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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

DIRETORIA DE PÓS GRADUAÇÃO E PESQUISA


Programa em Pós Graduação em Psicologia da Saúde

Raquel Gagliotti Coppola Auler

A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COM HOMENS AUTORES DE


VIOLÊNCIA: ALCANCES E DESAFIOS

São Bernardo do Campo

2020
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COM HOMENS AUTORES DE
VIOLÊNCIA: ALCANCES E DESAFIOS

Trabalho de dissertação apresentado á Universidade Metodista de São


Paulo- UMESP, como requisito para a obtenção para o título em Mestre de
Psicologia da Saúde. Orientadora: Professora Doutora Rosa Maria Frugoli
Silva

São Bernardo do Campo

2020
FICHA CATALOGRÁFICA

Au51a Auler, Raquel Gagliotti Coppola


A atuação do psicólogo com homens autores de violência: alcances e
desafios / Raquel Gagliotti Coppola Auler. 2020.
115 p.

Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) --Diretoria de Pós-


Graduação e Pesquisa da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, 2020.
Orientação de: Rosa Maria Frugoli Silva.

1. Psicólogos – Prática profissional 2. Violência contra a mulher 3.


Psicologia 4. Homens abusivos I. Título
CDD 157.9
A dissertação de mestrado intitulada “O psicólogo e sua atuação com homens autores
de violência: alcances e desafios” foi apresentada e aprovada em 02 de março de
2020, perante à banca examinadora composta pelos professores doutores Rosa
Frugoli (Presidente), Miriá Benincasa e Carlos Albero Máximo Pimenta.

Prof(a). Dr(a). Rosa Frugoli


Orientador(a) e Presidente da Banca

Prof(a) Dr(a) Maria do Carmo Fernandes


Martins Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da Saúde

Programa Pós-Graduação em Psicologia Área


de Concentração: Psicologia da Saúde Linha de
Pesquisa:Saúde, Violência e Adaptação Humana.
Agradecimentos

A realização deste trabalho só foi possível graças a pessoas que direta ou indiretamente me
auxiliaram nesta jornada.

Agradeço à minha orientadora Profª Doutora Rosa Frugoli pela competência no trabalho de
orientação. Nos momentos em que estávamos juntas discutindo o trabalho, tamanho era seu
envolvimento em me orientar. Uma mulher intensa nos seus propósitos a qual eu admiro
muito.

Ao psicólogo Flávio Urra por sua disponibilidade e gentileza em me enviar material


bibliográfico, na indicação dos participantes e sempre acessível em responder às minhas
dúvidas.

As professoras da banca de qualificação Miriá Benincasa e Hilda Capelão, as quais de forma


amável me indicaram o caminho a seguir na pesquisa.

Ao professor Carlos Pimenta que adentrou na leitura da minha pesquisa, sendo sensível nos
seus apontamentos. Trouxe isso de forma clara e didática, o que me fortaleceu para a
consolidação deste trabalho.

Às amigas que conheci neste programa de mestrado, Giovana Furquim, Ludmila Carderelli
e Graziela Novaes, por compartilharem comigo dos desafios encontrados.

Aos meus irmãos Felipe e Débora, pessoas que amo muito e união que me alimentou de
muito afeto e força para a vida.

Ao meu pai, Carlos Roberto Coppola, homem dócil, que sempre torceu por mim e me
ensinou o valor do esforço.

À minha filha Ana Luiza, a maior riqueza que tenho e amor incondicional que me inspira.

Ao meu marido, parceiro e amigo Leandro Auler que me acompanhou nesta jornada sempre
apoiando e me confortando nos momentos difíceis.
Resumo

Nesta pesquisa, buscou-se compreender e identificar as intervenção dos psicólogos nos


grupos com homens autores de violência contra as mulheres. A proposta foi de ampliar o
olhar sobre o universo da violência contra as mulheres e inserir os homens autores de
violência como parte de um processo que demanda por serviços especializados. Tal
intervenção veio ao encontro da Lei Maria da Penha que criou mecanismos específicos de
responsabilização e educação com a possibilidade de juízes decretarem o comparecimento
obrigatório à frequência em grupos reflexivos. O trabalho destes grupos, de forma gradativa,
vem adquirindo relevância no cenário brasileiro, tanto no que se refere ao enfrentamento da
violência contra as mulheres quanto como um trabalho que envolve a rede de profissionais
da esfera jurídica e psicossocial. Neste contexto, apresenta-se então a figura do profissional
psicólogo enquanto facilitador dos grupos, uma atuação que sai do tradicional modelo
clínico, viabilizando o exercício de discussões em grupo e proporcionando a criação de um
espaço psíquico na vida desses homens para que possam repensar suas ações, seus valores e
crenças. Esta pesquisa foi qualitativa, sendo realizada com quatro profissionais psicólogos
que atuam com grupos na região do ABC paulista. Realizou-se entrevistas semiestruturadas
as quais foram analisadas por meio das perspectivas fenomenológicas. No que se refere aos
alcances dos profissionais entrevistados na pesquisa têm-se: a) a percepção na efetividade
deste trabalho quando observam transformações nas atitudes e discursos masculinos, b)
repensar a ampliação e novas possibilidades de atuação do psicógologo frente ao fenômeno
social da violência doméstica, c) um trabalho conjugado com o judiciário. No que tange aos
desafios encontrados destaca-se a não remuneração dos profissionais psicólogos neste tipo
de trabalho, atuando de forma voluntária. Desta forma, ressalta-se a relevância do serviço de
psicologia que atende questões relacionadas à violência contra as mulheres, uma vez que os
trabalhos com grupos destes homens alcança transformações de atitudes masculinas que
intereferem nas assimetrias de gênero. Entretanto torna-se necessário investimentos nos
seviços a fim de que se ampliem e mantenham em funcionamento.

Palavras-chave: prática profissional, violência, Psicologia, homens.


Abstract

In this research, we sought to understand and identify the interventions of psychologists in


groups with men who committed violence against women. This research proposed to
broaden the look at the universe of violence against women and to insert men who commit
violence as part of a process that demands specialized services. This was in line with the
Maria da Penha Law, which created specific mechanisms for accountability and education
with the possibility of judges decreeing mandatory attendance at reflective groups. The work
of these groups, in a gradual way, has acquired relevance in the Brazilian scenario, both with
regard to facing violence against women and as a work that involves the network of
professionals from the legal and psychosocial sphere. In this context, the figure of the
professional psychologist is presented as a facilitator of the groups, an action that comes out
of the traditional clinical model and comes to enable the exercise of group discussions and
the creation of a psychic space in the lives of these men so that they can rethink their actions,
their values and beliefs. This research was qualitative, being carried out with four
professional psychologists who work with groups in the ABC region of São Paulo. Semi-
structured interviews were carried out which were analyzed using phenomenological
perspectives. With regard to the scope of the professionals interviewed in the research, there
are: a) the perception of the effectiveness of this work when they observe changes in male
attitudes and discourses, b) rethink the expansion and new possibilities for the psychologist
to face the social phenomenon of violence c) joint work with the judiciary. Regarding the
challenges found, the non-remuneration of professional psychologists in this type of work
stands out, acting on a voluntary basis. the relevance of the psychology service that addresses
issues related to violence against women is emphasized, since the work with groups of these
men achieves transformations in male attitudes that interfere in gender asymmetries. In the
meantime, investments in services are necessary in order to expand and keep them in
operation.

Keywords: professional practice, violence, psychology, men.


Sumário
1. Introdução..........................................................................................................................10
1.1 Objetivos.........................................................................................................................14
2. Referencial Teórico
2.1 Contextualizando o tema da violência contra as mulheres no Brasil................................15
2.2 O advento da Lei Maria da Penha.....................................................................................21
2.3 Iniciativas que fazem a diferença: o trabalho com homens autores de
violência................................................................................................................................28
2.3.1 O trabalho em grupo com os homens............................................................................31
2.3.2 Algumas considerações sobre o trabalho em grupos com os homens autores de
violência................................................................................................................................37
2.4 A Violência de gênero.....................................................................................................40
2.4.1 A atuação do profissional na violência de gênero.........................................................44
2.5 A Violência contra a Mulher e sua relação com a saúde ...............................................45
2.5.1 Atuação do psicólogo da saúde no atendimento às mulheres em situação de
violência...............................................................................................................................50
2.6 A violência na contemporaneidade.................................................................................51
3. Método..............................................................................................................................53
3.1 Delineamento..................................................................................................................53
3.2 Procedimento para a coleta de dados...............................................................................58
3.3 Procedimento para análise dos dados..............................................................................59
4. Resultados e Discussão.....................................................................................................64
4.1 Quem são os psicólogos que trabalham em grupos reflexivos com homens autores de
violência contra as mulheres?...............................................................................................64
4.2 A jornada dos psicólogos :experiência pregressa e formação do profissional..................66
4.3 O encontro: psicólogo e homens autores de agressão......................................................71
4.3.1 A jornada dos homens autores de violência: do jurídico à atuação da Psicologia.........71
4.3.2 Do macho ao homem: as transformações masculinas a partir dos grupos.....................73
4.3.3 A atuação do profissional psicólogo no grupo com homens autores de violência....... 78
4.3.3.1 Referencial teórico metodológico.............................................................................79
4.3.3.2 Subsídios que a Psicologia traz para sua atuação no grupo........................................83
4.3.3.3 A interface Psicologia e Judiciário............................................................................85
4.3.3.4 A percepção da efetividade do trabalho.....................................................................87
4.4 A subjetividade do psicólogo. Ser psicólogo e ser homem: da formação ao
acolhimento..........................................................................................................................88
4.4.1 Repensando a própria masculinidade...........................................................................88
4.4.2 Desafios encontrados...................................................................................................90
4.4.3 Articulação com a rede.................................................................................................92
5. Conclusão.........................................................................................................................93
6. Referências.......................................................................................................................99
Apêndice.............................................................................................................................110
Anexo A..............................................................................................................................112
Anexo B..............................................................................................................................113
10

1. Introdução
O interesse por esse tema é fruto de uma experiência de 7 anos com mulheres
vítimas de violência doméstica na SOS Mulher1, nas cidades de Taubaté e São José dos
Campos. Durante esse trabalho, eu realizava atendimento psicológico individual e em
grupo com as mulheres.
Naquela instituição, havia equipe multidisciplinar composta por advogados,
sociólogos e assistentes sociais. Profissionais com os quais aprendi em termos de políticas
públicas, leis e encaminhamentos na rede intersetorial, uma vez que, durante a minha
formação em Psicologia, não tinha tido contato com estes temas.
Minha atuação na SOS Mulher se iniciou em 2003 e terminou em 2010, período
significativo, tendo em vista as implementações de políticas públicas no que tange as
medidas de enfrentamento da situação de violência contra a mulher, sendo o advento da
Lei Maria da Penha em 2006 um marco no contexto brasileiro.
Num determinado momento dessa jornada, comecei a me questionar sobre a
efetividade do trabalho com as mulheres em situação de violência doméstica, uma vez
que a atenção se direcionava a elas, enquanto a outra parte, onde estava? Ainda assim, a
condição da mulher como vítima ficava evidente a todo momento, sendo retroalimentada
pela equipe de profissionais. Comecei a visualizar a pouca efetividade no trabalho, já que,
de certa forma, enquanto profissionais também estávamos presos a esta condição de
vítima das mulheres atendidas.
Enquanto psicóloga e mulher, acaba de certa forma, influenciando-me pelos
relatos tanto das mulheres atendidas como das colegas de equipe e adquirindo um certo
distanciamento, até repúdio, dos homens autores da agressão, estigmatizando-os na figura
do malfeitor.
Numa conversa rotineira, com uma amiga da época de graduação sobre o meu
trabalho com as mulheres, ela me contou da existência de programas com os homens
autores de agressão. Aquilo soou como um despertar, no sentido de algo revelador.
Surgiu, a partir daquela conversa, o seguinte questionamento: “quem seriam esses
homens? É possível um trabalho mais efetivo na questão da violência, incluindo os
homens?”. O sentimento que despontou em mim foi de esperança.
Nas conversas com os profissionais tanto da instituição como da rede, fui

1
SOS Ação Mulher e Família foi criado em 1980 por um movimento de mulheres como uma Organização
Não- Governamental (ONG), atualmente denominada Organização da Sociedade Civil (OSC). O SOS
Mulher atendia unicamente mulheres que viviam situações de violência doméstica e sexual.
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perguntando se conheciam esse tipo de serviço. Quase todos responderam negativamente.


Ainda assim, nas conversas com a equipe, comecei a trazer para novas discussões o
assunto do trabalho com os homens autores de agressão e havia claramente a resistência
dos colegas em discutirem e pensarem sobre o assunto.
No decorrer, parei por um período de atuar no contexto da violência doméstica,
quando no ano de 2014, assistindo a um canal de TV por assinatura, vi um documentário
cujo tema eram os grupos com homens autores de violência, no qual continha
depoimentos dos próprios homens e dos profissionais. Novamente, assim como naquela
conversa há anos com minha amiga, despontou-se algo que seria revelador para mim.
Naquele momento, comecei a buscar novamente informações sobre o assunto e vi que já
havia alguns grupos no Brasil em andamento. A partir de então, decidi que iria estudar
como funcionava este trabalho. No ano de 2018 adentrei num Programa de Pós-
Graduação, stricto sensu, mestrado.
Dessa forma, organizei um projeto de pesquisa para a Universidade Metodista de
São Paulo, no programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde, linha de estudo:
Saúde, Violência e Adaptação Humana. Propus como tema de investigação a Violência
de Gênero, delimitando-a a homens autores de violência contra as mulheres que
participam compulsoriamente de grupos reflexivos sobre o problema. No decorrer da
efetividade do projeto de pesquisa, houve mudança sobre quem seriam os participantes,
pois o contato direto com os autores teve impedimento por questões burocráticas e de
tempo na realização do mestrado, levando-me a reorganizar a proposta e focar na coleta
de dados a partir dos profissionais da área da Psicologia que atuam neste âmbito.
Cabe ressaltar que o fenômeno a ser estudado referiu-se à violência de gênero, o
qual adquiriu visibilidade nos últimos anos, fruto dos movimentos feministas que se
iniciaram nas décadas anteriores e de um processo contínuo de conscientização acerca
dos direitos humanos sobretudo das minorias, como no caso das mulheres.
Esses movimentos coletivos, no Brasil, atravessaram momentos políticos de
relevância nacional. Num processo gradativo de construção e acentuada luta a partir da
década de setenta, esses movimentos foram adquirindo força e proporcionando mudanças
numa estrutura social e política até então exclusivamente patriarcal.
A partir de então, no cenário internacional, diversos tratados e convenções acerca
do assunto iniciaram um processo de internacionalização dos direitos humanos. Neste
panorama: em 1979, houve a Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas
as formas de discriminação contra as Mulheres; em 1980, a Conferência Mundial sobre a
12

mulher em Nairobi; em 1993, a Conferência Mundial em Viena pela ONU reconheceu


que a proteção e a promoção dos direitos das mulheres devem ser prioritárias para a
comunidade internacional; em 1994, a Organização dos Estados Americanos deu força à
Lei de Declaração sobre a Eliminação de Violência contra a Mulher; também em 1994,
houve a convenção em Belém do Pará que elaborou um conceito de violência contra a
mulher. Por fim, no ano de 2006 foi promulgada no Brasil a Lei 11.340, Lei Maria da
Penha.
Frente a isso, o estado brasileiro desenvolveu ações para lidar com a questão da
violência na esfera doméstica a partir das seguintes intervenções: na segurança pública,
houve a promulgação da Lei Maria da Penha e a implementação das Delegacias de Defesa
da Mulher; no Ministério Público, com a criação da Vara da Família. (Martins, Cerqueira
& Matos, 2015)
A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar, nos termos do 8° artigo 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher. Dispõe
sobre a criação dos Juizados de Violências Doméstica e Familiar contra a Mulher, altera
o código de Processo Penal e a Lei da execução penal e de outras providências. (Martins,
Cerqueira & Matos, 2015)
Neste sentido, a violência contra as mulheres enquadra-se num espectro mais
amplo que é a violência de gênero. Esta refere-se a um tipo de violência física ou
psicológica exercida sobre qualquer pessoa ou grupo de pessoas sob a base do seu sexo e
gênero que impacta de maneira negativa em sua identidade e bem-estar social, físico ou
psicológico. A mesma evidencia estigmas, estereótipos e preconceitos em relações
assimétricas de gênero. É reconhecida como um dos mais graves abusos aos direitos
humanos. Além disso, envolve relações de gênero que qualificam as vítimas
simplesmente pelo fato de serem mulheres, homossexuais, transgêneros, numa sociedade
que subordina essa condição (Barufaldi et al, 2017).
A violência de gênero também está inserida na violência contra a mulher. Nesta
violência, ocorrem danos que incluem ações correspondendo a atos de agressão física
como estapear, socar, chutar e surrar; abuso psicológico como intimidação, constante
desvalorização e humilhação; relações sexuais forçadas e outras formas de coação sexual;
vários comportamentos controladores como isolar a pessoa de suas famílias e amigos,
monitorar seus movimentos e restringir seu acesso às informações ou à assistência (OMS,
13

2002).
Este tipo de abuso está ligado à posição desigual das mulheres nos
relacionamentos e ao “direito” masculino ao controle sobres bens e comportamentos
femininos, sendo que quando a mulher desafia esse controle se estabelece a violência.
Com isso, ocorre a configuração de uma relação assimétrica, a qual subordina a condição
de ser mulher no âmbito conjugal (Leite, Amorim, Wehrmeister & Gigante, 2017).
Pelo viés da questão do gênero é possível desenvolver uma nova forma de olhar e
intervir no fenômeno da violência doméstica. Homens imbuídos de valores machistas
encontram na violência a forma para a resolução dos conflitos conjugais.
A Lei Maria da Penha contemplou em seus artigos serviços destinados à educação
e reabilitação para os agressores (Martins, Cerqueira & Matos, 2015). Criou-se a proposta
de mecanismos específicos de responsabilização e educação para os homens autores de
violência. O trabalho com homens autores de violência já acontece nas 5 regiões do país,
porém ainda são poucos, mas estão ganhando força e visibilidade para se tornarem uma
política pública.
Em mapeamento realizado nos anos de 2015 e 2016, foram localizados 41 grupos
com homens autores de violência no Brasil (Beiras, Nascimento & Incrocci, 2019).
Os grupos com homens autores de violência correspondem a um serviço de
atendimentos aos homens que foram sentenciados pela referida lei, na qual, por
determinação judicial, são conduzidos a participar, junto com outros na mesma situação,
de encontros semanais de duração média de 2 horas. Tais grupos são facilitados a cada
encontro por 2 profissionais capacitados, podendo ser encontradas diferentes formações:
psicólogos, assistentes sociais, sociólogos. Tal serviço foi consolidado oficialmente no
Brasil com a Lei Maria da Penha.
Esses grupos necessitam estar vinculados ao sistema de justiça, entendido em
sentido amplo: Poder Judiciário, Secretarias de Justiça Estadual e/ou Municipal (SPM e
SEVM, 2008).
A partir de então, iniciou-se uma articulação entre os profissionais da rede de
enfrentamento da violência contra a mulher para a implementação de serviços que
atendessem a esse público.
A lei reforçou algo que já vinha ocorrendo: grupos educativos e reflexivos de
homens autores de agressão. Beiras (2014) relata o funcionamento de um grupo iniciado
em 1999 pelo instituto Noos, na cidade do Rio de Janeiro. O intuito destes encontros
grupais de reflexão para agressores é trazer aos mesmos uma possível conscientização
14

sobre o ato de violência que cometeram.


Nesta perspectiva, a violência conjugal remete também a uma relação adoecida do
casal e com isso um olhar unilateral para a mulher e seu processo de vitimização pode
não trazer ações e intervenções eficazes no trabalho com a violência doméstica. Faz-se
necessário um trabalho com a outra parte, o homem autor da agressão. Partindo para um
olhar mais integrado da situação, não se acredita no cessar da violência numa relação ao
trabalhar exclusivamente com a vítima.
Caso a mulher sofra alguma mudança e a outra parte permaneça sempre o que foi,
mantendo seu habitus, a relação pode, inclusive, tornar-se mais violenta (Saffioti, 2004).
Neste contexto, tem-se a figura do psicólogo inserido como facilitador dos grupos com
estes homens. Tal atividade trouxe uma nova forma de atuação da Psicologia frente à
temática da violência conjugal. Encontrar-se-á este profissional inserido no contexto
jurídico, num trabalho que envolve crime e relação de intimidade. Partindo desta nova
interface da Psicologia, o presente projeto buscou investigar como o profissional
psicólogo apresenta sua atuação em grupos com homens autores de agressão.
No decorrer desta dissertação, serão trazidos os capítulos de forma a contribuir
para a discussão dos resultados.
O primeiro capítulo irá explanar brevemente o panorama brasileiro no que tange
as políticas de enfrentamento a violência contra a mulher, a partir dos movimentos
feministas e a implementação de políticas públicas.
O segundo capítulo, com o título “Iniciativas que fizeram a diferença”, versará
sobre a inserção do trabalho com os homens autores de violência a partir das conquistas
alcançadas relatadas no primeiro capítulo.
No terceiro capítulo será abordado o tema gênero e explorado de forma que se
compreenda a influência desta temática numa construção sócio-histórica e sua influência
no desencadeamento da violência conjugal.
Já no quarto, chegar-se à violência contra a mulher e sua repercussão na saúde,
para enfim, no quinto e último capítulo, trazer uma breve explanação do tema violência
na contemporaneidade.

1.1 Objetivos

Objetivos Primários:
Compreender o trabalho de psicólogos com grupos de homens autores de violência contra
as mulheres.
15

Objetivos Secundários
Identificar formas de intervenção dos psicólogos a partir do trabalho nos grupos com
homens autores de violência.

1.2 Estruturação da dissertação


No decorrer desta dissertação, serão trazidos os capítulos de forma a contribuir
para a discussão dos resultados.
O primeiro capítulo irá explanar brevemente o panorama brasileiro no que tange
as políticas de enfrentamento a violência contra as mulheres a partir dos movimentos
feministas e a implementação de políticas públicas.
O segundo capítulo, com o título “Iniciativas que fizeram a diferença”, versará
sobre a inserção do trabalho com os homens autores de violência a partir das conquistas
alcançadas relatadas no primeiro capítulo.
No terceiro capítulo, será abordado o tema gênero e explorado de forma que se
compreenda a influência desta temática numa construção sócio-histórica e sua influência
no desencadeamento da violência conjugal.
Já no quarto chegar-se à violência contra a mulheres e sua repercussão na saúde,
para enfim, no quinto e último capítulo, trazer uma breve explanação do tema violência
na contemporaneidade.

2. Referencial Teórico

2.1. Contextualizando o tema da violência contra as mulheres no Brasil


No referencial teórico da dissertação optou-se por trazer uma contextualização
sobre o tema violência contra as mulheres de forma a contar de forma suscinta o papel
social da mulher, principalmente no Brasil desde a década de setenta. Neste sentido, os
movimentos feministas e suas repercussões nos direitos conquistados pelas mulheres.
Dentre estes, o advento da Lei Maria da Penha e sua repercussão na estruturação do estado
brasileiro a partir da implemetação de políticas públicas. Na sequência falou-se sobre as
iniciativas na esfera judiciária e psicossocial que inseriram o homem autor de agressão
num trabalho de reeducação. Com isso, os capítulos subsequentes falam sobre grupos de
homens que já vêm sendo realizados em contexto brasileiro e também um breve histórico
deste tipo de trabalho tanto no Brasil como em outros países.
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Este capítulo traz a figura das mulheres atravessando momentos políticos de


relevância nacional e suas reinvindicações por meio de movimentos coletivos. Num
processo gradativo de construção e acentuada luta a partir da década de setenta, esses
movimentos foram adquirindo força e proporcionando mudanças numa estrutura social e
política até então exclusivamente patriarcal2.
Cabe acentuar que os movimentos feministas, ou mulheres que buscavam exercer
direitos de cidadania, já aparecem com certa ênfase no Brasil desde final do século XIX3.
Naquele período, as mulheres basicamente estavam direcionadas às obrigações
domésticas, competindo a estas funções primordiais de ser mãe e esposa. Aos homens,
cabiam a possibilidade do direito de estudar, eram estes (sobretudo os homens brancos e
de relevância social) que tomavam decisões quanto ao destino da família, da comunidade
e da nação. Compreendia-se que as mulheres não tinham habilidades e competências para
qualquer tipo de decisão, tanto em relação a si mesma, como do ponto de vista coletivo.
Preponderantemente, a maioria das mulheres estava à mercê de seus maridos, pais ou
irmãos (Fernandes, 2015; Monteiro & Grubba, 2017).
O direito aos estudos apresenta-se com certas possibilidades somente nos níveis
iniciais de educação e apenas para algumas mulheres. Mesmo quando estas circunstâncias
ocorriam, o aprendizado era direcionado também às questões domésticas e de etiquetas
socioculturais. Aos homens cabiam a legitimidade de poder na vida social e íntima da
vida privada (Monteiro & Grubba, 2017; Telles, 1993).
Havia nítidas diferenças nas atitudes, comportamentos e ações que cabiam aos
homens e as mulheres. Este processo de diferença entre os gêneros era nitidamente tido
como evento naturalizado. Então, o exercício da cidadania como se observa hoje era
impensável às mulheres. O direito, por exemplo ao voto, não era cogitado. Este ato
começa a ser refletido somente no início do século XIX, como movimentos fora do país.

2
A partir dos anos 2000, observa-se nas produções acadêmicas a nomenclatura violência contra as mulheres,
que passou do singular para o plural, a fim de se alargar a diversidade de mulheres, contemplando mulheres
brancas, negras, índias, amarelas, pobres, ricas, bem-sucedidas, heterossexuais, homossexuais, bissexuais,
enfim, pela evidência de que distintas mulheres sofrem com a violência. O termo mulher não traduzia a
diversidade das que vivenciam a situação de violência em suas variadas formas (Silva, 2017). Desta forma,
nesta dissertação, o termo será pontuado no plural.
3
Cabe lembrar que mesmo antes da estruturação do movimento feminista, diversas mulheres no mundo se
mostravam insatisfeitas com a subordinação ao masculino. Um exemplo desta situação ocorre já em 1791,
com Marie Gouze, escritora francesa que se manifestava por meio de pseudônimo da necessidade de se
respeitar direitos humanos e de cidadania. Enfatizava direitos como igualdade, liberdade, justiça, livre
comunicação de pensamentos e das opiniões, direitos que cabiam exclusivamente aos homens (Costa &
Sardenberg, 2008; Monteiro & Grubba, 2017). Entretanto, posturas como desta mulher eram exceções aos
comportamentos femininos.
17

Na Europa, surgiam reivindicações com diversas manifestações populares que


solicitavam direitos civil e político, de voto. Mas, a efetividade do voto aparece mesmo
no início do século XX, inclusive após uma tragédia ocorrida na Inglaterra, na qual uma
mulher foi morta pelo cavalo de um rei inglês enquanto reivindicava este direito, o que
mobilizou e incentivou milhares de mulheres a irem às ruas requerendo usufruir do voto
(Monteiro & Grubba, 2017; Pinto, 2010). Do conjunto de manifestações de mulheres
sobre determinadas reinvindicações de direitos em cada período histórico, obteve-se o
que conhecemos como os Movimentos Feministas.
No Brasil, estes movimentos se evidenciaram também com a marcação pelo
direito ao voto4. Em 1932, o Presidente Getúlio Vargas determinou por lei que todo
cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, poderia votar. Ainda assim, este feitio
não era igualitário entre homens e mulheres, tendo em vista que, como aponta Medeiros
e Chaves (2017), as mulheres poderiam votar se como viúvas e solteiras tivessem
determinada renda quantia econômica, e se divorciadas ou casadas, somente com
autorização do marido. Naquele período, poucas mulheres votavam e, posteriormente a
1946, o voto passa a ser obrigatório.
É certo que estes movimentos se iniciaram, principalmente, por conta de uma
condição histórica de desigualdade e, muitas vezes, de opressão na relação com os
homens, sendo traduzido na naturalização da subalternidade das mulheres em relação aos
homens, os quais encontravam respaldo numa cultura preponderantemente machista da
época.
Essa trajetória sócio-histórica foi fundamental para a conquista, nos dias atuais,
de inúmeros direitos favoráveis às mulheres. Entre os anos de 1975 e 1979, muitas
mulheres no Brasil se organizaram em grupos e associações na busca de um diálogo a fim
de atender às suas demandas. As principais articulações ocorreram com os sindicatos e as
universidades. A partir disso, organizaram-se manifestações, congressos e debates que
tiveram significativo espaço na sociedade, entre políticos e mídia, dando notoriedade às
reivindicações (Pitanguy, 2002).
A este período, designou-se uma dimensão política à questão da opressão
feminina, da maneira como propunha o feminismo nos anos 1960 e 1970: “o pessoal é

4
A paulistana Bertha Lutz, influenciada pelos movimentos do sufrágio feminino da Inglaterra, ao regressar
da Europa ao Brasil, foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, organização
que fez campanha pública pelo voto. Em 1927, submeteu abaixo-assinado ao Senado, pedindo a aprovação
de projeto de lei que que dava o direito de voto às mulheres (Pinto, 2010).
18

político”. Esta foi uma das chamadas de maior relevância deste movimento de mulheres.
(Martins, Cerqueira & Matos, 2015).
Diversos tratados e convenções começaram a ser aprovados pelas entidades
internacionais de direito e, com isso, sendo incorporados ao processo de
internacionalização dos direitos humanos. O movimento feminista conquistou pautas de
reivindicação, bem como marcou presença pública. Ele trouxe para debate questões como
a restauração da democracia e a crítica de que o Estado transgredia os direitos humanos
(Silva, 2017). Nesta perspectiva, no Brasil, as integrantes do movimento atuavam de
forma a afirmar constantemente sua conexão direta com os direitos humanos.
Além de falar na discriminação contra as mulheres, debatia-se também a violência contra
as mulheres como problema social e político. Os movimentos delatavam a discriminação
baseada no gênero e inscrita nas leis, a negligência destas e o descaso policial no registro
de ocorrências de violência doméstica ou sexual. Além disso, denunciavam um trabalho
discriminatório da justiça criminal, com decisões que absolviam homens que agrediam
suas parceiras, legitimando o comportamento masculino (Pessoa, Pessoa & Marques,
2018).
A política de até então deixou impune muitos assassinatos de mulheres sob a
justificativa de legítima defesa da honra. Como exemplo, tem-se o assassinato brutal de
Ângela Maria Fernandes Diniz pelo ex-marido, Raul Fernando de Amaral Street (Doca).
O mesmo não se conformava com o rompimento da relação e acabou por disparar com
um revólver contra o rosto e o crânio de Ângela. O caso foi a julgamento e Doca foi
absolvido com o argumento de haver matado em “legítima defesa da honra”. A imensa
repercussão deste caso na mídia ocasionou numa movimentação de mulheres em torno do
lema: “quem ama não mata”.
Neste sentido, o movimento feminista lutava pelas políticas públicas para
enfrentar a violência contra as mulheres, principalmente para pôr fim a impunidade, o que
fomentou a criação das delegacias de defesa da mulher, possibilitando maior visibilidade
ao problema.
Em 1985, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM),
primeiro órgão no Brasil a tratar exclusivamente do direito das mulheres, tendo um papel
importante na elaboração da constituição Federal de 1988 (Silva, 2017).
A partir os diálogos dos movimentos feministas com o Estado surgiram ações
institucionais de prevenção e punição da violência praticada contra as mulheres. Nesta
perspectiva, ocorre a criação de uma delegacia especializada nesse atendimento e, em
19

1985, é inaugurada a primeira Delegacia de Defesa da Mulher pelo decreto 23.769 de 6


de dezembro de 1985, sendo uma experiência precursora que ainda hoje é considerada
uma das primeiras entradas das mulheres na busca de solução para o problema de
violência (Silva, 2017).
Como essas delegacias compõem a estrutura da Polícia Civil e são encarregadas
de realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal das
questões criminais experenciadas pelas mulheres (Martins et al., 2015), tem-se então um
espaço representante no qual inicia o percurso de judicializar questões do privado da vida
das mulheres, apresentando o fenômeno da violência contra as mulheres de uma questão
exclusivamente moral rumo a sua criminalização por meio de leis, o que se efetivará nos
anos posteriores. O aparecimento das DEAMs é resultado das lutas que os movimentos
sociais realizaram, das pressões exercidas nos governos e as influências de organizações
internacionais e vários tratados que exigiam soluções para a questão da violência contra
as mulheres (Silva, 2017).
A situação de existir um órgão que buscasse registrar e investigar esse tipo de
crime não era garantia de que houvesse uma diminuição de episódios de violência. Com
isso, de 1985 a 2002 a criação de políticas públicas no enfrentamento dessa violência
centrava-se exclusivamente nas delegacias especializadas. Com a criação da Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) em 2003 houve alteração neste padrão
(SPM, 2011).
A criação da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM) foi
significativa para a construção de uma rede de atendimento às mulheres em situação de
violência, pois foram garantidos recursos para a criação de serviços e para a
implementação de políticas públicas integradas de enfrentamento. Já em 2003, iniciou-se
a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, que lança diretrizes
para uma atuação coordenada dos organismos governamentais bem como atuação no
combate, prevenção, assistência e garantia de direitos (SPM, 2011). Das ações de diversos
movimentos sociais e governamentais, também se obteve a conhecida lei Maria da Penha,
Lei 11.340/06, que abriu um campo de atuação tanto para a criminalização de violação
contra as mulheres, como também inferências sobre ações de trabalho com homens
autores de violência. Homens estes que por vezes, tomaram a violência como forma de
relação no âmbito doméstico.
Também em 2007, outro marco importante nas políticas públicas de
enfrentamento da violência contra a mulher foi com o Pacto Nacional pelo Enfrentamento
20

à Violência contra as Mulheres que implicou num acordo federativo entre o governo
federal, os governos dos Estados e dos municípios para o planejamento de ações que
visassem à consolidação de políticas públicas integradas em todo o território nacional
(Brasil, 2011). Estas propostas enfatizaram a relevância de se trabalhar com homens
autores de violência contra as mulheres.
Cabe pontuar que a violência contra a mulher:
a) É um fenômeno que resulta de uma construção histórica a partir
de uma estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia
e suas relações de poder (Pinafi, 2007).
b) Coloca em pauta aquilo que seria exclusivo do privado, das
questões de privacidade familiar para a esfera do serviço público.
c) Está contida na violência de gênero que pode ser identificada em
diferentes espaços, mas, é a violência contra as mulheres no âmbito
doméstico perpetrada por seus companheiros ou respectivos ex’s a sua
forma mais comum; e
d) É um fenômeno que infringe os direitos humanos e ocorre em
escala mundial, independente da classe social e de dimensões como raça
ou etnia, religião, idade ou até mesmo grau de escolaridade (OMS,
2002).
Nesta dissertação, pontua-se que somente a criminalização de homens autores de
violência contra as mulheres por si só não modifica a condição do fenômeno, tendo em
vista que o mesmo envolve atitudes e ações também políticas, sociais, culturais, religiosas
além de outros atravessamentos que inferem na manifestação deste fenômeno.
O interesse por esse tema é fruto de uma experiência de 7 anos com mulheres
vítimas de violência doméstica na SOS Mulher, nas cidades de Taubaté e São José dos
Campos. Durante esse trabalho, eu realizava atendimento psicológico individual e em
grupo com as mulheres.
Naquela instituição, havia equipe multidisciplinar composta por advogados,
sociólogos e assistentes sociais. Profissionais com os quais aprendi em termos de políticas
públicas, leis e encaminhamentos na rede intersetorial, uma vez que durante a minha
formação em Psicologia não tinha tido contato com estes temas.
Minha atuação na SOS Mulher se iniciou em 2003 e terminou em 2010, período
significativo, tendo em vista as implementações de políticas públicas no que tange as
medidas de enfrentamento da situação de violência contra a mulher, sendo o advento da
Lei Maria da Penha em 2006 um marco no contexto brasileiro.
21

Num determinado momento dessa jornada, comecei a me questionar sobre a


efetividade do trabalho com as mulheres em situação de violência doméstica, uma vez
que a atenção se direcionava a elas, enquanto a outra parte, aonde estava? Ainda assim, a
condição da mulher como vítima ficava evidente a todo momento, sendo retroalimentada
pela equipe de profissionais. Comecei a visualizar a pouca efetividade no trabalho, já que,
de certa forma, os profissionais também estávamos presos a esta condição de vítima das
mulheres atendidas.
Enquanto psicóloga e mulher, acaba de certa forma, influenciando-me pelos
relatos tanto das mulheres atendidas como das colegas de equipe e adquirindo um certo
distanciamento, até repúdio dos homens autores da agressão, estigmatizando-os na figura
do malfeitor.
Numa conversa rotineira, com uma amiga da época de graduação sobre o meu
trabalho com as mulheres, ela me contou da existência de programas com os homens
autores de agressão. Aquilo soou como um despertar, no sentido de algo revelador.
Comecei a partir daquela conversa, surgiu o seguinte questionamento: “quem seriam
esses homens? É possível um trabalho mais efetivo na questão da violência, incluindo os
homens?”. O sentimento que despontou em mim foi de esperança.
Nas conversas com os profissionais tanto da instituição como da rede, fui
perguntando se conheciam este tipo de serviço. Quase todos responderam negativamente.
Ainda assim, nas conversas com a equipe, comecei a trazer para novas discussões o
assunto do trabalho com os homens autores de agressão e havia claramente a resistência
dos colegas em discutirem e pensarem sobre o assunto.

2.2 O advento da Lei Maria da Penha

A seguir, serão explanados os fatores decisivos para mobilizar as


autoridades competentes do governo e as pautas dos movimentos sociais e possibilitar
a criação da lei Maria da Penha. No decorrer, será apresentada de forma breve a lei,
salientando as mudanças e ampliação nos serviços para o enfrentamento a violência
contra a mulher.
A lutas dos movimentos feministas enfatizadas por mobilizações nos anos
de 1970, mobilizaram governos em várias esferas do poder e permitiram conquistas no
cenário político brasileiro, como a criação das Secretarias de Políticas para as Mulheres
e uma Política Nacional de Enfrentamento. Neste panorama, até então, não conferia a
22

garantia de um Estado que promovesse de fato a defesa dos direitos da mulher em


situação de violência. Isso ficou evidenciado no caso de violência de uma mulher, Maria
da Penha Fernandes5, que após ter sofrido tentativas de homicídio do marido na época,
recorreu à Organização dos Estados Americanos (OEA), tendo em vista a impunidade e
morosidade da resposta judicial brasileira.
Em 2001, a mesma obteve a condenação do Estado brasileiro por omissão e
negligência no enfrentamento à violência conjugal. Na ocasião, a OEA recomendou que
medidas de enfrentamento fossem tomadas Estado brasileiro para coibir as agressões
domésticas contra a mulheres (Martins, Cerqueira & Matos, 2015).
Frente ao ocorrido e já no rastro das reivindicações do movimento feminista,
surge em 2006 a lei 11.340, lei Maria da Penha6.
A Lei Maria da Penha representa um marco importante, sendo um relevante
avanço legislativo, uma vez que reconhece a violência contra as mulheres como violação
dos direitos humanos. Possibilitou diversas ações, como a constituição de grupos
específicos no sistema judiciário e a caracterização de crimes contra as mulheres,
respaldando-se na relação de gênero desigual. Anteriormente à referida lei, a conciliação
demarcava o fato jurídico e se desconsiderava o posicionamento das mulheres como
sujeitos de direito. A lei possibilitou retirar do judiciário o olhar de que problemas com
essa violência no contexto doméstico era algo individual e privado, proveniente de um
conflito familiar (Silva, 2017).
Até então, não se vislumbrava este tipo de violência com a devida gravidade
que apresentava. Com medidas ineficazes a partir da ideia de que se configurava crime
de menor potencial ofensivo, os serviços disponibilizados pelo sistema judiciário
mostravam-se gradualmente ineficazes e incapazes de compreender a complexidade da
violência doméstica.
A ideia de criar instâncias informais de conciliação agregavam os chamados
Juizados Especiais Cíveis e Criminais, tidos para julgar crimes de menor potencial
ofensivo, cuja pena não poderia ultrapassar dois anos de reclusão. Com isso, grande parte

5
Maria da Penha Maia Fernandes é cearence, farmacêutica, mãe. Lutou internacionalmente em diversas
esferas para que seu ex-marido viesse a ser condenado por tê-la deixado paraplégica ao tentar matá-la por
duas vezes. No ano de 1983, seu marido, um economista e professor universitário, simulou um assalto, e
atirou com arma de fogo contra ela e, na segunda vez, tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho.
6
Os documentos provenientes das conferências internacionais sobre direitos das mulheres, como a
Conferência de Viena (1993) e Beijing (1995), a Convenção de Belém do Pará (1994) e outros instrumentos
jurídicos internacionais serviram de base para a elaboração do Projeto de Lei 4.559/04 e, mais tarde, da Lei
11.340/06 (Martins, Cerqueira & Matos 2015).
23

destes crimes que entravam para procedimento conciliatório não se transformava em


processo penal. O incentivo para a não representação era uma maneira de retirar o caráter
definitivamente criminoso das violações que ocorriam, principalmente a violência
conjugal (Silva, 2017).
Anteriormente, as penas alternativas previstas na lei 9.099/1995 eram vistas
como pouco efetivas, sendo interpretadas como mecanismos de impunidade e banalização
da violência sofrida pelas mulheres. Estas referiam-se às penas pecuniárias aos
agressores, como pagamentos de cestas básicas. A forma de se conduzir a violência no
âmbito doméstico era encarada pelos agentes do judiciário como algo de caráter social.
Neste sentido, os acusados não seriam propriamente criminosos (Silva, 2017).
A Lei 11.340/06 trouxe clareza na conceituação da violência doméstica e familiar
com o estabelecimento de medidas específicas para enfrentá-la:
São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre
outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua
integridade ou saúde corporal;
II- a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe
cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a
constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a
induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV- a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que


configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
24

objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores


e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;
V- a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria”. (BRASIL, 2006)
O conceito englobante de violência presente na lei é resultado do amadurecimento
de discussões sobre a natureza complexa das agressões oriundas dos contextos de
familiaridade, intimidade e afetividade. Também indica o desafio do Estado para tornar
efetivo o novo mecanismo legal, haja vista a necessidade de se atualizar os sistemas de
justiça, de atendimento psicossocial e de saúde para receber e tratar de modo adequado
os casos de violação desses direitos (Martins, Cerqueira & Matos, 2015).
Lei Maria da Penha reafirmou os serviços existentes e previu a criação
de novos, o que resultou nos seguintes serviços especializados: i) casas
abrigo; ii) delegacias especializadas; iii) núcleos de defensoria pública
especializados; iv) serviços de saúde especializados; vi) centros
especializados da mulher; vii) Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher; viii) promotorias públicas especializadas ou
núcleos de gênero do Ministério Público (Martins, Cerqueira & Matos,
2015, p.8)
Essa lei abriu caminhos para se pensar o fenômeno da violência doméstica
envolvendo os autores da agressão a partir da oficialização dos serviços de reeducação e
ressocialização para os autores de agressão. Isso foi contemplados nos artigos 35 e 45,
instituindo um trabalho de cunho psicossocial a partir da inserção dos profissionais da
psicologia, serviço social e sociologia, aliados ao judiciário para compor a rede de
enfrentamento a violência contra as mulheres numa proposta diferenciada.
Dentre as possibilidades trazidas pela lei Maria da Penha, o trabalho em grupo
com os homens de forma a promover discussões para que os mesmos possam refletir
sobre o ato de violência, abriu caminhos para uma atuação mais efetiva.
As varas e juizados de violência doméstica e violência contra as mulheres
representam um avanço no tratamento sociojurídico do segmento em questão, uma vez
que partem do reconhecimento da existência de um tipo específico de crime entre sujeitos
que mantêm relação de afetividade, conjugalidade ou habitação. O trabalho nesta área é
composto por uma equipe multidisciplinar das áreas: psicossocial, jurídica e da saúde.
(Martins, Cerqueira & Matos, 2015).
Neste sentido, as referidas instâncias descortinam situações oriundas do universo
25

doméstico a partir da constatação de que no seio familiar também está presente um tipo
específico de violência. Isso fez com que se oficializasse essa existência de crime, além
de proporcionar respaldo sócio-jurídico para o fenômeno a partir da criação de serviços
direcionados para as famílias.
O Estado brasileiro está incorporando gradativamente as adequações solicitadas
na lei, seja no sistema judiciário, na área psicossocial e da saúde. Para responder a essas
modificações, os profissionais que compõe o trabalho multidisciplinar do enfrentamento
à violência contra as mulheres também se deparam com novas formas de atuar.
As mudanças estruturais pretendidas com a lei objetivam uma série de proteções e
garantias que permitam a preservação da integridade física, moral e patrimonial destas
nas suas relações privadas e íntimas (Martins et al 2015).
Além de políticas públicas integradas, o trabalho no enfrentamento à violência
contra as mulheres demanda a atuação conjunta de diversos profissionais das várias
ciências contempladas na multidisciplinariedade para compreensão do fenômeno. A
capacitação multidisciplinar e a sensibilização dos profissionais que atuam com a
temática torna-se crucial para o alcance de uma intervenção eficiente (Rocha, 2018).
Dentre os profissionais, encontram-se os operadores do direito, da área
psicossocial (psicólogos, assistentes sociais) e da saúde. O trabalho na rede de prevenção
e enfrentamento à violência doméstica demanda a atuação interdisciplinar, na qual as
diferentes áreas estejam em constante contato para trocas e os devidos encaminhamentos.
Com a lei, deixam de existir as penas pecuniárias aos agressores, como o
pagamento de cestas básicas. Esta contempla medidas aplicadas ao homem autor de
agressão:
Artigo 35- A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios
poderão criar e promover, no limite das respectivas competências: V -
centros de educação e de reabilitação para os agressores. [...]

Artigo 45 Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz


poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a
programas de recuperação e reeducação. (Brasil, 2006)
Até então, a violência conjugal era tratada a partir da lei 9.099/95 e as insatisfações
ligadas a aplicação da mesma eram inúmeras. Dentre as reclamações, criticava-se o fato
de os casos de violência doméstica estarem no grupo de “crimes de menor potencial
ofensivo”. Os pontos mais vulneráveis referiam-se à forma como medidas
26

despenalizadoras vinham sendo aplicadas pelo judiciário.


Os relatos de insatisfação envolviam, por exemplo, mulheres que não eram
devidamente ouvidas em audiências, mulheres que de certa forma sentiam-se coagidas a
aceitar acordos conduzidos, muitas vezes, em termos de “conciliação” com o agressor, o
que se tornou emblemático, transações penais com o ministério público nas quais este,
em troca do fim do processo, exigia do agressor o pagamento de cestas básicas a
instituições de caridade (Machado, 2013).
Tal medida com os homens pode ser considerada inovadora dentre as medidas
aplicadas, pois até então a mulher se fazia protagonista na trama da violência conjugal. A
mesma se destacava na condição de vítima. Já o homem, autor da agressão, era e ainda
continua sendo visto com um certo distanciamento por muitos profissionais da área
jurídica e psicossocial, cristalizando-o na condição de malfeitor.
Isso implica ir além da criminalização e trabalhar o fenômeno por um outro viés.
A responsabilização do homem autor de violência pode ser realizada através de grupos
reflexivos ou psicoeducativos realizados por psicólogos e outros profissionais que passem
pelo processo de capacitação.
Os atos de violência precisam ser coibidos e reprimidos, sendo necessário a
aplicação da lei de modo firme. No entanto, as relações também demandam ser tratadas,
através do recrutamento de saberes multidisciplinares, fomentadores de uma
contaminação transversal e positiva, que possibilite o despertar de novas masculinidades,
comprometidas com a expressão do feminino e que não tenham em seu formato subjugar
ou mesmo ver esse avanço de expressão e ocupação de espaços como possível ameaça
(Pessoa, Pessoa & Marques, 2018).
Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o
comparecimento obrigatório do autor de violência a programas de recuperação e
educação.
O cenário brasileiro contabilizou em mapeamento realizados nos anos de 2014 e
2015 um total de 41 programas de grupos com homens autores de violência. A
consolidação dos grupos se dá através de um programa estruturado e composto por uma
equipe de profissionais capacitados para a realização dos grupos em parceria com a vara
e instituições judiciárias locais (Beiras, Nascimento & Incroccia, 2019).
Aos profissionais que trabalham nos referidos grupos, faz-se necessário uma
formação continuada no que se refere ao manejo de grupos dessa natureza, ou seja,
homens que praticaram atos de violência contra suas parceiras e que estão à revelia num
27

primeiro momento, além de um conhecimento das teorias que embasam a realização dos
mesmos, como os estudos de gênero. Neste sentido, os profissionais necessitam estar
embasados teoricamente sobre as temáticas que são trabalhadas nos encontros como
preconceitos, homofobia, o papel de homem nos diferentes contextos culturais, por
exemplo como é o papel social do homem em países orientais, de tradição mulçumana.
Além das técnicas utilizadas; como o devido tempo para cada integrante falar em grupo,
a postura enquanto facilitador a fim de não se tornar um trabalho num tom de uma palestra
ou de caráter incisivo, e sim encontros de cunho reflexivo. Frente a isso, evidencia-se um
trabalho que exige a devida capacitação do facilitador.
A violência contra a mulher é um fenômeno que resulta de uma construção
histórica a partir de uma estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia
e suas relações de poder (Pinafi, 2006).
Está contida na violência de gênero que pode ser identificada em diferentes
espaços, mas, é a violência contra as mulheres no âmbito doméstico perpetrada por seus
companheiros sua forma mais comum. É um fenômeno que infringe os direitos humanos
e ocorre em escala mundial, independente da classe social e de dimensões como raça ou
etnia, religião, idade ou até mesmo grau de escolaridade (OMS, 2002).
Apresenta-se como um fenômeno que atravessou diferentes momentos sócio-
históricos, adquirindo relevância e visibilidade no final do século XX, trazendo à pauta
aquilo que seria exclusivo do privado, das questões de privacidade familiar para a esfera
do serviço público. Apesar deste tema não ser recente, o mesmo tornou-se caracterizado
como problema público há poucas décadas no Brasil e no mundo. A partir dos anos de
1970 que os direitos das mulheres a uma vida sem violência começaram a se estabelecer.
Entre os anos de 1975 e 1979, muitas mulheres no Brasil se organizaram em grupos e
associações na busca de um diálogo a fim de atender suas demandas. As principais
articulações ocorreram com os sindicatos e as universidades. A partir disso, organizaram-
se manifestações, congressos e debates que tiveram significativo espaço na sociedade, no
que tange políticos e mídia, dando notoriedade às suas reivindicações (Pitanguy, 2002).
Este período designou-se uma dimensão política à questão da opressão feminina
da maneira como propunha o feminismo nos anos 1960 e 1970: “o pessoal é político”.
Esta foi uma das chamadas de maior relevância deste movimento de mulheres (Martins,
Cerqueira & Matos, 2015).
Diversos tratados e convenções começaram a ser aprovados pelas entidades
internacionais de direito e com isso sendo incorporados ao processo de
28

internacionalização dos direitos humanos.


Neste setido, a Lei Maria da Penha consolidou uma luta que já vinha ocorrendo
há décadas no cenário brasileiro , principalmente com os movimentos feministas. Ela traz
uma atualização no sistema judiciário a fim de proceder no trato da violência contra as
mulheres.
Dentre as medidas contempladas encontra-se o trabalho com os homens autores
de violência, numa perspectiva também educativa, a entrada dos homens de forma para
se discutir as relações e a conscientização do ato violento.
Frente a isso, intervir com o homem significa também trabalhar com uma parte
importante do problema. O trabalho em grupo com os homens traz a possibilidade de uma
nova configuração para proceder na temática da violência contra as mulheres.

2.3 Iniciativas que fazem a diferença: o trabalho com homens autores de violência
A lei 11.340/06 criou mecanismos específicos de responsabilização e educação
para os homens autores de violência, com a possibilidade de o juiz decretar o
comparecimento obrigatório dos condenados nos centros de reeducação.
No caso dos projetos relacionados ao atendimento a homens autores de violência
contra a mulher, destaca-se como órgão que apoiou essas iniciativas a Secretaria Nacional
de Segurança Pública (Senasp) e o Departamento Penitenciário (De-pen) que buscavam
fomentar políticas de penas alternativas (Athala, Amado & Gaudioso, 2013).
Isso ocorreu em 2008, quando foi inaugurado o primeiro Serviço de Educação e
Responsabilização para Homens Autores de Violência contra a Mulher (SERH) em Nova
Iguaçu, Rio de Janeiro (Acosta & Bronz, 2014)
O programa SERH é formado por uma equipe de profissionais qualificados na
realização de grupos reflexivos que sejam capazes de enfrentar os desafios de trabalhar
gênero, masculinidades e violência com a população extremamente heterogênea
frequentadora desses grupos (Athalla, Amado & Gaudioso, 2013).
Cabe ressaltar que anteriormente à lei já ocorria o trabalho em grupo com os
homens agressores no Brasil, porém de forma um tanto isolada e sem visibilidade, dentre
estes tem-se o trabalaho desenvolvido SERH, supracitado. Esses grupos ocorriam a partir
de iniciativas de profissionais estudiosos e militantes da rede de enfrentamento a violência
contra as mulheres. A princípio eram estruturados num contexto informal de forma a
estabelecer alianças destes profissionais com o judiciário para divulgarem o trabalho de
grupo e construírem um fluxo de serviço para os devidos encaminhamentos.
29

Isso possibilitou um novo olhar e tratamento das políticas sociais e legislação,


considerando o fenômeno da violência doméstica como parte de uma complexidade
relacional e direcionando o tema para novas pautas de discussão (Granja & Medrado
2009).
Desvendar o universo da violência conjugal vai além da punição prevista em lei,
sendo necessário a instrumentalização de políticas públicas que incluam esse homem a
fim de buscar medidas mais efetivas no trabalho da violência praticada contra a mulher
(Rosa, Boing, Buchele, Oliveira & Coelho, 2008).
A intervenção no direcionamento de homens autores de violência para um serviço
de responsabilização, como os grupos reflexivos coloca em pauta a discussão de se
recorrer somente a punição. Não é ser contra o aspecto punitivo da lei, mas sim ser contra
a generalização da punição para todos os homens. O trabalho com os homens pode intervir
na redução de reincidências, atuando de forma preventiva. Isso conduz à necessidade da
implementação de ações preventivas e intervenções psicoeducativas às sanções jurídicas,
a fim de que os envolvidos em situações de violência sejam institucionalmente acolhidos
(Guimarães, 2015).
Nesse contexto, insere-se o trabalho dos grupos de reflexão e reeducação de
gênero com homens agressores. Estimativas revelam que a reincidência de agressões
contra a mulher chega a 75% em homens que não tiveram participação em ambientes de
reflexão. No entanto, quando esses espaços são disponibilizados, há uma grande mudança
no cenário, visto que as reincidências chegam a 4% (Zorzella & Celmer, 2016).
Desta forma o trabalho realizado com os homens pode revelar indicativos a longo
prazo de possíveis mudanças no panorama da violência contra as mulheres. O homem
que frequentou o grupo tende a não reincidir seja no mesmo relacionamento como em
futuras relações afetivas.
Para se tornar efetivo o serviço de grupo com os homens autores de violência entra
em cena a articulação dos profissionais da rede e de diferentes áreas, mas com um objetivo
em comum: o enfrentamento à violência contra a mulher. Dentre os profissionais que
compõem a rede destacam-se: juízes, promotores, assistentes sociais e psicólogos.
Os locais nos quais são sediados os encontros geralmente são cedidos por ógãos
do judiciário. No caso da presente pesquisa, um grupo realizado na cidade de Santo André
é realizado num prédio da defensoria pública localizado no centro da cidade. Refere-se a
uma contrução com um andar, a qual no piso superior possui diversas salas aonde são
realizadas as atividades previstas pelo projeto: em duas salas ocorrem simultaneamente
30

os dois grupos às quartas-feiras, um terceiro espaço é reservado para o intervalo e horário


do café, outras duas salas são utilizadas pelos profissionais para organização quanto ao
trabalho e reunião entre os mesmos. Os grupos são realizados no período da noite, uma
vez que não integra o horário de expediente local, bem como tende a não coincidir com o
período de trabalho dos participanntes do grupo.
Isso requer sair de um padrão engessado de pensar este tipo de violência, a vítima
como vítima e o homem na figura do algoz. Faz-se necessário ampliar o olhar para as
questões relacionais, sociais e de saúde, configurando-se um fenômeno de caráter
multidimensional, o qual exige uma leitura e modelos de intervenção complexos e
multidimensionais. Evidencia-se então, olhar a complexidade da violência conjugal como
um fenômeno que não se reduz a estratégias de segurança pública e punição, nem
exclusivamente a saúde ou assistência social; o que demanda pensar de forma
interdisciplinar e em diferentes frentes e iniciativas (Beiras, Nascimento & Incroccia,
2019).
A intervenção de profissionais capacitados com os perpetradores da violência
conjugal a partir de um trabalho de cunho educativo e reflexivo torna-se um elemento
central para a redução das agressões (Manita, 2008).
O trabalho com grupos de homens autores de violência propõe a ampliação das
estratégias de ação no enfrentamento a violência contra a mulher, sendo uma forma de
prevenir reincidências de agressão.
A naturalização do comportamento agressivo e dos modos violentos, que parecem
determinar a masculinidade, levam muitos homens a desconsiderarem os atos violentos
como tais os praticados em suas relações conjugais (Diniz, Lopes, Gesteira, Alves &
Gomes, 2003).
É possível dizer que no campo do direito se produz uma dupla naturalização, uma
vez que num primeiro momento quando há crime tem-se a obrigação de punir e, num
segundo momento, a pena tem que infligir sofrimento no autor, tendo a prisão assumido
o lugar dominante neste sistema há mais de dois séculos. Tal crítica não quer dizer
descartar que as condutas de violência sejam criminalizadas, mas apenas levar a uma
reflexão sobre a opção de criminalização das condutas, a qual não é a única possível,
ainda que a violência contra a mulher seja uma violação grave a um direito (Machado,
2013). Ainda assim, frente à complexidade da violência doméstica, a punição pode ser
encarada como uma proposta simplista.
A instituição judiciária é um órgão normativo e tem como objetivo julgar e aplicar
31

a lei. A justiça pode influenciar políticas internas e externas as quais insiram questões de
respeito e valorização da mulher, o que abre espaço para o trabalho com os homens
(Granjeiro, 2012).
Este quadro proporciona um espaço para a atuação do psicólogo, atuando de forma
conjugada com o judiciário. A ciência Psicologia traz subsídios para uma intervenção
efetiva nesta área através de técnicas como dinâmicas e o próprio preparo do profissional
no que tange uma escuta diferenciada, possibilitando a sensibilização, reflexão e uma
possível mudança subjetiva nos homens autores de violência.
Ainda assim, quando se pensa nesta atuação conjugada da Psicologia e do
judiciário, no caso o trabalho com os homens, surgem questionamentos em como
proceder, se seria possível a Psicologia adentrar no território jurídico. O último configura-
se com instituições e aspectos mais demarcados em relação à Psicologia, a qual se
apresenta de forma mais flexível, voltando-se para o campo da subjetividade e com isso
propor outros métodos de trabalho (Cordeiro, 2014).
As relações domésticas permeadas pela violência são um problema social e não
serão resolvidos somente com a lei (Beiras, Moraes, Rodrigues & Cantera, 2012).

2.3.1 O trabalho em grupo com os homens


Este subcapítulo irá trabalhar em dois segmentos: num primeiro momento,
explanar-se-á um breve histórico acerca da emergência do trabalho com homens autores
de violência no que tange países precursores e sua adesão no contexto brasileiro
anteriormente à instituição da lei Maria da Penha. Num outro momento, irá traçar um
panorama sucinto dos programas destinados a realização dos grupos com homens autores
de agressão no Brasil a partir da descrição de alguns programas já realizados.
As primeiras intervenções voltadas para homens autores de violência iniciaram-
se no final da década de setenta, na América do Norte. O primeiro programa foi o
Counseling and Education to Stop Domestic Violence (EMERGE), surgido em 1977, com
uma concepção feminista, nos Estados Unidos. Outro programa de referência
Internacional é o chamado modelo Domestic Abuse Education Program (DULUTH),
implantado em Minnesota (EUA), que trouxe como base conceitual a linha cognitivo-
comportamental (Beiras, Nascimento &Incroccia, 2019).
Na América Latina, as intervenções iniciaram no México na década de 1990 e se
expandiram para outros países, tais como Peru, Argentina, Brasil, bem como para a
América Central, Honduras e Nicarágua (Guimarães, 2015).
32

Já na Europa, o programa UK Membership Association for Domestic Violence


Perpetrator Programmes and Associated Support Services (RESPECT) promove ações
integradas com os serviços de atendimento às mulheres, além do programa Work with
Perpetrators of Domestic Violence in Europe (DAPHNE), que, desde 2006, provê uma
ampla base de informações sobre as intervenções com homens na Comunidade Européia.
Esses programas têm em comum o objetivo primeiro de garantir maior segurança às
mulheres, partilhando de uma base conceitual pró-feminista (Veloso & Natividade,
2013).
No contexto brasileiro, o processo de inserção dos homens na rede de atendimento
já vinha se efetivando anteriormente à lei Maria da Penha. Isso foi descrito no
mapeamento realizado por Beiras (2014) quando o mesmo citou o grupo realizado pelo
instituto NOOS no Rio de Janeiro.
Em 1998, iniciou-se no Rio de Janeiro um trabalho a partir da formação de um
grupo de homens, composto majoritariamente por psicólogos, convidados a participar de
uma pesquisa intitulada Homens, Saúde e Vida Cotidiana, coordenada por uma equipe
composta por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal do Rio de Janeiro na
sede do Instituto Noos. A pesquisa requeria que o grupo se submetesse a um processo de
reflexão pessoal acerca de sua identidade de gênero. Ao final deste processo, o grupo
manifestou interesse em aprofundar os estudos sobre o tema da violência provocada por
homens e formou uma equipe no Instituto Noos intitulada “Núcleo de gênero, saúde e
cidadania”, coordenado por Fernando Acosta. Em 1999, este núcleo realizou os dois
primeiros grupos com homens. Um deles constituído por policiais militares do 9°
Batalhão do Município do Rio de Janeiro, que estavam detidos no quartel por terem
cometido uma série de delitos. O outro foi realizado nas instalações do Conselho Estadual
dos Direitos das Mulheres (CEDIM), à época ligado ao Gabinete do Governador do
Estado do Rio de Janeiro, com homens encaminhados sobretudo pelo Centro Integrado
de Atendimento à Mulher (CIAM). Estas experiências foram precursoras e prepararam a
equipe para uma segunda etapa que seria o estabelecimento de um convênio com o
Ministério da Justiça para a execução de um projeto que associaria os grupos com homens
à aplicação de penas alternativas. Isto se relacionava à Lei nº 9.099, de 1995, que instituiu
os Juizados Especiais Criminais (JECrims), locais onde as situações de violência nas
relações eram julgadas de forma mais célere (Beiras & Bronz, 2016).
A organização não-governamental Zuzu Angel também foi precursora no trabalho
com grupo de homens no projeto Grupo Reflexivo, surgido em 1999. A princípio, houve
33

uma parceria com a Ong NOOS e o CEOM para montar o projeto piloto de atendimento
em grupo a homens autores de violência doméstica contra mulheres. Após este passo, a
equipe do CEOM elaborou uma metodologia através de um grupo de trabalho formado
por assistentes sociais e psicólogos. Duas participantes deste grupo foram designadas para
integrar uma equipe recém- criada, com o objetivo de enfrentar no judiciário a questão da
violência doméstica. Na ocasião, não existia nenhum trabalho como este e foi um grande
desafio abordar um tema tão polêmico. Então, em 2002, iniciou-se, com metodologia
própria, o desenvolvimento do grupo coordenado pelas duas assistentes sociais oriundas
da equipe do CEOM. Com o passar dos anos, com o aumento da equipe técnica e com
acúmulo de experiência, a referida metodologia foi sendo aprimorada, uma vez que está
em contínua construção, atendendo ao público Essas reuniões perduram até os dias atuais,
sendo realizadas semanalmente durante duas horas, com limite de até quinze participantes
e coordenados por dois ou três facilitadores. O desenvolvimento da referida metodologia,
durante a realização dos encontros, não segue um padrão rígido, cada dupla ou trio de
profissionais elege as ferramentas técnicas que avalia mais adequadas para atingir o
objetivo de cada reunião.
Em 2006, enquanto no contexto brasileiro ocorria a promulgação da Lei Maria da
Penha, era publicado um relatório da Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas
(ONU) sobre violência contra a mulher apontando a atenção aos homens como uma das
práticas promissoras no enfrentamento dessa forma de violência (Guimarães, 2012).
Já em 2008, foi inaugurado o primeiro Serviço de Educação e Responsabilização
para homens autores de violência contra a Mulher (SERH) em Nova Iguaçu no Rio de
Janeiro. Esta foi a primeira iniciativa na esfera da política pública que colocou em prática
os artigos 35 e 45 da Lei Maria da Penha que prevê a criação de grupos de reflexão para
homens que foram enquadrados na lei (Acosta & Bronz, 2014).
No I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na cidade do Rio
de Janeiro, ocorrem grupos com homens autores de violência que contam com
profissionais da psicologia e do serviço social. Neste sentido, realizou-se uma pesquisa
qualitativa, na qual o foco direcionou-se a escutar o discurso dos sujeitos e identificar o
sentido atribuído aos atos violentos, partindo do que estes homens entendem por crime e
transgressão dentro dessa violência específica. Além disso, investigar as causas do
aparente não reconhecimento da Lei Maria da Penha por parte dos sujeitos processados
por mulheres de suas relações amorosas. No que tange aos relatos, a expectativa inicial
desses sujeitos era de que fosse decidido algo contra eles a qualquer momento. No
34

decorrer dos encontros, foi possível desconstruir essa ideia, além de sentirem-se mais
abertos para se expressarem. Com isso, ressaltaram que não cogitavam poder falar da
raiva que sentiam do judiciário sem sofrer retaliações. Relataram ficar surpresos pelo fato
dos profissionais os acolherem ao verbalizarem suas histórias de medo, dúvidas ou
desconhecimento. Pois, para alguns, o trabalho dos profissionais neste grupo seria de
testá-los e informar ao juiz suas condutas e possibilidade de reincidências. Com os
resultados obtidos, para alguns a vergonha de ser processado e o fato de ser advertido
pelo Estado foram suficientes para não repetirem as agressões. Para outros, a prisão foi o
limite necessário para se repensar novos lugares a ocupar nessas parcerias. Outro
segmento de homens permaneceu com um discurso no qual buscam por mulheres que
possam se adequar e entender sua maneira de ser (Cordeiro, 2014).
Outro grupo que também acontece é o programa “E Agora José?”, descrito por
Bombini (2017) como um grupo socioeducativo para homens responsabilizados pela lei
Maria da Penha. Iniciou-se em 22 de outubro de 2014 e se concretizou através de um
acordo de cooperação técnica para a execução do inciso V do Art. 35º da Lei Maria da
Penha entre a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Secretaria de Segurança Urbana
e Comunitária, ambas da Prefeitura de Santo André, com a Comarca de Santo André do
Tribunal de Justiça de São Paulo e com a Central de Penas e Medidas Alternativas de
Santo André da Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado de São
Paulo.
É notório que a instalação desses grupos depende da mobilização e articulação de
diferentes setores e políticas públicas. Como condições prévias para a efetuação dos
grupos, ocorre a necessidade da integração do programa na rede ampliada de
enfrentamento à violência contra as mulheres, de forma que esses programa de grupos
com os homens seja uma parte do sistema mais amplo de intervenção em prol do
enfrentamento à violência conjugal, devendo estar integrados e alinhados com as ações
de diferentes entidades, instituições e serviços da rede ampliada (Veloso & Natividade,
2013), Nesta perspectiva, tem-se uma prática de atuação que promove um campo aberto
para proposições e práticas a serem adotadas.
Num levantamento realizado entre 2015 e 2016 de programas para homens autores
de violência no Brasil, foram localizados 41 programas nas cinco regiões brasileiras
(Beiras, Nascimento & Incrocci, 2019).
De forma geral, o acesso dos homens é através da via judicial, apesar de não se
restringirem a ela, englobando também vínculos com órgãos não governamentais (Beiras,
35

Nascimento & Incrocci, 2019).


Cabe ressaltar que atualmente a denominação de centro reeducação e recuperação
aos agressores foi substituída por Serviços de Responsabilização e Educação dos
Agressores. Segundo diretrizes para implementação dos Serviços de Responsabilização e
Educação dos Agressores:
O Serviço de Responsabilização e Educação do Agressor é o
equipamento responsável pelo acompanhamento das penas e das
decisões proferidas pelo juízo competente no que tange aos agressores,
conforme previsto na Lei 11.340/2006 e na Lei de Execução Penal.
Esses deverão, portanto, ser necessariamente vinculados ao sistema de
justiça, entendido em sentido amplo (Poder Judiciário, Secretarias de
Justiça Estadual e/ou Municipal) (SPM & SEVM, 2008, p.1).
As diretrizes gerais para funcionamento do serviço de responsabilização e
educação do agressor são de responsabilidade da SPM e dos demais Ministérios
integrantes da Câmara Técnica do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a
Mulher. O financiamento dos serviços será realizado pelo Departamento Penitenciário
Nacional do Ministério da Justiça (diretrizes para implementação dos Serviços de
Responsabilização e Educação dos Agressores).
Identificou-se que o fenômeno da violência masculina contra as mulheres é
complexo e multidimensional e, deste modo, é abordado a partir de diferentes vertentes
teórico-explicativas. Entre os programas brasileiros, 89,5% revelaram o uso da
perspectiva de gênero com enfoque nas mulheres; 68,4% dos estudos de masculinidades;
68,4% dos direitos humanos; 47,4% do feminismo e da perspectiva psicoeducativa;
26,3% da perspectiva sistêmica, com perspectivas múltiplas; 10,5% da abordagem
psicanalítica; e 5,3% da clínica comportamental (Beiras, 2014).
Dentre esses, tem-se a experiência com um grupo inserido no programa de
atendimento ao homem autor de agressão, no Estado do Amazonas. Um grupo de
profissionais composto por psicólogos e assistentes sociais estruturou e aplicou uma
metodologia de intervenção a partir da psicologia histórico-cultural e da pedagogia
libertadora. A estratégia de convite dos homens para o serviço acontecia na vara
especializada durante o atendimento individual. Explicava-se que haveria uma atividade
em grupo e era dado um folheto com as informações sobre o local e horário de realização
do serviço. Nem todos compareciam para participar e os que participavam assinavam uma
frequência oferecida pela SEJUS, que era repassada para o juiz no final de todo o processo
36

a que estavam submetidos. O grupo com o qual se desenvolveu a metodologia foi


composto por cinco homens com idades entre 29 e 68 anos. Posteriormente, foram
realizados 16 atendimentos com o grupo de cinco homens autores de violência contra a
mulher. Os encontros eram realizados semanalmente e tinham duração de duas horas
cada.
Foram realizados, previamente ao trabalho em grupo, atendimentos individuais
feitos pela dupla de técnicos da equipe (psicologia e serviço social) em local reservado
com o objetivo de conhecer o homem e sua situação com sua companheira, possibilitando
que ele contasse sobre o ato que o levou a ser autuado pela Lei Maria da Penha, bem como
apresentar ao homem a proposta do trabalho.
Buscou-se construir uma metodologia que promovesse responsabilização e
educação do agressor na sua dimensão subjetiva, levando em consideração os aspectos
histórico-culturais das relações de gênero.
As transformações sociais pelo discurso foram expressas a partir das vivências
relatadas no que se referia às reflexões sobre as dificuldades do dia a dia como a falta de
dinheiro, doenças, conflitos e perdas vivenciadas. Trouxeram as pequenas conquistas no
cotidiano como a separação amigável, o reatar de relacionamento conjugal, a negociação
entre os ex-cônjuges sobre os cuidados para com o filho, o início de um novo namoro, o
cuidado com a aparência e com a saúde, a volta aos estudos, a obtenção de um emprego,
entre outras, e inseriam os participantes em um novo processo de construção (Silva et al
2015).
No Estado de Minas Gerais, ocorre um Grupo do Projeto Diálogos em Foco,
idealizado pela Juíza Bárbara Livio, em atuação na 2ª Vara Cível e Criminal da Comarca
de Januária/MG. Após a concepção, o serviço social foi convidado a sistematizar e
executar o referido projeto em parceria com o gabinete e a secretaria da referida unidade
judiciária. O projeto foi elaborado baseado em discussões e permuta de saberes entre o
serviço social e o direito, representados pelas assistentes sociais e pela juíza,
respectivamente. A possibilidade de troca de perspectivas diferentes enriqueceu o
processo de concepção do projeto e contribuiu para a superação de obstáculos graves,
como a ausência de servidores, em especial, psicólogos na comarca. Como base
conceitual, utilizou-se a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra
as Mulheres no Poder Judiciário e a prática pautada pela “Justiça Restaurativa”, associada
pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A proposta apresenta uma mudança de
perspectiva do Judiciário Mineiro na busca por estabelecer uma cultura de escuta, diálogo
37

e autocomposição na lida com questões conflituosas e controversas (Lívio, Souto &


Pereira, 2018).
A configuração de espaços para a reflexão dos emergentes papéis do masculino e
do feminino como uma política pública de atuação permanente corrobora para o
desenvolvimento de novas relações, mais éticas e humanizadas. Com efeito, a promoção
de intervenções de caráter formativo possibilita transformar mentalidades e construir
novas maneiras de comportamento nas relações afetivas, reduzindo as violações de
direitos na sociedade (Pessoa, Pessoa & Marques, 2018).
O trabalho em grupo com os homens salienta que a mudança de comportamento
dos mesmos implica em seu profundo envolvimento, sendo bem comum a forte
resistência no início do processo grupal. Entretanto, na maioria dos casos, esse sentimento
é revertido quando cada um percebe que participa de uma proposta de construção coletiva
de mudança (Atallah, Amado & Gaudioso, 2013).

2.3.2 Algumas considerações sobre o trabalho em grupos com os homens autores


de violência
No texto a seguir serão apresentadas discussões de alguns profissionais com
experiência nesta temática sobre a forma como os grupos são estruturados, bem como as
metodologias adotadas. Cabe ressaltar que a forma como esses serviços devem ser
organizados não está detalhados na lei.
É de fundamental importância para essa dissertação atentar à figura do facilitador
dos grupos e de suas atribuições. O termo “facilitador” foi cunhado com o intuito de
colocar o profissional que realiza grupos reflexivos em uma posição menos hierárquica
diante dos mesmos. Ele será um orientador do grupo, não será um professor nem um
pedagogo no sentido clássico dos termos, mas alguém capaz de promover debates, em
postura reflexiva, sobre questões que envolvam gênero e violência (Athalla, Amado &
Gaudioso, 2013).
Frente aos grupos desenvolvidos no contexto brasileiro como nos países da
América Latina e América do Norte, ainda existem questionamentos de qual seria o
melhor formato grupal, recebendo diversas denominações: terapêutico, reflexivo,
psicoeducativo, de reabilitação (Beiras & Cantera, 2014).
As bases etiológicas utilizadas pelos programas a fim de compreender o fenômeno
da violência conjugal também influenciam os efeitos e a eficácia dos grupos, uma vez que
as intervenções necessitam estar respaldadas em princípios éticos, ideológicos e políticos
38

coerentes, com o propósito de enfrentamento à violência contra as mulheres (Veloso &


Natividade, 2013).
Somente com uma base teórica clara é possível avançar no desenvolvimento de
uma metodologia eficaz e de atividades pertinentes para atingir os objetivos almejados.
Notamos que os grupos podem funcionar a partir de duas perspectivas que poderíamos
agrupar nos binômios punitivo-educativo e reflexivo-educativo. Quando a ênfase é
punitiva, algumas características prevalecerão sobre outras. Os homens em um grupo
reflexivo punitivo-educativo tenderão a ser mais passivos e observadores, o processo
educativo se dará por conteúdos mais fechados e previamente estabelecidos pela equipe
de atendimento. No caso reflexivo-educativo, os homens são convidados à participação
como sujeitos ativos do processo de construção da reflexão. Nesse caso, as reflexões se
darão pela criação de um espaço de liberdade de expressão e o processo de aprendizagem
se dará por participação ativa na criação de laços sociais que permitam a não violência
(Athalla, Amado & Gaudioso, 2013).
Em mapeamento realizado nos programas na América Latina e em Portugal, de
acordo com Toneli, Beiras e Ried (2017), verificou-se que, na grande maioria, estes
trabalham com módulos sucessivos de atividades que podem atingir até 2 anos
sequenciais, prevalecendo intervenções educativas e terapêuticas grupais. Com isso,
frente aos diferentes aportes teóricos metodológicos e a diversidade de formação dos
profissionais que trabalham com os homens, observou-se estratégias comuns que
possuem como ponto de partida o entendimento sobre o que é violência e que os sujeitos
possam se reconhecer como autores de ações violentas
A temática da violência é abordada a partir de diferentes práticas teóricas e
interpretativas. Alguns dos principais modelos de intervenção são: modelo
psicopatológico e distúrbios da personalidade, enfoque psicoeducativo pró-feminista,
enfoque cognitivo-comporta mental, enfoque construtivista-narrativista com perspectiva
de gênero (CNPG) (Ponce-Antezana, 2012).
Diante das diferentes denominações, os grupos se consolidam no contexto
brasileiro tendo como ponto convergente a questão da responsabilização destes homens
acerca suas ações violentas. Ainda assim, os profissionais necessitam estarem
devidamente embasados teoricamente. Quanto ao enfoque e atitudes no trabalho direto
com os homens autores de violência, este tipo de trabalho deverá apoiar-se na crença de
que as pessoas têm a capacidade de mudar, promovendo a responsabilização masculina
pelo ato cometido, e pelas consequências destes, bem como o reconhecimento do uso da
39

violência como uma escolha feita dentro de um leque de possibilidades pacíficas de


resolução de conflito (Veloso & Natividade, 2013).
Já em um outro programa que é desenvolvido na região metropolitana de São
Paulo, na cidade de Santo André, o grupo “E agora José?” é descrito por Bombini (2017)
como um grupo educativo, numa perspectiva feminista com abordagem
responsabilizante. Neste grupo, são desenvolvidas atividades educativas com o objetivo
de contribuir para que os homens possam ressignificar o seu papel no mundo, o que
representa ser homem e ser mulher nessa sociedade, contribuindo para o entendimento
das divergências existentes, bem como colaborar para que os mesmos ampliem o seu
repertório a fim de lidar com as adversidades de forma não violenta.
Estima-se que os serviços especializados no atendimento desses homens não se
tornem mais uma ferramenta de criminalização da situação de violência. Ir além e
promover um espaço também de escuta. Obviamente, não é a busca de um final
novelesco, feliz, mas da instauração da dúvida sobre as certezas que levaram ao
acontecimento violento e às medidas jurídico-legais generalizantes (Medrado & Méllo,
2008).
Dentre os trabalhos publicados com os grupos de homens, encontram-se estudos
que apontam o não reconhecimento do homem ao final do processo grupal enquanto autor
do ato violento. Entretanto, isso não significa que o trabalho em grupo não tenha sido
efetivo, mas não alcançou sua totalidade, como presumido na lei.
Os homens costumam reconhecer apenas os excessos em sua agressividade e não
qualificam sua agressão como um ato errôneo no exercício de corrigir o comportamento
do outro. É comum dizer que avisam a mulher sobre o desagrado de suas condutas e, não
sendo obedecidos, batem, atribuindo à mulher a responsabilidade pelo seu “descontrole”
(Lamoglia & Minayo, 2009). Neste sentido, o preparo subjetivo e teórico do profissional,
no que tange às expectativas de mudança nos homens é importante, uma vez que ao
compreender a complexidade e a multicausalidade do fenômeno, que engloba uma
construção sócio-histórica no que tange ser homem, a dinâmica relacional do casal, dentre
outros, acaba por prepará-lo melhor para uma atuação efetiva.
Assim como é esperado uma reflexão dos homens, torna-se também importante
uma reflexão por parte dos profissionais pois, desde tempos imemoriais, há registros,
relatos, pinturas ou textos sobre o assunto. Quais as particularidades dessa situação nos
dias de hoje? Existem? Na contrapartida, que práticas nossos olhares críticos e éticos nos
permitem apresentar? (Medrado & Méllo, 2008).
40

2.4 A Violência de gênero


Ao considerar os conceitos de violência, nos deparamos com diferentes contextos
e grupos de pessoas envolvidas no fenômeno. Frente a essas diferenciações, emerge um
tipo específico: a violência de gênero.
Para maior entendimento do que seja esse tipo de violência, faz-se necessário um
esclarecimento das teorias de gênero. Neste sentido, o presente capítulo, inicialmente, irá
trazer alguns teóricos e sua conceituações sobre o tema.
A fim de introduzir o tema de gênero, Fávero (2010) propõe ao leitor ultrapassar
o senso comum e a sustentação de uma idéia com a qual convive-se sem ter consciência.
Neste sentido, a autora promove uma discussão da forma como a sociedade, na sua grande
maioria, entende a naturalização dos gêneros, referindo-se a uma concepção simplista e
ao mesmo tempo perigosa, pois naturaliza até o que há de mais sério, como a violência
nas relações de gênero.
Na vida rotineira, as pessoas tomam o gênero como algo dado, no qual se
reconhece instantaneamente uma pessoa como homem ou mulher, menino ou menina. No
entanto, não se pode pensar em ser mulher ou ser homem como experiências fixadas pela
natureza, tampouco exclusivamente como uma imposição externa realizada por meio de
normas sociais (Connell & Pearse, 2017).
O que está errado com a definição do senso comum não é a exclusividade aos
corpos, nem a preocupação com a reprodução sexual, mas a tentativa de colocar a
complexidade biológica e sua adaptabilidade numa dicotomia inflexível, além da idéia de
que os padrões culturais apenas expressariam diferenças corporais (Connel & Pearse,
2017).
A masculinidade inserida no contexto de gênero representa um conjunto de
atributos, valores, funções e atitudes esperadas de um homem numa determinada cultura.
No que tange o feminino, tal conceituação ocorre nesse mesmo movimento (Njaine, Silva,
Rodrigues, Gomes & Delziovo, 2014).
Frente a essa determinação cultural, a temática de gênero apresenta um dualismo
que opõe homem e mulher, descrito por Fávero (2010), quando a mesma relata a
linguagem do dia a dia em falas como “mulher é assim, chora à toa!” ; ”a mulher tem
mais jeito para cuidar de crianças”; “o homem é melhor em exatas”. Ou seja, o feminino
está associado aos instintos naturais, enquanto no universo masculino tudo é racional,
referenciado pela sua capacidade pensante. A mulher seria só corpo e o homem, a mente.
O gênero deve ser compreendido como uma estrutura social e não como algo da
41

biologia, uma dicotomia imutável na vida ou no caráter humano. Refere-se a um padrão


de arranjos sociais, sendo as atividades do cotidiano formatadas por esse padrão (Connel
& Pearse, 2017).
Existe uma complexidade quando se pensa a questão de gênero arraigada em
crenças nas quais as pessoas já nascem com o gênero e isso as impedem de enxergar que
estão reproduzindo no seu cotidiano valores generificados sem nunca os questionar.
Nas sociedades contemporâneas, as mulheres realizam grande parte das tarefas
domésticas de limpeza, cozinha, costura, cuidado com as crianças e praticamente todo o
trabalho de cuidado com os bebês. Tais trabalhos são geralmente associados a uma
definição cultural das mulheres como pessoas cuidadosas e gentis, diligentes e sempre
prontas para se sacrificarem pelos outros (Connel & Pearse, 2017).
Numa concepção sócio-histórica, para a mulher ser considerada honrada, eram
primordiais duas condições: a sobriedade e a castidade, de forma que a honra estava
atrelada à sexualidade da mulher traduzida pelo controle que ela exercia sobre os impulsos
e desejos do próprio corpo no caso a mulher solteira. Já para a mulher casada, a fidelidade
ao marido e às normas sexuais do matrimônio (Fávero, 2010).
Observa-se que às mulheres, numa trajetória sócio-histórica, são reservadas uma
condição de passividade e cuidado com o outro, bem como pouca autonomia na expressão
de sua vida sexual.
Em contrapartida, Njaine et al (2014) relata que os meninos costumam ser
educados de maneira que reafirmem sua masculinidade em espaços considerados
masculinos, como pátios de escolas, clubes esportivos, bares, presídios, dentre outros.
No que tange a socialização masculina, esta dá ênfase ao papel pernicioso das
chamadas ideologias masculinas, cujo foco é a repressão das emoções potencialmente
associadas com a concepção de vulnerabilidade (Fávero, 2010).
Na construção dos modelos de masculinidade da sociedade brasileira impera nos
discursos masculinos as referências tradicionais do que é ser um homem - sinônimo de
agressividade e de descontrole sexual, o que acaba por produzir modelos de
comportamentos (Njaine et al, 2014).
Neste universo predomina a cultura de um papel social ativo e sem espaço para a
expressão das emoções, a qual é vista como vulnerabilidade. Ainda assim, a relação com
a vida sexual é bem diferente daquela destinada às mulheres. O homem é valorizado por
uma vida sexual desprendida e ativa.
A idéia de que os “papéis sexuais” são adquiridos pela socialização é tratado por
42

Connell e Pearse (2017) quando se referem aos “agentes de socialização”, como a família,
a escola, os grupos de convivência e a mídia de massas, os quais tomam nas mãos a
criança em desenvolvimento. Através das inúmeras interações, esses agentes transmitem
à menina ou ao menino as “normas “sociais ou expectativas de comportamento. Com isso,
modelos de socialização em papéis sexuais tem por normativo aquilo que é dominante.
A temática de gênero também está presente na interação rotineira. West e
Zimmerman (apud Connel & Pearse, 2017) analisam-na a partir das pessoas envolvidas
em condutas do cotidiano, seja num espectro que varia de conversas e trabalho doméstico
até estilos de interação e comportamento econômico, sendo cobradas no quesito de suas
“categorias sexuais” presumidas como homem ou mulher.
Nesta perspectiva, o gênero não trata apenas de fronteiras, mas também das
desigualdades instauradas na estrutura social. Exemplificando, a maioria das igrejas e
mesquitas é gerida exclusivamente por homens; a maioria da riqueza corporativa mundial
também está nas mãos de homens; nas mudanças e reformas nos locais de trabalho para
promoção de oportunidades igualitárias, alguns homens fazem recusa de submissão à
autoridade de uma mulher; da mesma forma, há categorias inteiras com piadas sobre
loiras, mulheres dirigindo e sogras – baseadas na suposta trivialidade e estupidez das
mulheres (Santos, 2019).
As colocações mostram que os moldes generificados aos quais homens e mulheres
incorporam fazem parte de um repertório que desde cedo ecoa na vida de meninos e
meninas, estruturando um padrão no qual as pessoas funcionam, seja nas atitudes, nos
valores, cuidado com o outro, nas relações de trabalho e familiar. Significados machistas
ainda permanecem em representações sociais de gênero e balizam práticas sexuais e
sociais (Fávero, 2010).
Ainda no que tange as expressões das emoções, reprimir emoções evidencia um
sinal de força e invulnerabilidade associadas a masculinidade. Nessa constância é
internalizada a ideologia de ser agressivo, destemido e invulnerável. A autora salienta o
processo de “doutrinamento” masculino que se inicia na infância e perdura durante a vida
adulta, seja no nível intra como interpessoal, sem haver uma análise consciente, pelos
próprios homens, dos seus efeitos danosos. Em resumo, apresentar-se como não
emocional é central para o aspecto mais masculino de ideologia da masculinidade: “o ser
forte e calado”, o estereótipo do ser invulnerável (Fávero, 2010).
A concepção de masculinidade equivale ao lugar da ação, da decisão e da posição
naturalizada de agente do poder da violência, do comando das guerras e das conquistas
43

(Njaine et al, 2014).


A subjetividade masculina refere-se à identificação com a racionalidade, que se
encontra corporificada exclusivamente na esfera pública e na qual os homens são
designados a assumir atitudes de independência e autossuficiência, sacrificando as
necessidades afetivas em nome da razão. Com isso, a tentativa de ser este homem
competitivo, racional, ambicioso, forte e independente reflete-se no mínimo distorcer
sensibilidades e escamotear emoções (Natividade, 2017).
De modo convergente, as pesquisas têm indicado a experiência estressante que
representa, para muitos homens, atender às solicitações sociais internalizadas para viver
de acordo com os padrões de masculinidade (Fávero, 2010).
Neste sentido, a subjetividade desta masculinidade tradicional é construída a partir
de códigos próprios para demonstrar força, poder e racionalidade e em nome desses
valores o afastamento de suas necessidades afetivas. Tal situação também demanda um
preço alto para a saúde física e emocional de muitos homens.
Ocorre uma tensão entre “ser macho” e “ser masculino”, que impulsiona os
homens a desenvolverem reações violentas contra outros homens, mulheres e contra si
mesmos. Ocorre um estresse em ter que exercer relações sociais pautadas no gênero no
que diz respeito às normas masculinas. Essa adesão à identidade masculina está associada
a elevados níveis de agressão, preconceito sexual, como por exemplo, a homofobia e à
alta incidência de violência contra às mulheres (Fávero, 2010).
Muitos homens são marcados por mitos que constroem uma masculinidade
hegemônica e apresentam dificuldade em questionar e refletir sobre essas doutrinas
sociais e seus discursos de masculinidades (Guimarães & Diniz, 2017).
A masculinidade hegemônica costuma ter como pontos centrais a dominação e a
heterossexualidade. Tal modelo tem como características: a força; o poder sobre os mais
fracos (sobre as mulheres ou sobre outros homens); atividade entendida como o contrário
de passividade, inclusive sexual; a potência; a resistência; a invulnerabilidade (Njaine et
al, 2014).
Este modelo de masculinidade hegemônica vem de encontro com o padrão do
“macho”, no qual reside valores extremistas, pautados em relações de poder e
desvalorização do outro. Ainda assim, carregando um discurso rígido e sem espaço para
a reflexão acerca das próprias atitudes no que tange a masculinidade.
A reflexão sobre algumas maneiras de viver a masculinidade e suas relações com
a cultura de violência é a proposta dos estudos de Njaine et al (2014). Os autores colocam
44

as formas hegemônicas de masculinidade, como a dominação, a força e a subordinação,


que se estabelecem nas relações homens-homens, mulheres-mulheres e homens-mulhres.
Com isso, consideram as formas explícitas, como a violência física, e outras mais
invisíveis, como a violência simbólica, entre outras violações de direitos nas relações
entre gêneros. Neste panorama, também se reconhece a violência contra os homens
praticada por mulheres e por outros homens.
A masculinidade hegemônica refere-se à legitimidade garantida que estabelece a
posição dominante dos homens. A hegemonia relaciona-se à dominância cultural e na
existência das relações de dominação ocorre também relação de subordinação entre os
grupos. A maior expressão dessa questão na construção da masculinidade ocidental
efetiva-se no estabelecimento da dominação heterossexual e da subordinação
homossexual. No entanto, apesar de poucos homens compartilharem desses padrões
hegemônicos, grande parte se beneficia deles (Natividade, 2017).

2.4.1 A atuação do profissional na violência de gênero


A temática violência de gênero e a atuação do psicólogo neste contexto mostra-se
um projeto de vanguarda, haja visto que estudos mais direcionados para essa questão
ainda se mostram recentes. O profissional psicólogo que vai adentrar este universo
depara-se com um fenômeno complexo, repleto de questionamentos e ainda sem
respostas. No decorrer deste texto, serão trazidos alguns estudos contemporâneos que
apresentam possíveis caminhos a serem olhados.
A violência de gênero refere-se a um tipo de violência física ou psicológica
exercida sobre qualquer pessoa ou grupo de pessoas sob a base do seu sexo e gênero que
impacta de maneira negativa em sua identidade e bem-estar social, físico ou psicológico.
A mesma evidencia estigmas, estereótipos e preconceitos em relações assimétricas de
gênero. É reconhecida como um dos mais graves abusos aos direitos humanos. Além
disso, envolve relações de gênero que qualificam as vítimas simplesmente pelo fato de
serem mulheres, homossexuais e transgêneros numa sociedade que subordina essa
condição (Barufaldi et al, 2017).
A violência conjugal baseia-se em relações desiguais de gênero, mas também se
perpetra por complexas articulações afetivas e de sentidos feitas entre as pessoas e em
suas dificuldades de desenvolver a dimensão ético-relacional que favoreceria a
convivência ou pelo menos a negociação as discussões de relacionamento (Silva et al,
2015).
45

Num primeiro momento, é relevante o profissional conhecer as questões


relacionadas ao gênero e sua relação com os tipos mais comuns de violência (Njaine et al
2014). Ampliar a compreensão da violência, não se restringindo somente a uma visão
intrapsíquica, mas incluindo a dinâmica relacional e os aspectos sociais (Guimarães &
Diniz, 2017).
Já a violência doméstica contra as mulheres baseada no gênero inaugura novos
discursos sobre relações de intimidade, sobre as maneiras de violência sofrida pelas
mulheres em relacionamentos abusivos e, sobretudo, novas oportunidades de tratamento
social da questão da violência (Natividade, 2017).
Tais autores falam sobre a violência de gênero em que o homem é o autor da
agressão. Com isso, o objetivo do trabalho deste profissional deve ser o de reconhecer a
importância do real entendimento dos sentidos da violência para os homens como uma
forma de acessar as maneiras como a violência foi naturalizada no processo de
socialização e de construção de suas masculinidades.
Estudos com profissionais nesta área mostram o relato de um profissional o qual
tinha tido uma experiência de trabalho junto a mulheres em situação de violência e isso
lhe fez perceber a discrepância entre o rios de lágrimas das mulheres e a sobriedade do
sofrimento dos homens (Billand & Molinier, 2017).
Neste sentido, o profissional necessita transitar entre o individual, relacional e
coletivo, num movimento contínuo em compreender a violência nas diferentes esferas de
vida deste indivíduo, bem como o processo de construção da violência nestas
subjetividades.
Intervenções simplificadas perdem efetividade, potencialidade de continuidade e
possibilidades reais de mudança. Vale também destacar a importância de ações
interdisciplinares, em sintonia com feminismos, estudos de gênero, masculinidades, em
busca da equidade de gênero e a discussão de direitos humanos (Beiras & Nascimento,
2017).
O trabalho em questão implica no preparo do profissional a partir do embasamento
teórico como a introdução da categoria de gênero em especial nas ciências sociais, além
do entendimento do processo sócio-histórico acerca dos papéis sociais homem e mulher.
Nesta linha, ele terá um preparo teórico para sua atuação com as pessoas envolvidas na
situação de violência.
Um dos desafios para este trabalho está na relação subjetiva do profissional com
a própria masculinidade. O último pode até dispor dos recursos necessários para elaborar
46

o sentido de sua relação com a violência masculina, entretanto, Billand e Molinier (2017)
viram que alguns profissionais se defendem, evitando o quanto for possível o confronto
com as queixas das mulheres e, com isso, posicionam-se a favor de uma forma de divisão
do trabalho: enquanto eles cuidam dos homens, as feministas cuidam das mulheres. Com
isso, quaisquer sejam, as estratégias adotadas por eles, os facilitadores dificilmente
conseguem defender o ponto de vista das mulheres no contexto grupal sem arruinar a sua
relação empática com os homens.
Já Guimarães e Diniz (2017) enfatizam a questão relacional da violência. Neste
sentido, os profissionais devem lançar mão de estratégias criativas para auxiliar homens
e mulheres a identificarem, perceberem e nomearem as anestesias relacionais que
sustentam e naturalizam a violência. Além disso, utilizar-se de ferramentas que podem
questionar lugares fixos como vítima e agressor.
Fávero (2010) defende que a prática psicológica na temática de gênero refere-se a
viabilizar a informação e promover a tomada de consciência a fim de promover as
transformações nos significados explícitos e implícitos em relação ao gênero.
Num primeiro momento, Billand e Molinier (2017) trazem a subjetividade do
profissional como um dos desafios para a efetividade do trabalho. Seus estudos mostram
o reconhecimento de alguns profissionais acerca suas limitações na ordem de gênero e a
implicação disso no trabalho com homens autores de violência e mulheres vítimas de
agressão.
Guimarães e Diniz (2017) enfatizam a questão relacional defendendo uma atuação
na qual se trabalha com vítima e agressor. Já Fávero (2010) foca nas questões de gênero
e sugere um trabalho psicoeducativo como forma de trabalhar os desajustes nas relações
homem e mulher.
Nesta atuação, faz-se necessário o profissional considerar que junto ao modelo
predominante de masculinidade, presente em cada sociedade, existe também modelos
alternativos para reconhecer o que é ser homem. Nessas alternativas de masculinidade, a
violência pode não ser preponderante, sendo importante considerar que individualmente
os homens podem atribuir diferentes sentidos aos padrões de masculinidade.
Trabalhar a relação entre violência e masculinidade sob uma perspectiva
sociocultural e, com isso, desnaturalizá-la, promove um trabalho potente para transformar
o modelo hegemônico de masculinidade, dando voz e vez a outras masculinidades
possíveis. Considerar padrões culturais promove a incorporação de práticas que levam à
reflexão sobre valores e ao que eles geram em termos de condutas (Njaine, Silva,
47

Rodrigues, Gomes & Delziovo, 2014).

2.5 A Violência contra as Mulheres e sua relação com a saúde


O tema violência contra as mulheres na esfera conjugal tem-se revelado um
fenômeno que atravessou diferentes momentos sócio-históricos, adquirindo relevância e
visibilidade no século XXI e trazendo à pauta aquilo que seria exclusivo do privado, das
questões de privacidade familiar para a esfera do serviço público.
O reconhecimento do problema da violência pela área da saúde no Brasil vem se
fazendo de forma fragmentada, lenta, intermitente, mas progressiva (Minayo, 2006). Tal
quadro evidenciou-se quando as mulheres vítimas de violência procuram pelos serviços
de saúde, como os atendimentos atrelados à justiça. Muitas delas passam várias vezes
pelo sistema de saúde antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado, enquanto
outras nem chegam (Cerqueira et al, 2017).
Em 2016, 29% das mulheres brasileiras relataram ter sofrido algum tipo de
violência, sendo que apenas 11% destas procuraram por uma delegacia da mulher. A
pesquisa também apontou que em 43% dos casos a agressão mais grave foi no domicílio
(Cerqueira et al, 2017).
A violência que ocorre no ambiente doméstico, com elevada frequência, apresenta
como agressor o companheiro. Apresenta-se a mulher acometida pela violência e a
repercussão disso na sua saúde, seja no nível mental como físico.
A participação do movimento de mulheres brasileiras na introdução da violência
de gênero na pauta do setor saúde no Brasil teve uma expressão fundamental na
construção do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), promulgado
em 1983 (Minayo, 2006).
A sociedade brasileira está num momento no qual reconhece que a violência
contra as mulheres é uma violação grave, que compromete a saúde e a qualidade de vida
de adolescentes e mulheres adultas, assumindo o problema como uma questão de saúde
pública (Njaine et al 2014).
Neste sentido, a OMS (2017) descreve que os danos causados pela violência
podem durar uma vida inteira e ampliar-se através de gerações, com efeitos na saúde,
educação, no trabalho e no bem-estar econômico de indivíduos, famílias, comunidades e
sociedades.
Neste movimento, ao sair do privado e recorrer ao serviço público, o Instituto de
Pesquisa Aplicada pontua que as mulheres vítimas de violência devem procurar pelos
48

serviços de saúde, como os atendimentos atrelados à justiça. Muitas delas passam várias
vezes pelo sistema de saúde antes de chegarem a uma delegacia ou a um juizado, enquanto
outras nem chegam (IPEA, 2017).
Os sistemas de informação em saúde, apresentam um imenso potencial na geração
de evidências (dados) para o conhecimento do tema e com isso subsídios para as políticas
públicas voltadas a violência contra a mulher (Garcia, Duarte, Freitas & Silva, 2016).
O setor da saúde, assim como as DDMs, apresenta-se também como “porta de
entrada” das mulheres que sofrem agressão pelo companheiro.
As mulheres, num primeiro momento, geralmente recorrem aos profissionais da
saúde com queixas secundárias que possuem como pano de fundo a violência vivenciada.
Segundo Leite et al (2017) não apenas as mulheres como os profissionais de saúde
possuem dificuldade em falar e tratar da violência. Tendo em vista a falta de preparo tanto
dos profissionais como da sociedade num todo, ou seja, das pessoas que circundam o
fenômeno, novamente a situação de violência é mascarada e negligenciada. Isso fica
evidenciado quando esses profissionais não realizam os devidos encaminhamentos, além
de não realizarem uma orientação condizente com a situação da violência.
Em qualquer forma ou expressão, a violência representa ameaça à integridade e
atinge diretamente a saúde e o bem-estar. Trata-se da violência como ruptura de qualquer
forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica, integridade
sexual, integridade moral. Apenas a psíquica e a moral situam-se fora do palpável. Nesta
perspectiva, caso a violência psíquica enlouqueça a vítima, feridas do corpo podem ser
tratadas com êxito num grande número de casos (Silva, 2017).
As probabilidades de sucesso, em termos de cura, são muito reduzidas e, em
grande parte dos casos, não se obtém nenhum êxito. Frente a isso, reconhecer o abuso
psicológico costuma ser negligenciado e raramente reconhecido por parte dessas
mulheres. Tal ato, em grande parte, precede a violência física (Saffiotti, 2004).
Em suas primeiras manifestações, como descrevem, o homem parte para a
restrição da liberdade individual da mulher, avançando para o constrangimento e
humilhação. Neste sentido, observa-se uma previsibilidade do fenômeno na dinâmica do
casal (Leite, Amorim, Wehrmeister & Gigante, 2017).
Existe também uma dificuldade de discernimento desta mulher acerca do que seja uma
atitude violenta em si, identificando-a apenas quando palpável, no caso, somente quando
se consolida enquanto agressão física, marcando o corpo de forma visível. Em geral,
diferentes tipos de abuso coexistem no mesmo relacionamento (Relatório Mundial Sobre
49

Violência e Saúde, 2002). A temática traz sérias implicações para a saúde pública
podendo levar diretamente a traumatismos sérios, incapacidades e óbitos e, indiretamente,
a uma gama de implicações de saúde como mudanças fisiológicas induzidas pelo estresse,
uso de substâncias e falta de controle sobre a fertilidade e autonomia pessoal, como
observado frequentemente em relacionamentos abusivos. Isso revela os efeitos da
violência a médio e longo prazo na vida destas mulheres (OMS, 2009).
Ainda assim, para que a rede de atendimento funcione plenamente, é necessário
que ela consiga oferecer opções reais para que a mulher possa sair do ciclo de violência
(Atlas da Violência, 2017).
O fenômeno da violência de forma isolada não é uma questão de saúde pública,
mas afeta fortemente a saúde e acaba, muitas vezes, desembocando neste setor. Aos
profissionais da saúde, faz-se necessário um preparo para identificarem o fenômeno e
contribuírem para a efetividade no trabalho com a vítima. É expressiva a incidência de
mulheres vítimas de violência conjugal que buscam pelo serviço de saúde.
Estudo realizado em abrigo em Fortaleza/Ceará, segundo Amaral, Vasconcelos,
Sá, Silva e Macena (2016), constatou que as mulheres abrigadas neste local trazem marcas
da violência por meio da força física estampada em hematomas e, outras vezes, invisíveis
e imperceptíveis a olho nu, passando despercebidas pela equipe profissional.
Ainda assim, nas próprias unidades de saúde, os profissionais tendem a produzir
informações apenas sobre as lesões e traumas que tratam sem se perguntar pelo fato ou
razão básica que as causou (Brasil, 2005).
Dentre as formas de violência, têm-se as não visíveis e difíceis de identificar: a
violência psicológica e moral, presentes na ordem do subjetivo, imprimindo suas marcas
por uma vida inteira.
O fenômeno da violência contra a mulher extrapola os aspectos físicos e acaba,
muitas vezes, em agravos à saúde mental, relatado em muitas situações pela diminuição
da autoestima, sendo considerada, por muitos profissionais, como silenciosa,
repercutindo de modo avassalador no que concerne aos agravos à saúde da mulher
(Guimarães et al, 2017).
A situação de violência na vida privada pode colocar essas mulheres numa
condição de vulnerabilidade física e emocional, fator desencadeador de doenças. O
contexto da violência contra a mulher constitui fator de risco para o surgimento de
doenças físicas e mentais, podendo levar a pessoa agredida à invalidez parcial ou total ou,
em alguns casos, até a morte (Guimarães et al, 2017).
50

2.5.1 Atuação do psicólogo da saúde no atendimento às mulheres em situação de


violência
As pessoas envolvidas na situação de violência, muitas vezes, procuram por
serviços, seja na esfera do judiciário, seja na saúde. Nestas instâncias, também é
encontrado espaço de atuação para a Psicologia da saúde. O texto a seguir irá trazer
algumas considerações quanto a intervenção do psicólogo da saúde com as mulheres em
situação de violência.
A princípio, é preciso um olhar cuidadoso para a complexidade que envolve a
problemática, que, além dos dados estatísticos alarmantes, evidencia peculiaridades
subjetivas como a conscientização das pessoas envolvidas nos conflitos de gênero (Silva
et al, 2015).
A Psicologia da saúde se refere a um subcampo da Psicologia que introduz
princípios e pesquisas psicológicas para a melhoria da saúde, bem como o tratamento e a
prevenção de doenças. Seus interesses incluem condições sociais (como a disponibilidade
de cuidados de saúde e apoio da família e de amigos), fatores biológicos (como a
longevidade familiar e vulnerabilidades hereditárias a certas doenças) e até mesmo traços
de personalidade (como o otimismo) (Ribeiro, 2011).
As pessoas atendidas pela psicologia da saúde não precisam necessariamente ter
um distúrbio psicológico. A diferença entre a psicologia da saúde e outros campos da
psicologia reside no fato de que os indivíduos aqui atendidos apresentam, em geral, um
problema ligado à sua saúde física de diversas ordens ou gravidade (Gorayeb, 2010).
O psicólogo da saúde adentra um universo no qual tem-se as concepções de saúde
e doença, encontrando-se por um lado aquelas trazidas pelo modelo médico e por outro
as vivenciadas pelos pacientes, que perpassam pela ordem do subjetivo e da singularidade
do ser. No setor da saúde, os indivíduos, num primeiro momento, apresentam queixas de
ordem física.
As mulheres vítimas de violência conjugal geralmente recorrem aos serviços de
saúde, num primeiro momento, mascarando a situação de violência, seja pela negação,
seja pelo medo de denunciar a agressão.
No campo da Psicologia da saúde, frequentemente, trata-se uma pessoa que
apresenta um problema orgânico relacionado a aspectos comportamentais ou emocionais,
podendo tanto o problema orgânico quanto os aspectos comportamentais/emocionais
serem causa ou consequência desta relação (Gorayeb, 2010).
51

O apoio psicológico emerge no âmbito da relação com o médico ou outro que


participe do diagnóstico. Neste momento é que o médico ou outro profissional da saúde
solicita a ajuda do psicólogo. Com isso, o cliente passa a ser o próprio médico que
recorreu à ajuda para o doente (ou de forma mais expandida o próprio sistema de saúde)
e não o doente (Ribeiro, 2011).
É neste processo, a partir de um trabalho interdisciplinar, que o psicólogo da saúde
desenvolve sua prática, trazendo em sua formação subsídios de intervenção no processo
saúde/doença do indivíduo. Tal atuação não se refere a uma padronização de conduta,
como a preconizada pelo modelo médico, uma vez que leva em consideração a
singularidade do outro. O psicólogo da saúde “ousa” reinventar sua própria prática.

2.6 A violência na contemporaneidade


Este capítulo traz algumas conceituações de violência, pensando em suas
caracterizações e possíveis expressões em diferentes contextos no século XX. Alguns
questionamentos provocantes são trazidos por Adorno ao descrever a violência
contemporânea como um sintoma:
A violência contemporânea pode ser descrita com os questionamentos
a partir de sintomas de: uma crise moral, de uma alteração definitiva
dos valores que nasceram na nossa sociedade moderna ocidental, de
uma natureza humana perversa em seu movimento constantemente
atualizado entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, entre o justo e o
injusto (Marin, 2002).
Os questionamentos acima traduzem o ensaio quando se ousar discutir um
conceito abrangente e complexo como a violência e trazê-lo para a contemporaneidade.
É preciso compreendê-la inserida num determinado contexto, em que um grupo, uma
sociedade ou uma instituição aponta aquilo que suporta e o que não suporta e vai, assim,
denominá-la de violência (Silva et al, 2015).
A violência é caracterizada por um ato aniquilador, que engloba uma experiência
de excesso de ódio destruidor, de votos de morte, de contatos eróticos, de amor invasor
de pancadas, de indiferença. Refere-se a uma situação em que o outro é destruído por não
poder existir de modo algum, em que não se constitui alteridade, imperando o princípio
absoluto do Um (Marin, 2002). Em qualquer forma ou expressão, a violência representa
ameaça a integridade e atinge diretamente a saúde e o bem-estar. Refere-se à ruptura de
qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, integridade psíquica,
52

integridade sexual, integridade moral (Silva, 2017).


O alcance que a situação de violência gera no nível individual e coletivo
demonstra a dimensão que o fenômeno pode atingir. Destaca-se seu caráter multifatorial,
uma vez que, além de atingir as vítimas, também repercute em quem a testemunha. A
violência representa uma ameaça para a realização do desenvolvimento vital humano:
risco à vida, desestabiliza a saúde, produz doenças e causa a morte como realidade ou
como possibilidade próxima ( Minayo, 2006).
Quando se fala em violência, a sociedade costuma dar ênfase a determinados tipos,
como roubos e homicídios. No entanto, outros tipos como agressão contra a mulher,
criança, homossexuais e idosos são deixados de lado. Inúmeras formas de violência estão
presentes no cotidiano das famílias e por vezes passam despercebidas. O casamento e a
família, tidos em princípio como um ambiente de proteção, aparecem hoje como contexto
marcados, muitas vezes, pela presença da violência verbal, psicológica, física, sexual e
patrimonial (Guimarães & Diniz, 2017).
Até meados do século XX, a violência conjugal foi habitualmente caracterizada
por agressões físicas e psicológicas e tida como domínio privativo e íntimo do casal. A
partir dos anos 1980, no entanto, a violência entre cônjuges foi incluída como uma
questão social e de saúde, tornando-se objeto de intervenção do Estado por meio de
formulação de políticas públicas (Lamoglia & Minayo, 2009).
A violência conjugal é um fenômeno complexo, tida por estudiosos como a forma
mais frequente de violência interpessoal em todo o mundo. Apesar de ocorrer uma
vitimização feminina, pesquisadores ressaltam que este tipo de violência se caracteriza
pela reciprocidade, uma vez que homem e mulher se agridem (Paixão et al, 2016).
Neste sentido, Minayo (2005) coloca em pauta que a complexidade na
conceituação da violência reside no fato dela ser um fenômeno que emerge do vivido,
cujas manifestações provocam ou são provocadas por uma forte carga emocional de quem
a comete, de quem a sofre e de quem a testemunha.
Diante das conceituações trazidas, a violência não se resume às delinquências que
ocorrem fora de casa, mas também no âmbito intrafamiliar e, por diversas vezes, ainda
naturalizada, seja por quem as sofre, como pelos autores da agressão.
Já se defende a idéia de que mulheres e homens, embora de maneiras diversas
apresentam problemas de saúde em razão da violência conjugal (Oliveira & Gomes,
2011).
O reconhecimento do problema da violência pelo setor da saúde no Brasil vem se
53

consolidando de forma fragmentada, lenta, intermitente, mas progressiva. A saúde


pública está preocupada com as vítimas e não com a repressão, não no sentido de
inocentar ninguém, mas de atuar na promoção da vida e da qualidade de vida (Minayo,
2006).
Por ser um fenômeno sócio-histórico, a violência afeta intensamente a saúde, uma
vez que 1) ocasiona morte, lesões e traumas físicos, além de comprometimentos mentais,
emocionais e espirituais; 2) reduz a qualidade de vida das pessoas; 3) demanda uma
reorganização dos tradicionais serviços de saúde; 4) traz novos problemas para o
atendimento médico, preventivo e curativo e 5) evidencia a necessidade de uma atuação
mais específica, interdisciplinar, multiprofissional, intersetorial, visando às demandas dos
cidadãos (Minayo, 2006).
Frente a essas explanações, o modelo de saúde também está ligado ao estilo de
vida, à qualidade das relações humanas e ao contexto sociocultural do indivíduo. É a partir
disso que o fenômeno da violência pode ser inserido como um agente desencadeador de
doenças, ou seja, as pessoas acometidas pelo fenômeno também ficam suscetíveis ao
processo de adoecimento.

3. Método
A partir da problematização elencada nesta pesquisa, a saber, como o profissional
psicólogo apresenta sua atuação em grupos com homens autores de violência, o método
delineado foi o qualitativo. A seguir serão trazidos alguns autores que esclarecem acerca
da pesquisa qualitativa. No decorrer, a trajetória da pesquisadora para a execução da
metodologia adotada, como acesso aos entrevistados e o caminho para a realização das
entrevistas. Com isso, será descrito o procedimento para a coleta dos dados e por fim a
descrição das etapas para a análise dos dados.

3.1 Delineamento
A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (2002), responde a questões muito
particulares, trabalhando com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que remete a um espaço reflexivo de análises das relações entre as
pessoas envolvidas no campo de investigação.
Isso permitiu que eu pudesse, a partir dos relatos que os psicólogos traziam de
suas experiências com os homens autores de violência, identificar temas que se
correlacionavam com os conteúdos de trabalhos que emergiam destes nos encontros em
54

grupo.
Cada entrevistado revelou um modo peculiar de atuação construído ao longo da
experiência com o grupo de homens, como as formas que os mesmos encontravam para
trabalhar com as adversidades oriundas de questões pessoais, sociais, políticas e culturais
daqueles que geralmente eram parceiros íntimos das mulheres. Desta perspectiva, os
profissionais foram apontando o que consideravam como um desafio de sua atividade de
trabalho e expressando seus aspectos subjetivos, como valores e tendências teóricas.
Durantes as entrevistas, alguns psicólogos se estendiam nas falas e demonstravam
interesse e disponibilidade em apresentar seu trabalho enquanto outros foram mais
objetivos nas falas. Cada qual, a sua maneira, ia descortinando para a pesquisadora,
enquanto psicóloga, pesquisadora e mulher, uma Psicologia com a qual ainda não havia
se deparado. Até então, a mesma não havia parado para refletir numa atuação distante do
padrão clínico, um trabalho de psicólogo em que as pessoas a serem atendidas foram
encaminhadas por meio de sentença judicial, uma vez que era compulsório - “não queriam
estar ali” - e que esses argumentos se baseavam em uma construção que não consideravam
seus atos como crime.
A pesquisa qualitativa nesta dissertação permitiu aprofundar questões e reflexões
sobre várias esferas de um contexto de tema de pesquisa. Ao se entrevistar psicólogos que
trabalham com homens autores de violência, passou-se pela questão do exercício
profissional da área da Psicologia, da idéia do homem não se identificar como um
criminoso quando se trata de atos de violência contra as mulheres, que intervenções neste
âmbito podem ser produtivas, que as mulheres passaram por nova fase de direitos de
cidadania adquiridos, como outros elementos estiveram presentes nesta investigação. Este
contexto permitiu a emergência de novos conceitos que ampliassem a compreensão do
comportamento humano. O objeto de estudo não se reduziu a uma varável, mas por meio
da delimitação do objeto, este foi representado em vários aspectos e dentro de seu
contexto cotidiano, com autores como Minayo (2002) e Flick (2009) revelam necessários
numa pesquisa qualitativa.
Outro benefício da abrangência alcançada por este tipo de pesquisa foi que os
entrevistados demonstraram estar implicados com uma série de condições sociais, como
a articulação com a rede de atendimento das áreas de saúde, da assistência e do judiciário,
como com temáticas emergentes, sobretudo referentes às questões de gênero. À medida
que relatavam suas experiências, traziam temas até então desconhecidos pela
pesquisadora neste tipo de atuação. Nesse processo, novos elementos iam se apresentando
55

na pesquisa.
Considera-se que nesta pesquisa qualitativa ocorreu estudo de caso, pois, como
aponta Yin (2002), o foco recaiu sobre um problema contemporâneo e seu contexto de
vida real, numa abrangência alcançada em diferentes condições, ou seja, as questões
relacionadas ao trabalho do psicólogo e suas implicações com gênero não estão inseridas
apenas em um único espectro de verdade. Diversas variáveis estão contidas como valores,
crenças, competências, habilidades, relações e outros. Neste sentido, Shaughnissy,
Zechmuster e Zechmister (2012), trazem os estudos de caso como um tipo de estudo
potencialmente rico de informações sobre os indivíduos, o qual costuma ser exploratório
em natureza e proporciona uma série de hipóteses e ideias sobre o comportamento dos
sujeitos envolvidos.
Isto requer uma descrição e análise intensiva de cada coleta de dados que nesta
pesquisa a princípio focava sobre os homens autores de violência contra as mulheres.
Naquele momento inicial de investigação, a intenção da pesquisadora era realizar a
pesquisa diretamente com os homens que participavam compulsoriamente nos grupos.
O contato inicial ocorreu com o coordenador do grupo “E agora, José?”. A
pesquisadora chegou a ir ao local aonde se realiza os encontros do grupo, era uma quarta-
feira à noite. No entanto, por motivos éticos e normas do grupo, não pôde assistir nem
participar daquela reunião, mas assistiu à movimentação dos homens chegando,
assinando a presença e dirigindo-se a sala do encontro. Ainda teve a oportunidade de
participar durante o intervalo do encontro, do espaço destinado a “hora do café”7.
Esse contato permitiu quebrar estereótipos, pois mesmo que a pesquisa ocorresse
já há alguns meses, ainda carregava a figura estigmatizada do homem autor de violência
como alguém agressivo e descontrolado o tempo todo. No entanto, a quebra de ideias
referentes a estes homens, somente ocorreu quando do primeiro contato frente a frente
com os “condenados pela lei 11.340. Foi neste momento que se percebeu serem homens
comuns, do dia a dia. Aqueles homens não se mostravam violentos ou agressivos, muitos
deles, inclusive eram gentis e educados.
Este período de reflexão foi demasiadamente importante. Como estes homens não
pareciam “animais ferozes”, também poderiam ser vistos por si mesmos e em muitos
momentos por suas parceiras, como não criminosos.
A partir de um novo contato com o coordenador daquele grupo, soube-se que os

7
Intervalo realizado a cada encontro. Cabe ressaltar que o grupo tem duração de duas horas e após uma
hora é realizado esse intervalo.
56

homens participantes dos encontros estavam sob custódia do Estado, pois foram
sentenciados pelo sistema judiciário e era preciso a aprovação do comitê de ética para o
acompanhamento. Neste caso, a Central de Penas8 autoriza ou não qualquer tipo de
pesquisa com as pessoas que estão sob a responsabilidade do sistema. Considerando que
este trâmite levaria no mínimo cerca de seis meses, no caso desta pesquisa, não havia
tempo hábil para isso. Então, numa conversa com o coordenador do referido grupo, surgiu
a possibilidade de realizar a pesquisa com os próprios profissionais de Psicologia que
trabalham com grupos de homens. Inclusive, como este coordenador também era
pesquisador neste âmbito, poderia auxiliar com novos contatos de outros psicólogos da
região delimitada pela pesquisa. Por meio deste primeiro coordenador, o contato dos
demais profissionais participantes da pesquisa foi coletado.
Enquanto isto, para que a pesquisa se iniciasse numa nova perspectiva de quem
seriam os participantes para a coleta de dados, o projeto inicial foi reestruturado e
encaminhado para o Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo. Houve a
garantia desta pesquisadora de que os entrevistados assinassem o termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), sendo tomados os cuidados éticos necessários à realização
da pesquisa junto aos participantes, respeitando o sigilo das informações, a
confidencialidade e o cuidado com a análise e a veiculação dos dados obtidos. Na coleta
das informações, foram considerados os princípios estabelecidos pela resolução n.
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a pesquisa envolvendo seres
humanos, de forma a seguir as normas quanto à autonomia, beneficência e justiça. Neste
sentido, os riscos de danos foram pontuados e consignado que os entrevistados poderiam
ausentar-se de qualquer participação se houvesse necessidade ou percepção da
pesquisadora de que a proposta de pesquisa pudesse acarretar ou tivesse acarretado algum
tipo de incômodo a estes. Neste caso, seria disponibilizado os serviços de atendimento
psicológico da Universidade Metodista de São Paulo, na cidade de São Bernardo do
Campo, campus Rudge Ramos. Com isto, o projeto foi aprovado logo no primeiro envio,
sob número 3.208.814, e, assim, deu-se início o contato com o primeiro entrevistado.
Para se chegar à quantidade de profissionais que participaram da pesquisa foi
considerada as informações passadas pelo primeiro coordenador de grupos que a
pesquisadora teve contato e com dados sobre grupos da região da Grande São Paulo e da
cidade de São Paulo.

8
Central de Penas e Medidas Alternativas, comitê de ética do Estado de São Paulo.
57

Deste processo, foram escolhidos quatro psicólogos facilitadores de grupos,


lembrando que a equipe de facilitadores é composta por profissionais com outras
formações. Segundo levantamento realizado por Beiras, Nascimento e Incrocci (2019),
no Brasil existem oficialmente 41 grupos serviços com grupos de homens autores de
violências contra as mulheres. Portanto, o quadro de participantes foi composto por
profissionais9 que atuam no trabalho com homens autores de violência, os quais foram
autuados pela Lei 11.340 na cidade de São Paulo e Grande São Paulo. O quadro de
participantes foi composto por profissionais que atuam no trabalho com homens autores
de agressão conjugal, os quais foram autuados pela Lei Maria da Penha na cidade de São
Paulo e região metropolitana do ABC. Estes participantes responderam prontamente a
participarem da pesquisa.
As entrevistas foram agendadas a partir da disponibilidade dos entrevistados e
pesquisadora. Foram realizadas 4 entrevistas semiestruturadas com quatro profissionais
facilitadores destes grupos. Dentre estes: dois profissionais atuavam num mesmo
programa, um terceiro trabalha para uma Organização Não Governamental (ONG) de
direitos de mulheres. Já o último é atuante na carreira acadêmica, mas já atuou como
facilitador de grupo de homens e atualmente capacita os profissionais para trabalharem
nesta temática.
Quanto aos critérios para selecionar os entrevistados:
- Critérios de inclusão: profissionais que possuíssem formação em
Psicologia e atuassem diretamente com os homens autores de violência contra as
mulheres e que se disponibilizassem a participar da pesquisa.
- Critérios de exclusão: profissionais que trabalhassem com homens autores
de agressão, porém não possuíssem formação em Psicologia.
Estas entrevistas foram do tipo semiestruturadas e guiadas por um roteiro de 7
questões (apêndice I), as quais tinham uma organização flexível (poderiam ser realizadas
em ordens diferentes de perguntas) e buscavam ampliação dos questionamentos, à medida
que as informações iam sendo fornecidas pelos entrevistados. Cabe ressaltar, que a
entrevista semiestruturada facilita uma relação intersubjetiva entre entrevistado e
entrevistador, de forma que a partir de um contexto de interação ocorram trocas verbais e

9
A maioria dos profissionais é oriunda de cursos das Ciências Humanas, como Direito, Psicologia, Ciências
Sociais, Serviço Social. Geralmente, não há impedimentos quanto à participação de outros profissionais de
áreas estranhas às Ciências Humanas, desde que sejam devidamente capacitados em realizar grupos
reflexivos de gênero (Athallah, Amado & Gaudioso, 2013).
58

não verbais, além de possibilitar um melhor entendimento dos significados, dos valores e
das opiniões dos atores sociais sobre situações e vivências pessoais (Fraser & Gondim,
2004).
As entrevistas foram realizadas pessoalmente e individualmente com cada
psicólogo. Com os psicólogos 1 e 3, a duração foi de cerca de 1 hora e 30 minutos, já com
os psicólogos 2 e 4, a duração foi de cerca de 50 minutos.
Neste sentido, quando bem realizadas, as entrevistas possibilitam ao pesquisador
um estudo mais aprofundado, além de ter acesso a informações consistentes que permitem
a descrição e a compreensão das relações que se estabelecem no interior de determinado
grupo, o que seria mais difícil obter a partir de outros instrumentos de coleta de dados
(Duarte, 2004).

3.2 Procedimento para a coleta de dados


Considerando que o instrumento de coleta de dados desta pesquisa foi
preponderantemente entrevistas, foram selecionados 4 psicólogos como participantes.
Num primeiro momento, o contato com cada profissional foi feito via WhatsApp,
apresentando-se e explicando o motivo do contato, bem como fazendo o convite ao
profissional para integrar a pesquisa através de uma entrevista. Entretanto, com um dos
participantes o acesso foi diferente. Neste caso, a pesquisadora estava realizando um
curso na cidade de São Paulo, ministrado pelo mesmo, quando o conheceu pessoalmente.
Num dos intervalos para o café, ocorreu a abordagem, a pesquisadora apresentando-se e
esclarecendo acerca da pesquisa, bem como fazendo o convite para a entrevista. O
profissional aceitou prontamente e foi combinado o encontro para o dia seguinte, após o
término do curso, num parque nas proximidades do evento.
Todas as entrevistas foram realizadas individualmente em parques municipais
sugeridos pelos participantes. Tais localidades acabaram sendo próximas ao trabalho ou
moradia dos mesmos. Quanto ao dia e horário para a realização de cada entrevista, a
pesquisadora deixou a critério de cada profissional, no entanto, houve alguns
desencontros de disponibilidades de dias e horários entre pesquisadora e entrevistados,
que logo foram resolvidos, ajustando-os entre ambos para uma efetiva realização.
Os locais designados foram ambientes tranquilos, sem barulhos que pudessem
atrapalhar a interação com o entrevistado, além de poucas pessoas circulando ao redor.
Nestas circunstâncias, sentados num banco realizou-se a entrevista.
59

Num primeiro momento, foi estabelecido um rapport10 com cada um a fim de


promover uma interação na qual o entrevistado pudesse sentir-se confortável para
expressar pensamentos, sentimentos, motivações e, com isso, um melhor aproveitamento
da entrevista. No decorrer, explicou-se a pesquisa e o TCLE (termo de consentimento
livre e esclarecido), garantindo sigilo dos conteúdos da entrevista, bem como da utilização
de uma numeração para a não identificação dos mesmos. Neste contexto, os participantes
concordaram em assinar. O entrevistado 2 falou que gostaria de ter acesso à pesquisa, e
seu e mail foi anotado a fim de enviar a pesquisa assim que esta se efetivasse.

3.3 Procedimento para análise dos dados


Para analisar os dados coletados na pesquisa, foram utilizados os pressupostos
teóricos e conceituais da Fenomenologia. O formato de entrevista utilizado veio agregar
às análises da Fenomenologia, a qual enfatiza a relação interativa entre pesquisador e o
objeto, além de ser uma perspectiva teórica que estuda o ser humano e seus significados11.
Como o método utilizado foi a Fenomenologia, o momento das entrevistas e a relação
estabelecida entre o objeto (psicólogo) e a pesquisadora foi de importância fundamental,
de forma a desvelar o fenômeno a ser pesquisado.
Os caminhos adotados pelo método fenomenológico possibilitaram encontrar
liberdade no formato acadêmico de poder explorar melhor o objeto de pesquisa a partir
também da experiência da autora enquanto pesquisadora.
Isso proporcionou que a extração de sentidos e significados através do seu contato
direto, numa interação vigilante e, mais tarde, ao reler as entrevistas, o processo de
elaboração desses significados nomeando-os e construindo os agrupamentos dos dados.
Estes dados referiam- se aos conteúdos trazidos pelos psicólogos a partir de suas vivências
no trabalho com os homens de violência.
Como a Fenomenologia estuda o fenômeno, ou seja, aquilo que se apresenta à
consciência, referindo-se à experiência subjetiva, as análises permitiram uma
compreensão gradativa dos conteúdos trazidos pelos psicólogos durante as entrevistas (e
no próprio contato com estes).
O método fenomenológico consiste num processo gradativo, que é unir as partes

10
Criar um clima favorável a fim de reduzir ao mínimo a possibilidade de paralisações e bloqueios do
entrevistado (Ocampo e Arzeno, 1999).
11
Esses vieram de encontro com a pesquisa qualitativa.
60

que se apresentam para se chegar ao todo. Neste movimento, esses fragmentos necessitam
de se comunicarem entre si. À medida que se analisa essas partes com o todo, vão
emergindo sentidos e significados que o próprio fenômeno mostra.
No caso, os entrevistados iam trazendo diferentes aspectos de suas experiências
no trabalho com os homens autores de violência, os quais iam configurando um todo, o
fenômeno.
É por existir um sujeito que se permite conhecer, por outro lado, um objeto que se
volta para o sujeito através de uma relação interativa e implicativa chamada
intencionalidade que se pode dizer algo sobre o real. Não há para a fenomenologia
conhecimento da realidade sem interação. Então, é a partir disto que se estabeleceu a
pesquisa. O pesquisador não tem a designação única de fontes de dados, mas sim, fontes
de impressões fenomênicas que interagem com ele, de maneira direta ou indireta e o
modificam porque lhe oportunizam uma experiência da qual e na qual ele está interessado
(Costa, Castro & Bosco, 2017).
Através desta interação em cada entrevista, à luz da Fenomenologia, ia captando
aspectos trazidos por cada encontro, tecendo uma rede e formando um todo. Neste
processo, os participantes são expressões daquilo que se apresenta como alteridade em
relação aquilo que se pesquisa. A fim de certifica-se num estatuto de cientificidade, sem
correr o risco de cair em um relativismo ou subjetivismo tem-se o método
fenomenológico:1) emersão do fenômeno e tomada de consciência do sujeito no mundo
da vida; 2) a atitude fenomenológica do sujeito; 3) a redução eidética ou transcendental e
4) as sínteses puras da consciência (Husserl 1931/2001 apud Costa, Castro & Bosco ,
2017). Cada dado obtido assume um contorno não linear nem evidente, mas interativo,
interessado e co-presente (Costa, Castro & Bosco, 2017).
Num primeiro momento, faz-se necessário a atitude fenomenológica que implicou
numa tomada de consciência da pesquisadora que interagiu com o fenômeno acerca de
vários fatores que puderam influenciar a apreensão e compreensão do mesmo. A partir
disso, buscou-se identificar os preconceitos e julgamentos, isolá-los e separá-los do
fenômeno, deixando somente a estrutura constitutiva, como foi no episódio do encontro
com os homens autores de violência contra as mulheres, sentenciados que estavam no
grupo. Ao deparar-se com isso, conseguiu novos diálogos com o fenômeno.
Neste sentido, esse método auxiliou uma das entrevistas. Percebeu-se que um dos
entrevistados encontrava-se não disponível, demonstrando um certo cansaço. Isso foi
demonstrado entre uma pergunta e outra quando ele verbalizou por mais de uma vez:
61

“falta muito para acabar?” Nesta passagem, houve empatia e a percepção verbalizada da
pesquisadora de seu cansaço e esforço para conceder aquela entrevista. A partir disso, a
pesquisadora se percebeu mais à vontade, uma vez que se sentiu desconfortável com suas
indagações acerca do tempo que faltava para finalizar. A entrevista transcorreu de forma
mais suave e conseguiu atender aos objetivos da pesquisadora. A autora considera que
sua atitude empática naquele momento foi relevante para o sentido da experiência.
As vivências a partir das entrevistas a permitiu de fato compreender os indicativos
de Amatuzzi (2009), quando descreve que na Fenomenologia não importa para a pesquisa
o conhecimento racional do fenômeno, mas a intencionalidade através do ato de
denunciar, descortinando os significados.
Nesta perspectiva, ao reler as entrevistas percebeu temáticas que se
correlacionavam e foi agrupando por temas. A partir das perguntas norteadoras da
entrevista semiestruturada, optou-se por selecionar cada resposta compatível de todas as
entrevistas. Neste processo, identificou-se que algumas respostas condiziam a outras
perguntas, assim, houve uma segunda organização. Com isso, pegou-se todas as
respostas, vinculando-as às perguntas, uma vez que durante a entrevista ora o entrevistado
voltava a outros temas que não correspondiam àquela pergunta, mas sim à outra.
O passo seguinte, após as distribuições das respostas dos participantes para cada
pergunta, foi observar quais os temas ou assuntos apareciam num determinado conjunto
advindo daquela resposta. Cabe ressaltar que neste período de análises houve diversos
arranjos de compatibilidade e busca por sentidos e significados sobre as seleções de
respostas.
Advindo deste processo, surgiu o primeiro conjunto (grupo 1) de resposta e se
referia a identificação profissional, tempo de formado e instituição de graduação em
Psicologia e instituição na qual realizou a formação. O segundo conjunto (grupo 2)
referia-se à experiência pregressa ao trabalho com o grupo de homens. O terceiro conjunto
(grupo 3) foi referente à percepção do profissional de como o homem autor de violência
contra as mulheres chega no grupo e como analisam suas atividades e desempenho no
decorrer dos encontros. No quarto grupo, (grupo 4) sobre a percepção do profissional
acerca da violência contra as mulheres, sobretudo a conjugal. Já no quinto grupo (grupo
5), os desafios encontrados pelos profissionais, tanto relativos aos aspectos subjetivos dos
próprios profissionais, como os relativos à ordem estrutural do trabalho, como a
articulação com a rede intersetorial para a implementação do trabalho e sua continuidade.
No sexto grupo (grupo 6), a atuação do profissional psicólogo no grupo com homens
62

autores de violência no que se refere: a) ao referencial teórico metodológico, b) subsídios


que a Psicologia oferece entre a interface com o jurídico, c) as propostas de trabalho
referentes aos grupos, d) a percepção da efetividade do trabalho. Por fim, no sétimo grupo
(grupo 7), a subjetividade do profissional no que concerne repensar a própria
masculinidade, bem como os desafios encontrados.
A partir dessa organização de 7 grupos, foi possível observar que estes traziam
temáticas afins. Foi observado que o grupo 1, a identificação profissional podia se
correlacionar com o grupo 2, experiência pregressa ao trabalho em grupo. Já o grupo 3,
percepção do profissional de como o homem chega no grupo e seu processo no decorrer
dos encontros, podia correlacionar ao grupo 4, a percepção do profissional acerca da
violência conjugal. O grupo 5, os desafios encontrados pelos profissionais, podia se
combinar ao grupo 7, a subjetividade do profissional no que concerne repensar a própria
masculinidade, bem como os desafios encontrados. Portanto, após essas organizações e
reorganizações, do total de 7 grupos passaram para 4.

Grupo 1 - dados referentes a formação profissional e experiência pregressa ao


grupo de homens;

Grupo 2 - como os profissionais percebem o homem no início dos encontros


grupais e seu processo no decorrer dos encontros, bem como a visão acerca do fenômeno
da violência doméstica;

Grupo 3 - a atuação do profissional psicólogo no grupo com homens autores de


violência. Neste grupo, os entrevistados descreveram sua atuação em grupo a partir: 1)
do preparo teórico, ou seja, o embasamento teórico que utilizam; 2) o diferencial em
relação aos outros profissionais facilitadores que não possuem a formação em Psicologia,
com isso, os recursos que a Psicologia traz para facilitar esse tipo de trabalho; 3) da
influência da lei Maria da Penha para a realização dos grupos e como trabalham nesta
interface Psicologia e judiciário; 4) da proposta, a qual o grupo que fazem, executa com
os homens. Por fim, a percepção do resultado de seus trabalhos;

Grupo 4 - a subjetividade do profissional. Neste grupo, os profissionais trouxeram


questões de sua subjetividade que emergiram ao longo do trabalho em grupo,
principalmente conteúdos relacionados à própria masculinidade e também os desafios
63

encontrados neste processo de trabalho.

Ainda do respaldo da Fenomenologia em buscar sentido e compreensão do


fenômeno estudado, houve novo procedimento de análise na busca de significado entre
os conjuntos assim se possibilitou que os 4 agrupamentos fossem definidos e descritos a
partir da seguinte ordem:

Grupo 1 - Do macho ao homem: as transformações masculinas a partir dos grupos


Grupo 2 - Formação profissional e experiência pregressa ao grupo de homens.
Grupo 3 - A atuação do psicólogo no grupo com homens autores de violência.
Grupo 4 - Ser psicólogo e ser homem: da formação ao acolhimento.

A seguir serão descritos esses grupos.

1) A jornada dos psicólogos: experiência pregressa e formação profissional.


Neste grupo os entrevistados relataram uma atuação fora do tradicional modelo de
atuação clínica (modelo biomédico), envolvendo o trabalho com grupos, bem como
estudos voltados para a temática de gênero. Neste âmbito, o processo de formação
profissional se evidencia como relevante no sentido de facilitar ou dificultar as atuações
profissionais.

2) O psicólogo frente ao processo do homem autor de violência no grupo.


2.1) A jornada dos homens autores de violência: do jurídico a atuação da
Psicologia.
Neste subgrupo os profissionais trouxeram o caminho judiciário percorrido pelos
homens até serem inseridos nos grupos que os psicólogos entrevistados atuam.
2.2) Do macho ao homem: as transformações masculinas a partir dos grupos.
Este refere-se à percepção dos entrevistados quanto ao homem autor de violência
no grupo no que diz respeito ao seu processo no decorrer dos encontros grupais, como
trazem para o grupo a questão da masculinidade e o desafio que encontram no trabalho
em grupo com os homens.

3) A atuação do profissional psicólogo no grupo com homens autores de violência.


3.1) Referencial teórico metodológico
64

3.2) Subsídios que a Psicologia traz para sua atuação no grupo.


3.3) Percepção da Lei Maria da Penha: interface Psicologia e judiciário.
3.4) Percepção da efetividade do trabalho

4) Ser psicólogo e ser homem: da formação ao acolhimento.


4.1) Repensando a masculinidade
4.2) Desafios encontrados.
4.3) Articulação com a rede.

Com isso, norteada pela fenomenologia e com as leituras das entrevistas sendo
realizadas por diversas vezes foi possível formar arranjos e estabelecer os agrupamentos
de respostas. A seguir, segue a discussão dessses resultados.

4. Resultados e Discussão

A discussão dos resultados será organizada a partir dos agrupamentos de


respostas. Com isso, foram selecionados os conteúdos das falas que atendiam aos
objetivos da pesquisa, buscando uma discussão com os autores do referencial teórico da
dissertação.

4.1 Quem são os psicólogos que trabalham em grupos reflexivos com homens autores
de violência contra as mulheres?
Diante do tema levantado pela pesquisa que se refere à experiência do psicólogo
no trabalho em grupo com homens autores de violência, buscou-se um método que
abrangesse a experiência do profissional inserido na temática em questão. Neste sentido,
a entrevista com cada profissional resultou na descoberta de experiências, atitudes,
pensamentos, sentimentos e dificuldades oriundas dos encontros entre psicólogos e os
homens dos grupos, os quais cometeram o crime de agressão contra as mulheres pautados
na lei 11.340/06 - Maria da Penha.
Os psicólogos entrevistados são todos do sexo masculino. Os mesmos serão
identificados pela numeração de 1 a 4, ordem referente à realização das entrevistas.
65

Tabela 1. Formação profissional


TEMPO DE
PROFISSIONAIS IDADE INSTITUIÇÃO DE
FORMADO EM
ENTREVISTADOS GRADUAÇÃO
PSICOLOGIA
Universidade
PSICÓLOGO 1 57 anos 20 anos
Metodista/ UMESP

Universidade Federal
PSICÓLOGO 2 38 anos 15 anos
de Santa Catarina

Universidade
PSICÓLOGO 3 37 anos 14 anos
Metodista/UMESP

PSICÓLOGO 4 33 anos 8 anos PUC/São Paulo

Fonte: Elaborado pela autora.

O psicólogo 1 possui sua primeira formação em Sociologia e posteriormente em


Psicologia, fazendo seu mestrado na temática de gênero. A formação na primeira
graduação possibilitou uma compreensão ampla dos contextos sociais e culturais que
delineiam a subjetividade humana. Ao fazer Psicologia, há 20 anos, já estava
sensibilizado com as questões de direitos e cidadania de minorias. Assim, inseriu-se em
trabalhos relacionados sobretudo à questão de gênero, em 2001, continuamente foi
membro participante e ativista em grupos de movimentos feministas. Como construiu
uma trajetória sempre envolvido em políticas públicas e movimentos que abordassem as
questões de gênero, contribuiu com a elaboração e a implementação, no ano de 2014, de
um grupo socioeducativo na cidade de Santo André de responsabilização de homens. É
sócio-fundador da Entre Nós-Assessoria, Educação e Pesquisa. Participa do Fórum de
Gênero e Masculinidades Grande ABC12.
O psicólogo 2 logo que concluiu a graduação em Psicologia iniciou um mestrado
com a temática de masculinidades. Seguiu o percurso acadêmico e fez o doutorado na
questão de homens autores de violência. Levou para o âmbito acadêmico esta temática,
ampliando seus estudos em Barcelona, onde concluiu seu doutorado. Participou da
implementação de uma metodologia no trabalho em grupo com homens autores de
violência e atualmente é professor universitário realizando capacitações, palestras e
produções científicas sobre grupos reflexivos com homens autores de agressão.
O psicólogo 3, até a realização da entrevista, estava atuando, há cerca de três

12
Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul.
66

meses, com homens autores de violência. Possui uma experiência de 14 anos como
psicólogo em serviços ligados a pessoas em situação de vulnerabilidade na área da saúde
na Fundação Casa13. Fez curso de aprimoramento em álcool e drogas. Atualmente, é
integrante do projeto de um grupo socioeducativo de responsabilização de homens
autores de violência.
O psicólogo 4 iniciou seu trabalho com homens autores de violência já no final da
graduação em 2011 num grupo de direito de mulheres na cidade de São Paulo, onde
permanece até os dias atuais. Fez mestrado e sua dissertação foi sobre os grupos reflexivos
com os homens autores de violência. Começou a realizar palestras e capacitações sobre
as questões de gênero relacionadas à violência contra a mulher.

4.2 A jornada dos psicólogos :experiência pregressa e formação do profissional


Nesta investigação, levantou-se juntos aos psicólogos suas experiências de
trabalho na área da Psicologia e os caminhos trilhados para se direcionarem aos grupos
com os homens autores de violência. Identificou-se nesta pesquisa que os psicólogos que
trabalham neste campo de atuação revelam interesse profissional por questões coletivas e
aprofundamento teórico e prático sobre gênero desde o período da graduação. Os
profissionais foram estimulados a mostrarem interesse em assimilar fenômenos coletivos
de cidadania.
No que tange à jornada da carreira dos entrevistados, o Psicólogo 4 apontou em
sua experiência profissional inicial nos estudos de gênero ainda na época de graduação
em Psicologia:
Fui estagiário num Centro de Referência com Mulheres em Situação de
Violência da prefeitura de São Paulo, trabalhei lá dois anos. Fazia
atendimento individual e atendimento em grupo, enfim, comecei a
estudar gênero e entrar na história de violência (Psicólogo 4).

O estágio inseriu o profissional 4 na temática da violência doméstica e a partir


disso compreendeu a complexidade deste universo que envolve questões relacionais e
sociais.

13
O atendimento aos jovens autores de ato infracional sentenciados com medidas socioeducativas de
privação e restrição de liberdade, no Estado de São Paulo, é feito pela Fundação CASA (Centro de
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente). O novo nome da antiga Febem/SP (Fundação Estadual para
o Bem-Estar do Menor de São Paulo) foi alterado pela Lei Estadual nº 12.469/06.
http://justica.sp.gov.br/index.php/entidades-vinculadas/fundacao-casa/
67

Os estágios na graduação na área da Psicologia Comunitária promovem a atuação


com um público de vulnerabilidade social. Segundo Miranda (2012), a Psicologia
Comunitária é uma área de conhecimento que se ocupa em estudar, entender e intervir
nos fenômenos psicossociais. É um trabalho realizado em grupos, e na comunidade, a fim
de transformar o indivíduo em sujeito. No que concerne à Psicologia Comunitária, pode-
se referenciar como uma área de atuação com a finalidade de aplicar as teorias e métodos
da Psicologia social no contexto de uma comunidade.
O psicólogo 3 citou sua experiência na graduação com o público de maior
vulnerabilidade e o interesse em não seguir o tradicional modelo clínico da Psicologia.
Já na graduação, eu comecei a trabalhar e estagiar no departamento de
assistência social, foi um dos meus primeiros contatos com o público
mais da vulnerabilidade, a gente tenta outro tipo de abordagem que não
seja a clínica e nem a Psicologia do trabalho, que era coisa que eu não
me afinava muito (Psicólogo 3).
O psicólogo 2 trouxe a influência de temas relacionados a gênero ainda na
graduação.
Bom, eu comecei a trabalhar no final da graduação na Federal de Santa
Catarina, é uma universidade que tem uma emergência muito forte em
estudo de gênero. Então, desde a graduação eu já tive por exemplo
algumas disciplinas (Psicólogo 2).
A inserção de temas transversais, ainda na graduação, promoveu uma
sensibilização para estes profissionais atuarem em situações que saíssem do enquadre
clínico, indo ao encontro com as demandas nos serviços institucionais, no caso a violência
doméstica e com um público de maior vulnerabilidade.
Os relatos trouxeram que os estudos sobre gênero também foram de elevada
importância para o trabalho em grupo com homens e a necessidade presente nos cursos
de formar profissionais com a perspectiva de gênero. O Psicólogo 1 relatou o quanto
considera importantes os cursos de Psicologia colocarem na sua grade a disciplina de
gênero:
Eu não me lembro de nenhuma aula sobre gênero na faculdade de
Psicologia. A gente sem o olhar de gênero não conseguiríamos fazer
esse trabalho. No quinto ano da graduação, pensávamos em fazer algo
coletivo, não queria fazer uma coisa individual. Fui inserido nessa
discussão e aí comecei a estudar tanto gênero quanto masculinidade.
Uma coisa pra (sic) mim que foi fundamental foi essa questão do
68

feminismo no ABC. Tínhamos um feminismo muito forte no ABC, e


por fazer parte desse programa, fui me inscrevendo em todos esses
seminários e discussões feministas na época. Começamos o primeiro
curso de promotoras legais populares em 2001. Em 2002, este foi
implantado. Então tive a oportunidade de participar do primeiro curso
de PLP (promotoras legais populares) que teve em São Paulo
(Psicólogo 1).
O psicólogo 2 também trouxe suas influências na questão de gênero ainda no final
da graduação e nos evidencia que ao trabalhar neste campo sentiu a necessidade de buscar
aprofundamento teórico com doutorado sobre relações de gênero enfatizando as
masculinidades. Ele adentrou o universo acadêmico no que tange os estudos com os
homens autores de agressão.
Minha tese de doutorado é sobre a construção e desconstrução de
subjetividades masculinas no grupo terapêutico de homens autores de
violência. Lá eu tive oportunidade de conhecer outros grupos, conheci
grupos na Inglaterra, conheci grupos dentro do Estado Espanhol,
participei de uma reunião Europeia, para construir critérios específicos
e mínimos à União Europeia no trabalho em grupo de homens em uma
atividade que foi feita em Berlim. (Psicólogo 2)
A prática de se trabalhar com homens autores de violência requereu dos
psicólogos novas inserções do exercício profissional. Para Freitas (2015), embora a
Psicologia no Brasil seja uma profissão ainda jovem, isso não impede o amadurecimento
perante questões sociais, o que tem ocorrido sobretudo junto às políticas sociais, com
intervenções direcionadas a diferentes públicos14. Nos últimos 20 anos, a autora coloca
que surgiram propostas de implementação de políticas sociais e públicas que trouxeram
dois desafios importantes para a área, um deles, foi o fato de se ampliarem os cenários de
inserção e atuação para o profissional. Outro foi a atuação em espaços não tradicionais,
como da clínica psicológica. Nesta perspectiva, ao profissional coube em sua prática uma
atuação de maneira não mais individual e com ênfase no patológico; que o profissional
participasse e soubesse interagir com equipes de trabalho multiprofissional; e que
incorporasse novos objetos de investigação em detrimento daqueles fenômenos sociais
que pareciam pouco relevantes à Psicologia tradicional.
Esta inserção em novos contextos e a necessidade de compreender os fenômenos

14
Ainda que para a autora não signifique que este caráter de consolidação já tenha sido atingido.
69

sociais de ocorrência no cotidiano que ainda não eram abarcados pela Psicologia levaram
os psicólogos a buscarem nas pesquisas capacitações, habilidades e competências para
trabalharem e proporem novas atividades junto à população. O psicólogo 1 também
aponta em sua trajetória acadêmica a relevância de ampliar seus estudos para além da
graduação.
Eu acho que no mestrado foi o lugar que eu consegui os referenciais
teóricos, para desenvolver esse trabalho. Foi no mestrado, fazendo a
minha pesquisa, que eu fui arrumando esse alicerce (Psicólogo 1).
Os psicólogos acima relataram que a vida acadêmica foi um alicerce para o
trabalho em grupo com os homens. No decorrer da atuação profissional, estes foram se
inserindo em eventos científicos, na produção de artigos e livros que eram resultados de
seus trabalhos nos grupos, como também foram refletindo sobre suas atitudes
participativas e atuantes nas temáticas de gênero. Essa representação acadêmica de ambos
exerceu, no cenário brasileiro, acentuada influência no processo de consolidação no
trabalho da Psicologia em grupos com homens autores de violência. Estes psicólogos
tornaram-se referência teórica e prática para a categoria. Isso pode ser elucidado quando
o psicólogo 2 relatou sua autoria na criação e implementação de uma metodologia em
grupos reflexivos de homens autores de violência.
[...] uma iniciativa de produzir metodologia e capacitação para os
sistemas públicos no caso o TJ (Tribunal de Justiça). Esse era um dos
projetos de construção da minha carreira universitária. Aí eu publiquei
a metodologia Noos em 2006, depois saiu o mapeamento que o Instituto
Noos fez, sendo meu primeiro mapeamento neste (sic) ano (Psicólogo
2).
Este psicólogo se refere a uma metodologia na qual a violência entre homens e
mulheres é vista como resultado de um contexto cultural que estabelece relações violentas
e apresenta a participação ativa dos indivíduos em sua constituição. Nesse sentido, a
esfera social está em permanente interação com a subjetividade individual, que se
influenciam mutuamente. Todo o trabalho é realizado no sentido de se evidenciar este
processo e fornecer aos indivíduos maior autonomia na forma de se relacionar com os
demais. É um enfoque inclusivo, que comporta abordagens como as psicológicas,
educativas e vinculadas às teorias de gênero (Beiras & Bronz, 2016).
Os psicólogos 1 e 2 relataram suas experiências num trabalho de articulação com
outras áreas, no caso o Judiciário e as políticas públicas, para a implementação dos grupos
70

com os homens. Neste sentido, tem-se a figura do psicólogo imerso num novo contexto e
atuando também como facilitador de contatos.
Cabe ressaltar que no país os primeiros trabalhos realizados por psicólogos junto
ao Judiciário enfatizaram perícias criminais com diagnósticos no campo da
psicopatologia, os profissionais eram responsáveis em realizar um parecer que
subsidiasse as decisões jurídicas. Para Brito (2012), geralmente os psicólogos não eram
servidores do Judiciário, mas profissionais indicados, somente nos anos 1980, tem-se
notícia da criação do cargo de Psicólogo junto ao Poder Judiciário do Estado de São
Paulo15. Atualmente, embora haja o cargo de psicólogo no Judiciário atuando
principalmente com questões relacionadas à infância e juventude, a temática sobre a
família e as mulheres têm tomado interesse no campo jurídico. Ainda assim, muitos
profissionais prestam serviço neste âmbito, mas não são efetivos deste setor público.
Destaca-se, contudo que o CFP vem usando a designação Psicologia na
interface com a Justiça, a partir do entendimento de que essa expressão
incluiria não só os profissionais lotados nos tribunais, mas também os
que executam trabalhos que são encaminhados ao sistema de Justiça,
ou seja, os psicólogos que não possuem vínculo empregatício com o
Poder Judiciário. Inserem-se aí, portanto, trabalhos realizados por
aqueles que atuam em consultórios clínicos e os que compõem equipes
de outras instituições, convidados ou solicitados a emitir pareceres que
serão anexados aos autos processuais. Nesse último grupo, pode-se
listar, por exemplo, os psicólogos que exercem sua prática profissional
em unidades que executam medidas socioeducativas, em penitenciárias,
em Conselhos Tutelares, em CREAS e em ONGs, entre outros. Tais
explicações também se encontram presentes em algumas indicações
para atuação de profissionais, elaboradas pelo Centro de Referência
Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), como dispostas
nas Referências Técnicas para Atuação do Psicólogo em Varas de
Família (Brito, 2012).
Os psicólogos da pesquisa não são funcionários públicos lotados no Judiciário,
mas revelam um trabalho que faz esta interface entre Psicologia e Poder Judiciário, uma
vez que os homens autores de violência contra as mulheres diante da penalidade sofrida
são compulsoriamente encaminhados a participarem dos grupos reflexivos. Estes

15
A UERJ foi a primeira universidade em 1986 a ter turma do curso de Especialização em Psicologia
Jurídica (Brito, 2012).
71

psicólogos demonstraram a preocupação em levar adiante o trabalho de grupos num


caráter multiplicador com outros profissionais.

4.3 O encontro: psicólogo e homens autores de agressão


A seguir serão explanadas as trajetórias burocráticas do homem autor de violência
desde o registro do boletim de ocorrência até sua inserção no grupo. No decorrer, como
este homem se apresenta nos primeiros encontros grupais no que tange suas justificativas
frente ao ato de violência e neste cenário, a figura do psicólogo enquanto facilitador dos
grupos.

4.3.1 A jornada dos homens autores de violência: do jurídico à atuação da Psicologia


Os profissionais mostraram o percurso que os homens fizeram desde sua autuação
de inquérito, punição judicial até serem inseridos nos grupos que os psicólogos atuam.
Explicaram o formato dos grupos, nos quais incluíam a forma de encaminhamento,
número de encontros, local.
O psicólogo 1 explicou os trâmites burocráticos para que os homens cheguem no
grupo. No caso de umas das cidades delimitadas neste estudo, os homens indiciados pela
Lei Maria da Penha, com pena inferior a dois anos de prisão, as Juízas Criminais aplicam
o Sursis - suspensão condicional da pena - e encaminham os mesmos à Central de Penas
e Medidas Alternativas. Com isso, a Central de Penas realiza entrevistas com os autores
para verificar se estão em condições de reflexão e discernimento para acompanhamento
das discussões em grupo.
Então da parte burocrática, eles chegam quando a juíza aplica o SUSIS,
pra (sic) encaminhar eles (sic) pra medidas de penas alternativas, a
Central de Penas encaminha esse homem pra uma pena de 52hs pra
participar do grupo de homens. Então ele vem, é bom dizer assim: esses
homens de fato não iriam presos, porque no Brasil, quando uma pessoa
é apenada com uma pena de menos de dois anos, ela não vai presa,
geralmente fica no regime aberto. (Psicólogo 1)
Segundo o psicólogo 1, após entrevistas, os homens são encaminhados para 26
encontros ou 52 horas de participação no programa. Os encontros do grupo são semanais,
com duração de duas horas, com cerca de 15 participantes em cada grupo. Ocorrem 2
grupos simultaneamente, com 15 participantes cada, contabilizando 30 participantes
compondo este serviço. Cabe ressaltar que o grupo apenas recebe os homens
72

encaminhados por decisão proferida pelo juízo competente. Quanto aos custos, os
profissionais facilitadores não são remunerados por este trabalho e o projeto recebe uma
ajuda de custo da justiça, a qual é destinada para a infra estrutura do local aonde é
realizado o grupo.
Quando chega ao programa, ele passa por dois encontros preparatórios,
individuais, em dupla, trio ou quantos vierem. No primeiro encontro, recebe orientações
sobre o funcionamento do grupo e regras de convivência. É aplicada uma escala de gênero
e masculinidades e construído um crachá pelo próprio participante, com o nome que
deseja ser chamado no grupo. É também realizado a leitura de um resumo da Lei Maria
da Penha e explicado seu funcionamento. No segundo encontro, ainda fora dos grupos
principais, é convidado a fazer um relato sobre como chegou ao programa: o ocorrido, a
denúncia, a violência, a situação conjugal e a guarda dos filhos.
Já no terceiro dia de participação, o homem é inserido em um dos dois grupos e
participa das oficinas temáticas, independentemente do tema daquele encontro. Deve
participar de 20 oficinas temáticas, no entanto, dependendo do número de faltas, poderão
vivenciar determinado tema ou repetir outros. Quando completa o ciclo de 20 oficinas,
em seu último dia no grupo, apresenta um relato por escrito sobre sua participação,
realizando a leitura. Neste momento, recebe uma devolutiva dos facilitadores e demais
participantes do grupo.
No decorrer do vigésimo terceiro encontro, já fora do grupo, é realizada uma
entrevista de avaliação na qual é aplicada novamente a escala de gênero e masculinidades
e um questionário com perguntas sobre o perfil do participante. A escala e o questionário
não são avaliados e interpretados individualmente, o questionário proporciona a
elaboração de um perfil geral e a escala estabelece uma comparação entre o discurso de
entrada e de saída dos participantes, permitindo uma percepção sobre os pontos fracos
das oficinas, os aspectos que precisam ser mais enfatizados e temas que precisam ser
reforçados no processo socioeducativo.
Os três últimos encontros são quadrimestrais: 1ª quarta-feira de fevereiro, 1ª
quarta- feira de junho e 1ª quarta-feira de outubro - sempre nessas datas, iniciando na data
mais próxima do final de seu percurso. Nesses encontros, busca-se conversar com esses
homens sobre os resultados das participações, abordando aspectos de como está a vida
pós-grupo, relacionamentos, violências e planos futuros.
Cabe ressaltar que o psicólogo 3 também compõe o mesmo programa do psicólogo
1, sendo um dos facilitadores dos grupos socioeducativos para homens autores de
73

violência.
O psicólogo 4 atua num grupo reflexivo oferecido por uma ONG, grupo aberto,
de fluxo contínuo que vem sendo desenvolvido desde 2009. Assim como os psicólogos 1
e 3, os profissionais facilitadores deste projeto não são remunerados. Este grupo recebe
homens autuados pela Lei Maria da Penha encaminhados pelo Juizado de violência
doméstica e família numa determinada região na cidade de São Paulo. A decisão em
participar desse grupo é livre, podendo, segundo informação que recebem da juíza, terem
uma possível atenuação da pena, caso sejam condenados. É considerado participação no
grupo a frequência contínua de dezesseis encontros semanais, com duração de duas horas.
Como critérios de inclusão: homens autores de violência e réus primários, não serem
portadores de transtornos psiquiátricos ou dependentes de substâncias psicoativas.

4.3.2 Do macho ao homem: as transformações masculinas a partir dos grupos


Por meio das entrevistas, os psicólogos entrevistados manifestaram suas
percepções sobre os comportamentos, atitudes e ações dos homens autores de agressão.
Para estes profissionais, no início dos encontros grupais, principalmente no primeiro
encontro, os homens chegam não se considerando responsáveis por terem praticados atos
de agressão contra a mulher. Colocam-se como vítimas, uma vez que o judiciário não quis
escutá-los e que existe um contexto do qual houve um conflito e a mulher foi favorecida.
Eles acham que, “ah, eu não cometi, eu não bati” e “aí” a gente começa
a discutir, então a lei Maria da Penha com eles, pois eles chegam
defensivos, achando que foram vítimas, que as mulheres é que são
culpadas. Dizem que a juíza não os ouviram (sic), que no processo
ninguém o ouviu, que tudo que a mulher falou não era verdade, e
ninguém perguntou a ele o que aconteceu. Então eles chegam sempre
dessa forma, todos com esse discurso. Muitos chegam dizendo que não
fizeram nada, já alguns sim, estavam se defendendo e a mulher veio
bater primeiro e com isso ele se defendeu ou só segurou, ou empurrou.
Vários relatos assim. Eles chegam dessa forma resistentes (Psicólogo
1).
O psicólogo 1 relata que no início dos encontros os homens apresentam-se como
injustiçados. Dentre as falas, costumam responsabilizar as mulheres pelo conflito que
desembocou na agressão e que a justiça está somente do lado da mulher.
Segundo Rosa, Boing, Buchele, Oliveira e Coelho (2008), os sujeitos do grupo
depositam na companheira o motivo da agressão. Com isso, as ações, que de acordo com
eles, foram inadequadas por parte das companheiras é que conduziram o casal para uma
situação de violência. Colocam na companheira a culpa pela situação, não se
reconhecendo como agressores, racionalizando a atitude agressiva como comportamento
74

originado pela mulher.


O psicólogo 4 também trouxe relatos nos quais os homens chegam aos primeiros
encontros com uma postura de revolta e justificando-se que se encontravam numa
situação vulnerável e que isso gerou o conflito com a companheira. Questionam que
ninguém (no caso, justiça, polícia) se disponibilizou a escutá-los.
Eles chegam muito vitimizados, discurso também defensivo,
vitimizados, é …. frágeis e sendo vítimas de uma injustiça e não
erroneamente, não reconhecendo o que fizeram, “eu posso até ter feito
isso pra minha companheira, mas existe um contexto, foi um revide, eu
tinha bebido, eu estava ruim de grana, não fui ouvido”. Eles chegam
com uma postura muito violenta e não querem estar ali no grupo, não
que seja obrigado, mas é uma recomendação que a justiça dá. Eles
chegam não muito felizes “nenhuma mulher presta, justiça não presta,
polícia não presta”, chegam vomitando, vomitando, vomitando….
então a postura inicial é essa (Psicólogo 4).
Nesta postura de resistência relatada pelos profissionais 1 e 4, Rosa et al (2008)
comentam que o agressor costuma ver somente o que precisa ver, a saber, apenas o que
necessita saber, tem consciência apenas daquilo que está preparado para ter.
No decorrer dos encontros, começa haver uma mudança de postura, estes homens
vão gradativamente se desvencilhando de uma postura egocêntrica, vitimista e
percebendo os outros integrantes do grupo.
E depois, com o tempo, que houve essa catarse, colocou tudo pra fora,
está mais leve, mais tranquilo e começa a ouvir os outros homens.
Ficam na repetição, o começo é mais terapêutico, e depois disso começa
(sic) ouvir outros homens, começa se identificar com outros homens,
no processo da identificação, na empatia, no processo do grupo, entende
que alguns homens ali sentiram (...) Se sente acolhido, ele baixa a
guarda, é muito a parte da identificação (Psicólogo 4).
O psicólogo 4 identifica que na interação grupal com outros homens também
sentenciados pela lei 11.340, o homem autor de violência vai se desvencilhando de uma
condição de revolta e identificando-se com os outros integrantes, desenvolvendo empatia
e escuta.
O psicólogo 1 também traz o relato deste processo do homem no grupo, o qual
fica evidenciado na linguagem corporal e nas falas:
E depois lá no grupo, tem um certo momento, que você começa a ver
esse homem chegar mais leve, ele chega cumprimenta a gente, ás vezes
já dá um abraço quando chega, já está com uma postura mais relaxada,
não está tão tenso, querendo mostrar para o outro que é macho. Acho
que no décimo encontro a gente começa a ver essa mudança de postura
nas falas (Psicólogo 1).
O psicólogo 1 consegue identificar o momento do encontro que a mudança na
postura do homem ocorre e enfatiza a necessidade de até então o homem autor de
violência apresentar-se no grupo a partir de valores machistas.
75

A transformação na postura destes homens ao longo dos encontros, segundo o


psicólogo 3, tem no formato grupal um fator que favorece.
A maneira como é formado o grupo, a roda, isso pra (sic) mim já é
importante. O olho no olho, você quebra muitas defesas masculinas,
então dependendo da técnica, você já dá uma abaixada nas resistências.
[...] A gente senta no mesmo nível e se coloca no mesmo nível, é um
grupo educativo, trabalha muitas questões: o que é de homem, o que é
de mulher, profissão de homem e de mulher, questões de honra
(Psicólogo 3).
Neste relato, o profissional atribui a vivência do encontro grupal e a forma como
é estruturado, rompendo com uma estrutura punitiva e hierárquica, de acentuada
relevância para o processo de reflexão dos homens.
Esta vivência grupal representa um espaço de socialização dos homens e será a
partir desta configuração que o psicólogo irá atuar. Dentre os pontos a serem trabalhados
pelo profissional tem-se: viabilizar a abertura de um espaço psicológico de forma que
esses homens consigam falar sobre afetos ainda escondidos num padrão masculino de ser.
O desafio do profissional e do próprio grupo reside em possibilitar discussões que
promovam nestes homens repensarem os padrões de gênero os quais foram incutidos em
sua criação e educação e em nenhum outro momento se permitiram questioná-los.
Os estudos de Atallah, Amado e Gaudioso (2013) salientam que a mudança de
comportamento dos homens implica num profundo envolvimento destes, sendo bem
comum forte resistência dos homens no início do processo grupal. Entretanto, na maioria
dos casos, esse sentimento é revertido quando cada um percebe que participa de uma
proposta de construção coletiva de mudança.
O processo grupal relatado pelos entrevistados trouxe a possibilidade de uma
vivência coletiva, no caso, todos estavam lá pelo fato de serem autores de violência contra
a mulher. Mesmo não se reconhecendo como tal, estavam compartilhando de um mesmo
momento no qual lhes foi proposto conversar sobre questões até então despercebidas em
suas vidas: relacionamentos, afetos, rotina do dia a dia. Este exercício de socialização
humaniza e potencializa um movimento de construção e transformação na vida destes
homens.
Esta atuação profissional, segundo com Veloso e Natividade (2013), deverá
apoiar-se na crença de que as pessoas têm a capacidade de mudar, promovendo a
responsabilização masculina pelo ato cometido e pelas consequências destes, bem como
o reconhecimento do uso da violência como uma escolha feita dentro de um leque de
possibilidades pacíficas de resolução de conflito.
76

Neste sentido, os relatos dos psicólogos 1, 3 e 4 acerca a postura dos homens ao


longo dos encontros trazem o desafio por parte dos profissionais em promover a
responsabilização pelo ato cometido e suas consequências. Este pode ser considerado o
ponto sensível do trabalho, uma vez que os homens nos grupos são resistentes em
assumirem a responsabilidade pelo ato de violência. Ainda assim, existe uma condição
na qual eles são apresentados pelo judiciário como autores de violência. Mesmo que este
homem não se considere como tal, existe um boletim de ocorrência e a palavra do juiz. É
a partir disso que se inicia a atuação do psicólogo: promover a implicação deste homem
com o ato de violência.
O psicólogo 4, anteriormente ao seu trabalho com os homens, tinha trabalhado
com as mulheres vítimas de violência e relatou que ficava influenciado pelo discurso
delas, o que distorcia sua percepção sobre os autores de agressão, refletindo em visões
pré-concebidas e num distanciamento. Possuía uma visão estigmatizada destes homens,
sensibilizando-se com a fala das mulheres.
Eu via até porque eu tinha trabalhado com mulheres em situações de
violência. Você se identifica com mulheres, apesar de eu ser homem,
me identificava muito mais com elas. Tinha uma empatia, via o
sofrimento, então eu via os homens de uma forma estigmatizada, como
algo distante (Psicólogo 4).
Esse relato trouxe à tona a importância em se pensar o risco dos profissionais que
trabalham com a presente temática tornarem-se unilaterais e se estagnarem no discurso
de vitimização das mulheres. Isso conduz, como descreveu o psicólogo 4, a um
sentimento de distanciamento em relação aos homens. Billand e Molinier (2017), em
estudos com profissionais nesta área, mostrou o relato de um profissional o qual tinha
tido uma experiência de trabalho junto a mulheres em situação de violência e isso lhe fez
perceber a discrepância entre “os rios de lágrimas das mulheres” e a sobriedade do
sofrimento dos homens. Observaram que alguns profissionais se defendem, evitando o
quanto for possível o confronto com as queixas das mulheres e com isso se posicionam a
favor de uma forma de divisão do trabalho: enquanto eles cuidam dos homens, as
feministas cuidam das mulheres. Quaisquer que sejam as estratégias adotadas por eles, os
facilitadores dificilmente conseguem defender o ponto de vista das mulheres no contexto
grupal sem arruinar a sua relação empática com os homens.
Ainda no que tange o risco de o profissional ficar influenciado pelo processo de
vitimização das mulheres, o psicólogo 4 relata como isso ficou evidenciado no período
em que trabalhava somente com as mulheres:
Ao atender a mulher eu achava que os caras são monstros, como pode
77

o homem fazer isso com mulher, que absurdo! A coisa do


distanciamento, de pegar essa imagem do homem como monstro. Eu
tinha muito disso, de que o homem tinha que ser punido. No entanto, vi
que eu tinha que abrir os olhos, são homens que nem eu, igual os (sic)
meus amigos e muitas vezes o que faz um cara agredir uma mulher é a
falta de recursos, falta de recursos idôneos, e muitas vezes eu me sinto
ameaçado, é um recurso, é um recurso muito pobre, mas a violência é
um recurso, os meninos acabam não usando a palavra, usam o
entendimento e partem pra outra vias, (....) então vejo que quem agride
mulheres são homens comuns (...) (Psicólogo 4).
Este relato elucida que o contato com os homens autores de violência através do
trabalho em grupo possibilitou ao profissional desenvolver um outro olhar frente ao
fenômeno da violência contra as mulheres, no caso conjugal. Isso proporcionou ao mesmo
um amadurecimento, seja no nível pessoal como no profissional, uma vez que colocou o
quanto a vitimização daquelas mulheres o sensibilizava fazendo-o assumir uma postura
de revolta e distanciamento por esses homens e com isso incorporando a lógica binária
de vítima e algoz. Nesse sentido, a complexidade do universo da violência nas questões
relacionais começou a se descortinar revelando que os ditos “monstros” seriam “homens
comuns”. Neste processo, o psicólogo revelou ter conseguido desenvolver empatia por
esses homens quando compreende que ao se sentirem ameaçados possuem a violência
como único recurso para se defenderem, compreendendo ser um recurso ainda muito
primitivo. O entrevistado vai além quando relata que também consegue se colocar neste
lugar de sentir-se ameaçado.
Os demais entrevistados não relataram essa experiência com as mulheres vítimas
de violência. Apenas o psicólogo 1 relatou experiência de trabalho com a crianças vítimas
de violência doméstica e descreveu que neste caso sua abordagem é diferente:
Quando a gente atende uma criança que sofreu abuso, é uma
metodologia. Você está ali para suavizar o que ela sofreu, pra ouvir,
acolher, dizer que aquilo vai passar, fortalecer a resiliência dela. Já
quando você vai fazer esse trabalho com homem é outro discurso, com
homem não, você vai realmente criminalizar aquilo e dizer que ele não
pode fazer aquilo. E uma outra postura, diferente da criança. Para o
homem a gente vai dizer, as consequências do que você fez vão ser para
vida inteira. São dois discursos e técnicas totalmente diferentes, e com
o agressor também (Psicólogo 1).
O psicólogo 1 explanou suas vivências em dois momentos diferentes no fenômeno
da violência, com a vítima e no caso criança e com o homem autor de violência.
Evidenciou sua forma de atuar em cada caso: com o homem apresenta uma postura mais
enérgica e racional, propondo uma psicoeducação, já com a criança, trouxe uma postura
de acolhimento a fim de instaurar a resiliência.
O psicólogo 4 relatou que o contato com os grupos acabou por surpreendê-lo, uma
78

vez que aquela visão estigmatizada do agressor foi descortinada, aparecendo um homem
comum, como um “homem da sociedade”.
E trabalhando com os homens, você consegue ver que quem agride,
quem mata as mulheres, são homens da sociedade. Quando a gente vê
no Datena, a gente liga a tv, ele pinta o homem como se fosse o maior
monstro e não, eu trabalho com homens desde 2011 eu nunca vi esse
homem! Eu via de uma forma estigmatizada, quem agride a mulher são
homens da sociedade, são homens comuns, homens da minha família,
homens como meus amigos, são homens com uma referência machista
de masculinidade, referência primitiva. Jornalistas quando vão me
entrevistar perguntam qual o perfil dos homens e eu digo: são homens
de 18 a 78 anos, de todas as cores, tem Boliviano, Peruano, já teve
Americano, de regiões do país, é uma amostra fidedigna dos homens
brasileiros, dos homens que passam no grupo, dos homens de dentro do
grupo, dos homens fora do grupo! O que difere é somente um boletim
de ocorrência, uma amostra extremamente fidedigna. Deixei de vê-los
de forma estigmatizada, como monstros e vejo como homens com uma
amostragem dos homens brasileiros com o que temos de masculinidade,
não vejo como uma patologia, são homens comuns (Psicólogo 4).
Ampliar o olhar sobre o fenômeno e compreender que este homem não é um
agressor a todo o tempo torna-se importante. Assim como ele trouxe a autoria de uma
agressão, possui outras características que também fizeram esta mulher vivenciar bons
momentos na relação conjugal. Assim, o trabalho com os homens autores de agressão
podem ser olhado como uma quebra de paradigmas. que vai além da mulher-vítima e
homem-algoz.
Guimarães (2012) comenta que no campo do judiciário é encontrado uma lógica
binária, na qual o homem é o algoz e a mulher, a vítima. Este pensamento pode dificultar
na promoção de resultados e coloca a necessidade em se pensar na ampliação das
estratégias de ação a fim de potencializar a compreensão do fenômeno da violência,
promovendo mudanças subjetivas e sociais. Tal colocação do autor também pode se fazer
presente na atuação de profissionais da Psicologia, como relatado acima, o que inviabiliza
a efetividade no trabalho de enfrentamento da violência contra a mulher.
Bernardes e Mayorga (2017) colocam a importância para o psicólogo estar atento
ao risco da adoção do sentido essencializado do homem autor de violência, ou seja, a
acepção destes como “inimigos das mulheres” e com isso sendo colocado limites num
processo de transformação no trabalho com os mesmos.

4.3.3 A atuação do profissional psicólogo no grupo com homens autores de


violência
Neste grupo será explanado como é realizada a atuação de cada psicólogo
79

entrevistado no seu respectivo grupo de trabalho.

4.3.3.1 Referencial teórico metodológico


Neste subgrupo, os profissionais revelaram suas tendências teóricas e sociais,
descrevendo as correntes teóricas nas quais se embasaram para desenvolver seus trabalhos
nos grupos e, com isso, a metodologia adotada.
O psicólogo 1 descreveu sua atuação com os homens de forma a conduzí-los por
uma reflexão acerca do comportamento violento e de suas raízes a partir de um
comportamento socialmente aprendido.
Quando você vai fazer esse trabalho com homem é outro discurso, com
homem não, você vai realmente criminalizar aquilo, você vai dizer pra
ele que ele não pode fazer aquilo, é uma outra postura, diferente da
criança, “pro” homem a gente vai dizer, as consequências do que você
fez vão ser para vida inteira, pra criança você vai falar: ‘ você vai
superar’, são dois discursos e técnicas totalmente diferentes. [...] agora
quando a gente pensa em um trabalho nosso, de grupo ali, uma das
lógicas que a gente tem, a gente tem que tirar o homem da história
pessoal dele, uma diferença da Psicologia, a gente quando faz terapia
com um homem a gente parece que quer entrar na história pessoal dele
no trabalho de grupo a gente quer tirar ele de lá, a gente quer que ele
perceba o quanto aquilo que ele faz é comportamento aprendido
socialmente, não tem a ver com as coisas dele, a gente pensa na nossa
lógica, ele tem um monte de coisa boa dentro dele, um monte de coisa
não machista dentro dele, tem muitas coisas que a gente quer, a gente
quer que ele se identifique com o social, quer que ele perceba que a
prática dele tem a ver com a prática do outro, que é uma prática
construída socialmente e que ele desempenha, que não necessariamente
é ele, ele não é o agressor, a gente tenta tirar ele desse lugar (Psicólogo
1).
O psicólogo 1 trouxe uma forma de atuação que sai do enquadre tradicional
clínico, propondo uma prática de desconstrução e construção no que tange um
comportamento socialmente aprendido. Guimarães e Diniz (2017) também acrescentam
que nesse tipo de trabalho ocorre a necessidade de se ampliar a compreensão da violência,
não se restringindo somente a uma visão intrapsíquica, mas incluindo a dinâmica
relacional e os aspectos sociais.
Ainda assim, Natividade (2017) coloca que a violência doméstica contra as
mulheres baseada no gênero inaugura novos discursos nas relações de intimidade sobre
as maneiras de violência sofrida pelas mulheres em relacionamentos abusivos e, contudo,
novas oportunidades de tratamento social da questão da violência.
Com isso, o objetivo do trabalho deste profissional deve ser o de reconhecer a
importância do real entendimento dos sentidos da violência para os homens, sendo uma
80

forma de acessar as maneiras como a violência foi naturalizada no processo de


socialização e de construção de suas masculinidades.
Já o psicólogo 2 descreveu seu objetivo de atuação com os homens. Segundo ele,
um trabalho com a proposta de construção e reflexão.
Já virou uma linha de atuação contínua, em pensar em como trabalhar
isso criticamente, com um olhar de publicidades em questão de gênero,
da violência, como fundamentar esses grupos, tem gente que acha que
é só falar com esses homens e ir embora, deu 10 sessões a gente faz. Eu
fiz uma consultoria com a Central de Penas e Medidas Alternativas e
falei: tem que ser mais sessões. E elas falam que vão fazer só 4. A minha
preocupação é que tem uma literatura que diz que o ideal é de 10 a 12
e a internacional diz que é 20. Então é um trabalho aplicado
subjetivamente, é a reflexão crítica existindo, que não seja palestras,
não seja passar a mão na cabeça dos homens. Que seja refletir e trazer
um lugar de potência, de fazer um trabalho de equidade de gênero
também efetivamente. Virou uma linha, um cuidado pra (sic)
fundamentar isso e trazer bases epistemológicas, de teorias e conceitos
a partir do gênero, conceitos da Buttler e ao mesmo tempo enquadrar
uma metodologia. Muitos falam que são grupos reflexivos, mas na
verdade estão refletindo mesmo, refletir pode ser muita coisa, não pode
ser muita gente. Procurar fazer com que todo mundo converse. Como
que está sendo pra (sic) eles, como eles têm trabalhado. Bom e isso que
é de fato grupo reflexivo eu tenho procurado explicar, falar o que é
grupo reflexivo que é diferente de grupo Psicoeducativo e a proposta de
produzir... eu até falo isso em alguns artigos, uma política nacional,
onde a pessoa possa tomar como referência a partir de uma estrutura
pública como que a gente precisa pensar esses grupos como uma
estratégia de ação. (Psicólogo 2).
Nesta fala, o profissional propõe uma nova forma de atuar e pensar o trabalho do
psicólogo nos grupos com homens autores de violência quando descreve que o intuito é
fazer com que os integrantes conversem entre si durante o encontro. Isso pode ser
representado através das rodas de conversas, vivências de trocas entre os homens, de
forma que eles iniciem um processo de escutar o outro e com isso possibilitando uma
ampliação de consciência de forma a não ter a violência como único recurso para
solucionar conflitos.
Frente ao relato do psicólogo 2, Beiras e Nascimento (2017) comentam que
intervenções simplificadas perdem efetividade, potencialidade de continuidade e
possibilidades reais de mudança. Vale também destacar a importância de ações
interdisciplinares em sintonia com feminismos, estudos de gênero, masculinidades, em
busca da equidade de gênero e a discussão de direitos humanos.
Neste sentido, a formação do psicólogo que irá atuar nesta área, os estudos de
gênero tornam-se importante e necessários a fim de desenvolver um trabalho de cunho
reflexivo com homens autores de violência. Isso é também colocado por Njaine et al
81

(2014) ao falar que num primeiro momento, o profissional de saúde precisa conhecer as
questões relacionadas ao gênero e sua relação com os tipos mais comuns de violência.
O psicólogo 4 relatou a experiência em grupo como um espaço psicológico para
esses homens conversarem sobre sentimentos e situações pessoais que até então não se
permitiam fazer.
A gente tem que pensar que o caminho é pela socialização que seria
falar dos próprios sentimentos, seria nomear a própria angústia, seria
falar sobre o que você sente. O homem não fala, logo ele tem muita
dificuldade pra falar o que sente, que os homens apresentem os seus
defeitos e isso volta muito como violência, com formas do uso
demasiado de álcool e outras drogas, como forma de aliviar angústia: o
suicídio, quase 80% dos suicídios no Brasil são cometidos por homens
(Psicólogo 4).
O profissional acima colocou a importância destes homens terem um espaço
psicológico para falarem sobre sentimentos, uma vez que quando não há esse lugar de
expressão em suas vidas tornam-se vulneráveis a comportamentos destrutivos como a
violência, uso abusivos de álcool, bem como até o suicídio.
No que tange as expressões das emoções, Fávero (2010) coloca que reprimir
emoções evidencia um sinal de força e invulnerabilidade associadas a masculinidade.
Nessa constância é internalizada a ideologia de ser agressivo, destemido e invulnerável.
A autora salienta o processo de “doutrinamento” masculino que se inicia na infância e
perdura durante a vida adulta, seja no nível intra como interpessoal, sem haver uma
análise consciente, pelos próprios homens, dos seus efeitos danosos. Em resumo,
apresentar-se como não emocional é central para o aspecto mais masculino de ideologia
da masculinidade: “o ser forte e calado”, o estereótipo do ser invulnerável.
Ainda assim, Njaine et al (2014) relatam que a masculinidade hegemônica
costuma ter como pontos centrais a dominação e a heterossexualidade. Tal modelo, tem
como características: a força; o poder sobre os mais fracos (sobre as mulheres ou sobre
outros homens); atividade entendida como o contrário de passividade, inclusive sexual; a
potência; a resistência; a invulnerabilidade.
O psicólogo 1 apontou sua forma de trabalhar nos grupos a questão da
masculinidade e principalmente os valores machistas destes homens.
Geralmente no discurso mesmo, na dinâmica, aí você vai apontando as
contradições, você vai fazendo perceber que isso é uma violência, que
o caráter de ter uma amante é uma violência, então você começa a tirar
ele desse lugar de conforto machista. E os outros também começam a
perceber que esse lugar parece um privilégio. É um privilégio!
(Psicólogo 1)
Outro profissional trouxe que muitos homens no grupo já quebraram alguns
82

valores machistas, no entanto, ainda não se deram conta de tal movimento.


Historicamente, você tem o feminino mais ligado ao cuidado e o
masculino mais ligado ao concreto. E no grupo, o mais interessante
ligando agora, muitas vezes eles já fazem! Eles só não se dão conta.
Eles já fazem o cuidado, é cuidar do filho e aí eles dizem: “eu já troquei
fralda, eu cozinho, eu lavo louça”. Então às vezes eles se vêem nessas
experiências... uma questão de que não tem segredo. É difícil
reconhecer... eles vão fazendo de um jeito natural, mas não
reconhecendo isso exatamente (Psicólogo 3).
Ainda no que tange a masculinidade, o psicólogo 3 comentou como isso é
trabalhado nos encontros e o que observa na reação dos homens à medida que a temática
é colocada. Neste contexto, também enfatizou a importância na postura do facilitador.
Então você tem outros homens facilitadores, eu acho que é uma questão
que pesa de positivo porque você vai atingindo os valores e muitas
vezes eles passam sim a se questionar: “preciso disso para ser homem?
Será que esse é o caminho? Eu não posso ser diferente?” E eu acho que
a postura dos facilitadores de ser um exemplo de um outro masculino
não é o que enquadra o melhor ou pior, mas de ser um outro masculino.
Eles prestam muita atenção quando a gente fala, uma questão social,
uma série de conjuntura, por exemplo: a gente vai falar sobre honra: um
oriental, um ocidental, uma série de coisas para depois fazer a reflexão
para eles, eu acho que eles acabam além de desconstruir a questão do
machismo, eles acabam tendo segurança para exercer essa
masculinidade, o experimento de exercer essa nova masculinidade ali
naquele grupo (Psicólogo 3).
Frente à fala deste profissional sobre o que os homens trazem enquanto referências
de masculinidade, Guimarães e Diniz (2017) colocam que muitos homens são marcados
por mitos que constroem uma masculinidade hegemônica e apresentam dificuldade em
questionar e refletir sobre essas doutrinas sociais e seus discursos de masculinidades.
O profissional colocou que o grupo seria uma possibilidade destes homens
exercerem uma nova masculinidade, ou seja, ”um laboratório” para esta nova forma de
masculinidade.
Nesta perspectiva de gênero, Njaine et al (2014) relatam em seus estudos a
importância de se considerar que junto ao modelo predominante de masculinidade
presente em cada sociedade existe também modelos alternativos para reconhecer o que é
ser homem. Nessas alternativas de masculinidade, a violência pode não ser
preponderante, sendo importante considerar que individualmente os homens podem
atribuir diferentes sentidos aos padrões de masculinidade. Neste sentido, trabalhar a
relação entre violência e masculinidade sob uma perspectiva sociocultural e, com isso,
desnaturalizá-la, promove um trabalho potente para transformar o modelo hegemônico de
masculinidade, dando voz e vez a outras masculinidades possíveis. Considerar padrões
culturais, promove a incorporação de práticas que levam à reflexão sobre valores e ao que
83

eles geram em termos de condutas.


O psicólogo 4 colocou esse questionamento no seguinte trecho:
Nós estamos cada vez mais distante dos modelos hegemônicos da
sociedade, cada dia que passa estamos mais distantes desse homem,
então teve um momento dessa crise, as referências estão evidentemente
pobres e eu costumo dizer que o grupo serve para ampliar. O máximo
que o homem pode chegar hoje é: pegar as referências que você teve e
afirmar que elas não cabem mais pra (sic) mim, o que cabe é você
reformular. É a tal da crise da masculinidade, não existem
representações que caibam pra gente, tem que ser construídas, é
momento de negar as referências machistas que tivemos e que estão
expressas na sociedade, são referências patriarcais, hegemônicas do
homem referencial branco, viril, rico e bem sucedido, do provedor, do
trabalho, fraqueza pra falar de sentimentos, essa rigidez, e que na
socialização vão reafirmar a todo momento (Psicólogo 4).
O preparo teórico dos entrevistados no que se refere aos estudos de gênero e á
temática de grupos para melhor embasamento no que tange o manejo com grupos. Isso se
torna de acentuada relevância para os profissinais desenvolverem um trabalho com
efetividade e sendo possível pensar e desenvolver uma psicologia diferenciada neste tipo
de atuação, ou seja, promover a reflexão em grupo como ponto de partida para uma
mudança de comportamento.

4.3.3.2 Subsídios que a Psicologia traz para sua atuação no grupo


Nesta subcategoria, buscou-se saber dos psicólogos o que a formação em
Psicologia lhes trouxe para viabilizar o trabalho com os homens e com isso o diferencial
com outros profissionais que não possuem a mesma formação.
O psicólogo 1 relatou os subsídios que a formação trouxe a fim de possibilitar com
o homem autor de agressão, o acolhimento, a escuta, um melhor processo de
conscientização acerca das consequências de suas atitudes.
E quando ele chega pra gente, a gente faz o papel de acolher esse
homem, “aí” é o nosso papel, acho que esse acolhimento dos homens
não pode ser feito pela delegada, não pode ser feito pela promotora, eu
acho que esse homem, é ali o nosso trabalho, de acolher esse homem e
ouvir a história dele, aí é o nosso papel, até uso bastante essa referência,
do trabalho lá com exploração e abuso de crianças né, sempre tive,
quando a gente tá atendendo uma criança que sofreu abuso, é uma
metodologia, você está ali para suavizar o que ela sofreu, você tá ali pra
ouvir, pra acolher, pra dizer que aquilo vai passar, vai fortalecer a
resiliência dela, vai fazer ela voltar, quando você vai fazer esse trabalho
com homem é outro discurso, com homem não, você vai realmente
criminalizar aquilo, você vai dizer pra ele que ele não pode fazer aquilo,
é uma outra postura, diferente da criança, pro (sic) homem a gente vai
dizer, as consequências do que você fez vão ser para vida inteira, pra
criança você vai falar, não você vai superar, são dois discursos e
técnicas totalmente diferentes, e com o agressor também (Psicólogo 1).
84

O psicólogo 4 fez um apontamento para uma sensibilidade que a formação e a


experiência trazem ao escutar o outro e saber o momento que este homem está preparado
para uma intervenção do profissional.
É importante dizer que gente tem um certo ‘time’16 porque os homens
chegam, xingam… xingam, às vezes eu tenho até um sentimento de
repulsa, mas eu sei que não é o momento de agir, eu guardo, eu lido
com a minha contratransferência e depois eu tomo determinadas
posturas e determinados manejos, eu tinha um outro colega que era ator,
vinha com um discurso mais violento ele batia de frente, o homem se
distanciava, ficava em silêncio, não queria contribuir mais, então a
gente tem noção que é um processo e tem suas fases. Eu ouço várias
barbaridades e não falo nada, mas você pensa em uma intervenção que
vá surtir efeito, quando não é um psicólogo, fica uma coisa mais
moralista, mais politicamente correto “aqui nós vamos lidar com
conteúdo violento, nós não permitimos que fale conteúdo machista
aqui”, eu prefiro o oposto ora lidar com as próprias limitações machistas
tem que falar, para depois lidar com elas continuamente. (Psicólogo 4)
O profissional 4 colocou que os homens precisam num primeiro momento
expressarem seus pensamentos machistas. Neste sentido, a ciência Psicologia traz o
entendimento da importância de o facilitador escutar esse momento, sendo necessária essa
catarse17 a fim de que a posteriori possa ocorrer uma intervenção.
O psicólogo 2 trouxe questionamentos ao tipo de Psicologia utilizado neste
trabalho, que contemple a complexidade do tema.
Quais Psicologias são possíveis para esse tipo de ação com a violência
e quais vão contemplar o diálogo com os estudos de gênero com as
questões sociais, e clínicas sem simplificar, sem tornar uma coisa de
causa e efeito, sem tornar uma coisa simplista por âmbito completo.
Então tem Psicologias que vão saber argumentar e tem Psicologias que
não vão fazer, então quais são as Psicologias que vão contemplar a
complexidade dessa questão. Não é qualquer Psicologia, a Psicologia
que eu tô pensando não vai procurar o perfil de agressor, não vai
procurar patologia, mas não vai negar que há patologias também, mas
não vai entender isso como uma causa única, ou como um efeito único,
mas vai procurar entender como um problema social amplo, pra
produzir transformação social, que pode ser Psicologia comunitária,
social, jurídica, clínica (Psicólogo 2).
O psicólogo 2 propôs uma atuação que sai de uma configuração tradicional clínica
e do modelo biomédico, tampouco olhar o homem agressor a partir de entiquetamentos
psicopatologizantes. Isso não significa desconsiderar a possibilidade de uma patologia,
no entanto, não se pode estagnar nisso. Seria olhar que o fenômeno da violência conjugal
abarca as questões relacionais, individuais e sociais.
Isso requer do psicólogo sair de uma padronização de conduta, como a

16
Termo do inglês cuja tradução é tempo. No caso o momento certo e oportuno.
17
Expressão dos sentimentos reprimidos.
85

preconizada pelo modelo médico, reinventando sua própria prática. Veloso e Natividade
(2013) descrevem que este tipo de trabalho deverá apoiar-se na crença de que as pessoas
têm a capacidade de mudar, promovendo a responsabilização masculina pelo ato
cometido, e pelas consequências destes, bem como o reconhecimento do uso da violência
como uma escolha feita dentro de um leque de possibilidades pacíficas de resolução de
conflito.

4.3.3.3 A interface Pscicologia e Judiciário


Nesta subcategoria, os psicólogos colocaram como experienciam a atuação nos
grupos vinculada ao sistema judiciário, uma vez que os homens autores de violência
chegam ao grupo via judiciário e, na maioria dos casos, não deliberadamente.
Atallah, Amado e Gaudioso (2013) relatam a partir de suas experiências com o
programa serH desenvolvido no Rio de Janeiro, que os grupos podem funcionar a partir
de duas perspectivas: punitivo-educativo e reflexivo-educativo. Quando a ênfase é
punitiva, os homens tenderão a se posicionarem de forma mais passiva e observadora. Já
no caso reflexivo-educativo, abordagem adotada pelo programa em questão, os homens
são convidados a participarem como sujeitos ativos do processo de construção do grupo
reflexivo. Frente a isso, tem-se o punitivo: voltado ao judiciário e o psicológico, ligado a
questão reflexiva.
O psicólogo 1 relatou como percebe o resultado do trabalho da Psicologia
vinculada ao judiciário, sendo que os trâmites exigidos pelo judiciário: comparecer à
delegacia, ir a audiências, procurar por um advogado, demanda um movimento deste
homem de que se faça cumprir a lei. Isso, invariavelmente, conduz o mesmo a sentir o
peso do Estado, o que influencia no processo de conscientização acerca do ato de
violência.
Eu acredito assim, que, eu gosto desse jeito nosso, porque o homem ele
sente mais o peso da lei, eu sempre digo assim, a gente não desculpou
o homem muito cedo, não tirou a culpa dele muito cedo. Acho que é
importante a gente ter um processo longo de ir na delegacia, de ser
processado, de procurar advogado, e aí vai para as audiências. Tudo isso
é um processo dele pensar: ‘poxa olha que bobagem que eu tô fazendo!’
Ele tem que enxergar isso nele, um arrependimento e acreditar na lei.
Os homens no nosso machismo, a gente, os homens, são muito assim: ‘
posso tudo, faço tudo o que eu quiser, não preciso obedecer lei, eu
atravesso o farol fechado, eu estaciono em cima da calçada, ninguém
manda em mim né?!’ Aí quando ele passa por esse processo, eles vão
presos, tem uns que ficam na prisão, preso dois meses, então ele sente
o peso do estado, o peso da lei.[...] é interessante por isso, eles sentem
o peso do estado, e depois que chega para nós eles falam tudo isso. Eu
86

defendo que nesse trabalho que se faz com esse homem até esse
momento é o agressor mesmo, às vezes as pessoas perguntam pra mim,
por que chamar de autor de violência? E não, até esse momento é o
agressor! (Psicólogo 1)
Granjeiro (2012) coloca que a instituição judiciária é um órgão normativo e tem
como objetivo julgar e aplicar a lei. A justiça pode influenciar políticas internas e externas
as quais insiram questões de respeito e valorização da mulher, o que abre espaço para o
trabalho com os homens. Tal quadro também proporciona espaço para a atuação da
Psicologia.
O psicólogo 3 também avaliou como positiva a atuação conjunta da Psicologia e
do judiciário, ocorrendo um trabalho complementar entre Psicologia e judiciário, o que
pode resultar na conscientização deste homem de que o mesmo cometeu uma agressão e
que isso se configura em crime. Segundo ele, essa interface promove outro nível de
consciência nos homens.
Eu acho também que no mundo utópico não deveria ter Lei Maria da
Penha. Isso não deveria existir. Mas eu acho que já tinha uma
banalização da violência... então acho que ela entra para colocar essa
questão em outro nível de discussão. Isso provoca uma discussão para
que gere outro nível de consciência. Preciso olhar para isso como
trabalho totalmente desnecessário, mas no contexto que a gente vive,
circula desde a questão da pensão que não é paga, seja agressão mesmo
que aconteça, se não, não haveria feminicídio, acho que sem a lei seria
muito mais caótico, muito mais bárbaro. Acho de somar grupos
educativos para cuidar do agressor, aí é um ponto de transformação!
Tem um homem lá que eu acho que ele tem 15 boletins de ocorrência
por agressão, se você não transformar a cabeça desse cara ele vai chegar
a 30, ele não vai entender a gravidade, ele não vai saber que a ferida
dele, a questão da Maria da Penha, tem que punir, seja prestação de
serviço, seja alguns meses de cadeia, que aí acho que é muito extremo
e acho que as iniciativas de você poder refletir sobre isso faz diferença.
Então acho que como qualquer coisa, ela (a lei Maria da Penha) vai se
aprimorando com o tempo (Psicólogo 3).
Guimarães (2015) quando se refere ao judiciário, coloca que não é ser contra o
aspecto punitivo da lei, mas sim ser contra a generalização da punição para todos os
homens. Com isso, este trabalho pode intervir na redução de reincidências, atuando de
forma preventiva. Isso conduz à necessidade da implementação de ações preventivas e
intervenções psicoeducativas às sanções jurídicas, a fim de que os envolvidos em
situações de violência sejam institucionalmente acolhidos.
Neste tipo de trabalho, Rosa et al (2008) ressaltam que desvelar o universo da
violência conjugal vai além da punição prevista em lei, sendo necessário a
instrumentalização de políticas públicas que incluam esse homem a fim de buscar
medidas mais efetivas no trabalho da violência praticada contra a mulher.
87

Frente às exposições de Rosa et al (2008) e Guimarães (2015), percebe-se que o


trabalho em grupo com os homens autores de agressão vem de encontro com a proposta
dos mesmos quando falam: ir além da punição prevista em lei.
Também é salientado por Beiras, Nascimento e Incrocci (2019) o cuidado em não
ser pensar o fenômeno estagnado apenas num campo. Neste sentido, evidencia-se uma
nova forma de olhar a complexidade da violência conjugal, sendo um fenômeno que não
se reduz a estratégias de segurança pública e punição, nem exclusivamente a saúde ou
assistência social; o que demanda pensar de forma interdisciplinar e em diferentes frentes
e iniciativas.

4.3.3.4 A percepção da efetividade do trabalho


Nesta subcategoria, os psicólogos relataram como perceberam o resultado deste
trabalho em grupo com homens autores de agressão.
O psicólogo 1 relatou o que ele denomina processo de transformação desses
homens ao longo dos encontros, descrevendo a importância da conduta do profissional
psicólogo no que tange o acolhimento, no saber olhar a subjetividade desses homens.
A transformação...acho que vem dessa coisa, ele chegar ali e ser
respeitado, ser ouvido, ele falar o que ele pensa, a transformação acho
que vem daí, o processo educativo vem daí. É uma transformação
emocional também, um homem que cometeu um crime, tá sendo ali
acolhido, com as pessoas querendo que ele melhore enquanto ser
humano, acho que é uma mudança de postura da equipe, mas é um
desafio sim, acho que um desafio, que assim, que eu acho dos
facilitadores pensando, facilitadores que se formam em outras áreas não
a Psicologia, que a gente consegue ver a profundidade disso. Esse
processo nosso é um processo de educação mesmo, ver as pessoas, ver
os facilitadores fazendo esse trabalho, eu acho que, tem isso, a gente
ouve eles falando: “vocês são loucos, o que vocês querem é muita
pretensão, imagina!” ... tentando desvalorizar assim o trabalho, mas ao
mesmo tempo começa a ver os outros homens fazendo as falas, pode
ser ele, pode ser humano, e acreditar que é possível mudar, que é
possível transformação, então eu acho que é um processo muito potente
assim, de mudança, muito potente (Psicólogo 1).
O psicólogo 3 trouxe o relato de um dos homens que atendeu, mostrando o
processo de reflexão dos mesmos acerca do próprio comportamento violento.
Já tem os caras, aqueles que estão mais adiantados, já passa para uma
outra inversão, para um outro lugar, um pouco dessas feridas acabam
sendo um pouquinho refletidas. Não vou dizer que elas passam a ser
curadas, mas ela trabalha em relação a isso, tem relatos: “eu tenho meus
filhos e eu chegava estressado do trabalho, as contas para pagar e eles
queriam brincar, então eu chegava estava tudo espalhado. Eu chegava
quebrando tudo!” Para eles e a reflexão era como fazer diferente. Beleza
isso passou meia hora depois ele pede a palavra e diz: “cara eu não vou
88

conseguir sair daqui sem te falar, vai fazer muita diferença para mim,
porque eu não tinha essa noção que eu poderia agir de uma outra
maneira!” Brincando de entender que muitas vezes você acaba
descontando algumas coisas na questão da violência e agressividade
onde não é o foco (Psicólogo 3).
Quanto ao enfoque e atitudes no trabalho direto com os homens autores de
violência, Veloso e Natividade (2013) descrevem que este tipo de trabalho deverá apoiar-
se na crença de que as pessoas têm a capacidade de mudar, promovendo a
responsabilização masculina pelo ato cometido, e pelas consequências destes, bem como
o reconhecimento do uso da violência como uma escolha feita dentro de um leque de
possibilidades pacíficas de resolução de conflito.
Nesta perspectiva, quando se pensa em possibilidades para solucionar um conflito
que não seja a violência, o trabalho com os homens permite uma ampliação de consciência
a fim de extrair nestes homens outros recursos psíquicos mais evoluídos, como o diálogo.

4.4 A subjetividade do psicólogo. Ser psicólogo e ser homem: da formação ao


acolhimento
Neste grupo, os profissionais revelaram que à medida que foram desenvolvendo
o trabalho em grupo com os homens autores de violência deparavam-se com conteúdos
seus. Isso os conduziu a pensarem suas questões pessoais implicadas nesta atuação.
Repensar a própria masculinidade foi um dado que os quatro entrevistados
pontuaram dentre outros e o quanto aspectos da subjetividade de cada um os colocam em
situações desafiadoras.

4.4.1 Repensando a própria masculinidade


O psicólogo 1 relatou a postura enquanto facilitador e o peso disso no seu dia a
dia, ou seja, a implicação disso na sua subjetividade. Neste contexto, o mesmo resgatou
em sua história pessoal momentos nos quais esteve imbuído de valores machistas.
E o difícil nesse trabalho que ele pega a gente, e a gente começa a exigir
coerência, o machista ele é muito hipócrita, no sentido de que os
homens dizem muitas coisas, mas nas práticas são outras (Psicólogo 1).
O mesmo refere a si num passado imbuído de conteúdos machistas.
Eu identifico o quanto de machismo que eu já pratiquei, eu fui criado
no machismo também, então toda lógica machista, por isso que eu até
defendo que nós façamos esse trabalho, porque a gente crê, eu me vi lá
dentro, eu vejo minha história totalmente machista, até meu primeiro
casamento, eu tive meu primeiro casamento que eu fui extremamente
machista nesse casamento, apesar de ter aspectos de defender alguns
direitos, que eu tinha feito faculdade de Sociologia. Então, apesar de eu
ter uma defesa, ainda assim eu me vejo em muitos momentos machistas
89

na minha vida, e o difícil nesse trabalho que ele pega a gente, e a gente
começa a exigir coerência, o machista ele é muito hipócrita, no sentido
de que os homens dizem muitas coisas, mas nas práticas são outras.
Parece que a moral é toda inventada para que as mulheres obedeçam a
moral, que é uma forma de controle das mulheres. No mundo masculino
tem muito disso, esse controle, eu lembro de amigos assim da
adolescência que eu fui encontrar depois de casado, na época eu era
casado, e... como era falado essa coisa da infidelidade, era valorizado
entre os homens (Psicólogo 1).
Logo o psicólogo 4 também trouxe uma reflexão acerca da masculinidade, falando
dos modelos patriarcais e suas influências no comportamento do homem contemporâneo.
São as referências não dos homens do grupo, mas que está no nosso
imaginário, são homens que estão nos livros, nas revistas, na tv, na
internet, e eu diria que assim, são os moldes de uma sociedade patriarcal
que presa por uma virilidade, que pesa os valores do homem, uma
masculinidade dicotômica, ou você é forte ou você é fraco, ou você é
garanhão, pegador, ou você é gay, ou você é pobre ou rico, só existe
preto e branco, não existe a possibilidade de existir cinzas (Psicólogo
4).
O psicólogo 2 comentou as limitações de alguns profissionais os quais capacita
para trabalharem com homens autores de violência. Segundo ele, os mesmos, por muitas
vezes acabam revelando-se presos a comportamentos e pensamentos deterministas no que
diz respeito às questões de gênero.
Então é super necessária a sensibilidade de gênero, desnaturalizar
questões de gênero, entender o que é gênero, esse exercício precisa ser
feito antes, o trabalho do facilitador e o trabalho da equipe, precisa
entender o que eles estão fazendo, parece um trabalho simples, mas não
é. Parece um trabalho que você se sensibiliza vai lá e faz, e não é. A
gente vê com os profissionais que eu capacitei, os profissionais que eu
dei curso, como aquilo tocava eles emocionalmente e eles não sabiam
o que fazer com isso, como as ações deterministas que eles colocam na
mesa e ás vezes não faz sentido pra você, então como lidar com esse
dissenso? Como lidar com essas questões tão marcadas, isso cansa, só
desanima! Às vezes nosso desafio é estar sempre se ressignificando,
com todo tempo que eu trabalho gênero (Psicólogo 2).
Ainda de acordo com o psicólogo 2, o mesmo comentou que em algumas situações
se flagrou utilizando de conteúdos machistas e do desafio constante em suplantar isso.
Eu entendo que eu não tô (sic) isento de ser machista só porque eu
trabalho com homem. Entendo que eu estou ressignificando, atento,
procurando conscientizar, mudar, me comprometendo a mudar, mas o
impulso social e o normativo é tão grande, que a gente escorrega.
Escorrega sem perceber, não é pra (sic) justificar que eu faça, mas tento
observar, mudar e me comprometendo a mudar. E outra questão é de
não ser bélico, quando alguém te fala isso e poder receber. Quando
alguém te fala isso, entender como uma crítica construtiva. Às vezes
não é fácil porque a pessoa também vem com uma forma bélica. O
confronto tá (sic) muito forte hoje. Eu tenho tentado trabalhar com
práticas que sejam mais colaborativas, que vão entender esse lugar de
mediar conflitos e de centros, isso tem sido um desafio (Psicólogo 2).
O psicólogo 2 traz também reflexões da sua história de vida sobre masculinidades
90

e como surgiu o interesse para trabalhar com a temática de gêneros.


Eu lembro que quando eu era jovem, adolescente, eu via os homens
performando a masculinidade, um jeito de ser homem agressivo, marco
por futebol, marcado por jovens coletivos, carro, moto, o jeito de ficar
dizendo pro outro, uma competição, o desejo pelas mulheres, o desejo
exclusivo pelas mulheres, não pode ser por homens, e isso foi
marcando, eu comecei a dizer: isso não pode ser assim, porque as
pessoas são desse jeito, quem são esses caras? E essa curiosidade de
saber quem são esses caras, de botar um grupo de heterossexuais
falando sobre isso é maravilhosa, vamos ver o que eles pensam, o que
eles fazem e isso foi dando uma curiosidade científica, uma curiosidade
clínica (Psicólogo 2).
Frente aos relatos trazidos neste tópico,os psicólogos foram unânimes em
relatarem sobre as questões subjetivas referentes às suas masculinidades as quais
continuamente perpassam durante suas atuações com os homens autores de agressão.
Neste sentido, o encontro com os homens autores de violência também promovem uma
ampliação de consciência referente a próprioa condição de homem nos profissionais.

4.4.2 Desafios encontrados


Nesta perspectiva, os psicólogos também relataram desafios encontrados no
decorrer destas experiências em grupos. Dentre estes, o psicólogo 1 contou da dificuldade
que tem em conduzir um grupo quando tem acesso ao delito cometido por um dos
homens. Segundo ele, isso atrapalha sua atuação profissional.
A gente cria um campo de não julgamento, a gente não julga esses
homens, a gente prefere não saber de fato o que aconteceu, a gente só
quer saber o discurso dele, a gente não pesquisa, até quando a gente
sabe é muito ruim (Psicólogo 1).
O psicólogo 3 relatou, dentre suas dificuldades no trabalho com os homens, o
manejo em lidar com o discurso machista trazido por estes.
O desafio muitas vezes é lidar com alguns “machômetros” que a gente
chama, “machômetro” é assim. Quando o cara tá (sic) lá e ele começa
por exemplo: você está no bar tomando uma cerveja, e cheguei e ela
começa a dar em cima de você, o que você faz? Aí o cara fala assim:
“ah eu vou ter amizade com ele porque ele tem uma pá de amiga mulher,
eu vou catar todas as mulheres que são amigas dele!” Isso é o
"machômetro”! Tá numa situação e falar: “eu sou o machão! Ou você
faz isso comigo na rua ou eu vou dar várias porradas!” O machão ele é
assim! Vai usar isso para mascarar uma fraqueza. Então muitas vezes a
minha dificuldade é lidar com esse machômetro. Não dá para a gente
brigar ali mas a gente tem que ter uma certa habilidade, um certo manejo
(Psicólogo 3).
Já outro desafio relatado foi referente à postura de vítima na qual os homens se
colocam quando relatam o conflito vivenciado com a mulher. Novamente, o psicólogo
fala do manejo neste tipo de situação a fim de não entrar numa situação de enfrentamento,
91

saindo do enquadre profissional.


Quando aparecem vários deles com o discurso da vitimização de
colocar a mulher como errada. Eu tenho uma certa dificuldade para
desconstruir com eles. Então a princípio, é isso como que eu vejo como
maior dificuldade, a maneira como você tem que abordar isso para não
entrar no enfrentamento com eles e tomar todo o cuidado do mundo
para não consentir com os discursos deles. Não vou fazer isso para
terminar a discussão: “a mulher é assim mesmo!” (Psicólogo 3)
O psicólogo 4 também comentou dificuldades encontradas ao longo dos encontros
com os homens. Dentre essas, situações que envolvam questões homofóbicas e de cunho
religioso. Neste contexto, o profissional relatou estar atento a sua postura a fim evitar que
seus conteúdos subjetivos sobreponham sua conduta profissional.
Tem muitas vezes que a gente se identifica. É até mesmo um cuidado,
a gente pode se vitimizar com isso, o cuidado: ”olha como a gente
sofre!” Mas acaba sendo uma coisa muito extrema. Essa segunda-feira,
chegou um rapaz novo que agrediu a sobrinha e falou: ”minha sobrinha
é sapatona, tava beijando a namorada e eu tava com a minha filha, essas
coisas de sapatona!” Algo totalmente homofóbico. Depois a gente
conversou. Chega um discurso muito violento e a gente tem que tomar
cuidado pra (sic) não refutar. É mais acolher, não dá pra (sic) ter um
discurso moralista, porque ele ia se defender mais ainda! Mas a gente
se identifica, muitas vezes isso mexe pessoalmente comigo. Tem o
exemplo da religião, às vezes alguém evangélico usa o exemplo da
bíblia: “a mulher nasceu pra ser mãe!” Argumentos religiosos,
bíblicos... eu ficava muito irritado. Até fiquei atento quando embasa
religião. Até deixo alguns colegas meus trabalhar porque já aconteceu
de eu ser meio grosso (Psicólogo 4).
A partir deste relato, traz-se a necessidade em se pensar que o trabalho com esse
público, pode trazer situações que colocam em xeque o confronto com ideias engessadas
e por vezes preconceituosas o que mobiliza a agressividade do profissional. Neste sentido,
Marin (2002) traz sua experiência no trabalho com a temática em questão quando fala
que o questionamento da violência enquanto objeto pessoal de estudo só se
operacionalizou quando tomou consciência de sua postura de violência no exercício
profissional, ou seja, essa necessidade de se opor ao outro que tanto assusta,
provavelmente por evocar o ódio pela paz perdida.
O psicólogo 4 também trouxe a questão financeira, uma vez que encontra-se nesta
atividade há nove anos em caráter voluntário, o qual nunca foi remunerado.
Das dificuldades, a primeira e mais óbvia, eu diria que é a questão do
financiamento, o grupo funciona desde 2009, eu tô (sci) desde 2011,
teve um grupo piloto, para depois virar uma política pública. Estamos
em 2019 e nada aconteceu, não ganhamos nada com isso, ganhamos
secundariamente, artigos, palestra e capacitações. Eu tenho meu
trabalho, meu consultório que atendo bastante, preciso pagar as contas,
meus colegas também, idem, e é isso, tornar uma política pública. É
isso! Está melhorando, não piorando, mas desse ponto de vista, antes
92

falar do trabalho com homens, até para o movimento feminista, o povo


acha legal, porque contribui diretamente na vida das mulheres, a gente
faz um grupo por semana, a juíza pede uma frequência às vezes não dá
tempo de mandar, porque temos o nosso trabalho, tem que atualizar,
digitalizar, por termos outros trabalhos e esse não ser remunerado,
acaba ficando de lado, então tem essa questão financeira, e não tem
como ficar prioridade (Psicólogo 4).
De acordo com esta fala, o fato deste trabalho não ser remunerado, pois ainda não
se efetivou enquanto política pública, inviabiliza maior dedicação do profissional com a
atividade. Além disso, o psicólogo 4 expressou frustração em sua fala quando menciona
a não remuneração, uma vez que se encontra nesta atividade há 9 anos. O mesmo enxerga
os ganhos secundários como palestras, artigos, enfim a visibilidade social deste trabalho
e a evolução em sua carreira bem como a abrangência deste trabalho no que tange o
enfrentamento a violência contra as mulheres.

4.4.3 Articulação com a rede


Neste subgrupo, os profissionais entrevistados relataram como se articularam para
conseguirem realizar este tipo de trabalho em grupo com os homens autores de violência.
Revelou-se necessário um o contato pessoal com instâncias do judiciário bem como
autoridades políticas para a implementação deste tipo de trabalho.
O psicólogo 1 trouxe essa postura de articulador com a rede desde os primórdios
de sua carreira enquanto psicólogo.
Eu entrei em setembro na prefeitura de Santo André e em outubro a
gente já montou, começou a fazer o “E agora José”, dia 22 de outubro
de 2014, então fez eu e o Paulo (outro psicólogo). Teve uma articulação
já para vir os homens apenados e nós tínhamos aqui em Santo André a
Central De Penas E Medidas Alternativas com um psicólogo muito
legal que era o Fausto Borges, sendo ele que me recebeu. Primeiro a
juíza mandou pra (sic) ele uma solicitação dizendo que era para o
homem apenado pela lei Maria da Penha participar do grupo
socioeducativo, e aí o Fausto: “que isso? Existe isso?” aí ele saiu
pesquisando, foi ao “Ver Maria” que é um centro de referência que
atende as mulheres e lá falaram: “olha, não tem mas parece que eles
estão implantando” falou para o Fausto, isso é proposta de implantar,
pelo menos dois anos. Com isso, o Fausto conversou com a Silmara, e
a Silmara falou: “olha, realmente a gente tá querendo”. E aí fizemos
uma parceria com a juíza, a doutora Tereza Cristina, a juíza que tinha
feito o pedido. Enfim, dessa parceria, surgia o programa. A medida que
esse homem fosse condenado pela lei Maria da Penha, a juíza aplicava
o SURSIS é suspensão condicional da pena, ela faz a suspensão
condicional da pena e determina que ele vá para uma pena alternativa,
são penas com menos de dois anos, os casos mais de dois anos de prisão
vai pro sistema fechado mesmo, não tem possibilidade de pena
alternativa. Assim mesmo, alguns homens são presos, a gente acaba
recebendo homens que foram presos, dois meses, três meses, até um
93

ano de prisão ele pode pegar e vem pro grupo também como uma forma
de reflexão destes comportamentos. E aí que a gente começou,
chegamos no “E agora José” toda essa história foi pra contextualizar
(Psicólogo 1).
Neste relato, o psicólogo 1 descreveu os passos a partir dos contatos na rede para
a implementação do trabalho, o que denota diferentes serviços envolvidos e uma postura
ativa e ao mesmo tempo paciente do profissional para atingir seu objetivo.
Hoje, nós estamos fazendo um convênio de 5 anos entre UFSC
(Universidade Federal de Santa Catarina) e TJ (Tribunal de Justiça)
para que a gente faça grupo de homens na universidade em parceira com
o TJ, eles passam um diálogo de violência doméstica pra gente e
começamos a capacitar os psicólogos que trabalham no tribunal para
trabalhar dali conosco e o projeto dentro da universidade de ampliar
essas questões começam surgir agora. Paralelamente, eu tinha feito com
o Noos (Instituto de Estudos) algumas ações de capacitação com a
polícia Civil do Espírito Santo, eles procuraram, chamaram pra fazer
uma palestra e depois o curso, e paralelamente eu capacitei, ofereci
umas capacitações gratuitas para o CREAS que trabalha com homens
em Santa Catarina, mas especialmente e em Florianópolis (Psicólogo
2).
O psicólogo 2 também relata essa articulação com a rede, no entanto de uma forma
diferente do psicólogo 1, pois o primeiro está no âmbito acadêmico e isso promove uma
outra forma de divulgação do trabalho com os homens autores de violência. Neste sentido,
o psicólogo 2 está focado na promoção da capacitação dos profissionais psicólogos que
irão atuar neste trabalho. Ambos possuem o mesmo fim implantar e propagar a atuação
do trabalho em grupo com homens autores de violência, no entanto os meios de diferem.
Faz-se notório a postura de ambos de propagarem este trabalho para as outros segmentos
e a articulação destes com o judiciário.
Frente aos relatos dos 4 profissionais psicólogos, obsevamos que a atuação com
homens autores de violência está permeada por fatores que vão desde a subjetividade dos
prórpios profissonais, principalmente no que tange a condição de homens, até a
participação de uma nova maneira de atuar num trabalho integrado com o judiciário.
Revelaram que nas experiências dos encontros em grupos com os homens autores de
violência possuem nas ferramentas da psicologia enquanto ciência segurança e respaldo
teórico para alcançar efetividade neste trabalho.

5. Conclusão

Os psicólogos participantes, todos do sexo masculino, evidenciaram em seus


relatos a construção de uma nova forma de atuar a partir do trabalho em grupo com
94

homens autores de violência, explanando uma forma diferente de atuar em Psicologia,


num contexto no qual os homens são encaminhados via judiciário, sendo, na maioria das
vezes, de forma não deliberada, ou seja, compulsoriamente. Ainda assim, são
denominados pelo juiz como autores de violência, porém, não se reconhecem como tal.
Neste cenário, encontra-se o psicólogo enquanto facilitador frente a um grupo composto
por cerca de 15 homens, em encontros semanais com duração de duas horas cada, com a
tarefa de conscientizá-los acerca das atitudes de agressão contra a mulher que cometeram
e que foram sentenciados pela lei 11.340.
A Psicologia inserida neste tipo de atuação, atrevo-me a dizer, revela um trabalho
de vanguarda. Esse profissional não irá atuar como em seu consultório, onde o paciente
busca por ajuda e está disposto, na maioria das vezes, a escutar as “sábias” palavras de
um profissional. Neste trabalho, os homens estão à revelia diante da figura do psicólogo,
além de condenados judicialmente por um ato no qual não se reconhecem como autor de
um crime. Estes homens apresentam dificuldades em compreender que numa relação de
intimidade e privada, os fatos ocorridos nestes contextos, como ações de violência, podem
passar a serem públicos e penalizáveis por meio do Código Penal Brasileiro.
Por outro lado, tem-se a pessoa do psicólogo, que se depara num só momento com
15 homens autores de atos de violência. Além da persona profissional, apresenta-se um
homem que encontra outros homens com valores e atitudes repudiadas muitas vezes pelo
primeiro, porém com o desafio de possibilitar uma reflexão neste grupo sobre os valores
que os conduziram ao comportamento de violência contra as mulheres.
Destes encontros, os psicólogos participantes relataram que situações desafiadoras
surgiram, tanto do ponto de vista teórico como os referentes aos seus aspectos subjetivos.
Revelaram um trabalho que não é previsível no sentido de não se respaldar nos modelos
pré- estabelecidos como nos moldes psicopatologizantes, ou de uma lógica binária da
mulher vítima e homem algoz, além de revelarem que foram surpreendidos pelo confronto
entre o que predominava no seu imaginário anteriormente a realização desta atividade e
a atuação profissional neste campo. Isso foi trazido por um dos participantes, quando
relatou que, por ter trabalhado com as mulheres vítimas de violência, ficava influenciado
por elas e possuía um certo distanciamento dos homens autores de violência. Neste
sentido, tinha em perspectiva que os últimos deveriam ser punidos. No entanto, o contato
com os homens o surpreendeu por serem “homens comuns, como homens da minha
família e amigos. O que difere esses homens dos outros é apenas um Boletim de
95

Ocorrência18”.
Quanto às questões subjetivas que emergem nesta atuação com o grupo de homens
autores de violência, um psicólogo revelou que consegue se identificar como um homem
que esteve imbuído de conteúdos machistas, sobretudo demarcando seu passado, sendo
que o trabalho na atualidade o fez resgatar desta postura e, de certa forma, entender a
expressão dos homens do grupo a partir desses valores. No entanto, salienta a importância
da atitude de um facilitador perante esses homens e o quanto esse tipo de trabalho exigiu
coerência de si nas suas relações pessoais, estando sempre atento a rever seus
posicionamentos e não repetir os valores machistas do passado.
A necessidade da inserção de temas transversais na formação do psicólogo, como
os temas de gênero, fez-se relevante e algo a ser pensado. Os participantes foram
unânimes ao enfatizarem a importância de se entender sobre as questões de gênero para
a execução deste tipo de trabalho. Um participante trouxe que já na graduação teve
contato com essa temática, uma vez que a instituição na qual se graduou possui uma
emergência forte sobre temas relativos ao gênero. Já outro participante relatou a
importância de os cursos de Psicologia apresentarem em sua grade essa temática, uma
vez que a grande maioria destes cursos ainda não possui os temas relacionados a gênero
em suas disciplinas.
Ainda sobre temas transversais necessários a formação do psicólogo, em 2020, os
profissionais, ao discorrerem acerca as experiências profissionais pregressas, trouxeram
o trabalho em grupo com pessoas em situação de vulnerabilidade. Neste sentido,
relataram uma atuação fora do tradicional modelo de atuação clínica, envolvendo o
trabalho com grupos, bem como estudos voltados para a temática de gênero. Neste
âmbito, o processo de formação em Psicologia se evidenciou como relevante no sentido
de facilitar as atuações profissionais. A Psicologia facilitou, pois de acordo com estes, as
técnicas e ferramentas que a Psicologia traz enquanto ciência torna- se primordial para a
interação do profissional com o grupo e facilita o processo de reflexão dos homens autores
de violência. Dentre os subsídios que a Psicologia fornece, destacam-se: a escuta para
conseguir identificar que num primeiro momento os homens chegam defensivos, uma vez
que negam serem autores dos atos de violência. Chegam com uma postura vitimista, não
disponíveis para escutar o outro. Descreveram que neste momento, alguns colegas, que
não têm a formação em Psicologia, não possuem a percepção desse processo, dando um

18
Documento oficial utilizado pelos órgãos da Polícia Civial e pelas Policias Militares para fazer o registro
da notícia do crime. https://www.delegaciaeletronica.policiacivil.sp.gov.br/ssp-de-cidadao/home
96

outro direcionamento ao grupo, algo como uma de palestra de cunho educativo ou mais
incisivo o que inviabiliza o processo de reflexão do homem no grupo.
Ainda que tenham feito o curso de Psicologia, os profissionais também
reconhecem as dificuldades pessoais em algumas situações, como em discussões
religiosas, como um dos psicólogos que relatou o fato de estar diante de questões
religiosas trazidas por alguns homens, as quais se relacionam a uma postura rígida e
alienada bem como falas homofóbicas, tendo certa dificuldade na condução da discussão,
deixando para o colega coordená-la com o grupo. Embora tenha dificuldades, reconhece
suas limitações. Assim, revelam a necessidade de sempre se questionarem sobre as
atuações e buscarem relacionar teoria e prática. Inclusive, o trabalho em rede favorece o
desenvolvimento profissional.
O contato com a rede intersetorial possibilita aos profissionais uma compreensão
sobre políticas públicas direcionadas a este âmbito de intervenção e de como funciona a
rede de serviços até que este homem chegue ao grupo. Isso se apresenta como um dos
diferenciais nesta nova forma de atuar. Dois participantes destacaram-se por uma postura
atuante no que tange a articulação com a rede de serviços principalmente na esfera do
judiciário.
O contato com os homens autores de violência permitiu aos psicólogos ampliarem
o olhar sobre a complexidade da violência contra as mulheres, incluindo, assim, o caráter
humano e sensível se faz presente e eles têm consciência disso. Um dos participantes
relatou que ao atender os homens prefere não ter acesso ao delito cometido, pois sabe que
isso pode influenciar na sua abordagem. Já outro psicólogo falou de sua dificuldade nas
suas palavras com o “machômetro”, ou seja, homens que atuam no grupo exaltando seus
valores machistas com a finalidade de impressionar os demais. Neste sentido, cada um à
sua maneira, nos encontros com os homens, vai se deparando com conteúdos subjetivos,
num processo de se conhecer e ressignificar valores, principalmente aqueles relacionados
a própria masculinidade.
No que se refere à percepção dos psicólogos referentes aos homens nos grupos
sobre suas atividades e desempenho, expressam a transformação destes ao longo dos
encontros. Depois de alguns encontros, relataram que os homens mostram-se mais
abertos, receptivos às orientações, escutam o que outros integrantes dizem e iniciam um
processo de compartilhar experiências em grupo. É neste momento que começam a
expressar sentimentos e afetos até então, para muitos, nunca permitidos por eles mesmos,
por uma questão cultural, na qual a condição de homem não lhes permitia. O psicólogo
97

atua como quem auxilia o grupo a construir este espaço psicológico de descoberta e
reflexão na vida destes homens. O foco para os integrantes que a princípio estava em
defender-se da denominação autor de violência, vai tomando outra direção, possibilitando
discussões que promovam o pensar sobre a condição de homem no casamento, no
trabalho, nas relações. Sem que esses homens percebam, existe um potente trabalho que
está tocando sensivelmente em valores transgeracionais que moldaram pessoas com
crenças machistas, desembocando em relações afetivas permeadas pela agressão.
Segundo fala um dos relatos de psicólogo “é trabalho muito potente” e de fato,
frente às experiências trazidas, evidencia-se um trabalho capaz de transformar as bases
da violência contra as mulheres, promovendo reflexão e consequentemente uma
reeducação nos homens, interrompendo a cadeia da violência na vida destes que tinham
na violência o único recurso para solucionar conflitos.
Os psicólogos revelaram que não recebem remuneração pela atividade. A
interface entre Psicologia e Judiciário é uma constante nesta atuação, ainda que ocorrendo
encontros e desencontros. Outro exemplo desta situação é referente ao número de
encontros nos quais os homens devem se inserir. Este número não está estipulado para os
encontros e é um ponto de divergência entre os psicólogos e outros profissionais
envolvidos, principalmente aqueles da esfera judiciária. Os psicólogos enfatizaram a
necessidade de uma padronização para 20 encontros grupais. No entanto, deparam-se com
situações nas quais profissionais de outras áreas inseridos neste trabalho defendem e
atuam a partir de 8 sessões por exemplo.
Portanto, entre acertos e dificuldades, o trabalho de psicólogos em grupos de
homens autores de violência mostrou-se relevante no que compete ao enfrentamento da
violência de gênero, tendo como consequência homens agressores de mulheres que
geralmente são suas parceiras íntimas. Neste contexto, a Psicologia contribui em revelar
que uma atuação que reelabore relações humanas é efetiva no combate a violência.
Somente a punição das leis, numa perspectiva exclusivamente punitiva, não transforma
atitudes e comportamentos. O trabalho dos psicólogos mostra-se efetivo nestas
considerações, além de que, nesta atuação profissional, também se está trabalhando com
as mulheres, uma vez que contribui para a diminuição de reincidência dos casos de
violência contra as mulheres tanto em relacionamentos atuais como em futuros.
Ao se debruçar sobre este tema, esta pesquisa permitiu olhar o profissional
psicólogo numa condição mais livre e menos engessada, que vem se desvencilhando dos
tradicionais modelos clínico e biomédico, os quais são imbuídos das certezas que esses
98

moldes trazem. Esta atuação, de psicólogos no âmbito da violência de gênero, é um


trabalho de desconstrução de certezas, sobretudo machistas e neutralizantes, como dos
moldes psicopatologizantes que não permitem ver os sujeitos sociais como processos em
transformação, somente estático.
Quanto aos alcances, os profissionais psicólogos revelaram que a ciência
psicologia apresenta as ferramentas necessárias como um dos principas elementos para
tornar efetivo esse tipo de trabalho. Já em relação aos desafios, a não remuneração dos
profissionais foi colocada pelos profissionais, os quais desenvolvem este trabalho a partir
de uma postura militante.
As novas atuações do profissional da área de Psicologia, se mostram com
necessidade de uma maior autonomia do psicólogo, pois requer uma nova maneira de
atuar, ou seja, efetivamente contribuir para um exercício de cidadania a todos na
sociedade, principalmente voltada as minorias de direitos, como no caso de mulheres
violadas por meio de agressão de homens que ainda tem uma visão sexista e machista ao
relegar as mulheres um papel de submissão e de propriedade masculina.
99

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Contra a Mulher. Recife- PE. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Lívio, B.; Souto,
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X Fonavid (2018) Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar


Contra a Mulher. Recife- PE. Tribunal de Justiça de Pernambuco. Urra, F.

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Contra a Mulher. Recife- PE. Tribunal de Justiça de Pernambuco.

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110

Apêndice

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)


UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Programa de Pós Graduação em Psicologia da Saúde

Eu _______________________________________________________________
aceito participar voluntariamente do estudo “A atuação do psicólogo com homens autores
de violência”, que tem como objetivo:

Analisar as experiências do psicólogo no trabalho com homens autores de violência em


grupo. Identificar nas falas dos psicólogos a partir das experiências do trabalho com
homens autores de violência: desafios, alcances e estratégias.

Para que os objetivos sejam atingidos é necessário a permissão do participante para que
a pesquisadora grave a entrevista.

Enquanto participante declaro estar ciente de que:


a) faço parte de uma amostra de 4 profissionais psicólogos que participarão desta
pesquisa;
b) serão necessários um encontro para que a pesquisadora realize o que acima está
descrito;
c) poderei interromper / desistir de minha participação a qualquer momento, sem
nenhum tipo de prejuízo;
d) não precisarei pagar ou gastar nenhuma quantia monetária em nenhum momento
da pesquisa, pois, todos os custos com os materiais para a execução da pesquisa ficarão a
cargo da pesquisadora.
e) poderei ficar sensibilizado por tocar em questões ou que despertem algum tipo de
emoção. Neste caso, a pesquisadora interromperá o processo até que eu me sinta disposto
a continuar. Posso decidir desistir da participação se essa decisão me deixar mais
confortável. Vale ressaltar que o desconforto é considerado mínimo no que diz respeito
aos aspectos psicológicos e/ou físicos, pois, estarei realizando uma atividade comum
como conversar e responder perguntas sobre o meu trabalho
111

f) no caso de alguma ocorrência que traga dano decorrente da participação na


pesquisa, estou ciente de que terei direito a uma indenização, conforme estabelecido na
Resolução 466/12. Contudo, vale ressaltar que todos os riscos estão minimamente
reduzidos por se tratar de atividades rotineiras para todas as participantes desta pesquisa;
g) a pesquisadora estará á disposição para realizar uma entrevista devolutiva caso eu
manifeste interesse;
h) tenho assegurado que minha privacidade será totalmente preservada e as
informações permanecerão em sigilo, não sendo divulgado em nenhum momento o meu
nome e/ou outros dados que possam me identificar.
i) trata-se de uma pesquisa orientada pela Profa. Dra Rosa Maria Frugoli da
Universidade Metodista de São Paulo, registrada no Conselho Regional de Psicologia
pelo número: 06 47266
j) Fica a minha disposição o contato da pesquisadora responsável pelo pesquisa, caso
seja do meu interesse contatá-la a qualquer momento. O telefone para contato com da
pesquisadora é (12) 98845 6695e seu e-mail é raquelgcoppola@gmail.com;
k) Caso haja qualquer dúvida, o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UMESP) poderá
ser contatado pelo e-mail cometica@metodista.br ou telefone (11) 4366-5814 ou pelo
endereço físico: Rua do Sacramento, 231 – Ed. Capa sala 401.
Este documento será assinado em duas vias, ficando assim, uma para cada parte de
interesse sendo a pesquisadora e eu, como participante.

____________________________,______________ de 2019.
_________________________________________________
Assinatura da Participante
Nome:

_______________________________________________
Raquel Gagliotti Coppola/ Pesquisadora

_______________________________________________
Orientadora responsável Rosa Maria Frugoli
112

Anexo A

Roteiro da Entrevista semiestruturada para a coleta de dados

1) Identificação Nome:
Idade:
Instituição de graduação em Psicologia:
Tempo de formado:

2) Como foi sua trajetória profissional até chegar no trabalho com o grupo de
homens?

3) Como é o comportamento desses homens quando eles chegam no primeiro


encontro grupal? No decorrer dos encontros, como se desenrola o comportamento
dos mesmos?

4) Fale sobre o fluxo da rede por qual esses homens passam até chegarem no grupo
que vocês facilitam.

5) Na sua opinião, como a Psicologia pode contribuir no trabalho com esses homens?

6) No decorrer deste trabalho, você se surpreendeu com algo? Quais as dificuldades


encontradas neste trabalho?

7) Como você percebia o homem autor de violência antes deste trabalho em grupo?
E hoje, como você o percebe?
113

Anexo B
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA


Título da Pesquisa: A Atuação do psicólogo em grupos sócio educativos de homens
autores de agressão.
Pesquisador: RAQUEL GAGLIOTTI COPPOLA AULER
Área Temática:
Versão: 1
CAAE: 08077719.4.0000.5508
Instituição Proponente: Universidade Metodista de São Paulo - UMESP
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 3.208.814
Apresentação do Projeto:
O projeto "A atuação do psicólogo em grupos sócio educativos de homens autores de
agressão" aborda um tema de grande complexidade, que é a violência contra a mulher,
mas a autora, junto com sua orientadora, conseguiu delimitar bem o objeto de estudo,
focado na percepção de psicólogos que atuam em grupos de socioeducativos com homens
autores de agressão. O texto do projeto está bem apresentado, com clareza e
fundamentação teórica em todas as suas seções, como metodologia, justificativa e
histórico do problema no Brasil e no resto do mundo.

Objetivo da Pesquisa:
O objetivo principal da pesquisa "Analisar a percepção dos profissionais facilitadores
sobre as experiências de homens autores de agressão conjugal nos grupos sócio
educativos", com seu desdobramento nos objetivos específicos, está bem claro e
amparado num conjunto de metodologias e referencial teórico que permitiram o seu
alcance.

Avaliação dos Riscos e Benefícios:


Os riscos, provocados, sobretudo pelo desconforto físico e emocional das entrevistas em
profundidade, que se estendem no tempo e muitas vezes abordam assuntos sensíveis,
114

estão muito claros na pesquisa e no TCLE.


Quanto aos benefícios, a realização da pesquisa qualitativa, a partir de quatro entrevistas
semi- estruturadas, está bem justificada, uma vez que permite conhecer a efetividade de
uma iniciativa do Estado para reverter o quadro de violência contra a mulher.
A redação do projeto, com dados estatísticos, documentos, leis e acordos internacionais,
evidencia a importância do estudo e minimiza os riscos frente aos benefícios a serem
alcançados.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:


O projeto está muito bem fundamentado teórica, conceitual e metodologicamente, com
uma boa redação e coerência e harmonia entre o objeto de estudo, os objetivos, o
referencial teórico, metodologia e os resultados vislumbrados.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
A autora apresentou todos os termos exigidos, em conformidade com o CEP, incluindo o
TCLE.
O TCLE está claro e objetivo, acentuando a relação risco-benefício e conferindo
autonomia aos entrevistados para o encerramento da atividade diante de qualquer
desconforto.

Recomendações:
Não há recomendações.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:


Após leitura e análise do projeto e exame criterioso de todos os itens que compõem os
documentos do Protocolo de Pesquisa, incluindo os itens presentes no Roteiro de
Checagem para o parecerista e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido nada foi
constatado no processo que fira os princípios e normas da ética em pesquisa.

Considerações Finais a critério do CEP:


O CEP-UMESP considera o projeto de pesquisa APROVADO, lembrando que a
condição de aprovação da pesquisa propriamente dita exige o que segue:
- Que sejam encaminhados ao CEP-UMESP relatórios anuais sobre o andamento
da pesquisa (parciais e finais);
- Que sejam notificados ao CEP-UMESP eventos adversos que tenham ocorrido no
115

curso da pesquisa e que sejam significativos do ponto de vista ético e metodológico;


- Que sejam notificadas eventuais emendas e modificações no protocolo de
pesquisa.

Este parecer foi elaborado baseado nos documentos abaixo relacionados:

Tipo Documento Arquivo Postagem Autor Situação


Informações PB_INFORMAÇÕE 18/02/2019 Aceito
S_BÁSICAS_D
O_P
Básicas do Projeto ETO_1296112.pdf 14:06:52 Aceito
Folha de Rosto folha.pdf 18/02/2019 RAQUEL Aceito
14:06:32 GAGLIOTTI
Declaração de declaracao.jpg 15/02/2019 RAQUEL Aceito
Pesquisadores 17:52:06 GAGLIOTTI
Projeto Detalhado / Projeto.docx 15/02/2019 RAQUEL Aceito
Brochura 15:52:35 GAGLIOTTI
Investigador COPPOLA
AULER
TCLE / Termos de TCLE.docx 14/02/2019 RAQUEL Aceito
Assentimento / 07:57:03 GAGLIOTTI
Justificativa de COPPOLA
AULER
Ausência

Situação do Parecer: Aprovado


Necessita Apreciação da CONEP: Não
SÃO BERNARDO DO CAMPO, 19 de Março de 2019

_________________________________________________
Assinado por: Dario Paulo Barrera Rivera (Coordenador(a))

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