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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUSIA


Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde

Andreia da Fonseca Araujo

O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência:


Um Estudo do Fenômeno na Perspectiva da Psicologia Junguiana

São Bernardo do Campo


2022
ANDREIA DA FONSECA ARAUJO

O SOFRIMENTO DE GAYS E LÉSBICAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA:


UM ESTUDO DO FENÔMENO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA
JUNGUIANA

APOIO

São Bernardo do Campo


2022
O SOFRIMENTO DE GAYS E LÉSBICAS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA:
UM ESTUDO DO FENÔMENO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA
JUNGUIANA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Psicologia da
Saúde, da Universidade Metodista de São Paulo
- UMESP, na linha de pesquisa Saúde, Violência
e Adaptação Humana, como parte dos requisitos
para a obtenção do Título de Mestre em
Psicologia da Saúde.

Orientadora: Profa. Dra. Rosa Maria Frugoli da


Silva.

São Bernardo do Campo


2022
FICHA CATALOGRÁFICA

Ar15s Araujo, Andreia da Fonseca


O sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência: um estudo do
fenômeno na perspectiva da psicologia junguiana / Andreia da Fonseca
Araujo. 2022.
505 p.

Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) --Diretoria de Pós-


Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Saúde da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2022.
Orientação de: Rosa Maria Frugoli da Silva.

1. Homossexuais masculinos 2. Lésbicas 3. Violência de gênero


4. Homofobia 5. Sofrimento - Aspectos psicológicos I. Título
CDD 157.9
A dissertação de mestrado intitulada “O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de

Violência: Um Estudo do Fenômeno na Perspectiva da Psicologia Junguiana”, elaborada por

Andreia da Fonseca Araujo, foi apresentada e aprovada em 28 de novembro de 2022, perante a

banca examinadora composta pelas professoras doutoras Rosa Maria Frugoli da Silva (Presidente),

Clarissa De Franco (UMESP) e Débora Inácia Ribeiro (UNITAU).

_____________________________________

Profa. Dra. Rosa Maria Frugoli da Silva

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

_____________________________________

Prof. Dr. Ricardo Silva dos Santos Durães

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

em Psicologia da Saúde

Programa: Pós-Graduação em Psicologia da Saúde

Área de Concentração: Psicologia da Saúde

Linha de Pesquisa: Saúde, Violência e Adaptação Humana


Agradecimentos

Agradecimentos são necessários, pois é o momento em que somos guiados pelo coração e

a vida nos conduz às lembranças, recorda-nos e nos dá a oportunidade de reconhecermos e

agradecermos às pessoas que estiveram presentes e fizeram a diferença em nossa caminhada!

Então, com todo meu reconhecimento, agradeço:

A Deus, pela generosidade da vida!

À minha mãe Adalia, irmã Keli, sobrinhos Lucas, Fernando e Isabella, pela família

maravilhosa que somos, pelo apoio em todos os momentos, paciência e entendimento para comigo

em todas as vezes em que não estive tão presente fisicamente como desejavam e como eu gostaria

de estar, para poder trabalhar em minha pesquisa, pelo carinho, união, ajuda e dedicação. E, a

minha irmã Mirella, psicóloga como eu, meu orgulho e exemplo de ética, por tudo o que citei e

por todo o seu apoio e incentivo para comigo.

À minha amada companheira de alma e vida, Sílvia Dotta, pela parceria incondicional, pelo

incentivo constante em meus estudos, pelo estímulo em todos as fases do meu mestrado, pelas

discussões calorosas, pelas trocas, por seu tempo, por sua dedicação constante a mim, por

compartilhar de seus conhecimentos e me ensinar tanto e incansavelmente, por nossa vida.

Aos meus amores e companheiros inseparáveis de todas as horas, filhos de quatro patas –

Talita (in memorian), Floquinho, Lua, Amora, Mel e Safiri, minhas bençãos nessa vida, em todos

os dias. E a Zeus e Maya, por me permitirem adotá-los, cuidá-los e inspirarem alegria.

À minha amiga querida, Leni Munhoz Granado, pelo incentivo para que eu iniciasse o

mestrado, por sua oferta e disponibilidade constante em me ajudar, pelas imprescindíveis

contribuições com meu questionário e entrevista, por ter lido minha dissertação e ter contribuído
em muitas de suas fases, por todo o seu apoio e parceria em nossos grupos de supervisão e cursos

de contos e mitos, por estar sempre tão presente junto às nossas supervisionandas e alunas, atenta

e atuante por nós duas, em ocasiões em que eu não pude estar pelas demandas do estudo.

Aos amigos do coração, Cleide Aparecida de Oliveira e João Assumpção, pelo carinho e

por toda a contribuição cuidando das minhas pequenas de 4 patas, Safiri e Amora, para que eu

tivesse paz, equilíbrio e tranquilidade interna e externa para escrever minha dissertação. Somente

eles e eu sabemos a profundidade desta ação deles para comigo e para com elas, e o que isso

significa e representa em nossas vidas!

À minha querida psicóloga, Vera Valente, pelo incentivo, carinho e por seu cuidado que

me faz tão bem, pelas discussões tão profundas sobre o meu tema e por suas importantes

contribuições.

À Zuleide Paiva e à Mariam Pessah, por terem, em algumas de nossas conversas, observado

que não cabia atribuir o termo homossexual a homens e mulheres que tinham interesse

afetivo/sexual por pessoas do mesmo sexo, mas que estas mulheres deveriam ser chamadas de

lésbicas e os homens de homossexuais. Agradeço, sobremaneira, pelas conversas profundas que

tivemos e por terem me ensinado tanto sobre este assunto que norteou muitas pesquisas e parte

importante de minha dissertação.

A João Paulo Falavinha Marcon, por sua disponibilidade em me ajudar sobremaneira,

esclarecendo dúvidas e compartilhando de seus substanciais conhecimentos acerca de homofobia,

lesbofobia e crime de ódio, sob a ótica da criminalização no Brasil.

À Andréa Vistue, por ter me mostrado pela primeira vez este mundo encantador da

psicologia junguiana e ter despertado em mim um desejo infindável por conhecer e aprender cada
vez mais, por ter me adentrado aos mitos os gregos, início da minha paixão por este universo, e

por ter contribuído com minha dissertação auxiliando-me com conteúdos mitológicos.

À Maria Cristina Guarnieri e à Santina Rodrigues Oliveira, professoras que ao longo de

tantos anos me ensinou tanto sobre psicologia junguiana, por sua amizade, seu incentivo, carinho

e presença em momentos tão importantes.

À Malena Contrera, professora e mitóloga com quem aprendi sobremaneira sobre os mitos

gregos e à Rangel Fabrete, colega de profissão e profundo conhecedor de mitologias, a quem

admiro mesmo sem conhecer pessoalmente, agradeço por terem compartilhado comigo de seus

vastos conhecimentos sobre mitos que necessitei para compor parte do referencial teórico desta

pesquisa.

À Michele Gimenez, por sua contribuição de grande valor para com minha dissertação de

mestrado, seu apoio e diálogo, à Marisa Rugai, por todas às vezes em que me enviou materiais

importantes e que foram de grande contribuição para minha dissertação e à Julia Herrera

Fernandes, por seu afeto, incentivo constante, interesse profundo em minha pesquisa.

À Daniela Dias Nakazaki pelas contribuições com meu questionário e entrevista desta

pesquisa e à Valéria Baltazar e Edson Pimentel por terem avaliado e validado este questionário de

pesquisa via Google Forms, apontando importantes correções para o êxito de sua aplicação.

Às minhas supervisionadas e meus pacientes, por me permitirem caminhar ao lado deles,

confiando a mim suas vidas, pelos valores que neles encontro, que os livros não são capazes de

ensinar, por me fazerem mais humana, mais humilde e desejosa de cada vez aprender mais, por

eles e para eles.


À Universidade Metodista de São Paulo – UMESP, por seu corpo docente altamente

qualificado e pelo apoio financeiro, junto a CAPES, que me permitiu realizar este mestrado de

importância singular na minha vida, o qual contribuiu para o desenvolvimento profissional.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), pelo

apoio financeiro para com meus estudos, tornando-se, assim, possível a realização deste sonho.

Ao Núcleo de Estudos e Pesquisas em Assuntos de Gênero e Saúde - NEPAG- Saúde, parte

da linha de pesquisa Saúde, Adaptação Humana e Violência do Programa de Pós-Graduação em

Psicologia da Saúde da UMESP, coordenado pela Profa. Dra. Rosa Frugoli, pelas discussões

profundas acerca do meu objeto de estudo.

Aos colegas de mestrado, Fernanda Figaro, Silvania Rita Ramos, Edinete Noqueira, Yanco

Paternó de Oliveira e Cristiano J. Andrade, pela colaboração, generosidade, discussões profundas

e ajuda incondicional sempre que eu precisei durante o mestrado. Vocês foram imprescindíveis e

lhes sou muito grata! Agradeço ainda aos demais colegas do mestrado, pelas trocas, amizade,

discussões, valiosos aprendizados, incentivo e momentos de tão necessários de descontração.

Aos participantes desta pesquisas que se dispuseram a contribuir para com a ciência, por

doarem parte importante de seu tempo, por me contarem parte tão delicada de suas vidas,

recordando-se e mergulhando novamente em sofrimentos anteriores, revivendo e trazendo a tona

feridas antes abertas, e fizeram isto com a finalidade de contribuírem para que outras pessoas não

sofram desta mesma forma e para que a violência um dia possa ter fim, por acreditarem neste

trabalho e pela luta constante contra a violência, a discriminação e o preconceito a gays e lésbicas.

À Profa. Dra. Rosa Frugoli, minha orientadora e professora neste mestrado, pela honra de

ser sua orientanda e por ter seu nome vinculado ao meu, por seus ensinamentos inestimáveis, por

seu exemplo enquanto profissional e de vida, pelo incentivo constante, pelas discussões profundas
e calorosas, pelos almoços e trocas de mensagens infinitas, por suas orientações semanais, por

tantos projetos desenvolvidos em conjunto, pela parceria verdadeira, por todo seu tempo valioso

dedicado à mim, por ter acredita em mim, por suas palavras sempre positivas e encorajadoras, por

ter seguido ao meu lado durante todo tempo e, por fim, como costumo dizer, por ser a melhor

orientadora que eu poderia ter!

À Profa. Dra. Miria Benincasa, por todos os seus ensinamentos preciosos, por sua

incalculável generosidade em compartilhar de todo o seu conhecimento, pelas trocas genuínas e

sinceras, regadas de tanta humanidade e afeição, por sua amizade, sua nobreza de caráter e por

tanto afeto!

A todos os professores que tive neste mestrado, com os quais aprendi tanto! Por seus

ensinamentos e trocas e pela oportunidade de tanto aprendizado que levarei para vida, por terem

me tornado uma pessoa e profissional ainda melhor para os meus pacientes.

Às Profas. Dras. Débora Inácia Ribeiro e Clarissa De Franco, pelos apontamentos às

lacunas e fragilidades em minha dissertação, pelas valiosas discussões e fundamentais

contribuições que foram imprescindíveis para a conclusão desta dissertação com êxito.

À Elizangela Ap. de Castro Souza, assistente de coordenação da Pós-Graduação, desde o

momento em que apliquei para o mestrado. Por sua doação incondicional e incansável, auxiliando

em tudo o que estava e não estava ao seu alcance, por seu suporte amigo e prestativo.

À Felipe Policarpo, amigo e professor de inglês, por todas as direções de estudo que me

deu para eu fazer a prova de proficiência e a quem devo ter conseguido bom resultado, pois suas

orientações foram fundamentais.

E, por fim, àqueles que acreditaram que este trabalho seria possível.
Lista de Figuras1

Figura 1 – Mortes de LGBTs em 2017 ...................................................................................... 187

Figura 2 – Morte de LGBT no Brasil em 2017 .......................................................................... 187

Figura 3 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas por Milhão de Habitantes ..................... 188

Figura 4 – Mortes de LGBT por Estado – São Paulo ................................................................ 188

Figura 5 – Mortes de LGBT por Estado – Minas Gerais ........................................................... 189

Figura 6 – Mortes de LGBT por Estado – Bahia ....................................................................... 189

Figura 7 – Mortes de LGBT por Estado – Ceará ....................................................................... 190

Figura 8 – Mortes de LGBT por Estado – Rio de Janeiro ......................................................... 190

Figura 9 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Números de LGBTfobia em 2017 ..................... 191

Figura 10 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas registradas em 2017 ............................ 191

Figura 11 – Pessoas LGBT mortas no Brasil de 2000 a 2017 ................................................... 192

Figura 12 – Pessoas LGBT mortas no Brasil por ano ................................................................ 193

Figura 13 – Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas por segmento LGBT ........................... 193

Figura 14 – Pessoas LGBT mortas no Brasil – Faixa etária ...................................................... 194

Figura 15 – Pessoas LGBT mortas no Brasil – Cor ................................................................... 194

Figura 16 – Pessoas LGBT mortas no Brasil – Causa da morte ................................................ 195

Figura 17 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 .............................................................. 195

Figura 18 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Norte ................................................. 196

Figura 19 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Centro-Oeste ..................................... 196

Figura 20 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Nordeste ............................................ 197

1
A Norma APA – American Psychological Association, 7ª. edição compreende por figura tudo o que não é tabela:
gráficos, fotos, desenhos, imagens, diagramas.
Figura 21 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Sudeste ............................................. 197

Figura 22 – Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Sul ..................................................... 198

Figura 23 – Violência à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 – Brasil

..................................................................................................................................................... 199

Figura 24 – Lesão Corporal à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 –

Brasil .......................................................................................................................................... 199

Figura 25 – Homicídios e tentativas de homicídios à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de

denúncias – Disque 100 – Brasil ................................................................................................ 200

Figura 26 – Violência a homossexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN ...... 201

Figura 27 – Violência a bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN ........... 201

Figura 28 – Violência física a homossexuais e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias

– SINAN ..................................................................................................................................... 202

Figura 29 – Violência psicológica a homossexuais e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de

denúncias – SINAN ................................................................................................................... 202

Figura 30 – Tortura a gays, lésbicas e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN

..................................................................................................................................................... 203

Figura 31 – Outros tipos de violência a gays, lésbicas e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de

denúncias – SINAN ................................................................................................................... 203

Figura 32 – LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – fonte: site Homofobia Mata (dados de 2017

e 2018) e Grupo Gay da Bahia (2018) ........................................................................................ 204

Figura 33 – LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Perfil das Vítimas – fonte: site Homofobia

Mata (dados de 2017 e 2018) e Grupo Gay da Bahia (2018) ................................................... 205

Figura 34 – LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Idade – fonte: site Homofobia Mata (dados
de 2017 e 2018) e Grupo Gay da Bahia (2018) ................................................................... 206

Figura 35 – Crimes de ódio – número de mortes violentas a LGBTI+ no Brasil entre 2000 e 2021

– fonte Grupo Gay da Bahia .......................................................................................................206

Figura 36 – Humano pintado de panda ...................................................................................... 258

Figura 37 – Deusa Rhiannon ...................................................................................................... 262

Figura 38 – Carta de espadas ..................................................................................................... 266

Figura 39 – Autorretrato ............................................................................................................ 268

Figura 40 – Ninguém nunca vai se sentir atraído por você ........................................................ 274

Figura 41 – Desenvolvimento de uma análise ........................................................................... 304

Figura 42 – Intensidade de Sofrimento/Depressão na População Pesquisada ........................... 310

Figura 43 – Grau de Sofrimento/Depressão x Idade .................................................................. 310

Figura 44 – Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade ...................................................... 312

Figura 45 – Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade x Idade ......................................... 313

Figura 46 – Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade x Idade .................................. 314

Figura 47 – Questão Geral 1 – Avaliação da Qualidade de Vida .............................................. 318

Figura 48 – Questão Geral 2 – Satisfação com a Saúde ............................................................ 319

Figura 49 – Domínio Físico ....................................................................................................... 320

Figura 50 – Domínio Psicológico .............................................................................................. 321

Figura 51 – Relações Sociais ..................................................................................................... 323

Figura 52 – Meio Ambiente ....................................................................................................... 324

Figura 53 – Qualidade de Vida de E1 ........................................................................................ 326

Figura 54 – Qualidade de Vida de E2 ........................................................................................ 326

Figura 55 – Qualidade de Vida de E3 ........................................................................................ 327


Figura 56 – Qualidade de Vida de E4 ........................................................................................ 327

Figura 57 – Qualidade de Vida de E5 ........................................................................................ 328

Figura 58 – Qualidade de Vida de E6 ........................................................................................ 328

Figura 59 – Qualidade de Vida de E7 ........................................................................................ 329

Figura 60 – Qualidade de Vida de E8 ........................................................................................ 329

Figura 61 – Qualidade de Vida de E9 ........................................................................................ 330

Figura 62 – Qualidade de Vida de E10 ...................................................................................... 330

Figura 63 – Qualidade de Vida de E11 ...................................................................................... 331

Figura 64 – Qualidade de Vida de E12 .......................................................................................331

Figura 65 - Resultados BDI-II e WHOQOL-bref .......................................................................332

Lista de Tabelas2

Tabela 1 – Caracterização dos Participantes da Pesquisa e suas Vivências com a Violência –

Homofobia, Lesbofobia e Translesbofobia ................................................................................ 301

Tabela 2 – Grau de Sofrimento/Depressão x Idade ................................................................... 311

Tabela 3 – Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade ....................................................... 312

Tabela 4 – Grau de Sofrimento/Depressão x Idade x Escolaridade ........................................... 314

2
De acordo com a Norma APA – American Psychological Association, 7ª. edição, tabelas são compostas por
linhas/colunas, contendo informações numéricas/textuais.
Cabe esclarecer que a APA - American Psychological Association - 7ª. edição, estilo de escrita e formatação utilizado
na formatação desta dissertação, seguindo as diretrizes da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), dispõe,
exclusivamente, de duas nomenclaturas ou modalidades para apresentação das ilustrações: tabela e figura. Dessa
forma, ainda que se reconheça que existam gráficos e ilustrações dispostos nesta pesquisa, serão utilizadas das
modalidades de exposição das ilustrações conforme as diretrizes da APA - 7ª edição.
Tabela 5 – Categorias e Subcategorias de Análise .................................................................... 337

Tabela 6 – Indicadores de Palavras com Maior Número de Repetições .................................... 477

Tabela 7 – Enumeração das Atividades de Registro .................................................................. 486

Tabela 8 – Frequência Ponderada por Grau de Importância ...................................................... 488

Tabela 9 – Agrupamento dos Blocos ......................................................................................... 490

Tabela 10 – Categorias e Subcategorias .................................................................................... 495

Lista de Abreviaturas e Siglas

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

APA American Psychiatric Association

APA American Psychological Association

APsaA Associação Americana de Psicanálise

BDI-II Inventário de Depressão de Beck

CAAE Certificado de Apresentação de Apreciação Ética

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil

CEP Comitê de Ética Pública

CFP Conselho Federal de Psicologia

CID Classificação Internacional de Doenças

CID – 10 Classificação Internacional de Doenças – 10ª. edição

COVID Corona Virus Disease

DSM Diagnostic and Statistical Manual

E.T. Extra Terrestre

GGB Grupo Gay da Bahia


GLBT Gays, lésbicas, bissexuais e transexuais

HIV Vírus da Imunodeficiência Humana

HM Homofobia Mata

ILGA International Lesbian Gay Bissexual Trans and Intersex Association

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

ISTs Infecções Sexualmente Transmissíveis

LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais

LGBTTs Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis

LGBTI Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais

LGBTQIA+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais e

demais orientações sexuais e identidades de gênero

NEPAG-Saúde Núcleo de Estudos e Pesquisas em Assuntos de Gênero e Saúde

OC Obras Completas

OMS Organização Mundial de Saúde

ONU Organização das Nações Unidas

SESAB Secretaria da Saúde do Governo do Estado da Bahia

SINAN Sistema de Informação de Agravos de Notificação

SUS Sistema Único de Saúde

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UMESP Universidade Metodista de São Paulo

UNAIDS Joint United Nations Programme on HIV and AIDS

WHOQOL World Health Organization Quality of Life


Afrodite,

Senhora dos amores,

Dai força a todos aqueles que amam alguém do mesmo sexo.

Dai força para que lésbicas, bissexuais e gays possam lutar contra

a ideologia que os impedem de amar.

Abençoa-lhes os amores, auxilia para que vivam em um ambiente

seguro.

Conforta quem já perdeu alguém amado num crime de ódio e puna

os criminosos que o fizeram.

Proteja as mulheres que amam outras mulheres e temem por sua

segurança e de suas amadas.

Proteja os homens que amam homens que temem a violência

contra eles e seus amados.

Grandiosa Afrodite, proteja-os

O amor deles é tão sagrado quanto qualquer outro e merece viver

em tua benção.

Círculo Vale das Brumas, grupo Wicca da cidade de Pelotas, RS

(In Franco, 2022a, pp. 71-72).


Resumo

A violência contra gays e lésbicas está presente em diversos contextos, como família,

amigos, religião, política, saúde. Este estudo busca compreender, descrever e explicitar o

sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência, assim como identificar as consequências desse

sofrimento em suas vidas. O trabalho fundamenta-se nas contribuições da psicologia junguiana e

se trata de uma pesquisa de caráter qualitativo, do tipo exploratório, desenvolvida por meio do

delineamento de estudo de caso. Foram utilizados como instrumento de seleção dos entrevistados

a aplicação de formulário de interesse e questionário e, como instrumento de coleta de dados,

entrevista semiestruturada, teste psicológico Inventário de Depressão de Beck-BDI-II e

instrumento de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-bref. Foi obtida uma amostra de 12

pessoas, homens e mulheres, a partir de 18 anos, gays e lésbicas vítimas de violência, com

sofrimento psíquico identificado pelo questionário e confirmado pelos instrumentos de avaliação.

Os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo de Bardin e geraram as categorias temáticas:

a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? b) Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo

e como eu me sinto? c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? As categorias apresentaram as

respectivas subcategorias: a) família; amigos; política; religião; b) medo; preconceito;

discriminação; negação de si; sofrimento; c) publicização da sexualidade e da violência;

educação/informação. Como resultado, foi possível conhecer as consequências da violência,

preconceito e discriminação na vida destas pessoas, podendo-se confirmar a hipótese de que

quando gays e lésbicas são vítimas de violência, por não serem aceitos e não se sentirem livres

para viverem e existirem, eles podem temer pela sua própria vida e entrar em profundo sofrimento,

vindo a adoecerem devido ao grau de angústia a que são submetidos.

Palavras-chave: homossexuais, lésbicas, violência de gênero, homofobia, lesbofobia, sofrimento.


Abstract

Violence against gays and lesbians is present in different contexts, such as family, friends, religion,

politics, heath. This study aims to understand, describe, and explain the suffering of gay and

lesbian victims of violence, as well to identify the consequences of this suffering in their lives. The

work is based on theoretical contributions from the Jungian psychology and, this is a qualitative,

exploratory research, developed through the design of a case study. As an instrument for selecting

the interviewees, the application of an interest form and a questionnaire were used, and as a data

collection instrument a semi-structured interview, the Beck Depression Inventory – BDI-II

psychological test and the WHOQOL-bref quality of life assessment instrument were used. A

sample of 12 people, men and women, aged 18 and over, homosexual victims of violence, with

psychological distress identified by the questionnaire and confirmed by the assessment

instruments. The data were submitted to Bardin’s Content Analysis and generated the following

categories: a) I’m Gay / I’m Lesbian: How is my surroundings? b) I’m Gay / I’m Lesbian: What

do I perceive and how I feel? c) I’m Gay / I’m Lesbian: Who am I? The categories presented the

respective subcategories: a) family; friends; policy; religion; b) fear; preconception;

discrimination; self-denial; Suffering; c) publicizing sexuality and violence;

education/information. As a result, it was possible to know the consequences of violence,

prejudice, and discrimination in the lives of these people, confirming the hypothesis that when

gays and lesbians are victims of violence, because they are not accepted and do not feel free to live

and exist, they may fear for their own lives and enter into deep suffering, becoming ill due to the

degree of anguish they are subjected to.

Keywords: homosexuals, lesbians, gender violence, homophobia, lesbophobia, suffering.


Sumário

1 Introdução ................................................................................................................................23

2 Justificativa ..............................................................................................................................27

3 Objetivos ..................................................................................................................................30

3.1 Objetivo Geral ........................................................................................................................30

3.2 Objetivos Específicos ............................................................................................................30

4 Fundamentação Teórica .........................................................................................................31

4.1 A Psicologia, a Homossexualidade e a Lesbianidade.............................................................33

4.2 Homossexualismo x Homossexualidade, Lesbianismo x Lesbianidade – Etimologia e Uso das

Palavras ..................................................................................................................................34

4.3 A Psicologia, a Homossexualidade e a Lesbianidade nas Perspectivas Psicanalítica,

Fenomenológica e Junguiana .......................................................................................................44

4.3.1 Freud, Husserl e Jung ..........................................................................................................45

4.3.2 O que a Psicologia Psicanalítica tem a dizer sobre a Homossexualidade e a Lesbianidade?

........................................................................................................................................................54

4.3.3 O que a Psicologia Fenomenológica tem a dizer sobre a Homossexualidade e a Lesbianidade?

........................................................................................................................................................69

4.3.4 O que a Psicologia Junguiana tem a dizer sobre a Homossexualidade e a Lesbianidade? 76

4.3.5 A Homossexualidade e a Lesbianidade na Mitologia Grega, sob a Perspectiva Junguiana

......................................................................................................................................................137

4.3.5.1 Mitologia e Mitos – Herança da Humanidade ...............................................................138

4.3.5.2 A Homossexualidade e a Lesbianidade na Mitologia Grega .........................................143

4.4 O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência ....................................................149


4.4.1 Dados de Violência contra LGBT no Brasil ............................................................... 184

4.5 Direitos Alcançados pela População LGBTQIA+ na Luta em prol da Cidadania e contra a

LGBTfobia ............................................................................................................................... 211

4.6 Saúde Pública para LGBTQIA+ ..........................................................................................219

4.6.1 Saúde para quem? .............................................................................................................220

4.6.2 Atendimento e Saúde Ginecológica de Mulheres Lésbicas ..............................................226

4.7 Contribuições da Psicologia para com LGBTQIA+ ............................................................229

5 Método.....................................................................................................................................230

5.1 Delineamento da Pesquisa ...................................................................................................231

5.1.1 Estudo de Caso ..................................................................................................................232

5.2 População e Amostra............................................................................................................233

5.2.1 Critérios de Inclusão .........................................................................................................233

5.2.2 Critérios de Exclusão ........................................................................................................233

5.3 Instrumentos .........................................................................................................................234

5.3.1 Formulário de Interesse .....................................................................................................234

5.3.2 Questionário ......................................................................................................................235

5.3.3 Entrevista Semiestruturada ...............................................................................................236

5.3.3.1 Análise da Entrevista Semiestruturada ......................................................................... 237

5.3.4 Teste Psicológico de Depressão e Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida ......238

5.3.4.1 Análise do Teste Psicológico de Depressão e do Instrumento de Avaliação de Qualidade

de Vida ...................................................................................................................................... 239

5.4 Considerações Éticas ............................................................................................................240

5.4.1 Riscos e Benefícios ...........................................................................................................241


5.4.1.1 Riscos .............................................................................................................................241

5.4.1.2 Benefícios .......................................................................................................................242

5.5 Procedimentos para Coleta de Dados ...................................................................................243

5.6 Local .....................................................................................................................................247

6 Análise de Dados e Resultados............................................................................................248

6.1 Caracterização dos Participantes da Pesquisa e suas Vivências com a Homofobia, Lesbofobia

e Translesbofobia.........................................................................................................................249

6.2 Análise das Entrevistas...........................................................................................................304

6.3 Análise do Teste Psicológico Inventário de Depressão Beck – BDI-II ...............................308

6.4 Análise do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida The World Health Organization

Quality of Life – WHOQOL-bref .............................................................................................316

6.5 Comparação dos Resultados Apresentados pelo BDI-II e WHOQOL-bref, por Participante da

Pesquisa........................................................................................................................................332

6.6 Análise das Categorias e Discussões....................................................................................336

6.6.1 Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto?............................................337

6.6.1.1 Família ...........................................................................................................................339

6.6.1.2 Amigos ...........................................................................................................................368

6.6.1.3 Religião ..........................................................................................................................376

6.6.1.4 Política ...........................................................................................................................388

6.6.2 Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? .....................395

6.6.2.1 Medo ..............................................................................................................................397

6.6.2.2 Preconceito e Discriminação ..........................................................................................402

6.6.2.3 Negação de Si .................................................................................................................413


6.6.2.4 Sofrimento ......................................................................................................................417

6.6.3 Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? ............................................................427

6.6.3.1 Publicização da Sexualidade e da Violência....................................................................428

6.6.3.2 Educação/Informação .....................................................................................................434

7 Considerações Finais ............................................................................................................ 443

Referências ................................................................................................................................449

Apêndices ..................................................................................................................................463

Apêndice A – Roteiro para o Formulário de Interesse ................................................................464

Apêndice B – Roteiro para o Questionário ................................................................................465

Apêndice C – Roteiro para a Entrevista ...................................................................................469

Apêndice D – Detalhamento da Análise de Conteúdo Realizada .................................................471

Anexos .......................................................................................................................................497

Anexo A – Ofício Circular nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS .......................................................498

Anexo B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .........................................................503


1 Introdução

Esta pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade

Metodista de São Paulo (UMESP), na linha de Pesquisa Saúde, Violência e Adaptação Humana, é

realizada com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

– Brasil (CAPES) e tem como tema O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência: Um

Estudo do Fenômeno na Perspectiva da Psicologia Junguiana.

De acordo com MacRae (2018a), inicialmente o termo homossexual era utilizado para

mulheres e homens que tinham desejo/atração sexual por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, por

volta de 1978, as mulheres discordaram do uso do vocábulo homossexual para mulheres e homens,

pautadas no argumento de que as mulheres possuíam necessidades diferentes das dos homens,

intitulando-se, assim, por lésbicas, cabendo, desta forma, apenas aos homens, as adjacências

homossexual e gay. Com isto, a manifestação da sexualidade de mulheres lésbicas recebeu o nome

de lesbianidade e, dos homens, de homossexualidade. A partir daí as mulheres lésbicas criaram

seus próprios movimentos sociais e foram aos poucos se fortalecendo nesta luta (MacRae, 2018a).

Dessa forma, chamá-las de homossexuais, é negar-lhes toda uma história de luta e de conquistas

de seus direitos de uma vida digna.

Não se trata de dizer que há um termo certo e outro errado, mas, sim, de que atribuir a cada

um à sua identidade e referir-se a elas de forma específica e não genérica, é reconhecer as

identidades políticas e suas manifestações sociais, legitimando os esforços de cada grupo, bem

como as suas lutas e conquistas.

Face ao exposto e reconhecendo-se a importância da luta contra a violência, preconceito e

discriminação, por cada uma destas identidades políticas de forma bastante específica, e a fim de

contemplar todas as mulheres que se relacionam afetiva/sexualmente com outras mulheres, no

23
decorrer desta pesquisa, quando houver referência às mulheres que possuem desejo afetivo/sexual

por outras mulheres, será utilizado do termo lésbicas e, aos homens com desejo afetivo/sexual por

outros homens, será referido a eles como homossexuais ou gays. Da mesma quando se fizer alusão

à manifestação da sexualidade destas mulheres, será utilizado do termo lesbianidade e, a aos gays,

homossexualidade. Entretanto, mediante citações diretas ou indiretas de autores, será preservada

a adjacência utilizada por cada autor.

Apesar de gays e lésbicas serem seres humanos como quaisquer outros, até os dias atuais

eles são vítimas de intolerância e segregação e sofrem diversas formas de violência advindas de

preconceito e discriminação por não fazerem parte das normas sociais ditadas por uma sexualidade

heteronormativa, a qual a sociedade busca definir como única forma possível de manifestação da

sexualidade humana, em detrimento a qualquer possibilidade, negando uma vida digna e

humanizada a todos os que divergem da heterossexualidade. (Araujo, Benincasa & Frugoli,

2022c). Esta forma de preconceito recebeu inicialmente o nome de homofobia3.

O termo homofobia (Cerqueira-César et al., 2015; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b),

teve sua utilização pela primeira vez no ano de 1971, por George Weinberg, psicólogo nova-

iorquino, referindo-se à violência, descrédito e opressão a gays, lésbicas e bissexuais, todavia, à

medida que novas formas de manifestação da sexualidade foram surgindo e se unindo, o termo foi

readaptado para LGBTfobia4 e, mais a diante, a fim de alcançar maior visibilidade e intensificar a

3
Ainda que cada letra da sigla LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) tenha, enquanto identidade política,
uma forma de expressar a violência, a discriminação e o preconceito sofridos (L = lesbofobia; G = gayfobia ou ainda
homofobia; B = bifobia; T = transfobia), diversos autores fazem menção a homofobia como forma de expressão do
fenômeno.
Cabe esclarecer que, nas citações diretas e indiretas, será mantida a forma como o autor se refere a este fenômeno.
Todavia, reconhecendo-se a importância de se nomear o tipo de violência, preconceito e discriminação sofridos, esta
pesquisa, quando não fizer citações diretas ou indiretas, citará o fenômeno, conforme a expressão de cada letra.
4
Fazendo referência a violência, preconceito e discriminação contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais (Marinho
et al., 2004; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b).

24
luta pelos direitos de uma vida digna, cada grupo criou termos específicos para designar as

intolerâncias sofridas, tais como: lesbofobia, gayfobia, bifobia e transfobia.

De acordo com Toledo e Pinafi (2012) esta fragmentação e especificação da sigla

LGBTQIA+ se deu ainda pelo fato de algumas mulheres lésbicas feministas rejeitarem o termo

homofobia, atribuindo ao radical homo, imprecisamente, a referência a homens, contemplando,

portanto, apenas homossexuais masculinos vítimas de violência, preconceito e discriminação. O

mesmo ocorreu com a palavra homoafetivo, forma de relacionamento ao qual estas mesmas

mulheres atribuem, no caso das mulheres, o termo lesboafetivo, cabendo a adjacência homoafetivo

ao relacionamento afetivo/sexual entre homens. Sendo assim, buscando-se contemplar todas as

mulheres que se relacionam afetiva/sexualmente com mulheres, no decorrer desta pesquisa, ao se

referir ao relacionamento afetivo/sexual entre mulheres, não se utilizará o termo homoafetivo, mas

lesboafetivo, exceto quando se tratar de citação direta ou indireta feitas por algum autor citado.

O preconceito, segundo Marinho et al. (2004), Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), pode

ter motivações oriundas de causas sociocultural, individualista ou intergrupal, podendo se

apresentar de forma explicita ou implícita (declarada e discriminatória) e implícita (sub-reptícia,

velada, sutil), levando, independentemente da forma como se apresente, à agressões e mortes de

gays e lésbicas e, não raras ocasiões, ao suicídio, quando o sofrimento é vivenciado de forma

angustiante, intensa e reprimida, minando a consciência. (Baracat et al., 2020; Ortiz, Bogo &

Navasconi, 2020).

As ações de homofobia e lesbofobia depõem contra a vida de gays e lésbica, assim como

de todas as pessoas LGBTQIA+5, levando-os a viver sob contínuo medo de serem agredidos,

5
LGBTQIA+ é uma sigla utilizada para se referir às pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer,
intersexuais, assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero (Santos, 2020; Silvia, 2020; Araujo;
Benincasa & Frugoli, 2022).

25
violados em sua integridade física e emocional, assassinados, vivendo, portanto, em ininterrupto

sofrimento emocional e muitas vezes físico.

A discriminação e o preconceito a gays e lésbicas podem ser encontrados em todas as

esferas, inclusive na área da saúde, caminhando, neste caso, em desencontro ao que deveria ser

promovido pela área da saúde, ou seja, saúde e não doença, pois, uma vez que se discrimina o

atendimento a algum grupo, marginaliza-se as pessoas que fazem parte dele e as torna vulneráveis,

podendo elas, segundo Santos et al. (2020) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), adoecerem

mentalmente e/ou até mesmo fisicamente pela discriminação que sofrem. A falta ou a precariedade

de atendimento de saúde a diversidade humana implica na necessidade de se refletir e criar

políticas públicas voltadas a saúde e inclusão de pessoas LGBTQIA+ e outras identidades

pertencentes a sigla.

(Re)incluir socialmente gays e lésbicas é fundamental para que eles tenham direito a uma

vida digna. No favorecimento da inclusão social estão as redes de apoio, que são organizações que

prestam serviços sociais significativos, voltados para a promoção do bem-estar e da qualidade de

vida do indivíduo que a ela recorre em busca de apoio, fortalecendo laços de proteção e garantia

de uma vida digna (Braga et al. 2017; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022e). As redes de apoio,

neste contexto, são fundamentais e exercem um papel basal na minimização de riscos, bem como

na exposição de violência, esclarecem Braga et al. (2017) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e).

Trazermos estas questões para reflexão é, sem dúvida alguma, de suma importância para

se haver mudanças, as quais são possíveis de acontecer por meio da educação no sentido da

disseminação de informações corretas e na conscientização de todos acerca da diversidade sexual

humana. É ainda fundamental que todas as pessoas compreendam as implicações da violência na

vida de LGBTQIA+ e que sejam solidárias ao sofrimento do outro, praticando de empatia e

26
alteridade, considerando sempre que há vida além de si mesmo, em outras palavras, que os outros

existem, são diferentes e merecem respeito e direito à uma vida digna, sem discriminação,

preconceito e sofrimento.

Face ao exposto, esta pesquisa, com um recorte a gays e lésbicas, se propõe a compreender,

descrever e explicitar o sofrimento destas pessoas que passaram por situações de violência, como

também explicitar as consequências desse sofrimento em suas vidas.

Afora os objetivos que esta pesquisa se propõe a alcançar, espera-se conscientizar a

sociedade sobre a realidade de gays e lésbicas, para além do mundo científico e acadêmico, a partir

de sua própria voz, a qual raramente é ouvida, pois que, comumente, conhece-se sobre a

homossexualidade e a lesbianidade, os homossexuais/gays e as lésbicas, lendo-se a partir do que

escreveram e falam sobre eles, mas não do que eles mesmos têm a dizer sobre si.

A coleta de dados desta pesquisa, por meio da Análise de Conteúdo, pretende dar som e

tom à estas vozes. Esta pesquisa pretende ainda contribuir para o combate à violência a gays e

lésbicas, desenvolver o respeito à diversidade humana e implicar na demanda pela continuidade

deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública especificas para esta

população que sofre, a fim de que ela tenha uma melhor qualidade de vida.

2 Justificativa

Gays e lésbicas por não se enquadrarem em uma sociedade heteronormativa, sofrem

violência, preconceito e discriminação na família, religião, política e, inclusive, pelos profissionais

da saúde, tem seus direitos violados, ficam vulneráveis e marginalizadas (Santos et al., 2020;

Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b). Para Santos et al. (2020) e Araujo, Benincasa e Frugoli

27
(2022b), na saúde, isso ocorre porque com frequência os profissionais não se sentem confortáveis

em atender pacientes que não sejam heterossexuais, o que faz com que as pessoas que tenham

orientação sexual e/ou identidade de gênero diferente da heteronormatizada, não recebam

atendimento médico adequado e humanizado, contemplando suas necessidades e, como

consequência, promovendo ainda mais homofobia e a lesbofobia e inibindo estas pessoas levando-

as a não buscarem ajuda e orientação quando necessitam.

É importante salientarmos que fatores como preconceito, discriminação, marginalização,

homofobia e lesbofobia, assim como LGBTfobia como um todo, podem levar pessoas saudáveis

ao adoecimento, tanto emocional como físico, de modo que aquele que deveria promover a saúde

às pessoas pode ser exatamente quem as adoece e isso compromete a ética profissional. (Araujo,

Benincasa & Frugoli, 2022d).

O Sistema Único de Saúde (SUS), conforme Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d) dispõe

de locais com atendimento especializado à saúde de LGBTQIA+, como o Ambulatório do Hospital

Estadual de Diadema, voltado para remoção de silicone industrial em travestis e transexuais;

Centro de Orientação e Aconselhamento Psicológico de Mauá, com realização de sorologias para

HIV6, Sífilis e Hepatite B e C; SAE – Serviço de Atenção Especializada do Ambulatório de

Infectologia de Ribeirão Pires; COAS – Clínica Municipal de Especialidades Médicas de São

Bernardo do Campo, realizando sorologias para HIV; Ambulatório de Saúde Integral para

Travestis e Transexuais da UNIFESP, prestando atendimento às demandas gerais e específicas de

travestis e transexuais; dentre outros.

Muitas pessoas LGBTQIA+, por não conhecerem esses recursos e pela discriminação que

sofrem, sentem-se inibidas a buscarem por ajuda interdisciplinar e, para o norteamento destas

6
HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, que pode levar a síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS). (UNAIDS Brasil, 2003).

28
pessoas, as redes de apoio, segundo Braga et al. (2017) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e), são

fundamentais para o fortalecimento e para a minimização de riscos e exposição à violência. Elas

auxiliam na inclusão social LGBTQIA+ marginalizadas, buscando reinseri-las na sociedade

inclusive com direcionamento às locais de saúde adequados para receber a essa população.

Conhecer seu funcionamento e atuação é de interesse para psicologia social e da saúde, uma vez

que pode permitir conhecer fatores de proteção e prevenção do desenvolvimento de doenças

emocionais que podem advir do sofrimento ocasionado pela homofobia, esclarecem Braga et al.

(2017) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e).

No que se refere às discriminações contra pessoas LGBTQIA+, a Psicologia, pautada nas

diretrizes do Conselho Federal de Psicologia – CFP (2005) posiciona-se contrária a todo e qualquer

tipo de violência, discriminação, opressão, priorizando a promoção da saúde e qualidade de vida

individual e coletiva. O psicólogo tem por dever notificar as autoridades competentes violências

(psicológica, sexual, física, moral, patrimonial) praticadas contra qualquer pessoa.

Ante o exposto, a Psicologia pode contribuir com a saúde mental deste público,

compreendendo o sofrimento de gays e lésbicas que passaram por situações de violência, como

identificando as consequências desse sofrimento nessas pessoas e, a partir daí, desenvolvendo

ações para conscientizar a população sobre este fato, contribuindo para o combate à violência,

desenvolvimento do respeito a diversidade e ainda auxiliando no pensamento e proposta de ações

de saúde pública especificas para esta população, para que ela tenha uma melhor qualidade de

vida. E, nesta perspectiva, este estudo pode colaborar com a produção de conhecimento a este

respeito, contribuindo com o campo da psicologia da saúde.

O trabalho desenvolve-se em torno do problema: de que forma a violência pode levar gays

e lésbicas ao sofrimento e quais as suas reverberações na vida dessas pessoas? E a hipótese sugere

29
que quando gays e lésbicas são vítimas de violência, por não serem aceitos e não se sentirem livres

para viverem e existirem, eles podem temer pela sua própria vida e entrar em profundo sofrimento,

vindo a adoecerem devido ao grau de angústia a que são submetidos.

3 Objetivos

3.1 Objetivo Geral

O objetivo principal deste estudo é compreender o sofrimento de gays e lésbicas que

passaram por situações de violência.

3.2 Objetivos Específicos

Constituem os objetivos específicos:

• Compreender o sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência.

• Descrever o sofrimento das pessoas gays e lésbicas que passaram por situações de

violência.

• Explicitar as consequências deste sofrimento de gays e lésbicas que passaram por

situações de violência.

30
4 Fundamentação Teórica

Na proposta de auxiliar a responder à pergunta desta pesquisa, de que forma a violência

pode levar gays e lésbicas ao sofrimento e quais as suas reverberações na vida dessas pessoas, o

aporte teórico será sustentado pelas contribuições da psicologia junguiana, perpassando, inclusive,

pelos subsídios da psicologia psicanalítica e fenomenológica e, para tanto, estará divido nas

seguintes subseções:

4.1 A Psicologia, a Homossexualidade e a Lesbianidade

4.2 Homossexualismo x Homossexualidade, Lesbianismo x Lesbianidade – Etimologia

e Uso das Palavras

4.3 A Psicologia, a Homossexualidade e a Lesbianidade nas Perspectivas Psicanalítica,

Fenomenológica e Junguiana

4.3.1 Freud, Husserl e Jung

4.3.2 O que a Psicologia Psicanalítica tem a dizer sobre a Homossexualidade e a

Lesbianidade?

4.3.3 O que a Psicologia Fenomenológica tem a dizer sobre a Homossexualidade e a

Lesbianidade?

4.3.4 O que a Psicologia Junguiana tem a dizer sobre a Homossexualidade e a

Lesbianidade?

4.3.5 A Homossexualidade e a Lesbianidade na Mitologia Grega, sob a Perspectiva

Junguiana

4.3.5.1 Mitologia e Mitos – Herança da Humanidade

4.3.5.2 A Homossexualidade e a Lesbianidade na Mitologia Grega

31
4.4 O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência

4.4.1 Dados de Violência contra LGBT no Brasil

4.5 Direitos Alcançados pela População LGBTQIA+ na Luta em prol da Cidadania e

contra a LGBTfobia

4.6 Saúde Pública para LGBTQIA+

4.6.1 Saúde para quem?

4.6.2 Atendimento e Saúde Ginecológica de Mulheres Lésbicas

4.7 Contribuições da Psicologia para com LGBTQIA+

O modo como esta pesquisa aborda este fenômeno, parte do princípio de que as questões

da homossexualidade e da lesbianidade não se referem a dados objetivos do comportamento

humano, como uma questão de opção e direcionamento do desejo sexual por uma ou outra pessoa,

mas parte do pressuposto de que a sexualidade humana é complexa, produz-se e se manifesta por

meio de inúmeros vieses de se ser humano.

Neste sentido, este referencial teórico enfoca delineamentos nos quais a sexualidade e as

identidades de gênero fazem parte de dinâmicas de personalidade, culturais e sociais, que podem

se revelar de várias formas e modos, e não exclusivamente, dentro de perspectivas

heteronormativas. Para tanto, este estudo irá se debruçar sob os conhecimentos trazidos pelas

orientações psicanalítica, fenomenológica e junguiana, que integram a teoria psicodinâmica, na

qual há uma interação dinâmica dos processos psíquicos inconscientes e conscientes, por meio da

qual se pode encontrar a essência dos fenômenos e compreender o sentido da experiência a partir

da subjetividade de cada pessoa.

Este estudo fará uma aproximação da psicologia psicanalítica, fenomenológica e junguiana,

mostrando seus pontos de convergência, assim como de divergência e a forma como cada

32
orientação psicológica concebe a homossexualidade e a lesbianidade, justificando, por fim, porque

a psicologia junguiana foi a escolhida para se estudar o sofrimento de gays e lésbicas vítimas de

violência.

4.1 A Psicologia, a Homossexualidade e a Lesbianidade

Partindo-se do princípio de que a sexualidade humana é multifacetada e se manifesta por

diversas perspectivas de se ser humano e, considerando que a homossexualidade e a lesbianidade

são formas de manifestação e expressão da sexualidade, não menos complexas que qualquer outra,

abordaremos, neste primeiro momento, estes fenômenos a partir da perspectiva da psicanálise, da

fenomenologia e da psicologia junguiana.

Para esta finalidade, buscar-se-á problematizar a homossexualidade e a lesbianidade na

psicoterapia de orientação psicanalítica, fenomenológica e junguiana, trazendo os principais

autores (precursores a teóricos atuais), demostrando como cada orientação psicológica

compreende a homossexualidade e a lesbianidade, fazendo aproximações entre suas teorias e

evidenciando suas diferenças.

A partir desta problematização e com base na proposta deste estudo, será justificado o

motivo pelo qual a psicologia junguiana será a orientação psicológica escolhida para se estudar o

sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência.

Antes de se adentrar este universo, considera-se, porém, de suma importância

contextualizar e apresentar a etimologia e uso das palavras homossexualismo e homossexualidade,

lesbianismo e lesbianidade, para que, a seguir, se discorra sobre o fenômeno na perspectiva das

orientações a que este estudo se propõe fazê-lo.

33
4.2 Homossexualismo x Homossexualidade, Lesbianismo x Lesbianidade – Etimologia e

Uso das Palavras

De acordo com Guimarães (2009), Tavares et al. (2010) e Araujo, Benincasa e Frugoli

(2022a) a palavra homossexualidade advém de homos, procede do grego e traduz-se em igual e

semelhante e, sexualidade, vem de sexus. do latim e significa sexo, a forma de cada um viver a sua

experiência sexual.

A palavra homossexualidade, alude, portanto, a uma forma de vida sexual compartilhada

entre pessoas do mesmo sexo. E, neste contexto, homossexual é a pessoa que vive e se relaciona

afetivo/sexualmente com outras do mesmo sexo (Guimarães, 2009; Jesus, 2012; Silva, 2020;

Tavares et al., 2020).

Esclarecerem Borrillo (2000/2021) e MacRae (2018a) que inicialmente o termo

homossexual foi assim compreendido, inclusive, sendo ele atribuído a homens e mulheres que

tinham desejo sexual por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, essa realidade se modificou por volta

de 1978, quando essas mulheres, especialmente as feministas, não se sentindo representadas como

homossexuais, uma vez que, como mulheres e como lésbicas tinham necessidades diferentes das

dos homens e sofriam dupla descriminalização, na busca de diferenciarem-se e se fortalecerem

enquanto identidade política, atribuíram-se o termo lésbica, cabendo, a partir deste momento, as

adjacências homossexual e gay especificamente aos homens.

A partir deste momento, a orientação sexual destas mulheres passou a ser nomeada por

lesbianidade e, dos homens, por homossexualidade, antes, porém, foram chamadas de lesbianismo

e homossexualismo, vindo a modificar-se devido ao fato de o sufixo “ismo” remeter a doença,

como veremos mais detalhadamente ao longo desta subseção.

34
A palavra lésbica era nesta época, em meados de 1978, utilizada de forma ofensiva, pelos

heterossexuais, às mulheres que se relacionavam afetiva/sexualmente com outras mulheres. Desta

forma, a fim de esta palavra não ser agressiva à estas mulheres, mas ao contrário disto, ser natural,

elas se apropriaram do nome lésbicas, vindo, inclusive, o amor entre mulheres, a ser chamado de

amor sáfico. (MacRae, 2018b).

Homossexual. Mas pode me chamar de lésbica. E por que não? Procure em qualquer

dicionário e você verá que a palavra lésbica tem, por definição ‘mulher homossexual’.

Alguma ofensa nisso? Nenhuma, mas essa sempre foi usada com o intuito de ferir por uma

sociedade heterossexual que não admite que ninguém saia dos padrões que ela considera

‘normais e aceitáveis’. Além de não ser nada ofensivo em si, a palavra lésbica tem uma

origem muito bonita, que remonta aos tempos da antiga Grécia, à ilha de Lesbos, onde a

poetisa Safo viveu e cantou a beleza do amor entre as mulheres. Se você transportar essa

palavra para o seu dia a dia, ela vai perder gradualmente essa capacidade de ferir, você está

desarmando o inimigo. Esse é justamente um dos trabalhos do ‘LF’7, esvaziar a conotação

pejorativa, ofensiva, que a palavra lésbica carrega, mostrando que ela não precisa estar

necessariamente associada a uma agressão. Grupo de Ação Lésbica-Feminista - Caixa

Postal 293-SP. (MacRae, 2018a, p. 322).

O termo lésbica advém da lenda de Safo, poetisa da Antiga Grécia, que teria vivido na Ilha

de Lesbos, situada no mar Egeu, e se dedicado por toda a sua vida a fazer poesias líricas, escritas

para serem cantadas ao som de liras, enaltecendo o amor entre as mulheres (MacRae, 2018b;

Franco, 2022b). Considera Boheringer (2007, citado por Franco, 2022b) que “[...] o universo

lésbico, apoiado em sua imagem originária das “mulheres de Lesbos” tem a presença de elementos

7
Subgrupo independente e atuante dentro do Grupo Somos, em 1978, formado por mulheres feministas, intitulado
Lésbico-Feministas, para lutar por seus direitos de mulheres lésbicas. (MacRae, 2018a).

35
como solidariedade, companheirismo, acolhimento e pertencimento entre mulheres”. Um de seus

poemas mais conhecidos é Ode a Afrodite (1992/1993, citado por Franco, 2022a, pp. 71-72):

Ó Afrodite sem-morte, do manto florido ofuscante,

filha de Zeus, tecelã de ardis,

suplico-te, ó dominadora,

não me abatas de angústias e dores

(...)

e o que mais desejo

que na alma inquieta se cumpra.

“A quem queres que dobre a teu amor,

ó Safo? Quem te ofende?

Aquela que ora foge, logo te seguirá,

a que favores recusa, os oferecerá,

e se não ama, em breve,

contravontade amará.”

Vem pois a mim, e agora,

dissolve o duro tormento,

ocorra o que anseia minh’alma,

alia-te a mim, Afrodite!

Parte do poema Ode a Afrodite, Safo, tradução de Fabio Malavoglia,

citado por Franco, 2022a, pp. 71-72 (In Fontes, 1992/1993, p. 71).

36
Muito embora em 1978 tenha havido esta diferenciação entre lésbicas e homossexuais,

lesbianidade e homossexualidade, na atualidade há autores que seguem utilizando-se dos termos

homossexual e homossexualidade para se referirem às pessoas que sentem desejo/atração sexual

por pessoas do mesmo sexo, bem como a sua orientação sexual. E será por esta vertente que os

autores a seguir percorrerão.

Neste sentido, considera Tavares et al. (2010) que a homossexualidade é compreendida

pela psicologia como o interesse sexual por pessoas do mesmo sexo. Trata-se de uma orientação

sexual ou orientação do desejo sexual de uma pessoa pela outra (Jesus, 2012; Silva, 2020; Araujo,

Benincasa & Frugoli, 2022a), chegando no passado a ser considerada a homossexualidade como

uma patologia. E, neste sentido, consideram Quinet e Jorge (2013/2020) que, para se compreender

como uma determinada prática sexual chegou a ser um diagnóstico, há de se considerar o contexto

social em que se desenvolveu e os interesses científicos implicados nela.

A primeira referência feita a homossexualidade na condição de doença, de acordo com

Quinet e Jorge (2013/2020) deu-se por Caelius Aurelianus, no século V a.C, no qual Caelius

traduziu para o idioma latim alguns estudos que Soranus de Ephesus vinham desenvolvendo, nos

quais mencionava a homossexualidade como condição de aflição mental, tanto em homens como

em mulheres. E, não suficiente a isto, desde o século V a.C. textos originários da Bíblia e da Torah,

consideram a homossexualidade como uma abominação, pautados na filosofia de que o homem e

a mulher foram criados por Deus para serem complementares. De acordo com Quinet e Jorge

(2013/2020), a partir do século V, outros pensadores do catolicismo, Agostinho, Jerômino e Tomás

de Aquino, seguiram por este mesmo pensamento atribuindo o sexo a procriação como única

condição plausível e possível de existir. E seguiu de tal forma que, no século XII, o artigo 48, do

código de Gengis Kan, orientava a pena de morte para os homens que cometessem sodomia.

37
Historicamente, consideram Hopcke (1993), Quinet e Jorge (2013/2020) e Jorge e

Travassos (2021) que a adjacência homossexual nasceu carregada de um diagnóstico psiquiátrico

de perversão. E, a isto, observam Guimarães (2009), Salles e Melo (2011), Quinet e Jorge

(2013/2020) e Jorge e Travassos (2021) que o termo homossexualismo se originou, em 1869, de

Karl Maria Kertbeny, em escritos anônimos contra as leis da Prússia que previam leis severas as

práticas de sodomia, entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com Costa (1944/1992), o termo

homossexual, foi inventado em 1869, por Benkert, com a finalidade de combater a legislação

alemã contra o homossexualismo, que tinha um cunho patológico.

Observam Marques (2016) e Quinet e Jorge (2013/2020) que antes de ser criado o termo

homossexualidade por Benkert, o uso de nomenclaturas estava circunscrito às épocas, culturas e

discursos vigentes, sendo os homossexuais tidos, em diferentes momentos, como sodomitas,

doentes mentais, invertidos etc. Relata Marques (2016) que Benkert definiu a expressão

homossexualidade pautando-se em que a natureza, além de permitir a nascença de heterossexuais,

em sua soberania, permitiu nascerem também homens e mulheres homossexuais.

Por sua vez, o advogado e teólogo alemão Carl Heinrich Ulrichs, a fim de sustentar que a

homossexualidade se tratava de uma anomalia hereditária, produzindo uma alma feminina em um

corpo masculino, popularizou o termo uranismo8 e, de outro lado, o neurologista Carl Westphal

apoiou a teoria inata da homossexualidade, tendo por certo a existência de um terceiro sexo,

esclarecem Marques (2016), Quinet e Jorge (2013/2020), Jorge e Travassos (2021).

Pontua Soares (2012) que durante longos anos os homossexuais não tinham voz própria. A

eles competiam o lugar da terceira pessoa. Falava-se sobre eles, quem eram, como eram, o quer

eram, o que faziam, porque faziam e falava-se com tanta veemência, que transparecia ser verdade.

8
Termo do século XIX que se referia a homens homossexuais, de acordo com Marques (2016), Quinet e Jorge
(2013/2020), Jorge e Travassos (2021).

38
Não lhes era atribuído o direito de existirem e isto talvez ocorresse para que não ocupassem um

lugar no mundo. E, o discurso acerca de sua de sexualidade cabia ao outro.

Elucidam Silva et al. (2015, citado por Vasconcelos, 2008) e MacRae (2018a) que as

relações afetivo-sexuais devem ser compreendidas a partir do espaço, cultura, tempo, idade e

demais aspectos que compõe a história naquele determinado momento em que acontece. Observam

Soares (2012) e MacRae (2018a) que há de se considerar o indivíduo em sua singularidade e

subjetividade, interagindo com o meio e vivendo sua sexualidade enquanto uma forma possível de

manifestação das diversas possibilidades de expressão da sexualidade.

E, devido a isto, considera ainda MacRae (2018a) que é impossível pensar na

homossexualidade enquanto uma categoria universal, dado que ela é suscetível de mudança de

acordo com o momento sócio-histórico e cultural em que ela se dá, sendo revestida, portanto, de

subjetividades.

Para Salles (2011) e Ceccarelli (2012) e Silva et al. (2015, citado por Vasconcelos, 2008),

os discursos acerca das diversas formas de manifestação da sexualidade humana se apresentam em

momentos sócio-históricos e culturais determinados, buscando normatizar a prática sexual,

revelando-se, assim, a sexualidade como uma construção inerente a um jogo de poder, aclaram.

Aufranc (2018) avigora a afirmação de Salles (2011) e Ceccarelli (2012), pontuando que

no decorrer da história a religião desempenhou o papel de determinar como deveria ser o

relacionamento sexual, destinando-o à procriação, adjetivando como pecado tudo o que fugisse a

esta regra. Neste contexto, citado por Rodrigues (2012) e Jorge e Travassos (2021), com a

promoção do cristianismo, a fim de que a igreja católica tivesse seu poder firmado, utilizou-se da

estratégica de se reprimir o erotismo, o que se opunha a Antiguidade pagã.

39
De acordo com Pastana e Klipan (2021) e Jorge e Travassos (2021) foi a partir do

cristianismo que a homossexualidade passou a ter a conotação de pecado, devendo, na tradição

judaico-cristã, ficar a sexualidade delimita a reprodução, sendo as demais formas de conduta

consideradas desaprovadas, pervertidas e antinaturais.

A esta forma de conceituar a homossexualidade, observa MacRae (2018a) que é mais fácil

aceitar a antinaturalidade da homossexualidade como algo determinado, sem questionar quem

determinou ou sem se ir em busca do científico, questionando-se, neste caso, uma hipotética

revelação divina.

Observa Franco (2022c) que a literatura traz a presença da religião, sobretudo a presença

do cristianismo de base conservadora, auxiliando na tonificação dos estereótipos de gênero, tais

como binarismos e outros. Pontua Franco (2022c) que estas representações sociais acerca de

gênero e sexualidade, em diferentes grupos e culturas, se fazem presentes.

Assim, considera Aufranc (2018), que as repressões da sexualidade humana, constituindo-

se na valorização do masculino em detrimento ao feminino, sofreram forte influência da tradição

judaico-cristã. E, neste contexto, observa Rodrigues (2012), a homossexualidade era tida como

exagero dos desejos carnais, tida como crime, imoralidade, vício, pecado.

Para Franco (2022c), quando há uma disponibilidade interna para se refletir acerca das

diferentes manifestações de sexualidade e gênero, sem concebê-las a partir de um viés religioso,

adentra-se um novo terreno que permite olhar para as subjetividades e individualidades,

permitindo-se, assim, uma compreensão mais ampla e profunda de cada ser humano.

Neste mesmo sentido, asseguram Silva et al. (2015) que a religião, até a atualidade, com

sua visão negativa sobre a homossexualidade, propaga a discriminação e o preconceito aos

homossexuais e dificulta sua inserção em um aspecto religioso de contato com o sagrado,

40
promovendo, na contramão, um distanciamento ainda maior dos homossexuais com relação a

igreja e a experiência religiosa.

Pondera Aufranc (2018) que ao feminino cabia-lhe a condição de submissão e ao sexo

competia-lhe a função de procriação, atribuindo-lhe o direito de viver apenas a maternidade,

anulando o instinto sexual. Caso as mulheres, ditas então honestas, vivessem o prazer, o qual era

condenado, tratar-se-ia, então, de uma patologia. Assim, de acordo com Rodrigues (2012) e

Aufranc (2018), a tradição judaico-cristã favoreceu a construção ideológica da homossexualidade,

dividindo os seres humanos em heterossexuais e homossexuais, a fim de discriminar e classificar

as pessoas e as coisas no mundo. A forma de explicar a homossexualidade neste contexto,

consideram Rodrigues (2012) e Aufranc (2018), foi o pecado.

Nesta perspectiva, Soares (2012) analisa que ao divino foi conferida a rejeição a

homossexualidade e o poder de cura do homossexual, mediante seu arrependimento e desejo de

ser curado. tornando-se heterossexual e, tendo assim, uma vida plena e saudável, conclui Soares

(2012).

Historicamente, o lugar da igreja foi ocupado pela medicina a partir do século XIX,

cabendo a ela (medicina) a patologização da homossexualidade (Aufranc, 2018; Jorge &

Travassos, 2021) e isto ocorreu simultaneamente ao desenvolvimento da ciência, na qual médicos,

psiquiatras, antropólogos e juristas debatiam e analisavam as causas e a cura da condição

homossexual, buscando, de acordo com Borrillo (2000/2021) maneiras de identificar os

homossexuais, por seu modo de caminhar, traços corporais, tom da voz, dentes etc. Tratava-se de

uma caça aos homossexuais e, por isto, conforme MacRae (2018a), muitas pessoas foram

torturadas com sentimento de medo e culpa e, outras tantas, foram assassinadas por pessoas

homofóbicas.

41
Consideram Quinet e Jorge (2013/2020) que os discursos religiosos apoiados na psicologia

para divulgar a cura gay representaram um considerável retrocesso, uma vez que atribuíram à

homossexualidade uma causa patológica ou mesmo espiritual.

Face a este advento, anos mais tarde, mais precisamente em 1886, o termo

homossexualismo é incluído por Krafft-Ebing, na medicina, entre os desvios sexuais, vindo a ser

revisto mais adiante (Quinet & Jorge, 2013/2020), mais precisamente em 1973 com a American

Psychiatric Association - APA retirando a homossexualidade do Diagnostic and Statistical

Manual - DSM9, iniciando-se, assim, a revisão de outras organizações de saúde mental (Tavares

et al., 2010; Silveira, 2011, Marques, 2016).

Observa Tavares et al. (2010, p. 444) que houve, ao longo dos anos, modificação no campo

científico na forma de se compreender o “homossexualismo”, passando de patologia, perversão,

doença e desvio de comportamento a estado mental, como a exemplo da heterossexualidade. E,

concomitantemente, o mesmo aconteceu com o “lesbianismo”, embora pouco se utilizasse deste

termo no passado, sendo a forma mais comum e genérica, a expressão homossexualismo para falar

sobre orientação sexual de pessoas que se relacionavam afetiva/sexualmente com outras do mesmo

sexo.

O sufixo “ismo” originalmente, ao se referir a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo,

recebeu atribuição de doença, de modo que o conceito homossexualismo foi empregado no sentido

de patologizar os homossexuais, tendo-os como pessoas desviadas e mentalmente doentes por se

relacionar sexualmente entre iguais (Toledo & Pinafi, 2012; Silva et al. 2015; Jorge & Travassos,

9
No Brasil, trata-se do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, destinado a profissionais da área da
saúde mental, reunindo variadas categorias de transtornos mentais, bem como critérios para diagnosticá-los, baseados
na American Psychiatric Association – APA.

42
2021), sendo visto o homossexualismo, inclusive, como um misto de pecado, crime e doença, ao

longo da história, de acordo com Silva et al.

Neste sentido, esclarecem Toledo e Pinafi (2012, p. 162) que o “sufixo ismo, do conceito

homossexualismo, criado pelas ciências médicas, tinha como referência o significado de patologia,

assim como em reumatismo, hipertireoidismo etc.”. E, complementam Jorge e Travassos (2021,

p. 27), que o “sufixo ismo é utilizado para designar patologias no âmbito teórico da psiquiatria.

Desde o DSM III-R, tal categoria diagnóstica foi excluída e a nomenclatura utilizada passou a ser

homossexualidade”, segundo Silva et al. (2015, p. 679) passando a designar “um modo de ser”.

O termo homossexualidade, ainda que menos limitativo, taxativo e impróprio que

homossexualismo, não caracteriza em sua totalidade a sexualidade dos homossexuais, uma vez

que há muitos modos de ser e de formas de manifestação da sexualidade, de modo que, na

atualidade, fala-se em homossexualidades, no plural, esclarecem Silva et al. (2015).

Até os dias atuais os termos homossexualismo e homossexualidade, lesbianismo e

lesbianidade, tanto coloquialmente como academicamente, são utilizados sem distinção entre as

palavras, e já se fala em homossexualidades (no plural), como diversas formas de manifestação da

sexualidade humana. Ao se falar em homossexualismo e homossexualidade, afirma a Secretaria

da Saúde do Governo do Estado da Bahia – SESAB (2022) que homossexualidade:

É o termo correto a ser usado ao se referir a uma pessoa que é homossexual, indicando

“modo de ser”. Consiste em uma inadequação linguística e preconceituosa o uso do termo

“homossexualismo”, visto que o sufixo “ismo” pode conotar doença, distúrbio,

anormalidade. (SESAB, 2022).

43
Neste mesmo sentido, pode-se pensar a utilização do termo lesbianidade como o correto,

ao invés de lesbianismo, ao se referir à orientação sexual de mulheres que se sentem atraídas

afetivo/sexualmente por outras mulheres.

Nesta pesquisa, ainda que se reconheça a usabilidade adequada da adjacência

homossexualidades, aos se fazer referência a manifestação da sexualidade entre pessoas do mesmo

sexo, será empregado o termo homossexualidade ao se referir a homens e, lesbianidade, ao fazer

menção à mulheres e, mediante citação direta ou indireta de autores, será conservada a palavra

conforme for citada pelo autor, os quais, a seguir, discorrerão sobre estes fenômenos nas

perspectivas psicanalítica, fenomenológica e junguiana, a partir de seus aportes teóricos.

4.3 A Psicologia, a Homossexualidade e a Lesbianidade nas Perspectivas Psicanalítica,

Fenomenológica e Junguiana

Esta subseção problematizará a homossexualidade e a lesbianidade nas perspectivas

psicanalítica, fenomenológica e junguiana, e apresentará os percussores de cada abordagem,

fazendo aproximações entre suas teorias e evidenciando as diferenças e discorrerá sobre a forma

de cada uma conceber a homossexualidade e a lesbianidade.

Cabe reiterar uma vez mais que, referente as pessoas que se relacionam sexualmente com

outras do mesmo sexo, muito embora desde 1978 as mulheres tenham se intitulado por lésbicas,

competindo aos homens o termo homossexual e gay, diversos autores seguem se referindo a estes

homens e mulheres por homossexuais (de forma igualitária), passando-se o mesmo com o termo

homossexualidade para designar orientação sexual de homens e mulheres que se relacionam com

pessoas do mesmo sexo, ao invés de homossexualidade e lesbianidade, respectivamente. Destaca-

44
se que não se trata de certo ou errado, mas da forma como se reconhece as identidades políticas e

suas manifestações sociais, validando seus esforços e conquistas em suas lutas específicas por seus

diretos e contra a violência, preconceito e discriminação.

Frente a isto, esta pesquisa se utilizará dos termos lésbicas e lesbianidade a fim de

contemplar todas as mulheres que se relacionam afetiva/sexualmente com outras mulheres e,

gays/homossexuais e homossexualidade ao se referir a homens que se relacionam

afetiva/sexualmente com outros homens. Todavia, face a citações diretas ou indiretas de autores,

manterá a forma de expressão utilizada pelo autor citado.

A partir da problematização da homossexualidade e da lesbianidade nas perspectivas

psicanalítica, fenomenológica e junguiana, com base na proposta deste estudo, será justificado o

porquê a psicologia junguiana será a orientação escolhida para se estudar o sofrimento de gays e

lésbicas vítimas de violência.

Antes de tudo, porém, iniciaremos contextualizando os percussores de cada escola e seus

pontos de convergência. A seguir, daremos continuidade ao cumprimento da nossa proposta.

4.3.1 Freud, Husserl e Jung

A psicanálise, assim como a psicologia analítica compreendem que existe um passado na

vida das pessoas no qual os traumas se configuraram, de onde o sofrimento atual advém e,

pressupõe a existência de um inconsciente onde habitam conteúdos que não temos conhecimento

e nem acesso e que é possível, por meio da psicoterapia, acessá-los ressignificando estes traumas

e sofrimentos psíquicos.

45
Compartilhando deste mesmo pensamento, Sigmund Freud (6 de maio de 1856, Příbor,

Tchéquia – 23 de setembro de 1939, Hampstead, Londres, Reino Unido), médico neurologista e

psiquiatra, precursor da psicanálise, e Carl Gustav Jung (26 de julho de 1875, Kesswil, Suíça - 6

de junho de 1961, Küsnacht, Suíça), psiquiatra e psicoterapeuta, fundador da psicologia analítica

(ou psicologia junguiana ou psicologia dos complexos), seguiram juntos, até o momento em que

Jung, em seus estudos, compreendeu que o inconsciente se dividia em inconsciente em pessoal e

coletivo e, para além disto, concebeu diferentes formas da manifestação da libido, além da sexual,

como postulava Freud. Desta forma, cada um dentro de seus estudos, desenvolveram suas teorias

sobre o aparelho psíquico.

Jung em diversos momentos classificou seus apontamentos como de caráter

fenomenológico, trazendo esta afirmação em pelo menos treze diferentes passagens em suas Obras

Completas (OC)10. Um exemplo a ser observado deste fenômeno:

Embora me tenham chamado frequentemente de filósofo, sou apenas um empírico e, como

tal, me mantenho fiel ao ponto de vista fenomenológico. Mas não acho que infringimos os

princípios do empirismo científico se, de vez em quando, fazemos reflexões que

ultrapassam o simples acúmulo e classificação do material proporcionado pela experiência.

Creio, de fato, que não há experiência possível sem uma consideração reflexiva, porque a

“experiência” constitui um processo de assimilação, sem o qual não há compreensão

alguma. Daqui se deduz que abordo os fatos psicológicos, não sob um ângulo filosófico,

mas de um ponto de vista científico-natural. [...] limito-me, portanto, a observar os

fenômenos e me abstenho de qualquer abordagem metafísica ou filosófica. Não nego a

10
As Obras Completas de Carl Gustav Jung, reúnem seus principais escritos. Foram originalmente escritas em
alemão, Gesammelten Werke von C. G. Jung, vindo, posteriormente, a ser traduzidas para outros idiomas, dentre eles,
para a língua portuguesa.

46
validade de outras abordagens, mas não posso pretender a uma correta aplicação desses

critérios. (Jung, 1938/2012c, pp. 17-18).

De acordo com Lima e Diogo (2009) o precursor da escola da fenomenologia foi Edmund

Husserl (8 de abril de 1859, Prostějov, Tchéquia - 27 de abril de 1938, Freiburg, Alemanha),

filósofo e matemático alemão. E, o termo fenomenologia foi, ao longo da história, empregado em

diferentes contextos, sendo este um método qualificado como:

[...] um processo de, como o próprio Husserl o chamava, “retorno às coisas mesmas”, de

busca das essências dos fenômenos, que equivalem aos sentidos das experiências. O

primeiro passo do método é a redução ao fenômeno, ou epoché, termo resgatado da

filosofia medieval que significa um estado de repouso mental onde nada se nega e nada se

afirma. Nesse estado, o sujeito prescinde de sua atitude natural e ingênua e coloca o mundo

entre parênteses. (Lima & Diogo, 2009, p. 14).

Brooke (1991/2015) observa que as obras de Jung foram concomitantemente escritas ao

desenvolvimento da fenomenologia, de modo que Jung teve influência deste pensamento

filosófico, ainda que não o tenha seguido disciplinadamente, já que possuía também influência de

Kant.

Deste modo, Brooke (1991/2015), descreve o método de Jung, na psicologia analítica,

como sendo empírico e fenomenológico, apropriando-se de técnicas introspectivas e descritivas.

Jung buscou tornar o seu método científico, entretanto, em função de continua revisão de sua obra

até o final de sua vida, sempre aberto a rever e repensar sua teoria, pouco tempo teve para fazê-lo.

Isto implicou em que não existir uma única abordagem de seu método.

Neste mesmo sentido, esclarecem Lima e Diogo (2009), que Jung, no que diz respeito a

fenomenologia, expressava uma afinidade com esta perspectiva do ponto de vista empírico,

47
fundamentando-se mais na observação e experimentação daquilo que parece do que na teoria.

Todavia, aos seus contemporâneos filósofos e pesquisadores desta corrente, Jung parecia não nutrir

afinidades de pensamento. (Lima & Diogo, 2009).

Apesar de sua proximidade com a fenomenologia, Jung manteve-se vinculado ao

pensamento cartesiano quando se preocupou com a classificação de estruturas e categorias, em dar

uma forma e expressão à experiência sob o ponto de vista dinâmico e psicológico, o que pode ser

observado quando ele conceitua os arquétipos anima, animus, Self, sombra etc. Entretanto, quando

se utilizou do pensamento hermenêutico, metafórico e imagino, Jung se acercou da fenomenologia

para fazê-lo. (Padua & Serbena, 2018).

Brooke (1991/2015) sustenta que é possível ler Jung por meio da fenomenologia, ao dizer

que:

[...] he criticised Freud and established his own position in the name of phenomenology.

That his relation to phenomenology was fairly unsophisticated, and certainly inconsistent,

is true. Nevertheless, it did exist, and I think that despite its inconsistency, this relation to

phenomenology is central to an understanding of Jung’s work. (Brooke, 1991/2015, p. 16).

[...] criticou Freud e estabeleceu sua própria posição em nome da fenomenologia. Que a

sua relação com a fenomenologia foi pouco sofisticada e certamente inconsistente, é

verdade. No entanto, ela existiu e eu penso que apesar de sua inconsistência, esta relação

com a fenomenologia é central para uma compreensão da obra de Jung. (Brooke,

1991/2015, p. 16 – tradução da pesquisadora).

Ainda para Padua e Serbena (2018), Jung, ao olhar para a arte, religião, política, dentre

outros aspectos coletivos, voltou o seu olhar para o inconsciente coletivo e para os mitos, como

forma de ilustrar o drama vivido pela humanidade já tendo sido experienciado por alguém em

48
algum lugar, encontrando-se, portanto, caminhos e saídas para soluções de conflitos. Jung

(1928/2015b) dizia que o estado do padrão psíquico humano poderia ser equiparado a um estado

de semelhança ao divino. Para ele, esta semelhança dizia respeito ao bem e ao mal com que cada

um se reconhecia e trazia dentro de si, de modo que era fundamental a integração destes dois

aspectos da psique, a fim de o homem pudesse se reconhecer em Deus, a sua imagem e semelhança

e, da forma como visse este Deus, atuar no mundo com os demais (Jung, 1952/2012d). Não se

tratava de uma diretriz religiosa, mas da religiosidade, do re-ligare, da religação com o Sagrado, o

que, para Jung, era fundamental na vida das pessoas.

Em outros momentos, de acordo com Padua e Serbena (2018) Jung voltou-se para os

aspectos da psicopatologia manifesta no homem e a função da alma voltada ao Sagrado, a

religiosidade. Neste momento, Jung (1958/2013e, p. 43) considerou que “os deuses viraram

doença”.

Jung, ao falar sobre a questão religiosa, referiu-se as expressões da dinâmica psíquica, a

autonomia do inconsciente, por meio de símbolos advindos de nossa cultura, presentes no

inconsciente coletivo. E, neste contexto, saber a religião de uma pessoa, é sinônimo de conhecer

um pouco da maneira como ela se relaciona com o outro por meio de suas crenças. Jung dizia

(1938/2012c):

Encaro a religião como uma atitude do espírito humano, atitude que de acordo com o

emprego originário do termo: religio, poderíamos qualificar a modo de uma consideração

e observação cuidadosas de certos fatores dinâmicos concebidos como “potências”:

espíritos, demônios, deuses, leis, ideias, ideais, ou qualquer outra denominação dada pelo

homem a tais fatores; dentro de seu mundo próprio a experiência ter-lhe-ia mostrado

suficientemente poderosos, perigosos ou mesmo úteis, para merecerem respeitosa

49
consideração, ou suficientemente grandes, belos e racionais, para serem piedosamente

adorados e amados. (Jung, 1938/2012c, p. 20).

Uma vez que os deuses deixaram de ser adorados e não mais vistos como expressão dos

sentimentos humanos, passando os humanos a serem detentores dos sentimentos, esses potenciais

psíquicos, perderam sua expressão cultural e se somatizam nos homens, adoecendo-os. E, assim,

“os deuses tornaram-se doenças”. Afirmava Jung (1958/2013e):

Congratulamo-nos por haver atingido um tal grau de clareza, deixando para trás todos esses

deuses fantasmagóricos. Abandonamos, no entanto, apenas os aspectos verbais, não os

fatos psíquicos responsáveis pelo nascimento dos deuses. Ainda estamos possuídos pelos

conteúdos psíquicos autônomos, como se estes fossem deuses. Atualmente eles são

chamados: fobias, compulsões, e assim por diante; numa palavra, sintomas neuróticos. Os

deuses tornaram-se doenças. (Jung, 1958/2013e, p. 43).

Neste olhar, apropriando-se do aspecto da fenomenologia presente nas obras de Jung,

partindo do pressuposto de que cada psicopatologia, observam Padua e Serbena (2018, p. 129) que

“se cada psicopatologia manifesta uma fenomenologia específica, cabe compreender qual Deus

está sendo manifesto”.

E, a partir das ideias de Hillman (12 de abril de 1926, Atlantic City, Nova Jersey, EUA -

27 de outubro de 2011, Thompson, Connecticut, EUA), psicólogo, fundador da psicologia

arquetípica pós-junguiana, que concebeu a chamada psicologia arquetípica com base na

fenomenologia e a partir das ideias de Jung, buscando reconhecer tanto a fantasia como o mito,

como partes da vida psicológica, podendo personificar-se a partir de mitos e deuses, a pergunta

correta a ser feita deveria ser "O que?" ou "Quem?".

50
A psicologia arquetípica dialoga com a psicologia analítica e, ao mesmo tempo, diverge

dela, uma vez que a primeira tem como foco o Self e outros elementos da ssique, como anima e

animus, ao passo que a segunda se direciona para a Alma ou Archai, elementos mais profundos da

psique, os quais fazem parte da fantasia da vida. Desta forma, Hillman (1980/1997) visava revelar

por meios das fantasias, o discurso da Alma (também chamada de Psique). O foco central da

psicologia arquetípica de Hillman é a imaginação e sua proposta é restaurar a psique no que ele

acreditava ser seu "devido lugar" na psicologia. Hillman (1980/1997) observava ainda que:

Neste particular, a teoria, bem como a terapia, arquetípica de Jung é tradicional e grega.

Pergunta ela: "O que existe na natureza mesma da minha perturbação e da minha aflição

que é necessário, autoprovado (causado pelo eu)?" [...] a terapia arquetípica faz a pergunta

mais filosófica) "o quê” - e, finalmente, a pergunta religiosa ‘quem", qual Deus ou Deusa,

que daimon11, está atuando internamente naquilo que acontece. A terapia junguiana é,

portanto, teofânica, no sentido de Corbin. Ela pede ao Deus da doença que se manifeste.

(Hillman, 1980/1997, pp. 23-24).

E, nessa conjunção, de acordo com Padua e Serbena (2018), o que levou Jung ao

aprofundamento da busca fenomenológica para entender e explicar o fenômeno, foi o arquétipo do

adoecimento psicológico. Desta forma, examiná-lo e compreendê-lo em toda sua profundidade,

era de significativa importância para Jung.

Hillman (1975/2010) nos chama a atenção para o fato de que não devemos classificar as

pessoas em termos psicopatológicos, sem considerar a pessoa em todos os seus aspectos, em sua

11
James Hillman (1996/2013) referia-se ao daimon enquanto uma vocação, destino, caráter que cada um traz dentro
de si e que precisa ser despertado. Para Jung (1952/2013), o daimon e equivale ao mito do significado, sentido de vida,
ao chamado de cada um.

51
integridade. Para Hillman as palavras dizem respeito às descrições somente e, estas, por sua vez,

não descrevem nada exatamente.

Pondera ainda Hillman (1975/2010) que pode ser que ao se examinar determinado

fenômeno não haja patologia implícita dele, portanto, nenhuma doença real. Desta forma, a lógica

descritiva, considera, cabe para objetos desprovidos de vida, sem personalidade e serve, assim, ao

mundo da ciência, ao passo que a psicopatologia, serve ao mundo da alma. As palavras usadas

para descrever as aflições da alma requerem uma subjetividade que expresse e contenha suas

queixas bizarras e doídas, se verdadeiramente expressam o que pretendem descrever. Para tanto,

precisamos de uma psicopatologia arquetípica. Quando nos utilizamos da descrição lógica para

descrever o mundo da alma, considera Hillman, incorremos no risco de patologiza o que não é

doença, como a homossexualidade, por exemplo. Pontua o autor:

Enquanto não descobrirmos a pessoa arquetípica nessas palavras, dando-lhes significância

arquetípica ao conectar síndromes a arquétipos, o nominalismo preencherá seus termos

vazios personalizando-os com indivíduos reais. Na realidade, é isto mesmo o que ocorre,

pois os termos, tão arbitrários e tão vazios, são atrelados a pessoas que dessa forma se

tornam "alcoólatras", "suicidas", "esquizofrênicos", "homossexuais". Os indivíduos

parecem substanciar as palavras, fornecendo aos termos, através de suas pessoas palpáveis,

uma realidade psíquica empírica. Os termos adquirem a substância dos corpos que

nomeiam; vivem como parasitas de sua própria instância. Estas instâncias, estes casos de

"depressão paranoide", de "episódios psicóticos agudos", de "personalidade histérica"

confirmam empiricamente e justificam o sistema terminológico. Rótulos como "psicopata"

ou "maníaco-depressivo", ao mesmo tempo que trazem clareza intelectual também lacram

52
em vasos fechados o conteúdo daquilo que nomeiam, e a pessoa assim nomeada é relegada

à prateleira da "psicologia da anormalidade". (Hillman, 1975/2010, p. 141).

Consideram Lima e Diogo (2009, pp. 17-18) que, ao se referir a sua proposta

fenomenológica, Jung a concebe sob a visão da ciência e do método científico semelhante a

Husserl, no que se refere a redução fenomenológica, na qual a observação de determinado

fenômeno dependerá do intelecto do sujeito, por sua psique, ou seja, estará sob influência de fatores

subjetivos de cada um. Para Jung, “manter uma postura fenomenológica significava valorizar a

experiência, compreendida como a experiência vivida pelo indivíduo”, concluem Lima e Diogo

(2009, p. 17). Considera Jung (1959/2014a) que:

Eu próprio conduzi durante vários anos um trabalho experimental; no entanto; através de

minha ocupação intensa com neuroses e psicoses fui levado a reconhecer que – por mais

desejável que seja a avaliação quantitativa – é impossível prescindir do método descritivo

qualitativo. A psicologia médica reconheceu que os fatos decisivos são

extraordinariamente complexos e só podem ser apreendidos através da descrição casuística.

Este método, porém, exige que se esteja livre de pressupostos teóricos. Toda ciência natural

é descritiva quando não pode mais proceder experimentalmente, sem, no entanto, deixar de

ser científica. Mas uma ciência experimental torna-se inviável quando delimita seu campo

de trabalho segundo conceitos teóricos. A alma não termina lá onde termina um

pressuposto fisiológico ou de outra natureza. Em outras palavras, em cada caso singular,

cientificamente observado, devemos levar em consideração o fenômeno anímico em sua

totalidade. (Jung, 1959/2014a, pp. 64-65).

Conforme nos foi possível observar, a psicologia analítica dialoga tanto com a psicanálise

como a fenomenologia, transitando muito bem entre as duas orientações, desenvolvendo e

53
seguindo sua teoria, mantendo sua essência e diálogo com as escolas psicanalítica e

fenomenológica.

Mas, e no que diz respeito a estas três perspectivas ao olharem para homossexualidade e a

lesbianidade, o que cada escola e seus teóricos concebem, onde se convergem e se distanciam?

Conhecermos estas semelhanças e diferenças de pensamentos é fundamental no contexto da

psicologia para sabermos as visões acerca destes fenômenos.

4.3.2 O que a Psicologia Psicanalítica tem a dizer sobre a Homossexualidade e a

Lesbianidade?

A psicanálise, a partir de Freud, trouxe a emancipação para clínica psicológica para

compreensão particular e específica de cada ser humano com seu respectivo desejo (Leite Netto,

2014), e, Freud, em comunicação com o pastor Oskar Pfister, em sua carta datada de 25 de

novembro de 1928, esclarece que a psicanálise não pertence a alçada de médicos e sacerdotes

(Leite Netto, 2014; Freud & Pfister, 1966). Conforme aponta Leite Netto (2014), a carta de Freud

à Pfister finalizava com o parágrafo abaixo, evidenciando seu ponto de vista:

Não sei se você adivinhou a relação oculta entre a “análise leiga” e a “ilusão”. Na primeira,

quero proteger a análise frente aos médicos e, na outra, frente aos sacerdotes. Gostaria de

entregá-la a um grupo profissional que não existe ainda, o de pastores de almas profanos,

que não necessitam ser médicos e não devem ser sacerdotes. Afetuosamente, seu velho

Freud. (Freud & Pfister, 1966, p. 121, citado por Leite Netto, 2014, p. 81, tradução de Leite

Netto).

54
E, no que diz respeito ao relacionamento afetivo/sexual entre pessoas do mesmo sexo,

afirma Leite Netto (2014, pp. 84-85), que embora seja tema de controvérsia entre os teóricos e

mesmo dentro das mesmas escolas psicológicas, não foi diferente a visão de Freud, mantendo suas

bases, uma vez que a “[...] psicanálise não se interessa pelos fenômenos visíveis da prática sexual,

mas pelas suas expressões não aparentes, recalcadas, inconscientes”, mas parte de uma escuta

desprovida de moralismo e julgamento, oportunizando que o outro seja ouvido, percebendo seu

mundo interior e buscando acolhê-lo em suas demandas, rumo as “conquistas de sua autonomia,

liberdade, compromisso com a verdade interior, autoridade pessoal, emancipação e autenticidade”,

buscando, inclusive despatologizar a homossexualidade e, por conseguinte, a lesbianidade, indo,

de acordo com Ceccarelli (2012), na contramão de teóricos como Krafft-Ebing, que, em seu

conhecido livro Psycopatia Sexualis, de 1886, traçou um inventário das perversões humanas,

patologizando o relacionamento afetivo/sexual entre pessoas do mesmo sexo, na qualidade de uma

forma de manifestação da sexualidade que tomou o caminho errado de uma sexualidade dita como

normal (heterossexualidade) e, assim, perverteu-se.

Sobre a ideia de perversão, Pacheco (2015) pondera que é possível que ao se legitimar a o

relacionamento afetivo/sexual entre pessoas do mesmo sexo como uma possibilidade de

manifestação da sexualidade assim como outra forma qualquer, este fato poderia se caracterizar

com a ideia de ameaça a ordem do mundo sexual, desencadeando uma desordem que as pessoas

não dariam conta de conter em si e, em suas fantasias, no mundo.

De outro lado, pondera Ceccarelli (2012) que, o termo mais apropriado ao ser falar sobre

homossexualidade é utilizá-lo no plural, homossexualidades, uma vez que seria um engano crer

que a orientação sexual se manifesta dentro de uma forma e com a mesma dinâmica pulsional.

Para Ceccarelli (2012, p. 105) “falar do ‘homossexual típico’ é tão absurdo quanto falar do

55
‘heterossexual típico’, do ‘transexual típico’, do ‘travesti típico’ e assim por diante: não existe

nada típico na sexualidade humana”. E, reitera Costa (1944/1992, p. 11) que “[...] vocabulários

diversos criam ou reproduzem subjetividades diversas”, de modo que estas subjetividades são

vividas a partir de quem as experiencia, não podendo, portanto, serem categorizadas ou limitadas

a uma única vertente de manifestação da sexualidade.

Muito mais que isto, Quinet e Jorge (2013/2020) consideram que a sexualidade sempre foi

utilizada como uma arma política, na qual, em pouco tempo foi possível se deparar com o

entendimento do sexo, do gênero e da opção sexual, em defesa da moral, da religião e dos bons

costumes.

Esclarece Costa (1944/1992) que o nível de preconceito impregnado na palavra

homossexualismo (forma como foi inicialmente cunhado o termo), homossexualidade(s)

(readaptado para os dias atuais) e/ou homossexuais, dependerá exclusivamente da intenção moral

de quem as emprega. E, considera Costa (1944/1992), por fim, que o importante não é saber qual

a crença moral que cada um se utiliza, mas as consequências éticas que isto acarreta a vida de

pessoas homossexuais, especialmente, quando se pauta em uma visão convencional, arbitrária

culturalmente e não baseada na ciência, mas no senso comum.

Ao se referir às práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo, Costa (1944/1992) preferiu

utilizar o termo homoerotismo12 a homossexualismo e homossexualidade, apoiando-se em três

motivos centrais:

A primeira é ordem teórica. Diz respeito à maior clareza que proporciona o uso do primeiro

termo e não dos termos convencionais de ‘homossexualismo’ e ‘homossexualidade’.

12
De acordo com Costa (1944/1992) o termo homoerotismo foi pela primeira vez utilizado pelo psicanalista húngaro,
da mesma época histórica de Freud, Sandor Ferenczi, para debater o tema da homossexualidade, demonstrando,
pioneiramente na literatura psicanalítica que o termo homossexualismo não dispunha da competência necessária para
se pormenorizar as experiências psíquicas de pessoas homoeroticamente inclinadas.

56
Homoerotismo é uma noção mais flexível e que descreve melhor a pluralidade das práticas

ou desejos dos homens same-sex oriented13. [...] Interpretar a ideia de homossexualidade

como uma essência, uma estrutura ou denominador sexual comum a todos os homens com

tendências homoeróticas é incorrer num grande erro etnocêntrico. Penso que a noção de

homoerotismo tem vantagem de tentar afastar-se tanto quanto possível desse engano.

Primeiramente, porque exclui toda e qualquer alusão a doença, desvio, anormalidade,

perversão etc., que acabaram por fazer parte do sentido da palavra ‘homossexual’.

Segundo, porque nega a ideia de que existe algo como ‘uma substância homossexual’

orgânica ou psíquica comum a todos os homens com tendencias homoeróticas. Terceiro,

enfim, porque o termo não possui a forma substantiva que indica identidade, como no caso

do ‘homossexualismo’ de onde derivou o substantivo ‘homossexual’. (Costa, 1944/1992,

pp. 21-22).

Freud sustentou sua visão tanto na teoria como na prática. Certa vez foi solicitado a se

posicionar, pelo jornal vienense Die Zeit, sobre um alvoroço arrastando uma admirável

personalidade sobre práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo, ao que Freud, sem titubear,

para Menahen (2003), conforme relata Ceccarelli (2012), respondeu:

[...] a homossexualidade não é algo a ser tratado nos tribunais. [...] eu tenho convicção de

que os homossexuais não devem ser tratados como doentes, pois uma tal orientação não é

uma doença. Isto nos obrigaria a qualificar como doentes um grande número de pensadores

que admiramos justamente em razão de sua saúde mental [...]. Os homossexuais não são

pessoas doentes. (Freud, 1903 citado por Ceccarelli, 2012, p. 111 e por Quinet & Jorge,

2013/2020, p. 40).

13
Tradução do inglês para o português: orientada para o mesmo sexo.

57
Inicialmente, de acordo com Leite Netto (2014), com a psiquiatria, Pinel, com uma

proposta de tratamento moral, remeteu a homossexualidade a um lugar patológico, classificando-

a no Manual Diagnósticos e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM, ao que Freud pareceu não

concordar, uma vez que para ele, ao tratar pessoas homossexuais, não se deve buscar como

resultado a tranquilização do sujeito, seu bem-estar e sua felicidade, isto pode ocorrer, mas não

deve ser o objetivo final, e sim a busca de um conhecimento por meio da vivência e da experiência

de cada um, permitindo compreender o motivo da dor e do sofrimento, acessando conteúdos

inconscientes, ressignificando traumas e conflitos internos, com maturidade, independência e

liberdade para seguir sua vida.

Observa Costa (1944/1992) que nunca nos questionamos, mesmo porque é assim que se

formam as crenças, porque é tão importante para nossas crenças morais dividir os homens entre

homossexuais e heterossexuais. E, simplesmente, o fazemos por um comportamento aprendido,

porém inquestionado e seguimos reproduzindo estes comportamentos e crenças, como se de fato

fossem importantes para nós no que diz respeito aos diferentes tipos de manifestação da

sexualidade dos outros e mesmo nossa. Assim, seria então a prática de sua sexualidade dos sujeitos

homoeroticamente inclinados, considerada uma anomalia da natureza ou uma manifestação plural

e possível da sexualidade humana?

Pastana e Klipan (2021) elucidam que para Freud há de se considerar três vertentes de

características sexuais na perspectiva do sujeito, sendo elas: física, mental e a escolha do objeto.

Partindo do pressuposta de que o a sexualidade humana, antagônica a dos animais, não se entrelaça

à reprodução, Freud se contrapõe à ideia de vínculo da sexualidade a qualquer forma moralista,

religiosa ou de senso comum, e instaura, assim, um novo olhar para a sexualidade que não deve

ser normatizada (Leite Netto, 2014; Marques, 2016), ponderando que há a possibilidade de o

58
instinto sexual, inicialmente, ser independente ao objetivo, de modo a não se relacionar

originalmente aos encantos dele. (Freud 1905/2016, p. 38). Esclarecem Ceccarelli (2012), Marques

(2016), Pastana e Klipan (2021), Jorge e Travassos (2021) que Freud concebia a pulsão, como

forma de prazer, presente em todas as ações humanas e não responsável apenas pela reprodução.

Nesta direção, Costa (1944/1992) considera que:

A particularidade do homoerotismo em nossa cultura não se deve ao fato de uma

experiência subjetiva moralmente desaprovada pelo ideal sexual da maioria. Dizer isto é

dizer que numa cultura como a nossa, voltada para a ideia de realização afetiva e sexual,

privar certos sujeitos dessa realização é extremamente problemático. Tanto quanto aos

mesmos sujeitos foram ensinados a desejar esse tipo de satisfação. [...] o homossexual é

uma forma de subjetividade como qualquer outra subjetividade pode ser historicamente

circunscrita em seu modo de expressão e reconhecimento. [...]. Durante muito tempo, por

exemplo, acreditou-se que certos homens eram ‘por natureza escravos’, outros, ‘por destino

espiritual, hereges’ e, certas mulheres primeiro por serem mulheres, depois por

apresentarem condutas que as afastavam da média, feiticeiras. (Costa, 1944/1992, pp. 22-

23).

Para Quinet e Jorge (2013/2020), a pulsão, conforme o olhar de Freud, dá-se a partir da

experiência do inconsciente e, deste modo, não dialoga com o pensamento psicopatologizante,

partindo-se de uma sobrevalorização a moral da natureza. E, foi neste desvio de pensamento que

Freud questiona, que a homossexualidade foi patologizada na qualidade de um distúrbio profundo

da personalidade, carecendo, portanto, de uma cura, prestando-se, assim, a toda forma de

preconceito e discriminação.

59
Observam Pastana e Klipan (2021) que, muito embora a homossexualidade feminina14

tenha ocupado e ainda ocupe um lugar de pouca exploração cientifica, Freud considerou que o

relacionamento afetivo/sexual nas mulheres era tão presente quanto nos homens, ainda que

manifesto minoritariamente naqueles tempos e, em um de seus casos atendidos, Dora, chegou a

conjecturar se a homossexualidade feminina não poderia manifestar-se, inclusive, como um

componente advindo da histeria em caso de fracassos com relacionamentos amorosos vividos em

contextos heterossexuais. Todavia, de acordo com Pastana e Klipan (2021), este pensamento foi

questionado por Zalcberg, afirmando que no caso de Dora, em uma condição de histeria na qual

se encontrava, não era o mesmo que se falar em homossexualidade, tratando-se de contextos e

coisas diferentes.

Postulam Marques (2016) e Jorge e Travassos (2021) que um ser humano, seja ele homem

ou mulher, independentemente da expectativa do outro sobre sua forma de manifestação de seu

desejo sexual, terá uma pulsão voltada ao seu objeto de desejo, que poderá ser masculino – amar,

ou feminino – ser amado por um objeto definido como homem ou mulher biologicamente. Deste

modo, afirma Marques (2016) que homossexualidade se trata de mais uma manifestação da

sexualidade humana, indo de encontro as múltiplas possibilidades de escolhas e subjetividade de

quem a vivencia e destaca a psicanálise tendo se debruçado em demonstrar que

[...] este dito saber sexual, unificado pelo sistema de valores morais não correspondente à

realidade, já que a pretensa naturalidade correspondente à anatomia diferencial dos corpos

não condiz com o sujeito inerente a qualquer escolha do sujeito, já que a relação sexual,

enquanto pré-determinada entre pulsão e objeto, não existe. (Marques, 2016, p. 479).

14
Termo utilizado por Pestana e Kiplan (2021), fazendo a alusão ao pensamento de Freud, para se referir a orientação
sexual de mulheres que se relacionam afetiva/sexualmente com outras mulheres. Na atualidade, especialmente por
mulheres lésbicas feministas, o termo utilizado é lesbianidade.

60
Embasando este pensamento, postulam Quinet e Jorge (2013/2020, p. 27) que Freud

considerava “que a dimensão do desejo é heterogênea àquela da identificação” e, deste modo,

ponderam Quinet e Jorge (2013/2020) e Jorge e Travassos (2021) não haveria um único

direcionamento da pulsão, mas sim uma gama de possibilidades intrínsecas a cada indivíduo de

manifestação da sua sexualidade e, sendo intrínseco a cada um, não existiria como se considerar

um erro a escolha do objeto a partir do desejo e das experiências de cada um, não podendo-se

pressupor, portanto, que haja uma noção correta de manifestação da sexualidade humana em

detrimento de outra.

Para Leite Netto (2014) o mundo interno de cada um se organiza e se constrói o tempo

inteiro a partir de sua subjetividade e, neste processo, sua sexualidade pressupõe diversos fatores,

não havendo um lugar único e pré-determinado para se dirigir o desejo. E isto implica em dizer

que o importante para o analista é a maneira como cada um se organiza frente a constante pressão

exercida pelas pulsões e dos limites que o mundo interno e externo nos impõe a todo instante.

Enfatiza Leite Netto (2014) que para Lacan, neste mesmo sentido, ao término da análise,

não interessa se o objeto analisado é homo ou hetero, mas, sim as novas possibilidades de arranjo

que surgirão, a partir da análise, para que o paciente possa viver sua sexualidade de forma mais

livre do que no início da análise podia fazê-lo. Pondera Leite Netto (2014) que não temos controle

e nem nunca teremos sobre nossa vida erótica. E, pelo fato de nos assustarmos com isto, vamos

em busca de adequá-la em algum padrão e quando não conseguimos, muitas vezes a patologizamos

na tentativa de catalogá-la para enquadrá-la e controlá-la. Isto ocorre, porque, para Ceccarelli

(2012, p. 106) “por falta de identidade, somos condenados à identificação! Eis o nosso destino

pulsional, que, paradoxalmente, marca nossa liberdade e nossas limitações”.

61
Explicam Quinet e Jorge (2013/2020, p. 30) que, de acordo com Lacan, a fonte de todo o

preconceito contra a homossexualidade pode se dar no mito de que existe uma relação prévia e

determinada para ser vivida entre os sexos feminino e masculino e que a homossexualidade pode

ser explicada a partir desta suposta relação. Não deve haver um Outro sexo pré-determinado para

se relacionar sexualmente, mas, sim, possibilidades de relacionar com o Outro, consideram os

autores.

Observam ainda Quinet e Jorge (2013/2020, p. 30) que, sob este olhar, de acordo com

Lacan, neste contexto se “[...] não há o Outro sexo, para cada sujeito, o Outro sexo é sempre Outro

e todas as versões sexuais são legítimas”.

É importante fazer uma pausa nesta narrativa e observar que, apesar de contrário aos

aportes feitos por Leite e Neto (2014) e Quinet e Jorge (2013/2020) acerca do direcionamento da

sexualidade humana na visão de Lacan, em especial no que se refere a homossexualidade, há de

considerar que Borrillo (2000/2021), relata em seus escritos que Lacan foi inicialmente antagônico

a homossexualidade, posicionando-se de forma tentar a impedir, inclusive, psicólogos

homossexuais a atuarem profissionalmente. Relata ainda Borrillo (2000/2021) que, apesar da visão

de Freud para além de sua época, sua filha Ana Freud, mulher lésbica, em seus atendimentos

psicológicos, tentava dissuadir pacientes homossexuais de assim o serem, buscando enquadrá-los

na sociedade heteronormativa. Mesmo Freud precisou, em alguns momentos, render-se a sua época

e questionar dentro dos padrões que lhe eram impostos, sobre a homossexualidade. Todavia, a

homossexualidade e seus desdobramentos parecem não ter sido uma questão para o pai da

psicanálise.

Na mesma perspectiva de Borrillo (2000/2021) sobre os posicionamentos de Lacan com

relação a homossexualidade, Jorge e Travassos (2021, p. 45), pontuam que de acordo com Lacan

62
“[...] a homossexualidade deve ser considerada a forma mais subversiva de evidenciar a

impossibilidade da relação sexual e, portanto, da inexistência de complementaridade entre homem

e mulher”.

Findo este à parte, retomemos o ponto de vista sobre a questão da busca do Outro sem que

este Outro tenha necessariamente que corresponder a um sexo predeterminado. A fim de embasar

cientificamente esta visão, explicam Quinet e Jorge (2013/2020) que a palavra sexo se origina do

latim secare, e significa separar, cortar, dividir, todavia, como o sujeito do inconsciente não tem

sexo, ele é o próprio sexo, a divisão e o corte, de modo que ele é quem deve delimitar sua vida e a

circunscrever dentro de sua manifestação do desejo sexual pelo objeto.

Freud (1905/2016) esclarece que não há sexualidade humana determinada e ela se

apresenta de várias formas, sendo a homossexualidade uma de seus matizes e que não se deve

segregar os homossexuais do restante da humanidade:

A investigação psicanalítica se opõe decididamente à tentativa de separar os homossexuais

das outras pessoas, como um grupo especial de seres humanos. Estudando outras excitações

sexuais além daquelas manifestadas abertamente, ela sabe que todas as pessoas são capazes

de uma escolha homossexual de objeto e que também a fizeram no inconsciente. De fato,

ligações afetivas libidinosas com pessoas do mesmo sexo não têm, como fatores da vida

psíquica normal, papel menor- e, como motores do adoecimento, têm papel maior - do que

aquelas que dizem respeito a pessoas do outro sexo. Para a psicanálise, isto sim, a escolha

objetai independente do sexo do objeto, a possibilidade de dispor livremente de objetos

masculinos e femininos, tal como se observa na infância, em estados primitivos e épocas

antigas, parece ser a atitude original, a partir da qual se desenvolvem, mediante restrição

por um lado ou por outro, tanto o tipo normal como o invertido. (Freud, 1905/2016, p. 35).

63
Freud (1905/2016, p. 35) pondera ainda que para a psicanálise, “também o interesse sexual

exclusivo do homem pela mulher é um problema que requer explicação, não é algo evidente em

si, baseado numa atração fundamentalmente química”. Deste modo, se há questões sobre da

homossexualidade a serem entendidas, também acerca da heterossexualidade o há, uma vez que

ambas são formas genuínas de manifestação da sexualidade, assim como outras formas de

apresentação da sexualidade são também legítimas.

Observa Ceccarelli (2012) que a sexualidade em cada um terá seu destino particular, pois

dependerá da singularidade de cada pessoa, e não há uma manifestação universal da sexualidade

humana, mas, possibilidades. Observa ainda Ceccarelli (2012) a importância da mudança de

paradigma que Freud trouxe acerca da sexualidade e suas manifestações, na qual, buscou

desnaturalizá-la, buscando mostrar que as escolhas sexuais, sejam elas quais forem, condizem ao

inconsciente e suas determinações na busca da realização do desejo, sem que haja algo pré-definido

ou mesmo certo como normal ou natural.

Considera Leite Netto (2014, p. 87) que “a relação da psicanálise com a homossexualidade

é mais a de analisar a hostilidade teórica, clínica, contratransferencial e subjetiva provocada por

essa escolha de objeto do que a de especular e teorizar sobre sua origem e funcionamento”.

Esta visão da psicanálise pode ser observada mesmo por outros psicanalistas, como Jaques

André, quando, segundo Leite Netto (2014), em entrevista concedida pelo conhecido psicanalista

francês, ao Jornal de Psicanálise em 2009, foi-lhe perguntado sobre sua opinião referente ao fato

de alguns psicanalistas se assumirem gays frente aos seus clientes, ao que Jacques André responde:

[...] Os analistas que se apresentam como homossexuais me embaraçam, assim também

como os analistas que se apresentam como heterossexuais. O que é essencial no trabalho

do psicanalista é que ele esteja livre para perder sua identidade, para poder trabalhar em

64
todas as posições exigidas e necessárias ao paciente. Penso que o problema é declarar a

identidade. Você precisa viver como analista em diferentes condições. Ser uma mulher

feminina, narcisista ou não narcisista, passiva – diferentes relações e posições, ou seja,

liberar-se, liberar-se no exercício da psicanálise de sua sexualidade homossexual ou

heterossexual. E seria outra questão parecida também ao se esconder. São os extremos. [...].

Acredito que qualquer analista deveria dispor de uma plasticidade psíquica que lhe

permitisse transitar em posições. (André citado por Leite Netto, 2014, p. 90).

Freud manteve-se sempre coerente sempre que questionado sobre seu ponto de vista no que

diz respeito à homossexualidade. Em 1935, quatro antes de seu falecimento, na tradução de uma

carta em resposta a mãe de um homossexual, carta esta que foi reproduzida em 1951 no American

Journal of Psychiatry15, hoje disponível para o público na exposição do Museu de Sexologia no

Wellcome Collection, em Londres,19 de abril de 1935, Freud respondeu:

Minha querida Senhora,

Lendo a sua carta, deduzo que seu filho é homossexual. Chamou fortemente a

minha atenção o fato de a senhora não mencionar este termo na informação que acerca dele

me enviou. Poderia lhe perguntar por que razão? Não tenho dúvidas que a

homossexualidade não representa uma vantagem. No entanto, também não existem

motivos para se envergonhar dela, já que isso não supõe vício nem degradação alguma.

Não pode ser qualificada como uma doença e nós a consideramos como uma

variante da função sexual, produto de certa interrupção no desenvolvimento sexual. Muitos

homens de grande respeito da Antiguidade e Atualidade foram homossexuais, e dentre eles,

alguns dos personagens de maior destaque na história como Platão, Miguel Ângelo,

15
Jornal Oficial da Associação Americana de Psiquiatria - https://ajp.psychiatryonline.org/.

65
Leonardo da Vinci etc. É uma grande injustiça e também uma crueldade, perseguir a

homossexualidade como se esta fosse um delito. Caso não acredite na minha palavra,

sugiro-lhe a leitura dos livros de Havelock Ellis.

Ao me perguntar se eu posso lhe oferecer a minha ajuda, imagino que isso seja uma

tentativa de indagar acerca da minha posição em relação à abolição da homossexualidade,

visando substituí-la por uma heterossexualidade normal. A minha resposta é que, em

termos gerais, nada parecido podemos prometer. Em certos casos conseguimos desenvolver

rudimentos das tendências heterossexuais presentes em todo homossexual, embora na

maioria dos casos não seja possível. A questão fundamenta-se principalmente, na qualidade

e idade do sujeito, sem possibilidade de determinar o resultado do tratamento.

A análise pode fazer outra coisa pelo seu filho. Se ele estiver experimentando

descontentamento por causa de milhares de conflitos e inibição em relação à sua vida social

a análise poderá lhe proporcionar tranquilidade, paz psíquica e plena eficiência,

independentemente de continuar sendo homossexual ou de mudar sua condição.

Sigmund Freud

Embora Freud tenha concebido este olhar a homossexualidade, relembra-nos Stoller

(1935), psicanalista norte-americano, citado por Ceccarelli (2012), que a psicanálise se apoiou em

uma concordância sobre a homossexualidade, denunciando um desacordo entre os psicanalistas, o

que não foi diferente com outras escolas, uma vez que não se tem informações que amparem uma

especificidade da homossexualidade que se apresente de forma matemática, com exatidão, e menos

ainda que comprove que a homossexualidade é uma anomalia ou uma enfermidade. Pacheco

(2015) postula que:

66
[...] Ainda que Freud não tenha dado seu aval a patologização da homossexualidade – A

pesquisa psicanalítica se opõe, decididamente, a qualquer tentativa de separar os

homossexuais do resto da humanidade como um grupo de caráter especial – muitos

psicanalistas, sobretudo americanos, não hesitaram em avaliar a inclusão do diagnóstico de

‘homossexualidade’ na primeira (1952) e segunda (1968) edições do Diagnostic and

Statistical Manual - DSM. Em decorrência disto, ‘homens e mulheres assumidamente gays

eram considerados inelegíveis para fazerem a formação em psicanálise. (Pacheco, 2015, p.

170).

E tantas outras sanções lhes foram feitas, sendo propício inclusive para a contribuição ao

cenário de homofobia que se desencadeou ao longo da história, ratifica Pacheco (2015). Nesse

sentido, considera Marques (2016) que, embora Freud, preocupado com o sofrimento do sujeito,

tenha trazido importantes contribuições para a humanidade, na atualidade ela ainda continua sendo

algo de questionamento.

De acordo com Costa (1944/1992) não há como deixarmos de ser quem somos, de modo

que não temos como negar nossos desejos sexuais por outrem. Fazer isto seria como desaprender

uma linguagem ora aprendida. Considera ainda que:

Mas se não podemos ‘desaprender’ nossas linguagens e sexualidades maternas e paternas,

podemos aprender outras línguas. Enquanto sujeitos da linguagem e da sexualidade não

podemos querer deixar de falar e desejar, mas enquanto sujeitos da vontade podemos

redescrever moralmente as consequências daquilo que não pudemos escolher. [...].

Ninguém transforma sexualidade em laboratório de ideias. Tampouco trata-se de querer, e

isto é, da maior importância, fazer da defesa da livre expressão social do homoerotismo

uma cruzada contra os costumes heteroeróticos majoritários. [...] Retomar a discussão na

67
vertente da ‘perseguição & culpabilização’ significa manter-se fiel à engrenagem perversa

da discriminação. (Costa, 1944/1992, pp. 38-39).

De acordo com Quinet e Jorge (2013/2020), apesar de Freud ter lançado esforços para

despatologizar a homossexualidade, em meados do século XX, os adeptos da psicanálise,

basearam-se, muitos deles, na abordagem de Sandor Rado, que apontou como um erro a teoria de

Freud sobre a bissexualidade ser inata ao sujeito, de modo que a homossexualidade não deveria se

enquadrar como normal e sim a heterossexualidade deveria ser a norma biológica. Rado concebia

a homossexualidade na vida adulta como um desvio de evitação fóbica da heterossexualidade,

provocada por cuidados parentais inadequados.

Indiscutivelmente, na contramão de muitos vieses procurando patologizar a

homossexualidade, Freud buscou desconstruir a crença de que a homossexualidade era forma de

degradação do ser humano ou mesmo uma doença (Quinet & Jorge, 2013/220).

Conforme Quinet e Jorge (2013/2020), de acordo com Freud podemos dizer à nós mesmos

que todos os que conseguiram educar-se dentro de uma verdade que acredita como certa para si,

estará eternamente protegido de ser imoral, ainda que seus padrões de moralidade, integridade e

dignidade possam ser divergentes ao socialmente aceito e determinado como certo.

Provando uma reflexão acerca da afirmação de Quinet e Jorge (2013/2020) embasados nos

pensamentos de Freud, podemos nos perguntar: os padrões sexuais socialmente definidos, são

certos, morais, íntegros e dignos para quem e sob qual ponto de vista? Podemos definir o que é

bom e adequado ao outro se quando somos nós que estamos nesta condição, nos sentimos

invadidos e rejeitamos nos submeter ao que nos é imposto? Se o que nos incomoda no outro diz

respeito ao que negamos em nós, ao dizermos que o outro está errado e não pode agir livremente

68
de acordo com sua vontade, quem de fato estará errado e impedido de ser livre? Será que ser

homossexual implica em sofrimento?

4.3.3 O que a Psicologia Fenomenológica tem a dizer sobre a Homossexualidade e a

Lesbianidade?

De acordo com Husserl (1907/2000, p. 22) o método fenomenológico é considerado “[...]

a doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do conhecimento”. E,

nesta vertente, “[...] o conhecimento não se nega e nem se declara em todo o sentido como algo

duvidoso pelo facto de se pôr em questão”.

Considera Pereira (2017) que a fenomenologia, enquanto método psicológico, foi

desenvolvida por Husserl, filósofo alemão, na busca de compreender o fenômeno em sua totalidade

para então se chegar a sua essência. Anterior a este pensamento, os teóricos positivistas da época

restringiam o ser em ideal de ser e dentro de uma razão e causalidade para existir. Para Husserl

(1907/2000) a fenomenologia é uma ciência e, sobretudo, um método e um modo de proceder

intelectual-filosófico. Analisa, Ziles (2007), neste sentido, que o objetivo de Husserl é alcançar o

objetivismo do conhecimento e a subjetividade que se conhece ou que é capaz e se torna possível

de se conhecer.

Para Trzan-Ávila (2020) Husserl recusou a compreensão de que a consciência era um lugar

onde de construção de todas as coisas, um ambiente de necessariamente se daria a formação

subjetiva e individual do sujeito, uma vez que haveria acerca da compreensão da percepção

humana uma gama importante de elementos fora da consciência que, se observados, produziriam

uma imagem do objeto constituinte dentro da consciência.

69
Com o método fenomenológico, os fenômenos são em si o modo de existir que se revela

através das atividades e manifestações do ser, distanciando as deduções e induções feitas até então

sobre as formas de expressões de subjetividades. Esclarecem Ziles (2007), Pereira (2017) e Trzan-

Ávila (2020) que a psicologia fenomenológico-existencial tem suas raízes na filosofia da

existência, fonte na qual bebe das reflexões construtivas do ser humano.

Um dos percussores da psicologia fenomenológico-existencial é o filosofo alemão Martin

Heidegger que, ao se debruçar em seus estudos sobre a fenomenologia, buscou preservar a

diferença apontada por Husserl, pioneiro nos estudos da fenomenologia, sobre ente e ser, todavia,

com os demais teóricos que vieram, refletindo sobre a questão do ser, atribuíram-lhe um sentido

de entidade, de algo que existe para além da razão e do óbvio, esclarece Pereira (2017), pela

dificuldade em se definir o ser, pensamento que contrapõe Heidegger, ao dizer que esta

impossibilidade não invalida a questão do seu sentido, mas por este motivo a determina como

importante. E, com isto, esclarece Pereira (2017, p. 5), alicerçado em Heidegger, que “não

devemos mesmo abrir mão da ambiguidade ente e ser e que é necessário abolir o caráter universal

do ser para se aproximar do concreto, da unicidade, da existência particular”, de modo que a

existência antecede a essência e tem primazia sobre ela.

O método fenomenológico oferece expressiva afinidade com o fenômeno psicológico

(Alves & Moniz, 2014) e, neste cenário, a psicologia fenomenológico-existencial considera a

diversidade e a individualidade nas diversas manifestações e formas de expressões da sexualidade

humana, compreendendo este fenômeno a partir do ser no mundo, em sua totalidade, suas

vivências e experiências.

De acordo com a fenomenologia, a que constitui o mais puro e sutil do ser é a sua existência,

deste modo, o ser não pode em nenhuma hipótese se diferenciar e se separar do seu modo de ser.

70
Isto nos mostra que não há um ser universal, mas único, não há uma essência, um modo de existir,

que seja igual a todos, dado que cada possui sua própria unicidade e por meio dela vivencia suas

experiências no mundo. É quando existimos no mundo que nossa essência se manifesta e é assim

desenhada como modos possíveis de ser. Heidegger busca o sentido do ser e não a sua origem,

concebe a liberdade humana, seus desejos e escolhas como parte do ser (Pereira, 2017; Trzan-

Ávila, 2020).

Neste contexto, consideram Alves e Moniz (2014) que olhar o fenômeno da

homossexualidade pela ótica da psicologia fenomenológico-existencial, considera o sofrimento

inerente a vida dessas pessoas, dado que face às diversas manifestações de violência a que são

vítimas, são impedidas de viverem suas experiências de forma digna, satisfatória e completa,

implicando em que estas pessoas vivam em situação de constante defesa. Neste aspecto, a

fenomenologia considera a dor do ser e suas variadas nuances de manifestações frente a

possibilidade de vivenciarem sua homossexualidade.

Enfatizam Alves e Morin (2014) que para o homossexual, revelar sua orientação sexual

pode caracterizar a revelação de um sonho de poder existir em um mundo onde nem todas as

expressões de sexualidade são possíveis, podendo assim viver uma relação amorosa, com alicerces

construídos no amor, como qualquer outra forma de relacionamento afetivo, o que não lhes é

permitido pela cultura heteronormativa que os coloca em uma condição de diferentes dos demais.

A psicologia fenomenológica tem por objetivo o rigor na descrição dos fatos e não a

dedução ou indução de como ocorrem, busca mostrar e não demonstrar, evidenciar as bases em

que a experiência se dá, não expondo-a a uma lógica, mas clarificando sua subjetividade inerente

a cada ser que a experiencia e a vivencia em determinado momento de sua vida (Ziles, 2007;

Pereira, 2017; Trzan-Ávila, 2020).

71
O método fenomenológico, de acordo com Ziles (2007), Pereira (2017) e Macedo (2017),

respeita as frequentes transformações do ser no mundo e no tempo e, situacional e histórico que o

ser é, a fenomenologia foca-se em descrever exclusivamente o que o fenômeno em si se deixa

revelar, buscando, assim, o sentido das coisas para então se propor a realizar uma análise do

existencial. Para Pereira (2017, p. 6) “É o modo de ser que define as coisas, dando sentido. É o

fenômeno que se mostra e não nós que o fazemos”. Para Husserl (1907/2000, p. 26) “O fenômeno

psicológico na apercepção e na objetificação psicológica não é realmente um dado absoluto, mas

só o que é o fenômeno puro, o fenômeno reduzido”.

Alves e Moniz (2014) observam que no que diz respeito ao olhar da fenomenologia para a

homossexualidade, a partir do ser no mundo, suas vivências e experiencia, há uma forte violência

global pautada na supervalorização de uns em detrimento de outros, sem considerar cada ser

humano em sua subjetividade, mas tentando padronizá-los dentro de uma norma heterossexual,

que, por meio da homofobia, se utiliza desta lógica de inferiorização para a discriminação do outro.

Nas mais variadas formas de manifestação da sexualidade, para se compreendê-las a partir

da questão de ser-no-mundo, é imperioso abdicar a perspectiva subjetivista, pois, de acordo com

Heidegger, citado por Macedo (2017), não é admissível a dissociação de um conjunto estruturado

de termos e conceitos que representam um conhecimento sobre o mundo e que distingue a

existência humana, o ser-no-mundo.

Pautados na psicologia fenomenológico-existencial, Alves e Moniz (2014), observam que

Souza Filho (2009) considera que a homossexualidade independe da opção do indivíduo, assim

como nenhuma outra orientação sexual depende. E, pontua Macedo (2017) que, na visão da

psicologia fenomenológico-existencial à homossexualidade não deve ser destinado o olhar e tão

72
pouco a concepção de doença, pois, seguindo-se pelo pensamento de Heidegger, ao homem lhe é

possível ser aquilo que ele se permitir ser e vivenciar.

Ao olharmos para uma pessoa, para suas questões existenciais, para a expressão de sua

sexualidade e reconhecê-la como objeto contribuirá inexoravelmente para seu adoecimento,

considera Pereira (2017), de modo que na prática da psicoterapia fenomenológico-existencial o

psicólogo vai em busca de não rotular e tão pouco prescrever o que supostamente faria sentido

para aquela subjetividade, mas, sim, de ampliar as probabilidades de ação para expandir os

significados dentro da individualidade daquele ser. O paciente torna-se parte ativa do processo

sendo o responsável por suas escolhas, ciente dos riscos que ela implicará, assim como de suas

consequências positivas ou negativas para sua vida.

Observa Macedo (2017) que, no mundo, está submetido a fatores culturais, histórico e

sócio-políticos que lhe são impostos, fazendo-se relevante questionar sobre as implicações de

sofrimento ao se viver em um mundo que patologiza, discrimina e separa os homossexuais do

restante da humanidade, tentando suprimir-lhes o direito à vida digna.

Sendo assim, elucida Macedo (2017, p. 10), antes de se patologizar a homossexualidade e

a fim de compreendê-la como uma das diversas formas de expressão e manifestação da sexualidade

humana, que há de se considerar toda a constituição “[...] dessa faceta da sexualidade humana

empreendida como patologia e a concepção da Psicologia a partir de um olhar Fenomenológico-

Existencial, mais especificamente a perspectiva heideggeriana que defende a abertura e as

possibilidades de modos de ser do homem”. Ao discorrer sobre a sexualidade humana, considera

Macedo (2017) que a psicologia fenomenológico-existencial alicerçada em Heidegger amplia sua

visão do homem, percebendo-o como a única pessoa capaz de ter novas experiências e não apenas

repetir o que já foi feito e vivido antes por alguém.

73
Postula Husserl (1907/2000, pp. 28-29) que o “[...] conhecimento do universal é algo de

singular, é sempre um momento na corrente da consciência; o próprio universal, que aí está dado

na evidência, não é algo de singular, mas sim, um universal, portanto, transcendente em sentido

verdadeiro”. Neste sentido, considera Macedo (2017) ao citar Bruns e Trindade (2003), que as

relações constituídas pelo homem com o mundo são compostas por tonalidades afetivas,

compreensão e linguagem, pois o homem se atrai pelo que no mundo existe, utilizando-se de sua

compreensão para apreciar e se descobrir no mundo. Isto permite com que o homem tenha contato

com as diversas possibilidades de “vir-a-ser”, desde que tenha abertura para esta experiência,

todavia, o homem, por ter a possibilidade de escolher, não se torna livre, mas pela possibilidade

de vivenciar suas escolhas. Conceber esta possibilidade de escolha ao homem, implica em se

questionar a patologização da sexualidade de gays e lésbicas, já que ele pode livremente

experienciar suas escolhas e decisões, com direito a “vir-a-ser” o que sua abertura o permitir

alcançar, não havendo, portanto, respaldo para enquadrá-lo dentro de normas pré-estabelecidas por

outrem que não possuem abertura para vivenciar a sua sexualidade desta mesma forma, mas de

outras.

Neste sentido, esclarece Pereira (2017) que a proposta da psicoterapia fenomenológico-

existencial é que ainda que o paciente tenha experienciado situações dolorosas, cabe a ele a escolha

de permanecer ou sair delas, sendo ele o protagonista de sua existência. A individualidade do ser

é respeitada em sua integridade, criando condições junto a ele para que se transforme indo de

encontro que lhe fizer mais sentido. “Somente o homem possui o sentido em jogo no seu existir,

uma vez que ele é dotado do privilégio de ser abertura de sentido, ou seja, ser-no-mundo, uma

condição de possibilidade para que aquilo que ele é seja desvelado”. (Macedo, 2017, p. 33).

74
Observa Macedo (2017, p. 12) que a fenomenologia é o “[...] estudo ou a ciência do

fenômeno, sendo que por fenômeno, em seu sentido mais genérico, entende-se tudo o que aparece,

que se manifesta ou revela por si mesmo”. E, deste modo, argui Husserl (1907/2000, p. 32) que

“[...] não tem sentido algum falar de coisas que simplesmente existem e não apenas precisam de

ser vistas”. Frente ao exposto, ao psicólogo, competirá caminhar ao lado de seu paciente,

acolhendo sua dor, seu medo, duas dúvidas, abrindo caminho para uma maior conscientização de

suas escolhas e possibilidades frente ao que aquele ser escolher vivenciar, pois que cada um tem

suas necessidades e demandas internas (Pereira, 2017).

Se conseguíssemos compreender a diversidade humana e que cada um tem o direito de

expressar de acordo com sua subjetividade e desejo, a sociedade alcançaria uma visão de mundo

melhor, mais saudável e compreensível para com o outro, em suas diversas possibilidades e

potencialidades de seu vir a ser, pondera Pereira (2017).

Com todas as possibilidades de vir-a-ser em uma sociedade que impõe tantas proibições e

pauta-se em tantos preconceitos e tentativa de restringir a vida do outro que, de seu ponto de vista,

é tido como diferente, cabe a pergunta: Como deve ser o lugar de fala de pessoas gays e das

lésbicas, que tem grande parte de seus direitos básicos16 desacatados, pessoas estas que são

excluídas socialmente, que caminham literalmente nas ruas com medo de serem agredidas e até

mesmo assassinadas, pessoas estas que tem suas vidas sendo violentadas dia após dia? Neste

contexto de suas vidas, será que há sofrimento para gays e lésbicas?

Essa é uma reflexão bastante considerável de se fazer se queremos também ter o nosso

lugar de fala respeitado e validado no mundo, se queremos entender como é ser e estar no lugar do

16
Direito à vida, à saúde, à educação, ao trabalho, à habitação, direito de ir e vir, liberdade religiosa, de expressão e
de opinião), sem diferenciação quanto a gênero, orientação sexual, cultura, raça, classe social, nacionalidade ou
religião (United Nations, 1948; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022c). Para aprofundamento, ver Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948 - https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights.

75
outro, compreender o que se passa com ele, quem ele é, e principalmente qual é o nosso lugar de

fala caso sejamos o lado que se omita ou que violente estas vidas.

4.3.4 O que a Psicologia Junguiana tem a dizer sobre a Homossexualidade e a Lesbianidade?

Para o aprofundamento teórico sobre a homossexualidade e a lesbianidade na perspectiva

analítica, mostra-se relevante, num primeiro momento, apontar quem é Carl Gustav Jung,

precursor da psicologia junguiana e, em seguida, realizar os seus apontamentos teóricos, trazendo

para o diálogo autores junguianos da primeira e segunda geração17.

Esta divisão é importante, uma vez que, segundo Hopcke (1993), encontramos diferenças

de pensamentos acerca da homossexualidade nestas duas gerações, de modo que os analistas que

conheceram Jung ou que exerceram suas profissões simultaneamente a ele, tendem a compartilhar

ou a se aproximar de suas ideias, ao passo que os analistas contemporâneos, tendem a compor

teorias mais diversas sobre as manifestações da sexualidade, em especial, a homossexualidade.

Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875, em Kesswil, Suíça, e faleceu em 06 de

junho de 1961, em Küsnacht, Zurique. Psiquiatra e psicoterapeuta, foi o fundador da Psicologia

Analítica, também conhecida como Psicologia Junguiana, inicialmente chamada de Psicologia

Complexa (estudiosa dos complexos) e Psicologia Profunda (a qual avança para o inconsciente,

localizado abaixo da consciência).

17
Conforme Hopcke (1993) fazem parte da primeira geração os analistas junguianos que conheceram Jung ou que
profissionalmente o acompanharam no tempo. E, da segunda geração, os analistas junguianos contemporâneos a Jung,
que tiveram acesso ou familiaridade às suas obras e pensamento.

76
Jung foi um importante estudioso da vida interior do homem e o fez através de profundos

estudos sobre mitologia, religiões, filosofia, astrologia, alquimia e culturas de vários povos,

explorando os conteúdos inconscientes e universais da psique humana.

Suas Obras Completas (OC) foram inicialmente escritas em alemão, datadas no período de

1958 a 1981, contemplando 18 volumes. Em 1983 e 1994, dois volumes foram adicionais,

respectivamente, contendo a Bibliografia das obras de Jung e o índice geral. Entre 1978 e 2003,

pela Editora Vozes, foram publicados os 18 volumes mais o Índice Geral. Alguns volumes se

desdobram somando um total de 34 livros mais o Índice Geral. Há ainda outros livros como

Memórias, Sonhos e Reflexões, O Homem e seus Símbolos, O Livro Vermelho e Os Livros

Negros, de autoria de Jung, mas que não compõem as Obras Completas.

No decorrer desta subseção, para uma compreensão mais profunda e completa da visão

deste teórico acerca dos fenômenos da homossexualidade e da lesbianidade, bem como de

evolução de seu pensamento ao longo de seus escritos, serão trazidos recortes das alusões a

homossexualidade, homossexualismo, homossexual e homossexuais, encontradas em suas Obras

Completas (OC), traduzidos para a língua portuguesa. Para tanto, estes trechos serão apresentados

em sua integridade, visando detalhá-los ao máximo possível, na intenção de aclará-los para, a

seguir, discorrer sobre eles, ampliando-os. Cabe esclarecer que nas Jung utilizava-se do termo

homossexual, homossexualismo e homossexualidade para se referir a homens e mulheres que se

relacionavam afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo sexo.

Além das Obras Completas de Jung, serão trazidas menções a este fenômeno, encontrados

nos livros Memórias, Sonhos e Reflexões e O Homem e seus Símbolos, pois, embora não façam

parte das OC, trata-se de importantes literaturas, compondo a temática que abordaremos, que se

somam e se integram às Obras Completas. No Livro Vermelho e nos Livros Negros, livros também

77
destacáveis na literatura, na tradução feita para língua portuguesa, não foram identificadas

referências à homossexualidade em suas formas variadas de citação, desta forma, não serão aqui

abordados.

Nas Obras Completas de Carl Gustav Jung, publicadas pela Editora Vozes, aparecem

alusões feitas pelo autor às palavras homossexualidade, homossexualismo, homossexual,

homossexuais, num total de 88 vezes, sendo uma delas em alemão, homosexualität18. No livro

Memórias, Sonhos e Reflexões e em O Homem e seus Símbolos, Editora Nova Fronteira, foram

encontradas, respectivamente, 4 e 3 citações. Somando todas as citações que aparecem nas OC e

nos livros em referências, teremos, portanto, um total de 95 citações feitas por Jung entre as

palavras homossexualidade, homossexualismo, homossexual, homossexuais.

Na Psicologia Analítica ou Junguiana não há uma abordagem abrangente sobre a

homossexualidade, que reúna aspectos arquetípicos e fiéis à experiência contemporânea dos

sujeitos homossexuais em conformidade com as descobertas a respeito da homossexualidade,

numa visão analítica e biológica, objetiva, explicando o mistério das paixões entre pessoas do

mesmo sexo. A este respeito, pontua Hopcke (1993), que:

Quem conhece bem os textos de Jung sabe, porém, que ele nunca pretendeu construir uma

teoria completa e linear a respeito da psique humana. Muito mais interessado em descrever

e interpretar os fatos que via ao seu redor do que em promulgar posições teóricas, Jung não

deixou muitas afirmações categóricas, sobretudo a respeito da homossexualidade. Nos 18

volumes de Obras Completas, a homossexualidade é mencionada pouco mais que uma

dezena de vezes [...]. Não há dúvida de que essa escassez de referências à

18
Tradução do alemão para o português: homossexualidade.

78
homossexualidade no trabalho de Jung reflete a relativa falta de importância que esse

assunto ocupava o seu pensamento [...]. (Hopcke, 1993, pp. 23-24).

Deste modo, o pensamento contemporâneo sobre a homossexualidade, continua disperso e

fragmentado, havendo desde definições que tendem a postular uma patologização indireta até

aquelas que direcionam o foco para o processo de individuação, seguindo o Chamado do Self, que,

para Jung (1916/2014b) é o que nos coloca no caminho do nosso processo de individuação,

definições que veremos mais adiante.

Esta última definição parece ser a que mais se adere ao pensamento de Jung (1916/2014b)

que, em seus escritos, parecia não estar preocupado com a heterossexualidade ou com a

homossexualidade do sujeito e sim em como a energia psíquica era direcionada, uma vez que, para

ele, essa energia é indiferenciada, portanto, faz pouco sentido aplicá-la a padrões de discriminação

à dinâmica do inconsciente e, menos sentido ainda se faz tomar o conceito de individuação sem a

liberdade de escolha do indivíduo, classificando assim as pessoas como homossexuais,

heterossexuais ou nomeando-as por qualquer outra forma de expressão de sua sexualidade e,

punindo-as, por suas preferências sexuais. De acordo com Jung (1921/2013i; 1961/2015a, citado

por Santos, 2022, p. 87),

[...] a variação de nossas fantasias no campo do amor e da sexualidade são

interditadas e confundidas pelo que é esperado na norma cis-hetero, e só

podem ser melhor compreendidas ao nos apropriarmos da noção de

individuação como algo que fura o vigor da norma coletiva, que não é linear

e sim serpenteado, que circula em torno de si-mesmo no processo de

ultrapassagem das fórmulas sociais que massificam a manifestação da

79
individualidade. (Jung, 1921/2013i; 1961/2015a, citado por Santos, 2022, p.

87).

As fórmulas que determinam o processo de socialização de pessoas LGBT+

são, nesse sentido, particularmente perversas, na medida em que desfiguram

o sujeito para si próprio, impedindo toda possibilidade de desenvolvimento

psíquico genuíno – que não pode haver sem que o indivíduo autorize sua

própria existência. Por isto, para muitos de nós, sair do armário é um

momento de autorização percebido como nosso verdadeiro nascimento ou,

pelo menos, como nascer de novo. (Santos, 2022, p. 87).

Para além disto, Jung (1967/2013a), em sua visão acerca da manifestação da sexualidade,

não categoriza as pessoas como homossexuais ou heterossexuais, dado que a energia psíquica é

inconsciente não exercendo diferenciação neste contexto e, para além disso, Jung postula que

somente as coisas podem ser categorizadas e não as pessoas.

A psicologia analítica não se debruçou propriamente dito sobre a questão da sexualidade

humana e suas formas de manifestações, pois, Freud e Adler já o faziam (Jung, 1954/2013b;

Lingiardi, 2011). Jung (1954/2013b) postulava que a psicologia deveria considerar o homem em

seu estado biológico e espiritual (no âmbito da religiosidade) e, deste modo, o mais importante não

haveria de ser a sexualidade da pessoa, mas a busca pelo sentido de vida e a forma como como

cada um caminha rumo ao seu processo de individuação. Jung (1954/2013b; 1967/2013a) observa

ainda que a sexualidade precisa ser considerada a partir do fenômeno que ela representa e não

como algo que defina a vida da pessoa, pois sexualidade é energia psíquica e a energia psíquica

está voltada para a vida como um todo da pessoa e não apenas para a sua sexualidade.

80
Ainda que Jung não tenha se dedicado aos estudos da sexualidade humana e suas formas

de manifestação (Jung, 1954/2013b; Lingiardi, 2011), Jung e os junguianos possuem importantes

contribuições quanto a temática da sexualidade, descrevendo, no viés da homossexualidade,

vivências e experiências de homossexuais, enfocando as diversas dificuldades pelas quais estas

pessoas, vítimas de preconceito e discriminação, são alvo, evidenciando um desconhecimento

social sobre o que é a homossexualidade, que reverbera em julgamentos inadequados e colabora

para que as pessoas que se relacionam afetiva/sexualmente entre iguais, sejam marginalizadas,

estigmatizadas e com seus direitos de uma vida digna subtraídos. Lingiardi (2011) corrobora com

este pensamento acerca da escassez de produção sobre homossexualidade na visão junguiana e

reconhece que suas ideias desencadearam debates acirrados e entusiasmados.

A partir destes aportes, podemos mergulhar e aprofundar estes estudos, suprimindo estas

lacunas. E isto nos parece de grande valia fazê-lo na atualidade, na qual nos encontramos em um

momento atípico da história, em que após muita luta dos homossexuais e das lésbicas contra a

homofobia e a lesbofobia e para terem direitos de existir igualmente aos heterossexuais, forças

contrárias se manifestam no âmbito político, levando a manifestação de uma sombra coletiva,

conceito de Jung que veremos a seguir.

A psicologia Junguiana busca compreender os fenômenos a partir da manifestação de seus

símbolos, podendo-se, por meio de sua ampliação, chegar ao conhecimento (Penna, 2014, citado

por Franco, 2022a).

O cerne da Psicologia Junguiana é a individuação, processo de criar e ampliar a consciência

e a tomada de consciência vem acompanhada de imensa dor, uma vez que não é fácil ter

consciência, porque isto implica em fazer escolhas, tomar decisões e assumir a responsabilidade

pelas escolhas feitas. Escolher implica renunciar a alguma coisa em prol de outra, implica em

81
angústia e sofrimento. E, acrescenta Silveira (2011, p. 90), no processo de individuação “[...] é

fundamental encontrar-se a si mesmo e tornar-se o que se é”.

Postula Jung (1916/2014b) que a individuação é uma busca, mas não chegaremos nunca à

individuação completa, pois estamos em constante transformação, vivendo novas experiências,

interagindo, desenvolvendo novos complexos. O processo de individuação é um caminho e tem

como meta tornar-se de fato quem verdadeiramente se é. Postulava Jung que:

[...] O sentido e a meta do processo são a realização da personalidade originária, presente

no germe embrionário, em todos os seus aspectos. É o estabelecimento e o desabrochar da

totalidade originária, potencial. Os símbolos utilizados pelo inconsciente para exprimi-la

são os mesmos que a humanidade sempre empregou para exprimir a totalidade, a

integridade e a perfeição; em geral, esses símbolos são formas quaternárias e

círculos. Chamei a esse processo de processo de individuação. (Jung, 1916/2014b, p. 123).

O processo de individuação é o Religar do Ego (centro da consciência) ao Self (Si-mesmo,

Centro da Totalidade, abarcando Consciente e Inconsciente) e, neste processo, o Ego precisa se

render ao Self. A consciência se desenvolve a imagem e semelhança do Self, o qual é

correspondido pela Imagem de Deus (Imago Dei) presente em cada um. Explica Hopcke

(1989/2012):

[...] Quando o consciente e o inconsciente, tem um relacionamento contínuo, Jung

considerava que a pessoa poderia então consolidar um senso de sua individualidade única,

bem como de sua conexão com uma experiência mais ampla da existência humana,

tornando-se capaz de viver de modo mais criativo, simbólico e individual. O processo de

chegar a esse equilíbrio psíquico, Jung chamou de individuação [...]. (Hopcke, 1989/2012,

p. 75).

82
A individuação é a busca do sentido da vida e, todo processo evolutivo acontece a partir da

crise, sem a qual não há como evoluir. A crise surge como possibilidade de mudança e, para que

esta mudança ocorra, é necessário se desassemelhar, deixar de ser semelhante, diferenciar-se do

outro, ser quem de fato se é, conhecendo e sempre que possível integrando seus aspectos de luz e

sombra (Jung, 1916/2014b).

Jung (1916/2014b) evidencia este fato especialmente ao falar sobre a alquimia19, que tem

como objetivo a coniuncio20, união, integração dos opostos, surgindo, a partir da crise e da

transformação, um novo elemento. O mesmo ocorre conosco, sem crise não nos transformamos e,

neste processo o ego precisa estar consciente e colaborativo para que não haja dor e sofrimento.

Individuar-se é, portanto, tornar-se um ser único, inteiro, pleno e neste processo o confronto

com a sombra é inevitável. É preciso reconhecer a própria sombra e o que nela habita, assim como

as variadas personas utilizadas ao longo da vida. Esta ação estimula o indivíduo a despertar o que

há de melhor dentro dele, aproximando-se mais de sua totalidade (Jung, 1916/2014b).

Conforme Schmookler (1980/2012), podemos compreender a sombra como um inimigo

dentro de nós, alguém contrário aos nossos desejos conscientes e, neste sentido, o ato de amar este

inimigo interno não elimina o inimigo externo a nós, todavia, pode ser um caminho se transformar

nossa forma de lidar com ele. Considera ainda que o mal perde sua potência frente à vida e à nós

mesmos, automaticamente, somos levados a lidar com ele de outra forma, sob uma ótica mais

humanizada. E, de acordo com Schmookler, este é o caminho que nos leva a nossa paz interna, é

o caminho da humildade e do resgate à nós mesmos. Neste contexto, persona e sombra precisam

estar em equilíbrio, necessitam igualmente se alimentar e serem alimentadas. (Jung, 1921/2013i).

19
Psicologia e Alquimia, OC 12.
20
A psicologia da transferência In Ab-reação, análise dos sonhos e transferência, OC 16/2.
A conjunção In Mysterium Coniunctionis, OC 14/3.

83
Conteúdos ligados a sexualidade também podem estar presentes e adormecidos na sombra,

conforme Jung (1954/2013d, p. 141) explana ao apresentar o caso de uma menina, a qual a define

como sendo bastante inteligente, popular por “[...] não ser social, mas rebelde e incapaz de adaptar-

se às situações escolares”. Por vezes se mostrava “[...] muito desatenta” e dava “[...] respostas

inadequadas, o que ela nem sabia explicar. Era crescida, bem desenvolvida e parecia gozar de

excelente saúde”. Possuía menos idade que as colegas de classe, entretanto, aos trezes anos,

procurava “[...] levar a vida de uma mocinha de dezesseis ou dezessete anos, sem ter capacidade

para isso. Do ponto de vista físico era superdesenvolvida; a puberdade já se iniciara antes de haver

completado onze anos”. Relata preocupação com o que definia por “[...] uma certa excitabilidade

sexual que sentia e também com o desejo de masturbar-se”. Sua mãe, “[...] mulher de inteligência

brilhante e de um acentuado desejo de poder” desde muito já tomara a decisão de que sua filha

haveria de “[...] tornar-se uma criança prodígio. Procurava estimular na filha todas as capacidades

intelectuais e reprimir qualquer expressão emocional. Quis também que a menina entrasse para a

escola mais cedo que as outras crianças”. Seu pai permanecia ausente de casa, devido ao trabalho,

por longo tempo e sugeria “[...] natureza propensa a seguir algum ideal nebuloso e não

demonstrava uma personalidade realista”. Esclarece Jung (1954/2013d):

A menina sofria de uma enorme tensão provocada por sentimentos represados. Tais

sentimentos se nutriam mais com fantasias homossexuais do que com relações objetivas.

Confessou que algumas vezes sentia um desejo ardente de ser acariciada por determinada

professora, e nessas ocasiões se punha a fantasiar que de repente toda a roupa lhe caía do

corpo. Frequentemente não se lembrava com clareza do que lhe haviam perguntado; daí

suas respostas absurdas. Sonhou um dia: "Vi que minha mãe estava afundando na banheira

e eu sabia que ela ia afogar-se; mas não podia mexer-me. Nisso senti um medo horrível e

84
comecei a chorar, porque eu a tinha deixado afogar-se. Acordei chorando". Este sonho

serviu-lhe para trazer à tona as resistências já sepultadas que opunha a esse modo de vida

desnatural que a obrigavam a viver. Reconheceu seu desejo profundo de camaradagem

normal. Em casa pouco podia conseguir, mas a mudança de ambiente, a compreensão de

seu problema e a conversa franca determinaram uma melhora considerável. (Jung,

1954/2013d, p. 141)21.

Trata-se de um caso em que fica evidente, pontua Jung (1954/2013d, p. 142), a relevância

do papel dos pais na vida de seus filhos, inclusive, uma afetividade inadequada, podendo afetá-los

em sua sexualidade ou, uma afetividade adequada, podendo auxiliá-los no desenvolvimento de

recursos internos positivos. Neste relato, nota-se um pai absorto em seus negócios e uma mãe que

precisa ter êxito e satisfação social a partir da filha. Pondera Jung que mães com estas

características tendem a não enxergar o filho como ele de fato é, mas sim como gostaria que ele

fosse. Com isto, “[...] se projeta na criança e a governa com seu poder de domínio, sem nenhuma

consideração”. Considera ainda Jung (1954/2013d) que é possível que haja uma distância marital

neste casamento, pois que:

[...] a mulher, quando é dotada de tal masculinidade, torna-se quase incapaz de ter uma

verdadeira compreensão relativamente aos sentimentos de seu marido. A única coisa que

consegue tirar do marido é o dinheiro. E ele paga para que ela se mantenha numa disposição

de espírito relativamente suportável. Todo o seu amor, ela o transforma cm ambição e

desejo de poder, se é que já não procedia assim muito antes do casamento, imitando

inconscientemente o exemplo de sua própria mãe. Os filhos de tal mãe quase não passam

de bonecos vestidos e adornados como lhe apraz. São figuras mudas no tabuleiro de xadrez

21
O caso completo pode ser encontrado em O desenvolvimento da personalidade, OC 17, § 221-223.

85
do egoísmo dos pais; no entanto, tudo isso é feito sob o manto do desprendimento de si e

da dedicação à criança querida, cuja felicidade constitui o único intento da vida da mãe.

Mas na realidade não se dá à criança o menor vestígio de verdadeiro amor. Por isso a

menina sofre duplamente: primeiro, de sintomas de sexualidade precoce, como ocorre com

tantas crianças largadas ao abandono ou maltratadas; em segundo lugar, sente-se como que

inundada do que se convencionou chamar de amor natural. As fantasias homossexuais

mostram claramente que sua necessidade de verdadeiro amor não está satisfeita; por isso

sente desejos de que sua professora a ame, mas de modo errado. Quando não se abre

adequadamente a porta ao sentimento do coração, então a exigência sexual reclama com

violência, pois além de amor e carinho, a criança também precisa de verdadeira

compreensão. (Jung, 1954/2013d, p. 142).

Nas obras de Jung, ao longo do desenvolvimento de sua teoria, podemos observar que a

sexualidade mostra-se vinculada aos arquétipos anima/animus, o que notamos prevalecer na

segunda geração de junguianos, conforme Salles e Melo (2011), que relatam que a sexualidade, na

psicologia analítica, está associada a padrões arquetípicos e, neste sentido, Jung (1959/2014a) faz

uma aproximação com a questão anímica, que está ligada com fascinação, atração, relacionada a

manifestação de animus e anima, que faz com que alguém pareça ao sujeito como algo fascinante,

condutora da imagem de totalidade, em que, por exemplo, a anima, como personificação do

inconsciente, apresenta uma imagem de totalidade, ou seja, quando eu me sinto muito atraído eu

tenho a sensação de que vou conseguir aquilo que me falta. Neste sentido, observa Franco (2022b,

p. 117) que

Os binarismos presentes no pensamento abissal têm sido base para várias formas de

exclusão, entre elas, a violência de gênero. Considerar que existe uma norma binária de

86
gênero que divide o mundo entre homens e mulheres gera silenciamentos importantes de

formas de subjetividade que não se reconhecem nas polaridades”. (Franco, 2022b, p. 117).

Explica ainda Franco (2022b, p. 121), citando Young-Eisendrath (2002), que

No campo da Psicologia Junguiana, cabe indicar, [...] que as concepções iniciais de Jung

sobre o masculino e o feminino e sobre animus e anima refletiram sua época e acabaram

por atribuir à feminilidade noções como subjetividade e intuição, e à masculinidade

identificações com racionalidade, objetividade (Eros e Logos). Esse pensamento inicial de

Jung em seus primeiros escritos e primeiras definições acerca de animus e anima deram

lugar ao entendimento de que essa teoria reforça os binarismos de gênero. (Young-

Eisendrath, 2002, citado por Franco, 2022b, p. 121).

Contudo, uma leitura atenta sobre a obra de Jung e de pós-junguianos, leva-nos à

compreensão de que a proposta da Psicologia Junguiana tem em seu bojo uma possível

subversão das polaridades de gênero, conforme veremos, em especial quando

consideramos os escritos da fase final de Jung. (Franco, 2022b, p. 121).

Nas Obras Completas de Carl Gustav Jung, a primeira referência feita a homossexualidade,

aludindo-se ao homossexual, pode ser encontrada no ano de 1906, onde Jung (1906/2011a) faz a

citação, ao ampliar o sonho de uma de suas pacientes, faz uma breve referência ao termo

homossexual, todavia sem aprofundar neste tema:

[...] Depois, está sentada à mesa de comer com a senhorita L. Portanto está com ela numa

situação sexual, mas não se deve pensar em algo homossexual, pois o sentido sexual de

"mesa de comer" já ficou claro para o autor e seria, por isso, muito evidente. Aqui

87
certamente só significa: "Sinto-me sexualmente como a senhorita L.". O alarme do fogo a

seguir indica isto também. Jung (1906/2011a, p. 445)22.

Em uma de suas viagens, neste caso à África do Norte, ao conhecer uma família indígena,

Jung (1961/2015a), observando seus costumes e pondera:

Perguntava a mim mesmo se a masculinização da mulher europeia não se relaciona com a

perda de sua totalidade natural (shamba, filhos, gado miúdo, casa particular e fogo do átrio),

como o meio de compensar seu empobrecimento; e perguntava também a mim mesmo se

a feminilização do homem branco não seria também outra consequência disso. Os Estados

mais racionalistas apagam ao máximo a diferença entre os sexos. O papel que desempenha

o homossexualismo na sociedade moderna é enorme. É, em parte, a consequência do

complexo materno e em parte um fenômeno natural (cujo fim é evitar a procriação!). Jung

(1961/2015a, pp. 264-265).

Hopcke (1993, pp. 25-26) observa que inicialmente em sua teoria, mais precisamente de

1908 a 1920, apesar de em 1912 ter rompido com Freud, Jung se encontrava bastante influenciado

pela psicanálise, compreendendo a homossexualidade como uma “anomalia”, em grande parte dos

casos podendo ser considerada como um “desvio psíquico”, todavia o fato de ser homossexual não

comprometia o “[...] valor do indivíduo como membro da sociedade”, de modo que não seria um

assunto de ordem legal, a ser debatido e avaliado pelas autoridades, uma vez que não se tratava de

crime ou depravação moral.

Esta passagem podemos encontrar em Jung (1957/2011b), ao discorrer sobre resenhas da

literatura psiquiátrica23, cita Löwenfeld, trazendo seu livro como uma das referências da época

22
O caso completo pode ser encontrado em Estudos Experimentais, OC 2, § 842-843c.
23
Conforme Jung, Correspondenz-Blaff für Scweizser Aerzte, XXVI-XI, 1906-1910, Basileia. Redescoberto por Henri
F. Ellenberger durante as pesquisas para seu livro The Discovery of the Unconscious – The History and Evolution of
Dynamic Psychiatry. Nova York/Londres: [s.e.], 1970.

88
sobre homossexualidade, abordando a homossexualidade enquanto anomalia, todavia, não

patológica e tampouco fator depreciativo para o indivíduo. Para além disto, tema não passível de

ser discutida por autoridades, dado a desumanidade à que esta condição da pessoa é infligida:

Löwenfeld, L24. Homosexualität und Strafgesetz. Wiesbaden: 1908. Este livro é um produto

da disputa que surgiu atualmente na Alemanha sobre o malfadado artigo 175 do Código

Penal alemão. Como se sabe, o artigo se refere ao vicio antinatural entre homens, e também

com animais. O autor apresenta uma história concisa do conceito clínico de

homossexualidade. Resume o ponto de vista atual da seguinte forma: “A homossexualidade

é uma anomalia que pode manifestar-se na esfera física em associação com doença e

degeneração; mas na maioria dos casos é um desvio psíquico isolado da norma, que não

pode ser considerado como patológico ou degenerativo, nem tampouco reduzir o valor do

indivíduo como membro da sociedade”. O artigo 175 que obteve força de lei somente por

pressão ortodoxa, apesar da oposição por parte de autoridades influentes, mostrou-se até

agora inútil, desumano e até mesmo diretamente nocivo; possibilitou o surgimento de

extorsões profissionais com todas as consequências tristes e repulsivas. O livro oferece uma

boa visão geral de toda a questão da homossexualidade. (Jung, 1957/2011b, p. 397).

A palavra anomalia vem de anormalidade e, para que algo exista é necessário que haja o

seu oposto, a normalidade. Salles e Melo (2011, p. 17) contrapõem este pensamento de Jung,

elucidando que a concepção de normalidade provém de uma análise estatística, portanto, de algo

não natural, que não faz parte da natureza. Esclarecem ainda a origem da palavra normal, do latim,

norma, esquadro que o carpinteiro utiliza com o objetivo de colocar as coisas em ângulo reto. Não

sendo o esquadro um objeto que se encontra na natureza, ele é algo não natural, em outras palavras,

24
Conforme Jung, refere-se provavelmente à Análise fragmentária de uma histeria (1905) e sobre a teoria sexual
(1905).

89
trata-se de um “[...] símbolo das construções artificiais”. Logo, a palavra anomalia não comporta

para ser utilizada a algo natural, que faz parte da natureza de uma pessoa, no caso, a

homossexualidade.

Este pensamento de Jung (1916/2014b, p. 93) se evidencia nas passagens abaixo, no qual

Jung, ao falar sobre seu método sintético construtivo25, explanando sobre sua funcionalidade ou

não, narra o sonho de em uma paciente com “[...] tendências homossexuais”. Tratava-se de uma

paciente que “[...] se encontrava exatamente no ponto crítico do limite entre a análise do

inconsciente pessoal e o despontar dos conteúdos do inconsciente coletivo [...]”: Relata Jung sobre

a paciente, ela

Quer passar para a outra margem de um rio. Não há ponte por perto. Mas ela encontra um

lugar onde a passagem é possível. No momento de atravessar, um caranguejo enorme, antes

escondido dentro da água, agarra seu pé e não a solta mais. Amedrontada, ela acorda. (Jung,

1916/2014b, p. 93).

Após Jung ampliar os elementos presentes no sonho da paciente, rio, vau e caranguejo, ela

se recorda que teve “[...] de novo uma briga tremenda com uma amiga”. E Jung (1916/2014b)

observa:

Essa amiga tem muito a ver com o caso. Trata-se de uma amizade de muitos anos,

arrebatada, nas raias do homossexualismo. A amiga é parecida com a paciente em muitos

pontos, e também é nervosa. Têm, manifestamente, interesses artísticos em comum. Das

duas, a minha cliente tem a personalidade mais forte. Como a relação entre elas é de

excessiva intimidade e exclui em demasia outras possibilidades de vida, ambas são

nervosas. Apesar de uma amizade ideal, suas brigas são violentas, devido à irritabilidade

25
Psicologia do Inconsciente, OC 7/1, § 121-140.

90
recíproca. Com isso, o inconsciente quer distanciá-las uma da outra. Mas elas não querem

perceber isso. Em geral o escândalo começa quando uma delas acha que ainda não se

compreendem o suficiente, que é preciso um entendimento mais profundo, e tentam abrir-

se uma à outra, muito entusiasmadas. Como é óbvio, o desentendimento não tarda. E isso

provoca outra cena, bem pior do que a anterior. “Faute de mieux26”, durante muito tempo

a briga era para ambas um sucedâneo do prazer a que não estavam dispostas a renunciar.

Minha paciente não conseguia prescindir da doce dor de ser incompreendida pela melhor

amiga, muito embora dissesse que cada uma dessas brigas a “matava” de exaustão.

Também já tinha reconhecido há muito tempo que essa amizade estava superada e que só

uma falsa ambição alimentava a ideia de que ela pudesse se transformar numa relação ideal.

A cliente já tinha tido com a mãe um relacionamento efusivo e fantasioso. Depois da morte

da mãe, transferiu seu sentimento para a amiga. (Jung, 1916/2014b, p. 94)27.

Jung (1916/2014b), a fim de ilustrar profundamente o caso em questão, segue,

detalhadamente, fazendo considerações sobre o sonho de sua paciente e novas inferências ao

aspecto da homossexualidade nele presente:

Essa interpretação pode ser resumida numa única frase: “Vejo muito bem que eu deveria

transpor o rio e passar para o lado de lá (isto é, desistir da relação com a amiga); mas eu

quero que as pinças (abraços) da amiga não me larguem, o que corresponde ao desejo

infantil do abraço da mãe, naquele seu jeito conhecido e efusivo de me apertar contra o

peito”. O que há de incompatível no desejo é a ligação homossexual subterrânea, da qual

os fatos dão sobejas provas. O caranguejo fisga-lhe o pé. A paciente tem pés grandes,

“masculinos”. Na relação com a amiga é ela que desempenha o papel do homem, e tem

26
Palavra advinda do idioma francês que significa na falta de algo melhor.
27
O caso completo pode ser encontrado em Psicologia do inconsciente, OC 7/1, § 123-131.

91
fantasias sexuais a respeito. Como é sabido, o pé tem um significado fálico. A interpretação

global é essa: não quer separar-se da amiga por causa dos desejos homossexuais reprimidos

que tem em relação a ela. Como esses desejos são moral e esteticamente incompatíveis

com a tendência consciente da personalidade, são reprimidos e, por isso, mais ou menos

inconscientes. O medo corresponde ao desejo reprimido. (Jung, 1916/2014b, p. 95).

Após esta reflexão, Jung (1916/2014b) se refere a homossexualidade, no que diz respeito

a esta paciente, como algo que “não era agradável”, uma “tendência inoportuna”, porém, que

necessitava ser reconhecido pela paciente e, naquela ocasião do sonho, já o era, de modo que seria

mais possível admitir à consciência reconhecer tal ampliação. Pontua:

É óbvio que esta interpretação desvaloriza gravemente o supremo ideal de amizade da

paciente. No momento presente da análise, ela já não teria levado a mal essa interpretação.

Algum tempo atrás, certos fatos já a haviam convencido, praticamente, da existência de

uma tendência homossexual, de tal modo que já lhe era possível reconhecê-lo francamente,

apesar de isso não lhe ser muito agradável. Se eu lhe tivesse comunicado a interpretação

no atual estágio do tratamento, já não teria encontrado nela resquícios de resistência. O

mais doído dessa tendência importuna já estava superado pelo reconhecimento. Mas ela

teria me interpelado assim: “Por que perder tempo ainda com análise desse sonho? Só

repete as mesmas coisas que já sei há muito tempo”. Na realidade, essa interpretação nada

acrescenta à paciente; por isso, não é interessante nem eficaz. No início do tratamento teria

sido simplesmente impossível fazer tal interpretação, pois em hipótese alguma o excessivo

pudor da paciente a teria aceito. O “veneno” do reconhecimento tinha que ser instilado com

a maior cautela, em doses mínimas, pouco a pouco, até penetrar sua razão. No momento

em que a interpretação analítica ou causal-redutiva não trouxer novidades, tornando-se

92
repetitiva, torna-se oportuno modificar o método interpretativo. [...]. (Jung, 1916/2014b,

pp. 95-96).

A seguir, e para completar a análise deste sonho, Jung (1916/2014b) se refere a

homossexualidade da paciente como uma “tendência (sentida como tenebrosa)” e faz menção a

um “nível homossexual infantil” desta:

Uma identificação só pode produzir-se quando for baseada numa semelhança inconsciente,

não realizada. Qual seria então a semelhança da nossa paciente com X? Neste ponto pude

lembrá-la de uma série de fantasias antigas e sonhos que tivera. Estes haviam mostrado

nitidamente que ela também tinha uma veia muito leviana, mas sempre temerosamente

reprimida pelo receio de que essa tendência (sentida como tenebrosa) a seduzisse para uma

vida dissoluta. Ganhamos assim mais uma contribuição fundamental para o conhecimento

do elemento “animal”. Trata-se novamente da mesma ânsia não domesticada, impulsiva,

visando, neste caso, os homens. Isso nos leva a compreender mais uma razão por que não

pode largar a amiga: precisa agarrar-se a ela para não sucumbir a essa outra tendência, que

lhe parece bem mais perigosa. Isso a retém num nível homossexual infantil, que, no

entanto, lhe serve de defesa. (A experiência nos ensina que este é um dos motivos mais

fortes que impedem o rompimento de relações inadequadas e infantis.) Mas nisso também

está sua saúde, o germe de sua personalidade futura e sadia, que não se intimida diante das

iniciativas a tomar na vida. (Jung, 1916/2014b, pp. 98-99).

Nesta mesma época, em momentos distintos e com outros de seus pacientes, é possível se

observar a permanência do olhar de Jung à homossexualidade na qualidade de anomalia (Hopcke

1993). A saber, o caso de outro de seus pacientes, ao qual Jung (1916/2014b) também observa

elementos homossexuais ao ampliar seu sonho.

93
Jung (1916/2014b) inicia apresentando seu paciente ao leitor, contextualizando-o e, ao

fazê-lo, justifica, sob ótica de seu pensamento inicial acerca da homossexualidade, o motivo desta

pairar-se sobre o rapaz:

Primeiro, quero familiarizar o leitor com a pessoa do sonhador, sem o que seria difícil

entrar na atmosfera peculiar dos sonhos. Existem sonhos que são pura poesia; portanto, só

podem ser compreendidos dentro do seu clima geral. O sonhador é um rapaz de pouco mais

de 20 anos e de aspecto bem infantil. Tem até mesmo um jeito de menina, tanto na

aparência quanto nas expressões, e que deixam transparecer a esmerada educação e cultura

recebidas. É inteligente e são grandes os seus interesses intelectuais e estéticos. O estético

coloca-se indiscutivelmente em primeiro plano. Percebemos imediatamente seu bom gosto

e uma acurada compreensão por todas as formas de arte. Sensível, sentimental, arrebatado

devido ao seu caráter adolescente e um tanto feminino. Nenhum sinal da grosseria própria

da puberdade. É incontestavelmente infantil para a sua idade; portanto, um caso de

desenvolvimento retardado. Isso explica o homossexualismo, razão pela qual veio

procurar-me. [...]. (Jung, 1916/2014b, p. 115)28.

Após a apresentação de seu paciente, Jung (1916/2014b, p. 115) descreve o sonho que ele

teve na véspera de sua primeira consulta, quando veio em busca de “um tratamento de cura” para

“algo desagradável”, no caso, “o homossexualismo”, conforme relata:

Na véspera da primeira consulta, teve o seguinte sonho: Estou numa catedral enorme;

dizem que é a basílica de Lourdes. Uma penumbra misteriosa espalha-se por todo o

santuário. No centro, um poço profundo. Deveria descer dentro dele. (Jung, 1916/2014b,

p. 115).

28
O caso completo pode ser encontrado em Psicologia do inconsciente, OC 7/1, § 167-188.

94
Jung (1916/2014b) ao se refletir sobre qual era a mensagem do sonho, considera evidente

seu conteúdo acerca do “homossexualismo”, de acordo com o que cita ao discorrer sobre ele:

Pois bem, qual a mensagem do sonho? Aparentemente, é de uma perfeita clareza.

Poderíamos contentar-nos com sua interpretação como uma forma poética de exprimir a

disposição do rapaz naquele dia. Mas nunca seria o bastante. Sabemos por experiência que

os sonhos são muito mais profundos e significativos. Poderíamos até pensar que o cliente

procurou o médico numa disposição poética e que iniciou o tratamento como quem entra

num lugar sacrossanto, cheio de mistério e misericórdia, para assistir a um ofício divino.

Mas isso não corresponde em absoluto à realidade dos fatos; tanto é que o cliente veio

procurar o médico única e exclusivamente para tratar-se de uma coisa bem desagradável,

ou seja, do homossexualismo. Nada menos poético. Na hipótese de uma causalidade tão

direta para explicar a origem do sonho, o estado de espírito real da véspera não justificaria,

em todo caso, um sonho tão poético. Mas, ainda assim, poderíamos imaginar que foi por

reação ao assunto extremamente antipoético que levou o rapaz a procurar a terapia, que ele

teve tal sonho. Assim, o sonho mencionado seria tão carregado de poesia, justamente

devido à carência poética da sua disposição da véspera; mais ou menos como alguém que

sonha com fartas refeições à noite, depois de ter jejuado o dia inteiro. Não se pode negar

que o sonho evoca o pensamento do tratamento, da cura, dos dissabores do processo – mas

transfigurado em poesia, numa forma efetivamente condizente com a ardente necessidade

estética e emocional do sonhador. Ele será inevitavelmente atraído por esse quadro

convidativo, apesar da escuridão e da gélida profundidade do poço. Alguns vestígios da

atmosfera desse sonho sobreviverão ao sono e perdurarão até a manhã do famigerado dia

95
de cumprir um dever tão antipoético. As sensações do sonho talvez deem um toque dourado

à triste realidade. (Jung, 1916/2014b, pp. 115-116).

Ainda sobre este sonho, o paciente faz associações e unifica a catedral de seu sonho à

catedral da Colônia, a qual conta que o impressionava deveras quando pequeno e que foi sua mãe

quem pela primeira vez lhe contou sobre ela e passou a desejar ser padre nesta catedral. Tratando-

se de uma lembrança infantil de extrema relevância para o paciente, Jung (1916/2014b, pp. 118-

119) observa no paciente uma intensa ligação materna e o faz associando a igreja a mãe,

considerando, dentre outros aspectos que “esta falha”, no caso a homossexualidade, “[...] poderia

ter sido evitada, se um homem tivesse cuidado do desenvolvimento de sua fantasia infantil”:

A história da catedral de Colônia, que a mãe contou ao garoto, tocou nessa imagem

primordial, despertando-a para a vida. Mas não apareceu um sacerdote educador, que

tivesse dado continuidade ao processo recém iniciado. Este permaneceu nas mãos da mãe.

O anseio pelo homem orientador deve ter desabrochado no menino, porém sob a forma de

uma tendência homossexual. Eventualmente, esta falha poderia ter sido evitada, se um

homem tivesse cuidado do desenvolvimento de sua fantasia infantil. Ora, o desvio para o

homossexualismo tem, na história, numerosos exemplos. Na Grécia Antiga, como em

outras sociedades primitivas, homossexualismo e educação eram, por assim dizer,

idênticos. Neste sentido, a homossexualidade da adolescência é uma aspiração pelo

homem, mal interpretada, mas nem por isso menos oportuna. Talvez também se possa

afirmar que o medo do incesto, que se origina no complexo materno, torna-se extensivo a

todas as mulheres. Contudo, na minha opinião, um homem imaturo tem toda a razão de

temer as mulheres, pois, em geral, as suas relações com elas são um fracasso. (Jung,

(1916/2014b, pp. 118-119).

96
Considerando a homossexualidade como possível de ser tratada e curada, Jung

(1916/2014b, p. 119) observa que o sonho teve a função terapêutica sobre o paciente de prepará-

lo para iniciar o tratamento a que este viera buscar:

Segundo o símbolo do sonho, começar o tratamento significa, para o paciente, realizar o

verdadeiro sentido da sua homossexualidade, isto é, introduzir-se no mundo do homem

adulto. O sonho resumiu, em poucas e expressivas metáforas, aquilo sobre o que estamos

refletindo penosamente, demoradamente, numa tentativa de compreensão plena; e criou

uma imagem atuante sobre a fantasia, sobre o sentimento e a compreensão do sonhador,

incomparavelmente mais rica do que o tratado mais erudito. O sonho preparou o paciente

para o tratamento melhor e com mais sentido do que a mais completa coleção de ensaios

médicos e educativos do mundo. (Por isso considero o sonho não só como uma fonte

preciosa de informações, mas também como um instrumento educativo e terapêutico

eficientíssimo.). (Jung, 1916/2014b, p. 119).

E, para fortalecer os conteúdos homossexuais presentes no sonho deste paciente, Jung

(1916/2014b) traz outro sonho que, em sua visão, inegavelmente era a continuação e complemento

do anterior, reiterando, assim, sua forma de compreender a homossexualidade:

[...]. O sonhador encontra-se novamente dentro da igreja; logo, no estado propício à

sagração do homem. Juntou-se-lhe uma nova figura: a do padre, cuja ausência observamos

na situação anterior. O sonho diz o seguinte: O sentido inconsciente da sua

homossexualidade foi preenchido; agora pode iniciar-se uma nova etapa de seu

desenvolvimento. A cerimônia da iniciação propriamente dita, quer dizer, o batismo, pode

ser iniciado. No simbolismo do sonho está confirmado o que eu dizia anteriormente: a

realização de tais transições e transformações de alma não é prerrogativa da igreja cristã,

97
mas por detrás está uma imagem viva, arcaica, capaz de operar tais mutações à força. (Jung,

1916/2014b, pp. 119-120).

Ao fazer associações com o sonho, o paciente mostra, assim como Jung (1916/2014b)

identificar conteúdos homossexuais neste. Jung observa que “O sonho indicava que o que devia

ser batizado era uma estatueta japonesa de marfim. O paciente faz a seguinte observação a

respeito”:

Era um homenzinho grotesco, que me lembra o órgão genital masculino. É estranho que

esse membro tivesse que ser batizado. Mas entre os judeus a circuncisão é uma espécie de

batismo. Deve ter alguma relação com o meu homossexualismo; pois o amigo que está

comigo, ao pé do altar, é aquele com quem tenho a ligação homossexual. Ele está na mesma

corporação acadêmica que eu. O anel representa provavelmente essa ligação. (Jung,

1916/2014b, p. 120).

O anel, considera Jung (1916/2014b, p. 120), na vida cotidiana corresponde à “[...] um sinal

de união ou de relação [...]. Portanto, esse anel pode ser interpretado tranquilamente como uma

metáfora da relação homossexual; o fato de o sonhador apresentar-se ao lado do amigo deve

significar o mesmo”. E, com isto, conclui que havia um mal que se queria tratar, no caso o

homossexualismo. Deste modo, o homossexualismo apresenta-se, na nesta ótica, como um mal a

ser tratado:

Ora, o mal que se quer tratar é o homossexualismo. Com a ajuda do sacerdote, e por meio

de uma espécie de cerimônia de circuncisão, o sonhador há de transferir-se desse estado de

relativa infantilidade para um estado adulto. Tais pensamentos correspondem exatamente

às minhas reflexões acerca do sonho anterior. Até aí, com o recurso das imagens

arquetípicas, o desenvolvimento estaria se processando, com lógica e sentido. Mas neste

98
ponto algo vem atrapalhar, aparentemente. Uma senhora de certa idade apropria-se

subitamente do anel da corporação. Em outras palavras, a partir deste incidente tudo que

até então era relação homossexual fica polarizado por ela. Isto faz com que o sonhador

tenha medo de uma nova relação comprometedora. O anel passa para um dedo de mulher,

o que significaria uma espécie de casamento, ou melhor, a relação homossexual teria

evoluído para uma relação heterossexual, mas uma relação heterossexual um tanto

estranha, pois trata-se de uma senhora de certa idade. “É uma amiga da minha mãe”, diz o

paciente. “Gosto muito dela; para dizer a verdade, ela é para mim uma amiga-mãe”. (Jung,

1916/2014b, p. 121).

Esta cerimônia no sonho permite, de acordo com Jung (1916/2014b), que a

homossexualidade do paciente seja modificada por uma relação heterossexual, denotando a

concretização desta possibilidade, revelando o pensamento de Jung na ocasião:

Por aí podemos deduzir o que acontece no sonho. A sagração faz com que a ligação

homossexual seja desfeita, e em seu lugar se estabeleça uma relação heterossexual;

primeiro, uma amizade platônica com uma mulher de tipo maternal. Apesar da semelhança

materna, essa mulher já não é a mãe. A relação significa, portanto, deixar a mãe para trás.

Logo, uma superação parcial da homossexualidade adolescente. (Jung, 1916/2014b, p.

121).

E, concluindo a superação da homossexualidade do paciente, observa Jung (1916/2014b,

p. 121) o medo da heterossexualidade, dado suas possíveis implicações, todavia, parece ser para o

paciente algo leve e reconfortante, considerando o que se segue no sonho:

O medo da nova ligação é compreensível. Primeiro, o medo da semelhança com a mãe

poderia significar, devido à dissolução da relação homossexual, uma total regressão à mãe;

99
segundo, o medo do novo e do desconhecido, inerente ao estado adulto heterossexual,

poderia acarretar consequências e responsabilidades, como casamento etc. A música do fim

do sonho parece confirmar que não se trata de um retrocesso, mas de um avanço. Pois o

paciente é dotado de grande sentido musical e a solenidade do órgão o emociona

fortemente. A música tem uma conotação muito positiva para ele, logo o fim do sonho é

reconciliador, e essa sensação de beleza e solenidade se estende pela manhã do dia seguinte.

(Jung, 1916/2014b, p. 121).

Discorrendo sobre a teoria de Jung acerca da homossexualidade, ressalta Hopcke (1993),

que em um segundo momento, Jung (1953/2013f) questiona Freud sobre a teoria da sexualidade,

ponderando:

Antes de examinarmos a solução da contradição, devo dizer algo mais sobre a teoria de

Freud da sexualidade e suas transformações. Como já disse, a descoberta de uma atividade

de fantasia sexual na infância que parece atuar de forma traumática leva-nos à hipótese de

que a criança possui necessariamente uma sexualidade quase plenamente desenvolvida, ou

mesmo polimorfo-perversa, ao contrário do que se supunha até então. Sua sexualidade não

parece estar centralizada na função genital e no outro sexo, mas se ocupa com o próprio

corpo, e por isso a criança foi considerada autoerótica. Quando seu interesse sexual se

orienta para fora, para uma outra pessoa, a criança não faz distinção de sexo, ou, se o faz,

é muito pequena; e por isso pode facilmente tornar-se “homossexual”. Em vez da

inexistente função sexual localizada, há toda uma série dos assim chamados maus hábitos

que, considerados sob este ponto de vista, parecem perversidades, porque possuem uma

semelhança muito grande com as perversões posteriores. (Jung, 1953/2013f, p. 119)29.

29
Para melhor compreensão destes conteúdos trazidos por Jung, pode-se ler a obra Freud e a psicanálise, OC 4.

100
A partir deste pensamento, Jung (1953/2013f) pontua que, se olharmos para a sexualidade

composta por elementos fixos homossexuais e heterossexuais, prendendo-nos, portanto, a padrões

rígidos, isto nos impedirá de considerarmos outras possibilidades de manifestações da sexualidade,

como em indivíduos que possam se interessar por pessoas do mesmo sexo e, em outros momentos,

por pessoas do sexo oposto ao seu.

A partir do caso de um jovem30 com desejos sexuais por pessoas do mesmo sexo e do sexo

oposto, Jung (1953/2013f) refletindo acerca de possibilidades que pudessem revelar a forma como

este fenômeno se dava, considera que:

A experiência nos obriga a um constante intercâmbio das componentes individuais entre

si. Está se formando um consenso de que as perversidades, por exemplo, vivem à custa da

sexualidade normal ou que a intensificação de uma das formas de uso da sexualidade

acarreta a diminuição de outra. Para melhor compreensão, dou um exemplo: um jovem

teve, por alguns anos, uma fase de homossexualismo; não se interessava por moças. Pouco

a pouco, por volta dos vinte anos, o seu interesse erótico passou a ser normal. Começou a

interessar-se pelas moças, e, em breve, superou também os últimos vestígios de sua

homossexualidade. Isso durou anos; teve êxito em várias aventuras amorosas. Por fim,

desejou casar-se; mas a decepção foi enorme, pois a amada lhe deu o fora. A primeira fase

que se seguiu foi a de renúncia completa à ideia de casamento. Em seguida, veio o

desinteresse por qualquer mulher e, um dia, descobriu que voltara a ser homossexual, pois

os jovens do sexo masculino provocavam nele um efeito excitante. (Jung, 1953/2013f, pp.

120-121)31.

30
Visão geral das antigas hipóteses In Freud e a psicanálise, OC 4.
31
O caso completo pode ser encontrado em Freud e a psicanálise, OC 4, § 247-250.

101
Questiona Jung (1953/2013f) de que forma as diversas formas de manifestação da

sexualidade haveriam de se dar e se comportar no ser humano e faz algumas conjecturas a partir

destas reflexões:

Nesta linha de pensamento, não se entende como a componente homossexual, considerada

tão estável, possa desaparecer por completo, sem deixar vestígios ativos. Seria muito difícil

imaginar essas mudanças. Uma saída seria considerar a evolução como tendo passado por

uma fase de homossexualismo na puberdade para depois instaurar e fixar definitivamente

a heterossexualidade normal. Mas como explicar, no caso presente, que o produto de um

desenvolvimento paulatino, que parece intimamente associado aos processos orgânicos da

maturação, seja repentinamente excluído por força de uma impressão, para ceder o lugar a

um estágio anterior. Ou – se postularmos a existência simultânea de duas componentes lado

a lado – por que só uma delas atua, e a outra não? Alguém talvez possa dizer que a

componente homossexual dos homens se revela de preferência através de uma

excitabilidade estranha, uma sensibilidade especial com relação a outros homens. Segundo

minha experiência, este comportamento característico, de que a sociedade nos oferece

exemplos todos os dias, tem sua causa aparente numa perturbação no relacionamento com

as mulheres, onde podemos encontrar uma forma especial de dependência que contém

aquele algo mais que tem o seu correspondente no algo menos da relação “homossexual”.

Jung (1953/2013f, p. 121).

Um pouco mais adiante, Jung (1953/2013f, p. 123) considera que o conceito de libido

advindo de Freud se constitui de um importante cenário capaz de demonstrar a “a troca de cenário

psicológico” da homossexualidade pela heterossexualidade, podendo-se dizer que a libido aos

102
poucos se movimentou da homossexualidade para a heterossexualidade, desaparecendo quase que

completamente. Analisa Jung:

O conceito de libido nos ajuda a compreender melhor o grande número de relações mútuas

das diversas funções sexuais. Mas isto suprime também a ideia original da multiplicidade

de componentes sexuais que lembram muito a concepção filosófica das “faculdades da

alma”. Esta ideia é substituída pelo conceito de libido que admite as mais variadas

aplicações. As componentes primitivas passam a representar meras potencialidades. Com

o conceito de libido, entra, no lugar daquela sexualidade originalmente composta de

diversas partes e dividida em diversas raízes, uma unidade dinâmica, sem a qual aquelas

importantes componentes primitivas não passam de potencialidades vazias. Este avanço

conceitual é muito importante: ele representa o mesmo progresso que o conceito de energia

trouxe para a física. Da mesma forma que a teoria da conservação da energia retira das

forças o caráter elementar e lhes confere o caráter de formas de manifestação de uma

determinada energia, assim também a teoria da libido retira das componentes sexuais o

significado elementar de “faculdades” da alma e lhes confere um valor meramente

fenomenológico. (Jung, 1953/2013f, pp. 123-124).

Considera ainda Jung (1953/2013f, p. 124) que a teoria da libido nos permitiria

compreender o caso do jovem a pouco citado, sendo que a decepção experimentada quando

ambicionava se casar fez com que sua libido se voltasse aos interesses homossexuais que

anteriormente experimentara. Observa o fato da importância em analisar para onde a libido havia

se deslocado no momento que lhe os interesses sexuais do jovem deixaram de se voltar para o sexo

oposto e defende que “Se aplicarmos este ponto de vista, como princípio heurístico, à psicologia

da vida de uma pessoa, faremos descobertas surpreendentes”. Avalia que onde há excesso mostra

103
uma falta na outra polaridade e, descobrir para onde a energia da libido foi deslocada é importante

tarefa da psicanálise.

Neste momento Jung (1953/2013f) questiona a dinâmica da libido, ou energia psíquica

conforme era até então compreendida e, a partir da reavaliação de suas antigas hipóteses, isto lhe

permite, no futuro, conceber a energia psíquica para além da sexualidade, presente em todas as

esferas da vida de uma pessoa. Considera Jung 1953/2013f, p. 121) que

Se considerarmos a sexualidade como constituída de duas componentes igualmente

estáveis: uma heterossexual e outra homossexual, não chegaremos a conclusão alguma

neste caso, pois a hipótese de componentes estáveis exclui qualquer possibilidade de

transformação. Para fazer justiça ao caso em questão, devemos admitir uma grande

mobilidade das componentes da sexualidade, a tal ponto que uma das componentes

desaparece quase por completo, quando a outra domina o primeiro plano. Se houvesse, por

exemplo, uma troca de posições e a componente homossexual mergulhasse com total

intensidade no inconsciente, deixando o campo da consciência entregue à componente

heterossexual, a moderna concepção científica nos levaria a esperar o surgimento de efeitos

inconscientes equivalentes. Estes efeitos deveriam ser considerados como resistências à

atividade da componente heterossexual, resistências, portanto, contra as mulheres. Mas não

há evidência disso no caso em questão. Havia, sim, ligeiros traços de tais influências, mas

de intensidade tão diminuta que não podiam ser comparados com a intensidade anterior da

componente heterossexual. (Jung, 1953/2013f, p. 121).

Neste sentido, explicam Salles e Melo (2011) que sendo a energia psíquica, indiferenciada

em uma primeira instância, parece pouco adequado acreditar que o inconsciente a discrimine

enquanto manifestação homossexual ou heterossexual, mas sim como energia sexual, o que vai de

104
encontro a postura de Jung ao não categorizar as pessoas por homossexuais ou heterossexuais, uma

vez que se categoriza coisas e não pessoas. Aclara Lingiardi (2011), que não é possível

categorizarmos a homossexualidade, pois ela não é uma categoria, de modo que como categoria

ela não existe, todavia, podemos olhar para os homossexuais, que, assim como a

homossexualidade, não podem ser categorizados, neste caso, podemos pensar a homossexualidade

e os homossexuais de forma plural e subjetiva.

Para Jung o processo de individuação estava acima do tipo de sexualidade manifesta pelo

indivíduo, mas por seu livre arbítrio em fazer escolhas e, sobretudo, em se tornar quem de fato se

é, da forma mais inteira possível, integrando luz e sombra. Elucidam Salles e Melo (2011, p. 19)

“[...] o que verdadeiramente é importante é como o indivíduo se forma e se torna o ser único e

diferenciado que se é”. Defende Ligiardi (2011) que “A formação de uma identidade sexual,

orientação de impulsos e desejos não pode ser separada de suas representações e da vida em

sociedade em função de uma política de gêneros”.

Ainda de acordo com Hopcke (1993, p. 36), esta concepção de Jung sobre a

homossexualidade não anularia a anterior, na qual o indivíduo homossexual revelaria uma

imaturidade inconsciente com relação ao sexo oposto, mas sim validaria este pensamento,

mostrando inclusive que no caso da homossexualidade tratar-se-ia de uma “[...] imaturidade

psicológica baseada nas transferências inadequadas com relação aos pais”.

À vista disto, um ano antes de seu falecimento, Jung (1960/2013g) ao escrever sobre a

psicogênese das doenças mentais e, ao abordar doença mental e psique, cita o caso de um de seus

pacientes, onde podemos notar a imaturidade de sentimentos e sua visão sobre a homossexualidade

como algo problemático, ao ponto de afetar-lhe emocionalmente apenas a cogitação de outrem

sobre sua sexualidade. Trata-se de um caso em que o rapaz descobriu que o acreditavam

105
homossexual e, a partir daí, suas ideias paranoicas ganharam independência, manifestando-se

livremente, manifestando-se e se instaurando uma doença mental. Relata Jung:

Quando era bem jovem, mas já dotado de grande capacidade intelectual, apaixonou-se

loucamente pela cunhada. Isso, naturalmente, aborreceu o marido que, no caso, era seu

irmão. Eram sentimentos imaturos, inspirados de luar, da busca da mãe como todos os

impulsos psíquicos ainda não maduros. Tais sentimentos precisam realmente da mãe, de

uma incubação prolongada para poder amparar o inevitável encontro com a realidade.

Embora esses sentimentos não constituam em si um equívoco ou uma maldade, podem

despertar suspeita e desaprovação, e ser, em geral, severamente julgados. A severa

interpretação que o irmão fez de seus sentimentos provocou um efeito desastroso, pois ele

a aceitou como verdadeira. Foi assim que se desfez o sonho. (Jung, 1960/2013g, pp. 257-

258).

Jung (1960/2013g) pondera que este fato não repercutiria necessariamente em um dano se

não custasse a vida sentimental de seu paciente. Esclarece que seu intelecto atuou como o irmão,

destruindo qualquer indicativo de sentimento, substituindo por insensibilidade e frieza. Considera

Jung que uma pessoa cuja natureza seja menos apaixonada, pode superar uma situação como estas,

entretanto, uma natureza cuja sensibilidade seja excessiva, pode sucumbir. E considera:

Ele acreditava estar conseguindo, pouco a pouco, alcançar esse ideal, quando descobriu

subitamente que o pessoal do restaurante e outros demonstravam por ele um estranho

interesse. Ironizavam-no, olhando-se como cúmplices. Certo dia, percebeu que o julgavam

homossexual. Com isso, as ideias paranoicas adquiriram autonomia. Podemos ver, sem

muita dificuldade, que existe um nexo estreito entre a austeridade do intelecto que afastava

com sangue frio todo sentimento e a convicção paranoica inabalável. É o que chamamos

106
de causalidade psíquica, ou psicogênese. Desse modo é que se manifestam – evidentemente

com múltiplas variações – não apenas a paranoia, mas também as formas paranoides de

esquizofrenia caracterizadas por ideias delirantes e alucinações. (Jung, 1960/2013g, p.

258).

Nesta perspectiva, Jung (1959/2014a) explica que os resultados do complexo materno se

dão de forma diferente sobre a filha e o filho. Sobre a filha, o complexo materno não oferece

complicações. De outra forma, sobre o filho:

Os efeitos do complexo materno diferem segundo ocorrerem no filho ou na filha. Efeitos

típicos no filho são o homossexualismo, o dom-juanismo e eventualmente também a

impotência32. No homossexualismo o componente heterossexual fica preso à figura da mãe

de modo inconsciente; no dom-juanismo, a mãe é procurada inconscientemente “em cada

mulher”. Os efeitos do complexo materno sobre o filho são representados pela ideologia

do tipo Cibele-Átis: autocastração, loucura e morte prematura. O complexo materno no

filho não é puro, na medida em que existe uma dessemelhança quanto ao sexo. Essa

diferença é a razão pela qual em cada complexo materno masculino, ao lado do arquétipo

materno, a anima do parceiro sexual masculino desempenha um papel importante. A mãe

é o primeiro ser feminino com o qual o futuro homem entra em contato e ela não pode

deixar de aludir, direta ou indiretamente, grosseira ou delicadamente, consciente ou

inconscientemente à masculinidade do filho, tal como este último toma consciência gradual

da feminilidade da mãe ou pelo menos responde de forma inconsciente e instintiva a ela.

No filho, as simples relações da identidade ou de resistência no tocante à diferenciação são

32
Conforme Jung, o complexo paterno desempenha aqui um papel considerável.

107
continuamente atravessadas pelos fatores de atração ou repulsa erótica. Assim sendo, o

quadro torna-se substancialmente complicado. [...]. (Jung, 1959/2014a, p. 91).

E, conclui, Jung (1959/2014a) que o complexo materno está sempre associado a ideia de

dano e sofrimento, por ser ele um conceito que advém da psicopatologia, todavia, se o olharmos

por outro viés, de modo mais amplo, poderemos ainda o encontrar sob a forma de manifestação

positiva:

[...] no filho, produz-se, além do homossexualismo ou em lugar dele, uma diferenciação do

eros (algo neste sentido é sugerido no Simpósio de Platão); ou então um desenvolvimento

do bom gosto e da estética, fomentados pela presença de um certo elemento feminino;

podem ainda ocorrer dons de educador aperfeiçoados pela intuição e tato femininos ou um

espírito histórico conservador no bom sentido que preserva cuidadosamente todos os

valores do passado. Pode ocorrer um sentido especial de amizade que tece laços

extremamente delicados entre almas masculinas, e até resgata a amizade entre os sexos da

condenação ao limbo da impossibilidade. Pode produzir uma riqueza do sentimento

religioso, que ajuda a tornar realidade uma ecclesia spiritualis33, e enfim uma receptividade

espiritual que acolhe a Revelação. (Jung, 1959/2014a, p. 92).

Além disto, Hopcke (1993, p. 36) enfatiza que Jung considera que as paixões, sejam elas

heterossexuais ou homossexuais, são originárias de mecanismos de identificação e projeção, no

qual para cada identificação algo é projeto, sendo que, na homossexualidade, pela identificação

que se tem com a anima, a persona é projetada e, na heterossexualidade, devido a identificação

com a persona, a anima ou o animus são projetados. Neste ângulo, observa Jung (1959/2014a, p.

202) que:

33
Palavra oriunda do latim que significa igreja espiritual.

108
Uma vez que a totalidade do homem, na medida em que não é constitutivamente

homossexual, só pode ser uma personalidade masculina, a figura da anima não pode ser

catalogada como um tipo de personalidade supraordenada, mas requer uma avaliação e

posição diferentes. (Jung, 1959/2014a, p. 202).

E, sobre a forma de aparecimento da anima, Jung segue elucidando: “A anima aparece nos

produtos da atividade inconsciente também sob a figura da jovem e da mãe, razão pela qual a

interpretação personalista a reduz sempre à mãe pessoal, ou a qualquer outra mulher”. Jung

(1964/2008) cita o sonho de um de seus pacientes, Henry, onde a personificação da anima presente.

Este sonho pareceu -me revelar uma deformação homossexual de Henry: julgava que uma

"máscara'' feminina o tornaria atraente para os homens. Esta hipótese foi confirmada no

seguinte sonho: Volto aos meus cinco ou seis anos. Meu colega desta época diz-me como

se entregou a um ato obsceno com o diretor de uma fábrica. Colocou sua mão direita sobre

o pênis do homem para aquecê-lo e, ao mesmo tempo, para aquecer sua mão. O diretor era

amigo íntimo de meu pai e eu o respeitava por inúmeras razões. Mas ríamo-nos dele

chamando-o "o eterno adolescente''. Para crianças desta idade, brincadeiras de caráter

homossexual não são raras. O fato de Henry voltar a este assunto no sonho indica que

estava dominado por um sentimento de culpa fortemente reprimido. Estes sentimentos

estavam ligados a um profundo receio de contrair um laço duradouro com uma mulher. Um

outro sonho e suas associações ilustram este conflito: Tomo parte no casamento de um

casal desconhecido. A uma da manhã o pequeno grupo — os recém-casados, o padrinho e

a dama de honra — volta da cerimônia. Entram num grande pátio onde os espero. Parece

que os noivos já tiveram uma briga, assim como o outro casal. Solucionam o problema

109
decidindo que os dois homens e as duas mulheres irão dormir separados. (Jung, 1964/2008,

p. 386).

Logo surge em Henry a ideia de que aquela não é uma figura de mulher, mas a de

um homem prostituído. A figura torna-se, assim, hermafrodita, como muitas figuras

mitológicas (e como o "padre" do primeiro sonho). A insegurança a respeito do seu próprio

sexo pode, muitas vezes, ser observada na puberdade; e por isso a homossexualidade no

período da adolescência não é um fator raro. Tampouco é excepcional essa incerteza num

jovem com a estrutura psicológica de Henry; ele já deixara entrever isto em alguns dos seus

primeiros sonhos. (Jung, 1964/2008, pp. 389-390).

Constata Lingiardi (2011) que estas hipóteses advêm de homossexuais que buscaram por

ajuda psicoterapêutica com esta temática, assim sendo, de uma amostragem que não representa a

população de homossexual. Outrossim, mesmo em pacientes gays com mães superprotetoras ou

famílias disfuncionais, haveria de se questionar se a homossexualidade infantil seria causa ou

consequência, na qual o afastamento do pai poderia se dar pela percepção desconfortável, ainda

que inconsciente, da sexualidade do filho, não aceitando-a. Isto poderia inclusive nos levar a

refletir sobre a existência de projeção de sombra por parte do pai ao filho, rejeitando e negando no

outro aquilo que incomoda e nega em si.

Argumenta ainda Silveira (2011) que, no amor entre mulheres, por exemplo, não há a

caracterização necessária de problemas entre a mulher e seu pai, mas, sim, o arquétipo feminino

sendo realizado na mulher. Considera Silveira (2011) que ao se fixar na interpretação do complexo

enquanto única possibilidade plausível para a homossexualidade, impede que se chegue ao

verdadeiro núcleo do imaginário feminino.

110
Silveira (2011) postula que quando a sexualidade é compreendida como um problema ela

demonstra uma busca frustrada de estabelecer para algo tido como uma verdadeira feminilidade

ou masculinidade, lesada pela ascendência matriarcal ou patriarcal, caracterizando projeção de

sombra.

Para compreendermos melhor este aporte de Silveira, precisamos recorrer a Jung que

concebe sombra e persona como pares de opostos, necessitando-se uma compreensão de ambos,

neste caso.

Desta forma, de acordo com Jung (1921/2013i) persona e sombra são pares de opostos.

Personas são personalidades adaptativas e conscientes, que criamos para apresentamos ao mundo

exterior, são máscaras que utilizamos para aparecermos frente à sociedade correspondendo às suas

expectativas, ao passo que a sombra está presente no inconsciente pessoal e coletivo. Segundo

Jung, na sombra estão presentes conteúdos reprimidos pela consciência dos quais não nos

orgulhamos de tê-los em nós e por isso o negamos e os ocultamos. Por não suportar, o ego reprimi

o que não deseja ter em si, mandando estes conteúdos para sombra, sendo, portanto, a sombra o

nosso contraponto com a Persona, podendo (a sombra) ser positiva ou negativa, dependendo do

que a contém. O que nos incomoda no outro e rejeitamos é parte de nós e está em nossa sombra.

Nesta mesma perspectiva, observam Baron Mussi e Serbena (2015) que quando algo em

nós que podemos ver no outro, então é possível se falar sobre projeção e este conteúdo, reprimido

em função de um ego ideal, estará inconsciente na sombra. Esclarecem ainda que, na sombra de

cada um, há diversos conteúdos inconscientes que podem ser projetados a qualquer momento e,

sobre eles, recaem medo e insegurança, considerando o outro como uma ameaça para si e, neste

processo, a projeção pode se dar de forma agressiva.

111
Considera Schmookler (1980/2012), ao falar sobre sombra, que mostrar-se como se é de

fato causa medo da inaceitação por parte do outro. E, somente quando alcançamos a verdadeira

fortaleza de admitir a nossa condição moral imperfeita, deixaremos de ser possuídos por demônios,

que compõem a nossa sombra e que estão prontos a qualquer momento a nos “agarrar pelas costas”

e nos sabotar em nós mesmos.

Para Baron Mussi & Serbena (2015), conforme Whitmont (1995), a expressão sombra diz

respeito a uma parte de nossa personalidade que foi reprimida pela consciência, para sombra, para

que possa existir, assim, um ego ideal, a partir das expectativas do mundo e do outro sobre nós.

No momento em que as pessoas não se identificam com atributos de sua personalidade e os

reprime, estes atributos vão para sombra, de modo que nela não há apenas conteúdos negativos,

mas também conteúdos criativos e que, apenas, não puderam ocupar lugar na consciência naquele

determinado momento, em função de algo que deveria ser socialmente cumprido, correspondendo

ao esperado de si pelo mundo externo.

Neste sentido, no amor entre pessoas do mesmo sexo, amor este, combatido, condenado e

reprimido, a primeira dificuldade a se vencer é o preconceito quanto a sua própria condição,

comumente encontrado na literatura como homofobia internalizada, infringido pelo meio social.

Neste contexto, pode-se observar como a homofobia pode ocupar espaço de profunda dor para os

homossexuais, no qual, assumir-se, é, muitas vezes, o primeiro passo no processo de individuação,

para se tornar mais inteiro e íntegro consigo mesmo. (Silveira, 2011). Conforme Santos (2022, p.

90),

Quando produzimos fissuras na heteronormatividade, somos chamados de volta para

dentro dela, pois adaptar-se é uma necessidade humana. Contudo, como ensina a psicologia

analítica, a verdadeira transformação só se faz ao deixar a adaptação massificada para viver

112
uma ética individuada, em diálogo com as exigências da fantasia. Por isto, uma consciência

crítica que recebe a fantasia é, em todo sentido, um potencial modo de romper com a

dinâmica de opressão que nos coloca não só como vítimas, mas também como

perpetuadores de uma homofobia internalizada entre nós. (Santos, 2022, p. 90).

Considera Silveira (2011) que ao se ser capaz de assumir-se e viver sua masculinidade

enquanto um sujeito homossexual é um caminho para se confrontar a persona até então vista como

inadequada e, neste processo, se dá a possibilidade de aceitar o masculino arquetípico. Para

Silveira, (2011) uma persona adequada, capaz de representar e conter os desejos interiores de cada

um, sem negá-los, que consiga proteger o indivíduo de suas dores e do meio externo, sendo, ao

mesmo tempo, branda e flexível, conservada e expressiva, é um dos afazeres psicológicos mais

importantes.

O ocidental criou uma ciência sexual que examina, observa e cria regras, diferente do

oriente, que não tinha uma ciência sexual, mas uma arte erótica, em que havia um processo de

exploração de vida e não em classificação e identificação como no ocidente. (Silva, 2020).

Jung (1954/2013d), ao explanar sobre a questão da sexualidade nos remete ao pensamento

de que quando falamos com tanta paixão e tanto rancor, quem está investido de libido é o “nós”

que critica, aquilo em nós que faz a crítica.

Esclarece Hocpke (1993), inicialmente Jung pondera se a homossexualidade adviria de

uma relação imatura em relação ao sexo oposto, todavia, em um segundo momento, de 1920 a

1927, no qual Jung iniciou o desenvolvimento de sua teoria sobre o aparelho psíquico, conceitua

a homossexualidade como “alma-imagem”, no qual para o homem, a “portadora de sua alma-

imagem”, dado as características femininas desta, seria a mulher e, para a mulher, seria o homem

este portador. Esta alma-imagem, sendo projetada no outro, resultaria em duas pessoas do sexo

113
oposto se apaixonando e, onde não houvesse esta projeção, mas sim da persona, seria uma

possibilidade das explicações da homossexualidade, explica Hopcke (1993, p. 35).

Jung (1921/2013i), no decorrer de seus estudos34, faz menção a homossexualidade

associando-a a imagem da alma e se refere a alma enquanto a imagem da mulher, do feminino, em

suas diversas possibilidades de manifestação:

Para o homem, o portador mais adequado da imagem da alma é a mulher, por causa das

qualidades femininas de sua alma e, para a mulher, é o homem. Sempre que houver uma

relação absoluta, de efeito mágico, por assim dizer, entre os sexos, trata-se de projeção da

imagem da alma. Sendo frequentes essas relações, também a alma tem que ser muitas vezes

inconsciente, isto é, muitas pessoas não tomam consciência do modo como se comportam

para com os processos psíquicos internos. E pelo fato de essa inconsciência vir sempre

acompanhada de uma total identificação com a persona, esta identificação tem que ser

muito frequente. Realmente, muitas pessoas se identificam tanto com sua atitude externa

que já não têm relação consciente alguma com os processos internos. Mas também pode

acontecer o contrário: que a imagem da alma não seja projetada, mas permaneça no sujeito.

Disso resulta tal identificação com a alma que o sujeito se convence de que o modo como

se comporta em relação aos processos internos seja também seu único e real caráter. Devido

à sua inconsciência, a persona, neste caso, é projetada e, além disso, sobre um objeto do

mesmo sexo – o que explica muitos casos de homossexualidade aberta ou latente, ou de

transferências de pai, nos homens, e transferências de mãe, nas mulheres. Esses casos

acontecem sempre com pessoas com adaptação exterior deficiente e com relativa falta de

relacionamento, pois a identificação com a alma cria uma atitude que se orienta

34
Definições In Tipos Psicológicos, OC 6.

114
principalmente pela percepção de processos internos – o que retira do objeto a influência

determinante. (Jung, 1921/2013i, pp. 463-464).

O conceito empregado neste primeiro momento por Jung (1921/2013i), como alma, ou

mesmo citado como alma-imagem por Hopcke (1993), mais adiante será chamado por Jung por

anima/animus. Importante esclarecer que ao longo de sua vida, Jung revê sua teoria, retomando

suas ideias anteriores, reformulando-as e avançando com novos insights35, isto permite com que

em nenhum momento Jung encerre sua teoria, mas a torne dinâmica e suscetível de mudança, a

partir de novas percepções e experiências.

Ao se referir a anima e animus, Jung (1928/2015b) pontua que a anima, no homem, é a

figura de compensação da consciência masculina, ao passo que o animus, na mulher, é a figura de

compensação da consciência feminina. Em outras palavras, anima e a animus são contrapontos

sexuais no homem e na mulher, respectivamente.

Nesta mesma direção, de acordo com Hopcke (1989/2012) anima e animus são arquétipos

contrassexuais que se mostram presentes nos sonhos e atuam como psicopompos, mediando os

processos inconscientes e conscientes. Por serem arquétipos, não podem ser integrados a

consciência.

Franco (2022, p. 122b) considera que

[...] os conceitos de anima e animus, comumente associados a determinadas características

do “ser mulher” e do “ser homem” ou à feminilidade e masculinidade, estão sendo usados

muitas vezes de modo equivocado, em especial quando vinculam a temática de gênero a

figuras estáticas. O uso popular da teoria arquetípica de Jung transformou a perspectiva dos

35
Palavra escrita no idioma inglês que significa, em português, revelações súbitas de algo, compreensão, percepção,
inspiração, epifania.

115
arquétipos em uma matéria de direção unicamente essencialista, quando sua teoria aponta

para outros parâmetros.

E, observa Franco (2022b, p. 122), ao citar De Sá e Deola (2019, p. 15) que

[...] estas confusões são causadas pela personificação literal no entendimento da dinâmica

psíquica relacionada ao princípio de complementariedade, ou seja, uma tentativa de

objetivar tecnicamente a anima e o animus. Há que enxergar a personificação da anima e

do animus por meio das imagens e figuras que se revelam, de modo a superá-las e transpô-

las.

No que diz respeito a homossexualidade sendo vista a partir dos arquétipos de

anima/animus, Silveira (2011) nos convida a ponderar sobre este tema do mesmo modo que

refletimos sobre todas as expressões de vida no ser humano, como parte do amor e da manifestação

da sexualidade que, no processo de individuação, coloca-nos da forma mais profunda possível, em

contato com nosso inconsciente, com o feminino/masculino em nós mesmos.

O arquétipo, segundo Jung (1959/2014a), está presente no inconsciente coletivo da

humanidade e possui uma característica sagrada, numinosa. Não temos acesso ao arquétipo em si,

mas às experiencias arquetípicas. O arquétipo é uma forma, uma imagem, algo que,

individualmente, cada um vai presenciar quanto àquela forma. É um modelo que depende de quem

vivência e num determinado momento. Um exemplo disso é o arquétipo materno, no qual, dentro

da forma arquétipo mãe há uma gama de possibilidades e, dependendo da vivência de cada um

junto a sua mãe, é que este arquétipo será experienciado. Jung (1967/2013a), refere-se ao

arquétipo, dizendo:

[...] parece-me provável que a verdadeira natureza do arquétipo é incapaz de tornar-se

consciente, quer dizer, é transcendente, razão pela qual eu a chamo de psicóide. Além disto,

116
qualquer arquétipo torna-se consciente a partir do momento em que é representado, e por

esta razão difere, de maneira que não é possível determinar, daquilo que deu origem a essa

representação. (Jung, 1967/2013a, p. 163).

Considerando, portanto, que anima e animus são arquétipos e estruturas inconscientes

representantes da parte sexual oposta de cada um (no homem tem-se a anima como correspondente,

e na mulher o animus), tende-se a buscar no outro aquilo que completa a cada um nos

relacionamentos íntimo-afetivos e, sendo assim, cabe-se perguntar: e no caso de pessoas que se

apaixonam por outras do mesmo sexo, o que ocorre, então?

Não havendo dissociação entre papel sexual e gênero, pondera Hopcke (1993) que Jung

considera a homossexualidade arquetípica ao se referir a anima/animus, e como oriunda de uma

imaturidade psicológica, além de um desejo do indivíduo em ser do sexo oposto ao seu. E, para

ser mais bem compreendida, necessita ser observada a partir de um contexto histórico e cultural.

Considera Hopcke (1993) que Jung não concebia a homossexualidade como algo absurdo e

incoerente, mas como uma manifestação universal da sexualidade humana, em determinada época

e cultura. Nesta perspectiva, de acordo com Hopcke (1993) Jung demonstrava considerar

inadequada os conteúdos projetados inconscientemente e não a homossexualidade em si. Sendo

assim, não havia demonstração de julgamento a respeito da sexualidade do indivíduo, tampouco

uma preocupação declarada com ela, mas, diferente disto, com a forma como o indivíduo poderia

viver sua sexualidade, expressando-a no mundo, de forma salutar, caminhando assim em seu

processo de individuação, de tornar-se quem se é, da forma mais inteira e integrada possível.

Segundo Barcellos (2011), a obra de Jung está embasada em imaginário arquetípico, em

que há a contraposição de masculino, feminino e andrógino, de modo que é possível que a condição

sexual de cada pessoa decorra de subjetividades.

117
Neste sentido, de acordo com Franco (2022b, pp. 121-122), ao se debruçar sobre as obras

de Jung, sobretudo O Livro Vermelho, Mysterium Coniuctionis e Arquétipos e o Inconsciente

Coletivo, permite observar a presença e atuação das instâncias animus e anima como energias

psíquicas complementares, operando como polaridades em busca da concretização “da união dos

opostos ou ainda Coniunctio, união alquímica, ou ‘casamento sagrado’.” Esclarece Franco (2022b,

pp. 121-122) que

[...] Jung postula, de fato, uma psique híbrida, em que animus e anima estariam presentes

como energias e representações do masculino e do feminino sem um conteúdo definido em

todos os seres humanos, atuando de forma complementar no dinamismo da psique. (Franco,

2022b, pp. 121-122).

Com a proposta de Jung de integração, união, fusão, conciliação de opostos

(coincidentia oppositorium), baseada em uma dimensão mítica de busca pela totalidade e

integralidade perdidas, os conceitos de animus e anima ganham uma perspectiva que foge

do dualismo binário e caminha para a androginia. (Franco, 2022b, pp. 121-122).

Considerando que a ideia da orientação sexual surgiu de uma interação complexa entre o

feminino, o masculino e o andrógino, talvez pensar a inclinação sexual como sendo um fenômeno

arquetípico multifacetado é abrir espaço para o plural, para o diversificado, para atrações eróticas

que não se encaixam em categorias pré-determinadas pelo ocidente, de heterossexualidade e

homossexualidade, mesmo porque as pessoas não são categorias, são pessoas. Neste sentido,

declara Barcellos (2011):

Quero enxergar no homoerotismo, do ponto de vista arquetípico, outro estado de coisas –

outro mythos e outro pathos. O “terceiro sexo” é, para mim, um tipo de eros; não uma

mistura andrógina transcendente e reconciliadora, mas “outro sexo”, outro eros, outra

118
forma de amor – que se sustenta a si mesma e que, principalmente, deve ser compreendida

nela mesma, ou seja, a partir de suas próprias configurações arquetípicas. (Barcellos, 2011,

p. 79).

Ao pensamento de Barcellos, Silveira (2011) acrescenta que Eros é um potencial sexual

humano em sua natureza arquetípica. Eros é o amor em todas as suas realizações, é o filho da deusa

grega Afrodite e tem a representação do amor da forma mais sublime, podendo ele ser erotizado

ou não.

Ao arquétipo do Andrógino, Hopcke (1993) pontua que, de 1936 a 1950, Jung amadurece

seus pensamentos e aprofunda-se neles até o final de sua vida. E, neste período, pondera sobre a

homossexualidade observando que “As descobertas no campo da psicologia demostram que se

trata de uma questão de desligamento incompleto do arquétipo do hermafrodita, aliado a uma

resistência evidente com o papel do ser sexual unilateral”. Assegura Hopcke (1993) que

O conceito de homossexualidade inerente – ou seja, de uma orientação em direção ao

mesmo sexo que seja inata e não adquirida – é uma ideia venerável na psicologia. É óbvio

que, se isso pudesse ser determinado de forma definitiva, o tratamento clínico de homens

e mulheres homossexuais adquiriria um rumo diferente. As evidências em apoio a essa

hipótese de que a homossexualidade é inata ou pelo menos resulta de algum tipo de

predisposição genética pode ser encontrada nas memorias de homens e mulheres gays que

experimentam atrações e sentimentos em relação ao mesmo sexo numa época tão primitiva

de seu desenvolvimento que sua personalidade mal estava formada. (Hopcke, 1993, p. 50).

E, neste mesmo sentido, Jung (1959/2014a, p. 81) considera que:

[...] pessoas mais jovens, antes de atingirem a metade da vida (por volta dos trinta

e cinco anos) conseguem suportar sem dano até mesmo a perda aparentemente total da

119
anima. Em todo caso, neste estágio um homem deveria conseguir ser um homem. À medida

em que cresce, o jovem deve poder libertar-se do fascínio pela anima, exercido sobre ele

pela mãe. Há, no entanto, exceções, especialmente no caso de artistas, onde o problema se

coloca frequentemente de modo bastante diferente; o mesmo se dá com o homossexualismo

que em geral se caracteriza por uma identificação com a anima. Em vista da conhecida

frequência deste último fenômeno, concebê-lo como uma perversão patológica é

extremamente questionável. Segundo as descobertas da psicologia, trata-se mais de um

desligamento incompleto do arquétipo hermafrodita, unido a uma resistência expressa a

identificar-se com o papel de um ser sexual unilateral. Uma tal disposição não deve ser

julgada sempre como negativa, posto que conserva o tipo humano originário que, de certa

maneira, se perde no ser sexualmente unilateral. (Jung, 1959/2014a, p. 81).

E assim Jung dá um importante passo sobre a homossexualidade, ao concebê-la além de

um resultado de um complexo materno ou paterno, uma relação desarmônica com a anima/animus,

um problema de inconsciente pessoal ou coletivo. A homossexualidade passa a ser vista como uma

busca obstinada para se obter a integração psicologia, rumo ao processo de individuação.

Este olhar reflete muito da psicologia analítica, que concebe o indivíduo a partir de sua

totalidade e não de suas partes isoladas, de modo que a homossexualidade teria pouca importância

a se considerar frente ao indivíduo como um todo. Observa Hopcke (1993) que os pressupostos de

Jung mostraram que:

[...] a homossexualidade era tão variável quanto um indivíduo o é em relação ao outro; que

cada uma dessas várias homossexualidades contêm as sementes de um crescimento

positivo e a ameaça de efeitos negativos para a personalidade do indivíduo. Já que ela tem

um significado particular para cada pessoa, deve-se enfrentar o desafio de compreender o

120
sentido dessa homossexualidade para cada uma e tomar uma decisão moral sobre como

exprimir esse significado em sua vida cotidiana. (Hopcke, 1993, p. 65).

O afinamento das ideias de Jung, transferindo a homossexualidade de uma visão simplista

à uma concepção mais rigorosa cientificamente, pode ser observado em seu livro Civilização em

Transição, publicado no ano de 1964, após sua morte, mediante anotações encontradas.

Jung (1964/2013c) ao fazer considerações acerca da forma de manifestação da sexualidade

de um estudante36, reflete também sobre o amor e, nesta perspectiva, claramente percebe-se a

sofisticação de suas reflexões:

O amor é sempre um problema em qualquer idade. [...]. O amor é uma das grandes forças

do destino que vai do céu ao inferno. [...] todos os critérios e regras gerais perdem sua

validade, exatamente no caso da crença religiosa que, no decorrer histórico dos

acontecimentos, sempre de novo foi codificada, mas que, como fenômeno primordial, é

sempre uma experiência individual, não se curvando a nenhuma regra tradicional. [...].

Com o amor dos esposos saímos do campo espiritual e entramos naquela esfera que medeia

entre espírito e instinto onde, por um lado, a pura chama do eros incendeia o ardor da

sexualidade e, por outro, se misturam formas ideais de amor como amor aos pais, amor à

pátria e amor ao próximo com a ânsia de poder pessoal, o desejo de posse e dominação.

[...]. O amor dos namorados vai mais fundo. Quando falta a bênção nupcial, a bênção ao

compromisso da vida em comum, então este amor pode ser transfigurado pela força do

destino ou por sua própria natureza trágica. Via de regra, porém, o instinto predomina com

seu ardor escuro ou seu fogo de palha bruxuleante. Mas a palavra amor ainda não encontrou

aqui seus limites. Com palavra “amor” entendemos também o ato sexual em todos os níveis

36
A discussão completa sobre o amor e o caso do estudante, pode ser encontrado em O problema amoroso do estudante
In Civilização em transição, OC 10/03, § 197-235.

121
[...]. Fala-se também do amor entre rapazes, entendendo-se com isto a homossexualidade

que desde a época clássica da Grécia perdeu a aura de uma instituição social e educativa e

está condenada a uma existência miserável e aterradora, chamada de perversão, ao menos

no que diz respeito aos homens. Nos países anglo-saxões, porém, a homossexualidade entre

mulheres parece significar ultimamente bem mais do que lirismo sáfico, na medida em que

serve de suporte à ideia da organização social e política das mulheres, exatamente como a

homossexualidade masculina foi importante fator no surgimento da pólis grega. (Jung,

1964/2013c, pp. 107-109).

Demonstrando bastante acuidade ao se referir a forma de manifestação sexual do estudante,

Jung (1964/2013c, p. 110), ao iniciar a apresentação e discussão de seu caso, pondera que o tema

desta discussão é o “problema amoroso do estudante” e frisa que tal problema amoroso refere-se

“à relação de ambos os sexos entre si”, e não à “questão sexual do estudante”. E, a fim de não

deixar dúvidas sob o ponto de vista que seguirá com sua explanação, declara que a “questão sexual

só entraria na discussão enquanto fosse um problema amoroso e, respectivamente, de

relacionamento”.

No decorrer da exposição deste caso, ao falar sobre a sexualidade no homem no período da

puberdade, Jung (1964/2013c, pp. 115 e 117), mediante os estudos desenvolvidos ao longo de sua

vida até aquele presente momento, observa que:

Na puberdade, a experiência é muitas vezes homossexual e é muito mais frequente do que

imaginamos; mais tarde são experiências heterossexuais, nem sempre bonitas. [...]. Não é

raro haver relações homossexuais entre estudantes, e em ambos os sexos. [...]. Não falo

aqui daqueles homossexuais patológicos que são incapazes de verdadeira amizade e,

portanto, não são bem aceitos entre os normais, mas dos jovens mais ou menos normais

122
que sentem uma amizade tão entusiástica um pelo outro que manifestam este sentimento

também sob forma sexual. [...]. Pode também a relação homossexual entre pessoa mais

velha e mais jovem ser proveitosa para ambas e significar uma melhoria na vida. Condição

indispensável para a validade desse relacionamento é a lealdade e constância da amizade.

[...]. Os mesmos aspectos positivos podem ser apontados na amizade entre mulheres, só

que aqui a diferença de idade e o momento educativo têm menos importância. Serve mais

para troca de sentimentos carinhosos, por um lado, e troca de ideias, por outro. [...]. Em

casos normais, a prática da homossexualidade não prejudica a vida heterossexual posterior.

Ambas as práticas podem inclusive subsistir por certo tempo. Conheci uma mulher muito

inteligente que viveu grande parte de sua vida numa relação homossexual e que aos

cinquenta anos resolveu assumir um relacionamento normal com um homem. (Jung,

1964/2013c, pp. 117-118).

Jung, ao longo de sua vida, por diversas vezes revê seus próprios pensamentos e teoria,

contestando-a e buscando formas de aferi-la e validá-la, caso estivesse correta. Foi um estudioso

sobre a psique humana e, em uma de suas leituras, sobre Zaratustra de Nietzsche, demonstra seu

entusiasmo e meticulosidade com a literatura e, no intuito de mostrar o primor e o refinamento do

que lia diz “[...] dois homossexuais o aprovavam abertamente: um acabou por suicidar-se e o outro

afundou-se como um gênio ignorado. Os demais, em presença do fenômeno Zaratustra, não

ficaram perplexos, mas simplesmente insensíveis”. (Jung, 1961/2015a, p. 117).

Uma de suas reflexões sobre sua teoria no que diz respeito a homossexualidade, é possível

de ser observada quando Jung (1961/2015a) relata uma passagem, no início de 1920, em viagem

à África do Norte:

123
[...] Alguns martins-pescadores fulgurantes como joias fugiam através da folhagem. Neste

relativo frescor da sombra verde moviam-se formas vestidas de branco, um número

extraordinariamente elevado de pares amorosos, estreitamente enlaçados numa evidente

amizade homossexual. Senti-me bruscamente transportado à antiguidade grega, quando tal

tendência era o cimento da sociedade dos homens e da polis, fundada sobre ela. Ficou claro

para mim que, aqui, os homens falavam aos homens e as mulheres às mulheres. Encontrei

raras figuras femininas, quase que totalmente veladas, como freiras. Vi algumas sem véu.

O intérprete explicou-me que eram prostitutas. Nas ruas principais, os homens e as crianças

constituíam o fundo do quadro.

O intérprete confirmou que o homossexualismo era frequente e natural, e me fez

propostas em seguida. O bom homem não desconfiava dos pensamentos que, como o raio,

se tinham apoderado de mim e iluminado a situação. Senti-me transportado para vários

séculos atrás, no passado, no mundo infinitamente mais ingênuo de adolescentes que

apenas começavam, com a ajuda de um frágil conhecimento do Corão, a livrar-se do estado

original, crepuscular, que existia desde os tempos mais remotos, e a tomar consciência da

própria existência, a fim de se protegerem da dissolução ameaçadora que vinha do norte.

(Jung, 1961/2015a, p. 242).

Fato é que as relações e fantasias eróticas entre pessoas do mesmo sexo estão presentes em

todas as épocas da história. Salles e Melo (2011) afirmam que o que de fato importa “[...] é como

um indivíduo se forma e se torna o ser único e diferenciado que se é sem que venha a sucumbir

aos preceitos ditados pelas normas e convenções sociais”. E embasa este seu pensamento no fato

de que, em sua concepção, “[...] o processo de individuação, significa “ser aquilo que se é”, sem

124
quaisquer adjetivos de conotação positiva ou negativa, independentemente de qualquer orientação

sexual”. (Salles & Melo, 2011, p. 19).

Jung (1964/2013c) sustenta em sua teoria que a psique humana é composta pelo

inconsciente pessoal e coletivo, sendo o inconsciente pessoal formado pela história pessoal do

indivíduo constituída ao longo de sua vida e o inconsciente pessoal pela história da humanidade.

O inconsciente pessoal se forma a partir do coletivo.

No inconsciente pessoal estão materiais reprimidos, recalcados, sem energia suficiente para

estarem na consciência. Pode-se comparar o trauma a uma ferida psíquica, como um complexo

com elevada carga emocional. São conteúdos que podem emergir à consciência por meio de

sonhos, imaginação ativa e outros estímulos. (Jung, 1964/2013c). Acentua Jung que:

Além dos fatos esquecidos, existem também percepções subliminares, quer sejam simples

percepções sensoriais que ocorrem sob o limiar da estimulação auditiva ou do campo visual

externo, ou apercepções, isto é, percepções assimiladas abstratamente de processos

internos ou externos. Todo este material constitui o inconsciente pessoal, nós o chamamos

de pessoal porque consiste inteiramente de experiências da vida pessoal. (Jung,

1964/2013c, p. 17).

Ao se referir aos sonhos, Jung reflete sobre a importância em não o traduzir para o paciente,

pois literalizá-lo incorrerá em sufocar o valor simbólico que este contém. Como ilustração, Jung

(1953/2013f, p. 239) relata o sonho trazido por um de seus pacientes e a maneira como o manejou.

Seu paciente sonhou: “[...] subia com minha mãe e minha irmã uma escada. Chegando ao topo,

fomos informados de que minha irmã teria um bebê”.

Jung observa componentes sexuais presentes no sonho, no que diz respeito a escada,

todavia, observa que se literalizar a escada como um símbolo sexual, o terá que fazer com os

125
demais símbolos presentes no sonho (mãe, irmã, bebê), de modo que as imagens oníricas perderão

sua capacidade simbólica. Frente a isto, o paciente deverá fazer as próprias associações. Não tendo

traduzido o sonho ao paciente, mas permitido que este fizesse suas próprias associações, como

consequência, Jung (1953/2013f) declarou:

[...]. O resultado foi surpreendente. Vou apresentar, palavra por palavra, as associações

referentes a cada parte do sonho, de forma que os senhores mesmos possam formar um

juízo sobre o material. Devo antecipar que o jovem havia concluído, poucos meses antes,

seus estudos universitários. Depois, não conseguiu se decidir na difícil escolha de uma

profissão, e ficou neurótico. Abandonou, por isso, o trabalho. Sua neurose assumiu, entre

outras, a característica homossexual. (Jung, 1953/2013f, p. 239).

Embora o sonho traga elementos arquetípicos, presentes no inconsciente coletivo, de

acordo com Jung (1953/2013f) a função compensatória dos sonhos é pessoal e diz respeito a cada

sonhador. E, como um mecanismo de autorregulação da psique, nos sonhos ocorre uma liberação

de energia do inconsciente que leva à consciência conteúdos reprimidos e ocultos a ela, podendo

revelar conteúdos sombrios e complexos.

Sombra e complexos estão presentes no inconsciente pessoal. Von Franz (1993) refere-se

a sombra dizendo que dentro de cada um de nós há uma sombra que se esconde e, por meio de

nossas personas, escondemos aspectos submersas em nossa personalidade.

Destaca Von Franz (1993) que para se lidar com a sombra é preciso se tomar consciência

dela, sabê-la existente, o que exige significativo esforço mental, já que as pessoas não gostam de

suas sombras, que ela faz parte de cada um, é forte e poderosa e, se a reprimida, ela se fortalecerá

ainda mais contra.

126
De acordo com Von Franz (1993, p. 46) todos tem um inimigo que o habita e que é sua

sombra, em geral. E, quando uma pessoa se depara com alguém que a incomoda, o melhor que se

tem a fazer é “[...] sentar-se e escrever um texto sobre as características dessa pessoa”. Feito isto,

deve-se ler e dizer “Este sou eu”. Conclui Von Franz (1993, p, 46) “Eu fiz isso quando tinha

dezoito anos; meu rosto ficou vermelho e suado quando terminei. Ver a própria sombra é um

choque real”.

Sanford (1980/1987) clarifica que todos os aspectos que se nega em si são projetados nos

outros e viram sombra. A negação ocorre, explica Sanford (1980/1987), pois, não é fácil

reconhecer em si e como seu algo que não se aceita. Considera o autor que nos relacionamentos,

especialmente nos parceiros conjugais, existe uma projeção de sombra do cônjuge ou parceiro

íntimo constantemente. Inicialmente, projeta-se tudo o que se deseja que o outro seja e, ao se

deparar com aspectos sombrios no outro, todavia, correspondentes a si mesmo, projeta-se as

sombras neste outro e enfurece-se com ele, sem se dar conta que o que está causando fúria é a parte

deste outro negada em si, ou seja, não é o outro em si, mas si mesmo. Neste momento vem as

crises conjugais e se não houver uma busca por se compreender o que de fato está havendo, e sair

desta projeção, comumente a separação será o caminho. Nem sempre a projeção de sombra é a

causadora de términos de relacionamentos, mas um animus ou uma anima destrutiva podem

favorecer à separação do casal. (Sanford, 1980/1987).

A exemplo de anima e animus sombrios, pertinentes a pessoas que se relacionam

afetiva/sexualmente com outras do mesmo sexo, pode-se refletir sobre as postulações de Jung

(1964/2013c), obviamente, levando em consideração os valores, pensamentos e costumes da época

em que Jung viveu.

127
Ao longo de seus estudos, Jung (1964/2013c) foi revendo seus conceitos sobre a

homossexualidade e suas possibilidades de manifestação, de modo que, em alguns momentos,

considerou que a anima sombria, no indivíduo homossexual masculino, poderia se manifestar:

Quanto mais declarado o homossexual, mais inclinado está à deslealdade e à simples

perversão de menores. Mas também onde predominam a lealdade e verdadeira amizade

pode haver consequências indesejáveis para a formação da personalidade. Este tipo de

amizade significa naturalmente um culto especial do sentimento, portanto do elemento

feminino no homem. Ele se torna sentimental, expressivo, esteta, sensível, ou seja,

efeminado. [...]. (Jung, 1964/2013c, p. 118).

E, da mesma forma, Jung (1964/2013c), sobre a manifestação do animus sombrio nas

mulheres lésbicas, ao tocante à sua teoria, Jung teceu considerações e ponderou que este modelo

de animus poderia se despontar sob forma de:

[...] mulheres temperamentais, intelectuais e algo masculinizadas que neste tipo de relação

procuram apoio e supremacia contra o homem. Por isso sua atitude para com o homem é

muitas vezes de auto segurança estranha e de certa resistência. O efeito sobre o caráter

consiste num fortalecimento dos traços masculinos e perda do encanto feminino. Não raro

o homem descobre sua homossexualidade quando percebe que uma mulher desse tipo o

deixa mais frio que uma geladeira. [...] É claro que as coisas não precisam chegar a este

extremo. Mas já há bastante tempo que a masculinização psíquica da mulher vem trazendo

consequências indesejáveis. Ela pode talvez ser uma boa companheira para o homem, mas

sem encontrar o acesso aos sentimentos dele. A razão é que o animus dela (isto é, seu

racionalismo masculino, e que nada tem a ver com verdadeira racionalidade!) fechou o

acesso aos seus próprios sentimentos. Pode ficar frígida, como defesa contra um tipo sexual

128
masculino que corresponde ao seu tipo intelectual masculino. Mas se a reação de defesa

falhar, pode aparecer, no lugar da sexualidade disponível da mulher, uma forma de

sexualidade agressiva e exigente, própria do homem. Também esta reação é um modo

“prático” de lançar, a todo custo, uma ponte para forçar de volta o homem que vai se

afastando paulatinamente. Uma terceira possibilidade, que parece a favorita dos países

anglo-saxões, é a opção pela homossexualidade, passando a mulher a viver o papel

masculino. (Jung, 1964/2013c, p. 118).

Zweig e Abrams (1991/2012, p. 22) relatam que Jung afirma que “Ingenuamente,

esquecemos que por debaixo do nosso mundo racional jaz um outro enterrado. Não sei o que a

humanidade terá de sofrer até que ouse reconhecê-lo”. E, neste mesmo pensamento, Bly

(1991/2012, p. 31), alerta para o fato de que “Passamos nossa vida até os 20 anos decidindo quais

as partes de nós mesmos que colocaremos na sacola e passamos o resto da vida tentando retirá-las

de lá”. E conclui Sanford (1980/2012, p. 53), “É como se a Sombra deixasse os sentimentos morais

e os compromissos para a personalidade, enquanto ela própria tenta viver os impulsos interiores e

proibidos, totalmente isenta de sentimentos de certo ou errado”.

Para Jung (1967/2013a) o complexo é um aglomerado de emoções psíquicas e pode se

ampliar ao longo da vida. Conteúdos de tonalidade afetiva, com núcleo arquetípico, são autônomos

e tomam as pessoas atuando e levando-as a agir como se fossem outras pessoas. Ativados, os

complexos, quando se é exposto a alguma situação ou experiência que remeta a um trauma

passado, neste momento se é tomado pelo complexo e reage-se de formas muitas vezes estranhas

a si mesmo.

Os complexos são fragmentos psíquicos cuja divisão se deve a influências traumáticas ou

a tendências incompatíveis [...]. Produzem perturbações na memória e bloqueios no

129
processo das associações; aparecem e desaparecem, de acordo com as próprias leis;

obsediam temporariamente a consciência ou influenciam a fala e ação de maneira

inconsciente. Em resumo, comportam-se como organismos independentes, fato

particularmente manifesto em estados anormais. (Jung, 1967/2013a, p. 67).

Os complexos são núcleos formados por experiências afetivas (que afetam) e que atraem

para si, como um imã, experiências semelhantes. Dão significado a todos os acontecimentos e

ressignificam o evento, exemplo: se alguém tem certeza de que está sendo traído, tudo o que

acontece só vai provar que se está mesmo sendo traído. Os complexos fazem com que se venha a

dar sempre as mesmas respostas às diferentes situações. (Jung, 1967/2013a).

Jung concebeu os complexos enquanto fragmentos psíquicos presentes nas duas instâncias

do inconsciente, pessoal e coletivo. Joseph Henderson, porém, no início de 1960, de acordo com

Kimbles (2014) e Silva e Serbena (2021), considerou a existência de uma terceira instância e a ela

atribui o nome inconsciente cultural. Esta instância seria como que uma espécie de memória

história, arquetípica, e estaria localizada entre o inconsciente pessoal e o coletivo (Silva & Serbena,

2021). Kimbles (2014), pós-junguiano, buscando compreender a dinâmica do inconsciente no

contexto cultural, observou que nele estavam contidos os complexos culturais e, conjuntamente a

Thomas Singer (Silva & Serbena, 2021), com base na psicologia junguiana, fundou a teoria dos

complexos culturais.

De acordo com Kimbles (2014), os complexos culturais são um sistema dinâmico de

relações que atendem a necessidade de pertencimento e de identidade das pessoas à um grupo e

dizem respeito à características comuns em termos de religião, gênero, raças e etnias, unindo as

pessoas por meio de suas experiências pessoais, assim como pelas expectativas do grupo. Trata-se

130
de comportamentos culturais inconscientes, manifestando-se arquetipicamente na cultura grupal,

definindo, assim, seu modus operandi37.

Os complexos culturais (Kimbles, 2014) atuam em prol da sobrevivência do grupo e, da

mesma forma que acionam em um novo membro do grupo o sentimento de pertencimento,

identificação e reconhecimento satisfatória, podem promover, movido por um sentimento

inconsciente de medo, ansiedade e/ou de ameaça à saúde grupal, por meio de uma sombra coletiva

(por se tratar de um complexo), o sentimento de alienação dolorosa naquele que for diferente da

cultura do grupo. Nesta perspectiva, em uma cultura heteronormativa, as pessoas com qualquer

outra orientação sexual ou identidade de gênero seriam discriminadas, excluídas e tratadas de

forma desigual, gerando sofrimento nestas pessoas.

O complexo cultural, de acordo com Kimbles (2014) exerce forte influência nas famílias e

nos grupos (sociais, políticos, religiosos etc.) e, complementam Silva e Serbena (2021), se

manifesta por meio de crenças e emoções que perfazem as ideologias da vida do grupo e da própria

cultura que permeia os grupos, dizendo respeito tanto às exigências do passado como à manutenção

da história por meio de seus processos futuros.

Assim como os complexo pessoais e coletivos na concepção de Jung, os culturais podem

atuar em indivíduos ou em grupos inteiros, neste segundo caso, teremos a manifestação da sombra

cultural de forma coletiva, podendo agir pelo bem ou pelo mal, por exemplo, com ações generosas

em prol da humanidade ou com vingança, discriminação, preconceito e violência à gêneros,

orientações sexuais, identidades de gênero e racismo, podendo, além de sofrimento físico e/ou

psíquico, provocar mortes.

37
Funcionamento dentro de determinados padrões.

131
Retomando o aparelho psíquico na teoria da psicologia junguiana, no inconsciente coletivo,

além de complexos e sombra, estão presentes os arquétipos e os instintos. Trata-se de uma instância

psíquica formada pela história coletiva da humanidade. O inconsciente coletivo apresenta-se ao

inconsciente pessoal em forma de sonhos e imagens arquetípicas. Ele é mitológico e seus

conteúdos vão à consciência quando assim o querem, está presente em tudo e pode ser visto em

toda parte. É uma herança coletiva e espiritual do desenvolvimento da humanidade e faz parte de

nossa história mesmo antes de nosso nascimento. Traz conteúdos de experiências repetidas através

das gerações, desde os primórdios, estando presentes em nós de forma inconsciente, o que explica

muitas vezes se ter a sensação de já se conhecer um lugar mesmo sem nunca ter estado nele antes,

sentir determinados medos sem nunca termos antes sido expostos a eles etc. (Jung, 1964/2013c).

O inconsciente coletivo compreende toda a vida psíquica dos antepassados desde os seus

primórdios. É o pressuposto e a matriz de todos os fatos psíquicos e por isto exerce também

uma influência que compromete altamente a liberdade da consciência, visto que tende

constantemente a recolocar todos os processos conscientes em seus antigos trilhos. (Jung

1967/2013a, p. 58).

O instinto, presente no inconsciente coletivo, segundo Jung (1916/2014b) tem algo de

numinoso, de sagrado, logo traz a visão do arquétipo, de modo que todo complexo possui um

núcleo arquetípico. Ao passo que o arquétipo, postula Jung (1916/2014b, p. 81) “não são apenas

impregnações de experiências típicas, incessantemente repetidas, mas também se comportam

empiricamente como forças ou tendências à repetição das mesmas experiências”. São constituintes

do inconsciente coletivo, que se diferencia do inconsciente pessoal por ser uma “dimensão da

psique que é de caráter humano geral”. (Whitmont, 1995, p. 38). De acordo com Jung

(1953/2013f):

132
[...]. Cada uma das situações humanas normais é, por assim dizer, prevista e impressa nessa

estrutura herdada, uma vez que já ocorreu inúmeras vezes em nossos antepassados. Ao

mesmo tempo, a estrutura traz consigo uma tendência inata de procurar ou produzir

instintivamente tais situações. Um conteúdo reprimido poderia realmente desaparecer no

vazio se não estivesse preso e seguro neste substrato instintivo preestabelecido. Aqui estão

aquelas forças que fazem a maior resistência à razão e à vontade e possibilitam, assim, a

natureza conflitiva do complexo. (Jung, 1953/2013f, p. 300).

Todo complexo possui um núcleo arquetípico, afirma Jung (1959/2014). Dentre outros, pai

e mãe são arquétipos e, neste sentido, Jung (1953/2013f, p. 301), ao refletir sobre a importância

do pai no destino de uma pessoa, observa uma consideração de Freud sobre a neurose que pode se

manifestar na vida sexual de uma pessoa, quando um relacionamento não está bem:

[...] a pessoa volta para trás e procura uma amizade sentimental ou uma falsa religiosidade.

Se o decepcionado for um neurótico ele volta ainda mais para trás e se apega em

relacionamentos infantis que ele nunca abandonou de todo e aos quais também o normal

está preso por mais de uma corrente: o relacionamento com o pai e a mãe. (Jung,

1953/2013f, p. 301).

E, para ilustrar o que pretende dizer, Jung (1953/2013f) relata ao caso de um de seus

pacientes, primeiramente, contextualizando-o: “[...] homem de 34 anos, baixa estatura, com

aparência inteligente e benévola. Facilmente se embaraçava e enrubescia. Viera a tratamento por

causa de nervosismo”. E, segue descrevendo-o: “Disse ser muito irritadiço, cansava-se facilmente,

tinha distúrbios estomacais nervosos, ficava profundamente deprimido a ponto de já ter pensado

várias vezes em suicídio”.

133
Fazendo menção a importância do pai na vida deste paciente, Jung (1953/2013f) observa

um fato que lhe ocorreu:

Na escola, era sempre o bode expiatório e objeto de zombaria dos colegas. O paciente

achava que era devido a seu dialeto diferente. Mais tarde ficou sob as ordens de um mestre

severo e brabo; e ali aguentou dois anos. As condições eram as piores possíveis, de tal

forma que os outros aprendizes logo iam embora. Aos quinze anos, aconteceu o fato citado

e mais algumas pequenas extravagâncias homossexuais. Aí o destino o arrastou para a

França. Lá conheceu um francês do sul, grande fanfarrão e campeão sexual. Ele o levou a

um bordel; o paciente foi de má vontade porque se envergonhava do outro. Lá se mostrou

impotente. Depois veio a Paris, onde seu irmão mais velho (reprodução exata do pai) era

mestre pintor e levava vida dissoluta. Permaneceu ali por longo tempo, com um salário

bem baixo, e ajudava sua cunhada por pena dela. O irmão levou-o várias vezes ao bordel,

mas sempre era impotente. (Jung, 1953/2013f, p. 307)38.

E, assim, semelhante a este, outro fato ligado ao pai do paciente se sucedeu em sua vida,

afetando-o diretamente em sua sexualidade, ao que, para uma melhor compreensão nossa sobre o

fenômeno, relata Jung (1953/2013f):

Também este paciente girou a vida toda no círculo mágico da constelação familiar. O fator

mais forte e fatídico foi o relacionamento com o pai. A coloração masoquista-homossexual

está bem evidente em tudo o que fazia. Até o infeliz casamento foi determinado pelo pai,

pois o paciente se casou com a ex-mulher do irmão mais velho, o que significa se casar

com sua mãe. Ao mesmo tempo, sua mulher foi a mãe substituta daquela que morreu no

parto. A neurose se manifesta no momento em que a libido se retirou do relacionamento

38
O caso completo pode ser encontrado em Freud e a psicanálise, OC 4, § 707-715.miort

134
infantil e, pela primeira vez, aproximou-se de um objeto individual determinado. Neste

caso, como no seguinte, a constelação familiar se mostra tão forte que só resta, ao que luta

pela individualidade, o campo estreito da neurose. (Jung, 1953/2013f, pp. 308-309).

Todos os comportamentos humanos são arquetípicos. Manifestam-se através de complexos

ou coletivamente no inconsciente coletivo, instância em que partilhamos todas as dores e alegrias

da humanidade, o que nos torna possível compreender o outro. (Jung, 1959/2014a).

Neste sentido, podemos observar Jung concebendo a homossexualidade como um

arquétipo, um comportamento herdado e presente no inconsciente coletivo da humanidade. Trata-

se, conforme Jung (1953/2013f, p. 314) de um caso de um garoto com anos de idade, “[...]

inteligente, de aparência algo delicada, foi trazido por sua mãe devido à enurese”. Esclarece Jung

que no decorrer da consulta, “o garoto ficou o tempo todo grudado na mãe, uma jovem e elegante

senhora”. O casamento dos pais, dizia a mãe, era feliz, todavia o pai “era um tanto enérgico e o

garoto (o filho mais velho) tinha medo dele”. A mãe, por sua vez, na tentativa de compensar a

dureza do pai, tratava o filho de forma bastante carinhosa, o que resultava em ele não se afastar da

mãe. “Nunca brincava com os colegas de escola, nunca ia sozinho para a rua [...]. Temia a rudeza

e brutalidade dos colegas de escola; brincava em casa com jogos de inteligência ou ajudava a mãe

no trabalho caseiro”. E, conclui, “Tinha grande ciúme do pai, e não suportava vê-lo fazendo

carinho na mãe”.

Jung (1953/2013f) ao perguntar ao garoto sobre seus sonhos, obtém como resposta que ele

sonhava constantemente que uma cobra vinha ao seu quarto lhe morder o rosto. Ele acordava

chorando e a mãe, que dormia no quarto ao lado do seu, vinha acalmá-lo. À noite não apresentava

resistência para ir dormir em seu quarto, entretanto, logo começava a sonhar que, agora, um

homem alto, magro, preto e furioso, contendo uma espada ou uma espingarda, deitava-se ao seu

135
lado e queria matá-lo. Também era comum o garoto sonhar que coisas horríveis estavam

acontecendo no quarto dos pais, cobras pretas e homens maus queriam matar sua mãe. E, neste

momento, gritava e a mãe o vinha acalmar e, sempre que molhava a cama, sua mãe vinha trocar a

roupa de cama.

Observa Jung (1953/2013f) que o pai do garoto era alto e magro. Pelas manhãs, durante a

higiene matinal, diante do garoto, ficava nu em frente ao lavatório. Também lhe contara o garoto

que diversas vezes despertava com barulhos vindo do quarto dos pais. Ficava assustado, com

receito de algo ruim estivesse acontecendo à mãe, mas esta logo o tranquilizava dizendo que não

estava se passando nada. Jung considera que o garoto era um rival do pai em uma disputa do amor

materno, nutria ciúmes pela mãe e desejava assim, inconscientemente, separar os pais.

Nota-se, porém, que além da cobra que queria morder o rosto do garoto, acrescia-se o fato

do homem mau que o ameaçava. Jung (1953/2013f, p. 315) pondera, “[...] acontece com ele o

mesmo que com a mãe no quarto vizinho”. Neste sentido, o garoto identifica-se com sua mãe,

colocando-se, assim, em uma relação com de competição com pai pela mãe, mas sente-se

ameaçado e fragilizado frente a este pai. E, para justificar esta ligação, faz referência a

homossexualidade do garoto como um comportamento, indiretamente referenciando-se ao

arquétipo:

[...] Isto se deve ao seu comportamento homossexual que se sente feminino com relação ao

pai. Molhar a cama significa, neste caso, um substituto da sexualidade. A pressão da urina

no sonho, e também quando acordado, é frequentemente sintoma de outra pressão qualquer,

como, por exemplo, medo, expectativa, excitação reprimida, incapacidade de se expressar,

necessidade de exprimir um conteúdo inconsciente etc. O substituto da sexualidade tem,

136
neste caso, o valor de uma masculinidade prematura que visa compensar a inferioridade da

criança. (Jung, 1953/2013f, p. 315)39.

Além dos arquétipos e dos instintos, pode ainda estar presentes no inconsciente coletivo a

sombra, pois ela ultrapassa nossos limites e, quando isto ocorre, deixa de ser pessoal e passa a ser

sombra coletiva, trazendo registros arcaicos que levaram a humanização com suas glórias e

pecados. Desta forma, ao falarmos no inconsciente coletivo, também podemos olhar para a história

da homossexualidade e da lesbianidade na perspectiva mitológica.

4.3.5 A Homossexualidade e a Lesbianidade na Mitologia Grega, sob a Perspectiva

Junguiana

Nesta subseção serão apresentados os conceitos mitologia e mitos, presentes no

inconsciente coletivo e, portanto, parte de todos os seres humanos por meio de suas

ancestralidades. (Jung, 1952/2013h).

De acordo com Jung (1952/2013h), os mitos possuem a importante função de compilar a

fantasia do imaginário. Sem tempo e espaço, são heranças da humanidade e estão presentes no

inconsciente coletivo, podendo ser acessados a qualquer momento. Lidos a partir de metáforas,

representam em nós experiências já vividas por outras pessoas, mostrando que esta mesma situação

já aconteceu em outro momento, que não estamos sós e que há alternativas para resolução dos

conflitos.

Desta forma, esta subseção pretende abordar a homossexualidade e a lesbianidade pelo

olhar da mitologia grega, pautada na psicologia junguiana. Para tal escopo, para fins didáticos de

39
O caso completo pode ser encontrado em Freud e a psicanálise, OC 4, § 731-741.

137
uma melhor compreensão, primeiramente serão apresentados os conceitos mitologia e mitos e, na

sucessão seguinte, será abordada a homossexualidade e a lesbianidade na ótica da mitologia grega,

na perspectiva da psicologia analítica.

4.3.5.1 Mitologia e Mitos – Herança da Humanidade

Decifrar o mito é, pois, decifrar-se. (Brandão, 2013, p. 38).

Segundo Jung (1952/2013h), há dois tipos de pensamento, o dirigido ou lógico e o

metafórico ou simbólico. O pensamento dirigido é aquele consciente, com que a pessoa se

comunica linguisticamente, por meio de palavras e desenhos. Esta forma de pensamento ocorre de

dentro para fora, buscando, o indivíduo, adaptar-se socialmente, transmitindo aos demais o seu

pensamento, é objetivo e busca se adequar a realidade. E, o pensamento metafórico é aquele que

ocorre de fora para dentro, se comunica por meio do inconsciente, através de conteúdos psíquicos

herdados (arquétipos), é subjetivo, não tendo como princípio a busca pela adaptação, mas a

espontaneidade, afastando-se da realidade. E é neste pensamento metafórico ou simbólico que

manifestam os mitos, por meio de histórias e sonhos. E é nesta instância psíquica que se encontram

as mitologias.

De acordo com Anaz (2021, p. 2) “Mitologias são conjuntos de mitos relacionados a um

determinado grupo social, religião ou cultura que compartilhe as mesmas crenças”. Face ao

exposto, para adentrarmos a mitologia, seja ela qual for, precisamos antes discorrer sobre o

conceito de mito.

Para Eliade (1963/1972, p. 9) “O mito é uma realidade cultural extremamente complexa,

que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares”. Jung

138
(1959/2014a), compreende o mito como uma manifestação arquetípica, a qual recebe o nome de

imagens primordiais, universais e atemporais, a qual, observa Brandão (2013, p. 39) que a palavra

arquétipo advém do grego arkhétypos e constitui-se de um “modelo primitivo, ideias inatas” e que

[...] os arquétipos são ainda mais do que forma os símbolos para estruturar a Consciência.

Eles são também a fonte que os realimenta. Por isso, os mitos, além de gerarem padrões de

comportamento humano, para vivermos criativamente, permanecem através da história

como marcos referenciais através dos quais a Consciência pode voltar às suas raízes para

se revigorar. [...]. A grande utilidade dos mitos, por conseguinte, está não só no

ensinamento dos caminhos que percorrem a Consciência Coletiva de uma determinada

cultura durante sua formação, mas também na delineação do mapa do tesouro cultural

através do qual a Consciência Coletiva pode, a qualquer momento, voltar para realimentar-

se e continuar se expandindo. (Brandão, 2013, pp. 09-10).

Dito isto, Campbell (1988/1990, p. 17) considera que os mitos ensinam aos homens que se

pode voltar para dentro de si mesmos, o que permite captar mensagens simbólicas. Recomenda

que se leia mitos de todos os povos, não apenas dos nossos, pois assim se captará mensagens dos

símbolos. E observa “O mito o ajuda a colocar sua mente em contato com essa experiência de estar

vivo. Ele lhe diz o que a experiência é”.

Pondera Campbell (1988/1990) que o homem não está em busca do sentido da vida, mas,

sim da experiencia de estar vivo e, neste sentido, os mitos nos remetem a essa experiência,

facilitando-nos acessar de forma mais profunda o nosso inconsciente e ressignificar traumas.

Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso que seja assim.

Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas

experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso

139
ser e da nossa realidade mais íntima, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar

vivos. (Campbell, 1988/1990, p. 14).

Sem tempo e espaço, os mitos existem e codificam a fantasia da psique. Presentes no

inconsciente coletivo, podem se apresentar à consciência através de sonhos. Por terem

característica irracional e ilógica, os mitos necessitam ser lidos a partir de metáforas, não devendo,

portanto, ser literalizados, a fim de que não percam seu encanto e simbologia. (Jung, 1959/2014a;

Campbell, 1988/1990; Brandão, 2013). Concebem experiências pelas quais outras pessoas já

passaram, despontando a percepção de que não se está sozinho, de que alguém em algum lugar já

passou por determinada situação, abrindo, com isto, o campo de percepção e permitindo se ver

alternativas além das que parecem possíveis para solução de situações conflitantes.

O mito expressa o mundo e a realidade humana, mas cuja essência é efetivamente uma

representação coletiva, que chegou até nós através de várias gerações. E, na medida em que

pretende explicar o mundo e o homem, isto é, a complexidade do real, o mito não pode ser

lógico: ao revés, é ilógico e irracional (Brandão, 2013, p. 38).

Esclarece Jung que os mitos nascem a partir da necessidade do ser humano de ter as suas

demandas internas atendidas por meio de um espelhamento, podendo compreender, assim, o

significado dos fenômenos pelos quais passa, bem como caminhos e alternativas para lidar com o

problema (1959/2014a). Neste mesmo sentido, postula Anaz (2021, p. 7) que os mitos passam a

existir desde a aptidão imaginativa “[...] do homo sapiens sapiens40 de criar coisas que não existem

no mundo natural, impulsionada, em última instância, pelas angústias existenciais provocadas pela

autoconsciência da finitude e do tempo”. Explica Eliade (1963/1972):

40
Denominação científica do homem moderno pertencente a subespécie do Homo sapiens – termo derivado do latim,
que significa "homem sábio, homem que sabe".

140
[...] o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo

primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças

às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade

total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um

comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação":

ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que

realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os

Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso

dos "primórdios". Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a

sacralidade (ou simplesmente a "sobrenaturalidade") de suas obras. Em suma, os mitos

descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do

"sobrenatural") no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo

e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais

que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural. (Eliade, 1963/1972, p. 9).

Isto posto, pondera Anaz (2021, p. 7) que “as narrativas míticas são, assim, a resposta da

imaginação e da razão para elementos desconhecidos e ameaçadores do mundo, além de questões

ontológicas que afligem o ser humano”. Ao que Jung compartilha do mesmo pensamento ao

afirmar que os mitos têm um significado vital. (1959/2014a).

A mentalidade primitiva não inventa os mitos, mas os vivencia. Os mitos são revelações

originárias da alma pré-consciente, pronunciamentos involuntários acerca do

acontecimento anímico inconsciente e nada menos que alegorias de processos físicos. [...].

Os mitos, [...] têm um significado vital. Eles não só representam, mas também são a vida

anímica da tribo primitiva, a qual degenera e desaparece imediatamente depois de perder

141
sua herança mítica, tal como um homem que perdesse sua alma. A mitologia de uma tribo

é sua religião viva, cuja perda é tão como para o homem civilizado, sempre e em toda parte,

uma catástrofe moral. [...]. Muitos desses processos inconscientes podem ser gerados

inconscientemente por iniciativa da consciência, mas jamais por arbítrio consciente. (Jung,

1959/2014a, pp. 155-156).

Eliade (1963/1972), Campbell (1988/1990) e Jung (1959/2014) defendem o pensamento

de que há uma permanente influência dos mitos ancestrais na produção simbólica humana. Para

Jung (1921/2013i), o símbolo é a melhor expressão possível de algo desconhecido ou

relativamente conhecido, pois que ele representa algo por meio de imagens, vivências e

experiências conscientes e inconscientes, possibilitando que se estabeleça diversas conexões e

semelhanças. Por ter nos símbolos aspectos conscientes e inconscientes, eles exercem certo

deslumbramento pelo seu aspecto misterioso (inconsciente).

Essa característica do símbolo, de ter características conscientes e inconscientes, permitem

a união das polaridades, conhecidas por antinomias. O símbolo não tem característica unilateral,

não se fixando, portanto, em nenhuma polaridade. Pelo contrário, ele integra o que a consciência

separou.

O símbolo é sempre um produto de natureza altamente complexa, pois se compõe a partir

dos dados de todas as funções psíquicas. [...] Possui um lado que fala à razão e um outro

inacessível a razão, pois não se constitui apenas de dados de natureza racional, mas também

de dados irracionais fornecidos pela simples percepção interna e externa. (Jung,

1921/2013i, p. 491).

142
Neste sentido, explica Brandão (2013), consagrado e profundo estudioso sobre mitologia

grega que, ao longo dos anos, se dedicou em entender suas funções na psique humana, narrando

os mais belos mitos em sua integridade e totalidade:

[...] o mito atrai, em torno de si, toda a parte do irracional no pensamento humano, sendo,

por sua própria natureza, aparentado à arte, em todas as suas criações. E talvez seja este o

caráter mais evidente do mito grego. Verificamos que ele está presente em todas as

atividades do espírito [...]. Para um grego, um mito não conhece limites. Insinua-se por

toda parte [...]. Reserva de pensamento, o mito acabou por viver uma vida própria, a meio

caminho entre a razão e a fé. (Brandão, 2013, pp. 13-14).

De acordo com Jung (1959/2014a) não nos demos conta ainda de que os mitos são, antes

de tudo, manifestação psíquica que representa a essência da alma. Os mitos estão presentes no

inconsciente coletivo e seus conteúdos acessam a consciência quando o querem. Trata-se, pois, de

uma herança da humanidade que faz parte da nossa história anteriormente ao nosso nascimento

(Jung, 1964/2013c; Brandão, 2013). De acordo com Brandão (2013), ao decifrarmos o mito,

deciframos a nós mesmos.

4.3.5.2 A Homossexualidade e a Lesbianidade na Mitologia Grega

A homossexualidade41 atravessa a história da humanidade, fazendo-se presentes desde os

seus primórdios (Hopcke, 1993; Santos & Bernardes, 2008; Guimarães, 2009; Salles & Melo,

2011; Faro, 2015).

41
Ao utilizarem o termo homossexualidade, os autores estão se referindo a homens e mulheres que se relacionam
afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo sexo.

143
Os livros descrevem narrativas mitológicas sobre a origem do amor entre pessoas do

mesmo sexo. Em o Banquete42 de Platão, por exemplo, conta Aristófanes que inicialmente três

eram os gêneros da raça humana, que eram duplos de si mesmos: havia o gênero masculino-

masculino (descentes do sol), o feminino-feminino (descendentes da terra) e o masculino-feminino

(descentes da lua), o qual era chamado de andrógino, compondo-se de características femininas e

masculinas. Certa feita se revoltaram contra os deuses e, Zeus, com medo por serem muito fortes,

ordenou à Apolo que os dividissem em duas partes. E, desta forma, os que foram de cortes de

andróginos, passaram a buscar seu contraponto homem ou mulher, configurando-se o amor entre

diferentes e os que foram um corte de mulher-mulher ou homem-homem, procuram o seu igual,

resultando-se no amor entre pessoas do mesmo sexo, sendo que quando estas metades se

encontram, sentem-se tão plenas que não querem mais se separar, desejando fundirem-se

novamente, a fim de permanecerem juntas. E, assim, a homossexualidade passou a existir e fazer

parte da história. (Salles, 2011; Platão 385 a.C – 380 a.C./2012). Nas palavras de Aristófanes:

Quando então se encontra com aquele mesmo que é a sua própria metade, tanto o amante

do jovem como qualquer outro, então extraordinárias são as emoções que sentem, de

amizade, intimidade e amor, a ponto de não quererem por assim dizer separar-se um do

outro nem por um pequeno momento. E os que continuam um com o outro pela vida afora

são estes, os quais sem saberiam dizer o que querem que lhes venha da parte de um ao

outro. (Platão, 385 - a.C a 380 a.C./2012, p. 22).

Observa Franco (2022b, p. 130), ao citar Edinger (2008) que se pode “compreender como

a metáfora da androginia, que indica separação e depois retorno ao estado de totalidade e

integração originais é adequada para a abordagem junguiana da psique.” E, no mito do Andrógino,

42
O Banquete, conhecido ainda como Simpósio trata-se um colóquio a respeito do amor – Eros. Data-se que foi escrito
entre 385 a.C e 380 a.C.

144
é possível observar um movimento de separação e busca pela reunião das partes, indo de encontro

a totalidade.

Os mitos compõem-se de diversos relatos que indicam a presença do relacionamento

afetivo/sexual entre parceiros do mesmo sexo desde os primeiros tempos, a exemplo da Grécia

Antiga. (Salles & Melo, 2011).

Na mitologia grega, frequentemente podem ser observados casos de relacionamentos

homossexuais, como em Apolo e Jacinto, Dáfnis e Pã, Crispo e Laio, Aquiles e Pátroclo, Zeus e

Ganimedes, Poseidon e Pélope, Hércules e Hilas, Apolo e Ciparisso, Apolo e Tamiris, dentre

outros.

Por outro lado, as narrativas sobre lesbianidade são menos comuns de se encontrar,

entretanto, podem ser identificadas nas lendas de Safo e sua Ode a Afrodite e em algumas nas

passagens mitológicas, como na que Zeus se transforma em Ártemis para seduzir a ninfa Calisto.

Considera Franco (2022b, p. 130) ao citar Aufranc (2018) que é possível observa-se que “a

maioria dos deuses cosmogônicos tem uma natureza bissexual e que na mitologia grega, a

androginia, assim como a mudança de sexo, é comum”.

Cabe fazer um aparte e se destacar que, para além da mitologia grega, em outras mitologias,

é possível se encontrar relacionamentos entre divindades do mesmo sexo, como, por exemplo, na

mitologia ioruba43, conforme Prandi (2001), entre as Yabás, orixás femininos, Yansã, Nanã,

Iemanjá e Iansã. Há ainda orixás de representação não-binária, não identificados como

pertencentes exclusivamente a um único gênero, como Oxumarê (Prandi, 2001 e 2004/2020), que,

em uma das versões do mito, é homem e mulher ao mesmo tempo; Logunedé ou Logun Edé, que

43
Para aprofundar os estudos, ler:
Prandi, R. (2001). Mitologia dos Orixás. Companhia das Letras.
Prandi, R. (2020). Oxumarê, o Arco-Íris. Companhia das Letras. Trabalho original publicado em 2004).

145
tem expressões masculinas e femininas, pelo fato de parte do tempo, ao ficar com sua mãe, Oxum,

pegar traços e, na parte do tempo, ao ficar com seu pai, Oxóssi, pegar traços dele.

Independentemente da manifestação da sexualidade entre homens ou entre mulheres, na

Grécia, quando uma pessoa se sentia atraída por outra, não era o humano que deseja o outro

humano, mas era um(a) deus(a) que se manifestava naquela pessoa, no caso do amor, era Afrodite

se manifestando naquele mortal. Os deuses eram soberanos, respeitados e os sentimentos e as

emoções eram a eles atribuídas, cabendo ao mortal vivenciá-las na medida certa do mortal, a fim

de que suas ações se transformassem em virtudes (Pastore, 2013). Com isto, a homossexualidade

e a lesbianidade não existiam, pois para que alguma emoção ou desejo existisse, era preciso que

houvesse alguém para sentir ou desejar algo, nesse caso, a emoção e o desejo eram atributos do

divino e não do humano.

Jung (1961/2015a) observa que na Grécia Antiga a homossexualidade era praticamente

sinônimo de educação sexual, cabendo aos mais velhos educar os mais novos para a guerra e para

a vida. E, nesta perspectiva, relatam Salles e Melo (2011, p. 13) que “[...] os espartanos treinavam

para as batalhas e lutavam em duplas de amantes, justificando que, por isso, cada um deles lutaria

mais bravamente em defesa do outro”. Observa ainda que uma dupla de guerreiros que se tornou

bastante conhecida em Ilíada, conforme descrito por Homero, foi Pátroclo e Aquiles. Ainda de

acordo com Salles (2011), Alexandre Magno e Hefaístion, supostamente, mantiveram um

relacionamento homoafetivo e Alexandre Magno e seu eunuco persa, Bagos, também foram

amantes.

Com o passar dos anos, a partir do desenvolvimento da consciência, os homens foram

abandonando suas crenças nos mitos e as emoções e desejos passaram a ser dos homens e não mais

dos deuses. Os deuses tornaram-se doenças. Os homens tornaram-se soberanos, independentes,

146
donos dos sentimentos e das coisas, passando a vivenciá-los de forma unilateralizada, em sua

intensidade, cometendo o que os gregos chamavam de hybris, caindo, assim, na desmedida. Se já

não existia mais um deus para sentir e mediar as emoções, então os humanos podiam realizar suas

ações e vivenciar seus sentimentos, cometendo excessos e desmedidas. Com isto, os potenciais

psíquicos indevidamente expressos ou utilizados indiscriminadamente, somatizados, levaram a

doenças, aos “ismos” de nossa atualidade. (Jung, 1958/2013e). Para Jung (1938/2012b):

A “semelhança com Deus” não eleva o homem até ao divino. Ao contrário, apenas o lança

na arrogância e na maldade, produzindo uma máscara humana infernal, insuportável a todo

ser humano. O homem se sente atormentado por essa máscara e por isso atormenta os

demais. (Jung, 1938/2012b, p. 49).

Com o advento da igreja, na ascensão do cristianismo, na busca do poder da igreja católica,

deu-se a repressão do desejo erótico em prol do sexo utilizado apenas para procriação da espécie,

ficando o prazer destinado ao pecado, sendo, portanto, necessário reprimi-lo (Rodrigues, 2012). E,

neste cenário, instaurou-se a valorização do masculino em detrimento ao feminino e a tradição

judaico-cristã desempenhou seu papel na história das repressões às sexualidades. De acordo com

Campbell (1988/1990)

Cada indivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida.

Os mitos têm basicamente quatro funções. A primeira é a função mística – e é disso que

venho falando, dando conta da maravilha que é o universo, da maravilha que é você, e

vivenciando o espanto diante do mistério. Os mitos abrem o mundo para a dimensão do

mistério, para a consciência do mistério que subjaz a todas as formas. Se isso lhe escapar,

você não terá uma mitologia. Se o mistério se manifestar através de todas as coisas, o

universo se tornará, por assim dizer, uma pintura sagrada. Você está sempre se dirigindo

147
ao mistério transcendente, através das circunstâncias da sua vida verdadeira. (Campbell,

1988/1990, p. 44).

Por meio desse olhar, é possível vislumbrar uma multiplicidade inerente a cada pessoa,

pois incontáveis são as configurações arquetípicas que podem estar por detrás de cada um, mas,

apesar disto, longa e incansável tem sido a luta dos homossexuais e das lésbicas contra a homofobia

e da lesbofobia a que são vítimas constantes.

Apesar dos avanços conquistados, a homofobia ainda perdura até os dias atuais, por meio

de sentimentos de intolerância, raiva, desconforto, preconceito, discriminação, agressões físicas e

verbais, dentre outros (Vasconcelos, 2019).

Ainda que se reconheça que nas abordagens psicanalítica, fenomenológica e junguiana a

manifestação da homossexualidade e da lesbianidade ocorra por diversos vieses e fundamentações

teóricas, o foco teórico se dará a partir dos aportes teóricos da perspectiva junguiana, para a

discussão e aprofundamento desta dissertação, em consonância com a proximidade da autora com

os conceitos junguianos, especialmente na perspectiva da homofobia e da lesbofobia, do ponto de

vista da violência, preconceito e discriminação à gays e lésbicas, estudo do qual vem se dedicando

a mais de 10 anos.

Antes que esta pesquisa se debruce mais especificamente sob olhar junguiano, o que

ocorrerá sobretudo nas discussões das categorias apresentadas por meio da Análise de Conteúdo

às entrevistas realizadas, a próxima subseção buscará aprofundar a discriminação e o preconceito

evidenciado na fala dos teóricos trazidos para dialogarem nas perspectivas acima apresentadas, na

psicologia psicanalítica, fenomenológica e junguiana.

148
4.4 O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência

Esta subseção se apropriará para suas discussões da vertente do sofrimento enquanto pathos

enquanto sofrimento e paixão, perpassando pela perspectiva de Kierkegaard e Silva, na ótica de

um pathos existencial, enquanto um sofrimento inerente a vida, de Sarti e Durkheim,

demonstrando como o sofrimento pode ser produto da sociedade, neste sentido, retomando o

conceito de complexo cultural de Kimbles, tendo como base a psicologia junguiana.

De acordo com Silva (2011), a palavra sofrimento tem origem na palavra grega pathos, que

também significa paixão. E, referindo-se ao sofrimento na perspectiva de Kierkegaard44, considera

Silva (2011) que se trata de um sofrimento intrínseco à vida, inerente a condição humana, universal

e necessário para que se tornar um indivíduo capaz de se relacionar com o outro de forma inteira.

Considera ainda Silva (2011), apoiado em Kierkegaard que, na perspectiva de sofrimento

enquanto revelação do pathos existencial, pertinente a razão de se existir, é o sofrimento verdadeiro

e profundo e vivido em sua integridade e não de forma superficial.

Enquanto paixão, pathos também remete diretamente ao sofrimento, pois que o homem

sofre, entretanto, demonstra e guarda aquilo que desencadeia o seu sofrimento. Trata-se, portanto,

de testemunhar a sua existência a medida em a transforma, incorrendo na felicidade e no temor.

Para Sarti (2001) o sofrimento manifesta-se pela dor, a qual é produto da vinculação entre

indivíduo e sociedade. Neste contexto, cada cultura possui uma maneira singular de expressar a

sua dor, a qual é definida a partir do coletivo, que define a forma de se expressar os sentimentos.

Ainda que singular e subjetiva, para quem sente a dor e sofre, ela é universal do ponto de vista da

44
Soren Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês, precursor da Filosofia Existencial.

149
existência em todos os tempos, considera Sarti (2001), podendo ser vivida por qualquer pessoa

que não seja desprovido psiquicamente senti-la.

Na perspectiva da existência, o sofrer, de acordo com Silva (2011), na concepção de

Kierkgaard, diz respeito a compreender em profundidade as coisas e a si mesmo, de modo que,

pelo sofrimento, é possível se chegar à compreensão de si mesmo.

Esclarece Sarti (2001) que o ser humano prescinde do coletivo para viver e, portanto, sua

dor e seu sofrimento estão intrinsecamente ligados ao coletivo e ao social, sendo, inclusive, o social

que, de acordo com cada cultura, produz o corpo, a dor e o sofrimento, conferindo-lhe um

determinado sentido. E, assim, o mundo social tem significado a partir do sentido que confere às

pessoas que nele vivem.

Observa Sarti (2001) que, por serem a dor e o sofrimento singulares e subjetivos, não

poderem ser mensurados, mas sentidos e vividos de forma diferente e individual por cada um, uma

pessoa não pode dizer que a outra não sofre e tampouco pode avaliar o sofrimento ou a dor alheia

com base na sua.

Considera Silva (2011) que, para Kierkgaard, toda forma de transgressão é um sofrimento

e implica em se chegar à sua essência, à sua totalidade, preservando-se quem de fato se é. Assim,

considera ainda o autor que não parece contraditório pensar que o amor é em si uma forma de

sofrimento, de modo que amar alguém leva, invariavelmente, a dor.

Observa Brígido (2020) que o estilo de sociedade em que vivemos no século XX, por não

valorizar a condição humana, gera a violência e, complementa Sarti (2001) que, em decorrência

de transgressões morais, por meio do sofrimento, esta mesma sociedade deixa suas marcas, em

formato de cicatrizes, nos corpos e nas mentes de quem é violentado, física e psiquicamente, pois

a doença e a dor estão intimamente ligadas.

150
Pondera ainda Lima (2020) que, no contexto social, o sofrimento advém das relações

estabelecidas como forma de poder e domínio sobre o outro, a fim de impedir que o outro obtenha

satisfação e gozo, especialmente naquilo que a si é negado e proibido viver. E, quando o sofrimento

e o abuso não são nomeados e a violência sofrida é reprimida, sendo, portanto, negada a realidade

do ocorrido, de acordo com Baracat el al. (2020) a vivência fica pendente, de modo a não poder

ser simbolizada e ressignificada. Deste modo, na busca de findar o sofrimento vivido, o trauma se

mantém vivo e atuante, vivendo de forma expressa no corpo em formato de doença, já que à

consciência foi negada a possibilidade de elaborá-lo.

Para que se consiga impedir que o outro exista, um dos recursos utilizados é estigmatização,

por meio do demérito, da desonra do descrédito. Explicam Oliveira et al. (2020, citados por

Oliveira et al. 2019) a etimologia da palavra estigma como originária da Grécia, tendo sido criada

com o objetivo de se demarcar nos corpos a representação de se ser malvisto socialmente. Essas

marcas eram feitas com a utilização do fogo, com objetos que marcassem os corpos e deixasse

neles o registro de algo ruim, indicando que a pessoa deveria ser evitada, ignorada. Esclarecem

ainda os autores que, no viés médico, estigma dizia respeito a comoções físicas. E, à medida que

os anos se passaram, este vocábulo teve a incorporação de outros significados como o de pessoas

socialmente desvalorizadas, implicando nas relações com familiares, amigos e trabalho. Com isto,

para Oliveira et al. (2020) o estigma implica em ainda mais sofrimentos e decorrências

impresumíveis na vida dessas pessoas, por serem classificadas e expelidas pela sociedade e por

viverem carregando uma culpa e um sentimento de opressão, como se de fato tivessem feito algo

de errado e pecaminoso.

Explica MacRae (2018a) que os sentimentos de culpa que são incutidos nos homossexuais

os levam a se sentirem medo e a se isolarem. Neste sentido, observam Ortiz, Bogo e Navasconi

151
(2020) que cada pessoa atravessa a sua existência mediante os recursos que possui frente ao que

socialmente lhe é cobrado, entretanto, há algo em comum que se repete nestas vidas, a

discriminação da sociedade e o não apoio familiar diante de sua orientação sexual e das decisões

que precisa tomar neste sentido, sobre sua vida.

E asseguram Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que a partir de o momento em que a pessoa

reflete sobre ser ou não homossexual, já se evidencia o sofrimento oriundo de uma sociedade que

concebe a heterossexualidade como a única forma de sexualidade aceita e possível e, como

consequência, o próprio homossexual, muitas vezes, se nega a aceitar-se como tal, lutando contra

sua subjetividade a fim de não sofrer preconceito e discriminação. O estigma que existe com

relação a homossexualidade e ao homossexual, a lesbianidade e às lésbicas, provoca danos

psicológicos e físicos, podendo, inclusive, desencadear na pessoa que o sofre, pensamentos

suicidas e mesmo tentativas de tirar a própria vida.

Para este sentido de sofrimento trazido por Sarti (2001), cabe-se agregar o conceito de

Kimbles (2014) sobre o complexo cultural, no qual a cultura de um grupo ou de uma sociedade

pode, de acordo com seus ideais, promover a aceitação ou a rejeição de pessoas, muitas vezes de

forma bastante cruel, causando dor, promovendo violência, preconceito e discriminação, como a

exemplo da homofobia e da lesbofobia, respectivamente, destinados à gays e lésbicas.

De acordo com Durkheim (1985, citado por Sarti, 2001), os fatos sociais perpassam as

pessoas e as coage, uma vez que são impostos de serem seguidos. Os costumes são introjetados

sem que sejam questionados, e o mesmo fenômeno se passa com o corpo, vive estes fatos sociais

como se fosse algo natural, espontâneo e não imposto e, assim, é introjetado sem ser questionado,

apenas vivido, indica Mauss (1924, citado por Sarti, 2001).

152
Ainda que não declarada esta coerção (Durkheim, 1985, citado por Sarti, 2001), ela se torna

evidenciada quando o indivíduo não se identifica com as regras impostos socialmente e tenta

ultrapassá-las, tendo como resultado tensão entre o indivíduo e a coletividade na qual ele faz parte.

A exemplo disto estão os homossexuais e às lésbicas, e o sofrimento a que são lançados por

fugirem às regras predeterminadas, de uma sociedade heteronormativa, que concebe a

heterossexualidade como única forma plausível de expressão da sexualidade humana em

detrimento a qualquer outra possibilidade. Como resultado, a homofobia e a lesbofobia recaem

sobre esta população, sendo ela vítima de preconceito, violência e discriminação sexual.

Inicialmente, utilizou-se da palavra homofobia para designar o preconceito, discriminação

e violência à gays, lésbicas e ainda bissexuais (Vasconcelos, 2019, Araujo, Benincasa e Frugoli,

2022b). A palavra homofobia, etimologicamente, tem sua origem composta por homo, de

homossexual, e phobos, do grego, que significa medo irracional, aversão ou fobia. Assim,

homofobia, significa aversão, repugnância, medo, ódio, preconceito negativo contra os sujeitos

com práticas homoeróticas, colocando estas pessoas em situação de inferioridade, anormalidade e

ridicularização, com base no domínio da lógica (unilateralização da consciência) heteronormativa

(heterossexualidade como verdade única, manifestação correta da sexualidade, padronizada,

normal), utilizando, para isto, não poucas vezes de violência física e/ou verbal e até mesmo

assassinatos e/ou outros crimes, postulam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) citando Cerqueira-

César et al. (2015).

Complementam Borrillo (2000/2021) e Perucchi, Brandão e Vieira (2014) que a homofobia

se caracteriza como comportamento de caráter hostil a homossexuais, inferiorizando-os,

descaracterizando-os, atribuindo-lhes um caráter desviante e anormal. A “[...] homofobia se

articula em torno de emoções, condutas e dispositivos ideológicos e institucionais, configurando-

153
se como um instrumento que cria e reproduz um sistema de diferenças para justificar a exclusão e

a dominação de uns sobre outros”. (Perucchi; Brandão & Vieira, 2014, p. 68).

Relatam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) que, de acordo com Cerqueira-Cesar et al.

(2015) o termo homofobia teve sua primeira utilização no ano de 1971, pelo psicólogo nova-

iorquino George Weinberg classificando a homofobia como descrédito, opressão e violência

direcionada às pessoas homossexuais (gays e lésbicas), que se relacionam afetiva/sexualmente

entre pessoas do mesmo sexo. Nesta perspectiva, para Baron Mussi e Serbena (2015, p. 41)

“Homofobia é o conceito utilizado para designar medo, aversão, desprezo, ódio às pessoas

identificadas como homossexuais”.

Observam Baron Mussi e Serbena (2015, p. 41) que “A palavra ‘homo’ também significa

homem e nesse caso o conceito de homofobia traria a ideia de medo do igual, e consequentemente,

de si mesmo: homofobia é o medo do outro em si mesmo”.

Esclarece Vasconcelos (2019), de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), que o

termo homofobia teve necessidade de se atualizar, pois estava direcionado a gays, lésbicas e

bissexuais e, outras formas de manifestação da sexualidade foram se expressando. Neste contexto,

a palavra homofobia foi gradativamente se readaptando para LGBTfobia, dada a importância de

se distinguir, inclusive sobre orientação sexual e identidade de gênero, no caso de pessoas

transexuais. Embora, para se tornar mais abrangente e contemplativo, termo homofobia tenha sido

readaptado para LGBTfobia, na literatura ele pode ser encontrado das duas formas, com o mesmo

sentido.

A incorporação de letras diferentes a sigla LGBTfobia, permitiu que se caracterizasse ainda

uma forma de discriminação específica às diferentes configurações de orientação sexual e

identidade de gênero (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b). No caso de pessoas homossexuais, as

154
letras G e L representam Gayfobia e Lesbofobia que, respectivamente, para Vasconcelos (2019),

significam: “Segregação aos homens, por não corresponderem ao padrão de masculinidade

normatizado e por serem gays” e “abuso às mulheres, por serem mulheres, sexismo (discriminação

de gênero, por serem mulheres) e por serem lésbicas, sendo vítimas de homofobia por sentirem

atração por pessoas do mesmo sexo” (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b, pp. 15-16).

Costa (1944/1992) observa que nossos comportamentos do ponto de vista moral tendem a

existir a partir daqueles que se assemelham a nós e que se aproximam de nossas ideias e valores e

isto ocorre em detrimento a todas as outras possibilidades de comportamentos que se distanciam

de um modelo pré-aprovado por nós e que conscientemente desejamos seguir. Neste contexto

todos aqueles que não se enquadram nos modelos predeterminados, no caso, dentro da sociedade

heteronormativa, são tidos como errantes, transgressores e/ou anormais. Partindo desta visão,

Costa (1944/1992) compreende a palavra preconceito, tendo por base a intolerância, caracteriza-

se como uma crença inconveniente e indesejável do ponto de vista moral.

Preconceito, segundo Baron Mussi e Serbena (2015, p. 41) diz respeito a atitudes agressivas

e/ou opositoras a pessoas ou grupos que, ao seu modo de vida e de acordo com as normas sociais,

possuem atitudes censuráveis.

A palavra preconceito nem sempre é negativa, geralmente, trata-se de uma ideia pré-

concebida sobre algo ou alguém, mas, quando direcionado a pessoas LGBT, o preconceito

explicita-se como um comportamento negativo que reverbera em sofrimento e discriminação,

julgamento e marginalização, violência e morte. Não se trata de sentimentos direcionados a

outrem, mas de práticas discriminatórias e excludentes, expressas por meio da homofobia. (Baron

Mussi & Serbena, 2015).

155
Consideram Santos e Bernardes (2008) que o preconceito e a estigmatização aos

homossexuais, pelos heterossexuais, possuem diversas formas de manifestação e expressão, como

olhares, gestos, palavras ofensivas, agressões verbais e físicas, dentre outras.

Pervertido, doente, blasfemo, imoral, devasso, indecente, observa Barcellos (2011) são

adjetivos usados muitas vezes para ofender os homossexuais, colocando-os numa categoria,

buscando de fato categorizar, discriminar, repudiar o diferente. Todavia, lembra Foucault (1988),

a homossexualidade como categoria mental ou tipo psicológico não existe, entretanto, existem os

homossexuais.

Notam Santos e Bernardes (2008) que, em um cenário onde prevalece as regras

heteronormativas, o ideal para aqueles que consideram unicamente válida a heterossexualidade

sendo contra qualquer outra forma de manifestação da sexualidade, é deixar os homossexuais

aprisionados no “armário”45 ou, quiçá, deixá-los sair e transportá-los para um lugar bem distante,

de dor e sofrimento, confinados em sua sexualidade.

E, neste lugar, estereotipados, são ofensivamente nomeados por “bicha afetada, sapatão,

veado, machorra, Carmem-Miranda-cheia-de-abacaxi-na-cabeça, caminhoneira [...]”, dentre

outros adjetivos pejorativos que lhe são atribuídos (Santos & Bernardes, 2008, p. 289). E, neste

lugar de sofrimento a que são transportados, observam ainda Santos e Bernardes (2008, p. 290),

“Gays e lésbicas são vetados ao toque, ao olhar, ao abraço, ao beijo, à expressão genuína e

espontânea do sentimento amoroso na presença de outrem, particularmente em se tratando do

espaço público”.

No momento em que este amor proibido de existir, toma a forma declarada de sua

existência, deixa de ser um segredo velado para ser um segredo aberto, passando a se fazer presente

45
Armário, conforme Borrillo (2000/2021), no caso da homossexualidade, equivale a um lugar em que se está
escondido do mundo, sexualmente falando.

156
em uma estrutura heteronormativa que busca impedir a manifestação de qualquer outra forma de

expressão da sexualidade que não a heterossexual, desejando assim normatizar a sexualidade e a

subjetividade humana, o desejo e as formas de buscar e sentir prazer de cada um. (Santos &

Bernardes, 2008).

Por este ângulo, Silva (2020) considera que a sociedade ocidental se pauta em regras e

proibições do que se define como certo e errado e essas precisam ser seguidas para que se haja um

controle do próprio poder, e isto impede que se tenha uma compreensão subjetiva da sexualidade

em suas diversas formas de manifestação, do prazer e do desejo. Foucault (1988) refere-se ao poder

nas definições da lei pertinentes ao sexo, o que equivale dizer que o sexo pelo poder se reduz a um

regime binário: lícito e ilícito, permitido e proibido, o que aprisiona e condiciona a uma verdade

parcial em determinado momento sócio-histórico-político e social.

Perucchi, Brandão e Vieira (2014, p. 68) consideram a homofobia “um fenômeno complexo

e multifacetado, com dimensões psicológicas e sociais que se processam na experiência individual

dos sujeitos, mas que não se encerram na individualidade, processando-se no âmbito das relações

sociais”, promotora de sofrimentos psíquicos e físicos aos homossexuais, dificultando, inclusive,

que as pessoas se reconheçam e se assumam homossexuais, por medo, não raras vezes, dos crimes

de ódio que possam ser vítimas, os quais, por sua vez, explica Efrem Filho (2016) caracterizam-se

por brutalidades e crueldades praticadas contra os homossexuais, em seus corpos, no ato destes

crimes.

Em um de seus relatos, a fim de demostrar do que se trata o crime de ódio, expõe Efrem

Filho (2016, p. 314), “A injustificável quantidade de facadas – ou o seu lugar geográfico no corpo

da vítima: o ânus – diferencia os ‘crimes de ódio’ dos crimes comuns, e mesmo dos passionais. As

brutalidades exemplificam a crueldade”.

157
O crime de ódio é um termo guarda-chuva que abarca uma diversidade de crimes

caraterizados pela brutalidade e crueldade das mortes, direcionadas a determinados grupos. Estão

“dentro deste guarda-chuva” lesbofobia, homofobia, crime de racismo, de intolerância religiosa.

De acordo com Aguião (2018b), o Brasil é o país em que mais ocorre crime de ódio à

homossexuais, vindo na sequência México e Estados Unidos e, postula Efrem Filho (2016) que o

que leva ao crime de crime de ódio é a homofobia. Segundo Chequer (2018, citado por Aguião,

2018b, p. 127),

[...] o fato de determinados grupos [religiosos] construírem uma agenda na qual a

homossexualidade e a diversidade de orientação sexual são consideradas pecado e

abominação com certeza estimula a existência do crime homofóbico, do crime de ódio,

levando à construção de uma agenda adversa”. (Chequer, citado por Aguião, 2018b, p.

127).

Considerando-se o crime de ódio uma violência alarmante aos homossexuais, observa

Aguião (2018b) uma consideração feita pelo deputado Iran Barbosa (PT-SE, 2018), na qual o

deputado aproxima estes crimes aos homossexuais enquanto vítimas do nazismo:

Fico a me perguntar se, de fato, às vezes a identidade, o reconhecimento, a expressão forte

de algo como foi o nazismo e o Holocausto na Europa facilitam mais o reconhecimento da

barbárie, do cometimento de crime, do que a pseudodemocracia que vivemos aqui no

Brasil. Os dados apresentados mostram que precisamos fazer um movimento para que se

reconheça que as populações de LGBT no Brasil são vítimas de uma violência direcionada.

(Barbosa, 2018, citado por Aguião, 2018b, p. 134).

158
Acerca dos crimes de ódio, Efrem Filho (2016), traz um recorte de uma entrevista

concedida por Rodrigo Albuquerque, delegado da Delegacia Especializada em Crimes

Homofóbicos, em 6 de junho de 2013, na qual ele observa que

[...] geralmente os crimes cometidos contra homossexuais, eles têm muito mais violência.

A tinta é muito mais carregada. Entendeu? É diferente. (...). Pra mim, pela minha

experiência enquanto delegado, de alguns anos, a violência e a motivação muitas vezes

fútil. É por nada, é por muito pouco ou patrimonial. Sempre tem esse lado. É por pouca

coisa. Às vezes por uma discussão de rua, uma bobagem. Motivos fúteis mesmo.

(Albuquerque, 2013, citado por Efrem Filho, 2016, p. 331).

A esta observação de Albuquerque (2013), para Efrem Filho (2016),

Os “motivos fúteis” mencionados pelo Delegado Rodrigo Albuquerque, afinal, indicariam

uma desproporção inexplicável entre as “tintas” do crime e aquilo que o motivaria – uma

discussão, um crime patrimonial etc. Mas essa brutalidade, além de consubstanciar,

segundo o Movimento LGBT, a presença da homofobia – e, portanto, dos laços entre a

sexualidade da vítima e o crime – termina constituindo a própria sexualidade. A

brutalização dos corpos se correlaciona à brutalização da sexualidade, de forma que as

marcas das brutalidades, performatizadas nos documentos e autos, perfazem a sexualidade.

(Efrem Filho, 2016, p. 335).

De acordo Guterres (2022), secretário geral da ONU, os discursos de ódio contra

homossexuais incitam a violência, desumanizam as pessoas e as comunidades existentes e, este

movimento, impacta diretamente na paz, segurança e direitos humanos das pessoas.

Neste mesmo sentido, observam Quadrado e Ferreira (2020) que os discursos de ódio se

fazem presentes em todos os âmbitos, inclusive nas redes sociais, sendo disseminados de forma

159
rápida e com longo alcance. Assegura Guterres (2022) que um discurso de ódio com a palavra

arma sendo utilizada repetidas vezes, pode ser materializado por meio de um crime com uma

arma de fogo, por exemplo.

Guterres (2021; 2022) considera que todo discurso de ódio é altamente perigoso e deve

veementemente serem combatidos e, para tanto, observa Guterres (2021) que a educação e a

informação são fortes aliadas neste combate com êxito.

Consideram Quadrado e Ferreira (2020) e Guterres (2022) que os discursos de ódio

evoluem rapidamente para a violência, levando, deste modo aos crimes de ódio contra as minorias

sexuais, raciais, religiosas, causando medo entre seus alvos. E, neste contexto, Perucchi, Brandão

e Vieira (2014) ponderam que a homossexualidade é frequentemente percebida na adolescência,

mas por um medo internalizado de ser vítima de um crime de ódio, a sexualidade destes

adolescentes é experienciada e vivida como uma heterossexualidade compulsória, vindo, as

meninas, não raras vezes, a terem relacionados heterossexuais e engravidarem, dificultando-lhes

viverem sua homossexualidade, com outras funções que a partir daí se são atribuídas, gerando

intenso sofrimento na vida destas pessoas.

Ao falarmos em sofrimento advindo da homofobia, Costa (1944/1992) chama a atenção

para os riscos da manutenção das palavras homossexualidade e heterossexualidade e todo o

histórico pejorativo que o termo homossexualismo carrega consigo ao longo dos tempos, desde

que a homossexualidade passou a existir enquanto doença, não cessando mesmo após ter sido

finalmente despatologizada.

A preservação do vocabulário ‘homossexualidade & heterossexualidade” corre risco

semelhante ao da preservação do vocabulário do ‘branco & negro’. [...] Além da óbvia

conotação pejorativa que o termo ‘homossexualismo’ possui, dada sua origem médica-

160
psiquiátrica, seu uso estabelece desequilíbrio no tratamento moral dos ‘homossexuais’, em

tudo contrário aos ideais éticos de nossa cultura. [...]. (Costa, 1944/1992, p. 37).

A homofobia e a lesbofobia podem ser vistas se manifestando de diferentes formas. Podem

ser entendidas como projeção de sombra individual e ainda coletiva, quando conteúdos internos

não são vistos como positivos e, na tentativa de eliminá-los de si, busca-se a eliminação do outro

que incomoda, uma vez que reflete sua própria negação e, nesse sentido, Jung (1967/2013a) muito

tem em seus escritos a contribuir conosco. Quanto mais escondemos e negamos nossa sombra,

mais ela insiste em aparecer e se fortalece, daí a possibilidade de haver tantas agressões físicas e

assassinatos a pessoas que se relacionam afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo sexo. (Jung,

1967/2013a; Zweig & Abrams, 2012; Sanford, 1980/2012).

Welzer-Lang (2001), citado por Baron Mussi e Serbena (2015), enveredam pelo

pensamento de Jung sobre as formas de manifestação da sexualidade e os processos de

desencadeamento da homofobia a partir da projeção de sombra e apontam que “[...] a noção de

superioridade e de dominação do masculino em relação ao feminino é produtora de homofobia e

tem como suporte a cultura do machismo, heterossexismo, heteronormatividade,

heterocentrismo”.

Baron Mussi e Serbena (2015), de acordo com Mello (2005, p. 193) afirmam que pessoas

homofóbicas tendem a apresentar um comportamento conservador, austero e adeptas à

conservação da forma de expressão tradicional da sexualidade, tida como a heterossexualidade.

Consideram ainda que os homossexuais apresentam uma outra realidade de manifestação da

sexualidade quando irrompem com o padrão que considera gênero igual a papel sexual,

especialmente quando não atrela a passividade sexual a mulher e a sexualidade ativa ao homem,

161
mas concebe a ambos as duas possibilidades. Deste modo, a homofobia poderia ser assinalada por

um temor de se

[...] assumir socialmente que, segundo Neto (s/d.), como Jung postulou, há aspectos do

animus e da anima formando todos os indivíduos. Isso se daria porque as características do

animus (como ser ativo, racional, lógico, agressivo) (Neto, s/d.) seriam socialmente aceitas

quando demonstradas por homens e rejeitadas quando aparentadas por mulheres; assim

como as características da anima (passiva, flexível, tolerante, sentimental, intuitiva,

protetora) (Neto, s/d) só seriam toleradas quando exibidas em mulheres. (Baron Mussi &

Serbena, 2015, p. 42).

A simples concepção da homossexualidade, para Santos e Bernardes (2008) e Baron Mussi

e Serbena (2015), esteja ela presente em espaços públicos ou privados, reverbera agressivamente

a sociedade homofóbica e heterossexista da qual fazemos parte; assumir-se essencialmente como

homossexual equivale a afrontar o outro, quando este outro não permite que o diferente dele tenha

espaço no mundo, tenha voz, exista.

De acordo com Pereira (2017), a homofobia se trata, e deveria ser assim caracterizada,

como um crime de ódio, onde, o assassino premedita sua vítima, escolhendo-a consoante a um

grupo a que pertence. E considera ainda Pereira (2017, p. 12) que, no crime de ódio, “As razões

mais comuns são deficiência física ou mental, etnia ou nacionalidade, orientação sexual, raça,

religião, idade da vítima, seu gênero e/ou identidade sexual”.

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (2018), o Brasil caracteriza-se como sendo altamente

inseguro para LGBTI+, pois tem demostrado uma tendência a um significativo aumento de crime

de ódio nas últimas duas décadas, pois é habitado por uma sociedade LGBTfóbica estrutural.

162
Consideram Santos e Bernardes (2008) que a homofobia é concernente a sentimentos

negativos a gays e lésbicas, ao passo que o heterossexismo se pauta no amor entre homem e

mulher, no caso, heterossexual, como única forma possível de vivenciá-lo. Neste sentido, ela pode

ser encontrada de forma interna ou externa à pessoa, de modo que, quando internalizada, como

forma de negação da própria sexualidade pelo homossexual, pode levá-lo a agredir outros

homossexuais ou mesmo a adoecer por não poderem viver abertamente sua sexualidade,

consideram Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), a partir de estudos apresentados por César et al.

(2015), todavia, consideram Perucchi, Brandão e Viera (2014) que assumir a homossexualidade

leva o homossexual a se libertar da homofobia internalizada, ajustando-se de maneira saudável.

Salles e Melo (2011, p. 32) explicam que a capacidade de se viver em plenitude a

homossexualidade, pode ser inibida por sentimentos de desvalia, desconforto, bem como ameaças

de vergonha e culpa advindas de pessoas homofóbicas, levando, assim, os homossexuais a viverem

de maneira reprimida e encapsulados em si mesmos, como se estivessem fazendo algo errado ou

ainda para não sofrerem as consequências de violência, rejeição, preconceito e discriminação

social e ainda familiar, religioso, dentre outros.

De acordo com Baron Mussi e Serbena (2015) as consequências da homofobia, dentre

outras tantas, podem ser sentidas por meio da manifestação inesperada de um afeto abrasador,

vivenciado por quem o sente, de forma conflituosa e proibitiva, assim, projetando, no outro o

desprezo e a violência, como forma de representação de seu próprio conflito interno com sua

própria sexualidade então rejeitada em si, negada e reprimida.

Para Marinho et al. (2004), no contexto brasileiro, a homofobia pode ser enquadrada em

uma escala explícita e implícita, revelando-se, a primeira, declarada, evidenciada e discriminatória

e, a segunda, sutil, discreta, subtendida, observam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b). Sendo

163
que na homofobia sutil como dizem os autores, ou sub-reptícia como aqui se prefere chamar, dado

que ela é velada, ao se falar em igualdade e tolerância, o preconceito pode estar presente, mas de

forma não declarada. Ao passo na homofobia declarada, o preconceito está estampado e dito

claramente de tal modo que é possível observá-lo se fazendo presente sem tentativas de disfarce a

fim de que não seja notado.

O preconceito constitui-se uma ideia pré-concebida, sem alicerce, crítica ou ponderação,

sobre algo ou alguém e pode, em suas variadas formas de manifestação e violência, levar a

discriminação, negando o direito dos outros, e inclusive ceifar vidas, pontuam Araujo, Benincasa

e Frugoli (2022b). E, quando se trata de homofobia, assegura Costa (1944/1992) que para muitas

pessoas isto equivale a uma violência impossível de se suportar. E ressalta ainda que, com

frequência, em alguns depoimentos dos quais ele analisa, o mal-estar é característico e evidente

nestes relatos. Para Costa

Poucas vezes a maioria heteroerótica é capaz de identificar-se com essa posição e pensar

em suas consequências moralmente constrangedoras. Jamais fazemos o exercício

imaginativo de supor como seria a vida de alguém que, malgrado sua vontade, fosse

permanentemente obrigado a ser reconhecido por sua preferência erótica e não por outras

qualidades pessoais que quisesse ver apreciadas e respeitadas pelos outros. No entanto seria

interessante imaginar como reagiriam certos homens heteroeroticamente orientados, caso

tivessem que conviver com a exposição pública de alguma de suas tendencias sexuais,

costumeiramente resguardadas do olhar público por nossos hábitos culturais. (Costa,

1944/1992, p. 37).

Nesta perspectiva, esclarece Lima (2020) ao citar Tavares (2010) que o sofrimento de gays

e lésbicas procede na angústia que carregam, cotidianamente, em suas vidas e no mal-estar de sua

164
adversidade pessoal, além da culpa de sofrer em uma coletividade que concebe o sofrimento como

algo inaceitável e necessário de ser evitado, silenciado e medicado, pois é tido como patológico e

disfuncional.

De acordo com MacRae (2018a), tantas foram as barbaridades inventadas sobre a

homossexualidade que, no século XX chegou-se a cogitar a possibilidade de a homossexualidade

se referir a um terceiro sexo, de modo que se trataria de uma disposição inata. Entretanto, de outro

lado, havia compreendesse a homossexualidade como perversão, sendo ela adquirida, aversiva e

ilegal e suscetível a todo tipo de coerção.

Observa Brígido (2020) que nunca na história houve tão numerosas, intensas e seriadas

barbáries cometidas contra as pessoas como no século XX e, esclarece que por barbáries há de se

compreender toda forma de atitudes cruéis e desumanas em prol do sofrimento determinado das

pessoas. Lembra MacRae (2018a) que mesmo após a relativa libertação da homossexualidade dos

normas religiosas, até os dias atuais estas pessoas sofrem sansões sociais, como depreciação,

ironias, chacotas, degradação, exclusão, perseguição policial e prisão para investigação, fora as

invasões nos bares para provocar o esvaziamento nestes pontos de encontros e o medo nesta

população. E isto segue acontecendo, apesar dos movimentos e protestos de homossexuais e

lésbicas contra a homofobia e a lesbofobia e pelo direito à vida, causando contínuo sofrimento

nestas pessoas.

Neste ângulo, observam Baracat et al. (2020) que quando o sofrimento é muito intenso e

reprimido vem as invasões dos pensamentos de morte como única forma de dar fim a vivência

traumática, minando a consciência e levando a pessoa a se matar. Explicam Baracat et al. (2020)

que isto ocorre, pois, quando a consciência é minada a pessoa não consegue mais racionar com

clareza, tomando suas decisões racionalmente e, mergulhada em profundo sentimento de angústia,

165
apenas encontra alívio em outra forma de sofrimento, no caso no ato de tirar a própria vida. E,

assim, não raras vezes, o suicídio toma conta e ceifa muitas vidas.

Uma vez que o suicídio é produzido por vários atores (econômico, racial, social,

psicológico, biológico, de gênero, cultural, dentre outros) ele se encontra diretamente vinculado

na relação do indivíduo com o meio em que vive e se trata de um problema coletivo e não apenas

individual como a priori pode parecer, pois que as reverberações vão para além de quem comete o

suicídio, implicando em psicologicamente na sociedade e nas relações interpessoais desta pessoa

(Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020).

Para Hillman (1926/2011) o suicídio é o problema mais alarmante da vida, mas não é

apenas um problema de vida, mas de vida e de morte e, a morte, precisa ser considerada como uma

realidade psíquica advinda de sofrimento, de modo que não o sofrimento não deve ser negado e

nem mesmo o desejo de morte do indivíduo, pois, de outra forma, a morte se lançará sobre o sujeito

ceivando sua vida, literalizando-se.

De acordo com Cassorla (1991, citado por Ortiz; Bogo & Navasconi, 2020, p. 168) o

suicídio se dá em consonância a uma série de agentes que vão se aglomerando na vida da pessoa,

sendo eles, “fatores constitucionais até fatores sociais, ambientais, culturais, biológicos e

psicológicos [...] e o que se chama de “causa” é geralmente, o elo final dessa cadeia”. No que diz

respeito às cobranças sociais, de acordo com Carloto (2005, citado por Ortiz, Bogo & Navasconi,

2020) são normas estabelecidas socialmente indiferentes ao desejo e às disposições das pessoas,

pautadas em bases sexistas, classistas e raciais e a maneira como cada um lidará com estas regras,

dependerá de sua própria sobrevivência como sexo, raça e classe. Explicam Ortiz, Bogo e

Navasconi (2020) que isto implicará, invariavelmente, em sofrimento para as pessoas que não se

166
adequarem as regras impostas, podendo, muitas delas, não suportarem e acabarem enxergando o

suicídio em seu desespero, como alternativa.

Ortiz, Bogo e Navasconi (2020, p. 167) ao olharem para o suicídio do ponto de vista de

LGBT que sofre homofobia e são vítimas, portanto, de sofrimento, consideram que se trata de um

fenômeno denso que envolve diversos fatores como individual, psicológico, cultural, biológico,

dentre outros. Relatam ainda que as pesquisas assinalam que LGBTTs 46 podem se suicidar de 2 a

7 vezes a mais que pessoas heterossexuais e que “[...] e jovens LGBT pensam três vezes mais em

suicídio que jovens heterossexuais e têm cinco vezes mais chances de tentar de fato o suicídio”.

E, para que se tenha uma compreensão ainda mais ampla e profunda acerca do sofrimento

de gays e lésbicas, relatam ainda Jorge e Travassos (2021) que o Irã é um país em que considera a

homossexualidade enquanto crime e consideram a morte como uma das formas de punição para

quem comete este delito.

Em 2007, o presidente em exercício na época, Mahmoud Ahmadinejad, declarou não haver

homossexuais no país, mas uma reportagem feita em 2014 revelou que, para escapar da

pena de morte no Irã, gays e lésbicas deveriam se submeter à cirurgia de mudança de sexo:

a homossexualidade é crime, mas o clérigo aceita a ideia de que alguém “tenha a alma

encerrada num corpo do sexo errado”. A orientação seguida pelos médicos prevê que

homossexuais tenham sua “doença” comunicada e tratada, assim como os encaminhados

ao clérigo são incentivados a fortalecer sua fé. Segundo informações não oficiais fornecidas

por um médico à reportagem, só ele realiza mais de 200 cirurgias de transgenitalização por

ano. (Jorge & Travassos, 2021, p. 27).

46
Sigla utilizada para se referir a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis (Santos, 2020; Silva, 2020).

167
Não há dúvidas que a homofobia manifesta por meio da violência, preconceito e/ou

discriminação, seja causadora de sofrimento e adoecimento em pessoas LGBT, evidenciando-se,

inclusive, como um significativo fator de risco para ideação e consumação do suicídio. (Nagafuchi,

2016, citado por Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020).

Asseguram Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que a homofobia produz em LGBT um

sofrimento e uma angústia com a qual se vive de maneira continua e ininterrupta. E ponderam os

autores que

[...] o alto índice de suicídio em Jovens LGBTTs vem aumentando, justamente por ser um

fenômeno multifacetado e multideterminado, constituindo-se por uma série de fatores, tais

como questões individuais, sociais, econômicas, psicológicas, biológicas, bem como por

vivenciarmos em uma sociedade capitalista e LGBTfobica, haja vista que, que a pessoa

sofre não por sua orientação sexual, mas sim pelo preconceito da sociedade, pois estamos

inseridos numa sociedade em que heterossexualidade deve ser vista como padrão para

todos. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020, p. 170).

Pereira (2017, p. 10), esclarece que a violência manifestada por meio da homofobia, de

acordo com a OMS – Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002, citado por Sacramento &

Rezende, 2006), refere-se ao “[...] uso intencional da força ou poder em uma forma de ameaça ou

efetivamente, contra si mesmo, outra pessoa ou grupo ou comunidade, que ocasiona ou tem

grandes probabilidades de ocasionar lesão, morte, dano psíquico, alterações do desenvolvimento

ou privações”.

De acordo com Pereira (2017) o homem existe a partir da relação que estabelece com o

mundo e não pode existir fora dele, pois os dois estão constante interação. Neste sentido, a

sociedade ao produzir determinados comportamentos, implicará na vida de todos, refletindo em

168
suas ações e escolhas. Assim, como consequência do sofrimento incutido nestas pessoas, muitas

não suportam e acabam sendo levadas ao suicídio e isto é considerado um crime de ódio, o qual

produz sequelas para toda a sociedade que jamais poderão ser reparadas dada a gravidade de suas

consequências. Relativo a isto, Alves e Moniz (2014), declaram que constantemente podemos

observar situações de homofobia direcionada a homossexuais, advindas de todos os lugares:

Diuturnamente somos informados de situações e acontecimentos envolvendo o

homossexual: políticos homofóbicos, pastores que dizem curar a homossexualidade,

grupos religiosos que declaram publicamente a sua posição homofóbica, psicólogos que

declaram que tem a cura, policiais inescrupulosos que consideram os homossexuais como

criminosos e agem com brutalidade e violência, homofóbicos que agridem, espancam,

matam, acreditando que estão livrando a sociedade de uma praga [...]. (Alves & Moniz,

2014, p. 5).

Observam Silva et al. (2015) que ainda na atualidade, comumente, grupos religiosos

postulam a necessidade de cura dos homossexuais, mudando assim sua conduta sexual, uma vez

que é pecaminosa da maneira como se apresenta. Isto instiga e mantém o preconceito e a

discriminação à estas pessoas, e constatam Alves e Moniz (2014) que os números de violência a

LGBT aumentam ano após ano e que, em 2011 e 2012, houve o seguinte índice representativo de

violência:

Em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações

relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Em setembro

ocorreu o maior número de registros, 342 denúncias. Em relação a 2011 houve um aumento

de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando foram notificadas 1.159 denúncias

169
de 6.809 violações de direitos humanos47 contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275

suspeitos”. (Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano 2012, p. 18, citado por

Alves & Moniz, 2014, p. 5).

O índice de suicídio é bastante considerável na população LGBT, pondera Pereira (2017).

No ano de 2016, os dados apresentados no Relatório do Grupo Gay da Bahia - GGB de 2016

(Pereira, 2017, p. 16) revelaram que ocorreram:

[...] suicídios de 26 pessoas LGBT, sendo 21 gays, 3 lésbicas e 2 trans, liderando São Paulo

com 8 ocorrências e MG, MS e BA com três casos em cada estado, suas idades variando

de 17 a 61 anos, seis dos quais entre 20-26 anos. A maioria dos suicidas ingeriu remédios

ou se lançou de viadutos ou prédios altos, como solução final para escapar do inferno em

que viviam devido ao preconceito e discriminação. (GGB, 2017, p. 5, Pereira, 2017, p. 15-

16).

Para além do preconceito à que a população LGBTQIA+ como um todo (lésbicas, gays,

bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e demais orientações sexuais e identidades

de gênero (Silva, 2020; Santos 2021; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b) é alvo, relatam Araujo,

Benincasa e Frugoli (2022b), há ainda os estereótipos que lhes são atribuídos em função de sua

orientação sexual (orientação sexual ou orientação do desejo sexual diz respeito ao interesse

afetivo/sexual de uma pessoa pela outra (Jesus, 2012; Silva, 2020; Araujo, Benincasa & Frugoli,

2022b) ou identidade de gênero. Trata-se de crenças generalizadas, embasadas em juízos de

valores morais e pré-concebidos sem uma base cientifica, sobre as características e

comportamentos desta população, tendo como base o senso comum, pautados em suas vestimentas

47
Para aprofundamento no assunto, ver: Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (United Nations, 1948)
- https://www.un.org/en/about-us/universal-declaration-of-human-rights.

170
e comportamentos. Os estereótipos têm como objetivo rotular e limitar pessoas ou grupos,

desencadeando na LGBTfobia quando voltados à LGBTQIA+.

Esclarecem Silva (2020), Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) que, alicerçado no

preconceito, o Brasil é o país que mais mata homossexuais e pessoas LGBT no mundo. E, os dados

compilados e apresentados no site Homofobia Mata (fonte fidedigna que reúne indicadores

consistentes), advindos da Hemeroteca Digital/Banco de Dados Homofobia Mata, preconizam esta

realidade, do ponto de vista de ser o Brasil o país com a maior quantidade de registros de crimes

homofóbicos do mundo, vindo a seguir México e Estados Unidos.

Pereira (2017, p. 6) observa que o Brasil é o país que possui maior índice de mortes a

homossexuais e transexuais. E, enfatiza, que trata de uma discriminação, preconceito e violência

que suscitam austeros danos psicológicos, em que muitas pessoas adoecem de depressão,

ansiedade, dificuldade em se aceitarem como são, fobias, podendo, no limite da angústia,

mutilarem-se e até cometerem suicídio.

Observa ainda Pereira (2017) que familiares de LGBTI, também são alvo de violência, pois

são socialmente vistos como culpados e negligentes por seus filhos serem LGBT e este preconceito

é tão forte, que estes pais se sentem naturalmente culpados e envergonhados. Pereira (2017, p. 6)

adverte que ainda outros três grupos de pessoas são alvo de violência: “[...] heterossexuais

confundidos com pessoa LGBTI, companheiros das travestis e mulheres transexuais e pessoas que

tentaram salvar uma pessoa LGBTI de situação de violência física. Todas essas pessoas são

marginalizadas, excluídas e estigmatizadas pela sociedade”.

Nesta perspectiva, salienta MacRae (2018a) que as lésbicas sofrem dupla repressão e

correm um risco ainda maior no que se refere a violências a elas praticadas, primeiro por serem

mulheres e depois por serem lésbicas. Estas mulheres, tomadas pelo medo e vítimas frequentes de

171
preconceito e discriminação, com o objetivo de tentarem se proteger da violência ou minimamente

reduzirem riscos, elas buscam, sempre que possível, não saírem sozinhas a noite, para bares e

lugares LGBT. E, considera ainda MacRae (2018a) que pelo fato de as mulheres lésbicas exporem

menos a sua sexualidade, acabam sendo, neste sentido, menos visíveis que os homens

homossexuais, entretanto, apesar disto, são alvo de homofobia frequente e em diversos setores de

suas vidas, sendo estas violências vividas trazendo-lhes sofrimentos e angústias.

Sofrimentos e angústias são sentimentos que podem ser vividos de forma literalizada ou

reprimida pela consciência, dependendo do grau dos recursos internos que o indivíduo dispõe para

lidar com tais conteúdos (Jung, 1916/2014b). Uma das formas de literalização em LGBT do

sofrimento causado pela homofobia, é o suicídio, mas também há outras formas, como a

homofobia internalizada, com a negação do desejo sexual por pessoas do mesmo sexo e a projeção

de ódio nas pessoas que vivem esta forma de sexualidade proibida para si, o medo de manifestação

afeto em público, de se assumir sexualmente frente ao outro, o adoecimento psíquico e muitas

vezes físico etc. (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b).

De acordo com Barbosa e Medeiros (2018, citado por Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020) ao

saírem “do armário” as pessoas LGBT tornam-se visíveis e vulneráveis a inúmeras formas de

LGBTfobia, sendo atravessadas pelas mais diversas formas de violência. E estes fatores podem

ser motivadores e mesmo fatores intensificadores de sofrimento, interferindo em diversas áreas da

vida destas pessoas, como na vida educativa, profissional e interpessoal.

Teixeira-Filho e Rondini (2012), citado por Ortiz, Bogo e Navasconi, 2020, assinalam a

discriminação social a LGBTTs pode levar a um número considerável de malefícios e resultados

negativos na vida destas pessoas que sofrem preconceito e, dentre outros aspectos, os autores

apontam

172
[...] a própria negação de sua homossexualidade para si próprio e para a sociedade, por

medo de ser julgado; a mudança é algo comum, em um primeiro momento negam e tentam

mudar sua orientação sexual padronizada; mecanismos compensatórios a fim de tentar

fazer algo bom para que a sociedade o aceite; uma visão muito negativa de si mesmo;

desprezo ao público LGBT por serem assumidos a sociedade; a visão de que a homofobia

pode ser algo aceitável e não grave; preconceitos com outros grupos que também são

excluídos pela sociedade; permitir viver em um ambiente ou relacionamento abusivo; negar

sua sexualidade ao ponto de se casar com alguém do outro sexo para provar para a

sociedade que não é homossexual, enganando a si mesmo; práticas íntimas não seguras;

uso excessivo de alimentos ou de drogas ilícitas. (Teixeira-Filho; Rondini, 2012, citado por

Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020, p. 173).

O sentimento de não pertencimento, desvalorização, desrespeito, desamor, vulnerabilidade,

dentre outros, gera forte sofrimento nas pessoas, uma vez que ser amado, aceito, valorizado, sentir-

se seguro e protegido, fazem parte de processos cruciais para a constituição do ser humano,

mantendo-o, inclusive, saudável emocionalmente. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020).

Na tentativa de se livrarem deste estigma e aliviarem este sofrimento que vivenciam os

homossexuais diariamente, conforme MacRae (2018a), postulam que a homossexualidade é

saudável tão qual a heterossexualidade o é e, nesta afirmação, não consideram que, pelo uso do

conceito saudável, enfatizam seu contraponto, que é o não-saudável, o patológico, remetendo a

sexualidade novamente a discussão médico-psiquiátrica de outrora.

E, com isto, volta-se ao eterno sofrimento da patologização e da discriminação dos

homossexuais, provocando uma ferida aberta há que não se cicatriza, pois há sempre forças

173
contrárias buscando, por meio do preconceito, denegrir e depreciar estas pessoas, negando-lhes a

possibilidade a uma vida digna.

De acordo com MacRae (2018a) citando Bernadet (1982), o sofrimento de gays e lésbicas,

dado o nível de agressão a que se encontram diariamente expostos, é tão grande que, aos pedaços,

já não seduzem, não são modelos atrativos e menos ainda vistos e reconhecidos em sua

potencialidade e totalidade de se ser humano. E, diante disto, já não buscam existir, mas lutam

contra o preconceito, a discriminação e a violência para sobreviverem. Não querem ser

necessariamente aceitos, mas querem ser respeitados como qualquer outro ser humano que tem

este direito.

O preconceito a LGBT, afirmam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) desencadeia riscos para

a saúde mental desta população, interferindo em sua saúde emocional e física. Quando ocorre o

adoecimento físico é porque a dor já está além do emocional, manifestando-se no corpo (Goswami,

2004/2006; Ramos, 2006). De acordo com Jung (1916/2014b), quando isto ocorre é porque foram

ativados complexos inconscientes que atuarão na consciência em forma de doença, manifestando-

se em forma de medo, angústia, pânico, negação de si mesmo etc., pois, conforme Jung (citado por

Ramos, 2006), quando ocorre um funcionamento inadequado da psique isto pode levar a

incontáveis danos ao corpo, do mesmo modo que, inversamente, um sofrimento corporal pode

afetar a psique, dado que psique e corpo não estão separados, mas são animados por uma mesma

vida. Nesta circunstância, raramente a doença corporal não revelará em complicações psíquicas,

mesmo quando não seja psiquicamente causada. E vice-versa. Para se compreender o ser humano

em sua totalidade, é preciso olhá-lo de maneira integral, considerando que ele possui psique e

corpo (Goswami, 2004/2006; Ramos, 2006).

174
A proposta de Jung, de uma visão integral do ser humano, teve importante contribuição no

campo da psicossomática, a qual, de acordo com Ramos (2006), ao citar Lipwiski (1894) é:

[...] um termo que se refere à inseparabilidade e interdependência dos aspectos psicológicos

e biológicos da humanidade. Essa conotação pode ser chamada de holística, na medida em

que ela implica uma visão do ser humano como uma totalidade, um complexo mente-corpo

imerso num ambiente social. (Lipowiski, 1984, citado por Ramos, 2006, p. 47).

Tendo por base seus estudos empíricos, mais especificamente a associação de palavras

utilizadas em pacientes histéricos, foi-lhe possível observar que esses pacientes desenvolviam uma

semelhante personalidade mórbida, demonstrando um querer ser/estar doente (Jung, 1906/2011a),

o que lhe permitiu concluir que os sintomas tinham origem nos complexos, levando as pessoas ao

adoecimento, sendo, portanto, psique e corpo necessários de serem compreendidos em sua

integridade. Nesta perspectiva, tornou-se possível dizer que toda doença é psicossomática,

formada por psique e soma, mente e corpo.

Em vista disto, Jung concebe que os sintomas ou a doença são formas de expressões dos

complexos, resultando de conflitos entre o ego e o inconsciente. Em seus escritos declara que “Os

sintomas físicos e psíquicos não são mais do que manifestações simbólicas de complexos

patogênicos” (Jung, 1906/2011a, p. 361) e estes complexos se revelam no corpo, em forma de

doença.

De acordo com Jung (1954/2013d), os complexos são núcleos formados por experiências

afetivas (que nos afetam) e que atraem para si, como um imã, experiências semelhantes. Dão

significado a todos os acontecimentos e ressignificam o evento, exemplo: se temos certeza de que

estamos sendo traídos, tudo o que acontece só vai provar que estamos mesmo sendo traídos.

Inconscientes, fazem com que venhamos a dar sempre as mesmas respostas às diferentes situações.

175
Os complexos tendem a se manifestar de forma projetadas, como objetos externos e não

pertencentes ao “eu” e esta projeção se faz sentir por uma forte carga de afeto (afetação emocional).

Nossa reação é determinada pelo afeto, de modo que somos incapazes de reagir adequadamente

em relação a uma ·pessoa ou situação; não conseguimos nem aceitar, nem modificar, nem

abandonar essa pessoa ou situação. (Whitmont, 1955, p. 55).

O complexo pode aparecer em forma psicológica ou de sintoma, emocional ou física,

causando doença. Nós não temos os complexos, mas são os complexos que nos tem, de modo que

uma pessoa tomada por um complexo pode adoecer vindo até mesmo a morrer.

Hoje em dia todo mundo sabe que as pessoas têm complexos. Mas o que não é bem

conhecido e, embora seja de maior importância é o que os complexos podem nos ter […].

Rompe-se a unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade,

quando não se tornam de todo impossíveis […]. (Jung, 1954/2013b, p. 43).

Na teoria dos complexos e na dinâmica do adoecimento, é ainda importante observarmos

que por detrás de cada adoecimento existe um conflito e a doença é a forma de expressão desse

conflito (Jung, 1954/2013b; Ramos, 2006). A doença é uma produção da psique para falar de algo

que coletivamente é vivido como um padrão saudável. Quanto mais um sujeito está preso a um

padrão que ele considera como saudável, mais os outros padrões podem ser vividos como doença,

se estiverem em cisão e sendo combatidos (Jung, 1954/2013b).

Sustenta Ramos (2006, p. 77) que “toda e qualquer doença é um símbolo, o qual revela

uma disfunção no eixo ego-Self”48. A doença é vista como tentativa da psique de reintegrar

conteúdos inconscientes via mecanismo de compensação.

48
Conforme Jung (1967/2013a), trata-se do equilíbrio entre o mundo externo e o interno.

176
Ramos (2006) observa que as expressões do fenômeno psique-corpo e suas alterações

fisiológicas sincrônicas, se dão por meio de um complexo que se manifesta, auxiliando na

compreensão ampla da doença. Sob este ponto de vista, o corpo é a visibilidade da alma, da psique

e, a alma, é a experiência psicológica do corpo. Frente a manifestação da doença, os sintomas

físicos são retratos simbólicos do complexo patológico (Jung, 1906/2011a) e, compreender estes

símbolos e o primeiro passo para se decifrar a doença.

Para Jacobi (1957/1995), símbolo vem de Symbolon, palavra formada a partir do verbo

grego symballo, que admite diversas definições e interpretações, no entanto, todas convergem para

o ponto em que designam algo que, por trás da acepção objetiva e visível, ocultam um sentido

invisível e mais profundo. Explica Jung (1964/2008) que o símbolo é mediador e busca unificar a

consciência e o inconsciente.

O símbolo indica algo que está por detrás do que a consciência percebe e o responsável por

transformar a energia psíquica, integrando conteúdos inconscientes à consciência, promovendo um

processo de orientação, restauração e cura. É pelo símbolo que o inconsciente se manifesta,

comunicando à consciência o que a ela é desconhecido. (Jung, 1964/2008).

Não diferente do que era na antiguidade, o corpo continua sendo o lugar do mal, só

que não mais açoitado com chicotes e, sim, martirizado de outras formas, sendo, por

exemplo, a doença advinda como consequência do pecado e merecimento, como forma de

autopunição. Neste sentido, esclarecem Barbosa, Matos e Costa (2011):

Para o cristianismo, o corpo sempre teve uma característica de fé; é o corpo crucificado,

glorificado e que é comungado por todos os cristãos. Como sabemos, as técnicas coercitivas

sobre o corpo, como os castigos e execuções públicas, as condenações pelo Tribunal do

Santo Ofício (a Inquisição – oficializada pelo papa Gregório IX), o autoflagelo marcam a

177
Idade Média. A Inquisição, inicialmente com o intuito de salvar a alma aos hereges, passou

a empregar, mais tarde, a tortura e a fogueira como forma de punição, com autorização do

Papa Inocêncio IV, em 1254. Estes eram acontecimentos e cerimónias públicas, cujo

objetivo era o de expor à população a sentença recebida pelo réu, era um verdadeiro acto

festivo assistido não só pela população, mas pelas autoridades religiosas. (Barbosa, Matos

& Costa, 2011, p. 27).

A doença é muitas vezes uma penitência e a dor pode ser vista como um castigo, como um

demônio. Explicam Barbosa, Matos e Costa (2011) que, se por um lado o cristianismo reprimi o

corpo, de outro, o glorifica por meio do corpo sofredor de Cristo, levando a compreender, a partir

desta reflexão, que a dor do corpo era mais sublime que os prazeres, sendo, portanto, uma forma

de purgar os pecados. Na atualidade, com o novo modelo de se compreender o corpo, cultuado e

objetificado, ele vive em crise e o resultado não difere do que se via no passado e, conforme

Barbosa, Matos e Costa (2011), com isto, parece que o modelo passado se repete e se prepondera

sobre o presente.

Como refere a historiadora Rosário (2006), citada por Barbosa, Matos e Costa (2011), o

ser humano tem-se constituído numa duplicidade que só se consegue perceber em posições

distintas: corpo e alma, razão e emoção, feminino e masculino, construindo o sentido dos seus

corpos numa lógica de produção, economia, mercado, consumo, que têm regido a sociedade

ocidental (desde a diferenciação sexual no século XVIII). Daí instituir-se um corpo sexual e

produtivo (masculino), reprodução do modelo capitalista, do valor mercantil, limitando em

demasia o espaço sedutor (feminino). Neste processo, a começar pela repressão imposta na Idade

Média, todos os mecanismos instituídos pelo poder que reprimem o corpo, parecem, por seu lado,

reforçar a importância da sexualidade. (Barbosa, Mato & Costa, 2011, p. 29).

178
E, sob este ponto de vista, o resultado é bastante semelhante ao que era no passado. Toda

crise convida a uma retomada de consciência, pois, cada escolha que fazemos, ela nos faz. Com

isto, não se pode simplesmente servir aos outros sem um propósito, ser apenas servos, há de ser

servos conscientes ao que se está servindo, ter-se um objetivo de vida, com possibilidade de se

sentir feliz em alguns momentos e infeliz em outros, eficiente e ineficiente, crente e descrente,

decidido e indeciso, enfim, é preciso se permitir viver todas as possibilidades, não só uma coisa e

nem só a outra, do contrário, permitindo-se viver apenas um lado sem espaço para que o outro se

manifeste, haverá uma unilateralização da consciência, transformando-se esta rigidez, conforme

Jung (1906/2011a, p. 361) em sintoma e, então, a doença se fará presente.

Segundo Jung (1906/2011a, p. 361), quando ocorre a unilateralização da consciência, vem

o sintoma ou a doença como forma de expressão da psique, sinalizando que algo está desajuste

interno. Para que se tenha o sintoma, é necessário que haja um estilo dominante na consciência e

uma cisão. A cisão ocorre quando se começa a desagregar (ou é isto ou é aquilo, quero ou não

quero) e o estilo que ganha é o que vai para a consciência, sendo assombrado pelo que ficou na

inconsciência. O ideal é que esses estilos troquem de posição, estejam harmonizados e não

polarizados, podendo ora ser um e ora o outro a prevalecer, a escolher, sem precisamente se ter

uma rigidez, um determinado padrão a se seguir, pois, de outra forma, virará sintoma. É a

intensidade que promove a cisão e faz o sintoma e, se isso acontece, para restabelecer a saúde, o

padrão dominante tem que descer ao inconsciente, recuperar o que aparentemente não tinha valor

e subir de volta a consciência, sendo outro padrão agora, não mais o que estava na consciência e

tampouco o que estava na inconsciência, mas outro padrão.

Somos compostos por pares de opostos como luz e sombra, amor e poder, bem e mal e,

quando se dá a unilateralização de um dos polos, vem a doença como tentativa de restabelecer a

179
saúde e de resgatar o amor-próprio, o que estava perdido ou adoecido. O literalismo é suicida, mata

todos os outros sentidos. A literalidade implica em perda da capacidade simbólica, o que significa

regressão da consciência (Jung, 1906/2011a).

A subjetividade e os aspectos psicológicos estão presentes em todas as doenças,

apresentando-se de diversas formas, de modo que om corpo, por meio de sintomas e doenças,

busca se expressar e ser ouvido. A psique cria a partir da interpretação e são os complexos que

interpretam, de modo que para se encontrar a cura, é preciso ressignificar o complexo (Jung,

1959/2014a).

Jung (1938/2012c) ao se referir ao sintoma, argumenta que:

[…] O sintoma é como que o broto que surge na superfície da terra, mas a planta mesma

se assemelha a um extenso rizoma subterrâneo (raizame). Este rizoma é o conteúdo da

neurose, a terra nutriz dos complexos, dos sintomas e dos sonhos. Temos boas razões,

inclusive, para supor que os sonhos refletem com fidelidade os processos subterrâneos da

psique. E se conseguirmos penetrar no rizoma, teremos alcançado, literalmente, a “raiz” da

enfermidade. (Jung, 1938/2012c, p. 39).

O sintoma, para Jung (1959/2014a), pode indicar muitas vezes uma cr ise de

individuação, dado que esta é a busca do sentido da vida e, todo processo evolutivo acontece a

partir da crise, sem a qual não há como evoluir. A crise surge como possibilidade de mudança e,

para que esta mudança ocorra, é necessário se desassemelhar (deixar de ser semelhante, se

diferenciar) do outro, ser quem de fato se é, conhecendo e sempre que possível integrando seus

aspectos de luz e sombra.

Conforme Jung, na Alquimia, cujo objetivo é a Coniuncio - a união, a integração dos

opostos, surgindo um novo elemento, sem crise não ocorre a transformação e, nesse processo o

180
Ego precisa estar consciente e colaborativo para que não haja dor e sofrimento, mas, sim,

transformação de maneira fluida. E, conforme Jung (1959/2014b), o processo de individualização

acontecerá, quer a consciência queira, quer a consciência não queira.

O sentido e a meta do processo são a realização da personalidade originária, presente no

germe embrionário, em todos os seus aspectos. É o estabelecimento e o desabrochar da

totalidade originária, potencial. Os símbolos utilizados pelo inconsciente para exprimi-la

são os mesmos que a humanidade sempre empregou para exprimir a totalidade, a

integridade e a perfeição; em geral, esses símbolos são formas quaternárias e

círculos. Chamei a esse processo de processo de individuação. (Jung, 1959/2014b, p. 123).

Nesse sentido, Jung (1959/2014b) sugere que todo sintoma ou fenômeno de crise que

mobiliza um indivíduo, vem como possibilidade de tomada de consciência. E, acerca disto, acentua

Goswami (2004/2006, p. 54), que “a doença é um distúrbio objetivo do organismo que pode ser

diagnosticada por máquinas, por exames adequados, sobre a qual especialistas podem formar um

consenso. Em contraste, a enfermidade é subjetiva, a sensação subjetiva do distúrbio”.

O funcionamento inadequado da psique, advindo de um nível de angústia contido na vida

dos homossexuais, pelas implicações sociais com sua sexualidade, pode encontrar lugar de

ressonância, por exemplo, na homofobia internalizada, como forma de negação da própria

sexualidade pelo homossexual, podendo levá-lo a agredir outros homossexuais ou mesmo a

adoecer por não poder viver abertamente sua sexualidade. Salles e Melo (2011, p. 32) explicam

que “A capacidade de estabelecer relacionamentos íntimos, de viver a sexualidade serenamente e

de se sentir confortável como gay pode ser constantemente ameaçada pelos sentimentos de

vergonha e culpa, reprimidos e encapsulados [...].”

181
Para Garcia e Coutinho (2004), vivemos uma sociedade que produz sofrimento, que preza

a liberdade e o direito de escolha preponderantemente, incentivando a permanente de prazer e de

satisfação dos desejos pessoais, o que usualmente, e de forma contraditória, tem como

consequência o sentimento de limitação e fracasso. E, nesta perspectiva, pode-se refletir sobre

como se sentem gays e lésbicas frente aos seus direitos subtraídos de uma vida digna, aos seus

desejos que lhe são condenados, aos seus amores que lhe são proibidos de serem vividos, às suas

vidas que lhes são extirpadas de forma violenta, tanto psíquica como fisicamente.

Em resposta ao sofrimento a que são vítimas gays e lésbicas, muitas são as doenças que

podem se manifestar em seus corpos e mentes, influenciando em suas vidas e muitas vezes

paralisando-os.

Explica Jung (1961/2015a) que o ser humano está em desenvolvimento por toda a vida, o

qual só termina com a morte e, esse desenvolvimento sofre influências de fatores internos e

externos. Staude (citado por Moreira, 2015) reforça esse pensamento elucidando que “[...] a

mudança de personalidade do indivíduo costumava ser atribuída a acontecimentos exteriores

importantes, tais como [...] traumas muito fortes e doenças muito graves, depressão ou

prosperidade.” E, especificamente sobre a depressão, esclarece Isay (1998, p. 15), que ela “é

causada pela sensação de não autenticidade gerada pelo esforço em dissimular” e, assumir-se

aliviaria o indivíduo. Nesta ótica, consideram Garcia e Coutinho (2004) que:

[...] pensamos que o lugar que a liberdade ocupa no laço social contemporâneo produz uma

nova versão individualista, marcada sobretudo pelo mal-estar associado à errância à qual

estão submetidos os indivíduos hoje. A partir disso, propomos a figura de um indivíduo

errante, sem amarras e à deriva, como paradigmática dos novos contornos que o

individualismo assume em nossa época. Sugerimos que a errância contemporânea traduz-

182
se em uma modalidade de sofrimento psíquico, associado a uma situação de insegurança

ou instabilidade identitária, exacerbada pela imposição da busca do prazer constante e sem

restrições. Nossa suposição, referendada pela escuta clínica, é de que este estado de coisas

se apresenta subjetivamente por meio de diversas manifestações de sofrimento psíquico,

articuladas a uma experiência de desamparo perturbadora. (Garcia & Coutinho, 2004, pp.

131-132).

Para Costa (1944/1992, p. 40) não se pode dizer às pessoas que elas têm direito a felicidade

e, em seguida, negar-lhes este direito a golpes de violência à sua humanidade. E, considera o autor

que, “Uma cultura que faz de seus pactos ‘trapos de palavras’ destrói insidiosamente seu mais

precioso bem, a capacidade de prometer e cumprir promessas”. (Costa, 1944/1992, p. 40).

Todavia, ainda que seja assim, as palavras ditas parecem não encontrar eco em quem as

profere e, ao invés de se primar pelo direito à vida, quando se diz respeito à vida do outro, muitas

condições são colocadas e muitos questionamentos destes direitos são feitos. No caso dos

homossexuais, é exatamente isto o que ocorre e, como resposta aos seus direitos básicos enquanto

seres humanos, são vítimas diárias de homofobia, por meio de discriminação, preconceito e

violências das mais diversas (Borrillo, 2000/2021).

O número de violência, preconceito e discriminação a gays, lésbicas e LGBT como um

todo, segue aumentando a cada ano (Baron Mussi & Serbena, 2015) e, para explicitar esta

realidade, a seguir, seguem dados acerca deste fenômeno no Brasil.

183
4.4.1 Dados de Violência contra LGBT no Brasil

Jorge e Travassos (2021) trazem dados de perseguição aos homossexuais49 e pontam um

estudo divulgado em 2013, pela International Lesbian Gay Bissexual Trans and Intersex

Association (ILGA)50, acerca da conjuntura mundial de LGBT com relação à validade da legislação

em cada país, onde:

Dos 76 países nos quais uma orientação sexual ou identidade de gênero discordante da

norma é considerada crime passível de punição — dentre elas prisão, exílio, linchamento

público e morte —, apenas dois deixaram de integrar a lista: Moçambique (em 2015) e

Belize (em 2016). (Jorge & Travassos, 2021, p. 26).

Não obstante a isto, Jorge e Travassos (2021), relatam uma reportagem publicada pela

BBC51, no ano de 2017, “denunciando a existência de campos de concentração para homossexuais

na Chechênia, integrante da Federação Russa”. A reportagem revelou

[...] batidas policiais e prisões secretas, em que homossexuais são espancados e torturados

até a morte. O governo checheno negou as acusações e, para surpresa geral, repetindo o

que o presidente russo já afirmara em outra ocasião, declarou que naquela república

simplesmente não existem homossexuais o que, em consequência, lhe permitiu classificar

como mentirosos os relatos sobre a detenção. (Jorge & Travassos, 2021, p. 26).

Esclarecem Jorge e Travassos (2021) que para além do desejo e da tentativa de se eliminar

as pessoas que são homossexuais ou mesmo de se dizer que estas pessoas não existem, o que se

49
Gays e lésbicas.
50
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais - organização comprometida com o
avanço dos direitos humanos para todas as pessoas. Atuante nesta causa, compõe a agenda das Nações Unidas na
participação de eventos importantes na visibilidade LGBT – www.ilga.org.
51
BBC News Brasil - https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39603792.

184
busca é negar a homossexualidade, negando, como consequência, a existência do homossexual,

invisibilizando-o a qualquer custo e a qualquer preço, ainda que estas ações custem dor, sofrimento

e mortes destas pessoas.

Neste sentido, pondera Brígido (2020) que os seres humanos possuem predisposição a

eliminar uns aos outros enquanto forma de atender a satisfação de suas tendências egoístas e, para

atingir seus objetivos, buscam eliminar aqueles que representam o espelhamento de seus desejos

negados e reprimidos. Todavia, quando estes mesmos seres humanos se agrupam, na busca de

viverem em civilidade, necessitam, inevitavelmente renunciar às inclinações egoístas, uma vez que

viver em sociedade pressupõe a possibilidade de múltiplas formas de viver, mas, pela frustração

que sentem em ver o outro viver aquilo que negam como possibilidade de vida para si, buscam

destruir este outro, como forma inconsciente de destruir em si aquilo que não suportam ou que, de

alguma forma, não se permitem viver.

Embasados nas notificações do Portal Vermelho (2014), postulam Baron Mussi e Serbena

(2015, p. 41) que “nos últimos anos as denúncias relacionadas à homofobia cresceram 460% e que

a cada hora pelo menos um homossexual é vítima de violência e o Brasil é o país com maior

número de assassinatos de travestis e transexuais”. E, para além disto, ainda apresentando dados

estatísticos e científicos, Baron Mussi e Serbena (2015), embasados em dados científicos,

informam que

O Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais no Brasil do ano de 2014, realizado

pelo Grupo Gay da Bahia, documentou a morte de 326 gays, lésbicas e travestis, sendo 9

suicídios, o que reflete um assassinato a cada 27 horas (Grupo Gay da Bahia, 2015). (Baron

Mussi & Serbena, 2015, p. 41).

185
A fim de que se compreenda a gravidade da situação de violência desencadeada pela

homofobia, outras fontes fidedignas reportaram seus dados, dentre elas, a Secretaria Nacional de

Direitos Humanos (Assunção, 2015), que de acordo com “[...] suas estatísticas com base no Disque

100 - Disque Direitos Humanos, registrou 1.013 denúncias relacionadas à homofobia em 2014 e

356 denúncias entre janeiro e abril de 2015. (Assunção, 2015)”.

Os dados apontados pelo Disque 100, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b),

revelam ainda que, desencadeados pela homofobia, por homicídios e suicídios, cerca de um

homossexual perde sua vida a cada 20 horas no Brasil, sendo que aproximadamente 70% dos casos

de mortes à LGBTs ficam impunes e muitas não devidamente notificadas, mas, sim,

invisibilizadas.

Para além disto, as estatísticas apresentadas em Homofobia Mata, evidenciam que o Brasil,

entre os anos de 2011 e 2018, concentrou um número maior que 2.700 assassinatos homofóbicos

ou transfóbicos, sendo que, apenas em 2017 houve 445 gays, lésbicas e travestis assassinados, em

grande parte, com aparecimentos de mortes com crueldade e, no ano de 2018, de acordo com os

dados exibidos no relatório Homofobia Mata (2017) e pelo Grupo Gay da Bahia (2018), houve

420 mortes violentas de LGBT+ no Brasil, conforme pode-se observar nas informações constantes

nas figuras que seguem, baseadas em dados reais e recentes, advindos de fontes fidedignas em suas

informações reportadas.

186
Figura 1

Mortes de LGBT em 2017

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 23.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

Figura 2

Morte de LGBT no Brasil em 2017

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 23.

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187
Figura 3

Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas por Milhão de Habitantes

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 24.

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Figura 4

Mortes de LGBT por Estado – São Paulo

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 24.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia.

188
Figura 5

Mortes de LGBT por Estado – Minas Gerais

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 25.

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Figura 6

Mortes de LGBT por Estado – Bahia

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 25.

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189
Figura 7

Mortes de LGBT por Estado – Ceará

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 26.

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Figura 8

Mortes de LGBT por Estado – Rio de Janeiro

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 26.

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190
Figura 9

Pessoas LGBT mortas no Brasil - Números de LGBTfobia em 2017

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 27.

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Figura 10

Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas registradas em 2017

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 28.

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191
Figura 11

Pessoas LGBT mortas no Brasil de 2000 a 2017

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 29.

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A partir de dados divulgados pelo site Homofobia Mata, sobre homofobia seguida de

mortes violentas a homossexuais, fornecidos pelo Grupo Gay da Bahia, conforme Araujo,

Benincasa e Frugoli (2022b), foram apresentados importantes indicadores que demostram pessoas

LGBT mortas no Brasil, por ano, segmento, faixa etária, cor, causa da morte, permitindo-nos

refletir acerca da violência, seu alcance e consequências na vida destas pessoas. Pessoas LGBT,

lamentavelmente, pelos indicadores apresentados, ocupam um alvo bastante visível e direcionado

culminando com mortes.

192
Figura 12

Pessoas LGBT mortas no Brasil por ano

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 30.

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Figura 13

Pessoas LGBT mortas no Brasil - Vítimas por segmento LGBT

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 31.

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193
Figura 14

Pessoas LGBT mortas no Brasil – Faixa etária

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 32.

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Figura 15

Pessoas LGBT mortas no Brasil – Cor

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 33.

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194
Figura 16

Pessoas LGBT mortas no Brasil – Causa da morte

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 34.

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Figura 17

Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 35.

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195
Figura 18

Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 - Norte

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 36.

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Figura 19

Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Centro-Oeste

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 37.

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196
Figura 20

Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Nordeste

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 38.

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Figura 21

Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Sudeste

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 39.

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197
Figura 22

Pessoas LGBT mortas no Brasil em 2018 – Sul

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 40.

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A respeito da violência à população LGBTQI+, notifica ainda o Atlas da Violência 2020,

fruto do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA (2021), conforme Araujo, Benincasa e

Frugoli (2022b) que a carência de dados é um problema significativo para que os dados reais sejam

apurados e apresentados e esta lacuna poderia preenchida a partir da inclusão das questões de

identidade de gênero e orientação sexual no próximo censo, bem como registro de boletins de

ocorrência. Estas ações poderão facilitar inclusive para que LGBTQI+ venham a compor as

estatísticas do sistema público e do desenvolvimento de políticas públicas.

O Atlas da Violência 2020 traz ainda outras ferramentas de divulgação da violência a

população LGBTQIA+, como o Disque 100, que encaminha denúncias contra os direitos humanos.

E, de 2011 a 2018, notificou, por meio do Atlas da Violência 2020, de acordo com Araujo,

Benincasa e Frugoli (2022b), os dados abaixo sobre violência contra LGBTQIA+:

198
Figura 23

Violência à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 - Brasil

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 42.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

Figura 24

Lesão Corporal à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias – Disque 100 - Brasil

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 43.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

199
Figura 25

Homicídios e tentativas de homicídios à LGBTQI+, de 2011 a 2018 – Número de denúncias –

Disque 100 - Brasil

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 44.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

A partir destes indicadores é possível, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b)

observar que o Brasil se compõe de homofobia diária que desencadeia em agressões e mortes de

LGBTQIA+.

O Atlas da Violência 2020 traz ainda dados do Sistema de Informação de Agravos de

Notificação – SINAN, referentes a notificação compulsória de violência

interpessoal/autoprovocada a homossexuais e bissexuais, conforme Araujo, Benincasa e Frugoli

(2022b):

200
Figura 26

Violência a homossexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 45.

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Figura 27

Violência a bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 46.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

201
Figura 28

Violência física a homossexuais e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 47.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

Figura 29

Violência psicológica a homossexuais e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias –

SINAN

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 48.

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202
Figura 30

Tortura a homossexuais e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias – SINAN

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 49.

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Figura 31

Outros tipos de violência a homossexuais e bissexuais, de 2017 a 2018 – Número de denúncias –

SINAN

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 50.

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203
De acordo com indicadores trazidos pelo site Homofobia Mata – HM (2017 e 2018) e pelo

Grupo Gay da Bahia – GGB (2018), segundo Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), que houve um

total de 445 mortes a LGBT em 2017 e 420 em 2018, sendo:

Figura 32

LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – fonte: site Homofobia Mata (dados de 2017 e 2018) e

Grupo Gay da Bahia (2018)

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2., 2022, p. 51.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

A partir destes dados é possível inferir ter havido uma redução de 5,62% de 2018 para

2017, entretanto, há de se considerar o que possa ter influenciado para baixa destes indicativos, o

que demandarei de uma pesquisa mais aprofundada.

204
Figura 33

LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Perfil das Vítimas – fonte: site Homofobia Mata (dados

de 2017 e 2018) e Grupo Gay da Bahia (2018)

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 52.

https://loja.metanoiaeditora.com/vol-2-lgbtfobia-e-suas-ramificacoes-lgbtqia

Com base nestas informações, observam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) que o foco

maior de assassinatos se direcionou, respectivamente, a gays, trans, lésbicas, bissexuais e, por

último, a heterossexuais, que podem ter sido confundidos com LGBT. Somado a isto, 2018

comparando-se a 2017, teve redução de mortes gays, heterossexuais e trans, todavia, na

contrapartida, aumentou-se o número de mortes a lésbicas e bissexuais.

Há ainda indicadores de mortes a LGBT por idade, trazidos pelo Site Homofobia Mata,

que podem ser correlacionados as informações do Grupo Gay da Bahia, de 2017 e 2018, de que o

maior índice de assassinatos se deu na idade entre 18 e 25 anos. No que se refere as demais idades,

as duas fontes apresentam distanciamento nas informações e, precisamente, com relação a idade

de 40 anos, não é possível fazer a correlação das duas fontes, pois, Homofobia Mata não reuniu

informações a partir desta idade, esclarecem Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b).

205
Figura 34

LGBT mortos no Brasil em 2017 e 2018 – Idade – fonte: site Homofobia Mata (dados de 2017 e

2018) e Grupo Gay da Bahia (2018)

Nota. Fonte: Adaptado de LGBTQIA+: LGBTfobia e suas Ramificações, Vol. 2, 2022, p. 53.

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Figura 35

Crimes de ódio – número de mortes violentas de LGBTI+ no Brasil entre 2000 e 2021 – fonte

Grupo Gay da Bahia (2022)

Nota. Fonte: Adaptado de Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil.

https://observatoriomorteseviolenciaslgbtibrasil.org/orgulho-lgbt/junho-2022/?gclid=Cj0KCQiA

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206
Para Vasconcelos (2019), conforme observam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), a

LGBTfobia ainda persiste e, como decorrência de um preconceito, provoca violência marcando

suas vítimas por diversas feridas, que vão de lesões físicas e/ou emocionais, silenciamentos a

assassinatos.

Pereira (2017) ao observar as diversas formas de violências cometidas contra as pessoas

LGBTI, dentre elas pessoas trans e travestis, avalia que um problema significativo que as pessoas

que são transgêneras, assim as militâncias se deparam, é o fato de que os crimes advindos de

homofobia e/ou transfobia são subnotificados. E, enfatiza que isto se torna ainda mais grave,

considerando-se que:

[...] há no país uma única delegacia especializada em crimes contra LGBTI, a Delegacia de

Repressão a Crimes Homofóbicos localizada em João Pessoa, na Paraíba. Lei específica

que criminalize não há, mas há outras leis que começam a conter esses tipos de violência,

como exemplo: a Lei Federal Maria da Penha (Lei n° 11.340, de 07 de agosto de 2006), a

Lei do Governo do Estado do Rio de Janeiro Contra a Discriminação LGBT (Lei nº 7.041,

de 15 de julho de 2015) e o Decreto do Município do Rio de Janeiro do Uso do Nome

Social (Decreto n° 33.816, de 18 de maio de 2011). (Pereira, 2017, pp. 11-12).

A sexualidade faz parte do desenvolvimento humano e existe enquanto uma construção

social, podendo ser encontrada e compreendida de formas variadas e em diferentes contextos.

Todavia, quando está inserida em uma sociedade desigual, que valoriza a heterossexualidade a

qualquer outra forma de expressão da sexualidade, e que busca deslegitimar os direitos daqueles

que não correspondem a heteronormatividade, isto produz consequências e sofrimento às pessoas

que não corresponderem a este padrão, vertendo, a partir do preconceito e da discriminação, na

homofobia que poderá chegar a implicações graves, como sofrimento psíquico, físico e até mesmo

207
morte, advindas de assassinatos ou de suicídio por não suportarem o sofrimento a que são expostas

as pessoas LGBTQIA, consideram Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b).

Compartilhando deste pensando, Parente, Moreira e Albuquerque (2018) e Frugoli e

Tanizaka (2019) asseguram que os comportamentos de hostilidade à diversidade sexual, refletem

na exclusão de pessoas, devido a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero, estigmatizando-

as como inferiores ou anormais em uma cultura heteronormativa, provocando sofrimento nestas

pessoas.

Pondera Pereira (2017) que frente a tanto sofrimento e impossibilidade de viver a vida de

forma íntegra, a invisibilidade deve ser um caminho para a maioria das pessoas que tem como

objetivo sobreviver, especialmente porque a orientação sexual, em sua forma de expressão do

corpo, ela vai para o mundo quando as pessoas se expressão e se tornam visíveis e neste momento

os riscos são maiores, porque a homofobia pode se manifestar contra elas. Quando falamos então

da identidade de gênero, é ainda mais complexa a tentativa de invisibilizar, pois ela é não tem

como esconder, está expressa no corpo, na voz, nas cirurgias corretivas, assim como sua expressão

de gênero, que são evidenciadas nas pessoas trans no princípio da transição de gênero. Isto nos

leva a inferir o porquê de as pessoas trans e travestis serem a maioria a sofrerem violência, por não

conseguirem se invisibilizar, esclarece Pereira (2017).

Observam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que é por meio das relações sociais que a

construção de gêneros ocorre, de modo que as pessoas se constroem a partir de suas relações com

as demais. E, neste ângulo, o gênero está para além dos papéis de masculinos e femininos

estabelecidos e criados pela sociedade, refere-se à subjetividade de cada um e relaciona-se ainda a

questões de poder, isto é, aos papéis sociais determinados socialmente a homens e mulheres e que

208
produzirão a forma de se relacionar uns com os outros. Observam ainda Ortiz, Bogo e Navasconi

(2020) que:

[...] é nas relações interpessoais que passa-se a construir categorias de diferenciação entre

papéis atribuídos ao masculino e papéis femininos, e por de trás dessas diferenciações

encontramos relações de poder, posto que, socialmente é produzido discursos que nos

fazem crer que essas diferenças seriam inatas, ou seja, que mulheres seriam mais emotivas

e homens mais agressivos, e assim passa-se a construir estereótipos e signos que passarão

a produzir subjetividades e identidades. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020, p. 169).

Para Costa (1944/1992, p. 52), neste contexto de busca pela coerção da humanidade e da

sexualidade das pessoas “[...] o sono da repressão produz monstros. [...]. O desejo amoroso torna-

se uma verdadeira descida aos infernos. As personagens vivem uma atmosfera de aflição e

desespero que só o assassinato e o suicídio vêm remediar”. Pondera Costa (1944/1992) que para

grande parte das pessoas:

[...] ser ou não ser homossexual é uma questão mais aflitiva ou mais vital que a de ser ou

não ser herege, ser ou não ser religioso, ser ou não revolucionário, ser ou não ser corrupto,

ser ou não ser oportunista e mesquinho, ser ou não ser generoso e tolerante para o outro

etc.”. Isto evidencia o sofrimento que ser homossexual manifesta nas pessoas. (Costa,

1944/1992, p. 90).

Nesta mesma direção, observam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020), citando Rodrigues (2010)

que, devido a homossexualidade ter um passado histórico contextualizado como doença mental,

sendo, portanto, algo que se tornou herança da humanidade e está presente no inconsciente coletivo

(Jung, 1964/2013c), descobrir-se homossexual pode causar na pessoa inúmeros sofrimentos, não

porque se identificam e se percebem como doentes, mas porque vivem em uma sociedade

209
heteronormativa que valida a heterossexualidade como única forma possível de manifestação da

sexualidade humana, considerando, desta forma, a homossexualidade como inadequada aos

padrões esperados.

Postula Pereira (2017) que as pessoas LGBTI partilham do mesmo sofrimento e

discriminação que lhes é infringido. Elas se sentem culpadas por sua sexualidade diferente da

heteronormativa, sentem-se como se tivesse algo errado com elas, deprimem, ficam ansiosas,

nervosas, desenvolvem fobias sociais, sofrem de falta de perspectiva na vida, tentam tirar a própria

vida, dentre outras formas de sofrimento que lhes abate e lhes tira o direito à uma vida digna.

A discriminação e o preconceito à LGBT se estendem, são sentidos e vivenciados em todos

os contextos: familiar, social, profissional, educacional, saúde, religioso, político, dentre outros,

afirmam Perucchi, Brandão e Vieira (2014).

Neste lugar de discriminação, preconceito e exclusão, Macedo (2017, p. 34) questiona “[...]

acerca do quanto viver em um mundo que patologiza e segrega a homossexualidade pode se

configurar em um elemento causador de sofrimento para o homem que se encontra frente a esta

questão”.

A fim de se heteronormatizar a sexualidade, gays e lésbicas foram ao longo da história, e

ainda o são, discriminados e excluídos, sendo, portanto, fundamental a reinclusão social destas

pessoas, para que elas, assim como as demais, possam usufruir dos mesmos direitos de cidadania

que os heterossexuais usufruem.

De acordo com Frugoli e Tanizaka (2019), dado a violência a que os homossexuais são

alvo, eles necessitam de cuidados e intervenções para sejam reinseridos socialmente, ocupe o lugar

que lhes foi tirado e tenham direito à vida digna.

210
Para que estas pessoas que foram segregadas sejam reinseridas e ocupem um lugar que lhes

foi tirado e que era delas por direito, conforme Pereira (2017), “[...] ainda temos muito o que

desconstruir, no âmbito pessoal e social, comportamentos e conceitos arraigados na nossa história.

Devemos nos atentar de que compartimentar pessoas entre social e biológico fomentará uma

discussão interminável, é briga de poder entre ciências”. Definitivamente, há muito o que se fazer

e já não há mais tempo para isto. O tempo é agora.

E, neste sentido, gays e lésbicas, assim como a população LGBTQIA+ como um todo, tem,

incansavelmente, lutado por seus direitos de uma vida digna e contra a discriminação, apoiados

em movimentos sociais em prol da cidadania e contra a LGBTfobia (Araujo, Benincasa & Frugoli,

2022c) e como consequência desta luta, importantes conquistas se deram.

4.5 Direitos Alcançados pela População LGBTQIA+ na Luta em prol da Cidadania e

contra a LGBTfobia

As pessoas LGBTQIA+ há muito tempo lutam pelo direito de terem direitos, de existirem

e de terem voz em meio a tantas outras vozes que tentam silenciá-las e, nesta luta, ao longo dos

anos, esta população tem conquistado espaço, embora muito ainda se tenha por lutar e conquistar,

pontuam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b).

Em 1969, um grande evento estava para acontecer na vida de pessoas LGBT+ e marcaria

o início de movimentos sociais LGBTQIA+ de lutas em prol da cidadania e contra a LGBTfobia.

Seu nome, Stonewall!

Stonewall foi um evento que, segundo Marques (2016), Quinet e Jorge (2013/2020) ocorreu

em um bar chamado Stonewall Inn, em Nova York, em 1969, o qual foi invadido por policiais em

211
ataque aos homossexuais, os quais, por sua vez, reagiram e se defenderam, iniciando-se, assim,

protestos públicos contra a discriminação de gays e lésbicas.

Stonewall foi um evento que marcou o início do movimento LGBT+ com a revolta, em 28

de junho de 1969, dos frequentadores desse night club52 de Nova York, contra os policiais

que os achacavam regularmente. Desde então, a Gay Pride, parada realizada nesta data

anualmente em inúmeros países, se transformou num marco contra a homofobia53 e um

símbolo da luta pelos direitos LGBT+, e vários direitos foram efetivamente conquistados,

desde o registro da união civil até a autorização à adoção de filhos e a promulgação de leis

punindo a homofobia. (Quinet & Jorge, 2013/2020, p. 9).

Um ano depois deste ocorrido, em 1970, uma passeata reunindo mais de 10.000

homossexuais em celebração, deu-se em comemoração à chamada “Rebelião de Stonewall” e este

fato demarcou o Dia do Orgulho Gay, o qual passou a ser comemorado mundialmente em 28 de

junho (Gomes & Zenaide, 2009). E, como resultado deste movimento, de acordo com Quinet e

Jorge (2013/2020), o amor entre pessoas do mesmo sexo conquistou seu direito de existir.

Foi neste mesmo cenário que as organizações de ativistas gays e lésbicas, convencidos de

que as atitudes da psiquiatria de patologizar a homossexualidade tinha significativa contribuição

ao estigma social, decidiram invadir, nos anos de 1970 e 1971, as reuniões realizadas anualmente

pela American Psychiatric Association - APA54, protestando contra os danos advindos da

categorização de distúrbio psiquiátrico atribuída aos homossexuais.

52
Bar noturno.
53
Ainda que tenha cada letra que compõe a sigla LGBT tenha uma forma específica de se referir à violência,
preconceito e discriminação sofridos (L = lesbofobia; G = gayfobia ou homofobia; B = bifobia; T = transfobia),
comumente encontraremos autores se referindo a todas a estas formas de violência, preconceito e discriminação, como
homofobia.
54
American Psychiatric Association - APA (Associação Americana de Psiquiatria), sediada nos Estados Unidos, é a
principal organização profissional de psiquiatras e estudantes de psiquiatria - https://www.psychiatry.org/.

212
Em decorrência ao protesto, em 1973 a American Psychiatric Association - APA retirou a

homossexualidade do Diagnostic and Statistical Manual - DSM55, iniciando assim a revisão de

outras organizações de saúde mental (Tavares et al., 2010; Silveira, 2011; Marques, 2016) e isto

se deu, de acordo com Quinet e Jorge (2013/2020) logo após o congresso da APA de maio deste

mesmo ano, onde Stoller56 fez uma conferência nomeada “Homossexualidade é um diagnóstico?”,

apoiando-se em dados de pesquisa, de sintomas e sinais patológicos, que se deve ter a

homossexualidade para ser caracterizada como tal e se observou claramente que a

homossexualidade não preenchia os requisitos para ser enquadrada como patologia, devendo ser,

portanto, removida da nomenclatura diagnóstica que lhe foi dada e a homossexualidade, por fim,

nunca conseguiu ser sustentada na medicina como patologia.

De acordo com Tavares et al. (2010) e Silveira (2011), dois anos depois, 1975, tanto a

Associação Brasileira de Psiquiatria como o Conselho Federal de Psiquiatria procederam da

mesma forma.

Enquanto isso, neste início de tantas lutas, aponta Pereira (2017) um novo momento entrou

para a história em prol da luta na busca de se conquistar garantias dos direitos civis das pessoas

LGBTI57, ocorreu, na cidade de São Francisco, no ano de 1977, a vitória de Harvey Milk, primeiro

homossexual a ocupar um cargo público nos EUA. Lutou para conquistar o seu espaço e conseguiu,

todavia, um ano depois foi assassinado. O filme Milk, lançado em 2009, sob direção de Gus Van

Sant, ilustra esta importante passagem histórica.

55
No Brasil, trata-se do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, destinado a profissionais da área
da saúde mental, reunindo variadas categorias de transtornos mentais, bem como critérios para diagnosticá-los,
baseados na American Psychiatric Association – APA.
56
Robert Stoller foi um psicanalista que, em 1964, partindo de seus estudos acerca da transexualidade, criou o
conceito de identidade de gênero, segundo Maya, 2007.
57
Termo utilizado para se referir a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais (Santos, 2020; Silva,
2020).

213
Os movimentos e grupos sociais envolvidos na luta em prol dos direitos de cidadania e

contra a LGBTfobia, a partir de Stonewall, difundiram-se pelo mundo. Em um contexto no qual a

homossexualidade compunha o rol das patologias, iniciou-se no Brasil, em meio a ditadura militar,

em 1978, a trajetória do Movimento Homossexual Brasileiro – MHB, que viria a ser o marco das

lutas pelo reconhecimento dos direitos homossexuais e contra a homofobia (MacRae, 2018a).

O Movimento Homossexual Brasileiro (MHB) sofreu modificações em seu nome, vindo

posteriormente a se chamar Movimento LGBT, sendo, na atualidade, conhecido como Movimento

LGBTQIA+58, fazendo alusão às letras que compõem a sigla e a seus respectivos movimentos

sociais. O MHB teve três onda importantes e que valem a pena destacar.

1ª: 1978, no Rio de Janeiro, foi lançado o Jornal Lampião da Esquina, voltado às minorias

que sofriam preconceito e discriminação sexual, trazendo em sua pauta assuntos como homofobia,

racismo e questões ambientais. Houve resistência de seus integrantes face a tentativa de

silenciamento advinda da ditatura militar (MacRae, 2018a).

2ª. 1980, na Bahia, foi inaugurado o Grupo Gay da Bahia (GGB), vindo, sequencialmente,

novos grupos a existirem em consonância à luta pelo Movimento Homossexual. No ano de 1985,

o Grupo Triângulo Rosa, em parceria com o GGB, teve forte influência na despatologização da

homossexualidade pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), seguindo na luta para que outros

conselhos procedessem da mesma forma (MacRae, 2018a).

3ª. 1983, quando se instaurou no mundo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, AIDS,

o Movimento Homossexual Brasileiro, junto ao Estado, desenvolveu ações importantes no

combate e prevenção da doença (MacRae, 2018a).

58
Por tratar-se de uma sigla viva, novas letras vão se somando a ela, de modo que a qualquer momento pode sofrer
nova reconfiguração.

214
Enquanto os movimentos aconteciam, novas conquistas, como consequência, se davam. E,

em 1985, foi a vez do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Psicologia retirar

a homossexualidade do rol de patologias. Em 1990, a Organização Mundial de Saúde retirou a

homossexualidade da classificação de transtorno mental do CID-1059 e doença mental foi

substituída por orientação sexual egodistônica e, o DSM 560, recentemente, recolocou como

disforia de gênero.

Em 1989, esclarece Marques (2016), a Academia Americana de Psicanálise, endossou a

política da não discriminação sexual a pessoas homossexuais. E, em 17 de março de 1990, o órgão

majoritário decisório da OMS, a Assembleia Mundial da Saúde, resolveu de comum acordo, em

sua décima revisão da CID, que a orientação sexual, seja ela heterossexual, homossexual ou

bissexual não deve ser considerada como doença e nem transtorno mental, não requerendo,

portanto, tratamento. Assim, o dia 17 de março passou a ser considerado e comemorado como o

Dia Internacional contra a Homofobia.

Avanços e conquistas se davam por todo o mundo. E, no ano de 1991 a Associação

Psicanalítica Americana aprovou a inclusão de candidatos homossexuais, podendo concorrer ao

cargo de analistas e professores, o que antes havia sido vetado, por serem considerados sujeitos

inadequados ao desempenho destas profissões, por não serem discriminados em suas condições e

práticas sexuais.

No ano de 1992, o psiquiatra Jurandir Freire Costa, com o objetivo de despatologizar a

homossexualidade preconizou o termo homoerótico, havendo, logo após, a publicação do CID 10

59
Classificação Internacional da Doença – 10ª. edição.
Diagnostic and Statistical Manual – 5ª. edição, também referenciado como DSM V, conforme American Psychiatric
60

Association - APA (Associação Americana de Psiquiatria) - https://www.psychiatry.org/.

215
ratificando que a homossexualidade e a bissexualidade não eram doenças ou mesmo transtornos

mentais, ficando estas desqualificadas para tratamento. (Quinet & Jorge, 2013/2020).

Ressaltam Quinet e Jorge (2013/2020) que muitas mudanças se deram neste cenário e, em

1997, a Associação Americana de Psicanálise (APsaA) evidenciou-se como a primeira das

organizações de saúde mental a apoiar e solidarizar-se com o casamento entre pessoas do mesmo

sexo, o que somente anos mais tarde, em 2003 e 2005, seria feito, respectivamente, pela American

Psychological Association - APA.

Ressaltam Quinet e Jorge (2013/2020) que muitas mudanças se deram neste cenário e, em

1997, a Associação Americana de Psicanálise (APsaA) evidenciou-se como a primeira das

organizações de saúde mental a apoiar e solidarizar-se com o casamento entre pessoas do mesmo

sexo.

Acrescenta Pereira (2017, p. 17) que o Conselho Federal de Psicologia – CFP, em 22 de

março de 1999, estabeleceu a Resolução n° 001 sobre as normas de conduta e atuação dos

psicólogos acerca da questão da orientação sexual, prevendo que na atuação do psicólogo não lhe

cabe abeirar-se da homossexualidade como qualquer forma de doença, distúrbio ou perversão, e

sim como uma forma de expressão possível da sexualidade humana. O CFP, no ano de 2011,

complementa Pereira (2017, p. 8), sobre as atribuições e conduta do psicólogo, ratifica que: “[...]

os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e

o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra a população LGBT.”

Nos anos de 2003 e 2004 a American Psychological Association (APA) apoiou o casamento

entre pessoas do mesmo sexo, a exemplo do que foi feito em 1997, pela Associação Americana de

Psicanálise (ApsaA). (Quinet & Jorge, 2013/2020).

216
Ainda em 2004, para que se respeitasse e se protegesse a liberdade das pessoas em

psicoterapia, foi publicado o parecer 08/2004, sobre o Projeto Lei de “auxílio” a homoeróticos,

advertindo-se, inclusive, os psicólogos para a questão ética sobre o preconceito e, nesta ocasião,

desenvolveu-se o “Programa de Combate à Violência e à Discriminação GLBT61 e de Promoção

da Cidadania Homossexual: Brasil Sem Homofobia” (Silveira, 2011, p. 82). A partir deste

momento, ressaltam Quinet e Jorge (2013/2020) muitos homossexuais passaram a ser assumir, o

que não antes não lhes era possível dada a situação que lhes era imposta. O que, acordo com Isay

(1998), o ato de se assumir é uma atitude de fundamental importância para os homossexuais, uma

vez que isto implica em se libertar da culpa, do sentimento de estar fazendo errado no mundo.

A partir de 2004, avanços significativos na luta contra a homofobia e pelos direitos de uma

vida digna à população LGBTQIA+ continuaram a acontecer. Houve o movimento Brasil sem

Homofobia, programa, segundo Araujo, Benincasa e Frugoli (2022c), lançado em 2004 pelo

Governo Federal e pela Sociedade Civil Organizada, tendo como objetivo extinguir a

discriminação, o preconceito e a violência a lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros, assim como

empreender a cidadania destas pessoas, por meio da uniformidade dos direitos básicos de toda a

população (Brasil, Ministério da Saúde & Conselho Nacional de Combate à Discriminação, 2004).

Na sequência, em 2006, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022c), passou a

vigorar a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) nos artigos 2º e 5º (Brasil, 2006) que

preconizam, respectivamente, que à todas as mulheres lhes são asseguradas viverem sem violência,

tendo sua saúde física e mental preservadas, independe da classe, ração e outras condições a que

61
GLBT – sigla utilizada para se referir a pessoas gays, lésbicas, bissexuais e transexuais, vindo, posteriormente, a
ser alterada para LGBT, conforme Aguião, 2018a. Para aprofundamento, ler:
https://books.scielo.org/id/k8vc4/pdf/aguiao-9788575115152-05.pdf.

217
pertençam; que configura violência doméstica ou familiar toda agressão contra a mulher baseada

em gênero, independentemente de sua orientação sexual.

Na continuidade de lutas e conquistas, em 2010, foi instituído pelo Decreto nº 4/2010 o dia

17 de maio, Dia Nacional de Combate a Homofobia. Nesta data, no ano de 1990, ocorreu a 10ª.

Revisão da lista de Classificação Internacional de Doenças - CID-10, retirando, por fim, a

homossexualidade da categoria de doença, de modo que, no Brasil, o Decreto Presidencial de 04

de junho de 2010, declarou o dia 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia

(Brasil, 2014). Assim, o dia 17 de maio simboliza a luta pelos direitos humanos e cidadania de

LGBT.

Outro aspecto também relevante de ser apontado em 2010 é a criação do Conselho Nacional

de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT (Brasil, Decreto nº 7.388/2010),

revogado em 27 de junho de 2019 (Brasil, 2019), conforme citado por Araujo, Benincasa e Frugoli

(2022c).

Alguns anos mais tarde, mais exatamente em 2013, outra conquista se deu, o Estatuto da

Juventude (Brasil, Lei nº 12.852/2013), nos artigos 17 e 18 da Seção IV: Do Direito à Diversidade

e à Igualdade que preveem, respectivamente, que todo jovem tem direito à diversidade e não será

discriminado por raça, etnia, orientação sexual ou qualquer outra condição; que a ação do poder

pública está prevista face a qualquer agressão que fira os seus direitos. E, neste mesmo ano de

2013, a Resolução nº 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça trouxe a garantia da união entre

pessoas de mesmo sexo. (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022c).

Alguns anos depois, mais precisamente em 06 de outubro de 2016, observa ainda Pereira

(2017), que o CFP divulgou em seu site uma importante notícia sobre o Supremo Tribunal Federal

218
– STF declarar o Conselho Regional de Psicologia como órgão que luta e fala em nome das causas

LGBTI.

Contudo, observam Jorge e Travassos (2021) que juntamente aos avanços da conquista aos

diretos LGBT, na mesma proporção, deu-se a ampliação do ultraconservadorismo, expresso por

meio da discriminação, preconceito e violência a esta população, em todas as áreas, inclusive, na

saúde, preponderantemente, na área pública.

Cabe ressaltar que poucos avanços se deram na perspectiva dos cuidados com gays e

lésbicas e, ainda que o direito à saúde seja para todos, conforme previsto e garantido na

Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), no Sistema Único de Saúde, conforme Carta dos

Direitos dos Usuários de Saúde (Brasil, Ministério da Saúde & Conselho Nacional de Saúde,

2011), o preconceito e a discriminação ainda se fazem presentes e podem ser observados no

atendimento à esta população, em especial, na área da saúde ginecológica, conforme Rodrigues e

Falcão (2021) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d).

4.6 Saúde Pública para LGBTQIA+

O acesso à saúde é direito das todas as pessoas, conforme Araujo, Benincasa e Frugoli

(2022d), de acordo com o que está previsto na Constituição Federal de 1988, no Sistema Único de

Saúde (Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, 2011), pelo Ministério da Saúde e Conselho

Nacional de Saúde, contudo, devido a deficiência de divulgação, muitas pessoas ignoram esse fato

e não usufruem das instituições de ensino da forma como poderiam e, em especial, isto acontece

com os grupos de vulnerabilidade, dentre eles, LGBTQIA+, que são discriminados e tratados com

219
preconceito. Trata-se de uma realidade que carece de mudança e, para que haja mudança é

necessário reflexão, respeito e conscientização.

Frente a esta emergente necessidade de reflexão, de mudança e de respeito à estas pessoas

que sofrem preconceito e discriminação no atendimento à saúde, ainda que se reconheça a

importância de um olhar para a diversidade humana em todas as suas formas de manifestação e

em todas as áreas da saúde, esta subseção, embora desejasse se debruçar sobre todos estes aspectos,

considerando a necessidade de um enfoque específico e direcionado, abordará o atendimento na

saúde como um todo, de forma genérica, abrindo uma exceção apenas para a área ginecológica, a

qual necessita ser evidenciada, considerando o atendimento prestado a LGBTQIA+, contribuindo

para o adoecimento psíquico e físico destas pessoas.

4.6.1 Saúde para quem?

Todas as pessoas têm o direito de serem atendidas no SUS e, sem que sobre elas recaia

qualquer forma de preconceito e discriminação, independentemente de sua orientação sexual e/ou

identidade de gênero, explicam Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d).

E ainda é de direito das pessoas contarem com um atendimento humanizado, pautado na

ética, respeito em suas demandas, com empatia, atenção, transmissão de confiança e infraestrutura

apropriada para que o atendimento médico seja realizado com uma prestação de serviço de saúde

adequada, entretanto, indo na contramão do que se pretende, a saúde, não raras vezes, ao invés de

um atendimento humanizado, o que as instituições e seus profissionais oferecem é o preconceito,

a discriminação e a violência, ainda que emocional, consideram Sarti (2009), Santos et al. (2020),

220
Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), produzindo assim doença ao invés de saúde, conforme

deveria ser.

E, neste contexto em que as dificuldades se fazem presente em forma de obstáculos que se

manifestam pelo atendimento inadequado e discriminatório pelos profissionais da saúde, de acordo

com Santos et al. (2020), conforme Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), o acesso à saúde por

parte da população LGBTQIA+ é demarcada por dificuldades que afastam estas pessoas de

buscarem por ajuda quando necessitam.

Trata-se de uma população estigmatizada devido ao preconceito e discriminação à que é

alvo por não se enquadrar em uma sociedade que tenta normatizar a heterossexualidade como

única forma possível de manifestação da sexualidade humana, tendo como forma de punição pela

homofobia, seus direitos infringidos, ficando expostas e fragilizadas (Araujo, Benincasa & Frugoli,

2022d).

O pensamento heteronormativo, seguido da homofobia, se expande a todas as esferas,

inclusive na saúde, na qual, visivelmente, seus profissionais não estão preparados para atender à

esta população em suas demandas específicas e legítimas. Minimamente sabem como tratar com

respeito estas pessoas e invadem sua intimidade com perguntas, observações e comportamentos

inadequados (Rodrigues & Falcão, 2021).

Conforme Torres (2020), de acordo com o que apregoa o Ministério da Saúde, o SUS é

universal, integral e garante o direito para todos, de modo que todas as pessoas têm direito ao

atendimento com respeito e sem preconceito e sem discriminação em todas as áreas da saúde,

assim como em todas as demais esferas de suas vidas, independente da orientação sexual e

identidade de gênero de cada um.

221
E, do ponto de vista de que a saúde é para todos, mas a população LGBTQIA+ é excluída

(Sarti, 2009; Rodrigues & Falcão, 2021; Torres, 2020; Araujo. Benincasa & Frugoli, 2022d), cabe-

nos questionar: afinal, a saúde está a serviço de quem? Quem de fato pode dela usufruir? Saúde

para quem de fato estamos falando? E podemos ir ainda mais além nesta reflexão: trata-se então

de uma mesma saúde que, quando é para os heterossexuais busca produzir saúde, conteúdo, quando

é para LGBTQIA+, em apoio a não conformidade com a sociedade heteronormativa, produz

sofrimento e, consequentemente, doença como forma de preconceito e discriminação à estas

pessoas?

Considera Sarti (2009), neste viés, que o sofrimento psíquico à que estas pessoas são

lançadas não se reduz à doença, mas diz respeito ao bem-estar a que elas são privadas, o que fere

os princípios éticos dos profissionais da saúde que juraram em prol da vida humana sobre todas as

coisas e de modo que nada possa interferir neste ato.

Ponderam Santos et al. (2020) e Rodrigues e Falcão (2021), conforme Araujo, Benincasa

e Frugoli (2022d) que, de acordo com as evidências encontradas em seus estudos, na área da saúde,

os profissionais relatam não se sentirem à vontade com o atendimento a LGBTQIA+.

De acordo com Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) os estudos trazem dados que demonstram

que no âmbito da saúde as pessoas LGBT sofrem preconceito e discriminação de diversas formas

e um dos contextos em que isto ocorre é quando um LGBT que tentou suicídio é levado ao hospital,

[...] em apuros ou quase perdendo sua vida, os olhares de desprezo são presentes e relevante

para [...] que ele se sinta da pior das hipóteses um nada, intensificando a condição de

adoecimento e sofrimento, posto que neste momento o que está vítima de um sistema

discriminatório e violento precisava, não recebe, ou seja, de afeto e cuidado. Deste modo,

222
isto denuncia como profissionais da saúde não são formados e formadas para olhar, intervir

e acolher pessoas LGBTTs [...]. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020, p. 172).

Explicam Santos et al. (2020, citados por Araujo, Benincasa & Frugoli 2022d) que este

tipo de discriminação contribui para que estas pessoas não tenham suas necessidades de saúde

contempladas em sua totalidade, sentindo-se excluídas e violentadas emocionalmente pela

homofobia advinda destes profissionais. E isto, de acordo com os autores, implica diretamente e

de forma bastante incisiva para que estas pessoas não se sintam à vontade para revelarem sua

orientação sexual, quando necessários, nas consultas médicas, temendo pelo preconceito à que

poderão sofrer.

Frente ao exposto e na busca de se assegurar o direito a LGBTQIA+, ao atendimento

médico integral, no ano de 2011, o Ministério da Saúde, promoveu a Política Nacional de Saúde

Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Araujo, Benincasa & Frugoli

2022d).

Esta ação contribuiu para a redução da discriminação à estas pessoas em situação de

vulnerabilidade, todavia, não foi suficiente para cessar o preconceito e a discriminação a elas, pois

ainda há um evidente despreparo pelos profissionais da saúde para atenderem a LGBT (Araujo,

Benincasa & Frugoli, 2022d).

Observam Silva et al. (2015) que, de fato há um grande despreparo dos profissionais da

saúde em atender às pessoas LGBTQIA+ e, somado à isto, ou até mesmo como consequência, há

um restrito número de instituições de saúde com serviços destinados à esta população, como

orientação e aconselhamento sorológico, sorologia para HIV, atendimento às demandas de saúde

gerais e específicas de travestis e transexuais, atendimento qualificado para homossexuais

compreendendo suas necessidades específicas, dentre outros.

223
De acordo com Silva et al. (2015) e Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), este despreparo

e recursos escassos implicam diretamente para que LGBTQIA+ não tenham uma saúde que lhes

possibilite atendimento e cuidado em suas demandas, inclusive, a falta de um atendimento

qualificado leva ao maior adoecimento destas pessoas, como já foi o caso da AIDS/HIV, por

exemplo.

A questão da discriminação na saúde à LGBTQIA+, para Sarti (2009) vai muito além do

que aparentemente está estampado e evidenciado. Sarti (2009) postula que o preconceito, a

discriminação e a violência homofóbica foram trazidos à saúde, passando a fazer parte dela e a

responder a uma lógica classificatória e permissível de ser entendida e aceita na perspectiva dos

fenômenos do corpo, da saúde e da doença.

Quando vítimas de situações de violência sexual, LGBTQI, pelo preconceito e

discriminação a que comumente e em diversos âmbitos são vítimas, podem vir a se sentirem

constrangidos em buscar ajuda na área da saúde. Nesta perspectiva, justificam Carrara e Sarti

(2006), que a permissividade da violência homofóbica na saúde, pautada em questões filosóficas,

do ponto de vista sociológico, implica em olhar para o problema no âmbito em que o sujeito opera

“no sentido da transgressão, da não reprodução, da transformação de uma situação percebida como

uma injusta imposição de sofrimento, de dor física ou moral”, pois que é como se, por exemplo, o

fato de um homossexual masculino ter interesse sexual por outros homens, não caracterize a

violência sexual à eles, dado que há o desejo da penetração ainda que de forma inconsciente (Sarti

2009).

Compartilhando deste mesmo pensamento, assegura Pereira (2017, p. 26) assegura que, no

setor da saúde, “[...] além da grande chance de contraírem o vírus HIV, gays apresentam uma taxa

de depressão e pensamentos suicidas muito superior às pessoas comuns”. E observa que a situação

224
é ainda mais complexa para pessoas trans e travestis: [...] “necessitam realizar seus preventivos e

exames clínicos, mas são hostilizadas e humilhadas no próprio hospital”, como resultado, não

voltarão e, pela dificuldade que a sociedade lhes impõe, deixarão de acessar o sistema único de

saúde e buscarão outras formas de atender às suas demandas, correrão riscos “[...] em

procedimentos estéticos e corretivos com profissionais sem especialização e experiência”, farão

uso de “[...] produtos falsificados e de baixa qualidade”. Isto implicará em futuro de mais gastos,

mais marginalização e mais sofrimento à estas pessoas.

Nesta perspectiva, de acordo com Sarti (2009) quando se trata do atendimento a pessoas

que sofreram violência sexual, o serviço de atendimento à saúde, para se reconhecer um ato como

violento, olha para o fenômeno a partir dos atributos identificados na vítima, o que significa dizer

que se um homem homossexual sofreu uma violência sexual, ele desejou ser penetrado por outros

homens e, portanto, não se trata de uma violência, mas de algo que ele desejou em alguma

instância.

E, quando se trata de saúde ginecológica de mulheres lésbicas, de acordo com Rodrigues e

Falcão (2021), a realidade se apresenta de forma tão discriminatória e preconceituosa como nos

casos acima, somando-se ainda diversas formas de violência que são praticadas pelos próprios

médicos com estas pessoas, trazendo-lhes sofrimento psíquico e contribuindo para que padeçam

de doenças e cheguem até mesmo a óbito. Este assunto demanda de um olhar profundo em sua

especificidade, no âmbito da saúde ginecológica de mulheres lésbicas, e necessita ser tratado sem

mais delongas,

De acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d) é urgente que esta realidade seja

transformada, que se reduza a apatia, o descaso e o desamparo à estas pessoas que sofrem e

necessitam serem atendidas tanto quanto os demais seres humanos. E não é adequado e nem digno

225
com estas vidas que elas sejam excluídas por não perfazerem a heteronormatividade imposta

socialmente.

4.6.2 Atendimento e Saúde Ginecológica de Mulheres Lésbicas

No setor da saúde, especialmente ginecológica, de acordo com Rodrigues e Falcão (2021),

Araujo, Benincasa e Frugoli (2022d), as mulheres lésbicas são vítimas de dupla estigmatização,

em primeiro lugar, por serem mulheres em uma sociedade patriarcal, machista, excludente,

discriminatória e sexista e, em segundo lugar, por serem lésbicas e se relacionarem com pessoas

do mesmo sexo, afetiva/sexualmente, desprezando-se, assim, estas pessoas e colocando-as em uma

situação de discriminação, preconceito, violência e/ou invisibilidade (Assis et al., 2017; Araújo, et

al., 2021).

Olhar para isto reafirma uma história marcada por fragilidade, omissão e invisibilidade,

acerca dos cuidados da saúde de mulheres lésbicas, pautada em violência e invisibilidade,

preconceito e discriminação, declaram Assis et al. (2017), Araújo et al. (2021), Araujo, Benincasa

e Frugoli (2022c).

Na saúde, sobretudo na área ginecológica, a homofobia permeia os atendimentos médicos

e, nesta perspectiva, as mulheres lésbicas, por serem discriminadas e tratadas com preconceito

frente a revelação de sua orientação sexual ao profissional da saúde, sentem-se constrangidas,

desalentadas e desconfortáveis (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022c), podendo não recorrerem a

ajuda médica quando necessitam ou mesmo abandonarem a realização de exames ginecológicos

invasivos e que possam vir a constrange-las, deixando, assim, de tratar de doenças graves que estão

226
acometidas, podendo, até mesmo, vir a óbito como decorrência (Assis et al., 2017, Araújo et al.,

2021).

Estas mulheres, ao serem discriminadas pelos profissionais da saúde, têm seus direitos

violados e ficam fragilizadas, vulnerabilizadas e invisibilizadas, como se não existissem ou se não

tivessem direito a existir, dado que parece não haver um atendimento humanizado e que

compreenda as demandas dessas mulheres que, assim como outra mulher, necessita de atenção à

sua saúde (Parente, Moreira & Albuquerque, 2018; Rodrigues & Falcão, 2021; Araujo, Benincasa

& Frugoli, 2022c; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022d).

De acordo com Pereira (2017, p. 19), isto acontece por se “Ter uma compreensão limitada

e objetificada das pessoas faz com que as tratemos sem o respeito, de que devem agir conforme se

percebem e se identificam”. As pessoas são reconhecidas como objetos e objetificar pessoas as

leva a adoecerem, declara Pereira (2017).

Embora o Sistema Universal de Saúde - SUS, de acordo com o explicitado por Torres

(2020), preconize o direito de todos usufruírem da saúde, pautados em princípios de integridade e

humanização, baseado na promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde, com equidade

e participação social e, muito embora as mulheres lésbicas tenham sido incluídas, ao longo dos

anos e após muita luta, nas políticas públicas e, em sua diversidade, sejam reconhecidas, pelo que

podemos observar, este modelo de saúde inicialmente idealizado não corresponde à realidade e

tampouco é seguido em sua proposta inicial, preponderantemente no que se refere a saúde de

mulheres lésbicas.

Para muitas mulheres lésbicas, de acordo com Araujo, Benincasa e Frugoli (2022c),

segundo Rodrigues e Falcão (2021), ir a um ginecologista corresponde a intenso sofrimento

psíquico, exposição e constrangimento, pois, quando se revelam lésbicas aos médicos, são por

227
muitos deles tratadas como aberrações e passam por questionamentos inadequados acerca de sua

sexualidade, deixando os médicos de explorarem seus sintomas e doença adequadamente.

Nota-se ainda uma omissão médica na orientação à estas mulheres sobre infecções

sexualmente transmissíveis - ISTs, seja pela falta de interesse ou pelo desconhecimento médico

sobre mulheres lésbicas e suas formas de se relacionarem sexualmente com pessoas do mesmo

sexo e isto, na concepção de Rodrigues e Falcão (2021), revela, além de um desconhecimento e

desinteresse, uma falta de habilidade profissional em se lidar com pacientes lésbicas, agregando-

se, em muitas ocasiões, descaso, desrespeito e preconceito.

Decorrente a este despreparo médico e a esta prestação de serviços imprópria e inadequada,

que não considera a humanidade das pessoas, mas, acima de tudo, parece considerar a orientação

sexual e identidade de gênero destas, as pacientes comumente padecem emocionalmente com

traumas que se reverberarão eternamente em suas vidas, tornando-se hesitantes, amedrontadas e

atemorizadas em buscarem ajuda médica quando necessitam, esclarecem Araujo, Benincasa e

Frugoli (2022c).

A fim de que estas pessoas não sofram mais do que já sofrem por serem vítimas de violência

diariamente, e com o objetivo de se evitar mais adoecimentos psíquicos e físicos e mesmo óbitos

de pacientes compatíveis a vida, que poderiam ter sua saúde preservada e tratada sempre que

necessário, é fundamental que os profissionais da saúde sejam adequadamente qualificados para

que conheçam as demandas de pessoas de todas as orientações sexuais e identidades de gênero,

para, assim, poderem atendê-las dentro de suas necessidades, sem discriminá-las, sobretudo.

(Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022d).

228
Evidentemente as políticas públicas são importantes, todavia, serão sempre insuficientes

se, em paralelo a elas, não houver programas que zelem por um atendimento de qualidade na saúde

e que validem o direito desta população. (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022d).

Falta acolhimento humanizado com atendimento integral na saúde a LGBTs, fazendo-se

urgente, deste modo, novas ações de políticas públicas universais que validem e que garantam os

direitos e a inclusão social desta população no acesso à saúde.

4.7 Contribuições da Psicologia para com LGBTQIA+

De acordo com Baron Mussi e Serbena (2015), em função do aumento significativo e

intensificado de homofobia nos últimos anos, e por ser uma pauta que envolve as relações sociais,

discriminação, preconceito e violência, a psicologia exerce um importante papel de descrever,

caracterizar e/ou denunciar estas ocorrências, não podendo sob nenhuma forma, ser conivente com

estas práticas.

Para Ortiz, Bogo e Navasconi (2020, p. 170), considerando que, no contexto da psicologia,

o Conselho Federal de Psicologia (CFP), em função dos direitos humanos de pessoas LGBTQIA+,

constituiu normas de atuação aos psicólogos, em relação ao tema de orientação sexual, no qual a

homossexualidade, em nenhuma hipótese, pode ser tratada como doença, perversão ou distúrbio

psicológico, dado que ela não é assim reconhecida, e, neste sentido, cabe aos psicólogos atuarem

dentro desta perspectiva e, denunciarem práticas diferentes à esta, respeitando assim as pessoas

em sua integridade e em sua humanidade, contribuindo, com isto, para que as práticas homofóbicas

sejam reduzidas, sobretudo, no atendimento psicológico a esta população, ao qual a homofobia é

vetada.

229
Neste ângulo, consideram Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que é fundamentalmente

importante que os psicológicos afirmem e reafirmem em suas práticas profissionais que a

homossexualidade não é doença, perversão ou mesmo desvio, mas sim uma forma de manifestação

da sexualidade humana, dentre outras várias possibilidades existentes. E, ainda mais importante,

consideram os autores, é que os psicólogos não sejam coniventes de nenhuma forma com terapias

alternativas de cura a algo que não a doença, no caso às práticas sexuais de pessoas LGBTQIA+.

No quesito de promoção de saúde, os psicólogos possuem considerável papel profissional

quando se fala em LGBTfobia, pois olhar por estas pessoas que foram discriminadas ao longo da

história, constitui-se em fator de proteção, uma vez que as pessoas LGBTQIA+ passam a ser vistas

e compreendidas, em suas diversas possibilidades de manifestação da sexualidade como seres

humanos que são. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020).

Os psicólogos podem, no exercício de sua profissão, consideram Ortiz, Bogo e Navasconi

(2020), pontuar e lutar pela construção de espaços de acolhimento à estas pessoas em situação de

vulnerabilidade.

Podem ainda os psicólogos, conforme Araujo, Benincasa e Frugoli (2022c) disseminar o

conhecimento à toda a população, a fim de que compreendam a diversidade humana e não mais

julguem LGBTQIA+ por não corresponderem a heteronormatividade. A educação e o conhecer

científico libertam do preconceito. E, por isto, é preciso, dentre outros assuntos, cientificamente,

se falar sobre o sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência.

5 Método

Para se alcançar o objetivo proposto nesta pesquisa, o método utilizado foi qualitativo do

tipo exploratório, realizado por meio do delineamento de estudo de caso, com amostra

230
populacional advinda de bola de neve, no qual utilizou-se de formulário de interesse, questionário,

entrevista semiestruturada e teste de depressão (Inventário de Depressão de Beck – BDI-II) e

instrumento de avaliação de qualidade de vida (The World Health Organization Quality of Life –

WHOQOL-bref), para coleta de dados.

As entrevistas e o resultado dos testes aplicados para se verificar o sofrimento de gays e

lésbicas vítimas de violência foram analisados a partir da Análise de Conteúdo de Bardin. E, após

esta análise, uma vez identificadas as categorias, o diálogo estabeleceu-se a partir dos aportes da

perspectiva junguiana.

Destaca-se que o projeto de pesquisa bem como os instrumentos utilizados para coleta de

dados, foram previamente enviados para aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade

Metodista de São Paulo, obtendo aprovação conforme CAAE: 52943621.6.0000.5508. E, somente

após sua aprovação, foram aplicados.

5.1 Delineamento da Pesquisa

O estudo realizado foi qualitativo do tipo exploratório, desenvolvido por meio do

delineamento de estudo de caso. A pesquisa qualitativa tem como objetivo responder questões que

dizem respeito aos significados, motivos, anseios, das crenças, dos valores e costumes (Minayo,

2009, Santos & Silva, 2017). Outro ponto relevante na pesquisa qualitativa é que o indivíduo é

participante do estudo por meio das experiências vividas (Yin, 2016), nesse caso, pode-se observar

de que forma cada pessoa que é gay ou lésbica, que sofreu violência e tem sofrimento, descreve

essa experiência em sua vida. Quando se deseja estudar um determinado fenômeno acontecendo

em sua totalidade e na vida presente do indivíduo, utiliza-se do estudo de caso.

231
5.1.1 Estudo de Caso

O estudo de caso observa um fenômeno acontecendo em seu contexto real, fazendo análise

intensiva sobre um indivíduo. (Shaughnessy et al., 2012; Yin, 2016). Pode ser utilizado em uma

pesquisa de campo ou ainda na prática clínica, podendo, neste segundo caso, descrever os sintomas

de uma pessoa, os métodos utilizados no tratamento deste e sua efetividade, o que nos mostra a

riqueza das informações que o estudo de caso nos permite ter acesso (Shaughnessy et al., 2012).

Nesta pesquisa, o estudo de caso utilizado na pesquisa de campo, permitiu compreender de forma

integral e fidedigna, por meio das experiências reais do indivíduo, a partir da vivência dos

entrevistados, o sofrimento de gays e lésbicas vítima de violência.

O estudo de caso, esclarecem Shaughnessy et al. (2012) e Yin (2016), permite ainda se

realizar a análise de fenômenos raros, dos quais pouco se sabe a respeito, contribuindo para novas

ideias e hipóteses sobre o comportamento do indivíduo, a partir do fenômeno estudado,

proporcionando a possibilidade de uma inovação clínica, o que contribuiu significativamente nessa

pesquisa, mostrando-se como um terreno fértil para o estudo do sofrimento de gays e lésbicas

vítimas de violência, permitindo confirmar e levantar novas hipóteses acerca das consequências

da violência sobre essas pessoas.

Neste sentido, esta pesquisa explora o significado da violência na vida de gays e lésbicas,

levando em conta a vivência e a individualidade de cada um, sem prender-se em valores, médias,

experimentos (Yin, 2016). Este significado foi explorado durante a participação das pessoas que

foram selecionadas para participarem da pesquisa, nas respostas ao questionário, entrevista

semiestruturada, instrumento de qualidade de vida e teste de depressão, e na coleta de dados em

todas as suas fases.

232
5.2 População e Amostra

Os participantes desta pesquisa identificaram-se como homossexuais/gays e lésbicas, e a

amostra desta população adveio de “bola de neve”, formulários de interesse distribuídos em redes

sociais. Inicialmente, pretendia-se entrevistar, ao final 12, pessoas homossexuais/gay e/ou lésbica,

a partir de 18 anos de idade, que tivessem se disponibilizado a participar dos instrumentos da

pesquisa e que seguiriam, então, para as próximas fases da pesquisa, previstas para ocorrer com

entrevista semiestruturada e aplicação de inventário de qualidade de vida e teste de depressão,

desejando-se uma amostra distribuídas dentro das diversas fases do desenvolvimento humano

adulto, perpassando pelo fim da adolescência, fase adulta e velhice.

5.2.1 Critérios de Inclusão

Como critério de inclusão fizeram parte da pesquisa pessoas:

• Exclusivamente homossexuais/gays ou lésbicas.

• Maiores de 18 anos.

• Com interesse e disponibilidade em participar deste estudo.

• Que autorizaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que

lhes será previamente enviado.

5.2.2 Critérios de Exclusão

Como critério de exclusão, não participaram desta pesquisa pessoas:

233
• Que não eram homossexuais/gays ou lésbicas.

• Com idade inferior a 18 anos.

• Que possuíam interesse, mas não tinham disponibilidade em participar deste

estudo.

• Se recusaram a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

5.3 Instrumentos

Os instrumentos utilizados para a realização deste estudo foram: formulário de interesse,

questionário para selecionar os entrevistados e, entrevista semiestruturada e teste de depressão

(Inventário de Depressão de Beck – BDI-II) e instrumento de avaliação de qualidade de vida (The

World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref) para coleta de dados.

Importante: o formulário de interesse, o questionário, a entrevista semiestruturada e os

testes de depressão e instrumento de avaliação de qualidade de vida, foram previamente

submetidos à aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo,

aprovada conforme CAAE: 52943621.6.0000.5508, tendo sido os instrumentos aplicados somente

após a aprovação.

5.3.1 Formulário de Interesse

A etimologia da palavra formulário, segundo o dicionário brasileiro de língua portuguesa,

Michaelis, vem do Latim formularĭus, e significa coleção de fórmulas ou modelos; Fórmula

impressa com espaços em branco a serem preenchidos pelo interessado, a fim de fazer pedido,

234
apresentar declarações etc.; documento pré-impresso com lacunas, onde informações podem ser

introduzidas.

Para verificar o interesse das pessoas em participarem da pesquisa, por meio de uma

planilha no Google Drive, criou-se pelo Google Forms um formulário de interesse que foi aplicado

via “bola de neve”, distribuído em redes sociais.

Neste formulário foi explicitado do que se tratava a pesquisa, verificando-se, ainda, o

interesse na participação e se o interessado aceitava assinar o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) e se autorizava o envio do questionário para seu e-mail, juntamente ao TCLE.

5.3.2 Questionário

De acordo com Shaughnessy et al. (2016), em uma pesquisa que objetiva fazer um

levantamento, o principal instrumento da pesquisa de levantamento é o questionário, sendo que as

taxas de respondentes são maiores quando o questionário trata os respondentes pelo nome, o tema

de levantamento é de interesse do respondente, o respondente se identifica em algum aspecto com

o pesquisado. É importante que um questionário tenha uma linguagem clara, instruções de

preenchimento sejam claras, o tema tenha uma sequência e o questionário tenha uma atratividade

visual. A aplicação de um questionário pode se dar de forma direta ou indireta. Ela é direta quando

a aplicação ocorre pelo pesquisador ou alguém treinado, junto ao responde, podendo ser coletiva

ou individual. E indireta quando não ocorre aplicação presencial, podendo os dados serem

coletados por correio, internet ou por terceiros. Quando o pesquisador necessita de um maior

controle na maneira como o levamento é administrado, bem como deseja explorar temas

específicos observando a forma de resposta dos respondentes, ele pode utilizar das entrevistas.

235
Para tal fim, aplicou-se um questionário para verificar o perfil da população no que diz

respeito a orientação sexual, com quem residiam atualmente, se possuíam união estável e/ou civil,

profissão, cor/raça, escolaridade, orientação religiosa, idade, escolaridade dos respondentes, se

faziam uso de medicamente, se já passaram por alguma situação de violência que lhes causou

sofrimento, se possuíam interesse e disponibilidade em participar deste estudo e se estariam

dispostos a autorizar e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual lhes seria

enviado conjuntamente para ser assinado e autorizado. O questionário foi utilizado para selecionar

os candidatos que seguiriam na pesquisa.

Na busca de se tentar atingir 200 questionários respondidos, foram aguardados por 2 meses

consecutivos. Foi montada uma planilha em Excel, por ordem de recebimento dos questionários,

analisando-se os participantes que perfaziam os todos os critérios de inclusão citados no item 5.2.1,

seguindo, estes, para as próximas etapas da pesquisa contempladas pela entrevista semiestruturada

e aplicação de testes, buscando-se para composição da amostra 12 participantes acima de 18 anos.

5.3.3 Entrevista Semiestruturada

A entrevista semiestruturada foi desenvolvida pela pesquisadora e teve como foco as

temáticas homossexualidade, lesbianidade, sofrimento e violência. A entrevista é um instrumento

de coleta de dados em que é possível obter informações e observar comportamentos e reações dos

participantes ao abordar temas específicos (Minayo, 2001; Yin, 2016). Ao elaborar um roteiro com

questões específicas de um determinado tema, essa entrevista passa a ser semiestruturada, esse tipo

de instrumento estrutura-se a partir de alguns questionamentos e não impede que outras perguntas

sejam inseridas a fim de esclarecer ou aprofundar alguns pontos, além de possibilitar uma

236
investigação mais precisa. Este tipo de entrevista dificulta a perda do foco, uma vez que existe um

roteiro para ser observado. (Yin, 2016; Kublikowski et al., 2019).

Neste sentido, esclarece Shaughnessy et al. (2016) que a entrevista pessoal proporciona

uma flexibilidade maior para se fazer as perguntas, além do que, durante a entrevista o respondente

pode esclarecer dúvidas que eventualmente venha a ter sobre as perguntas, o entrevistador controla

a ordem em que as questões serão feitas e respondidas por todos os respondentes, ao mesmo tempo

em que observa a maneira como respondem as questões, verificando situações de tensões,

desconfortos etc. Quando se deseja explorar ainda mais um determinado fenômeno em

determinado contexto, pode-se ainda aplicar testes psicológicos para se somarem as coletas de

dados.

Após a realização da entrevista semiestruturada, os participantes seguiram para a próxima

fase da pesquisa que se dará com a aplicação do teste psicológico de depressão e instrumento de

avaliação de qualidade de vida.

5.3.3.1 Análise da Entrevista Semiestruturada

O material coletado na entrevista semiestruturada foi analisado por meio de Análise de

Conteúdo (Bardin, 1977/2016), pautada em categorias temáticas que admitiram a apreciação

integral do conteúdo coletado de cada participante, permitindo o tratamento dos resultados,

inferência e interpretação, dando significação aos resultados obtidos a fim de se validar a análise,

aferindo as categorias com o tema e os objetivos da pesquisa.

237
A Análise de Conteúdo de Bardin (1977/2016) realizada às entrevistas possibilitou se

chegar às categorias temáticas: a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? b) Sou Gay /

Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou?

Cada categoria temática apresentou as suas respectivas subcategorias, as quais serão foram

contempladas na análise: a.1) Família. amigos, política, religião; a.2) Medo, preconceito e

discriminação, negação de si, sofrimento; a.3) Publicização da sexualidade e da violência,

Educação/Informação.

As análises realizadas às entrevistas bem como às categorias e subcategorias acima citadas,

e ainda ao BDI-II e WHOQOL-bref, serão apresentadas na subseção 6. Análise de Dados e

Resultados.

5.3.4 Teste Psicológico de Depressão e Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida

Nesta pesquisa, para se verificar o grau de sofrimento de gays e lésbicas que foram vítimas

de violência, inclusive se havia indicativos de depressão, ansiedade e outros indicativos de

sofrimento emocional, e para se identificar a qualidade de vida em que estas pessoas se

encontravam, buscando-se ampliar a coleta de dados, permitindo uma análise mais profunda,

foram ainda utilizados de um teste psicológico de depressão e um instrumento de avaliação de

qualidade de vida.

O teste de depressão aplicado nos sujeitos dessa pesquisa foi o Inventário de Depressão de

Beck – BDI-II e o instrumento de avaliação de qualidade de vida aplicado foi The World Health

Organization Quality of Life – WHOQOL-bref.

238
O Inventário de Depressão de Beck – BDI-II ou Escala de Depressão de Beck é de autoria

de Aaron T. Beck, Robert A. Steer e Gregory K. Brown. No Brasil, foi adaptado por Clarice

Gorenstein, Wang Yuan Pang, Irani de Lima Argimon e Blanca Susana Guvara Werlang,

publicado pela Editora a Casa do Psicólogo. Sua primeira publicação foi em 2011 e, em 2014, teve

sua 5ª reimpressão. Trata-se de um instrumento de autoaplicação, composto por 21 itens, utilizado

para medir a severidade ou intensidade da depressão. Composto por itens relacionados aos

sintomas depressivos, o teste pode ser respondido por pessoas a partir de 13 anos de idade. A

aplicação pode ser realizada de forma individual ou coletiva e leva de 5 a 10 minutos para o teste

ser concluído.

Por sua vez, o The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref, devido a

necessidade de se ter instrumentos mensuráveis de qualidade de vida com aplicação rápida, é uma

versão abreviada do WHOQOL-100, desenvolvida pelo Grupo de Qualidade de Vida da

Organização Mundial de Saúde. Trata-se de um instrumento que consta de 26 questões divididas

em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. É um instrumento que

valoriza a percepção individual, podendo avaliar a qualidade de vida em diversos grupos e

situações, independentemente do nível de escolaridade.

5.3.4.1 Análise do Teste Psicológico de Depressão – BDI-II e do Instrumento de Avaliação de

Qualidade de Vida - WHOQOL-bref

Após a aplicação do Teste Psicológico de Depressão e do Instrumento de Avaliação de

Qualidade de Vida nos participantes da pesquisa, realizou-se suas respectivas correções, seguindo

as regras de cada instrumento para sua devida correção.

239
Os resultados alcançados, advindos do teste de depressão e do instrumento de qualidade de

vida, permitiram se chegar a um conhecimento mais aprofundado acerca de cada participante

entrevistado. E, em conjunto a análise realizada às categorias resultantes da Análise de Bardin

aplicada às entrevistas semiestruturadas, foi possível se realizar uma análise mais aprofundada

acerca do sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência.

As análises realizadas ao BDI-II e WHOQOL-bref acima citados serão apresentadas

respectivamente nas sessões 6.3 - Análise do Teste Psicológico Inventário de Depressão Beck -

BDI-II e 6.4 - Análise do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida The Word Health

Organization Quality of Life – WHOQOL-bref.

5.4 Considerações Éticas

Foram observadas as Resoluções nº 466/2002 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de

Saúde que determinam as normas para realização de pesquisas envolvendo seres humanos, bem

como todos os cuidados éticos necessários, submetendo-se, previamente, o projeto de pesquisa e

tudo o que o compõe, ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, via

Plataforma Brasil e, face a sua aprovação, deu-se sequência com sua aplicação nos sujeitos desta

pesquisa.

Foi redigido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo todas as

informações pertinentes, explicando em pormenores o método a ser utilizado, objetivos da

pesquisa, instrumentos a serem utilizados (entrevista semiestruturada individual e aplicação de

instrumento de avaliação de qualidade de vida e de depressão), de forma on-line, realizados pelo

Google Meet, com gravação e transcrição da entrevista na íntegra, período de arquivamento dos

240
dados, sigilo de todas as informações conforme Código de Ética Profissional da/o Psicóloga/o,

ambiente privado e sigiloso, atendimento/encaminhamento psicológico caso necessário,

participação voluntária no estudo e possibilidade de desistência em qualquer etapa, além da

disponibilidade dos resultados se solicitado pelos participantes.

Foi informado aos participantes que as entrevistas gravadas teriam seus arquivos de áudio

destruídos logo após a transcrição, cumprindo-se com o acordado e que os dados coletados seriam

armazenados de forma sigilosa e ética.

Ainda sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foi elaborado em

duas vias, sendo uma elas, após a assinatura pelo participante da pesquisa e pela pesquisadora,

disponibilizada ao sujeito da pesquisa e, a outra via, arquivada em local seguro pela pesquisadora

responsável.

5.4.1 Riscos e Benefícios

5.4.1.1 Riscos

Os riscos deste estudo são de o participante se sentir constrangido durante a aplicação dos

instrumentos, podendo reviver sofrimentos causados pela violência vivida anteriormente e/ou

ainda, devido a este constrangimento, ou mesmo por força maior, desistir de fazer parte da

pesquisa, ocasionando uma defasagem de participantes dentro da faixa etária prevista.

Outros riscos ainda podem ser considerados, como a intermitência na conexão com a

internet durante a aplicação dos instrumentos e o participante ficar incomunicável ao longo da

pesquisa.

241
5.4.1.2 Benefícios

Os benefícios não serão diretos, entretanto, o resultado deste estudo poderá auxiliar a gays

e lésbicas, na redução de sofrimentos advindos da violência, por meio da informação e da

conscientização das pessoas sobre o sofrimento causado por esta ação.

Outrossim, esta pesquisa espera ainda suscitar a problematização por parte de psicólogos

na área da saúde, nesta forma de violência que perpetua ao longo da vida da comunidade

LGBTQIA+, bem como as consequências desse sofrimento em gays e lésbicas que são vítimas de

violência, podendo educar, informar e conscientizar as pessoas sobre este fato, combater a

violência e desenvolver o respeito à diversidade da sexualidade humana, e ainda implicar na

demanda pela continuidade deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública

especificas para esta população que sofre, a fim de que a mesma tenha uma melhor qualidade de

vida.

Além disso, este estudo aponta para as possibilidades de pesquisa na área da Psicologia da

Saúde, Psicologia Social, e Saúde Coletiva (Saúde Pública), propondo a inserção de novas políticas

públicas que atendam as demandas da população LGBTQIA+, que se encontra em sofrimento, o

que precisa ser investigado, ser atendido, ser reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois

esse sofrimento pode gerar consequências, não só no agravamento dos quadros individuais como

coletivos, uma condição inata ao indivíduo o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo

negligenciada e que necessita de mais estudos.

242
5.5 Procedimentos para Coleta de Dados

Este estudo foi qualitativo do tipo exploratório, desenvolvido por meio do delineamento de

estudo de caso, entrevistando-se 12 pessoas que, no decorrer da vida, passaram por algum tipo de

sofrimento advindo de violência. Para se alcançar a amostragem de 12 pessoas alvo do estudo,

foram utilizados de formulário de interesse aplicados via “bola de neve”, distribuídos em redes

sociais. A “bola de neve” remete a uma amostra não probabilística, útil para se alcançar e pesquisar

grupos de difícil acesso, para se estudar questões delicadas, e quando não se há precisão sobre sua

quantidade.

Inicialmente pretendeu-se obter 200 questionários respondidos dentro de 60 dias, podendo

os questionários serem distribuídos por mais 30 dias, a fim de se chegar a este número de respostas.

Todavia, ainda que a pesquisa tenha sido divulgada por 90 dias consecutivos, com link para

resposta ao formulário de interesse, com periodicidade semanal, alcançou-se um total de 91

formulários de interesse respondidos, dos quais restaram 23 questionários respondidos, chegando-

se ao êxito de 12 entrevistados com aplicação de testes, conforme o desejo inicial de alcance

populacional, todos perfazendo o critério de inclusão para participação da pesquisa.

Para se chegar a este resultado, a partir dos 91 formulários respondidos, 90 respondentes

autorizaram o envio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e 1 não autorizou. Junto aos

90 respondentes do formulário que autorizaram o envio do Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE), bem como link de resposta ao questionário, foi dado prosseguimento com

envio de e-mail com link para acesso e resposta ao questionário e Termo de Consentimento Livre

e Esclarecido, contendo as informações sobre a composição e fases da pesquisa, assim como

243
proposta de data para o início da pesquisa. Orientou-se aos participantes assinarem este Termo de

Consentimento e devolvê-lo via e-mail para a pesquisadora.

Destes 90 respondentes, 12 deram sequência respondendo ao questionário. Um novo e-mail

foi enviado aos demais, salientando a importância na participação da pesquisa e, como resultado,

mais 11 respostas ao questionário foram dadas, totalizando, 23 respondentes.

Foi elaborada uma planilha contendo a ordem do recebimento dos questionários e, a partir

das respostas dadas, verificou-se que, dos 23 interessados em participar da pesquisa, no quesito

interesse em seguir com as próximas fases da pesquisa (entrevista e aplicação de testes), 20

demonstraram interesse e 3 não, justificando falta de tempo; no quesito orientação sexual, 19

informaram ser homossexual 62, 1 lésbica, 1 bissexual, 1 pansexual, 1 demissexual. Dos 20

respondentes que informaram ser gays ou lésbicas, 18 tinham disponibilidade em seguir com a

pesquisa.

Seguindo a ordem do recebimento dos questionários, com os 12 primeiros interessados em

participar da pesquisa que respondiam positivamente ao critério de inclusão, foi-lhes feito novo

contato, por e-mail, para agendamento da entrevista, sendo que 2 responderam de imediato que

refletiram melhor e não desejavam participar mais, pois falar sobre o assunto

homofobia/lesbofobia lhes faria reviver a dor que sofreram. Desta forma, seguindo a ordem da

planilha e o critério de inclusão, 2 novos interessados foram contatados. Deste montante, 10

agendaram a entrevista e 2 não retornaram ao e-mail, mesmo tendo sido feitas novas tentativas de

agendamento, de modo que 2 novos interessados foram contatados e responderam positivamente.

62
Gay ou lésbica

244
Das 12 entrevistas agendadas, 5 compareceram na entrevista e na aplicação dos testes nas

datas combinadas previamente e 7 faltaram na entrevista, aceitando reagendamento e

comparecendo para entrevista e aplicação de testes.

Concluídas as entrevistas e aplicações de testes, observou-se que o objetivo quanto o

alcance populacional, dentro dos parâmetros desejados, foi alcançado com êxito, obtendo-se como

resultado participantes gays e lésbicas, com as idades e respectivos número de participantes (entre

parênteses), 23(1), 25(1), 28(1), 31(1), 36(2), 38(1), 40(1), 42(1), 54(1), 61(1) e 66(1), que

manifestaram livre interesse em participar da pesquisa, tendo sofrido situações de violência com

manifestação de sofrimento, e que autorizaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido que lhes foi previamente enviado.

Cabe ressaltar que este projeto de pesquisa, assim como o formulário de interesse, o

questionário, a entrevista semiestruturada e os testes de depressão e instrumento de avaliação de

qualidade de vida foram devidamente encaminhados para aprovação prévia, ao Comitê de Ética

da Universidade Metodista de São Paulo (CEP – UMESP,) pelo fato de envolver seres humanos.

E, somente mediante a aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo

(CEP – UMESP) - CAAE63: 52943621.6.0000.5508, foi dado início com o envio do formulário,

seguido da aplicação do questionário, entrevista semiestruturada e aplicação de testes de depressão

e instrumento de avaliação de qualidade de vida, descritos acima.

Na fase das entrevistas semiestruturadas, aos entrevistados, por e-mail, foram explicados o

método, objetivos da pesquisa, instrumentos a serem utilizados, número de encontros on-line pela

ferramenta Google Meet, gravação da entrevista, transcrição da entrevista na íntegra, período de

arquivamento dos dados, sigilo de todas as informações conforme Código de Ética Profissional do

63
Certificado de Apresentação de Apreciação Ética

245
Psicólogo, disposição da pesquisadora para atendimento/encaminhamento psicológico caso

necessário, participação voluntária no estudo e possibilidade de desistência em qualquer etapa.

Após serem expostas às condições do estudo e sanadas as dúvidas, foi enviado por e-mail o

endereço eletrônico (link) de acesso ao Google Meet.

No dia marcado para o início da pesquisa, a pesquisadora e cada participante, acessaram o

link enviado para realizar a entrevista, que ocorreu de forma individual (1 participante por vez e

em horário pré-determinado e comunicado com antecedência pela pesquisadora a cada um dos

participantes, de forma individual).

Antes do início da entrevista foi lembrado ao participante sobre a gravação, esclarecendo

que as entrevistas gravadas teriam seus arquivos de áudio destruídos logo após a transcrição, e foi

lido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com todo detalhamento do estudo.

Finalizada a entrevista, foi acordado com o participante uma nova data para continuidade e

finalização com a aplicação dos testes de depressão e instrumento de avaliação de qualidade de

vida, utilizando-se do mesmo link para este segundo encontro.

No dia acordado, participante e pesquisadora acessaram o link e, pelo Google Meet, foram

dadas as orientações ao participante, pela pesquisadora, para realização dos testes e sanadas as

dúvidas. Com a realização dos testes pelos participantes, deu-se a finalização da coleta de dados,

colocando-se a pesquisadora à inteira disposição caso houvesse qualquer necessidade do

participante, advinda da pesquisa a qual participou.

Após as entrevistas e aplicação de testes concluídos, os áudios com as imagens de

gravações das entrevistas, com duração de aproximadamente 180 minutos cada, foram ouvidos

diversas vezes e transcritos de forma literal, considerando-se as falas dos entrevistados, em sua

íntegra, frases prolongadas ou interrompidas, suspiros, vícios de linguagem, gestos e expressões

246
de afetividades verbais e não verbais, conforme salientam Yin (2016) e Kublikowski, Kahhale e

Tosta (2019), a importância deste procedimento, a fim de se manter a entrevista o mais fidedigna

possível.

Mantendo sigilo absoluto dos dados coletados, todos os dados foram armazenados e

guardados de forma sigilosa pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Assuntos de Gênero e Saúde

- NEPAG-Saúde, vinculado a Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), cumprindo-se as

todas as questões éticas.

Importante esclarecer que por se tratar de uma pesquisa realizada em meio ou ambiente

virtual, foi obedecido integralmente ao disposto no Ofício Circular nº

2/2021/CONEP/SECNS/MS, de 24 de fevereiro de 2021, no que tange as orientações para

procedimentos em pesquisas com qualquer etapa em ambiente virtual, buscando preservar a

proteção, segurança e os direitos dos participantes de pesquisa, conforme anexo I.

5.6 Local

Considerando o fato de que a pesquisa abarcará gays e lésbicas residentes em todo o Brasil,

bem como o acontecimento de no momento de sua idealização e planejamento o país se encontrar

em pandemia da COVID-1964 e sem prazo previsto para se chegar ao fim, entendeu-se que a

melhor forma de realização das entrevistas semiestruturadas e aplicação de teste psicológico

deveria ser de forma on-line, e escolheu-se, para tanto, a plataforma Google Meet, primando pela

ética, sigilo, segurança e confiabilidade de dados, perfazendo as exigências do Código de Ética

64
Doença infecciosa causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (WHO, 2019).
“O nome COVID é a junção de letras que se referem a (co)rona (vi)rus (d)isease, o que na tradução para o português
seria "doença do coronavírus". Já o número 19 está ligado a 2019, quando os primeiros casos foram publicamente
divulgados’. (FIOCRUZ, 2019).

247
Profissional do Psicólogo, com as devidas e prévias orientações para que a pessoas estivessem

igualmente sozinhas e em local privado. Definiu-se ainda que, mesmo que a COVID-19 terminasse

antes da finalização da pesquisa, seguir-se-ia até o fim da pesquisa de forma on-line, a fim de se

manter um padrão e para que não implicasse no deslocamento das pessoas e necessidade de uma

maior disponibilidade de tempo.

6 Análise de Dados e Resultados

Nesta subseção, incialmente, serão caracterizados os participantes da pesquisa e suas

vivências com relação a homofobia e lesbofobia, pautadas em violência, discriminação e/ou

preconceito experienciados no seu dia a dia, a fim de que se conheça quem são os entrevistados e

possa, desta forma, compreender mais de perto suas realidades que farão parte das narrativas e

estarão contextualizadas na apresentação da análise e dos resultados do teste psicológico

Inventário de Depressão de Beck – BDI-II ou Escala de Depressão de Beck e do instrumento de

avaliação de qualidade de vida The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref,

bem como no momento da análise das categorias a que se permitiu chegar por meio da Análise de

Conteúdo realizada com as entrevistas.

Na sequência, será contextualizada a forma como se realizou a análise das entrevistas,

explicando-se o método escolhido, bem como a maneira como se chegou às três categorias e suas

respectivas subcategorias, sobre as quais serão discorridas mais adiante.

Uma vez explicado o método da Análise de Conteúdo aplicado às entrevistas, Análise de

Bardin, serão apresentados os resultados do teste psicológico Inventário de Depressão de Beck –

BDI-II ou Escala de Depressão de Beck, seguido de sua análise.

248
E, dando-se prosseguimento, serão trazidos os resultados do instrumento de avaliação de

qualidade de vida The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref com sua

respectiva análise, para então se finalizar a análise de dados discorrendo-se sobre as categorias

identificadas na análise de conteúdo.

Ao se realizar a análise das categorias e subcategorias, como sustentação e embazamento

da discussão, serão trazidos o aporte teórico da psicologia junguiana, os recortes das entrevistas

pertinentes a cada categoria e subcategoria, somando-se aos resultados do BDI-II e do WHOQOL-

bref, objetivando-se um aprofundamento o mais amplo e fidedigno possível acerca do

desenvolvimento da análise junguiana aplicado a cada categoria e subcategoria.

6.1 Caracterização dos Participantes da Pesquisa e suas Vivências com a Violência –

Homofobia, Lesbofobia e Translesbofobia

Os participantes desta pesquisa se identificaram como gays ou lésbicas, para os quais será

apresentada abaixo, uma breve caracterização sobre cada um. Objetivando-se manter total sigilo

sobre as identidades dos participantes da pesquisa, de acordo com a ordem da entrevista realizada,

optou-se por nomeá-los de E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11 e E12.

a.1) Caracterização da participante entrevistada E1

E1 é do gênero feminino, é lésbica, tem 61 anos de idade, nasceu em Brasília, é professora

universitária, está concluindo o pós-doutorado e reside com sua companheira em Salvador.

Percebeu-se lésbica com aproximadamente 28 anos, em uma viagem a trabalho, quando estava

249
conversando com uma colega e foram abordadas por um desconhecido, gay, que perguntou-lhes

há quanto tempo namoravam. Isto despertou em E1 um pensamento sobre o que estava

acontecendo, passando então a refletir sobre esta questão e a perceber que havia um desejo, sim,

por pessoas do mesmo sexo, de modo que optou por não se furtar ao desejo e viver a experiência.

Nesta ocasião, E1 encontrava-se casada, em um relacionamento heterossexual, e com dois filhos.

Compartilhou com marido o que estava se passando e ele demonstrou compreender, mas a

princípio não levou muito a sério, acreditando que talvez fosse uma experiência sem importância

e propôs um pacto de cumplicidade e discrição, no qual seria melhor que ninguém soubesse, que

ficasse apenas entre eles e não viesse a público. No momento E1 aceitou, mas depois percebeu que

se tratava de um “armário” e o armário era uma violência e, para ser discreta, viveu um tempo esta

realidade até conhecer sua companheira atual, com quem está junto a 28 anos. E, nesta ocasião,

tornou-se pública, revelou sua orientação sexual, com muito cuidado, para sua família, em

momentos distintos, sendo que os dois filhos lideram bem e a irmã também, sendo esta foi quem

contou para mãe que, por sua vez, reagiu aparentemente bem, apesar de demonstrar preconceito,

em algumas outras ocasiões, com pessoas lésbicas, como foi o caso com uma amiga de E1, mas

com a filha sempre foi bastante acolhedora, embora faça bastante tempo que não se veem, pois a

mãe é eleitora de Bolsonaro e o diálogo fica muito complicado, esclarece E1. Além disto,

juntamente a irmã, a mãe é evangélica e radical, e isto dificulta a relação, considerando sua

orientação sexual e não aceitação religiosa. Atualmente não conversam, E1 e a irmã, devido a

questões de não vacinação da mãe influência política. E1 conta que seus amigos sabem de sua

orientação sexual e quase não tem amigos heterossexuais. Relata que não se sente mais à vontade

para ter manifestação pública de afeto com sua companheira dependendo do lugar e, em especial

se estiverem sozinhas, sem um grupo, pois se sente com medo da vulnerabilidade e do pode lhes

250
acontecer em termos de agressão por pessoas que são lesbofóbicas, preferindo, assim, não arriscar

suas vidas.

a.2) Lesbofobia Sofrida por E1

E1 relata ter sofrido lesbofobia em sua vida, sendo que uma situação, em especial, marcou-

a sobremaneira. Trata-se de uma carta anônima que E1 recebeu em seu exercício docente, no

trabalho. E1 conta que nesta universidade onde tudo ocorreu, ela era declaradamente lésbica,

professora que primava pela extensão e desenvolvia projetos de extensão de combate à violência

e foi quando recebeu uma carta anônima, durante uma de suas reuniões com movimentos sociais,

contendo ameaça de curra65, de morte, esquartejamento e jogado os pedaços no mato, além de

outras formas de violência. E1, bastante assustada, revelou em voz alta o conteúdo da carta na

reunião, a todos os presentes e tornou esta carta pública, deixando-a circular em várias mãos, a fim

gerar em torno de si uma rede de segurança e proteção. E1 declara que esta experiência mudou sua

vida, pois nunca imaginou que alguém pudesse odiá-la tanto por ser lésbica e nem lhe fazer tanto

mal como estava descrito na carta que lhe faria. Com a carta em mãos, E1 foi até o diretor da

universidade e ele a apavorou e a responsabilizou pelo ocorrido, dizendo que lá era uma região

muito violenta e preconceituosa e já teve outros casos assim lá, relatando, inclusive o que

aconteceu com a pessoa. Quando questionado sobre o que seria feito, ele desconversou e apenas

pediu para uma colaboradora a acompanhar para fazer um boletim de ocorrência, o qual foi feito,

porém não teve resultados, sequer constou a palavra lesbofobia, apesar de E1 ter insistido para que

fosse colocado. Chegando na juíza, da mesma forma ouviu que seu trabalho a vulnerabilizava. E1

65
Termo informal que segundo o dicionário online de língua portuguesa Houaiss (2022) significa violação sexual de
alguém mediante cumplicidade de uma ou mais pessoas; violação; estupro.

251
acredita saber quem foi o autor da lesbofobia que sofreu, entretanto, não teve como provar. O caso

não foi investigado e não teve evolução e, E1, bastante fragilizada, não insistiu. E1 permaneceu na

cidade e decidiu estudar, optou por entrar para o campo dos estudos feministas e, assim, fortalecer-

se e ter instrumentos e argumentos para enfrentar a lesbofobia e fez seu segundo mestrado. E1

seguiu na cidade e desde 2006 coordena outros projetos de extensão voltados ao fim da violência

contra as mulheres. Entretanto, E1 declara que ter ficado com a autoestima bastante abalada e com

um medo de expor e enfrentar a rua sozinha, tendo desenvolvido sintomas de ansiedade e

depressão, o que não tinha antes da lesbofobia que sofreu. Atualmente, entende que sua maior

contribuição contra a lesbofobia está no campo da produção de conhecimento, através de uma luta

constante. Possui alunas e orientandas que, por serem lésbicas, sofrem violência, preconceito e

discriminação diariamente e constata que por mais que se tenha conquistado espaço, a sociedade

não aceita e tenta voltar as pessoas para o “armário”, por meio da lesbofobia praticada contra elas

e o governo contribui bastante para que isto aconteça, esclarece. E1 vê a informação como um

caminho para que esta realidade se transforme, pois, quando se tem a informação, nomeia-se, pois

aquilo que não tem nome não é nomeado e não existe e, no caso da lesbofobia, o combate à

violência contra a mulher não dá conta disto, uma vez que quando se é lésbica, sofre-se duas vezes,

por ser mulher e por ser lésbica e, por fim, E1 considera que é preciso que continue se lutando para

que a violência acabe e a informação é uma ferramenta potente nesta luta.

b.1) Caracterização do participante entrevistado E2

E2 é do gênero masculino, homossexual, 36 anos de idade, nasceu em São Paulo e passou

grande parte da vida morando em Florianópolis, é professor universitário e possui pós-doutorado

252
incompleto. Reside em São Paulo. É solteiro e namora. Percebeu-se homossexual na adolescência,

por volta dos 17 anos de idade, ocasião em que pela primeira vez se apaixonou. Esclarece antes

desta idade ter passado por muitas cirurgias no tórax, de modo que seu foco central era manter-se

vivo. Relata ter vindo de família cristã e observa que o cristianismo é avassalador para população

gay e isto fez com que a descoberta da homossexualidade fosse bastante conflituosa para ele, desta

forma, ainda que não tivesse atração sexual por mulheres, sentia-se menos desconfortável

aceitando-se como bissexual e foi um processo até que conseguisse se assumir como homossexual,

no qual sentia-se culpado como se estivesse fazendo algo errado. Contou para os pais sobre sua

sexualidade e teve, a princípio, mais resistência por parte de mãe do que de seu pai. Tem 1 irmão

de 34 anos que é gay e devido a cobrança dos pais de ele ter filhos e dar netos a eles, somente aos

28 anos se assumiu homossexual para a família e saiu do Brasil, indo morar na Europa. Relata que

todos os seus amigos sabem sobre sua orientação sexual, mas trata-se de novas amizades a partir

do momento em que se assumiu homossexual, pois muitos amigos, especialmente homens, não

aceitaram, inclusive seu melhor amigo da época.

b.2) Homofobia Sofrida por E2

E2 relata que na época da escola sofreu bullying porque era uma criança muito afeminada

e alta, sendo que aos 6 anos de idade, foi molestado sexualmente por um aluno adolescente, dentro

da escola. Tentou falar para os pais e apanhou, pois eles entenderam que o filho havia feito algo

errado para isto acontecer. E2 tinha sofrido uma violência sexual por parte de um aluno de 15 anos

de idade e os pais não tentaram entender o que havia acontecido, com isto, E2 nunca mais tocou

no assunto e se fechou. Mas os bullyings foram aumentando e a escola tendo percebido, sugeriu

253
que ele fosse transferido ao que os pais acolheram, mas logo as agressões passaram também a

ocorrer na nova escola e em uma das situações, alguns meninos quebraram a perna de E2 e, de

uma criança alegre, E2 observou que foi se tornando triste e fechado, tentando suicídio aos 13

anos, dentro da sala de aula. E2 estava se cortando inteiro na sala e a professora lhe disse que se

quisesse se matar que o fizesse no corredor e o colocou para fora, mas a coordenadora pedagógica

estava passando e o ajudou, chamando seus pais, conseguindo para ele psicoterapia pelo SUS etc.

Destaca E2 que a violência sexual que sofrera o marcou profundamente, que o menino o

segurava e lhe dizia “você é muito feio, você é horroroso, nenhuma mulher nunca vai te querer” e

esta frase nunca mais saiu de sua cabeça. Até hoje, por muitas vezes, parece ouvi-la novamente e

precisa dizer para si mesmo que isto não está acontecendo, que não é real.

Muitos anos se passaram e, aos 17 anos, ocasião em que E2 se assumiu homossexual, sua

mãe ficou entre 3 e 4 meses sem falar com ele. Quando E2 estava com 22 anos de idade, o pai

tendo percebido que se tratava de algo sério e não passageiro, teve brigas com ele e, inclusive,

chegou a quase se divorciar da esposa, mãe de E2, porque achava errado a mãe não se opor a sua

homossexualidade, tendo a mãe dito que entre escolher pelo pai e pelo filho, escolheria pelo filho.

Nesta ocasião, o pai deu entrada no pedido de separação, permaneceu por 3 anos fora de casa, e

quando se reconciliaram, voltou para casa e E2 ficou entre 3 e 4 anos sem se falar com o pai,

apenas respondendo com a cabeça para ele ver que era ouvido. E2 sentia-se como se não fosse

amado e acreditava ter introjetado que não tinha valor, de modo que a partir daí começou a ter

transtorno de ansiedade e buscava ser o melhor aluno na escola, pois gostava de estudar, e ser o

melhor em tudo o que fazia para compensar esse sentimento de falta de valor. Sentia que precisava

compensar este sentimento de não valor, por meio da perfeição.

254
E2 conta que sofreu homofobia na graduação em várias ocasiões. Uma delas, por parte de

uma professora evangélica, que lhe falou que queria que ele explicasse a ela o que o levava uma

pessoa a ser gay, porquanto ela tinha um filho e queria evitar este risco, pois pai nenhum quer ter

um filho gay. Relata E2 que se tratava de uma professora de neurofisiologia que afirmava que

existia uma característica neurológica para que as meninas gostassem de rosa e os meninos de azul.

Outra situação de homofobia na universidade foi quando E2 se inscreveu e começou a ser

atendido na clínica escola da instituição, por um profissional do mesmo curso que o seu,

naturologia, e este pressupôs que iria curar a sua homossexualidade. E2 formalizou uma

reclamação à coordenação, mas nunca obteve resposta.

E as homofobias seguiram.... Ainda na graduação, em um trabalho para disciplina de

medicina chinesa, sobre a medicina chinesa e suas explicações sobre pessoas transexuais, uma vez

que esta medicina traz coisas que devem fazer se a pessoa for homem ou se ela for mulher, mas

não traz nada se ela for transexual, E2 escreveu um artigo que mais tarde veio a ser publicado pela

revista Bagoas, mas, na época, o professor lhe deu nota 7 e disse que era a nota mínima para que

ele não reprovasse, pois, este assunto não era de interesse e nem relevante para a disciplina de

antropologia que ele estava cursando.

Narrou ainda, E2, ter sofrido casos de homofobia por colegas da universidade, na qual um

dos colegas, sempre que passava perto dele, cantava I Will Survive de forma caricata. Em outra

ocasião, boicotaram uma festa que ele estava organizando.

E2 observa que também sofreu homofobia no trabalho, na universidade para a qual

lecionava. Ocorre que E2 orientava um estudante gay que fez um trabalho que, embora não

trouxesse nada sobre homossexualidade, foi reprovado 5 minutos antes da banca com a alegação

de que o trabalho estava insuficiente.

255
Acredita, E2, que isto aconteceu porque ele, E2, era gay e a professora que reprovou o

estudante foi a mesma que, em outra ocasião ensinava aos alunos como utilizar florais de Bach

para se curar lesbianismo e parou quando E2 formalizou uma reclamação na pró-reitora, de que

ela era psicóloga e psicólogos não podem ter esta postura e tampouco florais de Bach curavam

lesbianismo, pois ser lésbica não era sinônimo de ser doente para ter que ser curado.

E2 considera que uma das piores homofobias que ele sofreu foi por parte da polícia, na

qual, ele, saindo de um carnaval em Florianópolis, foi pegar ônibus com seu amigo, perto de onde

havia um bloco de policiamento com polícia montada para evitar problemas no carnaval entre as

pessoas. Estavam sentados, conversando, quando chegou um rapaz, talvez embriagado ou drogado,

e o agrediu fisicamente, com socos e xingamentos. A polícia ficou olhando, de braços cruzados, e

não fez nada.

Relata E2 que ele era drag queen neste período e não tinha problemas de sair na rua

montado e, a partir daí, passou a sentir muito medo, chegando ao ponto de não ousar dar a mão em

público para outro homem ou ter outras demonstrações de afeto, e nunca mais se sentiu seguro

quanto a fazer isto. Este fato que lhe aconteceu marcou sua vida, pois, naquele instante sentiu que

o Estado não se importava, que para o Estado ele era um cidadão de segunda categoria, por ser

gay.

Pouco tempo depois, fazendo uma iniciação científica, entrou em contato o “gays jovens”

e, através deste grupo, conheceu Luiz Mott, um importante ativista, que lhe sugeriu que ele

publicizasse a questão da homofobia em Santa Catarina e ele assim o fez, por meio de entrevista

com a RBS, na ocasião em que foi procurado pela Globo. Junto a gays e lésbicas que ele conheceu,

transformou essa questão em um documentário sobre vítimas de homofobia no carnaval.

256
E, em uma tentativa de ressignificar aquele episódio que havia passado, fez uma pesquisa

sobre homofobia e teve seu artigo aceito em um congresso importante de Florianópolis, iniciando

sua carreira acadêmica ali.

Relata ainda ter rompido com os eleitores de Bolsonaro, mesmo com seus familiares, pois

se votou em alguém contra homossexuais, votou contra ele, contra sua vida. E2 pontua que os

familiares de seu namorado são homofóbicos e que ele sofre demais com isto, especialmente com

o pai, tendo este dentre outras coisas, certa feita, jogado café fervendo no filho.

Para E2, para que a homofobia acabe, é preciso que haja punição contra ela, o que não

ocorre, mesmo com as leis que se tem, esclarece. Diz que tudo é visto como se fosse uma

brincadeira, liberdade de expressão, uma piada inofensiva e, na verdade, não é desta forma, pois

machuca, fere e deixa marcas. E haveria de se ter punição para que isso fosse inibido até cessar,

considera.

Comenta ainda E2 que, como cientista da religião que é, pode afirmar que os homossexuais

ocupam o lugar que as bruxas, no passado, ocuparam. São como que a reencarnação do mal e se

tornam bodes expiatórios e não há mecanismo para proteger estas pessoas, que sofrem o tempo

inteiro, saem às ruas e não sabem se voltaram para suas casas, são alvos pelas costas e não sabem

se vão ser assinados e nem o que lhes acontecerá no dia seguinte, considera.

Conta que após a eleição de Bolsonaro, uma amiga sua, lésbica, foi despejada pela

proprietária que era evangélica, pelo fato de sua amiga ser lésbica, deste modo as pessoas se viram

autorizadas. Se isto acontece com os homossexuais, o que dirá com os gays, diz.

E2 crê que seria necessário políticas públicas de educação, mas que sem a punição imediata

da homofobia, não haveria solução, pois poderia se chegar uma ministra mulher, a efeito do que

houve, e desfazer tudo o que foi feito até então pela comunidade LGBTQIA+.

257
Cabe destacar que durante a entrevista, E2 relata que, por causa do transtorno de ansiedade

advindo das violências, preconceito e discriminação que sofrera, em determinados períodos da

vida, necessita de medicação para suportar e faz muitos desenhos para exprimir o sentimento que

traz dentro de si e, tendo de livre e espontânea vontade autorizado, por escrito, a utilização de suas

imagens nesta pesquisa, as quais seguem algumas ilustrações com o respectivo descritivo,

conforme escrito por E2.

b.2.1) Desenhos de E2 e uma Breve Ampliação sob a Perspectiva da Psicologia Junguiana

Figura 36

Humano pintado de panda

Nota. Fonte: Acervo pertencente e disponibilizado pelo participante da pesquisa E2

[...] o humano pintado de panda representa meus períodos de tristeza. Eu fiz esse desenho

porque na época do ateliê, eu fiz uma máscara de gesso que eu também pintei como um

panda. Mas eu fiz a figura segurando um leque com o símbolo do sol acima da cabeça para

258
representar a esperança. O peito está negro porque meu tórax foi um local de tantas

cirurgias que eu associo essa parte do corpo com dor. (E2).

De acordo com Vilas Boas (2008), por seu carisma e empatia, os pandas-gigantes, a mais

reconhecida e ilustre das espécies-bandeira, são utilizados como atrativos turísticos e compõe o

rol das espécies mais ameaçadas no mundo. Ainda de acordo com Vilas Boas (2008), vivendo em

seu habitat natural no centro-oeste da China, há em torno de 1.600 ursos pandas-gigantes livres, e

por volta de 160 pandas-gigantes, no mundo, vivem em cativeiro. Observam Hansen et al. (2009)

que:

The giant panda (Ailuropoda melanoleuca) is classified as a carnivore, yet subsists on a

diet comprised almost exclusively of bamboo. Wild and captive giant pandas use highly

selective foraging behaviors for processing and consuming bamboo. These behaviors are

for the first time quantified in captive giant pandas over a 5-year period of time showing

highly specific seasonal trends. [...]. In addition to consuming large amounts of bamboo,

the giant panda is extremely selective in the bamboo it eats. [...]. Leaf intake occurs

primarily in midsummer through winter (July–February). Shoots are eaten in the spring

(April–June), and culm, or the stalk of the bamboo, is consumed through the months of

March–July (Hansen et al., 2009).

O panda gigante (Ailuropoda melanoleuca) é classificado como um carnívoro, mas subsiste

em uma dieta composta quase que exclusivamente de bambu. Pandas gigantes selvagens e

em cativeiro usam comportamentos de forrageamento66 altamente seletivos para processar

e consumir bambu. Esses comportamentos foram pela primeira vez quantificados em

66
Procurar recursos alimentares na natureza.

259
pandas gigantes cativos durante um período de 5 anos mostrando tendências sazonais

altamente específicas. [...]. Além de consumir grandes quantidades de bambu, o panda

gigante é extremamente seletivo no bambu que come. A ingestão de folhas ocorre

principalmente no meio do verão inverno (julho-fevereiro). Os brotos são consumidos na

primavera (abril a junho) e o colmo, ou o talo do bambu, é consumido durante os meses de

março a julho. (Tradução da pesquisadora).

Os bambus, seus brotos e raízes, fonte de alimento principal dos pandas, de acordo com

Chevalier e Gheerbrant (2018), no Japão, na Asia, especificamente, representam bom agouro e

resistência, todavia, na África e nas Américas, é símbolo de sacrifício.

Pesquisando-se sobre a simbologia do panda no dicionário de símbolos de Chevalier e

Gheerbrant (2018), curiosamente, cabe observar que não há referência a este animal, todavia, há

menção feita ao urso, apresentando-se semelhanças na descrição de ambos os animais. Desta

forma, serão trazidos alguns destes recortes a fim de nos debruçarmos sobre o símbolo do panda,

também urso.

De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2018), na China, o urso é a expressão do

masculino, da energia Yang. Na mitologia grega o urso aparece acompanhado de Ártemis, deusa

lunar, a qual toma sua forma em suas aparições. Ligado ao mito lunar, o urso pode representar

duas faces: monstro ou vítima, sacrifício ou sacrificado. Ligado ao instinto, Jung, segundo

Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 925), considera-o “como símbolo do aspecto perigoso do

inconsciente”. Ainda segundo os autores, o urso faz parte do está ligado à noite e a lua, assim como

a terra-mãe. Preto ou negro, corresponde ao primeiro processo da alquimia, nigredo, e pode ser

bom ou mal, dócil ou agressivo, selvagem ou domesticável, simbolizando as forças de evolução

ou regressão.

260
Enquanto elemento lunar, pode-se fazer uma aproximação do panda com o andrógino

descrito no Banquete de Platão, chegando-se à imagem do alienígena (Figura 39), também

produzido por E2.

A imagem do panda recebeu por seu autor, E2, o nome de “homem pintado de panda” de

modo que, nota-se na figura, sobretudo, o rosto com características de panda, em especial o olhar.

Cabe-se observar que há uma patologia chamada de “doença de Wilson” ou “faces de panda” ou

ainda “faces do panda gigante”, trazendo, na ressonância magnética, sinais da imagem do panda

no encéfalo. Trata-se, de acordo com Brito et al. (2005), de uma doença rara, hereditária, que se

manifesta iniciando-se entre 11 e 25 anos de idade. Ocorre devido ao fato de o fígado não excretar

mais o excesso de cobre na bile para ser eliminado pelo organismo. Esclarecem Brito et al. (2005)

que o fígado então lesionado, libera o cobre na corrente sanguínea, afetando órgãos como cérebro,

rins, olhos. Os sintomas se manifestam por evidências psiquiátricas, hepáticas, neurológicas e

oculares. Observam ainda Brito et al. (2005, p. 176) que se tem nas últimas décadas encontrado

achados radiológicos, revelados pela ressonância magnética como sinais das “faces de panda”, que

mostram alterações do tronco cerebral.

Fazendo-se uma aproximação, por meio de uma leitura na perspectiva da psicologia

junguiana, entre a figura do “humano pintado de panda”, o habitat e a sua base alimentar de bambu,

é possível se pensar em um humano colocado, muitas vezes, em contextos de exposições que visam

levar à sua extinção, no caso de E2, é possível se tratar da exposição à homofobia, a qual diversas

vezes foi vítima. Um humano que, embora resistente em sua essência e de fato os homossexuais o

são, todavia, em seu íntimo verte dor, como demonstrado no peito da figura do “humano pintado

de panda”, porém vertendo dor.

261
E, por último, pode-se ainda aproximar a doença “faces de panda”, que compromete

aspectos neurológicos, oculares e renais, como a tentativa de se patologiza a homossexualidade

como doença mental, impedindo-se de se enxergar os homossexuais como seres humanos como

quaisquer outros que são merecedores de uma vida digna. A doença afeta ainda os rins, podendo,

neste caso, contar com o olhar da psicossomática (Ramos, 2006; Goswami, 2004/2006; Araujo,

2021) que indica ser um órgão do corpo que diz respeito ao medo e ao territorialismo, no sentido

de se temer pela perda de território e espaço no mundo.

Figura 37

Deusa Rhiannon

Nota. Fonte: Acervo pertencente e disponibilizado pelo participante da pesquisa E2

“A mulher com o cavalo vestida de verde é a deusa Rhiannon. No mito dela, ela é punida

por um crime que ela nunca cometeu, e a punição dura anos. Eu me identifico muito com esse

motivo mitológico”. (E2).

262
De acordo com Morás (1999) e Damm (2019), Rhiannon é uma deusa Galesa, presente na

Mitologia Celta, no Folclore Medieval. De acordo com Morás (1999, pp. 239-240), de acordo com

o conto;

Pwyll sobe com seus homens a colina maravilhosa de Arberth, onde sempre se realizam

prodígios para aqueles que sobem até seu cume. De lá, vê uma mulher montada num grande

cavalo branco que atravessa o caminho principal e que partia da colina. Durante dois dias,

se repete o mesmo prodígio quando Pwyll encontra no cume da elevação, e em ambas as

ocasiões ele manda um de seus homens interceptar a amazona. É em vão que o faz: por

mais que o cavaleiro tentasse, seu cavalo mantinha-se sempre à mesma distância do cavalo

da jovem. No terceiro dia, é o próprio Pwyll que a persegue e, vendo que não conseguiria

alcançá-la, pede para que ela o espere. Como a jovem acatasse seu pedido, Pwyll fica

sabendo que seu nome é Rhiannon, e que ela veio porque queriam casá-la com outro,

embora ela estivesse interessada nele, Pwyll. A esta altura, já fascinado pela beleza de

Rhiannon, Pwyll acompanha-a até o Outro Mundo e consegue superar Gwawl, o outro

pretendente da jovem, graças a um astucioso estratagema armado pela própria Rhiannon,

que o leva a passar por um mendigo para enganar o rival do Outro Mundo. Como resultado

de sua vitória, Pwyll traz Rhiannon para seu reino.

Rhiannon mostra-se uma rainha pródiga em presentes e liberalidades aos súditos de

Pwyll. O segundo ano de seu reinado continuou a ser próspero. Entretanto, passados três

anos, ela ainda não havia dado um filho a Pwyll. Por causa disso, os parentes mais próximos

de Pwyll, seus irmãos de leite (alusão ao 'fosterage', aparentamento por criação), pedem-

lhe que repudie sua esposa. Pwyll adia sua decisão por um ano, e neste mesmo ano

Rhiannon tem um filho nos domínios da corte de Arberth. Contudo, a criança desaparece

263
misteriosamente na noite de seu nascimento, e as parteiras, para evitar que qualquer

punição recaísse sobre elas, alegam que Rhiannon devorou seu próprio filho, após tê-la

untado com o sangue de uma cachorra enquanto dormia. Como penitência por seu suposto

crime, Rhiannon deveria permanecer durante sete anos nos limites de Arberth, contar a

todo viajante sua história e oferecer-se para levá-lo até a corte montado em suas espáduas.

E assim passou-se meio ano. Teyrnon Twryv Vliant, um senhor do sudeste de Gales,

possuía uma égua insuperável em formosura que paria sempre na noite de primeiro de maio,

mas o potro jamais era encontrado. Resolvido a elucidar este mistério, Teyrnon pegou suas

armas e pôs-se a montar guarda na noite de primeiro de maio. No começo da noite a égua

pariu um potro de belas proporções, e neste momento Teyrnon ouviu ruídos vindos do

exterior e viu uma grande garra entrar pela janela e agarrar o potro pela crina.

Imediatamente ele pegou a espada e cortou este braço, que caiu no interior do recinto com

o potro. Correndo para fora da casa, Teyrnon não achou ninguém, mas ao regressar

encontrou um menino com uma capa de brocados e cabelos dourados ao lado do potro.

Teyrnon descobririu então que se tratava do filho de Pwyll e, avisando-o do ocorrido, deu

fim à penitência de Rhiannon

Para Morás (1999) e Damm (2019), Rhiannon é conhecida como regente do outro mundo,

aquela que acompanha as pessoas até o outro mundo, que as ajuda em suas passagens, guiando as

almas dos mortos para o outro lado, auxiliando, deste modo, em suas passagens da vida para o

além da morte.

Rhiannon pode ainda ser aproximada, na mitologia grega, a Caronte, barqueiro de Hades,

que carrega em seu barco as almas dos mortos sobre as águas do rio Estige, ajudando-os, assim, a

fazerem a passagem do mundo dos vivos para o mundo dos mortos. Na qualidade daquela que rege

264
o outro mundo, também pode ser assemelhada a Perséfone, a qual para se adentrar a vida adulta,

deixando de ser filha de Deméter, para ser Esposa e Senhora do Hades, precisa transgredir,

comendo da Romã. Talvez a transgressão de Rhiannon tenha sido ser acusada de comer o próprio

filho, muito embora não o tenha feito. Deste modo, foi sentenciada e sofreu as consequências de

um crime que não cometeu.

De toda forma, podemos olhar para o arquétipo dual de Rhainnon, na perspectiva da

psicologia junguiana, sendo ela equivalente à Grande Mãe, àquela que cuida e repreende seus

filhos, a exemplo do que faz com seus pretendentes; a mártir, que suporta a dor da perda de seu

filho e do castigo por algo que não cometeu, que padece do julgamento alheio, mesmo sem ter

praticado nenhum delito, muito embora não tenha a consciência, uma vez que se encontrava

adormecida, e não possa assegurar que não o tenha de fato cometido; à esperança de que um dia o

sofrimento acabe e a verdade se faça presente.

Na imagem de E2, Rhiannon vestida de verde ao lado de seu cavalo branco, pode denotar

a esperança pelo fim de um sofrimento que ele, E2, padece, embora não o mereça, por não ter

praticado crime algum. Para E2, talvez estas dores digam respeito a homofobia pela qual ele foi

vítima.

O cavalo, de acordo com Chevalier e Gheerbrant (2018), trata-se de um arquétipo portador,

simultaneamente, da vida e da morte e faz referência a figura lunar que ilumina, acende e clarifica

a terra.

Nos contos de fadas, comumente os cavalos podem ser encontrados como meio de

transporte e de salvação pelo qual chega um príncipe, montado, a fim de salvar uma princesa que

sofre ou que está injustamente sendo destratada e castigada por algo que não cometeu e, na

265
condição de indefesa àquele mal e aos que lhe causam o mal, necessita de um salvador para que

possa sair daquela condição.

Neste sentido, para E2, pode ser que o cavalo simbolize a sua espera e o caminho pelo qual

virá algo ou alguém que representará sua libertação da dor que ele sente, da violência, da

discriminação e do preconceito a que foi e ainda é vitimizado pelas pessoas que são homofóbicas.

Figura 38

Carta de espadas

Nota. Fonte: Acervo pertencente e disponibilizado pelo participante da pesquisa E2

A carta de tarô é um personagem do Mortal Kombat que sempre morre, mas é imortal e

volta de novo a vida só para morrer de novo. Essa carta de espadas representa a derrota. Eu

acho que ela me chama a atenção porque é como eu me sinto com o cenário político que a

gente vive hoje. Parece que há muito pouco que a gente consegue fazer. (E2).

266
A imagem do desenho feito por E2 refere-se ao personagem Geras67, do Mortal Kombat.

Geras foi criado de Kronika, Guardiã do Tempo e do destino do Universo e, habilidoso e imortal,

é seu servo fiel e cuida de sua segurança. Geras possui o poder de se recuperar de todas as feridas,

desde as mais simples às mortais e, a cada vez que morre, voltar mais forte e mais sábio do que

antes.

E2 representou “Geras”, personagem do Mortal Kombat, em uma carta de tarot, golpeado

por espadas e sangrando. Cabe esclarecer que o tarô, de acordo com Chevalier e Gheerbrant (2018)

apresenta-se ao mundo por meio de símbolos coloridos vividamente. Mostra-se como um caminho

duplo, interno e externo, de evolução em direção à sabedoria, uma vez que não indica uma solução,

mas traz reflexões acerca das opções que podem ser tomadas, mostrando caminhos a serem

analisados e, então, escolhidos. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 868), Jung observa que

o tarô contém os dois aspectos da luta humana: “contra os outros e contra si mesmo”.

Por sua vez, a espada, conforme Chevalier e Gheerbrant (2018), representa dois lados, o

destruidor e o destruído, independente do lado que se está na luta. Representa os opostos, luz e

relâmpago, justiça e guerra, conhecimento e ignorância. Na bíblia, a espada representa a tríade

guerra-fome-peste e, nas tradições cristãs, ela é tida como uma arma nobre que serve aos cavaleiros

e aos heróis.

O sangue, também presente na imagem do desenho feito por E2, representa, do ponto de

vista de Chevalier e Gheerbrant (2018), vida, calor, sol. O derramamento de sangue, conforme

Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 800), simboliza nas tradições bíblicas, as chagas de Cristo,

concebido, por excelência, como a bebida da imortalidade.

67
Para conhecer mais sobre o jogo e o personagem, acessar: https://mortalkombat.fandom.com/pt-br/wiki/Geras.

267
Reunindo-se os elementos consolidados nesta imagem seus símbolos e suas simbologias,

na perspectiva da psicologia junguiana, é possível que E2 tenha ao longo de sua vida se sentido

muitas vezes como alguém que esteve à beira da morte, mas renasceu, e isto pode ser evidenciado

em suas falas sobre suas cirurgias no tórax e sobre sua luta contra a homofobia que foi vítima e

que tantos homossexuais também o foram, tendo, mesmo após passado por situações graves de

violência, preconceito e discriminação, sobrevivido física e emocionalmente para seguir lutando,

assim como Geras, o personagem de identificação com E2, de Mortal Kombat.

O sangue, na vida de E2, pode representar suas dores, suas feridas, suas lutas e vitórias,

mostrando que ainda há ferimentos em sua psique. A espada por sua vez, pode remeter-nos aos

dois lados de se ser homossexual face a homofobia, sendo que de um lado se é atingido por ela e,

de outro, luta-se contra ela.

Figura 39

Autorretrato

Nota. Fonte: Acervo pertencente e disponibilizado pelo participante da pesquisa E2

268
“... meu autorretrato é como um alienígena. Eu me baseei nos Asari do Mass Effect, que é

uma espécie alienígena que só tem um gênero. Se não tem gênero, não teria homofobia, eu acho”.

(E2).

A palavra alienígena, de acordo com o dicionário on-line Houaiss (2022), trata-se daquele

que é de outro país, que pertence a outro lugar, que é forasteiro, estrangeiro. Se somarmos o sentido

atribuído pelo dicionário à esta palavra e a olharmos sob a perspectiva dos complexos culturais

pelo viés da psicologia junguiana, o alienígena será, portanto, aquele que é estranho e não cabe

naquele espaço e tampouco é bem-vindo naquele contexto, de modo que será socialmente excluído

e marginalizado.

A imagem acima, do alienígena, remete-nos ainda ao arquétipo do andrógino presente no

inconsciente coletivo da humanidade, conforme teoria postulada por Jung (1959/2014a),

permitindo-se acessar suas potencialidades de uma imagem enigmática estruturante da psique, em

o Banquete de Platão68, em que, conta Aristófanes, que o gênero masculino-feminino, descendente

da lua, se revoltou contra os deuses, de modo que, visando enfraquecê-los, Zeus ordenou que

fossem cortados ao meio, transformando-os em dois indivíduos, com duas pernas, dois braços,

uma cabeça e, com isto, cada parte cortada ficou com um sexo e não mais com dois como eram a

princípio os andróginos. Assim, com este feito, passou a existir a parte feminina e a parte masculina

e elas passaram a se buscar pelo resto da vida a fim de se encontrarem e se completarem

novamente.

Nesta mesma perspectiva, considera Eliade (1962/1999), que a androginia69 é a

característica de uma totalidade na qual todas as possibilidades se encontram presentes e

68
Para aprofundamento ler: Platão (2017). O Banquete. Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 385 aC).
69
Para aprofundamento, ver autores atuais que falam sobre a Teoria Queer.

269
agregadas. Pondera ainda Eliade (1962/1999) que muitas das divindades masculinas ou femininas

são andróginas, como as divindades hindus Siva e Sakti ou Shiva e Shakti, na qual Shiva é o

observador e a consciência ao passo que Shakti é a observada e a energia. A androginia atribui as

divindades um caráter de nobreza, pois não se pode ser uma coisa ou outra, sem antes ter se

experienciado as duas possibilidades, o que assegura a inteireza.

Pode-se ainda, neste sentido, olhar para a totalidade, como sendo composta pelos pares de

opostos, no qual, sem um, não há ou outro, como o bem e o mal, luz e sombra, tristeza e alegria,

claro e escuro, céu e terra, medo e vida, amor e poder, dentre outros (Jung. 1921/2013i; Eliade,

1962/1999). Neste enfoque, considera Jung (1959/2014a) que todos os arquétipos são duais,

portanto, quando se fala no arquétipo do andrógino, ele, por si só, reúne os opostos feminino e

masculino.

Esclarece Eliade (1962/1999) que há uma significativa diferença entre andrógino e

hermafrodita, referindo-se o primeiro ao mito do andrógino presente no Banquete de Platão e, o

segundo, ao mito de Hermafrodite ou Hermafrodito, junção dos nomes de seus pais, Hermes e

Afrodite. Hermafrodite ou Hermafrodito era possuidor da máxima beleza, tendo, Salmákis, uma

ninfa, sentindo-se fortemente atraída por ele, quando o viu banhando-se nas águas de um lago e, a

ninfa, descontroladamente apaixonada e rejeitada por seu amado, atirou-se no lago e agarrou-se a

ele, pedindo aos deuses que nunca ninguém os separasse. Com a realização do pedido de Salmákis,

ambos se uniram em um só corpo, com os dois sexos biológicos. Assim, originou-se o termo

hermafrodito. Todavia, Hermafrodite ou Hermafrodito, mediante esta junção com o feminino,

desesperou-se e, mergulhado em seu desespero e não podendo reverter sua atual condição, pediu

aos deuses que todas as pessoas que se banhassem naquele lago, terminassem como ele.

270
Hermafrodito representou, então, o enfraquecimento do homem e o fortalecimento da mulher

(Gonçalves, 2014).

Assim como todos os mitos, o de Hermafrodite ou Hermafrodito, possui algumas versões

e, de acordo com Ribeiro (2010), pode-se encontrar uma delas, talvez a mais conhecida, na versão

de Ovídio70:

Um menino filho de Mercúrio e da deusa Citereia foi criado pelas náiades nas grutas do

Ida; seus traços fisionômicos permitiam reconhecer quem era o pai e quem era a mãe;

também o seu nome foi tirado de ambos. Quando completou três lustros, abandonou as

montanhas pátrias, e saindo de onde se criara, alegrou-se em viajar por lugares

desconhecidos, ver rios desconhecidos, e a curiosidade aliviava o cansaço. Visitou também

as cidades lícias e os caios, vizinhos da Lícia. Ali viu um lago cuja água é transparente até

o fundo. Não crescem ali nem cálamos palustres, nem ervas daninhas, nem juncos de ponta

afiada (...). Uma ninfa mora ali, mas não se dedica à caça (...). Muitas vezes, colhe flores.

Estava colhendo-as, por acaso, quando viu o adolescente, e, vendo-o, desejou conquistá-

lo. (...). Agarra o jovem que resiste, rouba-lhe beijos enquanto luta, abraça-o, acaricia-lhe

o peito contra a sua vontade, e ele se vê envolvido, ora de um lado, ora de outro. (...) Resiste

o descendente de Atlas e nega à ninfa o prazer que ela espera. Ela o retém com mais força,

e com todo o corpo unido ao dele, pareciam pregados um ao outro. Podes lutar, perverso,

mas não fugirás, disse. Ordenai, ó deuses, que jamais ele possa se separar de mim ou eu

dele! Os deuses ouviram sua súplica. Eis que os corpos dos dois foram juntados

intimamente e se tornam um só corpo. (...) Depois que os membros dos dois se uniram e

num forte amplexo, já não são dois, mas têm uma dupla forma, não se pode dizer que seja

70
Para aprofundamento, ler: Ovídio. (1983). As Metamorfoses (D. G. Jardim Júnior, trad.). Rio de Janeiro: Tecnoprint.

271
uma mulher ou um adolescente, o aspecto não é nem de um nem de outro, e é, ao mesmo

tempo, de um e outro. (Ovídio, 1983, apud Ribeiro, 2010, p. 100).

Aponta Eliade (1962/1999) que, na Grécia, o hermafroditismo era totalmente abominado,

temido, maldito, de modo que as crianças que nasciam apresentando em seus corpos quaisquer

sinais anatômicos-fisiológicos de hermafroditismo, eram, por seus pais, sacrificadas, uma vez o

hermafroditismo e sua evidencia em crianças ao nascerem com estas características, representavam

presságios de mau agouro, precisando ser eliminados a fim de que as predições não se

concretizassem, pois os hermafroditas eram vistos e concebidos como monstros. Todavia, o

androginismo ritualístico, presente na psique, na busca da complementariedade dos opostos ou da

totalidade, era aceito na Grécia.

Jung (1959/2014a), traz o andrógino presente em sua teoria ao falar sobre a voz feminina

que habita seus pensamentos (Jung, 1961/2015a, Gonçalves, 2014), formulando, mais adiante, o

conceito anima e animus, como funções psíquicas e arquetípicas complementares ao homem e a

mulher:

Sentia-me extremamente interessado pelo fato de que uma mulher, que provinha de meu

íntimo, se imiscuísse em meus pensamentos. Refleti que provavelmente se tratava da

“alma”, no sentido primitivo do termo e perguntei a mim mesmo por que a alma foi

designada com o nome de anima. Por que é representada como sendo feminina?

Compreendi mais tarde que esta figuração feminina em mim correspondia a uma

personificação típica ou arquetípica no inconsciente do homem, designei-a pelo termo de

anima. À figura correspondente, no inconsciente da mulher, chamei animus. (Jung,

1961/2015a, p. 191).

272
O andrógino foi no contexto histórico apresentado por Eliade (1962/1999), de acordo com

Gonçalves (2014), como sendo concebido como a busca pela totalidade e pela perfeição. Todavia,

com o passar dos anos e com o desenvolvimento da história, o sentido da totalidade sofreu

desconstruções e construções no quesito sexo e gênero e ainda segue sob diversos questionamentos

e estudos na busca de se vir a alcançar uma compreensão mais profunda acerca da androginia e de

suas mais diversas possibilidades de manifestações e significados, conforme considera Gonçalves,

2014.

Observa Franco (2022b, p. 131) que:

Comparando as imagens do Hermafrodito e dos andróginos, compreendemos a perspectiva

da psique andrógina, já que Jung fala que a meta da psique é a união das polaridades, e que

tal processo está na base do nascimento da consciência, que retorna ao seu estado de

totalidade e integração originais. O movimento do mito é de estado integrado original,

separação e desejo de re-união. Nesse sentido, é um movimento de ciclos e retornos entre

separação e totalidade.

Pelos apontamentos acima, pode-se observar que, na atualidade, faz-se mais sentido se falar

em pessoas andróginas do que hermafroditas, pois a androginia diz respeito a uma condição

psíquica de pessoas que se mostram sem barreiras emocionais de gênero e sexo, ao passo que ao

se referir às pessoas hermafroditas, trata-se da condição de aspectos anatômicos-fisiológicos

sexuais de seus corpos. Além do que, para Jung, conforme Franco (2022b), a consciência busca

por alcançar uma psique andrógina, permitindo-nos, assim, a vivência de diferentes formas de

gênero e de manifestações de sexualidade.

273
Figura 40

Ninguém nunca vai se sentir atraído por você

Nota. Fonte: Acervo pertencente e disponibilizado pelo participante da pesquisa E2

“A figura deformada em madeira eu quis fazer porque eu sempre tive problemas de

autoestima corporal. A frase "ninguém nunca vai se sentir atraído por você" que me foi dita quando

eu fui molestado me acompanha até hoje”. (E2).

A imagem representada no desenho de E2 nomeado por “Ninguém nunca vai se sentir

atraído por você”, remete a carta de tarô intitulada o “Enforcado”, representando uma pessoa

pendurada pela perna esquerda, em uma espécie de forca de madeira. Nesta carta, a pessoa possui

uma imagem entristecida e ao mesmo tempo enfadada e seus braços mostram-se para trás, sem

oferecer resistência contra sua condição, resignada como se de alguma forma fosse merecedora do

274
castigo a que fora condenada. Observando-se a imagem do “Enforcado” pode-se inferir ainda em

um sacrífico em prol de algo que se deseja alcançar ou, se olharmos esta figura sob o viés do

cristianismo, a necessidade de o corpo purgar para se absorver dos pecados, haja visto do que

mostra o filme “O Código Da Vince”. De acordo com Chevalier e Gheerbrant (2018) a carta do

“Enforcado” traz dois aspectos: a força interior e espiritualizada e a força exterior.

A imagem representada pelo desenho de E2 concebe uma pessoa com o corpo nu,

deformado, com suas extremidades (mãos e pés) e ainda outras pastes do corpo, em forma de raízes

que se adentram e se misturam com o tronco ao qual se está preso, sendo torturado e colocado em

estado sofrimento. A pessoa traz um olhar triste e abatido e um corpo magro, mostrando os ossos

por entre a pele, sobretudo, despontando um afundamento na região do estômago, ventre e baixo

ventre, como se há muito não se alimentasse e estivesse naquele lugar de dor, fome e sofrimento,

tanto que seu corpo criou raízes e se misturou com o seu objetivo de tortura, confundindo-se com

ele.

As raízes que saem das mãos da figura apontam para cima da cabeça, em direção ao céu e

as raízes que saem dos pés, lançam-se em direção ao solo, de modo que se pode aproximar esta

representação com a de uma árvore. Para Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 88), a árvore possui

diversos significados, dentre eles, quando associada ao humano “pressupõe que a fonte da vida se

encontre concentrada nesse vegetal; portanto, que a modalidade humana ali se encontre no estado

virtual, sob forma de germes e de sêmens”. Observam ainda Chevalier e Gheerbrant (2018, p. 90)

que quando se refere a cruz, a árvore simboliza “um instrumento de suplício e de redenção, que

reúne em uma única imagem os dois significados extremos [...] pela morte para a vida [...], pela

cruz para a luz”.

275
O tronco de madeira no qual a pessoa está presa, na perspectiva de Chevalier e Gheerbrant

(2018) representa construção, sabedoria. Assemelha-se ainda com a cruz, mostrando sacrifício e

necessidade de regeneração dos pecados.

É possível que, ao fazermos uma aproximação sob a ótica da psicologia junguiana, entre

E2 e os elementos e suas representações simbólicas contidas em seu desenho, que E2 sinta-se como

que preso a esta árvore, tendo sido condenado a sofrer pela eternidade, como que se sofrendo

pudesse se absolver de seus pecados, talvez, dentro de uma cultura permeada pelo cristianismo

que está ao seu redor, que o julga e o culpa por ser homossexual.

c.1) Caracterização do participante entrevistado E3

E3 é do gênero masculino, é homossexual, tem 31 anos de idade, reside em São Paulo,

capital e mora sozinho, mas com planos de morar em breve com seu namorado. Possui ensino

superior incompleto, cursando psicologia. Relata ter se percebido homossexual, com desejo sexual

direcionado para o mesmo sexo, em torno dos 14, 15 anos de idade e foi pavoroso, pois, sentiu

muito medo, já sabendo o que acontecia com os homossexuais em termos de homofobia e mesmo

por parte da religião, o que lhe preocupou bastante, pois era testemunha de Jeová e sabia que seria

condenado, que segundo a religião, iria queimar no inferno etc. Aos seus 26 anos mais ou menos,

sua irmã descobriu sobre sua homossexualidade em uma conversa que pegou em seu celular e

contou para sua mãe, a qual não o tratou mal, mas levou em torno de 2 anos para aceitar.

Relata que o pai parece ter aceito que E3 era homossexual, mas com muita frequência fazia

à E3 comentários sobre mulheres que passavam na rua. A irmã demorou um pouco para aceitar,

ela era 1 ano mais nova que ele. E, seu irmão 4 anos mais velho, ficou 2 meses sem falar com ele.

276
Conta, E3, que todos os seus amigos sabem de sua orientação sexual e que em seus

trabalhos nunca omitiu esta informação, embora não tenha o hábito de divulgar que é homossexual,

mas não nega ao ser questionado ou quando precisa falar, por algum motivo, que é homossexual,

mas, apesar disto, relata que sente que se esconde muito e que muitas vezes se questiona sobre a

questão do orgulho que tanto falam, do que é que ele ser orgulha em ser homossexual? De ter a

sua vida em risco o tempo todo? De ser rejeitado pelas pessoas? De sofrer homofobia? De não ser

aceito?

c.2) Homofobia Sofrida por E3

E3 comenta que na época da escola, não conseguia conviver com a possibilidade de ser

homossexual e chegou até a jogar futebol em um time que os colegas fizeram de heterossexuais

contra homossexuais. Relata que, a princípio, jogava do lado dos heterossexuais, mas depois notou

que pertencia de fato ao outro time, ao time dos homossexuais, e se aproximou, então, daquelas

pessoas, tornando-se amigo delas, pessoas que antes ele também não conseguia aceitar por medo

de ser como elas.

Na época da escola, E3 sofreu bastante, pois seus amigos faziam piadas com homossexuais

e ele tinha medo do que poderiam fazer com ele, ficando sem saber se deveria se assumir ou se

esconder. Relata que quando por vezes tentou se interessar por meninas, já que não lhe era

permitido gostar de meninos, especialmente por uma questão religiosa, mas não conseguiu e foi,

deste modo, parando de frequentar a religião, afastando-se dela para não ser discriminado.

E, quando decidiu se assumir, diz que se sentiu como se o E3 tivesse morrido para que

outro pudesse nascer e foi o que aconteceu, pois todos os seus amigos se afastaram. E3 descreve

277
que sofre homofobia constantemente, quando está com seu namorado nas ruas, e olham torto para

eles, quando fazem piadas, quando não é aceito pelos familiares, pelos amigos, pela religião, no

trabalho.

Relata que teve um namorado que em certa ocasião de eles terem ido a um jogo de futebol,

tirou uma foto dos dois se beijando e, apesar de sua solicitação para que o namorado não fizesse,

o namorado postou a foto nas mídias sociais e a partir daí começou o pesadelo de sua vida, de uma

ferida que nunca mais cicatrizou. Várias pessoas viram a foto e comentaram coisas como “nossa

eu conheço esse viado, se eu ver ele na rua eu vou matar ele, eu vou bater nele”. E muitas outras

pessoas viram a foto e mandaram mensagem perguntando o que estava acontecendo.

Nesta ocasião, conta E3, que ele entrou em desespero e ficava imaginando como iria olhar

para uma pessoa que ele conhecia e que dizia que iria matá-lo. Passou a ter medo de sair de casa e

foi, com seu pai, a delegacia para fazer boletim de ocorrência. O boletim foi feito, mas o delegado

o aconselhou a deixar para lá, até que as pessoas parassem de falar. Como consequência do medo,

parou de frequentar o clube que sempre frequentara desde pequeno, parou de sair de casa, excluiu

as redes sociais, deixou a barba e o cabelo crescerem para esconder o rosto.

Considera E3 que este foi um período bastante traumático, no qual sentia-se ameaçado e

amedrontado o tempo todo, sentindo que precisava se defender das pessoas e que elas lhe fariam

mal. Isto durou por volta de 3 anos até acabarem os comentários nas mídias.

E3 comenta que recebeu todo o apoio de sua família e foi isto que o ajudou, pois diferente

de seu primo homossexual que foi colocado na rua pelos pais, ele foi aceito e teve forças para com

o passar dos anos conseguir sair desta situação e voltar as ruas e a conseguir conviver com as

pessoas.

278
Para E3 é muito difícil e sofrido ser homossexual e não poder manifestar afeto livremente

por seu namorado, pois, se o fizer, muito provavelmente sofrerá punição social por isso. Assim,

sente-se limitado e restringindo circunstancialmente o tempo todo, mesmo no trabalho, com os

olhares das pessoas.

E3 pontua sobre a questão da política e dos impactos que um dirigente político religioso

pode ter na vida dos homossexuais, uma vez que influencia a massa que o segue. E, por fim,

acredita que o caminho para se acabar com a homofobia é por meio da educação e da

conscientização das pessoas sobre o que é ser homossexual, para que sabendo, elas possam

respeitar ao invés de querer matar estas pessoas.

d.1) Caracterização da participante entrevistada E4

E4 é do gênero feminino, lésbica, tem 36 anos de idade, é psicóloga, mora sozinha em São

Paulo e possui pós-graduação incompleta. Percebeu-se lésbica aos 19 anos de idade e viveu um

grande conflito, relata, pois, para ela “ser homossexual71 não era uma possibilidade” (E4, 2022).

Considera ter sido muito complicado para ela mesma se aceitar. Iniciou um relacionamento com

uma moça e sua mãe logo percebeu e passou a pegar em seu pé, conta. Este período durou um ano.

E4 conta que demorou mais de 1 ano para contar para os amigos e na faculdade, por medo de não

ser aceita. Hoje todos os seus amigos sabem.

71
Algumas mulheres se intitulam lésbicas e/ou homossexual. Foi mantida nesta pesquisa a maneira como a
participante se referia a si mesma.

279
d.2) Lesbofobia Sofrida por E4

De acordo com E4 a pior lesbofobia que já sofreu foi dentro de sua própria família, a iniciar

por sua mãe que desde o momento em que percebeu que E4 era lésbica, passou a não quer deixá-

la sair, a não permitir que a namorada dormisse em sua casa e a tentar controlá-la de todas as

maneiras.

E, um dia em que a namorada foi para passar um final de semana com ela na praia, relata

que tudo saiu do controle e virou um grande problema na família. Começou por seu avô materno,

um terrorista como ela diz, falar que “elas duas” estavam parecendo um casal de uma determinada

novela que tinha duas moças lésbicas que namoravam.

Na sequência sua tia veio falar com ela, apoiando-a e, em seguida sua prima fez o mesmo.

Seu pai somente se colocou um ano depois, em uma ocasião em que sua mãe, no dia dos

namorados, viu um presente sobre sua cama e ficou transtornada e, depois seu pai a chamou para

conversar e disse para que ela usasse a sua liberdade com parcimônia.

Nesta ocasião, E4 saiu de casa e namorou por 5 anos, só vindo sua mãe a se aproximar

quando do término do namoro, em que E4 estava destruída, então, sua mãe encontrou a solução

para sua homossexualidade, relata E4, fazer uma viagem para Europa. A viagem aconteceu, E4

voltou e 4 anos depois, tendo reatado o relacionamento com ex-namorada e ambas decidido

morarem juntas, sem outra solução, a mãe “aceitou” e se aproximou de ambas.

Comenta E4 que o maior sofrimento que teve foi o sentimento de solidão, de não ter

ninguém com quem contar mediante ao comportamento da família para com ela. E, neste cenário,

seus amigos foram as pessoas que mais lhe deram suporte. Sua avó tinha um filho homossexual e

este seu tio, embora nunca tenha lhe falado nada diretamente, ela sabia que ele possivelmente

280
intervinha a favor dela para a família não a atormentar por fato de ela ser lésbica e namorar

mulheres ao invés de homens.

E4 observa que seus pacientes, especialmente os jovens, se referem de forma bastante

preconceituosa especialmente às lésbicas, mas assegura que isto não a incomoda, uma vez que se

trata de um sentimento deles e não está sendo direcionado a ela naquele contexto, deste modo, não

tendo por que se incomodar com estas falas.

Nas ruas, com sua namorada, E4 relata que apesar de gostar de andar de mãos dadas e não

se importar em ter manifestações de afeto em público, sempre que percebe alguém se aproximando

ou um ambiente hostil, solta a mão de sua namora e se prepara para o que pode vir a acontecer se

forem agredidas por pessoas homofóbicas72.

Acredita E4 que a desigualdade social é sobre o que se precisa falar antes de tudo, para que

quando as pessoas se sentirem iguais e tiverem direitos iguais de vida, então possa se falar sobre

homofobia para elas, para que conscientes, entendam o que é ser homossexual e o respeito que se

faz necessário à todas as pessoas, pois, antes de elas mesmas serem respeitadas enquanto seres

humanos que são, dificilmente conseguirão respeitar as outras pessoas, considera.

e.1) Caracterização do participante entrevistado E5

E5 é do gênero masculino, homossexual, tem doutorado incompleto, é professor

universitário. Atualmente reside com suas tias em Curitiba, onde nasceu. Relata que se percebeu

homossexual por volta dos 15, 16 anos, mas como vinha de família bastante tradicional, ser

72
Ao se referirem a violência contra mulheres lésbicas, algumas mulheres utilizam-se do termo lesbofobia e/ou
homofobia. E, ao falarem sobre as atitudes discriminatórias, referem-se como lesbofóbicas e/ou homofóbicas. Nesta
pesquisa foi mantida a forma como a participante se referiu.

281
homossexual não era uma possibilidade para ele, mas quando conseguiu se perceber e assumir seu

desejo por pessoas do mesmo sexo, decidiu viver sua vida, apesar do sentimento de medo que tinha

de ser rejeitado, inclusive pelos amigos.

Relata ter sido um período muito difícil e contraditório internamente, em termos de

sentimentos, pois, ao mesmo tempo em que sentia bem ao estar com a pessoa que estava se

relacionando, havia algo desconfortável dentro de si que o fazia se questionar, se culpar e se sentir

errado e pecador, pensava como se seria se sua família o rejeitasse e o colocasse para fora de casa,

ao mesmo tempo em que sabia que não estava fazendo mal para ninguém.

E5 relata que levou muito tempo para se aceitar e que para reduzir a gravidade do problema,

“do crime”, pensava que ele poderia ser bissexual, mas não era. Sabia que se fosse conversar na

igreja, seria expulso, falar na família também não lhe era uma opção, com os amigos, ele tinha

medo de ser excluído, era uma época de pouca informação disponível na internet, então, sentiu-se

de fato sozinho, sem poder contar com ninguém.

Relata E5 nunca ter conversado com o pai sobre sua orientação sexual, mas que talvez ele

soubesse, entretanto, embora desejasse, já não poderia mais falar sobre isto, reflete, porque seu pai

já faleceu. Sua mãe parece tê-lo aceito bem, quando soube que seu amigo na verdade era seu

namorado. Suas irmãs não criaram problema, diz, mas seu irmão ficou anos sem falar com ele e

quando, de certa forma, retomaram o convívio, nunca se falou sobre noivo/a, namorado/a, nada.

Observa que por muito tempo sofreu com isto, mas depois cansou de sofrer e decidiu parar de

chorar, de ficar deprimido, pois não estava aguentando mais.

E5 comenta que tinha duas grandes amigas, e uma delas ainda segue com a amizade até os

dias de hoje, mas a outra acabaram se afastado, e era na casa delas que E5 podia ser quem ele era,

pois, a família, especialmente de uma de suas amigas, permitia que ele brincasse com elas, de

282
boneca, do que quisesse, e inclusive orientava-as para não contarem aos pais de E5, a fim de que

não dessem bronca nele. E assim E5 foi vivendo sua infância e adolescência. Declara não se sentir

à vontade para ter manifestações de afeto em público, pois teme ser vítima de agressões e violência

porque é isso o que acontece quando as pessoas veem cenas de afeto entre pessoas do mesmo sexo.

e.2) Homofobia Sofrida por E5

E5 conta que sofreu homofobia na infância e adolescência. Era uma criança bastante

ingênua e foi muito xingado e ofendido pelos colegas, mesmo sem entender do que estavam

falando quando diziam para ele “você gosta de meninos, não é não?”. Em uma ocasião lembra-se

de ter chegado em casa e falado para família que o estavam xingando e lhe disseram que isto

acontecia porque ele era “deste jeito”, brincava de bonecas etc., e neste momento E5 entendeu que

não tinha de fato com quem contar.

No colégio E5 tentou pedir ajuda da coordenação, mas foi em vão, o professor o via sendo

vítima de bullying e não intervinha. Seus coleguinhas eram criança como ele e não adiantaria pedir

ajuda, então percebeu que não havia outra solução, ou buscava se enquadrar nos padrões ou

colocava fim a sua vida.

Optou pela primeira opção e passou muitos anos assim, tentando ser o que não era, tendo

muitos pensamentos suicidas lhe invadindo, mas nunca teve coragem de executá-los. Passou anos

sem conseguir se aceitar e tentando ser o que não era, mas quando sentiu que aquilo não estava

fazendo bem a ele, resolveu mudar.

Considera E5 que quando entrou na faculdade permanecia armado o tempo todo, para que

não fosse agredido, não procurava fazer amizades para não passar por isso novamente, mas aos

283
poucos foi vendo que isto não acontecia com ele na faculdade, e foi se permitindo se aproximar de

algumas pessoas. Via algumas risadinhas, comenta, mas não as considerava como algo relevante.

Hoje, como professor, não permite este tipo de comportamento para consigo e nem com os outros

a sua volta.

Ao longo de sua vida foi desenvolvendo o que chama de hipervigilância, uma necessidade

automática de estar vigilante o tempo todo para que não lhe acontecesse nada. Precisou se despir

de conceitos cristãos que o aprisionavam e o impediam de viver sua sexualidade de forma livre e

sem culpa, e conseguiu, mas até hoje tem necessidade de medicações para dormir e para conseguir

conviver com a ansiedade e a depressão que vieram dos sofrimentos pelos quais passou, observa.

E5 acredita que acabar com a homofobia não seja fácil, pois, trata-se de uma luta e de um

caminho árduo. Uma das formas de se acabar com a homofobia é através da informação, assegura

E5, mas acredita que é a informação que vem do debate, do questionamento, da troca de ideias,

que é o caminho, pois é necessário que haja conscientização das pessoas, que elas saibam

questionar e não simplesmente aceitar as coisas que ouvem.

f.1) Caracterização do participante entrevistado E6

E6 é do gênero masculino, homossexual, tem 54 anos de idade, possui doutorado e é

professor universitário. Solteiro, mora sozinho. Nasceu e mora em São Paulo, capital. Percebeu-

se homossexual por volta dos 8 anos de idade e sabia que era algo que tinha que tentar esconder,

que tinha que disfarçar, mesmo porque via os colegas na escola sofrendo bullying e não queria

passar por isso também.

284
Comenta E6 que na adolescência, quando começou a frequentar a igreja católica, sofria,

pois, para a igreja, a homossexualidade era (e ainda é) um pecado que deveria ser condenado. E6

relata que por volta dos 15, 16 anos, tinha alguns colegas com quem falavam sobre suas

sexualidades, mas era algo que deveria ser guardado em segredo por todos eles e mantinham as

suas promessas para que ninguém soubesse e para que não ficassem expostos aos outros.

E6 chegou a namorar por algo em torno de 1 mês com uma menina, e se relacionou

sexualmente com mulheres, na tentativa de ser pelo menos bissexual e atenuar assim sua angústia,

mas, por fim, seu objeto de desejo eram (e são) as pessoas do mesmo sexo, considera. Nunca

conversou com seus pais sobre sua orientação sexual, mas acredita que talvez eles imaginem algo,

embora não falem sobre o assunto com ele e, como a família toda mora em outro Estado e se veem

pouco, não sente necessidade de dialogar sobre este assunto com nenhum deles, pois acredita que

seria uma conversa difícil, todavia, se fosse necessária, ele teria este diálogo, esclarecesse.

Não se sente à vontade para ter manifestações de afeto em público, pois se sente

incomodado com a exposição para si e para o outro e acredita que somente faria sentido se ambos

estivessem em um relacionamento sério e vissem motivos para se fazer isto. Atualmente não está

namorando e diz não sofrer com isto, mas também não gostaria de passar o resto da vida sozinho.

f.2) Homofobia Sofrida por E6

E6 relata já ter sido vítima de homofobia e narra um episódio que viveu em sua docência,

em sala de aula, com alunos, o que lhe incomodou demais por temer ser exposto, perder o controle

e o respeito da sala de aula e virar alvo de piada entre os alunos.

285
Nesta época E6 deveria ter entre 28 e 30 anos de idade, considera, e por ter uma voz que

não era (e ainda não é) grossa, talvez alguns alunos possam ter percebido que ele era homossexual

e ouviu risadinhas no fundo da sala. Conta que parou a aula, olhou para os alunos e disse: “se você

tem alguma coisa pra falar sobre isso, você vem falar comigo, porque eu não vou admitir

desrespeito”. Relata que isto deve ter acontecido 3 ou 4 vezes em sua trajetória como professor,

mas pontuou na hora e acabou com o desrespeito, pois se não o tivesse feito no mesmo instante

em que aconteceu, acredita que teria perdido o controle e o respeito como professor.

Conta que isto lhe causou sofrimento, pois se sentiu discriminado e viu-se tentando ser

diminuído como pessoa, como ser humano, o que não era justo, pois ele era uma pessoa boa e,

como professor, era um bom profissional. Então reagiu e não permitiu que lhe fizessem isso.

Lembra-se de, no período da graduação, de ter ouvido muitas falas de colegas que moravam

com ele em república, sobre fulano ou beltrano ser homossexual e sempre pensava se eles estavam

percebendo que ele também era, e sentia receio disso, tentando sempre ser o mais contido possível

e não dar qualquer demonstração sobre sua orientação sexual, a fim de não ser vítima de

homofobia. E6 conta ainda que chegou a procurar fonoaudióloga para ver se voz conseguia

engrossar e ficar mais firme, embora sem ter contado a ela o motivo real de sua busca.

E6 vê na educação um caminho de acabar com a homofobia, pois as pessoas entendem que

é normal discriminar homossexuais e é anormal ser homossexual, o que não é verdade, então, é

preciso educar, falar sobre o assunto, dialogar sobre o que a homossexualidade, questionar e não

aceitar o que vem pronto das outras pessoas. É importante ter programas que cuidem disto, pois,

assim como o racismo, observa E6, a homofobia é estrutural e muito perigosa, pois pode inclusive

matar pessoas, o que é muito grave.

286
g.1) Caracterização do participante entrevistado E7

E7 é do gênero masculino, homossexual, tem 23 anos de idade e mora com seu pai. É

estudante de medicina e reside em São Paulo, capital e no momento não se encontra namorando.

Percebeu-se homossexual desde muito cedo, mas tentou evitar falar sobre isso em sua casa, pois

notava preconceito por parte de sua mãe. Todavia, quando começou a namorar, conta que sua mãe

o colocou “contra a parede” e, sem outra opção, ele decidir contar que era homossexual.

Como ela não aceitou, foram vários meses de conflito e E7 pegou suas coisas e foi morar

com o pai. Contou a ele o que tinha acontecido entre ele a mãe e que era homossexual, e o pai lhe

disse que não era exatamente confortável para ele esta situação, mas também não interferiu em sua

vida e não o destratou ou mesmo o discriminou.

Com o restante da família não houve grandes conflitos, relata E7. Comenta que todos os

amigos sabem de sua orientação sexual e não se incomodam e que se não dá para falar abertamente,

então não dá para ser amigo.

g.2) Homofobia Sofrida por E7

E7 relata que sofreu homofobia em casa, por sua mãe, e isto lhe fez sofrer bastante,

inclusive afastando-se dela. Observa que ela sempre demonstrou discriminação por homossexuais

e ele sabia que todo aquele amor que ela dizia sentir por ele, era condicional e, quando ele se

assumisse para ela, muitas coisas seriam contestadas e este amor não seria assim tão forte a ponto

de aceitá-lo e foi o que aconteceu, conclui. Diz: “Questionei o que ela realmente amava... Se ela

amava a mim integralmente ou a ideia que ela tinha de mim?”. A medida em que os anos foram se

287
passando, sua mãe foi tentando se reaproximar e pareceu aceitá-lo, por fim, diz E7, entretanto

relata que não se sentiu mais à vontade para ir à casa de sua mãe e ficar lá, dormir, ter longas

conversas etc. Sente-se bastante aliviado que ela o tenha aceito, mas a discriminação que ele sofreu

no início os afastou bastante, considera.

Diz que não sabe se acredita que a homofobia possa acabar um dia, pois ela é bastante forte,

mas acredita que talvez a educação seja um caminho para isto ocorrer, implementação de práticas

e ações que possam levar a reflexão das pessoas e a conhecerem de fato sobre o que é ser

homossexual e a homossexualidade, e o que a homofobia faz com as pessoas.

Considera que a política com base religiosa é um grande problema no mundo, pois instiga

seus eleitores a intolerância e ao ódio contra aqueles a quem denigrem e odeiam, no caso, os

homossexuais. E que para minimamente possa se reduzir a homofobia, seria fundamental que os

políticos não se utilizassem de discurso religioso para atacar os homossexuais, como é o que ocorre

atualmente no Brasil, conclui.

h.1) Caracterização do participante entrevistado E8

E8 é do gênero masculino, homossexual, tem 25 anos de idade, possui ensino médio

completo, mora sozinho e namora. E8 tem 3 irmãos e 1 irmã, sendo que 1 dos irmãos faleceu sem

se falarem porque não o aceitava.

Relata que desde criança se percebeu homossexual e seus pais nunca o aceitaram. Sentiu-

se estranho quando se percebeu interessado por outros meninos e diz que se tivesse tido o apoio

da família ele seria uma pessoa totalmente diferente, pois sofreu muito com a discriminação, o

desprezo e os maus tratos.

288
Chegou a comentar sobre ter pensado em transexualidade, mas em seguida disse que já há

muito havia descartado essa possibilidade por não bancar enfrentar isso, pois assim, da forma como

é, homossexual, tem mais passabilidade e corre menos riscos de vida, de ser agredido, de ser

assassinado.

h.2) Homofobia Sofrida por E8

E8 relata que desde criança tinha traços e comportamentos diferentes que levaram seus pais

a agredi-lo fisicamente, dando-lhe várias surras, sendo eles as pessoas mais homofóbicas e que lhe

causaram o maior sofrimento de sua vida. Os pais passavam o tempo todo vigiando-o e cortavam-

lhe, literalmente, de tanto lhe bater.

Conta que uma vez sua mãe lhe deu um soco que o jogou longe e cortou sua boca e assim

eram as agressões constantes em sua vida. Ela sempre lhe dizia que ele estava falando fino, que

era afeminado e que tinha que mudar. Sua avó falava que ele poderia vir a ser homossexual e ela

e a mãe não se entendiam, de modo que a mãe queria provar ao contrário e por isso o punia. E,

para sobreviver, foi se moldando e se fechando, tornando-se uma pessoa quieta, introspectiva,

triste. Sua família era evangélica e, para os evangélicos, relata, a homossexualidade é um tabu, é

pecado e é inaceitável. Nunca foi uma pessoa de fazer amizades e por isso tem poucos amigos.

Relata E8 que um de seus irmãos o agredia muito verbalmente por ele ser homossexual,

falava palavras ofensivas, mandava áudios e mensagens e, antes de morrer, enviou uma mensagem

a ele, mas acreditando que fossem mais ofensas, não chegou a ouvir e deletou. Alguns dias depois

o irmão veio a falecer e isto lhe dói demais, pois não sabe o que tinha na mensagem. Pensa que é

melhor permanecer “na casquinha” para não sofrer mais violência ainda.

289
Acredita que a religião faz com que as pessoas vejam os homossexuais como pessoas

doentes e anormais e, que a política de base religiosa, e que se utiliza disso para discriminar as

pessoas, pode influenciar a massa de forma negativa, então, isso deveria ser proibido, considera.

Narra E8 que seus pais são evangélicos, ortodoxos, da igreja Assembleia de Deus e foram

fortemente influenciados para não o aceitar na condição de homossexual, valorizando mais seus

irmãos, e mesmo o irmão que faleceu em um assalto no qual estava envolvido, do que ele que é

uma pessoa trabalhadora e honesta, mas que é homossexual. Relata se sentir uma pessoa sem valor

e ter sido assim desde sua infância. Fala bastante que foi uma criança sem valor.

Teve uma cachorrinha que amava, conta E8 bastante sensibilizado, e quando veio para São

Paulo, seus pais mandaram que ele fosse buscá-la e como não ele tinha condição financeira de

cuidar dela, pois estava passando por grandes dificuldades, teve que doá-la.

Enfatiza E8 que sempre amou estudar e desde pequeno se apegava nisto como possibilidade

de fugir de sua realidade dura, mas seu pai chegava alcoolizado em casa e destrua sempre seu

material escolar, o que lhe causava enorme sofrimento. O pai não valorizava seus estudos e dizia

que não era preciso estudar e, embora a mãe escondesse seu material, o pai sempre tentava

encontrar e destruir. Disse se lembrar de uma vez que ele e a mãe esconderam seu material no

meio do mato, a noite choveu, molhou e destruiu tudo! Relata que vivia uma dualidade de um pai

agressivo e uma mãe que não se impunha, e ambos o agrediam verbalmente e fisicamente.

E8 sofreu abuso sexual por parte do tio, umas 5 vezes. Conta que o tio o ficava tocando em

suas partes íntimas e o proibia de contar, sob ameaça de em o fazendo, bater em sua mãe, e ele

sentia medo disto acontecer, pois, afinal, gostava da mãe, considera.

E8 diz que na época precisou esquecer para sobreviver, mas, recentemente, veio a doer.

Sempre foi um excelente aluno para tentar ser alguém na vida, mas não teve chance, pois logo,

290
não suportando mais a violência do lar, foi expulso de casa pelos pais por ser homossexual, e

recebeu ajuda de uma transexual famosa, para se estabelecer por um tempo na Casa 1.

Relata ser sofrido homofobia no trabalho, em uma loja em que era vendedor e seu chefe,

evangélico, o chamava de bicha ao invés de chamá-lo pelo nome. Pediu para ser transferido, foi

atendido e demitido em seguida. Decidiu fazer boletim de ocorrência, mas o sistema estava fora e

não fez. Depois desistiu, porque não queria prejudicar sua amiga que havia arrumado trabalho para

ele naquela loja e era funcionária também.

Acredita que seria importante ter uma política de que ser homossexual não é errado, para

assim poder haver redução da homofobia no mundo. Que as pessoas deveriam ser educadas desde

pequenas para se respeitarem.

Diz ter medo de agressão, de morte, de ter demonstrações públicas de afeto, conta que tem

pensamentos suicidas e depressão e que isto acontece como consequências das agressões e das

homofobias que sofreu ao longo de sua vida.

i.1) Caracterização da participante entrevistada E9

E9 é do gênero feminino e é uma mulher transexual lésbica, tem 28 anos e está cursando

faculdade de filosofia. Relata ter sido uma criança com características andróginas. Nasceu em

Torres-RS e reside em Porto Alegre, em uma casa de estudantes autogerida. Quando se descobriu

transexual e, à medida que foi se percebendo lésbica, contou para seus pais e, sobretudo de sua

mãe, recebeu apoio, especialmente quando ela abandonou a religião evangélica, relata E9. Tem

dois meios-irmãos que a aceitam bem, considera.

291
i.2) Translesbofobia Sofrida por E9

E9 conta que sofrera muita translesbofobia, que é o preconceito e a discriminação a

mulheres transexuais e lésbicas, sendo vítima de constantes agressões verbais desde os 8 anos de

idade, passando por diversos bullyings desde sua infância devido a forma como andava,

gesticulava, falava. Tentou se condicionar a ser diferente, a não andar de forma de forma que não

a deixasse em evidência, mas não conseguiu e isto a machucou bastante. À medida que o tempo

foi passando descobriu-se transexual, porém, relata, inicialmente agênero, mas isto se transformou

com o tempo e se descobriu lésbica.

Especialmente no início do seu processo de transição, sofreu muito preconceito e ainda

sofre, especialmente de homens que lhe ofendem demais e são violentos com ela por meio de

palavras. E9 conta que certa vez ouviu de um cara que ele iria esgarçá-la com o pênis dele; outro

que a estava cantando e lhe disse que ela era uma mulher e não precisava de outra e disse isso de

forma vulgar, observa; outro que estava olhando para ela e se masturbando na calçada; isto tudo

fora as agressões que recebe nas redes sociais.

Diz E9 sentir-se à vontade para ter manifestações afetivas em público, mas sente medo do

que pode vir a lhe acontecer e a quem está com ela, considerando a violência a que estão expostas

por serem transexuais e lésbicas. Sente-se vulnerável o tempo todo e acredita que uma das formas

de se acabar com translesbofobia é pela da educação e conscientização das pessoas, por meio de

um trabalho de bases e garantias legais, trabalhando-se, inclusive, para despatologização da

transexualidade.

292
j.1) Caracterização da participante entrevistada E10

E10 é do gênero feminino, lésbica, tem 38 anos de idade, possui ensino superior completo,

é psicóloga e mora em São Paulo, capital, com sua tia. Relata que se percebeu homossexual quando

estava cursando o ensino médio, em uma ocasião em estava assistindo a um filme chamado

“Beijando Jéssica Stein” e se percebeu identificada com as coisas que a atriz estava narrando que

sentia. Naquele momento percebeu que também era lésbica e pensou o que ela iria fazer agora.

Tinha uma amiga que já havia demostrado não aceitação a homossexuais, conta, mas foi

para ela que E10 ligou e foi aceita e recebida em sua declaração de ser lésbica. Pontua que a amiga

lhe disse que tinha um amigo gay e que talvez fosse melhor eles conversarem, pois ela não conhecia

muito do assunto e além de dizer que estava tudo bem, não poderia ajudá-la.

E10 aceitou a oferta e estabeleceu amizade com este rapaz, vindo a conversarem longas

vezes sobre a orientação sexual e dúvidas de E10. E aos poucos foi contando para as pessoas sobre

sua orientação sexual, sendo que, cada vez que contava, era como um evento, todos os amigos que

sabiam acompanhavam-na para lhe dar apoio.

Em casa, contou primeiro para mãe, a qual, segundo E10, fugia dos padrões orientais por

ter sido mãe solteira, então, não teve dificuldades em aceitá-la, pelo contrário, a apoiou, vindo a

contar para sua tia em seguida, a quem acredita que seria mais complicado de lidar, mas nunca

tiveram efetivamente problemas, nem tampouco conversaram sobre o assunto.

A tia hoje idosa recebe a namorada de E10 em sua casa e não faz comentários, parecendo

aceitá-la bem. Incialmente a avó também morava junto, mas veio a falecer e depois foi o tio e logo

depois sua mãe que veio a óbito, de modo que apenas E10 permaneceu morando com a tia.

293
j.2) Lesbofobia Sofrida por E10

E10 lembra-se de uma vez, na época da escola, uma colega lhe ter perguntado sobre o que

ela pensava a respeito da bissexualidade e ela ter respondido à colega que poderia ser interessante,

pois a pessoa teria mais opções de escolha e, a partir daí, todos os colegas souberam da resposta e

passaram a evitar tocá-la e serem tocados por ela. Conta que certa feita encostou em uma colega

na fila, na escola, e a menina saiu gritando “que nojo”.

Lembra-se de uma vez ter ouvido de uma amiga que não tinha problema o fato de ela ser

lésbica, desde que a respeitasse. Na hora em que isto aconteceu, E10 disse que respondeu tudo

bem, mas depois entendeu o que aquilo significava e se sentiu muito mal, pois o fato de ser lésbica

não significa que ficaria cantando sua amiga.

Considera ter sofrido muito especialmente por ser oriental e os orientais terem regras para

si e para sua comunidade e excluir todos os que fogem à essas regras. Na escola em que estudava,

com raras exceções, as crianças eram orientais e se desfaziam dela, assim como uma determinada

professora que E10 conta que admirava demais e sempre esperava ser vista e notada por ela, mas

isto nunca aconteceu, exceto um dia em que estava somente ela e a professora, uma passando pela

outra, e a professora perguntou se ela era “fulano ou fulano”, “homem ou mulher”. E isto a

machucou muito, pois claro que ela era uma menina e isto estava evidente. Depois, descobriu que

uma professora, certa vez, havia chamado sua mãe na escola para falar sobre E10 e sugerir que

algo fosse feito pela maneira como ela era, ao que a mãe respondeu que a filha iria ser o que ela

quisesse e não seria feito nada contra isso. E, depois, juntando os fatos, descobriu que se tratava

da mesma professora, o que a magoou ainda mais.

294
E10 conta que sentia o tempo todo como se houvesse algo errado com ela, pela maneira

que a tratavam e a discriminavam. Não era bem-vista por homens e nem por mulheres, por seu

jeito de ser e se sente o todo sendo vítima de uma violência silenciosa, na qual muitas vezes as

pessoas sequer verbalizam o que sentem, mas olham, riem, comentam entre si e fazem parecer

que não fizeram nada, que é algo da cabeça dela.

Relata ter medo de ser discriminada, sentir mal-estar entre as pessoas, especialmente

orientais e ter sentimento de tristeza e injustiça frente a lesbofobia velada a que frequentemente é

vítima em diversos lugares, sentir medo de se revelar lésbica na área da saúde e ser maltratada e

até mesmo medicada propositalmente errado.

Na área médica, E10 conta que evita falar que é lésbica, a fim de não sofrer nenhum tipo

de violência e já sofreu discriminação uma vez que precisou acompanhar sua namorada, dentista,

em consulta médica em uma unidade de HIV, por ter furado o dedo com uma agulha de anestesia.

A namorada foi medicada, mas os médicos não sabiam como orientá-las sobre cuidados sexuais

que deveriam tomar a partir deste ocorrido, caso a namorada tivesse sido contaminada por HIV,

pois, pareciam não saber como funciona relação sexual entre duas mulheres. Conta que a família

da namorada também é oriental e a namorada passa pelas mesmas dificuldades em sua casa e até

mais.

E10 considera que uma das formas de se acabar com a lesbofobia ou homofobia é por meio

da informação, pois, as pessoas necessitam dela para preencher esta lacuna que existe, dado que

desconhecem o que é ser homossexual ou o que é homossexualidade, as pessoas ouvem falar e

simplesmente concordam e repetem o preconceito e a discriminação. E10 afirma que quando se

sabe sobre algo, questiona-se o que se ouve e, neste sentido, a informação é fundamental.

295
k.1) Caracterização da participante entrevistada E11

E11 é do gênero feminino, lésbica, tem 66 anos de idade, possui ensino superior, é

consultora/ativista/militante pela segurança e equidade dos direitos humanos/civis, principalmente

das LBTs73. É solteira e reside com sua irmã e com o cunhado no Rio de Janeiro. Tem 4 filhos

adotados e muitos que fazem parte da comunidade e os considera assim, como filhos da

comunidade74.

Relata E11 ter se percebido lésbica desde pequena, pois admirava as mulheres e gostava de

ver sua mãe se arrumar, ficava durante muito tempo a observando e gostava muito de fazer isto.

Certa vez, E11 teve amizade com uma menina mais velha que ela, a qual descobriu que era lésbica

pela forma como sua mãe se referia a menina e pelas preocupações de convívio entre as duas e

isso só fez alimentar as informações que ela já tinha. E se percebeu muito parecida com a menina,

descobrindo lésbica também.

Relata que desde pequena não gostava dos vestidos que a mãe a irmã colocava nela, e nem

dos sapatos delicados, gostava de se sentir bem e confortável na roupa, adorava shorts e camiseta.

Aos 12 anos se apaixonou por uma amiga da escola e conta ter sido um escândalo para sua mãe e

sua irmã, mas com o passar dos anos, sem outra opção, foram aceitando ou pelo menos lidando

melhor com o fato de ela ser lésbica.

73
Lésbicas, bissexuais e transexuais.
74
Comunidade LGBTQIA+.

296
k.2) Lesbofobia Sofrida por E11

E11 alega se sentir à vontade para ter demonstrações públicas de afeto quando está

namorando e mesmo com os amigos, especialmente por ser uma figura pública e conhecida por

todos, mas já passou e viu muita situação de lesbofobia em sua vida.

Um dos preconceitos e discriminação sofrida por E11 foi em uma empresa na qual

trabalhou e queriam que ela se vestisse de determinada maneira que não a agradava, pois ela

andava de jeans e camiseta e se sentia bem desta forma. E11 explicou seus motivos e acabou sendo

demitida.

Uma das piores formas de violência que sofreu foi com o assassinato de um de seus filhos

da comunidade, por ele ser homossexual. Ele a estava vindo encontrar em um evento e lhe trazia

um presente. Foi assassinado perto de chegar e logo ela foi avisada do ocorrido.

Relata que vê muitos casos, especialmente de travestis, que acabam se matando por serem

expulsas de casa e não quererem se marginalizar. Então, sempre que tem oportunidade fala sobre

isto com os familiares e sobre a importância de acolherem seus filhos e filhas e busca sempre

apoiar as travestis em suas necessidades, como muitas vezes no simples fato de pegarem um táxi,

pois, são alvo comum de preconceito e discriminação.

l.1) Caracterização da participante entrevistada E12

E12 é do gênero feminino, lésbica, tem 42 anos, pós-graduação completa, é enfermeira e

militar. Mora com sua mãe, companheira e filho pequeno. Relata ter se percebido lésbica por volta

de 7 anos de idade, quando um menino passou a mão nela e ela esmagou a mão dele na parede.

297
Alega que naquele momento percebeu como não suportava ser tocada por meninos em seu corpo.

Conta que sua mãe queria que ela casasse e tivesse filhos, a avó cobrava-lhe um namorado.

l.2) Lesbofobia Sofrida por E12

Relata E12 que jogava bola com um grupo de meninas lésbicas e certa vez se interessou

por uma menina, conversaram e um tempo depois passaram a namorar. E o todo o problema se

intensificou a partir daí em sua família.

A avó, para provocá-la, observa E12, somente falava em pinto o tempo todo em que ela

estava presente e isto a incomodava até que uma vez pontuou isto na mesa, no dia das mães. Logo

após, sua namorada foi em sua casa e sua mãe a chamou e lhe perguntou se era sua namorada, ao

que ela respondeu que sim.

Todas as mulheres de sua família se mostraram indignadas, mas não os homens, eles agiram

diferente e pareceram não se incomodar com o fato de E12 ser lésbica, relata. Seu irmão pequeno

lidou bem ao saber sobre sua orientação sexual e lhe pediu para ela não ser menino, ao que ela o

confortou dizendo que não tinha esta intenção, mas, que se tivesse, contaria primeiramente para

ele.

Outra situação de lesbofobia pela qual E12 conta ter passado, foi aos 16 anos, quando

jogava bola com este grupo de amigas lésbicas. Os meninos ficavam assistindo ao jogo e certa vez

um deles a convidou para tomar cerveja e quando, na conversa, ela disse que namorava uma mulher

e a namorada dela estava lá, ele fez comentários demonstrando surpresa, que ela e a namorada

eram bonitas etc. Ela conversou na ocasião com o rapaz, tentando mostrar-lhe que não havia

298
problema e tampouco algo de errado em uma mulher namorar outra e que esta fosse uma mulher

bonita.

Em outra circunstância, seu irmão sofreu bullying tendo os amigos dito que a irmã dele, no

caso ela, era sapatão. Defensora do irmão, E12, foi até os meninos para conversar, mas o que tinha

lhe xingado veio para lhe dar um soco e ela o derrubou primeiro. Os bullyings cessaram após esse

episódio.

E12 expõe ter se sentido muito perdida sobre a questão religiosa, de estar cometendo

pecado por ser lésbica e foi buscar resposta nas religiões, conversando com padres de igrejas

católicas e com seu tio, Pai de Santo no terreiro em que ela frequentava. Um dos padres a acolheu,

mas com o outro a conversa não foi muito promissora. Seu tio lhe recebeu muito bem e disse que

isto não era um problema.

Afirma E12 não ter amigos, mas alguns colegas, pois seus supostos amigos, ao saberem

sobre sua orientação sexual, viraram-lhe as costas. E mesmo com as mulheres de sua família isto

aconteceu, todas lhe viraram as costas. Neste sentido, E12 relata um fato que lhe marcou ao cortar

o cabelo curto, sua tia lhe disse que ela estava parecendo homem com aquele corte. Isto a feriu

bastante, mas sempre tentou responder da melhor forma possível às ofensas recebidas.

E12 diz que sente medo da agressividade dos loucos, pois, eles são capazes de coisas

horríveis. Conta que uma das meninas, com 14 anos, que jogava bola com ela, quando a família

descobriu que ela era lésbica, a mãe foi para a igreja e o pai a estuprou já que ela lésbica, a fim de

que ela visse só o que ele faria então com ela.

Com outra colega aconteceu de ela responder para um motorista de um carro que a estava

provocando, que ela gostava de mulher, e o cara desceu do carro e a espancou e a teria violentado

e talvez a matado, diz E12, se as amigas não tivessem visto e corrido para ajudá-la.

299
Em seu trabalho também foi vítima de homofobia, pelas colegas que ficavam o tempo todo

falando sobre pinto e a incomodava, até que E12 se posicionou e isto acabou. Outro fato no

trabalho se deu com um determinado profissional, cargo acima do seu, que passava e tentava

encostar nela, até que E12 parou de se esquivar e ela se encostou nela. E12 se posicionou de forma

assertiva e após toda uma discussão a situação foi resolvida com a realocação desta pessoa para

outro setor, entretanto, foi pedido a E12 que não comentasse nada com ninguém.

Outro fato ainda com relação ao seu trabalho, onde, seu chefe falava mal o tempo todo de

um rapaz que trabalhava lá e era homossexual, também era racista e tinha intolerância à religião

de E12. Somente após E12 conversar com ele sobre isto, as ofensas cessaram.

E12 relata também já ter sofrido lesbofobia na área médica, em determinada vez que a

chamaram pelo nome de seu pai e ela pontuou, mas a profissional sugeriu se este não era seu nome

social. E, em outra ocasião, na área ginecológica, em que E12 sentiu-se constrangida pela

inabilidade médica em examiná-la, sendo ela homossexual, esclarece. Foi necessário E12 pontuar

para médica mais de uma vez que era lésbica e que determinados instrumentos a machucariam no

exame. A médica pareceu também constrangida e demonstrou não saber que poderia feri-la com

determinado tamanho de espéculo que pegou para examiná-la.

Relata sentir medo de ser agredida, de ter sua família agredida, de ter manifestações

afetivas em público, de ir em médicos que tenha que se revelar lésbica, de ser machucada em

exames médicos.

E12 acredita que a homofobia precisa ser combatida e um caminho para isto seria

necessário que houvesse leis e que elas fossem de fato cumpridas, pois não adianta existirem se

nada for feito e não se punir o preconceito e a discriminação, efetivamente.

300
Tabela 1

Caracterização dos Participantes da Pesquisa e suas Vivências com a Violência – Homofobia, Lesbofobia e Translesbofobia

Idade - Revelação -
Sentimentos a
descobriu-se Como orientação Onde sofreu
Partic. Gênero Idade Profissão Escolaridade Residente Motivo partir da
homossexual/ lidou sexual à violência
violência sofrida
lésbica família
Autoestima
abalada, medo de
Pós- Permitiu-se Marido, se expor e de
Professora Auto- Família,
E1 F 61 doutorado Salvador 28 viver sua filhos, irmã, agressão,
universitária aceitação trabalho
incompleto sexualidade mãe sintomas de
depressão e
ansiedade
Sentimento de
não-valor, medo
de não ser
Escola,
amado,
universidade,
transtorno de
Pós- colegas,
Professor Florianó- Conflitos Família Pai, mãe, ansiedade,
E2 M 36 doutorado 17 professores,
universitário polis internos cristã irmão necessidade de
incompleto clínica escola,
ser o melhor e
trabalho,
ser aceito, medo
polícia, rua
de
demonstrações
públicas afetivas
Necessidade de
esconder sua
orientação
Família sexual, medo de
Administra- Superior Medo, Pai, mãe, Família, ruas,
E3 M 31 São Paulo 14, 15 testemunha sair de casa, de
tivo incompleto pavor irmã, irmão redes sociais
de Jeová ser agredido, de
ter
demonstrações
públicas afetivas

301
Não percebe
Mãe, pai,
Pós- Conflito, alteração, mas
Família não avó, avô,
E4 F 36 Psicóloga graduação São Paulo 19 impossibi- Família sempre esteve
aceitaria tio, tia,
completa lidade sob alerta com
prima
agressões na rua
Hipervigilância;
medo de
demonstrações
afetivas públicas,
Culpa,
medo de
Professor Doutorado pecado, Família Pai, mãe, Família,
E5 M 40 Curitiba 15, 16 violência e
universitário incompleto impossibi- católica irmão, irmãs escola
agressão,
lidade
depressão,
ansiedade,
pensamentos
suicidas
Não percebe
alteração, mas
Professor Doutorado Família Nunca sempre teve
E6 M 54 São Paulo 15, 16 Conflito Trabalho
universitário completo católica contou medo de que o
percebessem
homossexual
Permitiu-se
Estudante de Superior Auto- Não percebe
E7 M 23 São Paulo Desde criança viver sua Mãe, pai Família
medicina incompleto aceitação alteração
sexualidade
Medo de
agressão, de
morte, de ter
Administra- Ensino médio Família Mãe, pai, Família, demonstrações
E8 M 25 São Paulo Desde criança Conflito
tivo completo evangélica irmã, irmãos trabalho afetivas públicas,
pensamentos
suicidas,
depressão

302
F
(identidade Vulnerabilidade,
de gênero: Estudante de Superior Porto Angústia, Preconceito Ruas, lugares medo de ser
E9 28 Desde criança Mãe, pai
mulher filosofia incompleto Alegre conflito social públicos agredida, de ser
transe- violentada
xual)

Medo de ser
discriminada,
mal-estar entre as
Preconceito Escola,
pessoas, tristeza,
Superior social e lugares
E10 M 38 Psicóloga São Paulo Ens. Médio Angústia Mãe, tia medo de se
completo racial. É públicos,
revelar lésbica e
oriental. saúde
de ser medicada
errado de
propósito
Consultora,
Permitiu-se Mãe, Trabalho, ruas
ativista, Superior Rio de Auto- Não percebe
E11 F 66 12 viver sua madrinha, (filho
militante completo Janeiro aceitação alteração
sexualidade irmã assassinado)
LBTs
Medo de
agressão para
consigo e com
Família, sua família, de
Pós- Preconceito Mãe, avó, trabalho, ter manifestações
Enfermeira
E12 F 42 graduação São Paulo 7 Conflito religioso, tias, tio, lugares afetivas públicas,
militar
completa pecado irmão públicos, rua, de médicos (de
saúde ser ferida em
exames) por
inabilidade
médica
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

303
6.2 Análise das Entrevistas

Para análise dos dados coletados das 12 entrevistas semiestruturadas, adotou-se a Análise

de Conteúdo (Bardin, 1977/2016), pautada em categorias que permitem a apreciação do conteúdo

coletado através da fala ou escrita de cada participante. Na figura abaixo pode-se observar a

estrutura e as fases que compõe o desenvolvimento da análise de Bardin (1977/2016).

Figura 41

Desenvolvimento de uma análise

Nota. Fonte: Adaptado de Análise de Dados. https://www.figueiredorodrigues.pt/analise-de-

dados/
304
A seguir serão discorridas brevemente as fases da entrevista de Bardin (1977/2016), sendo

que a análise completa da entrevista, em seu detalhamento, poderá ser encontrada no Apêndice

IV, permitindo a observação do passo a passo até se chegar nas categorias e suas respectivas

subcategorias a que esta análise permitiu se alcançar.

Bardin (1977/2016) orienta que para se iniciar a Análise de Conteúdo, organize-se três

polos cronológicos ou fases:

1) pré-análise;

2) exploração do material;

3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Fase 1 – Pré-Análise

Trata-se de organizar todos os dados que deverão compor o corpus da pesquisa,

subdividindo-se em cinco regras ou momentos

1) leitura flutuante: permite formular hipóteses durante a análise do material, refletindo

sobre possíveis teorias que possam ser utilizadas – importante esclarecer que sendo o instrumento

a entrevista, essa deve ser transcrita

2) escolha de documentos: trata-se da definição dos documentos que irão compor o

estudo, considerando-se 4 regras:

- 2.1) exaustividade (todos os documentos devem ser analisados),

- 2.2) representatividade (os documentos representam integralmente o tema do objeto de

pesquisa),

- 2.3) homogeneidade (importante que os documentos perfaçam o mesmo assunto),

305
- 2.4) pertinência (os documentos necessitam estar adequados ao objetivo do estudo),

conforme explicitado a seguir.

3) formulação das hipóteses e objetivos: permite ao pesquisador aventar hipóteses por

meio dos questionamentos manifestos durante a análise e verificar estão alinhadas aos objetivos a

que a pesquisa se propõe.

4) referenciação dos índices e a elaboração de indicadores: possibilita realizar a

elaboração e o levantamento de indicadores que mais se repetem nos documentos.

5) preparação do material: trata-se do preparo do material, momento em que antecede a

análise propriamente dita. É realizada a preparação formal do documento, organizando-se todo o

material a fim de se facilitar a manipulação deste para análise. (Bardin, 1977/2016; Julio et al.,

2017).

Fase 2 – Exploração do Material

Nesta fase, o corpus da pesquisa, entrevistas e testes, será estudado de forma aprofundada,

objetivando-se estabelecer as unidades de registro e de contexto. De acordo com Bardin

(1977/2016, p. 131), é a fase da “aplicação sistemática das decisões tomadas”.

Nesta fase, considerando que esta pesquisa é qualitativa, deverão ser compreendidas as

ações de codificação, face a três escolhas (Bardin, 1977/2016):

1- Recorte: escolhas das unidades: possibilitará um olhar detalhado do documento, sendo

que este se dividirá em unidade de registro (compreender o conjunto de palavras a que o documento

único) e unidade de contexto (conteúdo no qual estas palavras se apresentam).

306
2- Enumeração: escolha das regras de contagem: contagem das unidades de registro a partir

das enumerações: presença (ou ausência), frequência, frequência ponderada, intensidade, direção,

ordem, coocorrência.

3- Classificação e agregação: escolha das categorias: a classificação e agregação por meio

de reagrupamento de acordo com o gênero, por analogia.

Fase 3 – Tratamento dos Resultados, Inferência e Interpretação

De acordo com Bardin (1977/2016) esta fase permite que se condense ainda mais os dados

obtidos nas etapas anteriores, sendo possível reagrupá-los novamente, caso seja necessário,

possibilitando novas extensões da análise.

Após a realização de todas as etapas e regras, foi-se possível chegar as categorias temáticas

e suas subcategorias

a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto?

Subcategorias: família; amigos; política; religião.

b) Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto?

Subcategorias: medo; preconceito; discriminação; negação de si; sofrimento.

c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou?

Subcategorias: publicização da sexualidade e da violência; educação/informação.

Feitas estas inferências, seguiu-se com a análise dos dados, partindo-se para o teste

psicológico Inventário de Depressão de Beck – BDI-II e instrumento de avaliação de qualidade de

vida The World Health Organization Quality of Life – WHOQOL-bref.

307
6.3 Análise do Teste Psicológico Inventário de Depressão Beck – BDI-II

A primeira versão do Inventário de Depressão de Beck – BDI-II ou Escala de Depressão

de Beck, de acordo com Silva, Wendt e Argimon (2018) foi desenvolvido por Beck, Ward,

Mendelson, Moch e Erbaugh no ano de 1961 e foi adaptada por Clarice Gorenstein, Wang Yuan

Pang, Irani de Lima Argimon e Blanca Susana Guvara Werlang para população brasileira no ano

de 2011.

A segunda versão do Inventário de Depressão de Beck – BDI-II ou Escala de Depressão de

Beck, conforme Silva, Wendt e Argimon (2018), é de autoria de Aaron T. Beck, Robert A. Steer

e Gregory K. Brown e foi desenvolvida em 1966 e adaptada para população brasileira em 2011,

por Cunha e, em 2014, foi realizada sua 5ª reimpressão. Este inventário tem como editora a Casa

do Psicólogo e foi publicado em 2011.

Inventário de Depressão de Beck ou Escala de Depressão de Beck – BDI-II é um

instrumento de autoaplicação, circunspeto por 21 itens, utilizado para medir a severidade ou

intensidade da depressão.

O BDI-II é um teste composto por itens relacionados aos sintomas depressivos, podendo

ser respondido por pessoas a partir de 13 anos de idade. A aplicação pode ser realizada de forma

individual ou coletiva e leva por volta de 5 a 10 minutos para ser concluída.

O presente estudo utilizou-se deste teste, com objetivo de observar o grau de

depressão/sofrimento de gays e lésbicas vítimas de violência. O teste foi aplicado individualmente

e a amostra contou com 12 participantes sendo 5 mulheres lésbicas, 1 mulher transexual lésbica e

6 homens gays, com idades/número de participantes respectivos (entre parênteses), 23(1), 25(1),

28(1), 31(1), 36(2), 38(1), 40(1), 42(1), 54(1), 61(1) e 66(1), obtendo uma média de 40 anos para

308
as idades, atualmente residentes/número de participantes (entre parênteses) em Santo André (2),

São Paulo (6), Porto Alegre (1), Curitiba (1), Salvador (1), Rio de Janeiro (1). Em termos de

educação, os participantes possuíam (educação/nº de participantes – entre parênteses) ensino

médio completo (1), superior incompleto (3), superior completo (2), doutorado completo (1),

doutorado incompleto (1), pós-doutorado incompleto (3), pós-doutorado completo (1).

A maior parte dos participantes tinha entre 31 e 38 anos e residiam predominantemente em

São Paulo e Santo André, com escolaridade prevalentemente para superior incompleto (25%),

vindo a seguir superior completo (17%) e pós-doutorado incompleto (17%) e as demais

escolaridades com porcentagem 8,2%. Os 12 participantes da pesquisa, a fim de, eticamente, se

zelar por suas identidades, receberam os nomes de E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E10, E11,

E12, sendo que é E significa entrevistado e o número atribuído, trata-se da ordem em que as

entrevistas ocorreram.

Destas pessoas 34% (4) destas pessoas eram professores/as universitários/as, 17% (2)

psicólogas e, os demais 49% (6 pessoas), equivalendo a 8,16% para cada participante, (1)

enfermeira militar, (1) consultora/ativista/militante, (1) estudante de medicina, (1) estudante de

filosofia, (1) trabalha no administrativo e cursava psicologia, (1) trabalhava no administrativo e

não estudava.

O inventário de depressão Beck seguiu a metodologia definida pelo teste para a organização

dos dados e realização das análises e os resultados do teste apontaram que na população pesquisada

há uma predominância de grau sofrimento/depressão leve, compondo 33% desta população (4

entrevistados), todavia, também foram identificados sofrimento/depressão mínima em 25% da

população pesquisada (3 pessoas), sofrimento/depressão moderada em 25% dos entrevistados (3

pessoas) e sofrimento/depressão grave em 17% dos entrevistados (2 pessoas).

309
Figura 42

Intensidade de Sofrimento/Depressão na População Pesquisada

BDI-II - Escala Beck

Depressão/Sofrimento Depressão/Sofrimento
grave mínimo
2; 17% 3; 25%

3; 25%
Depressão/Sofrimento 4; 33%
moderado
Depressão/Sofrimento
leve

1 participante 2 participantes 3 participantes 4 participantes

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

A seguir, ponderando-se o grau de sofrimento/depressão x a idade dos participantes,

obteve-se:

Figura 43

Grau de Sofrimento/Depressão x Idade

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

310
Tabela 2

Grau de Sofrimento/Depressão x Idade

Grau de
Participante Qti. Idade Escolaridade
Sofrimento/Depressão
E9 2 Grave 28 anos superior incompleto
E10 Grave 38 anos superior completo
E1 Leve 61 anos pós-doutorado incompleto

E3 4 Leve 31 anos superior incompleto

E4 Leve 36 anos pós-graduação incompleta

E7 Leve 23 anos superior incompleto

E5 Mínima 40 anos doutorado incompleto

E6 3 Mínima 54 anos doutorado


E11 Mínima 66 anos superior completo
E2 Moderado 36 anos pós-doutorado incompleto

E8 3 Moderado 25 anos ensino médio completo


E12 Moderado 42 anos pós-graduação completa
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

A partir do gráfico e a tabela acima, pode-se observar que o grau de sofrimento/depressão

não aparece diretamente vinculado a idade da amostra pesquisada, podendo o

sofrimento/depressão se fazer presente em diferentes graus em idades variadas, sem

necessariamente se seguir uma regra.

Observando-se o gráfico e a tabela abaixo, nos quais constam grau de sofrimento/depressão

x escolaridade, encontrou-se:

311
Figura 44

Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Tabela 3

Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade

Participante Qti. Grau de Sofrimento/Depressão Escolaridade

E9 2 Grave superior incompleto


E10 Grave superior completo

E1 Leve pós-doutorado incompleto

E3 4 Leve superior incompleto

E4 Leve pós-graduação incompleta


E7 Leve superior incompleto
E5 Mínima doutorado incompleto

E6 3 Mínima doutorado

E11 Mínima superior completo

312
E2 Moderado pós-doutorado incompleto

E8 3 Moderado ensino médio completo

E12 Moderado pós-graduação completa


Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Analisando-se o gráfico e a tabela acima, podemos observar que o grau de

sofrimento/depressão não aparece diretamente vinculado ao grau de escolardidade da amostra

pesquisada, podendo o sofrimento/depressão estar presente em diferentes graus em escolaridades

variadas, sem necessariamente haver uma interligação.

Reunindo-se, conforme figuras e tabelas abaixo todo os dados, grau de

sofrimento/depressão, escolaridade e idade e observando-os consjuntamente, evidencia-se:

Figura 45

Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade x Idade

Amostra Pesquisada E9 sofrimento grave superior incompleto


E10 sofrimento grave superior completo
Idade; 42; 9% Idade; 28; 6%
E7 sofrimento leve superior incompleto
Idade; 38; 8%
Idade; 36; 8% E3 sofrimento leve superior incompleto
Idade; 23; 5%
Idade; 25; 5% E4 sofrimento leve pós-graduação incompleta
Idade; 31; 6%
E1 sofrimento leve pós-doutorado incompleto
Idade; 66; 14% Idade; 36; 7% E5 sofrimento mínimo doutorado incompleto
E6 sofrimento mínimo doutorado completo
Idade; 61; 13%
Idade; 54; 11%
E11 sofrimento mínimo superior completo
Idade; 40; 8% E8 sofrimento moderado ensino médio completo
E2 sofrimento moderado pós-doutorado incompleto
E12 sofrimento moderado pós-graduação completa

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

313
1
4
3
7
6
5

11

TÍTULO DO EIXO

Tabela 4
10
20
30
40
50
70

0
60
Figura 46

E1
E4
E3
E7
E6
E5

E11
E9 sofrimento grave
superior incompleto; 1; 28

Participantes
E10 sofrimento grave
superior completo; 1; 38

Leve
Leve
Leve
Leve
E7 sofrimento leve superior

Mínimo
Mínimo
Mínimo
incompleto; 1; 23

E3 sofrimento leve superior


incompleto; 1; 31

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora


E4 sofrimento leve pós-
graduação incompleta; 1;
36

Grau de Sofrimento
E1 sofrimento leve pós-
doutorado incompleto; 1;

1
61
E5 sofrimento mínimo

Grau de Sofrimento/Depressão x Idade x Escolaridade


Grau de Sofrimento/Depressão x Escolaridade x Idade

doutorado incompleto; 1;
40
E6 sofrimento mínimo
doutorado completo; 1; 54
A MO S T R A PE S Q U I S A D A

E11 sofrimento mínimo

Superior completo
superior completo; 1; 66

Superior incompleto
Superior incompleto
Doutorado completo
Escolaridade
E8 sofrimento moderado

Doutorado incompleto
ensino médio completo; 1;
25

Pós-graduação incompleta

Pós-doutorado incompleto
E2 sofrimento moderado
pós-doutorado incompleto;
1; 36
E12 sofrimento moderado
pós-graduação completa; 1;
42

61
36
31
23
66
54
40
Idade

314
8 E8 Moderado Ensino médio completo 25

2 E2 Moderado Pós-doutorado incompleto 36

12 E12 Moderado Pós-graduação completa 42

9 E9 Grave Superior incompleto 28

10 E10 Grave Superior completo 38


Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Os gráfico e a tabelas acima, foram elaborados a fim de se buscar por semelhanças ou

diferenças que auxiliem na interpretação dos resultados e, nesta perspectiva, evidenciou-se que as

intensidades de sofrimento mínimo, leve, moderado e grave, quando levado em observadas

conjuntamente com as idade e escolaridades dos participantes da pesquisa, demonstrou-se não

haver interdependência entre si, de modo que o sofrimento pode estar presente em todas as

escolaridades e idades, sem distinção quanto a estes quesitos.

Verificou-se ainda que nas pontuações de sofrimento, a predominância foi para o grau de

sofrimento/depressão leve com 33%, identificando-se 4 participantes nesta pontuação, sendo que

1 deles com 23 anos de idade e escolaridade superior incompleto; 1 com 31 anos e superior

incompleto; 1 com 36 anos e pós-graduação incompleta; 1 com 61 anos e pós-doutorado

incompleto.

A seguir identificou-se as pontuações de 25% para grau de sofrimento/depressão mínima,

sendo localizados 3 participantes para sofrimento mínimo, sendo 1 participante com 40 anos de

idade e doutorado incompleto; 1 com 54 anos e doutorado completo, 1 com 66 anos e superior

completo.

315
Em paralelo a esta pontuação, para o grau de sofrimento/depressão moderada, obteve-se

25% da população pesquisada, ou seja, 3 participantes compostos por 1 pessoa com 25 anos de

idade e ensino médio completo; 1 com 36 anos e pós-doutorado incompleto; 1 com 42 anos de

idade e pós-graduação completa.

E, por fim, 17% da população pesquisada, ou seja, 2 participantes apresentaram sofrimento

grave, sendo 1 pessoa com 28 anos de idade e ensino superior incompleto; 1 com 38 anos e ensino

superior completo.

A fim de se averiguar a qualidade de vida dos participantes da pesquisa, os quais foram

entrevistas, e compreender de que forma o sofrimento/depressão pode interferir em sua qualidade

de vida, aplicou-se o instrumento de avaliação de qualidade de vida The World Health

Organization Quality of Life – WHOQOL-bref, obtendo-se os resultados que a seguir serão

apresentados.

6.4 Análise do Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida The World Health

Organization Quality of Life – WHOQOL-bref

De acordo com Fleck (2000), não havendo uma concordância na definição de qualidade de

vida, a Organização Mundial de Saúde – OMS foi em busca de especialistas de todas as partes do

mundo que pudessem definir este conceito e nomeou o grupo The WHOQOL Group. Este grupo

chegou-se ao consenso e que qualidade de vida dizia respeito “a percepção do indivíduo de sua

posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos

seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (The WHOQOL Group, 1995).

316
Trata-se, portanto, de um conceito compreende “a complexidade do construto e inter-

relaciona o meio ambiente com aspectos físicos, psicológicos, nível de independência, relações

sociais e crenças pessoais” (Fleck, 2000, p. 34), ou seja, a qualidade de vida “reflete a natureza

subjetiva da avaliação que está imersa no contexto cultural, social e de meio ambiente”, ou seja,

como o profissional de saúde ou um familiar avalia essas dimensões: é a percepção do

respondente/participante que está sendo avaliada.

Primeiramente desenvolveu-se o instrumento WHOQOL-100 0 (Fleck, 2000, p. 35),

composto por 100 questões referentes aos domínios “físico, psicológico, nível de independência,

relações sociais, meio ambiente e espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais”. Estes 6

domínios dividiam-se em 24 facetas exclusivas e uma 25ª pergunta geral sobre qualidade de vida.

A partir do WHOQOL-100, considerando-se a necessidade de se haver um instrumento de

avaliação mais curto e que demandasse menos tempo em sua aplicação, desenvolveu-se o

WHOQOL-bref, o qual consta de 26 questões, na qual as 2 primeiras são gerais e as demais

representam facetas que fazem parte do instrumento. O WHOQOL-bref é composto por 4

domínios, sendo eles, físico, psicológico, social e ambiental.

O WHOQOL-bref foi aplicado nos 12 participantes entrevistados (5 mulheres lésbicas, 1

mulher transexual lésbica e 6 homens gays), seguindo-se a metodologia definida pelo instrumento

para a organização dos dados e realização das análises e obteve-se como resultado de qualidade de

vida, conforme conceito definido pelo WHOQOL Group (1995), como “a percepção do indivíduo

de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação

aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”, o que a seguir segue explicitado.

317
Questão “Como você avalia sua qualidade de vida?”

Esta questão busca avaliar como a entrevistado percebe sua qualidade de vida de modo

geral.

Figura 47

Questão Geral 1 – Avaliação da Qualidade de Vida

Questão Geral 1 - Avaliação da Qualidade de Vida

0; 0% Necessita 1
melhorar
4; 33%
5; 42%
Regular 2

3; 25% Boa 3

Muito boa 4

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

O gráfico aponta para que dos 12 participantes entrevistados, 42% (5 pessoas) percebem-

se com uma qualidade de vida boa; 33% (4 pessoas) com uma qualidade de vida que necessita

melhorar e 25% (3 pessoas) com uma qualidade de vida regular.

Questão “Quão satisfeito(a) você está com a sua saúde?”

Esta questão busca avaliar como a entrevistado percebe sua qualidade de vida em termos de sua

saúde.

318
Figura 48

Questão Geral 2 – Satisfação com a Saúde

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

O gráfico aponta para que dos 12 participantes entrevistados, 34% (4 pessoas) acreditam

que necessitam que sua saúde necessita de melhoras; 33% (4 pessoas) percebe-se com uma saúde

boa e 33% (4 pessoas) veem-se com uma saúde regular.

Domínio Físico

O domínio físico diz respeito ao aproveitamento da vida considerando-se a influência de

dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividades da vida cotidiana,

dependência de medicação ou de tratamentos e capacidade para o trabalho.

Para se avaliar o domínio físico, as seguintes perguntas foram feitas aos participantes:

• Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?

• Você tem energia suficiente para o seu dia a dia?

• Quão satisfeito você está com o seu sono?

319
• Quão bem você é capaz de se locomover?

• Quão bem você está com sua capacidade de desempenhar as atividades do seu dia a dia?

• O quanto você precisa de algum tratamento médico para levar sua vida diária?

• Quão satisfeito você está com sua capacidade para o trabalho?

A partir destas perguntas, os seguintes resultados foram obtidos:

Figura 49

Domínio Físico

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Pelos dados reunidos no gráfico acima, pode-se observar que 42% (5 pessoas) dos

participantes da pesquisa necessitam melhor seu domínio físico; 33% dos participantes (4 pessoas)

tem um bom domínio físico e 25% dos participantes (3 pessoas) tem um domínio físico regular.

Domínio Psicológico

O domínio psicológico diz respeito a sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e

320
concentração, auto-estima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos,

espiritualidade/religião/crenças pessoais.

Para se avaliar o domínio psicológico, as seguintes perguntas foram feitas aos

participantes:

• O quanto você aproveita a vida?

• O quanto você consegue se concentrar?

• Em que sentido você acha que a sua vida tem sentido?

• Você é capaz de aceitar a sua aparência física?

• Com que frequência você tem sentimentos negativos como mau humor, desespero,

ansiedade, depressão?

• Quão satisfeito(a) você está consigo mesmo?

A partir destas perguntas, os seguintes resultados foram alcançados:

Figura 50

Domínio Psicológico

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

321
Pelos dados compilados no gráfico acima, permitiu-se notar que 50% (6 pessoas) dos

participantes da pesquisa necessita melhor seu domínio psicológico e 50% dos participantes (6

pessoas) possuem um domínio psicólogico regular.

Relações Sociais

As relações sociais referem-se as relações pessoais, ao suporte (apoio) social e a atividade

sexual.

Para se avaliar as relações sociais, as seguintes perguntas foram feitas aos participantes:

• Quão satisfeito(a) você está com suas relações pessoais (amigos, parentes, conhecidos,

colegas)?

• Quão satisfeito(a) você está com o apoio que você recebe de seus amigos?

• Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de desempenhar as atividades do seu dia

a dia?

• Quão satisfeito(a) você está com sua vida sexual?

A partir destas questões, chegou-se aos seguintes resultados:

322
Figura 51

Relações Sociais

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

De acordo com o gráfico acima, possibilitou-se observar que 75% (9 pessoas) dos

participantes da pesquisa tem relações pessoais regulares, 17% (2 pessoas) necessitam melhorar

suas relações pessoais e 8% (1 pessoa) tem boa relação social.

Meio Ambiente

O meio ambiente diz respeito à segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos

financeiros. cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade, oportunidades de adquirir

novas informações e habilidades, participação em, e oportunidades de recreação/lazer, ambiente

físico: (poluição/ruído/trânsito/clima) e transporte.

Para se avaliar o meio ambiente dos participantes da pesquisa, foram feitas à eles as

seguintes perguntas:

323
• Quão seguro(a) você se sente em sua vida diária?

• Quão satisfeito(a) você está com as condições do local onde mora?

• Você tem dinheiro suficiente para satisfazer suas necessidades?

• Quão satisfeito(a) você está com o seu acesso aos serviços de saúde?

• Quão disponíveis para você estão as informações que precisa no seu dia a dia?

• Em que medida você tem oportunidades de atividade de lazer?

• Quão saudável é o seu ambiente físico (clima, barulho, poluição, atrativos)?

• Quão satisfeito(a) você está com o seu meio de transporte?

A partir destas questões, chegou-se aos seguintes resultados:

Figura 52

Meio Ambiente

Meio Ambiente

0; 0% Necessita 1
2; 15%
melhorar
3; 23%
Regular 2

Boa 3
8; 62%

Muito boa 4

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

324
O gráfico acima permitiu notar que 62% (8 pessoas) dos participantes da pesquisa está

inserido em um meio ambiente regular; 23% (3 pessoas) tem um bom meio ambiente e 15% (2

pessoas) necessitam melhorar seu meio ambiente.

Observando-se o resultado do WHOQOL-bref, isoladamente, por participante entrevistado,

onde:

- domínio físico refere-se a dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade,

atividades da vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamentos e capacidade para de

trabalho;

- domínio psicológico engloba sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e

concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos,

espiritualidade/religião/crenças pessoais;

- relações sociais contempla suporte (apoio) social, atividade sexual;

- meio ambiente diz respeito à segurança física e proteção, ambiente no lar, recursos

financeiros, cuidados de saúde e sociais: disponibilidade e qualidade, oportunidades de adquirir

novas informações e habilidades; participação em, e oportunidades de recreação/lazer, ambiente

físico: poluição/ruído/trânsito/clima, transporte.

Foi possível observar a qualidade de vida de cada um dos participantes, apresentando os

seguintes dados:

325
Figura 53

Qualidade de Vida de E1

Qualidade de Vida de E1

Domínio Psicológico, Relações


Regular Sociais e Meio Ambiente

Necessita Melhorar Percepção da Saúde e


Domínio Físico

Percepção da
Boa
Qualidade de Vida

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Figura 54

Qualidade de Vida de E2

Qualidade de Vida de E2

Percepção da qualidade
de vida e da saúde,
Regular
relações sociais, meio
ambiente

domínio físico e domínio


Necessita Melhorar
psicológico

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

326
Figura 55

Qualidade de Vida de E3

Qualidade de Vida de E3

Percepção da qualidade
de vida e da saúde,
Regular
relações sociais, meio
ambiente

domínio físico e
Necessita Melhorar
domínio psicológico

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Figura 56

Qualidade de Vida de E4

Qualidade de Vida de E4

Regular Relações
sociais

Domínio físico e
Necessita Melhorar
domínio psicológico

Percepção da
qualidade de
Boa
vida e da saúde,
meio ambiente

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

327
Figura 57

Qualidade de Vida de E5

Qualidade de Vida de E5
4,5
Domínio físico,
4 domínio
3,5 psicológico,
relações sociais,
3 meio ambiente
Percepção da
2,5 qualidade de
vida e da saúde
2
1,5
1
0,5
0
Boa Regular

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Figura 58

Qualidade de Vida de E6

Qualidade de Vida de E6
3,5 Percepção da Dompinio
qualidade de psicolóigo,
3 vida e da saúde, relações sociais,
domínio físico meio ambiente
2,5

1,5

0,5

0
Boa Regular

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

328
Figura 59

Qualidade de Vida de E7

Qualidade de Vida de E7
3,5

2,5 Percepção da
qualidade de
2 vida e da saúde,
domínio físico,
1,5 Dompinio
psicolóigo,
1 relações sociais,
meio ambiente
0,5

0
Regular

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Figura 60

Qualidade de Vida de E8

Qualidade de Vida de E8

Domínio físico,
psicológico,
Necessita Melhorar
relações sociais,
meio ambiente

Percepção da
Boa qualidade de vida
e da saúde

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 4,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

329
Figura 61

Qualidade de Vida de E9

Qualidade de Vida de E9

Domínio físico,
relações
Regular
pessoais, meio
ambiente

percepção da
qualidade de
Necessita Melhorar vida e da saúde,
domínio
psicológico

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Figura 62

Qualidade de Vida de E10

Qualidade de Vida de E10

Percepção da
qualidade de vida
e da saúde,
domínio físico,
Necessita Melhorar
Dompinio
psicolóigo,
relações sociais,
meio ambiente

0 0,5 1 1,5 2 2,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

330
Figura 63

Qualidade de Vida de E11

Qualidade de Vida de E11


4,5

3,5

3 Percepção da Percepção da
qualidade de vida, saúde, domínio
2,5
domínio físico, psicológico
2 relações sociais,
meio ambiente
1,5

0,5

0
Boa Regular

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Figura 64

Qualidade de Vida de E12

Qualidade de Vida de E12

Domínio
psicológico,
Regular
relações sociais,
meio ambiente

Percepção da
Necessita Melhorar qualidade de
vida e da saúde

Boa Domínio físico

0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora


331
6.5 Comparação dos Resultados Apresentados pelo BDI-II e WHOQOL-bref, por

Participante da Pesquisa

Figura 65

Resultados BDI-II e WHOQOL-bref

332
333
334
335
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

O instrumento de qualidade de vida, WHOQOL-bref, globalmente analisado (12

participantes) revelou a percepção de qualidade de vida dos entrevistados entre boa, regular e

necessita melhorar, evidenciando-se o domínio psicológico, as relações sociais e o meio ambiente,

entre regular e necessita melhor, despontando uma maior fragilidade nestes contextos.

Quando analisados individualmente os resultados do WHOQOL-bref, os aspectos domínio

psicológico, as relações sociais e o meio ambiente acentuaram-se ainda mais, podendo ser

ressaltados em cada entrevistado, correlacionando-se diretamente com suas histórias de vida.

6.6 Análise das Categorias e Discussões

Esta subseção tem como proposta realizar a análise das categorias temáticas a que a Análise

de Conteúdo de Bardin (1977/2016), às entrevistas realizadas com os participantes da pesquisa,

permitiu se chegar, sendo elas: a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? b) Sou Gay /

Sou Lésbica. O que eu percebo e como eu me sinto? c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? E,

juntamente a esta análise, discutir estas categorias à luz da psicologia junguiana.

336
Cada categoria temática apresentou as suas respectivas subcategorias, as quais serão

contempladas nesta análise: a.1) Família. amigos, política, religião; a.2) Medo, preconceito e

discriminação, negação de si, sofrimento; a.3) Publicização da sexualidade e da violência,

Educação/Informação.

Tabela 5

Categorias e Subcategorias de Análise

Ordenação Categorias Subcategorias

a) Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto? Família


Amigos
Política
Religião
Sou Gay / Sou Lésbica. O que eu percebo e como
b) Medo
eu me sinto?
Preconceito e discriminação
Negação de si
Sofrimento
Publicização da sexualidade e da
c) Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou?
violência
Educação/Informação
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

6.6.1 – Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto?

Esta categoria discorrerá sobre como é o contexto de vida de gays e lésbicas com relação a

sua família, amigos, política e religião, no que se refere a forma como estes núcleos respondem a

homossexualidade e ao homossexual, a lesbianidade e as lésbicas, e as respectivas importâncias

337
de cada um deles na vida destas pessoas. A categoria Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu

contexto? possui as subcategorias família, amigos, religião e politica, as quais, abordarão:

- Família: Os assuntos trazidos pelos participantes da pesquisa com relação a importância

dada a família; a preocupação em contar ou não contar sobre a orientação sexual e o medo de ser

rejeitado pela família; a reação da família frente a revelação (não aceitação x aceitação) da

homossexualidade/lesbianidade; sentimento do/a filho/a frente ao comportamento

homofóbico/lesbofóbico da família; sentimento de desvalorização do/o filho/a ao ser rejeitado pela

família; expulsão do/a filho/a de casa, aos pais ao sabê-lo/a homossexual/lésbica; o não falar mais

com o/a filho/a ao sabê-lo/a homossexual/lésbica; dificuldade em encarar os pais frente a

homossexualidade/lesbianidade; acolhimento familiar; resgate da relação familiar; esperança dos

pais em o/a filho/a mudar de orientação sexual e ser só uma fase; moralismo na família; tentativa

de mudar para agradar aos pais; tentativa de namorar pessoas do sexo oposto para agradar aos pais;

as agressões físicas e verbais advindas dos pais e irmãos, o sofrimento e as consequências destas

ações em suas vidas.

- Amigos: A reação dos amigos frente a revelação de sua orientação sexual; rejeição x

acolhimento dos amigos; a importância de todos os amigos saber-lhe gay ou lésbica; a importância

deste núcleo enquanto rede de apoio e acolhimento na vida destas pessoas; a ajuda de terceiros no

direcionamento às ONGs e outros auxílios; acolhimento por pais de amigos; à possibilidade de ser

quem se é junto aos amigos e pais de amigos.

- Religião: O preconceito e a intolerância religiosa aos homossexuais e às lésbicas e à sua

orientação sexual concebida como forma de pecado e erro; a não aceitação de familiares

evangélicos aos seus filhos/as homossexuais/lésbicas; a dor das pessoas que são evangélicas e se

percebem homossexuais/lésbicas; a tentativa das igrejas evangélicas e mesmo do cristianismo em

338
seguir com o discurso de que ser homossexual/lésbica é pecado, arrastado, assim, os seus fiéis para

esta crença e para longe dos seus filhos/as; a expulsão dos/as homossexuais/lésbicas das igrejas; o

domínio da religião sobre as pessoas.

- Política: Os aspectos e repercussões no contexto de gays e lésbicas, quando se tem um

líder de Estado que governa pautado em sua religião e quando esta religião é a evangélica;

significado para gays e lésbicas de a família ter votado no Bolsonaro à presidente da República e

de ele ser intolerante e homofóbica/lesbofóbico; as pessoas que votaram no Bolsonaro se sentirem

com permissão para atacar os homossexuais e as lésbicas; os ocorridos com estas pessoas após às

eleições para presidente da República em 2018; rompimentos com as pessoas que votaram no

Bolsonaro por este fato ser sinônimo de desejar a sua morte, já que ele prega preconceito e

discriminação a gays e lésbicas, incitando-lhes violência; a homofobia/lesbofobia presente na

política; os políticos que se utilizam do discurso de viés religioso para colocar a população contra

gays e lésbicas.

Para este objetivo, esta análise se utilizará das entrevistas realizadas com os 12

participantes da pesquisa, sustentada pelo aporte teórico da psicologia junguiana.

6.6.1.1 Família

O alcance e a constituição familiar que serão abordados nesta subseção abarcarão mãe, pai,

irmãos, filhos, enquanto família nuclear, sendo os tios, tias, avós, avôs e cônjuges dos

entrevistados, a família estendida, conforme situados pelos participantes, no decorrer das

entrevistas.

339
Ao se refletir sobre a família e sua importância na vida do sujeito, pode-se concebê-la, de

acordo com Jung (1959/2014a), a partir dos arquétipos presentes no inconsciente coletivo da

humanidade, o qual possuem uma característica numinosa e sagrada.

E, no contexto da família (Jung, 1959/2014a), o pai é aquele que é provedor, que é protetor,

que cuida da família e protege o seu lar. É também aquele que dá segurança ao filho para que ele

possa ir para vida e, se precisar, poderá voltar que o pai estará lá para recebê-lo de volta e ajudá-

lo. A mãe, por sua vez, é aquela que protege, nutre, cuida, organiza, alimenta e fornece subsídios

para que o filho se desenvolva na vida. O arquétipo do filho, por sua parte, é aquele que fará de

tudo para provar o seu valor e ser amado pelos pais.

Postula Jung (1959/2014a; 1967/2013a) que todo arquétipo é dual e reúne em si uma gama

de possibilidades, o que significa dizer que ele possui luz e sombra, deste modo, podemos olhar,

por exemplo, para o arquétipo da mãe como aquela que protege, mas que também pode vir a

colocar este filho frente as ameaças da vida, a fim de que ele cresça e evolua.

De acordo com Jung (1959/2014a) não temos acesso ao arquétipo em si, mas às

experiencias ou imagens arquetípicas, de modo que o arquétipo é uma forma, é algo que antecede

a vivência e a experiência. Trata-se, portanto, de um modelo presente no inconsciente coletivo,

que dependerá de quem o vivencia e do momento que esta experiência se dará. Pode-se fazer uma

analogia a foto tirada pela máquina fotográfica, no qual o negativo corresponderá ao arquétipo, ao

passo que a foto revelada será a experiência arquetípica.

A partir deste pensamento, para um filho gay ou uma filha lésbica, que assim como

qualquer outro/a filho/a, possui o desejo de ser aceito/a e amado/a por seus pais e familiares,

assumir a homossexualidade/lesbianidade frente a eles, pode representar um momento permeado

340
por receios, dúvidas, insegurança e medo de não ser aceito, de não ser amado, de ser expulsos de

casa etc.

A família pode funcionar como uma importante rede de apoio na vida de gays e lésbicas e,

quando isto não ocorre, estas pessoas buscarão pelo apoio dos amigos com a finalidade de

compartilhar e dividir suas apreensões e as dificuldades pelas quais passa, em busca de ajuda e

compreensão.

Por outro lado, quando pode contar a família, estas pessoas terão um porto seguro e o

amparo necessário para lidar com as adversidades da vida, especialmente em casos de homofobia

e lesbofobia, como foi com E3 (2022), em que a manifestação da homofobia, por meio da sombra

coletiva (Jung 1954/2013; Schmookler, 1980/2012; Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021),

poderia ter esta vida levado a destruição física e psíquica.

E3, gênero masculino, 31 anos, descobriu-se homossexual por volta dos 14, 15 anos de

idade e relata ter se sentido com muito medo, pois na época frequentava uma religião evangélica

que condenava a homossexualidade, então levou algum tempo para se permitir viver sua

sexualidade. Segundo E3 (2022) aconteceu da seguinte forma:

Foi assim, quando eu tinha 16 anos, eu namorei um rapaz e ele era mais velho que eu, né?

Eu tinha acho que uns 30 anos mais ou menos, não, uns 26 anos, vinte e pouquinhos anos,

acho que não era tão mais velho não, e aí uma... uma hora que eu tava tomando banho, eu

tinha um celular, aqueles celulares antigos, que não tinha senha nada e aí ele pegou e

mandou pra mim uma mensagem, dizendo que tava com saudade da gente se beijar, enfim,

aquela coisa íntima e aí minha irmã pegou a mensagem e acabou contando pra minha mãe

no desespero. E foi então que na verdade não foi uma escolha minha, né? Acabou

acontecendo deles ficarem sabendo e aí acabou que a família inteira soube [...]. Minha mãe

341
ficou uns dois anos pra aceitar de fato, né? Porque ela não conseguia aceitar, aquela

situação, né? Mas ela também nunca me tratou mal, nunca, sabe? Eu tinha muito medo de

como que isso ia acontecer, né? [...]. E aí meu pai meio que aceitou de primeira, mas ele

sempre ficava naquela, de passar uma mulher bonita na rua e ele comentava, falava o que

eu achava, sabe? E a minha irmã, foi um pouquinho mais difícil, porque ela já é mais

geniosa [...]. Eu senti que ela demorou bastante, até mais do que a minha mãe, pra ela

realmente definitivamente aceitar, né? [...], mas, graças a Deus, hoje a gente tem uma

relação muito boa, maravilhosa inclusive, eu tenho o apoio deles pra tudo assim, sabe. (E3,

2022).

Pelo relato de E3 (2022), pode-se notar que sua família teve dificuldades iniciais em lhe

aceitar, e que, a princípio a revelação de sua sexualidade deu-se a sua revelia, podendo inclusive

significar que ele estava pronto para isto ainda. Quando E3 (2022) relata que sua família o aceitou

definitivamente, como homossexual, pode-se perceber um sentimento de tranquilidade,

notadamente quando ele diz “[...], mas, graças a Deus, hoje a gente tem uma relação muito boa,

maravilhosa inclusive, eu tenho o apoio deles pra tudo assim, sabe”.

No presente momento, E3 encontra-se namorando e com planos de morar junto, em breve,

com seu namorado. Tem bom relacionamento com a família e se encontra bastante abalado por ter

descoberto recentemente que o pai está com câncer e metástase no corpo 75. Está vivendo um

momento bastante difícil, pois tem em sua família um respaldo e uma ligação muito fortes.

O apoio da família é, como pudemos observar neste relato, e como Jung (1954/2013)

postula, crucial na vida do indivíduo. Quando não se pode contar com este apoio, o sentimento de

75
Nota: No mês de outubro deste ano, tomei conhecimento de que E3 havia perdido o pai para o câncer e se encontrava
bastante abalado, pois via no pai um porto seguro em sua vida, especialmente nos momentos em que mais precisou de
ajuda. Segue em acompanhamento psicoterapêutico.

342
abandono e de não se ser amado, adentra-se e se alastra pela vida de gays e lésbicas, contribuindo,

inclusive para que estas pessoas desenvolvam sintomas que poderão se fazer presentes

indefinidamente em suas vidas, vindo, inclusive, a se manifestarem em forma de doença (Ramos,

2006), de acordo com o que se pode notar nas exposições de E2 (2022).

E2, gênero masculino, 36 anos, descobriu-se homossexual por volta dos 17 anos e se sentiu

internamente em conflito, pois vinha de uma família cristã e católica. “Eu me sentia um E.T. [...]”,

pontua E2 (2022), e segue dizendo:

[...] quando de fato eu entendi que eu seria gay, daí eu decidi então já conversar com meus

pais. Eu já tava com 17 anos e conversei primeiro como meu pai, porque eu considerei que

seria mais difícil conversar com ele, porque meu pai veio da zona rural de Santa Catarina.

[...] E no primeiro momento foi tudo muito tranquilo. A minha mãe, eu tive muito mais

resistência da minha mãe do meu pai nesse início. A minha mãe ficou uns 3, 4 meses sem

falar comigo direito, né? [...] E daí, eu só fui ter problemas com o meu pai, foi quando eu

estava… com o meu segundo namorado, porque daí ele percebeu que aquilo não era uma

coisa passageira [...] e ali a gente teve uma briga muito séria, ele quase se divorcia da minha

da minha mãe nesse período [...], então ela ficou ali 4 meses em crise, mas depois ela tocou

a vida e tudo ficou normal. Mas daí nesse momento ele me deu um ultimato, ele achava

errado a minha mãe não se opor a minha homossexualidade, ela deveria se opor a isso. E

daí ela virou pra ele e falou, “você tá querendo fazer eu escolher, entre você e meu filho.

Então eu vou escolher, meu filho”. Ele chegou a dar entrada na papelada do divórcio, saiu

de casa, morou 3 anos fora de casa e eu fiquei de 3 a 4 anos sem falar com ele. (E2, 2022).

Foi um momento bastante delicado e turbulento na vida de E2, conforme se pode observar

por meio de seu relato e, como repercussão desta atitude de não aceitação dos pais, ele se sentiu

343
não amado, vindo, a partir daí, conforme relata, a desenvolver transtorno de ansiedade. Assinala

E2 (2022):

[...] eu acho que o mais complicado, é porque a gente..., eu me senti como não amado, né?

Então, quer dizer, cadê esse amor de pai? Eu tive que ouvir do meu pai nessa época, que

ele preferia que eu fosse drogado, que eu fosse traficante, bandido, do que fosse

homossexual. [...]. E, por muito tempo, eu também considero que isso teve um impacto

bem ruim, por exemplo, hoje eu tenho transtorno de ansiedade, eu acredito que grande parte

desse diagnóstico vem, porque eu meio que introjetei que eu não tinha valor por ser quem

eu era, então eu tentava compensar, eu tinha que ser o melhor [...] para compensar esse não

valor. [...]. E assim, até hoje eu convivo com transtorno de ansiedade, o psiquiatra já falou

que não tem cura, que o transtorno de ansiedade me acompanha pelo resto da vida, a gente

passa por períodos em que a gente, enfim, não precisa da medicação, mas dependendo do

período da vida tem que retornar com a medicação, enfim, eu passo por períodos em que

reduz a medicação, já cheguei a passar períodos sem tomar nenhuma medicação, só com a

psicoterapia, e aí acontece alguma coisa na vida, algum fator mais ansiogênico, daí tem que

voltar com a medicação e, e assim, vai passando por ondas, mas eu acredito que vem muito

também dessa etapa, né? (E2, 2022).

E2 atualmente se encontra namorando e morando sozinho. Sente que sua vida foi bastante

impactada por não ter sido aceito por seus pais. E2 tem contato com a família, mas de forma não

tão frequente.

Os arquétipos pai e mãe são universais, primais e fundamentais na vida de uma pessoa e,

embora duais, tendo luz e sombra, há toda uma expectativa de apoio, afeto, amor e segurança por

parte de quem os vivencia. A partir da ótica junguiana, pode-se compreender que a experiência

344
arquetípica para E2, ao que se refere ao amor, apoio, afeto e segurança do pai e da mãe, foi contrária

ao esperado, gerando sentimento de insegurança, ansiedade e baixa autoestima frente a vida.

Ainda que não se tenha a vivência arquetípica favorável por parte de pai e mãe, quando se

tem a experiência positiva vivenciada em um dos dois e parcialmente positiva no outro, ainda é

possível se desenvolver a segurança frente a vida, muito embora, fique, no relato que seguirá

abaixo, de E7, mais uma vez evidenciada que, a homofobia, assim como a lesbofobia, pode levar

ao distanciamento entre os membros da família.

E7, gênero masculino, 23 anos, percebeu-se homossexual aos 13, 14 anos e alega ter lidado

bem com a descoberta, aceitando sua orientação sexual. Todavia, com a família, especialmente

com a mãe, ele não foi bem aceito no início, o que repercutiu em sofrimento e afastamento entre

eles. Expõe E7 (2022):

[...] eu comecei a ter um relacionamento lá na época do cursinho, em 2017. E ela começou

a desconfiar e ela me colocou contra a parede, num determinado momento, e aí foi quando

eu realmente abri e falei tudo que estava acontecendo e foi o momento em que tudo virou,

né? Bom, ela disse que jamais aceitaria e foram vários meses assim, de conflito, que foi

quando eu fui morar com o meu pai. [...] com o tempo eu fui percebendo que isso seria um

problema no futuro e por um bom tempo, meu planejamento para o futuro era, eu vivo a

minha vida do jeito que for possível até eu ter minha independência e aí, a partir daí, eu

posso fazer o que eu quiser. Até esse momento eu não vou ter a minha vida, de certa forma

ela será bem restrita, eu não vou poder ter um relacionamento, não vou poder desenvolver

algo com alguém. Eu levo isso até lá no futuro, quando eu tiver meus 20, 25, 26 e depois

disso aqui é vida que segue. Eu não preciso compartilhar essa parte da minha vida com ela,

mas..., no meio do caminho, tudo virou e não foi como planejado. [...] A gente discutia

345
bastante. As discussões foram diminuindo até que o rumo da conversa foi mudando e ela

passou para uma conversa no sentido de querer entender melhor e conhecer. Até que ela

aceitou conhecer a pessoa com quem eu me relacionava e a partir daí as coisas ficaram

melhores. Mas um conflito, assim, o mal-estar, continuou depois disso. Com o tempo, a

aceitação em relação à minha orientação sexual, depois disso, passou. (E7, 2022).

Com relação ao pai, E7 (2022) conta que, quando saiu da casa mãe, ao procurar pelo pai,

foi por ele acolhido e tiverem uma conversa melhor que entre ele e sua mãe. Desta forma, seguiu

morando com o pai e segue até hoje. Pondera E7 (2022) que ao se encontrar com o pai a conversa

deu-se da seguinte forma:

[...] aí eu expliquei para ele o que que era a desconfiança dela. Eu falei, realmente, é isso

que está acontecendo, e “ele" não é só meu amigo. [...] em primeiro momento ele falou,

cara, você sabe que não é exatamente confortável para mim, mas, eu quero que você seja

feliz, está tudo bem. (E7, 2022).

E7 (2022) considera que a atitude da mãe para com ele os distanciou, apesar de conviverem

bem e se respeitarem, entretanto, seguem distanciados desde o ocorrido, não se frequentando

muito. E7 continua cursando sua faculdade de medicina e morando com o pai.

Há as famílias que tendem a apresentar um grau de aceitação maior frente a revelação da

homossexualidade ou da lesbianidade de seus membros familiares e, com isto, tornar-se menos

doloroso e difícil o processo de revelação aos demais membros da família, pois há acolhimento e

isto pressupõe um sentimento de segurança e apoio, como podemos ver no relato de E1 (2022).

E1, gênero feminino, 61 anos de idade. Estava casada e com 2 filhos na época em que se

descobriu lésbica. Tinha nesta ocasião aproximadamente 28 anos, aceitou-se como lésbica e se

permitiu viver sua sexualidade, revelando-a, na sequência, para sua família. E1 (2022) relata ter

346
pensado a melhor forma de contar para cada familiar, mas, conta que, por fim, houve uma boa

aceitação, apesar da proposta do marido de cumplicidade e discrição, a qual, mais tarde, E1

percebeu que se tratava de uma forma de violência e não mais a aceitou. E1 (2022) descreve que:

Para cada um foi em instante separado, né? Primeiro, o marido com esse acordo de

cumplicidade e discrição. Mas aí, veio os filhos, né? Como é que fala para os filhos? [...] a

minha irmã, eu contei para ela na década de 90, meados de 90, ela veio para cá passar uns

dias aqui comigo. [...] não impactei ninguém. [...] Pra minha mãe, não fui eu que contei,

né? Foi a minha irmã que contou, porque minha irmã foi embora, voltou pra casa, contou

pra ela, mas ficou tudo tranquilo. (E1, 2022).

O “armário” está presente continuamente na vida de homossexuais e lésbicas e, ainda que

se saia de um armário, a cada nova pessoa que se conhece uma nova porta se abre para um novo

armário, e sair dele dependerá de novos recursos internos e prontidão para exposição ou para o

sigilo que a manutenção da relação demandará. Tratar-se-á de se fazer escolhas, todavia, as

escolhas serão feitas de acordo com a vivências e as possibilidades de cada um. Para alguns, o

armário pode ser uma proteção, mas, “essa assertiva é tão ilusória quanto perigosa, pois o

silenciamento dos armários de nada nos protege”. (Santos, 2022, p. 92).

Atualmente E1 encontra-se morando com sua companheira. Distanciou-se da mãe e da irmã

porque ambas se vincularem a igreja evangélica e são eleitoras de Bolsonaro, relata, o que, de

acordo com E1 (2022), dificulta a relação, uma vez que se trata de duas vertentes, igreja evangélica

e político Bolsonaro, que condenam a lesbianidade.

Embora E1 tenha tido uma aceitação favorável por parte de seus familiares, este fenômeno

nem sempre ocorre, sendo mais comum a reação de rejeição, discriminação, a violência verbal

e/ou física e mesmo a expulsão do/a filho/a de casa, pelos familiares, frente a revelação da

347
sexualidade deste, pelo que pode-se observar pelos recortes das falas que trazidas a seguir de outros

entrevistados, em especial com o relato de E8 (2022), que passou por esta vivência, a qual marcou

sua vida, causando-lhe demasiado sofrimento e cuja as consequências ele as vivencia até hoje,

conforme sua narrativa.

E8, gênero masculino, 25 anos, percebeu-se homossexual desde criança e seus pais sempre

foram bastante agressivos e violentos com ele por perceberem sua homossexualidade e não a

aceitarem, especialmente por serem evangélicos. Explana E8 (2022):

Eu sempre me atraí mais por meninos, por coisas de menina, sempre me percebi diferente

dos outros e eu comecei a demonstrar, a ter traços, ter relances diferentes e os meus pais,

eles foram as pessoas mais homofóbicas e até hoje são na minha vida. Eles não aceitavam

e meio que me cortavam, eu tive uma infância muito difícil, principalmente com a minha

mãe. Minha mãe foi, eu acho que ela foi pior do que o meu pai, o meu pai ele já não

aceitava, mas ele não, como posso dizer, ele não tava o tempo todo vigiando. A minha mãe,

ela já tava sempre, o tempo todo atrás de mim, sempre me dava uma surra ali outra aqui,

sempre tava me chamando atenção. Então assim, eu fui começando a me moldar, daí eu fui

começando a ter uma outra personalidade. Tanto que hoje em dia eu sou uma pessoa mais

fechada, né? Eu também venho de uma família muito evangélica, cristã, nordestina. O

homossexualismo sempre foi visto como um tabu mesmo, sabe uma coisa, até mesmo do

mal. (E8, 2022).

E8 conta que tem 4 irmãos, sendo que, especialmente um de seus irmãos, o que veio a

falecer, não o aceitava e o agredia verbalmente com frequência, fazendo-o por meio de áudios e

mensagens e, inclusive, após a última mensagem enviada pelo irmão, antes de vir a falecer, E8

(2022) conta com bastante sofrimento que a deletou, imaginando que fosse mais uma agressão do

348
irmão a ele, e sente-se mal até hoje por ter feito isto e não saber o teor da mensagem. Relata E8

(2022):

Esse meu irmão, ele era muito homofóbico, esse que faleceu, quando eu me assumi com

23 anos, assumi de fato, sabe? Eu fui expulso de casa, minha mãe me botou pra for a, pegou

minhas coisas e disse “hoje você não mora mais aqui”. E eu não tive apoio de ninguém. Eu

só fiquei sabendo por uma vizinha que minhas coisas estavam sendo tiradas. Nem consegui

entrar na casa, peguei o que eles botaram para fora e vim embora pra São Paulo. Esse meu

irmão era muito homofóbico e antes dele morrer, ele me mandou uma mensagem, acho que

uns 3 dias antes. Uma mensagem de áudio que eu não cheguei a escutar, porque

antigamente já tinha mandado outras, me chamando de viadinho, é que eu tava... [...] tava

dando o cú na república, que eu não prestava, então eu escutava, sabe, essas coisas. Quando

eles ficaram sabendo que eu vim para São Paulo… porque eu sempre quis vir para São

Paulo, porque eu achava que aqui eu poderia ser mais aceito. Eu poderia crescer mais. Eu

teria mais possibilidade de trabalho. (E8, 2022).

E8 (2022) considera que todas as homofobias que ele sofreu, a da família foi a mais

dolorosa: “Sofri várias homofobias [...] Eu acho que da minha família que foi pior, porque eu era

de quem, de quem eu deveria ter apoio, então eu não tive em toda minha família e isso foi pior”.

Relata que foi muito difícil para ele e que se sentiu sem valor.

Conta E8 (2022), inclusive, que teve uma cachorra que ficou na casa dos pais quando ele

saiu de lá, mas teve que ir buscá-la e acabou tendo que doá-la, por não poder seguir com ela, devido

a dificuldades financeiras que estava enfrentando em São Paulo, ao vir para cá. Esta narrativa de

E8 permite se observar que além de não poder contar com o suporte da família, que é algo

349
importante para qualquer pessoa, também ficou sem seu outro afeto, que era a cachorra, gerando

ainda sentimento de solidão e menos valia.

[...] Isso é, sabe, muito difícil. Eu me sinto sem valor. É o que às vezes eu me pego

pensando, eu, eu queria ter tido oportunidades, né? Eu sempre fui um ótimo aluno, sempre

fui aluno de destaque, sempre estive em primeiro lugar. Eu jogo bola, sempre fui muito

elogiado pelos meus professores. Eu sempre quis ser reconhecido. Sabe, eu amo animais,

eu tive uma dálmata que eu amava, e aí quando eu vim pra cá, minha mãe falou que não

queria ela lá na casa dela e eu acabei tendo que buscar e tendo que doar, porque como eu

eu vim pra cá, eu não tinha um espaço, um local pra abrigar ela. E eu morava em pensão,

né? Comecei morar em pensão, esses quartos alugados, eles não aceitam animais,

infelizmente. e eu não tinha condição de alugar um lugar maior. Eu peguei e acabei doando.

(E8, 2022).

E8 (2022) cita que passou por uma série de dificuldades ao ser expulso de casa e acredita

que sua vida poderia ter sido diferente se ele fosse aceito pela família e valorizado e, até mesmo,

poderia ter estudado e se formado, pois gostava muito de estudar e o pai não via valor nisso,

destruindo seu material cada vez que bebia e chega em casa alcoolizado. Atualmente E8 tem uma

vida mais digna, tem um namorado que o ama e a quem ama, esclarece, mas, apesar disto, segue

se sentindo uma pessoa sem valor na vida. A partir das considerações feitas por Jung acerca dos

arquétipos pai e mãe, consegue-se observar a reverberação do contato com o lado sombrio destes

arquétipos na vida de E8.

Neste relato de E8 (2022) é possível se verificar como é doloroso para um filho

homossexual ser excluído pelos pais por sua orientação não lhes ser aceita e as repercussões que

estas atitudes familiares desencadeiam no cotidiano desta pessoa, abrindo feriadas para toda a vida.

350
Jung (1954/2013) considera ser totalmente relevante o papel que os pais desempenham na vida

dos filhos, sendo que uma afetividade inadequada, pode vir a afetar os filhos em suas sexualidades,

causando-lhes, inclusive, sofrimentos que irão reverberar por toda suas vidas, conforme pode-se

perceber as dimensões alcançadas desta afetividade inadequada, pelas narrativas de E8 (2022).

A expectativa de se ter amor, segurança, afeto, cuidado e outras vivências positivas com os

pais existe por parte de todos os filhos e, se a experiência positiva pode salvar vidas homossexuais

e lésbicas, o que dirá então de vidas transexuais, que são ainda mais fragilizadas pela condição de

sua identidade de gênero à que estas pessoas são expostas. E, quando se é transexual e lésbica,

somado a sua orientação sexual, a exposição pode se tornar ainda maior e mais intensa, de modo

que a proteção dos pais fará ainda mais diferença positiva para estas vidas, como no caso de E9

(2022).

E9 é do gênero masculino, mulher transexual, lésbica e tem 28 anos de idade. E9 relata que

teve um processo de reconhecimento de transexualidade e de lesbianidade bem complexos e de

muito preconceito, discriminação e sofrimento. E9 (2022) expõe como se iniciou e tem se dado

este processo em sua vida.

É, digamos bem complexo. Eu era uma criança amab76 e femme77, embora também já

andrógena, mas suficientemente femme para sofrer uma série de discriminações e bullying

desde a infância. [...] qualquer maneira que eu andava já estava errada, então, eu comecei

a andar sem andar e uma coisa assim, meio robotizada. [...] Então, com 19 anos eu,

interessantemente, primeiro eu fiquei num dilema, cheguei à conclusão de que eu não

poderia ser um homem cis. [...]. Mas então, que eu descobrir a binariedade78 [...]. E aí

76
Designada como mulher ao nascer.
77
Feminina.
78
Os dois gêneros: feminino e masculino.

351
depois, eu comecei minha transição. Ah, tá, primeiro, enfim, da não binariedade, eu pensei

que eu fosse bigênero [...], aí eu concluí que eu fosse agênero [...] E aí, eu comecei a fazer

a transição social, no início, enfim, isso acaba, eu comecei a ter uma passabilidade 79 de

mulher trans, mas ao mesmo tempo eu era essa coisa agênera80 e assintoticamente feminina

e assintoticamente uma linguagem de gênero feminino, mas a identidade de gênero de

mulher. [...], enfim, eu fiquei demigênero81, que era uma espécie, como se tivesse um

volume, né, da voz interna da identidade de gênero, esse volume da voz interna da

identidade de gênero, ele passou a ser é, enfim, ele não era 100%, era uma coisa entre 0 e

1. E aí [...] porque eu não era mais agênero, mas eu não sabia, quando aconteciam assim,

possíveis flertes com outras mulheres, né, no caso mulheres trans, eu também sou trans

centrada majoritariamente, embora, nada de modo exclusivo, mas, voltando, quando tinha

esses flertes, eu, enfim, ficava pensando “tá, mas ela se atrai por mulheres?”. [...] E aí, lá

pelos, enfim, lá pelos, em algum momento, [...]começou a reconfigurar toda a minha

percepção da minha sexualidade, do meu romantismo, porque eu passei a perceber que meu

interesse por mulheres e pessoas não binárias, era enquanto uma mulher. (E9, 2022).

E9 (2022) descreve que este foi um momento bastante complexo, reflexivo e sofrido em

sua vida, pois estava se conhecendo e se descobrindo a cada dia e, enquanto isso, passava por uma

série de discriminações, especialmente de homens heterossexuais.

79
Passagem ou possibilidade da pessoa ser socialmente lida como pertencente a um grupo diferente do seu de
pertencimento.
80
Pessoas que não se identificam com nenhum dos gêneros de determinado contexto.
81
Pessoas que se identificam parcialmente com o outro gênero ou se identificam como parcialmente femininas e
masculinas. Não confundir como demissexual, que se trata de pessoas que se envolvem afetivamente com as outras
somente se houver afeto envolvido ou envolvimento intelectual.

352
Em termos familiares, E9 (2022) observa que recebeu mais apoio por parte de sua mãe,

especialmente depois que ela se afastou da igreja, do que de seu pai, que demonstrou mais

dificuldade em compreendê-la. E9 (2022) narra que:

[...] teve uma ocasião em que eu fiquei muito machucada, porque ele, enfim, demonstrava

não ter nenhuma compreensão do que era transgeneridade, ele falou que conhecia amigos

gays que, enfim, faziam inúmeras coisas, mas era no campo privado e tal, mas que, enfim,

na vida social pública, usavam calças. O problema não era com calças, porque, enfim, eu

gosto de calças, mas era porque ele não conseguia me entender e entender o que eu era. Eu

tive essa coisa de androginia bem forte e tal, e a minha mãe, mesmo antes dela acertar nome

e pronome, ela chegou em um momento, quando ainda fazia parte de uma igreja cristã, a

me dizer algo do tipo, ou que eu interpretei, como como pecado “acho isso pecador e tal”.

E daí na verdade depois houve um momento catártico em que ela, enfim, ela que nesse

momento ela percebeu que eu era trans e, embora eu recentemente, eu acredito que eu já

tivesse falado pra ela, mas também não tenha ficado inteligível, mas de qualquer forma, ela

começou a me apoiar muito nas questões de transição e tal. Ela me dava muitas roupas

dela, comprava roupas pra mim”. [...] eu acabei me abrindo mais com a minha mãe, [...],

enfim, eu, parece que eu vi um maior acolhimento na minha mãe, aí eu me abria mais pra

ela. (E9, 2022).

E9 segue seu processo de transição como mulher transexual e lésbica e segue podendo

contar com o apoio de seus pais, ao que se consegue, pelo relato acima, perceber a importância

deste na vida de E9, uma vez que ela passou por uma série de conflitos internos, além de ter sofrido

preconceito e discriminação.

353
A homofobia e a lesbofobia por serem um fenômeno social e cultural, no qual, de acordo

com Kimbles (2014) e Franco (2022b), os grupos, buscando manterem a sua identidade cultural,

tendem a excluir o homossexual e a lésbica e, por eles não fazerem parte de uma sociedade

heteronormativa, pode, não raras vezes, contribuir para a homofobia internalizada, de modo que o

homossexual e/ou a lésbica não se aceite por um medo intrínseco do que pode vir a lhe acontecer,

evitando, assim, viver sua sexualidade, negando-a e buscando, muitas vezes, outras formas de

vive-la, tentando, inclusive, como alternativa, a heterossexualidade compulsória. Podemos

observar este fato no recorte da exposição de E6 (2022).

E6, gênero masculino, 54 anos, percebeu-se homossexual aos 15, 16 anos, mas por ser de

uma família católica, teve dificuldade a princípio para se aceitar, tentando, inclusive, viver

experiências heterossexuais a fim de enquadrar nos padrões socialmente esperados e não sofrer

discriminação pela sociedade. Conta E6 (2022):

[...] eu cheguei a ter uma namorada, né? Até por conta disso, acho que era uma tentativa de

eu não dizer que para mim que eu era homossexual. [...] Então, assim, a gente chegou a

namorar, mas o namoro não durou mais do que um mês, porque, assim, eu era super

comportado e era aquela coisa de pegar na mão, acho que eu não, não, não sei se eu não

tentei ir além e eu não sei por que, eu não sei por que, mas, durou um mês mais ou menos.

E aí ela terminou comigo. [...]. Eu cheguei a ter paixonites por outras mulheres, eu me

lembro de algumas [...]. Mas que nunca, ah, nem cheguei perto, sabe? Nem a olhar

diretamente, porque para mim aquilo era algo, assim, eu não queria. Assim, eu me lembro

muito, que era uma questão de eu tenho que esconder. (E6, 2022).

Entretanto, E6 sentia que desejava sexualmente os meninos e não as meninas. Relata ter

passado por momentos difíceis tentando esconder sua sexualidade das demais pessoas,

354
preocupando-se quanto a percepção de sua homossexualidade por aqueles que o circulavam, com

o que poderiam pensar sobre ele e mesmo fazer. Descreve E6 (2022):

[...] o meu objeto de desejo certamente é, são pessoas do mesmo sexo. [...]. Eu me lembro

que no período de graduação, eu, e aí talvez eu acho que esse tenha sido o período de maior

sofrimento, pra mim, não sofrimento como, sei lá, tô com depressão, mas era um sofrimento

no sentido de, eu acho que é o período que eu mais fiz questão de, eu não posso deixar que

ninguém perceba, porque eu morava em República com homens, né? Cheguei a dividir

quarto com 3, 4 pessoas e aí eu ouvia muitos comentários do “ah, tão falando do fulano,

tão falando de beltrano, porque fulano..., entendeu? Eu me lembro que eu ficava aflito com

aquilo, assim, “nossa, será que vão perceber de mim também? Então, assim, sabe? De nem

olhar de relance. [...] eu diria que, assim, a minha afetividade e minha sexualidade ficou

anulada por conta disso. No fim das quantas, eu não vivi nem uma coisa nem outra nesse

período, né? (E6, 2022).

É perceptível que E6 tenha sofrido com sua sexualidade e a impossibilidade de viver sua

homossexualidade de forma livre, desde o início, tendo lutado sempre para escondê-la das pessoas,

inclusive, de sua família, para a qual nunca contou que era homossexual. E6 (2022) relata nunca

ter tido nenhuma conversa com seus pais e irmã, sobre sua orientação sexual, porque não queria

fazê-los sofrer, porque não via necessidade de lhes contar e porque moram distantes um do outro,

o que “ajuda no anonimato”, pontua. Esclarece E6 (2022):

[...] eu nunca tive essa conversa com meus pais, né? Nunca precisei ter. Eu me lembro que

até há uns eu via umas tias, aquelas tias mais velhas, perguntar: “e aí você não tá

namorando, não vai, não casou, não vai casar? Não sei o que, não sei o que mais lá...”. E

aí depois pararam de perguntar isso, então ninguém, ninguém pergunta mais nada hoje em

355
dia. Eu me lembro de um episódio que uma prima, inclusive uma prima já falecida, que ela

chegou, a gente era muito próximo na adolescência, depois a gente se distanciou e depois

se reencontrou, e ela chegou a fazer algum comentário do tipo “alguém chegou a dizer que

é estranho que você não tenha namorada, que não sei o que...”, tipo assim: “você vai fazer

seus pais sofrerem, entendeu?”. (E6, 2022).

Por meio de sua narrativa fica aclarado que E6 não contou para sua família e, de fato, sentia

que, se o fizesse, realmente a faria sofrer, então, optou por não lhes contar sobre sua orientação

sexual. E6 escolheu por seguir sua vida afetiva mantendo-a o mais anônima possível. Hoje se

encontra solteiro e morando sozinho.

A homofobia e a lesbofobia, socialmente falando, impossibilita, por meio de uma sombra

coletiva (Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021; Franco, 2022b), que os homossexuais e as

lésbicas se assumam legitimamente, sem se sentirem marginalizados e sem que sofram as

consequências de, em se assumindo, serem vítimas de discursos de ódio, discriminação e violência

por parte de sua família e da sociedade como um todo.

Não tendo o apoio da família e das pessoas que convivem com eles, os homossexuais e as

lésbicas vão se sentindo ainda mais expostos à violência e, não raras vezes, o medo permeia estas

vidas, levando estas pessoas a desenvolverem sintomas (Ramos, 2006), tornando-as, por exemplo,

atentas e vigilantes o tempo inteiro ao que pode lhes acontecer e as violências que podem sofrer

devido a sua orientação sexual. É possível observar estas vivências e o sofrimento advindo delas,

nos relatos de E5 (2022).

E5, gênero masculino, 40 anos, descobriu-se homossexual entre os 15, 16 anos. Relata ter

sido um momento bastante difícil a descoberta da homossexualidade, porque era algo para ele

muito contraditório em termos de sentimentos, por ele ter uma criação católica. Por medo do que

356
poderiam lhe fazer em termos de violência, por ser gay, conta, inclusive ter desenvolvido uma

hipervigilância.

Então, imediatamente após essa descoberta, eu me pegava muito me questionando, me

criticando e me podando, sabe? Então foi bem difícil nesse sentido e não tinha ajuda,

porque se eu fosse numa igreja, eu sabia o que de antemão iriam me falar. Eu não era

assumido para minha família, então a família não era uma opção. Amigos, eu tinha medo

de ser cortado e me detonarem, então assim, era eu comigo mesmo. [...]. Ah, eu lembro de

me sentir muito errado o tempo todo, sabe? Como se tudo que eu fizesse fosse errado, o

que eu gostasse fosse errado, então me senti errado. [...]. E muito deprimido, assim também

de ficar muito triste, né, de porque isso né, ansioso assim, ansioso porque estava sempre

vigilante. O meu terapeuta falou para mim uma vez, você deve ter desenvolvido na tua

infância já, algo chamado hipervigilância, você estava sempre atento ao mundo a tua volta

para você já pensar, como que você agiria se acontecesse tal coisa. (E5, 2022).

E5, quando se aceitou homossexual e se permitiu viver sua sexualidade, viu-se muito

sozinho e, como não havia se assumido frente a família, sentia que não poderia contar com ela.

Diz E5 (2022), “Eu não era assumido para minha família, então a família não era uma opção” e,

assim, passou por vários enfrentamentos ao longo da vida, sem contar com eles. O pai veio a

falecer e E5 (2022) observa nunca terem conversado sobre sua orientação sexual, embora, hoje,

desejasse poder contar para ele.

Assim, meu pai, a gente nunca teve uma conversa sobre. Eu acho que ele sabia. Talvez

tentasse se enganar um pouco. Eu acho que essa coisa do pai e da mãe ainda tem essa coisa

de ainda, lá no fundo, esperar estar errado, esperar que seu filho seja hétero, esperar que

vai encontrar uma esposa, um marido. Mas assim, daí meu pai faleceu, não tive tempo de

357
conversar com ele sobre, então não sei efetivamente qual era a percepção dele sobre mim,

até porque quando ele faleceu, eu ainda estava numa fase de trabalhar dentro de mim, então

eu nem sei se eu saberia o que falar para ele, exatamente. (E5, 2022).

Com relação a mãe e aos irmãos, E5 (2022) relata que a mãe, no início, apresentou mais

dificuldades em aceitar, acreditando sempre que ele poderia se modificar, uma das irmãs pareceu

não ter grandes problemas com isto e a outra tentou dissuadi-lo a mudar e o irmão ficou 1 ano sem

falar com ele.

A minha mãe no começo, pra ela foi bem difícil. Era aquela coisa assim, “ah, você não

conheceu a mulher certa. Não, mas, um dia você vai se apaixonar pela mulher certa, você

vai ter filho”. “Não, porque o homem tem que ter uma mulher”. Então, assim com a minha

mãe foi difícil nesse sentido, de ser muito conservadora, mas, aos poucos eu fui

conseguindo mudar a percepção dela. Tanto, que depois que eu apresentei meu namorado,

que eu nem trouxe como namorado, a gente nem era namorado ainda, a gente era só amigo,

ela já gostou dele. [...] Com as minhas irmãs, minha irmã mais velha não vou dizer que foi

100% tranquilo, mas acho que de todos foi a mais de boa, que menos criou problemas. [...].

Minha irmã mais nova tentou me induzir a ir para outro caminho, para o caminho certo, o

caminho da luz (risos). [...] Ah, meu irmão ficou quando ele soube, ficou um ano sem falar

comigo. (E5, 2022).

Relata E5 (2022), que isto lhe causou bastante sofrimento, pois a família não tinha uma

convivência próxima, na qual todos estivessem realmente bem uns com os outros, dado que seu

irmão o evitava e sua mãe precisava escolher entre estar com um e com o outro. Sofreu por muito

tempo até que, não suportando mais, teve que reagir ao sofrimento. Conta E5 (2022):

358
Eu sofri tanto durante tanto tempo por “n” coisas, e isso, e essa história toda de família

junto…, que é como se em um dado momento, não sei se minha cabeça ou meu coração

tivesse falado assim, “cansei, cansei, cansei, não aguento mais, não aguento ficar para

baixo, me deprimindo, chorando, triste, me acabando por conta disso e dessas pessoas, não

quero mais isso para minha vida”. E é como se a partir daquele momento, aceitação ou não,

conversa ou não, não importasse mais na minha vida. (E5, 2022).

Atualmente E5 encontra-se solteiro e reside com suas tias e tem uma convivência possível

com a família, embora não se fale de vida pessoal nela.

Os relatos até aqui expostos permitem considerar que, com frequência, a homossexualidade

e a lesbianidade tem sido uma descoberta realizada desde cedo na vida dos jovens e, de forma

bastante constante, a homofobia e a lesbofobia presentes na estrutura social e enquanto um

fenômeno denominado por complexo cultural (Kimbles, 2014; Franco, 2022b), legitimam a

discriminação e o preconceito social e familiar, como evidenciado nos relatos de E4 (2022).

E4, gênero feminino, 36 anos e percebeu-se lésbica aos 19 anos, ao que relata ter sido um

grande conflito, pois isto não era uma possibilidade em sua vida. E4 não contou sobre sua

sexualidade para família na ocasião, mas, a mãe descobriu. Conta E4 (2022):

[...] a minha mãe descobriu já no dia seguinte, ela já sabia, já percebeu logo de cara. Então,

a minha mãe começou a pegar no meu pé, assim, do tipo, ela não vai dormir aqui em casa,

você tem que voltar para casa. Foi assim por um tempo grande, tal foi o conflito da minha

mãe ter entendido o que se passava, mas ela não aceitava. [...] Foi péssimo. Foi um período

terrível assim. Eu acho que isso durou pelo menos um ano, esse caos na minha casa. (E4,

2022).

359
Pela narrativa de E4 (2022), torna-se oportuno observar quão sofrido e ruim foi este período

em sua vida de não aceitação familiar, especialmente quando as demais pessoas da família

começaram a se envolver e teve sua privacidade ainda mais exposta e invadida, conforme relata:

[...] uns 6 meses depois, eu entendi que a minha família inteira sabia. Todo mundo já tinha

percebido, mas ninguém falava nada. É isso, demorou uns 6 meses para as pessoas

começarem a falar assim. E aí a coisa saiu do controle quando a gente estava passando um

ano novo na praia e ela tinha casa lá também, então ela passava o dia comigo, na praia, na

casa, tudo, e aí virou um grande bafafá na minha família. [...]. Ah, começou com o meu

avô, esse... imbecil, insuportável. Meu avô, eu falo que ele é um terrorista, e ele é até hoje.

Começou com ele falando: Essas duas aí estão parecendo aquele casal da novela. [...] E aí

a minha tia, irmã da minha mãe, veio falar comigo. [...]. Aí, na sequência, minha prima

veio falar também [...]. Meu pai, por exemplo, ele só falou alguma coisa, um ano depois,

né? (E4, 2022).

À medida que o tempo passava, mais a mãe de E4 intensificava a pressão para com ela e

expõe E4 (2022) que:

No dia dos namorados que minha mãe viu um presente de dia dos namorados em cima da

cama. Ficou louca, deu um chilique, chorou e disse: como você faz isso comigo… e não

sei o quê… e você não vai sair de casa! E aí, meu pai me chamou para conversar e falou:

ó, sua mãe falou que não é pra você sair de casa. E aí eu falei, ah, mas vou sair de casa, vou

passear. Como assim, ele falou? E seguiu dizendo: Eu não quero me intrometer, então, use

a sua liberdade com parcimónia. É meio o que ele disse na época assim, sabe? E aí eu

realmente saí de casa, fui e fiz o que eu tinha que fazer, dormi fora de novo, tudo certo,

mas aí começou a virar meio que um caos, tinha que mentir o tempo todo, sabe. Durou

360
muito tempo, uns anos de eu mentindo. E aí, nesse período, eu namorei por 5 anos. (E4,

2022).

Estes 5 anos seguiram-se desta mesma forma, considera E4, até que, quando ela terminou

o seu relacionamento e estava mal, sua mãe se reaproximou e ela disse que gostaria de viajar, ao

que sua mãe prontamente aceitou e, para E4, sua mãe viu nesta viagem não efetivamente a

possibilidade de ajudá-la com o término do namoro, mas, sim, uma tentativa de afastá-la da

homossexualidade82. Contextualiza E4 (2022):

A minha mãe só relaxou quando ela entendeu o que eu estava na merda né? Que eu tava

mal, porque que eu tinha terminado. Falei para ela que eu queria fazer uma viagem para a

Europa e aí ela deu um jeito de me pagar uma viagem pra Europa. “Essa vai ser a solução

da homossexualidade da E4”. (E4, 2022).

E4 relata que ao voltar de viagem, 4 anos depois retomou seu antigo relacionamento e foi

morar junto com a namorada, e neste momento, não tendo mais o que fazer, a mãe parece ter aceito

a relação das duas. Expõe E4 (2022):

E aí depois, sei lá, 4 anos depois, quando eu voltei com a M., ela aceitou quando eu falei

que eu ia morar com ela, e a partir do momento que eu fui morar com a M., ela não tinha

mais o que fazer, né? Ou ela aceitava aquilo ou ela iria se afastar de mim. [...] E aí isso foi

uma um super estresse assim, e acabou que eu fui morar com ela e aí sei lá…, 2 meses

depois, minha mãe passou a aceitar. E chamava a M. de minha filha [...], ai, as minhas duas

filhas [...]. (E4, 2022).

82
Durante as entrevistas algumas mulheres lésbicas, ao falar sobre sua sexualidade, utilizaram-se do termo
homossexualidade, sendo os relatos conservados em sua integridade.

361
Com o cenário exposto por E4, fica evidente como foi difícil para ela o período em que sua

família não a aceitava, impactando diretamente em sua vida. Atualmente E4 está namorando com

outra pessoa, mora sozinha, e tem bom relacionamento com a mãe.

Algo bastante semelhante, no quesito de não aceitação familiar inicial, se passou com E12

(2022), que lutou por ser respeitada em todos os setores de sua vida.

E12 é do gênero feminino, tem 42 anos de idade, tem um filho adotivo junto a sua

companheira. Relata que desde os 7 anos de idade já se percebia não gostando dos meninos, mas

não tinha noção da dimensão do que isto significaria no futuro em sua vida. E12 (2022) descreve:

A minha mãe queria que eu me casasse. A minha mãe queria que eu tivesse filhos. A minha

avó olhava pra minha cara e dizia “ai, mas você não tem um namorado?”, “mas, eu sou

feliz, eu não preciso ter namorado”. Então, aí, a família começa a ser homofóbica. É porque

aí a família começa “ah, mas cadê o namorado, ah, mas onde tá o namorado?”. Eu falei

“mas, que raio, que tudo tem que ter namorado, pra ser feliz nessa vida? Eu não tenho

namorado. “Ah, você gosta de jogar bola, essas meninas aí são todas machos”. “Que bom.

Eu não sou”. Só que eu não sabia que eu gostava de meninas, né? (E12, 2022).

E12 descobriu-se lésbica entre os 16 e 18 anos. Conta que jogava bola em um grupo de

mulheres lésbica e que um dia se apaixonou por uma delas e, certo dia, a namorada foi em sua casa

e neste momento, todos na mesa, diz E12 (2022):

[...] vira a minha avó, que era viva na época “ah, mas e o namorado?”. “Ah, vó, não quis

arrumar um namorado não, eu preferi arrumar uma amiga”. Aí ficou um silêncio, ninguém

respondeu. Aí, a minha tia, olhou assim pra minha cara. E eu dei de louca, paguei de louca.

Aí quando eu falei que eu ia sair, a minha mãe me chama e faz assim. “E12, é ou não é?”.

Aí eu fiz “é ou não é o que? Não sei o que a senhora tá falando?”. “Você sabe, é ou não

362
é?”. Eu falei “olha mãe, eu aprendi a falar a verdade. A senhora que me ensinou, mas a

senhora não tá sendo clara. Pergunta o que realmente a senhora quer saber e eu vou

responder”. “E aí, essa menina é sua namorada ou não é?”. “Agora sim, como a senhora

me ensinou a falar a verdade, eu não posso mentir. Ela é minha namorada”. [...] Aí ela fez

assim, “é, é, é, é”. Aí eu fiz “é, é isso mesmo, mas, então, eu já vou sair, que a gente vai

jogar bola, depois a gente conversa. abençoa, a senhora, pode me benzer?”. Aí eu fiz assim

né, morrendo de medo dela me dar um tapão. Mas ela nunca fez isso. (E12, 2022).

Com relação ao seu irmão, por quem E12 tem imenso carinho e excelente convivência, E12

(2022) relata que:

Aí, passou um tempo, aí meu irmão pegou e falou, “E12, posso te fazer uma pergunta?”.

“Pode, o que você quer falar, fala que eu respondo pra você?”. “Ô E12, você gosta de

menina?”. “Gosto, N., gosto de menina. Isso vai te magoar, isso vai te deixar mal? O que

que eu posso fazer pra você não ficar triste?”. “Ah, E12, eu gosto de você, o que você

quiser, você vai fazer. Eu queria uma coisa só”. “O que você quer falar, fala que eu vou

fazer”. “Você promete não ser menino?”. Aí, eu falei pra ele, “olha, eu não preciso te

prometer. Eu gosto de meninas e sou menina. Eu não tenho vontade de ser menino. Mas se

um dia eu tiver vontade de ser menino, você vai ser a primeira pessoa que eu vou falar. A

gente pode combinar desse jeito?”. “Ah, pode, tudo bem!”. “Então vamos jogar bola,

vamos”. Fui jogar bola, jogamos bola a tarde inteira. (E12, 2022).

E12 (2022) menciona que, a princípio, a maior dificuldade de aceitação se deu por parte

das mulheres da sua família, mas com o passar do tempo as pessoas foram se acostumando e a

respeitando. Atualmente E12 mora e vive em harmonia com sua mãe, sua companheira e com seu

filho adotivo criança.

363
Quando se pode contar com a aceitação, com o suporte e com o apoio familiar, o

homossexual e a lésbica desenvolvem recursos internos positivos (1954/2013) capazes de lhes

ajudar a suportar a discriminação social e isto se torna perceptível na narrativa de E10 (2022).

E10 é do gênero feminino, tem 38 anos e se descobriu lésbica por volta de seus 15, 16 anos,

enquanto assistia ao filme Beijando Jéssica Stein e se identificava com os pensamentos da atriz.

E10 (2022) relata como se deu este momento:

[...] E eu tava sozinha na sala, tava assistindo um filme na época e [...] as coisas que ela

questiona, as coisas que ela pensa em algum momento do filme [...] eu tava assistindo, eu

pensei “fodeu”, porque eu me identifiquei com as coisas que ela tava pensando. Só nessa

hora que eu pensei, tipo assim, eu acho que eu me identifiquei com os questionamentos e

isso eram coisas corriqueiras, assim, coisas que eu passava, mas eu nunca tinha dado um

nome para aquilo. Eu nunca tinha parado para pensar por que que as coisas eram daquele

jeito. E aí naquela hora eu pensei “fodeu” e aí eu lembro de ter acabado o filme, o letreiro

ficar passando, e eu ficava parada, assim, olha só, eu não estava pensando em nada. Eu só

tava assim. Só estava num estado de “fodeu”. “E aí, o que que eu vou fazer agora?”. [...]

Nossa, eu acho, foi um, quando a gente fala desespero, parece uma coisa muito, muito

agitada, mas é muito barulhenta também, né? Mas não foi, foi uma coisa bem que eu

guardei lá dentro. Eu não sabia o que fazer e nem como lidar com isso. Desejei que não

fosse verdade, não pude aceitar na hora, mas isso ficou dentro de mim. (E10, 2022).

Sendo de família oriental, E10 conta que foi ainda mais difícil lidar com este momento de

descoberta e, em posse desta angústia, primeiramente conversou com uma amiga e mais adiante

contou para sua mãe, a qual a acolheu, especialmente por não perfazer o padrão oriental, uma vez

364
que era mãe solteira e isto não é aceito na comunidade oriental. Pontua E10 (2022) como foi contar

para sua mãe:

Mas a minha mãe já não era do padrão, então, facilitou muito a minha vida. [...] eu, e eu

nasci por um acidente, mas minha mãe não se casou. Eu não conheço meu pai. [...] E teve

um dia que tava minha mãe e minha tia na cozinha. Não sei o que tava acontecendo e aí,

elas deviam tá brigando comigo, sei lá. E aí, não sei o que tinha acontecido aquele dia, eu

sei que eu já não estava normal e daí eu comecei a chorar. Eu gritei, falei, “vocês não sabem

o que acontece na minha vida, não sei o que”, e subi. Óbvio que minha mãe subiu atrás

porque ela pensou, como assim, eu não sei o que tá acontecendo na sua vida, né? [...] Ela

subiu e aí eu tava deitado na cama, chorando, com a cabeça enfiada no travesseiro, assim

sabe? Daí ela sentou do meu lado e tal, [...], falou assim “você é homossexual?”. [...] Daí

ela pôs a mão nas minhas costas assim, e começou a mexer, sabe, e falou assim “você

roubou alguma coisa?”, falei “não”, “você matou alguém?”, eu falei “não”, “então está tudo

bem”, e foi embora. (E10, 2022).

Assinala E10 (2022) que o acolhimento de sua mãe fez toda a diferença em sua vida, pois

ela sofreu diversas formas de preconceito e teve sempre o suporte de sua mãe e de seus amigos. A

mãe contou para tia sobre a orientação sexual da filha, que era a pessoa que poderia ter mais

dificuldade de aceitar, mas E10 (2022) comenta que nunca teve nenhum problema com a tia. Para

avó não contaram e alguns anos depois sua avó veio a falecer de AVC e, relata E10 (2022), que

quando o enfermeiro a chamou e E10 foi ao quarto ver a avó que tinha falecido, percebeu, ao

abaixar a cama, que o enfermeiro havia deixado o tubo de oxigênio preso na cama, entre os ferros.

Perguntou-lhe se isto era deste jeito mesmo, ao que ele respondeu com angústia que não. E10

contou apenas para sua mãe, mas não fizeram nada contra o enfermeiro, pois para ele já haveria

365
de ser um peso para se carregar pelo resto da vida, considera E10. Depois de um tempo, seu tio

faleceu e, logo em seguida sua mãe teve um AVC seguido de infarto e veio a óbito também. A

mãe estava com 70 anos e foi muito difícil para E10 perdê-la. Atualmente E10 reside com sua tia,

namora, e recebe a namorada em casa sem nenhum impasse junto a tia. Possuem uma relação de

respeito, observa.

A aceitação dos pais aos filhos homossexuais e lésbicas constitui fator de grande

importância para que estas pessoas se fortaleçam e tenham uma autoestima positiva, sinta-se

seguras e possam, inclusive, lutar contra a discriminação, o preconceito e a violência que existe

contra pessoas homossexuais e lésbicas. Entretanto, há homossexuais e lésbicas que desde cedo

possuem intrínseco o desejo de lutar por seus direitos e pelos direitos de sua comunidade,

independentemente de serem ou não aceitos em sua família, como temos E11 (2022), que é um

verdadeiro exemplo de vida e de luta.

E11 é do gênero feminino, tem 66 anos, adotou 4 filhos e teve vários outros filhos advindos

de movimentos LGBT. Percebeu-se lésbica desde cedo, e relata que desde pequena apreciava

observar a feminilidade das mulheres e passava horas vendo sua mãe se arrumar para ir trabalhar.

Conta E11 (2022) que, certa feita, onde morava, havia uma menina mais velha com a qual

a mãe demonstrava incômodo quando E11 estava junto, brincando, e E11 passou a prestar atenção

às conversas da mãe sobre a menina e logo descobriu que a questão era porque a menina era lésbica.

E11 passou a observar que se identificava com menina e era também lésbica. Aos 12 anos, E11

(2022) relata que se apaixonou por uma professora e logo em seguida por uma colega e foi quando

contou para sua mãe e sua família, o que foi um escândalo para eles:

Então quando eu me apaixonei mesmo, foi que eu falei “hum, agora é pra valer”. Foi por

uma professora minha, professora, na época, de português [...] E, nessa mesma época eu

366
me apaixonei por uma amiga minha de escola, “aí, ferrou”. E falei, lá em casa [...] “Tá

apaixonada pelo R.?”, me perguntaram. “Não, não é pelo R., é pela fulana”. Foi um

escândalo [...] pra a minha mãe, pra minha irmã. [...] Demorou, demorou… Mamãe, eu

acho que a mamãe morreu com grandes esperanças de que a história ia mudar. Ela aceitou,

“aspas”, já que não morava aqui mesmo, morava longe... Ela sabia que eu morava com uma

companheira. [...]. E a minha irmã foi melhorando também, nessa deu ficar muito fora,

muito, morando muito fora, e muito longe. A minha irmã foi aceitando pra se aproximar,

mas, engraçadamente, com o meu cunhado eu nunca tive problemas, ele sempre soube.

(E11, 2022).

E11 atualmente mora com sua irmã e seu cunhado e segue tendo bom relacionamento com

eles e excelente parceria com a irmã, diz que uma cuida da outra. E11 é uma pessoa pública, ativista

e militante de causas LGBT – lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, especialmente, LBT –

lésbicas, bissexuais e transexuais. E11 (2022) relata ter sofridos discriminações ao longo da vida,

mas sempre lutou contra elas e em prol do respeito à diversidade sexual.

A discussão sobre como é o contexto familiar de gays e lésbicas frente a sua orientação

sexual, a partir do aporte da psicologia junguiana, apoiada nos recortes das falas dos entrevistados,

gays e lésbicas, permitiu se confirmar as hipóteses levantadas durante a Análise de Bardin, na

subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos, que “gays

e lésbicas muitas vezes permanecem com sua sexualidade oculta (chamado armário) devido ao

medo da violência e da morte, advindas da homofobia e da lesbofobia” e que “um dos mais intensos

sofrimentos advindos da homofobia/lesbofobia incide do preconceito e discriminação familiar,

ferindo emocional e, muitas vezes, fisicamente o homossexual/lésbica parte daquela família”.

367
Esta discussão mostrou-se ainda bastante esclarecedora acerca da importância da aceitação

familiar atuante como fator altamente benéfico e salutar na vida destas pessoas, chegando até

mesmo a salvá-las frente a violência a que são expostas e vitimizadas. Permitiu ainda observar os

desdobramentos da não aceitação familiar, da discriminação, do preconceito, da exclusão e da

violência, demonstrando, pelos relatos dos entrevistados, os efeitos em vidas, abalando-as

sobremaneira.

E, neste mesmo contexto, como veremos abaixo, os amigos desenvolvem papel semelhante

na vida de gays e lésbicas, atuando como fator de apoio, validação, autoestima e sobrevivência

destas pessoas.

6.6.1.2 Amigos

Assim como a família, os amigos possuem um papel bastante relevante na vida de gays e

lésbicas, fazendo, inclusive as vezes da família, quando não há aceitação e apoio em seus lares,

por seus familiares, vindo os amigos a servirem de porto seguro e confidentes de seus sofrimentos,

dúvidas, inseguras e ansiedades.

Os amigos são também arquétipos (Jung, 1959/2014a), assim como a família e os membros

que a compõe. Em grego, amizade, no sentido mais amplo da palavra, lealdade, comunidade e

família, vem de philia, que, para Aristóteles significava ética, virtude, de modo que a verdadeira

amizade era uma virtude, um costume, um hábito, que deveria fazer parte de uma ética interna,

que deveria ser cultivada e respeitada. Aristóteles acreditava que a amizade deveria pressupor

reciprocidade e, neste contexto, a ética fundamental. (Rocha, 2006).

368
Platão, por sua vez, fazia pouca diferenciação entre “eros” e “philia”, amor e amizade, pois,

para ele, um estava contido no outro, não sendo fácil separá-los, pois que estavam interligados e

não podiam ser separados. (Rocha, 2006).

De acordo com Barcellos (2022), a amizade também advém de fratria, que, do grego,

significa amizade, fraterno, fraternidade. E, quando associada a palavra philia, diz respeito a

intimidade, fidelidade, lealdade, franqueza, confidencias, cumplicidade, afeição entre amigos,

sendo vital na relação entre as pessoas, pois que ninguém prescinde de ter amigos, já que as

verdadeiras amizades suportam às situações mais adversas nas vidas das pessoas. E, isto se

evidencia nos recortes dos entrevistados, gays e lésbicas, ao falarem da importância dos amigos

em suas vidas.

Dos 12 entrevistados, 11 afirmaram que todos os seus amigos conhecem sua orientação

sexual, pois de outra forma não poderia ser possível uma amizade verdadeira entre eles, a saber, a

fala de E11 (2022), que ilustra as demais falas.

[...] Ah, não tem nenhum que eu saiba, não sou amiga de ninguém que não saiba da minha

orientação. Não gosta, um abraço. Olha, desde o meu jornaleiro até os donos de todos os

lugares que eu frequento, e garçons e garçonetes sabem, tem que saber. Eu não gosto de

gaveta, quanto mais de armário. Teve armário numa época, em que todo mundo, tava se

enfiando nele. Em plena ditadura. Imagina… (E11, 2022).

Apenas o entrevistado E6 (2022) alegou que, dentre seus amigos, há aqueles que

desconhecem sua orientação sexual. “[...] Eu digo assim, os amigos, amigos sabem. É..., eu não

vou dizer que todos, eu diria 80% sabem, agora, tenho alguns amigos que eu considero amigos

também, mas não sabem”.

369
Considera Santos (2022, p. 89) que “a depender do grau de ameaça dessas revelações,

novas e diferentes personas podem se reestabelecer. Contudo, nenhuma pessoa gay pode controlar

os múltiplos códigos pelos quais a informação sobre a identidade erótica pode ser transmitida”.

Barcellos (2022) observa a amizade pressupõe aceitar o outro como ele é e pontuar, até

mesmo, quando o amigo o machuca ou mesmo quando faz coisas que ele considera como

inadequadas. A amizade pressupõe alteridade, colocar-se no outro e ser empático a este outro.

Nas relações de amizades, as pessoas tendem a buscar por grupos e indivíduos semelhantes

a si, a fim de se sentirem aceitos e validados e, estes grupos que se formam, prezam por suas

singularidades e particularidades, buscando manter a identidade do grupo segura, de modo que

buscam aceitar as pessoas que compõe esta identidade e excluir as que não fazem parte, buscando

manterem-se seguros desta forma (Kimbles, 2014; Franco, 2022b). Isto foi possível verificar nos

recortes das falas dos entrevistados abaixo, os quais alegaram que grande parte de seus amigos são

gays e lésbicas.

[...] Minha casa sempre é muito frequentada pelas amigas e amigos. Eu quase não tenho

amigas hétero, ou não tenho. Os colegas de Universidade, são quem mais frequentam

minha casa, que fazem parte da minha vida são muito poucos. (E1, 2022).

[...] Todo o meu círculo de amizades, a maior parte deles são gays né? Eu vivo num em

torno LGBT, né? (E3, 2022).

[...] Hoje eu não tenho nenhum amigo assim, que não saiba, que até porque a maioria deles

hoje é da nossa comunidade, então a gente acaba se encontrando. (E5, 2022).

Os amigos representam uns na vida dos outros uma força bastante propulsora,

impulsionadora e que transmite segurança e valida o sentimento de aceitação e pertencimento. E,

370
quando a família não faz este papel de acolhimento, pelos relatos abaixo, podemos perceber a

diferença que um amigo faz para as pessoas que são homossexuais e lésbicas.

Não falei para minha família, não falei para ninguém, na verdade, pra um amigo, só ele e

mais ninguém. [...] Foi péssimo. Foi um período terrível assim. Eu acho que isso durou

pelo menos um ano esse caos na minha casa, e escondendo as coisas da minha mãe. Eu,

por sorte tinha a mãe de uma amiga, que eu era amiga da J. e ela era amiga da F., que é a

irmã mais nova da J. Então a gente ia todos os finais de semana para a casa delas. E a mãe

delas entendeu e acobertava a situação. (E4, 2022).

[...] Eu lembro que na época foi bem difícil pra eu contar para duas amigas de infância, que

a gente era amigo desde os 5 anos de idade, a gente era irmãos, bem dizer. E eu achava que

elas sabendo, eu ia ser rejeitado, como eu tinha sido rejeitado por vários, entre aspas,

amigos, colegas da escola, e eu não queria perder a amizade delas. Eram pessoas muito

importantes para mim, então eu não conseguia falar, era um trauma, o trauma de perder, o

medo de perder por ter perdido o medo de perder as duas também. [...] Beleza, aí eu cheguei

para conversar com elas, morrendo de nervoso, devia estar assim, mais branco do que eu

já sou, gelado, duro de nervoso. E aí eu falei que precisava conversar com elas, contar uma

coisa, pela minha cara elas viram que eu não tava bem. Tava na minha mão, não é? Estava

morrendo de medo. “Você está gelado, elas disseram”. Eu falei “ai, pois é, tenho que contar

uma coisa para vocês e desabei”. Desabei, comecei a chorar e tal. E elas não entendiam

nada que estava acontecendo. E aí eu peguei e falei, “ai, é porque eu gosto de menino, sou

gay. [...] Aí, depois que eu parei de falar, elas olharam para mim e disseram “só isso?!” é

só por isso que você tá desse jeito? Você achou que realmente a gente ia deixar de ser tua

amiga, ia deixar de ser tua irmã e deixar de falar com você por isso? Aí eu falei, “ó desculpa,

371
mas é que quando você é uma pessoa que vem de muito trauma, de muita cacetada, você

não quer levar cacetada de novo. É, essa é a questão, né? E eu não queria perder vocês que

não são uma pessoa qualquer na minha vida, né? E aí foi muito libertador poder contar para

elas, sabe? Daí, a partir daquele momento, eu comecei a pensar o seguinte, por que que eu

tenho que falar para os outros? Fazer todo aquele drama e a pessoa, nossa, todo esse drama

por isso? Eu falei, cara, eu vou presumir que as pessoas já sabem que eu sou gay, e quem

achar que eu sou hétero, eu acho que vai ser poucas as pessoas, mas eu acho que vai ser

pouca gente, paciência. E isso aliviou para mim, entendeu? Aí eu já comecei a conhecer

pessoas pensando nisso: já sabe. Então, quem fica perto de mim não pode ter isso como um

problema, a minha sexualidade como um problema que se tiver, não fica perto de mim.

(E5, 2022).

[...] Falei com uma amiga, mas eu não sei quanto tempo depois. E eu assim, nessa época,

eu tinha um grupo de amigos. A gente devia ser uns 9 e nós éramos muito próximos, a

gente se via muito, a gente conversava muito e tal. E eu lembro quando a gente foi, eu não

sei em que momento que surgiu esse assunto, mas ela, uma menina que falava assim, já se

eu souber que uma amiga minha é lésbica, eu corto o contato, credo. [...]. Então ela tinha

essa fala, mas ela era a pessoa mais próxima. E eu acabei ligando para ela. Me acolheu

muito, falou que tinha um amigo que era gay. E que talvez fosse bom eu conversar com

ele, porque ela não, não, porque não frequentava esse mundo, né, então ela não sabia me

ajudar. A única coisa que ela podia fazer era falar que estava tudo bem assim. [...]. Eu falei

pra ela, e em seguida, logo em seguida, mas acho que no decorrer das semanas e tal, eu fiz

uma ordem claro, primeiro pra esse, depois pra esse que eu era, era assim, acho que aqui

372
vai ser mais fácil, eu acho que vai ser mais fácil. Fiz a ordem contei pra eles. [...] E depois

então, eu passei muito tempo nessa de fazer um evento para contar, né? (E10, 2022).

Considerando a importância de um amigo na vida das pessoas, sobretudo gays e lésbicas,

conforme os relatos que acima forma expressos, quando se é rejeitado pelo amigo frente a

revelação da orientação sexual, pode-se observar pelos recortes das falas dos entrevistados, a dor

que que isto lhes causa:

[...] A partir do momento que me assumo com 17 anos e muitos amigos que vieram de

ensino fundamental, ensino médio, principalmente amigos homens que não conseguiram

aceitar. O meu melhor amigo na época não conseguiu aceitar, ele chegou a..., a gente

manteve uma amizade até os meus 24 anos, mas chega um determinado momento que ele

não consegue, pra ele se torna uma situação que é insustentável. Ele fala que ele não

consegue enxergar de que eu seria feliz, sendo gay, e a gente acaba rompendo, era uma

amizade assim, eu o conheci na terceira série... e essa amizade foi rompida, né? (E2, 2022).

[...] Quando eu realmente me assumi é como se eu tivesse morrido ali, né? Como se tivesse

sido um divisor de águas, né? Então, morreu um E3 anterior pra nascer um novo. E foi a

sensação que eu tive, porque todos os meus ciclos de amigos, eu tive que, sabe, me afastar,

até hoje eu tenho uma dificuldade de lidar com isso, né? De ver as pessoas no qual eu tinha

uma amizade antes e ter que encarar elas, né? (E3, 2022).

[...] Um dos motivos também deu não ficar em Limeira, sabe? eu poderia ter ficado em

Limeira quando minha mãe me expulsou, ter ficado lá, né, ao redor dela, ao redor deles.

Foram os meus amigos, eles se afastaram de mim e os meus amigos eram evangélicos,

todos eles. E as pessoas que eu convivi, sabe, a vida toda, praticamente pessoas que eu

conheci depois, mas que tiveram uma grande passagem pela minha vida, que eu achava

373
que iam me apoiar, que iam estar comigo, que não iriam me abandonar, foram as primeiras

a virarem as costas pra mim. [...] Foram as primeiras pessoas a virar as costas, pra mim.

Dizer que não me queriam por perto! (E8, 2022).

[...] Na época, minha amiga falou assim, Há? Ah, não, não tem problema, desde que me

respeite. Isso me fez pensar muito o que que significa desde que me respeite. E aí eu fiquei

pensando, será que se um menino falar pra ela que gosta dela, ela vai achar que está sendo

respeitoso? E aí foi aí que eu acho que eu comecei a pensar a respeito de como assim?

Então as pessoas talvez falassem que tudo bem, mas não, sei que há uma diferença. E aí

surgiu uma pulga, assim, sabe? [...]. E aí eu comecei a comparar, foi aí que eu comecei a

comparar assim, porque com um homem tanta coisa é diferente e tudo que não é homem,

que não é mulher, que é gay é tratado diferente? Eu comecei a pensar nisso. [...]. Mas na

época, isso era uma fofoca, né? Então, em algum momento você perde o controle e eu

fiquei sabendo de pessoas que assim, que eu não tive mais contato. Muito obrigado a Deus

por isso, mas se tivesse contato, eu acho que essas pessoas não falariam comigo, sabe, uma

coisa assim... Porque, afinal, eu devia ser algum tipo de E.T. pra eles, né? Sei lá... Eu tive

experiências de homofobia, antes mesmos, antes mesmo de saber a minha própria

sexualidade. (E10, 2022).

[...] Não tenho amigos! Se eu tivesse amigos. Eles teriam ficado do meu lado, quando eu

falei da minha sexualidade. Certo? Todos eles se afastaram, então não tenho amigos. (E12,

2022).

De acordo com Santos (2022, p. 88):

Para pessoas gays, o processo de iniciação na cultura como si próprios começa, em geral,

sem o apoio de uma comunidade, privadamente, pela separação das estruturas de

374
dominação opressivas que marcam cada sujeito. Esse processo implica um desligamento

da identificação do Eu com essas estruturas, que podem ter imagem no desejo dos pais, na

religião, na escola ou mercado de trabalho etc. [...]. Por esse processo, porém, abre-se a

porta do armário para si mesmo, permitindo uma primeira diferenciação da vida

heteronormativa. [...]. Uma vez que essa separação enfim desenlaça o Eu da identificação

com a persona heterossexual incitada pelas estruturas de origem, cabe ao sujeito se preparar

para a revelação que inevitavelmente chegará, marcando publicamente seu pertencimento

a um outro grupo. (Santos, 2022, p. 88).

Pondera Barcellos (2022) que, amigos sinceros e verdadeiros, no sentido mais profundo da

amizade, representada na junção de fratria e philia é, como diz a canção83, “coisa para se guardar

do lado esquerdo do peito”, exatamente onde se localização o coração e, metaforicamente, o amor

e o afeto. E, mergulhando por esta metáfora, observa Barcellos (2022) que, de acordo com Jung

(1958/2012a), no coração também há sentimentos contrários ao amor, de modo que, aos nos

referirmos a amores e amizades há luz e sombra, portanto, um território dual e que, por muitas

vezes, desconhecemos, podendo nos ser agradável e ao temos tempo árido, iluminado e ao mesmo

sombrios.

A discussão sobre como é o contexto de amigos de gays e lésbicas frente a sua orientação

sexual, a partir do aporte da psicologia junguiana, apoiada nos recortes das falas dos entrevistados,

gays e lésbicas, permitiu se confirmar a hipótese levantada durante a Análise de Bardin, na

subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos, que

“homossexuais/lésbicas sentem-se melhor cultivando amizades que saibam sobre sua orientação

sexual, a fim de terem o respeito destas pessoas, podendo desenvolver amizade verdadeiras com

83
Canção da América, composta por Fernando Brant e Milton Nascimento, no ano de 1979.

375
elas” e que “os amigos de homossexuais/lésbicas, quando, ao saberem sobre sua orientação sexual

se afastam, causam o sentimento de desvalorização e menos valia nestas pessoas, podendo elas

virem a evitar amizades para não serem rejeitadas novamente”.

Esta discussão evidenciou-se ainda bastante reflexiva acerca da relevância da aceitação e

da presença de amigos na vida de gays e lésbicas, podendo-se servir-lhes de porto seguro, de

amparo, apoio e validão em momentos de angústia e desamparo, inclusive, familiar. Permitiu ainda

notar os desenvolvimentos de dor e sofrimento frente a rejeição dos amigos, ao saberem sobre sua

a orientação sexual.

Os relatos dos entrevistados revelaram que os amigos mostraram diferentes reações frente

a revelação da orientação sexual do outro, sendo que uns mantiveram a amizade e outros não

suportaram mantê-la, reafirmando, assim, que a amizade é território ambíguo de sentimentos que

nela podem existir. E, neste mesmo entendimento, há ainda outros contextos que mostram

numinosos e sombrios e que podem ser territórios e dispositivos de alívio e ao mesmo tempo de

dor, sobretudo, na vida de gays e lésbicas, como no caso da religião.

6.6.1.3 Religião

No decorrer da história a religião, como forma de poder e de domínio sobre as pessoas e

seus corpos, buscou exercer um papel de domínio sobre a sexualidade, ditando as regras de como

deveria ser, do que era certo e errado e, neste sentido, baseada em seus princípios religiosos,

pautados em uma hipotética revelação divina por meio de escritos Sagrados, instituiu a

heterossexualidade como a única possibilidade de manifestação sexual, sendo o sexo destinado

376
apenas para procriação em detrimento a qualquer forma de prazer (Aufranc, 2018; MacRae, 2018a;

Rodrigues, 2012; Jorge & Travassos, 2021; Pastana & Kiplan, 2021).

Considera E3 (2022) que a religião possui dominância sobre as pessoas, ao dizer que “[...]

depois veio a parte da religião, que entrou a religião no lugar da história pra domina mesmo, né?

E é o que acontece até hoje, né? Hoje eu vejo que a religião, ela domina muito né?” E, neste mesmo

sentido, de acordo com E4, a origem da homofobia pode se encontrar na religião: “Eu acho que

essa estrutura principal, assim, da origem da homofobia, sem falar de religião, tudo isso, né?”.

Com a igreja tendo instituído a heterossexualidade como uma forma de vivência possível

da sexualidade, todas as outras formas de manifestação da sexualidade foram definidas como

pecaminosas, intolerantes e proibidas, decaindo sobre elas o preconceito e a discriminação,

incluindo-se, a homossexualidade e a lesbianidade, no pecado, exagero dos desejos carnais, crime,

imoralidade, vício, pecado sendo, portanto, concebida como inadequada e antinatural. (Aufranc,

2018; MacRae, 2018a; Rodrigues, 2012; Jorge & Travassos, 2021; Pastana & Kiplan, 2021).

Mesmo a história tendo se transformado e sofrido evoluções em seu curso, a discriminação

e o preconceito à gays e lésbicas, pautados na intolerância religiosa, seguiram e ainda podem ser

encontrados por toda parte, inclusive, como consequência, afastando as famílias de um convívio,

como relata E1 (2022), a qual afastou-se de sua mãe e sua irmã, por não haver mais diálogo, uma

vez que a família “[...] ficou crente, todo mundo, a família toda é crente, evangélica e radical, e

não sei, não sei, não tenho esperança”.

Neste sentido, a religião ao invés de aproximar as pessoas do contato com o Sagrado, vai

na contramão, propagando a discriminação e o preconceito aos homossexuais e as lésbicas,

promovendo um distanciando de todos aqueles que foram por ela marginalizados, afastando estas

377
pessoas do contato com a igreja e da experiência religiosa. (Silva et al., 2015), conforme aconteceu

com E4, E6 e E8:

E a minha prima, que era a pessoa mais próxima que mais me ajudava nessa época [...].

Ela, em determinado momento, ela se converteu a igreja evangélica, e aí ela falou para

mim: eu não quero mais saber de nada. Eu não quero ver nada. Eu não quero, porque eu

não quero mentir e eu não quero fazer parte de nada que seja errado. Então ela estava

falando ali de mentira para a minha mãe, mas também da relação. Ela deixou de fazer todas

as coisas que ela fazia na vida dela né? A E. era super baladeira, ela saia com todo mundo,

ela era uma pessoa super livre assim, e não é mais. E ela deu sei lá, 10 passos atrás, com

isso tudo, então ser lésbica também era considerado errado na cabeça dela. (E4, 2022).

[...] eu me lembro que na adolescência e quando eu comecei a ir para igreja, crisma, aquela

coisa toda, né? Catequese etc., eu me lembro que, assim, eu, eu, eu, naquele tempo, eu

sofria com isso, porque, assim, eu achava que era uma coisa errada, que eu tinha que, que

eu não podia viver aquilo. (E6, 2022).

[...] a minha mãe, eu ainda até sinto mágoa, do meu pai nem mágoa eu consigo sentir, do

meu pai eu não sinto nada. Se hoje ele morresse, se ele morresse de qualquer coisa, alguém

viesse lá, o seu pai morreu. Eu não... eu poderia... eu só simplesmente falaria sinto muito

não sentindo nada, porque é indiferente saber dele, ele é como se fosse um homem que me

gerou e pronto. (E8, 2022).

Há ainda de se considerar que a única forma de Sagrado concebida pelas instituições

religiosas é o Sagrado binário, não havendo espaço para o não-binário, podendo este fato contribuir

para que apenas heterossexuais sintam-se contempladas pelo Sagrado e, todas as outras pessoas

378
que não sejam heterossexuais, não contempladas e, logo, excluídas, afastando-se assim da

possibilidade da vivência da experiência religiosa. (Franco, 2022b).

Fora isto, a igreja não acolhe a homossexualidade e a lesbianidade, pelo contrário, julga,

critica, condena, de modo que as pessoas, ao se descobrirem homossexuais ou lésbicas, sentem-se

abandonadas por este Deus e pela igreja, como relata E12 (2022):

[...] eu fiquei bem perdida. É, aí entra aquela coisa de religião, né? Eu sou espírita,

espiritualista. O que que as pessoas do terreiro vão dizer? Tinha que ter uma resposta.

Beleza, fui à igreja, pedi pra conversar com o padre, contei pra ele, o que era, o que não

era. Óbvio que eu acho que o padre devia ter uns 90 anos. Ele só não desmaiou, mas ele

ficou sem saber, o que me responder. Aí ele me deu um exemplo, de que o amor visto por

Deus, ele é único pra todas as pessoas, você só não podia ser uma pessoa promiscua. Eu

falei “tá, então não é pecado?”. Porque na minha cabeça, eu ia pro Inferno! (E12, 2022).

Neste mesmo sentido, para Aufranc (2018) e Silva et al. (2015), a religião tem

desempenhado ao longo dos anos, com sua visão negativa sobre a homossexualidade, o papel de

alastrar a discriminação e o preconceito aos homossexuais, afastando os homossexuais muitas

vezes da igreja e do contato com a experiência com o Sagrado, como podemos observar na fala de

E3 (2022):

Eram pessoas desse, desse, até mesmo da igreja do Salão do Reino lá que eu estudava e do

clube que eu frequentava, que era um lugar muito importante pra mim, né? Um lugar onde

eu cresci ali, desenvolvi muito ali como da escola, assim como o pessoal da minha rua,

sabe? [...] Eu tive que me afastar da igreja porque não me aceitavam. (E3, 2022).

No âmbito familiar, quando permeado pelos preceitos religiosos sobre a homossexualidade

e a lesbianidade, os pais que têm filhos gays e/ou lésbicas podem tender a concebê-los como

379
pecadores e tentarem incutir-lhes esta culpa. E11, figura pública, militante contra a homofobia

durante toda sua vida, conta sobre como é comum encontrar familiares de gays, lésbicas e

transexuais que pautados em um fundamento religioso, exclui os seus filhos, discrimina-os e, não

raras vezes, os expulsa de casa. Pondera E11 (2022):

Por isso que às vezes eu pego essas mães, que fica assim pro filho, “aí, tá parecendo um

viadinho”. Eu digo “não faz isso, amanhã você vai chorar, você vai ficar sem filho, aceita

que dói menos”. Ainda mais quando é evangélico…, eu digo “Deus não sabe o que faz?

Então?! Porque eu sou dessas, eu me meto na rua, em briga. (E11, 2022).

Jung (1928/2015b) considera de grande importância a proximidade com o Sagrado e

concebe a experiência religiosa como o contato com o divino, com o Sagrado, com o numinoso,

com a Imago Dei, imagem de Deus que cada um traz dentro de si e, a partir da qual cada um

interage com o mundo.

Assim, tendo a religião uma importância bastante grande para maioria das pessoas, e sendo

vista do ponto de vista da fé, a prática religiosa pode ser vivida como algo positivo ou negativo na

vida de seus fiéis, uma vez que pode atuar para qualidade de vida destas pessoas ou para lhes gerar

sofrimento mental, como no caso de gays e lésbicas que podem passam por conflitos internos ao

serem acusados como pecadores perante Deus e acreditarem que há um Deus ao qual podem

confiar e que os ajudará, mas, como serão ajudados se são pecadores? Este fator pode se revelar

conflitante na vida destas pessoas, conforme pode-se observar na fala de E3, quando se percebeu

homossexual frente aos dogmas religiosos:

[...] Eu escondo ou eu me assumo, né? [...]. Quando eu realmente me assumi é como se eu

tivesse morrido ali, né? Como se tivesse sido um divisor de águas, né? Então, morreu um

E3 anterior pra nascer um novo. E foi a sensação que eu tive, porque todos os meus ciclos

380
de amigos que eram da igreja, eu tive que, sabe, me afastar, até hoje eu tenho uma

dificuldade de lidar com isso, né? De ver as pessoas no qual eu tinha uma amizade antes e

ter que encarar elas, né? (E3, 2022).

Quando sempre se ouviu falar de um Deus bondoso e, de repente, se depara com um Deus

que exclui, que condena e que pune, que não abre espaço para a diversidade, mas que teria criado

o seu filho a sua imagem e semelhança, isto causa um enorme desespero e mesmo medo de assumir

homossexual ou lésbica, por significará estar desamparado por Deus. Podemos observar este

sentimento de medo, de insegurança, desamparo e até mesmo pavor, na fala de muitos

participantes, conforme seguem explicitados em alguns dos recortes a seguir:

Eu vinha de uma família muito cristã, né, muito católica. Assim, o cristianismo ele é

avassalador pra população gay, eu hoje trabalho como cientista da religião, então posso

falar isso até mesmo enquanto profissional. O cristianismo, ele é avassalador, a gente ocupa

hoje o lugar que as bruxas ocupavam na idade média. O homossexual é a reencarnação do

próprio diabo na terra, então isso foi uma coisa muito conflituosa pra mim, ter vindo de lar

cristão, eu já havia rompido com o cristianismo, eu rompi com 14 anos, mas vim de um lar

cristão, então tinha muita aquela coisa de eu não me aceitava como gay, eu me aceitava

como bi, não sinto nenhuma atração por mulheres, mas primeiro eu falava que era bi, um

bi que só fica com homens, entendeu? E teve todo um processo até eu de fato eu conseguir

vestir a camisa de que não, eu gosto de meninos. Eu falo meninos por causa da idade da

época, né? (E2, 2022).

Eu senti muito medo, né? Eu levei algum tempo para me aceitar e para entender o que

estava acontecendo comigo. Porque assim, eu sou, na época quando eu me entendi como

homossexual mesmo, eu frequentava uma religião muito condenativa, né? Que é a

381
testemunha de Jeová, então, a gente sempre era muito condenado, né? Então a gente sempre

olhava para o homossexual como algo errado, como alguém que vai pro inferno, né? Que

vai queimar como diz teoricamente a bíblia, né? E até mesmo a sociedade, né? (E3, 2022).

[...] eu me pegava muito mais em situações que eu não estava com ele, me questionando,

me culpando, porque aqui eu tinha uma criação católica, então eu me culpava muito que eu

estava pecando, que eu era errado, que eu não podia fazer isso, o que minha família iria

pensar, e daí se eu assumisse em casa e me botassem para fora de casa. Então eu vivia nesse

embate de “eu quero ficar com ele, eu gosto dele, ele gosta de mim, é legal, a gente se dá

bem, você não está fazendo mal para ninguém, pelo contrário, ninguém sabe, só nós dois”.

A gente faz bem um para o outro, mais ao mesmo tempo, eu via para outro lado. Eu me

culpei durante muito tempo, carreguei um peso dentro de mim durante muito tempo, tipo,

no sentido de me aceitar. Tanto que eu lembro que quando eu vi assim, que não tinha jeito,

que eu gostava dele, que eu queria ficar com ele, a gente começou a namorar. Eu dizia para

mim assim, para tentar, entre aspas, aliviar a culpa e diminuir a gravidade do problema,

“do crime”. Eu falava “não, então eu devo ser bissexual”. Porque amenizava eu não ser

100% gay, seria um problema muito grande, mas se eu colocasse uma mulher do outro

lado, eu não seria tão ruim. [...]. Então foi bem difícil nesse sentido e não tinha ajuda,

porque se eu fosse numa igreja, eu sabia o que de antemão iriam me falar. (E5, 2022).

[...] eu me lembro que era algo que eu sabia que eu tinha que esconder, entendeu? Que eu

tinha que disfarçar, enfim, esconder, esconder, esconder. [...]. Os meus pais simplesmente

condenam, julgam não porque são pessoas maléficas, por quê, na verdade, tem toda uma

geração, quer dizer, na cabeça deles, e eu acho que tem muita questão da religiosidade

382
também, né? Acho que as pessoas são criadas nas religiões tradicionais e que ficam, ficam

dizendo que isso é errado, né? (E6, 2022).

Eu me senti estranho, né? Mas sem entender, né? Eu, eu acredito que se eu tivesse tido o

apoio da minha família, sabe, no começo, talvez hoje eu, eu seria uma pessoa totalmente

diferente do que eu sou. [...]. A sexualidade sempre foi vista como um, principalmente

dentro da igreja, como um tabu. Como uma coisa que você tem que se privar, uma coisa

que você tem que cortar, uma coisa que você tem que podar. Que você tem que ser mais

espírito do que carne. [...]. Dentro da igreja eu já vi muitas coisas, já vi muitas pessoas, “ah,

porque traiu, não faz mais parte da igreja, ah, porque fez aquilo, não faz mais parte do corpo

da igreja”. Eu nunca concordei com isso. Eu sempre tive uma visão do tipo “nossa, que

coisa terrível, né?”. Já que a gente é humano e a gente tem tendências a errar, isso meio

que me chocava dentro da igreja, então eu sempre busquei outras respostas. Eu sempre,

sempre tive aquela coisa de “ah, não, eu acho que não é só isso”. Sabe aquela dúvida? Eu

nunca me conformei [...]. (E8, 2022).

Pelos relatos acima, de alguns dos entrevistados, pode-se observar a intensidade do

sofrimento a que foram alvo ao se descobrirem homossexuais ou lésbicas, frente a visão religiosa

acerca do pecado que estariam cometendo com a manifestação inadequada de sua sexualidade,

segundo os dogmas do cristianismo, e a face a discriminação e ao preconceito que sofreriam em

todos os âmbitos, em outras palavras, ao preço que pagariam pelo “pecado” e ao “crime” que

estavam cometendo com sua sexualidade.

Jung (1952/2012d) não se referia em seus estudos exatamente a importância de se

frequentar uma religião enquanto uma entidade externa, mas, sim, ao contato com a religiosidade,

a vivência e a experiência interna com o Sagrado. Nesta perspectiva, Jung (1952/2012d) concebia

383
a ideia de o padrão psíquico de cada um se equipar ao estado de semelhança ao divino e, para ele,

este estado diria respeito a reconhecer o bem e o mal que cada um traz dentro de si, integrando

estes aspectos na psique e reconhecendo-se a imagem e semelhança de Deus, de modo que Deus

também poderia ter seus aspectos de luz e sombra, de bem e mal84.

Viver a religião do ponto de vista da intolerância, é sinônimo de ter dentro de si um Deus

punitivo, condenativo e julgador, procedendo-se da mesma forma com o outro, excluindo-o e

condenando-o. E a isto Jung, 1967/2013a, Zweig e Abrams, 2012 e Sanford, 2012 chamaram de

projeção de sombra, fenômeno no qual se tende a projetar no outro aquilo que se nega em si. Na

sombra há complexos e os complexos atuam como se tivessem personalidade própria e de forma

intensificada. Esta projeção de sombra pode ser percebida nas exposições de E2 (2022) e E8

(2022), em ambientes bem diferentes, o que ilustra melhor ainda o exemplo:

Permitir que uma professora evangélica fale na cara de um aluno homossexual, que o

aluno..., pedir pro aluno ensinar como evitar a ser gay, porque ela tem filho menino e ela

não quer que isso aconteça jamais... Essa professora era professora de neurofisiologia, ela

queria ensinar uma coisa absurda, de que ela falava que existia uma característica

neurológica pra que meninas se sentissem mais atraídas pelo rosa e o menino pelo azul.

Isso não tem nenhum embasamento científico, o embasamento disso é o preconceito

religioso que ela tinha pela sobre a população masculina e feminina, enfim, preconcepções

que ela tinha, porque depois quando eu me formei em mestrado e doutorado, vou seguindo

minha carreira eu sei que isso não tem embasamento em nada, e eu ouvi isso dessa

professora evangélica. (E2, 2022).

84
Para aprofundamento, ler Resposta a Jó, OC 11/4.

384
[...] eu trabalhava de vendedor numa loja e o gerente não me chamava pelo meu nome. Só

me chamava de bicha. Era um gerente, era heterossexual, evangélico é tinha nojo de

homossexuais. (E8, 2022).

A este fenômeno, Kimbles (2014), Silva e Serbena (2021) e Franco (2022b) compreendem

como complexo cultural, no qual, de acordo com Franco (2022b, p. 129), citando Maranhão Filho

(2015), há “uma transfobia religiosa/espiritualista, ‘que pode ser definida como a

aversão/discriminação/ intolerância/violência a pessoas transgêneras a partir de concepções,

pressupostos e/ou dogmas religiosos ou espiritualistas’.” Pode-se, a partir desta afirmar, observar

que o mesmo fenômeno existe com relação a homofobia e lesbofobia religiosa, projetando em

direção aos homossexuais e lésbicas, por meio de uma intolerância religiosa.

No que diz respeito a transfobia religiosa/espiritualista (Maranhão Filho, 2015, conforme

Franco, 2022b), podemos notar este fenômeno presente na narrativa de E9 (2022):

[...] Tive essa coisa de androginia bem forte e tal, e a minha mãe, mesmo antes dela acertar

nome e pronome, ela chegou um momento em que, um pouco antes ela fazia parte de uma

igreja Cristã, e ela havia me dito algo ou que eu interpretei como “ah, questão do pecado,

acho isso pecador e tal”. (E9, 2022).

A intolerância religiosa a gays e lésbicas, como parte de um fenômeno cultural (Kimbles,

2014; Silva & Serbena, 2021; Franco, 2022b) homofóbico e lesbofóbico, alastra-se, fazendo-se

presente em diversos ambientes pelos quais circula o homossexual e a lésbica, tais como, no núcleo

basal familiar, no trabalho, nas instituições educacionais, nas igrejas, nas relações de amizade etc.,

excluindo estas pessoas da família, partindo-se da premissa de que é pecado, erro, crime, dentre

outros adjetivos condenatórios, ser homossexual ou lésbica. Nesta ótica, E7 (2022) considera:

385
Eu acho que talvez se a gente tivesse uma cultura um pouco menos baseada no pensamento

da igreja, do pecado, com menor fortalecimento religioso contra os homossexuais, talvez

isso ajudasse a sermos menos perseguidos. É porque da forma que a religião é vivida no

Brasil, como o cristianismo, por exemplo que é tão presente em tudo, tão presente na

política, nas escolas em si, e não que a religião não deveria estar presente, mas que talvez

fosse abordada de uma forma diferente, sem culpar as pessoas por serem como elas são,

sem distinguir hetero de homossexuais, porque as pessoas são pessoas, são humanas, não

são doentes e nem anormais ou diferentes, como a religião diz que são. (E7, 2022).

De acordo com Jung (1938/2012c) a religião nos liga ao numinoso, ao sagrado, o que é

diferente de dar legalidade para decidir entre o certo e o errado, inclusive para dizer que é mais ou

menos importante. Todavia, conforme E2, não é isto o que acontece. E2 esclarece e afirma:

Eu, como cientista da religião, reitero aquilo que te falei, sinto que a gente ocupa o lugar

social que as bruxas ocupavam, que as mulheres ocupavam, nós somos a reencarnação de

todo mal, é como se assim, nós somos grandes bodes expiatório, e a sociedade não tem

desde a questão cultural a questão de políticas públicas, mecanismo para nós proteger. O

tempo inteiro nós temos alvos nas costas, tem que ter, a gente, a gente sai na rua sem saber

se vai voltar. Então é muito complicado, claro, aqui, eu ainda moro em São Paulo que é

uma coisa mais tranquila, mas, em Santa Catarina, é esse o sentimento, você não sabe se

você vai voltar. Você sendo um gay assumido, você não sabe se vai ser assassinado, o que

vai acontecer no dia de amanhã. É muito complicado. (E2, 2022).

Barcellos (2011) e Lingiardi (2011) parecem compartilhar deste mesmo pensamento, pois

consideram que ser ou não homossexual é uma questão aflição para as pessoas e é mais e isto

evidencia o sofrimento que ser homossexual manifesta nas pessoas. (Costa, 1944/1992, p. 90).

386
A discussão acerca do contexto religioso que permeia gays e lésbicas frente a sua

orientação sexual, sustentada pela psicologia junguiana, apoiada nos recortes das falas dos

entrevistados, gays e lésbicas, permitiu se confirmar a hipótese levantada durante a Análise de

Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos,

que “a crença religiosa e propagação de que a homossexualidade/lesbianidade é pecado, contribui

significativamente para os homossexuais/lésbicas sofram homofobia/lesbofobia e, a partir da

busca de poder, por meio do controle do corpo e da vida sexual do outro, está ligada à projeção de

sombra no olhar da psicologia junguiana”.

Esta discussão mostrou-se ainda bastante esclarecedora, revelando outros fatores que estão

diretamente ligados a este fenômeno, como o complexo cultural apontados por Kimbles (2014),

Silva e Serbena (2021) e Franco (2022b). E, contribuiu ainda para se conhecer os desdobramentos

da intolerância religiosa, manifestada por meio do preconceito e da discriminação à gays e lésbicas,

propagando-se em sua família, trabalho, instituição educacional e demais ambientes pelos quais

essas pessoas circulam, sendo tratados como se estivessem sob pecado, crime, inadequação,

partindo da premissa religiosa que compartilha e propaga estes dogmas sobre a sexualidade

humana e suas manifestações, compreendo a heteronormatividade, até os dias atuais, como a única

forma aceitável de sexualidade.

Permitiu ainda compreender a angústia e o sofrimento que gays e lésbicas sentem frente ao

Sagrado, quando descobrem sua orientação sexual, sabendo quão condenada ela é pelo

cristianismo. E como este fenômeno contribui para que estas pessoas, excluídas, excluíam-se ainda

mais da possibilidade de viverem as experiências religiosas, tendo assim, um contato próximo com

o Sagrado, o qual, de acordo com os autores trazidos, é de suma importância na vida de qualquer

pessoa.

387
A intolerância religiosa a gays e lésbica propaga-se ainda por outros vieses, atingindo essas

pessoas e colocando suas vidas em risco por meio da incitação da violência, preconceito e

discriminação, por exemplo, advindos por meio do discurso político de viés religioso.

6.6.1.4 Política

Os entrevistados da pesquisa trouxeram a política do ponto de vista da utilização de crenças

religiosas por parte de alguns líderes de Estado, para pautarem seus discursos políticos, alcançando

diretamente sua massa eleitora, no caso destes entrevistados, mais especificamente falou-se do

discurso político de viés religioso praticado pelo presidente da República Jair Bolsonaro. Trata-se

de falas de preconceito e discriminação contra os gays e lésbicas, instigando a população a

homofobia e a lesbofobia, o que pode evidenciar a presença de sombra nestes conteúdos sombrios

direcionados a gays e lésbicas, conforme nota-se nas falas dos entrevistados.

E2 (2022) considerando a figura de Bolsonaro como um líder político que se utiliza do

discurso religioso para instigar agressão e ódio a gays e lésbicas, contextualiza o que significa para

ele ter amigos e familiares que votaram nesta figura pública.

E assim, e essa revolta que eu tenho, ela é por causa disso tudo que eu sofri. E quando vêm

essa questão de Bolsonaro..., eu rompi com todo mundo que votou no Bolsonaro. Não

interessa, a tia que cuidou de você, essa tia votou em alguém que preferia que eu estivesse

morto. Então assim, eu percebo que eu me tornei intransigente com o preconceito. Eu me

considero uma pessoa com preconceito de homofóbicos. Eu não levo desaforo para casa,

não relevo. Esse parente votou contra mim, se entrar na ditadura e a homossexualidade ser

crime, esse parente vai ligar e me denunciar. (E2, 2022).

388
Discriminações e preconceitos a gays e lésbicas, são projeções de sombra com conteúdos

de não aceitação a homossexualidade/lesbianidade e aos homossexuais/lésbicas, que podem se

fazer presentes em todos os aspectos de suas vidas, na família, entre os amigos, no trabalho, na rua

etc., e quando presente em discurso político, pautado na religião como sustentação da fala, observa

E8 (2022), expondo seu sentimento, após ter sido alvo de inúmeras homofobias:

Eu acho que pra acabar com a homofobia mesmo, é preciso ter uma política de que não é

errado ser quem você é. É construir o ser humano. Eu ouvi isso de uma professora de

sociologia quando eu estudava. Que era muito querida, até o nome dela eu lembro, o nome

dela era G. Que ela falava assim “o ser humano nasce perfeito, a sociedade o corrompe”.

(E8, 2022).

Para gays e lésbicas, terem no seu contexto familiares que votaram em um presidente que

instiga o ódio contra eles, como o caso do presidente eleito Jair Bolsonaro, pode significar

sentimento de rejeição e abandono familiar, conforme a E2 (2022), quando retrata o ocorrido com

seu namorado, no que diz respeito a relação dele com seu pai e primo, considera “Eu sei que o F.

rompeu com um primo dele bolsonarista, o pai dele ficou do lado do primo... É muito interessante,

o pai dele age, como se não fosse pai do F.”

A sombra (Jung, 1906/2011a) e Von Franz (1993) pode estar presente no inconsciente

pessoal e no coletivo e, quando manifestada de forma coletiva, pode vir a gerar manifestações de

massa desatinada e agindo em descontrole em prol de alguma causa, como pode ser, por exemplo,

a eliminação de gays e lésbicas.

Neste mesmo sentido, Silveira (2011) observa que, se vista como um problema, a

homossexualidade ao invés de ser vivida de forma fluida, poderá ocupar um lugar de frustração e

negação, apresentando-se no mundo de forma discriminatória e, portanto, sombria. Sanford

389
(1981/1998), pondera que na sombra, é como se ficassem reprimidos os sentimentos morais,

enquanto ela tenta viver os impulsos interiores e proibidos, sem se questionar sobre o certo e o

errado.

Esclarecem Baron Mussi e Serbena (2015), que neste contexto, quando vemos no outro

algo que nos incomoda em nós mesmos, através da sombra projetada, ao invés de vivenciá-la,

poderá buscar-se eliminar sua possibilidade de existência, eliminando no outro, aquilo que nos

incomoda em nós mesmos. E, assim, podemos pensar que quando os pais e familiares não

conseguem lidar com a homossexualidade/lesbianidade de seus/suas filhos/as, esta projeção de

sombra pode estar ocorrendo, levando-se, assim, a dor e a um distanciamento entre eles, como

aconteceu com E1 (2022):

E1, ao contar que está distante de sua mãe, relata o porquê o fez e diz que ela “virou

bolsomínia, aí fica difícil” continuar convivendo com ela, devido as suas crenças política e

religiosas identificados com este político que governa o País. (E1, 2022).

Observam Baron Mussi e Serbena (2015) e Sanford (1980/1987) que na sombra pode-se

encontrar medo e insegurança, considerando o outro como uma ameaça para si, pode ser projetada

tanto individual como coletivamente, por meio da agressividade. E evidencia-se nos discursos

políticos de viés religioso, voltados para não aceitação da homossexualidade, podendo reverberar

de várias maneiras na vida dos homossexuais, inclusive, em forma das mais diversas agressões.

E2 (2022) reflete sobre este fenômeno ao falar sobre agressões que sofreu em Santa

Catarina, enquanto trabalhava em uma determinada instituição de ensino, por parte de uma

professora evangélica, faz uma correlação a validação da homofobia pautada em uma política de

viés religioso:

390
Então, tem horas que eu acho isso um absurdo e que demonstra como que a situação de

Santa Catarina, não por acaso o Bolsonaro venceria no primeiro turno ali, mas enfim, como

a situação de Santa Catarina e com mais uma situação dessa instituição específica. Era uma

situação muito problemática, era muito problemática a gestão de pessoas e como que a

Unisul lidava com os seus estudantes. Permitir que uma professora evangélica fale na cara

de um aluno homossexual, que o aluno..., pedir pro aluno ensinar como evitar a ser gay,

porque ela tem filho menino e ela não quer que isso aconteça jamais [...]. (E2, 2022).

Embora estejamos isolados em nossa psique, temos uma identificação projetiva com o que

nos interessa e, ao projetarmos, projetamos nossa sombra, que se desconhecida ou negligenciada

por nós, possuirá um caráter perigoso. Na projeção, o indivíduo tende a projetar suas tendências

sombrias e indesejadas, no outro (Sanford, 1980/1987), de modo que, que quando um político, em

seu exercício efetivo na representação do Estado, se utiliza de discurso com embasamento

religioso, de juízo de valor, no qual segrega grupos específicos populacionais, indicando que estes

não têm direito as expressões de orientações sexuais e de identidade de gênero diversas, pode

assumir papel nocivo ao ambiente republicano.

E2 (2022), neste ponto de vista, relata o desespero de pessoas homossexuais com relação a

tentarem dissuadir seus familiares e amigos a não votarem contra suas vidas, em outras palavras,

a não votarem em no então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, o que nos mostra

o medo e o desespero destas pessoas face ao que estaria por vir e de fato veio com a eleição deste

político.

O meu primo, esse primo que ia nas boates gays daqui de São Paulo, ele escreveu uma carta

enorme, pra família inteira, dizendo pra não considerarem o voto do Bolsonaro, porque

esse voto colocava a gente em risco. Esse meu primo apanhou, dos Skinheads, levou lá

391
uma lâmpada na cabeça. E não sensibilizou, não sensibilizou. Então assim, pra que que eu

quero essas pessoas na minha vida? Não quero! É uma situação muito complicada. Por

exemplo, vou dar o exemplo do meu namorado. Meu namorado não fala mais com o pai

dele, extremamente bolsonarista entendeu? E eles romperam, a gente tá a mais de 2 anos

juntos, e eu nunca conheci o pai dele. Conheço a mãe dele, eles são divorciados. Não

conheço o pai dele, só de foto. O irmão dele é um vagabundo, é testemunha de Jeová,

sustentado pela sogra, mas o irmão dele é maravilhoso pro pai dele. O pai dele está no

segundo casamento, o enteado dele, filho da nova esposa, completamente dependente de

drogas, de cocaína, mas ele é hétero, então também, ok. O problema é o F. ser gay, apesar

do F. pagar as próprias contas, ter casa própria, ter trabalho etc. O F. é gay, né? então esse

é que é o problema. O pai tanto não o aceita, que na hora de escolher o candidato, escolhe

justamente o candidato que vai se opor àquilo. (E2, 2022).

Quando as pessoas estão tomadas pela sombra elas a projetam sua sombra nas outras

pessoas que ativam o que nelas está inconsciente e podem se identificar com indivíduos que

possuem sombras semelhantes as suas (Jung, 1906/2011a; Von Franz, 1993), deste modo, pode-

se olhar para os eleitores de Jair Bolsonaro, que demonstram preconceito e discriminação a gays e

lésbicas, como tendo se identificado com o discurso político religioso deste líder de Estado,

sentindo-se, validados, inclusive, para se mostrarem claramente contrários a gays e lésbicas.

E2 (2022) narra uma ocorrência com uma de suas amigas, após a eleição de Jair Bolsonaro,

por parte de uma proprietária evangélica de um local onde sua amiga alugava para morar. Vendo-

se validada em seu sentimento de discriminação aos homossexuais, a partir da eleição do referido

político, a proprietária do imóvel,

392
Quando o Bolsonaro foi eleito, teve uma amiga minha lésbica, que foi despejada, ela tinha

um contrato de aluguel, dela com a esposa dela, e ela foi despejada, porque, a partir do

momento que o Bolsonaro foi eleito, a dona do apartamento era evangélica, “então, agora

que ele é presidente, eu tô te despejando”. Ela chamou a polícia, a polícia não tava muito a

fim de fazer boletim de ocorrência para isso, mas fizeram, e mesmo assim, você acredita

que ela foi posta fora da própria casa que ela pagou aluguel? Então assim, é essa nossa

realidade. (E2, 2022).

E3 (2022) fala sobre como é viver em um contexto em que a política e a religião caminham

inseparáveis:

E é o que acontece até hoje, né? Hoje eu vejo que a religião, ela domina muito né? A

política, domina o que você deve ou não. As leis do homem que a gente fala na parte da

religião, infelizmente, né? A gente não tem a liberdade de ir e vir. (E3, 2022).

E instigadas pelo ódio aos gays e às lésbicas, o medo instaurou-se entre estas pessoas que

de maneira mais incisiva passar a sofrer violência e agressão. Neste sentido, E1 considera (2022)

que para estas agressões e violências reduzirem, é preciso:

Primeira coisa, tirar, mudar o governo. Sem mudar, com esse governo não tem

possibilidades. Então, acho que o esforço, a luta agora, as alianças de todo mundo é pra

tirar. A partir disso é que a gente vai poder respirar um pouco melhor, porque esse cenário

é tão surreal que a gente nunca imaginou vivenciar, o que está vivenciando agora. Eu só

vejo como possibilidade, tirando esse governo. (E1, 2022).

Em uma sociedade democrática, posturas fundamentalistas regadas de preconceito e

segregação implicarão na maneira como as grandes massas olharão para as minorias. Dentre as

consequências possíveis, há o cerceamento do direito da vida, da liberdade de expressão, bem

393
como a condenação, o julgamento e a censura dos corpos que merecem ou não viver. Face a isto,

E5 (2022) considera que a política não deveria se misturar com a religião, devido a força de

manipulação de massa que ela tem e as consequências que os discursos políticos de viés religioso

promovem:

[...] E quando falo em política, eu acredito que se fosse dessa forma, que não ia ter na área

de religião, pessoas envolvidas nisso, em tentar mudar as outras, não haveria absolutamente

nada disso. É a partir do momento que uma pessoa, que é religiosa, escolhe seguir uma

carreira pública que vem estas falas, né? E uma pessoa com um peso político, influência a

massa e as pessoas veem motivos pra destruir aquelas pessoas que elas não concordam que

devam existir, especialmente porque a religião disse que não... Na política, quando uma

pessoa entra em um cargo público, ela não deveria manifestar nenhuma fala religiosa. (E5,

2022).

A discussão no que diz respeito ao contexto político que permeia gays e lésbicas frente a

sua orientação sexual, suportada pela psicologia junguiana, a partir dos recortes das falas dos

entrevistados, gays e lésbicas, permitiu se confirmar a hipótese levantada durante a Análise de

Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos,

que de que “a homofobia/lesbofobia advinda de figuras politicamente públicas contribui para a as

pessoas homofóbicas e lesbofóbicas manifestem-se tendo como justificativa a permissão do Estado

para, identificadas à sombra de líderes políticos, projetarem suas sombras nos homossexuais,

buscando destruir no outro o que para si é tido como proibido e desejoso, ainda que

inconscientemente, na perspectiva da psicologia analítica”.

Esta discussão propiciou um espaço reflexivo sobre a importância da responsabilidade de

um líder de Estado frente aos seus liderados, especialmente para que este não paute seus discursos

394
em um viés religioso, promovendo incitação de ódio, violência, preconceito e discriminação a gays

e lésbicas, contribuindo para que estas vidas sejam ainda mais expostas à violência e à morte.

É preciso que se tenha responsabilidade com o que se propaga, especialmente quando se

tem um Estado inteiro aos seus cuidados e o poder de influenciar os seus liderados, validando neles

o sentimento de ódio e o direito, no caso de gays e lésbicas, de excluí-los, discriminá-los e até

matá-los, por meio de uma manifestação de sombra individual e coletiva e também de um

complexo cultural que, apropriando-se de um momento oportuno politicamente falando, desponta-

se e assola estas vidas.

6.6.2 – Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto?

Esta categoria discorrerá sobre o que os gays e as lésbicas percebem que os circundam,

fazendo parte de seu dia a dia, interferindo diretamente em suas vidas e como sentem frente a isto.

A categoria Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? possui as subcategorias

medo, preconceito e discriminação, negação de si e sofrimento, as quais, abordarão,:

- Medo: O medo como consequência da homofobia/lesbofobia; medo de se expor; de ter

qualquer tipo de manifestação afetiva em público; de sofrer todo e qualquer tipo de violência e

agressão, frente aos ataques homofóbicos/lesbofóbicos sofridos; medo de sair de casa; medo de ter

os pais assassinados; medo de falar, preferindo se calar; de se defender da homofobia/lesbofobia e

expor a família à violência; medo de ser agredido/a, violentado/a, assassinado/a.

- Preconceito e Discriminação: O preconceito, discriminação e violência tanto física

como emocional, à gays e lésbicas, tais como ameaça de morte; bullying, discriminação,

preconceito e violência na escola e/ou na universidade; discriminação e preconceito no trabalho;

395
discriminação, preconceito e violência na saúde; vingança; piadas nas mídias sociais e redes de

relacionamento; risadas; piadas; fofocas; forma pejorativa de se referir ao outro; xingamentos e

ofensas; maus-tratos, discriminação e preconceito dos professores aos alunos por serem

homossexuais/lésbicas; demissão em emprego por ser homossexual/lésbica e estar expresso no

corpo por roupas ou trejeitos; discriminação, preconceito, violência e agressão por parte dos

familiares, tanto verbal como física.

- Negação de si: Desejo de não ser homossexual/lésbica frente a percepção de que se é;

casamento heterossexual como tentativa de se enquadrar nas normas e ser aceito/a; namoro

heterossexual para se ser aceito/a socialmente; não aceitação da própria sexualidade pelo auto

preconceito e pela homofobia/lesbofobia internalizada; demora em se viver a sexualidade por se

sentir pecador/a e errado/a.

- Sofrimento: O sofrimento físico e emocional que a homofobia/lesbofobia causa na vida

dos homossexuais/lésbicas adoecendo-os e impedindo-os de levarem uma vida livre de sentimento

de medo, ansiedade e muitas vezes depressão; a experiência de ameaça tendo transformado a vida

dos/as homossexuais/lésbicas; autoestima abalada pela homofobia/lesbofobia sofrida; sentimento

de vulnerabilidade a partir da homofobia/lesbofobia sofrida; síndrome de impostora, de ocupar um

lugar que não deveria ocupar, por ser homossexual/lésbica e ser recriminado/a pelos outros como

se estivesse fazendo algo errado; exposição frente ao mundo e às violências; sentimento de culpa;

sentimento de rejeição e de não ser amado/a; de não merecer ser feliz por estar em pecado e estar

fazendo algo errado e condenado socialmente; ideações suicidas; injustiça; embotamento afetivo;

cicatrizes físicas e emocionais pelas violências sofridas e por se cortar; sentimento de que se

esconde do mundo para poder sobreviver; deixar de frequentar os lugares que gosta por ter sido

exposto/a; traumas; sofrimento por não poder expressar afeto em público; choro; medo do ódio do

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outro; estresse; solidão; não ter com quem contar; sofrimento com os estereótipos; tentativa de se

ocultar para não ser atacado/a; sofrimento na infância e nas demais fases da vida; sentir-se preso

no “armário”; sentir-se desprezado; sentimento de hipervigilância; sentir que precisa se encaixar;

sentimento de não ter voz; sentimento de não fazer parte; sentimento de insegurança e medo; lutar,

conquistar as coisas e ter impedimentos físicos e/ou emocionais para desfrutar, ocasionados pela

homofobia/lesbofobia sofrida.

Para tanto, apoiada nos aporte teórico da psicologia junguiana, esta análise se utilizará das

entrevistas realizadas com os 12 participantes da pesquisa.

6.6.2.1 Medo

Destaca-se nesta subcategoria o medo sentido por gays e lésbicas de terem sua orientação

sexual exposta e do que pode lhes acontecer em termos de violência, de se manifestarem

afetivamente de forma pública e das consequências deste ato, de serem vítimas de

homofobia/lesbofobia, medo de morrerem, de terem seus familiares expostos, de serem

perseguidos, de denunciarem homofobia/lesbofobia, de serem agredidos/as, violentados/as,

assassinados/as.

De acordo com Dalgalarrondo (1970/2019, pp. 70, 306 e 308), o medo não é “[...] algo que

acontece na mente ou no cérebro de uma pessoa; são, antes, eventos desencadeados por estímulos

como uma frustração ou ameaça, que levarão o indivíduo a gritar ou a ficar tremendo... é

caracterizado por referir-se a um objeto mais ou menos preciso, diferencia-se da ansiedade e da

angústia” e, finaliza concluindo que o medo “[...] é um estado de progressiva insegurança e

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angústia, de impotência e invalidez crescentes, ante a impressão iminente de que sucederá algo

que o indivíduo quer evitar, o que progressivamente se considera menos capaz de fazer”.

Nessa perspectiva, ainda que o medo seja uma reação afetiva que envolva processos

psicofisiológicos, sua expressão subjetiva se dá a partir de uma construção sociocultural

contemporânea que desqualifica identidades de gênero e orientações sexuais fora da norma

heteronormativa. Ademais, o termo medo, foi utilizado pelos entrevistados demonstrando o que

sentiam por conta da homofobia e da lesbofobia existente no mundo e que foram vítimas ao longo

de suas vidas, assunto ao qual será explorado na próxima subcategoria, denominada preconceito e

discriminação.

Pode-se observar o medo presente na vida dos entrevistados, conforme os relatos que se

seguirão, em diversos momentos de suas vidas e sob várias circunstâncias, mas sempre ligadas

diretamente ao medo advindo da homofobia e lesbofobia, impactando suas vidas.

[...] Acho que eu envelheci fiquei com medo. (E1, 2022).

[...] E isso gera uma situação em mim, que quer dizer eu era uma drag queen nesse período,

comecei a me montar com 17 anos, eu não tinha problemas de sair no meio da rua montado

de fazer coisas assim em público, e isso gera um medo, eu passo a ter medo assim, tipo de

dar a mão em público... (E2, 2022).

[...] Eu observo também que esse medo, esse receio, é se estivermos só nós duas. Se a gente

estiver em grupo, aí a coisa fica mais suave. [...] a sociedade não aceita, por mais que esteja

liberado, por mais que a gente tenha orgulho de ser o que somos, por mais que a gente tem

conquistado, tenha tido muitas conquistas, mas essas conquistas elas também não são

conquistas seguras. Agora nos Estados Unidos com a Lei do Aborto, daqui a pouco, se não

der um break, não mudar o rumo das coisas, a gente vai perder todos os direitos já

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conquistados, que são poucos. E ainda vamos voltar pro armário da pior forma possível.

[...] Na primeira brecha que teve, os ratos saíram dos esgotos mesmo, e tão aí atacando, e

prontos pra atacar, prontos pra atacar. Então qualquer vacilo, agora, a gente vai viver com

medo. Eu to vivendo o medo, o medo que eu não tive, a coragem que tive, quando lá, nos

enfrentamentos da lesbofobia. Hoje eu tô tendo esses medos, hoje. (E1, 2022).

Eu sinto muito medo. [...] Então, assim, por que que as pessoas não olham para nós e nos

respeitam? Isso me incomoda muito! E por que a sexualidade ela tem que estar tão em

destaque, né? (E3, 2022).

Na verdade, chega passar da preocupação, né? Chega a literalmente passar a sensação de

medo. De medo de eu ser agredido, né? Eu posso ser agredido “n” vezes, não digo

fisicamente, fisicamente eu nunca fui agredido por ser homossexual, mas eu já fui agredido

por várias vezes, sabe? Ter que passar por situações “n” vezes constrangedoras por, por tá

com meu marido, com namorado, por ser homossexual, por postar uma foto [...]. (E3,

2002).

Como que eu ia, como que eu ia olhar pra aquela pessoa que que falou que ia me matar?

Sabe, tinha medo de sair de casa, eu tinha pavor de sair de casa, minha mãe não deixava

sair de casa, meu pai teve que ir comigo na delegacia e como que eu vou falar isso pra um

delegado, sabe? [...]. Eu lidei com o medo, com muito medo. Porque não tinha o que fazer

com medo. O medo só ia aumentando [...]. Ainda hoje sinto muito medo. (E3, 2002).

Eu demorei bastante para contar pra J. Eu tinha muito medo da reação das pessoas. (E3,

2022).

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Na minha cabeça, duas mulheres andando de mãos dadas, chamam atenção e a ideia é que

quando eu estou andando em um ambiente hostil, eu não quero chamar atenção, eu quero

ser só uma pessoa passando. Então eu acho que é um mix assim, mas chama atenção porque

que não é o comum, né? Isto me dá medo. [...]. O que acontece é que eu sempre fico muito

alerta. Então, e isso, assim, me coloca num estado de alerta, talvez, uma pré-raiva ali,

embora não tenha acontecido nada. Antes que aconteça, eu já dou uma nutrida numa raiva,

de tipo assim, preciso ficar alerta, em estado de alerta. Ativo os instintos. (E4, 2022).

[...] Não fico, não fico à vontade. Eu fico basicamente em lugares assim, que eu sei que são

mais voltados pra o nosso público. [...] eu não ando de mão dada com um namorado ou

com um ficante, eu não abraço de uma forma muito evidente, não dou um beijo por medo

de violência, isso porque eu não sei se eu não vou levar uma lâmpada na cabeça, um chute,

uma pedrada, um soco. Porque é o que acontece! Pessoas como nós assim, com quem já

aconteceu isso, você nunca sabe o que pode acontecer e eu não estou disposto a passar de

novo por isso. Eu prefiro me proteger e não deveria ser assim, mas é o que tem para hoje.

Então eu não consigo, eu fico, ainda fico desconfortável. (E5, 2022).

Eu nunca fui aquela pessoa assim, de ter muitos amigos, apesar de eu ter muita vontade de

debater e conversar. Eu tinha medo de ir na escola e de me enturmar e as pessoas

perceberem algum jeito afeminado em mim. [E8, 2022).

[...] Nessas situações mais ligadas às questões de assédio, eu gostaria de ter feito, assim,

gostaria de ter agido de uma maneira mais enfática, às vezes eu penso que poderia andar

com spray de pimenta. Gostaria de também lidar com as questões do assédio. Na questão

do assédio, eu sinto muito essa coisa de eu queria me defender de uma forma mais

substantiva, não com esse medo profundo. E também, por exemplo, aquelas vezes em que

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eu, andava demonstrando afeto, com aquela essa demi-menina, homens cis ficarem

fazendo, xingamentos. Então, eu queria poder ser mais enfática se for no contexto do Brasil,

por exemplo, processar pessoas. Mas eu sempre tive e tenho muito medo do que essas

pessoas podem me fazer. [...] tenho um medo muito grande, quando, sobretudo, são homens

cis, endosexo, passáveis de gênero masculino, eu tenho muito medo, né, de sofrer, assim,

por exemplo, nas vezes em que, que aquele homem cis bêbado, segurando meu braço, eu

fiquei com medo de reagir de uma forma profunda, porque eu não saberia como ele iria

reagir, de uma forma mais drástica. (E9, 2022).

Então, acho que não..., mas sempre que posso, escondo essa informação - tenho medo de

ser prejudicada de alguma forma. Na saúde, na verdade, é assustador, ne? Fico fantasiando,

sabe? "Vai que me dão o remédio errado de propósito" e coisas do tipo. Às vezes, fico

pensando em como vou longe no meu medo, mas, no fim, acho que tenho motivos pra ter

medo. (E10, 2022).

Embora, o medo seja um afeto, ele é objetivável, portanto, passível de ser materializado.

O medo na vida dessas pessoas, conforme podemos observar, advém de situações de

violência, preconceito e discriminação a que os homossexuais comumente são vítimas e fala dos

medos individuais de situações que marcaram suas vidas, então, o medo que permeia suas vidas é

tanto coletivo, como individual, cerceando-os de todas as formas. Esse sentimento de medo é real

e necessário de ser acolhido e ressignificado, para que essas pessoas consigam caminhar e seguir

em suas vidas.

401
6.6.2.2 Preconceito e Discriminação

Consideram Toledo e Teixeira Filho (2013), Santos et al. (2020) e Araujo, Benincasa e

Frugoli (2022b) que em uma sociedade heteronormativa, em que a heterossexualidade corresponde

ao natural e socialmente aceito, a discriminação e o preconceito, tendo a heterossexualidade como

verdade única e superior a qualquer outra forma de expressão sexual e de gênero, pode ser

compreendido como uma forma de regular a sexualidade do outro, por meio de violência,

silenciamento, opressão e dominação.

O preconceito se trata de uma ideia pré-concebida sobre algo ou alguém e, quando

direcionado a gays e lésbicas, explicita-se como um comportamento negativo que reverbera em

sofrimento e discriminação, julgamento e marginalização, violência e morte. Nesta perspectiva, o

preconceito e a discriminação são práticas excludentes que se manifestam por meio da homofobia

e da lesbofobia (Baron Mussi & Serbena, 2015) que, de acordo com Vasconcelos (2019),

significam, simultaneamente: “Segregação aos homens, por não corresponderem ao padrão de

masculinidade normatizado e por serem gays” e “abuso às mulheres, por serem mulheres, sexismo

(discriminação de gênero, por serem mulheres) e por serem lésbicas, sendo vítimas de homofobia

por sentirem atração por pessoas do mesmo sexo” (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b, pp. 15-

16).

Nesta perspectiva, considera MacRae (2018a) que as mulheres lésbicas são alvo de dupla

repressão, correndo mais risco no que se refere a violências que lhes é praticada, pois são mulheres

e são lésbicas. Podemos perceber esta situação explicitada no relato de E1, que sofreu lesbofobia

em seu ambiente profissional, sendo marcada em sua vida, sobremaneira, por esta experiencia.

Conta E1 (2022):

402
Foi uma carta anônima que eu recebi, em exercício docente. [...]. Eu já cheguei na

universidade lésbica pública, todo mundo sabia, exatamente por não ter problemas com

carinho, com a expressão do afeto, então não era que eu saia dizendo para todo mundo não,

mas se me perguntasse também não ia negar e nesse movimento aí, eu sou uma professora

que prima pela extensão, sempre, sempre e aí desenvolvendo projetos de extensão de

combate à violência, né, enfrentamento a violência contra as mulheres, envolvidas com os

movimentos sociais do território onde esse departamento está localizado, eu recebi uma

carta anônima com ameaça de curra e de morte, de esquartejamento, de jogar os pedaços

[...]. Foi uma coisa bem violenta. E eu recebi essa carta, essa carta foi enviada pelos

Correios. [...] quando eu abri a porta da sala, eu peguei a carta e era um momento de reunião

com os movimentos sociais, então eu abri e levei um susto com aquilo e li a carta, em voz

alta para todo mundo que tava na sala ouvir, foi um choque, né? Então, foi essa experiência,

a experiência que realmente mudou a minha vida, porque eu nunca imaginei que alguém

pudesse ter tanto ódio de mim e querer me fazer tanto mal como tava expresso naquela

carta. [...]. (E1, 2022).

Se a violência, a discriminação e o preconceito contra mulheres lésbicas ocorrem de forma

dupla, quando se trata de mulheres transexuais lésbicas, pode-se imaginar então como a

lesbotransfobia se dá. E9 é um exemplo disto, que passou por várias situações graves, como se

pode notar.

[...] E aí comecei a ouvir coisas como “você é uma mulher, você não precisa de outra, você

precisa é de um homem”. Ou talvez porque as pessoas achem que as mulheres trans enfim

estão o tempo ávidas por homens cis. [...]. Então ele disse assim, que eu precisava era dele,

que ele iria me esgaçar com o pênis dele, então era algo assim. Mesmo se eu fosse

403
interessada por homens, não seria esse tipo de questão. [...] teve também momentos em que

eu, um homem cis e provavelmente daqueles que se adicionam nas redes sociais, entre

milhões de mulheres trans, tem essa coisa, esse interesse, mas que se manifesta de uma

maneira feiticista, e aí, eu enfim, fui falar que só me interessava por mulheres e não-

binárias. Aí, a pessoa me convidou para fazer parte de um filme pornográfico, que ele iria

fazer. Sendo que, isso no contexto de eu estar negando um flerte. Então é extremamente

cansativo. [...] teve uma vez que eu estava andando na rua, [...], eu tava voltando pra casa,

daí tinha uma pessoa bêbada, foi, começou a, provavelmente um homem cis bêbado, pegou

no meu braço, e eu fui desvencilhando, também fico muito amedrontada nessas ocasiões.

E teve uma vez também que eu tava andando com outra menina trans, em início de

transição, [...], a pessoa, passa um carro assim, com vários homens cis, e aí gritam “putas”.

[...]. Depois teve, uma vez em que enfim, eu estava andando na rua e na parada de ônibus,

pra pegar um ônibus, aí, quando eu vejo, assim, conhecido, que olho bem na reta, e aí tá

um homem cis no chão, enfim, com a mão debaixo da calça se masturbando, e quando eu

olhei, eu vi que ele estava nitidamente olhando para mim. Eu só dei grito, xinguei, mas

depois, assim, um segundo depois eu vejo que vai vir o ônibus, eu descido pegar o ônibus,

porque não queria me atrasar para a aula, mas foi dando um sentimento assim, de revolta

muito grande. (E9, 2022).

Os homens por sua vez, de acordo com os indicadores de violência como Homofobia Mata

(2020), dentre outros, por terem menor passabilidade, e pelo preconceito a que são alvo por outros

homens, por não corresponderem a um padrão de masculinidade socialmente aceito, sofrem mais

ataques violentos e chegam em maior número a óbito. E, no que diz respeito a violência e óbitos,

404
pondera Pereira (2017) que o Brasil é o país que possui maior índice de mortes a homossexuais e

transexuais, vindo, a seguir, as lésbicas.

Desde pequenos os meninos são mais visibilizados em termos de sua orientação sexual,

vindo mais facilidade a sofrer bullying na escola e outras formas de violência, inclusive na família.

E2 é um exemplo disto.

E2 foi vítimas das mais diversas formas de homofobia ao longo de sua vida, desde pequeno,

passando por situações de preconceito e discriminação com a família, durante todo seu período de

estudo (escola a vida acadêmica), na vida profissional, nas ruas, dentre outros. Assim, foram

selecionados alguns recortes destas homofobias, conforme abaixo, a fim de ilustrar os sofrimentos

passados por E2 (2022).

[...] Uma professora evangélica, para você ter uma ideia, chegou a falar na minha cara, que

ela queria que eu explicasse para ela o que leva uma pessoa a ser gay, porque ela queria

evitar que os filhos dela corressem esse risco, porque nenhum pai quer ver um filho ser

gay, ela falou isso na minha cara, uma professora evangélica. (E2, 2022).

[...]. Mas eu acho assim de todas as situações homofóbica que eu sofri na minha

vida, a pior foi quando eu sofri homofobia da própria polícia. [...]. Florianópolis tem um

carnaval muito tradicional, tem desfile de escola de samba, e a segunda-feira de Carnaval

em Florianópolis tem o que eles chamam de Pop Gay, é um bloco de rua onde eles levam

os artistas LGBTQIA+ [...], e eu era bem novinho, devia ter uns 18 pra 19 anos e fui para

esse bloco. Esse bloco era feito policiamento com polícia montada, [...] quando o bloco

acabou, nessa época eu não tinha carro ainda, então eu dependia de esperar o primeiro

ónibus. [...]. Então fiquei eu com um amigo meu, a gente nunca teve nada, ele só é meu

amigo, nunca fiquei com o R., nunca, a gente simplesmente ficou sentado no lugar onde a

405
polícia estava, então a gente falou, a polícia armada, montada, está aqui, então vamos ficar

aqui porque a gente está do lado da polícia. E daí ficou eu e ele naquela praça, sentados,

conversando, esperando dar o horário do primeiro ônibus [...]. O R. é 10 anos mais velho

que eu, então eu devia ter 19 anos e ele 29, ou tinha 18 e ele 28, daí a gente ficou

conversando ali, a polícia ali parada, também conversando. De repente chega um rapaz

completamente alterado, bêbado, drogado, sei lá o que ele tinha. Ele simplesmente chega

dando soco em mim, já chega falando que era um absurdo e, assim, toda a raiva dele foi

direcionada pra mim, que era o gay mais jovem, era o gay, eu nunca tive barba, então, ele

direciona toda raiva dele pra mim, “você tá aqui com esse cara todo peludo”, [...] “é um

absurdo, um nojo”. E a polícia ficou ali, de braço cruzado, olhando o circo, entendeu? A

polícia não foi, não fez absolutamente nada, contra aquele cara deixou o cara me agredir

fisicamente, e ficou olhando, só faltou a polícia, aplaudir assim o que estava acontecendo.

Os policiais estavam assim, a 50 metros de mim, eles estavam muito próximos e não

fizeram absolutamente nada. Aquele cara berrando e descompensado, quem separou a

agressão física que eu estava sofrendo desse cara, foram outros amigos dele que chegaram

até ele e separaram [...]. O Estado não se importava. (E2, 2022).

Sofri bullying porque eu era muito afeminado e porque eu era muito alto. Eu sempre

fui uma criança muito alta. Eu com 6 anos de idade, inclusive, fui molestado por um rapaz

adolescente, dentro da escola. Fui molestado, não sabia o que era sexo nesta época e tentei

falar para os meus pais, dessa situação, e acabei apanhando. Era aquela época que se batia

nos filhos ainda, década de 82. Eu estava na primeira série, tentei contar para os meus pais,

não consegui explicar o que aconteceu, eles acharam que eu tinha feito alguma coisa errada

e daí eu me lembro até da sena: “você prefere apanhar pelo pai ou pela mãe? (E2, 2022).

406
[...] minha mãe percebe que eu estou sofrendo muito bullying e a escola também

percebe os bullyings e daí a escola sugere que eu seja transferido, e eu sou transferido na

terceira série. E daí eu sou transferido, passa um tempo sem bullying, o bullying volta a

acontecer quando eu estou na 5ª, 6ª série. E chega ao ápice de que em uma das situações

de bullyings os meninos quebram uma perna minha. (E2, 2022).

[...] Fui me fechando, fui me fechando e com 13 anos eu tentei o suicídio dentro da

sala de escola. Eu começo a me cortar inteiro dentro da sala de aula e a postura da

professora, isso eu tava na 8ª série, foi “se você vai se matar, se mata no corredor, porque

então eu não responsável pela sua morte”. Ela me bota para fora de sala pra que eu não

cometa suicídio dentro da sala de aula com ela. Ela não me assistiu no sentido de vamos

impedir o suicídio dessa criança. Ela me bota para fora com essa frase “se você quer se

matar, se mata fora da sala de aula, porque eu não vou ser responsável por isso”. (E2, 2022).

A homofobia e a lesbofobia podem ter motivações oriundas de causas sociocultural,

individualista ou intergrupal, expressando-se de forma explicita ou implícita, desembocando, em

ambos os casos, em violência, preconceito e discriminação a gays e lésbicas, podendo inclusive

chegar à morte. (Marinho et al. 2004; Baracat et al., 2020; Ortiz, Bogo & Navasconi, 202; Araujo,

Benincasa & Frugoli, 2022b).

Neste contexto, a homofobia, assim como a lesbofobia, podem se fazer presentes de

diversas formas, inclusive nas redes sociais, como aconteceu com E3 que sofreu homofobia nas

redes sociais, por pessoas conhecidas e desconhecias, sendo, inclusive, ameaçado de morte, o que

abalou profundamente sua vida.

[...] Eu tinha por volta de uns 20 anos, meu namorado postou uma foto na época né? Que

eu tava com uma camiseta do São Paulo e ele tava com uma camiseta do Palmeiras e aí

407
fizeram uma piada daquela da Mastercard, sabe? “Uma camiseta do Palmeiras, tanto, um

passeio no Ibirapuera, tanto, ver dois gays, um palmeirense e um são paulino, isso não tem

preço”, sabe? E fizeram uma piada assim e repercutiu muito na internet na época, repercutiu

demais assim, tanto que eu, meus pais receberam, sabe? Várias pessoas me mandavam

mensagem falando “nossa, E3, eu vi isso daqui”, e assim, os comentários de quem via essa

foto era do tipo assim “nossa eu conheço esse viado, se eu ver ele na rua eu vou matar ele,

eu vou bater nele”, sabe? [...]. Como que eu ia, como que eu ia olhar pra aquela pessoa que

que falou que ia me matar? Sabe, tinha medo de sair de casa, eu tinha pavor de sair de casa,

minha mãe não deixava sair de casa, meu pai teve que ir comigo na delegacia e como que

eu vou falar isso pra um delegado, sabe? Bem constrangedor. E durou, durou muitos anos

[...]. Eu parei de frequentar o clube do qual eu frequentei a minha vida inteira, eu parei de

sair com pessoas do qual eu saí a minha vida inteira, eu literalmente bloqueei todo mundo,

exclui redes sociais, só realmente eu só me envolvi ali com pessoas iguais a mim, digamos

assim [...] deixei minha barba crescer pra ver se eu escondia meu rosto, meu cabelo

também, queria jogar ele pra frente pra ver se eu conseguia me esconder, sabe? (E3, 2022).

Pode ainda, conforme Kimbles (2014), Silva e Serbena (2021) e Franco (2022b), a

violência, o preconceito e a discriminação advirem de um complexo cultural homofóbico e

lesbofóbico, no qual a cultura heteronormativa, como forma de autopreservação, promovera a

exclusão, rejeição e discriminação de gays e lésbicas, muitas vezes de forma bastante cruel,

causando dor e sofrimento nestas pessoas, podendo, inclusive, provocar mortes ou provocar feridas

psíquicas e físicas nestas pessoas, como foi o caso de E11 (que teve a vida marcada pela morte do

filho), E5 e E8 (que sofreram violências desde pequenos até a vida adulta).

408
E11 (2022), figura pública, militante pelas causas LBTs, conta com muito sofrimento

expresso na voz e no rosto que teve seu filho D. assassinado, por causa de homofobia. Era um dia

de comemoração do Movimento e ele está, com um presente nas mãos, vindo se encontrar com

ela.

Mataram meu filho [...], mataram, meu D. Ele descendo de Teresópolis, tava morando em

Teresópolis com um rapaz que era cabeleireiro. Ele tava descendo pra vir pra festa de 30

anos do movimento e minha, né, de movimento. Eles vinham de moto e mataram os dois.

Soube por que ele estava com um presente pra mim, ele andava com a carteira do centro

de referência, então o meu telefone sempre foi referência pra denúncia, né, de qualquer

coisa relativo a homofobia. E foi pra mim que ligaram... mataram meu filho [....]. (E11,

2022).

E5, por sua vez, sofreu situações de homofobia desde criança, sobretudo, na infância e na

adolescência. E isto lhe causou consequências que duram até os dias atuais e que serão narradas

na subseção intitulada sofrimento. Neste momento será discorrido sobre as homofobias sofridas.

[...] eu como criança, vamos pensar aqui que eu nem sentia atração, não tinha nada que

tinha acontecido. Eu era criança realmente bem ingénua e era xingado e eu nem sabia o que

era aquilo que estavam me xingando. Eu acho, eu tentava ter uma noção, mas assim ah, por

exemplo, “você gosta de menino, não é não?”. Sabe, eu fui entender melhor quando eu me

apaixonei por um menino e aí ficou claro, mas até então eram palavras que nem eu sabia

entender exatamente o que que eram, sabe? Mas eu percebi que assim, que um ponto divisor

de águas na minha vida, nessa questão de homofobia, de eu começar a lidar melhor comigo

mesmo, inclusive com sexualidade e tudo mais, foi quando entrei na faculdade. Isso foi o

409
divisor de águas, assim, eu diria que eu sofri muito até meu último dia de aula do segundo

grau. (E5, 2022).

E8 também sofreu diversas homofobias, especialmente em sua casa, por parte de seus pais,

os quais batiam nele até literalmente cortá-lo. As atitudes do pai chegam a impedi-lo de estudar,

rasgando-lhe os livros e os cadernos. As agressões seguiram até o momento em que E8 foi expulso

de casa. O sofrimento seguiu mesmo estando de casa, pois um de seus irmãos mandava mensagens

agredindo verbalmente E8 e este irmão veio a falecer sem que E8 ouvisse sua última mensagem,

pois a deletou, dado que sempre eram agressões. Este fato até hoje é lembrado e sentido por E8

(2022).

[...] Meus pais, eles foram as pessoas mais homofóbicas e até hoje são na minha vida. Eles

não aceitavam e meio que me cortavam, eu tive uma infância muito difícil, principalmente

com a minha mãe. Minha mãe foi, eu acho que ela foi pior do que o meu pai, o meu pai ele

já não aceitava, mas ele não, como posso dizer, ele não tava o tempo todo vigiando. A

minha mãe, ela já tava sempre o tempo todo, sempre me dava uma surra ali outra aqui,

sempre tava me chamando atenção. Então, assim, eu fui começando a me moldar, daí eu

fui começando a ter uma personalidade. Tanto que hoje em dia eu sou uma pessoa mais

fechada, né? Eu também venho de uma família muito evangélica, cristã, nordestina. O

homossexualismo sempre foi visto como um tabu mesmo, sabe uma coisa, até mesmo do

mal. A minha mãe me espancava muito, ela me batia muito, me cortava de tanto bater.

Sempre a escutei dizer “cala a sua boca, você não presta”. Minha mãe, principalmente ela,

sempre teve uma violência muito grande comigo, ela sempre, tanto que eu tenho uma

cicatriz na boca de um copo que ela me deu e me jogou longe. Por causa que ela sempre

dizia, “você tá falando muito fino, você tá andando muito afeminado”, sabe, com essas

410
questões. E aí ela sempre foi muito violenta para que eu mudasse. [...] é uma história tão,

sabe, um pouco difícil para mim. Esse meu irmão, ele era muito homofóbico, esse que

faleceu, quando eu me assumi com 23 anos, eu fui expulso de casa, minha mãe me botou

pra for a, pegou minhas coisas e disse “hoje você não mora mais aqui”. E eu não tive apoio

de ninguém. Eu só fiquei sabendo por uma vizinha que minhas coisas estavam sendo

tiradas. Nem consegui entrar na casa, peguei o que eles botaram para fora e vim embora

pra São Paulo. [...] Um dos meus irmãos era muito homofóbico e antes dele morrer, ele me

mandou uma mensagem, acho que uns 3 dias antes. Uma mensagem de áudio que eu não

cheguei a escutar, porque antigamente já tinha mandado outras, me ofendendo sempre [...].

(E8, 2022).

A lesbofobia, olhando sob a ótica do complexo cultural (Kimbles, 2014; Silva & Serbena,

2021; Franco, 2022b), também pode ocorrer de grupos de mulheres voltado a mulheres lésbicas,

como tentativa de excluir do grupo mulheres cis, todas as que não perfazem a regra

heteronormativa, inclusive dentre do ambiente familiar, como ocorreu com E12 (2022).

Todas as mulheres. Minha mãe. Minha mãe eu não conto, né, porque na verdade minha

mãe, ficou em estado de choque. Ela ficou, acho que uns 6 meses, sem saber o que fazer.

Mas eu briguei com a minha vó. Tudo por parte de mãe. Eu briguei com a minha vó, briguei

com a minha tia, briguei com uma outra tia, tinha uma outra tia por consideração, ela me

via, ela falava de pinto, “porque o pinto”, com todo respeito a você, “o pinto é grande,

roliço é não sei o que” e aquilo já estava engasgada.

Os outros grupos também excluem, na verdade, todos os grupos, a partir de suas identidades

ímpares e singulares, tendem a excluir e a eliminar todo aquele que produz qualquer tipo de

ameaça, por ser diferente daquele determinado núcleo (Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021;

411
Franco, 2022b). Neste sentido, este tipo de comportamento também pode ser observado com

alunos em heterossexuais, sobre professores homossexuais, ilustrando-se o que se passou com E6

(2022), conforme sua narrativa:

E6 buscou impedir que as pessoas percebessem sua orientação sexual e, nem sempre

conseguindo evitar, chegou a sofrer bullying, em especial, profissionalmente falando.

[...] os episódios que mais me marcaram de homofobia, foram em sala de aula. E os que

mais me incomodaram, até acho que é porque eu estava numa situação de liderança, né,

como professor. [...] Eu não tenho voz grossa. [...] E aquilo que eu te falei a questão dos

trejeitos da mão, daquela coisa, enfim, acho até que eu não tenho tantos trejeitos assim,

mas, eventualmente posso ter tido, ou ter, enfim. Mas, eu não sei exatamente o que

acontecia e eu, uma vez, ouvi um comentariozinho, lá do fundo da sala; [...] Eu falei: “se

você tem alguma coisa pra falar sobre isso, você vem falar comigo”, enfim..., porque eu

não vou admitir desrespeito, né? Então, assim, eu lembro de três ou quatro vezes ter

acontecido, não foram muito mais do que isso, não. Eu cortei, eu disse: “não, não fica com

risadinha, se você tem alguma questão para falar comigo, você fala, porque eu não aceito

desrespeito”. (E6, 2022).

A discussão sobre como é como o homossexual percebe e sofre a discriminação e o

preconceito frente a sua orientação sexual, a partir das falas dos entrevistados e sustentada pelos

referencias teóricos da psicologia junguiana, permitiu se confirmar levantada durante a Análise de

Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos,

que “a homofobia/lesbofobia pode se manifestar de forma individual e/ou coletiva contra gays e

lésbicas, podendo atuar de forma cruel sobre estas pessoas, vindo, inclusive a provocar feridas

incuráveis e até mesmo a tirar vidas.”.

412
Tornou-se ainda evidenciado nesta discussão que a homofobia e a lesbofobia, sem que

possamos deixar de citar a translesbofobia, estão presentes no dia a dia de gays e lésbicas e

mulheres transsexuais lésbicas, manifestando-se sob as mais variadas formas, desde um olhar

desaprovador à uma morte violenta, marcando de forma permanente estas vidas, conforme foi-se

possível observar nos relatos dos entrevistados, possibilitando-se, por meio de suas falas,

mergulhar na dimensão de suas dores ao terem sofrido a violência, o preconceito e a discriminação

a que foram alvo.

Neste cenário, conceber-se homossexual ou lésbica é sinônimo de se expor às diversas

formas de violências. Amedrontados e angustiados frente a mínima possibilidade de reflexão

acerca de se ser ou não gay ou lésbicas, estas pessoas, como tentativa de esquivarem-se da dor que

significa fazer parte do grupo de pessoas que possuem esta orientação sexual, podem, muitas vezes,

negarem a si mesmas, buscando aparente refúgio no conhecido e aceito, a heterossexualidade.

Neste processo, para atenuar o peso que sentem em perceberem-se gays ou lésbicas, uma nova

possibilidade é cogitada: a bissexualidade, levando da mesma forma estas pessoas ao sofrimento

por tentarem ser o que não são.

6.6.2.3 Negação de si

De acordo com Santos e Bernardes (2008) a homofobia e lesbofobia, quando internalizadas

por gays e lésbicas, podem dificultar que estas pessoas vivam de forma saudável a sua sexualidade,

chegando mesmo a negá-la como tentativa inconsciente de não ser vítima de preconceito e

discriminação.

413
Sofrimentos e angústias são sentimentos que, quando não há permissão para serem vividos,

podem ser reprimidos pela consciência (Jung, 1916/2014b) levando, no caso do homossexual e

lésbica, a negarem a sua sexualidade.

Frente ao exposto, consideram Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b), como forma de

negação da própria sexualidade pelo homossexual ou pela lésbica, podem estas pessoas chegar a

agredir outros homossexuais e/ou lésbicas.

Para Jung (967/2013a), Zweig e Abrams (2012) e Sanford (2012), isto acontece devido a

projeção de sombra no outro, a qual contém aspectos reprimidos na personalidade e, isto se dá

devido a dificuldade de reconhecer em si estes aspectos como seus, uma vez eles não são aceitos

na consciência.

Quanto mais se oculta e se nega própria sombra, mais ela se fortalece e se no outro, uma

das possíveis razões pela qual há tantas agressões físicas e assassinatos a pessoas que se relacionam

afetiva/sexualmente com pessoas do mesmo sexo. E, de acordo Teixeira-Filho; Rondini, 2012

(citado por Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020) este fato pode se dar com certa frequência.

Outro cenário que pode acontecer, ponderam Santos et al. (2020), Araujo, Benincasa e

Frugoli (2022d), é a pessoa por não poder viver de forma salutar e aberta a sua personalidade, e

vir a adoecer física e/ou psiquicamente. Quando se dá o adoecimento físico é porque a dor já está

além do emocional, manifestando-se no corpo (Goswami, 2004/2006; Ramos, 2006).

Por não viverem sua sexualidade livremente, devido a homofobia e a lesbofobia a que quais

gays e lésbicas são vítimas frequentes, quando não gera uma homofobia internalizada, pode levar

a uma dificuldade de autoaceitação, desembocando, inclusive, na negação de si, pelo medo que ser

gay ou lésbica e sofrer, pode vir a representar na vida desta pessoa. E este fenômeno pode-se

observar nas narrativas de E2, E3, E4, E5, E6 e E10:

414
[...] então tinha muita aquela coisa de eu não me aceitava como gay, eu me aceitava como

bi, não sinto nenhuma atração por mulheres, mas primeiro eu falava que era bi, um bi que

só fica com homens, entendeu? E teve todo um processo até eu de fato eu conseguir vestir

a camisa de que não, eu gosto de meninos. Eu falo meninos por causa da idade da época,

né? (E2, 2022).

Eu senti muito medo, né? Eu levei algum tempo para me aceitar e para entender o que

estava acontecendo comigo. (E3, 2022)

Ah, foi um super conflito […]. Isto não era uma possibilidade, né? Eu não pensava sobre

isso. [...] Não falei para minha família, não falei para ninguém, na verdade, pra um amigo,

só ele e mais ninguém. Eu acho que levou assim, cerca de um mês para eu aceitar me

relacionar. (E4, 2022).

[...] quando eu entrei na minha pré-adolescência, eu comecei a olhar meninos de uma outra

forma que não era só afetiva, mas eu me reprimia muito, porque eu vim de uma família

bem tradicional, bem conservadora, católica, colégio bem tradicional, então assim, não era

uma possibilidade não ser hétero. [...]. Foi difícil, foi difícil, porque era, era muito

contraditório dentro da minha parte de sentimentos. [...] Eu me culpei durante muito tempo,

carreguei um peso dentro de mim durante muito tempo, tipo, no sentido de me aceitar. [...]

começou a namorar. Eu dizia para mim assim, para tentar, entre aspas, aliviar a culpa e

diminuir a gravidade do problema, “do crime”. Eu falava “não, então eu devo ser

bissexual”. Porque amenizava eu não ser 100% gay, seria um problema muito grande, mas

se eu colocasse uma mulher do outro lado, eu não seria tão ruim. (E5, 2022).

E eu cheguei a ter uma namorada, né? Até por conta disso, acho que era uma tentativa de

eu não dizer que para mim que eu era homossexual. (E6, 2022).

415
[...] E eu tava sozinha na sala, tava assistindo um filme na época e [...] as coisas que ela

questiona, as coisas que ela pensa em algum momento do filme [...] eu tava assistindo, eu

pensei “fodeu”, porque eu me identifiquei com as coisas que ela tava pensando. [...] Nossa,

eu acho, foi um, quando a gente fala desespero, parece uma coisa muito, muito agitada,

mas é muito barulhenta também, né? Mas não foi, foi uma coisa bem que eu guardei lá

dentro. Eu não sabia o que fazer e nem como lidar com isso. Desejei que não fosse verdade,

não pude aceitar na hora, mas isso ficou dentro de mim. (E10, 2022).

A partir destes recortes de relatos dos entrevistados, pode-se pressupor o grau de sofrimento

que se assumir gay ou lésbica tenha representado nestas vidas, pois além de todo um preconceito

que enfrentariam pela vida por serem gays ou lésbicas, enfrentaram a própria dificuldade em se

aceitar, pois esta não lhes era uma possibilidade.

Por meio destas narrativas, observar o sofrimento que estas pessoas tiveram para se

aceitarem como gays ou lésbicas, negando a si mesmas para não terem que ser vítimas de violência,

preconceito e discriminação, que não podem ser negadas que existem, pois que estão estampadas

em todos os lugares e fortemente presente no inconsciente coletivo da humanidade e pessoal de

cada um, permiti-nos as reverberações de uma sociedade excludente, homofóbica e lesbofóbica,

impedindo que as pessoas possam viver de forma saudável sua sexualidade.

Foi ainda possível se confirmar a hipótese levantada durante a Análise de Bardin, na

subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e Objetivos, que “a

percepção da orientação sexual em gays e lésbicas vem seguida de dificuldade de autoaceitação e

sentimento de culpa, com bastante frequência, uma vez o preconceito e a discriminação são

estruturais e estão presentes em todos os setores da vida”.

416
Para Perucchi, Brandão e Viera (2014), assumir a homossexualidade leva o homossexual a

se libertar da homofobia internalizada, ajustando-se de maneira saudável, entretanto, em uma

sociedade heteronormativa, assumir-se homossexual ou lésbica é sinônimo de sofrimento.

6.6.2.4 Sofrimento

De acordo com Silva (2011), a palavra sofrimento é originária do grego, de pathos, que

significa paixão. E, na perspectiva de Kierkegaard, trata-se de um sofrimento inseparável da vida,

no qual o ser humano invariavelmente passará por ele, inclusive, sendo necessário para que se

torne uma pessoa capaz de se relacionar com outras de forma inteira, podendo, assim, compreender

a si mesmo. (Silva, 2011). Neste sentido, o sofrimento relacionado a razão de se existir, ele é

profundo e vivido de forma integral e profunda, transformando a própria existência, passando pela

felicidade e pela dor.

Esclarece Silva (2011) que, de acordo com Kierkegaard, as transgressões implicam são

sofrimentos para se chegar a sua essência, a sua totalidade, de modo que são necessárias na vida

das pessoas. E, neste cenário, em uma sociedade heteronormativa que discrimina, violenta

(psíquica e fisicamente) e mata gays e lésbicas, por meio da violência, do preconceito e da

discriminação, gera marcas indescritíveis, por meio do sofrimento, nestas pessoas. Desta forma,

observam Ortiz, Bogo e Navasconi (2020) que em uma sociedade como esta, quando a pessoa

reflete sobre ser ou não gay ou lésbica, já inicia seu sofrimento. Isto fica explícito nos recortes das

falas de E4 e E5:

Ah, foi um super conflito […]. Isto não era uma possibilidade, né? Eu não pensava sobre

isso. [...]. (E4, 2022).

417
[...] não era uma possibilidade não ser hétero. [...]. Foi difícil, foi difícil, porque era, era

muito contraditório dentro da minha parte de sentimentos. (E5, 2022).

O sofrimento, de acordo com Sarti (2001), perpassa o complexo cultural, em que a cultura

de uma sociedade ou de um grupo, a fim de manter vivo e proteger os seus ideais, rejeita e exclui

todo aquele que não fizer parte deste grupo (Kimbles, 2014; Silva & Serbena, 2021; Franco,

2022b), podendo, inclusive, fazê-lo de forma cruel como por meio da prática da homofobia e da

lesbofobia, chegando ao extremo de matar gays e lésbicas, antes, porém, utilizando-se de práticas

de violência, preconceito e discriminação para com estas pessoas, torturando-as por meio da dor

emocional e muitas vezes físicas.

Este tipo de violência, que pode culminar com a morte, pode ser caracterizado como crime

de ódio, dada a crueldade a que se prática a ação contra um determinado grupo escolhido, no caso

gays e lésbicas, segundo Perucchi, Brandão e Vieira (2014), Efrem Filho (2016) e Aguião (2018a).

Isto aconteceu com E11 (2022), com relação ao seu filho, provocando-lhe enorme sofrimento:

Mataram meu filho [...], mataram, meu D. Ele descendo de Teresópolis, tava morando em

Teresópolis com um rapaz que era cabeleireiro. Ele tava descendo pra vir pra festa de 30

anos do movimento e minha, né, de movimento. Eles vinham de moto e mataram os dois.

Soube por que ele estava com um presente pra mim, ele andava com a carteira do centro

de referência, então o meu telefone sempre foi referência pra denúncia, né, de qualquer

coisa relativo à homofobia. E foi pra mim que ligaram... mataram meu filho [....]. E11

(2022).

Observa Brígido (2020) que o Brasil é o país que apresenta o maior número de crimes e

barbáries cometidos contra homossexuais e lésbicas, provocando não só um sofrimento individual,

mas coletivo, nestas pessoas, no qual a morte de um representa a morte de todos.

418
Jung (1916/2014b), Hillman (1926/2011), Pereira (2017), Ortiz, Bogo e Navascon (2020),

Araujo, Benincasa e Frugoli (2022b) consideram que quando o sofrimento é extremo e ultrapassa

os limites do suportável, como forma de se libertar de uma vida que não cabe mais na própria vida,

o suicídio muitas vezes visita e ronda os pensamentos das pessoas, podendo até mesmo virem a

literalizá-lo. Pode-se verificar estes contextos expressos nos recortes das falas de E2, E8 e E5:

[...] com 13 anos eu tentei o suicídio dentro da sala de escola. Eu começo a me cortar inteiro

dentro da sala de aula e a postura da professora, isso eu tava na 8ª série, foi “se você vai se

matar, se mata no corredor, porque então eu não responsável pela sua morte”. Ela me bota

para fora de sala pra que eu não cometa suicídio dentro da sala de aula com ela. Ela não me

assistiu no sentido de vamos impedir o suicídio dessa criança. Ela me bota para fora com

essa frase “se você quer se matar, se mata fora da sala de aula, porque eu não vou ser

responsável por isso”. (E2, 2022).

Minha mãe [...]. Ainda fala palavras duras, nossa ela me expulsou. Faz 2 anos que ela me

expulsou de casa, por conta deu ser homossexual. Aí eu disse pra mim mesmo que eu não

ia aceitar mais. Eu estava a ponto de me de cometer um suicídio e, ou eu me assumia ou eu

cometia um suicídio. (E8, 2022).

[...] eu precisava me encaixar. Eu passei muitos anos como que performando uma pessoa

que eu não era. Mas assim, o pensamento suicida sempre existiu, mas eu nunca tive

coragem. (E5, 2022).

De acordo com Brígido (2020), Lima (2020) e Baracat et al. (2020), quando a violência é

sofrida e não é ressignificada, o trauma se mantém vivo gerando doenças psíquicas e/ou físicas,

como forma do corpo expressar o sofrimento e a dor, exemplo, ansiedade, depressão, pânico,

hipervigilância. Como nos excertos abaixo de E1, E2, E4 e E5:

419
É, essa questão da ansiedade, eu acho que eu, me esforço muito pra não deixar a depressão

tomar conta de mim, porque se eu deixar, se eu vacilar, basta dar um vacilo pequenininho

que o mundo acaba e eu sabe, é horrível, [...] depois dessa experiência, isso mudou muito

a minha vida. Eu tenho que ficar falando para mim mesma, que tá tudo bem, que vamos lá,

você é corajosa, que senão minha filha, eu fico amuada. (E1, 2022).

[...] hoje eu tenho transtorno de ansiedade, eu acredito que grande parte desse diagnóstico

vem, porque eu meio que introjetei que eu não tinha valor por ser quem eu era, então eu

tentava compensar, eu tinha que ser o melhor estudante, o melhor profissional, se fosse

para fazer o artigo científico que fosse o melhor artigo científico, sabe? E essa super

cobrança, por trás disso, teve muito isso, eu comecei tocar piano e queria ser o melhor

pianista, então teve muito isso, de sempre eu querer ser o melhor para compensar esse não

valor. [...] até hoje eu convivo com transtorno de ansiedade, o psiquiatra já falou que não

tem cura, que o transtorno de ansiedade me acompanha pelo resto da vida, a gente passa

por períodos em que a gente, enfim, não precisa da medicação, mas dependendo do período

da vida tem que retornar com a medicação, enfim, eu passo por períodos em que reduz a

medicação, já cheguei a passar períodos sem tomar nenhuma medicação, só com a

psicoterapia, e aí acontece alguma coisa na vida, algum fator mais ansiogênico, daí tem que

voltar com a medicação e, e assim, vai passando por ondas, mas eu acredito que vem muito

também dessa etapa, né? (E2, 2022).

O que acontece é que eu sempre fico muito alerta. Então, e isso, assim, me coloca num

estado de alerta, talvez, uma pré-raiva ali, embora não tenha acontecido nada. Antes que

aconteça, eu já dou uma nutrida numa raiva, de tipo assim, preciso ficar alerta, em estado

de alerta. Ativo os instintos. (E4, 2022).

420
[...]. Eu percebo assim que eu fico tenso e eu fico olhando, eu fico muito vigilante, fico

olhando para as pessoas à minha volta para ver se não tem ninguém que possa vir em cima

de nós para fazer o que quer que seja”. Eu não consigo ficar à vontade. Um casal hétero,

não sabe, não, não sabe o que é isso. Uma coisa que eu percebo é que assim, se eu tô num

shopping, por exemplo, e eu vejo um casal de duas meninas ou dois meninos ali de mãos

dadas e tal. Eu fico tenso, eu fico cuidando. Pra ver se não tem ninguém que vai chegar a

incomodar o casal. (E5, 2022).

As ações de homofobia e lesbofobia depõem contra a vida de gays e lésbica, levando-os a

viverem sob contínuo medo de serem agredidos, violados em sua integridade física e emocional,

assassinados, vivendo, portanto, gerando nestas pessoas em contínuo sofrimento emocional.

(Araujo; Benincasa & Frugoli, 2022d). Estes sentimentos podem ser observados nas narrativas de

E1, E3 e E5.

Então qualquer vacilo, agora, a gente vai viver com medo. Eu to vivendo o medo, o medo

que eu não tive, a coragem que tive, quando lá, nos enfrentamentos da lesbofobia. Hoje que

eu to, eu to tendo.... esses medos hoje. (E1, 2022).

[...]. O medo tomou conta da minha vida. [...]. Não entendo por que fazem isso, porque nos

agridem tanto. É eu sou, eu não sou somente um homossexual, eu sou um homem, sou

trabalhador, eu sou um filho, eu sou um marido, eu sou um irmão, eu sou um amigo, né?

[...]. Então assim, por que que as pessoas não olham, como um contexto, né? Isso me

incomoda muito e por que que a sexualidade ela tem que estar tão, tão em destaque, né?

(E3, 2022).

Na verdade, chega passar da preocupação, né? Chega a literalmente passar a sensação de

medo. De medo de eu ser agredido, né? Eu posso ser agredido “n” vezes, não digo

421
fisicamente, não eu digo fisicamente eu nunca fui agredido por ser homossexual, mas eu já

fui agredido por várias vezes, sabe? Ter que passar por situações “n” vezes constrangedoras

por, por tá com meu marido, com namorado, por ser homossexual, por postar uma foto.

(E3, 2022).

[...] Isso tudo me afetou demais e ainda afeta. [...] Por exemplo, se eu to num dia legal, que

as coisas estão fluindo, e me vem uma palavra homofóbica, eu tento não transparecer, mas

aquilo é como se tivesse tirando a alegria do meu dia. É uma coisa que te desmotiva, que

você olha, você olha, mas que você não possa, não tem argumento pra falar que te dá uma

raiva, sabe? Poder falar alguma coisa, mas maioria das vezes você não pode falar, né? É

um sentimento de impotência, de sabe, “eles estão nos calando”, né? [...], mas não tem o

que fazer, o que que eu vou fazer? Eu vou chegar na pessoa e vou falar assim, “olha, você

está sendo homofóbica!”. “Você tá agredindo um ser humano”. E vou ouvir: “o que você

tem a ver com nisso?”. E ainda pode querer me agredir! E aí nisso às vezes é melhor a gente

se precaver, né? A gente se proteger disso, pela própria segurança. A própria segurança,

faz com que a gente fique quieto, né? Tipo, eu prefiro estar ileso, protegido do que correr

um risco ali de uma agressão. (E3, 2022).

[...] eu não ando de mão dada com um namorado ou com um ficante, eu não abraço de uma

forma muito evidente, não dou um beijo por medo de violência, isso porque eu não sei se

eu não vou levar uma lâmpada na cabeça, um chute, uma pedrada, um soco. Porque é o que

acontece! Pessoas como nós assim, com quem já aconteceu isso, você nunca sabe o que

pode acontecer e eu não estou disposto a passar de novo por isso. Eu prefiro me proteger e

não deveria ser assim, mas é o que tem para hoje. (E5, 2022).

422
Afirmam Garcia e Coutinho (2004) que vivemos em uma sociedade que produz sofrimento

o tempo inteiro, pois preza acima de qualquer coisa a liberdade, mas tira a liberdade do outro a

qualquer preço e a duros golpes, como fazem com gays e lésbicas, que não correspondem ao padrão

de uma sexualidade heteronormatizada e socialmente aceita, tirando-lhes o direito a uma vida

digna e muitas vezes até mesmo a vida. Nesta perspectiva, pondera E2 (2022):

[...] O tempo inteiro nós temos alvos nas costas, tem que ter, a gente, a gente sai na rua sem

saber se vai voltar. [...] Que raio de liberdade é essa de sair na rua e ser morto?”. O tempo

inteiro somos agredidos, o tempo inteiro nós sofremos uma série de violências, desde

violências físicas até morais e psicológicas e nada é feito. As pessoas que cometem essas

violências nada é feito! (E2, 2022).

A violência sofrida abre ferida emocionais em gays e lésbicas, fazendo com que as

lembranças do que sofreram sejam recorrentes, de modo que parece que o sofrimento estará sempre

lá, presente em suas vidas, pois suas vidas foram marcadas. (Pereira, 2017; Ortiz, Bogo &

Navasconi, 2020; Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b). Os trechos seguintes destacam estes

sofrimentos em E2, E5, E7, E8, E9 e E10.

[...] eu fui molestado [...] tinha 6 anos [...]. E aquelas frases, porque o menino me segurava

e ficava falando, “você é muito feio, você é horroroso, nenhuma mulher nunca vai te

querer”. Claro isso depois vai ser traduzido para o gênero masculino, então por muitos anos

eu me senti muito feio, sou muito feio, nenhum rapaz vai se sentir atraído por mim. Eu tive

sérios problemas de autoestima, por conta disso, foram anos e anos de terapia, e muitos dos

meus desenhos até hoje, porque a gente tem..., a gente introjeta essas frases, essas vozes,

elas continuam falando na nossa cabeça...., tanto que eu tenho que parar, respirar fundo e

falar “isso não é verdade”. (E2, 2022).

423
Então, é uma questão de se sentir muito deslocado, muito errado, muito culpado, como se

realmente fosse 100% minha responsabilidade. E muito deprimido, assim também de ficar

muito triste né, de porque isso né, ansioso assim, ansioso porque estava sempre vigilante.

O meu terapeuta falou para mim uma vez, “você deve ter desenvolvido na tua infância já,

algo chamado hipervigilância, você estava sempre atento ao mundo a tua volta para você

já pensar, como que você agiria se acontecesse tal coisa”. (E5, 2022).

[...] Sofrimento [...] É de questionar o que ela realmente amava... Se ela amava a mim

integralmente ou era a ideia que ela tinha de mim, né? E eu acho que isso, de certa forma,

sempre gerou em mim dúvidas. É um sentimento de querer sempre fazer o máximo de mim,

o impossível, de dar o máximo de mim em tudo que eu fazia pra ela aprovar, "olha eu ainda

consigo fazer tudo mesmo sendo gay, sabe"?! [...] Me distanciou, emocionalmente. A

gente, antes disso, a gente sempre foi mais próximo [...] hoje, olhando para trás, eu consigo

entender que teve um afastamento bastante grande. (E7, 2022).

Isso é, sabe, muito difícil. Eu me sinto sem valor. É o que às vezes eu me pego pensando,

eu, eu queria ter tido oportunidades, né? [...] às vezes, quando eu me deito para dormir,

vem esses pensamentos e de memórias e lembranças de coisas que as pessoas fizeram

comigo. Tipo, eu comecei a ter, lembrar sabe, do abuso sexual que eu sofri do meu tio,

sabe? [...] Eu acredito que eu tinha de 7 a 8. Aquilo de tocar nas minhas partes íntimas, dele

se tocar. Só que naquele momento eu não entendi aquilo. [...]. (E8, 2022).

O que mais me doeu é [...] acreditar, sabe, no que essas pessoas falavam me doeu muito.

Houve um momento que eu comecei a acreditar que isso era errado, que eu era errado!

Então isso me causou muito mal, né? Porque eu comecei a me sentir uma pessoa sem valor,

comecei a me sentir, que eu era uma pessoa suja, né, que eu era uma pessoa pervertida, por

424
conta de ser homossexual. E isso me causou uma dor muito grande, sabe, um sofrimento.

Eu comecei a sentir aperto no peito quando eu estava perto das pessoas. Eu não conseguia

me aproximar, eu não conseguia desenvolver, até mesmo em grupos LGBT, eu não

conseguia mais. Sempre me sentia muito estranho. Então eu acredito que eu poderia ter

sido mais…, eu sofri…, isso me causou um sofrimento muito grande. (E8, 2022).

Tenho muitas feridas e [...] às vezes é algo que eu vou conversando com as pessoas também,

às vezes é algo que já cheguei à conclusão que nunca vou conseguir extirpara-las. (E9,

2022).

Perceber que eu cresci e a vida inteira eu fui discriminada, sabe, pelas mesmas pessoas que

estavam ali durante o meu crescimento..., é muito confuso. É inclusive dentro da minha

própria casa [...]. Então, eu tenho tudo de errado aqui pra comunidade, sabe? Porque além

de eu não ter pai, eu sou mestiça, que isso é um preconceito, sim, aqui do, dentro da

comunidade é uma questão isso. O brasileiro, o que não é da comunidade, então, eu não

tenho pai, sou mestiça. Ainda era uma criança que não era do jeito que devia ser, sabe, era

uma menininha, mas que não se comportava com uma menina, e eu cresci e eu sou sapatão,

sabe? Tipo, parece, que aí vira tudo “ah, tinha que ser”. (E10, 2022).

O sentimento de não pertencimento, de não ser valorizado, de não ser respeitado, de não

ser amado, de estar vulnerável e não ter com quem contar, pode, pelo que se pôde observar, gerar

forte sofrimento nas pessoas, pois que ser amado, aceito, valorizado, sentir-se seguro e protegido,

compõe os processos cruciais que constituem o ser humano, permitindo-o manter-se saudável

emocionalmente. (Ortiz, Bogo & Navasconi, 2020).

425
As discussões trazidas por meio dos recortes dos relatos acima dos entrevistados,

embasadas nos aportes da psicologia junguiana, permitiu-se observar a intensidade do sofrimento

de gays e lésbicas vítimas de homofobia e lesbofobia.

Houve ainda a possibilidade de se validar nesta subseção a hipótese levantada durante a

Análise de Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e

Objetivos, que “a homofobia/lesbofobia causa nos/as homossexuais/lésbicas sofrimento psíquico

duradouro e permanente, atingindo-os em sua autoestima, tornando-os vulneráveis, desencadeando

sentimento de pânico, depressão e/ou ansiedade, além de, em alguns casos, falta de vontade viver,

podendo levar desencadear pensamentos angustiantes como o suicídio, como tentativa de findar o

sofrimento”.

Há de se refletir sobre a produção social do sofrimento em gays e lésbicas pois todas as

pessoas têm o desejo e lutam pelo direito de serem livres, de serem felizes, de amarem e de

poderem fazer suas escolhas, entretanto, quando se trata do direito de liberdade do outro e,

especialmente se este outro vai em desencontro aos complexos culturais de determinados grupos

sociais, contraditório ao que se busca para si, o direito à liberdade, à felicidade e à realização

pessoal, é negado a duros golpes de violência à estas pessoas e isso é o que acontece em uma

sociedade heteronormativa, com gays e lésbicas (Garcia & Coutinho, 2004, Araujo, Benincasa &

Frugoli, 2022b).

As pessoas desconhecem quem de fato são os gays e as lésbicas, pois não se ouve quem

são por suas falas, por suas vozes, mas, sim, por outras pessoas que pensam conhecê-los e

reproduzem o que confiam que seja verdadeiro. Para se falar a respeito de algo ou de alguém é

minimamente necessário se conhecer este algo ou esta pessoa com profundidade e, somente se

426
compreende com profundidade, quando se busca saber na fonte, no caso, ouvindo pela própria

fala, na própria voz de gays e lésbicas.

6.6.3 – Categoria Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou?

Esta categoria abordará e trará para discussão formas de se conhecer verdadeiramente as

pessoas que são gays e lésbicas, Farão parte desta categoria as subcategorias publicização da

sexualidade e da violência e, educação/informação, as quais abordarão:

- Publicização da Sexualidade e da Violência: A importância e os riscos em tornar

pública a orientação sexual e a violência sofrida; a não aceitação em continuar no “armário” e nem

em ser vítima de homofobia e lesbofobia.

- Educação/Informação: A educação e a informação como forma de lutar contra e acabar

com a homofobia/lesbofobia, por meio da conscientização como meio de estímulo crítico para que

não se aceite o que é previamente dito e imposto como certo ou errado; trocar a política do orgulho

pela política da informação; educar desde pequeno; ensinar o respeito a pluralidade; mostrar os

direitos de todos, os limites e o respeito; implementação de práticas de ações educativas para

conscientização das pessoas sobre o que é a homossexualidade/lesbianidade, o respeito, as

consequências da homofobia/lesbofobia etc.; preconceito como sinônimo de desinformação;

educação/informação como possibilidade de liberdade de expressão da orientação sexual.

Para esse fim, esta análise se utilizará das entrevistas realizadas com os 12 participantes da

pesquisa, sustentada pela referencial teórico da piscologia junguiana.

427
6.6.3.1 – Publicização da Sexualidade e da Violência

Os homossexuais e as lésbicas são vítimas de diversas formas de violência, preconceito e

discriminação, sofrendo violação de seus direitos básicos e sendo-lhes negado o direito de uma

vida digna (Araujo, Benincasa & Frugoli, 2022b).

Oltramari (2010), partindo da necessidade de se enfrentar os preconceitos à gays e lésbicas,

aponta que uma estratégia é a publicização da sexualidade e da violência a que se sofre, falando

mais e abertamente sobre quem é o homossexual e a lésbicas, suas necessidades e direitos de serem

tratados como qualquer outro ser humano, assim como divulgando o que lhe acontece em termos

de homofobia e lesbofobia sofrida. E foi o que E1 (2022) fez, primeiramente, quando, pelo então

marido, sofreu a tentativa de ser colocada “no armário”. Quando percebeu do que se trata, reagiu

e “saiu dele” e, mais adiante, quando foi vítima de graves ameaças contra sua vida:

[...] Mas aí, o que ele falou comigo foi assim, “a gente fez um pacto, de cumplicidade e

descrição entendeu? Porque as crianças eram pequenas”, aí ele falou assim: “olha, é melhor

ninguém saber, fica só entre a gente, você não precisa tornar público”, eu não vi nenhum

problema nisso, porque também eu não tinha muita dimensão das coisas, depois que eu fui

compreender que esse armário é uma violência. (E1, 2022).

[...] minha reação, foi contar para todo mundo, essa carta circulou na mão de todo

mundo. E na época também eu trabalhava com movimentos sociais, eu tinha muito acesso

as rádios comunitárias, então eu publicizei mesmo, não perdia uma oportunidade de falar,

por que qual foi a minha lógica? Eu vou falar para todo mundo e vou criar em torno de

mim uma rede de segurança, de proteção e foi isso que eu fiz. (E1, 2022).

428
A gravidade do ocorrido com E1 foi tamanha, que ao publicizar a carta ela tentou ser

silenciada, mas não desistiu, pois era sua vida e a vida de tantas outras pessoas que passava por

situações como esta. Ela estava com medo, mas a coragem de lutar e expor o ocorrido, e de viver,

foram maiores. Expõe E1 (2022):

[...] Peguei a carta e fui na sala do diretor, mostrar, falar. Sabe o que ele fez? “Entra, entra,

fecha a porta, fecha a porta”, e ele falou baixinho, ele me responsabilizou, simplesmente

ele falou assim, “você não é daqui, essa região é muito violenta”, que já teve um caso lá

em Serrinha no município vizinho, aí foi contando o que aconteceu com a mulher lá em

Serrinha. E me apavorou, me apavorou, e disse “porque esse trabalho de vocês ficarem

mexendo com violência, isso é muito complicado, porque o povo daqui do sertão é muito

preconceituoso”, aí eu: “caraca, e agora, se o diretor tá dizendo isso para mim...”. Aí, eu

perguntei: “você tá achando que eu sou responsável por isso? E a partir daqui agora, o que

que vai ser feito?”. Aí ele ficou todo atrapalhado e mandou a substituta dele ir me

acompanhar.

E1, apesar do medo que sentiu e de ter também pelo diretor, naquele momento, sido vítima

de discriminação e preconcetio, reuniu mais forças e foi adiante com esta questão, entretanto,

sofreu nova lesbofobia, agora na delegacia e pela juíza.

[...] Eu fui na delegacia, ele não fez ocorrência, não fez nada, por quê? Eu prestei a

ocorrência, mas é uma coisa muito superficial. Eu tenho esse boletim ainda, eu fotografei,

o termo lesbofobia não aparece, eu insisti na delegacia: “você coloca aí para mim”. O

cuidado com o registro que não teve, não teve, mesmo eu ali dizendo, meio que ditando pra

ele o que colocar no boletim, não colocaram... Aí fui para a juíza, a juíza veio com o mesmo

texto, o mesmo argumento, que o meu trabalho me deixava vulnerável, aí eu perguntei para

429
ela se ela estava me acusando? E ela me disse que eu estava desacatando ela. [....] Foi um

negócio horrível, horrível. (E2, 2022).

Borrillo (2000/2021) e MacRae (2018a) compartiham do pensamento de que a

homofobobia e a lesbofobia precisam ser denunciadas, publicizadas e de que as pessoas que são

homossexuais e lésbicas tem todo o direito à vida e a dignidade, precisando falar à respeito, se

expor, se posicionar, entretanto, ressaltam a importância de se ter cuidado com a violência, pois

há muitas pessoas homofóbicas e lesbofóbicas. Pode-se observar na conduta de E2 (2022) que a

ação de publicizar a sexualidade e a violência sofrida, pode ser assertiva e eficaz.

O mesmo foi feito por E2 (2022), quando sofreu violência no carnaval, situação em que E2

relata que foi agradedido em frente a polícia e ela não fez nada. Ao procurar por ajuda, conheceu

Motti, que lhe orientou a publicizar o fato:

Eu acabei iniciando, fazendo uma iniciação científica, eu entrei em contato com o “gays

jovens”. Através do “gays jovens” eu conheci o Luís Motti da Universidade Federal da

Baia, e daí eu tive uma conversa muita rápida com o Luís Motti, e ele falou assim “olha,

eu acho que você tem que publicizar a questão da homofobia em Santa Catarina. Eu falei

“mas, eu tô na área da saúde”, daí ele falou “não interessa, é possível fazer pesquisas sobre

gays, sobre a sua condição, você poderia estar na área das artes, que você conseguiria

fazer”. E daí foi meio que o que eu fiz, teve essa questão da entrevista com a RBS, que isso

a própria Globo que me procurou. A partir da entrevista com a RBS, eu conheci algumas

lésbicas que eram bem militantes lá em Santa Catarina. A gente transformou essa questão

em um documentário, que eu não era a única vítima, tinham várias vítimas de homofobia

no carnaval. Então saiu esse documentário [...]. (E2, 2022).

430
E2 não parou por aí, vendo os resultados que esta publicização poderia positivamente ter

para a comunidade LGBT, em termos de visibilidade acerca da discriminação a que eram expostos,

assim como das LGBTfobias que sofriam. Conta E2 (2022):

[...] e daí eu fiz minha iniciação cientifica, onde eu falava sobre o que eu tinha passado na

Universidade, sobre o preconceito dos futuros terapeutas. Então eu peguei todos os cursos

da área da saúde que tinha na Unisul, porque eu era estudante ainda e entrevistei todas as

turmas de todos os cursos da área da saúde. Foi um questionário fechado, perguntando

coisas do tipo... “algum professor já fez piadinha contra a população LGBTQIA+?”; “você

acha que é possível curar homossexual?”; “você acredita que essa população homossexual

tem mais chance de contrair AIDS do que a população heterossexual?”; “se você tiver que

atender um paciente com HIV, e souber que é homossexual, você atenderia?”; “se você

tiver que atender um paciente, você se sente desconfortável, se soubesse que esse paciente

é homossexual?”. [...] E daí com esse artigo, esse artigo foi submetido para Sociedade de

Congresso e Ciência, no 45º congresso que aconteceu em Florianópolis. Minha carreira

acadêmica começou por ali, começou nessa tentativa de, pra ressignificar isso, construir

uma produção e demonstrar que isso estava acontecendo. E aquele trabalho que eu

apresentei na última fase que eu te comentei, de medicina chinesa, o motivo de ter

publicado esse trabalho, foi esse, porque quando o professor fala que não é de interesse, eu

vou mostrar que é de interesse, mandei para uma revista acadêmica, e ele foi aceito sem a

necessidade de modificações. (E2, 2022).

Para Araujo, Benincasa e Frugoli (2022e) as redes de apoio podem ser bastante eficazes

para que as pessoas que sofrem homofobia e lesbofobia possam denunciar a violência sofrida, pois

431
é preciso que se fale sobre isto. E, podemos notar no caso de E3 (2022), o que acontece quando

não tem esta rede de apoio externa.

E3 (2022) ao ser vítima de homofobia e ser ameaçado de morte, também não se silenciou,

mas foi na delegacia desencorajado e, por medo do que pudessem fazer a ele e à sua família,

coagido pela situação, calou-se. Relata E2 (2022):

[...] gente foi pra delegacia. E aí o que o delegado falou foi o seguinte, o que eu me lembro

agora, né? “É, não tem o que fazer, porque já tava tão repercutido que a gente poderia entrar

com processo contra um só, que daqui a pouco vai aparecer de novo, e aí tem um processo

contra o outro e aí daqui a pouco a prova ia aparecer de novo, até outra pessoa postar....”.

[...] e aí ele falou: “É..., vai ser torturante pra vocês”, né? E já é constrangedor de ter ido

até lá. Então aí eu preferi me calar, porque eu não queria passar por isso, sabe? A única

coisa que eu queria é que aquilo tudo sumisse, sabe? Eu não queria entrar com o processo,

não queria me expor, eu não queria expor a minha família à violência, sabe? Porque se não

fosse ali o meu medo das pessoas realmente matar, as pessoas que têm ódio, né? Vão lá e

matam a minha família toda, sabe? Eu preferi me calar, né? Do que correr atrás dos meus

direitos por medo, muito medo. (E2, 2022).

E11 (2022), figura pública, ativista e militante de causas LBTs, compartilha do pensamento

de que é preciso falar, contar o que está acontecendo, divulgar, tornar público, pois não se pode

ser algo de tanta dor e se viver escondido como se estivesse cometendo algum crime ou se fazendo

algo errado.

De 12, 11 entrevistados, todos, exceto E6, disseram não trazer para suas vidas pessoal ou

mesmo mais próxima, pessoas que não podem saber de sua orientação sexual e que verão algum

problema nisso. Consideram que são livres assim como qualquer outra pessoa, de modo que não

432
podem e não querem viver aprisionados, “no armário”. Esta fala pode ser bem representada por

E11 (2022):

[...] não sou amiga de ninguém que não saiba da minha orientação. Não gosta, um abraço.

Olha, desde o meu jornaleiro até os donos de todos os lugares que eu frequento, e garçons

e garçonetes sabem, tem que saber. Eu não gosto de gaveta, quanto mais de armário. (E,

2022).

Segundo Jung (1916/2014b) o processo de individuação diz respeito a nos tornarmos quem

de fato somos, integrando nossos aspectos de luz e sombra (sempre que puderem ser integrados),

pois, só assim, seremos inteiros e poderemos seguir nosso caminho de desenvolvimento psíquico

rumo a individuação.

As discussões promovidas pautadas nos recortes de relatos entrevistados, a partir do

respaldo científico da psicologia junguiana, permitiu-se observar de maneira exemplificativa como

é importante se publicizar a sexualidade e a violência sofrida, pois não o fazer é sinônimo de se

tornar refém do medo e das ameaças. Todavia, há de se encontrar as ferramentas mais adequadas

para isto, como pudemos ver alguns caminhos tomados pelos entrevistados.

Houve ainda a possibilidade de se validar nesta subseção a hipótese levantada durante a

Análise de Bardin, na subseção 6.2, Fase 1, Regra 3, intitulada como Formulação das Hipóteses e

Objetivos, que “a homossexualidade e a lesbianidade, e as violências sofridas, precisam ser

denunciadas e publicizadas, a fim de que o silêncio não promova uma espécie de aprisionamento.

Além do que é importante denunciar para que os homofóbicos e lesbofóbicos não se sintam

validados, mas, diferente disto, evidenciados, podendo, assim, vir a inibi-los de cometerem atos

contra as vidas das pessoas”.

433
A educação e informação podem ser caminhos para conscientização das pessoas acerca de

quem são os homossexuais e as lésbicas, seres humanos como qualquer outro, podendo, inclusive,

servir de estratégica para redução e, quem sabe, o fim da violência, preconceito e discriminação

contra estas pessoas.

6.6.3.2 – Educação/Informação

A homossexualidade e a lesbianidade sempre existiram, porém, não eram assim nomeadas,

como a exemplo da Grécia antiga, em que a homossexualidade tinha a função educativa de inserir

na vida sexual os homens mais jovens, e esta tarefa cabia aos homens mais velhos. Com relação a

lesbianidade, Safo de Lesbos há muito teria existido e suas poesias eram, inclusive, cantadas ao

som de liras para enaltecer o amor entre as mulheres. Assim, a relação afetivo/sexual entre pessoas

do mesmo sexo atravessa a história da humanidade, fazendo-se presentes desde os seus primórdios,

em todas as épocas e culturas (Hopcke, 1993; Santos & Bernardes, 2008; Guimarães, 2009; Salles

& Melo, 2011; Faro, 2015).

De acordo com Oltramari (2010), para se compreender a identidade sexual de gays e

lésbicas, no sentido de quem são estas pessoas, é preciso que se fale sobre isto publicamente e por

meio da disseminação adequada da informação, retomando-se as especificidades perdidas, pois

tanto se falou a respeito e de uma forma tão inadequada, que se perdeu a noção real de quem são

os homossexuais e as lésbicas.

E1 compartilha deste pensamento e considera que é necessário trocar a política do

“orgulho” pela política da educação para que, por meio da educação e da informação, as pessoas

possam conhecer quem são os gays e as lésbicas e também para que se possa acabar com a

homofobia/lesbofobia à estas pessoas. E1 (2022) diz:

434
[...] O caminho da educação... É isso, essa política que a gente sempre desenvolveu, a

política do orgulho, eu tenho cada vez mais ressignificado essa política do orgulho de uma

política de informação. É porque o orgulho é orgulho e é a informação que vai mudar, que

pode mudar. A partir do momento que você tem a informação, tem o nome das coisas, e

aquilo que não é nomeado não existe. (E1, 2022).

E5, da mesma forma que E1, acredita que a educação é fundamental para que se conheça

verdadeiramente quem são os homossexuais, as lésbicas e para que possa se colocar um fim a

homofobia e a lesbofobia. Declara E5 (2022):

[...] Eu acho assim, é a informação, mas não essa informação pronta, mas a informação que

vem do debate, do discurso, da troca de ideias de modo crítico, mas tem que ter abertura

para ouvir, porque também não adianta eu querer falar o que eu acho, mas não conseguir

te escutar. Se for assim, então não teremos um debate e a nossa conversa não será

construtiva. Assim, eu acho que essa informação, esses debates, essas conversas, essas

conclusões, tem que ser disseminadas cada vez mais para que cada vez mais se pense sobre

os porquês e se questione. Às vezes, quando a gente fala de algumas questões LGBT, para

muitas pessoas e aí, por desinformação mesmo, porque não se vai atrás, porque não se tem

contato, não se tem amigo, não se tem ninguém na família, não se tem no ambiente de

trabalho e não se tem interesse de buscar essa informação, se criam alguns monstros em

torno disso, sabe? [...] Então, se foi dito pra ele que estar na comunidade LGBT é a pior

coisa do mundo, ele vai continuar com isso na cabeça e eu entendo essa pessoa. Então, eu

trabalho na desconstrução disto e eu falo, eu como professor, eu tenho essa obrigação. Acho

que todo mundo que consegue ter acesso às informações, tem que com o seu jeitinho

435
explicar, dá para falar certas coisas. E, assim, sintetizando, eu acho que o caminho continua

sendo a informação, não a desinformação. (E5, 2022).

E6 segue por esta mesma perspectiva e observa que:

Eu acho que a educação [...] começando de baixo, eu acho assim, eu tendo a achar que a

gente, e claro, e aí vão muitas gerações para isso, né? [...] Porque, no fim das contas, quando

não se fala sobre as coisas, sobre as questões, você acaba no não educando. As pessoas

podem achar que é normal discriminar, ou que é anormal ser homossexual. [...]. (E6, 2022).

Para E3 (2022) a educação e a informação também são o caminho para que se conheça

quem é o homossexual e a lésbica e para que coloque fim a violência, ao preconceito e a

discriminação. Concebe E3 (2022):

Eu acho que a homofobia, a gente tem tido uma evolução muito grande, na homofobia

sabe? A escola, eu acho, é uma coisa que poderia apoiar um pouco mais, né? [...] E mais,

eu vejo que falta um pouco de apoio na rede de educação, na gestão da escola para enxergar

isso como normal. [...]. Bem, o que poderia mudar hoje é, seria a questão da escola. (E3,

2022).

E10 pondera que para se conhecer quem são os homossexuais e as lésbicas, é preciso que

se parta da informação à população, pois esta é uma forma, a seu ver, de desfazer os preconceitos.

Diz E10 (2022).

Eu sempre associo preconceito, qualquer tipo de preconceito, a informação. Muita gente

pensa coisas porque não sabe, então ele preenche esse buraco. [...]. Quando você não sabe, você

acredita no que nos boatos, rumores, fofocas, e aí, e a partir disso, só o pior. E eu acho que também

é porque você acaba não tendo contato, não sei, não sei qual é a questão aí. Eu, na verdade, eu fico

436
pensando, o que que é que a vida assim, se eu namoro uma mulher, que que isso faz diferença na

vida do tio sabe? O que que incomoda ele?

Afirma Guimarães (2009) que é bastante comum se ouvir comentários sobre pessoas de

diferentes sexos, heterossexuais, portanto. Fala-se sobre seus problemas, suas questões e até sobre

suas vidas sexuais e isto transcorre na vida sem nenhum questionamento, todavia, quando se fala

sobre pessoas do mesmo sexo, que se relacionam afetiva/sexualmente entre si, destarte,

homossexuais, há prontamente a manifestação de um desconforto, de um julgamento e

discriminação e, avalia Guimaraes (2009) que há de considerar, antes de tudo, o que é ser

heterossexual, de modo que é preciso falar sobre sexualidades, sobre possibilidades, sobre

manifestações de diferentes formas de sexualidades.

E8 (2022) acredita que as pessoas precisam desde cedo compreender que há diferenças e,

portanto, as pessoas não são iguais e todas merecem o respeito. Para E8 (2022):

[...] é preciso ter uma política de que não é errado ser quem você é. É construir o ser

humano. [...]. Você abordar o assunto desde pequeno, abordar que existe pessoas diferentes,

que nem todos somos iguais, que há aquela diferença de seres [...] E sabe, trabalha a cabeça

da criança e até mesmo das pessoas adultas, né? Ajuda entender que há algo diferente, que

há o oposto, se eu sou bom, há o ruim, se eu sou gay, há o hétero, né, então há pessoas

diferentes, mas, que vivemos numa sociedade plural. Então, entender que existe muitas

diferenças é fundamental. (E8, 2022).

E, nesta ótica, para Guimarães (2009), é preciso se compreender a história de maneira

integral e não só o que é conveniente saber, não somente o que as pessoas dizem, mas ouvir aos

homossexuais e às lésbicas, o que estas pessoas têm a dizer sobre si e sobre suas formas de se

437
relacionarem afetiva/sexualmente com outras pessoas do mesmo sexo. É preciso que se entenda a

dor do outro, que se compreenda o que é sofrer homofobia e lesbofobia.

E2 acredita que é preciso educar, mas antes é preciso que se tenha uma punição real e não

apenas que hipoteticamente exista, mas que nada se faça sobre ela. Postula E2 (2022):

[...] Acho que num primeiro momento a gente precisaria ter uma punição contra a

homofobia. É algo que não existe, mesmo tendo lei e tudo mais, quase nunca quem comete

a homofobia são punidas. A coisa é muito vista como é uma brincadeira, é uma opinião,

liberdade de expressão. Era só uma piada, ter uma punição mais severa, seria mais

importante. É claro que a questão das pessoas serem punidas deveria ser punidas, é o

primeiro passo. A gente também poderia pensar em políticas de educação etc. e tal, mas

não adianta ter uma política de educação se depois vai chegar uma ministra da mulher e

direitos humanos, que vai fazer do Ministério dela, um ministério para coibir tudo contra a

população LGBTQIA e nunca ser punida por isso. E nunca ser punida por isso, então é

homofóbico tem que ser punido, tem que ir para a escória da sociedade, é lixo social, não

deve ser tratado, não deve receber premiação, não deve ser promovido a comentarista de

Jovem Pan, que é o que acontece hoje. (E2, 2022).

Aufranc (2018), observa que o cristianismo tem significativa contribuição para que os

homossexuais e as lésbicas sejam vistos como pecadores, criminosos, impuros, dentre outros tantos

adjetivos que a Igreja a eles atribuiu ao longo dos tempos. Observa E2 (2022):

[...]. Eu como cientista da religião, eu reitero aquilo que te falei, sinto que a gente ocupa o

lugar social que as bruxas ocupavam, que as mulheres ocupavam, nós somos a

reencarnação de todo mal, é como se assim, nós somos grandes bodes expiatório, e a

438
sociedade não tem desde a questão cultural a questão de políticas públicas, mecanismo para

nós proteger. [...]. (E2, 2022).

Costa (1944/1992) demonstra compartilhar deste mesmo pensamento, pois assegura que

“[...] ser ou não ser homossexual é uma questão mais aflitiva ou mais vital [...] na vida de

homossexuais e lésbicas do [...] que a de ser ou não ser herege, ser ou não ser religioso, ser ou não

revolucionário, ser ou não ser corrupto, ser ou não ser oportunista e mesquinho, ser ou não ser

generoso e tolerante para o outro etc.”.

Seguindo nesta mesma vertente de se pensar as influências da Igreja sobre o preconceito

contra homossexuais e lésbicas, considera E8 (2022):

[...] Eu acho que talvez se a gente tivesse uma cultura um pouco menos baseada no

pensamento da igreja, do pecado, com menor fortalecimento religioso contra os

homossexuais, talvez isso ajudasse a sermos menos perseguidos. É porque da forma que a

religião é vivida no Brasil, como o cristianismo, por exemplo que é tão presente em tudo,

tão presente na política, nas escolas em si, e não que a religião não deveria estar presente,

mas que talvez fosse abordada de uma forma diferente, sem culpar as pessoas por serem

como elas são, sem distinguir hetero de homossexuais, porque as pessoas são pessoas, são

humanas, não são doentes e nem anormais ou diferentes, como a religião diz que são. E

quando falo em política, eu acredito que se fosse dessa forma, que não ia ter na área de

religião, pessoas envolvidas nisso, em tentar mudar as outras, não haveria absolutamente

nada disso. É a partir do momento que uma pessoa, que é religiosa, escolhe seguir uma

carreira pública que vem estas falas, né? E uma pessoa com um peso político, influência a

massa e as pessoas veem motivos pra destruir aquelas pessoas que elas não concordam que

devam existir, especialmente porque a religião disse que não... Na política, quando uma

439
pessoa entra em um cargo público, ela não deveria manifestar nenhuma fala religiosa. (E8,

2022).

Para E9 (2022) se ter um trabalho pautado nas leis, que assegurassem direitos tais como da

despatologização da transexualidade, assim como outros cuidados com as pessoas transexuais,

ajudaria muito a se respeitar estas pessoas e a reduzir a translesbofobia direcionada para mulheres

transexuais lésbicas.

Acho que esse trabalho de base e garantias legais e constitucionais e, ao mesmo tempo, que

nós façamos uma ética de despatologização, que não significa que não haja cuidado clínico,

terapêutico e medico em um contexto como a questão do autismo na neuro diversidade na

neuro divergência, eu sempre cito “ser criança não é uma doença, mas existe a medicina da

criança, pediatria, se você é uma pessoa idosa, não é uma doença, existe a geriatria, você

estar gestante não é uma doença, existe a obstetrícia, então, dá mesma forma, ser trans não

é uma doença e não é algo que necessariamente envolve disforia e, ao mesmo tempo, você

pode ter acesso a cuidados médicos específicos. Tanto é que alguns casos, se eu pensar

numa transição, no sentido de uma mudança do corpo devido ao uso de hormônios

reprodutivos, existe uma medicina dessa hormonioterapia. E ela é legítima, porque é

legítimo as pessoas terem autonomia sobre o seu corpo. (E9, 2022).

E8 (2022), por sua vez, acredita que a mais do que leis, é preciso se conscientizar as

pessoas, é necessário que elas mudem a maneira de ver, compreender, pensar o homossexual e a

lésbica. Discorre E8 (2022):

[...] Não acho que vá tanto no caminho de leis, porque isso a gente já tem. [...] O caminho

talvez seja [...] implementações práticas com ações de fato, mas acredito que o que

precisaria mesmo seria uma mudança na mentalidade, na cultura mesmo que a gente vive.

440
[...] investimento em educação. Educação, escola mesmo, conscientizar as pessoas sobre o

que a homofobia é, sobre como as pessoas sofrem com isso, como são atacadas,

maltratadas, ofendidas, violentadas e até mortas. (E8, 2022).

Por sua vez, E4, compreende que antes da informação, para que tenha o respeito do outro,

é preciso que se acabe com a desigualdade social, pois, assim, o outro se vendo também respeitado,

terá mais condições de respeitar. Pondera E4 (2022):

[...] Eu acho que começa na educação e na tentativa de fazer uma sociedade mais igualitária,

mesmo, socialmente, economicamente, na questão de educação e tudo mais. Acho que isso,

a homofobia, é só um recortezinho do problema né? E é claro que é um problema, mas é

só uma fatia, e tem um problema muito, muito maior, né? Que é a desigualdade. Mas se a

gente tivesse uma sociedade justa e igual para todas as pessoas talvez fosse diferente. [...].

(E4, 2022).

Oltramari (2010) considera ainda que é preciso educar as pessoas e isto pode ser feito de

várias formas, sendo uma delas por meio dos movimentos sociais e também políticos, atuando-se

junto ao Estado, na luta e na busca da validação dos direitos destas pessoas, bem como do respeito

à elas, enquanto seres humanos. E11 (2022) é ativista e militante e muito já fez em defesa da

comunidade LGBTQIA+, sobretudo LBT e, segundo ela:

Olha, eu acredito que a educação é a única forma. A educação desde o primário. A gente

fez um trabalho muito bom com o Brasil sem homofobia. Que se criou o material até pra o

pré-escolar, que depois aquela idiota disse que era material que tinha mamadeira de piroca.

Olha que coisa ridícula... [...]. A educação é tudo. Se a pessoa tem educação, tem casa,

comida e emprego. Na verdade, né, emprego, moradia, educação. Ela vai ver a vida como

uma coisa melhor, “não é aquele ali é pior que eu, aquele ali é melhor do que eu. Eu sou

441
eu e ele é ele. Eu vou respeitar”. Essa foi a nossa grande demanda, construir um Brasil sem

homofobia. Tava indo muito bem, aí chega esse governo aí, derrubou tudo, marcou a gente,

insiste, né, e resiste, porque eu sou da época da resistência. A gente criou um programa, o

Brasil para todos. Foi lançado, eu não podia ir, mas as meninas foram e o conselho nacional

popular lançou, que é, basicamente, o Brasil sem homofobia atualizado. E muito melhor

estruturado. Se vier um outro governo que seja um governo capaz de compreender as

dificuldades e as necessidades de cada um, já está ali, tudo escritinho. (E11, 2022).

As discussões realizadas a partir dos recortes dos relatos acima dos entrevistados,

embasadas nas contribuições da psicologia junguiana, permitiu-se compreender a

educação/informação como caminhos potenciais para que as pessoas possam conhecer quem são

os homossexuais e as lésbicas. Todavia, não se trata de qualquer informação de qualquer forma de

disseminação, mas de informações corretas, científicas, divulgadas por meio do conhecimento e

da informação que pode se advir de escolas, de palestras, cursos, movimentos sociais e políticos

e, sobretudo, na voz das pessoas que são homossexuais e lésbicas.

É preciso de divulgar as informações de todas as formas, mas também é preciso que as

pessoas, para ouvirem e se (re)conhecerem, que se permitam este processo e que se se dispam de

ideia pré-concebidas e estejam abertas. Entretanto, ainda que não haja esta disponibilidade interna,

pela informação correta, o conhecimento poderá chegar à todos, promovendo a educação e

cumprindo sua tarefa.

442
7 Considerações Finais

A pesquisa teve como objetivo compreender, descrever e explicitar o sofrimento de gays e

lésbicas que passaram por situações de violência e os estudos realizados permitiram se atingir estes

propósitos.

A hipótese inicial central foi confirmada, de que quando gays e lésbicas são vítimas de

violência, por não serem aceitos e não se sentirem livres para viverem e existirem, eles podem

temer pela sua própria vida e entrar em profundo sofrimento, vindo a adoecerem devido ao grau

de angústia a que são submetidos.

Foi ainda possível dimensionar a acuidade da pesquisa qualitativa para se compreender de

forma mais profunda este delicado universo de gays e lésbicas que são vítimas diárias de violência,

agressão e discriminação, assim como compreender o sofrimento advindo da homofobia e da

lesbofobia em suas vidas.

Conhecer a realidade tão sofrida destas pessoas, e tão de perto, foi bastante impactante do

ponto de vista de ouvir os seus relatos trazidos com tanta emoção e verem-nas reviverem as

situações de sofrimento pelas quais passaram, compartilhando com a pesquisadora de momentos

tão pessoais e sensíveis, em prol da ciência e, com o desígnio de que suas vivências, por meio de

seus relatos, possam contribuir para a sociedade, a fim de que as pessoas saibam e possam

compreender o sofrimento que a homofobia e lesbofobia causa em suas vidas, marcando-as

permanentemente.

Chamou a atenção o fato de que muitas pessoas que responderam inicialmente ao

formulário de interesse, demonstrando quererem participar da pesquisa, quando contatadas para

darem sequência respondendo ao questionário, desistiram alegando terem repensado suas

disponibilidades e não quererem se expor. Houve ainda pessoas que preencheram ao questionário

443
e se arrependeram depois, pedindo para não darem continuidade. Estes fenômenos propiciaram a

reflexão sobre o desconforto que estas pessoas sentiram em terem que remexer em um passado de

tanta dor, e até mesmo o medo que possam ter sentido de se exporem e virem a sofrer

consequências por este ato.

A amostra da população inicialmente almejada foi alcançada. Foi desejado se obter, para

realização da pesquisa, 12 participantes a partir de 18 anos de idade, gays e lésbicas, compondo-

se o universo da pesquisa de 5 mulheres lésbicas, 1 mulher transexual lésbica e 6 homens gays,

com idades/número de participantes respectivos (entre parênteses), 23(1), 25(1), 28(1), 31(1),

36(2), 38(1), 40(1), 42(1), 54(1), 61(1) e 66(1), obtendo-se uma média de 40 anos para as idades,

atualmente residentes/número de participantes (entre parênteses) em Santo André (2), São Paulo

(6), Porto Alegre (1), Curitiba (1), Salvador (1), Rio de Janeiro (1). Em termos de educação, os

participantes possuíam (educação/nº de participantes – entre parênteses) ensino médio completo

(1), superior incompleto (3), superior completo (2), doutorado completo (1), doutorado incompleto

(1), pós-doutorado incompleto (3), pós-doutorado completo (1). A maior parte dos participantes

tinha entre 31 e 38 anos e residiam predominantemente em São Paulo e Santo André, com

escolaridade prevalentemente para superior incompleto (25%), vindo a seguir superior completo

(17%) e pós-doutorado incompleto (17%) e as demais escolaridades com porcentagem 8,2%.

Destas pessoas 34% (4) destas pessoas eram professores/as universitários/as, 17% (2) psicólogas

e, os demais 49% (6 pessoas), equivalendo a 8,16% para cada participante, (1) enfermeira militar,

(1) consultora/ativista/militante, (1) estudante de medicina, (1) estudante de filosofia, (1) trabalha

no administrativo e cursava psicologia, (1) trabalhava no administrativo e não estudava.

Considerar que as pessoas que efetivamente participaram desta pesquisa, tinham estas

qualificações acadêmica e profissionais, sendo todas no mínimo de classe média e estando

444
empregadas na ocasião da realização da entrevista, e foram vítimas de homofobias e lesbofobias

gravíssimas, conforme descreveram em suas narrativas, pode-se, a partir daí, inferir o grau de

violência, preconceito e discriminação que sofrem as pessoas que são homossexuais e lésbicas e

que se encontram em condições de vulnerabilidade familiar, escolar, profissional e/ou econômico-

financeira.

Ser homossexual ou lésbica, tendo oportunidades de estudo e de trabalho, em uma condição

social, financeira-econômica de no mínimo classe média, é completamente diferente de ser

homossexual ou lésbica em condição de vulnerabilidade nestes setores da vida, pois que, como

consequência destas vulnerabilidades, outras se presentificam em suas vidas. E o que dizer, então,

sobre pessoas transexuais, que são ainda mais marginalizadas socialmente? E quando são mulheres

transexuais e lésbica? Pelo que a pesquisa mostrou, a exposição, a violência, o preconceito e a

discriminação são muito maiores.

Os instrumentos utilizados para se identificar e avaliar o grau de depressão/sofrimento,

BDI-II (Inventário de Depressão de Beck) e The World Health Organization Quality of Life-

WHOQOL-bref, mostraram-se eficazes, visto que:

O BDI-II revelou a presença de depressão/sofrimento nos entrevistados, constituindo-se

17% da amostra pesquisada com depressão/sofrimento grave; 25% moderado; 33% leve e 25%

mínimo, destacando-se a presença de depressão/sofrimento grave nas entrevistadas E9 e E10,

sendo, E9, sexo masculino, mulher transexual lésbica e, E10, sexo feminino, lésbica. Os 25% dos

entrevistados que revelaram depressão/sofrimento moderado, são E2, sexo masculino,

homossexual e, E12, sexo feminino, lésbica. Representando 33% com depressão/sofrimento leve,

temos E1, E3, E4, e E7, em que E1 é do sexo feminino, lésbica, E3 sexo masculino, homossexual,

E4 sexo feminino, lésbica e, E7, sexo masculino, homossexual. E, por fim, compondo 25% de

445
depressão/sofrimento mínimo, E5, sexo masculino, homossexual, E6, sexo masculino,

homossexual, E11, sexo feminino, lésbica.

Debruçando-se, individualmente, com o olhar sob o contexto de cada participante, no que

diz respeito às incidências de violência, preconceito e discriminação em cada um, torna-se possível

compreender o grau de depressão/sofrimento que foi evidenciado pelo teste BDI-II.

Por sua vez, o instrumento de qualidade de vida, WHOQOL-bref, quando analisado de

forma global (12 participantes) revelou que de modo a percepção de suas qualidades de vida

transitam em boa, regular e necessita melhorar, toda, com destaque para domínio psicológico,

relações sociais e meio ambiente, os quais revelam-se entre regular e necessita melhor, mostrando

uma maior fragilidade nestes contextos.

Quando ponderados os resultados do WHOQOL-bref, individualmente, estes aspectos

acentuam-se ainda mais, podendo ser observados minuciosamente em cada entrevistado, fazendo

uma correlação direta com suas histórias de vida.

Além de estas análises mostrarem que o BDI-II e o WHOQOL-bref podem revelar

depressão/sofrimento e aferir o nível de qualidade de vida de gays e lésbicas, quando somados aos

estudos desenvolvidos nestas pesquisa, evidenciou-se que se trata e uma população inicialmente

saudável emocional e fisicamente, e que após ter sofrido homofobia e lesbofobia, passou a sentir

medo de ser agredida e/ou assassinada e a ter ansiedade, depressão, angústia e/ou hipervigilância,

abalando psiquicamente suas vidas.

Pelo aporte da psicologia junguiana foi possível observar e compreender a dimensão do

sofrimento destas pessoas, gays e lésbicas, pois uma vez que o cerne da psicologia junguiana é o

a busca pela individuação e sentido da vida de cada um, em uma sociedade que concebe a

heterossexualidade como única forma válida e aceitável de manifestação da sexualidade, em

446
detrimento a qualquer outra, em uma sociedade que busca e preza pela sua liberdade e a felicidade

a qualquer custo e não permite que as pessoas que são homossexuais possam também ser livres e

felizes, fazendo de tudo para que isto não aconteça, discriminando-os e violentando constantes

suas almas e mesmo seus corpos, pode-se imaginar o grau de dor e sofrimento que gays e lésbicas

estão psiquicamente e, não raras vezes, fisicamente sentem.

Cabe considerar que este estudo foi realizado dentro de um programa de pós-graduação

stricto sensu, por uma psicóloga, sob orientação de outra psicóloga, doutora em saúde coletiva e

pesquisa nos temas processos de subjetividades na contemporaneidade e violência de gênero, de

modo que esta pesquisa se realizou na perspectiva da psicologia, sobretudo junguiana,

considerando-se relevante outros olhares científicos que possam ser complementares para o

desenvolvimento mais aprofundando deste estudo.

Ainda é pertinente considerar que a trajetória pessoal e profissional da pesquisadora é de

uma mulher lésbica, que parte de uma condição social bastante humilde e desprovida de recursos

econômico-financeiros, porém não de afeto, sendo que isto lhe serviu de alicerce para, ao longo

de sua vida, estudar e conquistar um lugar privilegiado que hoje ocupa, em termos econômico-

financeiros, haja visto, poder se dedicar aos estudos e em paralelo trabalhar como psicóloga clínica.

E isto lhe permite compreender de maneira mais profunda e intimista, o lugar de voz de uma pessoa

lésbica em condições desfavorecidas e de uma pessoa lésbica com condições econômicas-

financeiras e sociais favorecidas.

Ainda por ser a pesquisadora lésbica, foi para ela possível compreender de maneira mais

profunda e literal o sofrimento advindo da lesbofobia e homofobia trazido pelos entrevistados,

comovendo-se profundamente com suas narrativas e histórias de vida tão sofridas, tendo que

dispender infinitos cuidados e esforços para não contaminar a pesquisa também com sua dor, uma

447
vez que já sofrerá lesbofobias significativas e impactantes. Para este fim foi preciso a pesquisadora

se colocar em um lugar de quem compreende a dor do outro e seu sofrimento e é solidária a ela,

porém ouvindo-o a partir de uma escuta atenta e acolhedora, todavia, não de um lugar neutro, pois

quando se conhece a dor do outro na própria pelo, não há como ser neutro. Entretanto, a

pesquisadora, ao analisar os dados, esteve atenta a não promover interferências na análise, dado

que a ciência deve ser neutra.

Assim, por muitas vezes, a pesquisadora precisou se esforçar sobremaneira para este fim,

além de ler e reler os livros, artigos e resultados dos testes, buscando se debruçar sobre o que lhe

estava sendo apresentado naquele momento, enquanto informação, conteúdo e vivência dos

participantes.

Muitas vezes a pesquisadora desejou acolher aquelas pessoas com psicoterapia,

especialmente quando choravam ou se emocionavam em suas narrativas, todavia, para alívio da

pesquisadora, dado que eram muitas pessoas, elas já encontravam praticamente todas em processo

psicoterapêutico. Ainda assim, a pesquisadora se disponibilizou a elas ao que fosse necessário.

Se de um lado foi mais fácil para a pesquisadora compreender a dor que lhe estava sendo

apresentada narrada, por outro, foi preciso tomar cuidado para não se envolver e interferir na

pesquisa como pesquisadora, mas, como ser humano, e como mulher lésbica, foi impossível não

acolher as dores daquelas pessoas e entristecer-se com tanto sofrimento.

E, por fim, além da paixão pelo assunto e do desejo da pesquisadora em contribuir

cientificamente com a população LGBTQIA+ e com a sociedade, por meio de informações e

disseminação de conhecimento científicos, na luta pelo fim da homofobia e da lesbofobia, para

que esta pesquisa fosse realizada com êxito, foi imprescindível o fato de ter sido assistida por uma

orientadora distinta, pesquisadora sobre violência de gênero, com conhecimentos altamente

448
relevantes sobre o tema objeto desta pesquisa, somada a sua disponibilidade interna e doação

incondicional de seu tempo e do compartilhamento de seus conhecimentos para que a pesquisadora

pudesse realizar este estudo. Esta experiência acadêmica, em definitivo, não se vive todo dia!

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Apêndices

463
Apêndice A – Roteiro para o Formulário de Interesse

Este formulário é parte integrante de uma pesquisa intitulada O Sofrimento em Homossexuais


Vítimas de Homofobia e tem por objetivo compreender e descrever o sofrimento dos homossexuais
que passaram por situações de homofobia suas consequências nestas pessoas. Ao final do estudo
espera-se ter alcançado este objetivo geral e espera-se ainda suscitar a problematização por parte
de psicólogos na área da saúde, nesta forma de violência que perpetua ao longo da vida da
comunidade LGBTQIA+ e as consequências desse sofrimento em homossexuais que são vítimas
de homofobia, podendo, esta pesquisa conscientizar as pessoas sobre este fato, combater a
violência e desenvolver o respeito a diversidade, e ainda implicar na demanda pela continuidade
deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública especificas para esta
população que sofre, a fim de que a mesma tenha melhor qualidade de vida. Além disso, este
estudo aponta para as possibilidades de pesquisa na área da Psicologia da Saúde, Psicologia Social,
e Saúde Coletiva (Saúde Pública), propondo a inserção de novas políticas públicas que atendam
as demandas da população LGBTQIA+, que se encontra em sofrimento e isso precisa ser
investigado, ser atendido, ser reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois esse
sofrimento pode gerar consequências, não só no agravamento dos quadros individuais como
coletivos, uma condição inata ao indivíduo o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo
negligenciada e que necessita de mais estudos.
Venho por este meio convidá-lo(a) a participar como voluntário deste estudo que está associado a
uma pesquisa de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde na
Universidade Metodista de São Paulo, sob a responsabilidade da pesquisadora Andreia da Fonseca
Araujo e orientação da Profª Drª Rosa Maria Frugoli da Silva.

E-mail: __________________________
Tenho interesse em participar da pesquisa: ( ) sim ( ) não
Concordo em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): ( ) sim ( ) não
Autorizo o envio do link do questionário por e-mail: ( ) sim ( ) não

464
Apêndice B – Roteiro para o Questionário

Este formulário é parte integrante de uma pesquisa intitulada O Sofrimento em Homossexuais


Vítimas de Homofobia. e tem por objetivo compreender e descrever o sofrimento dos
homossexuais que passaram por situações de homofobia e suas consequências nestas pessoas. Ao
final do estudo espera-se ter alcançado este objetivo geral e espera-se ainda suscitar a
problematização por parte de psicólogos na área da saúde, nesta forma de violência que perpetua
ao longo da vida da comunidade LGBTQIA+ e as consequências desse sofrimento em
homossexuais que são vítimas de violência, podendo, esta pesquisa conscientizar as pessoas sobre
este fato, combater a violência e desenvolver o respeito a diversidade, e ainda implicar na demanda
pela continuidade deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública especificas
para esta população que sofre, a fim de que a mesma tenha melhor qualidade de vida. Além disso,
este estudo aponta para as possibilidades de pesquisa na área da Psicologia da Saúde, Psicologia
Social, e Saúde Coletiva (Saúde Pública), propondo a inserção de novas políticas públicas que
atendam as demandas da população LGBTQIA+, que se encontra em sofrimento e isso precisa ser
investigado, ser atendido, ser reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois esse
sofrimento pode gerar consequências, não só no agravamento dos quadros individuais como
coletivos, uma condição inata ao indivíduo o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo
negligenciada e que necessita de mais estudos.

Nome: ________________________________________________________________

Idade: ________________

Compreendendo por orientação sexual ou orientação do desejo sexual o interesse afetivo/sexual


de uma pessoa pela outra (Silva, 2000) e,
Compreendendo por heterossexual – pessoas que sentem desejo afetivo/sexual por pessoas do sexo
oposto ao seu; homossexual – pessoas que sentem atração afetivo/sexual por pessoas do mesmo
sexo; bissexual: mulheres e homens que sentem atração afetivo/sexual por ambos os gêneros;
assexual – pessoas que não sentem atração afetivo/sexual por nenhum tipo de gênero; pansexual -
homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual por pessoas, independente do gênero dessas:

465
Como você classificaria a sua orientação sexual?
( ) heterossexual ( ) homossexual ( ) bissexual
( ) assexual ( ) Pansexual ( ) outros: ________________

As pessoas do seu convívio sabem da sua orientação sexual? ( ) sim ( ) não

Com quem você reside atualmente?


( ) companheiro ( ) companheira ( ) mãe ( ) pai ( ) filho(s)
( ) amigos ( ) sozinho ( ) outros _________________

Possui união estável? ( ) sim ( ) não

Possui união civil? ( ) sim ( ) não

Qual sua profissão / ocupação? _________________________________.

Cor/Raça: ___________________________

Escolaridade: ___________________________

Qual a sua orientação religiosa?


( ) cristianismo ( ) catolicismo ( ) espiritismo
( ) protestante ( ) ortodoxo ( ) judaísmo
( ) outra ___________________

Qual sua idade: ________________

Qual a sua escolaridade?


( ) lê e escreve
( ) ensino fundamental incompleto ( ) ensino fundamental completo
( ) ensino médio incompleto ( ) ensino médio completo
( ) ensino superior incompleto ( ) ensino superior completo

466
( ) pós-graduação incompleta ( ) pós-graduação completa
( ) mestrado incompleto ( ) mestrado completo
( ) doutorado incompleto ( ) doutorado incompleto

Faz uso de alguma medicação de uso contínuo? ( ) sim ( ) não


Se sim, qual? ____________________.

Compreendendo que na palavra homofobia, o prefixo homo vem de homossexual, pessoas que tem
desejo afetivo/sexual por pessoas do mesmo sexo e, fobia, advém do grego e significa aversão,
medo irracional. Logo, homofobia é o ato de aversão, ódio, repugnância e preconceito contra
homossexuais, lésbicas, bissexuais e transexuais (Silva, 2000). A termo inicialmente utilizado foi
cunhado por homofobia, entretanto, para se tornar mais abrangente, o termo homofobia foi
readaptado para LGBTfobia (Vasconcelos, 2019):
Você já passou por algum tipo de homofobia? ( ) sim ( ) não
Se já passou/viveu essa situação, poderia afirmar que isso mudou/influenciou seu comportamento?
( ) sim ( ) não
Caso positivo, de que forma?
_______________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________

Das opções abaixo, escolha uma ou mais em que contexto você sofreu homofobia:
( ) no trabalho ( ) na escola/universidade ( ) em hospital
( ) em delegacia de polícia ( ) na igreja ( ) na rua
( ) na família ( ) nenhuma das anteriores

Você tem interesse em participar desta pesquisa? ( ) sim ( ) não

Em data a combinar entre as partes, você possui disponibilidade de tempo para seguir para as
próximas etapas que serão compostas por: entrevista-semiestruturada (duração de em média

467
00:40), aplicação de teste de qualidade de vida (duração de em média 10 minutos) e aplicação de
teste de depressão (duração de em média 10 minutos)? ( ) sim ( ) não

Há algo que você gostaria de acrescentar? __________________________________________


______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________
______________________________________________________________________________

Em breve faremos contato com as pessoas que seguirão para a próxima fase da pesquisa.

Obrigada pela sua contribuição!

468
Apêndice C – Roteiro para a Entrevista

Esta entrevista é parte integrante da uma pesquisa intitulada O Sofrimento em Homossexuais


Vítimas de Homofobia, cujo questionário inicial você já respondeu e já assinou o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
Lembrando que tem esta pesquisa tem por objetivo compreender o sofrimento dos homossexuais
que passaram por situações de homofobia, buscando descrever o sofrimento das pessoas de
orientação homoafetiva que passaram por situações de violência e suas consequências nestas
pessoas. Ao final do estudo se espera ter alcançado este objetivo geral e espera-se ainda suscitar a
problematização por parte de psicólogos na área da saúde, nesta forma de violência que perpetua
ao longo da vida da comunidade LGBTQIA+ e as consequências desse sofrimento em
homossexuais que são vítimas de homofobia, podendo, esta pesquisa conscientizar as pessoas
sobre este fato, combater a violência e desenvolver o respeito a diversidade, e ainda implicar na
demanda pela continuidade deste estudo para que se pensem e proponham ações de saúde pública
especificas para esta população que sofre, a fim de que a mesma tenha melhor qualidade de vida.
Além disso, este estudo aponta para as possibilidades de pesquisa na área da Psicologia da Saúde,
Psicologia Social, e Saúde Coletiva (Saúde Pública), propondo a inserção de novas políticas
públicas que atendam as demandas da população LGBTQIA+, que se encontra em sofrimento e
isso precisa ser investigado, ser atendido, ser reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois
esse sofrimento pode gerar consequências, não só no agravamento dos quadros individuais como
coletivos, uma condição inata ao indivíduo o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo
negligenciada e que necessita de mais estudos.

Nome:
Com quantos anos você se percebeu homossexual?
Como foi para você se perceber interessado(a) por outra pessoa do mesmo sexo?
Sua família sabe sobre orientação sexual?
Se positivo, como reagiram ao saber?
E como reagem atualmente?
Seus amigos sabem sobre sua orientação sexual?
Isto o afeta de alguma forma?

469
Se positivo, de que forma?
Você se sente à vontade para ter manifestações afetivas com seu/sua parceiro(a) em público?
Você pode falar um pouco a respeito do tipo de homofobia que você sofreu, relatando onde
ocorreu, quando e como foi?
Que tipo de sofrimento esta ação homofóbica te causou?
Como você lidou ou lida com este sofrimento?
Recebeu algum tipo de ajuda?
O que você fez a respeito ou gostaria de fazer, se pudesse fazer algo?
Contou para alguém?
Se positivo, para quem e por que você escolheu esta pessoa para contar?
Como foi a reação desta pessoa que você contou?
Recebeu algum tipo de ajuda para lidar com esse sofrimento?
Se negativo, por que não contou a ninguém?
Com que frequência você se depara com comportamentos homofóbicos na sua vida? Em que local?
De que forma isso ocorre?
Esses comportamentos homofóbicos te afetam? De que maneira? O que você sente ou pensa?
Como você lida com este tipo de comportamento?
O que você acredita que seria necessário ou deveria ser feito para a homofobia acabar?
Há algo que você gostaria de acrescentar?

Em breve faremos contato para agendar a data de aplicação dos testes de qualidade de vida e de
depressão.

Obrigada pela sua contribuição!

470
Apêndice D – Detalhamento da Análise de Conteúdo Realizada

6.2 Análise das Entrevistas

Para analisar os dados coletados das 12 entrevistas semiestruturadas, adotou-se a Análise

de Conteúdo (Bardin, 1977/2016), uma análise pautada em categorias que permitem a apreciação

de todo o conteúdo coletado através da fala ou escrita de cada participante. De acordo com Bardin

(1977/2016, p. 132), conforme figura abaixo, segue a estrutura e todas as fases que devem compor

o desenvolvimento de uma análise.

Fase 1 – Pré-Análise

A primeira fase, pré-análise, trata-se de organizar todos os dados que deverão compor o

corpus da pesquisa. De acordo com Bardin (1977/2016), o corpus é o conjunto de todos os

materiais irão compor a análise do pesquisador, subdividindo-se em cinco regras ou momentos 1)

leitura flutuante, 2) escolha de documentos, 3) formulação das hipóteses e objetivos, 4)

referenciação dos índices e a elaboração de indicadores, 5) preparação do material.

Cabe salientar que, na análise de conteúdo realizada nesta pesquisa, a pré-análise foi

contemplada em sua totalidade, com todas estas 5 regras aplicadas e cumpridas integralmente,

conforme abaixo descritas.

471
Fase 1 – Regra 1 - Leitura Flutuante

Permite formular hipóteses durante a análise do material, refletindo sobre possíveis teorias

que possam ser utilizadas – importante esclarecer que sendo o instrumento a entrevista, essa deve

ser transcrita.

Para este propósito, realizou-se a leitura integral de cada uma das 12 entrevistas, de maneira

detalhada, observando e anotando os conteúdos que mais se destacaram, a fim de se estabelecer

hipóteses e, durante este processo de leitura, verificou-se ainda se haveria a possibilidade de se

realizar agrupamentos destes conteúdos destacados para as hipóteses. Concluída esta regra, seguiu-

se para a próxima, escolha de documentos.

Fase 1 – Regra 2 – Escolha de Documentos

Trata-se da definição dos documentos que irão compor o estudo, considerando-se 4 regras:

2.1) exaustividade (todos os documentos devem ser analisados), 2.2) representatividade (os

documentos representam integralmente o tema do objeto de pesquisa), 2.3) homogeneidade

(importante que os documentos perfaçam o mesmo assunto), 2.4) pertinência (os documentos

necessitam estar adequados ao objetivo do estudo), conforme explicitado a seguir.

Fase 1 – Regra 2.1 – Exaustividade

Neste momento, escolhendo-se as 12 entrevistas para serem utilizadas, foi realizada a

leitura de cada uma das entrevistas, por 3 vezes consecutivas, aplicando-se a regra da

472
exaustividade, buscando-se esgotar todos os elementos contidos em cada uma das 12 entrevista,

sem qualquer omissão de conteúdo e elemento em nenhuma delas.

Para que não houvesse a influência dos elementos de uma entrevista sobre a outra, após a

leitura por 3 vezes consecutivas de cada entrevista, deu-se um intervalo de 15 minutos antes de se

passar para a próxima leitura. Feito isto, após esgotar a regra de exaustividade, seguiu-se, então

para a regra da representatividade.

Fase 1 – Regra 2.2 – Representatividade

Foram anotadas as representações dos fenômenos presentes em cada entrevista, aplicando-

se a regra da representatividade, observando-se que as entrevistas espelhavam em suas

representações a evidência do sofrimento psíquico e até mesmo físico em gays e lésbicas que foram

vítimas de homofobia e lesbofobia, perpassando por suas vidas e comprometendo aspectos

importantes, inclusive, de qualidade de vida. A seguir, dando continuidade ao desenvolvimento da

análise, aplicou-se a regra da homogeneidade.

Fase 1 – Regra 2.3 – Homogeneidade

Aplicando a regra da homogeneidade, verificou-se que os dados presentes nas entrevistas

eram homogêneos, permitindo-se afirmar que todas as entrevistas diziam respeito ao mesmo

fenômeno na perspectiva do sofrimento de gays e lésbicas que foram vítimas de violência. Desta

forma foi possível aplicar-se a próxima regra, pertinência.

473
Fase 1 – Regra 2.4 – Pertinência

Trata-se de uma regra em que os documentos necessitam estar adequados ao objetivo do

estudo. Feita a checagem, ficou claramente demonstrado e evidenciado que as entrevistas

realizadas eram concernentes e completavam o objeto desta pesquisa, permitindo compreender o

sofrimento de gays e lésbicas que passaram por situações de violência, compreendendo,

descrevendo-se e justificando a consequência deste sofrimento na vida destas pessoas. Concluídas

as 4 fases da escolha do documento, seguiu-se para a regra da formulação de hipóteses e objetivos.

Fase 1 – Regra 3 – Formulação das Hipóteses e Objetivos

Permite ao pesquisador aventar hipóteses por meio dos questionamentos manifestos

durante a análise e verificar estão alinhadas aos objetivos a que a pesquisa se propõe. A partir das

entrevistas, as hipóteses levantadas foram:

- A percepção da orientação sexual em gays e lésbicas vem seguida de dificuldade de

autoaceitação e sentimento de culpa, com bastante frequência, uma vez o preconceito e a

discriminação são estruturais e estão presentes em todos os setores da vida.

- Gays e lésbicas muitas vezes permanecem com sua sexualidade oculta (chamado armário)

devido ao medo da violência e da morte, advindas da homofobia e da lesbofobia.

- A homossexualidade e a lesbianidade, e as violências sofridas, precisam ser denunciadas

e publicizadas, a fim de que o silêncio não promova uma espécie de aprisionamento. Além do que

é importante denunciar para que os homofóbicos e lesbofóbicos não se sintam validados, mas,

474
diferente disto, evidenciados, podendo, assim, vir a inibi-los de cometerem atos contra as vidas

das pessoas.

- Um dos mais intensos sofrimentos advindos da homofobia/lesbofobia incide do

preconceito e discriminação familiar, ferindo emocional e, muitas vezes, fisicamente o

homossexual/lésbica parte daquela família.

- A homofobia/lesbofobia se faz presente desde a infância do homossexual/lésbica, sendo

este discriminado desde a escola, por seus colegas, e muitas vezes professores, causando

sofrimento e sentimento de rejeição nestas pessoas.

- A homofobia/lesbofobia pode se manifestar de forma individual e/ou coletiva contra gays

e lésbicas, podendo atuar de forma cruel sobre estas pessoas, vindo, inclusive a provocar feridas

incuráveis e até mesmo a tirar vidas.

- A crença religiosa e propagação de que a homossexualidade/lesbianidade é pecado,

contribui significativamente para os homossexuais/lésbicas sofram homofobia/lesbofobia e, a

partir da busca de poder, por meio do controle do corpo e da vida sexual do outro, está ligada à

projeção de sombra no olhar da psicologia junguiana.

- A homofobia/lesbofobia advinda de figuras politicamente públicas contribui para a as

pessoas homofóbicas e lesbofóbicas manifestem-se tendo como justificativa a permissão do Estado

para, identificadas à sombra de líderes políticos, projetarem suas sombras nos homossexuais,

buscando destruir no outro o que para si é tido como proibido e desejoso, ainda que

inconscientemente, na perspectiva da psicologia analítica.

- A homofobia/lesbofobia causa nos/as homossexuais/lésbicas sofrimento psíquico

duradouro e permanente, atingindo-os em sua autoestima, tornando-os vulneráveis, desencadeando

sentimento de pânico, depressão e/ou ansiedade, além de, em alguns casos, falta de vontade viver,

475
podendo levar desencadear pensamentos angustiantes como o suicídio, como tentativa de findar o

sofrimento.

- Homossexuais/lésbicas sentem-se melhor cultivando amizades que saibam sobre sua

orientação sexual, a fim de terem o respeito destas pessoas, podendo desenvolver amizade

verdadeiras com elas.

- Amigos de homossexuais/lésbicas, quando, ao saberem sobre sua orientação sexual se

afastam, causam o sentimento de desvalorização e menos valia nestas pessoas, podendo elas virem

a evitar amizades para não serem rejeitadas novamente.

Mediante a formulação das hipóteses e constatação de que estão alinhadas aos objetivos da

pesquisa, seguiu-se para a aplicação da regra 4, referenciação dos índices e a elaboração de

indicadores.

Fase 1 – Regra 4 - Referenciação dos Índices e a Elaboração de Indicadores

Possibilita realizar a elaboração e o levantamento de indicadores que mais se repetem nos

documentos. A partir da leitura das entrevistas e da formação do conjunto de coleta de dados por

meio da explicitação de índices observados em conformidade com as hipóteses, gerou-se o

documento, evidenciando os indicadores seguido de seu respectivo número de citações na soma

de todas as entrevistas, disposto, abaixo, na ordem decrescente de citações, finalizando na palavra

em que foi citada 10 (dez) vezes.

476
Tabela 6

Indicadores de Palavras com Maior Número de Repetições

Nº. Palavra Nº de Citações Nº. Palavra Nº de Citações

1 Mãe 185 x 46 Lésbicas 24 x

2 Casa 147 x 47 Aluno 24 x

3 Pai 141 x 48 Igreja 23 x

4 Amigo 103 x 49 Sociedade 23 x

5 Mulher 101 x 50 Política 22 x

6 Família 97 x 51 Homofóbica 22 x

7 Irmã 94 x 52 Ódio 22 x

8 Gay 80 x 53 Religião 22 x

9 Tia 80 x 54 Descobri 22 x

10 Homofobia 72 x 55 Informação 21 x

11 Homossexual 72 x 56 Matar 21 x

12 Escola 69 x 57 Social 21 x

13 Amigos 67 x 58 Adolescência 21 x

14 Homem 66 x 59 Filha 20 x

15 Difícil 65 x 60 Avó 20 x

16 Problema 64 x 61 Lesbofobia 19 x

17 Medo 63 x 62 Sofrimento 19 x

18 Professor 58 x 63 Sofrer 19 x

19 Trabalho 57 x 64 Contei 19 x

477
20 Filho 56 x 65 Segura 18 x

21 Irmão 55 x 66 Escondi 16 x

22 Sofri 53 x 67 Homofóbico 15 x

23 Gosto 52 x 68 Preconceito 15 x

24 Lésbica 49 x 69 Amigas 15 x

25 Mulheres 49 x 70 Curar 15 x

26 Amiga 49 x 71 Universidade 15 x

27 Tio 47 x 72 Esconder 15 x

28 Errado 40 x 73 Público 14 x

29 Não aceitar 38 x 74 Filhos 13 x

30 Contar 38 x 75 Errada 13 x

31 Professora 38 x 76 Palavra 13 x

32 Pais 37 x 77 Violenta 13 x

33 Culpa 36 x 78 Bullying 13 x

34 Namorado 36 x 79 Emprego 12 x

35 Hétero 33 x 80 Afeminado 11 x

36 Rua 31 x 81 Conflito 11 x

37 Homens 31 x 82 Irmãos 11 x

38 Educação 30 x 83 Evangélica 11 x

39 Namorada 28 x 84 Evangélico 11 x

40 Luta 26 x 85 Aceitou 11 x

41 Infância 26 x 86 Palavras 11 x

478
42 Cura 25 x 87 Proteger 10 x

43 Violência 25 x 88 Heterossexuais 10 x

44 Assumi 25 x 89 Delegacia 10 x

45 Pública 25 x 90 Expor 10 x
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Finalizada a etapa de referenciação dos índices e a elaboração de indicadores com maior

número de repetição nas entrevistas, foi garantida a eficácia e a pertinência dos indicadores, por

meio de testagem em algumas passagens das entrevistas, certificando-se, assim, de seu êxito no

pré-teste de análise. Após o pré-teste de análise, realizou-se a regra de preparação do material.

Fase 1 – Regra 5 – Preparação do Material

Trata-se do preparo do material, momento em que antecede a análise propriamente dita. É

realizada a preparação formal do documento, organizando-se todo o material a fim de se facilitar

a manipulação deste para análise. (Bardin, 1977/2016; Julio et al., 2017).

Concluídas todas as regras e, uma vez realizada a primeira fase (pré-análise), dando

continuidade à análise de conteúdo, seguiu-se para a segunda fase, conforme orientada por Bardin

(1977/2016), exploração do material.

479
Fase 2: Exploração do Material

Nesta fase, o corpus da pesquisa, entrevistas e testes, será estudado de forma aprofundada,

objetivando-se estabelecer as unidades de registro e de contexto. De acordo com Bardin

(1977/2016, p. 131), é a fase da “aplicação sistemática das decisões tomadas”.

Nesta fase, considerando que esta pesquisa é qualitativa, deverão ser compreendidas as

ações de codificação, face a três escolhas (Bardin, 1977/2016):

1- Recorte: escolhas das unidades

2- Enumeração: escolha das regras de contagem

3- Classificação e agregação: escolha das categorias

Fase 2 – Ação de Codificação - Escolha 1 – Recorte: Escolhas das Unidades

Por meio do recorte será possível se ter um olhar detalhado do documento, sendo que este

se dividirá em unidade de registro e unidade de contexto, de modo que, por unidade de registro há

de se compreender o conjunto de palavras a que o documento único, gerado na pré-análise, é

composto e, por sua vez, a unidade de contexto, refere-se ao conteúdo no qual estas palavras se

apresentam.

De acordo com Bardin (1977/2016) as unidades de registro que mais se utiliza para a

realização da análise de conteúdo, são: palavra, tema, objeto, personagem, acontecimento,

documento. Para esta pesquisa, foi escolhido o tema como unidade de registro, o qual, de acordo

com Bardin (1997/2016, p. 135), o tema, enquanto unidade de registro, na maioria das vezes é

utilizado para “estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências

480
etc.”. Desta forma, a partir do tema como unidade de registro nesta pesquisa, será possível

direcionar um olhar não apenas para os componentes racionais, mas, ideológicos, emocionais e

afetivos.

Buscando-se analisar detalhadamente o tema do documento único, adotou-se que cada frase

do documento consistiria em uma afirmação tendo por base o tema desta pesquisa: O Sofrimento

de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência: Um Estudo do Fenômeno na Perspectiva da Psicologia

Junguiana. Para a separação do documento em frases-temas, considerou-se, para encerramento de

cada sentença, pontos finais, interrogações, exclamações.

Face a separação do documento, observou-se um total de 3.659 frases-temas analisadas.

Estas frases-temas foram agrupadas em 10 (dez) blocos para os quais se utilizou do conteúdo

verbalizado para nomeá-los, considerando-se as análises das unidades de registro, surgiram os

nomes citados a seguir, com seus correspondentes significados. Importante esclarecer ainda que,

a fim de se diferenciar as unidades de registro, e para facilitar a visualização, utilizou-se de uma

cor diferente para cada bloco. Os nomes que surgiram tomando-se por base as análises de registro,

bem como seus relativos significados designados, foram:

- Medo: diz respeito a análise de registro que se refere ao medo como consequência da

homofobia/lesbofobia; medo de expor; de ter qualquer tipo de manifestação afetiva em público;

de sofrer todo e qualquer tipo de violência e agressão, frente aos ataques homofóbicos/lesbofóbios

sofridos; sentimento de pavor advindo de qualquer tipo de violência sofrida; medo de morrer;

medo de ser agredido/a; medo de sair de casa; medo de ter os pais assassinados; medo de falar,

preferindo se calar; de se defender da homofobia/lesbofobia e expor a família à violência; de ser

violentado/a; da reação do outro; de ser prejudicado de alguma forma; da agressividade dos outros;

de ser assassinado/a a exemplo de outras pessoas que foram.

481
- Preconceito e Discriminação: diz respeito a análise de registro que se refere a

discriminação, preconceito e violência/agressão, tanto física como emocional, à gays e lésbicas,

tais como ameaça de morte; bullying, discriminação, preconceito e violência na escola e/ou na

universidade; preconceito e discriminação no trabalho; discriminação, preconceito e violência na

saúde; vingança; piadas nas mídias sociais e redes de relacionamento; risadas; piadas; fofocas;

forma pejorativa de se referir ao outro; xingamentos e ofensas; maus-tratos, preconceito e

discriminação dos professores aos alunos por serem homossexuais/lésbicas; demissão em emprego

por ser homossexual/lésbica e estar expresso no corpo por roupas ou trejeitos; discriminação,

preconceito, violência e agressão por parte dos familiares, tanto verbal como física.

- Família: diz respeito a análise de registro que se refere a importância dada a família (pai,

mãe, filho(s), filha(s), irmão(s), irmã(s), avô, avó, tio, tia, primos); a preocupação em como contar

sobre a orientação sexual à família; o medo de ser rejeitado pela família; a reação da família frente

a revelação; a reação da família frente às dúvidas se o/a filho/a era gay/lésbica; aos maus-tratos,

discriminação, preconceito, violência, agressão e brigas da família ao/a filho/a por achar ou por

saber que ele/a era homossexual/lésbica; ao sentimento de dor do/a filho/a frente ao

comportamento homofóbico/lesbofóbico da família; ao sentimento de desvalorização do/o filho/a

ao ser rejeitado pela família; expulsão do/a filho/a de casa ao sabe-lo/a homossexual/lésbica; o não

falar com o/a filho/a ao sabe-lo/a homossexual/lésbica; acolhimento familiar; resgate da relação

familiar; dificuldade em encarar os pais frente a homossexualidade/lesbianidade; o não falar para

família; esperança dos pais em o/a filho/a mudar de orientação sexual e ser só uma fase; irmãos

homossexuais; moralismo na família; conflitos familiares; tentativa de mudar para agradar aos

pais; tentativa de namorar pessoas do sexo oposto para agradar aos pais; sofrimento na infância

com os pais.

482
- Amigos: diz respeito a análise de registro que se refere ao medo de falar para os amigos

e ser rejeitado/a; à rejeição de amigos; ao acolhimento dos amigos; a importância de todos os

amigos saberem; à importância do apoio dos amigos; a ajuda recebida por amigos frente a

revelação aos pais e rejeição/expulsão de casa; ao acolhimento em ONGs; a ajuda de terceiros no

direcionamento às ONGs e outros auxílios; ao acolhimento por pais de amigos; à possibilidade de

ser quem se era junto aos amigos e pais de amigos.

- Publicização da Sexualidade e da Violência: diz respeito a análise de registro que se

refere a importância e aos riscos em tornar pública a orientação sexual e a violência sofrida; a não

aceitação em continuar no “armário” e nem em ser vítima de homofobia e lesbofobia.

- Negação de Si: diz respeito a análise de registro que se refere ao desejo de não ser

homossexual/lésbica frente a percepção de que se é; ao casamento heterossexual como tentativa

de se enquadrar nas normas e ser aceito/a; ao namoro heterossexual a fim de ser aceito/a

socialmente; a não aceitação da própria sexualidade pelo auto-preconceito estrutural e pela

homofobia/lesbofobia internalizada; a demora em viver a sexualidade por se sentir pecador e

errado.

- Política: diz respeito a análise de registro que se refere à família ter votado no Bolsonaro

e ser intolerante e homofóbica/lesbofóbica; as pessoas que votaram no Bolsonaro se sentirem com

permissão para atacar os homossexuais/lésbicas; aos ocorridos com os/as homossexuais/lésbicas

após às eleições para presidente em 2018; ao rompimentos com as pessoas que votaram no

Bolsonaro por ser sinônimo de desejar a sua morte, já que ele prega preconceito e discriminação

aos/as homossexuais/lésbicas, incitando violência a eles; ao quanto se vê homofobia/lesbofobia no

meio da política; aos políticos que se utilizam da religião para colocar a população contra os

homossexuais/lésbica.

483
- Religião: diz respeito a análise de registro que se refere ao preconceito e a intolerância

religiosa aos/as homossexuais/lésbicas e sua orientação sexual, como forma de pecado e erro; ao

quanto os familiares evangélicos não aceitam seus filhos/as homossexuais/lésbicas; a dor das

pessoas que são evangélicas e se percebem homossexuais/lésbicas; a tentativa das igrejas

evangélicas e mesmo do cristianismo em seguir com o discurso de que ser homossexual/lésbica é

pecado, arrastado assim os seus fiéis para esta crença e para longe dos seus filhos/as; a expulsão

das igrejas aos/as homossexuais/lésbicas; ao domínio da religião sobre as pessoas.

- Sofrimento: diz respeito a análise de registro que se refere ao sofrimento físico e

emocional que a homofobia/lesbofobia causa na vida dos homossexuais/lésbicas adoecendo-os e

impedindo-os de levarem uma vida livre de sentimento de medo, ansiedade e muitas vezes

depressão; a experiência de ameaça tendo transformado a vida dos/as homossexuais/lésbicas;

autoestima abalada pela homofobia/lesbofobia sofrida; sentimento de vulnerabilidade a partir da

homofobia/lesbofobia sofrida; síndrome de impostora, de ocupar um lugar que não deveria ocupar,

por ser homossexual/lésbica e ser recriminado/a pelos outros como se estivesse fazendo algo

errado; exposição frente ao mundo e às violências; sentimento de culpa; sentimento de rejeição e

de não ser amado/a; de não merecer ser feliz por estar em pecado e estar fazendo algo errado e

condenado socialmente; ideações suicidas; injustiça; embotamento afetivo; cicatrizes físicas e

emocionais pelas violências sofridas e por se cortar; sentimento de que se esconde do mundo para

poder sobreviver; deixar de frequentar os lugares que gosta por ter sido exposto/a; traumas;

sofrimento por não poder expressar afeto em público; choro; medo do ódio do outro; estresse;

solidão; não ter com quem contar; sofrimento com os estereótipos; tentativa de se ocultar para não

ser atacado/a; sofrimento na infância e nas demais fases da vida; sentir-se preso no “armário”;

sentir-se desprezado; sentimento de hipervigilância; sentir que precisa se encaixar; sentimento de

484
não ter voz; sentimento de não fazer parte; sentimento de insegurança e medo; lutar, conquistar as

coisas e ter impedimentos físicos e/ou emocionais para desfrutar, ocasionados pela

homofobia/lesbofobia sofrida.

- Educação/Informação: diz respeito a análise de registro que se refere a educação e a

informação como forma de lutar contra e acabar com a homofobia/lesbofobia, por meio da

conscientização como meio de estímulo crítico para que não se aceite o que é previamente dito e

imposto como certo ou errado; trocar a política do orgulho pela política da informação; educar

desde pequeno; ensinar o respeito a pluralidade; mostrar os direitos de todos, os limites e o

respeito; implementação de práticas de ações educativas para conscientização das pessoas sobre o

que é a homossexualidade/lesbianidade, o respeito, as consequências da homofobia/lesbofobia

etc.; preconceito como sinônimo de desinformação; educação/informação como possibilidade de

liberdade de expressão da orientação sexual.

Concluída esta etapa, seguiu-se para fase, enumeração: escolha das regras de contagem.

Fase 2 – Ação de Codificação - Escolha 2 – Enumeração: Escolha das Regras de Contagem

Para Bardin (1977/2016) é preciso que se faça a distinção entre a unidade de registro e a

regra de enumeração, de modo que a primeira diz respeito ao que se conta e, a segunda, ao modo

de contagem.

Isto posto, a enumeração tem por princípio a contagem das unidades de registro a partir das

enumerações: presença (ou ausência), frequência, frequência ponderada, intensidade, direção,

ordem, coocorrência.

485
Para tal, após a nomeação, numerou-se cada bloco e unidade de registro de acordo com o

bloco pertencente. A numeração foi realizada em numerais cardinais, para exprimir a quantidade

de blocos e deu-se de acordo com a ordem em que se deu a análise da unidade de cada registro.

Concluída, então, a nomeação, coloração e numeração dos blocos, mantendo-se a

ordenação dos blocos de acordo com a análise da unidade de registro, utilizou-se da frequência,

que, de acordo com Bardin (1977/2016, p. 138), equivale ao pressuposto de que “a importância de

uma unidade de registro aumenta com a frequência de aparência”. Para este fim, somou-se o

número de vezes em que cada unidade de registro apareceu, obtendo como resultado:

Tabela 7

Enumeração das Atividades de Registro

Quantidade de
Nº Cor Nome do Bloco
Unidade de Registro

1 Medo 63

2 Preconceito e Discriminação 686

3 Família 853

4 Amigos 234

5 Negação de Si 69

Publicização da Sexualidade
6 32
e da Violência

7 Política 24

8 Intolerância Religiosa 35

486
9 Sofrimento 457

10 Educação/Informação 66

Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Uma vez realizada a somatória das unidades de registro em cada bloco, a frequência

ponderada foi aplicada, a qual, de acordo com Bardin (1977/2016) indica qual o elemento que

possui preponderância ao outro. Para tal objetivo, utilizou-se do percentual da divisão do número

total de unidades (3.659), dividindo-se pelo número resultante da soma das aparições em cada

bloco. Feita a divisão, realizou-se a multiplicação deste resultado por 100, a fim de se chegar a um

percentual com representatividade do todo, seguindo, deste modo, os passos indicados por Bardin

(1977/2016).

Para realização deste cálculo, utilizou-se, portanto, da seguinte fórmula:

Soma de Aparições
Percentual = x100
Total de Unidades

Para melhor se compreender como se chegou aos resultados, a fim de apresentar um

exemplo do cálculo realizado, pode-se pegar o bloco 1, denominado por medo, o qual apresentou

63 registros. Com base nestes dados, aplica-se a divisão de 63 (número de registros) por 3.659

(número total de unidades), e o resultado obtido será 0,0176520. Executada esta ação, na

sequência, com o objetivo de se obter o resultado do todo, este valor encontrado deverá ser

multiplicado por 100, o que, após o cálculo, resultará a uma equivalência a 1,72% das unidades de

registro.

487
A fim de se encontrar o grau de importância dos blocos dentre eles, foi realizado este

mesmo cálculo com todos os blocos trazidos na tabela, conforme resultado abaixo, apresentado na

ordem decrescente de importância.

Tabela 8

Frequência Ponderada por Grau de Importância

Qtid. Unidade
Nº Cor Nome do Bloco Divisão Percentual Relevância
de Registro

3 Família 853 0,2331238 23,3123804 23,31%

Preconceito e
2 686 0,18748292 18,7482919 18,75%
Discriminação

9 Sofrimento 457 0,12489751 12,4897513 12,49%

4 Amigos 234 0,0639519 6,39518994 6,39%

5 Negação de Si 69 0,01885761 1,88576114 1,89%

10 Educação/Informação 66 0,01803772 1,80377152 1,80%

1 Medo 63 0,01721782 1,72178191 1,72%

8 Religião 35 0,00956546 0,9565455 0,96%


Publicização da
6 Sexualidade e da 32 0,00874556 0,87455589 0,87%
Violência

7 Política 24 0,00655917 0,65591692 0,66%


Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Frente a frequência ponderada e identificado seu grau de importância, deu-se início a fase

de classificação e agregação: escolha das categorias.

488
Fase 2 – Ação de Codificação - Escolha 3 – Classificação e Agregação: Escolha as Categorias

De acordo com Bardin (1977/2016) este é o momento de se proceder com a Categorização,

realizando-se a classificação e agregação por meio de reagrupamento de acordo com o gênero, por

analogia. Explica Bardin (1977/2016) que as categorias, na análise de conteúdo, reúnem unidades

de registro.

Para se realizar a categorização, há de se escolher dentre os critérios: semântico, sintático,

léxico e expressivo. Escolheu-se o critério semântico para categorização desta análise de conteúdo,

considerando que este critério considera o sentido atribuído aos blocos em consonância com o

tema. Em sequência a escolha do critério, fez-se a releitura do significado de cada um dos blocos.

Uma vez feita a releitura, os blocos foram agrupados levando em considerando a temática das

unidades de registro, sendo nomeados conforme segue.

- O Agrupamento 01 foi nomeado por Sou Gay / Sou Lésbica: Como é o meu contexto?

e teve em si os blocos contidos de números 03, 04, 07 e 08. Este agrupamento deu-se com a escolha

destes blocos por se tratar de temas análogos as formas como se comportam é o contexto de

homossexuais/gays e/ou lésbicas no que diz respeito a família, aos amigos, a política e a religião.

- O Agrupamento 02 foi nomeado por Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como

eu me sinto? e teve contido os blocos de números 01, 02, 05 e 09. O agrupamento foi realizado

por meio da junção destes blocos pelo fato de perfazerem temas semelhantes no quesito

preconceito e discriminação, medo, sofrimento e negação de si.

- O Agrupamento 03 foi nomeado por Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? Tendo

contido os blocos 06 e 10. O agrupamento ocorreu em função da seleção destes blocos

apresentarem similitude quanto ao que é o homossexual/gay e/ou lésbica, as formas de resistir ao

489
preconceito e a discriminação, através da publicização da sexualidade e da violência e maneiras

de se conscientização as pessoas quanto ao que é o homossexual/gay/homossexualidade e

lésbica/lesbianidade, por meio da educação e da informação.

Seguindo os princípios de Bardin (1977/2016) para realização da análise de conteúdo, após

ter sido realizada a nomeação dos agrupamentos, duas etapas devem ser consideradas na

categorização, sendo, a primeira, o inventário, no qual deve-se isolar os elementos e, a seguir, a

classificação, para a qual é necessário repartir os elementos, organizando, deste modo, as

mensagens.

Nesta análise, no decorrer da organização dos agrupamentos, levou-se em conta o

inventário, isolando-se os blocos de unidades de registros de acordo com a pertinência de seus

temas.

No que se refere a classificação, de acordo com a quantidade de unidade de registro, a

ordenação dos blocos foi realizada levando-se em consideração os blocos com maior número de

unidades de registro em sua soma total, estabelecendo-se conforme abaixo.

Tabela 9

Agrupamento dos Blocos

Qtid. Un.
Nº do Qtid. Un. de
Nome do Bloco de Significado do Bloco Nº Agrupamento
Bloco Agrupamento
Registro
Preocupação em contar sobre
a orientação sexual à família;
3 Família 853 não aceitação, agressões
físicas e verbais aos filhos;
sofrimento e consequências.

490
Importância dos amigos para
lidar com o sofrimento
oriundo da
homofobia/lesbofobia;
4 Amigos 234
amigos como fonte
propulsora de aceitação e se
poder ser como se é;
acolhimento.
Líder de Estado
representando e incitando
preconceito, discriminação e
Sou Gay / Sou
violência a esta
7 Política 24 1.146 1 Lésbica: Como é o
homossexuais e lésbicas;
meu Contexto?
quebra de relacionamento
com eleitores do Presidente
da República Jair Bolsonaro.
Preconceito e intolerância
religiosa aos homossexuais e
lésbicas e sua orientação
8 Religião 35 sexual, como forma de
pecado e erro, a religião
como instigadora da
homofobia e da lesbofobia.
Medo de exposição, de
manifestação afetiva pública,
de homofobia/lesbofobia,
pavor, medo de morrer, de
ter seus familiares expostos,
1 Medo 63 de perseguição
homofóbica/lesbofóbica, de
denunciar
homofobia/lesbofobia, de ser
agredido/a, violentado/a,
assassinado/a.

Discriminação, preconceito e
Preconceito e
2 686 violência/agressão física
Discriminação
e/ou à gays e/ou lésbicas.

491
Desejo de não ser
homossexual/lésbica;
casamento heterossexual
como tentativa de se
enquadrar nas normas e ser
aceito/a; namoro
Sou Gay / Sou
heterossexual a fim de ser
Lésbica: O que eu
5 Negação de Si 69 1.275 aceito/a socialmente; não 2
percebo e como eu
aceitação da própria
me sinto?
sexualidade pelo auto-
preconceito estrutural e pela
homofobia/lesbofobia
internalizada; demora em
viver a sexualidade por se
sentir pecador/a e errado/a.
Sofrimento físico e
emocional advindos da
homofobia/lesbofobia;
adoecimento físico e
psíquico; autoestima
9 Sofrimento 457 abalada, medo,
vulnerabilidade, culpa,
silenciamento, rejeição,
ideações suicidas, traumas,
hipervigilância, ansiedade,
depressão etc.

Importância e riscos em
tornar pública a orientação
Publicização da Sou Gay / Sou
sexual e as violências
6 sexualidade e da 32 98 3 Lésbica: Quem eu
sofridas; não aceitação em
violência sou?
continuar no “armário” e
sofrer violências.

492
Educação e informação
como forma de se lutar
contra e acabar com a
homofobia/lesbofobia, por
meio da conscientização
como estímulo crítico para
10 Educação/Informação 66 que não se aceite o que é
previamente dito e imposto
como certo ou errado;
educação/informação como
possibilidade de liberdade de
expressão da orientação
sexual.
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

Uma vez tendo sido realizadas as descrições acerca dos agrupamentos, procedeu-se com a

aferição das qualidades dos conjuntos de categorias, nas quais, conforme Bardin (1977/2016),

devem ter as qualidades:

- Exclusão mútua, na qual um determinado elemento pode estar presente em apenas uma

categoria. Se estiver presente em mais, deve ser analisada a melhor categoria a pertencer o

elemento duplicado e, na sequência, excluída a duplicidade deste. Realizou-se a checagem e

observou-se que os agrupamentos não apresentavam repetição.

- Homogeneidade, na qual os elementos incluídos na categoria devem ter por base o mesmo

conjunto de informações a serem tratadas. Houve a verificação, podendo-se afirmar que os blocos

pertencem ao tema a que lhes foi designado.

- Pertinência, na qual os elementos devem apresentar relevância com a categoria a que

formam designados. Procedeu-se com a conferência e observou-se que os elementos apresentam

relevância com a categoria a que fazem parte.

- Objetividade e fidelidade, na qual os elementos devem advir da mesma fonte (mesmo

material), terem sido organizados de forma igual e estarem em conformidade com objetivo e

493
pergunta da pesquisa. Após a averiguação, podendo-se afirmar que os elementos possuem

consonância com a pergunta e os objetivos da pesquisa.

- Produtividade, na qual os elementos devem dispor de resultados fecundos ao

levantamento de novas hipóteses. Após análise, foi possível concluir que os elementos permitem

que novas hipóteses sejam levantadas.

Uma vez aferidas as qualidades dos conjuntos de categorias, finalizou-se a etapa de

exploração do material, passando-se para a fase 3 - tratamento dos resultados, inferências e

interpretação.

Fase 3 – Tratamento dos Resultados, Inferência e Interpretação

De acordo com Bardin (1977/2016) esta fase permite que se condense ainda mais os dados

obtidos nas etapas anteriores, sendo possível reagrupá-los novamente, caso seja necessário,

possibilitando novas extensões da análise.

Uma vez revisada as unidades de registro, observou-se que os agrupamentos já se

encontravam de forma adequada tendo-se chegado a 3 categorias: Sou Gay / Sou Lésbica: Como

é o meu contexto? Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e como eu me sinto? Sou Gay / Sou

Lésbica. Quem eu sou? compreendeu-se que o resultado já se encontrava satisfatório para proceder

com a análise destas, não sendo necessário reduzi-las a um número ainda menor de categorias,

definindo-as, assim, como as categorias a serem estudadas, com suas subcategorias, conforme

abaixo.

494
Tabela 10

Categorias e Subcategorias

Qtid. de Unidade Qtd. Unidade Nº da Nome da


Nome das Subcategorias
de Agrupamento de Categoria Categoria Categoria

Família 853

Amigos 234

Sou Gay / Sou


Política 24 1.146 1 Lésbica: Como é o
meu contexto?
Religião 35
Medo 63

Preconceito e Discriminação 686 1.275


Sou Gay / Sou
Negação da Sexualidade 18 Lésbica: Como me
sinto?
Sofrimento 457
Sou Gay / Sou
Publicização da Sexualidade
32 98 3 Lésbica: Quem eu
e da Violência
sou?
Educação/Informação 66
Nota. Fonte: Elaborada pela pesquisadora

A partir das categorias e subcategorias a que esta análise permitiu chegar, aplicando-se a

regra da inferência e da interpretação, pode-se observar que os resultados obtidos nas etapas

anteriores validam a finalização da análise com as categorias e subcategorias, sendo possível,

inclusive, fazer um ensaio breve de se aferir e interpretar estas categorias e subcategorias a partir

do tema desta pesquisa “O Sofrimento de Gays e Lésbicas Vítimas de Violência: Um Estudo do

Fenômeno na Perspectiva da Psicologia Junguiana”, com os objetivos da pesquisa que são

495
compreender, descrever e explicitar o sofrimento de gays e lésbicas que passaram por situações de

violência.

Partindo-se das categorias e subcategorias finais, iniciando-se pela categoria 1 – Sou Gay

/ Sou Lésbica: Como é o meu contexto? contendo as subcategorias Família, Amigos, Política e

Religião, é possível inferir que o contexto do/a homossexual/lésbica é comumente circunscrito e

sofre influência direta, com preponderância da família, dos amigos, políticas e religiosos.

É possível se inferir com base na categoria 2 – Sou Gay / Sou Lésbica: O que eu percebo e

como eu me sinto? contemplando as subcategorias Medo, Preconceito e Discriminação, Negação

de Si e o Sofrimento, o que o/a homossexual/lésbica percebe que o/a circunda, fazendo parte de

seu dia a dia, interferindo diretamente em sua vida, e como ele se sente frente a isto.

Com base na categoria 3 – Sou Gay / Sou Lésbica: Quem eu sou? com suas subcategorias

Publicização da Sexualidade e da Violência e, Educação/Informação, é plausível entender que uma

das formas de se conscientizar as pessoas sobre quem é o/a homossexual/lésbica, por meio da

publicização da sexualidade e da violência a que se sofre.

496
Anexos

497
Anexo A – Ofício Circular nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS

498
499
500
501
502
Anexo B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Venho por meio desta convidá-lo(a) a participar como voluntário do estudo sob o título “O
Sofrimento de Homossexuais Vítimas de Homofobia”. Este estudo está associado a uma pesquisa
de Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde na Universidade Metodista
de São Paulo, sob a responsabilidade da pesquisadora Andreia da Fonseca Araujo e orientação da
Profª Drª Rosa Maria Frugoli da Silva.
O objetivo deste estudo é compreender o sofrimento dos homossexuais que passaram por situações
de homofobia, buscando descrever o sofrimento das pessoas de orientação homoafetiva que
passaram por situações de violência e suas consequências nestas pessoas.
Nesse estudo, sua participação será voluntária, ou seja, você poderá recusar a responder e/ou
participar de qualquer etapa sem prejuízo ao estudo. Da mesma forma, não haverá qualquer tipo
de despesas pessoais em qualquer fase do estudo. Igualmente, não haverá qualquer compensação
financeira relacionada à sua participação, de modo que se existir qualquer despesa adicional, ela
será absorvida pelo orçamento da pesquisa.
Caso concorde em participar, o estudo será totalmente virtual (online) para que você não precise
se deslocar, além do que nos encontramos em momento de pandemia causado pela COVID-19.
O estudo será realizado em 02 encontros: no primeiro, você participará de uma entrevista
individual, com duração de em média 40 minutos, a ser agendada em data de sua disponibilidade
para conversar situações de violência que você tenha passado e o sofrimento advindo desta ação
em sua vida. No segundo encontro será utilizado de dois testes, sendo um de qualidade de vida e
de depressão, com duração média de 10 minutos cada um dos testes.
Os dois encontros serão realizados pelo Google Meet e o endereço eletrônico (link) de acesso será
enviado por e-mail com 5 de antecedência ao encontro.
A entrevista e a avaliação serão gravadas para serem transcritas e anexadas a pesquisa de Mestrado.
Após a transcrição, essas gravações terão seus arquivos de áudio destruídos. Durante os encontros
sua privacidade é importante, de modo que se orienta que você esteja sozinho(a) e em um ambiente
privado. Seus dados serão mantidos em total sigilo. A qualquer momento você poderá solicitar
informações sobre o andamento da pesquisa.

503
Os riscos de participação deste estudo são mínimos. Porém, caso você sinta constrangimento ou
desconforto durante o estudo, a pesquisadora estará disponível para o
atendimento/encaminhamento psicológico.
Em caso de dano pessoal, diretamente causado pelos procedimentos ou tratamentos efetivamente
realizados no referido estudo (nexo causal comprovado), você tem o direito de solicitar
indenizações legalmente estabelecidas, que se restringem ao dano causado.
Você não terá benefícios diretos com a sua participação, entretanto o resultado deste estudo poderá
te auxiliar e a outras pessoas de orientação sexual homoafetiva em nossa busca a redução da
violência, por meio da conscientização das pessoas sobre o sofrimento causado por esta ação.
Outrossim, esperamos ainda suscitar a problematização por parte de psicólogos na área da saúde,
nesta forma de violência que perpetua ao longo da vida da comunidade LGBTQIA+ e as
consequências desse sofrimento em homossexuais que são vítimas de violência, podendo, esta
pesquisa conscientizar as pessoas sobre este fato, combater a violência e desenvolver o respeito a
diversidade, e ainda implicar na demanda pela continuidade deste estudo para que se pensem e
proponham ações de saúde pública especificas para esta população que sofre, a fim de que a mesma
tenha uma melhor qualidade de vida. Além disso, este estudo aponta para as possibilidades de
pesquisa na área da Psicologia da Saúde, Psicologia Social, e Saúde Coletiva (Saúde Pública),
propondo a inserção de novas políticas públicas que atendam as demandas da população
LGBTQIA+, que se encontra em sofrimento e isso precisa ser investigado, ser atendido, ser
reconhecido pelos profissionais de saúde mental, pois esse sofrimento pode gerar consequências,
não só no agravamento dos quadros individuais como coletivos, uma condição inata ao indivíduo
o submete a uma dor e a uma disposição que está sendo negligenciada e que necessita de mais
estudos.
Você autoriza que os dados coletados nesta pesquisa possam ser utilizados em pesquisas futuras?
( ) sim ( ) não
No caso de autorizar, deseja ser informado da utilização de seus dados? ( ) sim ( ) não.
Você terá acesso aos profissionais responsáveis pela pesquisa para esclarecimento de eventuais
dúvidas. A principal pesquisadora é Andreia da Fonseca Araujo, que pode ser encontrada pelo
endereço eletrônico de_faraujo@yahoo.com.br e/ou pelo telefone celular (11) 99730-8737.

504
Caso você tenha alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, fique à vontade para
entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UMESP) – Rua do Sacramento, 230
– Ed. Capa sala 303 - Telefone: 4366-5814 – E-mail: cometica@metodista.br.
Acredito ter sido suficientemente esclarecido a respeito das informações que li ou que foram lidas
para mim, descrevendo o estudo “O Sofrimento em Homossexuais Vítimas de Homofobia”.

Eu ME INFORMEI com a pesquisadora Andreia da Fonseca Araujo sobre a minha decisão em


participar nesse estudo. Ficaram claros para mim quais são os propósitos, os procedimentos a
serem realizados, seus desconfortos e riscos, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que minha participação é isenta de despesas e
que tenho garantia do acesso a tratamento hospitalar quando necessário. Concordo
voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer
momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidades, prejuízo ou perda de qualquer benefício
que eu possa ter adquirido, ou no atendimento que recebo nesta instituição.

_______________________________________
Assinatura do participante ou representante legal Data __/__ /2022.
Nome completo do participante ou representante legal: _________________________

Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste
participante/participante ou representante legal para a participação neste estudo. Sendo que uma
via deste documento deve ficar com o participante e outra em posse da pesquisadora.

_______________________________________
Assinatura do responsável pelo estudo Data __/__ /__.
Andreia da Fonseca Araujo

505

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