como estímulo crítico para
10 Educação/Informação 66 que não se aceite o que é
previamente dito e imposto
como certo ou errado;
educação/informação como
possibilidade de liberdade de
expressão da orientação
sexual.
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora
Uma vez tendo sido realizadas as descrições acerca dos agrupamentos, procedeu-se com a
aferição das qualidades dos conjuntos de categorias, nas quais, conforme Bardin (1977/2016),
- Exclusão mútua, na qual um determinado elemento pode estar presente em apenas uma
categoria. Se estiver presente em mais, deve ser analisada a melhor categoria a pertencer o
- Homogeneidade, na qual os elementos incluídos na categoria devem ter por base o mesmo
conjunto de informações a serem tratadas. Houve a verificação, podendo-se afirmar que os blocos
material), terem sido organizados de forma igual e estarem em conformidade com objetivo e
493
pergunta da pesquisa. Após a averiguação, podendo-se afirmar que os elementos possuem
levantamento de novas hipóteses. Após análise, foi possível concluir que os elementos permitem
interpretação.
De acordo com Bardin (1977/2016) esta fase permite que se condense ainda mais os dados
obtidos nas etapas anteriores, sendo possível reagrupá-los novamente, caso seja necessário,
encontravam de forma adequada tendo-se chegado a 3 categorias: Sou Gay / Sou Lésbica: Como
é o meu contexto? Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? Sou Gay / Sou
Lésbica. Quem eu sou? compreendeu-se que o resultado já se encontrava satisfatório para proceder
com a análise destas, não sendo necessário reduzi-las a um número ainda menor de categorias,
definindo-as, assim, como as categorias a serem estudadas, com suas subcategorias, conforme
abaixo.
494
Tabela 10
Categorias e Subcategorias
Família 853
Amigos 234
A partir das categorias e subcategorias a que esta análise permitiu chegar, aplicando-se a
regra da inferência e da interpretação, pode-se observar que os resultados obtidos nas etapas
inclusive, fazer um ensaio breve de se aferir e interpretar estas categorias e subcategorias a partir
495
compreender, descrever e explicitar o sofrimento de gays e lésbicas que passaram por situações de
violência.
Partindo-se das categorias e subcategorias finais, iniciando-se pela categoria 1 – Sou Gay
/ Sou Lésbica: Como é o meu contexto? contendo as subcategorias Família, Amigos, Política e
sofre influência direta, com preponderância da família, dos amigos, políticas e religiosos.
É possível se inferir com base na categoria 2 – Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e
de Si e o Sofrimento, o que o/a homossexual/lésbica percebe que o/a circunda, fazendo parte de
seu dia a dia, interferindo diretamente em sua vida, e como ele se sente frente a isto.
Com base na categoria 3 – Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? com suas subcategorias
das formas de se conscientizar as pessoas sobre quem é o/a homossexual/lésbica, por meio da
496
Anexos
497
Anexo A – Ofício Circular nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS
498
499
500
501
502
Anexo B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Venho por meio desta convidá-lo(a) a participar como voluntário do estudo sob o título “O
Sofrimento de Homossexuais Vítimas de Homofobia”. Este estudo está associado a uma pesquisa
de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde na Universidade Metodista
de São Paulo, sob a responsabilidade da pesquisadora Andreia da Fonseca Araujo e orientação da
Profª Drª Rosa Maria Frugoli da Silva.
O objetivo deste estudo é compreender o sofrimento dos homossexuais que passaram por situações
de homofobia, buscando descrever o sofrimento das pessoas de orientação homoafetiva que
passaram por situações de violência e suas consequências nestas pessoas.
Nesse estudo, sua participação será voluntária, ou seja, você poderá recusar a responder e/ou
participar de qualquer etapa sem prejuízo ao estudo. Da mesma forma, não haverá qualquer tipo
de despesas pessoais em qualquer fase do estudo. Igualmente, não haverá qualquer compensação
financeira relacionada à sua participação, de modo que se existir qualquer despesa adicional, ela
será absorvida pelo orçamento da pesquisa.
Caso concorde em participar, o estudo será totalmente virtual (online) para que você não precise
se deslocar, além do que nos encontramos em momento de pandemia causado pela COVID-19.
O estudo será realizado em 02 encontros: no primeiro, você participará de uma entrevista
individual, com duração de em média 40 minutos, a ser agendada em data de sua disponibilidade
para conversar situações de violência que você tenha passado e o sofrimento advindo desta ação
em sua vida. No segundo encontro será utilizado de dois testes, sendo um de qualidade de vida e
de depressão, com duração média de 10 minutos cada um dos testes.
Os dois encontros serão realizados pelo Google Meet e o endereço eletrônico (link) de acesso será
enviado por e-mail com 5 de antecedência ao encontro.
A entrevista e a avaliação serão gravadas para serem transcritas e anexadas a pesquisa de Mestrado.
Após a transcrição, essas gravações terão seus arquivos de áudio destruídos. Durante os encontros
sua privacidade é importante, de modo que se orienta que você esteja sozinho(a) e em um ambiente
privado. Seus dados serão mantidos em total sigilo. A qualquer momento você poderá solicitar
informações sobre o andamento da pesquisa.
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Os riscos de participação deste estudo são mínimos. Porém, caso você sinta constrangimento ou
desconforto durante o estudo, a pesquisadora estará disponível para o
atendimento/encaminhamento psicológico.
Em caso de dano pessoal, diretamente causado pelos procedimentos ou tratamentos efetivamente
realizados no referido estudo (nexo causal comprovado), você tem o direito de solicitar
indenizações legalmente estabelecidas, que se restringem ao dano causado.
Você não terá benefícios diretos com a sua participação, entretanto o resultado deste estudo poderá
te auxiliar e a outras pessoas de orientação sexual homoafetiva em nossa busca a redução da
violência, por meio da conscientização das pessoas sobre o sofrimento causado por esta ação.
Outrossim, esperamos ainda suscitar a problematização por parte de psicólogos na área da saúde,
nesta forma de violência que perpetua ao longo da vida da comunidade LGBTQIA+ e as
consequências desse sofrimento em homossexuais que são vítimas de violência, podendo, esta
pesquisa conscientizar as pessoas sobre este fato, combater a violência e desenvolver o respeito a
diversidade, e ainda implicar na demanda pela continuidade deste estudo para que se pensem e
proponham ações de saúde pública especificas para esta população que sofre, a fim de que a mesma
tenha uma melhor qualidade de vida. Além disso, este estudo aponta para as possibilidades de
pesquisa na área da Psicologia da Saúde, Psicologia Social, e Saúde Coletiva (Saúde Pública),
propondo a inserção de novas políticas públicas que atendam as demandas da população
LGBTQIA+, que se encontra em sofrimento e isso precisa ser investigado, ser atendido, ser
reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois esse sofrimento pode gerar consequências,
não só no agravamento dos quadros individuais como coletivos, uma condição inata ao indivíduo
o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo negligenciada e que necessita de mais
estudos.
Você autoriza que os dados coletados nesta pesquisa possam ser utilizados em pesquisas futuras?
( ) sim ( ) não
No caso de autorizar, deseja ser informado da utilização de seus dados? ( ) sim ( ) não.
Você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais
dúvidas. A principal pesquisadora é Andreia da Fonseca Araujo, que pode ser encontrada pelo
endereço eletrônico de_faraujo@yahoo.com.br e/ou pelo telefone celular (11) 99730-8737.
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Caso você tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, fique à vontade para
entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UMESP) – Rua do Sacramento, 230
– Ed. Capa sala 303 - Telefone: 4366-5814 – E-mail: cometica@metodista.br.
Acredito ter sido suficientemente esclarecido a respeito das informações que li ou que foram lidas
para mim, descrevendo o estudo “O Sofrimento em Homossexuais Vítimas de Homofobia”.
_______________________________________
Assinatura do participante ou representante legal Data __/__ /2022.
Nome completo do participante ou representante legal: _________________________
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste
participante/participante ou representante legal para a participação neste estudo. Sendo que uma
via deste documento deve ficar com o participante e outra em posse da pesquisadora.
_______________________________________
Assinatura do responsável pelo estudo Data __/__ /__.
Andreia da Fonseca Araujo
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