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Educação em Ciências e Direitos Humanos: reflexão-ação em/para uma


sociedade plural

Book · September 2013

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2 authors:

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira Gloria Regina Pessoa Queiroz


Universidade Federal do Paraná Rio de Janeiro State University
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Educação em Ciências
e Direitos Humanos:
Reflexão-ação em/para uma
sociedade plural
R o b e r t o D a l m o Va r a l l o L i m a d e O l i v e i r a

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

Educação em Ciências
e Direitos Humanos:
Reflexão-ação em/para uma
sociedade plural

EDITORA MULTIFOCO
Rio de Janeiro, 2013
EDITORA MULTIFOCO
Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda.
Av. Mem de Sá, 126, Lapa
Rio de Janeiro - RJ
CEP 20230-152

REVISÃO Francielly Baliana


CAPA Natália Caruso
DIAGRAMAÇÃO Mauricio Pinho

Educação em Ciências e Direitos Humanos: reflexão-ação em/para uma


sociedade plural
OLIVEIRA, Roberto Dalmo Varallo Lima de
QUEIROZ, Glória Regina Pessôa Campello

1ª Edição
Setembro de 2013
ISBN: 978-85-8273-331-8

Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem
prévia autorização do autor e da Editora Multifoco.
À Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ao
programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e
Educação do Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ) e aos estudantes
e professores envolvidos nas práticas e reflexões por
possibilitarem um espaço favorável ao surgimento dessas
indagações. Também agradecemos à professora Kelly Russo,
por suas contribuições na leitura e no belíssimo prefácio
do livro, à Francielly Baliana, por suas contribuições nas
correções ortográfica e estilística, e à Natanne Viegas, por
suas contribuições na elaboração gráfica da capa.

5
Sumário

Prefácio ................................................................................9

Apresentação ......................................................................15

1. Educação em Ciências e .................................................19


Direitos Humanos: algumas percepções
e uma luta constante
Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

2. Ciência, Tecnologia, Sociedade e ARTE: .........................41


um possível caminho
Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira
Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

3. A Cultura nordestina ganha voz nos ..............................57


Cordéis de João Batista Melo
Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira
Glória Regina Pessôa Campello Queiroz
Samara Almeida Andrade

4. Cultura afro-brasileira e sexualidade: ............................73


os temas proibidos
Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira
5. Considerações finais 85

7
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

6. Anexo: um convite a caminhar .......................................87

7. Referências bibliográficas ...............................................97

8
Prefácio

Nas últimas décadas, a sociedade brasileira tem acompa-


nhado a atuação cada vez maior de diferentes grupos sociais
na defesa de uma demanda em comum: o reconhecimento das
diferenças – étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas,
entre outras – em diversos espaços políticos e sociais, entre
eles o espaço educativo. São exigências que se manifestam
através de diferentes cores, sons, ritos, saberes, crenças e no
uso de diversas linguagens, que colocam esses movimentos
diante da realidade histórica do desenvolvimento da educação
em nosso país, marcada pela negação dos “outros”, física ou
simbolicamente, para propor dinâmicas que impactam o fa-
zer educativo. Fazer este que precisa considerar a tensão entre
igualdade e diferença: igualdade de acesso a bens e serviços e
reconhecimento político e cultural também no espaço escolar.
No Brasil, a construção do Estado Nacional e, por conse-
guinte, a formalização do fazer educativo supôs um processo
de homogeneização cultural em que a educação escolar exer-
ceu um papel fundamental, tendo por função difundir e con-
solidar uma cultura comum de base ocidental e eurocêntrica,
silenciando e/ou inviabilizando vozes, saberes, cores, crenças e
sensibilidades. Agora, esse mesmo sistema educacional é ten-
sionado a desnaturalizar sua base monocultural e a discutir o
papel da educação escolar na emancipação de sujeitos nega-
dos historicamente. Hora de rever disciplinas, currículos, tem-
pos e formatos escolares, mas, principalmente, o dito “saber

9
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

científico”, que se baseava em uma ciência desconectada dos


anseios e necessidades de sua população.
É neste cenário repleto de questões que destacamos a im-
portância do livro “Educação em Ciências e Direitos Huma-
nos: reflexão-ação em/para uma sociedade plural”, organiza-
do por Roberto Dalmo e por Glória Queiroz. Livro relevante
não só pela qualidade dos textos incluídos na coletânea, mas
também por trazer para o centro do debate a relação entre
educação em ciências, a afirmação dos direitos humanos e a
perspectiva intercultural para lidar com a tensão entre igual-
dade e diferença na defesa e no reconhecimento de direitos
de grupos específicos. E fazer essa articulação no campo das
ciências é mesmo mais um mérito desse trabalho, já que ain-
da são muitos os discursos de resistência de professores de
ciências quando o assunto é a relação de sua disciplina com a
construção de uma cultura de afirmação dos direitos humanos
no país.
Como alguns dos textos apontam, respostas como “Não
faz parte do meu conteúdo”, “Isso é responsabilidade da famí-
lia”, ou “Devemos deixar isso para os professores de filosofia
e sociologia” ainda são comumente repetidas por professores
de ciências. E, infelizmente, muitas vezes os poucos docentes
que tentam desenvolver abordagens diferentes nessa área são
injustamente acusados de “levar política para dentro das esco-
las”, como se a educação não fosse por si só um ato político,
como muito bem argumentou Paulo Freire.
A falsa ideia de neutralidade da escola ainda se faz pre-
sente no imaginário social, e parece ainda ter mais força no
campo do ensino de ciências, apesar de ser mais do que sabi-
do – e movimentos intrínsecos ao próprio campo das ciências
já demonstraram – que toda pesquisa envolve conseqüências
sociais, políticas e culturais. Negar essas conseqüências ou de-

10
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

fender uma postura politicamente neutra no ensino de ciências


muitas vezes termina por envolver professores e estudantes na
manutenção de práticas discriminatórias e de injustiças so-
ciais, ao mascarar os diferentes grupos de interesses presentes
nas definições sobre as “prioridades” científicas; ao esconder
a apropriação de tradições científicas não ocidentais para de-
pois negar a esses mesmos grupos, o estatuto de produtores de
conhecimento; ou ainda, ao perpetuar pressupostos que res-
ponsabilizam a natureza por iniqüidades sociais e econômicas
originadas nas práticas e disputas de poder presentes nas rela-
ções humanas.
Desse modo, o propósito deste livro, de contribuir com
a busca de se construir referências para o ensino de ciências
a partir de uma perspectiva intercultural pode ajudar a su-
perar tanto a atitude de resistência de professores quanto a
de indiferente tolerância frente ao “outro”, construindo uma
disponibilidade para a leitura positiva da pluralidade social
e cultural. Trata-se, portanto, de um livro que assume o de-
safio de colocar o ensino de ciências ao serviço do respeito à
diferença e isso produz muitas perguntas, como sinalizam os
organizadores da coletânea:

É possível trabalhar de forma a levantar discussões políticas


sem desmerecer os conteúdos científicos, mas colocá-los em
contextos sociais e tecnológicos? É possível criar práticas que
levem a uma visão crítica dos Direitos Humanos, capaz de
favorecer processos de democratização, de articular a afirma-
ção dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sócio-
-cultural, com o reconhecimento dos direitos à diferença?

Sem pretender dar respostas absolutas, as reflexões im-


pressas nas páginas desse livro contribuem para se buscar ca-
minhos. Experiências que articulam ciências, tecnologias, so-

11
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

ciedade e artes podem apontar novas possibilidades. Desenvol-


ver práticas pedagógicas tendo em vista metodologias capazes
de inserir a questão dos direitos humanos nos espaços formais
de educação indica trilhas ainda pouco exploradas. Articu-
lar o reconhecimento dos diferentes grupos sociais e culturais,
possibilitando a ampliação de espaços para que seus valores,
conhecimentos e tradições sejam valorizados, reconhecidos e
respeitados, estimulando, portanto, o diálogo intercultural no
ensino de ciências parece ser realmente um grande desafio. E,
como diz o poeta castelhano Antonio Machado:

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino

sino estelas en la mar.

Sendo assim, professores de ciências: é experimentando


novas possibilidades e práticas educativas que se cria um ensi-
no de ciências que seja capaz de reconhecer e valorizar as di-
ferenças, contribuindo nos processos sociais de redistribuição

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E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

e minoração das desigualdades presentes em nossa sociedade.


Que este livro contribua para que todos se sintam convidados
a... Caminhar! Boa leitura.
Kelly Russo1
10 de julho de 2013

1 É Doutora em Educação Brasileira, Mestre em Ciências Sociais e Educação e possui


especialização em Diversidade Cultural e Direitos Humanos com menção em Povos
Indígenas. É professora adjunta do Departamento de Formação de Professores da
Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ). Na FEBF, integra o
Programa de Pós-Graduação em Educação e Comunicação em Periferias Urbanas e
coordena, com a professora Aura Helena Ramos, o Núcleo de Educação Continuada
(NEC), voltado à investigação e intervenção pedagógica nas áreas de educação em
direitos humanos e diversidade cultural. Tem experiência como consultora e educa-
dora em projetos educativos no contexto escolar e não escolar. Temas de interesse:
Movimentos Sociais e Educação / Educação Escolar Indígena / Educação em Direitos
Humanos.

13
Apresentação

Para Hannah Arendt (2007), a pluralidade humana tem o


duplo aspecto da igualdade e da diferença. Se os humanos não
fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender-
-se entre si e aos seus antepassados, ou de fazer planos para
o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Por
outro lado, se não fossem diferentes, se cada ser humano não
diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a exis-
tir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para
se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam co-
municar as suas necessidades imediatas e idênticas (p.188).
De certa forma, essa articulação entre igualdade e diferença
é uma necessidade do momento e a educação tem um papel
relevante a cumprir. Essa questão está se tornando cada vez
mais explícita nas nossas escolas, sendo questionadas as prá-
ticas pedagógicas marcadas pela homogeneização e pelo seu
caráter monocultural (CANDAU, 2007).
Não é possível falar de igualdade sem incluir a questão da
diversidade, assim como não se pode discutir a diferença sem
afirmação de igualdade, mas em meio às tensões, contradições
e conflitos que o tema suscita na realidade escolar, é possível
construir práticas que favoreçam o empoderamento de ato-
res e grupos sociais desmerecidos historicamente? É possível
trabalhar de forma a levantar discussões políticas sem desme-
recer os conteúdos científicos, mas colocá-los em contextos
sociais e tecnológicos? É possível criar práticas que levem a

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E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

uma visão crítica dos Direitos Humanos, capaz de favorecer


processos de democratização, de articular a afirmação dos
direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sócio-cultural,
com o reconhecimento dos direitos à diferença?
Falar de Direitos Humanos para professores de ciências
torna-se um desfio quando temos discursos de resistência que
constroem um cenário de impossibilidades. “Não faz parte do
meu conteúdo”; “Isso é responsabilidade da família”; “Deve-
mos deixar isso para os professores de filosofia e sociologia”,
são falas muitas vezes utilizadas como um escape ao tema.
Porém, essa posição passiva submete professores ao status
de meros técnicos que reproduzem seus conteúdos e não o de
intelectuais transformadores (GIROUX, 1997). Acreditamos
que é possível enfrentar os desafios da tensão a que estamos
submetidos nas escolas e assim, dessa forma, o texto de Edu-
cação em Ciências e Direitos Humanos: reflexão-ação em/para
uma sociedade plural foi dividido em quatro capítulos, o pri-
meiro, de autoria de Roberto Dalmo, consiste em uma reflexão
sobre a educação homogeneizadora e monocultural vivenciada
por diversos estudantes. O capítulo repensa a lógica da infor-
matização como a solução do século XXI e traz a abordagem
intercultural crítica como uma necessidade a aulas de Ciên-
cias que façam interlocução com direitos humanos. O capítulo
dois, de autoria de Roberto Dalmo e Glória Queiroz, consiste
em uma abordagem teórica sobre a estratégia didática deno-
minada CTS-ARTE. Nele buscou-se traçar algumas questões
referentes à abordagem CTS e à Educação em Artes, tentando
alcançar, assim, uma prática que dialogue com algumas ques-
tões levantadas no primeiro capítulo. O terceiro capítulo do
livro, de autoria de Roberto Dalmo, Glória Queiroz e Samara
Andrade, consiste em uma abordagem prática de um projeto
CTS-ARTE a partir da obra de João Batista Melo, cordelista

16
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

sergipano, nos estudos de Métodos e Separações de misturas.


A última parte, capítulo 4, representa a voz do autor Roberto
Dalmo ao relatar a elaboração de outro projeto CTS-ARTE
que envolvia a abordagem de temas como Sexualidade e Cul-
turas afro-brasileiras

17
Capítulo 1

Educação em Ciências e Direitos Humanos:


algumas percepções e uma luta constante

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

“Não sou nada.


Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”
Fernando Pessoa

Texto desse capítulo “Educação em Ciências e Direitos


Humanos”2 foi precedido por práticas, reflexões, leituras,
pensamentos, indagações, experiências e muitas dúvidas. Esse
cenário múltiplo no qual vivemos é a agulha que tece o dito e
segue construindo as malhas do pensar, fazer... Tece a cons-
trução de nossas realidades. Muitos discursos precederam o
meu – muito foi vivido, experienciado – e, por isso, o texto
está impregnado não só dessas vivências, mas da minha visão

2 Esse escrito é uma reelaboração do que foi dito no dia 23 de Maio de 2013 na Uni-
versidade Católica de Brasília a convite da Professora Msc. Verenna Barbosa Gomes,
que cedeu espaço para minhas reflexões e para o afloramento de tais ideias em futuros
professores de Química.

19
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

sobre elas. Uma visão particular, mas que foi construída cole-
tivamente e busca construir-se ainda mais no compartilhar da
minha fala.
Não digo que foi em um dia que despertei para a neces-
sidade de uma Educação em Ciências que vá ao encontro dos
Direitos Humanos – essa é uma busca antiga que antecede
a minha prática como professor –, porém, em um único dia,
presenciei inúmeros discursos de preconceito no ambiente
escolar: discriminações contra homossexuais, negros, can-
domblecistas, umbandistas, ateus, judeus. Talvez nesse dia
eu estivesse mais atento a essa questão. Talvez eu estivesse
estudando mais sobre e, por isso, percebi com outro olhar
aquilo que talvez fosse cotidiano e eu não havia observado
até o momento. Uma enorme indignação surgiu e, não por
acaso, nesse momento, percebi que falar de/em diversidade
não é algo bem visto, e que há muitas escolas que se vendem
como inovadoras, mas mantém discursos hegemônicos3. En-
tretanto, a necessidade de formar uma rede de educadores
que se preocupem com os direitos humanos me fez pensar
em uma afirmação: Uma educação em ciências que não vá
ao encontro dos Direitos Humanos é uma educação vazia e
pouco contribui para a humanidade.
Dessa forma, o escrito a seguir é precedido por essa vi-
são de mundo de um professor que refletiu/reflete sobre as
“realidades” difundidas nas escolas e as forças que impedem
sua transformação. Porém, reflete propositivamente e, a partir
do segundo capítulo, esse texto mostrará ações que envolvem
projetos chamados de CTS-ARTE.

3 De maneira simplificada, Eagleton (1997) define o conceito de hegemonia como


um espectro inteiro de estratégias práticas pelas quais um poder dominante obtém
o consentimento ao seu domínio daqueles que subjuga. Nesse sentido, o termo dis-
cursos hegemônicos se refere a estratégias discursivas que perpetuam estereótipos e
relações de poder.

20
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Desde o início deixo claro que buscarei falar de uma Es-


cola e de um professor genérico. Muitas falas serão enfáticas e
muitas vezes tendendo à generalização ou a algo próximo de
um discurso político. Talvez seja mesmo um discurso político,
um convite a reflexões e ações. Entretanto, considero que di-
versos professores, assim como diversas escolas, se posicionam
de maneira completamente diferente dos exemplos que citarei
nesse texto. Muitos estão engajados na luta pelo respeito à
diversidade e pelo pluralismo cultural em sala de aula, assim
como diversas escolas (coordenadores, pais e outros membros
da comunidade escolar) dão todo o apoio necessário a essas
práticas e a esses discursos. Meu discurso se dirige a mentes
que ainda não pensaram sobre esse assunto, mas que espero
que passem a pensar, e se motivem na luta e na formação de
uma rede de professores e escolas engajadas que, em um tem-
po breve, venham a construir uma nova realidade educacional.

Uma conversa prévia.

Ao ser questionado sobre “o que era Direitos Humanos?”,


um dos estudantes responde rapidamente que seria um con-
ceito atrelado à noção de dignidade. Essa afirmação remete
diretamente à Declaração Universal dos Direitos Humanos,
assinada pelos países membros da Organização das Nações
Unidas (ONU) no ano de 1948, que diz:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade ineren-


te a todos os membros da família humana e de seus direitos
iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça
e da paz no mundo; Considerando que o desprezo e o des-
respeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros

21
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento


de um mundo em que os todos gozem de liberdade de pala-
vra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e
da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do
ser humano comum; Considerando ser essencial que os direitos
humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser
humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião
contra a tirania e a opressão; [...] Considerando que os povos
das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos
direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser
humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e
que decidiram promover o progresso social e melhores condi-
ções de vida em uma liberdade mais ampla; [...] Considerando
que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da
mais alta importância para o pleno cumprimento desse com-
promisso, Agora portanto; A ASSEMBLÉIA GERAL proclama
A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os
povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo
e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Decla-
ração, se esforce, através do ensino e da educação, por promo-
ver o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de
medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por
assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal
e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros,
quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.4

Após essa introdução, a Declaração lista 30 artigos, den-


tre eles o Artigo VI, que diz “Todo ser humano tem o direito
de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante
a lei” e o Artigo XVIII, que diz “Todo ser humano tem direito
à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito

4 É importante destacar que considero a Declaração Universal dos


Direitos Humanos um ponto de partida, mas refletirei, em breve, sobre
as críticas de Boaventura de Souza Santos e a proposta de Vera Candau
(CANDAU, 2008).

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E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade


de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática,
pelo culto e pela observância, em público ou em particular”.
Apesar de todo ser humano ter o direito de “ser” em todos
os lugares, todo ser humano ter a liberdade de pensamento,
consciência e religião, percebemos que esse “todos os lugares”
não inclui a Escola5 e, se inclui, algo está muito errado. Ir con-
tra essas liberdades seria um ato de violência e venho mostrar
que, como professores, é um dever nos preocuparmos com a
reprodução de lógicas desse tipo.
A pergunta que muitas vezes nos guia é “Nós, professores de
Ciência, Química, Física, Biologia, temos algo a ver com isso, ou
devemos deixar temas como diversidade cultural para os profes-
sores de Filosofia e Sociologia?” ou o questionamento “Somos
responsáveis por construir uma escola que valorize a diversidade
ou devemos entender os alunos como números em uniformes e
que devemos apenas trabalhar ‘conteúdos’?”. Outra indagação
que trago é “Mas as escolas não estão mudando? Computadores,
redes sociais sistemas de informação...”. Responderei aos ques-
tionamentos de trás para frente. Falarei sobre escola do século
XXI e sobre a informatização, farei algumas reflexões sobre cul-
tura, identidade, diferença e a perspectiva intercultural e, por fim,
voltarei à questão da pluralidade cultural nas aulas de Ciências.

A escola do Século XXI e seus discursos he-


gemônicos

Nos últimos 12 anos, podemos destacar algumas mudan-


ças no que se refere à transmissão de informações e criação de
5 Lembrando que a escola a qual me refiro é uma escola genérica, e não escolas que
já possuem um novo formato, novos discursos e que contribuem para a valorização
das diferenças.

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E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

conteúdo. 1) A primeira foi a passagem do conceito de internet


“Web 1.0”, que estaria acabada para o conceito de “Web 2.0”,
em que os desenvolvedores acreditam ser uma plataforma di-
nâmica e de constantes atualizações - interativa, uma vez que
usuários podem colaborar na edição dos conteúdos. 2) Outra
mudança significativa foi o conceito de celular, antes “tijolo”
que era utilizado para falar, e hoje um aparelho que reúne
internet, mensagens de texto, diversos aplicativos, como GPS,
câmera fotográfica, televisão, gravador de voz, possibilidade
de compartilhar arquivos, entre outras inúmeras utilidades. 3)
A internet deixa de ser discada e passa a ser banda larga, au-
menta-se a velocidade e reduz- se o custo da navegação. 4) O
disquete é abandonado e surgem os pendrives, que possuem,
a cada dia, mais capacidade de armazenamento de dados. Em
seguida surgem os HDs externos (mais memória) e o conceito
de nuvem, no qual a web é o local de armazenamento e geren-
ciamento de arquivos. 5) As redes sociais, inicialmente com
o Orkut e, em seguida, o Facebook, tratam de conectar quase
que instantaneamente as pessoas, trocar informações, difundir
idéias, conteúdos.
Esses entre muitos avanços da informatização e teleco-
municações possibilitam um maior acesso à informação. En-
tretanto, o que tem acontecido em nossas salas de aula? Te-
mos uma escola que reproduz uma lógica de memorização de
informações, na qual alunos enfileirados devem ser o reflexo
do professor. Arriada, Nogueira e Vahl (2012) proporcionam
uma descrição detalhada da escola do Século XIX no que se
refere ao controle, disciplina e organização.

“Nas salas de aula, de acordo com a maioria dos regulamen-


tos, deveria constar: a imagem do Senhor crucificado, um re-
lógio, um armário, uma mesa com um estrado, uma cadeira
de braços para o professor, bancos e mesas inclinadas com tin-
teiros fixos para os alunos, uma ampulheta, um quadro gran-

24
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

de de madeira pintado de preto, esponjas e giz, ardósias, papel


e compêndios, cabides para chapéus e réguas com guarnição
de metal.” (Arriada, Nogueira e Vahl, 2012 p. 45)

Os autores também relatam que o espaço escolar é rigida-


mente ordenado e regulamentado, tentando induzir os alunos
a valores, padrões e normas de comportamento.

Figura 1: Sala de aula - Contreras (1895) apud Arriada, Nogueira,


Vahl (2012)

Ao perceber que o modelo de escola do Século XIX está


ultrapassado e os estudantes possuem outra forma de intera-
gir, o ambiente virtual se destaca e vira principal objetivo do
marketing escolar. Ampulheta transforma-se em relógio digi-
tal, quadro de madeira com giz e esponja torna-se o quadro
digital com apagador e piloto, os papeis e compêndios viram
notebooks, tablets e, a imagem de Cristo crucificado perpetua-
-se discursivamente.
O que se torna mais agravante é a ênfase dada a uma pos-
sível revolução que a informatização estaria proporcionando.

25
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Escolas utilizam-se da tecnologia para vender uma imagem


de mudança, uma falsa ideia de inovação. De certa forma, a
afirmação da informatização do ambiente escolar como um
recurso que irá facilitar a troca de informações é válida. O
professor que domina informática irá preparar mais facilmen-
te suas aulas, os estudantes irão ter acesso ao material pro-
duzido e a uma quantidade de informações de forma muito
mais dinâmica do que a estrutura escolar com o livro didático,
PORÉM, ISSO NÃO É GARANTIA DE INOVAÇÃO.
É possível observar que a revolução proporcionada a par-
tir das tecnologias de informação e comunicação (TIC) não
reestruturam a clássica crítica feita por Francesco Tonucci, o
FRATO, em 1970 (Figura 3).

Figura 3: TONUCCI, (2008). Charge de 1970 e a escola do Século


XXI

26
Figura 4: Adaptado de TONUCCI, (2008). Charge de 1970 e a es-
cola do Século XXI

Apesar de terem se passado mais de quarenta anos desde


que essa crítica foi feita, é possível observar que muitas escolas
continuam desvalorizando os estudantes, tratando-os como pro-
dutos e, muitas vezes, até mesmo os próprios pais acreditam nes-
sa lógica. Eles buscam escolas que a reproduzam. Com isso, o
discurso de inovação torna-se apenas metodológico ou no nível
de transmissão de informações, e continua desvalorizando cul-
turas e oprimindo identidades. A manutenção dessa lógica é um
desperdício de possibilidades, uma vez que a tecnologia poderia
ser utilizada para fomentar o diálogo entre as diversas culturas
e o empoderamento de culturas desfavorecidas historicamente.

27
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Cultura, identidade

Desvalorizamos culturas? Muitas vezes elaboramos dis-


cursos que desvalorizam o outro sem perceber. É necessário
tomar cuidado.
Por mais que existam diversas culturas6, é possível perceber
que elas não são postas socialmente no mesmo patamar, ou seja,
há disputas entre culturas, há disputas entre o que é considera-
do como válido e há discursos que buscam legitimar uma cultu-
ra em detrimento da outra (LOPES; MACEDO, 2011).
Ao pensar em repertório de significados que serão par-
tilhados, é no mínimo plausível introduzir a pergunta “Por
quem?” O que faz com que uma cultura seja elevada enquanto
a outra fica por debaixo dos panos e é fadada a títulos como
“subcultura”?
Um exemplo pode ser dado ao ler um trecho da música “Lí-
quido do Amor”, do cantor de Funk Mister Catra: “Procuro a
todo o tempo um jeito de encontrar\Entre palavras e gestos fa-
zer você enxergar\ Que entre quatro paredes nós vamos viver\
Momentos felizes, somente eu e você\ Entre sussuros, gemidos
na escuridão\ Seu corpo todo treme; treme de tesão\ Vou te

6 O termo cultura possui diversas definições, mas para esse caso usarei o conceito
de Geertz (2008), que destaca a cultura não como padrões concretos de comporta-
mento (costumes, hábitos, tradições), mas como planos e instruções para governar
o comportamento. O autor também afirma que os homens são “desesperadamente”
dependentes desses mecanismos para ordenar seu comportamento. “Um dos fatos
mais significativos a nosso respeito, deve ser, finalmente, que todos nós começamos
com um equipamento natural para viver milhares de vidas, mas terminamos por viver
apenas uma espécie”. Nessa perspectiva, a cultura é compreendida como um mecan-
ismo de controle e parte do pressuposto do pensamento ser social e político – o pensar
seria um trafego de símbolos significantes (palavras, gestos, músicas, artefatos como
relógios, celulares, ou qualquer coisa que esteja afastado da realidade, mas que seja
utilizada para impor um significado à experiência). Esses significados partilhados são
como uma bússola que orienta as experiências. Dessa forma, a cultura não é apenas
um acúmulo de símbolos, mas uma condição essencial para a vida humana, “a prin-
cipal base de suas especificidades”.

28
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

fazer uma nova mulher\ Que sabe o que faz e sabe o que quer
é...\Revigorada pelo líquido do amor\ Te vejo agora como a
mais linda flor.”
E ler um trecho do livro “Poema Sujo”, do poeta Ferreira
Gullar “e os carinhos mais doces mais\ sacanas\ mais sentidos\
para explodir como uma galáxia\ de leite\ no centro de tuas
coxas no fundo\ de tua noite ávida\ cheiros de umbigo e de
vagina\ graves cheiros indecifráveis como símbolos\ do corpo\
do teu corpo do meu corpo”...
Esses dois trechos nos levam a questionar os motivos do
gênero musical Funk não ser, aos olhos de muitos, considera-
do cultura, enquanto o poema de Gullar é considerado como
tal. Quais razões estariam por trás desse jogo de poderes?
Lopes e Macedo (2011) acreditam que a criação de uma
“cultura humana” geral envolve mecanismos de exclusões e
rejeições de áreas consideráveis da cultura vivida, porém, na
contemporaneidade, é possível perceber que, por mais que es-
sas desvalorizações tenham ocorrido durante anos, diversos
movimentos sociais7 estão colocando-as em xeque.
Um exemplo, dentro do contexto explicitado aqui, foi o
“Movimento Funk é Cultura”

“O primeiro passo nesse processo é a união de todos, funkei-


ros e apoiadores, pela aprovação de uma lei federal que defina
o funk como movimento cultural e musical de caráter popular.
Reivindicar politicamente o funk como cultura nos fortalece-
rá enquanto coletivo para combatermos a estigmatização que

7 Gohn (2011) considera movimentos sociais como ações sociais coletivas de caráter
socio­político e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e
expressar suas demandas. Essas ações se expressam através de diferentes estratégias,
como denúncias, marchas, mobilizações, passeatas. Na atualidade os jovens atuam
por meio de meios de comunicação midiáticos, como as redes sociais. A autora consi-
dera que a construção de uma sociedade democrática é um ideal civilizatório e, idéias
como uma sociedade sustentável (em contraposição à sociedade desenvolvimentista)
e a reconhecimento da diversidade cultural, têm sido incorporadas às identidades dos
movimentos sociais.

29
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

sofremos e o poder arbitrário que, pela força do dinheiro ou


da lei, busca silenciar a nossa voz”. (Texto do Manifesto Funk
é Cultura – a partir do encontro realizado em 26/07/2008)

Em 22 de Setembro de 2009, foi aprovada pelo Gover-


nador Sérgio Cabral (PMDB) a lei 5543, de autoria dos De-
putados Estaduais Marcelo Freixo (PSOL) e Wagner Montes
(PDT), que define Art 1° funk como movimento cultural e mu-
sical de caráter popular.
Apesar de ser um grande avanço no sentido de movimen-
tos populares, é lamentável pensar que foi necessária uma lei
para considerar uma manifestação popular legítima como cul-
tura. A escola faz parte desse processo de julgamento e “culti-
vo de boa cultura”, “bom gosto” e, é na luta contra essa Esco-
la homogeneizada, homogeneizadora e contra o Daltonismo
Cultural8 que os professores devem engajar-se.
Nesse momento, faz-se necessário uma interrupção para
mostrar exemplos de que as culturas desmerecidas e desrespei-
tadas no ambiente escolar geraram atos de violência bastante
perceptíveis. Essas notícias não devem passar despercebidas
e devem ser pensadas em paralelo com o exemplo anterior.
Por que uma cultura é colocada em um patamar acima da ou-
tra? A que projeto de sociedade estamos servindo quando não
rompemos com essa lógica?

“Venho sendo agredido desde que me assumi gay”, resume


o jovem, que foi agredido a socos e pontapés por um colega
do lado de fora da Escola Estadual Onofre Pires. “Depois das

8 Cortesão e Stoer (1996) apresentam a expressão Daltonismo Cultural a partir da


concepção de Boaventura Sousa Santos do mundo como um arco-íris de culturas. O
daltonismo consiste em uma capacidade reduzida de perceber algumas tonalidades.
Da mesma maneira, a não compreensão da pluralidade cultural geraria uma espécie
de daltonismo. Porém, essa não visualização (consciente ou não) de alguns tons do
arco-íris cultural não deveria ser penalizada, mas identificada e combatida a partir de
situações que possibilitem uma maior compreensão da diversidade cultural.

30
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

ameaças, um colega me esperou do lado de fora e começou a


me dar socos. Metade da turma viu e ninguém fez nada. Isso
foi durante o dia. Muitas pessoas viram o que aconteceu e
me ajudaram, mas não sei se fariam isso se soubessem quem
sou”, desabafa. (Fonte: Jornal Meio Norte)
“Uma adolescente de 16 anos registrou uma ocorrência na
Delegacia de Polícia de Bela Vista de Goiás, Região Metropo-
litana de Goiânia, alegando ter sido agredida fisicamente pela
mãe e pelo avô de uma colega, de 14 anos, na segunda-feira
(12), dentro de uma sala de aula de uma escola estadual no
centro da cidade”. (Fonte: Jornal O Globo)
“Violência dentro de uma escola na Grande São Paulo. Uma
estudante de 17 anos esfaqueou um colega de 16, em Ribei-
rão Pires. A garota disse à polícia que sofria bullying e quis
se defender. O garoto agredido está internado em estado gra-
ve. O caso aconteceu dentro da sala de aula, em uma escola
pública. A jovem tirou a faca de dentro da meia e atingiu o
rapaz no peito. Ele foi levado de helicóptero para o hospital
e está na UTI. A adolescente, que estuda na escola há apenas
três meses, disse ao delegado que era xingada frequentemente
pelo rapaz por ser negra e ter sotaque nordestino”. (Fonte:
Jornal O Globo)

“Pergunta: Como elas enfrentavam o preconceito?


Resposta:Muitas preferiam se dizer católicas, só achei uma
criança que revelava sua fé. No período de recolhimento para
o santo, quando precisam raspar a cabeça, algumas chegam a
dizer que estão com leucemia ou pegaram piolho. Hoje, gra-
ças a ações dos terreiros e de movimentos negros, várias pas-
saram a assumir o credo, mas, infelizmente, a escola não tem
ajudado no processo” (Fonte: Jornal O Dia).

“Um garoto de oito anos foi ofendido por uma colega de sala
por ser negro, segundo denúncia registrada na polícia pela
mãe nesta quarta-feira (27) no Distrito Federal. De acordo

31
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

com ela, o caso ocorreu antes do carnaval no colégio La Salle


do Núcleo Bandeirante e foi relatado pela professora da tur-
ma”. (Fonte: Jornal O Globo)

Esses são alguns trechos de reportagens que mostram o


quanto danoso é à sociedade uma escola que prefere se calar a
discutir as diferenças. Crianças nordestinas, negras, homosse-
xuais, praticantes de Umbanda e Candomblé sofrem todos os
dias preconceito nas escolas.
Charles Taylor define identidade como aquilo que nós
somos, nossa origem, de onde viemos, ou seja, um ambiente
no qual nossos gostos, desejos, opiniões e aspirações fazem
sentido. E afirma que o reconhecimento incorreto dos outros,
podendo ser uma pessoa ou um grupo de pessoas, pode ser
uma forma de agressão, na qual uma imagem distorcida de
algum grupo pode proporcionar uma noção de inferioridade e
desprezo. (TAYLOR, 1994)9.
Ao entrelaçar a afirmação de Taylor sobre a imagem dis-
torcida de um grupo com os relatos das reportagens, é possível
perceber que a luta existente pelo reconhecimento e pela ga-
rantia de direitos às diversas identidades é também uma luta
marcada por violência simbólica e física. Essa distorção que
proporciona inferioridade e desprezo é uma realidade no co-
tidiano de diversos grupos sociais. Os homens são mais valo-
rizados que as mulheres, os brancos possuem mais vantagens
sociais do que os negros, os heterossexuais são mais aceitos do
que os homossexuais, o católico é mais “bem visto” do que o
candomblecista. Se apenas fingirmos que não existe racismo,

9 É importante atrelar a concepção de identidade apresentada por Taylor, como aqui-


lo nós somos, nossa origem, de onde viemos, ou seja, um ambiente no qual nossos
gostos, desejos, opiniões e aspirações fazem sentido, à consciência da não estabilidade
de nosso ser, nossos gostos, desejos, opiniões e aspirações. Estamos em constante
reelaboração e essa tomada de conhecimento será extremamente necessária a uma
abordagem educacional.

32
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

machismo, homofobia, cairemos no engano de menosprezar


as lutas multiculturais (ANDRADE, 2009).
Como professores, devemos ficar em uma posição passiva?
Devemos nos preocupar apenas com “conteúdos de Ciências”
enquanto cenas de violência escolar são frequentes? Afirmo
que não! Acredito que é possível e necessário trabalhar com o
tema diversidade em sala de aula. Não como um módulo, ou
outra disciplina, mas como um discurso prático constante que
perpassa todo o aprendizado (inclusive Ciências).

Perspectiva Intercultural como transversal à


Educação em Ciências

A luta pela igualdade é uma afirmação do pensamento de


modernidade e é necessária a sua compreensão para entender
a luta pelos direitos humanos10 (CANDAU, 2008). Porém, no

10 A pergunta “como isso começou?”, ou melhor, “Quais mudanças ocorridas que


contribuíram para que o significado que este tipo de discurso tem hoje para nós?” é
trabalhada por Charles Taylor (1994) e remete ao desaparecimento das hierarquias
sociais. O autor retoma a palavra honra, utilizada no período do antigo regime e liga-
da às desigualdades – para que uns tenham honra é necessário que haja preferências –
hoje, temos a noção de dignidade e acredita-se que deve ser comum a todas as pessoas.
Para Taylor, a democracia introduziu a política de reconhecimento igualitário, mas a
percepção desse reconhecimento foi se modificando ao longo do tempo e, mais espe-
cificamente, foi aumentando com uma nova compreensão de identidade individual.
Já a concepção de autenticidade desenvolveu-se a partir de uma ênfase moral, ou seja,
surge quando a sociedade passa a dar mais importância e atenção aos sentimentos.
Para o autor, o filósofo mais importante para essa mudança foi Rousseau, que apre-
sentou diversas vezes uma noção de “voz da natureza” dentro de nós. Ser verdadeiro
consigo está atrelado ao princípio de originalidade no qual cada um teria uma “voz”
única e, ouvi-la, significaria ser verdadeiro. O que hoje chamamos de identidade era
determinado anteriormente pela posição social. Temos um cenário no qual “A im-
portância do reconhecimento é, agora, universalmente admitida [...] O reconhecimen-
to igualitário não é apenas uma situação adequada para uma sociedade democrática
saudável. A sua recusa pode prejudicar as pessoas visadas [...] A projeção de uma
imagem do outro como ser inferior e desprezível pode realmente, ter um efeito de
distorção e de opressão, ao ponto dessa imagem ser interiorizada”.

33
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

momento em que vivemos, é possível perceber que a igualdade


deixa de ser tão falada e o discurso de diferença ganha força e
torna-se um direito – “não só o direito dos diferentes a serem
iguais, mas o direito de afirmar a diferença”. Se observarmos
a declaração de Direitos Humanos – citada no começo desse
texto – percebemos que é uma Declaração “Universal” e que
nos leva a questionar qual é o olhar sobre esse “universal”.
Nesse questionamento, Candau (2008) traz a busca por uma
ressignificação dos direitos humanos a partir da fala do soció-
logo português Boaventura de Souza Santos.
É necessário 1) superar o debate entre universalismo e
relativismo – nesse sentido, são estabelecidos dois pólos, um
deles afirma que todas culturas e grupos tentam se comunicar
e se universalizar, já o outro afirma que todas culturas são re-
lativas, nenhuma é absoluta. Para o autor, é necessário romper
com os dois pólos. 2) Todos os grupos possuem concepções
de dignidade humana, mas temos que ter sensibilidade para
descobri-la em cada universo cultural. 3) Afirmar que todas as
culturas são incompletas. 4) Grupos culturais não são homo-
gêneos e padronizados. 5) Todas as culturas distribuem seus
membros através dos princípios de igualdade e diferença.
Todas as premissas estariam voltadas para essa noção de
articulação entre igualdade e diferença e deve-se trabalhar no
que o autor chama de novo imperativo transcultural “temos
o direito de ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza;
temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos
descaracteriza”. Eu reescreveria como “Temos o direito de ser
iguais, sempre que nossa diferença é inferiorizada; temos o
direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descarac-
teriza.
Essa articulação entre igualdade e diferença torna-se cada
vez mais latente ao pensar na globalização como característica

34
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

da sociedade atual. Andrade (2009) afirma que estamos cada


vez mais conectados e, além de modificar concepções de tem-
po e espaço, esse processo tem intensificado encontros e desen-
contros entre as mais diversas culturas. Essa coexistência, em
um mesmo território, tempo e espaço, seria denominada mul-
ticulturalismo. Nesse contexto, diversas expressões como mul-
ticulturalismo conservador, liberal, celebratório, emancipador,
revolucionário mostram a diversidade de crenças e correntes
teóricas na área (CANDAU 2010), porém, aqui seguiremos a
perspectiva nomeada de Interculturalismo e difundida no Bra-
sil pela pesquisadora Vera Candau.
O termo Interculturalidade, no contexto educacional,
para Candau e Russo (2010), surge na América Latina, com
referência na educação escolar indígena. Mas também recebeu
contribuições dos movimentos negros e da educação popular
a partir da década de 60, com o pensamento de Paulo Freire,
que já apresentava muito do que hoje se configura como a
perspectiva intercultural. Outro aspecto destacado pela autora
se refere ao reconhecimento, entre as décadas de 80 e 90, do
caráter multiétnico, pluricultural e multilingue em 11 países
da América Latina. Dessa forma, surgiram diversas políti-
cas públicas em Educação que incorporam essa perspectiva.
No Brasil, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997) incorporaram, entre os temas transversais, a
pluralidade cultural. Essa opção não foi muito pacífica e con-
sensual, mas de grande importância e considerada um mar-
co histórico (CANDAU 2010), principalmente se pensarmos
que tal tema será debatido na escola, espaço que sempre teve
grandes dificuldades em lidar com as diferenças (MOREIRA;
CANDAU, 2003).
A educação intercultural parte de alguns pressupostos
como: 1) a promoção deliberada da inter-relação entre os

35
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

diversos grupos culturais presentes em uma determinada so-


ciedade; 2) a consciência de que estamos em uma sociedade
na qual os hibridismos culturais são constantes, ou seja, não
há uma “cultura pura”; 3) a consciência dos mecanismos de
poder que permeiam a sociedade; 4) e que as relações entre
as culturas não são pacíficas, mas hierarquizadas e marcadas
por preconceitos (CANDAU, 2010). Com isso, a Intercultu-
ralidade entende as culturas em um constante processo de ela-
boração, o que não desconsidera as raízes históricas de cada
uma delas, mas as compreende como construções sociais dinâ-
micas, marcadas por relações pouco pacíficas. Nesse sentido,
a educação só poderá ser direito universal de todos na me-
dida em que se reconheça e valorize as culturas particulares.
A abordagem intercultural busca uma educação para o reco-
nhecimento do outro e para o diálogo entre grupos sociais e
culturais (CANDAU, 2008).
Porém, mesmo dentro dessa perspectiva, é possível per-
ceber três ramificações de no continente latino-americano: a
primeira, intitulada relacional, refere-se, basicamente, ao con-
tato e intercâmbio entre culturas e sujeitos socioculturais; a
segunda, considerada funcional, busca diminuir a tensão entre
diversos grupos sem se preocupar com relações de poder vi-
gentes e, por fim, a perspectiva que questiona essas questões,
chamada de crítica. Nesse sentido, Candau (2012) elabora ca-
tegorias básicas para identificar no que consiste uma educação
intercultural crítica.
Essas categorias podem contribuir para pensarmos nossa
prática educacional realizada no âmbito de um grupo acadê-
mico de pesquisa em ensino de ciências.
sujeitos e atores: referem-se à promoção de relações tanto
entre sujeitos individuais, quanto entre grupos sociais integran-
tes de diferentes culturas; saberes e conhecimentos: procuram

36
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

estimular o diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos,


e trabalha a tensão entre universalismo e relativismo no plano
epistemológico, assumindo os conflitos que emergem deste de-
bate. Para isso é necessário considerar a existência de diferentes
saberes e conhecimentos e descartar qualquer tentativa de hie-
rarquizá-los; práticas socioeducativas: favorecem dinâmicas par-
ticipativas, processos de diferenciação pedagógica, utilização de
múltiplas linguagens e estimulam a construção coletiva; políticas
públicas: reconhecem os diferentes movimentos sociais que vêm
se organizando, afirmando e visibilizando questões identitárias.
Defendem a articulação entre políticas de reconhecimento e de
redistribuição, não desvinculando as questões socioeconômicas
das culturais e apoiando políticas de ação afirmativa orientadas
a fortalecer processos de construção democrática que atravessem
todas as relações sociais, do micro ao macro, na perspectiva de
uma democracia radical (CANDAU, 2012).
Essas bases são importantes para pensar em uma Educa-
ção que vá ao encontro dos Direitos Humanos, mas tenho cer-
teza que muitos questionarão...

E eu, professor de Ciências. O que tenho a


ver com isso?

Muitos professores continuarão com a sua fala “Mas eu te-


nho que dar o conteúdo!”. Creio que talvez esse seja o principal
álibi utilizado por muitos professores de Ciências que evitaram
abordar os temas de pluralidade cultural. Alguns dirão que não
foram formados para isso, que seu conteúdo é outro e que plu-
ralidade cultural não se relaciona com o tema. Outros dirão que
os pais são os principais responsáveis por esse tipo de educação
e trabalhar tais temas só diz respeito a eles. Certamente não é
nenhuma dessas falas a que eu defendo.

37
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

O professor é um formador de opinião, um agente trans-


formador da sociedade e, não podemos esquecer da máxima
Freiriana: “Educação não transforma o mundo. Educação
muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Nesse sen-
tido, acredito que devemos buscar uma Educação em Ciências
que envolva elementos dessa educação intercultural crítica, ou
seja, que promova relações entre sujeitos individuais e coleti-
vos, estimule diálogos entre saberes, que favoreça dinâmicas
participativas, e que reconheça movimentos sociais se afir-
mando, tornou-se (se é que um dia não foi) uma necessidade.
Nessa perspectiva, o educador seria o mediador dessas rela-
ções interculturais, de forma que não é dele a responsabilidade
pela eliminação dos conflitos, mas a de instigar situações nas
quais seja possível o reconhecimento entre os diferentes. É um
exercício de compreensão da visão do outro, mesmo que mini-
mamente (Candau, 2010).
A busca por um trabalho com esse viés intercultural em au-
las de Ciências é uma luta contra a perspectiva tecnocrática do
trabalho docente. Noções como a padronização de um conheci-
mento escolar para administrá-lo e controlá-lo, desvalorização
do trabalho crítico e intelectual por priorizar uma concepção
prática são evidentes em muitas escolas e na fala de muitos pro-
fessores. Essa racionalidade opera no campo de ensino e reduz
a autonomia do professor com respeito ao desenvolvimento e
planejamento curricular (GIROUX, 1997). Percebo essa estru-
tura em muitos cursos pré-vestibulares. Tais cursos buscam pro-
fessores de Ciências que não “percam seu tempo” com “bobei-
ras” da educação, mas que se preocupem em “dar conteúdos”
com o objetivo APENAS de aprovação no vestibular. Procuram-
-se professores que não repensem a estrutura de ensino, mas
criem músicas para facilitar a memorização dos conteúdos e

38
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

que sejam queridos por serem engraçados11. Esse é um grande


motivo de atraso nas mudanças de paradigmas na Educação em
Ciências, porém, a dificuldade de ir contra a lógica de mercado
não impede o surgimento de inovações no trabalho docente e a
possibilidade de abordar a diversidade cultural em sala de aula.
Nesse sentido, busco trazer as ideias de Giroux (1997),
que repensa a atividade docente e acredita que os professores
devem se tornar intelectuais transformadores, pois com isso
será possível formar estudantes que sejam cidadãos ativos e
críticos. O autor considera essencial “tornar o pedagógico
mais político e o político mais pedagógico”, ou seja, tornar
o pedagógico mais político significaria introduzir a escolari-
zação na esfera política “a reflexão e ação críticas tornam-se
parte do projeto social fundamental de ajudar os estudantes
a desenvolverem uma fé profunda e duradoura na luta para
superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e humaniza-
rem-se ainda mais como parte desta luta”. Já tornar o político
mais pedagógico, significa incorporar práticas que tratem os
estudantes como possíveis agentes de transformação do mun-
do, utilizando formas de pedagogia que tratem os estudantes
como agentes críticos, dando a eles voz ativa em suas experi-
ências. Com isso, “o ponto de partida destes intelectuais não é
o estudante isolado, e sim indivíduos e grupos em seus diver-
sos ambientes culturais, raciais, históricos e de classe e gênero,
juntamente com a particularidade de seus diversos problemas,

11 Ao elaborar essa crítica, não pretendo desmerecer professores que estão no sistema
de pré-vestibulares, mas mostrar que é possível ir além. Também não considero a edu-
cação tradicional - e quando digo tradicional, refiro-me a praticas que buscam colocar
apenas a “ciência” sem relacioná-la a outros aspectos históricos, sociais, culturais
- ruim. Tenho clareza que eu e muitos outros nos formamos por essa educação tradi-
cional, e criamos uma consciência mais crítica sobre as ciências, porém, penso nos
outros que não seguiram uma vida estudando Química, Física, Biologia. Questiono-
me se a eles essa educação “tradicional” foi significativa ou serviu para propagar uma
falsa visão de neutralidade nas Ciências. Foi significativa ou serviu para consolidar
visões de mundo que não consideram o fazer científico como um fazer político?

39
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

esperanças e sonhos”. Por fim, o autor afirma a necessidade


de desenvolver um discurso que una a linguagem crítica à lin-
guagem da possibilidade, trazendo maneiras de o educador
se reconhecer como um agente de mudanças dentro e fora do
ambiente escolar.
Esse modelo de intelectual transformador é criticado por
Contreras (2001) ao apontar que Giroux não mostra como
fazer essa passagem de professor como técnico a um profes-
sor como intelectual transformador (pág. 120-121). Bastaria
ler as idéias de Giroux e ter vontade política de empreender
transformações?
Não consigo responder a essa pergunta, não consigo afir-
mar qual o momento ou como um professor faria esse ca-
minho. Acredito que proporcionar reflexões sobre questões
sociais vá iniciar uma reação de pensamentos transformado-
res. Mas isso não é o bastante, é necessário, talvez, perceber o
preconceito na sala de aula. Essa percepção será muito mais
impactante e irá estimular uma vontade de mudança muito
maior do que a leitura de algumas páginas.
Faço o convite a todos os educadores: entrem em sala com
outro olhar, procurem perceber na fala dos estudantes e em
suas próprias falas alguns preconceitos, julgamentos, visões
estereotipadas e tentem buscar reflexões-ações-reflexões que
guiem uma transformação. Não consigo traçar o caminho que
transformará um professor, mas acredito na percepção das in-
justiças e na consciência social como catalisadores de trans-
formações.
Os próximos capítulos guiarão alguns aspectos teórico-
-práticos que conduziram/conduzem algumas das reflexões e
ações interculturais em aulas de Ciências.

40
Capítulo 2

Ciência, Tecnologia, Sociedade e ARTE:


um possível caminho

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira


Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

“Um galo sozinho não tece uma manhã:


ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos”.
João Cabral de Melo Neto

Ao comparar programas de Educação em Ciências ao longo


de 50 anos (1950-2000), observa-se que nos anos 50 a tendên-
cia era a formação das elites por meio de rígidos programas que
passavam para o estudante uma visão de ciência Neutra. Nesse
momento, as atividades recomendadas eram as atividades experi-

41
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

mentais através de aulas práticas. Em um instante seguinte, entre


a Década de 70 e 90, surge a perspectiva de formar um cidadão
trabalhador por meio de uma EC que mostrasse a Ciência como
uma modificação histórica. Como forma de abordar essa visão
de ciência, era sugerida a elaboração de projetos pedagógicos e o
fomento de discussões. Já a partir dos anos 2000, surge a tendên-
cia de compreender a ciência como uma atividade social. Espera-
-se que seja formado um Cidadão-trabalhador-estudante e o in-
dicativo é a utilização de atividades no computador. Acreditamos
que, no momento atual, torna-se uma discussão indispensável a
convergência da Educação em Ciências e tópicos relacionados às
questões de pluralidade cultural
Ao pensar em uma Educação em Ciências que compreenda
a Ciência como uma construção humana e auxilie na diminuição
do afastamento existente entre alguns campos de conhecimento,
além de valorizar a pluralidade cultural, surge – no grupo de pes-
quisa em Ensino de Física da UERJ – a estratégia didática CTS-
-ARTE, e aos poucos iremos explicar o que seria essa estratégia
e sua fundamentação teórica. Inicialmente, falaremos da abor-
dagem CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e de sua difusão
na Educação em Ciências. No momento seguinte, falaremos da
Educação em Artes e de algumas contribuições ao ensino de Ci-
ências numa perspectiva intercultural. Por fim, estabeleceremos
o que consideramos por CTS-ARTE e prepararemos o caminho
para que no próximo capítulo dois projetos sejam apresentados.

O movimento CTS e seu reflexo no ensino de


Ciências

Uma das idéias que está sendo difundida há alguns anos


na área de pesquisa em Educação em Ciências é a necessida-

42
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

de de uma formação básica para que os estudantes consigam


compreender uma dimensão social da Ciência e sua relação
com a tecnologia e a sociedade, sendo capazes de refletir de
maneira crítica, elaborando juízos de valor até mesmo sobre
práticas científico-tecnológicas (Brasil, 1998). Essa “forma de
pensar” a educação científica está presente em um grande mo-
vimento internacional que se chama Ciência, Tecnologia e So-
ciedade (CTS). Segundo Bernardo (2008), um dos fatores pri-
mordiais que resultou no surgimento do CTS foi o lançamento
das bombas de Hiroshima e Nagasaki, que também propiciou
o surgimento de outros movimentos, como o ambientalista e
o feminista (AIKENHEAD, 2005). Esses diversos fatores con-
tribuíram para que houvesse o questionamento sobre um mo-
delo linear, proposto por Bush (1945), no qual se estabelecia
a proporcionalidade entre desenvolvimento cientifico e social,
acarretando num desenvolvimento tecnológico estreitamente
relacionado ao desenvolvimento social. No que se refere ao
ensino, alguns dos principais fatores para o surgimento da
abordagem CTS foram: o movimento de reformas curriculares
no ensino de ciência e a insistência de educadores por apresen-
tar uma concepção mais humana dessas disciplinas, o que fez
com que o movimento CTS gerasse mudanças no status quo
da educação científica (AIKENHEAD, 2005).

Diversos projetos em todo o mundo foram feitos utilizan-


do uma concepção de CTS, de forma que é possível encontrar
vários sentidos dentro dessa área. Aikenhead propôs um es-
pectro que expressa a importância relativa de conteúdos CTS
de acordo com a estrutura do conteúdo (conteúdo científico
tradicional ou CTS) e a sua avaliação (de acordo com a impor-
tância na compreensão do conteúdo científico versus a com-
preensão do conteúdo CTS). Foram separadas oito categorias

43
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

em um continuum que vai gradualmente incorporando ele-


mentos CTS aos currículos, sendo que a 1) apresenta um con-
teúdo tradicional com algumas noções de CTS e a 8) apresenta
uma alta prioridade as conteúdos CTS e uma baixa prioridade
aos conteúdos científicos. Independente da localização do tipo
de abordagem dentre o espectro apresentado por esse autor,
há uma busca pela capacidade na tomada de decisão para uma
ação social responsável, ou seja, considerando os valores e as
questões éticas. Santos e Mortimer (2001) destacam que, além
disso, deve-se dar ênfase ao processo argumentativo funda-
mental para esse processo. Entretanto, Auler (2007) faz uma
ressalva e mostra que a abordagem CTS, apesar de possuir
diversos sentidos e práticas, tem sido utilizada em maior esca-
la apenas como uma motivação para ‘cumprir o programa’ e
‘vencer conteúdos’.

A educação CTS, sob a visão de nosso grupo de pesquisa em


educação em ciências, permite contribuir para uma formação
na qual os estudantes sejam educados como cidadãos, com-
preendendo algumas das relações entre Ciência, Tecnologia e
Sociedade e associando os conteúdos científicos curriculares,
ou em fase de transposição didática a essa tríade, tornando-se
capaz de pesquisar e engajar-se nas pesquisas e nos estudos
sobre assuntos que, ao longo de sua vida, forem necessários ou
de seu interesse. Esperamos, assim, que os estudantes venham
a desenvolver um senso crítico que os permitam desconfiar
de verdades impostas, e que possam tomar decisões coerentes
em seu ambiente caso haja possibilidade, tendo conhecimen-
to, respeito e tolerância à diversidade existente nas formas de
pensar, agir, vestir-se e cultuar presentes no mundo contempo-
râneo.

44
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Arte e Educação: uma dimensão poética do


outro

A Arte, no contexto educacional brasileiro, passou por di-


versas modificações sócio históricas e culturais, de forma que
foram atribuídos diversos novos sentidos ao longo desses anos
em que a educação em artes tem existido. Compreendemos o
quanto é vasto esse campo, e iremos apenas pincelar alguns
momentos, concepções de ensino e alguns ganhos que a arte
possibilita.
Silva e Araújo (2007) fazem uma pesquisa exploratória
pela literatura de história da educação em artes e traçam al-
guns campos de pensamento. Utilizando-se de análise de con-
teúdo na perspectiva de Bardin, os autores categorizam três
tendências conceituais no ensino de arte e suas concepções de
ensino associadas.
Ensino de Arte pré-Modernista à Ensino de Arte como
técnica.
Ensino de Arte Modernista à Ensino de Arte como expres-
são e como atividade.
Ensino de Arte Pós-Modernista à Ensino de Arte como
conhecimento.
O ensino de Arte como técnica estaria associado ao ensino
do desenho geométrico, descontextualização da obra de arte,
pinturas de figuras mimeografadas. Essa concepção agrega os
princípios de preparar o estudante para o mercado de trabalho
e utilizarem-se das aulas de artes para passar ao estudante ou-
tras disciplinas mais importantes. O ensino de Arte como ex-
pressão valoriza a produção de desenho e pintura como forma
de expressão, fazendo uso de atividades como levar o estudante
para assistir alguma apresentação artística. Essas atividades, en-

45
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

tretanto, não seriam planejadas para o professor intervir como


um mediador do processo de aprendizagem. O ensino de Arte
como atividade seria a simples realizações de atividades, sem
uma valorização de conteúdos, o que o torna nessa concepção,
por exemplo, preparar festas para o dia do índio, dia do solda-
do, cantar cantigas, isentando-se de um fazer artístico. Por fim,
os pesquisadores apresentam a concepção de Ensino de Arte
como conhecimento. Essa perspectiva busca trazer a arte para
o campo da cognição e está baseada no interculturalismo, na
interdisciplinaridade e na aprendizagem de conhecimentos ar-
tísticos a partir da relação entre o fazer, o ler e o contextualizar
arte (SILVA E ARAÚJO, 2007). O termo Interculturalidade sig-
nifica a interação entre diferentes culturas e essa seria uma das
principais buscas do ensino de Artes.
Essa percepção intercultural está presente no documento
dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes (Brasil, 1997)
ao enfatizar que uma educação artística permite ao estudante
conhecer a arte de outras culturas e com isso perceber a rela-
tividade dos valores que estão enraizados nos seus modos de
pensar e agir. Essa atitude permitirá compreender e valorizar o
outro e sua diversidade de crença e pensamento.
A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir
e articular significados e valores que governam os diferentes
tipos de relações entre os indivíduos na sociedade. A arte soli-
cita a visão, a escuta e os demais sentidos como portas de en-
trada para uma compreensão mais significativa das questões
sociais (Brasil, 1997, p 19)
Além da busca intercultural, procura-se uma educação
em artes que seja crítica e valorize o conhecimento construído
pelo aluno com a mediação do professor.
A abordagem intercultural em artes é considerada benéfi-
ca por Richter (2010), uma vez que consegue envolver concei-

46
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

tos como cultura, identidade cultural, alteridade, universalida-


de e regionalismo, as igualdades e as diferenças, relativizando
as situações de poder e contrastando com verdades estabele-
cidas. As artes possibilitam envolver temas como sexualidade,
racismo, inclusão, identidades juvenis, de periferia, de grupos
religiosos. Nesse contexto a arte consegue trazer ao trabalho
nas aulas de Ciência uma possibilidade de abordagem inter-
cultural que mostraremos em breve.

Arte nas aulas de Ciências

Além de possibilitar uma abordagem intercultural, a arte


possui uma imensa relevância cultural. Ranciére (2005) afirma
que “A arte sempre faz política” e que a estética é atravessada por
um projeto de arte que é transcendida. Não são feitos quadros,
mas formas de vida. Portinari (2011), citado da Revista IBM, é
claro ao apresentar uma visão crítica de Ciência e Tecnologia e
promover a Arte como um enlace necessário.
“Urge, portanto, exercer, em paralelo com atividades técni-
co-científicas, uma ação cultural mais abrangente, que resgate a
consciência de nosso momento histórico e recupere o passado
como referência dinamizadora que torna, enfim, possível abordar
o futuro de maneira própria. A arte, como expressão emergente
do sentir coletivo, é um poderoso instrumento para esta ação”.
(PORTINARI, 2011 p.33)
Apesar de perceber essa necessidade de convergência, Niet-
zsche (2007) ressalta que a racionalidade exacerbada da moder-
nidade se distancia da Arte. Ele toma como marco Sócrates em
sua afirmação de que, além da Arte nunca dizer a verdade, era
dirigida para que todos pudessem entendê-la, formando-se, as-
sim, um status de conhecimento menos valorizado. As Artes não
representariam o útil, mas apenas o agradável, e seus discípulos
eram obrigados a afastarem-se, como no exemplo de Platão, que

47
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

queimou todos seus poemas antes de iniciar seus estudos. Para o


filósofo, esse excesso de racionalidade existente na modernida-
de impede a compreensão das modificações do mundo (o devir).
Esse raciocínio contribuiria para uma aparente oposição entre a
cultura científica e a cultura humanística (SNOW 1995).
No intuito de agregar esses diversos fatores como a apro-
ximação da cultura científica e humanística, compreensão da
Ciência como uma construção humana e social, ou seja, indis-
sociável da política e outras relações de poder, além de construir
uma prática, nas aulas de Ciência, que contribua com discursos
menos homogeneizadores e mais interculturais, foi traçado um
caminho de possibilidades que chamamos de CTS-ARTE.

CTS-ARTE: Um caminho de Possibilidades

No CTS há termos como CTSA, dando ênfase ao Ambien-


te; CTSP, referindo-se a uma ênfase na política; CTSI, ressal-
tando a inovação, dentre tantos outros são relevantes. Todos
esses termos são evidenciados por uma questão didática na
qual o autor escolhe o foco. Porém, consideramos CTS como
termo que possui a capacidade de agregar todas essas discus-
sões sobre ambiente, política e inovação, e por isso, para NÓS,
não há a necessidade de evidenciar os demais termos, mesmo
estes sendo possíveis e plausíveis de serem utilizados, o que
não fazemos por opção. O termo ARTE é agregado para se
referir unicamente à abordagem que vem sendo desenvolvida
em projetos do grupo. Trata-se de uma estratégia que conside-
ra alguns elementos da cultura CTS com elementos da cultura
Educação em Artes.
Consideramos o surgimento do termo CTS-ARTE como
um híbrido entre os limites da abordagem CTS e os limites da

48
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

abordagem da Educação em Artes – limites existentes em au-


las de Ciências – e, esse trabalho na fronteira da cultura exige
o encontro com um novo (Figura 4).

Figura 1: CTS-ARTE como Híbrido.

Essa abordagem CTS-ARTE busca transcender à utiliza-


ção da Arte nas aulas de ciência apenas como uma motivação
proporcionada pelo trabalho artístico. Utilizamos a Arte para
proporcionar discussões de caráter político, social, ambiental,
ideológico e que também permita o diálogo entre as diferentes
culturas.
As práticas CTS-ARTE buscam tanto partir do cotidiano
do aluno, por compreender que é necessário valorizar questões
nele inseridos, como introduzir elementos de belas artes ou da
arte popular, para que o estudante vá além de seu próprio co-
tidiano e conheça outros tipos de produção de conhecimento e
expressão humana. Dessa forma, argumentamos que o termo

49
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

CTS-ARTE é fundamental para a construção dos sentidos que


conduzem à prática elaborada em nosso contexto de trabalho,
além de permitir que essa prática adquira novos sentidos em
outros grupos que busquem fazer um trabalho semelhante ou
apoderem-se desse referencial teórico.

A estratégia CTS-ARTE

A sequência didática que temos buscado inspira-se basica-


mente na proposta de Aikenhead (1994). Porém, a apresenta-
ção de um problema ou questão de caráter social é feita atra-
vés da relação Arte + Sociedade (BAY, 2006) (Figura 5). Essa
relação é possível tendo em vista que Bay (2006) nos mostra a
possibilidade de relacionar Arte por via de uma interpretação
social, através do sentido proposto por Marx, como a Arte
sendo capaz de expressar a luta de classes, por ser ela um refle-
xo social, e por Foucault, como capaz de expressar uma rela-
ção entre o dito e o não dito, e as relações de poder. Ambas nos
interessam em uma situação educacional que possa educar na
vida e para a vida em sociedade (IMBERNÓN, 2000). Assim,
a estratégia adotada no projeto pedagógico deve ser proposta
a partir do já estabelecido curricularmente. Algumas etapas
indicadas pela seta compõem nossa estratégia: 1) é escolhido
um tema social a partir de uma relação com a arte; 2) uma
tecnologia é introduzida; 3) estuda-se a ciência e sua relação
com tecnologia e sociedade; 4) a questão social é rediscutida;
5) é proposto aos estudantes que elaborem um produto final
científico-artístico.

50
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Figura 2. Proposta CTS-Arte adaptado de Aikenhead (1994)

A relação Arte e Sociedade é uma via de mão dupla e não


devemos apenas compreendê-la pelo aspecto social, descar-
tando as individualidades e singularidades da criação artís-
tica. Em nossa proposta, buscamos expressões artísticas que
permitam abordar a questão social como uma estratégia di-
dática e não como uma interpretação do que o artista quis
expressar realmente. Consideramos a obra de arte como obra
aberta (ECO, 2010), havendo, assim, múltiplas possibilidades
de interpretações que dependerão do intérprete dessa maneira
“Aberta” e de como ela é utilizada para mostrar uma relação
existente entre a obra e o intérprete. A obra não depende ape-
nas dos sentidos atribuídos pelo autor, isso porque cada obser-

51
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

vador terá uma interpretação diferente que irá variar com sua
sensibilidade condicionada, sua cultura, gostos, propensões,
ou seja, sua forma individual, o que faz com que a obra possa
ser vista e compreendida segundo múltiplas perspectivas. Essa
abertura nos permite a interpretação social de uma obra de
arte sem colocar em menor grau as singularidades da criação,
mas valorizando nossos objetivos educacionais.
A última etapa do trabalho é a produção, pelos estudan-
tes, de um produto que denominamos científico-artístico. Po-
dendo ser qualquer tipo de manifestação artística, como pin-
tura, música, literatura, teatro, nós consideramos a relação
Sociedade-Arte de forma a dar sentido à sociedade através dos
olhos dos estudantes. O produto será fruto das identidades
dos daqueles que o produziram, e a abertura para diversas
possibilidades de construção permitirá que haja a expressão e
significação de crenças, valores e de sua posição cultural na-
quele dado instante.
Com intuito de ajudar na elaboração dos projetos CTS-
-ARTE, elaboramos uma tabela que não seria um cânone, mas
uma tabela que iria elucidar alguns pontos que consideramos
importantes de serem abordados em sala, a exemplo das ques-
tões sociais que o projeto envolverá. Qual a Arte utilizada, a
Ciência, a Tecnologia e como discutiremos os aspectos sociais?
Serão necessários experimentos? Terei quanto tempo e quan-
tos alunos?
É importante destacar que os projetos até o momento fo-
ram elaborados de forma prática antes de surgir uma teoria
que os apoiasse. Os projetos apresentados a seguir foram fei-
tos de maneira individualizada por um professor de Ciências,
o que não impede que se formem parcerias com outros pro-
fessores de outras disciplinas. No próximo capítulo, traremos
dois exemplos de Projetos CTS-ARTE. Um deles finalizado e

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E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

o segundo impedido de ser finalizado pela ignorância, precon-


ceito e projeto de escola homogeneizadora do local onde ele
estava sendo desenvolvido.

Tabela 1: um possível guia na elaboração de um projeto


CTS-ARTE

Planejamento Comentários

O que eu quero que meus alunos


Objetivos Epistemológicos compreendam no que se refere
à Natureza das Ciências e/ou ao
conteúdo de CTS.

Qual tema de Ciências será


Conteúdo Abordado trabalhado? Qual tecnologia será
trabalhada?

Qual a série, a idade dos


Ambiente Educacional e Tempo estudantes, o conhecimento
didático prévio de conceitos de Ciência?
Quanto tempo eu terei para essa
abordagem?

Quais debates sociais eu gostaria


de levantar?
Utilizarei um quadro? Um filme?
Questões sociais + Arte escolhido Uma música? Como farei a
para abordar o tema relação entre a arte e o tema
social que gostaria de abordar?
(Será necessário retroprojetor?
Haverá quadro impresso para os
estudantes? exibição de vídeo? etc.).

53
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Como farei a ligação entre a


Transição Arte + Sociedade → sociedade e a tecnologia? Uma
tecnologia e Ciência sugestão é relacionar com algo
próximo da vida dos estudantes.

Elaboração do Experimento para Qual experimento utilizarei e quais


discussão de Ciência e Tecnologia materiais deverei separar?

Debate, Júri simulado, controvérsia


controlada? Esse é o principal
momento no qual os estudantes
Rediscutir a questão social irão explicitar seus conceitos
prévios, e interagir entre eles sob
o controle do professor como um
mediador dos conflitos.

Nesse momento final, os


estudantes deverão produzir seu
Produção dos alunos trabalho artístico a partir da obra
inicial e do conteúdo científico
tecnológico abordado.

Apesar da ordem sugerida, tanto no roteiro quanto no guia


de elaboração, é importante ressaltar que, além da sala de aula
ser um ambiente dinâmico, cada situação irá construir novos fa-
zeres práticos que poderão ter sequências com ordenações dife-
rentes. O tempo, o objetivo dos alunos e professores, os gostos,
as vontades de cada um dos envolvidos na prática tecerão novas
abordagens ou novas formas de proposição. Acreditamos em
um processo em constante reelaboração: Teoria ↔ Reflexão ↔
Prática ↔ Reflexão’ ↔Teoria’ ↔ Reflexão’’ ↔ Prática’.
A partir de abordagens prático-teóricas em constante mu-
dança ao longo de aproximadamente dois anos de reflexão,

54
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

elaboramos esse texto que será lido como um texto teórico,


que poderá ser reelaborado, refletido ou reteorizado por ou-
tros professores que colocarão um pouco de suas vivências
e de suas reestruturações práticas. Dessa forma, voltamos a
enfatizar que não gostaríamos de estabelecer cânones, mas
traçar caminhos e possibilidades.

55
Capítulo 3
A Cultura nordestina ganha voz nos
Cordéis de João Batista Melo

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira


Glória Regina Pessôa Campello Queiroz
Samara Almeida Andrade

“Recuperar nossas águas


É nosso grande dever
E convido a juventude
Para lutar e vencer”
João Batista Melo

O poeta popular João Batista Melo nasceu em Itabaianinha,


no estado de Sergipe, em 1938. Após atingir a maioridade, mu-
dou-se para diversas cidades até chegar a Niterói, onde perma-
nece até hoje. É membro da Academia Brasileira de Literatura
de Cordel (ABLC), Academia de Letras da Região Oceânica de
Niterói (ALRON), e expõe e vende suas obras em uma barraca
na feira no Campo de São Bento, parque popular existente na
cidade, contribuindo, assim, para a divulgação da literatura de
cordel. Seus folhetos poderiam passar despercebidos por nossos
interesses em Educação em Ciências se não fosse uma quantida-

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E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

de razoável de cordéis destinados à Educação Ambiental, como


o folheto “A falta d’água no mundo”, que foi homenageado
pela ONU em uma carta escrita por Giancarlo Summa, diretor
da United Nations Information Center. É possível observar na
figura 2 algumas obras12 que possuem temas ambientais, como
“O Gemido da Lagoa”, “O menino que Virou Rio”, “O Pré-Sal,
a Rolinha e os Gaviões” e “A falta d’água no mundo”. E são
essas as obras que sugerimos como possíveis de serem utilizadas
na primeira etapa de nossa sequência didática.

Figura 1: Os cordéis

A escolha da obra de arte para o trabalho em sala é uma


das etapas mais importantes, isso porque ela será fundamental
para possibilitar a abordagem de temas sociais e encaminhar o
12 Não citamos em referência pela impossibilidade de catalogação.

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E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

desenvolvimento de todo o resto da estratégia didática. Nesse


caso, a obra escolhida foi o cordel “A falta d’água no mundo”.
Não citaremos a obra como um todo devido aos direitos au-
torais, mas alguns trechos são citados e é perceptível uma re-
lação direta entre seus versos e uma educação Ambiental Crí-
tica13. Podemos observar nos versos selecionados que sua fala
valoriza a democracia, a compreensão pública dos problemas
ambientais, a necessidade de uma ação democrática e da par-
ticipação social como indispensável a essa democracia.

[...]
Se é vazamento na rua
denuncie faça um ofício
telefone pra empresa
avise do desperdício
evite que aquela farra
entre no código de barra
e resulte em sacrifício
[...]
“Recuperar nossas águas
é nosso grande dever
e convido a juventude
para lutar e vencer
e se alguém quiser mais água

13 Já a Educação Ambiental Crítica e emancipatória se caracterizaria por uma com-


preensão multidimensional da questão ambiental; defesa do amplo desenvolvimento
das liberdades e possibilidades humana e não humanas; atitude crítica diante dos
desafios da crise civilizatória; uma publicização da problemática socioambiental; uma
associação de argumentos técnico-científicos à orientação ética do conhecimento; um
entendimento da democracia como pré-requisito para a construção de uma sustent-
abilidade plural; a certeza na participação social como indispensável à democracia;
cuidado em estimular diálogo e a complementariedade entre as ciências; uma vocação
transformadora dos valores e das práticas contrárias ao bem-estar público (LIMA,
2011).

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E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

seja China ou Nicarágua


temos pra dar e vender

E não se deve estranhar


se a escassez do produto,
levar potência estrangeira
a construir aguaduto
até por baixo do mar
a fim de daqui levar
água mais pra seu reduto

Narrativa da prática: relatos da observação

A prática foi realizada em uma turma do 9º ano do Ensino


Fundamental, com 15 alunos na faixa etária entre 13 e 15 anos
de idade, em um colégio particular, localizado em um bairro de
baixa renda de um município do Estado do Rio de Janeiro. As
aulas ocorriam toda segunda-feira, com dois tempos seguidos
de 50 minutos cada. O professor da turma era também mem-
bro e colaborador do Grupo de pesquisa dessa Universidade
do Rio de Janeiro, de forma que foi co-orientador do trabalho
de pesquisa da aluna de licenciatura (aqui será chamada pelo
nome de Ana) que iria assumir a turma como docente pelo
período de um mês. O professor da turma preparou os alunos
para receber essa nova professora, e, logo de início, ela foi
conhecer a direção e a coordenação pedagógica, sendo muito
bem recebida e familiarizando-se logo com o ambiente. Ela só

60
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

daria aulas para essa turma, não cumprindo a rotina profissio-


nal de muitos horários e escolas. Outra questão importante a
destacar é o momento que a cidade vivia. Como a prática foi
realizada durante o período de eleições municipais, as discus-
sões sobre política estavam muito latentes. Como consequên-
cia, uma grande parcela dos estudantes se mostrou interessada
pela política e pelo debate sobre a cidade.
O planejamento das aulas foi um processo conjunto, no
qual a professora/licencianda teve liberdade para construir sua
aula, mesmo tendo sido orientada por um dos investigadores.
O programa foi realizado utilizando-se da tabela 1. Após duas
reuniões entre o investigador/professor da turma e a profes-
sora, foi decidido que a arte utilizada seria a obra “A falta
d’água no mundo” e o conteúdo científico abordado seriam
os métodos de separação de misturas, através do estudo do
funcionamento de estações de tratamento de esgoto. Seriam
utilizados vídeos e materiais de apoio escritos pela própria
professora, além de uma lista de exercícios. A questão social
acerca do ineficiente tratamento de esgotos na comunidade do
entorno da escola seria rediscutida por meio de um debate e a
arte final seria livre. Ao todo, seriam necessários quatro dias
com dois tempos de aula cada.

Tabela 1: Planejamento da sequência didática

Planejamento

Discutir a Educação Ambiental a


Objetivos Epistemológicos
partir de um enfoque crítico.

Métodos e separações de misturas


Conteúdo Abordado a partir do estudo das Estações de
Tratamento de Esgoto (ETE)

Ambiente Educacional e Tempo Turma de 9º ano com 15 alunos;


didático duas aulas seguidas de 50 minutos

61
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Conhecer um pouco mais da


cultura nordestina através do
Questões sociais + Arte escolhido
Cordel “A falta d’água no mundo” e
para abordar o tema
discutir a política da cidade no que
se refere ao meio ambiente

Transição Arte + sociedade a


Transição Arte+Sociedade → partir do questionamento sobre a
tecnologia e Ciência presença de ETE na cidade dos
estudantes.

Elaboração do Experimento para


Não foram utilizados experimentos
discussão de Ciência e Tecnologia

Debate a partir de uma notícia


Rediscutir a questão social sobre a construção de uma estação
de tratamento de esgoto.

Produção dos alunos Arte Livre

As aulas

Dia “zero” e primeiro dia: no dia anterior ao recebimen-


to de Ana, o professor da turma apresentou para os alunos
a obra “A importância do cordel na comunicação”, de João
Batista Melo, mesmo autor do cordel que seria utilizado em
breve.
Um parênteses que só será retomado mais adiante:
Uma aluna perguntou “Quanto custa isso?, o professor
respondeu “dois reais” e ela disse “Também, isso né!”, com
um rosto mostrando que considerava o cordel uma produção
de baixo valor agregado, além de apresentar um desinteresse
pela arte e um desrespeito pela cultura nordestina.
O momento seguinte foi o primeiro dia da professora Ana
e, ao dar início à aula – após apresentações e formalismos – ela
perguntou como os alunos preferiam que o cordel fosse lido e

62
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

eles se expressaram afirmando que o interessante seria lerem


juntos. Cada estudante ficou responsável pela leitura de uma
folha – Nesse momento, era perceptível uma concentração e
participação dos estudantes na aula. Esse fato é, inicialmente,
função do estranhamento que os estudantes sentem ao se de-
pararem com um novo professor, porém, essa tensão foi dilu-
ída com o tempo – Após a leitura do cordel, que durou apro-
ximadamente 15 minutos, Ana fez a ligação entre a Arte e a
Sociedade ao perguntar se há tratamento de esgoto na cidade.
Muitos participaram falando ao mesmo tempo e levantando
questões como a sujeira da Baía de Guanabara. A sala ficou
caótica, mas logo ela conseguiu organizar a sequência das fa-
las. Ana comentou sobre os recursos financeiros necessários
para construir uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) e
uma aluna rapidamente ironizou a atual prefeitura da cidade
que “Só sabe fazer praça” e não se preocupa com questões bá-
sicas como o lixo e o tratamento de esgoto. Outro estudante
comentou a questão dos impostos e afirmou que os impostos
pagos são para que obras como essa sejam feitas. Já um tercei-
ro aluno comentou como os hospitais da cidade estavam de-
gradados e novamente apareceu a fala de um aluno que disse
“A prefeita só sabe fazer praça”.
Ana interrompeu o debate e a turma foi dividida em dois
grupos. Enquanto um grupo assistia aos vídeos, o outro pegou
um material que foi preparado por ela com o conteúdo de
ETE e separações de mistura. Um grupo ficou com oito alunos
e outro grupo com sete alunos. No total, foram dois vídeos
selecionados previamente, sendo um deles de autoria de uma
empresa de ETE que mostrava detalhadamente os processos
por ela utilizados, o outro era do Jornal Nacional e mostrava
uma notícia que relacionava ETE e uma cidade em questão,
cada vídeo com aproximadamente cinco minutos. No grupo

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E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

que assistiu primeiro ao vídeo, a professora pediu para os alu-


nos buscarem no texto métodos de separação de misturas que
apareciam no que foi visto; no grupo que leu primeiro o texto,
ela pediu que buscassem nos vídeos métodos de separação que
apareciam no texto. Com isso, poderiam relacionar o material
preparado com a tecnologia de estação de tratamento de esgo-
to após uma abordagem crítica sobre a cidade.
No bate papo sobre o conteúdo, ela comentou em um dos
grupos sobre processos anaeróbicos e aeróbicos, falando sobre
a presença e falta de oxigênio, mas sem aprofundar o assunto.
Após os vídeos e a leitura, Ana juntou os dois grupos e per-
guntou qual era o método presente no vídeo. Uma aluna res-
pondeu: filtração; Ana comentou que há dois tipos de filtração
para resíduos diferentes; falou a diferença entre lixão e aterro
sanitário e perguntou qual o outro método. Um aluno respon-
deu: decantação. Ela então explicou brevemente a decantação
e retomou uma pergunta feita durante a exibição do vídeo em
um dos grupos. “A água após tratada pode ser consumida?”
Essa pergunta foi respondida com um não, alertando que aqui
no Brasil não há o tipo de tratamento que transforma a água
usada em potável, mas que a ETE faz com que a água volte
para o meio ambiente mais limpa. Ana disse algumas vezes
que tudo é um ciclo. “Adubamos o solo com nossas fezes, o
boi come o pasto e comemos o boi. Daí, produzimos fezes
para adubar o solo. Somos parte desse ambiente”. Também
comentou sobre tratamento de água dizendo que, ao sair do
tratamento, é potável, mas, ao passar por todo caminho até
chegar à nossa casa, há tubulação antiga, furos e sujeira, o que
faz com que a água não seja boa para consumo.
É possível perceber que em muitos momentos Ana reto-
mou frases do cordel para dar ênfase ao que estava sendo dito,
comentando também sobre a obra do Complexo Petroquími-

64
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

co do Rio de Janeiro (COMPERJ) e a necessidade de fazer


tubulações que irão da CEDAE no Rio de Janeiro até uma
cidade próxima. Também falou sobre questões políticas e so-
ciais, como o preço do IPTU referente à área onde se mora e
a relação com a proximidade do mar, mostrando relações de
poder e a perda financeira de dinheiro proveniente de turismo.
A professora pediu, também, que lessem o material de apoio
sobre “Separação de misturas” e a aula foi encerrada com a
fala do que será abordado na aula seguinte.
Segundo dia: Ana iniciou a aula perguntando se haviam
lido o material de apoio. Os estudantes disseram que sim e que
não tinham dúvidas sobre o que leram. Ela passou o segundo
material de apoio, que é um texto sobre ETE produzido por
ela e uma lista com cinco exercícios que necessitariam tan-
to do material da última aula, sobre separação de misturas,
quanto desse texto da aula de hoje. Os exercícios foram re-
tirados de questões do vestibular, o que causou um estranha-
mento nos estudantes que não tinham se deparado ainda com
questões desse tipo. Ela caminhou pela sala tirando dúvidas
pontuais. Nesse momento, os alunos permaneceram agitados,
mas muito participantes. Pela primeira vez, Ana sentiu a ne-
cessidade de ir ao quadro, já que um estudante perguntou so-
bre decantação, e fez um desenho falando sobre a densidade
da água e do óleo e como é possível separá-los. Acrescentou
que é um processo manual e que há uma pessoa controlando
a torneira. A todo o momento ela buscou os conhecimentos
de ETE trabalhados na aula anterior para facilitar e relacio-
nar ao conteúdo da aula. O tempo para exercícios acabou e
ela começou a corrigi-los fazendo uso do quadro. Perguntou
para todos o que marcaram e aos poucos foram surgindo as
respostas, havendo uma discussão de todas as questões, item
por item, para justificar cada apontamento.

65
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

O quadro foi usado novamente para explicar a destilação.


Ela utilizou-se de um desenho para mostrar o processo e disse
que a água se separa da acetona porque as duas substâncias
apresentam uma diferença de ponto de ebulição. Já a mesma
questão (1) apresenta um item sobre fusão fracionada que ela
não havia explicado, pedindo para os alunos não o fazerem,
e explicando, então, o processo. Isso se repetiu com todas as
questões.
O momento seguinte foi o momento do debate. Ana sepa-
rou uma reportagem e fez uma cópia e distribuiu para todos
os alunos. Pediu para lerem e, em seguida, convocou todos os
estudantes para a discussão. Organizou a turma em círculo e
passou as regras da discussão. Ana pediu uma leitura em voz
alta que é feita por dois estudantes, dando início, em seguida,
à discussão. Um total de aproximadamente 30 minutos de dis-
cussão foi gravado em áudio e as falas foram posteriormente
transcritas.
Entre 15 estudantes presentes no debate, houve a partici-
pação ativa de nove. Os outros seis se calaram. No total de dez
vozes, contando com a professora, no debate foram levantadas
questões sobre política E1: “Eu acho que eles tão fazendo isso
pra obter voto. Tão fazendo isso por causa das eleições. Se você
for buscar antes e for ver que o que eles tudo prometem antes”;
Administração pública E2: “Ah é, e eles vão tirar dinheiro de
onde pra fazer? Vão tirar do bolso deles? E a gente paga im-
posto”; Benefícios que a ETE pode trazer para a cidade E3: “O
banho na praia? Gerar turismo pra cidade? Conseguindo mais
dinheiro dá pra se investir mais”. Entre outras questões. Ao fi-
nal foram divididos os grupos para a elaboração de um produ-
to científico artístico. Foi pedido que os trabalhos mostrassem
o conteúdo e o tema abordado através de um cordel, peça de
teatro, telejornal encenado, pintura ou escultura. Podendo ser

66
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

mais de um tipo de produção ao mesmo tempo, Ana reafirmou


que esse trabalho valeria parte dos pontos do bimestre.
Terceiro dia: nesse momento ocorreu a apresentação
dos trabalhos pelos estudantes, sendo que apenas um faltou.
Iniciou-se a apresentação e ela ficou de espectadora. Quatro
grupos escolheram cordéis que foram intitulados “Atenção,
povo! Vamos acordar!”; “Nosso Mundo”; “A falta de água”
e, “Cordel sobre a água”. Um grupo fez a encenação de um
telejornal que consistia no diálogo entre uma apresentadora,
uma entrevistadora e a candidata à prefeita da cidade. Durante
a prática, foi feito um pedido pela coordenação: uma avaliação
“tradicional” a ser feita no quarto dia. Durante o planejamen-
to, esperava-se utilizar quatro aulas, mas foram utilizadas três.
Dessa forma, a última aula foi o teste.
Quarto dia: No último dia, a turma foi separada em três
fileiras para aplicar o teste. Ana se despediu dos alunos e disse
que era a última vez que ela iria esse ano à escola, agradecendo
o carinho. Após aplicar o teste, foi embora.

A arte dos alunos

Alguns trechos do material produzido como arte final são

Grupo 1:
“Existem várias formas de acabar com a poluição
Só falta os políticos terem mais dedicação
Pois a população vota querendo mudança
Mas eles acabam fazendo maior lambança.

67
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Temos várias propostas de estações de tratamento


Mas até agora só se vê promessas e nada de ação
Já vimos que nós, população, vamos ter que por a mão na massa
Pois aqui no Brasil não tem quem faça”.

Grupo 2:

“Em época de eleições


Milhões de promessas aparecem
Quando elas não são cumpridas

As coisas enlouquecem

Aqui se aplica a regra dos 3 “R”: reduzir, reutilizar e reciclar


Ajudando o planeta a recomeçar”

Grupo 3:

“Quem dera se o homem soubesse sua importância


assim não ia desperdiçá-la com tanta ignorância
Se apenas sobrar água salgada no mar
Aí eles terão no que pensar”.

Grupo 4:

“No Brasil sobra no Norte


porém já falta no sul
Seja doce ou salgada
Seja cristalina ou não
Incolor ou inodora
Em qualquer situação

68
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Hidrogênio e Oxigênio
Forma sua composição”

Grupo 5:

“Apresentadora: Bom dia, hoje aqui no jornal do colégio


(nome do colégio), vamos falar a respeito da construção da
estação de tratamento de esgoto da Baía de Guanabara em
NOME DA CIDADE. Estamos agora ao vivo com a Repórter
(Nome da estudante), que vai fazer uma entrevista com a pre-
feita (Nome da estudante)
Repórter: Bom dia, (nome da estudante apresentadora),
nós estamos aqui com a prefeita para falarmos sobre a estação
de tratamento de esgoto.
Repórter: Bom dia prefeita, qual é o propósito de criar a
estação de tratamento?
Prefeita: A proposta é menos poluição nas ruas e maior
proposta de emprego para a população... entendeu? Menos
valões pelas ruas, que causam maus odores, porque temos
muita reclamação sobre isso... Sobre as enchentes, também.
O POVO MERECE UM LUGAR MELHOR! (NOME
DA CIDADE) MAIS DIGNO
(PALMAS)”

O trabalho produzido por Ana não foi apenas uma apli-


cação de algo elaborado por um grupo de pesquisa no cam-
po teórico, mas uma reelaboração na qual ela depositou suas
características, sentidos, percepções, vivências e o seu fazer,
pensar e refletir sobre a Ciência, Tecnologia e a Sociedade. O
reconhecimento e apreço pela cultura nordestina, o conheci-
mento e a história de sua cidade são situações reveladas du-
rante um momento posterior no qual foi feito uma entrevista

69
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

e ela cita a relação com o pai (nordestino e artista) “porque


meu pai pinta, meu pai faz escultura, meu pai faz poesia... Meu
pai é do nordeste [ênfase] então tem todo um ranço do próprio
cordel... e... a minha mãe trabalhou muito tempo na secretaria
de cultura”.
Foi possível perceber que, durante todas as aulas, houve
a presença das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade
e a Arte. Os alunos não foram apenas ouvintes, mas puderam
engajar-se nos debates e na produção da arte final, levando
o conteúdo de Ciências a ser compreendido em seu contexto
social. Ao analisar as artes, Andrade (2013) percebe que nos
textos que se relacionam com o esgoto, as falas estão atre-
ladas ao desenvolvimento político da cidade, à necessidade
de uma cobrança coletiva. Uma vez que a falta estação de
tratamento de esgoto, após promessas no período eleitoral,
é diretamente ligada à falta de interesse público e à pressão
dos cidadãos. A autora também discute que, após a prática,
foi passado um teste no molde de avaliação tradicional, no
qual questões múltiplaescolha cobravam uma aprendizagem
sobre métodos e separações de misturas. O resultado teria
sido extremamente satisfatório uma vez que, com exceção de
um dos alunos, todos acertaram mais de 50% das questões,
apresentando uma média global de 6,23. Além disso, uma
das questões não apresentava resposta correta e muitos alu-
nos corrigiram a professora, durante a prova e por escrito,
indicando a resposta correta. Mesmo tendo consciência da
complexidade que é realizar avaliações, é possível afirmar
que, nesse caso, uma aula que se utilizou da estratégia di-
dática CTS-ARTE, além de contribuir para a formação do
estudante como cidadão, atendeu aos conteúdos propostos
de métodos e separações de misturas, referentes ao programa
do 9º ano da escola em questão.

70
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Fechando os parênteses que foram abertos logo no início


da descrição:
Antes do terceiro dia do projeto CTS-ARTE, percebemos,
através de uma rede social, que alguns alunos da turma fo-
ram visitar a feira de tradições nordestinas que fica no bairro
de São Cristovão – Rio de Janeiro. O olhar da menina que
tinha anteriormente desprezado o cordel havia mudado. Cer-
tamente, a percepção do valor daquela obra de arte e, como
consequência, da cultura nordestina era outro. Acredito que a
professora conseguiu trabalhar uma aula de ciências que fosse
ao encontro dos direitos humanos, por mais que não tenha
tido, nesse caso, um debate explícito sobre preconceito.

71
Capítulo 4

Cultura afro-brasileira e sexualidade: os


temas proibidos14
Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

Se as coisas são inatingíveis... ora!


Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Mario Quintana

Obviamente o subtítulo “temas proibidos” é uma chama-


da irônica para o que será abordado nessa seção. Inicialmente
será apresentado o projeto CTS-ARTE, os motivos de escolha
da arte e as possibilidades. Entretanto, o projeto não poderá
ser descrito até o fim, já que não pôde ser finalizado. A escola
logo tratou de afastar o professor apenas porque tentava pro-
porcionar uma prática que era fruto de suas percepções sobre
o preconceito em sala de aula.
O tema sexualidade, além de ser amplamente discutido
na mídia e nas redes sociais, foi ampliado a partir da presença
14 Agradeço especialmente à Yasmin Rodrigues, estudante de Ciências Sociais, mi-
litante e candomblecista, com quem estabeleci um diálogo muito produtivo e que
contribuiu bastante para o pensar da prática.

73
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

do Deputado Marco Feliciano na presidência da Comissão de


Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos De-
putados. Diversas manifestações pelo Brasil exaltaram o texto
“Feliciano não me representa” e demonstraram a insatisfação
de ter um presidente de comissão que é acusado de racista e
homofóbico. Além disso, aumenta-se a discussão sobre casa-
mento entre pessoas do mesmo sexo. A resolução nº 175, de
14 de maio de 2013 “Dispõe sobre a habilitação, celebração
de casamento civil, ou de conversão de união estável em ca-
samento, entre pessoas de mesmo sexo.” Resolve: “Art. 1º É
vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação,
celebração de casamento civil ou de conversão de união está-
vel em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.
Programas de TV começam a focar gays, lésbicas, bisse-
xuais, travestis e transexuais em sua vida cotidiana, além de
suas relações familiares e a luta por seus direitos. Entretanto,
em sala de aula, a discussão sobre sexualidade continua um
tabu (MOITA LOPES, 2010). Os professores, durante muito
tempo, costumaram atribuir a responsabilidade do debate à
família, esquecendo-se que a escola é uma instituição respon-
sável pela (re)produção e organização das identidades sociais,
porém, Giddens, Beck, e Lash (1995) advertem que discursos
que faziam parte da vida privada já passaram a fazer parte da
vida pública. Moita Lopes (2010) afirma que os alunos têm
tido, cada vez mais cedo, acesso a discursos sobre sexualidades
e que apresentar um discurso alternativo ao hegemônico pode
ampliar o repertório de sentido (dos alunos e professores).
Outro fator que colabora para a necessidade dessa que-
bra de tabu que é trabalhar sexualidade em sala de aula são
os Temas Transversais dos PCN, que propõem que sexuali-
dade, assim como outras questões sociais e/ou atuais, devem,
sim, estar presentes nas discussões realizadas na escola, pois

74
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

as mesmas estão presentes no cotidiano dos/as educandos/as


e, portanto, estão sendo vivenciadas por eles/as (BARROS; RI-
BEIRO, 2012).
Já no que se refere ao estudo de questões étnico raciais,
o Artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
afirma que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamen-
to, de consciência e de religião”. Porém, Caputo (2012) nos
mostra que a escola é um ambiente onde muitos estudantes
tornam-se alvo de discriminações pelo fato de pertencerem ao
candomblé, o que faz com que algumas crianças até finjam ser
católicas para fugir desse preconceito.
No entanto, em janeiro de 2003, a lei 10.639 foi sancio-
nada e afirmou a inclusão do ensino de História da África
e Cultura Afro-Brasileiras nos currículos da educação básica.
Dessa forma, incluiu-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional, LDB 9.394/96, o Art. 26-A, que prevê que nos
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
públicos e privados torne-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este ar-


tigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura
que caracterizam a formação da população brasileira a
partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da
história da áfrica e dos africanos, a luta dos negros e dos
povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas so-
cial, econômica e política, pertinentes à história do país.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-


-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão mi-

75
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

nistrados no âmbito de todo o currículo escolar, em es-


pecial nas áreas de educação artística e de literatura e
história brasileiras.

A Lei de Diretrizes e Bases, mesmo indicando que os con-


teúdos devem ser abordados especialmente por Educação em
Artes, Literatura e História, deixa clara a necessidade e a pos-
sibilidade da utilização desses conteúdos em todo o currículo
escolar. Acreditamos que o currículo de Ciências pode abordar
esses temas uma vez que consideramos a Ciência como uma
criação humana, sócio-histórica e cultural e que tem como obje-
tivos “a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e
competências necessárias à integração de seu projeto individual
ao projeto da sociedade em que se situa” (BRASIL, 2000).

A arte: O jardim de folhas sagradas

Do diretor, produtor e roteirista baiano Pola Ribeiro, o


longa O jardim de folhas sagradas, lançado em 2009, retrata
os conflitos de Bonfim, um bancário negro e bissexual que re-
cebe o encargo de fundar um terreiro de candomblé no espaço
urbano. Nesse sentido, é possível perceber que o filme aborda
alguns conflitos existentes na vida do personagem principal e
que podem ser utilizados ao debater o filme em sala de aula.
Conflito 1: Relações entre sujeitos e grupos de diferentes
culturas: Nessa seção, buscamos selecionar alguns exemplos
que mostram conflitos de Bonfim com a sua esposa, além dos
conflitos internos que são reflexo do que é imposto pela socie-
dade. O personagem Bonfim é casado com uma evangélica e,
em diversos momentos, enfrenta conflitos em família. Trechos

76
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

como “Bonfim, você devia parar de mexer com essas coisas.


Por que você não vem pro culto comigo? hum?”; “As coisas
mudam! Você lembra do marido de Neide que era Alcoólatra?
Ele parou de beber! Até emprego ele conseguiu!” Bonfim res-
ponde: “Ângela, eu não sou alcoólatra e tenho um belo empre-
go”. Outra cena marcante no filme é um culto evangélico em
sua casa. A esposa diz “eu não posso viver com um homem en-
tregue ao demônio”. Essas cenas retratam a percepção de sua
mulher sobre o candomblé como uma “doença” e mostram a
intolerância, por parte do grupo evangélico ao qual ela perten-
ce, e o preconceito que o candomblecista está sujeito a sofrer
dentro da própria família. No se refere aos próprios conflitos
internos Bonfim demonstra a dificuldade de lidar com a situa-
ção de largar seu emprego para montar seu próprio barracão.
Conflito 2: Relações entre sujeitos e grupos de mesma cul-
tura: Nessa seção, buscamos selecionar falas que mostram o
conflito de Bonfim com outros integrantes de sua religião. O
personagem principal questiona-se sobre a matança de ani-
mais, que ele não considera necessária, fazendo a opção de tra-
balhar com folhas, apesar de isso ser um tema controverso em
sua religião. O filme inicia com um questionamento dentro da
própria cultura do candomblé. Uma afirmação é feita “Todo
mundo sabe que eu não sou um admirador de matança/ Eu sou
das folhas, porque eu tiro as folhas, mas não mato a árvore.
[...]” em seguida é feita a pergunta “Se tudo evoluiu, porque
não evoluiu isso também?” O personagem principal mostra-
-se como alguém que vai contra as tradições do candomblé.
A fala “Isso é lá cor de calça que se use pra vir aqui, rapaz!”
mostra esse seu aspecto. Em seguida, um pequeno debate é fei-
to – Bonfim afirma que o Candomblé tem procedimentos com
os quais ele não concorda, mas rapidamente o outro persona-
gem (mais velho) diz “Você tem procedimentos que EU não

77
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

concordo”. Em seguida Bonfim “Tudo muda, o candomblé


também pode mudar” [...]. Em um momento seguinte, duran-
te um evento de candomblé, há falas que mostram que não é
necessário dominar o yorubá, mas é necessário compreender o
que é “hierarquia, respeito, doação”.
Conflito 3: Preconceito Racial: Nessa seção, buscaremos
relacionar falas que mostram a questão do preconceito racial
existente em algumas cenas do filme, principalmente no que se
refere ao trabalho de Bonfim. Algumas das cenas do escritório
mostram preconceito racial contra o atendente do escritório.
Falas como “Sinceramente... isso só pode ser coisa daquele es-
curinho do café”; “ele não sabe o lugar dele, vive com ouvido
em pé... o olho em tudo. Vocês já repararam que toda vez que
some alguma coisa dessa sala é ele que sabe onde é que ta?!”.
Num momento seguinte, esse pré-conceito é novamente repe-
tido e Bonfim (gerente do setor), ouve “O outro não fez nada
porque, você sabe [atriz passa a mão sobre a pele] tem uma
identificação, é moreno e é gerente”.
Articulação política: Nessa seção, buscou-se destacar al-
gumas falas e cenas que mostram a necessidade de luta políti-
ca e de engajamento com os pares para defesa de alguma cau-
sa. Durante a busca por um terreno para montagem da casa de
candomblé, Bonfim é enganado e uma ordem judicial pede a
saída da casa. É possível observar nas falas “Na primeira me-
tade do século passado, como hoje, o que se pretendeu com a
violência - a rigor - foi surpreender o negro no seu cotidiano”;
“Agora nos temos a oportunidade de resgatar um espaço sa-
grado”; “Já tá passando da hora da gente tomar uma atitude”;
“Se a gente não fizer nada eles vão passar por cima e construir
o estacionamento do centro comercial”. Em seguida, mostra-
-se a cena de um antropólogo lutando na televisão pelo direi-
to dos praticantes do terreiro de Bonfim. A mobilização das

78
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

pessoas na rua, com faixas, além da utilização dos veículos de


comunicação para alertar a população, são expressas no filme,
mostrando a possibilidade de engajamento por suas causas.
Considero que o filme “O jardim de folhas sagradas”
possui um potencial para ser trabalhado em sala de aula,
contribuindo para práticas interculturais críticas. Entretanto,
é necessário abordar o conflito entre o Candomblé e a Igre-
ja Evangélica com muita sutileza, porque é perceptível uma
ideia estereotipada de cristão. As discussões internas no Can-
domblé também mostram que uma cultura é fluida e constru-
ída na luta. Nesse caso, o filme mostrou a noção de tradição15
e a noção de hierarquia que existe dentro do Candomblé, o
que faz com que ele se mantenha e as tradições se conservem.
O outro ponto abordado é a questão do preconceito racial e
a possibilidade de lutas pelos ideais. Bonfim luta com seus pa-
res para a manutenção do seu terreiro mesmo que os outros
adeptos do Candomblé não concordem com suas práticas.
Ele se posiciona e luta por sua identidade. No que se refere
à sexualidade do personagem principal, o diretor trabalha a
bissexualidade de Bonfim com uma visão de normalidade, ou
seja, não é mostrado (ou não foi percebido) conflitos nesse
sentido. Mesmo que em uma das cenas apresente uma passea-
ta contra homofobia, o personagem principal não demonstra
conflitos ou inseguranças. Esse posição pode ser entendida
ao compreender a teoria queer, que tira de foco a posição
de heteronormatividade , a qual é dada o direito de “tolerar
outras sexualidades”, e coloca uma posição de que não há a
noção de normalidade ao falar de sexualidade (MOITA LO-
PES, 2010).

15 Entendida por Caputo (2012) no que se refere ao Candomblé, na concepção de


Coutinho (2002) como uma ação capaz de refazer a história como patrimônio das
camadas populares.

79
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Esse trabalho com a pluralidade cultural em sala de aula


de ciências foi preparado para vir acompanhado por uma se-
quência onde se abordassem questões científicas e tecnológi-
cas, como mostrada acima a partir da estratégia chamada CTS-
-ARTE. De certa forma podemos dar indicativos de trabalhos
como os de Moreira, Rodrigues Filho e Jacobucci (2011), que
mostram um caminho de discussão didático-científica muito
pertinente e que seria uma das etapas seguintes ao vídeo.
Os autores nos indicam um caminho de abordar questões
da bioquímica a partir da ligação entre o Candomblé e as fo-
lhas no filme.

Tabela 1: Planejamento da sequência didática

Planejamento

Discutir as relações entre saberes


Objetivos Epistemológicos
populares e saberes científicos;

Bioquímica a partir das folhas


do Candomblé (MOREIRA;
RODRIGUES FILHO; JACOBUCCI
Conteúdo Abordado 2011)
Estudar a técnica de arraste a vapor
utilizada na extração de essências
de plantas.

Ambiente Educacional e Tempo Turma de 2º ano com 17 alunos;


didático uma aula seguidas de 50 minutos

Discutir Culturas Afro, em especial o


Candomblé, abrir espaço para uma
Questões sociais + Arte escolhido discussão sobre sexualidades.
para abordar o tema
Filme “O jardim de folhas sagradas”
– passar os primeiros 25 minutos
de filme que situam os principais
conflitos sociais.

80
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Questionamento sobre a presença


Transição Arte+Sociedade → de folhas, ervas e essências na
tecnologia e Ciência vida dos estudantes. Chá, Café,
Perfumes.

Experimento caseiro sobre arraste


Elaboração do Experimento para
a vapor (GUIMARÃES; OLIVEIRA;
discussão de Ciência e Tecnologia
ABREU, 2000)

Rediscutir a questão social Em aberto

Produção dos alunos Em aberto

Um parênteses mais demorado e o ponto


parcialmente final.
“Hay un cierto placer en la locura, que solo el loco conoce”.
Pablo Neruda

O trabalho não foi concluído por “forças ocultas”, a voz


do professor foi calada e ele foi afastado de sua prática. O que
chegou a ser feito foi apenas a abordagem inicial, na qual o
professor passou os primeiros 20 minutos de filme e fez um
curto debate. Na semana seguinte ele foi convidado a não per-
tencer à equipe. Um cenário perverso de preconceito racial, dis-
farçado de intolerância religiosa foi o montado na escola em
questão, na qual o trabalho com o filme foi iniciado.
Aparentemente, sexualidade é um assunto que é debatido
na mídia, mas não pode chegar à escola e as religiões afro-
-brasileiras devem ficar escondidas, porque, para alguns, o que
é diferente do “cristão” é ruim, sendo a escola um espaço onde
os temas não podem aparecer, por isso, fazer diferente é uma

81
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

necessidade. As derrotas são parciais e a luta não para. Certa-


mente era outro o desfecho que o leitor buscava, mas enquan-
to estudantes possuírem discursos de preconceito será necessá-
rio guiar práticas. Enquanto muitos pais de alunos e direções
de escolas forem preconceituosos, esses temas serão tabu.
Compreendo a escola como um espaço político e de dis-
putas ideológicas, nas quais um jogo de poder é traçado dis-
cursivamente e a cada instante. Tomo o cuidado de não ten-
tar apresentar verdades, mas visões de mundo que, por serem
visões de mundo, são narradas a partir de um olhar. Houve
uma “coincidência” entre a data de execução da prática e da
demissão do professor, o que nos leva ao impasse apresentado
por Edgar Morin (MORIN, 2003):
“não se pode reformar a instituição sem uma prévia re-
forma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem
uma prévia reforma das instituições” (p. 99).
E, na continuação das reflexões, trago a citação “Quem
educará os educadores?” Será uma minoria de educadores,
animados pela fé na necessidade de reformar o pensamento e
de regenerar o ensino. São os educadores que já têm, no ínti-
mo, o sentido de sua missão”(p.101).
Transpondo as citações para nosso contexto, faço o ques-
tionamento: se não se pode reformar a instituição sem refor-
ma das mentes e nem as mentes sem uma reforma das insti-
tuições, digo que os responsáveis pela reforma das mentes e
das instituições serão os educadores que já têm, no íntimo,
o sentido inovador de sua missão. São esses educadores que
lutarão de peito aberto e com fé na educação como princípio
de transformação no mundo.
Dessa forma, faço um convite a professores, futuros
professores, coordenadores, donos de colégio, diretores que

82
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

pensam e acreditam numa educação diferente. Também é um


convite a todos que não pensavam e sensibilizaram-se com os
temas abordados.
“Uma educação em ciências que não vá ao encontro dos
Direitos Humanos é uma educação vazia e pouco contribui
para a humanidade”.

83
Considerações finais

No primeiro período de 2012. foi iniciada uma disciplina


optativa no curso de licenciatura em física da UERJ chamada
“Tópicos Especiais: Projetos em Ciência, Tecnologia e Socie-
dade”. Rodrigues (2013), ao analisar o curso, percebeu a rele-
vância dessa abordagem CTS na formação de professores de
forma que “abordagem CTS e constituiu um ponto de partida
para a formação de professores reflexivos, que objetivem algo
além da transmissão de conteúdos puramente conceituais, mas
que busquem atribuir sentidos a esses conteúdos, compensan-
do a superficialidade da sua formação nesse sentido em outras
disciplinas curriculares”. Nesse período, a utilização da arte
foi compreendida como um elemento motivador na constru-
ção de projetos.
Nos momentos seguintes, a disciplina passou a chamar
Estudo e Desenvolvimento de Projetos, as reflexões sobre in-
terculturalidade tornaram-se mais latentes, e a ideia de CTS-
-ARTE ganhou novos significados. A arte passou a ser com-
preendida como uma maneira possível de estabelecer o diálo-
go com a diferença na sala de Aula de Ciências – O enlace que
faltava à convergência entre Educação em Ciências e Direitos
Humanos. O curso, que inicialmente possuí apenas alunos do
curso de física, será aberto a outras licenciaturas no segundo
semestre de 2013. Também em 2013 estamos com o primei-
ro estagiário de Artes, que dará importantes contribuições ao
ampliar os possíveis diálogos.

85
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Por fim, é importante citar a construção do Laboratório


Interdisciplinar Educação em Ciências (LIEC), um Laborató-
rio na formação de educadores com foco na Educação em Ci-
ências. O LIEC será compartilhado por docentes que partici-
pam da formação de professores do Instituto de Física IFADT,
da Faculdade de Educação e dos Cursos de Biologia Presencial
do IBRAG e à Distância/CEDER. Nele será incentivado o de-
senvolvimento de ideias e projetos de inovação das práticas
pedagógicas relacionadas à Educação em Ciências na escola
básica. Dessa forma, acreditamos que o cenário é próspero ao
desenvolvimento de pesquisas e práticas que formem o futu-
ro professor na construção de um pensamento e uma prática
mais plural.

86
Anexo
Um convite a caminhar

Acreditamos que seja importante apresentar outros pro-


jetos já elaborados e algumas novas sugestões. Dessa forma,
também ficará perceptível como o que chamamos hoje de
CTS-ARTE foi se ressignificando e se solidificando. O pri-
meiro apresentado é um trabalho a partir do filme “O lixo
extraordinário”. Em seguida, há dois planejamentos não re-
alizados, sendo o primeiro uma discussão sobre Feminismo
e Cabelo, a partir da obra de Frida Kalho, e o segundo uma
discussão sobre pobreza e relações sociais do trabalho, a partir
do poema “O açúcar”, de Ferreira Gullar16.

O trabalho que se inicia a partir do filme “O lixo extraor-


dinário” possui a questão da organização sindical dos catado-
res de lixo por meio dos diversos diálogos entre Vik Muniz e
o presidente dos catadores do Jardim Gramacho. Outro ponto
importante a ser destacado são as diversas entrevistas que te-

16 Nessa seção, mostraremos um recorte do filme de Vik Muniz, duas obras de Frida
Kalho, um pedaço do poema de Ferreira Gullar. De forma que tais imagens e o trecho
não ferem a resolução 9613/98, que afirma não constituir ofensa aos direitos autorais
(...) art. VIII – a reprodução, em quaisquer obras, trechos de obras preexistentes,
de qualquer natureza, ou a obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a
reprodução em si não seja o objetivo principal da nova obra e que não prejudique a
exploração normal da obra reproduzida nem cause prejuízo injustificado aos legíti-
mos interesses dos autores.

87
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

cem o documentário e constroem um pouco da identidade, sa-


beres e fazeres dos catadores. Além da questão social, o filme
possibilita uma abordagem ambiental que permite desencade-
ar discussões sobre reciclagem e reaproveitamento, lei de resí-
duos sólidos, diferenças básicas entre lixão e aterro sanitário,
entre outros. Abaixo segue uma tabela com algumas diretrizes
que guiaram a elaboração do projeto (baseado na tabela 1).

Planejamento

Debater as percepções dos


estudantes sobre Ciência,
Objetivos Epistemológicos
Tecnologia e Sociedade no que se
refere ao meio ambiente.

O processo de reciclagem,
Conteúdo Abordado diferenciação entre reciclagem e
reutilização.

Turma de 10 alunos, 1º ano, último


Ambiente Educacional e Tempo
bimestre, duas aulas seguidas de
didático
50 minutos, 1 Vez por semana.

Discutir pobreza e relações sociais


de catadores de lixo, organização
Questões sociais + Arte escolhida dos catadores e a percepção de
para abordar o tema uma identidade do catador.
Filme “O lixo Extraordinário”.

Transição Arte + Sociedade → Questionar a questão do lixo na


tecnologia e Ciência cidade onde foi realizada a prática.

Elaboração do Experimento para


Não foi utilizado experimento.
discussão de Ciência e Tecnologia

Rediscutir a questão social Debate online a partir do filme.

Produção de um calendário com


Arte dos alunos fotos de lugares cidade que
apresentam descaso com o lixo.

88
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

1) Capa da versão brasileira do filme e cena do filme

89
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Após mostrar de forma resumida um esquema de três pro-


jetos CTS-ARTE realizados, deixamos a sugestão de mais dois
projetos. O primeiro abordaria o tema Feminismo a partir da
Obra de Frida Kalho, pintora mexicana e marcada por pintar
autorretratos. Em seus quadros é possível perceber diversos
cabelos e, a partir disso iniciar discussões sobre a ditadura
estética imposta pelas grandes mídias, e sobre como a mulher
se relaciona com isso. Porém, o cabelo possui, além dessa dis-
cussão social, uma utilidade na fabricação de pequenos higrô-
metros e, a partir dessa utilização, abre-se espaço para discutir
macromoléculas.

Planejamento

Discussões sobre feminismo, mídia


Objetivos Epistemológicos
e imposição de padrões estéticos.

Polímeros e macromoléculas a
partir do estudo do higrômetro
Conteúdo Abordado – aparelho para a medição de
umidade do ar feito a partir das
propriedades de fios de cabelo.

Ambiente Educacional e Tempo


--
didático

Questões sociais + Arte escolhido Quadros de Frida Kalho com seus


para abordar o tema diferentes cabelos.

Relacionar cabelo, beleza e


identidade. Como cada estudante
Transição Arte+Sociedade → mostra a sua identidade a partir de
tecnologia e Ciência cortes de cabelo. Mas será que eles
já perceberam que o cabelo úmido
estica e o seco encolhe?

Elaboração do Experimento para Montagem de um Higrômetro


discussão de Ciência e Tecnologia caseiro

Debate a partir de uma notícia


Rediscutir a questão social sobre a construção de uma estação
de tratamento de esgoto.

90
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Produção Livre, ou seja, não é


Produção dos alunos
possível prever qual arte será feita.

1) Autorretrato com colar de espinhos


2) Autorretrato com cabelo solto

91
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Por fim, trazemos o poema “O açúcar”, de Ferreira Gullar.


O texto aborda de forma clara a relação entre um produto que
chega à casa da classe média e a sua fabricação nos canaviais.
Além disso, o texto provoca uma profunda reflexão sobre tra-
balho e pobreza. Como sugestão, temos o processo de refinar
o açúcar para o estudo das estruturas químicas de Sacarose,
Glicose, Frutose. É possível trabalhar esse tema dentro do con-
teúdo de Bioquímica.

Planejamento

Progresso, pra quem? Trabalhar


Objetivos Epistemológicos
relações entre CTS sobre progresso.

Processo de refinamento do açúcar


Conteúdo Abordado e a sua estrutura química. Estudo da
Sacarose, Glicose e Frutose.

Ambiente Educacional e Tempo


--
didático

Relações entre trabalho, pobreza


a partir do poema “O açúcar” de
Questões sociais + Arte escolhido
Ferreira Gullar. Qual a data do poema?
para abordar o tema
Será que as relações de trabalho se
alteraram desde a época?

Perguntar aos estudantes quais deles


já usaram açúcar em algum suco,
alimento em geral e, quais deles já
pensaram sobre onde veio e o que
Transição Arte+Sociedade → a ciência considera que é o açúcar,
tecnologia e Ciência além de questionar qual a importância
dessa substância pra nossa vida.
Será que o açúcar serve apenas para
adoçar a comida? Quais os tipos de
açúcares que existem?

Elaboração do Experimento para


Experimento da Combustão do Açúcar
discussão de Ciência e Tecnologia

92
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Trazer exemplos de outros produtos


que são fabricados industrialmente
Rediscutir a questão social e tentar fazer, através de um debate,
a mesma reflexão que fez Ferreira
Gullar.

Produção dos alunos Produção Livre

O poema “O açúcar” foi publicado no livro “ Dentro da


Noite Veloz”.

“O branco açúcar que adoçará meu café


nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

[...]

e tampouco o fez o dono da usina.


Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.
Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem de fome
aos 27 anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.
Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema”.

93
E d uc a ç ã o e m Ciências e Direito s Humanos

Josué de Castro (1908-1973) foi cientista e professor uni-


versitário, embaixador do Brasil em Genebra – cassado pelo Go-
verno Militar em 1964 –, presidiu o conselho para Alimentação
e agricultura das Nações Unidas, sendo indicado duas vezes ao
Nobel da Paz. Seu único romance, “Homens e Caranguejos”17,
faz uma profunda reflexão sobre a pobreza dos moradores de
Pernambuco que estão entre a seca e o alagado.

Planejamento

Debater as percepções dos


estudantes sobre Ciência,
Objetivos Epistemológicos
Tecnologia e Sociedade no que se
refere ao meio ambiente.

A partir da química do mangue, é


Conteúdo Abordado possível, abordar indicadores da
concentração de susbstâncias.

Ambiente Educacional e Tempo


-
didático

Questionar se os estudantes
conhecem manguezais, se eles já
Questões sociais + Arte escolhida
repararam em casas construídas na
para abordar o tema
beira dos mangues, se comem algo
que vem do mangue...

Os mangues são afetados por


nossos esgotos?
O que é o processo de
Transição Arte + Sociedade →
biorremediação?
tecnologia e Ciência
O que é concentração de
substâncias? A que se refere o
termo e como calculamos?

17 Um agradecimento especial à professora Luana Dayse dos Santos, aluna do curso


de CTS-ARTE ministrado na UFS, que indicou (e presenteou com) essa maravilhosa
leitura.

94
E duc a ç ã o em Ciências e Dire itos Humanos

Elaboração do Experimento para


--
discussão de Ciência e Tecnologia

Sugestão de uma controvérsia


controlada que envolva atores como
Rediscutir a questão social Ambientalistas, moradores de uma
área de manguezal, políticos e
representantes de empreiteiras.

Arte dos alunos Livre

Trechos:
Sobre a pobreza
“...os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos.
Arrastando-se, acachapando-se como os caranguejos para po-
derem sobreviver. Parado como os caranguejos na beira da água
ou caminhando para trás como caminham os caranguejos”.
Sobre organização social
“Já não havia alegria de verdade, nem festas nos mangues.
O que havia eram reuniões secretas para preparar a revolução
salvadora. Para botar fora aquele governo de ladrões. [...] “Vi-
nham homens de toda parte parar parlamentar com Cosme
[...] vinham líderes dos trabalhadores do porto, dos serviços
públicos e da companhia de bondes. E vinham, de mais lon-
ge, líderes camponeses que traziam suas queixas da vida nas
usinas de açúcar e sua revolta perante o que estavam a sofrer
dos usineiros.”

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Este livro foi composto em Sabon LT Std pela
Editora Multifoco e impresso em pólen soft 80g.

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