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VIDA
E
A VIDA NA
EDUCAÇÃO
uma abordagem
histórico-cultural
Patrícia L. M. Pederiva
(Org.)
A EDUCAÇÃO NA
VIDA
E
A VIDA NA
EDUCAÇÃO
uma abordagem
histórico-cultural
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser re-
produzida, transmitida ou arquivada desde que levados em conta os
direitos das autoras e dos autores.
Capa
João Barreto
Editores
Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito
Diagramação
Diagrama Editorial
www.pedroejoaoeditores.com.br
13568-878 - São Carlos – SP
2019
SUMÁRIO
PREFÁCIO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Daniela Barros
Saulo Pequeno
APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Profa. Dra. Patrícia Lima Martins Pederiva
(RE)PRODUÇÕES COLONIAIS NA
EDUCAÇÃO ESCOLAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
Gabriel Gonçalves
Lucas Gusmão
DESENVOLVIMENTO HUMANO E
INSTITUIÇÕES SOCIAIS: FAMÍLIA E
ESCOLA NA CONSTITUIÇÃO DA DIVERSIDADE. . . . 47
Samuel Brito de Gusmão
Fabrício Santos Dias de Abreu
OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147
Ellen Dantas
DA IMAGINAÇÃO À CRIAÇÃO:
DESCAMINHOS NA ESCOLA.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157
João Vitor Barreto Gomes de Sá
Giulia Ribeiro Salgado
7
cultura, e que podem transformar radicalmente aquilo
que há pouco era tido como inquestionável. A pessoa
humana, portanto, é um ser de possibilidades, em que
o ambiente oferece situações e experiências que colocam
transformações na iminência de acontecer, podendo
afirmar ou transformar o comportamento. Não há neste
horizonte espaço para as ideias de pessoa e de educa-
ção que proponham a determinação do comportamento,
adestrar o corpo, cercear a livre expressão, oprimir as
vontades, doutrinar a consciência, condicionar o intelec-
to, entre muitos dos outros objetivos de educação pro-
postos segundo concepções opressoras e utilitaristas. A
pessoa humana, como ser de possibilidades, é entendida
como ser de livre expressão – intelectual, afetiva, corpo-
ral – e que, entendendo-se desta maneira, comporta-se
de maneira ética para não cercear a livre expressão de
outra pessoa. Estes pontos de vista são enunciados e tra-
balhados nas páginas desta obra.
Pelas palavras desta obra, trabalha-se a concepção de
que as pessoas agem, educam-se e comportam-se de ma-
neira diversa, sem que o estabelecimento de quaisquer
padrões normativos sejam tomados como caminho ine-
vitável para o desenvolvimento. E, ao trazer aqui a pala-
vra diversidade, refere-se a instâncias além dos lugares
comuns com que tem sido usada nos espaços políticos
recentes; a diversidade não é entendida como oposição
à norma. Pelo contrário, a diversidade é o princípio do
desenvolvimento humano, do comportamento, e das
culturas que se atravessam em sociedade. A diversida-
de é a característica de todo encontro entre pessoas ou
grupos de pessoas, através da alteridade e da empatia
ante pessoas diferentes, com histórias diferentes, corpos
diferentes, sensibilidades diferentes, especialmente em
um espaço educativo, em que devem colaborar juntas
para que todos os polos que compõem a unidade do en-
8
contro extraiam, mutuamente, o melhor de si. Qualquer
tentativa de normatização, portanto, manifesta-se contra
a educação, contra o desenvolvimento e, em última ins-
tância, contra toda a existência. Ao passo que é possível
a tentativa de sufocar, oprimir e ignorar a diversifica-
ção, como muitos projetos de poder o fazem através da
educação, o PET-Educação procura reconhecer, refletir e
amparar em teoria, prática e ação política, a diversidade
como condição da própria existência humana.
Por este conjunto de entendimentos, compreende-se
que a educação, em sua prática e seus desafios, não é
sinônimo de escola, e vai muito além desta. Entretanto,
como uma instituição central para a modernidade, que
monopoliza o ideário de relações com o saber, e que é
tida socialmente como o local destinado para a instru-
ção, a escola contém em si um conjunto determinado de
procedimentos, de conhecimentos e de projetos de futu-
ro, de forma que também deve ser refletida, analisada e
criticada com rigor. Seu local é tão estratégico e central
para a modernidade que as práticas que caracterizam a
escolarização irradiam para todos os setores da socieda-
de em qualquer relação com o saber. E esta instituição
possui uma forte contradição: por um lado, entendi-
mentos e protocolos rígidos sobre a prática educativa,
sendo também um microcosmo da sociedade, com to-
das as suas opressões, normas arbitrárias e assimetrias;
por outro lado, é local que recebe bebês, crianças, ado-
lescentes, jovens e adultos com todas as suas trajetórias
e potencialidades sendo então, também, um espaço de
possibilidades. Com a intenção de abalar as certezas e
imposições da educação e da escolarização, este conjun-
to de textos procura trabalhar com o desenvolvimento
humano, pautado na diversidade, para caminhos de re-
flexão e transformação de todos os espaços educativos,
inclusive os espaços escolares.
9
O presente livro é composto por artigos escritos por
estudantes, profissionais da educação em formação, e
por profissionais da educação recém formadxs. E este é
mais um exemplo de transgressão do PET-Educação e da
professora Patrícia Pederiva frente aos lugares comuns
da academia. Usualmente privilegia-se a publicação de
obras de pesquisadorxs com títulos de pós-graduação –
mas isso não quer dizer nada, por si só, da qualidade das
reflexões que estão em qualquer obra. É necessário desta-
car que nesta etapa da formação profissional superior, xs
estudantes são interlocutorxs privilegiadxs para enten-
der as dificuldades, contradições e possibilidades da edu-
cação e, ao mesmo tempo, da formação em educação. É,
portanto, uma importante referência para conhecer aqui-
lo que se identifica entre críticas e possibilidades das suas
experiências escolares, das expectativas e frustrações de
estágios, do curso superior, da prática profissional e da
própria ideia em movimento do que pode ser a educa-
ção, de como lutar por ela, de como alcançar formas de
exercer a função social dx professorx, que é possibilitar
o desenvolvimento humano em sua plenitude, torná-lo
possível mesmo em processos educativos dados num
ambiente institucionalizado. Acima de tudo, são admira-
dxs e respeitadxs profissionais pensadorxs da educação.
Dedicando-se igualmente ao ensino, pesquisa e ex-
tensão de forma intensa e valente, o PET-Educação junto
à professora Patrícia Pederiva faz os necessários enfren-
tamentos, não foge das reflexões, desbrava, corre atrás
de viver, de experimentar, de estudar, de refletir, porque
compuseram, em conjunto, consciência da responsabili-
dade da profissão que escolheram, do ato de serem pro-
fessorxs. Entre tantos outros, destacamos alguns marcos
que deram identidade e coesão ao grupo, ao mesmo
tempo ofereceram profundidade na experiência profis-
10
sional, que enchem de inspiração qualquer profissional
da educação.
Ao longo de sua trajetória, o grupo se organizou para
a luta em nome das estudantes não só da pedagogia,
mas de toda a universidade. Este foi o trabalho a respei-
to das estudantes mães da Universidade de Brasília com
pesquisas de levantamento do número de estudantes,
identificação dos seus direitos, em aliança com outros
grupos de estudantes, com coletivos de estudantes, com
outros PETs da universidade, além de grupos fora dos
espaços da universidade. Nestes esforços, conquistaram
uma sala de acolhimento para estudantes mães com su-
porte para amamentação e cuidado com as crianças, lo-
cal há muito tempo desejado pelas estudantes da UnB.
Produziram material empírico e teórico a respeito desta
jornada, problematizando os temas educação, mulher,
maternidade, gênero, suporte institucional, entre outros.
Realizaram estágios, atividades e acompanhamentos
na Casa de Ismael – Lar da Criança. Esta é uma experiên-
cia importante, porque ocorre em uma instiuição conve-
niada da Secretaria de Educação do Governo do Distrito
Federal que oferece educação básica, ao mesmo tempo
que é lar de acolhimento institucional para crianças e
adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade
oferecendo, além de educação, assistência e orientação
profissional. Realizando trabalho comprometido junto à
Casa de Ismael, foi oferecido ao PET um local de traba-
lho complexo e desafiador para a sua formação, abar-
cando a educação, mas também suas articulações com
concepções de sociedade, família, infância e adolescên-
cia, identidade e direitos sociais.
Além disso, o grupo não se esquivou da responsabi-
lidade de discutir diversidade dentro da instituição uni-
versitária, abrindo espaços de conversa; rodas de estudo;
e a realização do I Seminário de Diversidade da Facul-
11
dade de Educação, organizado pelos estudantes do PET
junto à professora Patrícia Pederiva, abordando a educa-
ção pública, raça, classe, gênero e sexualidade, infâncias
juventudes e preconceitos, tanto no aspecto crítico quan-
to nas suas possibilidades propositivas, resultando, além
de um evento excepcional, material acadêmico como mo-
nografias e artigos. Estes são alguns exemplos das formas
de como este grupo vivenciou com excelência o ensino,
pesquisa e extensão, credenciais importantes para locali-
zar ainda melhor a importância da presente obra.
Este livro é mais um dos resultados de todo esse pro-
cesso, e é uma cristalização que traduz o PET-Educação
como um grupo que busca (e pratica) a educação por ou-
tros olhares, outras experiências, para uma outra cons-
ciência, outra escola. É uma leitura necessária para toda
pessoa que se preocupa com a educação, de estudantes,
professorxs e interessadxs, para que práticas enrijecidas
não continuem a se repetir e violentar seres humanos em
suas possibilidades, para que os caminhos de respeito e re-
flexão aberta e honesta continuem a ser abertos e trilhados.
Para nós é uma imensa alegria acompanhar todo este
processo, desde a primeira configuração do grupo até
a presente obra. É um privilégio acompanhar estxs par-
ceirxs, amigxs, em um ambiente de crescimento mútuo,
respeitoso, amoroso, receptivo, afetuoso. É encantador
ter estas pessoas como parceiras entre profissionais da
educação. É uma honra poder contribuir com esta obra,
pela qual temos tanta estima, respeito e admiração.
Carinhosamente,
Daniela Barros
Saulo Pequeno
Pedagoga e Antropólogo. Mestrxs em Educação.
Doutorandxs em Educação pela Universidade de Brasília.
Brasília, 15 de maio de 2019
12
APRESENTAÇÃO
Profa. Dra. Patrícia Lima Martins Pederiva
Tutora do PET Educação/FE/UnB
pat.pederiva@gmail.com
13
e as implicações de algumas convenções na constituição
das pessoas que integram estes lugares.
Estamos convictos de que as reflexões aqui presentes
suprem lacunas ora existentes, nas discussões educati-
vas, e convidam à continuidade da busca por conheci-
mentos e modos mais humanos de transformações edu-
cativas e sociais.
Para tanto, apresentamos a seguir os títulos dos arti-
gos, na sequência do livro, e respectivos autorxs, resu-
mos das propostas, além das palavras-chave:
14
senvolvimento das pessoas nesses espaços, pela lente da
teoria histórico-cultural de Vigotski e autorxs que abor-
dam questões de gênero e sexualidade.
Palavras-chave: Teoria histórico-cultural; Heterormati-
vidade; Diversidade.
15
Palavras-chave: Organização do espaço; Teoria históri-
co-cultural; Espaço relacional.
16
10. OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS. Ellen Dantas
Resumo: Discute a respeito da educação de jovens e
adultos, EJA, e sobre seus modos de organização, seus
limites e possibilidades.
Palavras-chave: EJA; escola; direitos.
17
tudantes universitários. Com base nessa problemática
localiza-se a questão na perspectiva histórico-cultural
para, então, descrever uma proposta de intervenção rea-
lizada pelo Coletivo de Saúde Mental da Faculdade de
Educação-UnB.
Palavras-chave: Saúde-mental; Universidade; Coletivo.
18
(RE)PRODUÇÕES COLONIAIS
NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Gabriel Gonçalves1
gaabriel_soousa@hotmail.com
Lucas Gusmão2
lukas.nett@hotmail.com
19
É a partir desse entendimento que esse artigo se pro-
põe a refletir sobre a escola como produtora privilegiada
de diferenciação social, baseada nos valores e nas prá-
ticas coloniais homogeneizadoras/padronizadoras que
negam a diversidade que nos compõem enquanto hu-
manos e ainda refletir como se (re)produzem diariamen-
te nos espaços escolarizados as práticas de dominações
coloniais.
Também traremos à luz das nossas reflexões a teoria
Histórico-Cultural, na tentativa de entender como a ne-
gação da diversidade e a normatização dos corpos têm
impacto direto no processo de desenvolvimento humano.
INTRODUÇÃO
20
No caso da educação, fazendo com que cada vez mais a
aprendizagem se confunda – e fique restrita – a institui-
ção escolar e o que é ensinado por ela.
No que diz respeito ao monopólio da educação, tam-
bém podemos falar em monopólio do saber, sendo que,
dentro da lógica escolarizada, tanto o conhecimento
quanto os saberes são alienados e transformados em
produtos, apenas com o objetivo de diplomar e comer-
cializar a educação como um todo. (GUSMÃO, 2017). A
mentalidade escolarizada faz parecer que a maioria do
que se aprende é resultado do ensino escolar, quando
na verdade a maioria dos conhecimentos e os saberes de
uma pessoa são adquiridos fora dela, como, por exem-
plo, comer, brincar, dançar e etc.
21
SOBRE A COLONIZAÇÃO
22
to, é contraditório. O que percebemos na prática é que a
escola reforça através de seus mecanismos, a ordem da
estrutura social e das relações hierárquicas engendradas
pela modernidade, reproduzindo constantemente a lógi-
ca colonial imposta
23
fogem ao padrão colonial de cidadão (indivíduo) ideal,
que no limite seria homem, branco, heterossexual e de
classe social privilegiada.
A COLONIZAÇÃO E A PRODUÇÃO DE
DESIGUALDADES NA INSTITUIÇÃO
ESCOLAR
24
Na sociedade ocidental escolarizada, cultura e educa-
ção possuem lugares e momentos diferentes e determi-
nados para serem experienciados. Existe o lugar especí-
fico para se aprender, notadamente o espaço escolar; E
existem lugares específicos para se apreciar e conhecer
cultura, como museus, teatros, exposições e auditórios.
Nos processos de educação formal, a cultura aparece
nos currículos como atividade destacada dos momen-
tos de aprendizagem (BARROS et al, 2018, p. 119).
25
real possibilita às crianças a serem seres ativos, criadores,
com potencialidades, além de significar o seu lugar de
pertencimento na cultura.
26
ser notada pela prática da diferença, que é muito presen-
te no cotidiano brasileiro (ITANI, 1998, p. 120).
Ainda de acordo com Itani (1998, p. 121), “o processo
educacional, tal como ele se desenvolve, pode estar se-
lecionando e colocando para fora muitos que não conse-
guem se defender”, ou seja, os espaços de mentes esco-
larizadas atuam cada vez mais no sentido de reproduzir
um projeto de exclusão há muito vigente.
Dentro dos espaços de mentes escolarizadas as pes-
soas não são percebidas como seres de possibilidades,
que possuem necessidades particulares forjadas através
de suas experiências - que são únicas - e que já possuem
conhecimentos e saberes adquiridos culturalmente.
Coube à escola, desde seu início, a função de dividir
as pessoas, seja separando os que a frequentam ou não, e
mesmo os que se submetem a ela também são separados
e diferenciados entre si. Dentro da escola, há muito tem-
po, as diferenças são transformadas em desigualdade e
tratadas como tal;
27
larizados, como o exercício cotidiano da linguagem, o
olhar da diferença, através de livros didáticos, dentre
várias outras ferramentas. Itani, (1998), usa a linguagem
cotidiana carregada de expressões racistas, como por
exemplo, “a coisa tá preta” para exemplificar a expres-
são desses preconceitos (GUSMÃO, 2017).
Vale ressaltar que o uso da linguagem é uma ferra-
menta poderosa na tentativa de homogeneizar as pes-
soas, uma vez que, ela não somente expressa os precon-
ceitos, mas também cria essa realidade, uma vez que a
linguagem enraíza culturalmente certas verdades.
Se o uso da linguagem é uma arma poderosa nesse
processo de exclusão gerado pelos espaços escolariza-
dos, o seu não uso pode ser tão poderoso quanto. Tudo
aquilo que é taxado como diferente, diverso, que se ex-
pressa em desacordo com o padrão imposto, é silenciado
e deixado de lado, naturalizando esse tipo de comporta-
mento (GUSMÃO, 2017).
28
além de ter papel fundamental na construção se uma so-
ciedade hierarquizada, racializada, generificada e tam-
bém sexualizada.
29
peito a vidas humanas, a individualidades socialmen-
te constituídas, a culturas, a modos de ser e existir, de
viver e conviver. Não pode haver uma comparação e
uma valoração sobre elas. Nenhuma delas tem maior
valor sobre outras. Todas são extremamente importan-
tes para a vida educativa. Por isso, é preciso valorizar
as experiências cotidianas de cada um. Elas permane-
cem em um falso patamar de inferioridade, quando
se trata de educação. É necessário valorizar os saberes,
principalmente àqueles que não alcançaram o status da
cientificidade laureada e reconhecida pela instituição
acadêmica. Eles também têm muito a nos dizer e a nos
educar sobre distintas formas de sentir, estar, e viver no
mundo, nas trocas entre diferentes idades, contextos di-
ferenciados e distintas fontes de saber (PEDERIVA, et al,
2018, p. 26, 27).
REFERÊNCIAS
30
Suely Amaral Mello. Teoria Histórico-Cultural na Edu-
cação Infantil: Conversando com professoras e profes-
sores. Curitiba: CRV, 2017.
31
de de matriz africana nas culturas populares, povos, e
comunidades tradicionais. UNB. 2017.
32
REFLEXÕES SOBRE A
EDUCAÇÃO DOS ALUNOS
LGBTQ+ NAS ESCOLAS
MILITARES
Weriklis Marques1
weriklis.lideres@gmail.com
33
de direitos dentro da sociedade, esse florescimento favo-
rece o debate, a construção de argumentos e a descons-
trução de preconceitos. Ao mesmo tempo em que esses
assuntos ganham enfoque, ainda assim, esses “corpos
estranhos” sangram diante de nós e imploram a possi-
bilidade de um dia ter o pleno desenvolvimento como
qualquer outro indivíduo deveria ter. No ano de 2017
o número de assassinatos de LGBTQ+ cresceu 30% de
acordo com o jornal “O GLOBO Sociedade”, esse núme-
ro chega a 445 mortos. Nossa sociedade distingue e clas-
sifica as pessoas por não corresponderem ao “padrão”
imposto pela mesma.
Entende-se que o ambiente escolar deveria ser o pró-
prio desconstrutor dessas ideias que oprimem os indi-
víduos, segundo afirma Vigotski et al. (2006, p. 28), “[...]
deve ser trabalhada intencionalmente para humanizar o
mundo por meio de uma formação cultural e da práxis
transformadora de todos os cidadãos sujeitos da sua his-
tória [...]”.
Isto posto, esse artigo discute a violência sofrida des-
ses corpos dentro da educação militar que hoje em dia se
faz opressora e transgressora perante esse público, e tem
por objetivo questionar esses atos nessas instituições de
ensino. Assim, traremos durante o texto algumas falas
de pessoas que vivenciam problemáticas que expressam
essa realidade.
CONSTITUIÇÃO E O DIREITO À
EDUCAÇÃO PARA TODOS
34
eu gostava ou do que eu era. Já cheguei e ser alvo de piadas
durante uma época da minha vida escolar, de preferência no
meu 7º ano, por causa das músicas que eu ouvia. Já cheguei a
me forçar a gostar de garotas e também já tentei um namoro
com minha atual melhor amiga, que nunca aconteceu e me tor-
turava por isso. O único momento em que eu pude realmente
me sentir liberto disso foi somente quando eu saí do colégio,
porque ali não se pregava liberdade, eles tinham medo de tocar
nesse assunto. Nem os professores chegavam nesses assuntos
por acharem algo “muito delicado”. Os meus colegas também
demoraram a tocar nesse assunto pois eles mesmos não sabiam
o que queriam também, no final das contas. Em suma, foi uma
experiência de descoberta e sobrevivência, visto que eu fiquei
nesse colégio desde o meu jardim III e sai de lá formado.” (re-
lato de um aluno de 19 anos, via whatsapp).
Esse depoimento evidencia o quanto a escola era
omissa as questões de gênero e sexualidade, e como isso
é maléfico para a vida dos alunos. A constituição brasi-
leira de 1988, no artigo 205, prevê e assegura o direito à
educação dizendo:
35
Para além da capacitação profissional, a Constituição
Federal cita o pleno desenvolvimento das pessoas, entre-
tanto, as escolas militares ferem diretamente o que é pre-
visto em lei, pois, o desenvolvimento dos alunos LGB-
TQ+ estão sendo prejudicados pelo simples fato de não
haver qualquer tipo de orientação, debates ou palestras
sobre o assunto. Nesse sentido, como é possível desen-
volver-se em meio ao desconhecido? A negação de infor-
mações e de debates corrompe diretamente o autoconhe-
cimento no âmbito social. Ser visto como estranho pela
sociedade é algo bastante doloroso, mas, ser visto como
estranho por si mesmo, quando não há espaços educati-
vos para o auto reconhecimento, é mais perturbador do
que qualquer outro julgamento vindo do externo.
O Artigo 205, já citado, responsabiliza diretamen-
te três setores para o desenvolvimento dessa educação,
sendo estes: o Estado, a família e a sociedade. Nas co-
munidades LGBTQ+, entende-se que todos esses res-
ponsáveis pela educação corrompem esse direito a es-
sas pessoas. O Estado corrompe essa educação quando
apoia diretamente a Base Nacional Curricular Comum
(BNCC), pois há omissão às informações sobre gênero e
sexualidade. Vale lembrar também que a BNCC norteia
os currículos escolares das escolas de todo o país na edu-
cação infantil e no ensino fundamental. Incluir assuntos
como esse na BNCC nos garantiria o debate integral do
mesmo nas instituições de ensino de todo Brasil.
A família também veta esse direito quando não dis-
cute, ainda em casa, gênero e sexualidade e quando
também não reconhecem seus filhos na condição inte-
gral como LGBTQ+, oprimindo e violentando-os física
e verbalmente. A sociedade participa dessa rede de abu-
so de algumas maneiras, como por exemplo, o silencia-
mento com o desrespeito moral dos alunos nas escolas,
apoiando argumentos sociais homofóbicos e transfóbi-
36
cos que causam o desrespeito no convívio social das pes-
soas LGBTQ+.
Um dos casos mais recentes de homofobia que veio
a público é o do aluno Talles de Oliveira Farias do Insti-
tuto de Tecnologia Aeronáutica. Talles se formou em en-
genharia e na cerimônia de formatura usou maquiagem
e um vestido vermelho que continha frases como “ITA
excelência em: homofobia, machismo, racismo, fascismo,
violência.” Talles subiu ao palco, recebeu seu diploma
com esse vestido o que causou um extremo alvoroço.
Além disso, o estudante se pronunciou detalhando o co-
tidiano do que viveu dentro do colégio.
“Desde os 12 anos, eu sempre ouvi coisas maravilhosas so-
bre o ITA. Sobre ser a melhor universidade do país, a possibi-
lidade de receber dinheiro durante a graduação, a quantidade
de oportunidades que se abriam ao fazer essa faculdade. O ITA
era meu grande sonho. Mal sabia que seria a maior decepção de
minha vida. Durante o ensino médio estudei numa escola mili-
tar da Aeronáutica (EPCAR) e já fui para lá com muito medo
que descobrissem sobre minha orientação sexual, expulsassem-
-me e que minha família, que na época não sabia, descobrisse
que havia sido expulso devido a minha orientação sexual. Seria
uma grande tragédia, já que na época sentia vergonha por ser
LGBT. Eu não conhecia nenhum regulamento da aeronáutica
e não precisava para saber que era um ambiente homofóbico.
Desde pequeno as pessoas nos ensinam que ser LGBT é vergo-
nhoso e levamos muito tempo para superar essas feridas. Senti
como a homofobia acontece nas Forças Armadas através da
invisibilidade, da chacota e da expulsão daqueles que ousam
se abrir em relação a sua orientação sexual. Assim, se passam
os anos e os homossexuais lá presentes precisam levar uma
vida marginalizada e escondida para que não o descubram e o
eliminem. Invisíveis, vivem suas vidas. Cheguei no ITA e de-
cidi que pra mim bastava. Aceitem-me como sou ou sejam ex-
postos pelo que vocês são. Não me aceitaram, violentaram-me,
37
riram de mim, tentaram me tornar invisível. Que a exposição
os mude porque eu vou continuar me amando e me fazendo
muito presente mundo afora.” (Talles de Oliveira Farias).
Esse tipo de depoimento é extremamente raro, pois
os alunos sentem medo de possíveis perseguições que
esse tipo de exposição pode trazer, Talles só conseguiu
se pronunciar depois de conseguir se formar na insti-
tuição, assim não tendo mais vínculos com a mesma. É
preciso oportunizar ampla discussão sobre o tema. Esse
artigo é um esforço nesse sentido.
“Ninguém educa ninguém, como tão pouco ninguém
se educa a si mesmo: os homens se educam em comu-
nhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1981, p. 79).
Essa citação de Paulo Freire nos mostra brilhantemente
como o processo educacional deveria ser realizado nos
espaços educativos. A educação para esse autor é uma
via de mão dupla, em que professores não se colocam
em uma relação vertical perante a seus alunos, mas sim
em uma relação de iguais, organizando o conhecimento
compartilhado por todos. O aluno aprende com o pro-
fessor assim como o professor aprende com o aluno,
dessa forma, não se colocando como detentor de todo
o conhecimento, aliás o ser humano nem no fim de sua
vida se tornará um sujeito completamente desenvolvi-
do, sempre estará em processo de construção, e é exata-
mente o contrário que os exemplos aqui compartilhados
mostram, e como essa prática docente vem danificando
os processos de aprendizagem dos alunos das escolas
militares.
38
criada com o intuito de denunciar os abusos e as intole-
râncias vividas pelos alunos, a matéria dizia:
“Desde a terça-feira (27/12/16), alunos e ex-alunos de
colégios militares de todo o Brasil tem usado uma pági-
na no Facebook para expor situações constrangedoras (e
até criminosas) vividas dentro das dependências da ins-
tituição. A página, batizada de No Meu Colégio Militar,
recebe relatos por e-mail e via formulários e os publica
de forma anônima. Em dois dias, conquistou mais de 5
mil curtidas. Segundo estudantes, escolas mantidas pela
instituição em todo o país, inclusive a de Brasília, enfren-
tam problemas como racismo, machismo, intolerância
religiosa e homofobia.”
Com a criação da página os alunos se sentem mais
confortáveis para relatar suas vivências, uma vez que
são vistos como anónimos pelos leitores, alguns exem-
plos das denúncias são:
“Sargento chamou um casal heterossexual de alunos e deu
parabéns para o homem (como se a mulher sequer estivesse ali)
e o parabenizou por “não ter seguido a moda e virado viado
também”. Enquanto isso, na festa do alívio dezenas de beijos
heterossexuais; quando houve o primeiro beijo LGBT, houve
intensa movimentação para punir apenas esse e acionar os
pais dos alunos. Segundo o comandante de companhia, “beijos
são proibidos na instituição e se não quiser que papai saiba é
só não fazer”. A homofobia ali não é velada.”
“Sou repreendida por abraçar qualquer pessoa do mesmo
sexo por conta da minha sexualidade, enquanto vejo casais he-
terossexuais de mãos dadas no meio do pátio.”
“Em 2015, estava em simulação da ONU em Brasília, repre-
sentando o meu colégio, e estávamos de roupa civil dentro do
ônibus (que nos levaria de volta ao CMB, onde estávamos hos-
pedados). Tinha vários casais heterossexuais de mãos de dadas
dentro do ônibus, mas quando fui segurar a mão do meu par-
39
ceiro um sargento do CMSM imediatamente nos repreendeu, e
ameaçou nos dar um informativo negativo.”
“Quando eu namorei um menino nenhum monitor ou pro-
fessor reclamou de estarmos juntos. Quando eu consegui uma
namorada eu não podia ficar nem perto dela direito que tinha
um monitor por perto para ameaçar.”
“Sou ex aluna do cmb tem 1 ano, e passei diversas situações
onde minha sexualidade foi um problema, já recebi alfinetadas
sobre homossexuais vindas de professores e tive de suportar
um monitor que ficou sabendo que eu namorava uma garota
da minha companhia e a levou para conversar e tentar conven-
cê-la que era errado, ao procurá-la me deparei com a cena do
monitor dizendo que íamos pro inferno e ele para o céu e que
seria triste ir para um lugar diferente do nosso. Tirando as
milhares de dificuldades com os alunos do colégio, que faziam,
com frequência, comentários extremamente preconceituosos e
machistas comigo.”
“O capitão de CIA proibiu casais do mesmo sexo de dan-
çarem na festa junina (de acordo com ele casal é só menino e
menina), especificou q o “certo” para a dança eram os garotos
usarem calça, não roupas “femininas” e disse que “famílias
estruturadas” já deveriam ter ensinado isso”
De um lado vemos um público de alunos denuncian-
do a violência presenciada dentro das instituições, agora,
veremos o que a sociedade pensa sobre essa quebra de
silêncio que pode corromper a imagem até então “im-
pecável” das escolas militares, os seguintes comentários
foram retirados da mesma página do Facebook:
“Se vc é contra os colégios militares com certeza se enquadra
em um ou mais quesitos listados:
* É homossexual recalcado (tive amigos homoxessuais em
CM q gostavam do colégio)
* Votou no PT na última eleição.
* E defensor do Jeanus Wyllis.
* E feminista ferrenha ou
40
* Fuma maconha.
Perceba q com certeza vc q n gosta do CM se enquadra em
um desses quesitos.”
É perceptível no comentário acima, o quanto as mino-
rias que se expressam e denunciam as agressões são vis-
tas de forma estereotipada, apenas por estarem expondo
abertamente agressões que até então estavam escondi-
das, continuemos com outros exemplos:
“Alô, é dos direitos humanos? Liguei pra denunciar que eu
sou um bosta.”
“Perdedores, fracassados.”
“Até onde me lembro, no meu Colégio Militar tinha con-
curso para entrar, talvez o mais concorrido da cidade, Campo
Grande - MS, nunca ninguém foi obrigado a ficar lá e aque-
les que+ ficaram tiveram suas bases de conhecimento, ética e
patriotismo muito reforçada. Isso aqui é uma página de um
monte de gente tendenciosa, falando um monte de merda que
inventam durante a aula que não querem assistir.”
Devemos nos atentar ao fato de que as pessoas que
comentam as publicações, estarem sempre deixando
explícito que os alunos denunciantes estão de alguma
maneira tentando “destruir” a escola militar e que os
mesmos não estariam interessados em estudar, mas será
mesmo essa real intenção do público? Esses alunos es-
tariam de fato tentando implodir o ensino militar? Uma
pessoa que não se sente respeitada e com o mínimo de
condições saudáveis de saúde mental é impossibilitada
de estar tendo o seu rendimento educativo e desenvolvi-
mento pessoal normalizado no âmbito em que se é inse-
rido, ou seja, se você não se sente confortável na sua rede
de ensino, logo, essa instituição estará descumprindo o
que era proposto de início para todos os alunos, o de-
senvolvimento pleno do ser, sendo este pessoal, mental
e físico. Mais uma vez, o oprimido é subjugado, mes-
41
mo no exercício de seu pleno manifesto, o que se torna
preocupante.
Analisemos um sujeito que está em constante sofri-
mento dentro dessas instituições: Temos um adoles-
cente que está na flor de sua puberdade e se descobre
homossexual, esse indivíduo que tem uma educação
militar, normalmente vem também de uma família tra-
dicional militar, ou seja, já não terá na maioria das vezes
o apoio de sua família na sua sexualidade, esse adoles-
cente também é rodeado por profissionais que estão a
todo o momento enfatizando o quanto ser LGBTQ+ no
meio militar é errado, onde esse aluno procurará apoio
para se desenvolver? Seria quase como um labirinto sem
saída, seria necessária muita força psicológica para que
esse adolescente compreenda sua identidade de gênero
e sexualidade.
A PERSPECTIVA DE VIGOTSKI
42
Quando a pessoa é criada e educada a respeitar ape-
nas seus “aparentemente” iguais, o encontro com o dife-
rente faz com que haja um estranhamento. Pelo fato de
ser desconhecido, curioso, esse “estranhamento” pode
vir a se tornar agressivo, preconceituoso e perigoso para
os dois grupos que se encontram.
Torna-se nítido que com o preconceito no qual os alu-
nos vivenciam na educação militar, seus efeitos não se
limitam apenas à comunidade LGBTQ+. Como afirma
Vigotski (2001, p. 63), “o comportamento do homem é
formado por peculiaridades e condições biológicas e
sociais do seu crescimento”. Os alunos no meio social
da escola também sofrem indiretamente os impactos da
tentativa que o sistema impõe da não existência desses
alunos LGBTQ+. Os processos de socialização dos dois
grupos são extremamente necessários para que haja a
construção coletiva e diversificada do meio. No entan-
to o não estabelecimento dessa prática cultural histori-
camente localizada de ambos os grupos podem causar
impactos sérios para a socialização. Observo aqui que
a constituição da diversidade desses grupos citados, é
na verdade o que estabelece a unidade e que por isso os
tornam plurais, diversos e heterogêneos.
Sobre a importância da afetividade nas relações so-
ciais, trata-se de
43
Reafirmamos, então, a importância da relação social
no processo de aprendizagem do aluno nos espaços de
educação. Devemos esclarecer que esse vínculo deve ser
respeitado para que o processo de aprendizado se torne
humano e mais acessível para todos os alunos, favore-
cendo o plano psíquico emocional e o desenvolvimen-
to do ser social na sua integridade como indivíduo na
sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
44
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repúbli-
ca Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 2010.
45
DESENVOLVIMENTO
HUMANO E INSTITUIÇÕES
SOCIAIS: FAMÍLIA E ESCOLA
NA CONSTITUIÇÃO DA
DIVERSIDADE
Samuel Brito de Gusmão1
saamuel.bg@gmail.com
Fabrício Santos Dias de Abreu2
fabra201@gmail.com
47
O fator decisivo do comportamento humano não é só o
fator biológico, mas também o social, que confere com-
ponentes totalmente novos à conduta do ser humano.
A experiência humana não é apenas o comportamento
de um animal que adotou posição vertical, mas é uma
função complexa de toda a experiência social da huma-
nidade e seus diferentes grupos (p. 63).
48
gendrando violências que perpassam as existências de
pessoas LGBTQ+3. Estes sujeitos têm sido educados em
ambientes que deslegitimam suas experiências. Por não
se adequarem às normas culturais hegemônicas, são co-
locados no local da abjeção, ou seja, como explica Louro
(2001), nas zonas inabitáveis da vida social.
49
minhas experiências em diferentes meios sociais, como
a escola e a família (entendendo essa instância como um
lócus de educação) dialogar com a teoria histórico-cultu-
ral de Vigotski e os estudos de gênero, em especial aque-
les que ganharam força na metade final do século XX,
para que sejamos capazes de entendermos brevemente a
raiz dessas estruturas heteronormativas e, que, por meio
dessa reflexão, pensemos em atuações mais humaniza-
das e acolhedoras.
FAMÍLIA: DO ACOLHIMENTO A
NORMATIZAÇÃO
50
cisgênero5 enquanto natural e hierarquicamente supe-
rior, colocando aqueles sujeitos que não se enquadram
dentro dos padrões heteronormativos6 em uma posição
de inferioridade, validando o processo de exclusão e
dominação de uns (heterossexuais) sobre os outros (ho-
mossexuais, bissexuais, transgêneros e etc.) (JUNQUEI-
RA, 2013 e SCHULMAN, 2009).
Não obstante, tornava-se necessário que determina-
das medidas coercitivas fossem tomadas para que eu
fosse capaz de desempenhar o “papel masculino” im-
posto como norma, que como Connel (1995) nos ajuda a
entender, ao se tornar um conceito popular na definição
da “masculinidade apropriada”, não nos permite com-
preender as complexas, diversas e “múltiplas formas
de masculinidade” (p. 188). É importante entender que
muitas vezes, no imaginário social, os conceitos gênero
e sexualidade se misturam, partindo de um pressuposto
machista que encara a feminilidade como fator de fra-
queza, por sua relação com gênero feminino. Homens
que performam outros tipos de masculinidades, não
hegemônicas (seja ela afetivo e sexual, seja ela compor-
tamental), são associados de forma depreciativa ao femi-
nino, reforçando a relação sexista existente entre homo-
fobia, machismo e a imposição de uma forma única de
masculinidade. Portanto, ao trazermos essas referências
ao texto, não estamos, de forma alguma, concordando
com os seus usos, mas, sim, utilizando-as como forma
de retratar uma realidade social na denúncia de que a
51
base do pensamento homofóbico é o machismo e a de-
preciação de tudo que se aproxima do feminino.
Butler (2019) nos ajuda a compreender melhor es-
sas questões ao explicar que as identidades de gênero
se materializam como uma relação existente entre sexo,
gênero, prática sexual e desejo. Essas características que
compõem a experiência dos sujeitos no mundo são, an-
tes de mais nada, constructos sociais e históricos, na qual
a heterossexualidade compulsória incide de forma dire-
ta na tentativa de forjar os corpos a partir de dicotomia
homem e mulher.
Com isso, ainda antes de uma possível consciência
identitária sexual e afetiva, a forma considerada “não
masculinizada” como eu atuava no mundo já me co-
locava dentro de um espectro da homossexualidade,
apontando que para os outros, havia em mim uma des-
continuidade e incoerência de gênero e sexualidade. O
comportamento, considerado desviante, era estigma-
tizado, censurado e haviam tentativas explicitas de me
“realocar” na performance de gênero típicas de quem
nasce biologicamente homem.
A postura coercitiva que meu pai e minha mãe toma-
vam, muitas vezes, diante do meu – lido por eles –“jeito
afeminado”, referendava que atuassem como vigiais da
performance de gênero em busca de uma normatização.
Essa ação, foi consequência de uma construção cultural
que, historicamente, coloca a família nesse lugar de bus-
ca e afirmação da heterossexualidade compulsória. Seria
o que Sarah Schulman (2009), entende por homofobia
familiar, que através de uma estrutura social dominante,
a dispõe como mecanismo de controle sobre a vida dos
homossexuais. É nesse sentido que, ainda dentro de casa,
a heteronormatividade, como bem retrata Junqueira
(2013), age sobre os corpos, hierarquizando, controlando
as identidades e comportamentos, naturalizando a hete-
52
rossexualidade, e legitimando-a como única expressão
sexual natural e aceitável.
A homofobia, construída historicamente a partir do
cristianismo e reestruturada no contexto ocidental mo-
derno, influencia o comportamento de todos os sujei-
tos dentro das culturas regidas por esses dogmas. Logo,
meus pais através de suas experiências sociais, enten-
diam a homossexualidade como uma forma não legiti-
ma de expressão afetivo-sexual, que precisava, a todo
custo, ser reprimida.
Dialogando com um dos pontos em que Vigotski
(2001) discute sobre este espaço social, podemos enxer-
gar com mais clareza como se organiza esse processo.
O autor nos explica que, embora a família nos permita
criar vínculos sociais sólidos, este meio é limitado e pou-
co complexo.
53
influenciando diretamente o processo de desenvolvi-
mento de crianças, adolescentes e adultos neste espaço
54
forçando sua competência e necessidade no processo de
aprendizado.
Apesar disso, este meio social, colocado como indis-
pensável na vida e desenvolvimento das pessoas, e seu
modelo tal qual o temos, tem sido utilizado para re-
forçar e referendar a heteronormatividade presente na
sociedade. Gusmão (2017), afirma que no processo de
segregação dos estudantes, as desigualdades presentes
na sociedade, comandam o acesso às diversas formas de
ensino e atuam diretamente dentro delas (das escolas).
A heteronormatividade, construída culturalmente, está
presente, então, nos processos educativos formais, edu-
cando, assim, os sujeitos deste ambiente, pautados em
normas heterossexistas.
Junqueira (2013) retrata que existe uma Pedagogia do
Armário, que por meio de dispositivos e práticas curri-
culares – que tem como norteador central as normas de
gênero – silencia, exclui e deslegitima corpos, saberes e
identidades não heterossexuais. Segundo o autor, a or-
ganização da escola, associando o currículo ao cotidiano
escolar, está estruturada para reforçar a homofobia e o
heterossexismo.
Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN
– 1997), publicados há mais de 20 anos, ressaltem a ne-
cessidade de que se abordem temáticas transversais a
vida cotidiana dos brasileiros, como orientação sexual e
pluralidade cultural nas diversas disciplinas, o que per-
cebemos, na realidade, é uma escola que negligencia a
diversidade afetivo e sexual de seus alunos, abordando
assuntos relacionados às sexualidades de forma simplis-
ta, baseada em um pressuposto biológico, heterossexual
e cisgênero (GUSMÃO, 2018).
Gusmão (2018), ressalta que, quando a escola nega
elementos que permeiam as questões de sexualidade
como afeto, corpo, prazer e sua construção cultural, ela
55
transparece a postura coercitiva que tem desempenha-
do em função da heteronormatização através do silêncio
discursivo. Silêncio este, que pautado numa estrutura
de poder hierárquica heterossexual, constitui nossas ex-
periências enquanto seres culturais.
Esse silêncio discursivo é marcado ainda pelo pres-
suposto heterossexual, que é continuamente reforçado:
56
de forma pejorativa, com apelidos como “viado”, “mari-
cas”, entre outros.
57
A homofobia abarca ainda aqueles, que não necessa-
riamente se reconhecerão como homossexuais, mas, que
de alguma forma não se encaixam dentro de um padrão
comportamental heteronormativo. A diversidade de
corpos e expressões, em suma, não é acolhido na escola
como uma dimensão do humano, mas apenas como algo
que precisa ser extinto em detrimento da massificação.
É de extrema importância ressaltar que embora par-
tamos de minhas experiências, a heteronormatização é
consolidada de diferentes formas nas mais singulares
realidades sociais e internalizada de maneiras específi-
cas pelos sujeitos que a sofrem. O conceito de intersec-
cionalidade nos ajuda, nesse sentido, a compreender a
relação das mais diversas estruturas de poder na vida
de uma única pessoa, diferenciando, por exemplo, as
opressões culturais na constituição identitária de um
homem bissexual branco, e de uma mulher negra e lés-
bica. Todos estes, vivenciados em um ambiente escolar
marcado pela abjeção e pela deslegitimação de suas ex-
periências e corpos.
À GUISA DE CONCLUSÃO
58
Embora os meios sociais tenham importância funda-
mental para o aprendizado, Vigotski (2001), esclarece
que os processos de desenvolvimento não são unilate-
rais, em que o ambiente seria o responsável único por
influenciar o organismo. Ao contrário disso, os proces-
sos educativos são dinâmicos e encarregam todos os per-
sonagens que estão neste âmbito de exercerem funções
participativas.
Com isso, ainda que determinado meio social desem-
penhe papel nocivo no desenvolvimento dos sujeitos, es-
tes, como personagens ativos e criativos do meio social,
são capazes de contrariarem tais influências:
59
de, de política e de identificação que desvinculem o eu
dos discursos dominantes da biologia, da natureza e da
normalidade (p. 73).
60
apenas uma espécie sobre a terra, ela certamente não
sobreviveria (GUSMÃO, 2018, p. 20).
61
tidas. Com isso, torna-se primordial que nos aproprie-
mos histórica, social e culturalmente dos ambientes que
ocupamos, para que sejamos capazes de conjuntamente
nos autorregularmos, trabalhando em prol de uma cons-
trução diversa deste meio.
Por estarmos inseridos em uma sociedade que enten-
de o diverso como anormal, reforçando estruturas de
dominação e de desigualdade, carecemos, mais do que
nunca, repensar nossas atuações de forma extremamen-
te cautelosa, começando por refletirmos que papel social
já temos assumido diante da diversidade - sejamos nós
professores, pais, mães, irmãos, irmãs, amigos, colegas
ou cidadãos. Em segundo lugar, devemos assumir a
existências do diverso nos ambientes que estamos inse-
ridos; quando está (a diferença) não existir devemos, en-
tão, trabalhar incessantemente em prol da inclusão. Sem
parar por aí, é preciso que lutemos pelo fim das desi-
gualdades sociais, a fim de que estas pessoas marginali-
zadas tenham suas experiências reconhecidas, legítimas
e respeitadas socialmente em todos os ambientes. Para
que, por fim, possamos organizar enquanto seres sociais
“um espaço totalmente democrático de celebração das
diferenças, entendendo estas como princípio básico da
constituição individual do sujeito a partir do outro no
meio social” (GUSMÃO, 2018, p. 42).
REFERÊNCIAS
62
BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e
subversão da identidade. Tradução de Renato de Aguiar
– 17ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.
63
text&pid=S0104-026X2001000200012&lng=en&nrm=i-
so>. Acesso em 5 out. 2018.
64
EDUCAÇÃO E
EMANCIPAÇÃO: REFLEXÕES
SOBRE AS RELAÇÕES
EDUCATIVAS
Angélica Bimbato1
angelbimbato@hotmail.com
INTRODUÇÃO
65
educação não é a “transmissão” dos conteúdos, então em
que ela se alicerça?
São as relações tecidas e desenvolvidas nos espaços
educativos entre educador e educando que possuem
uma boa parcela de importância no processo de desen-
volvimento dos que ali compõem e integram a comu-
nidade escolar e, defender um determinado posiciona-
mento sobre o que de fato é o fator de centralidade em
espaços institucionalizados, diz muito sobre que con-
cepções de ser humano e de sociedade queremos formar.
Há vertentes que colocam como indispensável a figu-
ra de um professor que supostamente detém o saber e
sobre o qual está assentado os pressupostos da aprendi-
zagem. O aluno, neste caso, apenas recebe os conteúdos
transmitidos na forma de verdade única e inabalável.
Há outras lentes que, pormenorizando a importância
da figura de um educador, focalizam no aluno todo o
processo. Não mais o ensino, mas a aprendizagem é co-
locada em evidência, ou seja, o que importa é saber se
este aluno está aprendendo ou não. Tende-se assim, a
pautar o rendimento do estudante por aquilo que ele
produz, aprende.
No primeiro caso, as possibilidades de se criar um
sistema autoritário são muito maiores. Não há questio-
namentos sobre a figura desse professor como único de-
tentor do saber, logo, as relações estabelecidas entre este
e seus alunos refletem uma hierarquização que em nada
contribui para desenvolvimento de uma consciência crí-
tica. Todo o espaço configura-se para uma disciplinari-
zação dos corpos e das mentes desses alunos (FOCAULT,
1997). Ao colonizar a mente, domina-se o sujeito que,
por meio da subjugação, reproduzirá a norma vigente.
Terreno fértil para uma padronização do pensamento.
Poda-se a dimensão criativa do ser e, com isto, a possi-
bilidade de fazer com que os educandos se apropriem
66
do saber e das ferramentas culturais, únicas capazes de
possibilitarem a transformação social.
Já no segundo, a limitação consiste em mensurar o
aluno de acordo com aquilo que falta. Se este não está
aprendendo, a responsabilidade recai sobre os métodos,
que podem não estar sendo tão eficazes. Melhorando-se
os métodos, melhora-se o desempenho. Este é o racio-
cínio que guia essa forma de pensar e de atuar. De cer-
ta forma, é uma educação que se destaca por favorecer
o produto em detrimento do processo. Pune-se o erro,
como sendo uma parte a ser descartada. Há também a
“etapização” do desenvolvimento do estudante, isto é,
para se atingir uma próxima fase, há uma dependência
das atribuições conquistadas na fase anterior. Essa é a
lógica do que aqui denominamos de mentalidade esco-
larizada (ILLICH, 2007).
Contudo, a base do processo educativo está em forta-
lecer o reconhecimento das experiências humanas que
ali se encontram, procurando assim organizar um am-
biente de tal maneira que, as potencialidades de cada um
possam ser utilizadas de forma a proporcionar a combi-
nação de novas formas de comportamento. Isso coloca a
relação como parte substancial de um caminho que visa,
a partir desta, o desenvolvimento da consciência e de
novas combinações de pensamento (VIGOTSKI, 2003).
Essa ideia contrapõe-se ao sistema hegemônico de
mente escolarizada, que ao contrário do explicitado aci-
ma, desconsidera e renega as experiências trazidas por
cada ente em seu processo histórico de constituição hu-
mana, social, cultural. O que de fato existe, é um ambien-
te artificializado, ditado pelo controle – dos corpos, do
tempo, do pensamento, das ideias, dos afetos, das repre-
sentações, dos sentimentos, das emoções - e que pouco
se relaciona com a vida e com as demandas que esta traz.
Centralizar o processo educativo ora no professor, ora
67
no aluno confere limitação ao mesmo, uma vez que as
duas formas se baseiam na sectarização. Tanto em uma
como em outra há partes isoladas que não se relacio-
nam com o todo e, segundo SPINOZA (2009), o todo
sempre será maior do que a soma das partes.
É uma educação dos reflexos condicionados (VIGOT-
SKI, 2003), não possibilitando ao ser humano o desenvol-
vimento de suas potencialidades, mas restringindo-se a
educar pela adaptação ao que lhe é imposto. Pode-se
perceber que uma educação pautada em estímulo-res-
posta, tendo por base a ideia de que a potencialidade do
educando está em produzir uma resposta condicionada,
ou seja, uma reação a determinado estímulo orientado
para uma determinada resposta, não é de fato uma edu-
cação que visa à liberdade, mas sim à servidão (SPINO-
ZA, 2009). Sobre servidão, Spinoza compreende
68
Talvez precisemos partir da constatação de que socie-
dades são, em seu nível mais fundamental, circuitos de
afetos […] Nesse sentido, quando sociedades se trans-
formam, abrindo-se à produção de formas singulares
de vida, os afetos começam a circular de outra forma, a
agenciar-se de maneira a produzir outros objetos e efei-
tos. Uma sociedade que desaba são também sentimen-
tos que desaparecem e afetos inauditos que nascem. Por
isso, quando uma sociedade desaba, leva consigo os su-
jeitos que ela mesma criou para reproduzir sentimentos
e sofrimentos (SAFATLE, 2015, p. 17).
69
ampliada da experiência das gerações anteriores como
experiência histórica (VIGOTSKI, 2003). Logo, para com-
preender quem somos, há um fio que nos conduz ao en-
contro do “outro”. Como lembra Tacca, “A experiência
do sujeito no convívio social possibilita que, no contato
com o outro, aconteça a construção e reconstrução dos
sentidos pessoais que organizam e integram o funciona-
mento da personalidade” (TACCA, 2004, p. 104).
Esse complexo processo de constituição da nossa per-
sonalidade ocorre então, a partir das trocas que estabele-
cemos com o mundo. Ao nos colocarmos enquanto sujei-
tos ativos desse processo, muda-se toda a compreensão
da essência da educação em nosso sistema. Quando
utilizada para fins utilitaristas, mercadológicos, temos
diante de nós um quadro de profundo esvaziamento
do ser humano. Ou seja, tornamo-nos desumanizados.
Uma educação que incentiva a competição, alegando
que para uns serem vencedores, outros têm de perder,
não possibilita ao sujeito a consciência de que o indiví-
duo só se constitui no meio social e que nessa relação, só
passamos a ser nós mesmos através de outros (VIGOT-
SKI, 2003).
Nesse sentido, cabe salientar que em ambientes edu-
cativos é preciso organizar espaços (VIGOTSKI, 2003)
em que ambos –educadores e educandos- possam, a
partir de suas experiências, dialogar com o mundo e que
a partir disso, surjam novas formas de se relacionarem.
Para isso, organizar ambientes em que o diálogo seja a
ferramenta principal para a solução de questões que sur-
gem a partir de uma realidade concreta, é fundamental.
A afetividade é parte indissociável da práxis pedagógica.
Se quisermos que um estudante se aproprie de um saber,
devemos nos concentrar no fato de que a educação nun-
ca é só intelectiva, como também emocional. Guardamos
70
na memória aquilo que possui alta intensidade afetiva.
Vigotski contribui com esse ponto da seguinte maneira
71
É pelo reconhecimento da capacidade inerente de
cada ser humano, visto enquanto ser pensante, único,
que podemos falar de emancipação. É pelo aspecto irre-
petível das experiências individuais, com múltiplas pos-
sibilidades de significação, podendo só ser construídas
e desenvolvidas no momento próprio da relação, possi-
bilitando as bases para uma educação pautada na valo-
rização da dimensão criadora do ser humano. Como já
bem Vigotski escreve
72
educadas e não educadas, mas sim “andos”- processos,
pessoas em constantes transformações, educando-se uns
aos outros e a si mesmos. Por isso, já dito anteriormente,
abre-se espaço para desmistificar a centralidade do pa-
pel do professor enquanto uma figura social detentora
do conhecimento. Vejamos,
73
(2009), podemos dizer que o professor não é a única cau-
sa do desenvolvimento dos educandos, mas, uma delas,
talvez, da maneira que se encontra organizada hoje, por
uma influência de mentalidade escolarizada nas institui-
ções de ensino, a que mais prejudique o processo educa-
tivo, quando se assume detentor do saber.
Considerando a educação como sinônimo de vida,
somente ela, a Vida, é capaz de direcionar os rumos na
forma como cada um entende e se apropria de seu sa-
ber (VIGOTSKI, 2003). Neste momento, desconstrói-se
a ideia de que seria o docente, o único responsável por
todo esse decurso. É o educando que agora se apode-
ra também da responsabilidade por seu próprio cresci-
mento (ILLICH, 2007). Com isso, educador e educando
organizam-se, nos espaços educativos, por meio de uma
relação dialética e simbiótica, em que não há como mais
distinguir quem aprende ou quem ensina, visto que, no
reconhecimento de todas as formas de se aprender e de
se desenvolver, estão impressos valores únicos e irrep-
tíveis de se ver o mundo, dando a entender que é por
meio da valorização das relações que abre-se espaço
para o desenvolvimento da dimensão criadora, das his-
tórias e experiências que cada um traz consigo e é onde
se fundamenta a possibilidade de criação de um espaço
de verdadeira atuação do ser, enquanto humano.
CONCLUSÃO
74
atuação, é dinâmico – e não estático, ao contrário do que
somos habituados a pensar. Nesse espaço em que tudo
pode acontecer, ressaltar o lugar das relações dos agen-
tes que o compõe é de total primazia para permitir que
ali se desenvolvam práticas que visem o pleno desenvol-
vimento do ser humano.
O conhecimento, enquanto um mediador do ato pe-
dagógico é, por si só, um afeto. Embora tenhamos uma
sociedade que exalta a aquisição do mesmo, em contra-
partida, pouco o enxergamos no seu grau de afetividade.
Se, para Paulo Freire (1987), é preciso conhecer o mundo
para transformá-lo, é por meio dessa mesma lógica que
entendo que essa transformação do mundo a qual acre-
ditava o autor e que também aqui por mim é defendida,
passa por uma consciência da forma como afeto e sou
afetado. Por isso as relações são o ponto de partida do
processo de desenvolvimento. É impossível viver sem se
relacionar com o mundo, com as coisas, com as pessoas e
com sigo mesmo -uma vez que estar vivo implica a ideia
de estar em relação.
REFERÊNCIAS
75
PEDERIVA, Patrícia. Práticas educativa para o desen-
volvimento da musicalidade das crianças na educação
infantil. Em: Teoria histórico-cultural na educação in-
fantil: conversando com professoras e professores. Sina-
ra Almeida da Costa - Suely Amaral Mello (Orgs.). Curi-
tiba: CRV, 2017.
76
ESPAÇOS DE
PERTENCIMENTO:
UMA REFLEXÃO SOBRE
CAMINHOS EDUCATIVOS
Fernanda Chaves de Souza1
fernandachavessouza102@gmail.com
Beatriz Rezende2
rezendesbia@gmail.com
INTRODUÇÃO
77
Pedagogia, da Universidade de Brasília. Dessa forma,
fizemos uma retomada de nossos processos educativos,
por meio do resgate dos espaços em que já estivemos e,
nos quais, nos sentimos pertencentes ou não. O ambien-
te acadêmico também compõe essa reflexão, no sentido
de compreender as marcas que essas experiências têm
nos deixado.
Falar de pertencimento é falar de muitas formas de
ser e estar no mundo. Envolve o que está ao nosso redor
e tudo que nos forma como seres humanos na cultura e
natureza. Incluímos aqui o conceito de natureza, já que,
nossos comportamentos e hábitos sociais, costumam
desprezá-la.
Quando percebemos o ambiente em que estamos, nos
tornamos mais atentos a ele. Isso cria condições junta-
mente com outras pessoas, em relações de cuidado e
acolhimento, de transformá-lo, a partir de intencionali-
dades e necessidades comuns. Pertencer, no que tange
aos processos educativos, é sentir-se confortável para
questionar e ser questionado; desafiar e ser desafiado;
tudo isso de forma receptiva, aberta e dialogal. É cons-
truir com os outros, e consigo mesmo um espaço alegre
de possibilidades.
Os sentidos de pertencimento em espaços educativos
têm sido renegados, colocados em segundo plano, a fa-
vor de outros hábitos que se entendem como prioritários
nesse contexto. Avaliar, quantificar, segregar, preparar
“para”, etc. Para nós, a noção de pertencimento, como
colocada anteriormente, é vital para se pensar educa-
ção. Entende-se, igualmente, que o cultivo de relações
de pertencimento em educação possibilita que isso seja
extrapolado para outros ambientes sociais.
78
A ESCOLA E O NADA: A PERDA DO
SENTIDO EM EDUCAÇÃO
79
mos, então, suas funções e intencionalidades, perceben-
do o quão limitada ela pode ser ao não reconhecer as
singularidades e experiências das pessoas com quem se
lida. Principalmente, ao levar em consideração os con-
textos e subjetividades dos processos educativos de cada
um. De acordo com Paulo Freire (1987), estamos cami-
nhando para uma pedagogia que “partindo dos interes-
ses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa
generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humani-
tarismo, mantém e encarna a própria opressão. É instru-
mento de desumanização.” (FREIRE, P. 1987, p. 22).
Com isso, o ambiente da escola se configura em um
meio que desestimula as noções de coletividade, uma
vez que, ao invés de criar um elo, que preze pela po-
tencialidade das pessoas e das qualidade das relações,
unindo-as pela singularidade de seus caminhos, acaba
por isolá-las. Outro aspecto que dificulta a criação de
um sentimento de pertencimento é o incentivo à com-
petitividade e a quantificação do conhecimento, posto
que o outro passa a ser visto como um adversário ou
um obstáculo, enquanto poderia ser um companheiro
de caminhada.
Em muitos casos, o espaço escolar se torna um am-
biente de despotencialização da nossa humanidade. É
importante enfatizar que o conceito de humanidade,
aqui, se dá por aquilo que nos torna humanos, que se-
gundo Vigotski (1931) é a relação com os outros e consi-
go mesmo. Ele diz ainda que:
80
Dessa forma, percebemos que, ao invés de nutrir la-
ços e potencializar o sentimento de pertencimento, o es-
paço escolar desvaloriza e até ignora as relações que lá
são desenvolvidas. Por meio de relações autoritárias e
hierárquicas, como dito anteriormente, o sistema educa-
tivo traça e incentiva o desenvolvimento individualista
e raramente foca em construções coletivas e nas singula-
ridades. Isso nos faz reféns desse sistema para atender a
um padrão freireanamente bancário onde, não é levado
em conta as reflexões sobre sua real intencionalidade e
finalidade para a sociedade.
Assim, inseridas dentro desses ambientes escolariza-
dos nos quais apenas reproduzimos padrões, observa-
mos que, dentro destes, inclusive na universidade, não
havia sentido entre a teoria que se prega e a prática vi-
venciada. Isso, já que, em nosso cotidiano, os discursos
sobre repensar a educação e seu molde bancário eram e
ainda são constantes. Embora as ideias fossem de incen-
tivo à mudanças, estas perdiam o sentido em sua prática,
visto que não éramos notados como pessoas de intencio-
nalidades e potencial de transformação de nossa reali-
dade, apenas como meros reprodutores sem o compro-
misso de pensar sobre nossas ações. Acerca isso, Paulo
Freire (2016) diz:
81
modos operantes, nos tornamos mais inquietas diante
dos processos educativos que vivenciávamos e de seus
propósitos contraditórios que não nos contemplavam.
NOSSOS CAMINHOS
82
e de colocá-lo a serviço do desenvolvimento nacional
(RIBEIRO, 1995, p. 7).
83
Com isso, nossos caminhos dentro da universidade,
principalmente na Faculdade de Educação, estão sendo
trilhado de forma a refletir sobre esses lugares de perten-
cimento, e como eles nos trazem esse sentimento dentro
dos espaços físicos e sociais em que estamos inseridas.
Nossa caminhada pela graduação se iniciou com a
sensação de não pertencimento ao ambiente em que es-
távamos, tendo a percepção que as conexões estabeleci-
das eram superficiais, apenas atendendo a padrões ins-
tituídos que eram aceitos sem questionamentos. Essas
relações, tais quais professor-aluno, aluno-aluno, aluno-
-espaço são convencionalmente estruturadas de forma a
favorecer o distanciamento das ações em torno do cole-
tivo, pois sempre nos levavam a vivenciar os processos
em que a finalidade acontecia no âmbito individual, no
sentido da avaliação e da quantificação.
Essas situações aconteciam cotidianamente, e nos
afetavam de forma a não nos despertar interesse pelos
outros e nos distanciar das relações. Dessa maneira, nós
vivenciávamos uma sensação de exclusão, que é “não
encontrar nenhum lugar social, é o não pertencimento a
nenhum topo social, uma existência limitada à sobrevi-
vência singular e diária.” (TUNES, Elizabeth. 2011, p. 17).
Com isso, nossos sentimentos dentro da graduação esta-
vam esvaziando-se e culminando no não pertencimento.
OS BONS ENCONTROS
84
Diante de todas essas inquietações em nossos per-
cursos educativos, decidimos procurar na graduação
ambientes que pudessem proporcionar relações im-
pulsionadoras diante das nossas ações. Esses espaços
constituem, conjuntamente, uma formação que vai além
de ver e ouvir ideias e ideais. Eles prezam pela expe-
riência, pelo ser, pelo agir, pela criação e pelo constante
movimento.
Dentro disso, projetos como, Programa de Educação
Tutorial - PET4, o projeto de extensão Semeadores de Inves-
tigação (Semillero): educação, transformação e alegria na prá-
tica docente5 vem trazendo o sentido de pertencimento
em nossos caminhos. Dentro desses ambientes, temos a
possibilidade de (re)pensar e questionar o espaço educa-
tivo no qual nos inserimos dentro e fora da universidade,
e nos espaços educativos no qual almejamos estar como
educadoras em formação.
Estar nesses ambientes é vivenciar a autonomia, a di-
versidade, a diferença, e o olhar para o outro percebendo
suas subjetividades. É compreender que esse outro aju-
da a me constituir na cultura e na natureza, contribuin-
do para um novo modo de ser e de agir. Sendo assim, o
sentimento de pertencer a essa realidade ganha força, no
sentido de nos firmar no mundo por meio de relações
que carregam esses mesmos ideais de coletividade.
85
Os encontros que ocorrem no decorrer desse cami-
nhar que está sendo trilhado aqui, nos mostram uma re-
volução nos modelos de relações convencionais impos-
tos em grande parte dos percursos educativos. Tendo em
vista que, estes se dispõem de maneira a compreender e
reconhecer os processos que cada um passa. Isso ressalta
como o sentimento de pertencimento pode ser estabele-
cido a partir desses elos.
Entendemos, então, que o sentimento de pertenci-
mento é estabelecido através das qualidades das expe-
riências e das nossas relações com alegria, que aqui se
compreende por ser “um afeto pelo qual a potência de
agir do corpo é aumentada ou estimulada” (SPINOZA,
2016, p. 315). Destaca-se, o conceito de alegria por ser o
sentimento que elucida nossa prática diária. Dessa ma-
neira, nosso modo de afetar e ser afetado dentro dos gru-
pos afirma nossa força de agir que, se organiza de modo
ativo, mostrando nossa relação com o todo e as partes.
Esse sentido do coletivo que os grupos trouxeram
fez com que nossos percursos se tornassem mais leves,
alegres e dinâmicos, fazendo com que nos sentíssemos
à vontade para agir sobre eles. Nossos movimentos em
torno de nós mesmas e do grupo nos mostram possibi-
lidades de transformação, de ações comprometidas em
transformar conscientemente nossa realidade.
CONCLUSÃO
86
Junto com a crescente complexidade da vida, o ser
humano incorporou relações sociais cada vez mais
complicadas e diversas, passou a participar das mais
diferentes formações sociais e, por esse motivo, toda a
diversidade das relações sociais do ser humano contem-
porâneo não pode ser totalmente abrangida por certos
hábitos ou por aptidões preparadas antecipadamente.
Nesse caso, o objetivo da educação não é o de elaborar
determinada quantidade de aptidões, mas capacidades
criativas para uma rápida e criativa orientação social
(VIGOTSKI, 2003, p. 106).
REFERÊNCIAS
87
TUNES, Elizabeth. Sem escola, sem documento. Rio de
Janeiro: E-papers, 2011.
88
DIMENSÕES DA
ORGANIZAÇÃO DOS
ESPAÇOS EDUCATIVOS: DAS
ESTRUTURAS FÍSICAS ÀS
RELAÇÕES SOCIAIS
Patrícia Bittencourt1
patriciabittenr@gmail.com
INTRODUÇÃO
89
de crianças no Brasil, evidenciou-se, na pesquisa citada,
que a grande maioria delas, em sua trajetória histórica,
mantém modelos que não valorizam as relações e a im-
portância destas para o desenvolvimento humano. As
instituições legitimadas para o ensino, as escolas, têm
sido idealizadas como modelos que prezam a indivi-
dualidade, de modo, a possibilitar um processo de dis-
ciplinarização das pessoas, como bem aponta Foucault
ao falar da formação dos corpos dóceis e da sociedade
disciplinar.
90
[…] os jovens são pré-alienados pelas escolas que os
isolam, enquanto pretendem ser produtores e consu-
midores de seus próprios conhecimentos, concebidos
como mercadoria que a escola coloca no mercado. A
escola faz da alienação uma preparação para a vida,
separando educação da realidade e trabalho da criati-
vidade. A escola prepara para a institucionalização alie-
nante da vida ensinando a necessidade de ser ensinado.
Aprendida esta lição, as pessoas perdem o incentivo de
crescer com independência; já não encontram atrativos
nos assuntos em discussão; fecham-se às surpresas da
vida quando estas não são predeterminadas por defi-
nições institucionais. A escola, direta ou indiretamente,
emprega a maior parte da população. A escola retém
as pessoas por toda a vida, ou assegura de que se ajus-
tarão a alguma instituição (ILLICH, 1985, p. 60 - Gri-
fos nossos)”.
91
um devaneio, que pouco se conecta realidade material.
Assim, para o autor, a criação possibilita a alteração do
meio circundante, pois, partindo das experiências sociais,
individuais e históricas, a realidade pode ser combinada,
cristalizando-se no meio relacional como algo novo.
Compreende-se que as experiências não se limitam
a simples acumulação de vivências, mas, constituem-se
em um processo dinâmico que emerge na relação com
o outro e o meio, estando sujeita a diversas transforma-
ções e significações diante de quem as vivencia. Dessa
maneira, enquanto organizadores dos espaços educati-
vos (VIGOTSKI, 2003), os professores devem estar aten-
tos em oportunizar às crianças atividades que possibi-
litem experiências alicerçadas em bases qualitativas, já
que, por ser a experiência que fundamenta a imaginação
e, consequentemente, a criação, deve ser também a base
da educação. Assim, é necessário organizá-las de modo
que o educando perceba a sua possibilidade de criar.
Que lhe sejam oportunizados atuarem de modo criador
e expressivo no ambiente e por consequência a liberdade
para a modificação do espaço em que se encontra.
Vigotski destaca o caráter social da experiência, base
do processo educativo, evidenciando que o indivíduo
não existe no mundo sozinho, e que o nosso desenvol-
vimento ocorre por meio do outro, das relações. Assim,
o autor afirma que “pasamos a ser nosotros mismo a
través de otros”. (VIGOTSKI, 1995 p. 149 – grifos nos-
sos), destacando a importância das relações sociais na
formação do “eu”, da personalidade.
Diante das considerações apontadas, propõe-se aqui,
então, a reflexão sobre a organização social do espaço
educativo, que não considere apenas estruturas físicas,
buscando, também, organizar os diversos elementos
que constituem o ambiente, principalmente, as relações.
Assim, intenta-se, com base em Vigotski, demonstrar o
92
caráter essencialmente relacional do desenvolvimento
humano e, portanto, dessa forma, a necessidade de or-
ganização do espaço relacional que seja orientado por
objetivos distintos das escolas de mentalidade escolari-
zada, ou seja, que considere a colaboração, a dimensão
social e singularidade das vivências das pessoas e de sua
dimensão afetiva.
O DESENVOLVIMENTO DO EU-SOCIAL
93
to como al lado del objeto en cuestión y en el mismo campo
visual aparece un adulto (VIGOTSKI, 1996, pp. 308-309).
94
um período a outro, na qual ocorre a revolução organi-
zacional das estruturas da psique, que possibilitam uma
nova maneira de se relacionar interna e externamente
com o meio, assim, deve-se atribuir maior cuidado a
análise desses períodos, pois, é justamente nesses mo-
mentos que acontecem a reestruturação do eu.
95
desafiadores para os educandos, experiências que lhes
impulsionam o pensamento e possibilitem a criação.
O PROCESSO INTENCIONAL DA
EDUCAÇÃO: OS OBJETIVOS CONCRETOS
96
nos ateliês de atividades do pensador francês Freinet,
em que, organiza-se a sala em cantos com diversas pro-
postas de ação e idealiza-se que as crianças passem por
todos os cantinhos de trabalho durante o dia, de acordo
com seus interesses.
Entretanto, observou-se que apesar da estrutura fí-
sica existente, possibilitar um modelo pedagógico que
valorize a liberdade e a autonomia das crianças, ideal
da concepção de Freinet, as relações mantidas seguiam
um modelo característico da sociedade de mentalidade
escolarizada. Apesar da mudança do espaço físico, as
professoras reproduziam o método convencional que vi-
venciaram em seu percurso escolar, mantendo relações
hierarquizadas e foco no desenvolvimento cognitivo,
por conseguinte, fragmentando o ser humano.
Dessa maneira, buscando responder ao questiona-
mento feito por Horn, acredita-se que é a intencionalida-
de pedagógica que muda o espaço educativo. O espaço
físico é de suma importância para prática pedagógica,
entretanto, para uma mudança efetiva do modelo edu-
cacional devem-se alterar, também, as relações engen-
dradas nesse ambiente.
Ao alterar a maneira de se relacionar nesse espaço,
estamos também redimensionando sua estrutura físi-
ca. As relações são assim organizadas para possibilitar
a individualização da criança, o silêncio, viabilizando a
vigilância e o controle. No entanto, ao compreender que
a educação se destina a outros fins, que não se limitam
a cumulação de conteúdo e a submissão, é preciso tam-
bém, pensar em outras maneiras de organizar o espaço
educativo. Desse modo, questiona-se: Qual deve ser a
intencionalidade do processo educativo e que tipos de
espaços ela possibilita?
Ao falar dos objetivos psicológicos, Vigotski (2001)
aponta que a estrutura psicológica do processo educati-
97
vo é a mesma para um fascista, um revolucionário, um
funcionário, entre outros. A conduta humana está ligada
com o meio, sendo este um “fator decisivo na formação
da experiência individual [...] a estrutura do ambiente
cria e determina as condições das quais depende, em
definitivo, a elaboração de toda conduta individual” (p.
54). É na relação com o ambiente, nas experiências que
engendramos em meio a cultura, que nos é possibilitada
a ação, e o desenvolvimento das funções culturais, ou
seja, funções regidas pelas leis culturais, sendo assim,
nos educamos em nossa relação com meio social.
Dessa maneira, o autor afirma que o objetivo da edu-
cação “é totalmente concreto” e, portanto, que apenas
“objetivos concretos possam ser atribuídos ao processo
educativo”. Portanto, a educação não é neutra e serve
aos ideais de determinada classe é determinado tempo
histórico. p. 80).
98
cial, em que não se pretende “elaborar determinadas
quantidade de aptidão” que servem para a adaptação ao
que já está dado, mas “capacidades criativas para uma
rápida e criativa orientação social”(2001, p. 106).
Nas Obras Escogidas III: Problemas del desarrollo de la
psique, no capítulo 12,Vigotski (1995), se dedica ao tema
do domínio da própria conduta. Tal mecanismo é con-
siderado uma função cultural, possuindo origem social.
Segundo o autor, o domínio da própria conduta está
diretamente ligado aos processos da vontade e, apoian-
do-se em Espinosa, afirma que a “nuestra voluntad no es
libre, sino que depende de motivos externos” (p. 287) assim,
estão relacionadas com o ambiente, distinguindo-se da
concepção de livre arbítrio advinda do senso comum. O
autor faz uma distinção entre a vontade do homem e do
animal por meio da consciência do ser humano em re-
lação à situação criada. Tal conhecimento lhe possibilita
a liberdade de atuação nesse ambiente, desse modo, de
organizar e criar situações que influenciam sob sua von-
tade. Portanto;
99
conduta baseada em mecanismo involuntário para uma
voluntária.
O PAPEL DO PROFESSOR:
ORGANIZADOR DO ESPAÇO
EDUCATIVO
100
mínio dos mecanismos pelo qual significamos o mundo
e dominamos a nossa conduta.
Como aponta Vigotski (1995) “Toda función psíquica
superior fue externo por haber sido social antes que interna”
(p. 150). Tal afirmação possui grandes impactos ao pen-
sar-se sobre a educação. Traz-nos a ideia de correspon-
sabilidade, toda função psíquica superior por ter sido de
início social, existindo na cultura anteriormente ao nas-
cimento do indivíduo, faz que por meio dessas relações
estabelecidas com o outro, ocorra a elaboração da perso-
nalidade, do “eu”. Dessa maneira, o compromisso dian-
te a educação perde o seu caráter individualizante, se es-
tabelecendo mediante ao coletivo. Vigotski aponta que:
101
educativo pensado para a experimentação e para o diá-
logo, possibilita-se, também, um processo de emancipa-
ção da pessoa.
Portanto, ao conhecer como se estrutura a psique se-
gundo a perspectiva histórico-cultural, evidenciado a
impossibilidade de neutralidade na organização do am-
biente, destaca-se dois aspectos que devem ser evitados
pelo professor, corroborando para atingir o objetivo do
percurso educativo que propõe-se nesse texto, o domí-
nio da própria conduta: O primeiro deles diz respeito
à “facilitação” do processo de ensino e aprendizagem
por meio de imagens e resposta prontas. Percebe-se que,
atualmente, a crescente presença das tecnologias da in-
formação e a ditadura dos testes de larga escala, tem nos
levado a um tipo de ensino conteudista e reprodutor,
possuindo como fim a informação. Esse modelo da cópia
desinteressante e automatizada dificulta o pensamento.
O pensamento não independe da matéria, assim, com
o corpo tornam uma unidade, que possuem caráter dis-
tintos, mas dialogam juntos com o mundo circundante.
No contato com o ambiente o ato de pensar pode ser
desafiado ou não, sendo que, no espaço educativo in-
tencional, “é muito mais importante ensinar a criança a
pensar que comunicar à ela determinado conhecimen-
tos”(VIGOTSKI. 2001, p. 172). Acredita-se, portanto, que
professor possui a função de organizar o conflito, elabo-
rar atividades desafiadoras, oportunizando o pensar, o
investigar, o fazer.
102
riência anterior na solução da tarefa presente (VIGOT-
SKI, 2001, p. 173).
103
fenômeno da compreensão, atribui suma importância ao
ato de perguntar, para ele
104
ou seja, orientada pela compreensão da operação que se
imita, assim, perdendo de foco o desenvolvimento imi-
nente da criança.
CONCLUSÃO
105
mos ambientes neutros. Portanto a educação escolariza-
da sempre está orientada para determinada ideologia,
podendo contribuir para a submissão ou a emancipação
do ser humano.
Percebe-se que as instituições de ensino brasileiras
têm atuado na perspectiva do adestramento, em um mo-
delo conteudista que desconsidera a integralidade que
compõem a pessoa. Em contato com essas realidades,
vê-se a necessidade de organizarmos espaços distintos
desses que nos são apresentados, que considerem a pes-
soa em sua unidade biossocial. Assim, analisando a im-
portância do meio, espaço físico, relacional e simbólico
para o desenvolvimento humano, propõe-se uma nova
forma de pensar esse ambiente, em que haja a valori-
zação das experiências individuais, sociais e históricas,
possibilitando uma atuação consciente e relação livre
com o meio.
A proposta que discorremos nesse texto apresenta
como objetivo para educação, um processo educativo
intencional voltado para possibilitar o domínio da pró-
pria conduta, e para tal, é imprescindível a consciência
do mundo circundante. Destaca-se a imprescindibili-
dade da liberdade, para que na relação engendrada o
educando se conheça, em que de forma dialética entre
o externo e o interno aconteça a constituição consciente
do “eu”. Para atingir esses objetivos é importante que
o professor organize ambientes que ensinem a pensar,
estruturando o conflito e atividades que desafiem o es-
tudante a buscar soluções que ainda não existem em
seu repertório de experiências.
Consequentemente, ao possuir a função de organi-
zador do espaço educativo, considerando que o desen-
volvimento ocorre na relação com o ambiente, a respon-
sabilidade do professor frente ao percurso educativo é
imensa e, que, portanto, não se pode deixar essa elabo-
106
ração ao acaso ou seguir acriticamente o modelo indivi-
dualizante já posto pela tradição escolar. Assim, o pro-
fessor, procurando estruturar espaços que funcionem
a favor dos objetivos concretos por ele traçados, se faz
fundamental que conheça como o ser humano se desen-
volve, possibilitando ao pedagogo mecanismos de atua-
ção intencional e de estruturação de um caminho educa-
tivo próprio, que ocorre de acordo, e não em confronto,
com o modo pelo qual se estrutura psique.
Daí a importância de uma Psicologia Pedagógica, tal
como proposta por Vigotski, que convida a compreen-
der o percurso educativo para além dos métodos con-
vencionais que orientam o fazer das escolas, assim se
faz necessária, a compreensão do ser humano em sua
integralidade, enquanto ser social, e diante disso, o au-
tor aponta a psicologia pedagógica como “a ciência so-
bre as leis de modificação do comportamento humano
e sobre os meios de dominar essas leis” (Vigotski, 2001,
p. 43), ou seja, o conhecimento das leis que orientam o
comportamento e o desenvolvimento, a fim de organizar,
considerando as especificidades que de cada realidade
social, experiências educativas que sejam efetivas, possi-
bilitando as ferramentas necessárias para que o educan-
do domine sua conduta.
REFERÊNCIAS
107
_____. A Sociedade Punitiva. São Paulo, Martins
Fontes, 2015.
108
O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA
Emilly Saraiva da Silva1
emillysaraivads@gmail.com
109
Compartilho da ideia de que a escola deveria ser mais
uma possibilidade de um espaço educativo que permita
o desenvolvimento de cada estudante, levando em con-
sideração suas vivencias e necessidades, para um desen-
volvimento integral. Mas, o cenário que temos, até hoje,
em sua grande maioria, é de uma escola que apenas
impõe seus conteúdos e, que não está aberta ao diálo-
go. Freire (2003, p. 90) afirma: “como, porém, aprender a
discutir e a debater numa escola que não nos habitua a
discutir, porque impõe?”
Em toda minha trajetória na educação básica, nun-
ca entendi, ao certo, o motivo de estar ali, nunca ques-
tionei meus professores por nada, tão pouco o motivo
de “aprender” tanta coisa que não fazia o menor sen-
tido para mim, apenas segui e cumpri o rito social de
frequentar a escola, carregando a esperança e responsa-
bilidade dos meus familiares de “crescer e ser alguém
na vida”. Nesse sentido, posso afirmar que a escola não
é nenhum pouco atrativa, se não, pelo fato do contato
e interação com outras pessoas. Crer que a escola que
temos hoje está falida, mas, em contrapartida, acreditar
no poder de transformação que esse espaço tem, me leva
a refletir sobre seu papel social.
Silva (2016, p. 13), afirma que:
110
A nossa educação está paralisada e grita por mudan-
ças. Os corpos não podem ser mais silenciados, coloca-
dos em fileiras de mesas fixadas em quadrados sem co-
res, que denominamos de sala de aula, com uniformes
sempre iguais, escondendo a personalidade de cada um,
vivendo um dia após o outro em um ambiente autori-
tário, antidemocrático, que adoece, tanto os estudantes,
como seus educadores.
A escola é um espaço que vende a ideia de ser neces-
sária e importante para que se possa adquirir liberdade,
ou, ainda, ter um futuro próspero, para que possamos
“ser alguém na vida”, mas, que, também nos ensina a
competir, nos reprime, nos humilha, e que nos coloca em
formas engessadas de viver e de conviver, podando toda
nossa personalidade. Nos poda ao não nos dar ouvidos,
ao querer silenciar nossos corpos por meio de regras de
comportamento padronizados, define a hora que pode-
mos ou não falar, nos reprime quando não fazemos algo
dentro do esperado e planejado por ela, não permite ou
possibilita o debate ou expressão das mais diferentes
formas de culturas.
A educação é algo extremamente importante, pois é
garantida pelo Estado, por meio de todos os seus pode-
res (executivo, legislativo e judiciário), bem como pelos
níveis da federação (União, estados e municípios), que
devem não apenas garantir e oferecer condições para
o exercício desse direito, mas principalmente fiscalizar
seu cumprimento. Dada sua importância, devemos res-
saltar, que o Poder Público não é o único responsável
pela garantia desse direito, a educação também é dever
das famílias e da sociedade, que deve incentivar e cola-
borar para a realização desse direito, como previsto em
lei, no Art. 205 da Constituição “ a educação, direito de
todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
111
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho
(BRASIL, 1988, p. 123).
No Brasil, temos muitas leis que regem a educação,
que garantiriam, a princípio, uma educação mais respei-
tosa, humana e diversa, mas, será que de fato elas têm
sido cumpridas? Estamos diante de uma escola que não
enxerga sua contradição, que tem invertido valores, vi-
sando mais o mercado de trabalho do que a emancipa-
ção, que não prepara verdadeiramente para a cidadania.
São muitas as situações que me fazem questionar o
papel da escola e que me trouxeram até esse tema, prin-
cipalmente, por perceber que as pessoas se transformam
dentro de todos os ambientes pelos quais passam, todos
os meios que estamos inseridos tem uma função, e para
defender a escola, de alguma forma, é preciso entender
seu papel social.
DIALOGANDO HISTORICAMENTE
112
Já nas comunidades denominadas, preconceituosa-
mente, como primitivas, a educação acontecia informal-
mente e visava o ensino das práticas da vida coletiva,
das necessidades locais e para sobrevivência, “cada in-
divíduo tinha sua função e os ganhos eram repartidos
igualmente. Não havia excedente na produção e a socie-
dade vivia em função da subsistência coletiva” (BOM-
FIM; 2015). Mas, isso foi assim só até o surgimento de
novas técnicas de produção, que possibilitaram manu-
faturas em massa, fazendo com que as famílias tivessem
mais que o necessário e começassem a fazer intercâmbio
de mercadorias. Como resultado disso e a partir de pro-
cessos civilizatórios, que continuaram se desenvolvendo
ao longo da história, mas que não serão tratados nesse
artigo, os indivíduos foram condicionados a um pensa-
mento e forma de agir individualista, deixando de pen-
sar de forma essencialmente coletiva passaram a traba-
lhar pensando no acumulo de fortunas e nas concepções
de valor de cada trabalho.
A escola e a forma como se dá seu processo de esco-
larização, está inteiramente ligada ao desenvolvimento
do capitalismo, pois durante o período da Revolução In-
dustrial, houve a necessidade de mão-de-obra (barata)
para operar as máquinas e, para isso, era necessário que
os funcionários tivessem no mínimo uma instrução bá-
sica. Assim, a educação era oferecida à população como
forma de controle, pois a burguesia viu que através dela,
se poderia controlar e disciplinar de uma vez só, cente-
nas de trabalhadores.
A escola, no Brasil, também tem sido historicamen-
te, uma forma de controle social. Em aproximadamente
1550, os jesuítas criaram as primeiras instituições esco-
lares, que serviriam para formar sacerdotes e catequizar
os indígenas, além da educação da elite nacional. Seu
plano de atuação, o Ratio Studiorum, era totalmente in-
113
fluenciado pela cultura europeia e privilegiava uma cul-
tura idealizada pela Igreja Católica.
A educação pública estatal teve início na Alemanha e
na França, mas não tinha o interesse de atender a classe
trabalhadora. No Brasil, ela só começou a ser pensada
no final do séc. XIX, mas, o debate efetivo sobre educa-
ção, só passou a ser realmente feito no início do século
XX, com o movimento escolanovista na década de 20,
que surgiu como uma crítica à educação convencional
em busca da universalização do ensino no país. Tal mo-
vimento deu origem ao Manifesto dos Pioneiros da Edu-
cação Nova, em 1932, que defendia a bandeira de uma
escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita.
Mas, a escola não foi pensada para emancipar e edu-
car a classe trabalhadora e, sim, para essas classes mais
abastadas, pois os nobres viam a educação como uma
forma de controle social e manutenção da estrutura vi-
gente. Pois, aquele que obtivesse mais educação, estaria
no topo da escala social, e embora alguns tenham luta-
do para uma educação libertadora, como a proposta do
Manifesto dos Pioneiros, a escola que temos hoje, ainda
carrega muito desse pensamento.
A escola ainda tem muito que se reinventar, para su-
prir as reais necessidades das nossas crianças, jovens e
adultos, entretanto, é possível transformar esses espaços
positivamente, mas para isso precisamos dar ouvidos à
essas pessoas e buscar entender suas reais necessidades
e organizar um espaço educativo deles e para eles. Tendo
em vista todo o processo histórico apresentado até aqui,
podemos perceber que o modelo de escola que temos
hoje não consegue educar para a emancipação, pois se-
gue um modelo padronizador, engessado e hierárquico.
A educação, em grande parte, tem sido historicamen-
te e ideologicamente utilizada para a manutenção de de-
sigualdades, que são elas; desigualdade de gênero, racial,
114
regional e econômica, essa última, me inquieta muito,
pois, as classes mais pobres já enfrentam diariamente di-
versas dificuldades para sobrevivência e quando não se
pensa sobre a pobreza dentro das instituições de ensino,
na realidade de seus agentes, é comum ouvir e apontar
jovens pobres, como seres preguiçosos, sem dedicação
ao estudo, indisciplinados, jovens problemas, e com isso
compreender tal situação, como determinismo da condi-
ção social de cada um e não como consequência.
A ênfase na visão moralista da pobreza, traz conse-
quências para a escolarização dos pobres e isso ocorre
porque os esforços escolares não priorizam a garantia
do direito ao conhecimento. Freire (2018, p. 96) afirma:
“Não pode haver conhecimento pois os educandos não
são chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo
narrado pelo educador. ”
A ESCOLA DE VIGOTSKI
115
lo cheio de conteúdos e regras que não conversam com
suas realidades.
O aprender depende de necessidades autênticas e,
para isso, estudantes tem que se sentir parte do processo,
suas experiências devem ser levadas em consideração,
“o saber que não passa pela experiência pessoal não é sa-
ber. A psicologia exige que os estudantes não aprendam
apenas a perceber, mas também a reagir: acima de tudo,
educar significa estabelecer novas reações, elaborar no-
vas formas de conduta” (VIGOTSKI, 2003, p. 76).
A escola ideal não se difere do que temos registrado
em lei no Brasil, mas, não é garantida. Ela deve ser um
instrumento de inclusão social e não o contrário. Seu
principal papel social deveria ser o de contribuir para
a emancipação humana em sua a sua integralidade, res-
peitando o tempo de cada um, suas experiências e con-
cepções de vida.
A principal função de educadores no processo educa-
tivo no ambiente escolar, não é passar para os estudantes
todo o seu saber acumulado, mas sim, melhor organizar
o espaço educativo de forma que possibilite o processo
de desenvolvimento do estudante, tendo em vista que
a educação se dá por meio das experiências e é deter-
minada pelo ambiente. Vigotski (2003, p.:296), diz que
o professor “tem de se transformar em organizador do
ambiente social, que é o único fator educativo. Sempre
que ele age como um simples propulsor que lota os estu-
dantes de conhecimentos, pode ser substituído com êxi-
to por um manual, um dicionário, um mapa ou uma ex-
cursão”, seguindo essa mesma linha de raciocínio Freire
(2018, p.:95) afirma que;
116
crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade”
já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, au-
toridade, se necessita de estar sendo com as liberdades
e não contra elas.
117
surgindo daí a necessidade de transformação do mun-
do. Não devemos chamar o povo à escola para receber
instrução, postulados, receitas, ameaças, repreensões e
punições, mas, para participar coletivamente da consti-
tuição de um saber, que vai além do saber de pura expe-
riência feita, que leve em conta as suas necessidades e
o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe transfor-
mar-se em sujeito de sua própria história (FREIRE, apud
SALES 2016).
O processo educativo é algo muito amplo e complexo,
devemos considerar vários fatores para entendê-lo e as-
sim transforma-lo. Vigotski afirma que;
118
alguma medida, intervenham nos processos de cres-
cimento e os orientem. Nem todos os novos vínculos
que se fecham [formam] na criança, portanto, serão atos
educativos (VIGOTSKI, 2003, p. 82).
REFERÊNCIAS
119
FUJITA, Luiz. Qual foi à primeira escola? Disponível
em: <http://educarparacrescer.abril.com.br/gestao-es-
colar/qual-foi-primeira-escola425383.shtml>. Acesso
em: 28 nov. 2016.
120
DIÁLOGOS COM OUTROS
MODOS DE EDUCAR
Bruna Lopes Lima1
brunallima@icloud.com
121
As visitas à casa tiveram caráter semanal. Fizeram
parte de um projeto de extensão do Programa de Edu-
cação Tutorial da educação, PET-Educação, cujo intuito
é unir, por meio de sua atuação, pesquisa- ensino- exten-
são. Todas às terças-feiras, íamos à Casa, ao encontro das
crianças. Cada professor da Casa de Ismael é responsá-
vel por uma oficina- de arte- de corpo e movimento, en-
tre outras. O grupo do Programa de Educação Tutorial, o
PET, dividia-se nas atividades educativas para participar
das oficinas no “serviço de convivência e fortalecimento
de vínculos”, proposta pela instituição aos estudantes.
O PET-Educação agiu ativamente na organização do
espaço educativo nesse contexto, com propostas que vi-
savam sair do padrão comum de escolarização, que se-
rão esclarecidas a seguir. A escolarização, no sentido de
mentalidade escolarizada, confunde ensino com apren-
dizagem, obtenção de graus com educação, diploma
com competência. Aceita serviços em vez de valores (IL-
LICH, 2007, p. 7). Em sentido oposto a isso, organizamos
diversas atividades educativas para o desenvolvimento
das crianças, de modo mais respeitoso, dialogal e hori-
zontalizado.
Dentre as práticas organizadas, propusemos ativida-
des com músicas e movimentos corporais, que tinham
por intencionalidade desenvolver uma vivência ativa,
relativas à corporeidade por parte das crianças e, de in-
centivar a participação delas, de modo a promover um
espaço acolhedor. Com isso, permitir que as mesmas
pudessem, a partir de suas próprias experiências, criar
movimentos corporais diversos. Cada uma apresentaria
ao final da dinâmica, o que tivesse sido desenvolvido
durante a prática. Entretanto, ao final da atividade, al-
guns alunos não quiseram apresentar-se.
Posteriormente, pedimos para que as crianças tiras-
sem uma foto em grupo e, ao observá-la, percebi que
122
uma das crianças encontrava-se de costas em todos os
retratos. Essa mesma criança havia declarado que a di-
nâmica não lhe “apetecera” muito, pois, segundo ela,
não gostava dessa atividade, preferia estar em sala len-
do histórias em quadrinhos.
Foi por meio da experiência, com essa criança, que di-
versas indagações começaram a surgir para mim. Aces-
sei memórias de minhas vivencias escolares, práticas e
ações que eu tinha vivenciado na infância, em escolas
que frequentei, minha relação com professores e amigos,
acontecimentos que haviam marcado minha vida esco-
lar. “Comecemos por pensar sobre nós mesmos e trate-
mos de encontrar, na sua natureza do homem, algo que
possa constituir o núcleo fundamental no qual se susten-
te o processo de educação“ (FREIRE, 2014, p. 35).
Como estudante, passei por um processo de escolari-
zação comum. A partir da segunda série do fundamental
em escolas públicas, em que, apesar de vários momentos
educativos não estimulantes e de conflitos relacionais,
tive ótimas vivências, conheci professores que me incen-
tivaram a ser uma pessoa melhor, que colaboraram com
o meu crescimento e incentivaram a minha autonomia.
É impressionante notar o quanto podemos nos envol-
ver nas situações quando elas no causam encantamento,
e, também, quando aquilo que não nos interessa, não tem
tanta relevância para nossa vida. Durante a escolariza-
ção básica tive uma professora chamada Adriana que eu
adorava, ela era atenciosa, afetuosa, estava sempre preo-
cupada em manter o nosso interesse nas atividades, não
somente nos conteúdos programáticos, mas, também nos
momentos em que nos incentivava a nos reconhecermos
enquanto seres humanos autênticos e ricos de possibili-
dades, mesmo que esse processo tenha se dado de forma
inconsciente. Posteriormente, no Ensino Fundamental e
Médio, todas as matérias com as quais eu tive afinidade,
123
foram as que, de alguma forma, estavam ligadas à minha
boa relação com os professores. “Quando se admira um
mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender
o que o mestre sabe. Saber o que ele sabe passa a ser uma
forma de estar com ele. Aprendo porque amo, aprendo
porque admiro.” (ALVES, 2018, p. 73)
Na atual conjuntura, cursando o Ensino Superior em
pedagogia na Universidade de Brasília, várias portas se
abriram nesse percurso. Pude perceber ainda mais, que
o processo educativo está para além desse sistema hie-
rarquizado, no qual somente o professor detém o saber.
Os saberes são múltiplos, não são adquiridos somente
na escola, nem por um professor dizendo o que você
deve ou não fazer. Os diversos tipos de conhecimentos
se dão ao longo da vida e em todos os ambientes.
A partir disso, surgiram algumas reflexões que per-
meiam o presente artigo: o que acontece quando você
chega numa sala de aula em que os alunos não respon-
dem de acordo com a sua intencionalidade educativa,
como na situação relatada no início desse texto? Seria
por falta de oportunização dos espaços a partir de seus
interesses reais? Seria pelo fato de que os sujeitos em si-
tuação de vulnerabilidades social são comumente julga-
dos como incapazes? Ou, pelo preconceito racial?
Junto a essas angústias, as dúvidas mais frequentes
eram: será que estou no lugar certo como educadora?
Será que teria condições e recursos para lidar com esse
tipo de situação? Será que saberia lidar com todos os
problemas de uma sala de aula que não tem nada a ver
com a “parte educativa”? O que é ser pedagogo? Até
onde vai o papel do professor? Qual o papel do educa-
dor frente a um aluno?
No meio do caminho, encontrei autores como Paulo
Freire e Vigotski, os quais me mostraram que não bas-
ta “saber dar uma aula” de um determinado assunto,
124
sendo um mero expositor da disciplina. Não adianta ter
somente o título de pedagogo. Muitas vezes, os estudan-
tes não vão lembrar-se desses conteúdos programáticos,
mas, das relações estabelecidas nesse processo. Com isso,
iniciei minhas reflexões acerca do que entendo por edu-
cação e qual seria o papel do professor, que será apro-
fundado ao longo do texto.
DIÁLOGOS NECESSÁRIOS
125
de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão (BRASIL. Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 65, de 1988).
126
alienantes. Este se apossa das nossas formas de estar no
mundo, de tal maneira, que não se entende o ser huma-
no como alguém que É, mas, como alguém que precisa
“apenas”, estar pronto para o trabalho (“cumprir um pa-
pel de mão de obra”).
Isto posto, impõe-se uma lógica de fragmentação da
pessoa em prol de uma racionalidade pré-determinada,
desconsiderando as potencialidades dos modos de estar
no mundo, quando não são de acordo com os valores
do capital. Propostas de um ensino tecnicista tais como
– “não pense”; “saia da escola pronto para o mercado de
trabalho”. Além disso, desqualificam as experiências
não escolares dos discentes, desconsiderando pratica-
mente todas as aprendizagens prévias dos mesmos.
127
tos, mas educar com aptidão de adquirir esses conheci-
mentos e valer-se deles” (VIGOTSKI, 2001, p. 296).
É preciso, como educadores, perceber a educação, os
professores e as formas de que modo os espaços educa-
tivos são organizados tem despotencializado os alunos,
para então buscar meios possibilitar o desenvolvimento,
de maneira que integrem tanto o aluno quanto o edu-
cador. Por conseguinte, faz-se também necessário, pen-
sar uma educação embasada em outros valores que não
sejam desrespeitosos, de extrema individualidade, indi-
ferença e competitividade. Como afirma Illich (2007, p.
42) “os valores institucionalizados que a escola inculca
são valores quantificados. A escola inicia os jovens num
mundo onde tudo pode ser medido.” Daí a legitimação
de um discurso de categorização dos saberes, em que as
pessoas tomam pra si que os valores podem ser atingi-
dos e medidos, dispondo-se a aceitar qualquer espécie
de hierarquização.
128
da própria experiência do aluno, que é totalmente deter-
minada pelo ambiente; a função do professor se reduz
a organização e a regulação do ambiente.” (VIGOTSKI,
2001, p77).
A perspectiva histórico-cultural permite o diálogo
sobre questões educativas, tais como formas de apri-
moramento de educadores, com a intencionalidade de
instigar estudantes a se perceberem como coautores de
seu crescimento e, a partir disto, possibilitar experiên-
cias no decorrer do processo de empoderamento de si.
A consciência como ferramenta para a autoeducação é
a propriedade de regular o próprio comportamento.
Para Vigotski
129
um, pela liberdade e responsabilidade, pela ética, pelo
diálogo, pela criação, pelo compartilhar. É preciso de-
sierarquisar, descurricularizar, despadronizar, praticar
conhecendo e conhecer praticando, aqui e agora (PE-
DERIVA, 2013, p. 153).
130
(BARROS; PEQUENO; PEDERIVA, 2019). É a unidade
das sínteses humanas, compreendendida não como cor-
po e mente, mas unidade corpo-mente, afeto-intelecto.
Segundo Paulo Freire (2014, p. 86) “se não houvesse essa
integração, que é uma característica das relações do ho-
mem e que se aperfeiçoa na medida em que se faz crítico,
seria apenas um ser acomodado e, então, nem a história
nem a cultura – seus domínios- teriam sentido”.
As diferentes formas de educadores se posicionarem
frente à educandos, refletirão no desenvolvimento de
sua personalidade. Os modos como o educador tratam
os seus alunos deixam marcas. O ser humano está em
constante mudança e desenvolvimento. À medida que o
professor vai criando relações com seus educandos, am-
bos vão transformando suas vidas.
Entretanto, é difícil perceber-se como autor do pró-
prio caminho de formação, visto que temos a liberdade
podada em nossos processos educativos e em diferentes
espaços, pois, passamos a vida inteira recebendo ordens
e reproduzindo o discurso do que nos é imposto na es-
cola e em outros espaços educativos. “Não basta ser um
professor inspirado, porque nem sempre essa inspiração
chega ao aluno. Seria melhor fazer com que os alunos se
entusiasmem por si mesmos” (VIGOTSKI, 2001, p. 299).
O processo educativo é único, singular para cada ser
humano, depende das experiências vivenciadas, de coi-
sas que ficaram marcadas nas pessoas e no desabrochar
de inquietações e questionamentos, para assim, desen-
volvermos o nosso posicionamento frente ao mundo
e às pessoas. “Em suma, só a vida educa” (VIGOTSKI,
2001, p. 300).
É libertador quando a busca de conhecimento apro-
funda o olhar sobre o ser humano e nos transforma a
ponto de mudar a nossa forma de agir.
131
A educação é uma resposta da finitude da infinitude. A
educação é possível para o homem, porque este é ina-
cabado e sabe-se inacabado. Isto leva-o à sua perfeição.
A educação, portanto, implica uma busca realizada por
um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito
de sua própria educação. Não pode ser objeto dela. Por
isso, ninguém educa ninguém (FREIRE, 2014 p. 34).
132
breviveu à ação purificadora do esquecimento. O apren-
dido é aquilo que fica depois que o esquecimento fez seu
trabalho”.
Após o diálogo com essas outras formas de educar,
um interesse genuíno pela educação nasceu em mim.
Possibilitou-me uma reflexão profunda sobre os meus
posicionamentos e atitudes, não somente ao estar de
frente a uma criança, mas convidou-me a estar atenta
a regulação de meu comportamento frente a qualquer
outro Ser humano.
Apesar das angústias que foram geradas a partir da
consciência sobre o ato de educar, gostaria de reiterar
que isso é um exercício diário de coerência, pois, nin-
guém nasce pronto, como donos de uma verdade ou sa-
ber superior aos outros, não se pode mudar do dia para
a noite. Mas, na prática cotidiana, vamos percebendo e
encontrando caminhos para transformar de modo cria-
dor o que está ao nosso alcance, rumo aquilo que alme-
jamos ser. Educadores.
REFERÊNCIAS
133
BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-
sil. Brasília: Senado Federal, 1988.
134
O PAPEL SOCIAL DA ESCOLA
NA EDUCAÇÃO DAS
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO
DE ACOLHIMENTO
INSTITUCIONAL
Letícia Cardoso Rosas1
leticia.rosas1810@gmail.com
135
pletem 18 anos, supervisionadas por mães sociais; ofici-
nas em turno contrário a atividade escolar e uma escola
de ensino fundamental.
Minhas observações, ocorridas nessa instituição, se
deram no serviço de convivência, que propõe oficinas
socioeducativas relacionadas a arte, saúde e higiene, cor-
po e movimento, entre outras, em turno contrário às ati-
vidades escolares, para crianças e adolescentes de 6 a 14
anos, em que algumas moram na instituição e outras não.
Depois de alguns meses de observação nesse contexto,
na condição de estagiária do curso de Pedagogia, come-
cei a refletir e a perceber como àquelas crianças são “es-
quecidas” pela sociedade e, como, por exemplo, quando
ocorrem debates sobre políticas públicas na educação,
de modo geral, crianças de lares institucionais não são
lembradas nem incluídas nessas discussões.
Quando se trata de crianças em vulnerabilidade, leva-
mos sua condição social mais em conta do que a pessoa,
o ser que está ali, para além do estigma, porém, essas
crianças são muito mais do que números ou pesquisas.
Ser criança nessa situação é muito além e mais
complexo do que apenas uma condição social, elas são
seres pensantes, estão em desenvolvimento a todo o
momento, chegaram há pouco tempo no mundo, mas
já se fazem pertencentes dele. Estas que me refiro e, que
estão nessa situação de instabilidade, e que moram em
lares de acolhimento, então, possuem um lugar social
inferiorizado, e, dessa forma, acabam sendo esquecidas
pela sociedade, sendo colocadas apenas dentro de um
sistema que para muitas não funciona e, para, além dis-
so, não possuem local de fala.
Pelas minhas vivencias, no contexto citado, pude per-
ceber que muitas delas, acabam crescendo revoltadas
com uma situação na qual nunca se sentiram ampara-
das e pertencentes ao local que são colocadas para morar
136
ou estudar e que nunca puderam ou não sabiam como
questionar, por sempre se sentirem sozinhas e sem saber
a quem recorrer.
Isso se tornava bastante perceptível quando chegáva-
mos à instituição e víamos que os trabalhos que fizemos
com as crianças, enquanto estudantes em estágio, na
semana seguinte, já haviam sido destruídos, de alguma
forma, por alguns dos que moravam lá. Nós entendía-
mos que aquilo era uma forma de expressarem toda a
sua raiva, ou, talvez, apenas uma forma dessas crianças
chamarem a atenção por estarem se sentindo esquecidas.
De modo geral, se pararmos para refletir sobre a in-
serção das crianças no ambiente escolar, percebe-se que
para muitas, o primeiro dia de aula é terrível, e pautado
por choros e desesperos. Estas são retiradas do conforto
de seus lares onde apenas faces conhecidas as rodeiam,
e são levadas para um ambiente totalmente diferente, ou
seja, retiradas do colo de seus responsáveis e colocadas
numa sala com diversos outros rostos e com um adulto
que não conhecem, que as recebem enquanto seus res-
ponsáveis vão embora. Esta é uma experiência muito
forte, uma troca de realidade muito chocante de um dia
para o outro, e que aos poucos, estas vão se acostuman-
do e começando a entender que aquilo agora faz parte
de suas rotinas.
Mas, como seria essa experiência com uma criança
que já está acostumada a mudar de ambientes por não
ter um local fixo para ficar, não ter rostos familiares e
conhecidos sempre por perto? Como esta adaptação se
faz? Qual o sentido disso para estas crianças, que não
possuem responsáveis, para explicar que logo mais esta-
rão de volta para leva-la para seu lar?
137
CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL E A
ESCOLA
138
a noção de que são, além de como a população as julga,
como seres de piedade, e que não possuem sua trajetória
fracassada de antemão. Porém, muitas vezes, a institui-
ção visa trabalhar apenas com alunos padronizados pelo
estigma do sucesso, esquecendo-se da diversidade so-
cial, que se torna menos atrativa para os alunos que não
conseguem se identificar com tal modelo, como afirma
Tunes (2011): a regra máxima da escola é uniformizar. A
autora, também afirma que a escola possui o ideal de
controle social do aprendizado, ela requer a padroniza-
ção do processo de aprender colocando-o de forma sub-
missa ao processo de ensinar, e nesse sentido:
139
Quando algo na casa não estava em seu devido lugar,
ou alguma atividade que tínhamos deixado no ambiente
aparecia destruída, as crianças rapidamente apontavam
que eram os residentes da casa os culpados por isso, e
no momento em que sugeríamos que a atividade rea-
lizada ficasse exposta, as próprias crianças indagavam
o porquê, se já tinham a certeza que os moradores não
respeitariam. Assim, algumas preferiam levar para casa
para ter a garantia que sua atividade não seria violada,
por muitas vezes não conhecerem as circunstancias que
as crianças em situação de abandono vivem.
Buffa et al. (2011), apontam que a escola pode ser um
espaço tanto de construção como de desconstrução de
preconceito acerca da criança abrigada. Visto isso, espera-
-se que os professores saibam quem são seus alunos, que
situação os levou ao afastamento de sua família e como, a
exemplo de um plano de aula, pode deixá-los mais con-
fortáveis e se sentindo mais próximo das outras crianças,
para que assim não sejam excluídos por outros alunos.
A experiência pessoal de cada aluno é a base para um
bom trabalho pedagógico, um dos maiores equívocos da
escola é querer a passividade do aluno e menosprezar
suas experiências. Sendo assim, a educação não deve
ser feita para que o professor eduque alguém, mas sim,
para que este ser eduque a si mesmo, como afirma Vi-
gotski (2003).
Quando a escola, então, ignora a história desses alu-
nos por se tratarem de uma minoria em sala de aula, e
por querer que todos se adequem ao padrão ali estabele-
cido, isso só faz com que cada vez mais, tais crianças se
sintam menos motivadas e não pertencentes ao ambien-
te escolar, que deveria ser um local seguro e não retratar
e/ou reforçar comportamentos que levam essas crianças
a situações de desconforto e humilhação, por ser um se-
140
gundo ambiente que ela frequenta e passa uma grande
parte de seus dias.
A escola deve ser um ambiente onde a singularida-
de, a experiência, o cotidiano, a cultura e a vivência de
cada aluno faça parte de seu desenvolvimento e da sua
integração com a sociedade para que ela mesma possa
reconhecer e respeitar a sua realidade social, como afir-
ma Martins (2017).
141
Com essas recriminações que as crianças sofrem por
serem tidas como “problemas”, a escola não consegue
garantir sua permanência na instituição a medida que
elas vão crescendo, por não se sentirem pertencentes.
De acordo com Martins (2017), isso acontece pela ine-
ficiência do sistema público que garante todas as formas
de educação escolar para essas crianças, mas, que não
consegue avançar no que se diz respeito à permanência
delas na instituição. Assim, o número de reprovação e
evasão destes cidadãos apenas aumenta de modo expo-
nencial, o que leva a conclusão, que, crianças que se en-
contram em situação de vulnerabilidade social poderão
se tornar adolescentes nesta mesma situação se conti-
nuarem sendo ignoradas pelo sistema educativo.
142
e padronizar seus alunos, ignorando toda a sua histó-
ria de vida.
Buffa et all. (2011), em pesquisa realizada em uma
instituição que abriga crianças e adolescentes, localiza-
da no interior de São Paulo, relatou diversas atitudes de
exclusão das crianças na escola, tanto por parte dos edu-
candos, quanto dos professores e diretores. Nela, os pró-
prios coordenadores do abrigo, em suas falas, denuncia-
ram autoridades da escola que não queriam crianças em
tal situação, frequentando o ambiente escolar. Eles não
acreditavam no potencial desses alunos e, dessa forma, o
abrigo acabava compactuando com tais atitudes e muda
a criança de instituição, atitude que dificulta cada vez
mais o processo de adaptação da criança com o contexto
educacional.
143
nhei nas dinâmicas educativas priorizava o diálogo na
hora de repreender alguma criança e que, sem precisar
gritar ou castigá-las, ele era ouvido e respeitado.
Esse tratamento é diferente de alguns ambientes que
cultivam gritos ou castigos, assim como diz Martins
(2017), citando Vigotski, que é pela palavra que a crian-
ça consegue expressar toda sua vivencia e invisibilidade
no mundo “a palavra expressa, denuncia todo o mundo
interior infantil, onde estão intrínsecas suas experiências
e o seu cotidiano.”.
As crianças em situação de acolhimento institucional
precisam de mais visibilidade, como seres humanos res-
peitáveis, pleno de direitos em seus processos de desen-
volvimento educativo, para que, assim, novas políticas
pedagógicas surjam e façam com que elas se sintam mais
pertencentes ao ambiente na qual precisam frequentar.
O preconceito que uma criança em acolhimento sofre
em sua vida, mesmo que não haja intenção, precisa ser
desconstruído dentro da sociedade. O ambiente escolar
é um dos locais de onde essa desconstrução pode e deve
começar acontecer. As crianças e adolescentes nesse con-
texto, também precisam tirar a carga que trazem nas
costas por conta deste rotulo que lhes é colocado, desde
quando foram institucionalmente destinadas a morar
em um abrigo.
A partir da vivência e da história de cada um é pos-
sível transformar a escola em um ambiente agregador
para todos, um local onde todos poderão ser quem são.
A regra da escola não deveria ser de padronizar. Nin-
guém é igual a ninguém, então, porque todos devem
dar a mesma resposta, precisam ter a mesma opinião do
professor, devem se vestir igual e não podem questionar
o que lhes foi passado sem que sejam taxados como alu-
nos problema?
144
A escola precisa ser um ambiente em que todos pos-
sam ser como realmente são, a partir do momento que
padrões de aceitação forem descontruídos, alunos ti-
dos como os invisíveis pela sociedade, terão voz e po-
derão assumir sem ter vergonha de onde vieram, das
suas histórias de vida e poderão se sentir confortáveis
para conversar e expor suas insatisfações sem que preci-
sem expor essas frustrações de maneiras mais violentas,
por exemplo.
REFERÊNCIAS
145
to institucional na perspectiva da criança. São Paulo:
Hucitec, 2011.
146
OS ENCANTOS DA
EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Ellen Dantas1
eellendantas@gmail.com
147
uma escola que, como diz Elizabeth Tunes (2011), carre-
ga o ideal do controle social da aprendizagem.
148
respeito, desvalorização e subestimação. Esse olhar tem
colocado em nossas mãos tesouras afiadas.
O PESADELO DA EXCLUSÃO
149
CAMINHEI MUITO PARA CHEGAR ATÉ
AQUI
150
Com base a análise das políticas públicas em vigor nos
últimos dez anos, apreende-se com a EJA vem adqui-
rindo uma nova identidade, marcada pela qualificação
profissional em alguns casos, pela oferta de cursos ali-
geirados de curta duração e centralizados nos segmen-
tos mais vitimizados pelo atual modelo de acumulação
do capital (ALMEIDA, CORSO, 2015, p. 1285).
151
classes sociais para manter os de classe menos favore-
cidas exatamente onde eles estão: servindo ao mercado
e sendo devorado pelos opressores. Consequentemente
quando formulamos de forma científica os objetivos da
educação, estamos estabelecendo de forma concreta e
exata o sistema de conduta que queremos plasmar em
nossa educação (VIGOTSKI, 2003).
OS ENCANTOS DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
152
portamento de um animal que adotou a posição verti-
cal, mas é uma função complexa de toda a experiencia
social da humanidade e de seus diferentes grupos (VI-
GOTSKI, 2003, p. 63).
153
experiências, na vida dessas pessoas. A experiência pes-
soal, do educando, de acordo com Vigotski (2003), é a
base do trabalho pedagógico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
154
REFERÊNCIAS
155
DA IMAGINAÇÃO À
CRIAÇÃO: DESCAMINHOS
NA ESCOLA
João Vitor Barreto Gomes de Sá1
jvbarretogds@gmail.com
Giulia Ribeiro Salgado2
giulia.ssalgado@gmail.com
INTRODUÇÃO
157
te entender que existiu aquele que pensou, “o artista”, e
eu, aquele que aprende a pensar como o artista.
Assim sendo, a finalidade da educação consistiu em
espelhar um modelo de aprendizagem que não incluía
o estudante como parte ativa desse processo, Alexandra
Rodrigues discute essa questão ao evidenciar a obriga-
ção de cumprir um rigor formal e uma lógica unidire-
cional de ensino que a escola se compromete, “No con-
texto escolar, até mesmo a linguagem literária deixa de
ser arte e o clima poético, com a emoção, a liberdade e a
subjetividade que lhe são peculiares perde espaço” (RO-
DRIGUES, 2003, p. 3).
Já, ao revisitar a infância, é esperado que o caminho
da educação tivesse sido mais livre e menos imposto. En-
tretanto, nas memórias da alfabetização, lembro-me de
não acompanhar o ritmo da escrita proposto pela profes-
sora. Os signos escritos no quadro não me despertavam
interesse, eu estava imerso nos meus próprios signos: o
desenho. Entretanto, era esperado que eu me adaptasse
à essa outra forma de representação, sem sentido para
mim na época. Assim, passaram-se longas tardes em que
exercitei caligrafia até “aprender” a escrever.
Desse modo percebe-se que durante esse processo,
constantemente nos é imposto um caminho, na realida-
de um descaminho. Descaminho, pois a pessoa é des-
virtuada, ela não só é privada do autoconhecimento de
seus interesses e sua própria trajetória, como também
lhe são podadas as alternativas de caminho.
Foi durante esses descaminhos, revisitando experiên-
cias em escolas e também no curso de graduação em
Pedagogia, que percebemos muitas das nossas inquie-
tações com a forma de educação vigente, que advieram
de momentos que vivemos anteriormente, ou, que dei-
xamos de viver, dentro dessas instituições. Neles, perce-
bemos algumas lacunas deixadas pela Escola em relação
158
à vários aspectos do desenvolvimento humano, que hoje
entendemos como muito importantes e necessários na
formação de um ser humano integral.
Uma destas inquietações, gira em torno dos proces-
sos criadores e da imaginação no contexto escolar, vistos
sempre como algo secundário, do racionalismo em de-
trimento do exercício da imaginação. Essa relação não é
incentivada nem possibilitada e por vezes só são expres-
sadas fora do ambiente escolar.
Vigotski (2009), elenca no primeiro capítulo da obra
“Imaginação e Criação na Infância”, dois tipos principais
de atividades do comportamento humano: a reproduti-
va e a criadora. No decorrer do artigo será explicitado
como estas se relacionam diretamente com os ambientes
educativos e como estão propositalmente organizados
em meio às relações com cada nível de ensino. É impor-
tante ressaltar, contudo, que o autor afirma a igual im-
portância de ambas as atividades para o desenvolvimen-
to de um ser humano integral.
159
do conhecimento (RANCIÈRE, 2017). Por vezes, é tam-
bém associada ao modelo tecnicista e padronizador de
educação, no qual instiga-se apenas o intelectual, o cog-
nitivo, sem trabalhar suas relações com o corpo, com o
estético e o emocional.
Dessa maneira, de acordo com Silva (2018), podemos
aferir que a forma de expressão subjetiva do ser não
pode ser desvinculada do contexto social, político-eco-
nômico. É necessário ter em mente que a educação está
sujeita às intencionalidades e vontades de sociedades
localizadas histórica e culturalmente. Portanto, é impor-
tante se atentar às quais perspectivas de educação que
permeiam as escolas atualmente, e, como essa lógica
cartesiana, acelerada, líquida e imediatista, influencia os
processos criativos e de imaginação.
A avaliação, por exemplo, tão presente e dita como re-
levante na atualidade, não é um elemento tão latente nos
anos iniciais e, portanto, há um enorme incentivo ao cha-
mado lúdico e à fantasia, que falaremos mais adiante no
artigo. No início do processo de escolarização, na educa-
ção infantil, há uma menor cobrança dos conhecimentos
adquiridos e, por isso, há sobra de algum momento de
fissura, espaço para as artes e para uma possibilidade
de vivências de processos de criação, imaginação, inven-
ção e experiências estéticas, diferentemente dos outros
níveis de ensino subsequentes. Mesmo que com um ca-
ráter imitativo e muito direcionador, contra a ideia de
liberdade artística, é o momento em que identifica-se a
possibilidade do exercício da imaginação criadora por
meio de músicas, desenhos e outros dispositivos.
Contudo, é na virada do Ensino Fundamental que se
vê iniciar um processo, primeiramente, de substituição
destes momentos minimamente livres para os de pura
reprodução e, depois, de preparo para cobrança por
meio de provas e avaliações. A expressão da criação e
160
do registro por forma de desenho, música dança etc., se
torna cada vez mais distante, pela força de uma aproxi-
mação da lógica do adulto, por uma ideia de desenvolvi-
mento linear, compartimentalizado e generalizado, além
da imposição de uma lógica escolarizada.
De acordo com Illich esse pensamento confunde a
experiência na educação, ao invés de processo ele é
substância,
161
COMO É VISTA A IMAGINAÇÃO E A
CRIAÇÃO NAS ESCOLAS?
162
dotado, cuja expressão só foi possível após muita de-
dicação e estudo, ao final será recompensado pelo seu
esforço, legitimando uma concepção meritocrática de
ensino-aprendizagem.
Assim, dentro da lógica escolarizada da escola atual
e do caminhar do processo educativo, é possível notar a
relação desigual entre os processos de repetição e con-
servação e os de imaginação e criação. À medida que se
avança da educação infantil para o ensino fundamental
e depois o ensino médio, há a passagem de um perío-
do mais envolto na imaginação, para um processo de
repetição, de estímulo-resposta (VIGOTSKI, 2009). Essa
substituição está embasada primeiramente em uma
perspectiva linear do desenvolvimento humano, em que
a criança tem que, o mais rápido possível, caminhar em
direção à tudo que é mais regulador, maduro e, portanto,
adulto. Há também a falsa crença de que acompanha-
da do aumento da idade, o ser humano torna-se menos
potente para os processos criadores e, por isso, a lógica
adultocêntrica seria a mais adequada.
Vigotski (2009) comenta sobre a confiança e a fal-
ta de controle que as crianças têm sobre seus próprios
processos imaginativos e que, por isso, são tidas como
supostamente mais fantasiosas e criativas. É entendido
que quanto maior o reconhecimento da potencialidade e
liberdade criadora, maior a atividade imaginativa quan-
do, na verdade, se a imaginação ganha mais potência
com o maior número de experiências, deveria ser o adul-
to o mais imaginativo. Estes são processos diferentes e
igualmente importantes, pois:
163
sas épocas da infância. Eis por que em cada período do
desenvolvimento infantil a imaginação criadora fun-
ciona de modo peculiar, característico de uma determi-
nada etapa do desenvolvimento em que se encontra a
criança. Vimos que a imaginação depende da experiên-
cia, e a experiência da criança forma-se e cresce grada-
tivamente, diferenciando-se por sua originalidade em
comparação a do adulto. A relação com o meio, que, por
sua complexidade ou simplicidade, por suas tradições
ou influências, pode estimular e orientar o processo de
criação, é completamente outra na criança (VIGOTSKI,
2009, p. 43).
164
A DESPOTENCIALIZAÇÃO DO
EDUCANDO E A IMPORTÂNCIA DA
IMAGINAÇÃO
165
psíquicas que possuem não somente lastro na realidade
e nas experiências vivenciadas, mas na imanente relação
de todos estes fatores. Como corroborado por Vigotski:
166
aumentar o jugo e restringir a própria natureza humana.
Inicia-se um processo de despotencialização (SPINOZA,
2009) do que se é e do que se poderia ser, formam-se
adultos resignados e imitadores. São poucos os adultos
imaginativos e criadores que conseguem sobreviver a
uma instituição que não os considera enquanto relevan-
tes, como os que se destacam em assimilar conteúdos de
Física, Matemática, Biologia, História e etc.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
167
de ensino, que reforçam apenas a imitação precisam ser
reestruturadas para uma concepção de educação mais
humanizadora, que leve em conta também aspectos es-
téticos e emocionais.
Por conseguinte, repensar os processos de imagina-
ção e criação é pensar no pleno desenvolvimento do ser
humano como um todo, reconciliar sua própria natureza,
pois para Vigotski (2009, p. 14) “É exatamente a ativi-
dade criadora que faz do homem um ser que se volta
para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente”,
e portanto, “ (...) a imaginação não é divertimento ocioso
da mente, uma atividade suspensa no ar, mas função vi-
tal necessária.” (VIGOTSKI, 2009, p. 20).
Se a atividade criadora faz do sujeito, ser humano,
como parte da sua sobrevivência e presença no mundo, o
mesmo continua a criar, mesmo que inconscientemente
fora de um espaço escolar formal. A tarefa aos educado-
res e educadoras é pensar qual a real necessidade de se
trabalhar esse processo na escola e com as crianças, qual
a real potência de se organizar uma prática educativa
potencializadora do ser humano, para que este ao invés
de ser conduzido a uma trilha que não lhe pertence, um
descaminhar, possa de fato criar seus próprios caminhos.
REFERÊNCIAS
168
RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante - cinco lições
sobre a emancipação intelectual. 3a edição, 6a reim-
pressão - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
169
PEDAGOGIA DOS
CORPOS: DOS LIMITES ÀS
POSSIBILIDADES
Nathália Mendonça1
natmendonca05@gmail.com
Nostalgia…
e
respiro num suspiro de uma saudade!
Estou no palco agora e sentindo a adrenalina…
TUMTUMTUMTUM …
TUMTUMTUMTUMTUMTUMTUMTUM……
Ao ver e sentir o toque das luzes e o
nervosismo... e enfim, me entrego a música…
Neste momento só existe este (momento)
mesmo o sentir, o pulsar, o tocar e o movimento
proposto pelo agora! Lógico que tiveram os
ensaios, as expectativas, a produção, o cenário,
o figurino, maquiagem… MAS eu só estou
vivendo e sentindo a música que me levou a
fluir em elevações, desníveis, quedas e giros de
compassos e descompassos de sorrisos, abraços,
e dos olhares de laços e enlaces.
E tudo finaliza em energia da mais alta possível
em um conjunto de singulares palmas!
Sou grata!!!!
Renovada…
171
O corpo é marca, atitude, movimento, resistência,
toque, cheiro, temperamento, comportamento, energia,
temperatura, cultura, olhar, pulso, pés, mãos, escuta,
sensibilidade, raiz, intuição, paz, raiva, loucura, alegria.
Este corpo se emociona e sente tudo de forma e de ma-
neira própria e singular através de experiências sentidas
em diferentes instantes, momentos e horas, vividos dia
após dia. Apresento-lhes o corpo, este que nos sustenta,
nos acolhe e é acolhido, dorme, acorda, come, corre, gri-
ta, exercita, pira e respira. A este corpo, peço que, no mo-
mento, o observe, toque, sinta e reflita o quão forte está
sendo a caminhada por meio dele. E, agora, vamos per-
correr pelos momentos em que este corpo, que passou
por vários processos de amamentar, engatinhar, balbu-
ciar, sorrir, relacionar-se, degustar, falar, dar os primei-
ros passos, brincar, abraçar, amar, viajar, dançar.
172
atravessada por uma função social determinante, que é
parte do social que o engendra.
Ao visitarmos uma escola e observarmos seus espaços,
suas disposições e seu ambiente, teremos a impressão
de que se trata de um lugar familiar presente em nossa
sociedade. Existe uma lógica na qual essas instituições
foram pensadas. A Igreja, que foi precursora da expan-
são da escolarização de maneira globalizada no mundo
se utiliza de um termo técnico para a condução deste
ambiente: a disciplina, que Foucault (1987) retrata.
173
como das elites sociais, é o de exercer o domínio sobre a
população, sobre a grande massa da sociedade, e, para
que isso aconteça, é necessário ter o controle desses di-
versos corpos, para que, por meio disso, se determine
seus comportamentos, ações e a eficiência social.
O processo de escolarização que conhecemos mo-
vimenta-se a partir dos ideais de cada época em que
a sociedade se encontra, ou seja, tem caráter histórico.
Apesar das instituições serem, também, historicamente,
um processo dinâmico, as relações de poder que se en-
gendram no meio social se fazem presentes nos diversos
espaços, seja na família, nas ruas e, até mesmo na escola.
Em nossa infância, podemos nos lembrar das primei-
ras marcas de hierarquização, fixada em nossos corpos,
em convivência com nossas famílias e, o quanto fomos
podados para seguir a dita “forma correta” de nos com-
portarmos. Isso vai se intensificando, ao longo da vida,
em outros espaços, como na escola e, posteriormente, no
trabalho. A reprodução dessas figuras: pai, professor ou
chefe, que são considerados como “os disciplinadores”
neste processo é expressiva. Muitas vezes, estes podem
desempenhar marcas repressivas, ou seja, eliminando o
que é “genuinamente nosso” e criando máscaras sociais,
como caricaturas.
174
No contexto escolar, o corpo também costuma ser
“domado”, lugar em que prevalece o ambiente carte-
siano, que tem por características carteiras enfileiradas,
com corpos voltados para um quadro em que se expõem
ideias pré-validadas, que tem funcionado como um pal-
co para o professor, que é considerado o detentor do sa-
ber neste processo e, que também é cobrado para que
seus alunos sejam adequados a certos padrões: quietos,
disciplinados, “inteligentes” e atentos. Os corpos, que
de alguma maneira não se comportam do modo pré-
-programado, em obediência servil, sentados e calados
são rotulados como, alunos problemas e desobedien-
tes ou, são rotulados por meios de laudos, nos termos
da medicina.
175
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvol-
vimento da pessoa, seu preparo para o exercício da ci-
dadania e sua qualificação para o trabalho.
176
e como ser criativo em que pude me reinventar. Gosta-
ria que conhecessem a minha história para compreen-
derem as ideias que acredito e que vou apresentar pos-
teriormente.
A arte se fez arte dentro de mim mesma antes mesmo
de eu haver nascido, por meio de meu pai, que é músi-
co. Lembro-me que cresci escutando os sons de guitarra,
violão e de suas canções. E, muito nova, aos quatro anos,
iniciei meus estudos em ballet clássico, em que perma-
neci por quase onze anos da minha vida cursando dança
clássica. Durante todo esse período que vivenciei a dan-
ça nos palcos, ensaios, conjuntos, como solo... Eu nunca
me sentia ou não me colocava no papel de bailarina e
artista. Isso estava distante como um mito. Por quê? Isso
sempre esteve presente em minha vida... Por que isso
ainda não me pertencia, apesar de todas as vivências
corporais em dança? Hoje sou bailarina e artista, mas
isso tudo foi um processo lento em que pude vivenciar a
arte me movendo e me constituindo.
Através da minha vivência escolar e nas aulas de ar-
tes, o que tinha como objeto artístico era algo inatingível
e perfeito, ou seja, muito distante do real e, nas minhas
aulas de ballet, também não se distinguiam muito desse
modelo, pois uma bailarina precisava buscar a perfeição
do corpo e das execuções dos movimentos. Seguindo a
minha trajetória como professora de ballet, tive a opor-
tunidade de conhecer e me encontrar com a educação
musical, em que uma professora me ensinou vivências
as quais tive o prazer em poder ser protagonista de pro-
cessos criativos e, não somente de me limitar musical-
mente por não ter formação musical.
Certo dia ela me disse: “Todos somos seres musi-
cais!“. E essa afirmação me intrigou muito naquele mo-
mento: Será que sou capaz de me expressar musicalmen-
te, mesmo sendo uma bailarina? Foram através destas
177
experiências em que fui me reconhecendo como artista,
de modo integral!
Poder exercitar processos criativos não foi algo sim-
ples e fácil, pois o meu corpo tinha sido moldado para
a execução de movimentos prontos e, por isso, esse pro-
cesso foi uma relação de conhecimento da minha cor-
poreidade e da dos corpos em que relacionei ao criar-
mos juntos, em relação. Outro momento marcante, nesse
percurso educativo, foi quando pude, pela primeira vez,
aceitar a minha voz ao cantar para os meus companhei-
ros, pois, antes disso, nem aceitava cantar sozinha por
acreditar “não possuir o dom da música”. Citando Vi-
gotski, Pederiva afirma:
178
POR UMA EDUCAÇÃO DE CORPO
INTEIRO: AFETO INTELECTO
179
organismo triunfava sobre o ambiente ou estava prestes
a ser destruído por este. Em todas essas oportunidades,
as emoções exerceram uma espécie de ditadura sobre o
comportamento (VIGOTSKI, 2001 p. 118).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
180
O corpo está presente! Ele é voz, escuta, choro, risada
e súplica. Ele se questiona, se movimenta e se conduz
pelo caminho e trajeto pelo qual quer percorrer. Ele se re-
conhece e por isso, se respeita. Este corpo é negro, bran-
co, alto, magro, pequeno, gordo, com curvas, linhas, ex-
pressões, sentimentos e sim ele é diverso! Nossos corpos
são arquiteturas, monumentos, gestos e composições.
Precisamos de uma escola do respeito aos corpos, que
abram suas gaiolas para o voo autêntico da vida, como
diz Rubem Alves,
REFERÊNCIAS
181
BRASIL. Constituição da República Federativa do Bra-
sil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
182
COLETIVO DE SAÚDE
MENTAL À LUZ DA
PERSPECTIVA HISTÓRICO-
CULTURAL
Fernanda Lisboa de Andrade1
fernanda.lisboaa@gmail.com
183
ção, na uniformização dos educandos, que desconside-
ra suas individualidades, reduzindo suas inteligências
a padrões.
Entende-se que a organização dos espaços educati-
vos tem se firmado em uma hierarquia intransponível
entre professores e alunos. Dessa forma, a base das re-
lações entre os próprios alunos também se baseia nesse
clima hierarquizado e de competição. Isso acontece entre
alunos considerados “promissores”, por se adequarem
as metas estabelecidas nos dispositivos de avaliação, e,
também, entre os que não conseguem atingir tais metas.
Por consequência dessa cultura hierarquizada das rela-
ções, atrelada às avaliações que se comprometem a medir
e classificar inteligências, uma parcela de educandos se
considera inferior em relação a educadores e colegas de
curso. A excessiva preocupação sobre o processo de esco-
larização em relação à menções que se propõe a medir e
rotular os educandos, acabam por dificultar o desenvol-
vimento pedagógico dos mesmos (TUNES, 2011, p. 11).
Desse modo, é preciso afirmar a importância de orga-
nizar espaços educativos que permitam o diálogo entre
educandos, em ambientes não hierárquicos, elaborados
por estudantes para estudantes, livre de avaliações e da
intenção de mensurar ou de reproduzir estigmas esco-
larizados que costumeiramente tem permeado as salas
de aula, e, portanto, as relações nos espaços educativos.
Nossa socialização com o outro é o fator principal do
ambiente educativo, e é isso que as roda de conversa se
propõe a desenvolver, sendo essa a atividade que será
discutida nesse trabalho.
Dessa forma, com base na análise e observação do
ambiente acadêmico como propulsor do adoecimento
psicológico dos educandos, com o número crescente de
patologias psicossociais, levando grande parte dos estu-
dantes universitários a enfrentarem crises de ansiedade,
184
depressão, síndrome do pânico e, em casos mais extre-
mos chegando até ao suicídio, dentro e fora do campus
universitário.
Assim, o objetivo desse artigo é discorrer sobre a te-
mática da saúde mental afim de situar como o fenômeno
do adoecimento psicológico de estudantes universitário,
como este tem sido localizado como uma problemática
urgente e, então, a partir do debate dessas questões apre-
sentar um relato de proposta de atividades de interven-
ção a essa realidade, amparadas na perspectiva histórico
cultural, desenvolvidas pelo Coletivo de Saúde Mental
da Faculdade de Educação, na Universidade de Brasília,
por meio de rodas de conversa, seguido das conclusões
resultantes das reflexões estabelecidas até o momento,
com base na interpretação das vivências experiência das
nas atividades organizadas para este fim.
Em meio aos fatores expostos até aqui, pensa-se o
Coletivo como um espaço de realização de atividades
educativas que permitam a expressão dos sentimentos
dos estudantes, principalmente, para os que não se sen-
tem confortáveis no ambiente educativo da universida-
de e, por consequência, desencadeiam ou potencializam
episódios de sofrimento psicológico. Pretende-se assim,
oportunizar experiências dialógicas nesse espaço, além
de favorecer um espaço confortável de diálogo onde os
educandos tenham suas vozes ouvidas e acolhidas.
185
social, o cultural e o institucional em desenvolvimento
durante o período universitário. Antes de ser algo indi-
vidual a questão do sofrimento psíquico é um fenômeno
social. Dessa forma, pretende-se trabalhar, onde, como e
porque, de forma colaborativa, com a intencionalidade
de organizada convivência das pessoas em grupo, des-
mistificar o tabu cristalizado culturalmente em torno de
questões sobre saúde mental, como ação de poucos, e,
principalmente, como alternativa de enfrentamento a
uma cultura escolar individualizante.
As rodas propostas pelo Coletivo têm sido conduzi-
das como espaços de reconhecimento e de legitimação
de estudantes universitários, para com seus próprios
sentimentos, pelo fazer artístico experienciado na dinâ-
mica inicial, pelo exercício da fala, ao explicarem para o
grupo ali reunido, o que suas criações representam. Pre-
tende-se, com isso, exercitar o fortalecimento das rela-
ções entre estudantes-estudantes de forma a significar o
ambiente universitário de forma agradável e acolhedora.
Na busca de compreender e dialogar sobre a saúde
mental com uma abordagem para além de tratamentos,
diagnósticos e rótulos relacionados às patologias, surgiu
o Coletivo de Saúde Mental FE-UnB, situado na Facul-
dade de Educação da Universidade de Brasília-DF, como
uma alternativa de ação que se propõe a estabelecer o
diálogo entre estudantes. Isso, com a intencionalidade
de cultivar um ambiente de acolhimento, de cuidado,
de compreensão uns com os outros, desvinculando o
espaço universitário como mero espaço de construção
de conhecimento acadêmico, em um espaço em que as
relações entre os educandos estejam no foco do processo.
Propõe-se, assim, uma análise por meio de uma pers-
pectiva educativa para o fato da educação, pelo modo
como está organizada, estar adoecendo a saúde mental
dos educandos. Entende-se a individualidade cristaliza-
186
da na forma como nos relacionamos com o outro, com o
mundo e com nós mesmos como um fator propulsor de
patologias psicossociais. A esse respeito Vigotski (2003)
afirma que os outros nos constituem. Isso significa que,
por meio das atividades pedagógicas desenvolvidas, o
viés relacional será uma ferramenta de transformação
individual e coletiva, para, de maneira dialética, signi-
ficar e legitimar as próprias vivências. Dialogar sobre
questões relacionadas aos sentimentos que se tem viven-
ciado na universidade, pode ser uma oportunidade de
reconhecer, na fala do outro, sentimentos compatíveis,
levando a uma aceitação de si e do outro. Dessa forma,
desvincula-se do paradigma de que falar abertamente
sobre questões psicológicas pode causar algum descon-
forto social.
Procurou-se, nessa experiência, gerar uma reflexão
sobre como os afetos têm sido tratados na educação,
como questões ignoradas nos mais diversos ambien-
tes educativos, em detrimento da dimensão intelectual.
Para isso, utiliza-se o entendimento de Vigotski (2003),
sobre as emoções, pensando o ser humano como uma
unidade afeto-intelecto. Não é possível que, no ambien-
te educativo, ou em qualquer outro, se desvincule a di-
mensão emocional do intelectual das pessoas.
É nesse sentido, que o Coletivo se propõe a olhar para
um campo da educação que está dia após dia sendo ne-
gado. Tendo em vista que as funções cognitivas atuam
em unidade com as emocionais, sendo ambas equivalen-
tes em importância, utiliza-se e compartilha-se do enten-
dimento do autor, para propor um espaço de acolhimen-
to desses sentimentos na universidade. Isso, por meio de
atividades que fortaleçam o vínculo de pertencimento
dos educandos para com sua universidade, além de pro-
mover o diálogo e a arte como instrumentos de sociali-
zação consigo mesmo, e com os outros.
187
No livro “Psicologia da arte”, obra escrita por Vigot-
ski, entrevemos em alguns pontos do texto, uma ligação
forte entre arte e educação, que juntas, podem contribuir
para o desenvolvimento das emoções por meio das vi-
vências artísticas. Um desses nós, e o que o autor (1999),
parece considerar ser o mais fundamental, é o fato da
arte se caracterizar num elemento chave para o desen-
volvimento, a equilibrando a consciência sobre as emo-
ções. (GONÇALVEZ; RAMALHO, 2015, p. 71).
O viés coletivo do trabalho pedagógico traz para a
experiência, o caráter pessoal e intraduzível da arte, a
catarse vivenciada por cada indivíduo, sendo, por si só,
um processo no sentido de organizar os sentimentos,
de materializar sentidos, de dar concretude ao subjeti-
vo. Ao passo que toda essa individualidade é vivencia-
da e potencializada por meio de uma atividade coletiva,
em que se aprende, ao mesmo tempo, sobre si e sobre o
outro, em um movimento dialético de se significar por
meio da arte e por meio das relações estabelecidas na-
quele ambiente.
Vigotski (2003), caracteriza o comportamento como
um processo de relação entre o organismo e o ambiente
que pode ocorrer de três formas distintas: na primeira, o
organismo sente que predomina sobre o ambiente, nes-
se caso a adaptação do organismo ao meio é ótima e se
desenvolve com gasto mínimo de energia; na segunda
situação, a força maior está do lado do ambiente, nes-
se caso, a adaptação do organismo ao meio é mínima e
ocorre com o máximo investimento de energia; por úl-
timo, uma terceira forma, acontece quando surge certo
equilíbrio entre organismo e ambiente e, nesse caso, por-
tanto, nenhum deles prepondera sobre o outro e ambos
estão equilibrados.
Partindo do entendimento de comportamento do au-
tor, e na análise da conjuntura de educação no espaço
188
universitário no contexto de atuação do Coletivo, en-
tende-se que o comportamento nesse ambiente vem se
desenvolvendo historicamente por meio das leis do se-
gundo caso de comportamento descrito, de forma que
o ambiente está hierarquicamente superior aos organis-
mos e, por consequência, torna a adaptação dos mesmos,
pequena e despotencializante.
Dessa forma, a terceira forma do processo do com-
portamento, em que ambiente e organismo estão equili-
brados entre si é onde pretende-se chegar, por meio de
vivências em espaços educativos proporcionados pelo
Coletivo que estejam amparadas no emponderamento
dos educandos, em relação à suas inserções de maneira
ativa e participativa no ambiente educativo das univer-
sidades. Fortalece-se, assim, a sensação de pertencimen-
tos dos mesmos para com esse ambiente que os consti-
tui e que por eles é constituído por meio do movimento
dialético nas vivências desse espaço.
CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE A
TEMÁTICA DA SAÚDE MENTAL
189
estabelecido, dialogar sobre o tema tem sido um desafio,
pelo desconforto social relacionado a ele. Mesmo para
os que estão dispostos a debatê-lo, pode ser complica-
do. Assim, é preciso que se contorne estigmas ligados ao
tema para que se inicie uma conversa produtiva sobre
possíveis intervenções.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a
depressão é a principal causa de problemas de saúde e
incapacidade em todo o mundo, fatores como falta de
apoio às pessoas com o transtorno e o medo do estig-
ma, são considerados os principais impedimentos para o
acesso aos tratamentos necessários para que vivam uma
vida saudável e produtiva (OMS, 2017).
Se, de um modo geral a depressão, dentre outras pa-
tologias psicológicas, vem devastando a saúde da po-
pulação a situação se torna ainda mais delicada quando
nos deparamos com o cenário das universidades. Se-
gundo estudos de Cerchiari, Caetano e Faccenda (2005),
desde o início do século passado, o período universitá-
rio é reconhecido academicamente como uma fase de
extremo sofrimento psicológico. Esses dados explanam
sobre essa realidade em um momento histórico diferen-
te do atual, em que o assunto não estava em debate em
diferentes circunstâncias, dessa forma, evidencia-se a
importância de investigar essa perspectiva no período
universitário, visto que, atualmente, tanto externa quan-
to internamente às universidades a depressão é um fator
comum de adoecimento.
190
A crescente quantidade de educandos com depressão
e, ou, outros transtornos psicológicos que afetam direta-
mente o comportamento, no contexto educativo,consti-
tui-se como fator que precisa ser integrado as discussões
e à dinâmica organizacional das práticas educativas por
se tratar de uma problemática urgente ao contexto his-
tórico atual.
A partir do exposto no presente artigo, conclui-se
como um fator urgente que se desenvolvam práticas
educativas que compreendam educandos como seres
humanos constituídos como unidade, pelo afeto, pelo
intelecto, pelo corpo, para além de uma subjetividade
limitada a individualidade, de forma que o movimento
dialético entre o social, o cultural e o individual estejam
em desenvolvimento por meio da educação.
O adoecimento psíquico é também um fenômeno
social, dessa forma, é preciso trabalhar de forma cola-
borativa e dialógica, a fim de organizar a convivência
em grupo contribuindo para desmistificar o desconforto
social culturalmente situado em torno de questões so-
bre saúde psicológica, e principalmente, pode ser uma
alternativa de enfrentamento a uma cultura escolar in-
dividualizante.
Uma cultura educativa, construída sob a falsa premis-
sa de que é a racionalidade que deve predominar, em de-
trimento do aspecto emocional, faz com que o racional
seja superestimado e o emocional se torne subestimado.
Traços desse passado, ainda muito próximo, em termos
históricos, influenciam todo o funcionamento da cultura
social, inclusive da cultura escolar. Privilegiar o racional,
o cognitivo, as notas altas, em detrimento do emocional,
das notas baixas, é um equívoco que mantém o modelo
de educação que vem sendo reproduzido historicamen-
te, e que é predomina há séculos ancorado na indiferen-
ça para com as questões que envolvem sentimentos. Por
191
isso, é preciso pensar nos espaços educativos, nas ativi-
dades educativas bem como também, no lugar para a
vivência educativa das emoções.
Pensar uma educação dos e para os sentimentos, em
busca da emancipação dos próprios afetos que por tan-
to serem ignorados no processo educativo, acabam por
reprimidos não só para o espaço exterior como também
interior e individualmente. Por meio da educação da
fala, da escuta, da criação, da exposição de suas próprias
criações para si e para o outro é possível desenvolver os
afetos como atos educativos significados de empodera-
mento de si mesmo, e, consequentemente, de outros com
quem nos relacionamos. De forma que se reconheça e
se legitime as próprias emoções por meio de vivencias
estéticas nos ambientes educativos.
APRESENTAÇÃO DO COLETIVO
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cipal a relação de diálogo e de vivência de experiências
coletivas entre estudantes universitários.
As rodas têm funcionado da seguinte maneira: come-
çamos apresentando o Coletivo, como uma proposta de
ação para que nós estudantes possamos nos conhecer,
nos relacionar e nos acolher e, em seguida, convidamos
os e as presentes por meio da expressão artística, na-
quilo que se sentirem confortáveis “Que sentimentos a
Universidade tem feito você sentir?” Disponibilizamos
folhas de papel A3, canetinhas, lápis de cor, giz de cera
e giz pastel. Quando o grupo conclui suas respectivas
atividades artísticas, nos reunimos em roda e convida-
mos aos que se sentirem confortáveis para socializar
com o grupo presente o significado de sua expressão
artística, em que, a maioria delas, têm sido realizadas
por desenhos. Feito isso, propomos uma autorreflexão
sobre os processos que vivenciamos e então agradece-
mos pela presença dos e das colegas. Em algumas rodas,
as pessoas manifestam vontade de conversar antes das
criações artísticas e, nesses casos, há um momento de
conversa inicial sobre a atual situação de universitários
em relação ao próprio adoecimento psicológico.
Tendo em vista o entendimento do assunto sobre saú-
de mental como um tabu, pensando no desconforto que
falar sobre isso desperta, pensamos em uma dinâmica
de roda em formato de rodas de conversa e ação, con-
versas estas sempre associadas a desenhos, poesias, mú-
sicas, entre outras expressões artísticas que permitem o
contato com o outro e consigo mesmo por meio do fazer
artístico.
Por se tratar de um projeto essencialmente grupal, a
ordem e a forma com que as rodas se desenvolvem são
determinadas pelos próprios estudantes que estão parti-
cipando da mesma, de forma que estes sejam os protago-
nistas de suas aprendizagens naquele espaço educativo.
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O formato de roda de conversa apresenta-se como ferra-
menta metodológica a fim de facilitar a relação entre os
participantes, ampliando as percepções sobre si e sobre
os outros. No contexto da Roda de Conversa, o diálogo é
um momento singular de partilha, uma vez que pressu-
põe um exercício de escuta e fala (GUARDA, et al., 2015,
p. 4). Desse modo, a questão que tem mantido a unidade
das rodas até então tem sido a expressão dos sentimen-
tos em relação à universidade.
O Coletivo procura conduzir as atividades por meio
de uma perspectiva de desconstrução de padrões que,
de alguma forma, menosprezem estados psicológicos
adoecidos, seja por meio de discurso que buscam de-
sacreditar ou contestar a capacidade e/ou eficiência de
indivíduos acometidos por patologias psicossociais. Por
meio de um movimento de conscientização, seriedade e
comprometimento necessários para o enfrentamento e,
posteriormente, a superação de tais enfermidades. Res-
salta-se, contudo, a importância de buscar por ajuda de
profissionais da área da saúde psicológica.
O fenômeno principal que possibilita todo desenvol-
vimento das ações propostas é a disposição de cada estu-
dante universitário que se compromete a participar das
rodas, fazendo-as acontecer. Contribuem, assim, para o
desenvolvimento individual, e, concomitantemente, so-
cial dos envolvidos, levando ao pertencimento grupal
no ambiente universitário, fora das salas de aula. Dessa
forma, concordo com Pequeno (2017), que afirma que
educação diz respeito a muito mais que escola, e está
presente em toda e qualquer relação, em que uma pes-
soa se torna o que é a partir de como se relaciona com os
demais e com o seu ambiente.
É por meio das criações artísticas e das falas de cada
indivíduo participante, que as atividades ganham vida
e se desenvolvem. O comportamento é o processo de
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equilíbrio do organismo com o meio. Os processos de
equilibração do organismo podem ser bastante confusos
e complexos, quanto mais complexa e delicada se tornar
a relação entre o organismo e o meio. Haverá aí a neces-
sidade de equilibrar a balança do homem com o mundo
(VIGOTSKI, 2003). A descarga de energia não utilizada
faz parte da função da arte (PEDERIVA e TUNES, 2013).
RESULTADOS
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Dessa forma é importante analisar, por meio de um viés
pedagógico, o fato da educação escolarizada na univer-
sidade estar contribuindo para o adoecimento da saúde
mental de estudantes. Por meio de uma ótica pedagó-
gica entende-se a arte e o diálogo como fundamentais
para o bem-estar dos educandos, refletindo como fator
reflexivo sobre a saúde mental dos mesmos.
REFERÊNCIAS
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arquivo/pdf2017/26991_13947.pdf>. Acesso em: 23 de
ago. de 2018.
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