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EDITORIAL

A Revista História Hoje tem como escopo publicar artigos, entrevistas,


relatos de experiências que privilegiem a articulação entre História, Ensino de
História e Formação Docente. Temos nos dedicado, como integrantes de uma
associação de historiadores, à tarefa de fazer circular produções relevantes,
numa perspectiva de internacionalização, que abordem temáticas contempo-
râneas, contundentes e desafiadoras do Ensino de História.
Neste número apresentamos um Dossiê cuidadosamente elaborado por
docentes e pesquisadores do Ensino de História da América do Sul (Argentina,
Chile e Brasil) sobre a temática do “Ensino de História, Direitos Humanos e
Temas Sensíveis”. Assim, exatamente no momento em que se avolumam glo-
balmente uma série de ataques aos Direitos Humanos em diferentes contextos,
e, especialmente, se conjectura em nosso país a implantação como política de
governo de ações de censura às proposições e interpretações do passado que
advogam os direitos à memória de excluídos e silenciados, que tocam em trau-
mas, violações e injustiças, é especialmente relevante trazermos à baila uma
discussão que interpela quais as funções sociais da História na escola.
Sabemos que, no processo de “redemocratização” do país, a História es-
colar foi trazida ao centro do debate político pela via do currículo. Desde ao
menos os anos 1980 até nossos dias, consideráveis avanços foram obtidos nos
documentos oficiais, na produção didática, na pesquisa e nas práticas escolares.
Eles conformam um campo de aquisições significativas para a reformulação
do ensino proposto e praticado nas escolas com a incorporação de uma ampla
gama de novas temáticas e perspectivas. Esses avanços encontram-se ameaça-
dos por forças sociais conservadoras, algumas das quais flertam abertamente
com a ideia de censura e criminalização das práticas de reflexão e análise do
passado histórico em nome da imposição de uma única e pretensa “verdade
histórica”. Por isso, enunciar a necessidade de aprofundar reflexões sobre nos-
sa capacidade de enfrentar temas sensíveis e nos indagarmos sobre os desafios

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Editorial

para educar em Direitos Humanos, além de um gesto de resistência, será uma


provocação fundamental para nossa sociedade e nossa democracia. Este nú-
mero contribui para esse exercício.
Além disso, trazemos um conjunto de artigos importantes. Em “História
e história local: desafios, limites e possibilidades”, Erinaldo Cavalcanti proble-
matiza alguns sentidos e significados atribuídos à história local e revela desafios
que se apresentam para as diferentes apropriações pelas quais tem sido mobi-
lizada indicando que necessitamos compreender a “dimensão local da História”
trabalhada, pesquisada e ensinada; não apenas como apêndice de um processo
histórico mais amplo de caráter nacional ou global. Nesse sentido, convida o
professor “a deslocar o ângulo de percepção movido pelo fundamento básico
da Ciência Histórica ao compreender que as experiências são singulares no
tempo e no espaço”. E assim revelar que os homens e mulheres que habitam
os espaços onde as histórias são construídas são sujeitos que atuam e interfe-
rem na construção e nos desdobramentos das experiências.
O artigo dos professores Jesús Marolla (Chile) e Joan Pagès (Espanha),
“Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las
mujeres y su historia en la enseñanza: perspectivas de los y las estudiantes
chilenos”, apresenta uma análise dos discursos de estudantes chilenos sobre a
presença e ausência das mulheres no ensino de História. A partir de estudos
de caso e grupos focais em escolas de Santiago a pesquisa revela que os(as)
estudantes expressaram uma atitude reflexiva e crítica e consideram que a
inclusão das mulheres e sua história é uma forma de problematizar as estru-
turas atuais e tradicionais que destacam as ações dos homens sobre as mulhe-
res, e de potencializar o empoderamento e a empatia com as lutas por
transformações sociais em busca de maior igualdade de gênero e respeito à
diversidade. Especialmente, consideram que há espaços de crítica e que é pos-
sível a construção de alternativas ao ensino tradicional, ainda que a longo
prazo, para “cuestionar, problematizar y reflexionar sobre la ausencia de las
mujeres y el protagonismo asignado a los hombres” e como disso decorrem a
produção e reprodução de hierarquias sociais e de gênero. A inclusão das mu-
lheres e sua história é apontada como uma das formas de situar a “justiça so-
cial” como eixo no ensinar e aprender História.
A discussão sobre gênero também ocupa lugar central no artigo “Relações
de gênero e educação: crítica aos projetos de lei ‘Escola Sem Partido’”, de Ana

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Editorial

Paula Hilgert de Souza (UFGD). O texto aborda como, no atual cenário polí-
tico, alguns princípios básicos assegurados pela Lei nº 9394-96, as Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, estão sendo atacados pelo “Movimento Escola
sem Partido”. Além de propor a necessidade de desfazer equívocos básicos nas
formulações dos militantes conservadores sobre a temática de gênero, a autora
aponta a necessidade de reflexões a respeito das potencialidades do professor
na construção de uma educação não engessada por propostas políticas unila-
terais. Em sua perspectiva é momento de resistir e superar as negligências que
o ensino de História tem reservado a essa temática em sala de aula.
Em “História Antiga no ensino fundamental: Um estudo sobre a os mitos
gregos antigos e a consciência histórica”, Guilherme Moerbeck (Uerj) apre-
senta os resultados de uma pesquisa empírica, baseada em uma instigante ex-
periência pedagógica desenvolvida com alunos do 6º ano do ensino público do
município de Duque de Caxias (RJ). A experiência, centrada na produção es-
crita, revela como ao entrarem em contato com as narrativas míticas, presentes
nos currículos dos 6os anos do Ensino Fundamental, os estudantes desenvol-
vem a criação de um universo de alteridades, possibilidades de identificação e
leituras novas sobre a realidade do presente.
 Num momento em que o país define novas expectativas de futuro, fica
claro, nas pesquisas e práticas aqui apresentadas, como o ensino de História
pelo alargamento da crítica integra, no currículo escolar, um espaço de resis-
tência onde é permitido pensar novos futuros possíveis, e desenvolver lutas
comprometidas com a superação das desigualdades e o respeito à diversidade.
Nossa revista permanecerá como caixa de ressonância dessas múltiplas vozes,
de pesquisadores e docentes, que através de suas investigações, reflexões e ex-
periências apostam nessas lutas.
Por fim, lamentamos profundamente o atraso na publicação deste núme-
ro. Estamos envidando todos os esforços para recuperar o tempo perdido e
manter sua periodicidade.
Boa Leitura!

Paulo Eduardo Dias de Mello


Editor
Ponta Grossa, setembro de 2018.

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Ê
S SI
DO

APRESENTAÇÃO

Ensino de História,
Direitos Humanos e Temas Sensíveis
History Teaching, Human Rights and Sensitive Issues
Juliana Alves de Andrade*
Carmem Zeli de Vargas Gil**
Juliana Pirola Balestra***

Durante muito tempo a história ensinada se manteve afastada de questões


polêmicas e priorizou temas consagrados, de preferência bem distantes no
tempo e no espaço, pelo receio de gerar certos constrangimentos ou simples-
mente de posicionar-se, assumindo o caráter eminentemente político de sua
prática. Com isso, perpetuaram-se as estratégias de não abordar a história mais
recente, de evitar temas que envolvessem memórias em disputa e de não expor
abertamente injustiças cometidas contra pessoas ou grupos inteiros.
A história no espaço escolar evitou temas delicados, controversos e sen-
síveis, porque envolve a violação de direitos e pode revelar as disparidades
entre o que é assumido como memória pública e o que se discute internamente
nos espaços de sociabilidade. Em alguns casos, tem receio de tomar partido em
questões políticas e em lidar com processos inacabados que envolvem pessoas
vivas e ativas na arena política e social. No entanto, o contexto atual tem de-
safiado a escola e o componente curricular de história a se posicionar diante

* Docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, PE, Brasil. julia-
nadeandradee@hotmail.com
** Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS,
Brasil. carmemz.gil@gmail.com
*** Docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Instituto
Latino-Americano de Arte, Cultura e História (Ilaach). Foz do Iguaçu, PR, Brasil. juliana.
balestra@unila.edu.br

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Ensino de História,Direitos Humanos e Temas Sensíveis

das desigualdades e injustiças sociais vivenciadas pelas crianças, jovens ou seus


familiares. E de certo modo, o ensino de história tem se tornado um lugar de
resistência ao enfrentar o desafio de educar para a defesa dos direitos humanos.
O papel do ensino de história é ensinar a conviver com a diversidade e a se
posicionar no mundo.
Embora o espaço escolar tenha dificuldade de explicar aquilo que ainda
não é possível entender, de elaborar luto ou de enfrentar relatos perturbadores
de uma sociedade que comete violências e injustiças, a história ensinada tem se
apresentado como um lugar alternativo aos estudantes e seus responsáveis para
pensar um novo projeto de sociedade. Sem dúvida, o conhecimento histórico
tem sido destacado pelos diferentes setores como um saber fundamental para
se viver numa sociedade plural, globalizada e desigual. Nesse sentido, a expe-
riência vivida cotidianamente no espaço escolar por crianças e jovens nos per-
mite reafirmar o papel da história no processo de formação humana dos
sujeitos, conforme salienta Durval Muniz de Albuquerque Júnior: “a história
serve para produzir subjetividades humanas, para humanizar, para construir e
edificar pessoas, para lapidar e esmerilhar espíritos, para fazer de um animal
um erudito, um sábio, um ser não apenas formado, mas informado, de um ser
sensível fazer um ser sensibilizado” (Albuquerque Júnior, 2012, p.31).
Assim, muitas vezes imobilizados diante de feridas abertas, de aconteci-
mentos indizíveis, professoras e professores de História buscam caminhos para
não silenciar diante dos conflitos entre o que pode e o que não pode ser dito
nos espaços públicos. Com isso, observa-se que estamos no terreno das me-
mórias em disputa, que tem na escola um de seus palcos políticos talvez mais
evidentes, como destaca Verena Alberti (2014).
Memórias em disputas que aparecem nos comentários dos estudantes da
educação básica ao discutirem sobre tortura, escravidão, maioridade penal,
movimentos migratórios, corrupção, liberdade de expressão, democracia e o
papel do Estado na sala de aula. Essa vontade de saber dos jovens tensiona o
campo do ensino de história a pensar uma proposta curricular que mobilize o
interesse pelo estudo da história dos homens e mulheres que lutaram em defesa
do estado democrático de direito, contra a escravidão e desigualdade social,
econômica e cultural. Nesse sentido, o presente Dossiê tem como objetivo
apresentar um conjunto de reflexões sobre a experiência latino-americana
(Argentina, Chile, Uruguai e Brasil) no campo da aprendizagem de história,

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Apresentação • Dossiê

educação em direitos humanos e temas sensíveis. Para tal, os pesquisadores


abordam como as aulas de história problematizam temas do passado recente
(ditadura civil-militar e migrações contemporâneas) e questões relativas à vio-
lação dos direitos humanos, bem como os desafios enfrentados pelos docentes
no cotidiano escolar para historicizar temas ligados ao preconceito racial, re-
gional, social e cultural. Os artigos que compõem o Dossiê ainda apresentam
reflexões sobre a cultura política dos jovens no Chile, no Uruguai e no Brasil
ao discutir as ideias dessa geração sobre fatos políticos do período de transição
democrática. Os estudiosos trazem reflexões sobre o desafio de formar o pro-
fessor/pesquisador em história a partir de perspectiva em direitos humanos
ou, ainda, como o ensino de história pode se tornar um espaço para reconci-
liação em situações afetadas por conflitos e violência.
Certamente, o estudo dos temas sensíveis no espaço escolar provoca al-
guns deslocamentos epistemológicos e pedagógicos, por trazer para o centro
do debate reflexões que ainda não são consenso no campo da história. O sen-
sível está em disputa. Definir o que é sensível é uma operação de poder. Para
Jacques Rancière, esse dissenso representa as disputas dos diferentes segmentos
e campos do saber em torno da definição do significado do que venha a ser
sensível. Essa definição delimita o campo do dizível e determina as relações
entre fazer, dizer, ver, ouvir e pensar.
Logo, o que se define por sensível muda com o tempo, a idade, o lugar ou
o ponto de vista. Segundo Jacques Rancière, partilhar o sensível é compartilhar
de um conjunto de evidências sensíveis comum ao grupo social:

Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis que revela, ao


mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares
e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa portanto, ao mesmo tempo, um
comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se
funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividade que determina pro-
priamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e
outros tomam parte nessa partilha ... A partilha do sensível faz ver quem pode to-
mar parte no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa
atividade se exerce. (Rancière, 2005, p.15-16, grifos nossos)

Na América Latina, esse conjunto de evidências sensíveis resiste em ser


inscrito em uma narrativa pública da história ou na história ensinada, tais

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RevistaHistória
HistóriaHoje,
Hoje,vol.
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Apresentação • Dossiê

como: crianças assassinadas na Guerra do Paraguai, escravos reprodutores,


homossexualidade indígena, participação de civis em ditaduras protagonizadas
por militares, saída da Bolívia para o mar, massacres no período da violência
na Colômbia, imigração haitiana, feminicídio etc. Histórias sensíveis que en-
volvem a violação de direitos humanos e permanecem latentes na atualidade
por sua carga singular, política e ideológica.
Encontramos professoras e professores que se arriscam a tocar nessas
questões em sala de aula. Sabemos que essas e tantas outras histórias precisam
ser explicadas, discutidas e refletidas. A história ensinada tem contribuído no
processo de problematização desses “enquadramentos seletivos e diferenciados
da violência” (Butler, 2015, p.100), já que os estudantes precisam compreender
como funcionam “os modos culturais de regular as disposições afetivas e éti-
cas...” (p.20). Para Judith Butler, a ampliação dos direitos civis, culturais, so-
ciais e políticos depende de um novo projeto educativo, capaz de produzir
sujeitos capazes de problematizar a ordem do discurso estabelecido acerca da
condição humana na contemporaneidade:

se queremos ampliar as reivindicações sociais e políticas sobre os direitos à pro-


teção e o exercício do direito à sobrevivência e à prosperidade, temos antes que
nos apoiar em uma nova ontologia corporal que implique repensar a precarieda-
de, a vulnerabilidade, a dor, a interdependência, a exposição, a subsistência cor-
poral, o desejo, o trabalho e as reivindicações sobre a linguagem e o pertencimento
social. (Butler, 2015, p.15)

Para tal, defendemos que a escola se torne efetivamente um espaço capaz


de refletir as desigualdades, as violações, as precariedades e os motivos pelos
quais as “normas operam para tornar certos sujeitos pessoas reconhecíveis e
tornar outros decididamente mais difíceis de reconhecer” (Butler, 2015, p.20).
Por enquanto, observamos que no cotidiano, nem todas as escolas estabelece-
ram como horizonte de expectativa esse novo projeto formativo. Sabemos que
algumas delas têm optado por assuntos mais “tranquilos”, igualmente legíti-
mos, mas já consolidados. Temas que foram sensíveis em outras épocas, mas
que já incorporaram as disputas por sua significação.
Entre trabalhar com os testemunhos de violações cometidas pelo Estado
às vítimas das ditaduras na região e questionar suas condições de possibilidade,
preparando as bases para a condenação de qualquer novo intento de violação

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Apresentação • Dossiê

de direitos humanos, a abordagem recorrente opta pela memorização dos no-


mes dos presidentes e seus atos institucionais. Entre discutir políticas afirma-
tivas de reparação para afrodescendentes e responder por que têm os vivos que
se responsabilizar pelas infâmias do passado, destaca-se a influência africana
em nossa alimentação, na religião e nos ritmos musicais. Entre explicar que a
identificação das pessoas com determinados papéis sociais são construções
históricas, que mudam ao longo do tempo e de sociedade para sociedade, e
abrir espaço para a discussão sobre as relações de gênero socialmente oculta-
das, a história das mulheres se resume à luta pelo direito ao voto.
O problema dos temas sensíveis é que eles não são fáceis de tratar nem
em sala de aula nem em lugar nenhum, como também aponta Verena Alberti
(2014). Segundo essa autora, para abordar temas sensíveis é necessário, antes
de tudo, um ambiente seguro, onde alunos e professores se sintam confortáveis
para debater e correr riscos. Nesse ponto, o apoio da escola é fundamental.
Também é preciso tempo para entender questões complexas e se apropriar das
informações novas que elas ensejam, porque a superficialidade do debate pode
gerar, à revelia do que se propõe, mais dualismos e estereótipos. Acrescentamos
que é fundamental incluir não só o que se passou, mas também como foi rela-
tado pelos distintos atores políticos e sociais, abrindo assim espaço para o
trabalho com diferentes versões da história. Por fim, é essencial o envolvimen-
to pessoal.
É preciso muita disposição e engajamento para produzir tanto a curiosi-
dade quanto a vontade de se envolver plenamente em questões que, provavel-
mente, exigirão lidar com emoções, tomada de posição, raciocínios complexos
e resolução de conflitos. Os estudantes precisam vivenciar situações de apren-
dizagens que impliquem refletir sobre suas próprias representações, imaginá-
rios e emoções. Assim, eles são incentivados a tomar posições, a identificar-se
e a interagir com identidades e posições diferentes das suas, e a história passa
a ser vista como uma forma de conhecer o mundo para o qual estão
crescendo.
Mas fica um alerta:

O ensino de questões sensíveis e controversas não tem como objetivo chocar ou


apenas dar a conhecer eventos chocantes do passado. O objetivo é suscitar a re-
flexão dos alunos. É preciso saber passar de fase, nesse jogo: da sensibilização

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Apresentação • Dossiê

para a reflexão. Não adianta ficar chocado, só; com bolo no estômago, só. É pre-
ciso transformar o conhecimento em trabalho de reflexão: como foi possível che-
garmos a esse ponto? Podemos dizer que as violações de direitos humanos e os
horrores estão restritos a esse tema estudado? (Alberti, 2014, p.3)

Para nos encorajar diante de tantos desafios, decidimos mobilizar neste


dossiê professores e pesquisadores do Ensino de História da América do Sul
(Argentina, Chile e Brasil) na reflexão sobre o ensino de nossas histórias sen-
síveis e as práticas pedagógicas comprometidas com a promoção dos direitos
humanos. Histórias partilhadas, com potencial para construir/tencionar iden-
tidades e gerar empatia entre aqueles que se sentem parte dela. Histórias pú-
blicas, que para serem publicizadas perpassam a ação educativa, a prática
pedagógica e a função social do saber histórico escolar.
Os autores que contribuíram para esta publicação preocuparam-se em
analisar como o saber histórico escolar incorpora essas questões, e apontam
alguns caminhos que podem ajudar a ampliar essa discussão em sala de aula e
na formação de professores. Questões importantes, como por exemplo: como
organizar um cenário para aprender e ensinar temas sensíveis; como as aulas
de história podem contribuir para a construção da cultura de paz, e quais são
as estratégias para explorar os temas sensíveis em sala de aula, dentre muitas
outras. Entre os temas investigados estão as ditaduras civil-militares, migrações
contemporâneas, questões relativas à violação dos direitos humanos e os de-
safios enfrentados pelos docentes no cotidiano escolar para historicizar temas
ligados ao preconceito racial, regional, social e cultural. Trata-se de interroga-
ções que perpassam a escrita dos artigos de forma que possamos construir
respostas provisórias para pensar como a aprendizagem histórica, no espaço
escolar, tem colaborado para a educação em direitos humanos ao mobilizar
um passado recente, repleto de sentidos e sentimentos.
Abrindo o Dossiê, temos o artigo de Fernando Seffner e Nilton Mullet
Pereira, “Ensino de História: passados vivos e educação em questões sensíveis”,
que atenta para a sensibilidade do professor na abordagem dos temas sensíveis.
Segundo os autores, esses temas são fruto de uma relação entre passado e pre-
sente, e sua aprendizagem se dá na forma de uma experiência que “desestrutura
a temporalidade progressiva e evolucionista da História eurocentrada”. Tal
propósito revitaliza o debate na sala de aula de história, tensiona o currículo

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Apresentação • Dossiê

oficial e indica possibilidades para a formação de professores em tempos de


incertezas.
Na sequência, no texto de Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves
de Andrade, “Aprender e Ensinar os princípios dos direitos humanos nas uni-
versidades brasileiras: Histórias dos(as) professores(as) de História”, o leitor
poderá refletir sobre o processo de formação inicial dos(as) professores(as) que
busca dialogar com os princípios da educação em defesa dos direitos humanos
em duas experiências formativas realizadas ao longo de 2017 em Instituições
de Ensino Superior (IES), situadas nas cidades de Recife e São Paulo. O texto
apresenta reflexões sobre as experiências vivenciadas por docentes de história
no ato de aprender e ensinar os princípios dos direitos humanos nas univer-
sidades brasileiras, sobretudo em tempos de incertezas e crescente desigualda-
de social.
Já o texto de Maria Paula González, “La última dictadura argentina en el
aula: entre materiales, textos y lecturas”, analisa a prática de um professor de
história da cidade de Buenos Aires que exerce a docência em condições favo-
ráveis para abordar o tema da última ditadura na Argentina. Entre maio e
junho de 2017 a autora observou aulas, realizou conversas e analisou materiais
didáticos do professor e, com isso, indica a natureza inventiva da prática do-
cente. Ao mesmo tempo a autora nos instiga a pensar a pesquisa em ensino de
história com atenção à materialidade das práticas.
Na mesma perspectiva, o artigo de Juliana Pirola Balestra, “Histórias ví-
vidas: usos do passado recente entre jovens estudantes”, resulta de uma pes-
quisa sobre os usos da história das ditaduras entre jovens estudantes de São
Paulo, no Brasil, e Buenos Aires, na Argentina. Entre lembrar o vivido e lem-
brar as representações alheias a autora questiona o que fica para os jovens deste
passado recente. Ao fazer isso, ela nos brinda com um estudo esperançoso para
o ensino da história, visto que a maioria dos jovens que demonstraram usar a
história recente para tomar uma decisão o fizeram em prol de uma atitude
solidária.
Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara,
em “Los hechos históricos de la Transición Democrática Chilena en las aulas
de educación secundaria”, complementando a discussão, investigaram o que
sabem os estudantes chilenos sobre o período de transição democrática no país
e de onde vêm esses conhecimentos. Como já sabemos, a democracia não

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Apresentação • Dossiê

chega como algo natural depois das ditaduras, fruto só de acordos e consensos,
mas como uma conquista que só se efetiva quando a sociedade luta para alcan-
çá-la. Conhecer esse processo permite, portanto, manter-se vigilante em sua
defesa permanente. A pesquisa foi realizada em quatro cidades chilenas (La
Serena, Valparaíso, Santiago e Concepción) e contou com a participação de
mais de 600 estudantes, os quais destacaram a participação de atores sociais,
mais que políticos, nessa história.
O artigo de Marisa Pineau, “África en Argentina. Enseñando historia afri-
cana en las universidades argentinas”, questiona a prerrogativa da Argentina
como um país formado por descendentes europeus, invisibilizando a popula-
ção afrodescendente na história nacional e no imaginário social. A partir da
experiência desenvolvida na Universidad de Buenos Aires, a autora desenvolve
sua reflexão sobre os limites e possibilidades do ensino da história da África
nas universidades argentinas, com ênfase em interculturalidade, direitos hu-
manos e relações étnico raciais.
As reflexões propostas por Carmem Zeli de Vargas Gil e Jonas Camargo
em “Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas”,
por sua vez, retomam a definição conceitual de temas sensíveis e traçam algu-
mas reflexões sobre a sua abordagem no cotidiano escolar. Quais são os temas
sensíveis? Para quem são sensíveis? Com que fins abordá-los em aulas de
História? São sensíveis em si ou se tornam, dependendo do encaminhamento
do professor e das necessidades dos alunos? Essas e tantas outras questões são
instigadas pelos autores a partir de inquietações compartilhadas em múltiplas
vozes que destacam a abordagem da última ditadura civil-militar no Brasil e o
racismo associado à migração de senegaleses para o Brasil.
O artigo de Humberto Miranda, “Aulas de História e direitos da criança
e do adolescente: entre possibilidades e desafios”, situa o Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) no seu momento de construção e tensiona o “sujeito
universal” que nele está presente. Ele nos instiga a pensar as infâncias e os
direitos humanos na perspectiva da história ensinada, convidando-nos a re-
fletir sobre as questões que envolvem os sujeitos protegidos pelo ECA como
questões socialmente vivas nas aulas de História.
Ao final, a emocionante entrevista realizada com Vera Carnovale, “A dor
dos outros como tema das aulas de história”, nos inspira a assumir com mais

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Apresentação • Dossiê

confiança um posicionamento político diante dos temas sensíveis e controver-


sos, a nos envolvermos e a tomar partido de nossa própria história.
Diante dos desafios enfrentados por professoras e professores no cotidia-
no escolar para discutir temas do passado recente e a reação das crianças e
adolescentes no momento de problematizar questões relacionadas à violação
de direitos humanos na América latina durante os regimes autoritários, deci-
dimos mobilizar os pesquisadores da América do Sul para se debruçarem sobre
questões complexas que perpassam a ação educativa, a prática pedagógica e a
função social do saber histórico escolar. Questões importantes – “Como orga-
niza um cenário para aprender e ensinar temas sensíveis?” “Como as aulas de
história podem contribuir para a construção da cultura de paz?” “Quais são as
estratégias utilizadas para explorar os temas sensíveis em sala de aula?”, por
exemplo – foram respondidas com base na experiência dos diferentes
professores.
Nesse sentido, os pesquisadores que contribuíram com a composição do
Dossiê preocuparam-se em analisar como o saber histórico escolar tem discu-
tido os problemas sociais que permanecem vívidos e que continuam a provocar
desigualdades, intolerância e as mais diferentes formas de violação à dignidade
humana. O desafio é pensar como a aprendizagem histórica no espaço escolar
tem colaborado para uma educação em direitos humanos, ao explorar temas
sensíveis e que mobilizam um passado recente, repleto de sentidos e
sentimentos.
Em tempos nos quais no Brasil se coloca em votação um projeto para
garantir a neutralidade nas escolas ou a maioridade penal, este Dossiê reafirma
nosso compromisso político pelo direito à história, reconhecendo a escola co-
mo um espaço dinâmico de debate, de reflexão e, sobretudo, de construção de
memórias.

REFERÊNCIAS

ALBERTI, Verena. O professor de história e o ensino de questões sensíveis e controversas.


(Palestra). In: COLÓQUIO NACIONAL HISTÓRIA CULTURAL E
SENSIBILIDADES, 4., Caicó (RN), Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres)
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), 17-21 nov. 2014.

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Apresentação • Dossiê

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval M. de. Fazer defeitos nas memórias: para que ser-
vem o ensino e a escrita da história? In: GONÇALVES, Márcia de A. Qual o valor
da história hoje? Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2012.
BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto?. Trad. Sérgio
Tadeu de N. Lamarão e Arnaldo M. da Cunha; rev. de trad. Marina Vargas; rev.
técnica Carla Rodrigues. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.

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DO

Ensino de História: passados vivos


e educação em questões sensíveis
Teaching History: Living Pasts and
Education on Sensitive Issues
Nilton Mullet Pereira*
Fernando Seffner**

Resumo Abstract
Este artigo aborda temas socialmente This article discusses socially controver-
controversos e sensíveis no âmbito do sial subjects and sensitive themes in the
ensino de história. As questões social- context of History teaching. Socially
mente vivas se constituem na contempo- keen questions are built nowadays on
raneidade em objetos privilegiados dos History curricula’s privileged objects,
currículos de história, em função, por according to social demands of identity
um lado, das demandas sociais de grupos groups, such as minorities, and move-
identitários e, de outro, dos movimentos ments that seek to restrict the freedom
que buscam interferir na liberdade de en- to teach and the right to learn, which are
sinar e no direito de aprender, direitos guaranteed by the Brazilian Federal
assegurados na Constituição Federal de Constitution of 1988. This study aims to
1988. O artigo quer construir a categoria analyze the category of living past as a
de passado vivo como elemento central central element in History teaching cur-
na constituição de currículos de ensino ricula establishment, thus, we made a
de história e, para isso, vale-se de um du- double movement: productivity of re-
plo movimento: a produtividade dos siduality and remnant concepts, and the
conceitos de residualidade e remanes- connection of History teaching with the
cência, e a decidida conexão da prática field of education about human rights.
docente em história com o campo da We conclude by discussing some school
educação em direitos humanos. Ao final, situations that faced these issues.
discutem-se algumas cenas escolares on- Keywords: residuality; remaining forms;
de tais questões foram enfrentadas. sensitive education.
Palavras-chave: residualidade; remanes-
cência; educação em temas sensíveis.

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Educação, Departamento


de Ensino e Currículo. Porto Alegre, RS, Brasil. niltonmp.pead@gmail.com.
** Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Faculdade de Educação, Programa de
Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre, RS, Brasil. fernandoseffner@gmail.com.

Revista
Revista História Hoje,História Hoje,
v. 7, nº 13, vol. 7,- 2018
p. 14-33 nº 13
Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

1. Das estratégias de produtividade do ensino de história

Um dos modos de saber da produtividade do ensino de história é estabe-


lecer conexões com outros campos de pesquisa e ensino e com estratégias di-
versas de aprendizagem. Com isso conhecemos melhor as características do
próprio campo analisado, bem como nos desafiamos a perceber sua produti-
vidade diante das questões contemporâneas, das diferentes tradições teóricas,
dos novos desafios das políticas públicas de formação docente, das marcas
próprias das culturas juvenis e das novidades da historiografia. É o que temos
feito em uma já longa trajetória de ocupação com o ensino de história.
Um esforço frutífero e antigo foi pensar a docência de história na conexão
com as tarefas da leitura e da escrita na escola, como se pode ver em Seffner e
Pereira (2008) e em Seffner (1998). A formação de professores(as) de história
também tem sido alvo de nossas investigações. Analisamos a potencialidade
do ensino de história em uma bem-sucedida política pública de formação do-
cente inicial – o Pibid – em Seffner et al. (2016), e apresentamos e refletimos
sobre as atividades realizadas no âmbito do projeto em Meinerz et al. (2013).
Pensando a formação docente continuada, novamente nos indagamos
sobre as possibilidades da docência em história nos mestrados profissionais,
em Gil et al. (2017). Investimento de fôlego tem sido feito para conhecer as
possibilidades do uso de jogos para lecionar história, como se pode ver em
Giacomoni e Pereira (2013). A problematização de temas canônicos no ensino
de história na ótica das representações culturais contemporâneas foi objeto de
Pereira (2017a), ao pensar as apropriações do medievo nos dias atuais.
Problematizar as consequências, para as práticas docentes de história, dos nu-
merosos documentos oficiais regulatórios que nos últimos anos têm sido pro-
duzidos pelo Governo Federal foi propósito da análise em Pereira e Rodrigues
(2017), tomando como objeto a Base Nacional Comum Curricular.
A abordagem de temas socialmente controversos e sensíveis no âmbito
do ensino de história já ocupou nossa atenção em produções como as de
Pereira e Gitz (2013), com o tema do Holocausto na sala de aula; Gil e Seffner
(2016), com a questão do diálogo da prática docente em história com as marcas
das culturas juvenis no ensino médio; Seffner e Picchetti (2016), ao abordar as
questões de gênero e sexualidade – objeto de acentuado pânico moral nos dias
atuais quando de sua abordagem em sala de aula; Seffner (2016), ao abordar a

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Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

escola como espaço público e o professor como um adulto de referência, não


necessariamente em sintonia com as demandas oriundas das famílias e das
religiões; Seffner (2017a), ao lidar com o delicado tema da liberdade de ensinar
e do direito de aprender nas aulas de história; e em Seffner (2017b), ao analisar
as demandas e organização cotidiana dos alunos e alunas que ocuparam as
escolas públicas do Rio Grande do Sul no ano de 2016. Ainda nesse diapasão
dos temas sensíveis e questões controversas, pensar o ensino de história em
uma conjuntura de resistência foi objeto de análise em Pereira (2017b), tra-
zendo à luz possibilidades e oportunidades para a prática docente de história
diante do ambiente político atual.
As chamadas questões socialmente vivas se constituem em objetos privi-
legiados dos currículos de história, por um lado, em função das demandas
sociais de grupos identitários e, por outro, pelos constantes ataques por que
passam professores que se dedicam a dar atenção ao passado vivo. Em sintonia
com a trajetória apresentada de modo resumido e com os desafios do tempo
presente, este artigo pretende construir o conceito de passado vivo como ele-
mento central na constituição de currículos de ensino de história na América
Latina, na contemporaneidade. A ideia de passado vivo nos remete ao elemen-
to da colonialidade que revela uma continuidade na vida dos povos latino-
-americanos, em particular, dos brasileiros. Ao mesmo tempo, queremos
trabalhar com o conceito de residualidades, para pensar um currículo de his-
tória dedicado aos temas sensíveis às questões socialmente vivas. A docência
em geral e em história, em particular, estão sob a mira de grupos e movimentos
que procuram questionar o caráter ético e político da formação do historiador
e dos estudantes que aprendem história nas escolas. Nesse sentido, torna-se
necessária uma reafirmação dos aspectos éticos e políticos das narrativas e das
formas de expressão do conhecimento de que os professores se utilizam para
criar e recriar conceitos históricos em sala de aula. Do mesmo modo, é urgente
a reafirmação dos vínculos éticos e políticos do ensino de história com os
passados sensíveis e vivos e com a compreensão do presente como objeto de
estudo e de intervenção da história.
O objetivo deste artigo é se ocupar do modo como construímos narrativas
e utilizamos formas de expressão dos passados sensíveis e vivos e do presente
igualmente sensível, nas aulas de história, demonstrados mediante exemplos
extraídos da prática cotidiana de orientadores de estágio docente em história.

16 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

Trata-se de, a partir dos conceitos de residualidade e remanescência, pensar a


temporalidade histórica nas salas de aula, dando-lhe os contornos éticos e
políticos que possam permitir pensar os passados sensíveis e colocá-los na
forma de conteúdo da aula de História. Na esteira dessa discussão, pretende-
mos desenvolver o conceito de passado vivo, sob a inspiração da filosofia fou-
caultiana e de pensadores como Hayden White, de maneira a propor que um
encontro com um passado vivo consiste num movimento não de reconheci-
mento das qualidades de um conteúdo, mas de aprendizagem ética que implica
uma relação consigo mesmo.
O aspecto ético se refere, justamente, aos efeitos esperados do ensino, na
medida em que o ato de ensinar faz um recorte no passado, e este se dá em
função das demandas do presente (Jenkins, 2001). Os objetos de docência estão
implicados num processo de representação que tem efeitos no modo como as
novas gerações olharão para si mesmas, para o seu mundo e para os outros. O
caráter ético do ensino de história está justamente no processo de construção
de si mesmo como sujeito de um olhar, como subjetividade marcada por se
permitir realizar uma determinada interpretação do passado e do seu lugar no
presente. O estudo dos passados sensíveis não significa apenas colocar o aluno
diante de um conteúdo disciplinado e frio (White, 1995), mas diante de algo
que desperta um posicionamento ético e político, de indignação diante da
injustiça e da violação dos direitos humanos. A escrita da história sobre esses
passados e seu ensino não são atitudes desinteressadas, mas voltadas ao futuro
– um futuro de tolerância, de reconciliação com a justiça e com os direitos.
Cabe uma palavra, aqui, sobre a preocupação deste artigo e do ensino de
história com o campo da educação em direitos humanos. A aproximação que
desejamos entre a educação em história e em direitos humanos não é fortuita,
pelo contrário, atende a um conjunto de dispositivos legais que, a partir da
Constituição Federal de 1988, indicaram essa obrigatoriedade. Fruto mais vi-
sível para o campo escolar desse percurso das políticas públicas em direitos
humanos foram dois atos do Executivo federal fazendo cumprir disposições
da legislação: a promulgação do Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos (Brasil, 2006) e das Diretrizes Nacionais da Educação em Direitos
Humanos (Brasil, 2013). Mas há uma extensa legislação nos níveis estadual e
municipal que indica essa obrigatoriedade. Em particular, os estados consti-
tuíram Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos (CEEDH) a

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Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

partir da instalação dos Conselhos Estaduais de Direitos Humanos. Essa es-


trutura alcança todas as unidades da Federação.1 Como resultado desse inves-
timento, temos a produção e visibilidade de numerosas experiências
pedagógicas, realizadas por professores e alunos com diferentes temas no
guarda-chuva da educação em direitos humanos e em muitas e diferentes rea-
lidades e contextos culturais e educacionais do país. Parte da produção pode
ser vista nas premiações anuais do Prêmio Nacional de Educação em Direitos
Humanos e do Prêmio Ibero-americano de Educação em Direitos Humanos
“Óscar Arnulfo Romero”. Ao pensar o ensino de história como produtor de
uma educação em temas sensíveis necessariamente alargamos o diálogo acerca
dessa prática com a educação em direitos humanos.
Os direitos humanos têm seu documento legal internacional mais conhe-
cido na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, aprovada no
plenário das Nações Unidas, e que completa 70 anos em 2018 (ONU, 2009).
Muitas décadas depois, a partir de iniciativas promovidas por vários países e
por órgãos de cooperação bilateral e multilateral, as Nações Unidas lançaram
o Programa Mundial para a Educação em Direitos Humanos e um Plano de
Ação (ONU, 2006). O Brasil é signatário de todas essas iniciativas e, em sinto-
nia com elas, desenvolveu políticas públicas e documentos oficiais próprios,
tendo também integrado em seu ordenamento jurídico esses documentos in-
ternacionais com força de lei. Em cada país a educação em direitos humanos
tomou cores próprias, a depender dos desafios culturais, políticos e sociais de
cada contexto. Vale lembrar que aqui no Brasil a adesão a essa regulamentação
internacional aconteceu quando o país avançava em termos de densidade de-
mocrática, tendo saído do período de ditadura militar e proclamado a chamada
Constituição Cidadã em 1988, a Carta Magna que mais direitos sociais contém
em toda a nossa história.
Desse modo, nossas diretrizes para a educação em direitos humanos no
ambiente escolar se amparam tanto em princípios constitucionais quanto em
metas desenhadas para alcance pela sociedade: a dignidade humana enquanto
direito básico da vida assegurado a qualquer cidadão/ã brasileiro/a e definida
como direito humano no texto constitucional de 1988; a igualdade de direitos
pensada como terreno oportuno para a vida em sociedade e com justiça social
e como dever de garantia pelo Estado e pelas políticas públicas; o reconheci-
mento e a valorização das diferenças e das diversidades, implicando um debate

18 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

analítico de cada contexto e adoção de mecanismos jurídicos que tomem em


conta os diferentes marcadores sociais da diferença que podem vir a produzir
situações de desigualdade; a laicidade do Estado – princípio constitucional
expresso na Constituição Federal de 1988 e que busca assegurar que o Estado
não promoverá nenhuma religião em particular, mas zelará para que cada um
possa professar o culto que mais lhe pareça adequado, em sintonia com as li-
berdades laicas (liberdade de consciência, liberdade de expressão e liberdade
de crença, todas elas constando em nossa Carta Magna); a obrigatoriedade do
exercício da gestão democrática nas políticas públicas de educação e que deve
também estar expresso no cotidiano escolar e se encontra garantido tanto no
texto constitucional quando nas ordenações do Plano Nacional de Educação
e em legislações estaduais e municipais dali derivadas (Gomes, 2015); a trans-
versalidade, a vivência e a globalidade, orientando a construção de ações pe-
dagógicas da educação em direitos humanos que podem tanto se alocar em
uma disciplina específica, como fazer parte de projetos colaborativos interdis-
ciplinares; e a sustentabilidade socioambiental, percebida como garantia de
futuro para a sociedade e para o planeta.
É sobre essa plataforma legal que avançamos neste artigo, com conside-
rações em torno da produtividade do ensino de história quando busca dar
conta da educação em temas sensíveis, e o faz orientado pelos princípios da
educação em direitos humanos. Como historiadores, assumimos que não se
pode falar de uma natureza humana anterior à história e à cultura, que se
poderia localizar, identificar e definir por si mesma, para dali extrair direitos,
deveres e contorno humano que valeriam desde sempre e para sempre. Mas
assumimos que, para o momento histórico-político-cultural em que vivemos,
há um conjunto de princípios fundamentais ligados à dignidade humana e as
melhores políticas para fazer viver e alargar as condições de vida com igualdade
de oportunidades e direito à formação integral. A educação escolar – e a his-
tória como seu importante componente disciplinar – não pode estar alheia a
esses propósitos. Vale lembrar que nos dias de hoje ainda temos no Brasil um
longo caminho para assegurar uma vida em sociedade e no cotidiano escolar
em que duas preocupações presentes em 1948, quando foi aprovada a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, possam ser consideradas como
bem equacionadas: o direito ao mais amplo exercício da liberdade de expressão
e de viver sem sentir medo, por parte de alunos e professores. O ensino de

Junho de 2018 19
Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

história tem parcela importante de responsabilidade e possibilidade de reverter


esses dois traços culturais tão presentes no ordenamento social brasileiro.
Feitas essas considerações de caráter mais geral e introdutório, encaminhamos
agora nossa escrita para o terreno mais propriamente das práticas docentes em
história, discutindo os conceitos de passado vivo, residualidade e remanescên-
cia, para chegar então a uma definição estratégica e pedagógica do que enten-
demos por educação em temas sensíveis. A partir disso vamos apresentar e
analisar cenas do cotidiano de aulas de história em que se expressam tensões
em torno do que nos propusemos a dialogar.

2. Sobre o passado vivo: residualidade e remanescência

Pensar um currículo de história, hoje, para escola básica sem levar em


consideração os temas desestruturantes e sensíveis é continuar a pensar um
currículo eurocêntrico, cronológico, dominante, branco, heterossexual e até,
quem sabe, racista. Dito de outro modo, consiste numa submissão da aula de
História a um passado morto, objetificado como fonte para o deleite intelec-
tual. Situamos o debate neste artigo, ao contrário, em torno da ideia de passado
vivo, que tem a ver com a uma insistência de um passado que não passa e que,
desse modo, desestrutura a temporalidade progressiva e evolucionista da
História eurocentrada.
Supor um passado vivo implica pensar duas urgências que se apresentam
hoje ao ensino de história: as questões sensíveis e a diferença. As questões
sensíveis nos deslocam e nos colocam no lugar de alguém que pensa o presente
ao mesmo tempo que pensa o passado, ou pensa o passado ao mesmo tempo
que pensa o presente. São questões que nos levam a discutir o problema das
identidades, o problema das subjetividades; são questões que nos levam a dis-
cutir o pertencimento e a necessidade que os jovens têm de se reconhecer
numa história determinada ou em histórias determinadas; de olhar para si
mesmos e se autoafirmarem. Ao mesmo tempo, entendemos pensar a diferença
na forma da experiência. Pensar que quando estudamos um passado que não
se relaciona com o nosso presente, de nenhum modo, não estamos estudando
alguma coisa absolutamente apartada da vida de cada um de nós. Ao contrário,
é olhar para um passado distante do nosso presente, do ponto de vista da re-
lação de pertencimento que temos com ele, e sentirmos um estranhamento, de

20 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

tal forma que este nos permita abrirmo-nos a uma experiência alheia, nova,
inusitada, que nos desloca do presente e nos leva ao futuro. Esse outro elemen-
to que não é do pertencimento, mas sim do estranhamento, também é frutífero
para o ensino de história e para a vida, porque nos leva a pensar o passado
tendo um uso que permite problematizar o presente e pensar experiências
ainda impensáveis neste momento. Pensar o passado como diferença é poder
pensar o impensável, que é aquilo que, justamente, nos faz dar o salto no pre-
sente para pensar novos mundos possíveis.
Eis, portanto, duas urgências no ensino de história para os direitos huma-
nos: se, por um lado, compreendemos que não se pode organizar um currículo,
uma aula de história que dê conta dos temas desestruturantes da vida dos jo-
vens e da sociedade brasileira nos tempos atuais – que lhes permita compreen-
der o que é o presente e se orientar no presente, construir uma identidade, criar
referenciais –, por outro lado é necessário para a aprendizagem histórica outro
salto, que é pensar a diferença na forma da alteridade. Ou seja, “aprendo sobre
mim mesmo na relação com o outro, mas, sobretudo, aprendo com o outro a
experiência que nunca tive”, e é isso o que permite a movimentação no tempo
em direção ao futuro para novas experiências.
Com base nessa dupla preocupação, que nos parece estar resumida no
campo dos direitos humanos e da aprendizagem histórica na forma da abor-
dagem das questões sensíveis, procuramos pensar duas questões interiores a
essa dupla preocupação. A primeira consiste em pensar que os temas sensíveis
indicam outra maneira de construir a temporalidade. Se pensamos um tema
sensível ancorado na ideia de que o passado é exterior ao presente, não estamos
colocando elementos da sensação para discutir o tema sensível. Em nossa con-
cepção, um tema sensível vive do paradoxo temporal: o passado convive com
o presente; um passado que não passa; um presente que não deixa de ser pas-
sado. Um tema sensível não pode ser analisado do ponto de vista cronológico,
evolucionista, progressivista, como pensaram os iluministas ou como pensou
o eurocentrismo. Para refletir sobre o nazismo é preciso se dar conta de que
ele não é algo do passado, que deve ser estudado com distanciamento, do ponto
de vista metodológico, teórico, que nos coloque numa situação de leitores de
algo que nos é alienado, exteriorizado. O nazismo é algo que nos indica um
paradoxo temporal: ele é, ao mesmo tempo, passado e presente. Os seus efeitos
se estendem no presente e, infelizmente, se estenderão, ainda, ao futuro. O

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Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

racismo decorrente da escravidão das pessoas negras no Brasil não é algo que
passou: é algo que não passa, não cessa de multiplicar os seus efeitos. Temos
aí o paradoxo temporal: ninguém poderá, simplesmente, ensinar a cronologia
da escravidão sem pensar que a escravidão não é outra coisa senão o elemento
ao qual está ligado o processo de colonialidade e estão ligados os processos de
racismo e discriminação que existem em nossa sociedade.
Faz toda a diferença dar-se conta de que “quando penso um tema sensível,
tenho que me abrir; tenho que estar em abertura; tenho que estar despersona-
lizado de todas as determinações que o conhecimento europeu, desde
Descartes, tem instituído para mim. Tenho que abandonar tanto o racionalis-
mo quanto o empirismo; e, sobretudo, tenho que abandonar a ideia da crono-
logia como se fosse algo natural do pensamento histórico”. O mais importante
que a história nos ensina é que não há nada que seja “da natureza”; nada que
possa ser universal; nada que possa se colocar como uma narrativa que abranja
todas as outras narrativas. Logo, o tempo cronológico não é outra coisa senão
uma criação – e uma criação perversa; é uma espécie de colonialidade do tem-
po (Quijano, 2005),2 de tal modo que pensamos no interior dessa maneira de
dar conta do tempo no nosso dia a dia, na nossa vida e na nossa relação com
o passado. Não é uma coisa simples de se romper, uma vez que continuamos
ainda colonizados. Supor que há uma essência na história, que seja pensá-la
do ponto de vista cronológico, é trair a própria história. Afinal, ela indica que
não há uma narrativa universal, não há uma única forma de pensar o tempo.
A experiência do tempo dos indígenas Guarani é absolutamente incomensu-
rável se partirmos dessa temporalidade europeia, eurocentrada.
A segunda questão que nos auxilia a pensar os temas sensíveis é “apren-
dizagem e experiência”. Estamos propondo que a aprendizagem de um tema
sensível só pode ter sentido se for uma aprendizagem da experiência (Bondía,
2002). Quando aprendemos alguma coisa, do ponto de vista da filosofia ante-
rior a Descartes, aprendemos para nos transformarmos com aquilo que apren-
demos (Foucault, 2004). A aprendizagem não é vista como um mero acúmulo
de qualquer coisa, nem de conceitos, nem de informações. A aprendizagem
implica uma transformação subjetiva. E é isso que compreendemos aqui como
aprendizagem. Podemos pensar o tema do genocídio indígena no Brasil. É
possível apenas dizer que existiu o genocídio no Brasil e discutir as causas
desses processos, dar-lhes datas, informações, fazer levantamentos de

22 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

documentos e assim por diante. Se fizermos apenas isso estaremos abordando


um passado frio e disciplinado, exterior, e que é tornado objeto, fato, apartado
do sujeito que conhece (White, 2014).
Até Descartes não havia distinção entre aprendizagem e espiritualidade,
entre aprender e transformar-se como sujeito. Descartes inaugurou, na filoso-
fia, essa ideia de que o sujeito do conhecimento é tão racional que está abso-
lutamente imune às questões da vida, da experiência: conhecer é algo que
permite acumular conceitos e informações. Preferimos seguir a linha da forte
crítica elaborada por Nietzsche e Marx, no século XIX, e pensar que a apren-
dizagem implica transformação de si. O que se precisa pensar é justamente a
ideia de que aprender sobre o genocídio indígena no Brasil não pode ser algo
que o professor simplesmente exponha em aula, como “matéria dada”. Há que
se ter acontecimento nessa aula: que alguém chore, que alguém se espante, que
alguém ache um absurdo, que alguém diga “professor, o senhor não tem o
direito de nos mostrar isso que está nos mostrando! O senhor não tem o direi-
to, é muito forte, é muito pesado!”. Uma aula de história provoca sensações,
muito mais que simplesmente ensina causas, efeitos e consequências. A ques-
tão que se coloca é que uma aula de história provoca sensações.
Na percepção que temos da história disciplinar, profissional e, por que
não dizer, eurocêntrica, a análise de um fato, a compreensão e a explicação
desse fato, é um modo de enclausurá-lo, analisá-lo, compreendê-lo e explicá-lo
num passado distante. Essa distância é medida não apenas pelo que de estra-
nho o tempo do fato tem em relação ao presente, mas pela enorme distância
entre o objeto e o sujeito do conhecimento. Não se trata de um estranhamento,
mas de uma distância epistemológica. A construção da narrativa envolve duas
entidades opostas, distantes e apartadas: passado/fato/objeto e presente/sujeito.
Esse passado recortado é frio e disciplinado, é tratado como um bibelô pronto
a ser objetificado e individualizado pelo discurso. Dessa relação de absoluta
exterioridade entre passado, objeto, presente e sujeito não se extrai nada de
vida, nada que permita expandir a vida; e expandir a vida é exceder os limites
do presente. Essa forma de conhecer o passado tem sido, por muitos anos,
comum às salas de aula de história e a livros didáticos. De outro modo, o pas-
sado é vivo, pois não apenas ele insiste no presente, na forma de questões
abertas e sensíveis, como também insiste como acontecimento que provoca
aprendizagens novas. Desse diagrama que construímos podemos visualizar

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Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

duas urgências ao ensino de história: as questões sensíveis e a diferença. Diante


dessas duas questões – uma dupla preocupação – situam-se dois elementos da
aprendizagem histórica: o paradoxo temporal que pensa presente e passado de
uma só vez, e uma aprendizagem da experiência que deixa de apartar sensibi-
lidade e inteligência, corpo e alma, conhecimento e ética.
Dessa forma, temos um passado vivo que se prende ao presente como
residualidade ou como remanescência, constituindo o ser do paradoxo tem-
poral. As aulas de história se põem a tomar como conteúdo de ensino e apren-
dizagem as residualidades do passado que não passam, que se estendem ao
presente e que habitam a memória, constituindo experiências. A seguir que-
remos pensar diversas dessas residualidades e remanescências, ou seja, sobre-
vivências do passado que se instalam na história e na memória e que insistem
e nos fazem ver as experiências como virtualidade atuais.
A teoria das residualidades é um roubo que fazemos dos estudos medie-
vais, que se propõe a pensar as permanências e as insistências de elementos do
pensamento medieval na atualidade. Como afirma Pontes (Informação
Verbal): “Quando falo de resíduo, digo remanescência; se pronuncio resíduo,
refiro-me a sobrevivência … resíduo é aquilo que remanesce de uma época
para outra e tem a força de criar de novo toda uma obra, toda uma cultura. O
resíduo é dotado de extremo vigor. Não se confunde com o antigo”.3 Fizemos
uma livre apropriação do conceito para pensar a residualidade como a mate-
rialidade do paradoxo temporal. O passado insiste, mas na qualidade de pas-
sado, contínuo fluxo que passa, nunca é o mesmo de um momento para o
outro. Desse modo, sobrevivem resíduos que se atualizam no presente, guar-
dando em torno de si uma virtualidade que a prende ao passado. Remanescer,
nesse sentido, é fazer subsistir o passado no presente. Se os estudos medievais
se debruçam sobre elementos da mentalidade medieval (Macedo, 2011),4 da
literatura e das práticas sociais, e buscam seu modo de ser no presente, o que
procuramos são passados residuais que insistem em se manter vivos pela sua
própria vitalidade, uma vez que seu caráter de abertura e de infinitude os torna
ao mesmo tempo passado e presente.
A preferência pela teoria das residualidades e das remanescências, e não
pela ideia de permanência, diz respeito ao fato de que a noção de permanência
parece se relacionar com algo fixo, inalterável, que permaneceu, mas

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Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

queremos, ao contrário, pensar nas diversas apropriações que historicamente


se deram com esses passados que insistem no presente.

3. O ensino dos passados vivos em articulação


com a educação em temas sensíveis

Um passado vivo em sala de aula constitui-se dos dois elementos já de-


moradamente descritos neste artigo: a noção de que um passado vivo continua
a fluir ao mesmo tempo que o presente, e a ideia de que sua aprendizagem se
dá na forma de uma experiência. O que descreveremos a seguir são aconteci-
mentos de salas de aula da escola básica nos quais se pode ver a passagem de
um passado vivo que provocou experiências nos estudantes, permitindo uma
aprendizagem sobre e com os direitos humanos.

3.1 Raça: o passado entra estridente pela janela

Tarde escaldante em Porto Alegre, o pouco vento que circula traz ar de


tempestade e chuva que se avizinham. Escola de ensino fundamental, Zona
Leste de Porto Alegre, periferia urbana, não muito distante da região do sam-
bódromo, já final do ano letivo. Sentado no fundo da sala, observo o estagiário.
Nada está andando muito bem por aqui. Barulho de uma obra na rua logo em
frente à escola. Gritaria excessiva de crianças no pátio. Esta turma tem aulas em
um prédio ainda de madeira. Tudo range no chão quando alguém caminha ou
simplesmente se mexe na cadeira. Há uma dispersão geral no ar. Eu mesmo
estou suando e entediado. Aula muito tradicional sobre escravidão no Brasil.
Fatos, algumas gravuras de dois livros grandes de pinturas do Debret, datas,
nomes, cidades, relato de situações de opressão no trabalho, de censura na vida
religiosa, depoimento dramático da separação de mães e filhos no porto de
chegada no Rio de Janeiro, histórias de fuga de negros e perseguição pelos
feitores. Muita falação, mas nenhuma conexão à situação da população negra
no Brasil contemporâneo. Tudo ficou lá atrás, na colônia brasileira, e parece
não afetar a vida de ninguém aqui. O estagiário se preparou, coisas interessantes
são ditas por ele, mas são chicotadas no mar, não deixam marca nenhuma na
classe de jovens. Na sala, o alunado é predominantemente negro ou pardo, e
todos com certeza pobres. O estagiário é um rapaz muito jovem, muito bonito,

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Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

e loiro. Ninguém faz pergunta nenhuma, todos tentam ficar em silêncio; pro-
cedendo assim, querem ajudar o estagiário, nota-se que têm simpatia por ele,
mas não conseguem estabelecer um diálogo. Ele se esforça para que os alunos
participem, está muito nervoso, e eu tenho uma parcela importante de culpa
nisso, pois estou aqui como supervisor do estágio. Me apresentei à classe de
alunos dizendo claramente que estava ali para avaliar o trabalho docente do
estagiário, não tenho como dizer outra coisa, é essa a minha tarefa. Solicitei a
colaboração dos alunos e alunas para o sucesso da aula e sentei no fundo, como
sempre, com o bloco de anotações na frente. Sempre que escrevo algo no bloco,
percebo que os alunos e alunas olham com curiosidade. Já estou contando os
minutos para que toque a sineta, embora sabendo que terei de voltar outro dia,
pois, com um desempenho assim não há como me dar por satisfeito com o
trabalho do estagiário. A tarde está perdida. Aí acontece algo que muda tudo.
Uma sirene estridente de polícia se escuta ao longe, vai crescendo, captura a
atenção de todo mundo, logo já vemos a viatura policial da brigada militar
passando em frente à escola. Nos damos conta de que são duas viaturas, na
realidade. Elas reduzem muito a velocidade, a tal obra do outro lado da rua está
cercada por montes de saibro, difícil passar pela frente da escola, penso que
mesmo o meu carro deve estar atrapalhando o trânsito, pois deixei meio atra-
vessado entre calçada e rua. As sirenes não permitem que se escute mais nada,
todo mundo olha, crianças se levantam das cadeiras. A coisa passa, a situação
volta ao que estava antes. E uma aluna afirma – ou pergunta – com voz muito
audível: “estão perseguindo um negro, que nem lá, onde o professor estava fa-
lando, não é?”. Imediatamente a sala fica inundada de observações feitas por
outros alunos, nem consigo anotar tudo, pois são muitas falas ao mesmo tempo,
mas se escutam afirmações como: “Quando entro no supermercado X (grande
rede em Porto Alegre), sempre o fiscal fica me seguindo”. “Na padaria lá na
faixa os outros pegam o pão no balcão e vão pagar no caixa. Quando sou eu,
eles levam o pão ao caixa, eu pago, e só depois eles me entregam o pão”. “A
minha mãe e eu fomos no crediário, e ela deixou a bolsa na cadeira, enquanto
ia beber água no bebedouro, e quando voltou e pegou a bolsa de novo, o guarda
veio perguntar se a bolsa era dela mesmo”. “Eu disse pra minha tia que eu nem
quero mesmo tênis novo no Natal, porque negrão com tênis novo é roubada
na certa, é muita explicação o tempo todo”. A agitação sobe de tom quando
uma aluna diz em voz bem alta “e tem aquela professora querida que falou um

26 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

dia que para ser empregada doméstica a gente nem precisava estudar muito, no
nosso caso, emprego era mais importante do que estudo”. O passado ligado à
raça e à escravidão não passou; bastou uma sirene, e ele invadiu a sala. Para meu
espanto, o estagiário se anima, bate palmas, pede atenção, parece que o ligaram
na corrente de 220 volts. Traça uma linha de caneta vermelha dividindo o qua-
dro branco (a única coisa moderna que há nessa sala) e, enquanto escreve, vai
dizendo aos alunos “aqui desse lado, a gente vai fazer uma lista de coisas como
eram antes, antigamente, no tempo da escravidão; e aqui desse outro lado, a
gente vai escrever como é hoje, todo mundo tem que copiar tudo, e depois a
gente vai fazer um debate”. Percebo que a tarde foi salva pela sirene da polícia.
Mais surpreso fico quando os alunos listam os elementos “de antigamente” com
precisão, ou seja, eles haviam escutado e guardado na memória, talvez apenas
não soubessem o que fazer com aquilo. Quando a lista “das coisas de hoje”
começa a ser feita, uma aluna sugere que se faça como em alguns exercícios do
livro, ligue a coluna da direita com a da esquerda. Todo mundo ri e concorda,
os alunos agora estão também conduzindo a aula, o poder se repartiu entre
docente e discentes. A afirmação de antigamente, “trabalhavam e não ganha-
vam salário”, fica ligada por uma seta com a afirmação de hoje, “trabalham e
ganham o salário mais baixo do mercado”. Fazem-se conexões ligadas a local
de moradia, religião, maus tratos, preconceito. Verdade seja dita, tudo é feito
de modo um tanto aligeirado, mas há agora um vigor na sala, um envolvimento,
que contrasta nitidamente com o momento anterior. E assim a aula segue, até
que a sineta da troca de períodos interrompe tudo e os alunos correm para fora.
Alguém falou que a ventania da chuva já dá para ver ao longe, o desejo de qual-
quer pessoa sensata numa tarde dessas é que a chuva comece logo. Um menino
se aproxima de mim e diz com o ar mais zombeteiro que se possa imaginar: “a
gente acha o nosso professor muito massa, mas ele precisa de um empurrão
toda hora, é sempre assim, mas ele é mais legal que a nossa professora. Ela, nem
adianta empurrar mais, ela não anda”. O menino nem espera eu comentar al-
guma coisa, sai empurrando os outros meninos a sua frente, aos gritos de “em-
purra gente, empurra gente”.

3.2 Homofobia como residualidade medieval

Evidentemente, o termo homofobia não se aplica ao passado medieval.


Nem mesmo supor a existência de uma legislação que pudesse tornar crime

Junho de 2018 27
Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

tal prática. Entretanto, resíduos de uma prática que se ocupou de estabelecer


um lugar para o outro em função de sua identidade de gênero ou de suas prá-
ticas sexuais parece se desprender das circunstâncias e do contexto da vida dos
medievais do Ocidente e inserir-se na atualidade, sob outras roupagens, com
outros objetivos, como singularidade que se mede pela sua extensão na atua-
lidade. Desse modo, foi possível, em um estudo que preservou as particulari-
dades de cada período, da Idade Média ocidental e da atualidade da sociedade
brasileira, pensar a questão dos direitos, da tolerância, das diferenças e de uma
questão bem particular do nosso mundo hoje, a homofobia, por meio de um
estudo sobre a sodomia e a bruxaria na Idade Média. A porta de entrada, o
disparador a partir de onde foi possível pensar o presente por uma residuali-
dade medieval entre nós, foram as condenações das práticas sodomitas pela
Inquisição medieval, elemento intimamente ligado à misoginia medieval, re-
síduo igualmente importante nos tempos atuais.5 Trata-se de uma questão
sensível em todos os seus contornos, historicizada na forma da residualidade
e a partir de um disparador que procura não aproximar períodos históricos,
mas perceber práticas que se alongam no tempo fazendo passado e convivem
no presente.

3.3 O Nazismo como atualidade

Pensar o nazismo como um passado que não cessa de insistir no presente


tem implicações éticas e políticas, pois seu estudo permite aprender e pensar
novas experiências de vida sem o nazismo e suas mazelas. Uma atividade es-
colar perguntou aos alunos, em primeiro lugar, quando o Nazismo existiu, e
todos foram rápidos em afirmar que foi no século XX, na época da Segunda
Guerra Mundial. O exercício implicava problematizar com os alunos que o
que constituía o Nazismo é ainda atual, e eles foram provocados com perguntas
sobre se existe hoje, no século XXI, intolerância, racismo, condenação do outro
em função de sua singularidade, enfim; e todas as respostas eram que sim, tudo
isso existia. Foi nesse momento que os alunos puderam perceber que o
Nazismo e tudo do que ele é constituído ainda existe, aliás, teria existido antes
dele. Aos alunos foi proposto discutir como seria o mundo hoje se o Nazismo
não tivesse existido. O que mais importou foi que os alunos passaram a ver o
movimento como algo que não passou, que reside como memória e como
prática (foram exemplificadas várias dessas práticas) em nossa sociedade. Para

28 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

finalizar a atividade, foi colocada uma pergunta no quadro: “E se o Nazismo e


o que o constitui nunca tivessem existido, como seria o nosso mundo?”. As
respostas foram variadas. Mas o importante é que a pergunta moveu a aula de
história para o campo da ética, da compreensão do que somos e do que que-
remos ser neste mundo e, além disso, permitiu aos alunos visualizarem alter-
nativas, pensar alternativas que não aconteceram e que poderiam ainda
acontecer num futuro imprevisível.
Em sintonia com a exposição teórica e a narrativa de situações escolares
expostas, concluímos este texto propondo uma espécie de conceituação, que
reconhecemos ainda em construção, do que entendemos por educação em te-
mas sensíveis no ensino de história, em estreita articulação com a noção de
ensino dos passados vivos. Não se trata propriamente de uma conceituação,
mas de uma curta listagem de elementos centrais para pensar essa modalidade
de ensino. O primeiro deles é assumir na aula de história que o passado nunca
passou exatamente, ele está vivo e atuante no presente de alunos e professores,
e isso se manifesta de modos muito diversos. O conceito de residualidades é
peça-chave para lidar com esse “passado que nunca passa”, e que, portanto,
ajuda a produzir quem somos no presente. O segundo elemento é pensar que
os temas sensíveis não são dados a priori, não há como construir uma listagem
de temas sensíveis que exista para sempre e propor, então, atividades para cada
tema sensível, à moda de uma “lista de conteúdos e suas atividades”. A produ-
ção dos temas sensíveis é fruto de uma relação entre passado e presente, entre
o programa de história e as marcas das culturas juvenis e do contemporâneo.
Exige, então, sensibilidade da parte do professor, e só confirma o ditado de que
o bom professor de história é alguém que mergulha no passado com os pés bem
firmes no presente, e esse presente inclui compreender o presente dos alunos.
O terceiro elemento é assumir que os temas sensíveis são atravessados por fortes
divergências de opinião e aceitar isso como constitutivo da aula de história, que
busca mais debate do que propriamente a produção de consensos ou verdades
acabadas do tipo “o que realmente aconteceu na história”. A potência da aula
e a produtividade do ensino de história se revelam no vigor dos debates, no
clima de liberdade de expressão, no respeito aos direitos humanos e na aposta
de que todos saiam transformados em suas identidades (Mouffe, 2003).
Em sintonia com isso, o quarto elemento diz respeito a pensar a aula de
história animada pela noção de modus vivendi, valorizando nela um elemento

Junho de 2018 29
Nilton Mullet Pereira e Fernando Seffner

fundamental de sua história, que é a disposição para a capacidade de construir


acordos entre indivíduos e grupos cujas opiniões diferem, disposição que en-
tende o espaço público como local de negociação intensa entre projetos dife-
rentes e legítimos (Seffner, 2015). Tal dinâmica vai muito além do que em geral
se afirma sobre a inclusão e a diversidade. Não se trata apenas de “reconhecer”
que o outro é diferente, e “aceitar” que ele seja incluído. Trata-se de realizar
um movimento de forte alcance pedagógico, de colocar-se na posição do outro
e aceitar modificações na sua própria posição tendo em vista a existência do
outro. As narrativas da história deslocam nossas narrativas pessoais, e esse é o
valor de seu estudo, é para isso que se estuda história, e não para simples co-
nhecimento de registros do passado (Albuquerque Júnior, 2016). Um quinto
e último elemento é pensar toda a aula de história como também inserida no
campo da educação em direitos humanos, tal como apresentamos na introdu-
ção deste artigo, e devidamente amparada em legislação educacional brasileira
e em consensos internacionais. Para os tempos atuais, essa é a aula de história
que nos parece fazer diferença.

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32 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de História: passados vivose educação em questões sensíveis

NOTAS
1
Tal estrutura pode ser conhecida no sítio web mantido pela Rede Direitos Humanos, or-
ganização não governamental que atua em estreita sintonia com as políticas públicas da
área. Disponível em: https://goo.gl/Yr17UJ; acesso em: 25 dez. 2017.
2
QUIJANO (2005) elaborou a ideia de colonialidade do poder, com respeito aos processos
de constituição histórica das relações de desigualdade baseada na raça, estabelecidas pelos
europeus desde o processo de colonialismo.
3
Entrevista sobre a Teoria da Residualidade, com Roberto Pontes, concedida a Rubenita
Moreira (5 e 14 jun. 2006), e lida na Jornada da Residualidade, em 13 de julho de 2006 na
Universidade Federal do Ceará (UFC). O professor Pontes faz parte do Grupo de Estudos
de Residualidade Literária e Cultural (Gerlic), que atua desde 1991 no Curso de Letras/
Departamento de Literatura da UFC.
4
“Por ‘residualidades medievais’ ou ‘reminiscências medievais’ devem-se entender justa-
mente as formas de apropriação dos vestígios do que um dia pertenceu ao medievo, altera-
dos e/ou transformados no decurso do tempo. Nesta categoria encontram-se, por exemplo,
as festas, os costumes populares, as tradições orais de cunho folclórico que remontam aos
séculos anteriores ao XV e que preservam algo ainda do momento em que foram criados,
mesmo tendo sofrido acréscimos, adaptações, alterações. Festas como a de Corpus Christi,
as Folias de Reis e a Festa do Divino Espírito Santo, o Natal, e mesmo o Carnaval, foram um
dia ‘medievais’ e persistem, mas não da mesma forma, nem desempenhando os mesmos
papéis na Europa ou em outras partes do mundo para onde foram levadas” (MACEDO,
2011, p.13).
5
Sobre a misoginia medieval, ver BLOCH (1995).

Artigo recebido em 3 de janeiro de 2018. Aprovado em 27 de agosto de 2018.

Junho de 2018 33
Ê
S SI
DO

Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos


Humanos nas universidades brasileiras:
Histórias dos(as) professores(as) de História
Learning and Teaching Human Rights Principles
in Brazilian Universities: History Teachers Stories
Eduardo Silveira Netto Nunes*
Juliana Alves de Andrade**

Resumo Abstract
Este texto visa apresentar reflexões sobre This text aims to present reflections on
as experiências vivenciadas por docentes History teachers experiences concern-
de história envolvendo o ato de apren- ing human rights principles learned and
der e ensinar os princípios dos direitos taught in Brazilian universities, espe-
humanos nas universidades brasileiras, cially in times of uncertainty and in-
sobretudo em tempos de incertezas e creasing social inequality. We present
crescente desigualdade social. Compar- two formative experiences carried out
tilhamos duas experiências formativas in 2017 in Higher Education Institu-
realizadas ao longo de 2017 em Institui- tions (IES) located in the cities of Recife
ções de Ensino Superior (IES) situadas and São Paulo. Our objective is to prob-
nas cidades de Recife e São Paulo. Nosso lematize the extent to which the experi-
objetivo é problematizar em que medida ences lived in IES dialogue with the pro-
as práticas vivenciadas nas IES dialogam posals announced by the legal
com as proposições anunciadas pelos provisions that guide the pedagogical
dispositivos legais e normativos do cam- practice from the perspective of human
po da educação em direitos humanos, rights education, as well as to present
bem como apresentar as referências que the references that support the work ac-
amparam o trabalho realizado no curso complished in the undergraduate course
de licenciatura em História na UFRPE e in History at UFRPE (Pernambuco) and
na disciplina de direitos humanos de in the discipline of Human Rights at
universidades paulistanas. universities in the city of São Paulo.
Palavras-chave: História; ensino; direi- Keywords: History; teaching; human
tos humanos. rights.

* Centro Universitário Santanna (UniSant’Anna) e Universidade Brasil (UnivBrasil). São


Paulo, SP, Brasil. silveiranetto@terra.com.br
** Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, PE, Brasil. julianadean-
dradee@hotmail.com

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 34-59 - 2018


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da li-


berdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosi-
dade, da democracia contra a ditadura de direita ou esquerda. Sou
professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discri-
minação, contra dominação econômica dos indivíduos ou das clas-
ses sociais ... Sou professor a favor da esperança que me anima ape-
sar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e
imobiliza.
Freire, 2000, p.115-116

Ser um(a) professor(a) defensor(a) da liberdade e da democracia, que luta


contra todas as formas de discriminação e preconceito, tornou-se predicado
inegociável para os(as) educadores(as) que atuam nos cursos de formação do-
cente. Pensar o processo do vir a ser, do fazer-se ou tornar-se um(a)
professor(a) com essas competências e habilidades, advogadas pelo grande
intelectual Paulo Freire, é, sobretudo, problematizar o ato de aprender e ensi-
nar os princípios dos direitos humanos nas universidades brasileiras.
Nos últimos anos, o tema dos direitos humanos nas universidades nacio-
nais e estrangeiras tornou-se assunto corrente nas salas de aulas e reuniões de
planejamento pedagógico. Essa discussão ganhou também vários rótulos, ge-
ralmente associados aos termos “educação sócio-reconstrucionista”, “educação
antirracista”, “educação crítica”, “educação multicultural” e “educação para a
justiça social” (Zeichner, 2008, p.14). Na América do Norte, por exemplo, o
componente curricular intitulado Educação para Justiça Social tem a função
de discutir as mesmas questões do campo da Educação em Direitos Humanos,
como chamamos na América do Sul.
Cabe aqui ressaltar a importância desse debate na formação dos profes-
sores, sobretudo por serem profissionais capazes de contribuir para novos
arranjos sociais. Segundo Padilha, a cultura de paz está inter-relacionada com
o que aprendemos e praticamos ao longo da vida sobre democracia, respeito,
tolerância e cuidado:

como alguém que não se respeita, que não respeita os seus próprios direitos, que
às vezes nem os conhece e que não sabe defendê-los, poderia ensinar outro al-
guém sobre o exercício de algum direito ou sobre qualquer outro conteúdo de
forma crítica e emancipadora? Ou como alguém que está desacostumado a ser

Junho de 2018 35
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

ético pode agir socialmente com justiça? Ou, ainda, como um professor que se
deixa vencer pela rotina, por mais dura que possa ser, pode contribuir para a
formação de sujeitos que exerçam plenamente a sua cidadania e saibam defender
os seus direitos civis, sociais e políticos? (Padilha, 2008, p.169)

Sem dúvida, a sociedade brasileira tem vivenciado grandes debates sobre


a importância da defesa dos direitos humanos e dos valores democráticos para
a vida em sociedade. Discute-se hoje, em todos os espaços formativos (escola,
igreja, clube e universidade), os fundamentos políticos, culturais e filosóficos
desses princípios, buscando entender sua historicidade. O debate sobre os di-
reitos humanos no Brasil é uma prática recente, sobretudo pela própria expe-
riência cultural e política brasileira, que tem a sua história marcada por práticas
antidemocráticas, de desrespeito e violações dos direitos, de comportamentos
preconceituosos, discriminatórios, e de uma cultura da violência de gênero,
social, regional, racial, geracional, religiosa e política, que impactam na nossa
forma de ser, pensar e agir.
Por isso, ser um professor com todas as competências anunciadas no iní-
cio deste texto tornou-se uma afronta para determinados setores da sociedade
brasileira. Cabe ressaltar que o próprio Paulo Freire foi atacado recentemente
por grupos reacionários que questionaram os princípios difundidos pelo estu-
dioso, alegando não terem fundamento científico e técnico, e sim caráter par-
tidário político-sindical, subjetivo, individual e particular. O grande desafio da
educação em direitos humanos no Brasil é “Promover uma educação com
respeito integral aos direitos de todas as pessoas e uma formação cidadã, em
que elas possam ser agentes e atores do projeto de uma sociedade livre, igua-
litária, solidária e socialmente justa – uma sociedade de fato democrática, fun-
damentada nos pilares da igualdade e da liberdade” (Silva, 2013, p.10).
Logo, não podemos deixar de reconhecer que a presença dos conteúdos
de direitos humanos nos currículos escolares e universitários é um avanço, se
lembrarmos o que se pretendeu disseminar como “cidadania” no período em
que vigorou o funcionamento das disciplinas Organização Social e Política
Brasileira (OSPB) e Educação Moral e Cívica, instituídas pelos governos auto-
ritários em 1969 (Decreto-Lei n. 869) e extintas em 1993. Na época,

os direitos humanos eram postos como arma de subversão ao regime, um risco à


normalidade institucional da ditadura, por ser argumento de defesa dos

36 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

opositores perseguidos, presos e torturados, apesar de o Brasil ter sido signatário


da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Já a cidadania, que antes
de 1964 aparecia na educação de maneira quase metafísica (na forma de um ci-
vismo já afastado de seu potencial transformador das conquistas revolucionárias
francesas), tornou-se um discurso ajustado a um comportamento modelado nos
ideais obscurantistas convergentes da direita política, dos católicos conservado-
res e dos militares disseminadores da Doutrina de Segurança Nacional. O fim do
regime autoritário, com a instauração de um regime democrático, passou por um
processo de restauração do sentido original de cidadania e de direitos humanos
– embora um longo caminho ainda tenha que ser trilhado para que ambos pos-
sam ser reconhecidos em sua plenitude. (Maciel, 2016, p.12)

Nesse sentido, o campo da Educação, essa competência tão bem sistema-


tizada nas palavras de Paulo Freire na obra Pedagogia da autonomia, represen-
ta um esforço dos profissionais da educação para que o professor seja
reconhecido como um defensor dos direitos humanos, ou seja, faz parte da
identidade docente ser democrático e defensor da amplitude cidadã. Para
António Nóvoa (1997, p.34) “a identidade não é um dado adquirido, não é
uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e con-
flitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão”.
No entanto, as afirmações de Paulo Freire não só fazem refletir sobre o
papel das universidades na formação humana e política dos(as) professores(as)
de História e demais profissionais, como também nos provocam alguns ques-
tionamentos: “Como a formação universitária pode colaborar para o desen-
volvimento de competências profissionais como as mencionadas por Paulo
Freire?”, “Quais são os conteúdos necessários no currículo da formação inicial
para educar professores(as) numa perspectiva dos direitos humanos?” etc.
Buscando responder a essas indagações compartilharemos aqui duas ex-
periências desenvolvidas por professores de história nas cidades de Recife e
São Paulo, no campo da educação em direitos humanos. Nossa intenção é
discutir temas, conteúdos e estratégias desenvolvidos no interior das
Instituições de Ensino Superior (IES) que contribuem para a implementação
da educação em direitos humanos. Esse exercício de problematizar o ato edu-
cativo permite que o(a) professor(a) na prática cotidiana da sala de aula reflita
o que se fez e em que se pode melhorar.

Junho de 2018 37
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

Desse modo, traremos reflexões sobre a concepção de educação em direi-


tos humanos utilizada na América do Sul. Em seguida, vamos historicizar, a
partir do surgimento dos dispositivos normativos (Plano de Ação do Programa
Mundial para a Educação em Direitos Humanos, 2010-2014), Plano Nacional
de Educação em Direitos Humanos, Programa Nacional de Direitos Humanos,
PNDH-3) e legais (Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos
Humanos) o processo de implementação da discussão dos direitos humanos
nas universidades brasileiras. Por fim, refletiremos sobre as potencialidades e
as práticas pedagógicas desenvolvidas em situações de aprendizagem e ensino
desenvolvidas com alunos e alunas de turmas multidisciplinares de uma uni-
versidade na cidade de São Paulo, em 2017, e no curso de licenciatura em
História em uma universidade na cidade do Recife, em 2017.

De quais direitos humanos estamos falando?

Muitos autores propõem princípios, pontos de partida, pressupostos para


o trabalho de educação em direitos humanos. Os documentos oficiais também
indicam aspectos referenciais para o desenvolvimento de atividades nesse cam-
po. A seguir analisaremos alguns desses pressupostos norteadores da educação
em direitos humanos e que, de modo específico, serviram como parâmetro
para a realização das experiências materializadas pelos autores deste artigo, as
quais serão relatadas mais adiante.
Para iniciarmos essa discussão, consideramos fundamental apresentarmos
o que entendemos como Educação em Direitos Humanos. Para essa concei-
tuação, reportamo-nos ao Plan de Acción del Programa Mundial para la
Educación en Derechos Humanos, primera etapa, 2005-2007, no trecho em que
esse documento entende que:

A educação em direitos humanos pode definir-se como um conjunto de ativida-


des de educação, capacitação e difusão de informação orientadas a criar uma
cultura universal dos direitos humanos. Uma educação integral em direitos hu-
manos não apenas proporciona conhecimentos sobre os direitos humanos e os
mecanismos para protegê-los, mas também transmite atitudes necessárias para
promover, defender e aplicar os direitos humanos na vida cotidiana. A educação

38 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

em direitos humanos promove atitudes e comportamentos necessários para que


se respeitem os direitos humanos de todos os membros da sociedade.

As atividades de educação em direitos humanos devem transmitir princípios


fundamentais dos direitos humanos, como igualdade e não discriminação, e ao
mesmo tempo consolidar sua independência, indivisibilidade e universalidade.
Do mesmo modo, essas atividades devem ser de índole prática e estar encami-
nhadas a estabelecer uma relação entre os direitos humanos e a experiência dos
educandos na vida real, permitindo a estes inspirar-se nos princípios de direitos
humanos existentes em seu próprio contexto cultural. Mediante essas atividades
os educandos desenvolvem os meios necessários para determinar e atender às
suas necessidades no âmbito dos direitos humanos e buscar soluções compatíveis
com as normas desses direitos. Tanto o que se ensina como o modo pelo qual se
ensina devem refletir valores de direitos humanos, estimular a participação a esse
respeito e fomentar entornos de aprendizagem em que não existam temores nem
carências. (Unesco, 2006, p.1-2, trad. nossa)

Segundo esse conceito abrangente de educação em direitos humanos,


muitas questões podem ser objeto de problematização e aprofundamento, en-
tre as quais a questão da universalidade: se levarmos em conta as críticas rea-
lizadas pelos estudos pós-coloniais de autores como Edward Said em seus
textos intitulados Orientalismo (Said, 1990) ou “Cultura e Imperialismo”, ob-
servaremos que o conceito de “universal” admite ao menos duas acepções.
Entre os diferentes sentidos atribuídos à palavra, à ideia de universal associada
à disputa entre civilização e barbárie, Said traz para o centro do debate o modo
como a cultura ocidental tornou-se um padrão universal de cultura, política e
economia na contemporaneidade. O autor afirma que os países ocidentais são
parâmetros de cultura, riqueza e beleza, e as demais sociedades do mundo são
sempre identificadas como deficitárias no alcance do modelar parâmetro uni-
versal. Immanuel Wallerstein questiona eventuais pressupostos universalizan-
tes a-históricos em seu livro O universalismo europeu: a retórica do poder
(Wallerstein, 2007), onde discute a “construção” de uma suposta “universali-
dade” de fatores presentes em “boas sociedades”, em países “civilizados”, e os
“efeitos” de poder concreto, material e simbólico que ao longo da história a
“busca” pelo suposto universalismo trouxe de violência e danos para socieda-
des americanas, africanas e asiáticas.

Junho de 2018 39
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

Somando-se às críticas a essa ideia de “universal”, Hannah Arendt afirma que:

o conceito de direitos humanos, baseado na suposta existência de um ser huma-


no em si, desmoronou no mesmo instante em que aqueles que diziam acreditar
nele se confrontaram pela primeira vez como seres que haviam realmente perdi-
do todas as outras qualidades e relações específicas – exceto que ainda eram hu-
manos … Os sobreviventes dos campos de extermínio, os internados nos campos
de concentração e de refugiados … puderam ver … que a nudez abstrata de se-
rem unicamente humanos era o maior risco que corriam … Parece que o homem
que nada mais é que um homem perde todas as qualidades que possibilitam aos
outros tratá-lo como semelhante. (Arendt, 2014, p.408-409)

Feita a crítica ao conceito, é importante destacar que a ideia de universal


precisa ser compreendida como um elemento comum aos diferentes sujeitos
sem a condição de subordinação. Para Norberto Bobbio, o conceito de univer-
sal deve ser entendido como um “valor”, como possibilidade de os direitos
humanos serem percebidos como universais no sentido de que

somente depois da Declaração Universal (de 1948) é que podemos ter certeza
histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores
comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no sentido
em que universal significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente
acolhido pelo universo dos homens. Esse universalismo foi uma lenta conquista.
(Bobbio, 1992, p.28)

Portanto, entendemos o universal como o compartilhar do reconheci-


mento da existência de um “repositório” mínimo de referência que apenas foi
conquistado depois de muitos conflitos e lutas, isso porque, segundo Bobbio,

os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos,
ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos
de uma vez por todas ... (o desafio é criar as condições para a) mais ampla e es-
crupulosa realização dos direitos proclamados. (Bobbio, 1992, p.23)

Entendido como campo de referência para a vida em sociedade, os direi-


tos humanos são produtos da história, construídos na luta em defesa da

40 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

dignidade humana. Esses direitos não são bens duráveis; ao contrário, são bens
frágeis que precisam atenção, proteção e cuidado. Os direitos humanos forta-
lecem uma busca por construir novas relações e novas histórias sociais, pau-
tadas pela afirmação concreta de dimensões materiais da vida individual e
coletiva agasalhadas no repertório e na amplitude dos direitos humanos.
Assim sendo, pensar na educação em direitos humanos no Brasil é, sim,
relacionar-se com pautas dignas no campo “universal”, mas, sobretudo, é tam-
bém ter consciência do território, das dinâmicas sócio-históricas, das violên-
cias e das lutas que constituem e constituíram as múltiplas realidades nacionais
e das “gentes” que aqui constroem e vivem suas experiências. Nesse sentido,
tomar como referência na educação em direitos humanos o contexto, a histó-
ria, a vida cotidiana, os conflitos e as práticas que envolvem nossa formação,
é fator premente na construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Tanto que esses aspectos foram “recomendados”, explicitamente no parecer
que subsidiou a aprovação no Brasil das Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos:

A Educação em Direitos Humanos tem por escopo principal uma formação éti-
ca, crítica e política. A primeira se refere à formação de atitudes orientadas por
valores humanizadores, como a dignidade da pessoa, a liberdade, a igualdade, a
justiça, a paz, a reciprocidade entre povos e culturas, servindo de parâmetro éti-
co-político para a reflexão dos modos de ser e agir individual, coletivo e institu-
cional.
A formação crítica diz respeito ao exercício de juízos reflexivos sobre as relações
entre os contextos sociais, culturais, econômicos e políticos, promovendo práticas
institucionais coerentes com os Direitos Humanos.

A formação política deve estar pautada numa perspectiva emancipatória e


transformadora dos sujeitos de direitos. Sob esta perspectiva promover-se-á o
empoderamento de grupos e indivíduos, situados à margem de processos
decisórios e de construção de direitos, favorecendo a sua organização e participação
na sociedade civil.
Uma formação ética, crítica e política (in)forma os sentidos da EDH na sua aspi-
ração de ser parte fundamental da formação de sujeitos e grupos de direitos, re-
quisito básico para a construção de uma sociedade que articule dialeticamente
igualdade e diferença. (Brasil, 2012, p.8-9)

Junho de 2018 41
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

Ou seja, para a sociedade brasileira, as dimensões emancipatória, da ci-


dadania ativa, da igualdade e da dignidade, do empoderamento, do direito a
ter direitos, do direito à diferença, não são indicadas como meras “reprodu-
ções” do universalismo, ao contrário, relacionam-se diretamente com a supe-
ração da fome, da pobreza, da desigualdade e da violência estrutural de nosso
país, do deslocamento do poder político majoritariamente controlado pelas
elites econômicas, e pela negação durante muito tempo da igualdade. Portanto,
a educação em direitos humanos no Brasil pressupõe não um vínculo mecânico
e formal com o “universal”, mas sim uma produção crítica comprometida com
a ressignificação da ideia de direitos humanos universais, para que estes façam
sentido na história e na realidade do país. Esse ponto fica bastante evidente no
parecer do Conselho Nacional de Educação, como já indicado. Logo, pressu-
põe-se que a educação em direitos humanos não significa fazer qualquer edu-
cação, mas fazer uma educação emancipadora, dialógica, contextualizada e/
compreensiva das dinâmicas sócio-históricas.
Entendemos que a síntese proposta por Susana Sacavino, mencionada a
seguir, condensa aspectos relevantes para uma educação em direitos humanos,
com os quais convergimos, além de matizar e propor sentidos específicos para
essa educação no Brasil do século XXI, adotando conscientemente um olhar
“pedagógico” desde o Sul do mundo.1
Sacavino projeta, com base em “seu lugar” e no lugar de latino-americana,
uma proposta de educação em direitos humanos. A autora apresenta princípios
metodológicos a serem respeitados na materialização de uma educação que ao
mesmo tempo emancipa, dialoga, transforma e aprende no processo do fazer-
-se. O território e suas relações sócio-históricas das “pedagogias desde o Sul”
baseiam-se em uma “compreensão dos Direitos Humanos como construção
histórica”, e nos aspectos metodológicos nas “pedagogias críticas – da indig-
nação, da admiração, da memória, do empoderamento dos sujeitos sociais
discriminados e das convicções firmes” que se vinculam a uma “visão integral
e inter-relacionada dos direitos; uma educação para o ‘nunca mais’”; que pro-
põe a formação de “sujeitos de direito e atores sociais” para o “empoderamento
individual e coletivo, especialmente dos grupos sociais marginalizados ou dis-
criminados” (Sacavino, 2013, p.92).
Nesse sentido, uma educação em direitos humanos baseada na “Pedagogia
do Sul” pauta-se num conjunto de princípios caros aos latino-americanos, tais

42 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

como: indignação, admiração, memória, empoderamento, convicções firmes


e dialogicidade. Esses princípios norteiam as práticas pedagógicas de
professores(as) comprometidos(as) com a justiça social, a democracia e o fim
de todas as formas de preconceito. Essa forma de ensinar os princípios dos
direitos humanos no continente sul-americano foi sistematizada por Susana
Sacavino (2013, p.3-5), de modo a servir como referências para professores(as)
que dialogam com a perspectiva da educação em direitos humanos. Para a
autora, na América do Sul a ação docente comprometida com os princípios
dos direitos humanos organiza-se desta forma:
1) Pedagogia da Indignação – parte da necessidade de desnaturalizar a
realidade em que vivemos e os fenômenos que nos atravessam cotidia-
namente nas diversas esferas da vida – familiar, técnica, profissional,
econômica, relacional, afetiva –, de modo a “desenvolver subjetividades
com capacidade de identificar e reconhecer na realidade e indignar-se
pelas violações dos direitos e da vida”, e também, ao desenvolver essa
consciência das violações, perceber a importância das “ações concretas
de defesa, denúncia” e construção de outra sociabilidade, contrária à
“passividade, apatia e desesperança”.
2) Pedagogia da Admiração – “implica a consciência e a capacidade de
valorização da vida em todas as suas dimensões, de todos os seres vivos
e do planeta, individual e coletivamente”; no estímulo ao desenvolvi-
mento de uma “nova ética das relações com o meio e com o outro”
confrontando a “degradação ambiental”, a “cultura da violência”; esti-
mula a consciência da “história como possibilidade e como processo
sempre em construção”, e portanto a dinâmica sócio-histórica como
fruto da construção dos seres humanos – sendo, desse modo, “também
uma pedagogia da esperança”.
3) Pedagogia da Memória – pressupõe que “memória e história são dimen-
sões importantes na relação com a luta e a conquista dos Direitos
Humanos e nos processos históricos, sociais, econômicos, políticos e
culturais em que eles se desenvolvem”, e diante do presentismo – a
noção de que tudo advém do presente – e por ele pode ser explicado e
compreendido, fomenta a opacidade das relações sociais e das constru-
ções – positivas ou negativas – das realidades; necessita vitalizar a

Junho de 2018 43
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

consciência da construção dos processos sócio-históricos por sujeitos


reais, que dramaticamente vivem suas experiências individuais e cole-
tivas; nessa construção há opressores, há resistentes, há “vencidos”, há
“vencedores”, há violência, há libertação e conquistas, todos substratos
da dinâmica tensa e conflituosa do passado e do presente e que não
pode ser negligenciada na educação em direitos humanos; existe a pre-
mência da lembrança para os “países latino-americanos” que convivem
com a “cultura do silêncio” e a “impunidade”, e que manter “viva a
memória dos horrores das dominações, colonizações, ditaduras, auto-
ritarismos, perseguição política, tortura, escravidão, genocídio, desapa-
recimentos” é indispensável para forjar a cultura do “nunca mais”
tendente a construir uma “nova cultura” e “sociedades verdadeiramente
democráticas, humanas, justas e solidárias”.
4) Pedagogia do Empoderamento dos sujeitos sociais discriminados – con-
sidera que “em contextos como o nosso, que historicamente construí-
ram suas sociedades afirmadas na exclusão do diferente”, os setores e
as pessoas “subalternizados ou silenciados” precisam empoderar-se,
reconhecendo-se como “atores” sociais ativos e “sujeitos” de direitos,
capazes de reivindicarem a implantação de políticas públicas e confron-
tarem situações de violações de direitos, além de serem partícipes dos
processos e situações que os envolvam, inclusive a educação em direitos
humanos – ou seja, os envolvidos nessa educação não são apenas recep-
táculos mas agentes da história e da sua educação.
5) Pedagogia de Convicções Firmes – relaciona-se à tenacidade e asserti-
vidade da motivação e da aderência à defesa e promoção dos direitos
humanos, através da educação, na certeza de que essa educação envolve
um compromisso “ético de promover e defender a vida em todas as suas
dimensões, a solidariedade, a justiça, a esperança, a capacidade crítica,
a liberdade, o diálogo, o reconhecimento da diferença, a indignação”;
implica “construir personalidades assentadas” em “valores” e “respon-
sabilidades” decorrentes da “experiência de ser sujeito de direito e ator
social”; significa, por fim, “promover processos sociais profundos de
mudança de mentalidade nas sociedades”, ou seja, uma educação com-
prometida e envolvida intensamente com o mundo real e as utopias de

44 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

um mudo melhor, tencionando o dado como fruto das ações humanas,


e o possível como espaço de esperança.
Ainda no campo metodológico poderíamos agregar várias outras peda-
gogias ou outros princípios como sugestões de orientação para uma educação
em direitos humanos, mas queremos agregar apenas mais um: “6. Pedagogia/
princípio Dialógico (ou da dialogicidade)”. Considerando que a educação em
direitos humanos não se propõe a “ensinar” burocraticamente, mas ao seu
fazer, o seu praticar essa educação, ou seja, a atuação do docente deve também
materializar essa “nova cultura” ambicionada de ser construída, a relação a ser
estabelecida com os sujeitos-alunos precisa ser radicalmente dialógica. Essa
radicalidade é sintetizada por Carbonari quando diz que “o diálogo não é uma
metodologia, uma forma de abordagem, um modo de fazer, o diálogo é um
jeito de ser, o que implica uma postura ética, política e pedagógica”; o autor
complementa: “mais do que uma qualidade, a dialogicidade é uma exigência
substantiva do modo de ser que se afirma contra a opressão, que se afirma
como prática da liberdade, como construção da libertação” (Carbonari, 2015,
p.36-37).
Assim, pensar uma educação em direitos humanos é – para nós, autores
– criar um conjunto de saberes e práticas que auxiliem na construção de uma
cultura de paz, de reconhecimento e de valorização das diferenças e do enga-
jamento nos processos de redistribuição do acesso aos bens culturais e mate-
riais. O objetivo da educação em direitos humanos nos espaços universitários
e, sobretudo, nos centros de formação de professores, é o de que possamos
formar profissionais da educação capazes de contribuir para a diminuição das
desigualdades existentes.
Se houver nas escolas, faculdades e universidades uma proposta de for-
mação que dialogue com os princípios dos direitos humanos, será possível
conceber a construção de uma sociedade socialmente mais justa. Aprender a
lutar pelos direitos humanos é aprender a lutar por reconhecimento, a lutar
contra todo e qualquer tipo de violação dos direitos já conquistados e lutar por
novos direitos. Esse exercício tem sido realizado no interior das universidades
brasileiras, conforme veremos a seguir.

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Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

Educar para os direitos humanos nas universidades


brasileiras: desafios e perspectivas

A experiência brasileira de Educação em Direitos Humanos tem peculia-


ridades associadas às características de nossa própria história política e social.
Inicialmente essa educação esteve relacionada às lutas e reivindicações em
favor da redemocratização, da liberdade de expressão e organização e de vida
social digna, no contexto da resistência ao regime militar (com oscilações
quanto à característica, à intensidade e ao sentido das reivindicações). Essa
experiência acabou constituindo um modo peculiar de tratar a temática dos
Direitos Humanos, especialmente na sua dimensão política (direito de orga-
nização, democracia, liberdade de expressão, legalidade – ordem democrática
de Direito) e crescentemente na sua dimensão social (direito à saúde, à mora-
dia, à terra, ao trabalho, à vida digna).
Na década de 1970 e na primeira metade da década de 1980, a dimensão
política e social dos Direitos Humanos era, de modo majoritário, trabalhada
pedagogicamente com jovens e adultos, naquilo que hoje chamamos de “edu-
cação não formal”. Essa educação pretendia conscientizar e emancipar os su-
jeitos para a construção de uma sociedade democrática e justa, situação naquele
momento estranha para a nossa realidade. Instituições como a Comissão da
Justiça e Paz, vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
espalhadas e atuantes no país em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Pernambuco e Rio Grande do Norte, encabeçaram o processo
contínuo e persistente de perceber o valor e a necessidade da educação em
direitos humanos como mecanismo de transformação democrática da socie-
dade brasileira tendente à humanização social.
Foi no contexto da luta pela redemocratização e pela construção de um
país mais equânime e justo na distribuição da riqueza socialmente produzida
(direitos sociais, serviços públicos gratuitos – saúde, educação, seguridade),
que a educação em direitos humanos ganhou maior visibilidade e transitou
entre a dimensão politicamente engajada de “conscientização militante” e a
sua sistematização para fins escolares – fazer parte do sistema de ensino regular
– com maior preocupação pedagógica, uma vez que seus destinatários priori-
tários seriam crianças e adolescentes.

46 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

Importa pensar que inicialmente os destinatários dessa aproximação edu-


cativa aos direitos humanos eram os adultos, no contexto de uma sociedade
pouco afeita aos referenciais preconizados por uma sociedade e um Estado
pautados pelos direitos humanos. O acúmulo de experiências nesse processo
de conquistas de direitos e aprendizagem pedagógica no campo dos direitos
humanos consolidou uma metodologia amplamente difundida na educação
popular por meio de Comissões de Direitos Humanos e outras Organizações
Não Governamentais (ONGs), em muito sintetizada em iniciativas como a da
Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos e, posteriormente, já tec-
nologicamente mais desenvolvida, na rede/portal “Dhnet”, bem como em
ações contínuas, por meio de publicações impressas a exemplo do Jornal da
Cidadania iniciado em 1995, do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas (Ibase). Essas e outras iniciativas acabaram por difundir e fornecer
ferramentas para a consolidação de “modo de fazer” a educação em direitos
humanos, sobretudo para populações adultas, mas ambicionando chegar às
crianças e aos adolescentes em processo de escolarização.
É interessante pensar que, se no primeiro momento o destinatário da
mensagem da educação em direitos humanos era o universo dos adultos, com
o passar do tempo, ao longo da década de 1990 e fortemente neste século,
ocorreu uma importante mudança nos destinatários e na forma de materializar
essa educação: os principais sujeitos a participarem dos processos formativos
em direitos humanos passaram a ser as crianças e os adolescentes. Já a educa-
ção em direitos humanos no ensino superior será instituída de forma restrita,
como se pode observar ao longo da “história” das normativas relativas à edu-
cação em direitos humanos desde os documentos mais simbólicos da constru-
ção do tema.
Buscou-se conformar preceitos mais específicos que servissem de parâ-
metro para os países desenvolverem políticas concretas de educação em direi-
tos humanos, com destaque para a “Declaração e Plano de Ação Integrado
sobre a Educação para a Paz, os Direitos Humanos e a Democracia”, de 1995.
Essa Declaração e o Plano preconizaram, em última instância, a formação das
pessoas para uma cultura da paz, formação esta que deveria ser contínua e
vivenciada cotidianamente, em especial no processo educativo formal, para o
qual deu-se especial destaque, sugerindo-se, ao longo do documento,
“Estratégias”, “Conteúdos da educação”, “Material didático e recursos” e

Junho de 2018 47
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

“Estabelecimentos de ensino”, os quais serviriam para orientar a elaboração


de políticas e práticas educacionais inovadoras, maiormente voltadas para o
ensino escolar de crianças e adolescentes.
Uma atenção destacada e mais detalhada à educação em direitos humanos
no ensino superior no âmbito internacional seria explicitada apenas em 2010,
quando se elaborou o Plano de Ação do Programa Mundial para Educação em
Direitos Humanos (2010-2014), que apareceu como um programa de forma-
ção em direitos humanos para professores e educadores, servidores públicos,
forças de segurança, agentes policiais e militares em todos os níveis. O docu-
mento sugere que “todos os componentes e os processos de aprendizagem,
incluindo currículos, materiais, métodos e formação” fossem “propícios à
aprendizagem dos direitos humanos” (Unesco, 2012, p.11).
Esse processo de ampliação do lugar do Ensino Superior na educação em
direitos humanos, observado em nível internacional, com o passar dos anos
também será observado no Brasil. O Plano Nacional de Educação em Direitos
Humanos, elaborado em sua primeira versão em 2003, ampliado em 2006 e
ainda vigente (Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, 2003 e
2007), surgiu portanto 7 anos antes do plano da Unesco para o ensino superior.
O Brasil já se antecipava na recomendação desses princípios norteadores.
Ao lado dos Planos nacionais – o Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH-3), em especial sua terceira versão de 2009/2010, que sina-
lizou a importância da implantação da educação em direitos humanos no en-
sino superior –, ocorreu a aprovação das Diretrizes Nacionais para a Educação
em Direitos Humanos (DNEDH) em 2012, que passou a orientar os sistemas
de ensino, entre os quais o superior, na organização e realização da educação
em direitos humanos, estabelecendo como as instituições de educação superior
podem incorporar os conteúdos dos direitos humanos no currículo universi-
tário, podendo acontecer “Por meio de seminários e atividades interdiscipli-
nares, como disciplinas obrigatórias e/ou optativas ou ainda de maneira mista,
combinando mais de um modo de inserção por meio do diálogo com várias
áreas de conhecimento” (Brasil, 2012, p.16).
Ao lado desses aspectos estruturais estabelecidos pelas diretrizes
(DNEDH) são apresentadas estratégias metodológicas, com vistas à implanta-
ção de medidas voltadas para o desenvolvimento da educação em direitos hu-
manos, indicando sob quais balizas devem ser realizadas:

48 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

I – apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos hu-


manos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local; II – afir-
mação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos
humanos em todos os espaços da sociedade; III – formação de uma consciência
cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, cultural e político;
IV – desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de constru-
ção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados; e V –
fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos
em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como
da reparação das diferentes formas de violação de direitos. (CNE, 2012, p.1, 2)

Buscando visualizar como as instituições deram forma a esses princípios,


passamos a relatar algumas dessas iniciativas desenvolvidas por estes autores
com base no lugar da história.

Aprendendo os princípios dos direitos humanos nos


espaços de formação de professores em Pernambuco

Em 2013, a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) apre-


sentou à comunidade acadêmica uma proposta de formação que modificou
toda a estrutura curricular dos cursos de licenciatura da instituição. No dia do
lançamento dessa iniciativa, os principais jornais locais cobriram tal fato, con-
forme podemos observar na matéria do Jornal do Commercio: “lançada nesta
segunda-feira (25), na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE),
a disciplina Educação das relações étnico-raciais, com palestra da ex-ministra
da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da
Presidência da República Matilde Ribeiro” (Jornal do Commercio, 2013). A
matéria forneceu uma descrição detalhada do funcionamento da disciplina na
instituição e destacou o seu pioneirismo ao afirmar que essa iniciativa era a
primeira “matéria a fazer parte do currículo obrigatório para licenciaturas no
ensino superior brasileiro” (Jornal do Commercio, 2013). Esse acontecimento,
importante para o processo de implementação das Diretrizes Nacionais para
a Educação em Direitos Humanos na UFRPE, resultou de um longo trabalho
realizado por um grupo de professores(as) que atuavam nas diferentes esferas
institucionais responsáveis por pensar, planejar e implementar novos

Junho de 2018 49
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

componentes curriculares na matriz disciplinar dos cursos de formação dos


professores na UFRPE. Sabemos que, após muitos embates no Núcleo Docente
Estruturante (NDE), no Fórum de Graduação e na Câmara de Ensino, a nova
disciplina foi criada, por meio da resolução no 217/2012 do Conselho de
Ensino, Pesquisa e Extensão da UFRPE.
Passada a discussão sobre a criação da disciplina em 2012, a instituição
passou a enfrentar um novo desafio: montar um corpo docente especializado
nas discussões sugeridas pelo programa da disciplina. Questão rapidamente
superada, com o ajuda do Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais), que permitiu a abertura de concurso para professor(a). Tanto que,
no dia do lançamento da disciplina, em novembro de 2013, já havia um pro-
fessor titular, que foi entrevistado pelo Jornal do Commercio para falar sobre
o que representava aquela iniciativa. Na ocasião, o professor José Nilton de
Almeida afirmou ao jornal ser uma ação significativa para o ensino superior
brasileiro, porque:

A introdução dessa disciplina nos cursos de licenciatura é uma demanda históri-


ca dos ativismos que lutam contra o racismo e a discriminação. Isso acontece por
dois motivos principais: os professores da educação básica têm uma compreen-
são que existe uma carência de formação efetiva no âmbito das universidades
para atuação na educação básica. Em segundo lugar, a introdução dessa discipli-
na projeta, dentro da universidade, a potencialidade de estudos, convivências e
discussões a respeito da discriminação, do racismo e dos repertórios civilizató-
rios afro-brasileiros, dando uma dimensão mais abrangente a uma universidade
pública, porque ela dialoga com diferentes campos do conhecimento. (Jornal do
Commercio, 2013)

Com relação à oferta do componente curricular Educação das Relações


Étnico-Raciais, ela se estende a todas as licenciaturas, e seu desenvolvimento
no interior das licenciaturas acontece de forma diversificada. Conforme anun-
ciamos no início deste artigo, escolhemos o curso de licenciatura em história
da UFRPE para problematizar como se dá a aprendizagem dos princípios dos
direitos humanos nas universidades brasileiras, por trata-se do campo de atua-
ção e experiência da autora deste artigo, embora não exista um lugar exclusivo
para esse tipo de debate. Afinal, todas as áreas do conhecimento devem discutir

50 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

e fomentar a reflexão das questões raciais no Brasil, da violência de gênero e


da ameaça dos princípios democráticos que atualmente vivemos no país.
O curso de licenciatura em História na UFRPE foi estruturado na década
de 1990 e vem sendo repensado nos últimos anos. Seu funcionamento é no-
turno, atendendo um corpo discente composto por jovens e adultos
trabalhadores(as), ou filhos de trabalhadores(as). A matriz curricular do curso
de História organiza-se quanto à oferta dos componentes curriculares de his-
tória com base no modelo quadripartite francês (Pré-História, História Antiga,
Medieval, Moderna e Contemporânea), colocando as discussões sobre história
da América e, mais precisamente, do Brasil, de modo intercalado, após a oferta
da disciplina de História Moderna. Essas disciplinas ficam sob a responsabili-
dade do Departamento de História. Já a formação pedagógica, sob a coorde-
nação do Departamento de Educação, oferece componentes curriculares que
buscam superar a perspectiva do modelo “3+1”, ou seja, as disciplinas que
tratam de questões pedagógicas são ofertadas desde o primeiro período.
A disciplina “Educação das relações étnico-raciais” compõe a lista de dis-
ciplinas pedagógicas que são ofertadas no curso de História no 8º período,
tendo como conteúdo obrigatório (documentado em 2012) questões relacio-
nadas a:

Formação das identidades brasileiras: elementos históricos. Relações sociais e


étnico-raciais. África e Brasil, semelhanças e diferenças em suas formações.
Interações Brasil-África na contemporaneidade. Preconceito, estereótipo, etnia,
interculturalidade. A Educação indígena no Brasil, historicidade e perspectivas
teórico-metodológicas. Ensino e aprendizagem na perspectiva da pluralidade
cultural. Pluralidade étnica do Nordeste e de Pernambuco: especificidades e si-
tuação sócio-educacional. Multiculturalismo e Transculturalismo crítico.

Ou seja, o debate sobre os princípios dos direitos aparece na instituição


com base em uma pedagogia do empoderamento dos sujeitos socialmente dis-
criminados, com a finalidade de que os(as) professores(as) reconheçam o papel
dos afrodescendentes e dos povos africanos e indígenas na construção de um
“repertório de conhecimentos, saberes e práticas sobre aspectos sócio-históri-
cos da formação das identidades brasileiras e os seus impactos nos contextos
educativos”. Embora seja uma disciplina de caráter habitual, como as demais,
com horário de aula preestabelecido semanalmente e provas bimestrais,

Junho de 2018 51
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

sabemos que a vivência proporcionada pela disciplina aos futuros professores


de história foge um pouco da perspectiva cartesiana. Os discentes são mobili-
zados a participar de atividades pedagógicas que estimulam sua participação
política.
Os conteúdos discutidos em sala de aula demonstram a filiação da pro-
posta à perspectiva multicultural, sobretudo pelos temas e objetos priorizados
no debate em aula, tais como: Colonialismo e Educação; A Construção da
Identidade Nacional e a problemática étnico-racial brasileira; A Construção
do Mito da Democracia Racial – uma Pedagogia do Silêncio; O Racismo e a
Educação nos espaços institucionais e formativos brasileiros; Iniciativas, Lutas
e Experiências.
De todo modo, essa ressalva serve não apenas para que possamos lamen-
tar, mas também para alertar, de modo que possamos criar estratégias no in-
terior do curso que dialoguem com os princípios defendidos pela disciplina de
Educação das Relações Étnico-Raciais (documentada na UFRPE em 2012):
a) Refletir sobre práticas, conhecimentos e saberes associados a processos
identitários culturais e étnico-raciais da sociedade brasileira como par-
te indispensável da formação acadêmica de pesquisadores e profissio-
nais no âmbito das Licenciaturas;
b) Promover formação acadêmica e profissional, com qualidade social e
compromisso político, para a consciência histórica da diversidade, pa-
ra afirmação das diferentes expressões identitárias e, igualmente, para
desenvolvimento de ações educativas de enfrentamento às formas de
discriminação e racismo;
c) Oportunizar interlocução com pesquisas e estudos acadêmicos – e não
acadêmicos – sobre educação das relações étnico-raciais no contexto da
sociedade brasileira e da diáspora.
É importante salientar que essa iniciativa busca romper com a perspectiva
eurocêntrica que predomina no modo de ler, ver e perceber a história. Sabemos
das dificuldades pelo fato de o curso utilizar como referência a cultura euro-
peia. Infelizmente, essa ação acaba sendo pontual no processo formativo, por
tratar-se de discussão tímida em um universo de referências culturais euro-
peias que norteiam toda a formação dos professores de história na UFRPE.

52 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

Ensinando os princípios dos direitos humanos nas


universidades paulistanas: problematizando essa
experiência educativa

As normativas relacionadas à educação em direitos humanos no ensino


superior preconizam que sua prática deve ser estruturada de modo transversal
ao longo da formação superior, atravessando o fazer universitário (a gestão, a
pedagogia, as práticas cotidianas). Quanto aos temas tratados nas “disciplinas”,
necessitam tratar do assunto de modo direto ou indireto, havendo a possibili-
dade de, paralelamente a essa abordagem, os direitos humanos serem objeto
de uma disciplina específica.
Na experiência que vamos relatar podemos considerar que há pouca fa-
miliaridade com a discussão dos temas ligados aos direitos humanos no âmbito
institucional de diversas instituições de ensino superior privadas paulistanas.
Dentre os motivos, destacamos a ausência de preocupação do corpo técnico,
docente e discente, com a amplitude dos debates sobre os direitos humanos na
universidade. A dimensão mercantil e a relação pedagógica “bancária” com a
universidade atravessam as dimensões estruturais em diversas dessas institui-
ções. A cultura dos direitos humanos é pouco conhecida e praticada pelos
sujeitos institucionais, entre eles o corpo docente, e esse fato não é percebido
como um problema. É comum, na prática, a educação em direitos humanos
ser reduzida à oferta de uma disciplina de Direitos Humanos.
No Centro Universitário Sant’Anna, objeto das experiências pedagógicas
desenvolvidas, observadas e relatadas, a disciplina é obrigatória (de nome Core
Curriculum – Direitos Humanos) para todos os alunos, com carga horária de
40 horas, deve ser cursada até a formatura e obedecer a todos os critérios aca-
dêmicos comuns às demais disciplinas (duas avaliações obrigatórias, regime
de aprovação/reprovação, presença).
Na experiência didática, o corpo discente não ofereceu resistências im-
portantes às discussões sobre temas ligados aos direitos humanos, mas perce-
beu-se certo desinteresse pelo debate em sala. Parte dos alunos expressou
percepção segundo a qual o ensino superior lhes deve prover conhecimento
técnico-profissional. Esses estudantes são majoritariamente compostos por
trabalhadores e trabalhadoras, ou filhos destes, os quais cumprem jornadas de
40 horas semanais de trabalho e, no turno do “descanso”, estudam.

Junho de 2018 53
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

Enquadram-se nas classes C e D de renda; são adultos, na faixa de 30-45 anos;


alguns concluíram o ensino básico mediante cursos vinculados ao EJA (edu-
cação de jovens e adultos) e retornaram aos estudos depois de muitos anos; a
leitura de jornais e livros não é habitual; o vínculo intelectual com a temática
dos direitos humanos dá-se a partir de “filosofias datenianas” expressas por
figuras como José Luis Datena e programas televisivos como “Brasil Urgente”,
visões que contribuem para a simplificação e a rejeição do debate relativo ao
tema, reduzindo as discussões à assertiva “direitos humanos é coisa de quem
defende bandido”.
O trabalho com a educação em direitos humanos sob uma perspectiva
pedagógica histórico-crítica, em tal contexto, apresenta-se ao historiador de-
safiador e instigante, aberto a inúmeras oportunidades. O relato a seguir diz
respeito a atividades desenvolvidas ao longo do ano de 2017, com duas turmas
da disciplina “Core Curriculum – Direitos Humanos”, uma em cada semestre,
cada qual com carga horária de 40 horas, em encontros presenciais semanais
nos quais foram desenvolvidas reflexões coletivas, diálogos e leituras pertinen-
tes à temáticas previamente selecionadas e convergentes com as exigências das
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos (DNEDH) e que
seguiram a esta sequência didática: 1. Direitos Humanos, uma introdução a
este universo; 2. Direitos Humanos e Violência Humanas; 3. Direitos Humanos
Civis e Políticos; 4. Direitos Humanos Sociais; 5. Direitos Humanos Culturais;
6. Direitos Humanos Ambientais; 7. Direitos Humanos e a Democracia.
Como pressuposto do desenvolvimento das aulas procurou-se organizá-
-las relacionando as estratégias com as características do corpo discente, após
uma sondagem na primeira aula sobre o perfil socioeconômico, hábitos como
leitura de jornais, livros, aderência profissional – visto tratar-se de turmas com
inúmeras procedências de formação, como fisioterapia, biomedicina, pedago-
gia, educação física, administração, música e enfermagem – e o conhecimento
sobre a temática dos direitos humanos. Alguns princípios acompanharam o
desenvolvimento das dinâmicas:
• A dimensão da dialogicidade da relação professor-aluno e aluno-pro-
fessor, entendida como expressa no início do artigo, e como relação que
se desenvolve respeitosamente entre o falar e o ouvir, na qual o direito
à fala não é uma propriedade do professor e a “obrigação” do ouvir um
atributo do aluno; a educação em direitos humanos, nesse sentido,

54 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

tensiona formas tradicionais e autoritárias da relação de ensino-apren-


dizagem e valora as percepções dos(as) alunos(as) e o direito de sua
expressão, exercitando, pela mediação do professor, uma reflexo crítica
sobre o dito e o escutado.
• A dimensão da contextualização histórica, com a permanente relação
dentro dos temas apresentados entre o presente (ponto de partida das
reflexões) e o passado como lócus de “encontro” de sentido para o pro-
cesso que foi se desenvolvendo, indicando como um direito humano e/
ou grupo de direitos foram aparecendo como espaços de reivindicação
e conquista.
• O estabelecimento de profunda relação entre direitos humanos e as
vivências concretas das pessoas no seu cotidiano, desde o direito de ir
e vir até o direito de escolher cursar este ou aquele curso de graduação;
o direito à saúde – quando recebeu as vacinas gratuitamente; o direito
à educação básica, quando estudou na escola pública o ensino funda-
mental e médio.
• Vivências em espaços físicos da cidade relacionando-as com a percep-
ção do respeito ou da violação de direitos humanos, da memória ou do
apagamento da memória, como, por exemplo, visitas reflexivas ao
Parque da Juventude – onde antigamente ficava o complexo penitenci-
ário do Carandiru e que em 1992 foi palco do assassinato de 111 seres
humanos privados da liberdade –, e ao Memorial da Resistência – es-
paço onde antigamente ficava um centro de tortura e a Delegacia de
repressão na época da Ditadura militar brasileira.
• Avaliações que são pesquisas e associações de ideias da realidade dos
direitos humanos, suas violações, sua efetividade, defesa e luta, por meio
de levantamento de Organizações Não Governamentais que desenvol-
vem ações envolvendo os direitos humanos; leitura de documentos re-
ferenciais para a cidadania e identificação dos direitos humanos ali
constantes e de vivências pessoais nas quais os “direitos humanos” es-
tiveram manifestos.

Junho de 2018 55
Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

Considerações finais

Ao longo da reflexão desenvolvida e das práticas pedagógicas expressas


neste artigo, podemos perceber a existência de parâmetros suficientes para o
desenvolvimento concreto da educação em direitos humanos no ensino supe-
rior voltada para finalidades ativas de construção de uma nova sociedade pau-
tada em novos valores e concepções a respeito dos sujeitos, dos direitos e da
cidadania. Entretanto, observa-se empiricamente, e mesmo nas iniciativas de
monitoramento e vinculação aos programas estatais de promoção da educação
de direitos humanos no ensino superior, uma timidez e limitação do alcance
do projeto de formação de uma nova cultura na sociedade que parta da cons-
ciência, da vivência concreta dos direitos humanos, e da certeza de que eles
servem de parâmetro para formas diferentes e humanizadas de sociabilidade.
O exemplo da baixa participação das Instituições de Ensino Superior (IES)
ao “Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, da Cultura
da Paz e dos Direitos Humanos”, programa do Ministério da Educação que
busca estimular o conhecimento e a implantação de iniciativas relacionadas à
promoção dos direitos humanos e à educação em direitos humanos, sugere os
esforços ainda necessários a serem feitos no sentido de materializar os precei-
tos das Diretrizes e do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.
Atualmente existem ao redor de 2.400 Instituições de Ensino Superior (IES)
no país, das quais, apenas 177 aderiram ao Pacto (Brasil, 2017, p.3). É claro que
esse número não revela todas as IES que desenvolvem atividades e projetos a
respeito da Educação em Direitos Humanos, mas serve de indicativo da neces-
sidade premente do desenvolvimento de iniciativas na área e da reflexão aca-
dêmica sobre o assunto.
A respeito da implantação tímida das Diretrizes e do Plano Nacional de
Educação em Direitos Humanos, o relatório de 2012 sobre a situação dos
Direitos Humanos no país, foi enfático em “denunciar” certo “esquecimento”
do assunto no Plano Nacional de Educação – aprovado para ter vigência entre
2014-2024 –, que sequer mencionou “educação em direitos humanos” e o ter-
mo “direitos humanos” (Carbonari, 2015, p.29-30).
Às questões apresentadas podemos responder que estão surgindo inicia-
tivas isoladas, laterais, incidentais no sistema de ensino superior, buscando
vocalizar, em parte, os esforços na construção de uma educação em direitos

56 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

humanos formadora de uma “nova cultura”. Na prática, a educação em direitos


humanos muitas vezes se reduz à oferta de uma disciplina de Direitos Humanos
ou Educação para as relações étnico-raciais, atualmente obrigatórias para todos
os alunos nos casos observados, com cargas horárias de 40 e 60 horas, respec-
tivamente, devendo ser cursadas até a formatura, obedecendo a todos os cri-
térios acadêmicos comuns às demais disciplinas (duas avaliações obrigatórias,
regime de aprovação/reprovação, presença).

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Eduardo Silveira Netto Nunes e Juliana Alves de Andrade

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Justiça Social: desafios para a formação de professores. Belo Horizonte: Autêntica,
2008. p.11-35.

NOTAS
1
É importante entender que a “pedagogia desde o sul” dialoga com toda uma reflexão des-
colonizadora, não ocidentalizante, contra-hegemônica que frutificou desde as lutas de des-
colonização na África nas décadas de 1950 a 1970, e na América Latina, nas décadas de
1970 e 1980 (ao ponto de pensadores como Enrique Dussel afirmarem, para o caso da
América Latina, existir uma “filosofia” engendrada de sua história social, política e econô-
mica, e que constitui visões de mundo próprias não expressivas mimeticamente de parâme-
tros ocidentais) (CERUTI GULDBERG, 2006), e que hoje são conscientemente enunciadas.
O sul aqui é entendido como um próprio, tal como o norte é um “próprio”, o sul entretanto
negligenciado como território, histórias e dinâmicas próprias e não “deformações” ou “má
aplicação” do modelo de civilização do norte – se é que ele existe com essa consistência!
(ver sobre isso LANDER, 2005). O movimento do Fórum Social Mundial, desde 2001,

58 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aprender e Ensinar os princípios dos Direitos Humanos nas universidades brasileiras

sintetizava e promovia esse novo olhar para um “Outro mundo possível”, no qual o “sul do
mundo” passava a se afirmar como consciência e prática (ver MINÀ, 2003). Dussel propõe
que se integre no campo filosófico uma nova forma de perceber a contemporaneidade e
que seria “o projeto transmoderno”, como uma “correalização do impossível para a
Modernidade; ou seja, é correalização de solidariedade, que chamamos de analéptica, de:
Centro/Periferia, Homem/Mulher, diversas raças, diversas etnias, diversas classes,
Humanidade/Terra, Cultura Ocidental/Culturas do mundo periférico ex-colonial etc.; não
por pura negação, mas por incorporação partindo da Alteridade” (DUSSEL, 2005, p.66).

Artigo recebido em 28 de fevereiro de 2018. Aprovado em 27 de agosto de 2018.

Junho de 2018 59
Ê
S SI
DO

La última dictadura argentina en el aula:


entre materiales, textos y lecturas
The Last Argentine Dictatorship in the Classroom:
Materials, Texts and Readings
Paula González*

Resumen Abstract
Este trabajo se acerca a la historia argen- This article while approaching to recent
tina reciente en las aulas para analizar la history in the classroom to analyse the
práctica docente cotidiana. Presenta un daily teaching practices. It will present a
estudio de caso de un docente del co- case study of a History teacher from
nurbano bonaerense que trabaja en una Buenos Aires outskirts, who works in a
institución escolar que alienta el trata- school that encourages the public treat-
miento de la última dictadura, que tiene ment of the last dictatorship, who has
formación actualizada y que utiliza va- updated knowledge, and possess (and
riados recursos. En esas condiciones, dares to use) various resources. So, what
¿qué materiales trabaja?, ¿qué textos in- materials does this teacher select? What
troduce?, ¿qué lecturas propone? Este texts does he choose? What readings
artículo presenta una serie de respuestas does he propose? This paper will pres-
a los interrogantes anteriores y se pro- ent a series of answers to the previous
pone subrayar: i) la naturaleza producti- questions and will propose to empha-
va e inventiva de la práctica docente; ii) size: i) the productive and inventive na-
la importancia de la materialidad en la ture of teaching practices; ii) the impor-
enseñanza; iii) la potencia de diferentes tance of materiality in history teaching;
materiales, textos y lecturas que posibi- iii) the power of different materials,
litan el trabajo con diversos lenguajes, texts and readings that make possible to
memorias y debates. work with different languages, repre-
Palabras clave: Historia argentina re- sentations and debates.
ciente; dictadura (1976-1983); prácticas; Keywords: Argentina recent history;
enseñanza; materialidad. dictatorship (1976-1983); practices;
teaching; materiality.

* Investigadora docente adjunta regular, Universidad Nacional de General Sarmiento (UNGS) e


Investigadora adjunta, Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Tecnicas (Conicet).
Buenos Aires, Argentina. gonzalezamorena@gmail.com

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 60-82 - 2018


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

La historia argentina reciente – particularmente la última dictadura


(1976-1983) – tiene un lugar importante en la escuela secundaria actual, desde
la Ley Federal de Educación de 1993 y, sobre todo, a partir de la sanción de la
Ley de Educación Nacional en 2006 (hoy vigente). A este respecto, se ha inda-
gado su inclusión en la legislación educativa y los sucesivos diseños curricula-
res así como su presentación en los libros de texto escolares. Al mismo tiempo,
varios trabajos han indicado las tensiones en torno a su tratamiento escolar
por tratarse de un pasado próximo, controversial, traumático y abierto.
Asimismo, y especialmente en los primeros años de su inclusión en el currículo
escolar, se han señalado los inconvenientes que han enfrentado muchos pro-
fesores: falta de formación y actualización, escasez de referencias historiográ-
ficas, materiales insuficientes, conflictos en las instituciones escolares, entre
otros aspectos (De Amézola, 2006; De Amézola; Carlos; Geoghegan, 2006).
Así, entonces, y como para otros temas relativos a la enseñanza de la historia,
se ha indagado menos acerca de lo que sucede en las aulas.1 No obstante, en
los últimos años se ha avanzado al respecto, penetrando en la cotidianeidad
escolar y observando las prácticas docentes y escolares (Higuera Rubio, 2010;
Billán, 2015; Pappier, 2017).
Este trabajo se inscribe en esta última perspectiva, es decir, en la de acer-
carse a la historia reciente en las aulas para analizar la práctica docente coti-
diana. Para ello, presenta un estudio de caso de un docente del conurbano
bonaerense que trabaja en una institución escolar que alienta el tratamiento
de la última dictadura, que tiene formación actualizada, que conoce (y se atreve
a usar) variados recursos. En esas condiciones, ¿qué materiales trabaja?, ¿qué
textos introduce?, ¿qué lecturas propone?
Este artículo presenta una serie de respuestas a los interrogantes anterio-
res y se propone subrayar: i) la naturaleza productiva e inventiva de la práctica
docente; ii) la importancia de la materialidad en la enseñanza; iii) la potencia
de diferentes materiales, textos y lecturas en torno a la última dictadura que
posibilitan el trabajo con diversos lenguajes, representaciones, memorias y
debates. En última instancia, el trabajo aspira a contribuir a la formación
docente en historia desde la investigación de las prácticas de los profesores en
las aulas.

Junho de 2018 61
Paula González

Sobre las prácticas docentes en torno a la última


dictadura: prescripciones y propuestas

Indagar la enseñanza de la historia reciente en las aulas excede el estudio


de la normativa educativa o el análisis de las propuestas pedagógicas. No obs-
tante, también es ineludible conocer en qué contexto – tanto político como
didáctico – un docente construye su práctica puesto que son dimensiones que
la atraviesan.
Por lo dicho, resulta clave señalar que la vigente Ley Nacional de
Educación 26206 (en adelante LEN) sancionada en 2006, ha dado un lugar
central a la historia argentina reciente – y particularmente la última dictadura
– y a la construcción de la memoria. En efecto, en el propio cuerpo de esa ley
se señalan como contenidos curriculares comunes a todas las jurisdicciones:

El ejercicio y construcción de la memoria colectiva sobre los procesos históricos


y políticos que quebraron el orden constitucional y terminaron instaurando el
terrorismo de Estado, con el objeto de generar en los/as alumnos/as reflexiones y
sentimientos democráticos y de defensa del Estado de Derecho y la plena vigen-
cia de los Derechos Humanos. (Argentina, ME, 2006a, p.19)

A partir de la LEN, los Núcleos de Aprendizajes Prioritarios (en adelante


NAP) de alcance nacional también indicaron los siguientes contenidos relati-
vos a la última dictadura para la educación secundaria básica:

El conocimiento de las características del terrorismo de Estado implementado en


la Argentina por la dictadura militar de 1976-1983, y de su relación con la Guerra
Fría y la aplicación de un modelo económico y social neoliberal. (Argentina, ME,
2006b, p.22)

Asimismo, en 2012, se aprobaron los NAP para la secundaria superior


indicando que la escuela ofrecerá, entre otras, situaciones de enseñanza que
promuevan en las y los estudiantes:

La comprensión del golpe cívico-militar de 1976 y del Terrorismo de Estado co-


mo plan sistemático para destruir a las organizaciones populares y disciplinar a la
sociedad, creando las condiciones de implementación del modelo económico
neoliberal. (Argentina, ME, 2012, p.7)

62 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

Para la jurisdicción de la Provincia de Buenos Aires, la historia argentina


reciente está incluida en los diseños curriculares de Historia de 5o y 6o año.
Dentro del programa para 5o año (común para todas las modalidades) los
contenidos son los siguientes:

La última dictadura cívico-militar en la Argentina: represión, disciplinamiento


social y política económica. La Dictadura y la sociedad: la búsqueda de la subor-
dinación sin consenso. El movimiento de Derechos Humanos y la resistencia ci-
vil. La Dictadura y la economía: auge de la especulación financiera, crisis y
endeudamiento externo. (PBA-DGCyE, 2011, p.20)

Para el programa de Historia de 6o año – de las modalidades de Ciencias


Sociales y Arte – se incluye la unidad 2 titulada “Los años 70. Movilización
social y represión” con la indicación de que los estudiantes deberán elaborar
proyectos de investigación en relación con los siguientes problemas
historiográficos:

La emergencia de las organizaciones armadas. Sus idearios políticos. Los jóvenes


y sus relaciones con el peronismo. Culturas y consumos juveniles. Militancia.
Expansión y contracción económica. La espiral de la violencia. El derrocamiento
del peronismo y el golpe de Estado cívico-militar. El terrorismo de Estado. La
detención-desaparición de personas. La cultura del miedo. El golpe cívico-mili-
tar a la educación pública y la censura. El problema del exilio. El proceso de de-
sindustrialización y sus consecuencias sobre el mercado y la economía interna. El
impacto de las políticas neoliberales. El endeudamiento externo. Deportes, me-
dios y política. La guerra de Malvinas. Los movimientos de Derechos Humanos.
El rock nacional. Cine, teatro underground. (PBA-DGCyE, 2012, p.43)

En un sintético balance se puede señalar que, tanto en la legislación general


como en los diseños curriculares, son visibles las marcas de las “políticas de
memoria por parte del Estado” (Lvovich; Bisquert, 2008), llevadas adelante a
partir de 2003: tanto por el uso de definiciones tales como “terrorismo de Estado”
como por el lugar ganado por la propia historia reciente en el currículo.
Asimismo, y dado que aquí interesan los materiales, textos y lecturas, cabe
reseñar que el propio diseño curricular de la Provincia de Buenos Aires prescri-
be, entre sus objetivos, incorporar diversidad de textos históricos que sean re-
presentativos de las distintas corrientes historiográficas; promover prácticas de
escritura que propongan la elaboración de distintos géneros (informes,

Junho de 2018 63
Paula González

comentarios bibliográficos, ensayos etc.); incorporar, con distintos grados de


complejidad, la enseñanza de la Historia a través de las Nuevas Tecnologías de
la Información a los fines de que sean utilizados para el desarrollo de preguntas,
formulación y tratamiento de problemas, así como para la obtención, el proce-
samiento y la comunicación de la información generada (PBA-DGCyE, 2011).
Del mismo modo, al final del diseño, se incluyen referencias de páginas web y
sugerencias didácticas donde son ponderados los materiales audiovisuales.
Por cierto, los libros de textos escolares también acompañan la enseñanza
de la historia argentina reciente en la escuela. En efecto, aun con diferencias
entre las diversas propuestas y más o menos fieles a los enunciados de los di-
seños curriculares según cada editorial, los libros para 5o y 6o año – especial-
mente aquellos utilizados en la Provincia de Buenos Aires – incluyen y
desarrollan exhaustivamente la última dictadura militar.2 Del mismo modo,
resulta importante aludir a la producción de materiales didácticos realizada
por el ministerio de Educación de la Nación entre 2005 y 2015 dentro del
programa Educación y Memoria, un programa que, además, se propuso incidir
en el desarrollo curricular, en la formación de docentes y estudiantes así como
en el fomento de experiencias de investigación desde las escuelas (Adamoli;
Farias; Flachsland, 2015). Para el caso de la última dictadura, tal programa
desarrolló el material “Pensar la dictadura: terrorismo de Estado en Argentina”
en el que propuso preguntas, respuestas y propuestas para su enseñanza a
través de diversos textos y materiales y diferentes consignas para buscar más
información, reflexionar, discutir, analizar, investigar etc.3 Esta importante
producción estuvo acompañada, además, por diversos materiales disponibles
en el Portal Educativo Educ.ar, series y documentales en la señal televisiva
“Canal Encuentro” del Ministerio de Educación, entre otros.
En suma, se trata de un marco normativo y pedagógico favorable al tra-
tamiento de la última dictadura en las aulas aunque desde el discurso y las
decisiones políticas del actual gobierno el clima sea adverso.4
Pero, como se ha dicho, interesa aquí destacar las prácticas docentes y,
por lo mismo, cabe señalar qué perspectiva tomaremos para analizarlas. Sobre
esta cuestión avanza el próximo apartado.

Sobre las prácticas docentes: modos de ver

Una investigación pionera en Argentina sobre prácticas docentes en la


enseñanza de la historia fue realizada a fines de los años ’80 por Silvia Finocchio

64 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

e Hilda Lanza (1993). En ella, las autoras se propusieron analizar cómo se con-
forman las prácticas docentes a través de una aproximación a “los ámbitos que
constituyen el discurso de los profesores de historia del nivel medio” (Finocchio;
Lanza, 1993, p.97). A través del análisis de entrevistas a profesores y observa-
ciones de clases en dos escuelas estatales de la Ciudad de Buenos Aires, las
autoras delimitaron “los espacios a los que acude el docente de historia con el
fin de tomar conceptos que le permitan armar su propio discurso y de encontrar
su fuente de legitimación” (Finocchio; Lanza, 1993, p.102). De ese modo, seña-
laron la incidencia – no excluyente pero sí significativa – de: la formación do-
cente, entendida como el proceso de aprendizaje de contenidos científicos
referidos a la historia y de contenidos pedagógico­didácticos que le permiten
reproducir o construir nuevas formas de en­señar; la propuesta oficial, que eng-
loba los proyectos, circulares, resoluciones, decretos y programas referidos a
qué, cómo y cuándo enseñar; la conciencia de la historia, definida como la es-
tructura de pensamiento mediante la cual el sujeto interpreta la historia como
orientadora de sus prácticas sociales a través del tiempo; la concepción de la
historia, entendida como el modelo historiográfico al que se adhiere y las con-
secuentes opciones teóricas y metodológicas que el mismo comprende; el uni-
verso de los textos escolares; el campo bibliográfico propio, es decir, el conjunto
de lecturas más o menos sistemáticas realizadas y manifestadas por los docentes
que pueden penetrar o no en la cotidianeidad escolar; las exclusiones, concebi-
das como las omisiones o rechazos significativos; el saber hacer que se consti-
tuye en la relación de los ámbitos anteriormente mencionados y que, a través
de la práctica rutinaria, moldea la tarea en la cotidianeidad del aula.
Sin desconocer aportes más recientes en esta línea,5 retomo las dimensio-
nes propuestas por Finocchio y Lanza (1993) y sumo otros elementos para
pensar las prácticas docentes sobre todo en relación con el tratamiento de la
historia argentina reciente (es decir, en un nuevo contexto educativo y frente
a un contenido sensible).
Así, y a modo de balance, propongo considerar: i) el contexto con diversos
espacios, tiempos y sedimentaciones, es decir, el socio-histórico – con sus repre-
sentaciones, imaginarios, memorias en conflicto, referencias etc. –, el escolar
– con su cultura y sus disciplinas escolares como marco de realización – el
institucional – con las diversas “atmósferas de transmisión” de rechazo, aliento,
omisión o rutina frente a la historia reciente; y el áulico, con sus coordenadas
de tiempo y espacio y con los sujetos que construyen ese cotidiano; ii) la

Junho de 2018 65
Paula González

propuesta oficial, es decir, la normativa y diseños curriculares vigentes que se-


ñalan los objetivos y los contenidos a enseñar e incorporan los aportes de la
historiografía académica, una propuesta que es apropiada por los docentes, es
decir, es leída, traducida y reinterpretada; iii) los estudiantes, quienes – con sus
sensibilidades, intereses, consumos, representaciones, expectativas y preguntas
– moldean, interrogan y desafían a los docentes; iv) la materialidad, no solo de
los libros escolares ni solo de materiales escritos e impresos sino también otros
materiales digitales, visuales, audiovisuales, multimediales que, en diferentes
lenguajes y soportes, son portadores y constructores de diversos saberes, repre-
sentaciones y discursos sobre la historia; v) los profesores – con su biografías,
formaciones, lecturas, representaciones, memorias, posicionamientos políticos,
expectativas – en sus diálogos y vínculos – con otros colegas, con las comuni-
dades educativas donde trabajan, con sus estudiantes –; y vi) el saber hacer de
los profesores a partir del cual despliegan diversas estrategias y tácticas, dando
cuenta de la “movilidad plural de intereses y artes de hacer”.6
Desde luego, las dimensiones aquí apuntadas no son las únicas que hacen
a la conformación de las prácticas docentes, pero sí considero que resultan
significativas para enriquecer la mirada sobre ellas. Naturalmente, serían ne-
cesarias más palabras para dar cuenta de su incidencia con más profundidad,
pero en el marco de este trabajo he preferido tomar una de ellas – la materia-
lidad – con el fin de realizar la presentación del análisis y señalar las intersec-
ciones y vínculos con las otras dimensiones antes enumeradas.

Sobre las prácticas docentes: un estudio de caso

Como anticipé, este trabajo se basa en un estudio de caso y en el uso de la


narración de la práctica con sus conocidos límites y potencialidades.7 Y es que en
un trabajo así, las preguntas e inquietudes de la investigación van más allá del caso
pero, a la vez, se requiere de un análisis en profundidad para una finalidad de largo
plazo. Y ese propósito es comprender las prácticas docentes así como subrayar la
centralidad de la materialidad en esa tarea. En tal sentido, un caso permite atender
a las diversas dimensiones y características de la práctica docente así como las
múltiples aristas de un oficio tan complejo. Asimismo, la narración permite una
reconstrucción más cercana y vívida de la experiencia que se reconstruye.
Por lo dicho, tomé la práctica de un profesor de Historia a quien observé
durante cinco clases consecutivas de dos horas reloj cada una en un curso de

66 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

Historia de 6o año en una escuela privada laica del conurbano bonaerense entre
mayo y junio de 2017. Además de las observaciones, mantuve varias charlas
antes y después de las clases; realicé una entrevista en profundidad al término
de las observaciones, y compartimos una nueva charla posterior con las trans-
cripciones de clases para comentar algunos aspectos puntuales. Asimismo, el
profesor me facilitó su planificación, varias carpetas de sus estudiantes y diver-
sos materiales de clases (trabajos prácticos, guías de lectura, evaluaciones etc.).
Dicho esto, es menester señalar que se trata de un docente que tiene for-
mación de posgrado stricto sensu y continúa formándose; tiene mucho interés
por la historia argentina reciente; posee saberes y consumos sobre el lenguaje
audiovisual; le gusta su tarea de profesor; tiene una vasta experiencia en su
oficio (dieciocho años de antigüedad); tiene buen vínculo con los estudiantes;
trabaja en una institución que no limita su trabajo docente en torno a la his-
toria reciente; tiene condiciones materiales – tanto personales como institu-
cionales – que favorecen un uso intensivo de recursos visuales y audiovisuales
(una TV en el aula a la cual conecta su computadora portátil). Además, el curso
en el cual observé su tarea estaba compuesto por veintidós estudiantes, con
buen clima y disposición hacia la materia (sin mostrar problemas de conviven-
cia, disciplina, disposición para el trabajo o comprensión lectora).
Visto en perspectiva, se trata de un caso con condiciones que no son ge-
neralizadas en el contexto de la provincia de Buenos Aires. Más aún, pueden
ser consideradas como ideales. No obstante, y como dije, no es el afán hacer
generalizaciones a partir de este caso. Lo tomo, precisamente, para poder se-
ñalar algunos rasgos de la enseñanza de la historia desde las posibilidades y no
desde los problemas, para poder pensar la enseñanza de la historia reciente
cuando no está determinada por la falta de formación docente, por una atmós-
fera de transmisión adversa, por la ausencia de materiales u otros problemas,
tensiones y limitaciones. Como dije, sobre esto, ya se ha escrito bastante y me
interesa ir por otro camino y preguntar: cuando las condiciones favorecen el
trabajo del docente sobre la última dictadura: ¿qué materiales trabaja?, ¿qué
textos introduce?, ¿qué lecturas propone?
Desde luego, estas preguntas son apenas un recorte de todo lo que es
posible pensar en torno a las prácticas de enseñanza en las aulas. No obstante,
su elección no es fortuita ya que jerarquiza una dimensión usualmente menos
atendida – tanto en la investigación como en la formación docente –, esto es,
la materialidad en la enseñanza.8 Y es que no es posible pensar el mundo

Junho de 2018 67
Paula González

educativo sin la cultura material, es decir, sin los objetos y materiales así como
los saberes, prácticas y vínculos que proponen o potencian (Finocchio, 2016a).
Por lo dicho, opté concentrarme en los materiales, los textos y las lecturas
en el análisis. Tal opción se funda también en que, en la secuencia de clases
observadas, resultó notoria la centralidad y potencia de esa tríada, no solo por
la multiplicidad de los materiales, la variedad de textos leídos (no solo escritos)
y la significatividad de las lecturas propuestas sino porque todo ello fue de la
mano y permitió una práctica relevante y significativa.
Para graficar lo central de ese aspecto en la práctica del docente observado
se incluye el Cuadro 1. En él, se muestra la secuencia de clases desde mi mirada.
Es decir, no se trata de la planificación del profesor sino de mi lectura sobre
las clases que tuve la oportunidad de Antes de abocarme al análisis de la prác-
tica desde la materialidad, cabe indicar dos cuestiones de este caso.
Por un lado, es interesante subrayar que el docente toma en cuenta el
diseño curricular (expuesto en el apartado 2) pero realiza su propia selección
y secuenciación de contenidos. Su práctica muestra, entonces, lo inventivo y
productivo de la práctica docente: pondera temas, descarta otros, dedica tiem-
pos, profundiza aspectos según sus criterios, su contexto de trabajo, sus estu-
diantes y lo que cree que deben aprender, sus lecturas, su biografía, su
formación, sus lecturas, sus intereses, su saber hacer etc.
Por otra parte, es significativo señalar que lo potente y diferente de esta
secuencia de clases no está en las actividades o estrategias: si se observa el
cuadro, las mismas no presentan gran variedad e incluso podrían ser tildadas
de “tradicionales” (guía de preguntas, explicación, diálogo). Tal cuestión re-
sulta importante para tener en cuenta los límites de ciertas miradas sobre las
prácticas docentes (en historia u otras disciplinas escolares) que se concentran
en el “qué” se enseña y “cómo” y desatienden “con qué” se enseña y “para qué”
determinados contenidos. En este sentido, la mirada sobre los materiales, tex-
tos y lecturas da como resultado una práctica muy diferente si se compara con
las actividades solamente.
Ahora bien, de todo lo trabajado en la secuencia de clases (como se expone
en el cuadro anterior), voy a detenerme en los materiales, textos y lecturas de la
primera clase de la secuencia didáctica (y del conjunto de clases observadas): la
dedicada al golpe de Estado del 24 de marzo de 1976 y la instauración de la últi-
ma dictadura. Y lo haré narrando la clase, reproducciones extractos de transcrip-
ciones y sumando notas de observación y de la entrevista y las charlas mantenidas
con el docente.

68 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

Cuadro 1 – Clases observadas: materiales, textos, lecturas


y actividades (Elaboración propia)
Materiales /
Clase Textos Lecturas Actividades y estrategias
soportes

1. La Audiovisual “La república Cinematográfica e Guía de preguntas.


última Film perdida 2” histórica Causas del
dictadura documental golpe. Violencia
política. “Teoría de los
dos demonios”.

Escrito “El tiempo del Histórica e Explicación del


impresso proceso”, de historiográfica. profesor.
Texto H. Quiroga Causas del golpe.
académico- Violencia.
divulgativo “Teoría de los dos
demonios”.

Escrito “¿Por qué vuelven Historiográfica y Diálogo


impreso los 70?”, de política. docente- estudiantes.
Texto F. Lorenz “Teoría de los dos
periodístico. demonios”.
Luchas por la memoria.

Mapa Mapa de Histórica. Contexto


dictaduras en AL regional y mundial:
años 70-80 “guerra fría”

Escrito Comunicados de la Histórica. Prohibiciones Tarea. Guía de


impreso Junta Militar y castigos. preguntas.
Fuentes
primarias

2. Política Escrito “El tiempo del Histórica e Guía de preguntas.


represiva impreso proceso” historiográfica. Explicación del
Texto Mecanismos de la profesor.
académico- política represiva.
divulgativo Sociedad civil frente a la
dictadura.
Visual Fotografías de Histórica. Diálogo docente-
centros Centros clandestinos estudiantes.
clandestinos y de de detención
detenidos
desaparecidos

Audiovisual Testimonio en el Histórica. Sistema


Juicio a las juntas represivo: tortura,
desaparición, robo.

Junho de 2018 69
Paula González

4. Política Visual Gráfico Histórica. Guía de preguntas.


económica Porcentaje de
desaparecidos jóvenes y
trabajadores

Audiovisual Film “Las AAA Histórica. Relación Explicación del


son las tres armas” entre sistema represivo profesor.
(1979)9 y política económica.

Escrito Texto escolar Histórica. Modelo


impreso económico
Visual Gráfico estadístico Histórica. Crecimiento Diálogo docente-
de deuda externa, estudiantes.
pobreza y especulación
financiera.

5. Política Visual y Tapas de prensa de Histórica. La prensa Guía de preguntas.


económica escrito la declaración de la frente a la guerra.
Explicación del
guerra de
profesor.
Malvinas10

Guerra de Visual Fotografía de Consenso social. Diálogo docente-


Malvinas Galtieri en la Plaza estudiantes.
de mayo11

Escrito Testimonios de Histórica. Condiciones


impreso soldados en el campo de batalla.

Visual Fotografía de Histórica. Participación


mujeres en de la mujer.
Malvinas12

5. Síntesis Audiovisual TV por la Histórica y Guía de preguntas.


identidad, capítulo cinematográfica. Explicación del
3, “Nietos de la Síntesis de los diversos profesor. Diálogo
esperanza”13 aspectos trabajados a docente- estudiantes.
partir de una historia
de vida.

70 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

Sobre las prácticas docentes: entre


materiales, textos y lecturas

La primera clase de la secuencia comienza con la presentación del tema


nuevo. El profesor anuncia que: trabajarán con “la dictadura militar 1976-
1983” (lo anota en el pizarrón y los estudiantes toman nota en las carpetas, a
modo de título); harán un repaso sobre lo último que vieron, y luego verán un
video. Así, se inicia un diálogo entre profesor y estudiantes “sobre lo sucedido
entre 1973 y 1976”, es decir, antes del golpe de Estado. Conversan sobre la
“muerte de Perón”, el accionar de los “grupos revolucionarios”, la violencia
del grupo paraestatal “la triple A”. Además, conectan con la situación argentina
con la de América latina post-revolución cubana para luego volver a la escala
nacional y aludir a la crítica situación económica de 1976.
Pasado ese primer momento de charla, donde se retoman contenidos tra-
bajados en clases anteriores, el profesor anuncia que van a ver una parte del
video e indica:

Bien, entonces, no vamos a escribir nada ¿sí? sino que simplemente lo vamos a ver.
Yo les puse unas preguntas guía porque es con diez minutos pero como que hay
mucha información en ese video... Por eso lo traje porque me parece interesante
en principio para verlo. Ahora vemos cuáles son las preguntas. Lo único que tienen
que hacer es tenerlas en la cabeza ¿sí? ahora las leemos entre todos, las tienen en la
cabeza y van mirando el video con estas preguntas pero no anoten nada porque
cuando anoten una cosa se pierden la que sigue. Si llegáramos a tener problema y
lo tenemos que ver por segunda vez, lo vemos por segunda vez, no hay problema
porque dura nueve_diez minutitos ¿sí?

Luego de señalar cómo van a ver el video, comenta qué van a ver (se trata
del film “La república perdida 2”),14 presentando el documental, el contexto de
producción y los directores:
P – Ahora ¿qué es lo que vamos a ver concretamente? Vamos a ver un
fragmento de una película muy famosa en su momento ¿sí?, que es un do-
cumental que se llama “La República perdida 2”, que es del año 1986. La
fecha es MUY importante, ahora yo les voy a decir por qué. Existe una
República perdida 1. Esa República perdida 1 se filmó en los últimos

Junho de 2018 71
Paula González

momentos de la dictadura. ¿Sí? Fueron los mismos directores que en este


momento, yo les puse Miguel Pérez y Enrique Vanoli.
E – ¿En los últimos momentos de esta dictadura?
P – En el 83, en los últimos momentos cuando la dictadura estaba ya en
retroceso, ya iba a haber elecciones, ya se sabía la fecha de elecciones y los
políticos estaban en campaña. La República perdida 1 – que no vamos a
ver – habla de la historia argentina entre 1930 y el 76, ¿está?, ¿sí? De los
golpes de estado, de la política, del peronismo, más o menos sería una
recorrida por la historia… La república perdida 2 habla específicamente
de la ÚLTIMA dictadura militar ¿sí?, de la última dictadura militar, es
decir ésta que estamos viendo. Y Enrique Vanoli, de esos dos nombres que
yo puse ahí, es un dirigente radical muy importante que hizo La República
perdida 1 y 2, con lo cual ya esto nos da una idea de qué es lo que vamos a
ver. Guarden esto como telón de fondo ahí como que el hombre es un mili-
tante y político del radicalismo, digamos que no es que es cualquier per-
sona. Y otra cosa que quiero que observen bien es la fecha que es 1986 ¿sí?
¿Por qué es importante la fecha 1986?
E – ¿Después que se fueron los militares?
P – Después que se fueron los militares, por supuesto. Posiblemente una
cosa así durante la época de los militares, ya vamos a ver, no se hubiese
podido hacer ¿sí? Pero … más que por eso es porque en diciembre del 85
¿sí?, que esto lo vamos a ver más adelante, se termina de JUZGAR a las
Juntas militares e inmediatamente sale esta película, después de que se
juzga a los militares. Recuerden esto ¿sí? Surge esta película. Con lo cual
ahora vamos a sospechar por qué razones la hicieron, qué intención tenían,
por qué en ese momento. Tiene toda una explicación …
En la presentación del material y el texto, el profesor ya indica la lectura
que los estudiantes van a realizar: se trata, entre otras cosas, de “sospechar”
razones e intenciones de los directores del film y por ello les lee las consignas
de trabajo (de la guía que les presentó copia en papel para que los estudiantes
tengan en sus carpetas)
P: Pero ahora, ¿qué quiero que miren del fragmento? Dice (lee la guía de
preguntas que le entrega a los estudiantes) “¿Cuáles son las dificultades y

72 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

los desafíos que tenía Perón al asumir la tercera presidencia?” Hay cosas
que ya sabemos, que dijimos por acá, pero quiero que vean QUÉ dice el
video, no lo que saben ustedes. Vamos a comparar con lo que nosotros
sabemos, cuánto hay ahí de lo que nosotros pusimos y cuánto no. Segundo
“¿Cómo la muestra a Isabel Perón?” digamos ¿sí? Van a hablar de Isabel
Perón en algún momento, fíjense cómo la muestran. “¿Qué plantea sobre
las organizaciones armadas y sobre el ejército?” ¿Cómo los muestran o
cómo los presentan a las organizaciones armadas y cómo presenta el video
al Ejército? “¿Qué sector es mostrado como el permanente desestabilizador
y generador de los golpes de Estado?”, ¿sí?, hay un grupo que va a aparecer
ahí, que para esta película siempre va a ser el enemigo constante a lo largo
de la historia argentina ... Y “¿A qué políticos rescata?”, vamos a ver, de
repente ahí dice este es buen político, este, este … se van a sorprender.
“¿Cuál es la situación del país en cuanto a la violencia?”, ¿sí?, ¿qué valor
le dan en el video, ya van a ver, a la violencia política, esta idea de la vio-
lencia armada y “qué relación tiene esa violencia con el golpe de Estado”
¿ok?. Son varias cosas. Bueno, vayan leyendo mientras yo pongo la com-
putadora y el video. Fíjense, pero no escriban nada, si no, lo vemos de
vuelta, igual después lo charlamos entre todos …
Así, el docente presenta la guía de preguntas (que luego contestarán por
escrito) para que los estudiantes sepan qué van a ver y para qué lo van a ver.
Lo interesante de la observación (y la transcripción aquí) es que permite acce-
der no solo a las consignas (que los estudiantes tienen en papel y se integrarán
a las carpetas) sino a las aclaraciones, los énfasis y las explicaciones que suma
el profesor en la presentación. En tal sentido, es notorio (y está resaltado ex
professo) que el docente está interesado en que los alumnos adviertan no sólo
lo qué dice el video sino también cómo lo dice, no separando forma de
contenido.
Luego de la visualización de los diez primeros minutos del film (que dura
en total 120 minutos), el profesor inicia un intercambio oral con los estudiantes
retomando las preguntas de la guía. De todas las preguntas, me interesa des-
tacar el intercambio en torno a la pregunta referida a la violencia política que
vale la pena reproducir en su extensión

Junho de 2018 73
Paula González

P – … Bien. Esto es importantísimo ¿sí? y nos va a servir para futuro y yo


les dije: Acuérdense que este video se hace después del juicio a las Juntas
porque acá lo que está deslizando ¿sí? sutilmente en esos primeros diez
minutos el videíto, ¿sí? es que existen dos fuerzas violentas peleándose entre
sí que ¿cuáles serían?
E – La de los Montoneros y…
P – Las Fuerzas revolucionarias armadas en general ¿y?
E – Y los militares.
P – Y los militares, obviamente. Y que el resto de esa sociedad ¿cómo está?
Metida ahí adentro de esa violencia ¿y qué le pasa?
E – Que está mal económicamente y que tienen que seguir adelante sí o sí.
E – Eso. Dicen que son los que mantienen el país.
P – Bien. ¿Saben qué hacer? ¿No? están ahí como espectadores, parecía
como que están por fuera … Bueno. Quedémonos con esta idea de la vio-
lencia de las dos partes porque esto va a ser el origen, no es el origen – ya
está originada desde fines de los 80, desde finales de la dictadura –, la idea
de la teoría de los dos demonios, después nosotros vamos a trabajar un
texto específicamente sobre eso pero algo hablamos el 24 de marzo ¿no?
E – En ningún momento rescata la violencia o sea, no hace distinción
entre la violencia sistemática del Ejército con la violencia que era
simbólica
P – Bueno, no, también no era solo simbólica sino que había atentados,
habíamos visto que había asesinatos y demás… Pero nosotros leímos un
texto de Federico Lorenz ¿se acuerdan? que se llamaba “¿Por qué vuelven
los 70”15?, allá el 24 de marzo. Y ahí él planteaba algo que discutimos ese
24 de marzo que era fundamental ¿sí? ¿Se podía equiparar ambas partes?,
dice Federico Lorenz
E – No.
P – No. ¿Por qué no se podía equiparar ambas partes?
E – Porque una estaba avalada por el sistema y la otra no.

74 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

P – AHÍ está. Una es el Estado ¿quién es el Estado?


E – El Ejército.
P – El Ejército, ojo al piojo. Por lo tanto no son equiparables, dice Federico
Lorenz … Y ahí decía: no pueden ser equiparables ni iguales justamente
porque... porque uno representa al Estado ¿Puede el Estado secuestrar,
matar, torturar?
E =no=
E =Se supone que no=
P – No, obviamente, NO. Es decir, la respuesta nuestra es no. Entonces, ahí
está la cuestión, la cuestión digamos, la discusión. Acá (se refiere al film
“La República perdida 2”) parecería que se equipara. Esto le va a servir al
radicalismo ¿sí? para meterse por fuera de este conflicto y decir que era un
problema entre militares y las fuerzas revolucionarias armadas ¿Está? Esto
va a ser desarrollado como “la teoría de los dos demonios”… Y después
vamos a ver si es así, si no, pero es para más adelante ese debate, pero fí-
jense cómo aparece ahí en el video.
En este pasaje de la clase, se introduce una interesante discusión política,
conceptual y ética. Es notorio (y lo confirma en la entrevista) que al profesor
le interesa discutir la cuestión de la violencia política (que aclara que no solo
es simbólica) y debatir la “teoría de los dos demonios”. Para eso, retoma un
texto leído a principio de año – en ocasión de la efeméride del 24 de marzo,
fecha del golpe en que se conmemora el día de “la memoria, la verdad y la
justicia”. Se trata de un texto periodístico, escrito por un historiador – Federico
Lorenz – en el diario “Le Monde Diplomatique” titulado “¿Por qué vuelven los
’70?”. En ese texto, escrito en marzo de 2017, Lorenz señalaba que en el nuevo
escenario político (inaugurado a fines de 2015), sectores antes relegados, cues-
tionan la idea de un plan sistemático por parte de la dictadura “cívico-militar”,
equiparan la violencia estatal con la de las organizaciones armadas, y niegan
las verdades probadas por la Justicia que fueron fundantes de la democracia
argentina.
Así, entonces, ese texto le sirve al docente para discutir la “teoría de los
dos demonios” que presenta la película vista. Tal narrativa habló de dos fac-
ciones armadas en los años ’70 en las que existían cúpulas con autoridad (y,

Junho de 2018 75
Paula González

por tanto, con culpa) y señaló que hubo víctimas tanto del sector militar (im-
pelidos a ejecutar las órdenes por el mandato de la “obediencia debida”) como
del lado de las organizaciones político-militares (donde los militantes de me-
nor grado actuaron engañados). Además de esas víctimas de ambos bandos,
toda la sociedad fue la víctima más inocente: primero, del fuego cruzado de los
“dos demonios” de derecha e izquierda y, después, del engaño de las Fuerzas
Armadas de las que sólo esperaban la pacificación del país y cometieron en
cambio una represión feroz y clandestina.16 En síntesis, ese relato clausuró un
debate necesario acerca de los consensos, conformidades y complicidades en
torno a la dictadura; inhibió la reflexión sobre la responsabilidad de las orga-
nizaciones armadas; obliteró la revisión de las actitudes de los partidos políti-
cos, la connivencia de los grupos empresarios, la colaboración o el silencio de
los medios de comunicación, la condescendencia de la cúpula eclesiástica; en
síntesis, la responsabilidad de la sociedad civil frente a la dictadura (lo que, por
supuesto, no significa hablar de una sociedad como toda culpable).
Además de la discusión de representaciones y memorias, ese pasaje de la
clase se cierra con una contundente manifestación de la posición ética y polí-
tica sobre el tema por parte del docente: no se puede equipar la violencia de las
organizaciones armadas y la violencia desde el Estado. No se puede hablar de
“dos demonios” homologables. Lo plantea primero a modo de pregunta
“¿Puede el Estado secuestrar, matar, torturar?”. Los estudiantes contestan que
no, y el docente ratifica esa respuesta: “No, obviamente, NO. Es decir, la res-
puesta nuestra es no”. No resulta fortuito que el docente aclare “la respuesta
nuestra es no” ya que está aludiendo a otras posiciones públicas que sí compa-
ran y homologan la violencia de “izquierda y derecha” y reclaman una “me-
moria completa”.17
Y esta lectura y discusión se entrelaza con un nuevo material, otro texto
y otra lectura. Más adelante en la clase, finalizado el comentario sobre los diez
minutos del video, el profesor propone trabajar un texto académico con afán
divulgativo: el capítulo “El tiempo del Proceso” de Hugo Quiroga, publicado
en 2005 en el libro Dictadura y democracia (1976-2001) de la colección “Nueva
Historia Argentina” de editorial Sudamericana.18 Indica que lo tienen en “nues-
tro manual”, esto es, un dossier de fotocopias con diversos materiales seleccio-
nados por el profesor para todo el año que cada estudiante tiene para trabajar
en clase.

76 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

¿Se entendió el video más o menos? Ahora, ésta es la visión de los 80, de media-
dos de los 80. Ahora nosotros vamos a trabajar con un libro, con un texto que
tenemos en nuestro manual. y que es algo más nuevo, es algo del 2005 ¿sí?
Entonces lo que yo quiero que veamos es ver ¿sí?, analizar, a ver si las causas del
golpe que nos dice y que vamos a trabajar en ese texto son iguales a las que están en
el video o algo ha cambiado desde el 86 hasta el 2005 ¿Está? Y también tenemos la
versión del 2017 porque el texto de Federico Lorenz ¿sí? era nuevo, era de este
año, era de marzo de este año. ¿Está? Entonces, paren un poquito porque yo les
traje el libro para mostrarles. En el capítulo que ustedes tienen, ahí yo les puse el
nombre, es el tiempo del Proceso, es de este libro que se llama Nueva historia
argentina, que está en el manual de ustedes … ¿Lo tienen todos? Bien ¿Cuál es la
idea? … la idea es contestar “¿cuál es la situación del país, según Quiroga, antes
del golpe de Estado?” Es decir, a ver qué pasa en comparación con el video. El se-
gundo “¿Qué actores aparecen en el texto y que no son nombrados por el video?
¿Cuál es su rol?” A ver si aparecen actores nuevos ¿sí? vinculados al golpe de
Estado que no están en el video, que nunca los nombraron, bueno, vean a ver si
aparece algo nuevo ahí ¿sí? Y por supuesto que algo va a aparecer y cuál es el rol
que le da Quiroga, cuál es su rol digamos ¿no? de estos nuevos grupos que apare-
cen ahí en el texto que en el video al parecer no aparecen. Bien. Tres “¿Cómo
buscaban legitimar o justificar el golpe de Estado las Fuerzas Armadas?” Lo que
dice acá de la sociedad inmadura que no está preparada para votar, vamos a ver
cómo lo justifica. Y “¿cuáles son las causas que generan el golpe de Estado según
Quiroga? ¿Qué diferencia pueden marcar con las del video?” A ver si hubo cambios

Lo que le marca el profesor es continuar discutiendo la idea de una “so-


ciedad víctima” de “dos demonios” y adentrarse en el espacio de las actitudes
sociales frente a la dictadura. De allí la sugerencia del texto de Quiroga sobre
la que propone una lectura histórica y una lectura historiográfica para compa-
rar representaciones entre el texto y el documental, precisamente porque el
texto introduce más actores sociales y la influencia de los medios de comuni-
cación en las explicaciones de las causas del golpe, entre otras cuestiones.
Finalmente, y como tarea para la clase siguiente, el profesor entrega una
copia de tres comunicados de la Junta Militar (selección extraída de un libro
de texto escolar) que propone leer a los estudiantes fuera de clase.

Junho de 2018 77
Paula González

En suma, lo que queda en evidencia – con apenas una parte de una clase
– es la potencia de los “textos” en distintos soportes, lenguajes y discursos y,
sobre todo, la apropiación que de ellos hace el docente. Tal centralidad se re-
pite, como se mostró en el cuadro, a lo largo de toda la secuencia que precisa-
mente abre como cierra: con un material audiovisual. Así entonces, distintos
soportes: pantalla y papel. Distintos lenguajes: el cinematográfico, el periodís-
tico y el académico. Las diversas lecturas: históricas, historiográficas, de sínte-
sis. Y la relevancia de las discusiones que propone el profesor sobre narrativas
realizadas en tres contextos y luchas por la memoria diferentes: 1986, 2005 y
2017 que permiten ser trabajadas a partir de los materiales, textos y lecturas
desplegados por ese docente.

A modo de cierre

A través de este estudio de caso, he intentado poner de manifiesto la cen-


tralidad de la materialidad en las prácticas docente para la enseñanza de la
última dictadura. Materiales, textos y lecturas diversos desplegados por el pro-
fesor en el aula con discusiones históricas e historiográficas. Un docente que
con distintos materiales abre debates conceptuales, políticos y éticos. Que po-
sibilita lecturas históricas del cine y cinematográficas de la historia. Que pre-
senta diversos lenguajes entrelazados para un debate tan relevante como
pertinente: las causas del golpe y la discusión de la teoría de los dos demonios.
Y todo ello potencia el trabajo de los estudiantes, los forma como lectores y
espectadores, les da herramientas para ver, mirar, analizar, sospechar, deducir,
comparar, interpretar etc.
Como dije al principio, la mirada sobre la escuela (y los docentes) siempre
suele ser una: lo que no puede, lo que no alcanza, a lo que no se anima. Como
mínimo, parece poco productivo avanzar desde allí. Poco prometedor. Poco
alentador para construir saberes y prácticas.
Partir de lo que sí han podido hacer – y hacen cotidianamente – algunos
profesores aparece como un camino más promisorio. E incluso puede resultar
una vía más potente para la formación docente: pensar, imaginar y planear la
enseñanza desde casos concretos, desde experiencias significativas y relevantes
de los profesores en las aulas. Esa ha sido la apuesta de este escrito.

78 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

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La última dictadura argentina en el aula: entre materiales, textos y lecturas

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Buenos Aires: Siglo XXI, 2002.

NOTAS

1
Para un panorama de las investigaciones sobre la enseñanza de la historia en general y
sobre la enseñanza de la historia reciente en particular en Argentina, puede verse
FINOCCHIO (2016b) y GONZÁLEZ (2017).
2
El análisis del tratamiento de la última dictadura en los libros de textos escolares excede el
espacio de este artículo. Sobre esta cuestión, pueden verse los trabajos citados en la
introducción.
3
Disponible en: http://educacionymemoria.educ.ar/secundaria/wpcontent/uploa-
ds/2011/01/pensar_la_dictadura.pdf.
4
Sobre el discurso y las decisiones del actual gobierno en torno a la política de memoria,
verdad y justicia, pueden verse dos manifiestos de historiadores y académicos. “La demo-
cracia se construye con verdad y justicia”, Diario Página/12, 22 set. 2015; “Frente a la bana-
lización del terrorismo de Estado y los derechos humanos”, Diario Perfil, 4 abr. 2017.
5
Remito nuevamente a las investigaciones sobre esta cuestión reseñadas en GONZÁLEZ
(2017).
6
Retomo en esto último, el planteo de DE CERTEAU (2006).
7
Sobre investigación con estudio de caso, puede verse STAKE (1998). Sobre la narrativa en
la investigación sobre la enseñanza, MCEWAN & EGAN (2005).
8
Las investigaciones sobre materiales en la enseñanza de la historia en Argentina se han
concentrado sobre todo en sus contenidos (especialmente de los libros de textos escolares)
aunque trabajos más recientes han optado por indagar los usos y apropiaciones docentes
por ejemplo ROMERO, 2011; GOSPARINI, 2016.
9
Disponible en: https://www.youtube.com/watch?v=ymUFl-tA2WQ.
10
Algunas tapas de prensa del 24 de marzo de 1976 pueden verse en: https://www.educ.ar/
recursos/129452/clarin-26-de-marzo-de-1976 https://www.educ.ar/recursos/129451/
la-nacion-25-de-marzo-de-1976.
11
Disponible en: http://educacionymemoria.educ.ar/secundaria/fotos/dictadura-y-socie-
dad-2/attachment/2-3-viva-la-marina-la-plaza-de-galtieri/index.html.
12
http://www.telam.com.ar/notas/201504/100146-historia-mujeres-guerra-malvinas-ani-
versario-libro.html.
13
Disponible en: https://www.youtube.com/watch?v=Q-M88abLIiU&t=1100s.
14
Disponible en: https://www.youtube.com/watch?v=XILQViWtgwM&t=1075s.

Junho de 2018 81
Paula González

15
Disponible en: https://www.academia.edu/32056956/_Por_qu%C3%A9_vuelven_los
_70.
16
Sobre la teoría de los dos demonios, véase CERRUTI (2001); VEZZETTI (2002);
FRANCO (2015).
17
Remito nuevamente al contexto político señalado en la nota 4.
18
Dicha colección es una obra colectiva de trece tomos que va desde los pueblos originarios
y la conquista hasta 2001que tuvo por objetivo combinar un lenguaje divulgativo con la
rigurosidad y los aportes de la historiografía de los últimos años.

82 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


DO
SS

Histórias vívidas: usos do passado


recente entre jovens estudantes
Vivid History: Uses of the Recent Past among Young Students
Juliana Pirola da Conceição Balestra*

Resumo Abstract
O artigo apresenta os resultados de uma This article presents the results of a re-
pesquisa acerca da construção de memó- search on memories of the dictatorships
rias sobre as Ditaduras em duas das cida- in two cities amongst the most affected
des mais afetadas pela repressão na Amé- by repression in Latin America: São
rica Latina: São Paulo e Buenos Aires. A Paulo and Buenos Aires. The research
pesquisa foi realizada em 2013 e contou was conducted in 2013. In total, 116
com a participação de 101 jovens estu- young students have participated in the
dantes que cursavam o último ano da es- research. In both cities they were at-
colarização obrigatória do seu país em tending the last year of compulsory
escolas públicas de ambas as cidades. Os schooling in public schools. They did
jovens que participaram da pesquisa não not live the repression directly, but they
viveram diretamente esse passado, mas relate the past to make decisions in
lhe conferem  diferentes sentidos na to- present, revealing how the public poli-
mada de decisões no presente, revelando cies of memory are incorporated in edu-
como as políticas públicas de memória cational places, as part of a historical
são incorporadas nos espaços educativos, consciousness.
como parte de uma consciência histórica. Keywords: dictatorship; History teach-
Palavras-chave: ditadura; ensino de his- ing; Latin America.
tória; América Latina.

O grau de liberdade com o qual atuamos no processo histórico é


diretamente proporcional à consciência que tivermos do passado
que nos constitui e condiciona.
Cerri, 2003

Entre os temas mais sensíveis da história recente da América Latina estão


as Ditaduras de Segurança Nacional, grande parte delas protagonizada por

* Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Foz do Iguaçu, PR, Brasil.


juliana.balestra@unila.edu.br

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 83-105 - 2018


Juliana Pirola da Conceição Balestra

militares, conhecidos pelos crimes cometidos contra a humanidade na violação


de direitos humanos. Época em que o Estado, que deveria zelar pela proteção
dos seus cidadãos, era justamente quem os atacava (Bauer, 2011).
Nas décadas de 1960 e 1970, países como Paraguai, Brasil, Bolívia,
Argentina, Chile e Uruguai experimentaram variações do regime na luta contra
seus inimigos internos, que questionavam e criticavam o sistema estabelecido
subversivamente, pondo em risco a segurança nacional, mesmo que para isso
fosse necessário agir contra a lei.1 A partir do estabelecimento de alianças es-
tratégicas com os Estados Unidos, muitos desses regimes justificaram a vio-
lência implantada na luta contra o comunismo, associada não só aos
movimentos anticapitalistas, mas também a todas as expressões dos dissensos
sociais, como sindicatos, partidos políticos, movimentos sociais, universidades,
meios de comunicação, artistas e intelectuais. Como característica comum, eles
impuseram a militarização do Estado, com as Forças Armadas assumindo o
papel de dirigentes políticos e agentes da repressão, e mantiveram-se no poder
por meio de violenta repressão contra movimentos de oposição e resistência
(Sader et al., 2006, p.412).
Para coordenar as atividades repressivas na região, esses regimes se uni-
ram em um pacto internacional clandestino: a “Operação Condor”, ultrapas-
sando as fronteiras nacionais. A operação funcionou como um sistema de
intercâmbio de informações e contou com a colaboração da Venezuela, do
Peru, da Colômbia, do Equador e dos Estados Unidos, mas logo se converteu
em uma agência internacional que prendia, torturava e assassinava a qualquer
pessoa que parecesse subversiva ou perigosa.
Meio século depois dos fatos ocorridos, esse passado permanece latente
por sua carga singular de dor e violência, e sua assimilação apresenta uma
dificuldade especial. Um passado que não passa. Nas palavras de Marina
Franco e Florencia Levín (2007), uma “historia reciente”, assim como os gran-
des genocídios do século XX, que ainda ativam lutas no presente e projetos de
futuro. Histórias vívidas que resistem em se converter em histórias vividas, não
só pelas disputas por sua significação, mas também pela sua perpetuação: cri-
mes ainda não foram julgados, jovens apropriados permanecem com sua iden-
tidade adulterada, milhares de corpos não foram sepultados, muitos amigos e
familiares seguem na busca por informações sobre seus entes “desaparecidos”,

84 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

e pactos de silêncio impedem o acionamento da justiça e a construção de me-


mórias sobre o período (Bauer, 2011).
Vera Carnovale e Alina Larramendy (2010), referindo-se ao caso argenti-
no, mas sem se restringir a ele, destacam que os relatos formadores de memória
que circulam no espaço social desde a última ditadura até a atualidade reco-
nhecem valorações políticas e ideológicas diversas, quando não excludentes.
Segundo as autoras, desde o início dos regimes ditatoriais se reivindicou a
memória sobre o papel primordial das Forças Armadas na guerra contra a
subversão e o terrorismo para salvaguardar o mundo ocidental cristão, amea-
çado pelas forças do marxismo internacional. Essa memória postula que, como
em toda guerra, houve consequências tanto dolorosas quanto inevitáveis, que
deveriam ficar sujeitas apenas ao juízo de Deus em cada consciência.
Outra memória está associada à chamada “teoria dos dois demônios”, que
condena tanto o papel das Forças Armadas como o das organizações guerri-
lheiras. Recorrendo a certas representações coletivas sobre a violência política
e a repressão, elas oferecem uma imagem de dois tipos equivalentes de terro-
rismo: o de extrema direita e o de extrema esquerda. Essa memória tem sido
sistematicamente combatida pelos movimentos de direitos humanos e pelos
setores vinculados à militância política revolucionária da década de 1970. Em
primeiro lugar, porque iguala em termos de responsabilidade as ações de al-
guns grupos políticos e organizações armadas com o aparato repressivo ilegal
do Estado. Em segundo lugar, porque oferece a imagem de uma sociedade, ou
de uma maioria, supostamente alheia e ausente das lutas políticas e sem ne-
nhum tipo de responsabilidade na instalação e sustentação do terror pelo
Estado (Carnovale; Larramendy, 2010).
De outro ponto de vista, claramente condenatório do papel do Estado,
sobressai uma memória centrada na figura da “vítima inocente” da repressão.
Um aspecto central dessa memória é o silêncio em torno da militância política
das pessoas detidas/desaparecidas ou a sua participação em movimentos de
luta armada. Quando, eventualmente, se faz menção à sua militância, são en-
fatizadas as ações de solidariedade social, como a alfabetização e a ajuda em
bairros pobres no combate à miséria, e se omite o fato de que essas mesmas
ações estavam relacionadas às atividades políticas de organizações armadas ou
de agrupamentos que respondiam a elas (Carnovale; Larramendy, 2010).

Junho de 2018 85
Juliana Pirola da Conceição Balestra

Por fim, apresentam-se as memórias militantes, nas quais os testemunhos


e balanços de antigos militantes ocupam lugar central. Essas não formam um
conjunto homogêneo de relatos, mas agregam distintas valorações das expe-
riências de militância. Existem vozes que reivindicam a totalidade dessa expe-
riência, tanto os motivos que impulsionaram boa parte de uma geração a
abraçar a causa revolucionária, quanto a atuação das organizações armadas em
si. Outras ainda reivindicam os objetivos daquela causa sob um olhar retros-
pectivo, advertindo sobre certos erros. E existem também aquelas que, por
diversos motivos, se distanciam da experiência vivida, seja porque deixaram
de compartilhar seus fundamentos, seja porque hoje duvidam de suas impli-
cações éticas (Carnovale; Larramendy, 2010).
Enquanto o jogo entre memória e esquecimento permanece em conflito,
esse passado aberto, ainda inconcluso, segue disposto a ser modelado pelas ex-
periências do presente. No Brasil, a data que lembrou o cinquentenário do golpe,
o dia 31 de março de 2014, foi marcada por ambiguidades. Enquanto organiza-
ções populares, ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos fize-
ram uma série de atos públicos de “(des)comemoração”, pessoas insatisfeitas
com o governo se reuniram na principal avenida de São Paulo, a Avenida
Paulista, para festejar os 50 anos da chamada “Revolução Redentora”.2 Em 2015,
mais do que comemorar a “Revolução de 64”, centenas de pessoas pediram a
“volta” da ditadura “pela restauração da ordem em um país onde a inversão de
valores é vergonhosa e a censura e o politicamente correto imperam com base
na hipocrisia”.3 Como lembrou Caroline da Silveira Bauer (2015), paradoxal-
mente, a data escolhida para as manifestações – 15 de março – marcava os exatos
30 anos de retorno à democracia, caso se considere o ano de 1985 e a posse de
José Sarney como marcos democráticos do no processo de transição política. À
época, muitos responderam: “Faltam aulas de História! Estão banalizando o nos-
so processo democrático, porque não se estuda a ditadura nas escolas”, reconhe-
cendo que muitos dos chamados “saudosistas” não vivenciaram a ditadura e,
portanto, não poderiam reivindicar a “volta” do que nunca experimentaram.

O que fica dessa história?

Como “lembrar” aqueles fatos que não foram diretamente experimenta-


dos? Como “lembrar” o que não se viveu? Para Beatriz Sarlo (2007), as aspas

86 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

demarcam o deslocamento entre lembrar o vivido e lembrar as representações


alheias, que podem compor o nosso acervo memorialístico a partir de um
investimento familiar, político e, sobretudo, escolar.
No entanto, a abordagem recorrente no ensino de história persistiu muito
tempo com a ideia de que não cabe à História ou ao seu ensino tomar partido
nas disputas sobre a construção de memórias, e, com isso, perpetua-se a estra-
tégia de não estudar a história “mais recente”. O principal argumento é que
essa história ainda não foi escrita e, portanto, não pode ser ensinada. Além
disso, ela poderia gerar certos constrangimentos, porque muitos dos principais
protagonistas desse passado ainda estão vivos e ativos na arena político-social.
Com isso, o ensino de história tem se afastado das polêmicas e focado em te-
mas consagrados, mas quando pessoas que não viveram esses regimes se reú-
nem em manifestações para pedir a “volta” da ditadura, o reflexo do descaso
começa a assustar.
Passados mais de 30 anos dos acontecimentos que puseram fim aos regi-
mes ditatoriais na região, o que fica dessa história? Como nos relacionamos
com ela? Qual o seu peso em nossas vidas e nas decisões que tomamos? No
intuito de investigar as relações entre as políticas públicas de memória e os
usos desse passado recente na tomada de decisões entre os jovens que não
viveram o período, visitaram-se quatro escolas públicas de duas das cidades
mais afetadas pela repressão na América Latina – São Paulo e Buenos Aires –,
escolas onde diariamente os portões se cruzam duplamente: pela objetividade
do ensino e pelo dever de memória. Ambas as cidades passaram por experiên-
cias semelhantes em um mesmo período – as Ditaduras de Segurança Nacional,
o terrorismo de Estado e a prática do desaparecimento –, mas possuem práticas
distintas para lembrar, reparar ou esquecer esse passado, como parte de uma
consciência histórica que orienta a tomada de decisões no presente.4
Os jovens que participaram da pesquisa não viveram diretamente esse
passado, e, para entender como essa história chega a eles, suas representações
e as atitudes que mobiliza, é preciso considerar as relações entre História e
Ensino de História no desenvolvimento de políticas públicas para o ensino
promovido pelas escolas. Além disso, sabe-se que não se aprende história só
na escola, sendo cada vez mais importante o papel dos meios de comunicação,
dos espaços de memória e dos laços afetivos na abordagem do período.

Junho de 2018 87
Juliana Pirola da Conceição Balestra

A pesquisa foi realizada em 2013 e envolveu o questionamento sobre a


decisão a ser tomada em uma situação hipotética,5 que envolvia o pedido de
ajuda de um “vizinho estrangeiro” procurado pela polícia por divulgar na in-
ternet documentos considerados sigilosos sobre seu país de origem. Na pro-
posição, sinalizou-se que esse “vizinho” vinha de um país também “vizinho”,
donde se poderia concluir que se tratava de um imigrante latino-americano.
Além disso, optou-se por contextualizar a questão apresentando um texto so-
bre a “Operação Condor”, para estimular o estabelecimento de relações entre
a situação proposta e a história recente da região.
A ideia de “vizinho” tinha como objetivo fomentar relações de proximi-
dade e facilitar o estabelecimento de empatia com a situação vivenciada. Ser
“vizinho”, nesse caso, poderia representar não só morar perto, mas também
pertencer ao mesmo grupo, relacionar-se, conviver, compartilhar um espaço
e também uma história. Entretanto, faz-se necessário esclarecer que não existia
de antemão uma “narrativa desejada”. A intenção era investigar justamente se
e como jovens que não vivenciaram diretamente um passado usam a história
para analisar uma situação presente e determinar cursos de ação, conferindo-
-lhe historicidade.
As respostas elaboradas, compreendidas como narrativas históricas, fo-
ram analisadas em função das relações estabelecidas entre passado, presente e
futuro para dar plausibilidade às decisões tomadas, seja para explicá-las ou
justificá-las, conferindo-lhes historicidade.

Nas décadas de 1970 e 1980 os governos militares da América Latina realizaram


um esforço sem precedentes para coordenar suas atividades repressivas em toda a
região. As ditaduras se uniram e ultrapassaram as fronteiras entre os países, dando
origem a um dos piores exemplos de terrorismo de Estado na história. O acordo foi
batizado com um nome imponente e simbólico: “Operação Condor”, referindo-se à
maior ave de rapina das Américas, conhecida por se alimentar de carniça, como os
urubus.
A operação funcionou como um pacto internacional clandestino entre cinco
ditaduras da região: Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Bolívia, contando com
a colaboração da Venezuela, do Peru, da Colômbia, do Equador e também dos
Estados Unidos. Ela foi projetada como um sistema de intercâmbio de informações
sobre conhecidos simpatizantes comunistas em todo o continente, mas logo se

88 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

converteu em uma agência internacional do terror, que prendia, torturava e


assassinava qualquer pessoa que parecesse subversiva ou perigosa.

A colaboração entre as ditaduras começou com o exílio de centenas de pessoas que


buscaram refúgio e asilo político em outros países da região e até mesmo na Europa
e nos Estados Unidos. Temendo que essas pessoas pudessem organizar formas de
resistência e fazer denúncias a partir de outros países, as ditaduras se uniram. Assim,
qualquer pessoa considerada subversiva podia ser perseguida e assassinada onde
quer que estivesse.

A Operação estava dividida em duas fases principais: a primeira visava uma troca
sistemática de informações entre os serviços secretos de cada país sobre as pessoas
consideradas subversivas. Essas informações eram obtidas por meio de espionagem
para construção do banco de dados comum a todos os países membros do acordo. A
segunda fase visava prender e deportar os presos políticos para seus países de origem,
mas muitos terminaram sendo executados nos países onde foram encontrados.
Entre os casos mais conhecidos da Operação estão o assassinato do general chileno
Carlos Prats, na Argentina, o assassinato do ex-ministro do governo de Salvador
Allende, Orlando Letelier, nos Estados Unidos, e a tentativa de sequestro no Brasil
do casal de militantes políticos uruguaios, Universindo Rodríguez Díaz e Lilian Ce-
liberti.
Agora imagine que entre os moradores do prédio onde você mora vive um
estrangeiro de um país vizinho, que se mudou recentemente. Comentam
no prédio que ele corre o risco de ser preso e deportado por divulgar na
internet documentos considerados sigilosos do seu país de origem. Em
uma noite escura ele bate à sua porta pedindo ajuda e conta que está sendo
perseguido pela polícia.
O que você faria? O ajudaria a esconder-se ou tomaria outra atitude?
É necessário explicar a um amigo o que está acontecendo, mas ele não
conhece a história.
Como você contaria a ele toda a história, a situação em que você se encontra
e a decisão que pretende tomar?
Para ajudá-lo a entender sua decisão, você pode estabelecer relações com
outros acontecimentos históricos e acrescentar informações. Justifique a
sua resposta.

Junho de 2018 89
Juliana Pirola da Conceição Balestra

No total, 101 jovens estudantes participaram da pesquisa, sendo 60 de São


Paulo e 41 de Buenos Aires.6 A maioria tinha entre 15 e 17 anos. Em São Paulo,
eles cursavam o 3º ano do Ensino Médio; em Buenos Aires, o 5º ano da
“Escuela Media”. Em ambas as cidades priorizou-se o último ano da escolari-
zação básica para investigar como os jovens saem da escola ao final de um
longo processo de escolarização.
Nas respostas elaboradas, o número de jovens que usou a história das
ditaduras para tomar sua decisão foi maior em Buenos Aires: 15 de 41 (36,5%
do total); enquanto em São Paulo foram apenas 6 de 60 (10% do total). Nessas
narrativas, foram feitas referências às últimas ditaduras em seus próprios países
e também nos demais países da região, como mostram estes exemplos:
Venha, entre. Te ajudarei
Sem dúvidas, o ‘preso político’ seria ajudado por mim. Os fatos
ocorridos na ditadura militar me fariam pensar que aquele seria
um passado não distante, onde a opressão ainda permanece con-
tra aqueles que se opõem as ideias, muitas vezes corruptas do
governo. Prendiam e torturavam protestantes, que não aceitasse.
Hoje vivemos em um país que se diz democrático, mas certos
modos para reprimir a população ainda está presente.
(Estudante de São Paulo)

Si lo ayudaría porque en otros momentos de la historia como


durante la última dictadura militar muchos militantes políticos
teneron que exilarse porque eran perseguidos por los gobiernos
de Latinoamérica y creo que aún en la actualidad los gobiernos
de la región continúan con acciones de tiempos no democráticos.
Por lo que si lo estoy persiguiendo le debería ayudarlo.
(Estudante de Buenos Aires)

Yo lo ayudaría ya que en años atrás se vivó una dictadura y un


autoritarismo en muchos países.
Muchas familias huian de su pais de origen y se ivan a otros
países por lo tanto yo lo ayudaría así salvaría a una vida.
Despues hablaria con el y le preguntaría por que lo persigue la
policia.

90 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

Hablaria con un amigo y le contaria por la situación en la que


me encuentro.
Le diría:
Amigo en mi casa llego un hombre tocandome la puerta, estaba
muy desesperado pidiéndome auxilio, ya que lo perseguia la po-
licia. Lo vi tan mal y me hizo acordar tanto a nuestra historia
que decidí ayudarlo.
Los policías y los gobiernos son muy injustos ya que si no estan
de acuerdo con sus reglas quieren matar a las personas.
Cada dia muere tantos inocentes, tantos niños, tantas personas
que no deberian haber muerto.
Realmente es un dolor grande todo lo que se ha vivido en nuestra
historia y ese hombre esta viviendo en carla propia esas injusti-
cias y prefiero ayudarlo (salvar una vida) que dejar que lo maten,
ya que para la policia es un numero más. Una persona que hay
que matar y ya! Los gobiernos autoritarios no tienen ese valor a
la vida y yo no quisiera contribuir con eso, la vida es muy im-
portante y hay que valorarla!
Todos tenemos pensamientos diferentes o formas de pensar dis-
tintos por lo tanto un gobierno autoritario no nos pueden venir
a callar, tenemos que ser voces fuertes!
Y no hay que llevar las causas a la violencia sino al dialogo.
(Estudante de Buenos Aires)

Nas respostas em que a perspectiva histórica não apareceu, o componente


moral sobressaiu como elemento legitimador das decisões tomadas.
Não ajudaria pois não é problema meu. Se a polícia está atrás
algo errado ele fez.
(Estudante de São Paulo)

Independente do que ele fez sim eu ajudaria, mais só se ele me


desse um valor bem alto em dinheiro. eu esconderia ele em algum
lugar distante da minha casa. e voltaria a minha rotina de vida
com o meu bolso cheio de dinheiro.
(Estudante de São Paulo)

Junho de 2018 91
Juliana Pirola da Conceição Balestra

Si fuera un vecino con el que tenga buena relación, lo ayudaría


a esconderse simplemente porque no me interesarían una mier-
da los “documentos confidenciales” y estaría haciendole un favor
a un amigo o conocido. En resumen, no me importaría lo que
esté haciendo, solo tomaria mi decisión basandome en la relaci-
ón que tuviera con el individuo.
(Estudante de Buenos Aires)

A maioria das respostas sugere que as decisões são tomadas com base
apenas na situação vivida no presente, sem a construção de perspectivas his-
tóricas de raciocínio. Em alguns casos, consideram-se apenas as relações entre
presente e futuro. Isso remete às conexões que se deslocam da interface entre
memória e história para a inter-relação entre memória e expectativa – “entre
o passado conhecido e o futuro desejado”, como aponta Jörn Rüsen (2014).
Segundo esse autor, a história, como narrativa, serve para dar sentido à passa-
gem do tempo e funciona como um meio de orientação e coerência nos afaze-
res do cotidiano, como uma consciência histórica. Para preencher essa função,
o pensamento histórico precisa seguir uma lógica específica, observada em três
planos (Rüsen, 2009, p.168-169):

1) O da percepção da mudança temporal – percepção das diferenças en-


tre passado e presente.
2) O da interpretação – relação entre passado e presente para dar sentido
ao presente.
3) O da orientação da vida prática – tomada de decisões.

Como a maioria dos jovens sequer usou o passado para tomar sua decisão
ou para justificá-la, talvez fosse possível concluir que a percepção da diferença
temporal foi generalizada, que o presente foi concebido como tão distante do
passado que nem foi possível estabelecer qualquer relação com ele. No entanto,
o que se observa é a negação das relações entre passado e presente, levando a
supor, como aponta Reinhart Koselleck (2006), que o passado não serve como
exemplo, dado o seu caráter irrepetível, e vive-se apenas para o futuro. Em
outros casos, a ênfase no presente o torna seu próprio horizonte, promovendo
um afastamento não só da experiência, mas também da expectativa, e com isso
o passado perde a sua capacidade de orientar o presente.

92 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

Acredita-se que a ausência dessa perspectiva temporal na tomada de de-


cisões esteja relacionada tanto ao desconhecimento do período histórico abor-
dado quanto à falta de prática de se recorrer ao passado para pensar sobre o
presente, dada a ênfase no caráter objetivo e informativo do ensino de história
nas escolas e nos meios de comunicação em geral.
Nas respostas em que o passado foi utilizado como elemento orientador
das decisões observa-se a predominância de interpretações que pressupõem a
repetição da história em um contínuo que fornece lições para o presente. Entre
elas, destacam-se os seguintes trechos:
Eu tomaria a decisão de abrigá-lo, pois estudando história, co-
nheci várias histórias de perseguição de governos políticos, e sei
que ele vai sofrer muito.
(Estudante de São Paulo)

Si lo ayudaría porque en otros momentos de la historia como


durante la última dictadura militar muchos militantes políticos
teneron que exilarse porque eran perseguidos por los gobiernos
de Latinoamérica y creo que aún en la actualidad los gobiernos
de la región continúan con acciones de tiempos no democráticos.
(Estudante de Buenos Aires)

Viene a mi mente la dictadura de nuestro país en la década del


70, el golpe de Estado de 1976, que duró más de tres años, arres-
taban y torturaban a muchas personas, hubo más de 1000 desa-
parecidos, es una historia triste de lo argentino de la cual no
quiero ser parte así que ayudé al hombre, lo escondí para que no
lo encontraran y si algún día me condenaran por tal cosa, me
alegraré de no haber sido parte de un masacre más.
(Estudante de Buenos Aires)

Nessas narrativas, é possível observar certa “predisposição ao sacrifício”


e a permanência de regras gerais de conduta, como uma moral estabelecida em
relação aos perseguidos políticos na região. A história é vista como uma recor-
dação do passado, a perseguição política e a violência policial/militar seguem
se repetindo e não se questiona o asilo a um “perseguido político”. Com isso,
as relações entre situações particulares e suas regularidades servem tanto ao

Junho de 2018 93
Juliana Pirola da Conceição Balestra

passado quanto ao futuro. O problema é que, seguindo essa lógica, a moral


assume uma validade atemporal e universal e os valores atribuídos ao passado
seguem determinando o presente de modo inquestionável. Em outros casos,
ela advém de experiências familiares anteriores, como nestes trechos:
Olha mãe, ele divulgou uns arquivos na internet, sigilosos, e des-
cobriram. Como ele precisava de ajuda, bateu aqui na porta,
pedindo-a. Eu acredito que se ele confiou em mim para contar
essa história, eu precisava ajudá-lo. Então, peguei a fantasia do
pai do ano passado, de detetive e falei para ele fugir, dei o dinhei-
ro e o endereço de um amigo que mora no interior de São Paulo.
Eu sei que o que fiz é meio que um crime, mas o vô ficaria tão
feliz em poder ajudar, porque foi assim que ele conseguiu sobre-
viver as torturas que passou na época da ditadura. Então ajudei
sim, pensando no vô e no pobre do homem que tava morrendo
de medo.
(Estudante de São Paulo)

Em outras respostas observa-se, ao contrário, que a ruptura da continui-


dade temporal se dá exatamente pela negação de sua validade e pela crítica aos
valores atemporais, que já não servem para orientar o presente:
La decisión que tomaria es no ayudarlo porque ya no puedo
ayudar a una persona que no conozco y tampoco puedo creer lo
que escuche por los vecinos sea sierto o no. No puedo tener mucha
confianza.
Por más que sé que en mi pais ubo una dictadura, que mataban
a las persona, detenían o secuestraban y que hobo muchos desa-
parecidos en ese ‘golpe de Estado’.
(Estudante de Buenos Aires)

Tais narrativas expressam a oportunidade de romper com papéis e formas


prescritas e desafiar valores morais preestabelecidos. O argumento crítico é
que, mesmo havendo passado por ditaduras, não se sente a “obrigação” de dar
asilo a um perseguido político desconhecido e, com isso, a história perde sua
inevitabilidade.
Em outra resposta, que destoa das demais analisadas, é possível observar
que a percepção da mudança temporal se converte justamente no elemento

94 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

que dá sentido à história e com isso a decisão tomada difere, necessariamente,


do que teria sido em outra época.
Es una situación bastante inusual, si fuera una época como la
dictadura quizás lo ayudaría, si lo quieren matar o torturar,
seguro lo ayudaría, si solo lo quieren aprisionar, no me involu-
craría.
(Estudante de Buenos Aires)

Nessa narrativa, o argumento principal é que “os tempos mudam”, e a


obrigação em relação aos acontecimentos passados também. Com isso, permi-
te-se que a história faça parte do passado e lhe é conferido outro futuro, des-
pojado de seu caráter universal. De acordo com Rüsen (2009), esse tipo de
interpretação histórica, também conhecido como consciência histórica genéti-
ca, é a forma mais refinada do pensamento histórico moderno, no qual o fu-
turo supera o passado em seu direito sobre o presente. A partir daí, diferentes
pontos de vista podem ser aceitos porque se integram em uma perspectiva
abrangente de mudança temporal. Essa é a relação de sentido que se deveria
esperar como resultado de um processo de aprendizagem histórica, seja na
escola ou fora dela, mas parece que ainda existe um longo caminho a se per-
correr até que ela seja generalizada, mesmo na Argentina.
Um ponto importante é que em nenhum dos casos em que a história das
ditaduras foi usada para orientar a tomada de decisões optou-se por entregar
o “vizinho” à polícia, ainda que tenham optado por não ajudá-lo. Para a maio-
ria dos jovens que demonstraram usar nossa história recente para tomar uma
decisão, ela promoveu a construção de identidades, de empatia, e levou à mo-
bilização de atitudes solidárias.
Não é possível afirmar que as decisões tomadas na resolução de um pro-
blema hipotético poderiam se repetir em situações reais ou que, se o contexto
utilizado fosse outro, a frequência no uso do passado para tomar uma decisão
no presente seria a mesma. O que as narrativas analisadas oferecem são indí-
cios de intenções, de disposições para o agir, construídas a partir da reflexão
sobre o uso que se pode fazer no presente desse passado, tão próximo e tão
violento. E, neste caso, para que nossa história não se limite a reproduzir o
passado e lhe conceda um novo futuro, é preciso construir novos horizontes
de interpretação e convertê-los em princípio de ação das práticas cotidianas.

Junho de 2018 95
Juliana Pirola da Conceição Balestra

O papel da educação e do ensino de história

O objetivo da questão proposta não era revelar o que os jovens sabem,


como conteúdo, da história das ditaduras, mas investigar como se posicionam
diante dela e os sentidos que lhe conferem na tomada de decisões no presente.
Para entender o papel da escola nesse processo, buscaram-se nos documentos
que orientam o ensino de história em cada cidade, desde o fim dos regimes
ditatoriais até a atualidade, indícios dos conteúdos e das abordagens presentes
ao longo da formação escolar desses jovens que permitissem relacioná-las com
as narrativas elaboradas. São diretrizes curriculares, leis educacionais, mate-
riais didáticos e projetos educativos que se configuram, em última instância,
como políticas públicas de memória para determinar o que deve ser lembrado
e o que deve ser esquecido sobre esse passado.
Da cidade de São Paulo, foram analisadas a Proposta Curricular de 1992,
a Proposta Curricular de 2007/2012, os Cadernos de São Paulo, duas das cole-
ções de livros didáticos que mais circulam na cidade e os projetos educativos
para o trabalho com o período. De Buenos Aires, foram analisados o Diseño
Curricular para la Educación Primaria Común/1986, o Diseño Curricular para
la Escuela Primaria/2004, os Contenidos para el Nivel Medio/2009, os Aportes
para el desarrollo curricular/2010 e também duas das coleções de livros didá-
ticos que mais circulam na cidade e demais projetos educativos sobre a temá-
tica. Além disso, foi necessário considerar também a dimensão nacional dessas
políticas curriculares e contextualizá-las com iniciativas que lutam para impe-
dir que essa história caia no esquecimento.7
Em São Paulo, a história das ditaduras aparece como proposta para o
ensino dos últimos bimestres da 8ª série/9º ano do Ensino Fundamental e do
3º ano do Ensino Médio. A abordagem predominante prioriza a história na-
cional, com ênfase nos aspectos políticos e econômicos, nas medidas tomadas
pelos diferentes presidentes e nas mudanças promovidas pelos Atos
Institucionais. Os movimentos de resistência e a luta armada são apresentados
superficialmente, e o estabelecimento de relações com outros países se resume
à citação dos nomes dos países que também passaram por ditaduras no mesmo
período. As Forças Armadas aparecem homogeneizadas na categoria de “mi-
litares” como o principal ator social do período, e a participação da sociedade
civil é destacada apenas no processo de redemocratização. A terminologia

96 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

frequentemente utilizada é “regime militar pós-64”, que não caracteriza nem


se posiciona criticamente em relação ao período, e também não discute a par-
ticipação dos civis no processo, assim como “ditadura militar”/“golpe militar”,
e não “civil-militar”. As discussões propostas não são relacionadas ao presente,
e o silenciamento sobre o processo de anistia ao final do regime pode dificultar
o entendimento das demandas atuais por reparação e justiça.
Em âmbito nacional, no Brasil não existe nenhuma política educacional
explícita para a abordagem da temática, que apenas figura como um conteúdo
a mais a ser estudado entre os tantos outros propostos pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). Ninguém foi punido pelos crimes cometidos
durante o regime, e o acesso à documentação militar começou a ser permitido
apenas em 2012, com a instalação da Comissão Nacional da Verdade (CNV),
mas ainda cabe aos familiares das vítimas do regime o ônus de provar a res-
ponsabilidade do Estado nas mortes e nos desaparecimentos (Bauer, 2011).
Os lugares de memória do período também não foram demarcados por
políticas públicas, mas por iniciativas pontuais.8 A exceção é o Memorial da
Resistência de São Paulo, um museu público que ocupa o edifício que abrigou
a sede do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São
Paulo (Deops/SP). O Memorial é uma iniciativa do Fórum Permanente de
ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo e do Governo do
Estado de São Paulo, que desde 2009 consolidou o espaço como uma institui-
ção dedicada à preservação das memórias da resistência e da repressão políticas
do Brasil. Além de programa museológico, o Memorial também desenvolve
ações educativas por meio da oferta de cursos e palestras a educadores e grupos
interessados. Desde o seu início, o Memorial também passou a inventariar os
lugares públicos e privados de memória da resistência e da repressão políticas
do estado por meio do Programa “Lugares da Memória”, mas essa iniciativa
ainda não deu resultados aparentes.
Em Buenos Aires, o ensino da temática está previsto para se estender
desde o primeiro ciclo do nível primário até os últimos anos do nível médio.
A ênfase está na incorporação da expressão “terrorismo de Estado” e na iden-
tificação do conceito de ditadura para dar conta das diversas interrupções da
ordem democrática do país, nos chamados “gobiernos de facto”. Os movimen-
tos de resistência, armados ou não, têm nomes, líderes e bandeiras políticas, e
a perspectiva regional se efetiva na abordagem detalhada das ditaduras em

Junho de 2018 97
Juliana Pirola da Conceição Balestra

diferentes países da região, destacando a importância da colaboração entre os


países no presente para revelar os documentos e os pontos de conexão entre
essas histórias. A abordagem recorrente está voltada para a influência do pas-
sado no presente, com o reconhecimento dos lugares da cidade que simboli-
zam o período e a incorporação dos relatos de testemunho e álbuns de família
na construção de narrativas sobre o passado, para estimular os estudantes a se
sentirem parte dessa história.
Paralelamente, os calendários escolares também consolidaram o lugar das
chamadas “efemérides de la memoria” de “conmemoración” obrigatória
(González, 2012; Balestra, 2016). A primeira delas, o “16 de setiembre”, foi
incorporada já em 1988, para lembrar um episódio conhecido como “La noche
de los lápices”, um dos eventos repressivos contra o movimento estudantil
secundarista, no qual dez estudantes do nível médio foram sequestrados e
torturados na cidade de La Plata, em 1976. Seis dos estudantes não resistiram
às torturas e até hoje se encontram desaparecidos. A partir de então, todos os
anos, nessa mesma data, estudantes do nível médio de diversas instituições
educativas realizam uma marcha por ruas de todo o país para recordar a “La
Noche de los Lápices” e promover uma reflexão sobre a situação atual dos
estudantes do nível médio.
Outra efeméride é o “24 de marzo”, dia do golpe na Argentina, em 1976,
que foi incorporado nos calendários escolares desde 1998, em nível nacional.
Em 2002, o 24 de março foi instituído como “Día Nacional de la Memoria por
la Verdad y la Justicia”, solicitando-se que, nessa data, as escolas realizassem
jornadas para consolidar a “memoria colectiva” e promover sentimentos que
contestem toda forma de autoritarismo.
Não menos importante, o “10 de diciembre”, dia em que assumiu o pri-
meiro presidente democraticamente eleito do país, em 1983, também foi ins-
tituído como “Día Internacional de los Derechos Humanos” desde 2001, em
dupla comemoração com a proclamação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos pelas Nações Unidas. Com isso, o Ministério da Educação Nacional
determinou que todos os anos, na última semana do ano letivo, fosse realizada
uma “Jornada de Reflexión Nacional sobre los Derechos Humanos” em todas
as escolas da República Argentina.
Outros projetos ligados à educação patrimonial levam os estudantes a
percorrerem a própria cidade para saberem que estão perto de lugares que

98 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

serviram como prisões clandestinas – são os chamados “Sitios de Memoria del


Terrorismo de Estado”. Esses lugares passaram a ser sinalizados com placas
externas, para que toda vez que alguém passasse por ali se lembrasse do que
aconteceu no passado. Nessa mesma perspectiva, escolas públicas da cidade
receberam placas com os nomes de professores e alunos mortos ou desapare-
cidos durante o período, que foram afixadas na porta das salas de aula que
frequentavam.
Em 2001 foi inaugurado na cidade de Buenos Aires o “Parque de la
Memoria”, um monumento às vítimas da última ditadura e um centro de do-
cumentação sobre a vida e as circunstâncias de desaparecimento e/ou assassi-
nato de cada uma das pessoas nomeadas no monumento. Em 2004, a “Escuela
de Mecánica de la Armada” (ESMA) se transformou em “Espacio Memoria y
Derechos Humanos” e passou a receber visitas guiadas de escolas e grupos
(Balestra, 2016).
Além dessas iniciativas, também se consolidou na Argentina o Projeto
“Jóvenes y Memoria”,9 que desde 2002 tem convocado escolas secundárias,
tanto públicas como privadas, a se envolverem em um projeto anual sobre a
última ditadura no país com uma premissa básica: que os próprios estudantes
investiguem esse passado, com base em suas próprias perguntas e realidades
locais. Com isso, elege-se um tema ou pergunta sobre algum aspecto dessa
história em sua comunidade, e então equipes de estudantes e professores ini-
ciam a investigação com metodologia análoga à que os historiadores utilizam,
consultando arquivos, entrevistando pessoas e produzindo relatos nos quais
expõem suas próprias conclusões, em diferentes suportes.
Nada semelhante, enquanto política pública de memória, se pode observar
no Brasil. Ainda que o Memorial da Resistência de São Paulo tenha começado
a dar os primeiros passos na elaboração de atividades educativas, as iniciativas
que articulam os processos educativos à construção de memórias sobre a di-
tadura são incipientes diante da força do esquecimento promovido pelo silen-
ciamento sobre esse passado no país.
A partir daí, é possível entender as diferenças nas narrativas produzidas
pelos jovens de cada cidade. Em São Paulo, onde a história das ditaduras aparece
apenas como mais um conteúdo a ser estudado, sem qualquer relação com o
presente, grande parte dos jovens não se identifica com esse passado, e ele perde
sua capacidade de orientar o presente. Parece que, em São Paulo, e talvez no

Junho de 2018 99
Juliana Pirola da Conceição Balestra

restante do Brasil, como já indicaram alguns estudos, a reflexão sobre as ditadu-


ras entre as novas gerações ainda não se tornou um problema, e seu desconhe-
cimento permite todo tipo de manipulação. Já em Buenos Aires, onde “pasado
reciente” foi assumido como eixo norteador das políticas públicas de memória,
não só das escolas, mas da sociedade como um todo, o “deber de memoria” tem
se estabelecido. Não só como memória literal, que remeteria apenas ao conhe-
cimento do que se passou, mas como consciência histórica, servindo como prin-
cípio de ação para o presente e, em alguns casos, conferindo-lhe novos futuros.
É importante enfatizar que a Argentina não deve ser tomada como um
modelo de referência. Recentemente, a abordagem dada às ditaduras nas es-
colas do país tem sido muito criticada pelos próprios argentinos, que agora se
perguntam se constroem memórias ou se de fato ensinam história. Porque o
“deber de memoria” assumido como eixo norteador do ensino e a ênfase na
divulgação dos crimes cometidos pelo Estado terminaram por condicionar a
realização de condenações automáticas e uma leitura moral e dualista do pas-
sado, que divide os sujeitos históricos em “buenos” e “malos” (Carnovale;
Larramendy, 2010).

Para concluir

Ainda que não se possa relacionar diretamente a dimensão curricular das


políticas públicas de memória com as narrativas elaboradas pelos jovens que
participaram da pesquisa – devendo-se considerar, também, o papel da mediação
da escola, de seus professores, do meio familiar e dos meios de comunicação,
dentre outros –, a forma como esse passado é assumido em cada cidade se refletiu
na orientação de atitudes dos jovens que encerravam sua trajetória escolar em
2013, como parte de uma consciência histórica, conferindo ou negando perspec-
tiva e historicidade às decisões tomadas no presente. Entender em detalhes como
essa relação se processa no ensino de forma comparada demanda a realização de
uma investigação intensiva sobre os processos de ensino e aprendizagem dessa
história, mas alguns indícios já podem ser apontados:

a) O alcance das propostas curriculares


Em Buenos Aires, onde o ensino da temática está previsto desde o primei-
ro ciclo do nível primário até os últimos anos do nível médio, seja como

100 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

diretriz curricular, seja por meio do trabalho com as efemérides, a relação


estabelecida com a história das ditaduras e os detalhes oferecidos foram maio-
res. Além disso, também parece interferir a abordagem conceitual da ditadura,
utilizada para caracterizar outros períodos da história argentina, o que pode
ter contribuído para que alguns jovens desenvolvessem um sentimento de des-
confiança para qualquer novo intento de restringir as liberdades democráticas,
como o acesso a informação, proposto pela questão narrativa.

b) A relação do passado com o presente


É possível que os jovens de Buenos Aires tenham tido mais facilidade em
relacionar o passado com o presente em suas narrativas porque essa é uma
preocupação recorrente em todos os documentos curriculares da cidade e do
país para a abordagem da temática: “recordar para no repetir”, o que parece
pautar todas as atividades desenvolvidas para o seu ensino. Em São Paulo, onde
a história a ser ensinada sobre as ditaduras não envolve o estabelecimento de
relações com o presente, nem sob a forma de construção de memórias, nem
sob os reclamos por justiça e reparação, a maioria dos jovens pautou suas
decisões apenas no presente, sem estabelecer qualquer relação com o contexto
histórico apresentado no próprio instrumento.

c) A interface com outras políticas públicas


Em Buenos Aires, além das diretrizes curriculares para o ensino da temá-
tica, também se observa a institucionalização de outras políticas públicas para
o seu ensino, sobretudo em âmbito nacional, ligados à educação patrimonial,
à produção de materiais de apoio ao professor, à realização de jornadas de
reflexão em épocas de comemoração de efemérides e ao apoio à realização de
projetos, com a participação dos próprios alunos na construção de conheci-
mentos sobre o tema. Nem em São Paulo, nem no Brasil como um todo, existe
algo semelhante.

d) Abordagem regional da temática


Como a questão proposta demarcava a relação entre países da região, tanto
na partilha da história quanto no envolvimento dos personagens com a situação
proposta, o entendimento dessas relações dependia do reconhecimento das co-
nexões entre nosso passado e nosso presente. Nessa perspectiva, é possível que

Junho de 2018 101


Juliana Pirola da Conceição Balestra

os alunos de Buenos Aires tenham tido mais facilidade em identificar e se posi-


cionar frente a essas relações porque nas diretrizes curriculares e nos materiais
didáticos que circulam na cidade a história das ditaduras é tratada a partir de
uma abordagem regional, ao contrário de São Paulo, onde prevalece uma abor-
dagem nacional do período, e isso repercute nas narrativas dos jovens investiga-
dos, mesmo que se destaque nas diretrizes a intenção de abordar o conteúdo de
“ditadura militar” dentro de uma perspectiva regional.

e) Ênfase na participação civil ao longo do período


Parece haver uma relação entre a abordagem da participação civil durante
o período, especialmente nos movimentos de resistência à ditadura, e o enten-
dimento do próprio papel na defesa da democracia e dos direitos humanos
entre os jovens que participaram da pesquisa, associado, por muitos, ao auxílio
a um “perseguido político”. Em Buenos Aires, onde os movimentos de resis-
tência e de luta pelos direitos humanos, do passado e do presente, são aborda-
dos em detalhes, com nomes, lideranças, bandeiras e conquistas, o sentimento
de responsabilidade não só com o “vizinho”, mas também com a situação em
que ele se encontrava, foi muito maior do que em São Paulo. Se os civis são
vistos como atores sociais do período, individualmente ou a partir de movi-
mentos organizados, o sentimento de corresponsabilidade pelos rumos que a
história pode tomar no presente aumenta entre os jovens, fazendo que se po-
sicionem em relação ao passado e ao futuro.
Esses indícios deixam claro que se pretendemos que o ensino de história
promova o pensamento reflexivo entre os jovens, estimule que façam pergun-
tas e que se questionem sobre suas próprias representações sobre o mundo e
sobre si mesmos, então é necessário um novo tipo de ensino que abra espaço
para o trabalho com suas próprias representações, seus imaginários, suas emo-
ções, e não só o pretendido caráter neutro da ciência, que eles aceitam como
tal, mas não incorporam às suas vidas (Montés, 2011).

102 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

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NOTAS

1
A chamada “Doutrina de Segurança Nacional” tem suas raízes nos Estados Unidos, fora
do solo latino-americano, envolvida pelo contexto da Guerra Fria, quando Estados Unidos
e União Soviética disputavam a hegemonia política, econômica e militar ao redor do mun-
do após a Segunda Guerra Mundial. Entre os seus antecedentes está o reconhecimento de
que, em uma guerra, as batalhas não ocorrem apenas no front militar, mas também nos
campos cultural, econômico e social, na disputa por corações e mentes. Entre as décadas de
1960 e 1980, boa parte dos oficiais militares da América Latina entraram em contato com
essa Doutrina por meio da “Escola das Américas”, um instituto do Departamento de Defesa
dos Estados Unidos, à época situado no Panamá, onde eram instruídos a levar a cabo a
guerra interna contra o comunismo e a responder aos interesses vitais de suas nações: segu-
rança e desenvolvimento (Cf. MENDES, 2013).
2
Cf. Matéria do jornal O Globo (por Tatiana Farah, 30 mar. 2014). Disponível em: http://
oglobo.globo.com/brasil/marcha-que-festeja-50-anos-do-golpe-reune-150-pessoas-na-
-paulista-120368 19#ixzz3SlWi3Vxu; acesso em: 15 nov. 2014.
3
Descrição do perfil da comunidade “Volta Ditadura” na rede social Facebook, com milha-
res de seguidores. Disponível em: https://www.facebook.com/voltaditadura; acesso em: 5
set. 2015.
4
A pesquisa completa foi apresentada em 2015 ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Unicamp sob a forma de Tese de Doutorado, orientada pela profa. dra.
Ernesta Zamboni (BALESTRA, 2015). A descrição dos instrumentos de pesquisa e os da-
dos relativos à cidade de São Paulo, em sua especificidade, foram publicados anteriormente
(BALESTRA, 2015a), tomando-se como problemática central as relações com os imigran-
tes latino-americanos nas escolas de São Paulo.
5
A questão foi elaborada com base em um modelo produzido por Jörn Rüsen para investi-
gar os diferentes tipos de consciência histórica (RÜSEN, 1992).

104 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Histórias vívidas: usos do passadorecente entre jovens estudantes

6
Os instrumentos foram aplicados pelos professores de cada turma, no horário de suas
aulas, deixando claro que a participação no estudo era totalmente voluntária. Para a manu-
tenção do sigilo sobre a identidade dos estudantes e de seus professores, o nome das escolas
não será divulgado. É importante salientar que o número de escolas participantes de ne-
nhum modo pretende ser representativo do que acontece com a formação histórica em
cada uma das duas cidades e tem como fim apenas ilustrar as tendências gerais em um
universo tomado como referência.
7
A análise detalhada da dimensão nacional das políticas públicas de memória e ensino de
história das ditaduras no Brasil e na Argentina pode ser conferida em BALESTRA, 2016.
8
Em Fortaleza, o coletivo “Aparecidos Políticos” realiza intervenções urbanas e mapeou os
lugares que homenageiam ditadores, torturadores e apoiadores da ditadura. Em Recife, o
livro Recife Lugar de Memória apresenta rotas temáticas que revisitam locais da cidade em
diferentes períodos históricos, entre eles o da ditadura. Em Porto Alegre, as marcas do au-
toritarismo e da luta pela democracia estão em um panfleto on-line que localiza 40 lugares
que funcionaram como centros de detenção e tortura ou se tornaram símbolos da resistên-
cia da cidade.
9
Disponível em: http://jovenesymemoria.comisionporlamemoria.net; acesso em: 10 abr.
2015.

Artigo recebido em 8 de janeiro de 2018. Aprovado em 27 de agosto de 2018.

Junho de 2018 105


Ê
S SI
DO

Los Hechos Históricos de la Transición


Democrática Chilena en las
Aulas de Educación Secundaria
The Historical Facts of the Chilean Democratic
Transition in Secondary Education Classrooms
Gabriela Vásquez Leyton*
María Sánchez Agustí**
Nelson Vásquez Lara***

Resumen Abstract
They were more than three million
Fueron más de tres millones de chilenos Chileans who, by their vote, said “no”
los que, mediante su voto, dijeron “no” to the regime of Augusto Pinochet,
al régimen de Augusto Pinochet, po- ending the years of Dictatorship.
niendo fin a los años de Dictadura. Por Therefore, the Transition to Democra-
ello, la Transición a la Democracia es cy is one of the most controversial pro-
uno de los procesos más controversiales cesses in Chilean recent history, deter-
de la historia reciente chilena, determi- mining the relationships that are
nando las relaciones que se desarrollan currently developing. In the present
actualmente. En el presente artículo, se article, part of the results of a research
exponen parte de los resultados de una is exposed whose objective is to know
investigación cuyo objetivo es conocer the ideas of the Chilean secondary stu-
las ideas de los estudiantes de secundaria dents about the transitional process
chilena sobre el proceso transicional y and how their learning is developed in
cómo se desarrolla su aprendizaje en el the school world. The study of qualita-
mundo escolar. El estudio de carácter tive-quantitative character was made
cuali-cuantitativo se realizó a partir de from the discourses of Chilean high
los discursos de estudiantes de secunda- school students from educational cen-
ria chilena de centros educativos prove- ters from the most important cities of
nientes de 4 las ciudades más importan- the country (La Serena, Valparaíso,
tes del país (La Serena, Valparaíso, Santiago and Concepción). These ideas

* Doctora en Didáctica de la Historia. Profesora de la Pontificia


** Doctora en Didáctica de las Ciencias Sociales. Profesora en la Universidad de Valladolid.
Valladolid, España. almagosa@sdcs.uva.es
*** Doctor en Didáctica de la Historia. Profesor de la Pontificia Universidad Católica de
Valparaíso. Valparaíso, Chile. nelson.vasquez@pucv.cl

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 106-127 - 2018


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena en lasAulas de Educación Secundaria

Santiago y Concepción). Estas ideas se are collected from a questionnaire of


recogen a partir un cuestionario de pre- open and closed questions analyzed
guntas abiertas y cerradas analizadas a through the computer statistical pro-
través del programa estadístico informá- gram. In this instance we will analyze
tico. En esta instancia analizaremos sus your statements about the events that
declaraciones sobre los hechos que rele- arise from the Chilean Transition and
van de la Transición chilena y los temas the historical issues dealt with in the
históricos tratados en las clases de histo- history classes, where the student high-
ria, donde el estudiantado destaca el va- lights the value of citizens as agents of
lor de los ciudadanos como agentes de change who, through their mobiliza-
cambio que, a través de sus movilizacio- tions and the right to suffrage are those
nes y del derecho a sufragio son los que that overthrow the Dictatorship.
derriban a la Dictadura. Keywords: didactics of History; recent
Palabras claves: didáctica de la Historia; History; democratic transition; concep-
Historia reciente; transición democráti- tions of students; controversial issues.
ca; concepciones de estudiantes; temas
controversiales.

El Golpe militar en Chile, fue el hecho que culminó el proceso de deterio-


ro de la convivencia cívica y de erosión transversal en los valores democráticos
y republicanos que habían sustentado la vida política nacional desde al menos
1932 (Faúndez, 2013), y que inicia una cruenta dictadura que mantendría a
Pinochet 17 años en el poder ejecutivo del Estado chileno. Cada aniversario
trae consigo una serie de especiales periodísticos que desde distintas visiones,
posturas e ideas, buscan ayudar en la creación de una “Conciencia histórica”
en los ciudadanos que vivieron en dictadura y que hoy viven en democracia,
así como en los que somos hijos de la democracia pero que aún percibimos los
efectos de dicho proceso histórico.
Frente al gran revuelo mediático de esta conmemoración,1 que tiene su
explicación en la consolidación de los canales democráticos que han ido ma-
durando a los ciudadanos chilenos, creemos que hoy más que nunca esta in-
vestigación tiene plena vigencia y real sentido. Si bien es cierto que en este
trabajo no estudiamos la Dictadura, si estudiamos ese otro proceso histórico
denominado Transición Democrática, que nos trajo consigo una serie de va-
lores que hoy en Democracia se desarrollan plenamente, tales como el diálogo
y la búsqueda de acuerdos, así como también la libertad y los derechos de todos
los ciudadanos. Entendemos que:

Junho de 2018 107


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

La Transición nos sirve para educar en Democracia a nuestros jóvenes. Ella per-
mite enseñar que la Democracia no llega como algo natural después de la
Dictadura, como sale el sol tras la tormenta, sino que es una conquista que sólo
se produce cuando una sociedad lucha por conseguirla, superando todas las difi-
cultades, y permanece vigilante en su práctica cotidiana y en su defensa perma-
nente. (González Gallego, 2011, p.9)

Al respecto, una enseñanza de la Historia basada en los principios que


permiten fortalecer una ciudadanía democrática, tiene mucho que contribuir.
Como ya sabemos, en el siglo XIX el naciente estado burgués-liberal buscó a
través de la educación fortalecer su proyecto nacional; a través de la enseñanza
de la historia se pretendía racionalizar y homogenizar a la sociedad en función
del concepto de nación (Iglesias, 2009). Pero hoy, además, la escuela debe
fortalecer los principios de la vida en democracia, fortaleciendo la participaci-
ón activa de todos los actores, y desarrollar prácticas que tengan como base en
su actuar el respeto de los derechos humanos, la defensa de la libertad como
un valor intrínseco del ser humano, para así construir una sociedad más justa,
más tolerante.

Marco teórico

Como consecuencia de las transiciones a la democracia en el sur de


Europa, y en particular en España, a mediados de los años setenta el tema de
las transiciones democráticas se transformó en un objeto preferente en la in-
vestigación de los científicos políticos o de la sociología política. Esta preocu-
pación se mantuvo en el tiempo como consecuencia de los procesos de
democratización en América Latina, Europa del Este e incluso en algunos casos
asiáticos. A pesar de esta tendencia, el tema estuvo por muchos años fuera de
la atención de los historiadores. Actualmente, esta situación ha sido paliada
con la aparición de diversas investigaciones históricas que han mostrado la
complejidad de este tipo de procesos que, en general, sólo de manera limitada,
pueden ser descritos con patrones comunes ya que un exceso de modelización
oculta la dificultad del análisis de las particularidades que tiene todo proceso
histórico. Estos trabajos tienen por objetivo clarificar el conocimiento de

108 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

aquellos hechos, contradictorios en ocasiones y confusos en su desarrollo


(Tusell; Soto, 1996).
Desde un ámbito político, debemos entender que el concepto de Transición
hace referencia al intervalo que se extiende entre un régimen político y otro tipo
de régimen, así las transiciones pueden ser delimitadas, por el inicio del proceso
de disolución del régimen autoritario y por el establecimiento de otro régimen
que puede ser alguna forma de Democracia, o eventualmente el surgimiento de
alguna alternativa revolucionaria. La característica principal de estos procesos
de Transición se relaciona con que en su transcurso las reglas del juego político
no están claramente definidas y, por ello, son objeto de contienda entre diferen-
tes actores políticos, debido a que los éstos no sólo luchan por satisfacer sus in-
tereses de corto plazo, y eventualmente la de aquellos sectores sociales que
representan, sino que también combaten por definir las normas y procedimien-
tos que configurarán el futuro sistema político. Estas normas suelen ser un cam-
po de disputa en donde los gobernantes autoritarios, que conservan el control
del Estado, aspiran a conservar un poder discrecional sobre el nuevo ordena-
miento jurídico (O’Donnell; Schmitter, 1998).
La forma en que se desarrolla el paso desde la dominación autoritaria
hacia el sistema democrático está determinada por circunstancias históricas
de cada proceso, que aunque en cada país son únicas, pueden configurar algu-
nas pautas o criterios comunes de análisis tales como; la manera en que se
produce la crisis y el colapso del régimen democrático anterior; la naturaleza,
el desarrollo y la duración del período autoritario; los medios a que apeló el
régimen de facto a fin de ganar legitimidad y maniobrar frente a las amenazas
que pusieron en peligro su férreo poder; la iniciativa política y la oportunidad
con que se emprendieron los movimientos tentativos hacia la apertura; el gra-
do de seguridad y de autoconfianza que revelan las élites del régimen, así como
la confianza y aptitudes de quienes pretenden abrir el proceso político; la na-
turaleza de la coyuntura económica, el marco internacional en que se desar-
rolla; y, finalmente, las “modas” intelectuales en el campo internacional, que
otorgan legitimidad a ciertas formas de Transición y no a otras (O’Donnell;
Schmitter, 1998).
Debemos considerar el hecho que no existe posibilidad de Transición
cuyo inicio no sea, en primer lugar, una crisis del régimen político autoritario
que puede ser de naturaleza multicausal (crisis económicas, problemas

Junho de 2018 109


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

sucesorios, conflictos externos, etc.) y, en segundo lugar, de las divisiones den-


tro de la coalición gobernante entre conservadores y reformistas, es decir, entre
las personas que presentan visiones de continuidad y cambio respecto a la
forma de organizar el país. Por último, en la mayoría de los casos (también hay
transiciones por colapso del régimen como fue en el caso de la Dictadura
Argentina) la Democracia sólo es una alternativa posible a través de un com-
promiso o alianza entre elites políticas y sociales, quienes generan los acuerdos
y los consensos sobre el futuro. Este “pacto” se ha convertido en el elemento
crucial tanto del éxito de las transiciones como de sus análisis intelectuales
posteriores (O’Donnell; Schmitter, 1998).
A nivel internacional, existieron algunos factores que propiciaron la de-
nominada “Tercera Ola” (Huntington, 1992), situación referida a la crisis de
los regímenes autoritarios y a la valoración de la Democracia como sistema
político, social y económico, y que se caracterizó por aspectos tales como los
problemas de legitimación de algunos regímenes autoritarios después de sufrir
derrotas militares, como lo sucedido en las dictaduras de Argentina, Portugal,
URSS y Grecia, aunque en los casos latinoamericanos, es más relevante la crisis
de la deuda de los años 80s.
Por otra parte, el crecimiento económico mundial en los años sesenta con
la consiguiente emergencia de clases medias urbanas en muchos países, con-
tribuyó al desarrollo de una ciudadanía activa y participativa. También influi-
rían, aunque de manera indirecta, los cambios producidos en la doctrina de la
Iglesia Católica a partir del Concilio Vaticano II (1962-1965) y, más indirec-
tamente en los casos latinoamericanos, la influencia del CELAM y la Teología
de la liberación que se planteó la defensa de los derechos fundamentales de
todo ser humano y se opuso a los regímenes autoritarios de Brasil, Chile,
Filipinas o Polonia, principalmente, por su contribución a la violación de los
derechos fundamentales de sus ciudadanos. Junto a lo anterior, destacarían la
atracción ejercida por la Comunidad Económica Europea sobre muchos países,
el giro de las políticas exteriores de los Estados Unidos con Carter (posterior
a 1976) que buscaban la promoción de los Derechos Humanos y la Democracia,
así como el desarrollo de la Perestroika de Gorbachov en la URSS (1986). Por
último, lo que podemos definir como “Efecto bola de nieve” o “Efecto demos-
tración”, que estimuló y proporcionó a otros países modelos o ejemplos de
Transición.

110 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

Por otra parte, diversos estudios historiográficos han establecido que las
transiciones democráticas en España y América Latina pueden haber compar-
tido algunas características básicas en cuanto a su desarrollo y proceso, debido
a que en el plano político consistieron en tres tareas fundamentales. Primero,
el desmantelamiento del antiguo Régimen autoritario a través del logro de
acuerdos entre nuevas fuerzas políticas y la nueva institucionalidad. Segundo,
la reconsideración del legado del pasado autoritario, referido al reconocimien-
to de las violaciones de los Derechos Humanos, por ejemplo, como un tema
propio de la agenda de la Transición, como el caso Chile. Tercero, como todo
nuevo sistema político, las nuevas instituciones democráticas requieren de le-
gitimación, ámbito relacionado con la defensa, respeto y promoción de los
derechos civiles y la libertad de todos los ciudadanos (Waisman et al., 2005).
En este aspecto, podemos entender que la construcción de una situación
intermedia, es decir el tránsito a la Democracia, supone un equilibrio en la
correlación de fuerzas entre los sostenedores del viejo régimen que se retiran
o se adaptan y los partidarios de la recuperación de la Democracia que logran
acceder a la dirección del Estado, luego de una negociación explícita o implícita
y de acreditar electoralmente su respaldo en la sociedad (Maira, 1999), como
sucedió en el caso chileno, a diferencia de otros procesos de Transición de
América Latina, como las Dictaduras de Nicaragua y Argentina que caen prin-
cipalmente por el desgaste del sistema autoritario (vía colapso), o el caso de
Brasil que tiene que ver con la propia voluntad del régimen de avanzar en un
proceso de Liberalización.
Uno de los elementos que se deben tener en cuenta al clasificar una
Transición corresponden a las características del régimen político anterior; la
justificación de la crisis que conduce al quiebre de los regímenes no democrá-
ticos; la estrategia seguida en el proceso de cambio, y el nuevo régimen esta-
blecido (la literatura ha usado tradicionalmente los conceptos alternativos
pacto/colapso). Por ejemplo, en el caso español la tesis común responde a la
descripción de un régimen peculiar, personalista, salido de una guerra civil; así
la Transición no surge del colapso, sino de la necesidad de remplazar al jefe
del estado, lo que se une a aspectos sociales y económicos, y a la “política de
consenso” establecida entre Suárez y la oposición. De esta forma, se mantienen
las leyes políticas, pero con un calendario de reforma; la Constitución se al-
canzó por consenso sin presiones y el consenso se caracterizó por los pactos

Junho de 2018 111


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

con empresarios y sindicatos; así la Democracia se consolidaría sin mayores


problemas desde 1982 (Alcántara, 1992).
Desde algunos ámbitos de los estudios históricos, se ha criticado la insu-
ficiencia de los modelos transitorios como referentes universales, debido a que
la clasificación y evaluación de las transiciones quedaría subordinada al grado
de cumplimiento. Esto ha tenido como consecuencia la elaboración de rígidos
modelos de explicación teórica que muchas veces parecen haber estirado la
evidencia empírica, para adaptarla al paradigma en cuestión. Por tanto, ignorar
las diferencias cualitativas para reducir todo a un proceso idéntico es tanto
como examinar la realidad subordinándola a un esquema teórico previo. La
sociología histórica, en este caso, no está siendo esclava de la Historia, sino que
la Historia está sirviendo de muralla contra los excesos abstractos de aquella
(Díaz Gijón, 1996).

Metodología

En nuestro caso, la investigación se relaciona con dos de las tres categorías


establecidas por Barton (2010) para los estudios sobre las ideas de los estudian-
tes acerca de la Historia, ya que pretendemos conocer lo que el alumnado
chileno sabe sobre el pasado (la Transición) y cómo estructuran este conoci-
miento, para averiguar los orígenes del mismo, así como su relación con el
currículo escolar y otras fuentes de información.
El objetivo general de la presente indagación consiste en: comprender las
concepciones de los estudiantes de secundaria chilena sobre la Transición de
la dictadura a la democracia en Chile, así como la valoración que hacen de este
contenido escolar para su formación democrática y ciudadana. Específicamente,
en este artículo nos centraremos en Analizar la opinión de los alumnos sobre
cómo se produjo la Transición de una Dictadura a una Democracia en Chile,
especialmente si la consideran como fruto de un proceso de acuerdos y
consensos.
Como variable dependiente se centra en las opiniones que expresan los
estudiantes, sobre la forma en cómo se produjo la transición hacia la demo-
cracia en nuestro país. En éste ámbito, se presta especial atención a los autores,
las instituciones y los acontecimientos que los alumnos consideran que tienen
una participación relevante dentro de la Transición, a la hora de exponer su

112 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

discurso. En este sentido, dentro de las variables independientes consideramos


el contexto Socio Económico (Tipo de Dependencia escolar: Municipal,
Subvencionado y Particular), Género (hombres y mujeres) y el ámbito geográ-
fico de aplicación (La Serena, Valparaíso, Santiago, Concepción).
El modelo elegido para esta investigación es una forma de muestreo sin
probabilidad en la que se desconoce la probabilidad de selección. Por ello, se
inserta dentro del denominado muestreo no probabilístico que se caracteriza
porque la extracción de la muestra se efectúa siguiendo criterios diferentes de
aleatorización (como la conveniencia u otros criterios subjetivos) (Cea
D’Ancona, 2001). Así, entre las diferentes categorías de este tipo de muestreo,
para esta investigación hemos seleccionado el tipo de muestreo por cuotas, el
cual parte de la segmentación de la población de interés en grupos, a partir de
variables socio-demográficas relacionadas con los objetivos de la investigación,
por lo que su puesta en práctica conlleva una matriz con las características
básicas de la población que se analiza. El propósito es seleccionar una muestra
que se ajuste a la distribución de las características fundamentales de la pobla-
ción, para garantizar que en la muestra se encuentren representados los dis-
tintos grupos de población, lo que ayudaría a la realización de comparaciones
entre ellos.
El estudio se aplicó a una muestra total de 616 alumnos en su aplicación
final y se ejecutó en cuatro de las principales ciudades chilenas, considerando
aquellas con mayor nivel de concentración de población y más cercanas a la
zona central del país: La Serena, Valparaíso, Santiago y Concepción, ya que
debido a sus características sociales, culturales y políticas, se pueden considerar
representativas del país.
Se consideraron tres tipos de establecimientos educaciones tomando en
cuenta, como ya hemos señalado anteriormente, las características socio-eco-
nómicas de la población estudiantil que a ellos acude: Particular (Privado),
Particular Subvencionado (Concertados) y Municipal (Públicos).
El instrumento de recolección de datos es un cuestionario elegido en
nuestra investigación es el autorrellenable o auto determinado, puesto que se
proporciona directamente a los respondientes, quienes lo completan sin me-
diación de intermediarios. Para este artículo hemos seleccionado una pregunta
cerrada referida Señala el hecho o acontecimiento que consideras más impor-
tante del paso de la Dictadura a la democracia (Albert Gómez, 2007).

Junho de 2018 113


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

Por último, el sistema de procesamiento estadístico de la información


recogida se realizará por medio de un programa estadístico: el Statistical
Package for the Social Sciences (SPSS), desarrollado por la universidad de
Chicago, que permite el procesamiento fácil y útil de los datos cuantitativos.
Su uso está generalizado en las investigaciones educativas y en las investiga-
ciones en ciencias sociales, debido a que cubre todo el proceso analítico, desde
la planificación hasta la presentación de resultados. De esta manera, podría ser
definido como un paquete estadístico o conjunto de programas que implemen-
tan diversas técnicas estadísticas en un entorno en común (Martín, 2007).

Hechos o Acontecimientos más importante


de la Transición Democrática

Iniciamos este apartado trayendo de nuevo a colación a Braudel cuando


escribió que rechazar los acontecimientos y el tiempo de los acontecimientos
equivale a ponerse al margen, al amparo, para mirarlos con una cierta pers-
pectiva, para juzgarlos mejor y no creer demasiado en ellos (Braudel, 1968),
pues definen con exactitud nuestras pretensiones a la hora de analizar y estu-
diar el valor concedido por nuestros encuestados a los hechos que articulan el
tiempo corto del proceso transicional.
Para escudriñar esa superficie de la comprensión histórica, pedimos a los
estudiantes que señalaran el hecho o acontecimiento que consideraran más
importante del paso de la dictadura a la Democracia. Dejando a un lado el
importante volumen de alumnos que no contestan y los que marcaron varias
opciones (Gráfico 1), los resultados nos demuestran que es la “Firma del
Acuerdo Nacional para la Transición de la Plena Democracia” con un 39,8%
de las respuestas totales, la opción más elegida por los encuestados.
Las siguientes alternativas más marcadas son la “Creación de la
Concertación de Partidos por la Democracia” [14,8%], seguida por la
“Promulgación de la Constitución de 1980” [7,5%], el “Atentado contra
Pinochet” [6,2%] y el “Gobierno de la Concertación de partidos por la
Democracia” [5,5 %]. Por otro lado, llama la atención los bajos porcentajes
asignados para las opciones representadas por los hechos como el “Arresto de
Pinochet en Londres” [3,2%], el “Asesinato del Senador Jaime Guzmán”

114 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

Gráfico 1 – Señala el hecho o acontecimiento que consideras más


importante del paso de la dictadura a la democracia
(Recuento de respuestas y porcentaje totales)

[2,1%], el episodio militar del “Boinazo” [1,1%], la “Creación de la vicaría de


la Solidaridad” [1,1%] y la “Creación de la CNI” [1 %].
Si revisamos los resultados válidos comparados por género, podemos ob-
servar que se mantienen los mismos valores presentes en la descripción de la
tendencia general referidos a la “Firma del acuerdo Nacional para la
Transición” [M=51% H=44,9%], la “Creación de la Concertación de Partidos
por la Democracia” [M=15,6% H=20,2%], la “Promulgación de la Constitución
de 1980” [M=9,5% H=8,5%] y el “Atentado de Pinochet” [M=7,2% H=7,7%].
La opción de la “Firma del Acuerdo para la Transición de la plena
Democracia” se valora ligeramente más en los colegios particulares [53,4%],
por sobre los otros centros municipales [48,6%] y subvencionados [46,4%].
También existe coincidencia en la opción referida a la “Creación de la
Concertación de Partidos por la Democracia” [CM=16,7% CP=17,8% CS=
18,4%]. A las opciones antes descritas se agrega en tercer lugar, tal como sucede
en el conteo general, la promulgación de la constitución política de 1980 pero
solo para los centros particulares y subvencionados, pero no para los

Junho de 2018 115


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

municipales donde pasa a ocupar un lugar irrelevante. En éstos la tercera op-


ción más elegida es el atentado de Pinochet [9%], lo que es muy interesante de
hacer notar ya que, como hemos visto en otros casos, estos alumnos valoran
hechos violentos y referidos al gobernador de facto.
En la sistematización de los datos por ciudades el esquema se repite con
algunas diferencias. La alternativa referida a la “Firma del Acuerdo Nacional”
es también la más valorada, oscilando entre el 51,5% de Concepción y el 43,5%
de Santiago. Luego de esta opción, el porcentaje con más alta ponderación, al
igual que en el recuento general, es para la alternativa la “Creación de la
Concertación de Partidos por la Democracia”, excepto en La Serena [9,6%]
donde cede el segundo puesto a la opción Promulgación de la Constitución
Política de 1980 [14,9%]. Frente a estos resultados destacamos que aquí podría
haber una valoración de un hecho de dictadura, más que de un acontecimiento
de Democracia, situación que también puede relacionarse con que, para estos
alumnos, de la Transición forma parte del itinerario del régimen. Esto debido
a que este acontecimiento ocupa el tercer puesto en Concepción [11,5%], pero
no en Valparaíso ni en Santiago donde son más numerosos los alumnos que
escogen El atentado a Pinochet, valorando la opción de aquellos que buscaban
la caída de la dictadura por la vía insurreccional.

La Firma del Acuerdo Nacional y la Creación de la Concertación

Como hemos visto, las respuestas de los estudiantes señalan como hechos
o acontecimientos sumamente relevantes del paso de la dictadura a la demo-
cracia la “Firma del Acuerdo Nacional para la Transición de la Plena
Democracia” [39,8%] y, aunque a más distancia la “Creación de la Concertación
de Partidos por la Democracia” [14,8%]. Ambas opciones nos indican una
valoración del pacto y de la negociación entre las distintas fuerzas políticas
para lograr el regreso de la democracia, lo cual resulta bastante sorprendente
si contemplamos que en la evaluación de cómo se produjo la Transición, la
mayoría de los alumnos la calificó como un proceso “violento” y sin embargo
ahora no dudan en destacar la importancia de estos acuerdos.
Efectivamente, el primer hecho significó, en la práctica, un paso impor-
tante de diálogo y acuerdo entre el gobierno militar y la oposición mediado
por la Iglesia Católica, al favorecer el encuentro de distintos líderes y represen-
tantes políticos que sentarán las bases para el retorno de la democracia. Para

116 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

muchos estudiosos este encuentro representa la idea de un proceso transicional


pactada, a pesar de que para los sectores afines a la dictadura no constituye un
hecho trascendental para el regreso de la democracia.
En agosto de 1985 y a instancias de las gestiones moderadoras del
Arzobispo Juan Francisco Fresno, un amplio espectro de partidos opositores
se pusieron de acuerdo respecto a una serie de valores democráticos que debían
regir la convivencia nacional y en un conjunto de medidas inmediatas para
evolucionar efectivamente hacia la democracia. Nace así el acuerdo Nacional
para la Transición a la Plena Democracia, un gran gesto de entendimiento
profundo (en palabras del Arzobispo de Santiago Cardenal Fresno, principal
gestor de esta actividad) constituyéndose en el hecho político más significativo
desde que se iniciaran las movilizaciones sociales de protesta a comienzos de
1983 (Cañas Kirby, 1997).
La elección del Acuerdo Nacional por parte de los encuestados es muy
interesante desde el ámbito curricular, ya que la firma del acuerdo no es un
tema presente dentro del marco curricular escolar establecido, ni tampoco está
considerado en los contenidos habituales de los libros de texto. Así mismo,
desde la bibliografía muchos autores le quitan peso político e histórico a éste
acontecimiento, es decir, tampoco hay un reconocimiento tácito de su impor-
tancia para la consecución del retorno a la democracia, ya que históricamente
el proceso de diálogo se corta y el gobierno militar nunca lo reconoce un pro-
cedimiento válido para transitar hacia el sistema democrático.
A pesar de esto, la importancia de este documento radica en tres cuestio-
nes. Primero, constituyó un símbolo preliminar de las necesidades, que ya se
avizoraban en algunos sectores políticos de superar el escenario confrontacio-
nal, donde el único objetivo de la oposición era derrocar al régimen. Segundo,
la iglesia asume el papel de institución convocante y mediadora, enlace entre
los bloques políticos en pugna y no sólo de denuncia y defensa de los derechos
humanos. Tercero, la coyuntura del acuerdo reunió por primera vez al más
amplio espectro de partidos, desde la izquierda a sectores relevantes de la de-
recha, para lograr un acuerdo sobre temas conflictivos y que habían sido tabú
para el régimen (Cañas Kirby, 1997).
De acuerdo con todo lo anterior, y en relación a nuestros estudiantes, nos
queda la duda de si realmente consideran que la firma de este acuerdo tuvo
una importancia capital para el retorno a la democracia y constituye el

Junho de 2018 117


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

acontecimiento más relevante de la Transición chilena, o simplemente se han


dejado llevar por el significado semántico de su denominación (“Firma del
Acuerdo Nacional para la Transición de la Plena Democracia”). En cualquier
caso, implica una valoración de los acuerdos entre élites políticas que entraría
en contradicción con una visión mayoritaria de la Transición como fruto de
las movilizaciones ciudadanas y de carácter violento. Y es que el Acuerdo
Nacional ha sido la opción mayoritariamente elegida, no solo por los estudian-
tes que perciben el proceso transitorio como pacífico, sino también por los que
lo definen como violento.2
Más lógica resulta la segunda selección más votada por los estudiantes que
señala a la “Creación de la Concertación de Partidos por la Democracia” como
el acontecimiento más relevante del periodo transicional, aunque también
dentro de la línea contradictoria de conceder importancia a los consensos po-
líticos. La Concertación fue creada el día 2 de febrero de 1988 cuando se con-
forma una agrupación en busca de la democracia, decidida a jugarse por el voto
“NO”. Este conglomerado reunía a diversos grupos políticos, que incitaron a
toda la población opositora a inscribirse en los registros electorales con la fi-
nalidad de derrotar la dictadura por la vía del sufragio.
Recordemos que la anhelada Concertación de Partidos por el No, estaba
compuesta por trece formaciones opositoras que tuvieron que negociar para
conformar la reunión del Hotel Tupahue y firmar allí un manifiesto titulado “La
oferta del NO”. El acuerdo proponía concentrar todas las energías en la inscrip-
ción en masa de electores y el triunfo del No en el Plebiscito. Además, el docu-
mento prometía para después de la victoria los reclamos más urgentes del club
político opositor y de sus bases militantes: realizar elecciones libres; resolver los
problemas más graves de derechos humanos; texto alternativo a la ley de partidos
políticos; derogación del Art. 8° de la Constitución; término del exilio… El que
distintas colectividades políticas con historias tan diferentes lo aceptaran así,
demostraba la desesperación que había cundido entre ellas para aprovechar la
precaria oportunidad del ’88 (Otano, 2006). La vía no confrontacional quedó
abierta constituyendo, como dicen una parte importante de los encuestados, un
acontecimiento fundamental de la Transición, ya que supuso la pérdida del po-
der del dictador con sus propias leyes y el acceso a la democracia.

118 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

Hechos relacionados con Pinochet:


Promulgación de la Constitución y el Atentado

Los hechos destacados por nuestros estudiantes en tercer y cuarto lugar


están relacionados con la figura del Dictador Pinochet, y corresponden con
algunos acontecimientos desarrollados durante el gobierno militar tales como
la “Promulgación de la Constitución de 1980” [7,5%] y el “Atentado contra
Pinochet” [6,2%] ocurrido en 1986.
En primer lugar, debemos recordar que la promulgación de la
Constitución política de 1980 marca el itinerario propuesto por el régimen, a
través de los artículos transitorios, y define la Transición por medio del ple-
biscito de 1988. De esta manera cuando la oposición acepta la “legalidad cons-
titucional”, accede a las reglas del juego impuestas por la dictadura, admitiendo
jugar en sus propias leyes. Y es que la Carta de 1980 llevaba en su interior dos
constituciones, una contenida en su articulado transitorio que regulaba el pe-
riodo que iba desde marzo de 1981 hasta marzo de 1989. La otra en su articu-
lado permanente suponía que debía durar muchas décadas a partir del fin del
periodo anterior (Arriagada, 1998).
En este sentido, los estudiantes que seleccionaron la Constitución de 1980
como el hecho más relevante de la Transición parecen reconocer en el itinera-
rio marcado por el dictador en su carta magna, la estructura fundamental del
proceso, tal como recoge la historiografía afín al Régimen Militar. En este
sentido resulta interesante comprobar que esta opción presenta un porcentaje
bajísimo en los colegios municipales, cuyos alumnos no reconocerían este ca-
rácter al texto legal de 1980.
En segundo término, el atentado a Pinochet se desarrolla en el contexto
del denominado “año decisivo” en la lucha contra el dictador. Los autores ja-
más imaginaron el provecho político que sacaría Pinochet del atentado contra
su vida, que no fue el primero pero si el más espectacular de los realizados en
su contra. Obra del Frente Patriótico Manuel Rodríguez, consolidó en el ge-
neral la idea de ganar el reconocimiento de la comunidad internacional y de
seguir ininterrumpidamente el itinerario de 1980 (Gazmuri, 2000).
El atentado finalizó con la idea de vencer al dictador por medio de la vía
armada, línea de acción del partido comunista a través de su brazo armado, el
denominado Frente Patriótico Manuel Rodríguez, y el reconocimiento por
parte de la oposición de la carta constitucional de 1980 y el conocido Plan

Junho de 2018 119


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

Aylwin, estrategia de derrotar a Pinochet en su propia ley, es decir, la vía cons-


titucional a través del plebiscito de1988.
Por tanto, nos queda la duda de si los estudiantes que escogieron esta opción
como acontecimiento relevante, lo hicieron desde la perspectiva de ensalzar la
lucha revolucionaria o desde la óptica de resaltar la vía de la concertación y el
diálogo. Si tenemos en cuenta los datos cruzados entre los que escogen esta al-
ternativa y las opciones de violenta o pacífica podemos observar que entre los
porcentajes presentados en la tendencia general los alumnos que marcan la al-
ternativa Atentado a Augusto Pinochet habiendo marcado en la pregunta sobre
cómo se produjo el paso a la Democracia la opción de “Pacífica”, son más nu-
merosos que los alumnos que marcan la característica de “Violenta”.3
También es importante considerar que la votación por la alternativa re-
ferida al “Atentado a Augusto Pinochet” tiene un porcentaje más elevado entre
los alumnos que consideran que “Augusto Pinochet” es un actor relevante
dentro del proceso de Transición, y un porcentaje bastante inferior entre los
que marcan “Oposición política”.4

Hechos ocurridos durante los Gobiernos de la Concertación

En nuestro cuestionario, incluimos como posibles hechos más relevantes


de la Transición, de entre los cuales debían escoger los estudiantes aquel más
significativo, algunas efemérides de los primeros años de la Concertación, co-
mo el propio Gobierno de la Concertación de Partidos por la Democracia, el
asesinato del Senador Jaime Guzmán, el Boinazo y el arresto de Pinochet en
Londres. Frente a estas alternativas, llama la atención los bajos porcentajes
asignados para las opciones representadas por los hechos como el Boinazo
[1,1%], Arresto de Pinochet en Londres [3,2%] y finalmente Asesinato de Jaime
Guzmán [2,1%].
Como ya hemos indicado, la Concertación por la Democracia, sucesora
de la coalición que se uniera en el plebiscito del 88 para derrotar a Pinochet
bajo el nombre de Partidos por el No, representaba a un conglomerado político
que reunía inicialmente 16 partidos o grupos de diferentes espectros políticos
y que, con algunas variables, se prolongaría como base política de los gobiernos
democráticos posteriores desarrollados entre los años 1990-2010.
Así la Concertación se convierte en la coalición que gobernó Chile desde el
retorno de la Democracia hasta el año 2010, cuyo sostén estuvo basado en una

120 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

elaborada fórmula de distribución del poder, a partir de la negociación de las car-


teras ministeriales, de las subsecretarías e incluso de la distribución de los candida-
tos legislativos de los distintos sectores que la constituyen, situación que responde
a una visión de la política basada en el acuerdo y la participación de todos los sec-
tores que apoyan al gobierno, manteniendo así la coalición (Siavelis, 2009).5
Esta forma de gobierno representa, pues, la valoración del acuerdo, ya que
la creación de la Concertación significa sentarse y entenderse. Esta situación
es percibida por el [5,5%] de estudiantes que escogieron el “Gobierno de la
Concertación de partidos por la Democracia” como acontecimiento más rele-
vante de la Transición, para los cuales la búsqueda del acuerdo para lograr la
Democracia constituiría un aspecto clave para canalizar la lucha ciudadana y
asegurar su éxito.
Un hecho importante que marcó el desarrollo de los gobiernos concerta-
cionistas está referido al asesinato del Senador Jaime Guzmán Errázuriz, cola-
borador y defensor fehaciente del régimen militar y de la figura de su dictador,
participante en la redacción de la Constitución de 1980 y fundador del partido
de derecha Unión Demócrata Independiente. Para la opinión pública Guzmán
representaba el protector y defensor incondicional de Pinochet, como el legiti-
mador a ultranza de su gobierno. Además, sus adversarios no podían creer que
una persona tan interiorizada con el régimen no conociese lo que estaba suce-
diendo durante años en sus cloacas más represivas. A pesar de haber flexibilizado
tácticamente desde el advenimiento de la democracia, su máquina silogística que
descargaba aseados argumentos para justificar los “males menores” del régimen,
no incluía en su discurso el dolor de tantas personas inocentes, a quienes no se
les había reconocido ni sus muertos (Otano, 2006). Su asesinato ocurrió el día 1
de abril de 1991 a causa de un atentado perpetrado por integrantes del grupo
terrorista denominado Frente Patriótico Manuel Rodríguez, el brazo armado del
Partido Comunista, la misma agrupación autora del atentado a Pinochet en 1986,
la que constituye para un [2,1%] de alumnos el momento más importante del
proceso de Transición chilena, que buscaban derribar al gobierno por la vía de
las armas. Como vemos esta situación resulta significativa para este pequeño
grupo de estudiantes, que han valorado la vía de la insurrección armada para
finalizar la dictadura, como una forma válida de lucha.
El otro hecho que determinó el desarrollo de la Transición y tensionó las
relaciones cívico-militares, está referido al incidente denominado como el

Junho de 2018 121


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

“boinazo”, es decir el paseo por la Alameda de las boinas negras del Ejército
Nacional. Este episodio se origina a partir del sentimiento declarado por los
militares como “hostigamiento contra el Ejército” que habría ejercido el diario
La Nación. Más allá de los detalles, esta situación representó la fragilidad de
nuestro sistema democrático, la fuerte presencia de los militares en la vida
pública del país y la autoridad ejercida por Pinochet. Así las boinas negras
presentes en la Alameda, con rostros afilados y premunidos de corvos y lanza-
cohetes LAW, negaban esta idílica imagen de la gloriosa transición. El ejército
no se había modernizado tanto como se pensaba (Otano, 2006). A diferencia
de lo que el mismo Aylwin pensaba y que había expresado en el mensaje pre-
sidencial del 21 de mayo de 1993, donde reconocía con orgullo la trayectoria
que había seguido el país valorando la forma en que se había desarrollado el
paso hacia la normalidad democrática de forma pacífica,6 los militares mante-
nían cierto poder en el mundo civil y no estaban dispuestos a irse a sus cuar-
teles sin que les garantizaran tranquilidad. Por tanto, la importancia de este
episodio militar ocurrido en 1993 y que es recogida por un 1,1% de los encues-
tados, señala esta idea que a pesar del carácter pacífico de la recuperación
democrática, los militares mantenían una fuerza que no tenían problemas en
exponer, en caso que ellos lo consideraran necesario.
Por último, otro episodio significativo dentro de los primeros años de los
gobiernos en democracia es el referido a la detención del ex dictador en
Inglaterra, reconocido como hecho fundamental por una parte de nuestros
estudiantes [3,2%]. Efectivamente, cuando el día 16 de octubre de 1998
Pinochet fue detenido en Londres, un sentimiento colectivo de justicia recorrió
el mundo. La razón alegada para la solicitud de extradición era “por delito de
terrorismo, genocidio y tortura”. Así se produjo el hecho que más desbarató
el proceso ultra regulado de la Transición. La noticia de un Pinochet detenido
en Londres y posiblemente extraditado a Madrid reveló la fragilidad de los
supuestos y de los implícitos de la política chilena postdictadura. Para los sim-
patizantes del general la consecuencia más demoledora del proceso de Londres
fue el reconocimiento, por parte de su defensa, de las torturas y asesinatos
perpetrados durante el régimen militar. Esta forzada confesión pública marcó
silenciosamente un antes y un después en la opinión de los partidarios de la
dictadura. Ya nadie en adelante podía alegar ignorancia de tanta barbarie
(Otano, 2006). Por tanto, el arresto significó para muchas personas indecisas

122 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

respecto a la valoración del régimen dictatorial, reconocer la violación a los


Derechos Humanos durante este tiempo.
En este sentido, entendemos importante señalar que la elección del
“Arresto de Pinochet en Londres” tiene un porcentaje bastante más elevado
entre los que declaran el rol preponderante de las “Fuerzas Armadas” y un
porcentaje inferior entre los que imprimen su opción de “Partidos políticos”
como actores importantes dentro proceso transitorio.7
De manera que al hacer una comparación entre las respuestas que evalúan
la Transición (violenta o pacífica) y los acontecimientos más importantes de
este proceso, podemos observar que existe una diferencia entre aquellos estu-
diantes que marcan la alternativa “Violenta” frente a los que marcan “Pacífica”
, ya que los primeros presentan una mayor valoración de las opciones referidas
al “Arresto de Pinochet en Londres” [89,5% frente a 10,5%] y Atentado de
Augusto Pinochet [77,4% frente a 22,6%] como los hechos o acontecimientos
que consideraron más importante del paso de la Dictadura a la Democracia.
Es decir, los que valoran la Transición como violenta destacan los hechos re-
lacionadas con la figura gobernador de facto,8 situación que podría representar
como la figura de Pinochet es relevante no solo en la Dictadura, sino que
también durante el proceso de retorno a la Democracia.

Hechos vinculados a los Derechos Humanos

Las respuestas de nuestros estudiantes indican bajas ponderaciones para dos


hechos relacionados con elementos claves de la Dictadura y la violación de los
derechos humanos y que tienen que ver con la Creación de la Vicaría de la
Solidaridad [1,1%] y la Creación de la CNI [1%]. La escasa importancia atribuida
a la primera resulta contradictoria con las respuestas entregadas por los encuesta-
dos cuando se les interroga sobre los temas más abordados en clase, donde, como
veremos en el siguiente capítulo, un porcentaje importante de nuestros chicos y
chicas destacan el rol de la iglesia y la violación de los derechos humanos.
A partir del caso Letelier en 1976, la DINA (Dirección de Inteligencia
Nacional) fue reemplazada por otra policía, de carácter menos brutal, la
Central Nacional de Informaciones (CNI). Esta institución fue un organismo
de inteligencia de gran influencia dentro del gobierno militar, responsable de
importantes casos de violación de los derechos fundamentales de los ciudada-
nos, como asesinatos, secuestros y tortura de personas.

Junho de 2018 123


Gabriela Vásquez Leyton, María Sánchez Agustí e Nelson Vásquez Lara

Frente a estos actos, la actitud de la iglesia evolucionó hacia posturas más


divergentes que desembocaron en una patente contraposición entre las pre-
tensiones del gobierno y los principios básicos de la doctrina social de la iglesia.
En efecto, hubo tres ejes que le otorgaron sustento a su actitud divergente con
el gobierno militar: la violación de los derechos humanos, la orientación indi-
vidualista y excluyente de la política económica y la pretensión de la autoridad
de buscar en la doctrina social elementos de legitimación ética de su acción.
La Iglesia Católica asume, así, un claro papel político, transformándose en una
especie de partido moral de la sociedad. Con la creación de la Vicaría de la
Solidaridad a fines de 1975, no sólo denuncia públicamente la violación de los
derechos humanos, sino que reconoce a los demás actores sociales, especial-
mente a los partidos y les brinda protección y canales de acción para sus tareas
en la sociedad civil (Cañas Kirby, 1997).
La Vicaría de la Solidaridad, al alero de la Iglesia Católica, se transformó
en el refugio y defensa de los perseguidos políticos y la única institución que
se atrevió a enfrentar a la DINA y abogar abiertamente contra la violación de
los derechos humanos (Gazmuri, 2000). La acción de la Vicaría se desarrolló
a través de diversas distintas organizaciones sociales, parroquias y lugares de
reunión del mundo católico, que centraba su actividad en asuntos de solidari-
dad y promoción de la dignidad humana. Así movimientos juveniles, centros
culturales, comités de familiares de desaparecidos, cooperativas de obreros y
campesinos, se convirtieron en espacios de articulación de diversos sectores
políticos. Según un ministro de Estado de la Dictadura, la Vicaría de la
Solidaridad se convirtió en una organización de contrainteligencia, manejada
con el objetivo político de derrocar al régimen y brindar al terrorismo una
cobertura moral y logística que necesitaba (Gazmuri, 2000).9

Consideraciones finales

En este sentido hemos comprobado que el paso de la dictadura a la de-


mocracia es entendida por el estudiantado a partir de la participación de acto-
res sociales más que políticos. Enfatizan la relevancia jugada por los ciudadanos
y los movimientos sociales, aunque también a una cierta distancia por los par-
tidos políticos y la oposición, quienes gestionan y hacen posible el retorno de
la Democracia, mediante el desarrollo de manifestaciones o protestas en contra

124 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

del régimen de facto (en el caso de los primeros) y de su reorganización (en el


caso de los segundos). Valoran positivamente, y como situación culminante
de este proceso de lucha ciudadana para la consecución de la democracia, la
realización del referéndum del 5 de octubre de 1988 y la derrota del dictador
en este proceso eleccionario.

REFERENCIAS

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Universidad del País Vasco, 2005.

NOTAS

1
Se recomienda revisar el artículo periodístico VENTURA, 2013.
2
Datos obtenidos del análisis de la tabulación cruzada entre la pregunta referida a ¿Cómo
consideras que se produjo el paso de la Dictadura a la democracia en nuestro país? y la de
Señala el hecho o acontecimiento que consideres más importante del paso de la Dictadura
a la democracia.
3
Datos obtenidos del análisis de la tabulación cruzada entre las preguntas referidas a
¿Cómo consideras que se produjo el paso de la Dictadura a la democracia en nuestro país?
/ Señala el hecho o acontecimiento que consideres más importante del paso de la Dictadura
a la democracia.
4
Datos obtenidos del análisis de la tabulación cruzada entre la pregunta referida a ¿Quiénes
de los siguientes actores o instituciones permitieron el paso de una Dictadura a una demo-
cracia en nuestro país? y la de Señala el hecho o acontecimiento que consideres más impor-
tante del paso de la Dictadura a la democracia.

126 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los Hechos Históricos de la Transición Democrática Chilena

5
La forma de distribución del poder que se conoce como “cuoteo”. Los detalles de esta ne-
gociación incluyen una cuidadosa división de carteras ministeriales entre sus partidos
constituyentes. Los subsecretarios han sido, en general, de un partido diferente (y usual-
mente de un sector ideológico distinto) que el del ministro. Si bien no existe un acuerdo
formal de tal arreglo, la institución informal de entrada de los partidos, extendida en la
toma de decisiones ministerial, ha proporcionado un incentivo para el mantenimiento de la
coalición. Lo que es más, a lo largo de los ministerios, y en particular en los ministerios
“políticos”, cada administración postautoritaria procuró proporcionar una representación
completa de los partidos políticos que integran la Concertación en personales de nivel su-
perior. Estos acuerdos caracterizan la mayor parte de la administración pública e incluso se
extienden a la distribución de los escaños de los candidatos legislativos. Las diferentes fac-
ciones partidistas, dentro de la coalición, también apelan al presidente para situar a una
serie de funcionarios de cada una de las facciones en posiciones de poder en toda la rama
ejecutiva y en otras áreas en las que el presidente realiza nominaciones.
6
“Debe ser motivo de legítima satisfacción para los chilenos, especialmente para los que
tenemos responsabilidades en la conducción de nuestra patria. La forma como ha
transcurrido la vida política, económica y social del país en este período. El tránsito del
largo lapso de régimen autoritario al funcionamiento normal de nuestra convivencia
democrática ha tenido lugar sin traumas ni quebrantos. Chile vive en paz. La gente goza de
libertad. El país progresa. Nuestra estabilidad política, nuestro crecimiento económico y
nuestro desarrollo social suscitan elogios en el exterior.” Citado en OTANO, 2006, p.259-
260. Versión original: Mensaje Presidencial Legislatura 326ª, Ordinaria, Sesión del
Congreso Pleno, en viernes 21 mayo 1993. Disponible en: http://www.camara.cl/camara/
media/docs/discursos/21mayo_1993.pdf.
7
Datos obtenidos del análisis de la tabulación cruzada entre las preguntas referidas a
¿Quiénes de los siguientes actores o instituciones permitieron el paso de una Dictadura a
una democracia en nuestro país? / Señala el hecho o acontecimiento que consideres más
importante del paso de la Dictadura a la democracia.
8
Datos obtenidos del análisis de la tabulación cruzada entre las preguntas referidas a
¿Cómo consideras que se produjo el paso de la Dictadura a la democracia en nuestro país?
/Señala el hecho o acontecimiento que consideres más importante del paso de la Dictadura
a la democracia.
9
Citado originalmente en El Mercurio, 31 dic. 1987.

Artículo recibido el 19 de octubre de 2018. Aprobado el 23 de octubre de 2018.

Junho de 2018 127


Ê
S SI
DO

África en Argentina: enseñando historia


africana en las universidades argentinas
Africa in Argentina: Lecturing African
Historyat Argentinean Universities
Marisa Pineau*

Resumen Abstract
Todavía hoy la Argentina es vista por Argentina is still seen for many people
muchos (tanto a nivel doméstico como (at a domestic and international level) a
internacional) como un país de blancos, s white country, mostly populated by
poblado mayormente por descendientes people of European origin and not con-
de europeos y tomando en poca consi- sidering the participation of aboriginal
deración la participación de los pueblos people, African people and from other
originarios, africanos y de otras regio- parts of the world in the building of the
nes del mundo en la construcción del national state. At the Argentinean na-
estado nacional. Aún con este imagina- tional universities there is interest for
rio social extendido y con diferencias de the studies of African history from the
acuerdo a las coyunturas políticas inter- time of their independences and it is
nas, en las universidades nacionales ar- strong in the XXI century. Here we in-
gentinas hay un interés por los estudios tend to talk about the limits of lecturing
de historia de África que se remonta al African history in Argentina, from the
momento de sus independencias y que experiences developed at the Universi-
se ha consolidado en el siglo XXI. En es- dad de Buenos Aires, with emphasis in
te trabajo nos proponemos reflexionar interculturality, Human rights and ra-
sobre los alcances y los límites de en- cial matters.
señar historia de África en Argentina, a Keywords: Argentina; Africa; History;
partir de las experiencias desarrolladas lectures.
en la Universidad de Buenos Aires, po-
niendo especial énfasis en las discusio-
nes sobre interculturalidad, derechos
humanos y cuestiones raciales.
Palabras clave: Argentina; África; histo-
ria; enseñanza.

* Universidad de Buenos Aires, Facultad de Filosofia y Letras. Buenos Aires, Argentina.


marisapineau@yahoo.com.ar

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 128-138 - 2018


África en Argentina: enseñando historia africana en las universidades argentinas

África en las universidades argentinas

La enseñanza de la historia de África en las universidades argentinas se


introdujo a comienzos de la década de 1960. Esto se debió a varias razones. Por
un lado, las noticias cotidianas en los diarios sobre los avatares de los movi-
mientos anticolonialistas en Asia y África, la creación de nuevos estados y las
expectativas que generaba tanto la conferencia de Bandung como la formación
del bloque de No alineados, generó en muchos universitarios un interés por
conocer qué sucedía en ese presente que se mostraba tan activo. Los procesos
de acceso a la independencia y las posibilidades que se abrían en el mundo de
construcción de nuevos valores para el concierto mundial llevaron a muchos
estudiantes y docentes a acercarse al conocimiento de esas realidades, que hasta
ese momento estaban fuera del curriculum (Rufer, 2007).
Hay que agregar, además, el intenso debate político en el país marcado por
la proscripción del peronismo, el poder de las fuerzas armadas y la inestabilidad
de los gobiernos democráticos por asonadas y golpes militares. Ese periodo es
recordado por muchos como una etapa dorada de la universidad, por ser un
momento muy creativo y constructivo en todas las áreas del conocimiento cien-
tífico y por la búsqueda por parte de los universitarios – tanto de docentes como
de estudiantes – de una vinculación con el resto de la sociedad.
En todas las universidades argentinas los planes de estudio estaban orga-
nizados por una cronología canónica (historia antigua, medieval, moderna y
eventualmente contemporánea) que pretendía dar cuenta de la historia de la
humanidad, aunque estaba centrada fundamentalmente en los desarrollos eu-
ropeos. Este eje se complementaba con el estudio de dos áreas geográficas
particulares, historia americana (casi exclusivamente focalizado en la región
hispanoparlante) e historia argentina, con una organización cronológica que
se iniciaba en la etapa colonial y que no daba cuenta de la historia precolom-
bina. Podemos caracterizar esta organización como una muestra de la “Historia
de Occidente”.
Además de lo señalado, en el caso específico de la carrera de Historia de
la Universidad de Buenos Aires – creada en 1821; con 13 facultades y 300 mil
estudiantes, es la más grande del país –, este currículum restrictivo comenzó
a recibir cuestionamientos en esos años. En parte surgieron del recientemente
creado Centro de Estudios de Historia Social. Este fue un espacio en el que se

Junho de 2018 129


Marisa Pineau

discutía la historiografía de la escuela francesa de Annales y a partir de su in-


fluencia (y también de la historiografía marxista inglesa) se diseñaron líneas
de investigación y de estudio novedosas y se ofrecieron seminarios y cursos
optativos sobre problemas específicos, no incluidos en el plan de estudios. La
cercanía con esas tradiciones historiográficas renovadoras colaboró para co-
nocer los desarrollos sobre historia de África que se estaban trabajando en las
universidades europeas de la época. Sumado a esto, la creación de una nueva
carrera de grado en la misma facultad como la de Ciencias Antropológicas
(1958) con intereses propios en el estudio de sociedades no europeas, favoreció
el interés por la historia de África.
En ese contexto se promovió el estudio de la historia de los nuevos países
africanos, desde el punto de vista de lo político, en el marco de seminarios
específicos. Los temas que aparecían como importantes eran la creación de los
nuevos países, los problemas de la integración nacional y la constitución de los
estados nacionales. La creación de una línea propia (La biblioteca de Asia y
África) en la editorial de la universidad fue un pilar para ampliar ese horizonte.
Con una política editorial de difusión, esta colección estaba destinado no solo
al mundo universitario sino también a un público general, deseoso de asomarse
a estas realidades hasta entonces desconocidas y de saber de sus protagonistas
(Galiana; Pineau, 2012).
Este acercamiento a la historia africana tomó nuevos rumbos en el breve
periodo democrático de 1973-1974. En esos años se renovó la preocupación
de las universidades argentinas por salir de una posición elitista y lograr un
mayor compromiso social y político. De acuerdo a las marcas de época, el
acercamiento se dio con una concepción de Argentina, no como un país con
imagen europea, sino como integrado con América latina y con el llamado
bloque del Tercer Mundo, junto con África y Asia. En ese sentido, en la
Universidad de Buenos Aires se creó el Instituto del Tercer Mundo (Chinchilla,
2015). Se pretendía una vinculación con esos nuevos países con la idea de crear
un espacio independiente y de liberación, en la cual la idea de una descoloni-
zación y una independencia más amplia, que no fuera solo política.
Tras la intervención política de las universidades en 1974-1975 y funda-
mentalmente con la instauración de la dictadura militar tras el golpe de estado
de marzo de 1976, estas experiencias se abandonaron y muchos de quienes las
protagonizaron sufrieron cesantías en sus trabajos y persecuciones. Uno de los

130 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


África en Argentina: enseñando historia africana en las universidades argentinas

objetivos a lograr por la dictadura militar en los ámbitos universitarios era la


despolitización y un riguroso control ideológico en sus aulas. Con una marcada
impronta de los tiempos de la Guerra Fría, todo lo que se pudiera presumir
que era de izquierda debía mantenerse alejado de las aulas universitarias
(Buchbinder, 2016), se consolidó nuevamente la historia del mundo occidental
como única posibilidad sin espacio para el desarrollo de la historia de África.
El regreso de la democracia se tradujo en cuestionamientos de los planes
de estudios de las universidades nacionales vigentes. En un ambiente intelec-
tual abierto y plural y con la libertad de cátedra garantizada, fue posible discutir
el eurocentrismo imperante y se retomaron entonces las ideas de sumar dis-
tintas materias optativas que habilitaran la posibilidad de salir de un plan de
estudios en el que la historia del mundo occidental tenía la hegemonía. En la
Universidad de Buenos Aires, esta apertura permitió darle legitimidad a la
historia de África en el nuevo curriculum establecido en 1985 e incorporarla
por primera vez como materia en la enseñanza continua.

Homogeneidad cultural y reivindicaciones


frente al blanqueamiento

Como ya se señaló antes, los planes de estudio de las carreras de Historia


de las universidades argentinas tienen una marcada orientación eurocéntrica.
A partir de una formación que ubica su atención en los desarrollos históricos
de las sociedades europeas a través del tiempo – ya que los contenidos mínimos
se basan en los procesos de las zonas adyacentes al Mar Mediterráneo para la
historia antigua y en Europa occidental y central para las otras edades – ésta
se complementa con asignaturas dedicadas a las historias argentina y
americana.
Para entender estos ejes, hay que buscar una perspectiva más amplia que
la del ámbito universitario y tiene que ver con el predominio del paradigma
europeo en el imaginario cultural de los argentinos. Este paradigma ha sido
fuertemente cuestionado en muchos campos pero no ha sido descalabrado de
manera definitiva y la convicción de la riqueza y diversidad étnica y cultural
del país no se termina de consolidar. Si se toma en consideración el punto de
vista de la legalidad, la Constitución nacional, en su reforma de 1994, es con-
cluyente: en su artículo 75 inciso 17 estableció la “preexistencia étnica y

Junho de 2018 131


Marisa Pineau

cultural de los pueblos indígenas argentinos”, reconoció sus derechos “sobre


las tierras que tradicionalmente ocupan” y garantizó “el respeto a su identi-
dad”. La academia, por su parte, en distintos estudios han dado numerosas
muestras de la historia indígena del país, así como de las diferentes corrientes
migratorias recibidas a lo largo del tiempo. Se mantiene la idea de que única-
mente fueron surgidas de Europa, aunque esta predominancia solo se verifica
entre fines del siglo XIX y comienzos del XX y se invisibilizan los aportes de
muchas otras corrientes migratorias, que se originaron en lugares variados que
van desde Líbano, y Siria, pasando por China y Japón y en un grado muy im-
portante, de países de Sudamérica, sobre todo de Uruguay, Bolivia, Chile y
Paraguay (Novick, 2012). Sin embargo, el paradigma de la homogeneidad ra-
cial y social de la sociedad argentina creado en el siglo XIX sigue vigente.
(Quijada et al., 2000).
En este proceso de blanqueamiento cultural que señalamos, es particular-
mente significativa la invisibilización de la población africana y afrodescen-
diente en el imaginario social. Además del desarrollo importante de trabajos
de investigación en los últimos tiempos que dan cuenta se la historia de los
afrodescendientes en el país, hay que decir las organizaciones afro han logrado
en 2013 la sanción de la ley 26852 que declara al 8 de noviembre Día nacional
dedicado a las y los afroargentinas/os y a la cultural afro. Aun así la historia de
la población argentina de origen africano está prácticamente ausente de la
enseñanza de la historia nacional, tanto en escuelas como en universidades. En
el mejor de los casos, queda acotada al estudio de la esclavitud en tiempos
coloniales y a su participación en las guerras de independencia de comienzos
del siglo XIX (Fantino, 2013).

La historia de África en la Universidad de Buenos Aires

A diferencia de otras experiencias nacionales, como la de Brasil, en la que


las demandas por la instalación del reclamo por la enseñanza de historia de
África en todos los niveles educativos formó parte de una agenda política de
reafirmación de la identidad afro, en Argentina su incorporación responde a
otros desarrollos. A partir de 1983 en la Universidad de Buenos Aires con la
instauración de la democracia en el país, la reforma que significó abrir ese
curriculum y sumar en él materias que den cuenta de la historia de África fue

132 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


África en Argentina: enseñando historia africana en las universidades argentinas

una transformación que se generó en el interior de las mismas universidades,


en uso de su autonomía y de la libertad de cátedra. Fue un proceso de apertura
generado por investigadores, profesores y estudiantes mancomunados que se
interesan por África y que, además, algunos de los cuales acompañan a los
movimientos afro (Frigerio; Lamborghini, 2010).
En este sentido, hay que explicar algunas particularidades de la inclusión
de esta materia en la Universidad de Buenos Aires. Por un lado, ésta fue una
consecuencia de diversas personas (profesores, estudiantes, graduados) inte-
resadas en la temática por África que propusieron y fomentaron su incorpo-
ración. Para algunos, por intereses políticos de vinculación de Argentina con
otros países del Sur, más por una idea de solidaridad tercermundista que por
afanes identitarios; otros por la legítima ambición de incluir nuevos conoci-
mientos en un plan de estudios circunscripto a una región del mundo, que
reproducía el esquema decimonónico de que solo los europeos y sus descen-
dientes tenían Historia y dejando para otras disciplinas el estudio de las socie-
dades no europeas. Retomando las orientaciones desarrolladas en la década de
1960 que fueron mencionadas antes, dos décadas más tarde estas propuestas
tuvieron eco. La institución mostró una buena recepción que permitió esta
apertura, con la aceptación de la existencia de la disciplina, de la historia de
África. Y si esto fue posible es por una inclinación universalista de dar cuenta
del mundo en su conjunto, en un afán de enciclopedismo, una marca que tiene
la enseñanza de la historia no solo en la Universidad de Buenos Aires sino en
el conjunto de las universidades de Argentina. Esta orientación se hace eviden-
te en que en todas ellas la historia de África está acompañada de la de Asia. Los
nombres de las asignaturas pueden variar de “Historia de Asia y África”, como
en la Universidad de Buenos Aires o en la Universidad Nacional de La Plata,
a “Mundo actual afroasiático”, como en la de la Patagonia. Desde un punto de
vista epistemológico se las piensa a ambas desde el orientalismo, como socie-
dades adyacentes y asimilables, comparables entre sí para los estudiantes ar-
gentinos, asemejadas por la experiencia de haber sufrido un pasado colonial.
En esta postura hay una sola excepción que merece ser señalada porque de-
muestra otra perspectiva: en la Universidad Nacional de General Sarmiento
desde 2012 la historia de África es una materia de carácter obligatoria y autó-
noma (hay otra dedicada a la historia de Asia), tanto en la carrera de grado
como en su Maestría en Historia Contemporánea.

Junho de 2018 133


Marisa Pineau

En la carrera de Historia de la Universidad de Buenos Aires existen dos


materias cuatrimestrales dedicadas a la historia de África, ambas optativas.
Una de ellas se llama “Historia de la Colonización y Descolonización”, para
los estudiantes de primer año, y la otra, “Historia de Asia y África contempo-
ráneas”, que se ofrece en el último año de la carrera. Ante la falta de contenido
mínimos obligatorios y por mis propios intereses de investigación y de en-
señanza, la Historia de África ocupa un lugar preponderante en los respectivos
programas (entre un 75 y un 80% de los temas incluidos).
En ambas materias hemos orientado los programas con una perspectiva
de Derechos Humanos. La selección de los contenidos actuales de las asigna-
turas dedicadas – parcialmente – a la Historia de África de la UBA presenta un
rasgo mayoritario centrado en el estudio de la lucha de las sociedades africanas
en pos de la conquista de derechos tanto desde el incipiente desarrollo del
concepto en el siglo XIX y la lucha para poner fin a la trata de esclavos y a la
esclavitud, como su posterior expansión con la Declaración Universal adop-
tada por la ONU en 1948 y con la aceptación internacional del derecho a la
autodeterminación de los pueblos (y sus implicancias para el desarrollo de su
vida independiente). Tomando en cuenta la riqueza y particularidades de la
historia de África a lo largo del tiempo, pero sobre todo en los últimos dos
siglos, decidimos centrarnos en una mirada no racista y no sexista, de respeto
de la diversidad, de diálogo intercultural y respeto a los derechos humanos.
Los estudiantes llegan a la universidad con casi nulos conocimientos pre-
vios de la historia africana y de su geografía. Pero esto no significa que no
tengan imágenes, estereotipos y preconceptos sobre el continente. Con expre-
siones comunes y demasiado trilladas, cuando hablan de África la explican
como la tierra de las tinieblas, del atraso, de las hambrunas, de la vida en estado
salvaje y de pura naturaleza, como una confusión de países con fronteras arti-
ficiales donde mal conviven tribus y culturas atávicas que hablan una multi-
plicidad de lenguas. Queda para otro trabajo hacer un análisis profundo de ese
conjunto de representaciones – peyorativas sin proponérselos explícitamente,
ingenuas y erradas en la mayoría de los casos – como una de las formas pecu-
liares del racismo estructural vigente en la sociedad argentina. Frente a este
desconocimiento, al inicio del curso nuestra tarea es proponerles una mirada
distinta sobre África en sus aspectos más básicos, para posteriormente dar
cuenta de una cronología de los acontecimientos más relevantes y analizar los

134 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


África en Argentina: enseñando historia africana en las universidades argentinas

procesos destacados de la historia africana, por su lógica propia y por las co-
nexiones establecidas con otras sociedades.
El objetivo es adentrase en la historia africana desde una perspectiva cen-
trada en África y pensarla desde un punto de vista particular, que es desde
Argentina, un país sudamericano, que no está en el centro del mundo sino que
forma parte de lo que podemos llamar el Sur global, cuya sociedad también
pasó por la experiencia colonial en el pasado, por la búsqueda de la indepen-
dencia y por las dificultades de construcción de un estado nación y de una
economía viable. Esta situación permite autonomía epistemológica y difiere
de los países europeos, ya que aquí no está la carga – real y simbólica – de ser
un país colonizador ni de tener la necesidad de “traducir África” (Comaroff;
Comaroff, 2013, p.32).
Para lograr esa meta, la selección de los textos de lectura obligatoria para
su análisis individual y debate en las clases ocupa un lugar muy importante. Se
procura incorporar textos escritos en libros y revistas especializados por auto-
res africanos. Esto no significa que se dejen de leer publicaciones – clásicas y
contemporáneas – de otros orígenes, pero buscamos dar visibilidad a una va-
liosa producción académica que es ignorada en Argentina y en general en el
mundo hispano parlante.
En la primera de las materias, nos abocamos al estudio de la expansión
marítima europea, de la colonización de distintas partes del mundo y de las
descolonizaciones del siglo XX no como procesos inevitables, sino como con-
tingencias que deben ser analizadas en sus contextos particulares. Nos interesa
indagar en los modos en que se fue modelando el mundo desde el siglo XV
bajo un orden imperial y de jerarquía racial, en la cual Europa y los hombres
blancos se colocaron en la cima. Y también dar cuenta de que, no por un des-
tino predestinado e ineludible, sino por desarrollos históricos peculiares en las
colonias y en las metrópolis se llegó a los procesos de independencia.
Uno de los temas destacados del programa es el de la trata atlántica de
esclavos. Se subraya ahí la cuestión de los alcances de la esclavitud, la deses-
tructuración de las sociedades africanas, las consecuencias sociales y económi-
cas en las sociedades esclavistas y que se organizaron alrededor del trabajo
esclavo. El humanitarismo y las disputas por lograr la abolición de la esclavitud
en el siglo XIX y la memoria en las sociedades contemporáneas son otros de
los aspectos analizados.

Junho de 2018 135


Marisa Pineau

Los temas de la historia reciente son abordados en “Historia de Asia y


África contemporáneas”. Partiendo de la década de 1960, se eligen distintos
contenidos de la historia social y política. Uno de ellos es el estudio de procesos
traumáticos particulares como fueron las guerras de Biafra, la del Congo y la
de Mozambique y el genocidio de Ruanda. Otro tema relevante es el régimen
del apartheid en Sudáfrica y los problemas de la construcción de una demo-
cracia. En todos estos casos, además de los contenidos específicos, se estudian
las consecuencias que estos desarrollos tuvieron en sus respectivas sociedades
y en los países vecinos, así como los diferentes caminos elegidos para la supe-
ración de estos conflictos (justicia transicional, justicia internacional, comisio-
nes de verdad, amnistía). Otros temas sensibles estudiados son la autoctonía y
la cuestión de los límites de la ciudadanía política, la supremacía blanca y el
racismo estructural y las migraciones contemporáneas.

A modo de conclusión. ¿Por qué enseñar historia


de África en las universidades argentinas?

La Historia como disciplina y su enseñanza no son ajenas al tiempo en


que acontecen. La Historia de África relaciona de manera muy particular las
cuestiones académicas con los tiempos políticos. Así su propio surgimiento e
institucionalización en distintas universidades en la década de 1960 convive y
está ligada con el auge de los movimientos nacionalistas en el continente, con
la creación de los nuevos estados y con la solidaridad que se generaba frente a
estos procesos en jóvenes idealistas de todo el mundo. Frente a la idea hege-
mónica de que África no tenía historia, quienes promovieron la enseñanza de
la historia de África fomentaban también la posibilidad de una sociedad sin
jerarquías raciales (Lonsdale, 2005). Sin que hubiera antecedentes previos de
vinculación entre el ámbito académico y las organizaciones internacionales,
hasta la Unesco asumió la tarea de realizar una Historia General de África bajo
el comando del historiador Joseph Ki Zerbo (Lima, 2012). A la distancia y en
su propia escala, la trayectoria de la enseñanza de la Historia de África en la
Universidad de Buenos Aires es comparable.
Como ya señalamos, la pretensión cosmopolita de la Universidad de
Buenos Aires explica en buen grado el porqué de la incorporación de materias
de grado dedicadas al estudio de la historia de África en la carrera de Historia.

136 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


África en Argentina: enseñando historia africana en las universidades argentinas

Estas materias, aunque no estén dedicadas por completo a la historia africana


y apelando a un afán universalista actúan como una enmienda en un curricu-
lum clásico y eurocéntrico, permiten muchas posibilidades de acción a los
docentes. Por un lado, nos habilita a brindar a los estudiantes contenidos y
conocimientos sobre sociedades invisibilizadas en el sistema educativo argen-
tino y acercarlos a valorar otras tradiciones teóricas, que no son las occidenta-
les. También, proponerles desarticular un mapa del mundo imaginado, muchas
veces reducido, fruto de una perspectiva dominante eurocentrada. No resulta
menos importante que nos permite sensibilizar en asuntos difíciles, que siguen
vigentes y que son poco abordadas en otras materias – fundamentalmente el
racismo y las cuestiones ligadas a lo racial – a quienes en un futuro próximo
serán profesores e investigadores.

REFERENCIAS

BUCHBINDER, Pablo. La Universidad de Buenos Aires bajo la dictadura: una aproxi-


mación a través del estudio del perfil, discurso y pronunciamientos públicos de
dos de sus rectores. CIAN – Revista de Historia de las Universidades, Buenos Aires,
v.19, n.2, p.153-173, 2016.
CHINCHILLA, Julieta. El Instituto del Tercer Mundo de la Universidad de Buenos
Aires (1973-1974). Iconos, v.19, n.51, p.47-63, 2015.
COMAROFF, Jean; COMAROFF, John L. Teoría desde el Sur: o cómo los países cen-
trales evolucionan hacia África. Buenos Aires: Siglo XXI, 2013.
FANTINO, Juan Francisco. La presencia de África en los Diseños Curriculares de
Ciencias Sociales e Historia para el nivel secundario bonaerense. Clio y Asociados,
La Plata, v.17, p.137-161, 2013. Disponible en: http://www.memoria.fahce.unlp.
edu.ar/art_revistas/pr.6213/pr.6213.pdf.
FRIGERIO, Alejandro; LAMBORGHINI, Eva. Criando um movimento negro em um
país ‘branco’: ativismo político e cultural afro na Argentina. Afro-Ásia, Salvador,
v.39, p.153-181, 2010.
GALIANA, Sergio; PINEAU, Marisa. La Biblioteca de Asia y África. In: AA.VV. Libros
para todos: colecciones de EUDEBA bajo la gestión de Boris Spivacow (1958-
1966). Buenos Aires: Ed. Biblioteca Nacional, 2012.
LIMA, Mônica. A África tem una história. Afro-Ásia, Salvador, v.46, p.279-288, 2012.
LONSDALE, John. How to Study Africa: From Victimhood to Agency. Open
Democracy, 31 Aug. 2005.

Junho de 2018 137


Marisa Pineau

NOVICK, Susana. Migraciones y políticas públicas: nuevos escenarios y desafíos.


Buenos Aires: Catálogos/Universidad de Buenos Aires, 2012.
QUIJADA, Mónica; BERNAND, Carmen; SCHNEIDER, Arnd. Homogeneidad y naci-
ón: con un estudio de caso: Argentina, siglo XIX y XX. Madrid: CSIC, 2000.
RUFER, Mario. Universidad, sociedad y trayectoria: entrevista a Celma Agüero.
Cuadernos de Historia Serie Ec. Y Soc., Córdoba: CIFFyH-UNC, n.9, p.213-228,
2007.

Artículo recibido el 29 de enero de 2018. Aprobado el 27 de agosto de 2018.

138 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


DO
SS

Ensino de história e temas sensíveis:


abordagens teórico-metodológicas
Teaching of History and Sensitive Topics:
Theoretical-Methodological Approaches
Carmem Zeli de Vargas Gil*
Jonas Camargo Eugenio**

Resumo Abstract
O propósito deste artigo é apresentar The purpose of this article is to present
reflexões sobre o trabalho com temas some reflections on working with sensi-
sensíveis no contexto do ensino (disci- tive topics within teaching (History
plina de Estágio de Docência em Histó- teaching internship) and research (Pro-
ria) e da pesquisa (dissertação de Mes- fessional Masters in Teaching History
trado Profissional em Ensino de dissertation) contexts. The writing is pre-
História). Apresentamos a escrita na sented in the form of a dialogue written
forma de um diálogo a muitas mãos que by various people in an attempt to un-
busca compreender os sentidos atribuí- derstand the meanings attributed by the
dos pelos atores em relação ao processo actors-in-relation to the process experi-
vivido em aulas de História. Essa forma enced in History classes. This form of
de escrita se sustenta também na con- writing is also supported by the concep-
cepção de que a abordagem de temas tion that dealing with sensitive topics
sensíveis reivindica um registro o mais calls for a pluralistic register, allowing
plural possível, permitindo que diferen- different voices to present themselves in
tes vozes se apresentem no diálogo: a the dialogue: teachers, students, univer-
professora, o professor, alunos/as, aca- sity students and selected authors.
dêmicos/as e autores/as escolhidos/as. Keywords: sensitive issues; History clas-
Palavras-chave: temas sensíveis; aulas de ses; migrations; History teaching.
história; migrações; ensino de história.

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil. carmemz.
gil@gmail.com
** Mestre em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS,
Brasil. camargo.jonas@gmail.com

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 138-159 - 2018


Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

Temas sensíveis e aulas de História

Este artigo1 reúne três propósitos: primeiro, indicar algumas indagações


a respeito de temas sensíveis no contexto da formação de professores de
História, com base em vivências relacionadas ao Curso de História da UFRGS;
segundo, compartilhar uma experiência de pesquisa com alunos da Educação
Básica, abordando um tema considerado sensível pela produção acadêmica e
parte da sociedade brasileira: o preconceito e as migrações atuais de senegaleses
no Rio Grande do Sul; terceiro, pensar, com base nos dois pontos anteriores,
as finalidades da História na escola. A investigação foi realizada e orientada
pelos autores deste texto, no âmbito do Mestrado Profissional em Ensino de
História da UFRGS. Na trama das vivências em docência, pesquisa e orienta-
ção, emergem algumas inquietações que compartilhamos nesta escrita a muitas
mãos. Buscaremos sintetizar nossas ideias em três notas:

Nota I

Entrar em contato com a história das ditaduras de segurança nacional instaura-


das na América Latina, percebendo a violência praticada deliberadamente pelos
Estados através da documentação de Carlos Gutierrez, amplia a dimensão do
terror vivido pelas vítimas. Nesse momento, quando os estudantes percebem o
desespero de Gutierrez e a forma pela qual pode evitar sua prisão e retorno ao
Brasil, surgem tensionamentos, comentários, reflexões. Antes mesmo dos enca-
minhamentos finais da oficina, quando os estudantes respondem algumas per-
guntas para esquematizar o que conseguiram compreender a partir dos debates e
análises das documentações, fui interpelada por esta conclusão: “Para alguém
sofrer todas essas sevícias, não poderia haver Direitos Humanos?”. Tão logo o
grupo começou a problematizar esse questionamento, o mesmo estudante pros-
seguiu: “Mas meu pai sempre diz que nessa época era muito bom, era só não
andar na rua, não se meter em confusão. Nessa época não tinha corrupção, nem
bandidagem como a gente vê hoje”. (Cardoso, 2016)

Escolhemos começar esta nota com reflexões de uma professora em for-


mação que, em determinado momento de seu estágio, se viu em uma situação
que lhe exigia mudar a rota, reunir informações e tentar estabelecer um diálogo
com as certezas de seu aluno. Impactada com a afirmação, ela ficou em silêncio

140 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

tempo suficiente para que outro aluno tomasse a palavra: “Não, cara, meu pai
diz justamente o contrário, que nessa época nada era permitido, nem mesmo
conversar na rua. Tudo era motivo para ser preso e torturado. Não dava pra
discordar do governo”. Agradecida, ela retomou a discussão:

Num primeiro momento, senti dificuldade em contra-argumentar com o aluno


que defendia as memórias do pai em apologia ao período ditatorial, contando
com a ajuda da professora orientadora do estágio, que assistia à oficina e propôs
indagações. O caminho encontrado para dar vazão ao embate de memórias e
percepções previamente constituídas foi, justamente, retomar a análise docu-
mental, refletindo sobre a impossibilidade de se noticiar ou denunciar tais práti-
cas criminosas do Estado, retomando aspectos da repressão para além das
torturas e prisões.

No exercício cotidiano da docência, sempre pode surgir uma afirmação


de aluno que faz a professora questionar sua preparação para o exercício da
profissão. Um tema gera uma controvérsia e se torna mais sensível do que já
é, indicando a necessidade de interrogar: Quais são esses temas? Para quem
são sensíveis? Com que fins abordá-los em aulas de História? São sensíveis em
si, ou se tornam sensíveis dependendo do encaminhamento do professor e das
necessidades dos alunos?
Na escola, não só no Brasil (falamos aqui na América Latina), por muito
tempo teve relevância uma História oficial com a qual se intentou construir
um sentido de identidade para o projeto de nação em curso, cuja meta era
formar o patriota defensor dos valores universais “branco, católico e masculi-
no”. Portanto, tradicionalmente, o ensino da História legitimou as pretensões
dos dirigentes políticos. Hoje, vivemos em uma tensão permanente para não
ensinar uma história universalista, centrada em homens, etnocêntrica, elitista
e preocupada com os objetivos políticos dos acontecimentos. Cada vez mais a
escola é chamada a ensinar o trauma, a injustiça, o preconceito e o sofrimento
de forma que alunos e professores possam se encontrar com os debates que se
apresentam na produção da história. Acreditamos que a História escolar pode
contribuir no tensionamento das condições que tornaram possíveis o racismo,
a violência e a desigualdade e, a partir disso, permitir a reflexão sobre o que
nos configura hoje como nação.

Junho de 2018 141


Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

O que é uma questão sensível? Mével e Tutiaux-Guillon (2013) dizem que


as escolhas didáticas são escolhas políticas e que a liberdade do professor é a
de fazer escolhas.2 Os autores indicam que, desde a década de 1990, o debate
nomeia os temas sensíveis como: “questões quentes”, “sensíveis” ou “difíceis”,
“vivas” ou “controversas”, “socialmente vivas”... Em outro texto, Tutiaux-
Guillon define questão sensível como aquela carregada de emoções, politica-
mente sensível, intelectualmente complexa e importante para o presente e o
futuro em comum. Geralmente, implica o confronto de valores e interesses e
pode ser, para um grupo, um constrangimento na tomada de decisões. Talvez
fosse interessante abordar os temas sensíveis com a especificidade de estarem
relacionados à violação de direitos humanos, embora uma questão pode ser
controversa exatamente por isso. Mas um tema pode gerar controvérsia sem,
necessariamente, envolver situações extremas de violência.
Nesse sentido, Benoit Falaize (2014, p.228), inspirado nos estudos de
Legardez e Simonneaux (2006), informa que um tema de ensino é vivo quando
é uma questão para a sociedade, presente nas mídias e objeto de controvérsia,
quando está relacionado aos debates da disciplina ou, ainda, quando determi-
nada questão é “delicada em sala de aula, quando o próprio professor pode ser
colocado em dificuldade no que diz respeito aos conhecimentos necessários
para ensinar, ou em função das reações dos alunos”.
Já Verena Alberti (2014, p.2) cita o relatório da Associação de História da
Inglaterra sobre o ensino de temas sensíveis ou controversos para destacar que
sua abordagem implica o reconhecimento de injustiças que foram cometidas
no passado contra pessoas ou grupos, provocando o choque de diferentes ver-
sões do passado ensinado na sala de aula com memórias familiares ou comu-
nitárias: “observa-se que estamos no terreno das memórias em disputa, que
tem na escola um de seus palcos políticos talvez mais evidentes”.
O conceito de passado sensível também nos ajuda a ampliar a abordagem
de temas sensíveis ou controversos no ensino. Para os autores, um passado
pode ser sensível em razão

do autoritarismo (como as ditaduras militares no Brasil e na América Latina); ou


por elementos discriminatórios e racistas (como o governo de apartheid da
África do Sul); ou por um passado marcado por violência traumática (como atos
de genocídio e guerra civil). São temas sensíveis não apenas porque é difícil falar

142 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

sobre eles, mas, principalmente, porque não há ainda, na maioria dos casos, um
consenso da sociedade sobre o que dizer e como falar sobre esse passado. Em
muitos casos, os processos de memória, trauma e reparação ainda estão em cur-
so, e diferentes versões ainda estão em disputa – tanto na memória como na his-
tória. (Araujo et al., 2013, p.9)

Benoit Falaize (2014) afirma que, na França, há 20 anos, houve uma “vi-
rada memorial”, quando o ensino de questões sensíveis da História passou a
fazer parte dos debates escolares, públicos e políticos. A sociedade foi chamada
a examinar as omissões ou amnésias nacionais nos conteúdos de História, de
forma que o ensino de temas delicados passou a compor a nova agenda escolar,
na contramão da ordem escolar construída para consolidar a história
nacional.
No Brasil, alguns temas sensíveis seguem na esteira das lutas de diferentes
grupos em busca de legitimidade para suas histórias e memórias, questionando
a homogeneização que marca a ideia de nação. Junto a isso, os grupos buscam
ampliar a representação política, e a luta por direitos faz emergir demandas
identitárias. Ou seja, é uma luta que reivindica lembrar, manter viva uma me-
mória e reparar o silêncio e as simplificações na narrativa histórica. Assim, a
dita unidade nacional tem sido questionada – não sem resistência –, dando
visibilidade a uma sociedade que é multicultural. Tal fenômeno tem provocado
debates sobre o currículo da História ensinada de forma que se possa construir
materiais didáticos, rituais comemorativos e práticas curriculares na perspec-
tiva da justiça e dos direitos humanos.
Emergem, nesse contexto, novas abordagens e conteúdos que promovem
uma ruptura com o passado da História escolar, cuja função primeira no cur-
rículo era moral. Ao mesmo tempo, temos uma situação nova de constrangi-
mento aos professores que orientam suas aulas por demandas do tempo
presente. Acusados de doutrinadores, os professores se veem atacados por
diferentes segmentos sociais como a família, a mídia, as religiões e, também, o
Estado, embora saibamos que a educação voltada para o exercício da cidadania
ativa impõe, necessariamente, o estudo de temas sensíveis e controversos que
ultrapassam a mera inclusão dos problemas do tempo presente nas aulas de
História, conforme orientam os próprios documentos legais.

Junho de 2018 143


Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

Sabemos, porém, que nem toda questão sensível para a sociedade ou assim
considerada pela historiografia o é, necessariamente, para os estudantes. Se
alguns temas são controversos pelo conteúdo que abordam, outros apenas o
são em função dos contextos em que são trabalhados, como a escola. Tal como
ocorreu com o comentário de um aluno (“Mas meu pai sempre diz que nessa
época era muito bom...”), ele gera uma controvérsia e se torna uma questão
delicada, seja porque contrapõe os saberes da disciplina, seja porque coloca ao
professor uma dificuldade na abordagem do conteúdo em função das reações
dos alunos. O que fazer nesse caso? Ignorar e seguir a aula tal como estava
previsto? Alguns professores escolhem esse caminho, até mesmo para ganhar
tempo e pensar sobre um encaminhamento adequado.
De certa forma, o comentário suspende a aula enquanto espaço de apre-
sentação dos acontecimentos e desloca o professor para um espaço de decisão:
como seguir a aula de forma a não ficar no relativismo, contrapondo diferentes
opiniões? Como abrir-se ao inesperado, acolher o debate e fugir do consenso
que exclui as dúvidas e as controvérsias? O comentário do aluno é, também,
uma pista para o professor sobre os sentidos construídos pelos alunos a res-
peito do conteúdo que está sendo abordado. Assim, parece que a dificuldade
do professor ao trabalhar com temas sensíveis se associa à compreensão dos
conteúdos e à sua própria postura. Temos, então, uma questão didática, pois
envolve tomar decisões políticas e pedagógicas, e consideramos que a relação
entre ambas é dialética, não de influência mútua.
Mével e Tutiaux-Guillon (2013) indicam três considerações importantes
sobre temas sensíveis nas aulas, visto que não se aborda tais temas com uma
aula expositiva ou a apresentação de alguns documentos. Isso demanda tempo,
estratégia pedagógica, escuta e sensibilidade. São elas:

1. Ancorar as discussões nos saberes das disciplinas. No caso das aulas de


História, os autores indagam como o historiador lida com as controvérsias,
visto que os saberes produzidos pelos historiadores são atravessados por ques-
tões controversas. A proposta é a reconstrução da problemática mediante a
seleção, classificação e interpretação de evidências para que o aluno realize a
investigação e construa, então, uma versão a partir do que foi estudado. Isso
implica não só assumir uma posição diante de um fato e construir uma reflexão

144 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

argumentada, mas também aprender com e sobre a investigação histórica.


Segundo os autores

o estudante desenvolve suas competências, particularmente sua capacidade de


gerir informações diversas, por vezes contraditórias, vindas de um dossiê docu-
mental, e aprende a pesar os argumentos em sua natureza (quais saberes, qual sua
origem, seriam crenças, são convicções?) ou em seus fundamentos (reivindica-
ções, objetivos, posição social ou política?). (Mével; Tutiaux-Guillon, 2013, p.82,
trad. nossa)

Foi nesse percurso que seguiu a estagiária quando deparou com o comen-
tário do aluno a respeito das memórias de seu pai sobre a ditadura militar no
Brasil. O caminho escolhido pela estagiária foi o de retomar a análise docu-
mental, refletindo sobre a impossibilidade de se noticiar ou denunciar tais prá-
ticas criminosas do Estado, retomando aspectos da repressão para além das
torturas e prisões. Porém, ficam em aberto as interrogações de Benoit Falaize:

Como falar sobre as feridas aparentes ou simbólicas das populações feridas, sem
ignorar o frio (e necessário) distanciamento dos fatos e dos documentos por ve-
zes em contradição com as memórias tais como elas são transmitidas de geração
em geração e tais como podem expressar‐se em sala de aula? O conceito de “me-
mórias traumáticas” tem sentido? (Falaize, 2014, p.230)

Assim, os temas sensíveis são potentes para ensinar História, pois não
envolvem um ponto de vista universal e, nesse sentido, são desafiadores e re-
levantes. Mas não somente isso. Há outra dimensão de sua abordagem que se
soma à complexidade de seu tratamento em sala de aula: eles envolvem per-
tencimentos, identidades e prioridades em conflito, suscitam emoções.

2. Organizar o trabalho na aula tendo a controvérsia como estratégia di-


dática e, com isso, abrir mão da aprendizagem como certeza, da aula como
exposição organizada de conteúdos e da concepção de estudantes como aque-
les que não têm conhecimentos para o debate. Ao organizar o trabalho peda-
gógico, os autores recomendam que a controvérsia científica se torne rotina
na sala de aula, propiciando ao aluno espaço para a exploração de diferentes
facetas de um problema e o debate argumentado, diferente daquele que impõe

Junho de 2018 145


Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

a defesa de um ponto de vista predefinido para cada participante, visto que o


importante é a reflexão argumentada. Para Mével e Tutiaux-Guillon (2013),
abordar controvérsias significa inventar outra sala de aula de História, mais
interessada nas implicações do passado no presente: “abrir a sala de aula às
controvérsias é partir de conflitos situados em seus contextos e entrar numa
verdadeira pesquisa sobre os saberes (daí a questão: por que eles estão acessí-
veis, disponíveis?) e sobre seus usos públicos”.
No caso brasileiro, temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica, documento que reúne uma série de resoluções e pareceres,
organiza o trabalho pedagógico na escola e, portanto, aponta a necessidade
urgente de inclusão no currículo de

questões de classe, gênero, raça, etnia, geração, constituídas por categorias que se
entrelaçam na vida social – pobres, mulheres, afrodescendentes, indígenas, pes-
soas com deficiência, as populações do campo, os de diferentes orientações se-
xuais, os sujeitos albergados, aqueles em situação de rua, em privação de
liberdade – todos que compõem a diversidade que é a sociedade brasileira.
(Brasil, 2013, p.16)

Mas há projetos tramitando na Câmara dos Deputados (PLS 193/2016,


PL 1411/2015 e PL 867/2015) – escolho não escrever o nome aqui – que tentam
excluir das salas de aula discussões sobre homossexualidade e gênero, consi-
derados “conteúdos conflituosos” com as convicções religiosas ou morais das
famílias. Desafios postos ao fazer docente hoje! Tempos difíceis.

3. Estudar estratégias para considerar as emoções que são mobilizadas na


abordagem de questões sensíveis. No século XX, parece que a História ganhou
ares de tragédia com tantos acontecimentos que causaram sofrimento indivi-
dual, familiar e coletivo. E o século XXI se anuncia com o grande deslocamento
populacional que vem ocorrendo no mundo e traz consigo elementos traumá-
ticos para o presente. Diante disso, como ensinar História sem mobilizar emo-
ções? Ou como integrar essa dimensão na preparação das aulas com temas
sensíveis? Para Mével e Tutiaux-Guillon (2013, p.81, trad. nossa),

Duas formas de trabalho merecem ser evocadas: a primeira consiste em identifi-


car com os estudantes as emoções que emergem na aula (cólera, empatia,

146 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

piedade, vergonha, admiração, ansiedade, compaixão, culpa, medo, exasperação,


humilhação, desprezo, rancor, ressentimento etc.) e que constituem uma objeti-
vação das emoções, primeiro passo para se colocar à distância ... Pode-se perse-
guir este questionamento: tal emoção permite compreender melhor esse assunto?
Ou, ao contrário, ela dificulta a busca de explicação?

Outra recomendação dos autores é abordar “as emoções com assuntos me-
nos sensíveis (escravidão na Antiguidade, guerras de religião no século XVI, uma
catástrofe longínqua...) a fim de preparar estudantes e professor para a gestão
das emoções mais vivas”. Nesse sentido, o trabalho com temas sensíveis/questões
controversas demanda tempo, pois, nesse caso, é “também progredir nas con-
trovérsias que implicam menos os adolescentes (a escravidão antiga é necessária
à cidadania? As guerras de religião são apenas guerras sobre crenças? Essa catás-
trofe poderia ser evitada?) em direção a debates mais avançados”.
Assim, se no caso francês (Mével; Tutiaux-Guillon, 2013; Falaize, 2014) o
ensino de temas sensíveis e questões controversas se volta para pensar em
como falar sobre o horror do sistema de extermínio (como abordar a Shoah
na sala de aula?), no caso brasileiro é pertinente pensar também a pobreza e a
violência. Dito de outra forma, como ensinar em escolas controladas por mi-
lícias, escolas onde qualquer movimento diferente leva os alunos a automati-
camente se jogarem no chão, escolas com toque de recolher, escolas em que o
professor recém-chegado é consolado pelos alunos diante da violência do en-
torno e, finalmente, a escola como o espaço do medo?
A escola pública brasileira está inserida em um contexto sensível em fun-
ção da violência, das desigualdades sociais, das lutas pelo reconhecimento de
grupos invisibilizados na história nacional e, mais recentemente, dos ataques
à profissão docente com projetos reacionários que buscam “vigiar e punir” os
professores. Queremos, portanto, pensar os temas sensíveis com base em ques-
tões vivas para a sociedade, controvérsias na historiografia, temas constrange-
dores para determinados grupos sociais, difíceis no contexto da escola, que
possam, queremos crer, produzir esperança nas salas de aula. Não se trata
somente de outra forma de se aproximar dos conteúdos de História, mas de
considerar os sujeitos para os quais se ensina História e seus contextos de vida,
marcados pela violência e pela desigualdade social, além do contexto de quem
ensina, marcado pelas perseguições e pela desumanização.

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

Nota II
Sobre uma investigação em andamento…

Após diversos contatos com a comunidade da Lomba do Pinheiro, buscando en-


contrar entre os migrantes haitianos atendidos pelos frades franciscanos alguns
que estivessem dispostos a conversar comigo para o meu projeto de mestrado, fui
apresentado à Karina. A assistente social da paróquia havia me dito apenas sua
idade, 37 anos, e que era mãe de duas meninas. Na proposta metodológica que eu
então desenvolvia, aquele seria o primeiro contato, sem gravação, apenas para
que explicasse como pretendia desenvolver o trabalho e estabelecesse um primei-
ro vínculo. Ao final da conversa rápida, ela, muito tímida, questionou se eu podia
ajudá-la em uma questão. Já com lágrimas nos olhos e misturando o português
ao espanhol, dirigindo-se a mim como professor, ela contou que sua filha mais
velha não queria mais ir à escola, que chorava todos os dias e se recusava a ir, pois
seus colegas a estavam chamando de negra escrava. “O que é isso, professor? Por
que estão chamando ela assim?” 3

Alguns aspectos desse pequeno, porém potente evento, apareceram para


mim como cernes do que pretendo discutir acerca dos temas sensíveis e do
ensino de História. Estão ligados ao papel do professor e a um tipo de racismo
que, embora reflita antigas questões, atinge novos sujeitos e traz para a escola
uma problemática diferente no que tange à abordagem de temas sensíveis.
Opto, portanto, por dialogar aqui com estes dois aspectos: a) o papel do pro-
fessor na abordagem de temas sensíveis; e b) as migrações atuais como tema
sensível no contexto de uma investigação em curso no âmbito do Mestrado
Profissional em Ensino de História da UFRGS.
No meu diário de campo do dia da entrevista há esta nota, feita ainda no
trajeto para casa: “O que significa ser professor diante da história da Karina?
Que importância há nesse lugar que a fez acreditar que eu seria capaz de res-
pondê-la?” E ainda: “Por que todas as respostas que me ocorreram no mo-
mento da pergunta eram respostas racistas?”. Sim, porque me ocorreram
respostas como “no Brasil, os negros foram escravizados”, ou ainda “no Brasil
é assim mesmo, o racismo existe desde sempre”.
Do ponto de vista intelectual, eu jamais defenderia qualquer das minhas
respostas como válidas, pois naturalizam ou simplificam ao extremo a questão
do racismo, mas diante daquela pergunta, da busca por uma razão, da tentativa

148 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

desesperada por entender o que significaria para sua filha crescer numa socie-
dade racista, as dúvidas se acumularam e eu apenas respondi: “Isso não pode
acontecer. A senhora precisa ir na escola da sua filha e conversar com a direção
e a professora para que tomem uma atitude”. Conto isso à guisa de reflexão
sobre o racismo introjetado na sociedade brasileira, com o qual os professores
precisam aprender a lidar todos os dias. O fato de eu ser professor de História
me pôs diante de um evento que me provocou, incomodou, exigiu respostas e
fez perceber uma nova temática para a pesquisa sobre migrações atuais: o
racismo.
Seleciono dois aspectos da minha prática que me ajudam a pensar o lugar
do professor de História na construção teórica em torno dos temas sensíveis.
Primeiro, o fato de ser professor e pesquisador no momento em que a proble-
mática trazida pela minha entrevistada me foi colocada. Explico: o trabalho
que estava desenvolvendo buscava encontrar testemunhos de migrantes para
ensinar sobre os movimentos migratórios atuais e a presença do direito à mi-
gração e ao refúgio no Brasil. Essa condição de professor pesquisador me levou
à entrevista, e, como algo que me precede, a profissão, vista pelos olhos da
entrevistada, me colocava no lugar de possível detentor da explicação – espe-
rada por ela – do motivo pelo qual sua filha era chamada de escrava. A escra-
vidão é, sim, um tema da alçada dos professores de História, assim como
também o é a relação com jovens e crianças (no caso, a mãe também queria
uma orientação sobre como convencer sua filha a voltar para a escola); contu-
do, a maneira como a questão foi posta trouxe à tona outro aspecto: a presença
do racismo na história do Brasil.
O fato de ser professor e estar diariamente rodeado de estudantes, ter mi-
nhas rotinas estabelecidas e os currículos de cada série praticamente internali-
zados com suas sequências didáticas, cronologias e metodologias desenvolvidas
por mim, meus colegas de profissão, autores de livros didáticos e pesquisadores
das diferentes áreas criou uma espécie de óculos que, de alguma forma, vinham
determinando minha maneira de observar a prática e a docência. A condição de
pesquisador-professor alimentado por pressupostos da educação e da história
possibilita a mim uma percepção diferente dos elementos que compõem a sala
de aula antes naturalizados. Assim, o contato com os migrantes reorientou tanto
minha prática na sala de aula quanto a questão de pesquisa em desenvolvimento,
fazendo emergir o trabalho em torno das questões sensíveis. O que temos aqui,

Junho de 2018 149


Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

portanto, é a base para o trabalho no ProfHistória, uma busca por potencializar


o campo do Ensino de História de maneira que a pesquisa e a prática docente
possam andar juntas e indiquem as transformações a que a disciplina se propõe:
formar cidadãos, mais do que patriotas.
A investigação em curso para o Mestrado Profissional mudou de rumo
depois do encontro com a Karina. Compreendi, dentre outras coisas, que não
queria apenas ouvir e gravar histórias para então transformá-las em textos que
seriam entregues aos meus alunos. Faltaria, nesse processo, algo muito impor-
tante: a corporeidade de quem fala, pois o que me transformou como pesqui-
sador, o que me colocou na situação entre constrangido e sem resposta foi a
presença de uma mulher negra relatando sua história – e essa foi uma vivência
que compreendi ser fundamental para partilhar com meus alunos, visto que o
trabalho com temas sensíveis indica a necessidade de romper com as aulas
expositivas e pautadas na vida idealizada dos personagens históricos.
Com os alunos, construí uma proposta abordando as migrações atuais e
o racismo de modo que todos fossem agentes dos conhecimentos, proporcio-
nando debates nos quais eles entravam em contato com os senegaleses, pois
apenas ler suas histórias nos parecera menos potente do que promover encon-
tros em que tanto os jovens (brasileiros, brancos e, na sua maioria, de classe
média) quanto os senegaleses (e eu como professor) pudessem dialogar, dis-
cordar e construir referências sobre a migração, a história do Brasil e do
Senegal e os desafios que os deslocamentos promovem na vida das pessoas. Fui
compreendendo que, no trabalho com temas sensíveis, o contato entre os di-
ferentes atores é central em qualquer proposta de estudo e demanda tempo.
Destaca-se, aqui, o projeto comentado por Nina Simon e inicialmente conce-
bido na Dinamarca, em 2000, como forma de envolver os jovens no diálogo
sobre a violência (Simon, s.d.). Os organizadores descreveram a Biblioteca
Humana como “uma ferramenta para promover a convivência pacífica e apro-
ximar as pessoas no respeito mútuo e cuidadoso pela dignidade humana do
indivíduo”. Tal como numa biblioteca, o visitante examina um catálogo e fica
com um “livro” durante um período. A diferença em relação a outras biblio-
tecas é que os livros da Biblioteca Humana são pessoas que representam grupos
alvo de preconceitos e vítimas de discriminação social: “o ‘leitor’ da biblioteca
pode ser qualquer pessoa que esteja pronta para falar com seu próprio precon-
ceito e estereótipo e queira passar uma hora nessa experiência”.4

150 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

O relato de Karina me fez refletir muito e modificar o rumo da investiga-


ção em curso, construindo outros contornos para a investigação, que se apre-
senta hoje com referenciais teóricos que relacionam o ensino de História à
emergência dos temas sensíveis, controversos e vinculados aos direitos huma-
nos, conforme citados na primeira parte deste texto. Percebi que, normalmen-
te, quando lemos relatos de pesquisas orais, aquela máxima de “dar voz” que
sempre aparece e que não pretendo discutir aqui se limita a uma voz sem
aparência, sem corpo. Compreendi que aquela voz negra tem um corpo, uma
cor e um gênero, não podia ser um relato lido na tela de um computador ou
em uma folha de papel. O caminho metodológico que passei a utilizar no tra-
balho pressupõe o encontro, a troca e a aprendizagem mútua entre meus alu-
nos e os migrantes que antes eu pretendia entrevistar, cujos relatos eu pretendia
gravar e apresentar à turma na forma de entrevistas transcritas com questões
problematizadoras. A abordagem de um tema que se apresentava como sensí-
vel não poderia ser dessa forma. Era preciso pensar outra maneira de fazer a
aula, outras estratégias para transformar a sala de aula em um espaço plural
diante das interpretações unívocas e eurocêntricas do currículo.
Assim, a investigação mudou também em sua dimensão educativa: de um
site que iria apresentar aos meus alunos as histórias dos migrantes para um
curso Histórias de um Brasil Migrante, planejado e efetivado com os alunos. A
proposta do curso se constitui em encontros nos quais os alunos apresentam
temas de história do Brasil relacionados com seus interesses e ouvem as histó-
rias que os senegaleses contam sobre suas vidas e a decisão de migrar.
Um dos momentos mais importantes da construção do curso foi o debate
com os estudantes para construir os seus objetivos. Decidimos que, durante a
preparação das etapas, iríamos nos encontrar semanalmente para estudar e en-
caminhar as demandas de trabalho no tocante ao curso e seus desdobramentos.
Para iniciarmos o debate, propus aos estudantes um levantamento dos conceitos
e ideias presentes em seus imaginários em torno da África e dos africanos. Como
resultado, o que surgiu foram as ideias difundidas amplamente pelos meios de
comunicação e, muitas vezes, reforçadas pelo contexto escolar: um continente
marcado exclusivamente pela fome e pela guerra (surgiram referências a ONGs,
como Médicos Sem Fronteiras) e pela natureza exuberante.
Elencamos, então, os temas que abordaríamos a partir daqueles indicados
pelos senegaleses, e entre eles figuraram a escravidão no Brasil, o ensino de

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

história da África e a diáspora. Há uma anotação no meu diário de campo que


diz: “a surpresa deles ao compreenderem o conceito de diáspora foi emocio-
nante, principalmente quando uma comenta: ‘hoje, para mim, foi muito espe-
cial, estou me sentindo muito feliz por entender que também sou um pouco
africana, não somente negra, mas africana’”. Anotei rapidamente essa fala da
estudante negra que encontrou, na aula, um elemento de sua ancestralidade.
Percebi que abordar as migrações era também aprender/ensinar sobre as iden-
tidades de jovens negros na medida em que o contato com o outro permite
uma reflexão e um olhar sobre si que subverte o lugar comumente dado à
África nos currículos de História e a traz para o presente, na pele, no discurso
e na identidade.
Todo o trabalho, ao longo da pesquisa, baseou-se nos encontros semanais
com os estudantes participantes. Para a construção dos objetivos e da meto-
dologia do curso a ser dado para os senegaleses, discutimos quais seriam, para
os alunos, as questões relevantes. Propus, então, que pensassem por alguns
instantes nestas questões: “Para este nosso curso, quais questões vocês imagi-
nam que serão as mais difíceis de lidar? Quais são os pontos sensíveis da nossa
relação com os migrantes?”.
Na abordagem do tema migrações/racismo como sensível emergiram al-
guns conceitos que sintetizavam os pensamentos dos estudantes: Despedida,
Racismo, Mudança, Choque Cultural, Diferenças, Culturas, Crenças e Geração.
Agregando as palavras por proximidade de sentido, construímos três grupos:
Racismo, Mudança e Diferença. Solicitei que cada um justificasse a razão pela
qual considerava aquele grupo de palavras semanticamente próximas como
sensível para o curso que estávamos criando, no intuito de identificar, com
eles, o conceito de questão sensível. A seguir, algumas das opiniões escritas
pelos alunos nas atividades de formação para o trabalho com os migrantes:

Racismo é um ponto sensível, pois é uma questão muito presente na sociedade; é


algo com que se tira o respeito à pessoa, mesmo quando está em um processo de
“encaixar-se” na sociedade.
Racismo faz qualquer pessoa se sentir deslocada, passar por isso, sendo imigrante
deve ser muito pior, pois apenas por ser um imigrante eles já devem se sentir meio
deslocados. É um ponto sensível porque além de todas as conturbações de ser
imigrante, ainda são submetidos a passar por isso.

152 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

As diferenças que existem de onde eles vieram e o Brasil são muitas e nos mais
diversos âmbitos, mas principalmente na cultura.
É a Natureza do ser humano ser diferente. Perante questões culturais, de crenças
e hereditariedade, existem milhões de divergências que tornam “as diferenças” um
assunto sensível.
Acreditamos que a mudança da África para o Brasil não foi um processo fácil, por
isso podemos tentar entender um pouco mais sobre a saída de lá e como se deu
isso, pensando também no choque de troca de sociedade ao chegar no Brasil.
Precisamos mudar a nossa visão plana do que são os habitantes/imigrantes do
Senegal e de todo o território africano. Aprender como variam suas culturas, me
parece ser o ponto chave do projeto, visto que abre nosso olhar às suas diferentes
realidades.

O racismo presente na escola e sofrido por meninos e meninas, diaria-


mente, tem hoje outro agravante, que é a xenofobia. Tais aspectos aparecem
também nas escritas dos alunos apresentadas acima. O português com sotaque
(sotaque de quem não é lusófono e está aprendendo a nova língua – caso dos
senegaleses e grande parte dos migrantes), a cor da pele e os traços culturais
diversos são rechaçados por pessoas que convivem com esses sujeitos no coti-
diano. Os senegaleses falam da violência sofrida nas ruas (em diversos dos seus
relatos aparecem situações como transeuntes que chutam as mercadorias ven-
didas por eles e até acusações de roubo); os haitianos, como a Karina, falam da
discriminação sofrida na comunidade onde vivem – assim, a escola assume
lugar importante nisso tudo, uma vez que é lá que o preconceito acontece, mas
também é lá que se tenta combatê-lo. As leis que tornam as questões étnico-
-raciais obrigatórias para toda a educação e os projetos daí derivados são exem-
plos de como a escola se caracteriza como espaço de contradições.
O processo de conhecer e criar vínculos com os migrantes do Senegal
despertou algumas perguntas acerca de sua presença no Brasil e em Porto
Alegre. Algumas delas, como a razão pela qual escolheram o país e a rota feita
para chegar ao Brasil, são as perguntas que tanto eu como os alunos fizemos
já nos primeiros encontros. O encarte “Imigração Africana no Brasil” da revista
Semana da África na UFRGS 5 apresenta alguns dados que ajudam a pensar
tais questões. Quanto às rotas, há diversas, mas a mais utilizada é a que sai de
Dakar, com escalas em Casablanca e Madri, rumo a Quito. Dali, atravessam a

Junho de 2018 153


Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

Bolívia, entrando no Brasil pelo Acre. Ao contrário do que a concentração de


senegaleses, sobretudo no centro da cidade, pode sugerir, eles representam um
número menor de imigrantes africanos no Brasil (6,7%) do que os angolanos
(27,3%) e os sul-africanos (11%), por exemplo. Contudo, no Rio Grande do
Sul, eles representam 43% da presença imigrante africana, uma concentração
que se deve à boa estrutura e à organização que encontram na capital gaúcha,
onde a associação senegalesa, com órgãos governamentais (Justiça Federal,
Defensoria Pública), Igrejas e universidades (Grupo de Assessoria a Imigrantes
e a Refugiados – Gaire), tem desenvolvido um trabalho de acolhimento, com
aulas de português, e encaminhado para sua documentação e inserção no mer-
cado de trabalho. Com o aumento do desemprego após 2015, há um grupo
grande vivendo do comércio informal.
A condição de migrante na atualidade tem colocado às sociedades a ques-
tão com que deparei após a pergunta geradora deste relato: o racismo que fi-
gura como um fantasma nunca exorcizado no Ocidente. O que propus para o
curso (parte do meu projeto de mestrado) e que ainda estou analisando é:
como esses sujeitos que optam por migrar, por se deslocarem numa perspec-
tiva diferente daquela que aprendemos na escola (do “imigrante” que sai do
seu lugar sem a possibilidade do retorno), hoje deparam com o racismo como
uma barreira que impede o exercício do seu direito de imigrante estrangeiro?
Os relatos que ouvimos dos senegaleses trazem inconformismo por verem que
portugueses e espanhóis, que são grupos com tantos indivíduos imigrantes no
Brasil, não são acusados de estarem aqui “roubando empregos”.
A partir do curso “Histórias de um Brasil Migrante” a escola tem recebido
os senegaleses para palestras, debates e conversas com estudantes, pais e pro-
fessores, ampliando os encontros e desencontros com sujeitos que hoje são
parte da paisagem urbana da cidade de Porto Alegre, porém invisibilizados
pelo racismo.
O Brasil caminhou, nos últimos anos, no sentido de garantir que a escola
abordasse a temática dos africanos e afro-brasileiros numa perspectiva de edu-
cação antirracista. A legislação que torna o ensino de história da África e afro-
-brasileira é uma conquista dos movimentos negros que não exclui em essência
os imigrantes. Afora isso, a legislação acerca dos migrantes (Lei nº 13.445, de
24 maio 2017), sancionada em 2017, amplia direitos e propõe o combate à
xenofobia e à discriminação. Trabalhar com imigrantes senegaleses (no meu

154 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

caso) coloca para a escola a possibilidade de, por um lado, responder à exigên-
cia feita pela lei do ensino de história da África e afro-brasileira, e, por outro,
preparar os jovens para compreender e responder efetivamente ao intento da
lei de migrações, ambas questões que têm relação com o papel do professor de
História. No entanto, não deixa de ser lamentável que o país precise de leis
para que o respeito a essas histórias seja construído.
Muitos de nós, brasileiros, fomos educados acreditando na democracia
racial e na mistura como uma força identitária presente em todos os brasileiros.
Fomos edificados como nação com base em um discurso em torno da mesti-
çagem e da “contribuição das três raças” para a “civilização brasileira”; contu-
do, vemos o país mergulhado no racismo e na xenofobia, um paradoxo, no
mínimo, curioso: ao mesmo tempo que se forjou como um país das misturas,
o Brasil é um país em que alunos estrangeiros são chamados de negros escravos
dentro de nossas escolas. E, nessa medida, estamos, sim, tratando da defesa dos
direitos humanos e abordando questões sensíveis. No contexto das Leis
10.639/2003 e 11.645/2008, os livros didáticos têm trazido, em seus textos,
elementos da história da África, mas essas histórias necessitam se encontrar
com os novos sujeitos que chegam às mais diversas partes do Brasil, sejam eles
senegaleses, haitianos, angolanos etc. Trabalhar racismo e migrações na pers-
pectiva desses sujeitos recém-chegados que hoje fazem parte de nossa cidade
e reivindicam um espaço de acolhimento e reconhecimento é, também, uma
das finalidades da História ensinada.

Nota III
Em aberto…

O propósito deste artigo foi apresentar nossas inquietações sobre o trabalho


com temas sensíveis na formação de professores de História inspirados em nos-
sas vivências em ensino e pesquisa. A pergunta que nos acompanha nesses es-
paços de experiência diz respeito às finalidades da História escolar, que, sabemos,
se transformou substancialmente nos últimos 20 anos, embora Chervel já tenha
anunciado que muitos estudos foram empreendidos para compreender os con-
teúdos e os objetivos das disciplinas escolares, e muito poucas investigações para
se saber do funcionamento de uma disciplina (Chervel, 1990, p.183).

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Jonas Camargo Eugenio

No caso da História, queremos crer que os Mestrados Profissionais em


Ensino de História poderão contribuir para desvendar o que ocorre nas salas
de aula. A disciplina é constituída por um conjunto de normas e orientações
pedagógicas, mas, acima de tudo, por tudo o que os professores e os alunos
praticam em sala de aula. Tanto as normas quanto as orientações pedagógicas
e as práticas mudam no decorrer dos tempos. Ao longo do século XIX, a
História se definiu como disciplina escolar ao mesmo tempo que o Estado
assumiu a administração da educação e, nesse contexto, a escola foi chamada
a transmitir os valores da nacionalidade, e ao ensino de História coube o papel
de incutir o amor à pátria.
Para dar conta de sua finalidade, construiu-se, no âmbito da História
escolar, um conjunto de práticas que, década após década, ensinou o passado
para uniformizar. Nos anos ditatoriais (mas não só) imperou uma pedagogia
da “neutralidade” freando o estudo de questões polêmicas. Atualmente, no
contexto da elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a pró-
pria disciplina de História, na Educação Básica, foi considerada polêmica, ten-
do sua finalidade questionada por representantes do Estado, das famílias, de
religiões, de movimentos sociais e de historiadores.
Inspirados em Chervel (1990) e Julia (2001), parece-nos que trabalhar
com temas sensíveis e questões controversas em sala de aula afirma outra fi-
nalidade para a História como disciplina escolar, diferente daquela para a qual
foi instituída inicialmente. Queremos crer que isso é parte do compromisso
com a formação cidadã. Talvez não seja mais aquela propalada em outras dé-
cadas, de formar o aluno crítico que não se deixa enganar pela mídia e por
opiniões produzidas fora do âmbito acadêmico, embora comprometida a par-
ticipação no debate público. Trata-se de uma cidadania que chama a respon-
sabilidade com a justiça, com a defesa dos direitos humanos e com vida no
planeta, para que as pessoas possam viver juntas de forma saudável e generosa.
Daí, talvez, a relevância da abordagem dos temas sensíveis, vivos e controver-
sos nas salas de aula.
Porém, não há consenso sobre as finalidades da História ensinada: con-
tribuir para que os homens possam viver melhor (Bloch, 1997), pensar histo-
ricamente (Vilar, 1997), recuperar a dimensão coletiva das histórias individuais
(Hobsbawm, 1998) e tantas outras respostas, embora nos pareça pertinente
concluir com as palavras de Ginzburg, que ampliam essa abordagem:

156 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

Sou cético quanto à ideia de ser um historiador engajado. Penso que escolher
tópicos só porque são os de “nossa época”, porque dizem respeito ao “hoje”, signi-
fica ter uma visão míope e provinciana da história; mesmo porque, o que parece
totalmente distante da atualidade pode se tornar, repentinamente, o seu foco.
Lembro-me vividamente que, em 1969, meus alunos em Roma estavam freneti-
camente interessados em um só evento que acontecera em Turim em 1920: a
ocupação das fábricas pelos operários. Não pensavam em mais nada. E eu, traba-
lhando nessa época sobre a feitiçaria e os benandanti, estava a milhões de anos-
-luz de todos eles. No entanto, pouco tempo depois – e isso eu gosto de recordar
abertamente – nas manifestações de rua, as feministas gritavam: “Tremate, tre-
mate, le stregue son tornate” (“Tremam, tremam, as feiticeiras voltaram”).
(Pallares-Burke, 2000, p.293)

Com isso, queremos reafirmar que não defendemos um ensino de História


como instrumento de conscientização política. Para deixar a questão em aber-
to, lembremos aqui um grande pesquisador do Ensino de História: “la finalidad
última de la enseñanza de la historia ... ha de preparar al alumnado para que
construya sus propios conocimientos, se ubique en su mundo y esté preparado
para intervenir en él de manera democrática” (Pagés, 2002, p.258). Mesmo que
os alunos nos perguntem todos os dias “para que serve estudar este conteúdo?”,
“não foi bem assim, professor?”, “como o senhor explica isso?”, esse conheci-
mento precisa, de alguma forma, edificar, tornar as pessoas melhores em si e
em suas relações. Quem sabe, então, incluir, entre as finalidades do ensino da
História, o edificar-se?

REFERÊNCIAS

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E SENSIBILIDADES, 4., 17 a 21 nov. 2014, Caicó, RN. Caicó: Centro de Ensino
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Junho de 2018 157


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HOBSBAWM, Eric. Sobre história. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia
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l’Historie-géographie au Collège et au Lycée. Paris: Publibook, 2013.
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SIMON, Nina. The Participatory Museum. s.d. Disponível em: www.participatorymu-
seum.org/; acesso em: 2 abr. 2017.
VILAR, Pierre. Pensar historicamente. Barcelona: Crítica, 1997.

NOTAS
1
Agradecemos a leitura atenta da professora Caroline Pacievitch, cujas abordagens ajuda-
ram a qualificar este texto.
2
Lembrando que a autora fala do contexto da França, onde a liberdade dos professores é
relativa, visto que os currículos são inspecionados.
3
O relatado na Nota II ocorreu no início do trabalho de pesquisa para o Mestrado
Profissional em Ensino de História – ProfHistória. A pesquisa busca encontrar, nas

158 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Ensino de história e temas sensíveis: abordagens teórico-metodológicas

trajetórias de migrantes, o ensino de questões sensíveis. O trabalho é desenvolvido com a


colaboração de nove estudantes da Educação Básica que propõem, com o seu professor, um
curso de quatro encontros sobre a história do Brasil para migrantes senegaleses. O encon-
tro promovido pelo curso produz os aprendizados em torno das questões sensíveis. Uma
das recomendações feitas pelo Programa de Pós-Graduação (PPG), em que esta proposta
se insere, é de que apresentemos a dimensão educativa da pesquisa (o “produto”) a ser uti-
lizada e analisada durante o Mestrado, em consonância com nosso trabalho na Educação
Básica. É na condição de professor pesquisador que pesquiso a própria prática em um cam-
po de experiências como o do ensino de História e que falo a respeito do projeto “Histórias
de um Brasil Migrante – Curso de História do Brasil para migrantes senegaleses”. Ao me
lançar sobre a pergunta “como as histórias de migrantes ensinam sobre questões sensíveis?”,
entendo que há uma variedade de aprendizados que tocam meus alunos em noções de
mundo e de projetos de vida variados, mas que são fundamentais para a experiência da ci-
dadania ampla, ciosa dos direitos alheios, das diversidades e do respeito às diferenças. Por
isso, considero-as questões sensíveis.
4
“The ‘reader’ of the library can be anybody who is ready to talk with his or her own preju-
dice and stereotype and wants to spend an hour of time on this experience”. Disponível em:
http://www.participatorymuseum.org/read.
5
Disponível em: https://issuu.com/deds-ufrgs/docs/encarte_revista_semana_da_frica_n

Artigo recebido em 31 de janeiro de 2018. Aprovado em 27 de agosto de 2018.

Junho de 2018 159


Ê
S SI
DO

Aulas de História e os direitos das


crianças e dos adolescentes:
entre possibilidades e desafios
Classes of History and the Rights of Children and
Adolescents: Between Possibilities and Challenges
Humberto da Silva Miranda*

Resumo Abstract
O que faz uma criança ou um adolescen- What makes a child or adolescent be-
te se tornar “sujeito de direitos”? Qual a come a “subject of rights”? What is the
relação do Ensino de História com os di- relation of History Teaching with the
reitos humanos desses agentes sociais? human rights of these social agents?
Com base nessas perguntas, pretende-se Based on these questions, we intend to
problematizar a relação do saber históri- problematize the relationship between
co escolar com os direitos humanos de the school’s historical knowledge and
crianças e adolescentes, buscando ques- the human rights of children and ado-
tionar as possibilidades e os desafios vi- lescents, trying to problematize the pos-
venciados nas aulas de história frente às sibilities and the challenges experienced
novas formas de entender as culturas in- in history classes in the face of new ways
fantis. A partir da promulgação do Esta- of understanding children’s cultures.
tuto da Criança e do Adolescente, a so- Since the enactment of the Statute of the
ciedade brasileira firmou um novo Child and the Adolescent, Brazilian so-
compromisso político com a forma de ciety has established a new political
pensar as infâncias, o qual deve ser vi- commitment with the way of thinking
venciado nos espaços sociais onde esses about childhood, and this commitment
meninos e meninas circulam. O Ensino should be experienced in the social
de História se relaciona diretamente com spaces where boys and girls circulate.
essa questão, e sua prática nos permite The History Teaching is directly related
efetivar o princípio reconhecido pelo Es- to this question, and from its practice we
tatuto de conceber esses agentes sociais can accomplish the principle recognized
como “sujeitos de direitos”. by the Statute to conceive these social
Palavras-chave: história; infância; ensino. agents as “subjects of rights”.
Keywords: History; childhood; teaching.

* Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, PE, Brasil. humbertoufrpe@


gmail.com

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 160-178 - 2018


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

O que dizem crianças e adolescentes sobre as aulas de História? Como


produzem conexões entre o saber histórico escolar e os direitos humanos? O
que falam sobre os problemas sociais vivenciados nas suas famílias e comuni-
dades? Essas são indagações que nos levam a pensar o espaço das aulas de
História como campo de possibilidades e desafios para a garantia dos direitos
de meninos e meninas, para que pensem, sintam e falem sobre si e sobre as
questões que fazem parte do mundo que os norteia.
Nos dias de hoje, a sociedade brasileira vem promovendo debates eferves-
centes sobre os direitos humanos de crianças e adolescentes. Muitas dessas
discussões vêm acompanhadas de questionamentos que colocam em xeque
direitos já reconhecidos no universo legal, como o Estatuto da Criança e do
Adolescente. A Redução da Maioridade Penal, por exemplo, entre outros temas
conservadores, está sendo discutida por setores da sociedade brasileira.1 Essa
pauta vem ganhando destaque na grande imprensa e nas redes sociais, e segu-
ramente entra pelo portão da escola, ultrapassa os corredores e chega às salas
de aula, muitas vezes sem pedir licença.
Mas o que crianças e adolescentes pensam sobre a Redução da Maioridade
Penal? Como as aulas de História promovem o debate sobre esse tema, opor-
tunizando o direito de meninos e meninas discutirem sobre as questões que
impactam diretamente suas vidas? Convencionalmente, o tema da Redução da
Maioridade vem sendo discutido por conselheiros tutelares, jornalistas, polí-
ticos, assistentes sociais, juízes e educadores, ou seja, por adultos, que debatem
e planejam formas de governamentalidade sobre a vida de meninos e de me-
ninas sem promover, na maioria das vezes, a participação cidadã de crianças
e adolescentes no processo de decisão.
Penso que as aulas de História podem dar conta de uma questão funda-
mental: fazer valer o direito de crianças e adolescentes de pensar, sentir e dizer
o que veem, o que planejam e o que decidem sobre si mesmos. Tal como afir-
mam os novos estudos sociais de crianças e adolescentes – refiro-me à socio-
logia da infância, à história das crianças e à antropologia da criança –, as
infâncias não podem ser concebidas como a fase daqueles “que não falam”,
mas daqueles que constroem suas falas.
Nesse sentido, o presente artigo tem o objetivo de problematizar a relação
entre direitos da criança e do adolescente e o Ensino de História, sem a pre-
tensão de responder a todas as perguntas lançadas no início do texto, nem

Junho de 2018 161


Humberto da Silva Miranda

tampouco produzir “receitas de como fazer”. Este trabalho busca, portanto,


apresentar reflexões sobre os desafios de (re)pensar as aulas de História e sua
relação com os direitos de crianças e adolescentes, com base no resultado de
pesquisas no campo da História das Infâncias e do Ensino de História e nas
minhas atividades de extensão universitária na área dos direitos de crianças e
adolescentes.
Entendendo a temática dos direitos de crianças e adolescentes com base
no reconhecimento desses agentes como “sujeitos de direitos” (conforme si-
nalizam os novos estudos sociais das infâncias e como preconiza o Estatuto da
Criança e do Adolescente), procurei, inicialmente, debater como se construiu
historicamente o reconhecimento da criança e do adolescente como “sujeitos
de direitos” no Brasil, buscando problematizar as legislações vigentes e as prá-
ticas culturais marcadas pelas relações de controle e de disciplinamento. Em
seguida, lancei-me à construção de conexões entre as aulas de História e as
novas formas de pensar os direitos de crianças e adolescentes, à procura do
amadurecimento de reflexões sobre o cotidiano das aulas de História.

De menores a sujeitos de direitos:


(re)conhecendo crianças e adolescentes

Vivenciar as aulas de História a partir de uma prática pedagógica pautada


na educação em direitos humanos é possibilitar que crianças e adolescentes
falem sobre si e acerca dos problemas sociais e políticos que afetam diretamen-
te o seu cotidiano. Conforme estabelecem as Diretrizes Curriculares para a
Educação Básica (Brasil, 2013), aprender História é necessário para que crian-
ças e adolescentes possam intervir no mundo e se tornem sujeitos históricos.
Mas como as pessoas se tornam sujeitos históricos?
Essa pergunta me fez recorrer a uma das preocupações centrais de Michel
Foucault (1995), que consistia nesta questão: “como os seres humanos torna-
ram-se sujeitos?”. Para o filósofo francês, o sujeito humano é constituído a
partir das relações de poder e de saber, é fabricado a partir das correlações de
forças que desafiam as tensões entre as práticas de subjetivação e de objetivação
das pessoas, ou seja, que as concebem como objetos.
De acordo com os estudos de Cesar Candiotto (2016, p.35), com base no
pensamento de Foucault “a constituição ética do sujeito é proposta a partir do

162 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

embate e a provocação recíproca entre as forças do desejo e as práticas de li-


berdade”. Nesse sentido, o processo de constituição do sujeito – do “governo
de si”, da emancipação e da liberdade – desafia-se nos processos de normali-
zação, nas técnicas disciplinares, nas regras e nas relações de poder-saber.
Considerando-se essa reflexão, é possível afirmar que há variadas formas
de pensar as infâncias, e tais concepções fundamentaram práticas sociais, polí-
ticas assistenciais, normativas jurídicas e pedagogias. O processo de subjetivação
da infância, do sentimento de que existe um mundo particular chamado infân-
cia, é uma “fabricação” da Modernidade, como afirmou Philippe Ariès (1981).
A historiografia contemporânea sinaliza que, no Brasil, as primeiras leis voltadas
para crianças e adolescentes não as concebiam como “sujeitos de direitos”, mas
como objetos dos interesses econômicos, políticos e sociais dos adultos.
A primeira legislação voltada exclusivamente para crianças e adolescentes
foi chamada de Código de Menores e tinha como objetivo vigiar e punir me-
ninos e meninas que desafiassem as normas impostas. Promulgado em 1927,
o Código reproduzia, a partir da lógica punitiva e assistencialista, um conjunto
de regulações sobre crianças pobres e suas famílias. Desse Código em diante,
a sociedade passou a identificar e classificar crianças e adolescentes que viviam
em diferentes cenários de vulnerabilidade como “menores”, ou seja, “menores
carentes”, “menores abandonados”, “menores delinquentes” (Vianna, 1999).
O Código de Menores foi um dispositivo legal produzido para os filhos
do abandono, para meninos e meninas que experimentaram as mais diferentes
formas de violência nas ruas, nas instituições assistenciais ou nos espaços de
confinamento. Uma lei voltada para os filhos dos trabalhadores que viviam em
condição de pobreza, para meninos e meninas sem família que representavam
o “perigo social” ou que “estavam em perigo de tornar-se” uma ameaça para a
sociedade.
Considero que essa lei não ficou só no papel. Ela fez produzir no Brasil o
que costumo chamar de cultura menorista, ou seja, um conjunto de ações ba-
seadas nos princípios da vigilância e da punição de crianças e adolescentes que
passavam a ser categorizados como menores, negando-lhes a condição de su-
jeito e tornando-os objetos do poder de adultos. A prática é fortemente mar-
cada pela classificação dos meninos e das meninas, adjetivando-os como
“menores” que vivenciam “situações de irregularidade” diante do Estado pu-
nitivista (Miranda, 2014).

Junho de 2018 163


Humberto da Silva Miranda

A cultura menorista não era praticada apenas por aqueles que seguiam o
Código de Menores, os juízes ou profissionais que atuavam no Sistema de
Justiça e de Segurança, mas também por diferentes pessoas que atuavam no
campo da saúde, da assistência social e da educação. Nas regulações fabricadas
por nossa sociedade disciplinar e de controle.
Percebo ainda que, além de estar presente nas diferentes ações punitivas
praticadas contra nossos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas,
o menorismo permeia as tentativas de objetivação de meninos e meninas nos
espaços formativos (escola e sala de aula, família e comunidade). O menorismo
encontra-se nas práticas autoritárias que não permitem a organização política
de crianças e adolescentes nas escolas, como grêmios e diretórios; nas imposi-
ções produzidas no cotidiano familiar ou comunitário; nas diferentes formas
de negar a participação cidadã de meninos e meninas.
A historiografia da infância e da juventude sinaliza que, ao longo do sé-
culo XX, muitas propostas políticas colocaram o tema da assistência aos me-
ninos e meninas no centro do debate. Tais estudos afirmam que a lógica
punitivista estabelecida pelo Código de Menores foi teoricamente questionada
com base nos movimentos em defesa dos direitos humanos, vivenciado a partir
do final da década de 1970. À luz da lei, no Brasil, a primeira legislação que
reconheceu crianças e adolescentes como “sujeitos de direitos” foi a
Constituição Federativa do Brasil, promulgada em 1988.
A Constituição reproduziu o movimento político responsável pela fabri-
cação de “outra” sensibilidade ética em relação ao universo infanto-adolescen-
te,2 servindo como parâmetro para pensar as diferentes governamentalidades
sobre eles. Esse reconhecimento legal foi fruto do movimento que se articulou
nas ruas e nas praças, desdobramento da Campanha Criança Constituinte, que,
por sua vez, deu base ao Artigo 227 da Constituição de 1988, fazendo reconhe-
cer esses agentes sociais como sujeitos de direitos.
A Campanha foi organizada por entidades e organismos governamentais
que questionavam as legislações e as políticas vigentes e fez surgir, com base
em articulação dos movimentos sociais e setores governamentais mais pro-
gressistas, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Acredito que o Estatuto em
si não representa um “avanço” ou um “progresso”, mas um marco histórico
na mudança de concepção sobre a legislação e a política voltadas para meninos
e meninas, sem, no entanto, uma conquista vivenciada por agentes sociais que

164 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

se organizaram de forma individual e coletiva para a institucionalização dos


direitos humanos de meninas e meninos, fazendo modificar a forma de pensar
a “arte de governar” crianças e adolescentes no Brasil. De acordo com Diogo
Soares da Silveira,

A promulgação do Estatuto foi acompanhada pela emergência de um novo voca-


bulário conceitual, envolvendo instituição de novas categorias sociais como
criança em situação de vulnerabilidade, jovem infrator e medida socioeducativa,
entre outros. Esse movimento de concepção de novas categorias também resul-
tou em um processo de reordenamento institucional que ainda se encontra em
andamento e que visa reformular as políticas e instituições voltadas para as crian-
ças e os adolescentes em todos os níveis governamentais, tendo como referência
os princípios e diretrizes anunciados na nova legislação. (Silveira, 2015, p.63)

Esse processo contou com a participação das próprias crianças e dos ado-
lescentes que, por meio do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua,
ocuparam a Explanada dos Ministérios, na Capital Federal, em defesa do fim do
Código de Menores. Foi no período da redemocratização que assistimos à atua-
ção dos movimentos sociais, nos quais “novos protagonistas” entraram em cena
e, com eles, a luta em defesa do “direito a ter direitos” (Miranda, 2015).
Contudo, ao realizar uma leitura crítica do Estatuto, é preciso entender o
processo de sua produção com base no tempo histórico. Os novos estudos
sociais da criança sinalizam que, mesmo representando um marco histórico
da legislação pró-infância, o dispositivo carrega consigo uma ideia de “sujeito
universal” fortemente marcado pela concepção liberal dos direitos humanos,
que, por sua vez, busca universalizar a ideia de criança e adolescente. Segundo
Schuch: “A imagem da ‘criança universal’ aparece com a internacionalização
de sua atenção, personagem que passa a guiar as legislações e normativas in-
ternacionais, marcadamente liberais, embora a expansão dessa influência tenha
se dado em um momento histórico de presença de uma ideologia modernista
no Brasil” (Schuch, 2009, p.127).
Esse princípio universalista já estava presente na Convencional dos
Direitos da Criança e do Adolescente, de 1989, que serviu como base para a
produção do Estatuto. De acordo com Castro,

Junho de 2018 165


Humberto da Silva Miranda

Por mais que o direito positivo ocidental tenha recentemente manifestado a preo-
cupação com a criança, vista como um sujeito de direitos, através da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança (1989), problematiza-se também sua racio-
nalidade universalizante. Os 181 países signatários dessa Convenção se conforma-
ram a uma visão de criança e de sociedade, passando por cima de situações
culturais particulares que fazem da infância e dos valores a ela atribuídos algo
diferente do que quer a visão dos países centrais. (Castro, 2002, p.51)

Com base nessa crítica, é preciso revisitar a própria história do Estatuto,


buscando desconstruir imagens sacralizadas produzidas sobre ele. O disposi-
tivo legal fabricado na década de 1990 não é o mesmo de hoje, e os próprios
movimentos sociais buscam modificá-lo, haja vista as novas demandas políti-
cas e mudanças nas relações de poder-saber que têm se desdobrado em outras
governamentalidades sobre o público infanto-adolescente.
Costumo dizer que, se o Estatuto fosse escrito nos dias de hoje, segura-
mente poderia ser chamado de “Estatuto das Crianças e dos Adolescentes”.
Agora é necessário reconhecer as diferentes identidades infanto-adolescentes.
Não há como reconhecer os sujeitos de direitos sem permitir que as diferentes
identidades sejam promovidas.
É importante destacar os movimentos que promovem fissuras no próprio
Estatuto, que buscam quebrar com a ideia de “infância universal”. O primeiro
movimento foi vivenciado no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda), que publicou, no ano de 2016, a Resolução 181, que
estabelece os parâmetros para crianças e adolescentes de povos e comunidades
tradicionais a partir do respeito à sociodiversidade.3 De acordo com a
Resolução:

A aplicação da legislação pertinente à infância e à adolescência nas questões es-


pecíficas que envolvam Crianças e Adolescentes oriundas de Povos e
Comunidades Tradicionais deverá considerar as garantias jurídicas presentes na
legislação específica dos Povos e Comunidades Tradicionais, assim como a auto-
determinação, as culturas, os costumes, os valores, as formas de organização so-
cial, as línguas e as tradições. (Brasil, 2016)

Entendo a Resolução como uma forma de romper com a concepção uni-


versalista de infância. Esse documento foi produzido sobre uma concepção da

166 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

infância no plural, processo marcado pelas tensões e disputas políticas que se


desdobraram na promoção de uma perspectiva contra-hegemônica dos direi-
tos humanos. De acordo com o sociólogo Boaventura de Souza Santos: “A
busca de uma concepção contra-hegemônica dos direitos humanos deve co-
meçar por uma hermenêutica da suspeita em relação aos direitos humanos tal
como são convencionalmente entendidos e defendidos, isto é, em relação às
concepções dos direitos humanos mais diretamente vinculadas à matriz liberal
e ocidental” (Santos, 2013, p.43).
Ainda nessa perspectiva, o segundo movimento provocou outra mudança
significativa na forma de conceber o conceito de criança e de adolescente.
Refere-se à Resolução 191, de 2017, que dispõe sobre a participação de adoles-
centes nos espaços de decisão política, mais notadamente no próprio Conselho
Nacional do Direito da Criança e do Adolescente (Conanda). De acordo com
o documento, o Conanda e os conselhos estaduais, distritais e municipais de-
vem promover a participação cidadã de meninos e meninas nos espaços de
decisão política, promovendo a democratização nesses lugares a partir do pro-
tagonismo desses “sujeitos de direitos”.
As resoluções do Conanda possuem força normativa e vinculante, con-
forme estabelece o Artigo 59 da Constituição Federal. Por meio de tais resolu-
ções, as políticas voltadas para o público infanto-adolescente passam a dialogar
com as novas preocupações produzidas pelos movimentos sociais e pelos co-
letivos políticos organizados pelas crianças e adolescentes. Elas descortinam
as novas formas de pensar as infâncias, refletindo diretamente em nosso
cotidiano.
Penso que um conjunto de regulações normativas (Códigos, Leis,
Resoluções) não se voltam apenas para redefinir os conteúdos estabelecidos,
mas para repensar as relações socioculturais no mundo, na escola e na própria
sala de aula. Também acredito que a Lei por si só não muda as diferentes rea-
lidades, para além da Lei devemos respeitar e valorizar a vida. Assim, como
trabalhar os diferentes sujeitos nas aulas de História?
É preciso reconhecer as identidades culturais de crianças e adolescentes
e, com base em suas complexidades, ter o cuidado respeitoso de não homoge-
neizar. A homogeneização nega as identidades nas suas especificidades e, ne-
gando a identidade, nega-se também o sujeito.4

Junho de 2018 167


Humberto da Silva Miranda

Desse modo, a luta travada na década de 1980 para enfrentar a cultura


menorista convive, nos dias de hoje, com a luta para romper com a ideia de
“sujeito universal” ainda presente no Estatuto da Criança e do Adolescente. É
possível afirmar que pensar a constituição da subjetivação das pessoas é voltar-
-se para as práticas produzidas nas relações de poder, na fabricação dos dispo-
sitivos que os reconhecem direito e que produzem normativas e regulações
sobre suas práticas macro e microfísicas cotidianas.
Desse modo, é importante perceber os direitos de crianças e adolescentes
para além do Estatuto e reconhecer a necessidade de que esse dispositivo tam-
bém se modifique e dialogue com as novas formas de pensar as infâncias. Esse
movimento anda em consonância com a ideia de que os direitos humanos
também passam por constantes mudanças. Como afirmou a historiadora Lynn
Hunt (2009, p.27), é preciso perceber que “os direitos permanecem sujeitos a
discussão porque nossa percepção de quem tem direitos e do que são esses
direitos muda constantemente”. Afinal, reforça a pesquisadora, “a revolução
dos direitos humanos é, por definição, contínua”.
O menorismo não foi abolido com o fim do Código de Menores e com o
surgimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Ele permanece
nas práticas sociais que defendem, por exemplo, a Redução da Maioridade
Penal; daqueles que, sob uma perspectiva punitivista, negam o direito ao ado-
lescente de viver sua adolescência e fazem questão de perceber os problemas
sociais que afetam diretamente os nossos meninos e meninas como um pro-
blema de polícia. Nesse sentido, tomando como ponto de partida um campo
de tensão e de disputas, crianças e adolescentes também enfrentam tal processo
de constituição do sujeito. E como diz Candiotto: “O mestre ou senhor de si
não é somente aquele que deixou de ser parentalmente tutelado; ou que passou
a ser imputável juridicamente pelos seus atos e suas consequências. Trata-se,
antes, de alguém que está em luta permanente para empreender ações livres
diante das recorrentes formas de tutela que procuram determinar suas escolhas
e decisões” (Candiotto, 2016, p.34).
Dessa perspectiva, é possível defender a ideia de que crianças e adolescen-
tes podem tornar-se “senhores de si”. Nos diferentes mundos em que transi-
tam, eles e elas podem apreender ações de liberdade para consigo e para com
o mundo. Podem, a partir de seus universos particulares, encampar processos

168 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

de lutas em defesa de seus direitos de viver suas infâncias e então se constitu-


írem como sujeitos de direitos ou sujeitos à história.
Aprendi com Foucault (1995) que os processos de objetivação são acom-
panhados pelos processos de subjetivação, e que as leis, as doutrinas e os dis-
cursos institucionais, sob a lógica do Estado Moderno, fabricaram modos de
subjetivações do indivíduo tendo em conta as relações de poder e saber.
Aprendi também que, ao nos perguntarmos “como os seres humanos torna-
ram-se sujeitos?”, nos engajamos em “lutas antiautoritárias”, que nos levam ao
questionamento: “quem somos nós?”.
Ao pensar em como crianças e adolescentes tornaram-se sujeitos de di-
reitos, faço-me engajar em uma luta antiautoritária. Luta contra a cultura me-
norista que insiste em não reconhecer a cidadania de meninos e meninas
dentro e fora da escola; luta contra as pedagogias tradicionais que buscam
produzir a “infância ideal” e o “aluno ideal”.
É preciso reconhecer os diferentes sujeitos para que a tensão entre o pro-
cesso de subjetivação se fortaleça frente às práticas de objetivação, como afirma
Foucault. A partir da luta em defesa da infância, esses meninos e meninas que
viviam em diferentes situações de vulnerabilidades deixaram de ser conside-
rados “menores” e se tornaram “sujeitos de direitos”.
Essa mudança desafiou e ainda hoje desafia as artes de “fazer” e de “viver”
a educação, afetando diretamente a forma como praticamos os processos de
aprendizagens, as didáticas e as formas de avaliações. Desse modo, qual o lugar
desses meninos e meninas no processo de ensino-aprendizagem? Em que me-
dida se reproduz o menorismo na sala de aula? Afinal, se construímos “outro”
conceito de infância, isso implica a prática de “outra” maneira de pensar em
como nos relacionamos com crianças e adolescentes. Mas o que esse processo
tem a ver com as aulas de História?

Direitos das crianças e dos adolescentes:


desafios para as aulas de História

Percebo a aula de História como um espaço estratégico para que crianças


e adolescentes possam vivenciar a cultura dos direitos humanos. É por meio
do saber histórico escolar que as pessoas podem cultivar a consciência de sua
história, possibilitando uma melhor relação para consigo, com o mundo e com

Junho de 2018 169


Humberto da Silva Miranda

as outras pessoas. Assim, a sala de aula pode permitir que meninos e meninas
conheçam o passado para melhor entender o presente, passo fundamental para
que as pessoas se tornem sujeitos da história.
De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Básica, o Ensino
de História deve estar preocupado com a promoção da “consciência política
e histórica”. Ao estabelecer uma série de diretrizes baseadas nos princípios
do “fortalecimento de identidades e de direitos”, a primeira a ser elencada
foi “a igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos” (Brasil,
2013, p.484).
Para que os princípios da educação em direitos humanos presentes nas
Diretrizes sejam vividos, é necessário (re)pensar o espaço sala de aula ainda
marcado pela rigidez disciplinar e pela relação verticalizada. Segundo os estu-
dos de Henry Giroux e Anthony Penna, é preciso pensar o conhecimento es-
colar e sua conexão com as relações sociais e a vida na sala de aula. Para esses
pesquisadores, tal espaço exerce função importante, uma vez que “trabalhar
em sala de aula significa aprender a viver em agrupamentos” (Giroux; Penna,
1997, p.61). E como esse debate pode contribuir com a discussão sobre a rela-
ção entre aula de História e os direitos da criança e dos adolescentes?
Geralmente, o debate sobre os direitos humanos de crianças e adolescen-
tes chega à sala de aula por meio da leitura do Estatuto da Criança e do
Adolescente, que vem sendo tratado como mais um dispositivo legal a estabe-
lecer parâmetros ou diretrizes para o Ensino de História. O Estatuto se encon-
tra presente nas próprias Diretrizes Curriculares da Educação Básica, na Base
Nacional Comum, nos editais do Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD). Contudo, é importante saber como ele chega à aula de História, para
além de fundamentar documentos ou de transversalizar conteúdos, saber co-
mo o sentimento de que esses meninos e meninas são sujeitos de direitos é
vivenciado nas relações humanas construídas no espaço escolar.
Há três desafios centrais para os professores de História que se encontram
abertos à possibilidade de vivenciar os direitos da criança e do adolescente em
sua sala de aula. Buscando conexões com o que já foi debatido, tentarei pro-
vocar uma reflexão crítica em relação a esses desafios, compreendidos como
desafios para o professor e a professora: 1) (re)pensar as concepções tradicio-
nais do “ser criança” e do “ser adolescente”; 2) concebê-los como sujeitos de
direitos; 3) reconhecer as diferentes infâncias.

170 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

Sobre o primeiro desafio, percebo que ao (re)pensarmos as concepções


socialmente construídas sobre crianças e adolescentes é fundamental “quebrar
as imagens historicamente” construídas sobre eles e elas. A imagem dos “me-
nores”: do “menor carente”, do “menor abandonado” ou da “infância inocen-
te”. De acordo com Lucia Rabello de Castro,

A infância universalizada nas práticas socioculturais que lhe deram um estatuto


de inocência e fragilidade não seria, então, a meu ver, nada mais que uma narra-
tiva, uma ficção por onde a racionalidade ocidental moderna construiu, através
de marcos etários rígidos e universais, o acesso à “idade da razão”, ou ainda, à
plena cidadania, dentro de uma sociedade que se quis igualitária e livre. (Castro,
2002 p.51)

Para o pesquisador Miguel Arroyo é preciso “quebrar as imagens român-


ticas das infâncias”, percebendo que nossa “tendência fácil é trocar a imagem
dócil por seu oposto, a “violência” ou reproduzir a imagem que “nossos sonhos
docentes” produzem:

O desencanto é uma perda das imagens que provocam nossa docência, a educa-
ção e as escolas. Colocamos a pergunta: que olhares projetamos sobre os alunos?
Com que imagens os representamos? Que imagens carregamos da infância, ado-
lescência e juventude? Os(as) alunos(as) “que não são mais os mesmos” cabem
nessas imagens? Não nos incomodam exatamente porque quebraram essas ima-
gens? Vivenciar essas inseguranças pode ser positivamente amedrontador.
(Arroyo, 2014, p.35)

Entre perguntas e afirmações, esse autor me levou a refletir que, para


quebrar as imagens romantizadas de crianças e adolescentes, é necessário viver
o desencanto da perda que, mesmo sendo uma experiência amedrontadora,
torna-se positiva. O desencanto tem a ver com as imagens que preconcebemos
ou reproduzimos da nossa própria infância. Contudo, é importante perceber
que a criança e o adolescente de hoje não são os mesmos, logo, as infâncias não
podem ser as mesmas.
Dessa perspectiva, é fundamental respeitar as trajetórias e os tempos des-
ses meninos e meninas nos sentidos individuais e coletivos. Cada menino e
cada menina tem a sua trajetória e seu tempo, mesmo fazendo parte de uma

Junho de 2018 171


Humberto da Silva Miranda

cultura infanto-adolescente. Essa nova forma de conceber as infâncias se reflete


diretamente na forma como penso a didática, a avaliação e, principalmente,
minha relação pessoal com crianças e adolescentes.
Penso que não há como garantir o respeito à dignidade humana desses
agentes sociais sem efetivamente respeitá-los nas suas identidades geracionais,
ou seja, é preciso respeitar o “ser criança” e o “ser adolescente”. É preciso res-
peitar as formas como crianças e adolescentes veem o mundo e agem sobre ele,
os modos como protestam e reivindicam e as expectativas que eles constroem
sobre suas vidas. Daí a relevância de as aulas de história estarem abertas para
promoção das identidades infanto-adolescentes, cabendo aos profissionais que
lidam com o saber histórico escolar estarem comprometidos com o respeito à
trajetória e ao tempo de cada estudante.
O segundo desafio para as aulas de História é reconhecer meninos e me-
ninas como “sujeitos de direitos”, promovendo a sua cidadania na sala de aula
e, por conseguinte, na escola e para além dela. A aula de História pode ser um
espaço de constituição da subjetivação dessas pessoas que estão na condição
de estudante e como tal devem vivenciar a sala de aula de forma cidadã.
Ao reconhecer que são sujeitos de direitos, é importante reconhecer as
pessoas que estão sendo acolhidas na sala de aula. As pessoas são crianças e
adolescentes que pensam, sentem e dizem sobre os problemas vividos no co-
tidiano. Não são “adultos em miniatura” que enfrentam as adversidades da
vida a partir das experiências acumuladas no decorrer dos anos. Pessoas que
diariamente enfrentam os desafios de lidar os seus problemas sociais vividos
em suas famílias ou as diferentes violências trazidas de suas comunidades.
Preciso ainda afirmar que não me refiro unicamente aos meninos e me-
ninas das periferias ou das famílias pobres. É preciso perceber que crianças e
adolescentes vivenciam as mais diferentes adversidades ou violação de direitos,
independentemente de sua condição econômica.
Reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direitos já representa
um importante passo para efetivação dos direitos humanos e para o questio-
namento das práticas menoristas. Para isso é fundamental desconstruir a ideia
de que estamos educando para “preparação da vida adulta” ou para o “adulto
de amanhã”. Esse sentimento é eminentemente adultocêntrico e interfere di-
retamente no comprometimento das relações afetivas e educacionais, uma vez
que tal prática não reconhece a identidade cultural infanto-adolescente.

172 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

Enquanto sujeitos, crianças e adolescentes representam um presente con-


tínuo e merecem ser respeitados a partir de sua trajetória infantil. Afinal, re-
conhecer os sujeitos é reconhecer as suas “vozes”. Mas como possibilitar que
crianças e adolescentes falem nas aulas de História?
Esse exercício não significa apenas reformular a disposição das carteiras
e colocá-las em modo circular. Antes de permitir que meninos e meninas
falem, é necessário estar aberto à escuta ética e respeitosa. Ou seja, a criança
e o adolescente falam/verbalizam do jeito deles, sentem a partir do universo
deles, produzem horizontes de expectativas baseados em suas trajetórias e
constroem modos de intervenção e participação sobre as relações construídas
na sala de aula.
Essa questão implica diretamente o reconhecimento da cidadania de
crianças e adolescentes e a responsabilidade política e ética de professores e
professoras. Educar para cidadania e para democracia. De acordo com Selva
Guimarães, “cabe à História e às ciências humanas que compõem a base co-
mum curricular assumir seu lugar e seu papel formativo nos processos de
ensino e aprendizagem, educando as novas gerações ancoradas nos princípios
e nas diretrizes da educação republicana e democrática em nosso país: igual-
dade, solidariedade, liberdade, pluralismo e respeito” (Guimarães, 2016, p.75).
Acredito que educar para cidadania é proporcionar que a própria cidada-
nia seja vivenciada na sala de aula. Desse modo, é de fundamental importância
construir avaliações de como vem sendo oportunizada e garantida a partici-
pação de crianças e adolescentes nas aulas de História. A avaliação permitirá
perceber se “igualdade, solidariedade, liberdade, pluralismo e respeito” estão
sendo promovidos na sala de aula.
O terceiro e último desafio refere-se ao reconhecimento das diferentes
formas de viver as infâncias. Romper com a lógica universalizante é funda-
mental para construção de uma sociedade que promova as diferenças. Entender
a infância no plural é um desafio que seguramente deve ser enfrentado para
que possamos construir “outro” projeto de sociedade.
É nesse momento que a aula de História tem um espaço de respeito junto
aos direitos humanos e sua efetividade. Ao analisar a relação entre o saber
histórico escolar e os direitos humanos, a pesquisadora Cinthia Monteiro de
Araujo considera a aula de História como um espaço privilegiado para o debate
dos direitos humanos, afirmando que

Junho de 2018 173


Humberto da Silva Miranda

A relação entre o ensino de História e os direitos humanos passa pelo empodera-


mento, pela formação de uma memória histórica que combata a cultura da impu-
nidade e proporcione o reconhecimento das diferenças, pela formação de sujeitos
autônomos conscientes de seus direitos e deveres, e capaz de agir no coletivo
buscando o bem comum. (Araujo, 2013, p.72)

A aula de História é um espaço onde as diferentes infâncias podem ser


reconhecidas e promovidas. Trabalhar os conteúdos das trajetórias de vida e
dos grupos sociais, motivando os estudantes a se reconhecerem na história,
trazendo suas vivências construídas na família e na comunidade, possibilitando
que meninos e meninas conheçam o passado, pensem o presente e formulem
“uma questão para o futuro”. Como afirmou o historiador Manoel Salgado
Guimarães, formular uma questão para o futuro é “acreditar na vida e na pos-
sibilidade de transformação pela ação humana, sem, no entanto, acreditar que
o futuro nos aguarda com a casa pronta” (Guimarães, 2007, p.39).
Os três desafios se coadunam e não podem ser vividos separadamente.
Também acredito que, com base nas aulas de História, meninos e meninas
possam construir outra forma de intervir no próprio espaço escolar, nas famí-
lias e nas suas comunidades. Podem interferir na gestão escolar e nas decisões
domésticas, podem se organizar politicamente e construir intervenções nos
grupos sociais que circulam, participar de forma mais cidadã nas decisões fora
e dentro da sala de aula.
Essa aula de História pode contribuir para outra cultura escolar, haja vista
que a escola real muitas vezes não está preparada para reconhecer crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos, uma vez que a cultura menorista ainda
permeia muitas das suas práticas pedagógicas. Como afirma Marchi, a escola
como “o dispositivo criado para encerrar a infância tanto do ponto de vista to-
pológico ou corpóreo, quanto do ponto de vista das categorias que a pedagogia
e a psicologia educacional elaboraram para construí-la” (Marchi, 2009, p.233).
Para além da programação escolar estabelecida no seu calendário, os con-
teúdos curriculares e as ações pedagógicas que fazem parte da cultura escolar,
professores/as de História devem lidar com as diferentes realidades vividas por
crianças e adolescentes. Aponto como problema fundamental construir o sen-
tido do ensino de História para a vida desses meninos e meninas.

174 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Aulas de História e os direitos das crianças e dos adolescentes: entre possibilidades e desafios

Esses três desafios me fizeram pensar a aula de História como espaço de


luta e que, a partir dela, é possível construir outra forma de não só pensar a
própria sala de aula e a escola, mas também apontar para outro projeto de
sociedade. Um projeto no qual crianças e adolescentes se constituam como
sujeitos e não como projeto dos interesses dos adultos, contribuindo para que
a cultura menorista seja enfrentada na sala de aula e para além dela.

Considerações finais

Neste trabalho, a aula de História assumiu um sentido, foi concebida co-


mo o espaço estratégico de viver os direitos de crianças e adolescentes. Viver
o direito de pensar sobre as questões e os problemas sociais enfrentados no
cotidiano, de dizer e se expressar de forma cidadã e de sentir as tristezas e as
alegrias que o mundo lhes oferece. Pode parecer utópico, mas penso que são
as utopias que alimentam a luta e, como diz Foucault, conceber o ser humano
como sujeito é acreditar na luta antiautoritária.
Nesse sentido, questionar a cultura menorista é uma luta antiautoritária.
O menorismo é autoritário, uma vez que ele nega o sujeito e estabelece que
meninos e meninas sejam objeto dos interesses adultos. O autoritarismo no
Brasil contemporâneo encontra-se na defesa da Redução da Maioridade Penal
e de outras pautas conservadoras comprometedoras dos direitos humanos
conquistados. Autoritarismo maior é não permitir que as próprias crianças e
adolescentes não tenham consciência histórica dos problemas sociais que nor-
teiam seu cotidiano e que estão diretamente relacionados às suas formas de
viver a vida.
Os desafios apresentados neste artigo devem ser compartilhados com os
diferentes profissionais da educação que atuam na escola. Penso no compro-
misso com os direitos da criança e do adolescente como um projeto coletivo
que os próprios meninos e meninas devem assumir.
É nas aulas de História que meninos e meninas podem ser mobilizados
nos sentidos intelectual, ético e político para pensar, sentir e dizer sobre esses
problemas e de outros que façam parte do seu cotidiano. Percebo as aulas de
História como o espaço da “luta antiautoritária”. A História vivida na sala de
aula tem sentido e pode ter vários sentidos. Acredito que um desses sentidos
é não negar o mundo que vivemos.

Junho de 2018 175


Humberto da Silva Miranda

É possível e necessário que o Ensino de História seja promovido “para e


pelos direitos humanos”, cultivando o respeito e a valorização das diferentes
culturas infantis, fora e dentro da sala de aula. Promover o pensar, o sentir e o
dizer é fundamental para que meninos e meninas vivenciem o direito de ter
direito. Reconhecer que meninos e meninas são “sujeitos” é promover o direito
de viver as diferentes infâncias.

REFERÊNCIAS

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_______. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda.
Resolução 191. Brasília, 2017.
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VIANNA, Adriana de R. O mal que se adivinha: polícia e menoridade no Rio de
Janeiro, 1910-1920. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.

NOTAS
1
Além da Redução da Maioridade Penal, que “coloca como causa problema da criminali-
dade no Brasil os/as adolescentes de 16 a 18 anos que cometem ato infracional”, outras
propostas conservadoras tramitam na Câmara Federal ou no Senado brasileiro em Projetos
de Leis ou Projetos de Emendas Constitucionais, apresentados por parlamentares. As pro-
postas foram apresentadas por deputados ou senadores oriundos de partidos conservado-
res. A Redução da Maioridade Penal, oficializada como Projeto de Emenda Constitucional
171, é de autoria do deputado Benedito Domingos, do Partido Progressista do Distrito
Federal, no ano de 1993, e objetiva alterar a redação do art. 228 da Constituição Federal,

Junho de 2018 177


Humberto da Silva Miranda

modificando a imputabilidade penal do maior de 16 anos, e já se encontra na Comissão de


Constituição, Justiça e Cidadania do Senado como PEC 33/2012. Já a PEC da Vida, de au-
toria do senador Magno Malta, do Espírito Santo, propõe alterar a Constituição Federal
para acrescentar no art. 5º, “da inviolabilidade do direito à vida, desde a concepção”, mesmo
em casos nos quais a mãe sofreu violência. Por fim, a o Estatuto da Família/PL 6583/13,
apresentado pelo deputado Anderson Ferreira, do Partido da República de Pernambuco,
que concebe a família apenas de uniões formadas por homens e mulheres. Sobre a Redução
da Maioridade Penal ver: PAES, 2015.
2
Neste artigo, devo utilizar a terminologia “cultura infanto-adolescente” ou “público infan-
to-adolescente” para me referir às questões relacionadas às crianças e aos adolescentes, haja
vista que vou me debruçar sobre a análise de pessoas de até 18 anos de idade. Percorrendo
as produções de pesquisas realizadas no campo do Ensino de História, percebi que esse
desafio se desdobra na própria forma de conceituar a criança e o adolescente. Encontrei
trabalhos sobre adolescentes identificando-os como jovens, por exemplo. É importante re-
pensar o compromisso com a infância para que por meio das pesquisas no campo do
Ensino de História possamos contribuir com as mudanças na sala de aula. Ser jovem é di-
ferente de ser adolescente, assim como ser adolescente é diferente de ser criança.
3
De acordo com a Resolução, é necessário respeitar os direitos de crianças e adolescentes
de “povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro/povos e
comunidades de matriz africana, povos ciganos, pescadores artesanais, extrativistas, extra-
tivistas costeiros e marinhos, caiçaras, faxinalenses, benzedeiros, ilhéus, raizeiros, geraizei-
ros, caatingueiros, vazanteiros, veredeiros, apanhadores de flores sempre-vivas,
pantaneiros, morroquianos, povo pomerano, catadores de mangaba, quebradeiras de coco
babaçu, retireiros do Araguaia, comunidades de fundos e fechos de pasto, ribeirinhos, ci-
pozeiros, andirobeiros, caboclos, entre outros” (BRASIL, 2016).

Artigo recebido em 25 de fevereiro de 2018. Aprovado em 27 de agosto de 2018.

178 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


DO
SS

Entrevista – Vera Carnovale:


A dor do outro como tema nas aulas de história
Interview – Vera Carnovale:
The Pain of Others as Subject of History Classes

Entrevista realizada por e-mail entre os dias 15 e 20 de janeiro de 2018.


Carmem Zeli de Vargas Gil*
Juliana Alves de Andrade**
Juliana Pirola Balestra***

Vera Carnovale é pesquisadora, professora universitária e intelectual en-


gajada. Esses e tantos outros adjetivos poderiam ser utilizados para caracterizar
essa cativante portenha que generosamente nos contou sobre o seu encontro
com a história, enquanto campo de atuação política e profissional. Especialista
em História do tempo presente e questões sensíveis, nos últimos anos se desta-
cou no cenário nacional e internacional ao organizar o acervo de história oral
sobre o terrorismo de Estado na Argentina e por suas inúmeras publicações
(livros e artigos em periódicos) sobre guerrilha, memória social e os usos pú-
blicos do passado nos diferentes espaços (escola, espaços de memória, arquivos
e museus), como em Los combatientes (Carnovale, 2011), “Enseñar la historia
reciente en la escuela” (Carnovale; Larramendy, 2010) e Derechos Humanos y
Ciudadanía (Schujman; Clérico; Carnovale, 2005). Docente do Departamento
de História da Universidad Nacional de San Martín (UNSAM), em Buenos
Aires, doutora em História pela Universidad de Buenos Aires (UBA) e pesqui-
sadora do CONICET, a instituição científica mais importante da Argentina,
atualmente coordena as publicações do Centro de Documentação e Investigação
da Cultura de Esquerda (CeDInCI), onde ministra seminários de pós-gradua-
ção. Entre 1998 e 2015 produziu materiais didáticos para o ensino de história
recente, articulando, na prática, História e Ensino no trabalho com temas

*Docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Recife, PE, Brasil.


julianadeandradee@hotmail.com
** Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Porto Alegre, RS, Brasil.
carmemz.gil@gmail.com
*** Docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Instituto Latino-
Americano de Arte, Cultura e História (Ilaach). Foz do Iguaçu, PR, Brasil. juliana.balestra@unila.
edu.br

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 178-203 - 2018


Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

sensíveis, e ministrou cursos de formação de professores do Ministério da


Educação da Nação e do Ministério da Educação da Cidade de Buenos Aires.

Vera Carnovale is a researcher, university professor and intellectual en-


gaged. These and many other adjectives could be used to characterize this
captivating porteña who generously told us about her encounter with History
as a field of political and professional action. A specialist in present-day History
and sensitive issues in recent years, she has stood out in the national and in-
ternational scene by organizing the oral History collection on state terrorism
in Argentina and by her numerous publications (books and periodicals) on
guerrilla warfare, social memory and public uses of the past in different spaces
(school, memory spaces, archives and museums), as in Los combatientes
(Carnovale, 2011), “Enseñar la historia reciente en la escuela” [Teaching
Recent History in School] (Carnovale; Larramendy, 2010) and Derechos
Humanos y Ciudadanía [Human Rights and Citizenship] (Schujman; Clérico;
Carnovale, 2005). Professor at the Department of History of the Universidad
Nacional de San Martín (UNSAM), Buenos Aires, PhD in History from the
Universidad de Buenos Aires (UBA) and researcher at CONICET, the most
important scientific institution in Argentina, she currently coordinates the
publications of the Center for Documentation and Research of the Left Culture
(CeDInCI), where she teaches postgraduate seminars. Between 1998 and 2015
she produced didactic materials for the teaching of recent History, articulating,
in practice, History and Teaching in the work with sensitive subjects, and
ministered courses of teacher training of the Ministry of Education of the
Nation and of the Ministry of Education of the City of Buenos Aires.

Para empezar, cuéntenos sobre su formación escolar y


cómo influenció sus elecciones académicas y profesionales.
Antes de responder quisiera agradecer sinceramente la invitación a esta en-
trevista. No sé si lograré estar a la altura de las circunstancias pero, en todo caso,
espero poder aportar algo, por pequeño que sea, al tema que nos convoca.
En cuanto a mi formación escolar, lo primero que me veo obligada a decir
es que no tuvo influencia alguna en mis elecciones académicas y profesionales:

180 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

no fue la escuela en sí, sino el “afuera” lo que determinó mi opción por la


historia.

Repaso mi escolaridad:

Realicé la escuela primaria entre 1977 y 1983 (es decir, completamente en


dictadura), en una escuela privada bilingüe, de doble turno, de esas que en la
Buenos Aires de fines de los setenta representaba una opción sólo para una
porción más bien pequeña de la clase media. La enseñanza del inglés y la com-
petencia en el hockey afloran en mis recuerdos como los aspectos más desta-
cados de la propuesta pedagógica de esa institución.
El ingreso a la escuela secundaria representó un cambio sustantivo y signi-
ficativo para mí: de aquel pequeño colegio privado, de sociabilidad endogámica,
ingresé a un colegio público que quintuplicaba en población (por turno) al an-
terior; de sociabilidad bulliciosa, abierta, variada, plebeya. Quizás haya sido este
último aspecto el que haya tallado o templado cierta sensibilidad en mí, sensibi-
lidad que en muy pocos meses se articularía con otros hilos de la trama que fi-
nalmente me llevarían a la política primero y a la historia después.
Trataré de explicarlo mejor. Es obvio e indudable que el cambio de la
escuela primaria a la escuela secundaria representa un cambio sustantivo, más
aún cuando ese cambio se suporpone al que implica el paso de un colegio
privado a uno público. Pero en mi caso particular, esos cambios coincidieron,
además, con el contexto histórico “de la transición democrática” y todas las
movilizaciones que ese contexto trajo aparejado en la vida de las instituciones,
de las familias, de las personas. Y es precisamente en este punto donde yo
puedo identificar o reconocer el origen de mi interés por la historia.
El recuerdo es muy nítido: yo estaba terminando la escuela primaria, casi
al mismo ritmo en que la dictadura se desmoronaba. En una oscura pero efer-
vescente tarde de ese invierno de 1983, caminaba con mi padre por el centro
de la ciudad [Buenos Aires]. Unas cuadras antes, frente al Congreso, nos ha-
bían repartido volantes políticos. Mi papá estaba contento. Yo tenía 12 años
recién cumplidos y estaba cautivada por la campaña electoral. Caminábamos
de la mano. De repente, sin mayores preámbulos, le pregunté “¿por qué se
vota?”. Recuerdo perfectamente los inicios de su extensa y pausada respuesta:
“todo empezó en 1930”, dijo y me empezó a contar. Mi primera pregunta
política recibía, así, una respuesta en clave histórica. No me acuerdo bien cómo

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

siguió su relato; sí sé, en cambio, que, atenta, escuché algunos nombres por
primera vez: Yrigoyen, Uriburu, Frondizi y, por supuesto, Perón. También
recuerdo a “Isabelita” y a Salvador Allende. Pero lo que me resultó más reve-
lador en aquel momento fue la dinámica que motorizaba su narrar: aquella que
enfrentaba a un ellos (“los militares”) con un nosotros (“el pueblo”) en una
pulseada que, al parecer, venía de largo rato.
Hoy, siendo ya historiadora, reconozco en la narrativa de mi padre las mar-
cas de la Argentina transicional; y, por supuesto, que no es aquella respuesta la
misma que yo ofrecería para explicar ese pasado. Pero esa noche, cuando volvi-
mos a casa, yo estaba feliz: creía entenderlo todo. Su respuesta me había ofrecido
un mapa complejo pero esclarecedor y, también, las coordenadas para saber
dónde estaba bien y dónde estaba mal posicionarse en él. En resumidas cuentas,
aquella tarde, la historia me había explicado la política; la historia me había
ofrecido un sentido para “ordenar”, “leer” y entender el presente que vivía.
Pasarían pocos meses para que yo ingresara a la escuela secundaria pri-
mero, y me internara, después, en una temprana, fugaz e intensa militancia en
al Federación Juvenil Comunista (entre los 13 y los 16 años). De las clases de
Historia del colegio, recuerdo poco y nada. Lamento decirlo pero es la pura
verdad: la enseñanza impartida en aquel entonces en la mayoría de los colegios
públicos, era aquella atiborrada de información fáctica, lineal, carente de in-
terrogantes o problemas y, por ende, carente de sentido. De modo que no fue
la instrucción allí recibida lo que me llevó a estudiar historia por aquellos años,
sino mi experiencia de militancia. Fue ésta una experiencia sumamente for-
mativa, en muchos sentidos. Por rudimentarios que puedan haber sido los
resultados en aquel entonces, lo cierto es que allí aprendí a leer textos políticos,
a debatir y a argumentar en política, a estudiar teoría (en realidad estudiaba
una versión muy esquemática y empobrecida del marxismo pero eso no es
sustantivo para lo que trato de decir aquí); y la historia estaba indefectiblemen-
te presente en esos textos, en esos debates, en aquella teoría. De modo que diría
que cuando finalmente decidí estudiar Historia, fue por algo así como una
pasión por la política; y esa pasión no provino de mi formación escolar sino
del “afuera”: un poco de la mesa familiar y otro poco de la militancia.
El ingreso a la Universidad representó para mí un cambio para el cual no
encuentro aún adjetivos. Fue algo así como cuando se corre el telón del escena-
rio. El descubrimiento de un mundo. Diría que desde la primera clase, la pasión

182 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

por la política quedó desplazada, sin que yo lo advirtiera siquiera, por la pasión
por el saber, por la avidez de conocimiento. Nuevamente me veo obligada a
contextualizar. Yo realicé el ciclo básico de ingreso en 1989 e ingresé a la Facultad
en 1990. Por aquel entonces, hacía rato que había abandonado la militancia en
la FJC (desencantada ya no recuerdo bien de qué), y exactamente dos años des-
pués de lo que hiciera, caían el Muro de Berlín y los socialismos reales. Hoy, suelo
decir que esas caídas dejaron sin faro y sin lenguaje a millones de hombres y
mujeres en el mundo entero… quizás, sin tanto dramatismo, algo de eso me haya
pasado a mí en aquel momento: si el lenguaje de la política estaba cooptado por
el del neoliberalismo, si la pregunta por el poder quedaba reducida a una cues-
tión de administración de gastos del Estado, si el fundamento inalienable de toda
política ya no era la emancipación del hombre – como lo había sido para mí hasta
entonces y como lo sigue siendo hasta hoy – sino el mercado o la ganancia del
capital… pues entonces, nada había de convocante para mí en ese mundo. A la
inversa de lo que había sucedido siete años antes, mi nueva etapa de formación
– y de pasión – trascurriría, ahora, intramuros.
Los años de mi formación universitaria coincidieron con la consolidación
de la llamada “profesionalización del campo”; y, aunque la historiografia re-
sultante fuera acusada por aquel entonces de aspirar a un divorcio absoluto
entre la historia y la política, debo decir, sin duda alguna, que yo me sentí – y
me siento – privilegiada por los profesores que tuve. Hasta el día de hoy, re-
cuerdo mi propio deslumbramiento en las clases teóricas de Luis A. Romero,
de Enrique Tándeter, de Hilda Sábato, de Gastón Burucúa, de Oscar Terán, de
José Sazbón, de Ricardo Graziano… para mí fue, realmente, una revolución
copernicana. Yo venía con un know how político – y en infinita menor medida,
histórico – matrizado por mi militancia (insisto, por una militancia que incluso
hoy en día reivindico fundamentalmente por su valor formativo). Pero yo
venía con certezas y me encontré con dudas e interrogantes; yo venía conven-
cida de que existía La Verdad, así, con mayúsculas, y me encontré con que
había interpretación, debate, problema; yo venía con esquemas explicativos
unilineales, y me encontré no sólo con la multicausalidad, más importante aún,
con la variedad de enfoques y abordajes. Yo no sabía que había debates dentro
del marxismo, mucho menos que esos debates se disputaban la interpretación/
explicación de un fenómeno histórico; yo no sabía que había escuelas histo-
riográficas ni que un mismo fenómeno podía ser explicado desde múltiples

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

perspectivas… La noción de Historia ideludiblemente atada a la construcción


de sentido, me era totalmente ajena. Para mí, el descubrimiento/aprendizaje
de todo eso fue fascinante. Yo creo que fue durante esos años de estudio que
me identifiqué definitivamente con una subjetividad de historiadora: una que
no puede menos que buscar permanentemente la desnaturalización (de reali-
dades, de valores, de conceptos, etc.), la comprensión, la explicación; una que
se interroga por qué y cómo las cosas han llegado a ser como son y no señalar
cómo deberían haber sido…
Ahora, de qué manera todo esto influenció en mis elecciones académicas
y profesionales… no sabría decirlo con precisión. Mi impresión es que lo mío
fue más bien un recorrido azaroso. Durante muchos años yo no tenía ninguna
intención de hacer una carrera académica, de investigación (de hecho la co-
mencé varios años después, ya pasados los 30 o casi…). Durante los últimos
años de la carrera yo trabajaba como maestra en una villa miseria (algo pare-
cido a una favela) y creía que lo mío sería por siempre el espacio educativo (ni
se me cruzaba por la cabeza la posibilidad de la investigación). Pero por en-
tonces (mediados de los noventa), surgieron en el espacio público varias inter-
venciones que ponían a “los años setenta” en el centro del debate público. La
historiografía de aquel entonces era más bien esquiva a la historia reciente y,
a excepción de Enrique Tandeter, ninguno de los profesores a quienes yo tenía
como referentes, les entusiasmaba la idea de que yo me abocara a su estudio.
Pero para mí fue como una reactivación de mi interés por la política, sólo que
ahora, con otra mirada…
Lo que sigue es más bien anecdótico e, insisto, azaroso. Si los nuevos
vientos traían a escena al pasado reciente, era la experiencia de la represión la
que concentraba el mayor interés. A mí, en cambio, me interesaba recuperar
la experiencia militante (y ahora que lo escribo pienso cuánto de biográfico
hubo en aquella elección). Sabía que ahí había algo interesante para “recupe-
rar”, algo que en aquel entonces yo identifiqué como “vitalidad”; más impor-
tante aún, intuía – y estoy segura que en eso no me equivoqué – que había allí
algo interesante para pensar…
Yo estaba en la cátedra de América Colonial, a cargo de Enrique Tándeter
y me había incorporado al Programa de Historia Oral que dirigía Dora
Schwarsztein (lo cual me había abierto, a su vez, otra puerta a un universo
maravilloso: el de los testimonios orales). Yo leía casi compulsivamente cuanto

184 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

libro de los setenta se editaba por entonces, bibliografía que, dicho sea de paso,
era básicamente testimonial. Con un poco con vergüenza, fui a hablar con
Tándeter para insinuarle que dudaba acerca de mi interés historiográfico, que
no sabía si me interesaba más el mundo indígena o el de los años setenta. Con
la sabiduría y la generosidad que lo caracterizaba, me respondió simplemente:
“Vera, la pasión garantiza el éxito. No te imagino estudiando nahuatl pero sí
con los cachetes colorados discutiendo de política de acá para allá. Dedicate a
los setenta…pero no te distraigas, concentrate y estudiá”. No sé si supe o pude
hacerle caso en la última parte de su consejo, pero estaré siempre agradecida
por aquellas palabras que fueron las que finalmente me impulsaron a sumer-
girme en ese mundo fascinante de la investigación, en una clave que reunía mi
pasión por la política (entendida ésta como intervención en los asuntos públi-
cos) y mi pasión por el conocimiento histórico.
Y simplemente comencé a investigar. Ya me había decidido por la mili-
tancia revolucionaria y opté por la guerrilla porque era un tema del que todavía
se sabía poco. ¿Por qué el PRT-ERP1 y no Montoneros? Supongo que sencilla-
mente porque el lenguaje marxista me era más familiar que el vasto y hetero-
géneo universo del peronismo. Además mi mamá tenía un paciente que había
sido del PRT-ERP, un obrero metalúrgico que vivía en la ciudad de Rosario y
que estaba dispuesto a darme testimonio. Así que sencillamente, viajé 300 km
para tocarle el timbre, grabador bajo el brazo… y así empecé. Él me fue pre-
sentando a otros y esos otros a otros.
Un año después, el Programa de Historia Oral fue convocado por la
Asociación Memoria Abierta para la construcción de un Archivo Oral sobre
terrorismo de Estado. Ahí trabajé 8 años… Mi recorrido hasta aquí es, en gran
medida, el resultado de esos dos emprendimientos: el de mi investigación sobre
el PRT-ERP y el de mi experiencia en Memoria Abierta.

¿Cómo esta formación, política en primer instancia,


interviene en su manera de escribir y enseñar Historia?
Lo primero que diría es que me cuesta pensar en la formación política y
en la práctica profesional como dos dimensiones claramente diferenciables…
Es decir, no hay una formación o una identidad política acabada que simple-
mente se vuelca o gravita sobre mi escritura o sobre mi práctica docente.

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

Es cierto que hay un conjunto de valores, de ideas, de voluntades políticas,


etc., que en mi caso se corresponden con la tradición de izquierdas, que inelu-
diblemente intervienen en la delimitación de mis temas de investigación y
enseñanza, en mis interrogantes, en mis enfoques, en mi estrategia de escritura,
etc. Pero también lo es que la propia práctica profesional, el proceso de inves-
tigación, el de escritura, el diálogo y la discusión con pares, la interpelación de
los alumnos etc., van retroalimentado, también ineludiblemente, mi formaci-
ón. Definitivamente, mi visión del mundo no era la misma al comienzo de mi
investigación sobre el PRT-ERP que al final del proceso de escritura de la tesis
o del libro. En resumidas cuentas: mi ideología interviene en mi práctica pro-
fesional y los procesos, recorridos y resultados de esa práctica van tallando o
remodelando, a su vez, mi propia formación. Esa es, por lo menos, mi
impresión.
Dicho esto y volviendo a la pregunta, yo creo que el hecho de participar
de una cultura de izquierdas, el hecho de haber tenido una experiencia de
militancia en la izquierda, me permitió en el transcurso de mi investigación o
en mi trabajo como entrevistadora en Memoria Abierta compartir con mis
entrevistados y/o con mi objeto de estudio un horizonte común de sensibili-
dades, me permitió reconocer los guiños, identificar códigos, reflejos… Bueno,
es como conocer o reconocer un lenguaje, con todo lo empático que ese reco-
nocimiento pueda implicar. Pero a veces pienso que la tarea del historiador es
similar, de algún modo, a la del traductor (y, ya se sabe, no se puede traducir
sin traicionar). El historiador necesariamente tiene que ser capaz de ver el
mundo con los ojos de su objeto de estudio pero, al mismo tiempo, debe ser
capaz de ver lo que esos ojos no ven, de trascender el sistema de creencia de
los propios actores, para poder explicarlo, para volverlo inteligible en otro
escenario, en otro contexto. Y para ello, el movimiento empático debe com-
plementarse con el de la extrañeza, el del distanciamiento crítico.
No sé si estoy respondiendo a la pregunta. Quizás falte decir que tanto mi
práctica de escritura como de enseñanza no son en absoluto ajenas a mi irre-
nunciable voluntad de aportar, a través del estudio de las culturas y el pensa-
miento de izquierdas o de las experiencias revolucionarias, a una cultura
política más atenta o más preocupada por la solidaridad, la dignidad y la eman-
cipación humana. Es la única explicitación que se me ocurre que puedo hacer
respecto de mi formación político-ideológica y mi práctica profesional: que

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Entrevista – Vera Carnovale

estudio y enseño el pasado de las izquierdas, aún en sus fracasos y derrotas,


porque creo que allí hay una promesa inclumplida de emenacipación que vale
la pena repensar y recrear.

Para usted, cuál es el papel de la enseñanza


de la historia en el espacio escolar?
En términos generales y muy sintéticamente podría decir que a lo largo
de la historia argentina, la enseñanza de la Historia en la escuela ocupó un rol
de gran importancia, estrechamente vinculado con la construcción de la ciu-
dadanía. En los orígenes del Estado nacional, formó parte de un curriculum
centrado en la educación patriótica. Esto suponía, fundamentalmente, la for-
mación de una identidad nacional, entendida ésta como una identidad cultural,
esencialista (el “ser nacional”), cuya esencia debía buscarse en los orígenes
históricos de la nación. La historia escolar, junto a la geografía, la educación
cívica y la enseñanza del “idioma nacional” – es decir, el castellano – debían
enseñar a los niños y a los jóvenes a amar y respetar a la patria, a sus próceres,
a sus símbolos (de ahí también la centralidad que tuvieron en la rutina escolar
los dispositivos rituales y ceremoniosos de celebración de símbolos patrios, de
efemérides, etc.). Estos propósitos respondían a la necesidad de legitimar al
Estado nacional y homogeneizar política y culturalmente a un Estado de re-
ciente construcción y convertir en argentinos a los hijos de los inmigrantes.
En otras palabras, a la construcción de una ciudadanía identificada política y
culturalmente con el Estado nación. Con variantes y matices, podría decirse
que estos fines perduraron como criterio fundamental de la enseñanza de la
historia durante casi todo el siglo XX. En términos de Hobsbawm, el papel de
la historia era imponer un mito de orígenes de la nación argentina, en clave
nacionalista.
Un punto de inflexión importante son los cambios curriculares que tu-
vieron lugar tras el fin de la última dictadura militar. Sin que se impugnara el
fin de construir una identidad nacional, a partir de entonces, se reformula el
propósito, postulando a la enseñanza de la historia como parte de una educa-
ción destinada al desarrollo del pensamiento crítico y reflexivo y a la construc-
ción de un ciudadano democrático, pluralista, defensor de los derechos
humanos. En esta lógica, la historia se propone como una asignatura destinada
a conocer el pasado para comprender el presente y cambiar el futuro, hacía

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

una sociedad más justa. Para ello, el foco de enseñanza se desplaza: de las
grandes fechas patrias y las biografías gloriosas a las estructuras y procesos
(económicos, sociales, políticos, culturales, etc.) protagonizados por sujetos
históricos colectivos, incluyendo o “recuperando” a los anteriormente negados:
clases subalternas, grupos étnicos marginados como indígenas y afro descen-
dientes, mujeres, niños, etc. La identidad nacional se propone ahora como
parte de una identidad ya no enfrentada sino más bien vinculada a la identidad
regional Latinoamérica.
Ahora bien, obviamente, estas prescripciones legales/curriculares tienen
un impacto muy desigual en las prácticas docentes, donde las más de las veces,
conviven, híbridamente, ambos paradigmas. A lo anterior debe añadírsele,
además, un propósito bastante extendido entre los docentes y que ha sido
señalado recientemente y con alarma por mi colega Ariel Denkberg: el de en-
señar “la verdadera historia” (enfrentada a otra “falsa”, que sería una suerte de
tergiversación o adulteración adrede de la verdad). Esta visión es visible en
docentes que transmiten a los alumnos una visión de la historia destinada a
denunciar a los “poderosos” (clases dominantes, estados centrales, etc.) y “re-
velar” la presencia de los dominados, de las de clases subalternas, la de los
países periféricos, etc. Esta visión comparte la mirada “moralista” del paradig-
ma “nacionalista” pero con ciertos cambios en el panteón. La resultante es una
narrativa unilineal, monocausal, que anula la multiperspectividad histórica,
desconoce la legitimidad de los debates historiográficos y en la que, las más de
las veces, la denuncia de tenor político suplanta el análisis crítico del pasado.

Así como escribe Susan Sontag en el libro Ante el dolor de los demás, sobre
las representaciones de la guerra y los efectos que ejercen sobre quién las ve;
en Los combatientes usted alerta para las representaciones de las llamadas
“guerras de izquierda” y los efectos que ellas ejercen en el presente, como una
suerte de trauma, que hace de su abordaje en el presente un tema muy sensi-
ble. Cuando el pasado se convierte en un tema sensible para la sociedad?
Podría decirse que aunque el pasado suele ser siempre terreno de disputa,
es cierto que determinados acontecimientos, fenómenos y procesos se tornan
particularmente conflictivos y “sensibles” en su tramitación colectiva o social.
En la actualidad, y para referirme sólo al terreno de la historia política pare-
cieran ser especialmente aquellos vinculados a experiencias de violencias

188 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

masivas, sistemáticas, organizadas, extremas, por definirlas rápidamente.


Aunque, insisto, la vastedad de experiencias históricas de este tipo y de formas
colectivas de elaboración impiden respuestas unívocas y universales.
En el caso argentino, es el pasado reciente, no en vano y bastante elocuen-
temente denominado, también, el “pasado que duele” o la “historia que duele”,
el que se constituye como tema sensible y/o alberga una pluralidad de temas
sensibles. Y esto, en principio, porque la modalidad y naturaleza de la repre-
sión planificada y ejecutada por el Estado supuso un verdadero quiebre civili-
zatorio toda vez que transgredió los principios éticos que fundamentan la
existencia y preservación de una comunidad.
A lo largo de las últimas tres décadas, el acercamiento de la sociedad a ese
pasado reconoce distintos momentos que, en conjunto, dibujan un recorrido de
elaboración que va del conocimiento – o, mejor dicho, re-conocimiento – de lo
sucedido a la pregunta en torno a sus condiciones de posibilidad. En otras pala-
bras, un recorrido que va del “qué pasó” al “cómo fue posible que pasara”.
Ahora bien, la pregunta abre las puertas al problema de las responsabili-
dades colectivas y, en consecuencia, interpela jurídica, política y éticamente a
una pluralidad de actores. Y, junto a esa interpelación, se tensan las fronteras
políticas e ideológicas entre lo que puede ser dicho en el espacio público y lo
que no; aparecen los silencios, los temas e interrogantes que se prefiere no
abordar porque son temas “delicados” o “sensibles”; en fin, temas que se resis-
ten a ser inscriptos en una narrativa pública (a pesar de que el campo historio-
gráficos ya ha comenzado a avanzar sobre ellos). Finalmente, parece necesario
señalar que aquellas fronteras entre lo decible y lo silenciado no son estáticas
sino que se van configurando por los escenarios memoriales, políticos y judi-
ciales del presente.
Para dar algunos ejemplos de estos temas controversiales, delicados, “sen-
sibles”… ¿Cómo incorporar en la narrativa pública la complicidad criminal de
la Iglesia Católica con la represión (de una Iglesia envalentonada, además, por
la elección de Berbeglio como Papa)? Si es cierto que ya no es la misma Iglesia
¿por qué no abre sus propios archivos y los pone a disposición de la justicia y
de la sociedad argentina?
¿Cómo incorporar en la narrativa pública la responsabilidad que le cupo
al peronismo en el poder y al propio Perón en el desencadenamiento de la
masacre? ¿Qué va hacer el peronismo con esto? ¿Cómo inscribir al peronismo

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

en una genealogía humanista, en una genealogía de justicia, en una genealogía


que reivindique la gesta militante, cuando el propio padre fundador es uno de
los grandes enunciadores de la figura de la “subversión” como aquello foráneo,
ajeno al cuerpo argentino, como aquello que hay que “aniquilar”, y uno de los
grandes impulsores de la política represiva estatal “dentro o fuera de la ley”,
según sus propias palabras? ¿Cómo inscribir en la narrativa pública a los “he-
chos de sangre” perpetrados por las organizaciones revolucionarias armadas?
¿Qué hará la militancia revolucionaria y/o sus herederos con esos “otros muer-
tos”? Siendo esa misma militancia hoy un componente clave del movimiento
de derechos humanos ¿cómo incluirá en su relato humanista a aquellos muer-
tos sin interpelar los fundamentos éticos y las propias prácticas que formaron
parte de su historia? ¿Cómo abordar estos temas cuando en el relato que se
construya sobre ese pasado se juega el sentido de la vida y de la muerte de miles
de personas? ¿Cómo hacerlo sin abonar equiparaciones absurdas o relativismos
de tinte negacionista?
Creo que en este punto los historiadores tenemos un desafío muy com-
plejo, muy difícil y, al mismo tiempo, infinitamente noble.

Cuando se dio cuenta que su tema de


investigación era una cuestión sensible?
Desde el minuto 1 de la primera entrevista, si no antes. Porque más allá
de que yo me hubiera inclinado a estudiar a la militancia revolucionaria porque
entendía que allí había una vitalidad para “recuperar” y una experiencia inte-
resante y potente para pensar la tradición de izquierdas o la cultura política,
nunca se me escapó el hecho de que se trataba de la historia de una derrota,
cuando no de un fracaso; y no de uno cualquiera, sino el de una causa que
había dotado de sentido a la propia existencia, a la vida y a la muerte, a la dis-
posición de morir y de matar. Yo sabía que iba a entrevistar personas que
habían perdido seres queridos, que habían sido torturadas, presas, exiliadas;
que habían empuñado las armas “por un mundo mejor” y no sólo habían sido
derrotadas a costa de sufrimientos inimaginables… quizás más grave aún, esa
derrota se inscribía en otra mayor, me refiero a la caída del escenario de la
Revolución en el mundo entero.
De modo que siempre supe que me enfrentaba a una “cuestión sensible”.
Lo que también sucede es que, lógicamente, en el momento de la entrevista,

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Entrevista – Vera Carnovale

del cara a cara, todo esto se materializa de mil maneras: en los gestos, en las
miradas, en los susurros, en los silencios, en las lágrimas, en los pudores, en
las vergüenzas… y, también en las expectativas que la entrevista – y lo que haga
el historiador con ella – generan. Testimoniar no es fácil. Y cuando hay tanto
sufrimiento en la experiencia evocada se genera un vínculo muy especial, muy
fuerte, diría, entre entrevistador y entrevistado. Al menos así lo viví yo, como
un compromiso humano inquebrantable. Lo cual, por supuesto, me llenaba de
responsabilidad, de dudas, de temores. ¡Las veces que habré soñado que yo
comparecía ante un tribunal integrado por alguno de mis entrevistados! ¡Las
veces que me habré desvelado de madrugada pensando qué diría tal o cual de
lo que yo estaba escribiendo! ¿Se reconocerían en mis textos, en mis análisis?
¿Se debían reconocer?
Bueno, finalmente, quizás sin darme cuenta precisa, parece que opté por
escribir una historia de la militancia y no una historia para la militancia. Fue
la forma más honesta que pude para responder a aquel compromiso.

¿Por qué estar ante el dolor de los demás


nos desafía en el proceso de formación crítica?
Yo he hecho cientos de entrevistas…cientos. Y realmente muchas veces
pensé que ante el dolor de los demás sólo se puede guardar silencio… Pero lo
cierto es que uno finalmente no guarda silencio… Supongo que en la medida
en que el dolor del otro no nos es ajeno – al menos en mi experiencia, sobre
todo en mi trabajo en Memoria Abierta – uno intenta hacer algo con ese dolor,
aunque más no sea pensarlo, contárselo a otros...
Al mismo tiempo, no puedo dejar de advertir que, sobre todo en un marco
educativo, la figura de la víctima genera acercamientos empáticos, identifica-
ciones, que constituyen terrenos fértiles para dar cuenta y abordar la univer-
salidad del ser humano… Una vez un entrevistado me dijo que los pueblos se
ríen de cosas diferentes pero lloran por lo mismo. Me pareció interesante: en
el humor se reconoce la particularidad, la diferencia; en el dolor nos recono-
cemos todos…
Ahora, me parece que el desafío es ser capaz de “hacer algo” con ese dolor;
no dejarlo anclado al sufrimiento puro, no exponerlo una y otra vez morbosa
y obscenamente, como muchas veces sucede con estas temáticas, sino dotarlo
de sentido, restituirle su dimensión colectiva, recontextualizándolo,

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reintegrándolo a la historia en que la experiencia dolorosa tuvo lugar. Y en-


tonces “eso que le pasó a María”, en realidad le pasó a muchos, y tiene una
trama histórica que involucra a muchos más todavía. Entonces, la cuestión ya
no es María y su dolor, sino la historia de esa experiencia, sus condiciones de
posibilidad. La historia desestigmatiza; porque la vida de cada cual, tan única,
tan singular e irrepetible, forma parte de lo que en definitiva es la historia de
una experiencia colectiva.

En su trabajo de capacitación docente y en la producción de secuencias


y recursos didácticos, ¿cómo se abordan esos los temas sensibles?
Bueno, en principio, se abordan, lo cual menciono porque sucede muy a
menudo que la tantas veces evocada “complejidad” o “dificultad” de los temas
se resuelve, sencillamente esquivandolos.
Ahora bien, debo señalar que actualmente doy clase en el espacio univer-
sitario (en carrera de grado y posgrado) y me parece que la pregunta apunta
más bien a la enseñanza en la escuela primaria y secundaria. En ese terreno, y
en lo relativo al pasado reciente, mi experiencia estuvo más bien centrada en
tareas de capacitación docente y en la producción de secuencias y recursos
didácticos para el abordaje de este tema en las aulas. De modo que, basándome
en esa experiencia, responderé atendiendo a los diagnósticos, los desafíos y los
fundamentos que fueron determinando mis intervenciones (en la actividad
docente y en la producción de materiales educativos).
Como mencionaba anteriormente, en Argentina, tras la reapertura demo-
crática, las decisiones en torno a políticas educativas estuvieron orientadas a
promover el estudio del pasado reciente, en una clara voluntad de transmisión
de valores democráticos y de respeto y promoción de los derechos humanos.
Estas determinaciones, sin embargo, no estuvieron acompañadas por una es-
trategia efectiva que acompañara a los docentes en la determinación de qué
enseñar y cómo hacerlo, a qué recursos apelar. Una de las consecuencias más
evidentes de esto es la dificultad para trascender la ritualidad repetitiva de los
actos conmemorativos, con los sesgos y limitaciones que ello implica. El deber
de memoria que frente al horror de la última dictadura se impuso como eje de
la transmisión del pasado reciente parece haber quedado anclado en la comu-
nicación reiterativa de los crímenes perpetrados por el Estado y su condena en
clave moral, al tiempo que ha postergado paralelamente el abordaje de los

192 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

conflictos ideológicos, políticos y sociales que precedieron a la instalación del


terror y signaron el período estudiado (es decir, la larga trama del contexto
histórico en que aquellos crímenes tuvieron lugar). Así las cosas, pareciera que
la enseñanza del pasado reciente no favorece ni la construcción del conoci-
miento histórico ni la construcción de una ciudadanía reflexiva, crítica.
Ante este escenario, nuestra propuesta (digo nuestra porque buena parte
de mi actividad estuvo enmarcada en proyectos institucionales compartidos
con otros colegas) se orientó hacia la enseñanza de una historia centrada me-
nos en acontecimientos que en procesos; una historia donde la información
fáctica ofrecida desde el recorte del docente se encuentre articulada y al servicio
de categorías explicativas más generales. Una historia que, en el abordaje de
los conflictos que caracterizaron al pasado reciente, atienda a la pluralidad de
actores en juego, a sus respectivos intereses, intencionalidades, ideologías,
prácticas políticas, etc. En resumidas cuentas, una historia atenta a la multi-
causalidad, a la multiperspectividad, una historia capaz de superar la mera
enunciación descriptiva de los crímenes para volverse sobre el interrogante
por sus condiciones de posibilidad.
Para ello, los recortes y las puertas de entrada son variados, múltiples y
dependerán seguramente de las formas en que los contenidos de una temática
específica se articulen con las exigencias curriculares y/o los proyectos áulicos
o institucionales. En cuanto a los recursos, también los hay en cantidad y va-
riedad (y si pudiera añadir una nota al pie diría que justamente no es la falta
de recursos lo que dificulta el tratamiento del pasado reciente en el aula, sino
problemas de otro tipo que van desde baches y zonas oscuras en la didáctica
de las ciencias sociales hasta temores políticos y limitaciones ideológicas, en-
tendidas éstas en sentido amplio).
Personalmente, me declaro promotora militante de la inclusión de fuentes
en la enseñanza (lo cual familiariza a los alumnos con la Historia como disci-
plina, con el carácter interpretativo y construido del saber histórico). Y como
mi experiencia ha estado centrada en el uso de testimonios puedo referirme
brevemente a sus potencialidades (no en el ámbito de la investigación sino
exclusivamente en el de la enseñanza).
En principio, hay un aporte muy obvio: los testimonios ofrecen un tipo
de información difícilmente hallable en otras fuentes. Pero más importante
aún, los relatos en primera persona suelen ofrecer un conjunto de imágenes,

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Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

de escenas, de situaciones relativas a la experiencia cotidiana que resultan sig-


nificativas para los alumnos y, en consecuencia, constituyen un “material”, un
“insumo” propicio para la construcción de conceptos. Dicho esto, debe adver-
tirse que el uso de testimonios no garantiza ni per se ni automáticamente la
producción de conocimiento histórico. Más aun, la fascinación y el entusiasmo
que el testimonio suele generar, su uso acrítico y ritualizado ha desembocado,
muchas veces, en un tipo de enseñanza que es, justamente, la que trata de su-
perar: aquella anclada en lo anecdótico, en el apego identificatorio con las
víctimas, en la banalización de los hechos dolorosos.
En una enseñanza que se propone abordar los procesos históricos en sus
complejidades y conflictos facilitando en los alumnos un acercamiento refle-
xivo a ese pasado, los testimonios constituyen un recurso potente cuando se
presentan articulados tanto con testimonios de personas con experiencias di-
versas, como con fuentes de época de diversa naturaleza y, también, con fuen-
tes secundarias; es decir, con abordajes, interpretaciones y reconstrucciones
que, provenientes del campo disciplinar, aporten conocimiento respecto de los
contextos en que los testimonios se inscriben. Lo más rico que los testimonios
ofrecen (el acceso a la experiencia y subjetividad de los sujetos) es, al mismo
tiempo, su límite. De ahí la necesidad de ponerlos en diálogo con otras fuentes:
para confrontarlos, para complementarlos, para interpelarlos y re-visitarlos a
partir de preguntas y/o claves interpretativas que le son externas; para inte-
grarlos en un marco explicativo que atienda a las muchas dimensiones y cau-
salidades de la experiencia histórica.

A veces un tema sensible para la historiografía no es un tema sensible para


los jóvenes en las escuelas. Para ciertas cuestiones, las interpretaciones de los
historiadores y de los movimientos sociales se enfrentan con los medios y las
opiniones de la familia, de los amigos, etc. ¿Quién define los temas sensibles?
La verdad es que di por sentado dos ascepciones del término (y respondí
en mayor medida, en relación a una de ellas). La primera ascepción que pre-
supuse fue aquella relativa a crímenes aberrantes como la tortura, la vejación
sexual, la desaparición forzada… en fin, aquella que remite a situaciónes ex-
tremas de deshumanización, vulnerabilidad y sufrimiento. La segunda ascep-
ción, que fue aquella a la que mayormente me referí (lo cual evidentemente
constituye una marca de mis preocupaciones actuales), remite a aquellas

194 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

temáticas controversiales, cuyo tratamiento en el espacio público se ve parti-


cularmente dificultado y/o tensado, por las implicancias políticas, éticas y me-
moriales que acarrean, por las hipersensibilidades o irascibilidades que, en
consecuencia, despiertan. Anteriormente di algunos ejemplos cuando me referí
a la complicidad de la Iglesia Católica, a la responsabilidad del peronismo, a
“los otros muertos”. Podría agregar, para el caso argentino, el problema de la
cifra de los desaparecidos.
En cuanto a quién los define, diría que son los procesos vinculados a la
memoria social; a la elaboración – siempre colectiva – del pasado; a las disputas
por los sentidos otorgados a ese pasado. Esas disputas no tienen lugar en un
escenario estático, sino que se despliegan en contextos históricos, políticos,
judiciales (y también de sensibilidades colectivas, por qué no), específicos, que
van determinando las fronteras de los relatos (y, en consecuencia, de lo que
queda excluido de ellos), de lo que puede ser enunciado públicamente y lo que
no, de lo que es audible y lo que no. Lo que era decible, audible, tolerable hace
treinta años, puede no serlo hoy o a la inversa.
Ahora bien, dicho esto también es necesario señalar que aquella la disputa
por el sentido a otorgar es, también, una disputa por la legitimidad de las voces;
por la “autoridad moral” de quién puede enunciar la palabra en el espacio
público y quién no. Hay voces más “autorizadas” que otras, para decirlo mal y
pronto, especialmente cuando se trata de temas sensibles. Dejando a un lado
el terreno judicial, podemos decir, por ejemplo, que las voces de las víctimas
de crímenes aberrantes han ocupado un lugar privilegiado en los procesos de
memoria, de elaboración y representación del pasado reciente. Esto es no sólo
esperable y admisible sino que me animaría a decir que es deseable, que es ética
y humanamente necesario: hay indudablemente una función reparadora en la
palabra pública, en la inscripción del testimonio en el espacio público. Y es
atendible que sean esas voces las que de alguna manera marquen el tono del
qué y del cómo abordar temáticas relativas a su sufrimiento, aunque, nueva-
mente, esto no haya sido siempre así. Y las víctimas saben mejor que nadie que
durante años nadie quería y muy pocos podían oir sobre su dolor, sobre su
experiencia.
Otro tanto podría decirse de las voces de los militantes (muchos de ellos, a
su vez, víctimas), principalmente en los últimos quince años: también parecen
haberse erigido como voces privilegiadas – y hasta me animaría decir que

Junho de 2018 195


Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

tutelares – que han logrado imponer o consagrar un relato que indudablemente


determinó las fronteras políticas de lo decible, esta vez en relación a los temas
controversiales a los que me referí... En fin, creo que ya lo dije pero insisto: los
historiadores tenemos aquí un desafío difícil pero noble, y finalmente
ineludible.

¿Cuáles son las implicaciones para el profesor al abrir la clase para tales
temas? ¿Cómo orientar al profesor para que no se crie una oposición entre
memoria e historia en el abordaje de temas sensibles?
Yo pienso, en principio, que el peor escenario posible respecto de los te-
mas controversiales del pasado es desechar su abordaje. Y lo señalo porque
suele ser una opción corriente: como es un tema problemático, mejor evite-
moslo. Por el contrario, yo creo que hay que arremangarse y, por difícil o de-
safiante que resulte, incorporarlos a la enseñanza. Ustedes en su pregunta han
utilizado una palabra clave: abrir. Creo que se trata precisamente de eso: de
abrir la clase a estos temas para tratarlos, para pensarlos, para debatirlos; para
desnaturalizar conceptos, valores, representaciones, etc. Pero cuidado, no a
partir de denuncias, sentencias o peroratas morales – que en poco y nada
contribuyen a un aprendizaje significativo – sino, de nuevo, a partir de una
didáctica polifónica que recupere la multiperspectiva de los sujetos históricos
y de los sujetos de conocimiento (es decir, de los analistas sociales); que dé
cuenta del carácter construido, interpretativo e inacabado del conocimiento
histórico; y en consecuencia, que aborde la diversidad de enfoques y debates
historiográficos en torno a estos temas, reconociendo explícitamente la legiti-
midad del disenso. Y ahora señalo esto último porque también corrientemente
se configura en la práctica de enseñanza de temáticas controversiales una si-
tuación que encuentro alarmante: que el aula se convierte en espacio de
adoctrinamiento.
El hecho de que el profesor tenga personalmente una posición determi-
nada o tome clara posición respecto de un tema o problema controversial; que
esa posición pueda ser eventualmente explicitada, no es equivalente a decir que
es correcto o legítimo convertir al aula en tribuna doctrinaria desde la cual el
profesor “baja línea” decreta verdades inapelables y dictamina cuál es una pos-
tura correcta y cuál no lo es. Si de la formación de ciudadanos críticos se trata,
debe garantizarse el acceso del alumno al conjunto de las miradas

196 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

historiográficas, al conjunto de relatos y memorias – incluyendo las que el


docente repudie – y su análisis de modo que el alumno desarrolle competencias
que le permitan formarse su propia opinión en base al conocimiento.
Por supuesto que esto no es fácil, es y será conflictivo, despierta y desper-
tará incomodidades, rispideces, etc. Es inevitable y frente a esto no tengo mu-
cho para decir. Son temas que socialmente generan o expresan
hipersensibilidades, y sería absurdo pretender que el profesor o la escuela sean
capaces de conjurarlas. Más bien creo que hay que incorporar al conflicto
como tema, como constante, como condición ineludible de la vida social, y por
ende, de la enseñanza…
En cuanto al lugar del profesor en todo esto…diría varias cosas: diría que
me consta que no es tarea sencilla; que me consta que una didáctica como la
que se propone le exige al profesor un conjunto de herramientas, saberes y
competencias que muchas veces su formación no contempla (es imposible
estar al tanto de todos los debates, de todos los enfoques, etc.); y creo que le
corresponde tanto al mundo académico como a los espacios educativos insti-
tucionales acompañar, ofrecer recursos, diseñar conjuntamente estrategias,
estar más a disposición… En esta misma línea, y centrándome más bien en la
educación en valores, diría también que debe debatirse más institucionalmente
(el profesor suele encontrarse muy solo frente a los dilemas que el tratamiento
de estos temas acarrean) los criterios que establezcan posicionamientos legíti-
mos en el aula.
Hay un artículo que, aun con mis propias reservas, suelo recomendar para
debatir este problema, es el de Jaume Trilla Bernet: “Educación y valores con-
trovertidos” (1995). Allí el autor a partir de una diferenciación entre lo que él
llama valores compartidos; contravalores y valores controvertidos, establece
objetivos de enseñanza y apuntala cuándo la educación debe ser “beligerante-
mente positiva”, cuándo “beligerantemente negativa”, cuándo debe sostener
una “neutralidad positiva”. Insisto: aún con mis reservas que no vienen al caso,
creo que puede ser de utilidad para pensar el problema del posicionamiento
docente.
Finalmente, no estoy muy segura de entender a qué se refieren cuando
dicen que no se cree una oposición entre historia y memoria. Aun atendiendo
a la estrechez de los vínculos entre historia y memoria (puesto que toda inter-
vención historiográfica está determinada por un horizonte de memoria, al

Junho de 2018 197


Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

tiempo que la historia interpela a la memoria a partir de sus fundamentos


epistemólógicos); yo creo que debe aproximarse a los alumnos al reconoci-
miento de estas dos formas de mirar el pasado, a sus vínculos, a sus
especificidades…

En “Enseñar la historia reciente en la escuela: problemas y aportes para su


abordaje” (2010) usted y Alina Larramendy afirman que es deseable que la
enseñanza de la Historia incluya no sólo lo que ha pasado, sino también cómo
los acontecimientos son relatados e interpretados por los distintos actores polí-
ticos y sociales, abriendo espacio para diferentes versiones sobre el pasado.
¿Cómo incorporar en las clases narrativas controvertidas y conservadoras sin
caer en la gran brecha del relativismo?
Efectivamente, los distintos relatos y memorias sobre el pasado reciente
están presentes en la escuela y, muchas veces, en boca de los estudiantes. Y esto
incluye, por supuesto, versiones justificatorias del terrorismo estatal. ¿Cómo
abordar, entonces, una enseñanza polifónica? ¿Todas las voces y todos los
enunciados pueden circular por el espacio público del aula? ¿Deben tener le-
gitimidad en la escuela aquellas voces reivindicativas de crímenes que la justi-
cia nacional e internacional juzgó como de “lesa humanidad”?
Definitivamente no. El Estado argentino, a través de su sistema de justicia,
probó la existencia de los crímenes de la última dictadura militar y falló en
consecuencia. Ratificó, a su vez, numerosos pactos internacionales que lo com-
prometen ante las víctimas y sus seres queridos, ante la sociedad argentina y
el mundo entero a perseguir penalmente a los responsables y a llevar adelante
políticas públicas de defensa, respeto y promoción de los derechos humanos.
Y la escuela tiene, entre otras cosas, la responsabilidad de transmitir y divulgar
estos enunciados públicos. La ley emanada del Estado de derecho funciona
como límite de lo admisible y el crimen no lo es.
Entonces, es imperioso que la polifonía de voces en torno al pasado en-
cuentre un límite en la escuela allí donde surjan posicionamientos justificato-
rios o negadores del Gran Crimen. El problema es cómo se limita la polifonía,
a través de qué estrategias se establece la legitimidad de algunas voces al tiempo
que la inadmisibilidad de otras. Ojo, estoy dando por sentado que nos estamos
refiriendo a situaciones en las que son los alumnos los portadores eventuales

198 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

de esos discursos. En cuanto de los docentes, es sencillamente inadmisible


precisamente porque es el portador, el representante en la escuela, digamos,
de los enunciados públicos a transmitir.
Retomando, como decía anteriormente, yo creo que sirve poco la censura
sin más de la palabra (es decir, acallar al alumno en cuestión) y/o los discursos
moralistas, de denuncia…No sólo no se forman así sujetos críticos, reflexivos,
sino que, más grave aún, se corre el riesgo de un aprendizaje epitelial de lo que
es políticamente correcto decir y lo que no, sin ninguna apropiación significa-
tiva de los fundamentos de esos límites. Por ejemplo, es corriente hoy en la
Argentina que se condene los crímenes de la dictadura pero se tolere o se
acompañe con indiferencia la tortura a los presos comunes, la represión vio-
lenta de la delincuencia común o incluso se reclame la pena de muerte.
Entonces, yo creo que debe volverse sobre el acontecimiento histórico del
Gran Crimen estudiando el por qué, el cómo y el cuándo se ha establecido su
carácter de crimen de lesa humanidad, de crimen que ofende, que daña a la
conciencia humana; de crimen que atañe a la humanidad toda y que justamen-
te por eso es obligación de la humanidad toda, aquí y allá, perseguir penalmen-
te a los perpetradores y solidarizarse con las víctimas; y que justamente por su
carácter universal no admite “peros” en contrarios, no admite justificación
política, ideológica, religiosa, moral alguna. Y allí están las normas, las leyes,
los pactos, en fin, los dispositivos legales internacionales vigentes para dar
cuenta de todo lo anterior. En resumidas cuentas, la enseñanza debe abordar
las razones y los fundamentos por los cuales se ha establecido la indiscutible
ilegitimidad de la palabra justificatoria, negadora o relativista del crimen.
Ahora bien, dicho todo lo anterior, debo admitir que mi impresión es que
el problema de hacer efectiva la multiperspectividad y la polifonía en la en-
señanza del pasado reciente transita hoy por otros carriles y remite más bien
a los temas controversiales a los que nos venimos refiriendo. Hace poco escu-
ché decir a una colega que desde años trabaja con la temática de la memoria
en las escuelas, que era el período 1973-1976 el que presentaba más dificultades
y problemas. No me sorprende. Es el período en el que se configuran las con-
diciones de posibilidad del terror estatal y, por ende, se interroga sobre las
responsabilidades de cada quien, interpelando, paralelamente, a un conjunto
variado de actores políticos y sociales (muchos de los cuales serían, a su vez,
víctimas de la represión).

Junho de 2018 199


Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

La dificultad de abordar ciertas temáticas – principalmente de este pe-


ríodo – excede a la escuela, y signa, a mi entender, el escenario actual de la
memoria; y, de forma no siempre explícita y/o clara, alcanza también al campo
académico. Esto hay que decirlo porque si no pareciera que el problema es sólo
de la escuela y no lo es. O, mejor dicho, el problema que se presenta en la es-
cuela forma parte de un escenario mayor.
La dificultad de abordar polifonicamente estas temáticas, atendiendo a la
multicausalidad, se vincula con la alerta o el temor de que su tratamiento – o
su re-conocimiento – abone, precisamente, intervenciones relativistas que pug-
nan por “cerrar” ese pasado, principalmente en materia de justicia. Alerta o
temor absolutamente atendible puesto que, en efecto, en los últimos años, se
han multiplicado en el espacio público este tipo de intervenciones.
Ahora, esas intervenciones circulan de hecho por el entramado social; y
yo soy de las que creen que hay que presentar batalla no a partir del silencia-
miento de los temas más difíciles en términos políticos sino, por el contrario,
abordándolos; ofreciendo nuestro conocimiento, nuestro análisis, nuestras
interpretaciones, nuestros fundamentos para confrontar aquellas voces. Creo,
que, por difícil que resulte, hay que meterse en el barro y atravesar discusiones
que muchas veces no queremos atravesar.
En la escuela, entonces, creo que hay que incluir en los contenidos de
enseñanza el problema de las distintas memorias, explicitando los sujetos y
contextos de enunciación de cada una de ellas. Creo también que a esas me-
morias hay que confrontarlas con la enseñanza de la historia. Es decir, con-
frontarlas tanto con los hechos como con las categorías propias de las ciencias
sociales y, también con las del mundo de la política y las ideologías. Creo que
los debates, allí donde se presenten deben basarse sobre juicios y no sobre pre-
-juicios. Confrontar las representaciones sociales (incluso las propias) con
información que las fundamenten o las desmientan. Y esto es un ejercicio que
muchas veces nos pone incómodos porque nos obliga a abordar temáticas que
preferiríamos esquivar.
Tomemos, por ejemplo, un tema sensible que es, a su vez, caballito de
batalla de las voces justificatorias: el de la actuación de las organizaciones guer-
rilleras que incluye, muy particularmente, el de las ejecuciones selectivas que
llevaron adelante estas organizaciones. Es obvio o por lo menos muy probable
que surja este tema en el aula y estoy segura de que no sirve de nada censurarlo

200 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

(la llamada “teoría de los dos demonios” se alimentó, entre otras cosas, de
representaciones sociales sobre el conflicto armado de los años 70 y esas re-
presentaciones sociales, que echan raíces en experiencias colectivas, tuvieron
a aquellas acciones puntuales como referentes ineludibles).
Creo, entonces, que deben diseñarse secuencias didácticas que aborden este
tema, atendiendo al contexto internacional, regional y nacional de la violencia
revolucionaria, a sus sentidos, a sus objetivos, a las tradiciones religiosas, políticas
e ideológicas que nutrieron esa violencia, a los actores que la protagonizaron…
y también a sus prácticas, a sus acciones puntuales, incluyendo, insisto, los ajus-
ticimientos; a las simpatías y condenas que recibió, al porqué de esas simpatías
y el porqué de esas condenas; a los debates, incluso retrospectivos, que generó,
entre los propios actores y dentro del campo académico (¿es realmente la exis-
tencia de la guerrilla lo que explica el advenimiento del terror estatal? ¿qué lugar
le ocupo a la violencia revolucionaria en la trama que llevó al 76?).
Y por supuesto, un abordaje como el que propongo, exige incluir las ra-
zones por los cuales ninguno de aquellos hechos justifica el crimen de Estado;
las razones por las cuales la violencia revolucionaria no puede ser equiparada
ni política ni jurídica ni éticamente con la violencia ejercida desde el poder; las
razones por las cuales los delitos cometidos por las organizaciones armadas
han prescripto y los cometidos por el Estado, en cambio, son considerados de
lesa humanidad y por tanto son imprescriptibles e inamnistiables.
En fin, creo, sencillamente que el análisis crítico y la enseñanza de la his-
toria tienen mucho que aportar y los silencios muy poco…
Sé que no es fácil, insisto, y sé que estos abordajes exigen una cantera de
saberes y recursos que es muy injusto reclamárselos al docente sin más. En este
punto, creo que los historiadores hemos aportado mucho, pero creo que aún
estamos en deuda. Y finalmente creo también, que si no expulsamos a los si-
lenciamientos y a la autocensura de nuestras intervenciones públicas, difícil-
mente saldemos esa deuda, y difícilmente podamos cumplir con la razón de
ser de nuestro oficio: la construcción de sentidos.

¿Dicho eso, y para terminar, cómo las clases de Historia pueden contribuir
a una Educación en Derechos Humanos?
Toda narrativa histórica anida un legado implícito: su propia construcci-
ón parte de una serie de interrogantes y valores previos, determinado por un

Junho de 2018 201


Carmem Zeli de Vargas Gil, Juliana Alves de Andrade e Juliana Pirola Balestra

tiempo presente que se configura, a su vez, a partir de un horizonte de expec-


tativas hacia el futuro. De modo que la enseñanza de la historia puede contri-
buir a la educación en Derechos Humanos construyendo capacidad de análisis
crítico sobre los contextos de producción de las violaciones de los derechos
humanos, sobre los contextos de producción de las normas nacionales e inter-
nacionales que establecen Derechos Humanos, las formas de hacerlos efectivos,
como actuar ante su violación, etc. Es decir, más que imponiendo una moral
determinada, aportando herramientas y saberes para la comprensión a partir
de la experiencia histórica.
Como contrapartida, creo que hay una dimensión ética de la enseñanza
de la historia que convierte al conocimiento adquirido en interrogantes que se
vuelven sobre la propia sociedad, sobre el propio sujeto o grupo involucrados:
qué valores, ideas, presupuestos o conductas de cada sujeto abonaron los es-
cenarios pasados; cuál o cuáles de ellos son desechables de aquí en más por las
implicancias que acarrean; cuál o cuáles deseables para la construcción de un
futuro más atento a la dignidad de las personas.
Finalmente, diría algo muy sencillo, muy elemental: yo creo que no hay
herramienta más poderosa que el saber. Por eso creo que no debe haber gesto
más solidario que el compartir el saber, expandirlo… Y ya en tono casi confe-
sional diría que sin ser una persona particularmente optimista, me habita una
confianza inquebrantable en las potencialidades emancipatorias del pensa-
miento crítico. Y entonces creo que es en el acercamiento reflexivo, irreverente
y creativo al pasado – más que en las palabras solemnes, los dogmas o los
abordajes encorsetados – donde pueden delinearse nuevos horizontes, donde
pueden construirse nuevas esperanzas colectivas.

REFERÊNCIAS

CARNOVALE, Vera. Los combatientes: historia del PRT-ERP. Siglo Veintiuno, 2011.
CARNOVALE, Vera; LARRAMENDY, Alina. Enseñar la historia reciente en la escue-
la: problemas y aportes para su abordaje. In: SIEDE, Isabelino (Coord.) Ciencias
Sociales en la escuela: criterios y propuestas para la enseñanza. Buenos Aires:
Aique, 2010. p.237-265.
SCHUJMAN, Gustavo; CLÉRICO, Laura; CARNOVALE, Vera. Derechos humanos y
ciudadanía. Buenos Aires: Aique, 2005.

202 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Entrevista – Vera Carnovale

TRILLA BERNET, Jaume. Educación y valores controvertidos: elementos para un


planteamiento normativo sobre la neutralidad en las instituciones educativas.
Revista Iberoamericana de Educación, Madrid: OEI, v.7, p.93-120, 1995.

NOTA
1
Partido Revolucionario de los Trabajadores (PRT). Su brazo armado fue el Ejército
Revolucionario del Pueblo (ERP).

Entrevista recebida em 10 de agosto de 2018. Aprovada em 11 de setembro de 2018.

Junho de 2018 203


Relações de gênero e educação: crítica aos
projetos de lei “Escola Sem Partido”
Gender Relations and Education: Criticism
of the Bills “School Without Political Party”
Ana Paula Hilgert de Souza*

Resumo Abstract
Na conjuntura política atual, em que a In the current political conjuncture,
garantia de um Estado laico encontra-se where the guarantee of a secular state is
ameaçada por interesses políticos de de- threatened by the political interests of
terminados grupos de legisladores, a certain groups of legislators, education
educação vem sendo cerceada de princí- has been curtailed by basic principles
pios básicos garantidos pela Lei de Dire- guaranteed by the Law of Guidelines
trizes e Bases (nº 9.394/96), tais como and Bases (9.394/96), such as freedom
liberdade de aprender, ensinar, pesqui- to learn, teach, research and dissemi-
sar e divulgar a cultura, o pensamento, a nate culture, thought, art and knowl-
arte e o saber; pluralismo de ideias e de edge; pluralism of ideas and pedagogical
concepções pedagógicas; respeito à li- conceptions; and respect for freedom
berdade e apreço à tolerância. O artigo and appreciation of tolerance. The arti-
discute o modo como esses três princí- cle discusses how these three principles
pios vêm sendo negligenciados por con- have been neglected by political-reli-
cepções político-religiosas mediante es- gious conceptions through political
tratégias políticas de determinados strategies of certain groups that nowa-
grupos que levantam hoje a bandeira de days raise the banner of an ideal propa-
um ideal propagado como “Escola Sem gated as “school without political par-
Partido”. Também reflete sobre o modo ty”. The article also discusses how the
como a crítica aos conteúdos escolares criticism of school content dealing with
que versam sobre a identidade de gêne- gender identity and sexuality is linked
ro e a sexualidade está atrelada aos obje- to the objectives of the “School without
tivos dos adeptos do Movimento Escola Political Party” Movement (MESP) sup-
Sem Partido (MESP). porters.
Palavras-chave: Movimento Escola Sem Keywords: “School without Political
Partido; doutrinação marxista; ideolo- Party” movement; Marxist indoctrina-
gia de gênero. tion; gender ideology.

* Doutoranda pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados, MS, Brasil.
paulahilgert.ufgd@gmail.com

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 204-224 - 2018


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

É lugar-comum entre os estudiosos de gênero, ou mesmo entre simpati-


zantes do movimento feminista, a constatação de que grande parte das pessoas
que se posicionam favoráveis ao que foi equivocadamente conhecido como
“ideologia de gênero” não sabem como fundamentar seus argumentos em pro-
posições teóricas sólidas. Tais opiniões revelam um modo de ler o mundo
ainda retrógrado, em que as concepções de sociedade permanecem fortemente
influenciadas pelas noções da religião cristã.
Posteriormente ao movimento reformista religioso do século XVI, inicia-
do com Lutero na Alemanha, gerou-se um número crescente de denominações
religiosas de cunho protestante, e desse movimento surgiu, já no século XX,
um novo formato de Igreja e das relações que se estabelecem entre elas e seus
fiéis.1 Ainda que, atualmente, a Igreja católica exerça grande poder e influência
na dinâmica da sociedade, não precisamos ir muito longe para perceber que
os poderes legislativos municipais e estaduais e o Congresso Nacional estão
ocupados pela chamada “bancada evangélica”, de caráter conservador e ban-
deira progressista.
Sob influência desse grupo ocorreu a retirada de discussões sobre identi-
dade de gênero e sexualidade nas escolas, temas que apesar de comporem o
Plano Nacional de Educação (PNE 2014), foram vetados em 2015. Esse fato
promoveu naquele ano um intenso debate político no Brasil que permanece
na pauta, tanto de educadores, como de movimentos sociais e segmentos po-
líticos. Atrelada a esses vetos encontra-se a negação de uma formação política
crítica, por meio do Projeto de Lei 867/15 – “Escola Sem Partido”, pretendida
por determinados agentes políticos e defendida por significativa parcela da
sociedade civil.2 Defendo que esse embate resulta de posições políticas distin-
tas, na medida em que, ao cercear a liberdade de expressão no processo de
ensino, utiliza-se de uma cortina de neutralidade que encobre a incansável
tentativa de manter os privilégios patriarcalistas decorrentes desde o processo
colonizador-civilizatório.
Neste artigo, pretendo desenvolver uma reflexão que sirva, se não como
análise crítica3 das ideias e intenções desses projetos, como reflexão sobre a
rejeição aos estudos de gênero, por ferir diretamente o direito à igualdade das
mulheres e o direito à diversidade.
Escritos sobre a educação nacional não podem ser desvinculados de uma
sutil observação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),

Junho de 2018 205


Ana Paula Hilgert de Souza

sancionada em 1996. Atenho-me, entretanto, a destacar que a referida lei tem


sua trajetória de elaboração inserida numa conjuntura de redemocratização
do país. Assim, a LDB traz em seu texto 11 princípios básicos para a educação,
dos quais atento para três:

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento,


a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância.

Esses três princípios vêm sendo negligenciados por concepções político-


-religiosas mediante estratégias políticas de determinados grupos que levantam
hoje a bandeira de um ideal propagado como “Escola Sem Partido”.4 É válido
ressaltar que as expressões diversas de engajamento filosófico-político atuam
como manifestação de opiniões e não como imposições,5 o que resulta, pelo
menos, no profícuo debate acerca da natureza política dos homens, noção
existente desde a antiguidade clássica.
A Figura 1 apresenta uma imagem que vem sendo veiculada pela internet
desde março de 2015, momento em que algumas campanhas contrárias ao
governo de Dilma Rousseff promoveram manifestações pelo país. A imagem
incomoda pela tamanha incoerência de sus mensagem, porque o rompante
doutrinador se apresenta de modo inverso ao que nela está inscrito e deixa
subentendida a imposição de concepções dadas como verdades absolutas.6
Constata-se, na imagem, que os três princípios da LDB (1996) citados
anteriormente estão sendo molestados com base em um projeto de lei respal-
dado por fundamentalismos – o religioso e o de mercado – que tem impedido
o debate didático-científico. A expressão “fundamentalismo de mercado” vai
ao encontro das teorias neoliberais para a educação, que cada vez mais a per-
cebem como mercadoria.
Nesse sentido, os estudos de Pablo Gentili mostram-se relevantes ao in-
ferir que existem intenções de despolitização da educação na doutrina neoli-
beral, bem como necessidades de ressignificar a educação como mercadoria
para “garantir, assim, o triunfo de suas estratégias mercantilizantes e o neces-
sário consenso em torno delas” (Gentili; Silva, 2001, p.244). A teoria da ação
(libertadora) freiriana vê o processo de ensino como dialógico, que entende o

206 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

Figura 1 – Manifestantes seguram faixa com mensagem


contrária à pedagogia crítica de Paulo Freire

Fonte: http://www.planocritico.com/fora-de-plano-14-chega-de-
doutrinacao-marxista-basta-de-paulo-freire/

próprio ser (aluno) como comunicação. Freire (2014, p.173) aponta que negar
a intercomunicação é temer a liberdade. Assim, entende-se que refutar uma
educação com base no diálogo significa reduzir os alunos a meras coisas, sem
sentido na existência.
O filósofo e pedagogo Paulo Freire (1921-1997), expressão da pedagogia
crítica, estudado mundialmente, legou uma rica produção teórica que atual-
mente vem sendo alvo de determinados grupos sociopolíticos, apontado como
pai da “doutrinação marxista” nas escolas do Brasil. Qual seria, portanto, o real
perigo da teoria de Freire? Em 1968 – ano da primeira edição de Pedagogia do
oprimido – esse pensador escreveu que

críticos seremos se vivermos a plenitude da práxis ... se nossa ação involucra uma
crítica reflexão que, organizando cada vez o pensar, nos leva a superar um conhe-
cimento estritamente ingênuo da realidade. Este [pensamento] precisa alcançar
um nível superior, com que os homens cheguem à razão da realidade. Mas isso
exige um pensar constante que não pode ser negado às massas populares, se o
objetivo visado é a libertação. (Freire, 2014 p.176, grifos meus)

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Ana Paula Hilgert de Souza

A disseminação da foto apresentada na Figura 1 resultou numa ampla


defesa à pedagogia libertadora e crítica de Paulo Freire, que entende a impos-
sibilidade da neutralidade em educação. Observa-se, desse modo, que

A chave para compreendermos a acusação de “doutrinador marxista” contra


Paulo Freire não está em sua obra. Encontra-se na mentalidade daqueles que
produziram a mensagem, em sua compreensão estreita do que é educação e do
que é ensinar. Essas pessoas acreditam piamente no mito da neutralidade da ação
docente, segundo o qual o professor não tem cara, não tem lado, não toma parti-
do, não pensa nem intervém de modo transformador na realidade social. Para
elas, o professor deve estar unicamente comprometido com a sagrada missão de
transmitir conteúdos anonimamente escolhidos, aparentemente desinteressados
e oficialmente listados. Conteúdos supostamente eficazes, pragmáticos e destina-
dos a aplacar a sanha competitiva por boas posições escolares e universitárias que
tenham o condão de assegurar condições ideais de disputa nas escassas oportu-
nidades de uma sociedade excludente. Na verdade, o acusador grita contra o es-
pelho. É ele, e não Paulo Freire, quem prega a doutrinação. Qual? Diríamos, sem
medo de errar: a “doutrinação bancária”, aquela que transfere “ao outro, tomado
como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos, dos concei-
tos”. (Cavalcante; Mattos, 2016, s.p.)

Atrelada aos objetivos dos adeptos do Movimento Escola Sem Partido


(MESP) está a crítica aos conteúdos escolares que versam sobre a identidade
de gênero e a sexualidade. Assim, considera-se que “Escola Sem Partido” e
“Ideologia de gênero” são temáticas da atual pauta política de um grupo espe-
cífico da sociedade brasileira.
Num horizonte epistemológico, a chamada “doutrinação marxista” se
funde ao discurso sobre gênero nas propostas conservadoras dos seus críticos,
passando a compor uma disputa simbólica travada entre a autoridade familiar,
fomentada nos moldes de patriarcalismo, e o direito ao saber, ao conhecimento
e ao próprio sistema educacional brasileiro, que tem respaldo na Constituição
Federal.
O discurso da família que justifica no campo da moral (religiosa) sua
intervenção na escola e mais diretamente na prática pedagógica docente, na
percepção do MESP valida até mesmo o direito de notificar extrajudicialmente
profissionais da educação. Tal notificação, segundo o movimento, atuaria

208 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

como um serviço de utilidade pública. O site do grupo oferece um modelo de


notificação que “pode ser adaptável de acordo com a imaginação dos pais” dos
alunos. Luis Miguel (2016) indica que “a campanha pelas notificações extra-
judiciais contra escolas e contra docentes surgiu às margens do MESP, na di-
reita católica, tendo como iniciador o procurador Guilherme Schelb” (Miguel,
2016, p.602).
Especificamente no contexto do que foi pejorativamente enunciado no
Brasil como “ideologia de gênero”, entende-se que discutir e ensinar relações
de gênero na escola, permitindo a reflexão e a intercomunicação, possibilitaria,
em primeiro lugar, desconstruir o gênero como uma imposição ideológica e
lançar um olhar que torne possível a compreensão dos papéis atribuídos aos
seres ao longo da história.
Essa é, indubitavelmente, uma das razões que causam temor entre os
agentes políticos articuladores do “Escola Sem Partido” – e usam o véu do
conservadorismo –, porque tal entendimento produz uma série de reflexões,
sobretudo as que observam a cultura como construção a partir de convenções
sociais produzidas e ressignificadas constantemente.
O discurso conservador insiste na tese de que os papéis sociais dos ho-
mens e das mulheres são reflexos da dualidade sexual, da diferença biológica,
e nessa insistência ganha corpo a atuação política, haja vista a expressividade
de parlamentares cristãos no Congresso. Essa leitura, ao acusar certas práticas
pedagógicas de “doutrinação marxista” (freiriana), é carregada de preceitos
que reforçam os estereótipos, as desigualdades, e escondem a realidade.
Inúmeros projetos de lei de âmbito municipal surgiram após a retomada
daquele de autoria de Miguel Nagib, que tem sua origem em 2004, mas que foi
retomado com vigor a partir de 2010. Um tenebroso risco se aproxima caso
ocorra a instituição desmedida desses projetos que têm repercutido nacional-
mente, fundamentados em um discurso que tenta desesperadamente inviabi-
lizar a produção do conhecimento mediante formação crítica e reflexiva sobre
relações de gênero. Com as convicções infundadas de uma moral religiosa,
estaria sendo proposto o silenciamento de discussões que buscam também
questionar os papéis atribuídos à mulher ao longo da história.7
Em abril de 2017, outro episódio também confluiu com interesses ante-
riores, quando houve a retirada dos conceitos de identidade de gênero e sexua-
lidade do Plano Nacional de Educação, sancionado em 2014, gerando debates

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Ana Paula Hilgert de Souza

das políticas públicas para a educação nacional. O Ministério da Educação


retirou do documento Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trechos que
visavam promover a igualdade e o direito à diversidade. Em matéria ao site
EBC Agência Brasil a jornalista Mariana Tokarnia (2017) escreve que “a reti-
rada do termo orientação sexual e das discussões sobre questões de gênero da
BNCC era demanda de setores conservadores do Congresso Nacional”. A rea-
ção não tardou a chegar, felizmente. Procurarei demonstrar, com percepções
básicas dos estudos de gênero, que tal medida configura-se no cenário educa-
cional como um retrocesso, compartilhando das impressões de Daniel Cara e
de inúmeros intelectuais e trabalhadores da educação ao inferir que

É injustificável a retirada [do termo orientação sexual e da discussão sobre ques-


tões de gênero do plano Nacional de Educação – PNE]. A escola tem missão de
garantir que na sociedade todos respeitem todas as formas de identidade. Não
colocar essa questão na BNCC [Base Nacional Comum Curricular] significa que
não vão refletir sobre um país que é machista, misógino, homofóbico. É um re-
cuo grave. (Cara, 2017, s.p., apud Tokarnia, 2017, s.p., grifos meus)

Defende-se que a “razão” religiosa não deve sobressair ao direito de se


conhecer os conteúdos científicos apresentados pela educação escolar, e isso
vem, neste momento histórico, cobrar dos intelectuais e dos educadores com-
prometidos com uma educação democrática um posicionamento nas lutas
simbólicas e nas relações de poder travadas no campo da política e da educação
nacionais.
Nota-se que duas vias de pensamento teórico serviram de base para o
Movimento Escola Sem Partido (MESP): uma delas, discutida em texto de Luiz
Felipe Miguel, defende que os discursos reacionários da ala conservadora na
política brasileira provêm da ideologia ultraliberal libertariana,8 influente nos
Estados Unidos, que pretende assumir um projeto progressista hegemônico
na conjuntura política e social atual. Na agenda progressista da conjuntura
atual da política brasileira, a esfera da vida privada ocupa papel de destaque.
Aliados das concepções neoliberais de redirecionamento das funções do Estado
no que tange especialmente à economia nacional, grupos de legisladores com
aporte num fundamentalismo religioso que “se define pela percepção de que
há uma verdade revelada que anula qualquer possibilidade de debate” (Miguel,
2016, p.593) têm assumido um papel nas políticas públicas em educação que

210 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

coloca em xeque toda uma trajetória de conquistas na formação de milhares


de crianças e adolescentes. O mesmo autor9 entende que o MESP transferiu a
discussão acerca da “doutrinação ideológica” “para um terreno aparentemente
‘moral’ (em contraposição a ‘político’) e passou a enquadrá-la nos termos de
uma disputa entre escolarização e autoridade da família sobre as crianças”
(Miguel, 2016, p.596).
É razoável esclarecer que a expressão “Ideologia de gênero” foi concebida
no centro de discursos religiosos num período recente. Em 2012, o uso dessa
expressão popularizou-se nos meandros das comunidades cristãs, sobretudo
após a publicação, no Brasil, do livro Ideologia de Gênero: neototalitarismo e a
morte da família, escrito pelo argentino Jorge Scala. É nessa segunda via de
pensamento que setores da sociedade civil se apoiam para negar e atacar as
temáticas relacionadas aos estudos de gênero, bem como negar a história das
mulheres. Essa pejorativa e equivocada noção de ideologia não reflete a com-
preensão do que é o gênero, tampouco explica os conhecimentos produzidos
por diversas áreas, como antropologia, sociologia e filosofia, entre outras, a
respeito dos estudos de gênero. O livro de Jorge Scala, publicado pela editora
Katechesis, é incapaz de perceber a genealogia da palavra “gênero” e tampouco
os usos que os estudos acadêmicos fazem dela para diferenciar o sexo biológico,
a sexualidade e o gênero. Os principais equívocos do autor resultam de perce-
bê-los sob uma só acepção. Outra afirmação discutível de Scala é a de que a
ideologia de gênero é uma pseudoantropologia feminista, lamentavelmente se
opondo a compreender que diversas áreas do conhecimento produziram sóli-
dos estudos, principalmente na segunda metade do século XX.
Para aquele autor, questionar os papéis atribuídos às mulheres na socie-
dade não teria como finalidade a reflexão e o conhecimento de como as mu-
lheres foram excluídas e marginalizadas ao longo da história. Ele se apoia
exclusivamente na premissa de que esse questionamento, que é legítimo, ser-
viria para as feministas atingirem seu objetivo de promover “uma reengenharia
social planetária”. Essa nova organização teria na linguagem a força suficiente
para produzir uma lavagem cerebral no mundo e dar poder às mulheres que
têm como objetivo final construir um novo mundo do gênero (Scala, 2011,
p.62), e esse mundo, no campo da política, teria como base um regime totali-
tário, governado pelas mulheres.10

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Trata-se, certamente, de uma aspiração demasiadamente fantasiosa, que


as intelectuais e as feministas da militância estão longe de idealizar. Jorge Scala,
ao ironizar a assertiva de que o gênero é o sexo construído socialmente – sem
se dar conta da complexidade que os estudos de gênero teorizam – observa o
que chamou de postulado ideológico inicial (Scala, 2011, p.54). Mas ele afirma
que isso “equivale a não dizer absolutamente nada; é uma das tantas frases sem
sentido, que nada significa ... [mas] deve significar alguma coisa porque seria
impossível que tanto se tenha escrito sobre o nada mais absoluto” (Scala, 2011,
p.55, grifo meu).
O desarranjo de sua argumentação e as afirmações vagas têm servido de
fundamentação teórica aos setores conservadores contrários ao debate acerca
das relações gênero. Frases como “convite a autodestruição”, “opções sexuais
desumanizam a pessoa humana”, “destruição da família” e “educação para a
perversão” estão sendo propagadas por mídias e congressos religiosos.
Apesar dessas afirmações – que carregam traços doutrinadores e ideoló-
gicos –, o movimento feminista procura, em primeira instância, dar visibilida-
de às mulheres e empoderá-las de modo a serem percebidas como sujeitos que
não precisam mais de um contrato sexual (cf. Pateman, 1993) para se incluírem
na história.
Temas como orientação sexual, ética e saúde, entre outros, foram incluí-
dos nos anos 1990 nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a partir do
que ficou conhecido como temas transversais. Uma vez que o trabalho efetivo
desses temas parecia, por vezes, inviável,11 o caminho para instruir a temática
foi pensado de modo a promover um enfrentamento à resistência e até mesmo
a dificuldade da família em discutir sexualidade com os filhos, revelando o
quanto o sexo foi historicamente tratado como tabu.
Entretanto, os chamados temas transversais surgem de reuniões e fóruns
de educação ocorridos mundialmente e que nortearam a produção dos
Parâmetros Curriculares Nacionais ao longo da última década do século XX e
a primeira do XXI, especialmente. O “manual” dos PCN para orientação sexual
entende que

As manifestações da sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar,


ocultar ou reprimir são respostas habituais dadas por profissionais da escola, ba-
seados na ideia de que a sexualidade é assunto para ser lidado apenas pela

212 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

família. Na prática, toda família realiza a educação sexual de suas crianças e jo-
vens, mesmo aquelas que nunca falam abertamente sobre isso. O comportamen-
to dos pais entre si, na relação com os filhos, no tipo de “cuidados” recomendados,
nas expressões, gestos e proibições que estabelecem, são carregados dos valores
associados à sexualidade que a criança e o adolescente apreendem. O fato de a
família ter valores conservadores, liberais ou progressistas, professar alguma
crença religiosa ou não, e a forma como o faz, determina em grande parte a edu-
cação das crianças e jovens. Pode-se afirmar que é no espaço privado, portanto,
que a criança recebe com maior intensidade as noções a partir das quais vai cons-
truindo e expressando a sua sexualidade. Se as palavras, comportamentos e ações
dos pais configuram o primeiro e mais importante modelo da educação sexual
das crianças, muitos outros agentes sociais e milhares de estímulos farão parte
desse processo. Todas as pessoas com quem convivem – outras crianças, jovens e
adultos – ao expressarem sua sexualidade ensinam coisas, transmitem conceitos
e ideias, tabus, preconceitos e estereótipos que vão se incorporando à educação
sexual. A mídia, nas suas múltiplas manifestações, e com muita força, assume
relevante papel, ajudando a moldar visões e comportamentos. Ela veicula ima-
gens eróticas, que estimulam crianças e adolescentes, incrementando a ansiedade
e alimentando fantasias sexuais. Também informa, veicula campanhas educati-
vas, que nem sempre são dirigidas e adequadas a esse público. Muitas vezes tam-
bém moraliza e reforça preconceitos. Ao ser elaborada por crianças e
adolescentes, essa mescla de mensagens pode acabar produzindo conceitos e ex-
plicações tanto errôneos quanto fantasiosos. A sexualidade no espaço escolar não
se inscreve apenas em portas de banheiros, muros e paredes. Ela “invade” a esco-
la por meio das atitudes dos alunos em sala de aula e da convivência social entre
eles. Por vezes a escola realiza o pedido, impossível de ser atendido, de que os
alunos deixem sua sexualidade fora dela. (Brasil, 1998, p.291-292)

Partilho das proposições dos Parâmetros Curriculares Nacionais ao en-


tender que o tema da sexualidade toma um caráter de urgência porque está em
todos os lugares, dentro e fora da escola. Hoje, mais do que em qualquer outra
época, a forte utilização de mecanismos da tecnologia como smartphones e
tablets demonstra quão rápido pode ser o acesso ao tema da sexualidade sem
a interferência dos pais e da própria escola.
Mary Figueiró considera que

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Ana Paula Hilgert de Souza

Para poder definir quais temas sociais deveriam ser selecionados como transver-
sais, a equipe responsável pela elaboração dos PCNs estabeleceu que o tema teria
que atender aos critérios de urgência social, abrangência nacional, possibilidade
de ensino e aprendizagem no ensino fundamental, favorecimento da compreen-
são da realidade e da participação social. A Educação Sexual pôde ser incluída,
então, por atender a todos os critérios acima. O fator mais decisivo para tal foi,
sem dúvida, a urgência social, o que é totalmente válido e fundamentado. Uma
coisa fica clara: se não fossem os problemas que a vivência da sexualidade traz
para a sociedade, ela não estaria entrando agora no currículo escolar. Ter sido
incluída por este critério pode interferir no sentido, para o professor, do ensino
das questões da sexualidade. (Figueiró, 2000, s.p.)

Considerado esse caráter de urgência, compreende-se que os estudantes,


se cerceados do direito de compreender e aprender orientação sexual na escola
e na vida privada, em família, tenderão a desenvolver-se dentro de limites que
não são de modo algum positivos, sobretudo porque escamoteiam os perigos
atrelados à vivência da atividade sexual na adolescência, tais como gravidez
indesejada, doenças sexualmente transmissíveis e mesmo a pedofilia, que hoje
ocupa posição alarmante no que se enquadra como crime na internet e em
outros espaços de vida dos estudantes.
Compartilhando das acepções de Miguel (2016), de que na conjuntura
política e educacional que vivemos é preciso “dessacralizar a família” a fim de
expandir a compreensão e superação das desigualdades sociais, percebe-se que
a família

é também um lugar de opressão e de violência. A defesa de uma concepção plural


de família não pode colocar em segundo plano a ideia de que é necessário prote-
ger, sempre, os direitos individuais dos seus integrantes. E entre estes direitos está
o de ter acesso a uma pluralidade de visões de mundo, a fim de ampliar a possi-
bilidade de produção autônoma de suas próprias ideias. (Miguel, 2016, p.605)

Desse modo, a “família tradicional”, ao blindar-se com o escudo do fun-


damentalismo religioso, passa a negligenciar um direito fundamental da crian-
ça que é o devido conhecimento de si e de seu corpo e suas descobertas
presentes na adolescência. Assim, assume um papel de instituição social que
tem impossibilitado o debate dessa temática tão latente entre os filhos.

214 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

Trago a seguir um trecho de texto publicado em jornal on-line em 2016 e


imagens produzidas por integrantes do Movimento Escola Sem Partido
(MESP), veiculadas na internet num momento em que afloraram os debates
acerca da “necessidade” de neutralidade na educação:

Chega de ficar em silêncio. Precisamos bradar aos quatro cantos que há um lindo
cavalo de madeira no pátio da escola. Ele é grande, suntuoso e nada se parece
com um espantalho produzido para estabelecer pânico social. Muito pelo contrá-
rio. Trata-se de um cavalo magnífico, feito para encantar desavisados professores,
coordenadores, gestores e reprogramar crianças. Um cavalo que traz sobre o dor-
so uma sela cuidadosamente trançada e multicolorida como símbolo das diferen-
tes culturas e da diversidade de gênero. Como um presente de grego, esse Cavalo
de Troia chega com nobres intenções: acabar com o preconceito contra os dife-
rentes, construir relações de gênero mais justas e ressignificar as práticas sociais
por meio da construção de uma cultura de paz ... Esse magnífico presente que
adentra à escola, símbolo da suposta defesa dos direitos humanos, trouxe em seu
interior “a maldita e mal dita” ideologia de gênero – expressão usada por um
professor de Goiânia (Thiago Cazarim). Mas como os soldados dentro do Cavalo
de Troia, essa ideologia se materializa em militantes armados em suas línguas feri-
nas prontas para acusar, difamar, desrespeitar e difundir o preconceito contra a fa-
mília tradicional e os religiosos cristãos. Eles estão prontos para agredir
verbalmente, e quiçá, fisicamente, quem não idolatra a estátua de madeira que
ameaça confundir as identidades de crianças indefesas e inocentes ... A quem dese-
jam enganar os ideólogos de gênero? E quem eles chamam para defendê-los?
Justamente Gramsci, Butler, Marx, Beauvoir? Exatamente os militantes assumi-
dos do ideário de gênero? O que é isso? Confissão ou delação premiada? E qual é
o prêmio? Destruir a família tradicional ou burguesa, um dos principais alvos
marxistas, proclamado no Manifesto Comunista. Desarmem-se dos subterfú-
gios. Assumam suas reais intenções ... podemos ver as claras intenções desse gru-
po de ideólogos: doutrinar as crianças a todas essas práticas sexuais. Não se trata
de discutir relações de gênero. Trata-se de erotizar crianças e estimular práticas
sexuais das mais diversas ainda na infância. (Ramos, 2016, s.p., grifos meus)

Habitamos um Estado laico, pressuposto assegurado constitucionalmente,


no qual a liberdade religiosa afronta os pressupostos da educação democrática
e ataca severamente os anseios de uma educação pautada nos princípios

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Ana Paula Hilgert de Souza

democráticos de acesso universal com finalidade de pôr fim às diferenças so-


ciais existentes no Brasil há séculos. É preciso reiterar que a livre manifestação
do pensamento e a construção de um projeto em que seja possível produzir
intenções de equidade entre mulheres e homens não estão travando uma ba-
talha que visa a destruição da família cristã. O que se deseja é, em primeira
instância, a justiça social.
As imagens a seguir são representações veiculadas como “memes” nas
redes sociais. Promovem analogias desumanizantes, ferindo a liberdade de
expressão e os princípios constitucionais. Promovem discursos de ódio formu-
lados à docência12 mais do que à classe política.

Figura 2 – Ataque ao bordão petista “Pátria Educadora”

Fonte: https://liberdadeparaensinar.wordpress.com/tag/odio-aos-professores/

216 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

Figura 3 – Doutrinação Marxista na Educação

Fonte: https://liberdadeparaensinar.wordpress.com/tag/odio-aos-professores/

Figura 4 – orientação sexual vomitada em aluno

Fonte: https://liberdadeparaensinar.wordpress.com/tag/odio-aos-professores/

Essas representações, em seu conjunto, desvirtuam a concepção de termi-


nologias existentes no campo da educação, política e filosofia ao passo que
caracterizam os alunos como coisas. Nas Figuras 3 e 4 os vemos como recep-
táculos de uma lavagem cerebral, na medida em que as figuras das educadoras

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Ana Paula Hilgert de Souza

são visíveis ameaças. Percebe-se que não se denunciam nas imagens críticas às
teorias que sofrem seus ataques. A escola é tida como instituição corruptora.
O exercício que essas imagens propõem é a injúria aos trabalhadores da edu-
cação, bem como aos legítimos referenciais teóricos e aos movimentos sociais.
Ao ler as imagens, o professor Fernando Penna destaca que “os olhos das
professoras não aparecem, ocultos pelos seus óculos, reforçando a sua desu-
manização”, e acrescenta:

Estes movimentos afirmam que a “ideologia de gênero” teria como meta incenti-
var os alunos a abandonar a religião e incentivá-los a fazer sexo. Discutir gênero
em sala de aula não é isso. É problematizar a violência doméstica. É trazer para a
sala de aula a representação de famílias de diferentes configurações. É permitir
que as pessoas de diferentes orientações sexuais se percebam representadas, e
não silenciadas, no conhecimento produzido nas escolas. (Penna, 2015, s.p.)

Supor que há doutrinação é também julgar que os estudantes não teriam


capacidade para analisar de forma crítica e debater as relações de gênero na
escola. No interior da sala de aula é possível perceber a ampla diversidade de
posicionamentos éticos, políticos e sexuais. A dinâmica das aulas é fomentada
por questões que, muitas vezes, partem dos anseios dos alunos e não do que
está nos materiais impressos ou na abordagem dos professores.
Assim, entende-se que a sexualidade nos alunos não pode ser negada ou
reprimida, precisa ser debatida, problematizada, de modo que os alunos se
percebam como sujeitos que conhecem a si mesmos e têm controle sobre seus
corpos. Falar de sexualidade13 significa empoderá-los frente a riscos a que estão
expostos rotineiramente na vida em sociedade e, em casos mais específicos,
nas relações que desenvolvem na internet.
Fernando Penna (2017) analisa que para o MESP as concepções de secu-
larização da educação estão atreladas ao neotecnicismo, averiguando que a
desqualificação do professor, acrescida de estratégias discursivas fascistas, está
presente nos discursos produzidos pelos idealizadores do MESP, sobretudo
por Miguel Nagib, criador e articulador do referido projeto. Para Penna, o
advogado Nagib usa, não em vão, um recorte temporal de 30 anos para atacar
o sistema educacional brasileiro: “O recorte não é casual, e eles [MESP] insis-
tem nesse recorte em vários momentos: 30 anos, grosso modo, é o período da
nossa redemocratização” (Penna, 2017, p.43). Pensar que esse grupo aspira a

218 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

uma neutralidade em educação que antecede os últimos 30 anos da política


brasileira é crer, indubitavelmente, que se está defendendo um projeto que vai
além de uma “Escola Sem Partido”, que por trás desse slogan pretende-se gerar
uma consciência ingênua não crítica e não política. Despolitizar a escola equi-
valeria a concordar na produção de seres (alunos e professores) desprovidos
de consciência crítica, facilmente manipuláveis.
Moura (2016) entende que os PCNs para o ensino fundamental, elabora-
dos entre 1995 e 1997, representaram um avanço no que diz respeito à inserção
das discussões de gênero no campo educacional. Entretanto, a autora pondera
que essa inserção não se deu na área das Ciências Humanas e Sociais, pois nada
existe sequer na parte dedicada à história. A inclusão se deu exclusivamente
em ciências biológicas, por meio das recomendações de temas transversais.
Fernanda Moura afirma ainda que “a palavra gênero apareceu, mas em
nenhum momento foi explicada, deixando-a aberta a interpretações várias,
inclusive ao entendimento de gênero como um sinônimo de sexo” (p.116). Ela
acrescenta que

Nos Parâmetros Curriculares para o ensino médio, a situação é talvez pior: a pa-
lavra gênero aparece uma única vez, na seção de História, em uma discussão so-
bre a cidadania no Brasil. Novamente, surge sem uma explicação do seu
significado e podendo ser substituída por sexo, mantendo-se o sentido do texto.
Entretanto, há, ao longo das recomendações, uma preocupação com a “pluralida-
de de sujeitos” e com as identidades individuais e coletivas, especificamente as de
grupos minoritários entendendo as mulheres como um destes grupos ... Se o
avanço no campo da história das mulheres e da história das relações de gênero
não se faz presente nos parâmetros curriculares, também muito pouco se faz nos
livros e materiais didáticos. (Moura, 2016, p.116)

O ensino de história foi e continua (hoje com mais força) afetado por essa
tendência que negligencia as referidas abordagens aqui discutidas, na medida
em que essas discussões, ao se alicerçarem sobre bases ideológicas, impedem
o avanço das temáticas de gênero no campo educacional, ferindo o direito à
diferença e o respeito ao outro, limitando a visão da plena democracia e che-
gando ao extremo de condená-la.
Os estudos de gênero vêm sendo escamoteados por essa expressão con-
servadora, tornando-se, a partir de determinados discursos, uma ameaça à

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Ana Paula Hilgert de Souza

sociedade, quando se pretende a percepção de quão plurais (e desiguais) são


as sociedades. O contexto educacional não tem escapado a essas incoerências
que tendem à negação do espaço escolar como ambiente de compreensão das
diferenças sociais e de combate às formas de preconceito, entre suas muitas
outras funções.
Uma reflexão bastante simples pode surgir quando os estudiosos e sim-
patizantes do gênero são vistos como agentes destruidores das famílias tradi-
cionais. A questão que surge dessa máxima (destruição da família) que se
disseminou nos discursos conservadores é esta: “Haveria nas escolas um único
tipo de família (Furlani, 2003) associado aos seus alunos?” “Os alunos de uma
escola são todos integrantes de uma família composta de pai, mãe, irmão?”
“Não haveria nas centenas de escolas filhos de mães solteiras, mãe viúva, ca-
sada/amasiada pela segunda vez, com filhos agregados de famílias distintas?”
Isso sem levar em conta a existência das famílias homoafetivas – cuja negação
também é combatida pelos estudos de gênero. Se faz oportuna a noção de que
a família, instituição incontestavelmente rígida, está também em constante
transformação.
A partir dos estudos de Moura (2016, p.4), entende-se que os projetos do
tipo Escola Sem Partido funcionam no campo da educação como “mecanismos
de contenção que agem ... contra os avanços da laicidade do Estado e da secu-
larização da cultura”. Assim, o que se teme na educação e, em boa medida, no
ensino de história é a construção de uma efetiva política de igualdade dos se-
xos. O que os idealizadores dessas “campanhas” não perceberam é que no
gênero não se nega o diferente, almeja-se a igualdade na diferença.
É oportuno, nestas considerações finais, recorrer às afirmações de Vera
Corrêa (1995, p.47) em texto que versa sobre a formação político-pedagógica
do professor da educação básica. A autora constata que passados 10 anos da
redemocratização (visto que ela escreve em 1995), as relações entre as forças
que atuam sobre a educação são complexas e causam a maioria dos problemas
observados:

O sucesso ou o fracasso de uma proposta educacional se relacionam com forças


que fogem a seu alcance. No entanto, essas mesmas forças tecem o tipo de socie-
dade que temos e dentro dela o tipo de escola, o que torna essa questão de grande
relevância. Os problemas educacionais não podem ser discutidos buscando-se as

220 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

suas raízes apenas no campo pedagógico, mas na teia de relações que se estabele-
cem no campo social mais amplo do contexto histórico-social onde a escola está
inserida. (Corrêa, 1995, p.48-49)

Daí percebe-se quão fundamental se faz a reflexão sobre as potencialida-


des do professor na construção de uma educação não engessada por propostas
políticas unilaterais. Aceitar sem resistência tais propostas representaria estar
de acordo com a falência das conquistas viabilizadas pelas políticas públicas
pós-governos militares. Para tanto, é preciso lutar diariamente contra a opres-
são encravada na bandeira do Movimento Escola Sem Partido.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Presidência da República. Lei 9.394/1996. Estabelece as diretrizes e bases da


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-da-versao-final-da-base-curricular; acesso em: 20 jul. 2017.

NOTAS
1
Séculos após a Reforma Protestante, que tornou reais os projetos de Igrejas cristãs como a
Luterana, Anglicana, Metodista, Presbiteriana e Batista, surge em 1901, nos Estados Unidos,

222 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Relações de gênero e educação: crítica aos projetos de lei “Escola Sem Partido”

o formato de cristãos e de Igrejas com legenda pentecostal, representada por nomenclaturas


como Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e Deus é Amor, entre outras. Mais
recentemente apresentaram-se as chamadas denominações neopentecostais, como Universal
do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça de Deus, Sara Nossa Terra etc.
2
É importante destacar que depois desse, inúmeros projetos de lei do tipo “Escola Sem
Partido” foram criados a partir de 2014, nos âmbitos estadual e municipal.
3
Não pretendo apresentar teses novas, mas desnudar a inviabilidade desses projetos com
base em estudos existentes nos campos da educação, das relações de gênero e da legislação
educacional.
4
Acrescento que a Constituição Federal prevê o direito a filiações partidárias a qualquer
cidadão brasileiro.
5
Quero destacar que a sala de aula é um importante espaço que permite aos alunos um
ensaio para sua formação crítica e política, ao serem fomentadas discussões de ordem
política.
6
Entendo que a doutrinação existe na educação quando os professores são intimidados a
explicar alguns conteúdos, sobretudo o da origem da espécie, num embate teológico-cien-
tífico em que o desconforto em boa parte da categoria é notável. Opta-se muitas vezes por
negligenciar a temática, impossibilitando o debate e a reflexão. Um claro exemplo da “edu-
cação bancária” problematizada pelo pensador Paulo Freire, ao verificar um modelo de
ensino em que apenas se deposita teoria nos alunos, sem a sistematização e reflexão.
7
Não posso deixar de mencionar um lamentável episódio envolvendo um dos ícones polí-
ticos, defensores do MESP e integrante do que estou caracterizando como reacionário, o
deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro, Jair Bolsonaro, que se tornou réu em ação
do STF por incitar o crime de estupro e cometer injúria contra a deputada Maria do
Rosário em 2014.
8
Cf. trabalhos de MAYER (2016), ROTHBARD (2006), NOZICK (1974) e FREEMAN
(2002).
9
Reproduzo aqui nota de rodapé do texto citado: o website do MESP possui vários textos
destinados a atacar o educador. Um deles é ilustrado com uma charge que afirma que seu
método transforma “analfabetos inocentes em analfabetos comunistas” (DINIZ FILHO,
s.d.); outro o acusa de plagiador (VIEIRA, s.d.). Em debate num canal de televisão, em ju-
lho de 2016, o criador do MESP, Miguel Nagib, causou espanto ao dizer que o objetivo do
método Paulo Freire é recrutar jovens para o PT, aparentemente desconhecendo o fato de
que as principais contribuições do educador pernambucano datam dos anos 1960, isto é,
muito antes do surgimento do partido (MIGUEL, 2016, p.601).
10
Tal acepção parece ser, em última análise, uma defesa ao neoliberalismo, que se abstém
da interferência na economia e nos serviços a sociedade, mas, nas palavras de MIGUEL
(2016), pretende regular fortemente a vida privada.
11
Em virtude das demandas dos educadores com suas próprias disciplinas, por exemplo.

Junho de 2018 223


Ana Paula Hilgert de Souza

12
Os grifos em itálico são de PENNA, 2017. O mesmo autor analisa esses e outros memes
veiculados em texto cuja referência encontra-se ao final deste trabalho.
13
Observa-se que tanto a temática da sexualidade como a da ideologia de gênero estão
circunscritas nos projetos “Escola Sem Partido”.

Artigo recebido em 31 de agosto de 2017. Aprovado em 10 de setembro de 2018.

224 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental:
um estudo sobre os mitos gregos
antigos e a consciência histórica
The Ancient History in the Elementary School: A Study on
the Ancient Greek Myths and the Historical Consciousness
Guilherme Moerbeck*

Resumo Abstract
As narrativas míticas, entendidas aqui The mythical narratives, understood
como um conjunto de discursos que here as a set of discourses that lent intel-
emprestavam inteligibilidade, coerência ligibility, coherence and often cohesion
e muitas vezes coesão às culturas anti- to ancient cultures are present in the
gas, estão absolutamente presentes nos curricula of the 6th year of elementary
currículos do 6º ano do ensino funda- school. The main purpose of this paper
mental. O presente trabalho tem como is to unite the notion of historical con-
principal intuito unir a noção de cons- sciousness and the mythical narratives
ciência histórica e as narrativas míticas in an empirical research with the stu-
em uma pesquisa empírica com os alu- dents of the 6th year of a public school
nos do 6º ano do ensino público do mu- in the Duque de Caxias county, Rio de
nicípio de Duque de Caxias (RJ). Dessa Janeiro state. In this way, this paper en-
maneira, este paper vislumbra apresen- visages to present a set of results of a
tar um conjunto de resultados de uma pedagogical experience, in creating a
experiência pedagógica, ao criar um universe of alterities, but also of possi-
universo de alteridades, mas também de bilities of identification and new read-
possibilidades de identificação e novas ings of the world on the part of the stu-
leituras de mundo por parte dos alunos dents when they come in contact with
ao entrarem em contato com sociedades ancient cultures and societies.
pretéritas. Keywords: Ancient History; teaching of
Palavras-chave: História Antiga; ensino History; historical consciousness.
de história; consciência histórica.

* Professor Adjunto em História da Arte na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),


Centro de Tecnologia e Ciências, Departamento de Arquitetura e Urbanismo. Professor de
História Antiga e Ensino de História no Centro de Pesquisa e Documentação de História
Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV). Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
gmoerbeck@yahoo.com.br

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 225-247 - 2018


Guilherme Moerbeck

No meu mundo eu quero que acabe os roubos[,] o tráfico não só de


drogas[,] mas também de pessoas[.] Quero políticos [h]onestos[,]
quero andar nas ruas sem ter medo de ser morta ou ser capturada
e violentada. Quero um mundo tranquilo[,] calmo[,] sem preocupa-
ção[,] que eu e todas as crianças possamos brincar até tarde[,] não
muito tarde[,] mas brinca[r] livremente na rua[.] Quero que todos
os dias do meu mundo seja[m] mais um novo dia para nós explo-
rarmos mais e mais [...]
Aluna do 6º ano

Este artigo descreve um dos primeiros resultados de um projeto de pós-


-doutorado a partir do qual se pôde desenvolver um conjunto de práticas pe-
dagógicas. Elas foram trabalhadas em um ano e meio de convivência com
turmas do 6º, 7º e 8º anos do ensino fundamental na Escola Municipal Célia
Rabelo, em Xerém, Duque de Caxias, RJ (Moerbeck, 2017).1 O núcleo teórico
utilizado nesse projeto concerne ao conceito de consciência histórica. Mais do
que um conceito, na realidade a noção apresentada vem sendo tratada no uni-
verso da Epistemologia da História como uma unidade de análise a partir da
qual se pode pensar a construção do conhecimento histórico. Essa discussão
mais teórica, no entanto, vai muito além do que se pretende comunicar aqui.
Efetivamente, o intuito principal deste trabalho é o de refletir sobre o ensino
da História Antiga a partir do conceito de consciência histórica aplicado ao 6º
ano do ensino fundamental.
Nas linhas que seguirão, tomar-se-á a noção de consciência histórica e a
necessidade de se articular narrativas que demonstrem a compreensão não
apenas das temáticas, mas de conceitos de segunda ordem em uma construção
que leva em conta a articulação necessária entre passado, presente e futuro. O
tema central a ser desenvolvido junto aos alunos é o da religião politeísta an-
tiga, mais especificamente a grega. Assim sendo, a organização que segue, em
primeiro lugar, dará espaço a uma breve discussão acerca do conceito de cons-
ciência histórica e do uso que se pretende dar a dele. Em seguida, dar-se-á
espaço a um debate introdutório acerca da importância da noção de mythos,
tendo por base alguns dos helenistas que a ela se dedicaram. Por fim, e o mais
importante, serão apresentados os resultados das práticas, metodologias e pro-
dução discente em nosso cotidiano escolar.

226 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

A consciência histórica no ensino escolar

Entre os autores que primeiro influenciaram a produção brasileira na área


de ensino de História, especialmente no que tange ao conceito de consciência
histórica, destacam-se Jörn Rüsen, o mais relevante dentro dos propósitos da
nossa pesquisa, e Hans-Jürgen Pandel. Quais seriam, então, as considerações
de Rüsen acerca dessa problemática? O ponto de partida do teórico alemão
não é stricto sensu o ensino de História, mas a relevância da teoria da História
para o próprio fazer historiográfico. A teoria da História é o domínio do campo
que permite que o pensamento histórico se constitua, que lhe empresta o seu
amálgama. Dessa forma, os fundamentos e princípios da ciência histórica per-
tencem ao que se denomina teoria da História e se constituem como uma
matriz disciplinar. Ao contrário de muitos outros autores que estabeleciam
uma divisão mais estanque entre o que se pode denominar senso comum e o
conhecimento acadêmico/científico, Rüsen propõe que o ponto de partida de
todo o conhecimento histórico se dá no universo cotidiano, naquilo que a fe-
nomenologia de Edmund Husserl denominou “mundo da vida” – lebenswelt
(Rüsen, 2001, p.26-49; Weberman, 2009).
O problema da consciência histórica surge da carência existencial em re-
lação ao agir no mundo, especificamente das carências humanas cotidianas de
orientação da vida prática no tempo. A partir desse momento de inquietação,
há a busca de um tipo de orientação que pode se tornar mais focada, como uma
reflexão sistemática sobre o passado – trocando em miúdos, uma pesquisa.
Assim, os interesses e ideias que inicialmente movem o conhecimento sobre o
passado são pré-científicos. Da escolha das fontes e de um quadro metodoló-
gico se passa aos resultados dessa pesquisa e ao que Rüsen denominou formas
de apresentação. Ao termo, a busca pelo conhecimento e a satisfação das ca-
rências originárias podem levar a novas indagações, fechando-se o círculo
hermenêutico (Rüsen, 2001, p.30-40).
As questões mais importantes neste trabalho dizem respeito às formas
de apresentação a que Rüsen faz menção, bem como ao que se pode conceber
como consciência histórica. Em primeiro lugar, enfatizamos que as formas
de apresentação dizem respeito à maneira pela qual e aos meios pelos quais
os pesquisadores estruturam o conhecimento produzido, de tal maneira que
se comunique, como uma ilocução, um ato de fala, no interior de uma

Junho de 2018 227


Guilherme Moerbeck

comunidade de ouvintes, evocando, ainda que implicitamente, a autoridade


de um campo vinculada ao ato enunciativo (Bourdieu, 2008, p.85-96; Calame,
1999, p.36). Essa ilocução, via de regra, mas não necessariamente, no campo
historiográfico assume a forma de uma narrativa, seja ela expressa na lingua-
gem escrita ou na oral, como uma comunicação em congresso ou aula expo-
sitiva. A questão fundamental é que essas maneiras de apresentar o
conhecimento histórico são elementos estruturantes e não apenas parte da
divulgação; influem, portanto, nas próprias condições de produção desse
conhecimento. Dessa maneira, doravante, liga-se a teoria da História aos
significados próprios que a disciplina História possa assumir em seus ensinos
acadêmico ou escolar. É por esse e outros motivos que Rüsen menciona que
“a teoria da História assume, pois, no campo da formação histórica, uma
função didática de orientação” (Rüsen, 2001, p.49).
O que se quer frisar aqui é que a formação de uma consciência histórica,
individual per se, embora atravessada de inúmeros vetores de formação social,
é construída não apenas nos bancos escolares, mas, na verdade, e em grande
medida, pelos meios de comunicação, nas relações familiares e em grupos
intersubjetivos como comunidades militantes, religiosas e de outros escopos.
A forma pela qual Rüsen divide os modos de geração de sentido que dão base
à formação da consciência histórica é esta: o modo tradicional, o exemplar, o
crítico e o genético. Talvez não caiba aqui uma longa digressão sobre essa
classificação. Cabe tão somente ressaltar que se trata de tipos-ideias não exclu-
dentes entre si. Isso significa dizer que na análise de um discurso é possível
encontrar várias estratégias da busca da legitimidade e do encadeamento de
ideias, sendo assim, uma narrativa pode singrar por diversos modos de orien-
tação da relação entre o passado e o presente. A consciência histórica e a pes-
quisa de campo que queira avaliá-la não precisam se ater necessariamente a
essa classificação. Outros autores utilizaram diferentes maneiras de captar as
formas de orientação no tempo que subjazem à formação da consciência his-
tórica (Duquette, 2015; Cardoso, 2008; Saddi, 2010).
A produção historiográfica em língua portuguesa vem discutindo há al-
gum tempo a relevância da noção de consciência histórica para o ensino esco-
lar de História. De maneira sucinta e pontual irei frisar alguns autores. Maria
Lima (2014) enfatiza uma ideia que corroboro, de que o ensino de História
depara cada vez mais com o que é ensinado extramuros. Como se lida com o

228 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

passado e com a memória? Como lidar com alunos que trazem para a sala de
aula uma consciência histórica em parte formada pela grande tela hollywoo-
diana a partir de filmes como Hércules, última versão de 2014, ou Fúria de
Titãs, que teve um remake em 2010? Embora não se possa responder especifi-
camente a essas indagações aqui, elas são absolutamente legítimas a uma pes-
quisa aplicada. O que se quer enfatizar é que existe uma relação reflexiva entre
a vida cotidiana e a visão que se pode ter da produção científica, inclusive a
histórica.2 Que peso o ensino de História pode ter em relação às formas de se
dar sentido e orientar a ação no mundo?
Outro autor que merece nossa atenção é Luis Fernando Cerri, que em
2013 publicou um livro que tentava dar conta das relações entre a noção de
consciência histórica e o ensino de História. O fio condutor das reflexões de
Cerri é a questão da construção de uma identidade, pois, para ele, esta pressu-
põe a formação da consciência histórica. Nesse sentido, para Cerri, ideias,
valores, formas sociais e instituições fazem parte de um movimento contínuo
de inclusão e exclusão que é intrínseca à formação das identidades e da cons-
ciência histórica. Cerri afirma, outrossim, que a influência da opinião dos pro-
fessores sobre os alunos é superestimada, bem como a ideia controversa de que
o currículo oficial é crucial para a formação das opiniões dos alunos. Por fim,
o professor Cerri considera central responder qual a importância da identidade
para a constituição da consciência histórica, já que a família, a comunidade e
outras formações sociais são cruciais para unir as reflexões sobre passado,
presente e projeções de futuro. Há formas dogmáticas e não dogmáticas de
consciência histórica, por meio da razão dialógica o docente deveria atuar na
ponta de lança para que prevalecesse o melhor argumento.
Em língua portuguesa, há alguns trabalhos empreendidos por Isabel Barca
(2007) e Maria Auxiliadora Schmidt (Schmidt, 2012; 2016; Schmidt et al.,
2011). Alguns dos apontamentos de Barca acerca de sua metodologia de tra-
balho surgiram em artigo publicado em 2007, no qual a autora tencionava
compreender como os jovens se apropriavam da História escolar para orientar
a sua vida cotidiana. Mais do que descrever a metodologia da autora, tão so-
mente assinalo a relevância assumida pelos processos de identificação, como
uma opção consciente, para a mobilização de uma consciência histórica. Note-
se que, na metodologia de Barca, interessa saber qual o manejo pelos alunos
das ideias substantivas (relativas aos temas) de segunda ordem (relativas aos

Junho de 2018 229


Guilherme Moerbeck

conceitos) e de exploração de sentido identitário que ela avalia numa ponte


entre as escalas local e global – utilizando-se da História de Portugal e Mundial.
Nesse mesmo caminho, mutatis mutandis, a noção de história local ganha
relevo no trabalho de Schmidt. Em um projeto destinado aos anos iniciais do
Ensino Fundamental, chamado Recriando Histórias, a pesquisadora mostra a
importância dos trabalhos que tomam blogs, jornais e cartazes como forma de
socialização dos resultados, algo bastante comum, diga-se de passagem, em
experiências de aprendizagem por meio de projetos.3 A articulação entre as
escalas local e global tomam como ponto de partida, por exemplo, arquivos
familiares. A partir desse momento, desenrola-se toda uma preocupação rela-
cionada à maneira pela qual os alunos se apropriam do passado e historicizam
os seus próprios valores morais. Essa questão é sensível aos nossos propósitos,
pois o trabalho com religiões politeístas de civilizações e culturas pretéritas
envolve julgamentos de valores por parte dos alunos e o estabelecimento de
forte alteridade. É esse o momento em que, não raro, surgem formas enraiza-
das de preconceitos e discriminação daquilo que não se conhece e, eventual-
mente, cria-se até mesmo um obstáculo epistemológico diante daquilo que, a
priori, não se quer conhecer.

O mito entre os helenistas: alguns apontamentos

O que é o mito? O que é a mitologia? Qual a relevância das cosmogonias


para a compreensão do mundo em que se vive? Em que medida a utilização de
mitos e da mitologia pode ser interessante para o ensino do 6º ano? As duas
primeiras perguntas serão respondidas aqui, ao passo que visitaremos as últimas
na parte final deste trabalho. A bem da verdade, a busca a ser empreendida agora
é a de como alguns helenistas viram a importância do mito dentro da sociedade
grega antiga e, especialmente, naquilo que concerne à formatação de diversos
gêneros literários que serviram de base à expressão das narrativas míticas.
Para os propósitos deste paper, escolhemos, de forma bastante seletiva,
obras de três helenistas, a saber: Walter Burkert, Jean-Pierre Vernant e Paul
Veyne. Em obra publicada em Portugal em 2001, mas originalmente publicada
em alemão, sob o título Mythos und Mythologie, em 1984, Walter Burkert res-
ponde as questões acima propostas. O autor assinala que nas culturas pré-cristãs
a religião se exprimia por meio dos mitos, muitas vezes utilizando a arte

230 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

figurativa e a poesia. Na política também os mitos eram relevantes, pois grandes


famílias condicionavam sua existência em relação a heróis, deuses e seres que
transcendiam a existência humana cotidiana. A irradiação dessa cultura tem
muito a ver com as formas poética e icônica que os mitos tomavam.4
Para Burkert, há duas ideias das quais devemos nos afastar na interpretação
do mito – primeira, a de que é irracional; segunda, a de que é primitivo. O mito
não é místico, a etimologia nos leva à fala, à narração, à concepção. Os mitos são
uma narrativa tradicional. Há muitos tipos narrativos, no entanto, que transitam
entre uma espécie de conto de fadas – que não era endereçado a crianças – e o
conto popular, a poesia e a lenda de difícil conotação de caráter histórico.
Especialmente no que tange às relações entre o discurso mítico e a religião, a
especificidade do mito não reside apenas em seu conteúdo, mas em sua função,
sendo assim, o “mito é narrativa aplicada – [à] fundação de instituições, expli-
cação de rituais, precedente para aforismos mágicos, como orientação que mos-
tra o caminho nesse mundo e ou no do além” (Burkert, 2001, p.18).
Em nosso trabalho com os alunos, a ênfase recaiu no que se pode chamar
de genealogias e cosmogonias. A primeira tem a ver com uma das formas mais
antigas de se contar algo, a partir de suas origens. As cosmogonias, como no
caso grego da Teogonia de Hesíodo, estão estruturadas em um modelo antro-
pomórfico, que estabelece uma sequência de gerações. A cosmogonia comu-
mente explica o mundo de outrora como diferente daquilo que se pode ver no
de hoje. Se esta é a ordem certa e estável do mundo, provavelmente o que
aparecia antes era um conjunto de caos e desordem, mistura de lodo, mar,
noite e abismo. Noutra forma, as origens podiam ser mostradas como a era de
ouro, na qual havia a proximidade com os deuses ou com o paraíso, ou ainda,
poder-se-ia ter o caso em que, num dado momento, o caos e a desordem po-
deriam ser censurados por um dilúvio ou por uma destruição cataclísmica
(Burkert, 2001, passim).
Aproximando-se mais dos nexos religiosos, mas defendendo uma visão
holística e estruturante do mito na sociedade grega antiga, está a obra de Jean-
Pierre Vernant, aqui avaliada, inicialmente, em seu Mito e sociedade na Grécia
Antiga, em que fica clara a forte influência do estruturalismo de Claude Lévi-
Strauss sobre o helenista. Um período de estudos nos Estados Unidos da
América, durante a Segunda Guerra Mundial, marcou a obra de Lévi-Strauss
profundamente no sentido de uma análise oriunda da linguística. Em suas

Junho de 2018 231


Guilherme Moerbeck

próprias reflexões, o antropólogo partiu do postulado de que a mente humana,


em seu funcionamento, gerava códigos e estruturas em oposições complemen-
tares binárias. No limite, em razão de influências difusas da pesquisa em ge-
nética de seu tempo – leia-se o tempo em que formulou a sua Antropologia
Estrutural –, Lévi-Strauss pensava como numa crença ontológica a descoberta
de como se comportava a mente humana. A noção de estrutura em Lévi-
Strauss, diferentemente do funcionalismo antropológico, é um construto do
cientista. A partir da elaboração de modelos e da comparação e análise destes
é que, a posteriori, poder-se-iam desvelar as estruturas mais profundas do pen-
samento humano que se constituem em um sistema organizado, pois “as ver-
dadeiras unidades constitutivas do mito não são as relações isoladas, mas o
feixe de relações, e é somente sob a forma de combinação de tais feixes que as
unidades constitutivas adquirem uma função significante” (Lévi-Strauss, 1996,
p.244). Nesse mesmo sentido, Vernant afirmou:

Um mito como os da Grécia não é um dogma cuja forma deve ser fixada de uma
vez por todas de maneira rigorosa porque serve de fundamento a uma crença
obrigatória. O mito, como dissemos, é uma tela sobre a qual estão bordadas a
narração oral e a literatura escrita; e estão bordadas uma e outra com liberdade
suficiente para que as divergências nas tradições, nas inovações trazidas por cer-
tos autores não constituam escândalo nem problemas do ponto de vista da cons-
ciência religiosa. (Vernant, 1999, p.189-90)

Concordamos com Vernant quanto ao fato de a religião grega antiga e os


mitos que lhe são subjacentes não constituírem dogmas à moda das religiões
reveladas. Também somos forçados a admitir a razão do filósofo francês quan-
do afirma a possibilidade e absoluta frequência com que encontramos diver-
gências e inovações nas narrativas míticas, tomadas em seu desenvolvimento
dentro da poesia, da épica e das tragédias e comédias gregas. Além disso, cha-
mamos a atenção para a concepção datada de ver o mito como uma estrutura
mais profunda do pensamento humano que, embora não fosse vista com pri-
mitiva, podia ser levada ao extremo da comparação transcultural e, nesse li-
miar, talvez trouxesse à tona os seus mais profundos significados. A
comparação parece um exercício interessante, mas os seus resultados extremos,
tanto na fenomenologia de Mircea Eliade (2012) quanto na Antropologia la-
boratorial de Lévi-Strauss, podem levar à perda de seus nexos e sentidos

232 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

histórico-culturais mais significativos em prol de um exercício matemático


sem fim ou de um pensamento demasiado hermético e de pouco enraizamento
na historicidade da produção humana.
As concepções que nos interessam do mito na obra de Vernant estão
contidas em seu livro muito menos ambicioso, mas extremamente útil, Mito e
religião na Grécia Antiga e, igualmente, no relevante As origens do pensamento
grego. À guisa de introdução e como alerta, Vernant afirma que a religião grega
antiga não conheceu revelação, tampouco profeta ou messias. As suas bases
estão enraizadas numa tradição constitutiva da própria civilização grega – na
qual não há dogma. Não há também um clero especializado nem uma casta
sacerdotal, nem tampouco um livro sagrado. Como não há aspecto doutrinal,
o crente se posiciona com base em um conjunto de ensinamentos feitos por
meio de narrativas e práticas que são ensinadas desde a infância (Vernant,
2006, p.13-14).
Um aspecto que aparece em Burkert, mas é ampliado por Vernant, é esta
questão relacionada: como a tradição expressa nos mitos era transmitida. Em
primeiro lugar, ela se dava principalmente por meio da comunicação oral,
assimilada na educação familiar, onde esse quadro mental era moldado desde
a pequena infância. Esse processo igualmente ocorria pelo canto dos poetas,
nas festas oficiais, nos banquetes e jogos. Instituições que serviam de memória
social, expressos geralmente pela poesia (épica, lírica e dramática), forjavam
na Hélade uma cultura relativamente comum. A função do mito no que con-
cerne à coesão social ocorreu, segundo Vernant,

enquanto a cidade permaneceu viva, a atividade poética continuou a exercer esse


papel de espelho que devolvia ao grupo humano a sua própria imagem, permi-
tindo-lhe aprender-se em sua dependência em relação ao sagrado, definir-se ante
os imortais, compreender-se naquilo que assegura a uma comunidade de seres
perecíveis sua coesão, sua duração, sua permanência através do fluxo de gera-
ções. (Vernant, 2006, p.16-17)

Vernant insiste em que o mito não poderia ser reinventado ao bel-prazer


do autor como uma simples fábula.5 A tradição restringe as novas formas de
apropriação mítica e isso faz sentido, pois sem essa referência mais ou menos
explícita ficaria impossível ao público entender a variante. Mesmo quando
muito modificado, um modelo de imaginação lendária é mantido, o que

Junho de 2018 233


Guilherme Moerbeck

estabelece a sua coerência interna. Para além da composição literária, há no


mito uma arquitetura própria conceitual que opera numa forma de codificação
do real. Essa codificação, expressa por meio de narrativas, é um tipo de saber
sobre o mundo, que depois será apropriado e transportado para outro registro
da língua e do pensamento, a filosofia. O culto pode ser ligado a questões de
ordem utilitária, mas nem por isso é menos simbólico e organizado como um
roteiro de ações que incidem no mundo. O importante é notar que acreditamos
que o mito, o rito e as formas de representação caminhavam entrelaçadas como
uma rede de formas de expressão simbólicas, traduzidas por um tipo específico
de linguagem (Vernant, 2006, p.27-8).
Por fim, para Paul Veyne (1987) em Acreditavam os gregos em seus mi-
tos?, além de crenças, dever-se-ia discutir a questão das verdades, pois, segun-
do o próprio helenista, estas também eram imaginadas, já que a verdade está
imersa em uma experiência histórica. Existe uma espécie de tensão e comple-
mentaridade entre a imaginação e a verdade. Esta é sempre provisória e parte
sempre da imaginação de algo. A imaginação é transcendente e constituinte
do nosso próprio mundo – da literatura, da política, das religiões e das pró-
prias ciências.
A mitologia já era vista como um gênero popular de literatura, e sua liga-
ção com a religião efetivamente falando era frouxa, na opinião de Veyne.
Acreditar nesses mundos era crer em uma maneira diferente daquela que se
via nas realidades imediatas. O tempo da mitologia era heterogêneo ao vivido.
Quando Tucídides, Pausânias, Santo Agostinho e outros tentavam reduzir o
mito às coisas do mundo atual, faziam isso acreditando tratar-se do mesmo
regime de crença. Na boca de um poeta como Píndaro, o mito não estabelecia
apenas uma relação de causa ou efeito ou apenas de mensagem a ser decodifi-
cada, mas marca uma posição a partir da qual se fala; assim “o mito instaura
uma elocução do elogio” (Veyne, 1987, p.34). Píndaro separava o universo
mítico daquele dos mortais. O mundo do mito era outro, inacessível, por isso
mesmo o problema da sua autenticidade permanece em suspenso.
Não existe uma verdade, e isso não serve apenas para o mito – poder-se-ia
falar em História, Física e Arte, mas em outros termos, é claro. Largamente
inspirado em Michel Foucault, Veyne afirma que existem programas hetero-
gêneos de verdade. “Um mundo não pode ser fictício em si próprio, isso de-
pende de se nele acreditamos ou não; entre uma realidade e uma ficção, a

234 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

diferença não é objetiva, não está na própria coisa, mas sim em nós, se subje-
tivamente nela vemos ou não uma ficção...” (Veyne, 1987, p.35-36). Para
Veyne, afinal, os programas de verdade são comparáveis entre si indistinta-
mente, existem esferas de verdade. A ficção não é oposta à verdade, mas um
subproduto dela. Existe uma analogia dos sistemas de verdade que nos permite
transitar entre a ficção e o mundo real.
O que era o mito, então? O mito é uma informação, um conhecimento
difuso veiculado pelas Musas, por meio de poetas. Não se trata, de maneira
alguma, de uma revelação dos deuses, mas de se repetir aquilo que é ampla-
mente sabido. Muito diferente das ideias de Vernant em Mito e sociedade na
Grécia Antiga e em As origens do pensamento grego, Veyne enfatiza que o mito
não era um modo de pensamento específico, mas uma informação (um ato de
fala) que dependia do reconhecimento e da autoridade do locutor/enunciador
(Veyne, 1987, p.37-38).
A oposição entre verdadeiro e falso surgiu com um novo quadro em que
era possível estabelecer novas formas de afirmação – da História e da Filosofia.
A incredulidade em relação ao mito adveio de duas esferas: a primeira, de in-
docilidade em relação à palavra de outrem, e a segunda, relacionada à consti-
tuição de centros profissionais de verdade. A História, por exemplo, estabelece
um interessante sistema que se relaciona com a verificação da informação. A
distribuição social do saber é assim transformada. O tempo mítico heterogêneo
começa a se tornar passado. O que Veyne reafirma aqui é que a crítica ao mito
vem da História e não da Filosofia, como pretendia Vernant. Os sofistas criti-
cavam especialmente a sociedade e a religião, não propriamente as narrativas
míticas (Veyne, 1987, p.49-51; Vernant, 2003, p.53-72).

O mito na produção dos alunos:


da metodologia aos resultados

O intuito nesta parte é que o leitor, especialmente aquele ligado ao traba-


lho no âmbito escolar, possa acompanhar o processo de construção e aplicação
deste projeto. Um primeiro ponto que parece razoável frisar é uma sugestão,
a de que se deva começar esse tipo de prática escolar de maneira relativamente
modesta. Cuidado, no entanto, ao se julgar o termo “modesto”. Quer-se dizer,
implicitamente, que ótimos trabalhos, desenvolvidos em maior escala, seja por

Junho de 2018 235


Guilherme Moerbeck

entes públicos ou privados, foram iniciados e testados em projetos-ensaio. O


relato da atividade em questão tem justamente essa característica. Foi um pe-
queno projeto desenvolvido com apenas duas turmas do 6º ano do Ensino
Fundamental da Escola Municipal Célia Rabelo. Trata-se de duas turmas de
aproximadamente 35 alunos cada. Em sua maioria, os discentes estão na idade
adequada para o ano em questão. Deve-se apontar que havia dois alunos es-
peciais incluídos nessas turmas.6

Da teoria à prática, o que fazer?

O ponto de partida era o de trabalhar com a noção de consciência histó-


rica e, assim, analisar algum tipo de narrativa produzida pelos alunos para
tentar inferir, por meio da leitura da produção textual discente, a maneira pela
qual eles articulam o passado e o presente e imaginam o futuro. Nesse mesmo
sentido, eu gostaria que os alunos se envolvessem com a mitologia grega, tendo
que, assim, fomentar em minhas aulas discussões sobre a religião, rituais e
sobre como a linguagem mítica era construída pelos antigos.
Há um problema de ordem sociocultural e político em minha abordagem
e busca de resultados. Eu gostaria de entender se, e em que medida, os discur-
sos religiosos monoteístas – em especial os cristãos, maciçamente amplificados
por diversas congregações, correntes evangélicas e católicas renovadas – pos-
suíam penetração na região de estudo.7 Trata-se de uma leitura indireta que,
talvez por isso mesmo, possa ser mais efetiva, pois não constrange com per-
guntas formais que possam criar qualquer tipo de receio ou obstáculo cons-
ciente. Da mesma maneira, utilizou-se um tipo de conteúdo curricular para
que os alunos pudessem ser induzidos a um exercício pendular entre culturas
distintas que, distantes não apenas no espaço, mas no tempo e no conjunto de
ideias, lhes suscitassem indagações sobre o mundo em que viviam. Entre a
Grécia Antiga e a Baixada Fluminense, o pêndulo vai do politeísmo grego
antigo com seus mitos fantásticos e deuses intrépidos para a realidade vivida
pelos alunos em sua escola, residência, família e religião. Sem dúvida, se há
algum tipo de resultado mais perene com esse tipo de trabalho, muito mais do
que poucas linhas, é fomentar a necessidade do diálogo intercultural, o respeito
e a tolerância entre os povos e as religiões. Um exercício que, pela sua relativa
invisibilidade no curto prazo e mensurabilidade concreta, geralmente é tomado

236 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

como menor ou desimportante pela massa política que, de forma contumaz,


prefere promover eventos catárticos de impacto midiático.
O roteiro está dividido em três partes:
1) Um grupo de até cinco alunos deveria buscar em livros, revistas ou na
internet a cópia da imagem de um deus grego, a partir da qual seria
montado um panteão para a turma.
2) O mesmo grupo deveria responder a dez perguntas8 formuladas a par-
tir da leitura do primeiro capítulo do livro Contos de lendas da mito-
logia grega, escrito por Claude Pouzadoux, publicado desde 2001 pela
Companhia das Letras e que leva o selo de altamente recomendável
pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FHLIJ).
3) Individualmente, cada componente do grupo deveria escrever uma
redação intitulada “Se eu pudesse fazer meu mundo” a partir do se-
guinte roteiro:
a) O surgimento do mundo, como foi? Havia apenas um deus ou vários
deuses, houve luta, guerra entre os deuses, ou foi tudo pacificamente
criado?
b) Quais as características do mundo criado: como eram as construções,
a natureza, seres humanos etc.
c) Imagine que houve uma enorme calamidade e destruição no seu mun-
do. O que aconteceu? Por que aconteceu? Como as pessoas superaram
as dificuldades?
d) Imagine agora que o seu mundo acabou se transformando naquilo que
existe hoje em seu país, cidade e bairro. O que deveria mudar? O que
deveria ser diferente no futuro da humanidade?
Dessa maneira, havia três etapas no trabalho discente. Duas em grupo,
que foram entregues em uma data, e outra individual, para um deadline
diferente.
O resultado mais importante para o nosso trabalho não é nem a entrega
da imagem nem mesmo a resposta às dez perguntas baseadas no livro. O ob-
jetivo da primeira é adentrar o infindável universo da produção iconográfica
antiga e ver como os gregos costumavam produzir imagens de seus próprios
deuses. Uma surpresa interessante dessa parte foi, curiosamente, a preferência

Junho de 2018 237


Guilherme Moerbeck

mostrada pelos alunos em relação à atualização das imagens tradicionais dos


deuses gregos. Ao invés de vasos, frisos ou estátuas, predominaram as imagens
dotadas de uma linguagem contemporânea de quadrinhos ou computação
gráfica. Alguns alunos até mesmo se aventuraram em desenhar os seus pró-
prios deuses, tendo um deles conseguido um resultado impressionante para
um furioso Poseidon.
Quanto às respostas ao capítulo, a intenção era fomentar o contato com
o livro, a leitura e a interpretação de texto. Como o trabalho era em grupo, a
equipe deveria se organizar para fazer o rodízio do livro, pois havia poucos
exemplares disponíveis. Cada um dos alunos deveria responder com a sua
própria escrita às perguntas que foram divididas equitativamente entre os par-
ticipantes. É claro que houve, no percurso, uma série de reclamações e dissen-
sos de alunos sobre a conduta de colegas que atrapalharam a organização do
grupo, por exemplo, mas esse tipo de expediente é velho conhecido dos pro-
fessores. Por isso, trabalhamos com prazos flexíveis para que os discentes pu-
dessem se reorganizar e entregar o trabalho a contento. Não é incomum,
infelizmente, que docentes queiram trabalhar com prazos rigidamente fecha-
dos e programação inflexível. Deve-se lembrar que é costumeiro ter alunos de
11, 12 e, às vezes, apenas 10 anos no 6º ano, e que eles estão ainda desenvol-
vendo um conjunto de capacidades relativas à organização, distribuição de
tarefas e cobrança em relação aos colegas. Tudo isso é resultado de uma ativi-
dade como essa. Aprende-se a mitologia e muito mais sobre as relações huma-
nas. Quem, entre os leitores, nunca atrasou um dever de graduação, escolar,
ou do próprio trabalho? Por isso mesmo, é preciso ter temperança e certa
condescendência com o atraso dos pequenos.
A análise que segue levou em conta 28 redações entregues como a 3ª parte
do trabalho discente. Um primeiro dado relevante é o pequeno número de
redações ao longo de um prazo que foi estendido pelo menos duas vezes. Medo
de escrever, de se expor, falta de apoio dos responsáveis, desinteresse causado
pela falta de perspectivas que a escola pública contemporânea pode representar
no imaginário infanto-juvenil, ou ainda a percepção de que a disciplina e o
professor são chatos? Todos esses elementos podem interferir nesse processo,
mas para nós é impossível tecer considerações neste momento e tentar fornecer
uma resposta ao absenteísmo, pesquisa esta que poderia ser muito interessante,
por sinal.

238 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

As análises das redações obedeceram a estes parâmetros:


1) Objetivos/quantitativos:
a) A estrutura da narrativa era politeísta, monoteísta, ou sequer men-
ciona a presença dos deuses?
b) Quantos alunos não mencionam o seu presente e futuro nas reda-
ções, e quantos apenas falam do presente e do futuro?
2) Reflexivos/qualitativos
a) Qual a concepção sobre as origens dos universos criados e quais os
percursos narrativos mais inusitados na média das turmas?
b) Qual a reflexão sobre o presente?
c) Qual a reflexão sobre o futuro?
As redações foram numeradas de 1 a 28, e dessa maneira serão referen-
ciadas daqui em diante.
Quanto aos dados objetivos, 13 alunos optaram por desenvolver uma nar-
rativa politeísta, enquanto quatro optaram por uma narrativa abertamente
monoteísta cristã, e três, por um tipo de estratégia discursiva que elencava
vários deuses para, ao termo, mostrar que havia apenas um verdadeiro Deus.
Um exemplo disso é a redação 24, quando menciona que:9 “Em meu mundo
iria existir vários deuses [mais adiante completa]. O mundo tem falta dos três
tipos de amor [.] Primeiro o amor a Deus porque as pessoas não tem mais
tempo pra Deus [as outras formas de amor são ao próximo e a si mesmo]”.
Na redação 26 vemos a mesma estratégia. Nesta, o mundo inicialmente
estava dividido entre duas pessoas, uma era “de Deus” e não acreditava em
outros deuses, e a outra depositava confiança em deuses no plural. Houve, em
seguida, uma guerra entre dois reinos, que representava essa divisão de deuses.
A vitória coube a uma rainha que era devota de Deus porque “o Deus que
estava com ela era o todo poderoso e ele [Deus] não permitiu que isso [a des-
truição de seu reino] acontessece”.
Ainda sobre essa questão, temos a redação 10. A narrativa inicial é abso-
lutamente fantástica, com deuses que surgem em uma nave espacial e lutam
pelo poder, no entanto, em suas linhas finais o discente pondera: “A única
coisa que não mudaria é que o mundo de hoje tem somente um Deus que é
misericordioso [e] que não abandona os seus filhos nunca”. Na redação 4, vê-se

Junho de 2018 239


Guilherme Moerbeck

que “para vivermos em um mundo melhor, temos que amar mais o próximo
e respeitar. Assim como Deus ensinou”.
Embora houvesse pouca ocorrência desse modus operandi híbrido, parece
interessante refletir um pouco sobre esse tipo de construção que não é dos mais
simples, em comparação com aqueles que optaram por tão somente amarrar
uma história do início ao fim politeísta ou monoteísta. E por que o viés discur-
sivo híbrido é mais complexo? Porque há a necessidade da escolha. Trata-se
de um percurso em que os alunos montaram um mundo politeísta para depois
optarem por um julgamento de tipo moral que punha os deuses numa posição
negativa em relação ao verdadeiro e único Deus. Embora pouco presente no
conjunto geral das redações produzidas, trata-se claramente de um discurso
cristalizado em práticas cotidianas, que estão muito além dos muros da escola
e daquilo que, eventualmente, o discurso docente poderia ensejar. Nessas re-
dações, o mundo da imaginação termina quando a verdade, que não é a cien-
tífica, se institui. E esta não é soerguida por dados ou mesmo por um discurso
concreto e materialista, mas por um discurso de caráter tradicional que reifica
verdades tornadas universais e reflete a vontade de Deus.
Alguns alunos deixaram de observar as orientações para a composição da
redação, como pode ser visto nos dados apresentados. Seis deles sequer fizeram
referência ao presente e futuro, tendo toda a sua narrativa focada no passado.
Outros cinco, ao contrário, optaram por simplesmente tecer uma narrativa
enfatizando os problemas atuais e imaginar o futuro. Em ambos os casos, ti-
vemos tanto realizações extraordinárias de mundos míticos, como alunos que
fizeram retratos duros de sua própria realidade. Se por um lado pode-se ver
isso como incompreensão das regras estabelecidas, por outro não se deveria
deixar de levar em conta a qualidade do que foi feito, dentro das próprias es-
colhas dos discentes. Isto significa dizer que houve redações que, embora ti-
vessem obedecido às regras do jogo, ficaram aquém, em suas construções
narrativas, daquelas que focaram em apenas uma das etapas apresentadas no
roteiro.
Avançando agora sobre os elementos reflexivos e qualitativos, primeira-
mente sobre o ponto “c”. As escolhas dos alunos foram as mais variadas e re-
fletem um mundo cheio de imaginação, que merece ser explorado pelos
docentes, em especial, nas áreas de humanas e línguas. Desde explosões, uma
espécie de Big Bang, que a tudo dá início, até o aparecimento de um demiurgo

240 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

criador, houve a mais diversa pletora de mundos possíveis. Destaco aqui ape-
nas aqueles que chamaram a atenção pelo esmero e criatividade.
Na redação 2, o início de tudo foi posto em uma bola de gelo, havendo até
mesmo um humano (Dabu) que pensava ser um deus. O mais interessante é
que o nosso pequeno autor imaginou duas espécies de seres humanos, uma
chamada de Homens de Cristal e outra de Caçadores de alimentos. Os primei-
ros se alimentavam de cristais, e os segundos eram onívoros. Um mundo fan-
tástico também surge na redação 6, na qual são representados gatos-lobisomens,
árvores pretas, azuis e de ouro. Animais híbridos são relatados na composição
17, que, aliás, trouxe desenhos desses mesmos animais. O tidrão era uma mis-
tura de tigre com dragão; o peixecob um peixe com formato de cobra; o passa-
vão era um pássaro que voava muito rápido, como um gavião, e cantava. O
mais inusitado, no entanto, era o jacarão, um mix de jacaré e tubarão feroz.
Entre guerras e tempos de paz, os discentes se puseram a imaginar mundos
fantásticos. Desenvolvimento da escrita, da imaginação e de um senso de au-
toria que foi percebido quando muitos dos alunos vieram até mim e pergun-
taram se tinha gostado das histórias apresentadas.
Por fim, elencamos aqui algumas reflexões dos alunos sobre o mundo em
que vivem e aquilo que eles projetam para o próprio futuro. Num primeiro
momento, os números apontam para este quadro: de um total de 28 redações,
oito discorreram sobre o presente e 16 sobre o futuro. Note-se que presente e
futuro devem ser pensados como complementares, até porque um futuro utó-
pico, valorado positivamente, é sempre o reflexo invertido do presente. Isso
fica muito claro nas redações que apresentarei a seguir.
Quando a ênfase recaiu sobre os problemas no presente, os temas recor-
rentes, em ordem decrescente, foram: violência, problemas ambientais, falta
de respeito [inclusive racismo], corrupção e falta de trabalho.
A violência aparece com diversos matizes. Desde a violência urbana ca-
racterizada pela presença de ladrões na comunidade, no entendimento um
pouco genérico de que o “mundo é um lugar perigoso”, e até mesmo mencio-
nando a violência contra a mulher. Segundo a redação 19, redigida por uma
aluna, o problema é assim colocado: “Meu mundo de coisa boa ia ter um
monte[.] Ia ser cheio de pessoas boa e respeito bondade e, de coisa ruins não
ia ter muita coisa ruim[.] Só menos crimes[,] menos estrupo[...]”. Os proble-
mas ambientais também são contumazes, pois enchentes, desmatamentos ou

Junho de 2018 241


Guilherme Moerbeck

a extinção de animais pontuam a visão de alunos que moram em uma região


de ocupação desordenada e de limpeza urbana deficiente, mas que ainda conta
com enormes reservas florestais que são a base da cadeia de montanhas que
seguem até o município de Petrópolis. Em seu cotidiano, em relatos de colegas
e mesmo nas redações são mencionadas, com grande felicidade, cachoeiras nas
quais os residentes costumam se divertir.
Outro aspecto negativo do presente é a falta de respeito. Desde meninos
tachados como “mal-educados” até a questão do racismo aparecem nas refle-
xões dos discentes. Em um mundo imaginado, as dores do presente seriam
suplantadas, como atesta a visão descrita na redação 18: “Esse é o meu mundo
cheio de alegria, cheio de felicidade[,] sem tristeza[,] sem destruição, não exis-
tiria racismo[,] só bondade[...]”. A corrupção, tema absolutamente recorrente
nas redações, é um dos grandes obstáculos à construção de um mundo bom e
do progresso. Na redação 23 tem-se:

Se eu pudesse fazer o meu mundo com certeza esse mundo teria que ser virado
de cabeça para baixo para que toda sujeira que nele est[á], caísse todas num abis-
mo e esse abismo se fechasse para que toda corrupção e maldade não retornasse
e a partir desse momento começaríamos tudo de novo. Faria um mundo só com
honestidade[,] paz e muito amor.

As visões de futuro são construídas como um antipresente. Se fosse pos-


sível sintetizar uma narrativa de futuro melhor, eu diria que os alunos imagi-
naram um mundo sem corrupção e violência, um mundo no qual houvesse
mais respeito ao ser humano e com mais oportunidades. Nesse admirável novo
mundo as ruas seriam limpas, não haveria preconceito, e mesmo a democracia
teria que ser mudada. Tomemos, então, as redações com mais vagar.
Um dos temas mais discutidos atualmente é o do papel da escola em re-
lação à sociedade. Os alunos tendem a pensar que as crianças não deveriam
ficar fora das escolas em um mundo melhor. Neste, uma vida digna está vin-
culada à permanência na escola. Segundo a redação 8: “Se o meu mundo fosse
igual ao de hoje, muita coisa eu mudaria! Não haveria criança fora da escola,
não teria ninguêm sem trabalho, sem casa, não teria moradores de rua, os
políticos seriam honestos, seria um mundo onde todos pudessem ser felizes”.
Há também a noção de que a escola deveria melhorar. De acordo com a reda-
ção 24, “as escolas hoje em dia tem muitas brigas”. No texto 19, vê-se a

242 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

preocupação com a realidade cotidiana, quando menciona que “meninos que


ficam envatino [invadindo] as escola[s] quando tá tendo aula e menos
menino[s] mal-educados”.10 Ao termo, a educação escolar na visão dos alunos,
a despeito do que se possa dizer para diminuir a sua importância em discursos
tendenciosos, aparece na redação 20 num quadro em que “todos tivessem
oportunidades melhores, como educação, lazer e saúde[...]”.
Alguns de nossos autores refletiram diretamente sobre a realidade local,
como na redação 13, em que se menciona que “Xerém [é] um lugar muito
calmo[,] mas eu queria que mudasse tudo, acabar com os bandidos, os roubos
e ter muitas alegrias”. Uma das preocupações mais profundas de nossos dis-
centes é com a necessidade do “respeito às diferenças” (redação 20). Ainda
sobre essa questão, um aluno menciona que “Se o meu mundo fosse do jeito
que eu quiser[,] eu queria que ele fosse perfeito[,] sem preconceito[,] sem
[bullying] [...] o mundo não é um lugar muito seguro se você não tive[r] di-
nheiro” (redação 22).

Considerações finais

E é nesse mundo o nosso ponto de chegada. Se começamos falando da


mitologia grega, chegamos a Xerém, quarto distrito de Duque de Caxias. Nessa
trajetória pudemos navegar com as narrativas de alguns de meus próprios
alunos nessa experiência didática. Os resultados apontam no sentido da ne-
cessidade do aprofundamento de trabalhos que demandem dos alunos formas
de interação que tenham objetivos mais amplos do que simplesmente os de
elencar conteúdos que pareçam estéreis aos jovens. Seja nos discursos cotidia-
nos e mesmo em algumas das redações aqui analisadas, torna-se bem clara a
dinâmica pela qual há camadas discursivas que atravessam a todos e que en-
contram as suas próprias justificativas em modalidades de consciência histó-
rica distintas.
No que se refere aos modos a partir dos quais se pode inferir como os
alunos constroem as suas consciências históricas, foi interessante e enriquece-
dor notar que a maior parte dos alunos não se privou de pensar um mundo
diferente, operando, muitas das vezes, em um pensamento crítico-genético.
Há clareza na identificação dos problemas cotidianos e de alguns mais profun-
dos, embora se deva notar que identificar um problema como realmente

Junho de 2018 243


Guilherme Moerbeck

existente não significa necessariamente estar preparado para agir de maneira


propositiva e crítica da realidade social e política. As capacidades crítica e
propositiva poderiam ser mais bem avaliadas em outras formas de trabalhos
que estimulassem esses tipos de habilidade.
Na prática cotidiana, nas escolas públicas, os relatos da intransigência em
relação às religiões espíritas e/ou de matrizes africanas vêm aumentando.
Formas de consciência dogmáticas, que refletem modos de reprodução de re-
presentações sociais como um habitus, mostram uma intransigência cons-
truída, muitas das vezes, por discursos religiosos intolerantes que se apresentam
em piadas rotineiras, vinculando qualquer manifestação fora do prisma cristão
– ou seja, desconhecida – à noção pejorativa de macumba. Risos e mesmo a
negação do diálogo não são incomuns na relação aluno-professor, sobretudo
quando o discente cristaliza a ideia de que o docente quer ensinar/empurrar
coisas que vão contra a sua verdadeira fé.
O ensino de História inexoravelmente deparará com esses obstáculos ao
conhecimento. Não é pelo enfrentamento ou pela criação de novas verdades
intangíveis e monolíticas que o profissional conseguirá mobilizar o aluno.
Parece-me, ao termo, que dar voz aos alunos é uma maneira de também poder
ser ouvido na prática cotidiana, não dogmática, dialógica e salutar de pensar
para desnaturalizar e historicizar o mundo.

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História: sujeitos, saberes e práticas. 3.ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012.
_______. Jovens brasileiros, consciência histórica e vida prática. Revista História Hoje,
São Paulo: Anpuh, v.5, n.9, p.31-48, 2016.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Resende (Org.)
Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: Ed. UFPR, 2011.
SNODGRASS, Anthony. Homero e os artistas. Trad. Luiz Alberto Machado e Ordep
José Trindade Serra. São Paulo: Odysseus, 2004.
VERNANT, Jean Pierre. Mito e religião na Grécia Antiga. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
_______. Mito e sociedade na Grécia Antiga. 2.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio Ed., 1999.
_______. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2003.
VEYNE, Paul. Acreditaram os gregos em seus mitos? Lisboa: Edições 70, 1987.
WEBERMAN, David. Phenomenology. In: TUCKER, Aviezer (Org.) A Companion to
the Philosophy of History and Historiography. London: Blackwell, 2009. p.508-518.

Junho de 2018 245


Guilherme Moerbeck

NOTAS
1
Destaque no Prêmio Professores do Brasil 2017 – Ministério da Educação. O pós-doutora-
do foi desenvolvido na Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), sob a supervisão do professor
Américo Freire.
2
Especificamente sobre o ensino de história, concordo com as preocupações de Maria
Lima quando enfatiza que a produção da História escolar de franceses e alemães no final
do século XIX encaminhou uma disciplina que separava radicalmente o sujeito e o objeto
do conhecimento. Em um novo padrão epistemológico da História, são admitidos os pa-
drões considerados não racionais – tais como: morais, afetivos, estéticos e até ficcionais –
para se compreender a complexidade do real (cf. LIMA, 2014).
3
Em conjunto com o Instituto Ayrton Senna, no ano de 2007 desenvolvi um trabalho de
estudo por meio de projetos na Escola Municipal Professora Olga Teixeira de Oliveira.
4
Há muitos outros autores relevantes para a discussão do mito, da mitologia e de suas im-
plicações sociais e políticas, entre os quais Claude Calame, Marcel Detienne, Nicole Loraux
e Christiane Sourvinou-Inwood. Como se trata de um artigo cujos objetivos são muito
mais a reflexão e a operação da História grega antiga para o ensino básico, opta-se aqui pela
omissão dessas referências nos debates sobre o mito, que seriam relevantes a um debate
teórico mais aprofundado entre os próprios helenistas.
5
“Do início ao fim do século V a.C. os dramaturgos trágicos encenaram suas próprias ver-
sões das histórias heroicas e, quando essas eram extraídas do assunto da Ilíada, havia, ami-
úde, afastamentos radicais do enredo e das personagens.” Isto “veio a ocorrer quando,
dentro do interesse grego mais amplo pela lenda, um foco literário alternativo, de prestígio
quase idêntico, tornou-se disponível. A versão de Homero de uma dada história podia ago-
ra, de acordo com o ponto de vista individual, ser vista como autêntica, mas também como
fora de moda” (SNODGRASS, 2004, p.238).
6
Há muitas críticas pertinentes ao atual processo de inclusão de alunos com necessidades
especiais em turmas regulares sem o devido apoio técnico de pessoal especializado. Em
Duque de Caxias a tônica é quase sempre a mesma. Os professores especialistas, como é o
meu caso, pouco podem ou sabem fazer para realmente incluir esses alunos num processo
pedagógico que favoreça efetivamente o desenvolvimento do aprendizado.
7
Segundo dados do IBGE, o município de Duque de Caxias tinha em 2010 um IDH de
0,711 e uma população residente de 855.048 pessoas, dentre as quais 314.459 declararam-se
evangélicas e 299.971 católicos apostólicos romanos. Há apenas 19.178 pessoas de religião
espírita, segundo o censo. No trecho de 2 quilômetros que vai do centro de Xerém, a
Mantiquira, até a escola em que leciono, no bairro da Pedreira, há 12 congregações religio-
sas, desde Batistas e Presbiterianos até a Universal do Reino de Deus e a Igreja Paz e Vida.
Cf. www.cidades.ibge.gov.br.
8
As perguntas foram feitas apenas para que os alunos pudessem desenvolver uma leitura
atenta dos trechos mais relevantes, por isso mesmo não foram reproduzidas neste texto.

246 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História Antiga no ensino fundamental: um estudo sobre os mitos gregos

9
Preferiu-se aqui manter a escrita original sem qualquer tipo de correção, seja ortográfica
ou gramatical. Tudo o que está entre colchetes são meus acréscimos.
10
É relativamente comum que meninos – e até adultos – soltando pipa invadam a escola
para tomar uma posição privilegiada. Um perigo para eles e, também, para os discentes, o
que preocupa a comunidade escolar, em especial a direção.

Artigo recebido em 11 de outubro de 2017. Aprovado em 7 de maio de 2018.

Junho de 2018 247


Política e literatura: um estudo
sobre Oswald de Andrade
Politics and Literature: A Study on Oswald de Andrade
Edvaldo Sotana*

Carreri, Marcio Luiz


O socialismo de Oswald de Andrade: cultura, política e tensões na moderni-
dade de São Paulo na década de 1930
Curitiba: CRV, 2017. 164p.

O livro intitulado O socialismo de Oswald de Andrade é fruto da tese de


doutorado desenvolvida por Marcio Carreri no Programa de Pós-graduação em
História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Algumas
indagações motivaram a pesquisa do professor do curso de história da Univer-
sidade Estadual do Norte do Paraná (Uenp). Dentre elas, destacam-se: “Que
contribuição um homem da cultura pode dar para as ideias políticas?” e “É pos-
sível situar Oswald de Andrade como um socialista, primeiramente como escri-
tor e também como homem de ação e, fundamentalmente, reconhecer sua con-
tribuição para o pensamento social brasileiro?” (Carreri, 2017, p.16).
Para realizar seu estudo sobre Oswald de Andrade, Carreri tomou como
fonte o jornal O Homem do Povo (1931) e textos literários, como Serafim Ponte
Grande (1933), O Rei da Vela (1933) e Marco Zero (1943 e 1946). Assim, a
própria escolha do corpus documental enseja oportuna discussão sobre a rela-
ção entre história e literatura, principalmente no que diz respeito ao estatuto
das representações literárias para a pesquisa histórica.
Cumpre destacar que seu livro não adquire caráter ensaístico ou de
biografia ocupada em mitificar o personagem. Ao contrário, o estudioso
demonstra ciência da difícil empreitada em posicionar o homem das letras
entre as correntes do modernismo. Além disso, explicita certa mitologia
construída em torno do literato e, também, a falta de “generosidade” da

* Professor Adjunto, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus de


Aquidauana. Aquidauana, MS, Brasil. sotana.ufms@gmail.com

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 248-252 - 2018


Política e literatura: um estudo sobre Oswald de Andrade

crítica com seus textos ou a ausência de interlocução da sua obra com a


militância política de esquerda.
De modo geral, seu trabalho está escudado em sólido e profícuo aporte
teórico-metodológico. Pautado nos conceitos de cultura política (história po-
lítica renovada) e de hegemonia (Antonio Gramsci), bem como na noção de
estrutura de sentimento (Raymond Williams), o pesquisador confronta a tese
socialista de Oswald de Andrade, os meios e os suportes que foram por ele
utilizados. Sua investigação não visa, porém, apresentar “um filósofo marxista”
ou que tenha “criado uma nova linguagem interpretativa”, mas desvela “um
militante revolucionário fundamental para se pensar a relação da cultura com
a política ou a prática do socialismo” (Carreri, 2017, p.21).
Vale a pena destacar a tese do trabalho. Ao tomar a experiência intelectual
como prática política, o estudioso ressalta:

Ainda que se atribua ao escritor paulista uma suposta timidez da formulação teó-
rica, entende-se que Oswald desenvolveu, a partir de leituras e opções políticas,
uma peculiar visão de mundo, uma original perspectiva de socialismo, e traba-
lhou por sua efetivação, em diferentes instituições, no partido político e no am-
plo cenário cultural paulistano e brasileiro ... O marxismo antropofágico, assim
denominado, é a síntese socialista de Oswald, que, ainda que tenha sido vivida no
período em que era membro do PCB, foi formulada antes (1928) e continuou
presente em suas reflexões após o rompimento com o Partido (1945). Cultura e
ação política, ambas em momentos diferentes da trajetória do escritor, são perce-
bidas para a interpretação de sua formulação filosófica. (Carreri, 2017, p.26)

Ao longo de quatro capítulos, Carreri constrói um enredo para sustentar


essa proposta. No primeiro, aborda os espaços públicos e privados nos quais
Oswald de Andrade formulou suas reflexões e o processo de transformação da
cidade de São Paulo entre o final da década de 1920 e a década de 1930, além
de apresentar seus interlocutores, destacando, principalmente, aqueles que
integraram a redação do jornal Homem do Povo – dentre eles, Patrícia Galvão
(Pagu). No capítulo seguinte, faz uma análise sobre o estilo e a linguagem do
escritor paulista. Tomar a ironia como arma na luta simbólica travada, tanto
no espaço do modernismo quanto no campo da política, é ponto central na
abordagem construída no segundo capítulo. O terceiro capítulo enfoca o so-
cialismo de Oswald de Andrade, seus embates com o integralismo de Plínio

Junho de 2018 249


Edvaldo Sotana

Salgado e com os intelectuais que aderiram à chamada Revolução


Constitucionalista de 1932. Já o último capítulo trata da atuação de Andrade
como redator e editor do jornal Homem do Povo, sem, é claro, deixar de situar
as controvérsias entre o escritor e o Partido Comunista do Brasil (PCB), tam-
pouco com jornais de circulação nacional (O Estado de S. Paulo, por exemplo)
e com estudantes do Largo São Francisco.
A propósito, a filiação, a militância e as tensões de Oswald de Andrade
com o PCB são aspectos que chamam a atenção do leitor. Assim como outros
intelectuais, Andrade estabeleceu uma complexa relação com a direção e as
diretrizes partidárias. Como ocorreu, em momentos posteriores, com
Graciliano Ramos e Caio Prado Júnior,1 o literato paulista realizou diferentes
atividades partidárias sem, no entanto, deixar de tensionar com a direção
pecebista em razão das orientações e normas partidárias para produção
cultural.2
Junto a outros temas, a relação entre o intelectual e o partido foi objeto
de discussão com base no jornal O Homem do Povo. O periódico foi utilizado,
igualmente, para pensar o projeto cultural, político e ideológico de Oswald,
bem como as tensões marcantes na sua rede de sociabilidade:

Oswald de Andrade, recém-chegado ao Partido por força de um convite do pró-


prio Prestes e da força mobilizadora do entusiasmo da companheira Pagu, publi-
cou, por seu turno, o jornal OHP, com participação de intelectuais e militantes
anarquistas e comunistas, apresentou-se à arena dos debates públicos, fornecen-
do seu ponto de vista para a reivindicação, no século XX, da identidade nacional
brasileira. (Carreri, 2017, p.29)

Pensar a relação entre o intelectual e o partido leva o leitor a uma questão


mais ampla: Quais as funções de um intelectual? De acordo com Sirinelli (1996,
p.242-243), temos duas acepções referentes à noção de intelectual: uma ampla
e sociocultural, englobando os criadores e os “mediadores” culturais, e outra
mais estreita, baseada na ideia de engajamento do sujeito na vida da sociedade
como ator, testemunha ou consciência política. Tomar Oswald de Andrade
como um intelectual engajado na cidade de São Paulo, notadamente o modo
como experimentou a modernidade e as práticas de sociabilidade construídas
em determinados espaços na terra da garoa, a partir da década de 1930, é outro
mérito do trabalho de Carreri.

250 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Política e literatura: um estudo sobre Oswald de Andrade

Enfim, construída a partir de pesquisa empírica, relevante discussão bi-


bliográfica e consistente suporte teórico-metodológico, a obra pode ser consi-
derada fundamental para o leitor interessado em Oswald de Andrade e nas
interfaces entre história e literatura, mas também para os pesquisadores aten-
tos às experiências culturais e políticas vivenciadas na cidade de São Paulo nas
décadas de 1920 e 1930. Também pode cativar estudiosos ocupados em discutir
a relação dos intelectuais com o PCB ou empenhados em cotejar a própria ideia
de engajamento intelectual. Não obstante, o texto é um convite à reflexão sobre
o papel dos intelectuais no Brasil contemporâneo – tarefa premente em razão
da atual ausência de debate sobre projetos de nação e, principalmente, frente
aos últimos acontecimentos da cena política brasileira. Parafraseando o autor,
é uma obra para quem acredita “na capacidade da Academia e da Educação
como um todo, em fornecer subsídios para o combate à crescente despolitiza-
ção da sociedade” (Carreri, 2017, p.143). Fica, portanto, o convite para os in-
teressados em cultura, política e militância intelectual, tanto nos idos da década
de 1930 quanto no tempo presente.

REFERÊNCIAS

FERREIRA, Jorge Luiz. Prisioneiros do mito: cultura e imaginário político dos comu-
nistas no Brasil (1930-1956). Tese (Doutorado em História) – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996.
MORAES, Dênis de. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socia-
lista no Brasil (1947-1953). Rio de Janeiro: J. Olympio Ed., 1994.
_______. O Velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: J.
Olympio Ed., 1993.
PALAMARTCHUK, Ana Paula. Os novos bárbaros: escritores e comunismo no Brasil
(1928-1948). Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (IFCH), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Campinas, 2003.
_______. Ser intelectual comunista...: escritores brasileiros e comunismo (1920-1945).
Dissertação (Mestrado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
(IFCH), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, 1997.
RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Júnior e a nacionalização do marxismo. São Paulo:
Fapesp; Ed. 34, 2000.

Junho de 2018 251


Edvaldo Sotana

RUBIM, Antonio Albino Canelas. Partido Comunista, cultura e política cultural. Tese
(Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
(FFLCH), Universidade de São Paulo (USP), 1986.
SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.) Por uma histó-
ria política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1996. p.231-270.

NOTAS
1
Para conhecer mais sobre a relação entre Graciliano Ramos e o PCB, sugerimos MORAES
(1993). Sobre Caio Prado Júnior e o PCB, consultar RICUPERO (2000).
2
Existem alguns estudos fundamentais para tratar da relação dos intelectuais com o PCB.
Dentre eles, destacamos os trabalhos de PALAMARTCHUK (1997; 2003) e a tese de RUBIM
(1986). Apesar de ocupado com período posterior, o trabalho de MORAES (1994) também
aborda a relação entre intelectuais e as diretrizes partidárias. Ainda para aprofundar o enten-
dimento da questão, notadamente no que se refere ao estudo da cultura e do imaginário dos
militantes comunistas brasileiros, o leitor pode consultar FERREIRA (1996).

Resenha recebida em 18 de setembro de 2017. Aprovada em 22 de março de 2018.

252 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las
ciencias sociales para trabajar e incluir
a las mujeres y su historia en la enseñanza:
perspectivas de los y las estudiantes chilenos
The Challenges from the Didactics of the Social
Sciences to Work and Include Women and their
History in Teaching: Perspectives of Chilean Students
Jesús Marolla*
Joan Pagès**

Resumen Abstract
Este artículo presenta el análisis del This article presents the analysis of the
contenido de los discursos de los y las content of the speeches of the Chilean
estudiantes chilenas sobre la presencia y students on the presence and absence of
la ausencia de las mujeres en la en- women in the teaching of history. The
señanza de la historia. El análisis es rea- analysis is carried out from the theoret-
lizado desde la teoría de la didáctica de ical framework of the didactics of the
las ciencias sociales y la teoría queer. Los social sciences and queer theory. The
objetivos del estudio son comprender objectives of the study reflect on the
los espacios que existen en las aulas para possibilities that exist in classrooms to
incluir a las mujeres y su historia desde include women and their history from
las concepciones de los y las estudiantes. the conceptions of students. The re-
El diseño de la investigación es de tipo search design is qualitative with the
cualitativo con el método del estudio de case study method. Focal groups have
casos. Se han realizado grupos focales been held with different students from
con distintos estudiantes de escuelas de schools in Santiago de Chile. The stu-
Santiago de Chile. Los y las estudiantes dents affirm the inclusion of women
afirman que con la inclusión de las mu- and their history from critical perspec-
jeres y su historia desde perspectivas tives could generate empathy with the
críticas se podría generar empatía con inequalities in the struggle for social
las desigualdades en la lucha por las transformations.
transformaciones sociales. Keywords: inclusion; gender; didactics.
Palabras clave: inclusión; género; di­
dáctica.

* Universidad de Antofagasta. Antofagasta, Chile. jesusmarolla@gmail.com


** Universidad Autónoma de Barcelona. Barcelona, España. joan.pages@uab.cat

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 252-271 - 2018


Jesús Marolla, Joan Pagès

Una de las preocupaciones desde sectores como el género y la psicología


del aprendizaje (Britzman, 2002; Pinar, 2014; Talburt; Steinberg, 2005) ha gi-
rado en torno a la comprensión de la producción y la reproducción de las
identidades por razones de género. Desde la didáctica de las ciencias sociales
se ha abordado el concepto de “invisibles” desde el currículo, los libros de
texto, los programas, así como desde la inclusión/exclusión de las mujeres en
la enseñanza y en el aprendizaje (Fernández, 2004; Fernández, 2006; Marolla;
Pagès, 2015).
En este escrito se presentan las reflexiones que han realizado distintos y
distintas estudiantes chilenos sobre los discursos y las estructuras bajo las que
se incluyen y excluyen a las mujeres y su historia en la enseñanza. Además se
presentan las distintas posibilidades y los obstáculos ante el reto de generar
transformaciones con la inclusión de las mujeres y su historia a fin de cuestio-
nar las desigualdades por razones de género en las aulas.

Mujeres e identidades

La reflexión debe comenzar desde la problematización del concepto de


“mujer”. Tal problematización es una manera de reflexionar sobre cómo ope-
ran las jerarquías de poder y de diferencia en la sociedad. El fin debería ser el
poder develar los caminos para comprender el cómo se han construido las
estructuras de dominación y de subordinación hacia las mujeres (Scott, 2008).
Para llevar a cabo lo anterior, nos posicionamos desde perspectivas feministas
posestructuralistas (Butler, 2001), donde se comprende que el género y los
conceptos de “mujer” y “mujeres” no son categorías sólidas. Al contrario, están
en constante proceso de construcción, producción y reproducción.
El género lo entendemos desde lo que plantea Scott (2008), como el co-
nocimiento sobre la diferencia sexual. Siguiendo a Foucault (2008), el género
se ha producido socialmente a través de las relaciones de poder, de dominación
y de subordinación. De la misma manera, las identidades según Butler (2001)
y Foucault (1979) se han construido entre las interacciones de los discursos y
las convenciones heterosexuales y fálicas, las cuales están permeadas por las
mismas estructuras de poder.
Scott (2008) afirma que dentro de la cultura patriarcal se han excluido los
estudios de género y de esa forma a las mujeres y su historia. La autora agrega

254 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

que la historia de las mujeres debe destacar las acciones que se han omitido e
invisibilizado sobre ellas, al contrario de solo destacar las grandes tareas que
han llevado a cabo. Esto se enmarca en distintas corrientes que buscan visibi-
lizar a las mujeres desde la represión, la discriminación y la desigualdad en que
han vivido (Butler, 2006). Scott (2008) plantea que lo anterior debería provocar
la construcción de nuevas periodizaciones y narrativas que relevaran la histo-
ricidad femenina como una manera de transformar las desigualdades por ra-
zones de género.

Las investigaciones sobre la inclusión de


las mujeres en la enseñanza y el aprendizaje
de la historia y las ciencias sociales

Desde la educación y la didáctica, Subirats (2001) afirma que la enseñanza


debe fomentar la diversidad de género, tanto en los contenidos, como en las
prácticas del profesorado. Es necesario, por tanto, que se repiensen las estruc-
turas bajo las cuales se ha construido la historia, a fin de establecer espacios
que evidencien los roles que han ejercido las mujeres. Esto promovería que los
y las estudiantes reflexionaran sobre quiénes han sido los protagonistas de la
historia y quiénes han sido excluidos y excluidas de las narrativas (Fernández,
2006; Tomé; Rambla, 2001).
Investigaciones como las de Hubbard (2013) y Vázquez (2003) coinciden
en que las estructuras androcéntricas de la sociedad se encargan de la trans-
misión de los estereotipos y los prejuicios de género. Para revertir la situación
anterior, tales investigaciones acuerdan que se deben repensar las construccio-
nes de las escuelas y de la enseñanza a fin de abrir espacios que fomenten la
igualdad y las diferencias por razones de identidad y de género.

Las investigaciones sobre las prácticas del


profesorado y la inclusión/exclusión de las mujeres

Autoras como Crocco (2010), Woyshner (2002) y Vázquez (2003) coin-


ciden en que el profesorado guarda gran responsabilidad en la transmisión,
producción y reproducción de los estereotipos y los prejuicios de género. En

Junho de 2018 255


Jesús Marolla, Joan Pagès

efecto, la formación del profesorado, así como las prácticas que realizan, no
consideran a las mujeres, sus acciones ni sus problemas (Marolla; Pagès, 2015).
Heimberg (2005) afirma que a través de la transformación de los discursos
y las prácticas se pueden fomentar valores y espacios de inclusión, de empatía
y de empoderamiento para las mujeres. Los discursos, agrega el autor, deben
posibilitar la identificación de las chicas con la historia que se está trabajando
y de esa manera el empoderamiento en la sociedad. Banks (2004), Crocco
(2006) y Fernández (2004), coinciden en afirmar que para establecer tales es-
pacios y transformar los discursos desde perspectivas de género, debe existir
un cambio en los enfoques bajo los cuales se ha construido la enseñanza y se
han realizado las prácticas en las aulas.
Banks (2004) y Schmeichel (2011) comentan que la transformación de las
prácticas debe provocar que todos y todas aquellas que han sido marginadas
de la enseñanza de la historia y las ciencias sociales sean incluidos desde espa-
cios que fomentan la igualdad y las diferencias (Marolla, 2015). El fin es que
se pueda problematizar la ausencia de las mujeres, los trabajadores, las etnias,
entre otros grupos que han sido excluidos por quienes han detentado el poder
social, político y/o económico.

Metodología

La investigación se ha planteado desde el paradigma cualitativo, ya que se


busca la comprensión de problemas sociales complejos (Álvarez-Gayou, 2003;
Creswell, 2014; Simons, 2011). En tal paradigma, nos posicionamos dentro de
las perspectivas que buscan la comprensión de los problemas de los grupos
silenciados (Álvarez-Gayou, 2003).
Nos posicionamos, además, desde la teoría crítica (Cohen et al., 2007), ya
que nos entrega las herramientas metodológicas para la comprensión de las
estructuras de explotación, de opresión y de invisibilización hacia las mujeres.
Para el estudio es fundamental posicionarse desde las metodologías de inves-
tigación feminista (Usher, 1996), ya que nos entregan los caminos para com-
prender las voces de los y las oprimidas por razones de género. Tales
metodologías entregan alternativas para que desde la investigación se potencie
la transformación de las desigualdades y las estructuras de poder que han ex-
cluido a distintos y distintas personas en la sociedad.

256 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

Para llevar a cabo los objetivos se ha planteado un estudio de casos


(Simons, 2011; Stake, 2007), ya que tales perspectivas se centran en un fenó-
meno, una población o problemas particulares. Siguiendo a Arnal et al. (1994)
y Simons (2011), los estudios de casos tienen las ventajas de que permiten
descubrir procesos sutiles, otorgan distintas posibilidades para comprender
problemas complejos y desconocidos, colaborar en la comprensión de las rea-
lidades lejanas y que destacan por la complejidad que presentan, además de
que recurren a distintas técnicas de recogida y análisis de la información.
Resulta fundamental que en el estudio de casos se promueva la implicación de
los y las participantes con el problema que se investiga.
Desde distintos sectores se han comentado las desventajas que tienen los
estudios de casos (Cohen et al., 2007), tales como los problemas que se pueden
presentar debido a la gran cantidad de datos, la subjetividad del o la investiga-
dora y la validez de las conclusiones. No obstante, en el estudio se han sorteado
tales obstáculos ya que los datos se han comprendido desde los objetivos y su
utilidad a las preguntas planteadas y no se pretende generalizar las conclusio-
nes de la investigación. Más bien, se busca entregar caminos y espacios para la
reflexión sobre las propias prácticas.

El diseño de la investigación

Para llevar a cabo el análisis cualitativo de la información, se han estable-


cido cuatro fases a través de la conjunción de los planteamientos de Creswell
(2014), Stake (2007) y Simons (2011). Además para las fases de deconstrucción
de los discursos se han considerado las metodologías planteadas por Lather
(1992), Finlay (2002) y MacBeth (2001). Las fases de seguidas son:
a) Fase de reducción: se seleccionó la información fundamental que res-
pondía a las preguntas planteadas.
b) Fase de análisis: se organizaron en categorías los datos en función de
los objetivos.
c) Fase de interpretación del caso: desde el análisis del contenido
(Bardin, 1986), se establecen los patrones y conceptos que ayudan a
comprender el problema. En esta fase se realizó la triangulación de la
información. Se llevó a cabo una suma categórica (Stake, 2007) a fin

Junho de 2018 257


Jesús Marolla, Joan Pagès

de establecer una clasificación de la información y posteriormente se


realizó la codificación a fin de establecer “categorías de contenido”
(Simons, 2011). Tales categorías resultaron útiles para la reflexión de
los principales aspectos a que se referían los grupos focales sobre los
temas planteados.
d) Fase de interpretación de las ideologías: en primer lugar se reflexionó
sobre la teoría a la luz de las interpretaciones de los datos. Se estable-
cieron las explicaciones obtenidas desde los grupos focales en contras-
te a los lineamientos teóricos. Además en esta fase se dio relevancia a
las opciones de transformación que existen para la justicia social desde
las perspectivas de los y las participantes. (Lather, 1992)
Posteriormente se procedió a la deconstrucción de los discursos con el
objetivo de generar planteamientos que fomentarán la transformación de las
prácticas del profesorado desde el género y la didáctica de las ciencias sociales.
Tales planteamientos fueron construidos desde la teoría crítica (Habermas,
1988; Lather, 1992), y las teorías de las metodologías feministas y la justicia
social (Finlay, 2002; Habermas, 1988; Lather, 1992; Macbeth, 2001).

Los grupos focales

El método seleccionado en la investigación es el grupo focal. La elección


se ha debido a las posibilidades que se ofrecían de informar a las preguntas de
investigación planteadas (Simons, 2011). Siguiendo a Álvarez-Gayou (2003),
los grupos focales otorgan la ventaja de contar con gran cantidad de informa-
ción, además de que fomenta las discusiones sobre el tema y problema plan-
teado entre los y las distintas participantes. En el diseño y ejecución de los
grupos focales se han considerado criterios como el número de participantes,
la duración de la actividad y los y las mejores informantes para compartir las
experiencias (Bisquerra, 2004).
Los y las participantes son estudiantes de distintas escuelas de Santiago
de Chile. La elección se llevó a cabo sin pretender una finalidad de represen-
tatividad ni de generalizar las conclusiones (Simons, 2011). Siguiendo a Simons
(2011), se realizó una elección intencional, en donde se buscó mantener un
equilibrio en la variedad de los y las informantes desde las escuelas de

258 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

procedencia: pública, pública con fondos del Estado y privada. Los y las parti-
cipantes de la investigación se resumen en la Tabla 1.
Es conveniente agregar que se consideró en la elección de los y las parti-
cipantes aspectos como las posibilidades para acceder a las escuelas, las rela-
ciones y la fluidez en la conversación que se podía establecer con los y las
estudiantes y el sitio geográfico donde se ubicaban las escuelas, entre otros
criterios a fin de asegurar la credibilidad, validez y pertinencia del estudio
(Simons, 2011; Rodríguez Gómez et al., 1999)

Tabla 1 – Grupos focales


Fecha Grupo
Profesor/a Alumnos / alumnas Curso Edad / años
focal
Mauricio, Richard, 8º
Paula 13-14 4-12-2014
Dania, Leo, Cony Básico

Samuel, Jorge, Juan, 2º


Marcos 15-16 11-12-2014
Fabián, Arturo Medio

Fany, Irma, Adriana, 3º


David 16-17 9-12-2014
Camila Medio

Amelia, Gabriel, Pato, 8º


Luis 13-14 16-12-2014
Violeta Básico

Fuente: elaboración de los autores.

Resultados

Los grupos coinciden en que la historia es una disciplina que les ayuda
para tener conocimiento de temas culturales y sociales. Como dice Adriana del
grupo de David: “Sirve para tener cultura y saber de nuestros antepasados ...
si tú sabes muy poco de historia eres un ‘ignorante’” (Adriana, grupo de David,
2014). Amelia del grupo de Luis comenta que la historia es un conocimiento
que se puede usar diariamente. Es decir, asumen que podrían ser datos con
cierta “importancia” que dan cuenta de alguien que ha estudiado: “para saber
de nuestros antepasados...” (Amelia, grupo de Luis, 2014). Consideran que la

Junho de 2018 259


Jesús Marolla, Joan Pagès

historia les aporta conocimientos factuales y de importancia para la


sociedad.
Irma y Fany del grupo de David comentan que la historia debe colaborar
en que los errores del pasado no se repitan. Irma dice que el objetivo es: “nunca
volver a cometer los mismos errores que ya se cometieron...” (Irma, grupo de
David, 2014), y Fany agrega que: “Para aprender de los errores que hubieron
[sic] antes y poder ir mejorando...” (Fany, grupo de David, 2014). De esta
manera, los grupos coinciden en que la historia puede dotarles de las herra-
mientas necesarias a fin de que en el futuro que se construya no se cometan
los errores en que se han incurrido.

a) Las posibilidades para incluir a las mujeres y su historia en la enseñanza

En general, los grupos de Luis, Paula y Marcos coinciden en que los temas
que se trabajan en las clases tienen relación con aspectos de la política, las guer-
ras, la filosofía y la economía. Solo el grupo de David afirma que han trabajado
(esporádicamente) temas no tradicionales. Han incluido aspectos de la vida co-
tidiana de hombres y mujeres, el trabajo, entre otros. Adriana comenta que se
están viendo temas relacionados al trabajo pero desde la presencia de las mujeres:
“a mí me tocó la de la mujer ... la inserción de la mujer al mundo laboral ... qué
hizo la mujer para tener los ‘beneficios’ que tuvo hoy en día” (Adriana, grupo de
David, 2014). Aunque lo anterior representa una innovación desde la didáctica
en relación a los temas que se trabajan tradicionalmente en las clases de historia,
no obstante, no son aspectos que se traten comúnmente.
Los grupos coinciden, en este sentido, que los personajes que se incluyen
en las clases de historia y ciencias sociales se presentan desde lo masculino.
Como dice Fany: “en sí vemos a los candidatos, a los presidentes, los minis-
tros...” (Fany, grupo de David, 2014), e Irma: “uno que otro actor político que
haya marcado en sí como relevancia. Que hicieron algo importante...” (Irma,
grupo de David, 2014). Reconocen que las mujeres son incluidas de manera
esporádica en una historia dominada por los hombres en temas de política, de
economía y de guerras. Afirman, por tanto, que la enseñanza de la historia se
realiza desde la relevancia de los hombres como personajes históricos, desta-
cando construcciones basadas en los prejuicios y los estereotipos por razones

260 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

de género. Como dice Camila: “el tema de la mujer se ve súper poco...” (Camila,
grupo de David, 2014).

b) Las construcciones sociales y la inclusión de las mujeres en la enseñanza

Los grupos coinciden en que en la construcción masculina de la enseñanza


de la historia y las ciencias sociales ha provocado que las mujeres y su partici-
pación en la historia quedaran invisibles. Lo anterior, agregan los grupos, no
quiere decir que las mujeres no destaquen por distintas acciones durante la
historia. El grupo de David reconoce que en una escuela de hombres, las mu-
jeres y su historia no serían incluidas debido a que no representaría un interés
para una sociedad dominada por ellos. Camila dice que: “las mujeres aparecen
muy poco en la historia. Como no tengo el mismo conocimiento de la historia
de la mujer, no sabría decir si es porque la mujer ha hecho poco en la historia
o porque simplemente se ha privado de la historia de las mujeres…” (Camila,
grupo de David).
En efecto, los estudiantes de los grupos de Paula y de Luis coinciden en
afirmar que debido a que el hombre ha sido quien ha controlado los relatos
históricos, ha marginado a las mujeres en su construcción. Gabriel del grupo
de Luis agrega que la historia no refleja: “ni el 5% de lo que debe haber pasado
en relación a las mujeres” (Gabriel, grupo de Luis, 2014). Amelia del mismo
grupo, afirma que lo anterior tiene relación con quién domina y tiene el poder
en la construcción de la historia y en la sociedad. En ese contexto se ha entre-
gado una imagen de las mujeres subordinada a las acciones de los hombres:
“los hombres siempre la han [sic] considerado como algo que ‘sirve siempre
para estar en la casa’, o ‘algo frágil’” (Amelia, grupo de Luis, 2014).
Jorge y Arturo del grupo de Marcos coinciden y reflexionan sobre que la
presencia marginada de las mujeres es debido a la construcción de la historia
que han realizado los hombres. Asumen que es una construcción que ha do-
minado la historia y se ha hecho presente en la sociedad: “lo que muestran es
que el hombre siempre va a ser el que descubre, va a ser como el ‘protagonista’
en la historia [sic], nunca va a ser la mujer...” (Arturo, grupo de Marcos, 2014).
En el grupo de Luis asumen que las mujeres sí están presentes, no obstan-
te, son escasos los temas que se trabajan y en donde se hacen visibles. Amelia
dice que prácticamente son: “invisibles, porque no aparece nunca nada de la

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Jesús Marolla, Joan Pagès

mujer ... son cosas mínimas [sic], no ocupan más de ‘dos líneas’...” (Amelia,
grupo de Luis, 2014). Pato dice que los hombres han marginado a las mujeres
a posiciones de poca relevancia, en contraste a la importancia que se les otorga
a sus propias acciones: “se ven súper pocas mujeres ... los hombres quieren
tener el protagonismo ... yo creo que habría más igualdad entre hombres y
mujeres si también hubiese historia de mujeres ... obvio que no toda la historia
fue constituida por puros hombres...” (Pato, grupo de Luis, 2014).
Los grupos, además, afirman que la historia y la sociedad han construido
una imagen y un rol de las mujeres como objeto. Fabián dice que se ha relevado
a las mujeres por sus características físicas antes que por sus aportes intelectu-
ales y/o acciones políticas, económicas o sociales. En tales espacios, agrega, se
destacan los hombres por sobre las mujeres: “yo no opino que son invisibles.
La gente nos hace creer o nos muestra que son en cierto modo ‘invisibles’”
(Fabián, grupo de Marcos, 2014). De esta manera los grupos coinciden en que
desde la masculinidad se ha construido una imagen y un concepto de mujer
en una jerarquía inferior a lo que han realizado los hombres. De esa manera
se validan sus acciones y jerarquías dentro de las estructuras sociales.
Los grupos agregan que el machismo que existe en la sociedad es una de
las estructuras que impide que la inclusión de las mujeres se valore en impor-
tancia a las acciones que han realizado en la construcción de la historia. Los
chicos del grupo de Marcos reflexionan sobre que no se fomenta el respeto ni
la tolerancia, ya que se considera a la mujer de manera “inferior” en contraste
a los hombres. Como dice Arturo, la historia ha transmitido una imagen de las
mujeres y de sus acciones desde perspectivas inferiores, donde no se les da la
relevancia que han tenido. Eso es debido a que se les resta protagonismo, a fin
de otorgárselo a lo que realizaban los hombres. Lo anterior, para Arturo, ha
provocado que hoy existan distintas problemáticas de discriminación, de es-
tereotipos, de prejuicios y de violencia hacia las mujeres: “antes no tenía como
un pensamiento, o sea, era como un ‘ser inferior’, era como ‘algo aparte’, era
como un ‘objeto’ ... no hay ese respeto y tolerancia en la actualidad” (Arturo,
grupo de Marcos, 2014).
Los comentarios de Fabián y de Samuel del grupo de Marcos, agregan que
no son solo las mujeres quienes han sido invisibilizadas en gran parte de la
historia, sino que las diversidades de género son discriminadas en función de
lo que establecen los hombres. Por una parte, Fabián cuenta que: “porque yo

262 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

creo que se está viendo a la mujer o a otros tipos de sexualidad como algo
‘inferior’, como que muchas veces piensan que no importa si fue o no una
mujer...” (Fabián, grupo de Marcos, 2014). Samuel coincide con su compañero
y cuenta que los modelos pasivos y subordinados de las mujeres que se trans-
miten en las clases de historia, tienen relación con que los hombres buscan
validar sus acciones y su participación en la historia a través de la formación
de estereotipos y prejuicios sobre lo que han realizado ellas: “no lo enseñan
porque creen que la mujer es algo ‘inferior’ y no la toman como una persona
‘normal’, sino que, la historia la basan solamente en los hombres y las cosas
que hicieron las mujeres las dejan de lado solo porque son mujeres” (Samuel,
grupo de Marcos, 2014).

c) Los problemas y las posibilidades para incluir


a las mujeres y su historia en la enseñanza

Los y las estudiantes afirman que el problema de la inclusión de las mu-


jeres radica en el discurso bajo el cual se hacen presente sus acciones. Según
los y las chicas, tal discurso del profesorado está construido bajo estructuras
que fomentan la discriminación, la violencia y las jerarquías donde los hom-
bres ocupan las posiciones de poder. Para los grupos uno de los problemas
fundamentales en la sociedad es el machismo y el androcentrismo desde el cual
se ha construido la historia y su enseñanza.
El grupo de Marcos agrega que teniendo claro que la sociedad es machista
y que tales estructuras generan problemas sociales, el Ministerio no se ha en-
cargado de plantear ni efectuar cambios en los libros o la enseñanza. Arturo
afirma que el Ministerio ha entregado un discurso que propone la inclusión y
el respeto por la diversidad, no obstante, no fomentan una enseñanza que
incluya por ejemplo a las mujeres y sus experiencias. Para él, las estructuras
creadas por los hombres son rígidas y se basan en la tradicionalidad de la en-
señanza, resistiendo el cambio: “en los colegios nos preparan solo para una
prueba por eso no nos enseñan esos valores ... yo creo que se da más en estos
colegios como de ‘hombres’ ... nosotros no nos cuestionamos qué hace una
mujer o qué no hace una mujer en esos aspectos de la historia” (Arturo, grupo
de Marcos, 2014).

Junho de 2018 263


Jesús Marolla, Joan Pagès

Amelia, quien es parte del grupo de Luis, dice que tales estructuras se
reflejan en los comportamientos cotidianos de los y las docentes: “hay algunos
profesores que tratan muy mal a las mujeres y las pueden hacer llorar a las
niñas en las pizarra pero a él le da lo mismo, porque es hombre y es profesor
... el profe [Luis] nos aprecia a todos por iguales, le da lo mismo el género, con
tal que uno le responda bien y le ponga atención ... mi pensamiento es que,
capaz que hay una mujer que revolucionó todo, que solo no la han puesto en
los libros” (Amelia, grupo de Luis, 2014).
Para los y las chicas de los distintos grupos, entre las ventajas que comen-
tan se producirían con la inclusión de las mujeres y su historia en la enseñanza,
se podrían fomentar valores como el respecto y la tolerancia hacia la diversidad
por razones de género. Tal trabajo debería producirse, agregan, desde el cues-
tionamiento de los modelos de género existentes. En efecto, las chicas del gru-
po de David plantean que debería enseñarse en igualdad sobre mujeres y
hombres. Para ellas la ventaja sería poder conocer quienes lucharon por los
derechos de las mujeres y de esa manera identificarse. Adriana coincide con
su compañera y cuenta que la inclusión en igualdad y desde la reflexión cola-
boraría en que: “una así puede ir creando su propia posición...” (Adriana, gru-
po de David, 2014). De esa manera se podrían generar empatía hacia las
desigualdades en que han vivido las mujeres.
Amelia afirma que si en la enseñanza se problematizan los discursos bajo
los cuales se incluye a las mujeres y su historia: “habrían muchos cambios.
Cambiaría la manera de pensar de la gente. Sería mejor la manera de pensar.
Porque a veces en los libros no aparece historia de mujeres ‘porque no era im-
portante’, pero quizás la mujer sí fue muy importante...” (Amelia, grupo de Luis).
Pato comenta que se podría avanzar en la reflexión sobre comportamientos que
persigan la igualdad de género en la sociedad: “Yo creo que habría más igualdad
entre hombres y mujeres si también hubiese historia de mujeres ... que no posi-
cione en primer plano a los hombres ... ellas tienen libertad de estar con quien
quieran, independiente de su género...” (Pato, grupo de Luis, 2014).

Discusión de los resultados

Del análisis del contenido de los discursos de los grupos focales se puede
plantear que la enseñanza de la historia y las ciencias sociales ha colaborado

264 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

en la producción y la reproducción de las estructuras hegemónicas desde el


género (Apple, 1991; Giroux, 1998). Desde tales estructuras ha resultado com-
plejo plantear la inclusión de las mujeres, ya que la historia y su enseñanza se
ha planteado desde las experiencias y las acciones realizadas por los hombres
(Hidalgo et al., 2003).
Los y las estudiantes plantean que la historia, así como su enseñanza, se
han construido bajo estructuras patriarcales que han subordinado a las mujeres
(Scott, 2008). Como reflejan los discursos y siguiendo a Barton (2002), los y
las alumnas tienen conciencia de que los hombres y las mujeres han pasado
por distintas experiencias en la historia, no obstante, los discursos y los roles
que les entregan sobre las mujeres destacan por la pasividad. Giroux (2003)
agrega que la educación, tradicionalmente, ha perseguido validar las acciones
de los grupos dominantes, reflejando solo las acciones de los hombres pode-
rosos a través de discursos despolitizados y ajenos a la reflexión desde las pers-
pectivas de género.
Los y las participantes reconocen que se visibiliza a las mujeres y su his-
toria de manera subordinada a una historia que ha sido construida por los
hombres, quienes destacan en acciones políticas, guerras y económicas
(Marolla; Pagès, 2015; Pagès; Sant, 2012). Como comentan los y las estudiantes
y en coincidencia con los planteamientos de Butler (1999) y Foucault (2008),
la visibilización de las mujeres desde roles pasivos provoca la subordinación
de ellas hacia las acciones de los hombres. De esa manera las desigualdades, las
opresiones, la discriminación se reproduzcan en la sociedad.
El fin, como afirman los y las alumnas, debería ser la transformación de
los discursos bajo los cuales se ha visibilizado a las mujeres en la enseñanza de
la historia (Levstik; Barton; 1997).
Como afirma Crocco (2010), han de visibilizar en la enseñanza a las
mujeres y su historia de manera subordinada a las acciones que realizan los
hombres, las chicas no cuentan con las referencias ni los modelos para identi-
ficarse, empatizar y de esa manera empoderarse para luchar a fin de conseguir
las transformaciones de género que la sociedad requiere. Como han manifes-
tado y coincidido los grupos, es fundamental la identificación con los proble-
mas y las acciones que han realizado las mujeres con el objetivo de empoderarse
y participar en la sociedad (Scott, 2008).

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Jesús Marolla, Joan Pagès

Desde el análisis del contenido de los discursos se puede plantear que si se


continúa visibilizando a las mujeres y sus acciones bajo estructuras tradicionales
y subordinadas a las acciones que realizan los hombres (Levstik; Barton, 1997),
se continuarán produciendo y reproduciendo los prejuicios, los estereotipos y
las desigualdades por razones de género (Hubbard, 2013; Fernández, 2006). En
esos contextos, las mujeres seguirán estando marginadas, ausentes y subordina-
das a las acciones y discursos entregados desde la masculinidad (Butler, 1999).
En tales contextos, agrega Butler (1999), debe exponerse desde la crítica
y la reflexión a las estructuras de desigualdad y ausencia en que se ha dejado a
las mujeres y sus acciones. Lo anterior a fin de que la sociedad, y en especial
las mujeres, se empoderen para deconstruir las estructuras hegemónicas y de
poder que las han marginado no solo de la historia, sino que también de la
enseñanza y de la sociedad en sus espacios públicos.
Los cambios, se desprende de los resultados de la investigación, tienen
relación con repensar las estructuras bajo las cuales se ha construido e incluido
a los y las protagonistas de las narrativas históricas (Lerner, 1979). La enseñan-
za de la historia debe otorgar las herramientas para que los y las chicas puedan
problematizar las construcciones y narrativas, y de esa manera reflexionar so-
bre los roles, las acciones y las ausencias que se transmiten en las aulas desde
las perspectivas de género. Tales herramientas, como se han referido los dis-
tintos grupos focales, les deberían permitir desde la empatía y la identificación
con las problemáticas de las mujeres, empoderarse y participar por la trans-
formación de las desigualdades de género (McIntosh, 1983).
De acuerdo a los y las participantes, la exclusión de las mujeres y su historia
de la enseñanza se debe a la composición de las estructuras de poder y domina-
ción en la sociedad (Foucault, 2008). Esto lo explican al referirse a que las muje-
res están ausentes ya que si se incluyen los y las chicas podrían reflexionar sobre
la marginación y la desigualdad bajo la cual han vivido, y de esa manera, mani-
festarse de manera empoderada a fin de transformar las subordinaciones y las
jerarquías por razones de género. Lo anterior se puede explicar, según los plan-
teamientos de Giroux (1998), quien afirma que el conocimiento y las narrativas
están controladas por quienes poseen el poder político, social y económico. Para
nuestra sociedad, tales espacios son ocupados por los hombres.
Entre las ventajas que se plantean, por último, los y las chicas afirman que
desde las perspectivas del pensamiento crítico y reflexivo, se pueden favorecer

266 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

espacios que fomenten la participación y el empoderamiento de las chicas a


fin de luchar en contra de las desigualdades y transformar las estructuras que
las han marginado y excluido tradicionalmente. Como afirma Banks (2004),
con la exposición de los discursos, las exclusiones y los roles que se les han
dado a las mujeres (como a otros y otras excluidas). Es posible que se vayan
construyendo modelos desde la empatía y la identificación que expongan la
normalización de la subordinación en que se ha relegado a las mujeres, así
como los prejuicios y los estereotipos por razones de género. De esa manera
tanto los chicos como las chicas podrían asumir una postura de crítica para la
transformación y participar activamente para generar los cambios que la so-
ciedad necesita.

Consideraciones finales

A modo de conclusión, es posible afirmar que los y las estudiantes se han


posicionado desde perspectivas reflexivas y críticas en torno a las problemáticas
de género y de exclusión hacia las mujeres. Se reconocen los distintos problemas
que han vivido las mujeres, los roles que se les han impuestos, los prejuicios, los
estereotipos y las desigualdades que se han provocado en la sociedad.
En tales contextos, reconocen que si se incluyeran a las mujeres y su his-
toria desde perspectivas que problematizaran las construcciones tradicionales
de la historia, así como los roles y el protagonismo que se les ha otorgado a los
hombres, se podrían ir generando espacios de crítica y de posibilidad (Giroux,
1998). La exposición de las acciones de las mujeres en contraste a las acciones
de los hombres en la construcción y enseñanza de la historia tradicional, podría
fomentar que desde la empatía histórica las chicas se identificaran con tales
modelos y se manifestaran a favor de realizar los cambios que la sociedad ne-
cesita desde las perspectivas y problemáticas por razones de género.
Los y las chicas reconocen que las mujeres sí han realizado acciones de
importancia y relevancia para la construcción de la sociedad. No obstante,
asumen que tales acciones han sido silenciadas por los hombres a fin de relevar
sus acciones por sobre las de ellas. Agregan que tales actos son una manera de
imponer las jerarquías y las subordinaciones desde el género. Para los y las
estudiantes, es una expresión y control del poder que han detentado los hom-
bres en la sociedad y a lo largo de la historia. Sin embargo, reconocen que

Junho de 2018 267


Jesús Marolla, Joan Pagès

existen espacios y herramientas que se pueden generar a fin de ir construyendo


alternativas a la tradicionalidad en la enseñanza.
Es un trabajo complejo y de largo plazo, como plantean los y las participan-
tes. Afirman y reconocen que la escuela y la enseñanza se han construido bajo
estructuras androcéntricas que han marginado a las mujeres. En tales estructuras
escolares, y desde la enseñanza de la historia y las ciencias sociales, no se han
dado los espacios para cuestionar, problematizar y reflexionar sobre la ausencia
de las mujeres y el protagonismo asignado a los hombres. Esto provoca que se
produzcan y reproduzcan las jerarquías sociales y de género en la sociedad.
Los y las participantes reconocen que el fin no es incluir a las mujeres a
modo de datos o información histórica. Al contrario, la finalidad debería ser
incluir a las mujeres y sus acciones a modo de problematizar las estructuras
actuales y tradicionales que han destacado las acciones de los hombres por
sobre las de las mujeres. Contando con modelos con los cuales identificarse y
empatizar, los y las estudiantes podrían empoderarse y participar de manera
activa por los cambios a las desigualdades por razones de género.
Tales espacios de crítica y reflexión, agregan, deberían provocar que se
cuestionara y se luchara por deconstruir las estructuras del patriarcado y las
jerarquías que han marginado a las mujeres a posiciones subordinadas
(Foucault, 2008). Así se podrían construir roles e identidades alternativas a las
tradicionales a fin de que se plantee la enseñanza en reconocimiento a las di-
versidades de género (Scott, 2008).
Los y las estudiantes afirman que el fin de la inclusión de las mujeres y su
historia debería promover que las estructuras desigualdades desaparezcan dan-
do paso a la construcción de estructuras sociales y de género en reconocimien-
to a la diversidad, las identidades, las acciones y relevancia de las mujeres en
la construcción del devenir histórico. Esa es una de las maneras de posicionar
la justicia social como eje en la enseñanza y el aprendizaje de la historia y las
ciencias sociales.
Para ello es fundamental transformar los espacios educativos y repensar
la enseñanza no solo de la historia y las ciencias sociales, sino que de todas
aquellas materias que pueden provocar exclusiones y marginaciones hacia
las mujeres.
Por último, resulta fundamental como se ha visto en la investigación, dar
la voz y la palabra a los y las chicas, quienes pueden manifestar y expresar las

268 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


Los retos desde la didáctica de las ciencias sociales para trabajar e incluir a las mujeres

estructuras y las prácticas que se realizan en la enseñanza de la historia y las


ciencias sociales. En distintas ocasiones, la educación no ha considerado las
concepciones y percepciones de los y las alumnas, quienes en muchos casos
reconocen las problemáticas sociales y de género y plantean distintos caminos
para alcanzar la justicia social.

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Articulo recibido el 27 de agosto de 2017. Aprobado el 10 de septiembre de 2018.

Junho de 2018 271


História e história local: desafios,
limites e possibilidades
History and Local History: Challenges, Limits and Possibilities
Erinaldo Cavalcanti*

Resumo Abstract
Este artigo tem por objetivo ampliar as This article aims to expand the discus-
discussões sobre a chamada história lo- sions about the so-called local History,
cal como objeto de estudo e, também, as an object of study and as a conceptual
como categoria conceitual para o ensino category for the History teaching and
e/ou a historiografia. Almeja, por conse- for its research. Therefore, the article
guinte, problematizar alguns sentidos e aims to problematize some of the mean-
significados que são atribuídos à histó- ings and senses that are attributed to lo-
ria local e demonstrar alguns dos desa- cal History and to show some of the
fios que se apresentam para as diferen- challenges arisen for its different appro-
tes apropriações pelas quais tem sido priations.
mobilizada. Keywords: History; local History; con-
Palavras-chave: História; História local; ceptual contributions.
aportes conceituais.

O escritor Graciliano Ramos, ao se referir ao processo de produção da es-


crita, faz uma analogia entre o ato de escrever e o ofício das lavadeiras de roupas
do estado de Alagoas:

Deve-se escrever da mesma maneira com que as lavadeiras lá de Alagoas fazem


em seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na
beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a
torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam,
dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem o pano na laje ou
na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do
pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a
roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia
fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro fal-
so; a palavra foi feita para dizer. (Ramos, 1962)

Revista História Hoje, v. 7, nº 13, p. 272-292 - 2018


História e história local: desafios, limites e possibilidades

Tomando como inspiração e desafio essa “exegese” de Graciliano Ramos,


gostaria de iniciar as reflexões mencionando o lugar da produção para o qual
essas palavras foram “lavadas” e, sobretudo, pôr em destaque a importância e
o cuidado com o manuseio dos significados das palavras, pois, como ressaltou
o escritor alagoano, “a palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro
falso; a palavra foi feita para dizer” (Ramos, 1962).
Uma parte deste texto foi construída para ser apresentada no I Encontro
de História do Sul e Sudeste do Pará, cuja temática central foi: “O local e global:
o lugar dos direitos na sociedade globalizada”.1 Nessa dimensão, ele apresenta
as marcas também desse “local”. Outro espaço que também grafou marcas
neste texto diz respeito às reflexões vivenciadas na disciplina “Prática
Curricular Continuada I: ensino de história local e regional”, que lecionei no
curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Sul e Sudeste
do Pará (Unifesspa).
O tempo – e suas distintas temporalidades – tem sido apropriado e mo-
bilizado de diferentes maneiras pela ciência histórica. Os usos do passado,
apropriados no presente pela História e seu ensino, têm se modificado subs-
tancialmente em diferentes sentidos e direções. Diferentes estratégias de pes-
quisa e ensino têm mobilizado distintos vestígios das experiências temporais
como metodologias de estudo e/ou objeto de trabalho. Nesse movimento,
insere-se uma rica variedade de trabalhos que versa acerca das relações entre
História, ensino e patrimônio;2 História, ensino e literatura;3 ensino de história
e novas tecnologias da informação;4 História, ensino e tempo presente5 e
História, ensino e história local,6 para citar apenas alguns.
Essas diferentes apropriações se constituem, por conseguinte, em distintas
maneiras de ler e interpretar o tempo por meio dos indícios, dos sinais e ves-
tígios7 que são mobilizados. Nesse sentido, eu gostaria de expandir o debate
acerca de uma dessas dimensões com o objetivo de contribuir e ampliar as
reflexões. Para tanto, centrarei as discussões, problematizando alguns desafios
sobre os usos da chamada história local para sua apropriação no campo do
ensino e no campo da pesquisa historiográfica.

Junho de 2018 273


Erinaldo Cavalcanti

O “Local” como espaço de problematização

Há uma citação bastante conhecida do filósofo e matemático francês


Blaise Pascal: “Uma cidade, um campo, de longe são uma cidade e um campo,
mas à medida que nos aproximamos, são casas, árvores, telhas, folhas, capins,
formigas, pernas de formigas, até o infinito. Tudo isso está envolto no nome
campo” (Pascal, apud Gonçalves, 2007, p.175).
Essa citação de Pascal nos coloca uma série de possibilidades para pensar
nas discussões que o “local” pode suscitar para os debates envolvendo sua
apropriação pela História e seu Ensino. O que se entende por local? Local em
relação a quê? Para quem? O que é local para uns pode, igualmente, ser global
para outros. O reordenamento na vida de famílias que são afetadas pelas ati-
vidades da mineração, no sul do estado do Pará, por exemplo, trata-se de uma
questão local? Se estivermos falando de trabalhadores e trabalhadoras que vi-
vem em uma vila que foi afetada pelas ações da extração do minério, podería-
mos afirmar que se trata de uma história local?
Em que dimensões seria uma história local, já que essas histórias são cons-
truídas, atravessadas, redirecionadas e ressignificadas com os desdobramentos
da extração de minério, atividade desenvolvida com todas as relações de poder
do chamado capitalismo globalizado? Em que dimensões poderíamos nomeá-
-la de história local, haja vista que sua configuração é resultante de diferentes
forças, atores e empresas ligadas ao mercado internacional da mineração?
Nesse sentido, onde estabelecer as demarcações? Como e até onde instituir os
limites e as fronteiras, mesmo sendo estas móveis e elásticas? Há como precisar
onde termina a história local e começa a história “não local” ou história global?
Até que ponto e como o local e o global se articulam e se interconectam?
As discussões que aqui apresento não pretendem “inventar a roda” no
âmbito dos debates que envolvem a chamada história local e suas relações com
a História e seu ensino. Se servirem para demonstrar a complexidade exigida
para tornar inteligível seu uso, terá atingido seu objetivo. Nesse sentido, irei
revisitar alguns debates promovidos por estudiosos que se dedicaram a estudar
a história local, sobretudo nos diálogos estabelecidos com o ensino de História.
Nesse percurso, levantarei algumas indagações para as quais não tenho respos-
tas, senão, outros questionamentos.

274 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

Nessa dimensão, gostaria de trazer à discussão alguns sentidos atribuídos


à palavra “local”. A etimologia da palavra nos leva ao latim localis. Sua grafia
– que pareceria um plural, embora não o seja – já sugere evitarmos apreendê-la
ou aprisioná-la em um sentido singular. Sugere que ela desfruta de significados
plurais. Ou seja, o local, desde a gestação de sua grafia, é um espaço conceitual
polissêmico; é um lugar polifônico. No conhecido dicionário Aurélio, a palavra
“local” encontra-se experimentada como sinônimo de “lugar”. De maneira
mais detalhada, o primeiro significado atribuído a “local” diz respeito a um
sentido “relativo a determinado lugar”. Assim, os significados de “local” estão
embrionariamente ligados a uma concepção de lugar e, nessa relação, “lugar”
está indissociável de espaço. Ou seja, ao falarmos de local, estamos, concomi-
tantemente, falando de espaço.
Para o sociólogo e urbanista francês Alain Bourdin (2001), o “local” é um
lugar de sociabilidades, marcado pela proximidade e pela contiguidade das
relações entre os sujeitos que as estabelecem. Nessa perspectiva, a “dimensão
do local” permite ampliar e compreender a relação entre espaço e ação, ou
pensar e problematizar o espaço como lugar de ação, o que coloca, por conse-
guinte, a relação sujeito/espaço no centro das discussões. Nesse sentido, o “lo-
cal” seria um recorte eleito por aquele que desejasse refletir sobre as
experiências dos sujeitos em espaços sociais delimitados. Portanto, o local,
nessa acepção, está sendo instituído pelo professor/pesquisador.8 É ele o sujeito
autor desse espaço conceitual.
Por essa linha de raciocínio, é oportuno trazer Michel de Certeau à dis-
cussão quando ele afirma que a relação que liga “as discussões aos lugares” é
uma ação propriamente do historiador. Em suas palavras, “o gesto que liga as
‘ideias’ aos lugares é, precisamente, um gesto de historiador. Compreender,
para ele, é analisar, em termos localizáveis, o material que cada método ins-
taurou inicialmente segundo seus métodos de pertinência” (Certeau, 2007,
p.65, grifo no original).
Diante do exposto, cabe questionar: seria “local” um conceito? Se a res-
posta for “sim”, em que consistirá, então, uma “história local”? Em que se
distinguiria de uma “história não local”? Se a resposta for “não”, em quais
circunstâncias caberia o uso da expressão “história local”?
Acredito ser importante, primeiramente, termos clareza sobre o que en-
tendemos pelo conceito de “local” e, sobretudo, por “história local”. Não se

Junho de 2018 275


Erinaldo Cavalcanti

trata, portanto, de mera retórica a discussão em tela. Pelo contrário. Trata-se


de problematizar esses conceitos e compreender seus significados para, assim,
podermos manuseá-los de forma coerente e, por conseguinte, direcionar seus
usos de maneira a fazer-se dizer o que precisa ser dito, como destacou
Graciliano Ramos.
Nesse movimento, parece-me oportuno trazer à discussão as análises pro-
movidas pelo historiador alemão Reinhart Koselleck acerca da história dos
conceitos. Seja como método ou disciplina, a história dos conceitos, para ele,
se encarrega de problematizar a crítica “com particular empenho de expressões
fundamentais de conceito social ou político” (Koselleck, 2006, p.103).
Um conceito encontra-se intimamente ligado a uma palavra, mas nem
toda palavra está ligada, necessariamente, a um conceito. Koselleck, ao discor-
rer acerca da relação palavra-conceito e conceito-palavra, destaca que “con-
ceitos sociais e políticos contêm uma exigência concreta de generalização ao
mesmo tempo que são sempre polissêmicos” (Koselleck, 2006, p.108). Por esse
ângulo de percepção, os conceitos são detentores de uma polissemia de senti-
dos e possuem a capacidade de agregar uma multiplicidade de significados.
Paradoxalmente, contêm um caráter homogeneizante, para usar de emprésti-
mo as palavras desse autor.
Um conceito não é forjado sem lutas, disputas e trocas, sejam essas polí-
ticas ou semânticas. Assim, a formação processual dos conceitos representa,
antes de tudo, lutas políticas que legitimam posições, demarcam espaços, ins-
tituem direitos e significados; os conceitos são forjados em um tenso campo
de forças. A “batalha semântica”, segundo Reinhart Koselleck, “para definir ou
impor posições políticas e sociais em virtude das definições está presente, sem
dúvida, em todas as épocas de crise registradas em fontes escritas” (Koselleck,
2006, p.102). Em outras palavras, entender como os conceitos são forjados é
compreender as lutas políticas pelas lentes das disputas semânticas.
Nesse sentido, irei problematizar algumas dimensões que concorrem para
atribuir significados à chamada história local e, por conseguinte, demonstrar
os desafios do seu uso conceitual, o que não inviabiliza sua utilização, diga-se
de imediato.
As discussões acerca da história local não são recentes e aparecem nas
reformas curriculares de 1930, como destaca Maria Auxiliadora Schmidt
(2007). Estavam presentes, também, no Parecer 853 do Conselho Federal de

276 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

Educação de 1971, quando faz referência à história local como um recurso


didático. Aquele documento que agregava as atividades de geografia e história
“privilegiava o estudo do mais próximo e mais simples deslocando-se depois
para o mais distante e mais complexo” (Schmidt, 2007, p.188). Em 1990, os
Parâmetros Curriculares voltam a tratar da história local, sendo ela apropriada
“como um dos eixos temáticos dos conteúdos de todas as séries iniciais da
escola fundamental e como perspectiva metodológica em todas as séries da
escola básica” (2007, p.189).
A professora e historiadora Circe Bittencourt, por sua vez, ressalta que “a
história local tem sido indicada como necessária para o ensino por possibilitar
a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado sempre presente
nos vários espaços de convivência – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer
– igualmente por situar os problemas significativos da história do presente”
(Bittencourt, 2009, p.168). Seguindo sua reflexão, ela destaca, todavia, os cui-
dados para evitar que a história local não reproduza em escala menor a mesma
narrativa de uma história feita pelos “grandes” e “importantes” personagens
do poder político e das classes dominantes locais. Nesse sentido, é importante
que a história local não se limite a reproduzir, em dimensões micro, o estudo
da vida e das atividades de prefeitos e demais autoridades de determinado
lugar, por exemplo. Para evitar essas armadilhas, “é preciso identificar o enfo-
que e a abordagem de uma história local que crie vínculos com a memória
familiar, do trabalho, da migração, das festas...” (Bittencourt, 2009, p.169).

Desafios

Desafio 1: História local como “história pequena”

Um dos desafios que se apresentam na utilização do conceito de história


local diz respeito a um conjunto de significados que a institui em uma relação
de oposição aos considerados grandes fatos ou acontecimentos. Nesse sentido,
a história local seria, por excelência, uma “história pequena”, ou história
miúda. Não pequena em importância ou significado, diga-se à exaustão. Por
“história pequena” me refiro a uma dada leitura que sugere uma interpretação
pela qual uma história (ou várias histórias) é apreendida e percebida pela ex-
tensão espacial de seus desdobramentos; que não excederia grandes limites

Junho de 2018 277


Erinaldo Cavalcanti

geográficos. O conhecimento de existência dessa história não ultrapassaria


grandes alcances, além dos imediatos limites no espaço físico onde ocorrera.
Para a historiadora Márcia Gonçalves, a diversificação que configura o
que se identifica e se reconhece como local é marcada pela multiplicidade de
sentidos e variações. Ela ressalta que “o local pode ser associado a uma aldeia,
a uma cidade, a um bairro, a uma instituição – escolas, universidades, hospitais
– e, como escolha por vezes recorrente, a um espaço político administrativo,
como distrito, freguesia, paróquia, municipalidades” (Gonçalves, 2007, p.177).
Por essas lentes interpretativas, a história local se constituiria, principal-
mente, em uma espécie de “acontecimento pequeno”, circunscrita a uma limi-
tação espacial, sobretudo porque os relatos sobre sua ocorrência ficariam quase
sempre reduzidos a uma pequena dimensão geográfica. Essa interpretação nos
coloca uma série de desafios. Podemos afirmar que as histórias de um bairro
da cidade de Marabá (PA) – ou de qualquer outra cidade – podem ser consi-
deradas como história local com base em quê? As histórias de uma rua pode-
riam ser consideradas como local em relação às histórias do bairro? Nessa
relação, como seriam classificadas as histórias do bairro? A mesma interpre-
tação poderá ser estendida para a relação bairro/cidade, cidade/município,
município/estado, estado/país, e assim por diante. Nessa perspectiva, o que e
como definir como local? Talvez seja esse o maior desafio.
Trazer essas problematizações não implica que a questão esteja solucio-
nada. Longe disso. Até porque também não teríamos, ainda, elementos que
definiriam os fundamentos para classificar uma história como pequena, como
miúda. Qual o referente e quais os fundamentos epistemológicos para assim
classificar uma história, um acontecimento?

Desafio 2: História local como “história do entorno”

Outro desafio reside na interpretação em que se apreende a chamada


história local como uma “história do entorno”. Por esse ângulo de percepção,
a história local seria uma história “próxima”, não só no espaço, mas também
no tempo. Porém, próxima a quem ou ao quê? Uma história do entorno de
quem e do quê?
Circe Bittencourt chama a atenção para essa questão e destaca que “é co-
mum falar de história local como a história do entorno, do mais próximo, do
bairro ou da cidade” (Bittencourt, 2009, p.171). Nessa dimensão, tratar-se-ia

278 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

de um acontecimento próximo ao professor/pesquisador, na medida em que


esse conhece as pessoas, as histórias do bairro, da rua, da aldeia? Seria essa uma
história local porque se acha relativamente próxima ao professor e/ou pesqui-
sador quando se encontra nas cercanias do objeto estudado e mantém, com ele,
relações de pertencimento? Ou seria uma história em que os acontecimentos
estudados encontram-se próximos no tempo, quando a história estudada ou
ensinada, além de ser a ela atribuída uma concepção de “pequena” (porque do
bairro ou da rua, por exemplo), seria local também porque os atores protago-
nistas são contemporâneos aos/às pesquisadores/as e emprestam suas memórias
como objeto e fonte das pesquisas que desenvolvemos?
Os trabalhos que versam acerca da chamada história local – no ensino ou
na pesquisa (ou em ambos) – fazem uso recorrente da memória. Nessa pers-
pectiva, demonstram que a história local e a memória se encontram interco-
nectadas, sobretudo quando esta se constitui como fonte documental e/ou
objeto de pesquisa daquela. Para Circe Bittencourt (2009, p.169), “a questão
da memória impõe-se por ser a base da identidade, e é pela memória que se
chega à história local”, mesmo que muitos trabalhos, enfatiza ela, se constituam
mais como um trabalho de memória do que de História.
Entretanto, essa reflexão da professora Circe Bittencourt precisa ser ana-
lisada com cautela para evitar análises apressadas, sobretudo quando ela refere
que “pela memória se chega à história local” (Bittencourt, 2009, p.169). Cautela
no sentido de evitar uma interpretação segundo a qual a história local estaria
em um dado lugar e seria descoberta pelas veredas da memória. Ou seja, é
importante evitar qualquer leitura que compreenda a existência, a priori, da
história local, como se ela “se encontrasse lá”, pronta e definida, à espera do
professor/pesquisador para desbravá-la, descortiná-la e, assim, fazê-la aparecer.
Nada mais enganoso. Não existe essa história local que aguarda ser descoberta
pelo professor/pesquisador. Nem tampouco há caminhos preestabelecidos,
predefinidos, que garantam ter acesso a essa ou àquela história.
Essa concepção que institui a história local como uma história próxima
– ou do entorno – pode implicar uma interpretação reducionista do que seria
local e, por extensão, história local. Para a professora e historiadora Maria
Auxiliadora Schmidt, essa leitura interpretativa pode se tornar “mais grave ao
se levar em consideração os perigos do anacronismo – o desenvolvimento de
perspectivas etnocêntricas, reducionistas, localistas, bem como o perigo de

Junho de 2018 279


Erinaldo Cavalcanti

identificação do local com o mais próximo, o mais conhecido, estabelecendo-se


uma relação mecânica entre o mais próximo e o mais conhecido” (Schmidt,
2007, p.190).
Se concordarmos que o “local” é, por excelência, o espaço de experiências
da vida cotidiana de homens e mulheres, e, por conseguinte, o lugar de atuação
de diferentes sujeitos, esse se torna, portanto, um espaço privilegiado para
problematizar as relações homem/espaço, conforme defende Alain Bourdin
(2001). Por essa leitura interpretativa, o local como campo de microrrelações
entre homens/homens e homens/espaço, o conceito de redução de escala de
observação, proposto pela micro-história, pode se apresentar como uma fer-
ramenta metodológica viável ao seu estudo. Concepção também defendida
pela professora Márcia Gonçalves (2007). Para ela, as análises do “local” pro-
porcionam outros efeitos de conhecimento nas diferentes especificidades, des-
locam hierarquias e sobreposições entre nacional e regional e possibilitam
repensar as relações entre as categorias centro/periferia.
Entretanto, não podemos fazer aproximações rápidas que levem a con-
clusões superficiais, como se já existissem aproximações estabelecidas a priori
entre micro-história e história local. É oportuno destacar, como ressaltou
Giovanni Levi, que “para a micro-história, a redução da escala é um procedi-
mento analítico, que pode ser aplicado em qualquer lugar, independentemente
das dimensões do objeto analisado” (Levi, 2011, p.139). Ou seja, a micro-his-
tória não é definida por um objeto específico, nem por suas microdimensões,
como costuma ser representada a história local – como uma história “pequena”
ou do “entorno”, para citar apenas esses dois significados que a ela são
atribuídos.9

Desafio 3: História local como conjunto coeso e diminuto


de relações, passível de ser estudada em sua “totalidade”

Outro desafio resulta da concepção que compreende a história local como


um conjunto coeso e diminuto de relações e, por isso, seria possível estudá-la
em sua totalidade. Não é difícil encontrarmos reflexões que fazem uso da cha-
mada história local – sobretudo quando a temática de ensino ou pesquisa é um
bairro, uma comunidade ou uma vila, por exemplo – por meio de objetos de
ensino ou pesquisa, como se esses se constituíssem, praticamente, sem

280 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

conflitos. Às vezes, os conflitos aparecem de forma suavizada ou minimizada,


como se nas relações de poder, nesses espaços estudados, inexistissem con-
frontos, disputas, alianças e enfrentamentos. São leituras que, talvez, por apre-
enderem o que se denomina história local como algo “pequeno”, com sujeitos
ligados por laços de pertencimentos, representam-na como histórias cujas
relações seriam marcadas, predominantemente, pela harmonia das relações.
Por conseguinte, essa ilusão da ausência de conflito, às vezes, desdobra-se em
narrativas que têm a pretensão de dar conta da totalidade das relações envol-
vidas nas histórias ensinadas e/ou pesquisadas.
A compreensão de que é possível estudar a chamada história local em sua
“totalidade” pode concorrer para análises generalizadoras. Por extensão, pode
contribuir para que certos comportamentos de atores ou de parcelas específicas
de segmentos sociais sejam associados de modo como se fossem extensivos a
todas as relações dos grupos sociais envolvidos. As análises do historiador
Samuel Raphael podem contribuir para evitarmos certas generalizações. Para
ele, o pesquisador “poderá escolher como ponto de partida algum elemento da
vida que seja, por si só, limitado tanto no tempo como no espaço, mas usado
como uma janela para o mundo” (Raphael, 1990, p.229). Essa sugestão pode
evitar a ideia de generalização, que não raro se atribui à comunidade ou à lo-
calidade, como se determinadas dimensões, aspectos ou circunstâncias pre-
sentes em certos relatos de memória, ou em outro documento, representassem
um todo das relações. Talvez por ser apreendido como algo “menor” em di-
mensões espaciais, credita-se ao estudo do local a possibilidade de ser ele ana-
lisado em totalidade. Erro crasso.
Essa dimensão, por conseguinte, desdobra-se em outra, qual seja, a con-
cepção que apresenta a possibilidade de se compreender a chamada história
local estudando-a isoladamente. Schmidt chama a atenção para os cuidados
em evitar que a história local seja apreendida como se fosse autoexplicativa em
si mesma, ou seja, como se para compreender o que se denomina história local
bastasse o estudo ou pesquisa dela mesma, desconsiderando as redes de rela-
ções em que os acontecimentos são construídos, sobretudo no chamado mun-
do globalizado. Nessa dimensão, a autora ressalta que “é importante observar
que uma realidade local não contém, em si mesma, as chaves de sua própria
explicação” (Schmidt, 2007, p.190).

Junho de 2018 281


Erinaldo Cavalcanti

Desafio 4: História local determinada pelo espaço geográfico

Se a história local possibilita uma proximidade entre sujeitos – sejam eles


professor/pesquisador ou estudantes nas relações com os objetos de ensino ou
pesquisa –, parece que a ela ainda se atribui certa concepção que a institui
como determinada pelo espaço geográfico. Parece-me que as discussões sobre
“local” e, por conseguinte, sobre a história local, ficam, predominantemente,
sob a égide da dimensão espacial, circunscrita aos limites físico-geográficos –
quase sempre apreendidos como pequenos, como já ressaltado.
Nessa dimensão, a história local se constituiria como uma “história espa-
cial”, especialmente pequena, compreendendo espaço como sinônimo de “lo-
cal”. Essa dimensão seria sua marca de distinção. Entretanto, não podemos
esquecer que toda experiência é espacial. As pesquisas que desenvolvemos
analisam objetos sobre acontecimentos diversos que ocorreram em algum lo-
cal, independentemente do conceito que adotemos. Os temas que trabalhamos
em sala de aula, os assuntos/conteúdos que ensinamos, versam sobre repre-
sentações acerca de acontecimentos que ocorreram em algum espaço, em al-
gum local.
Não existe, portanto, experiência/acontecimento fora de um espaço, fora
de um lugar, fora de um local. Talvez o fato de que a expressão “história local”
contenha uma palavra que é sinônima de espaço (“local”) direcione certa con-
cepção que atribui àquele conceito uma dada interpretação que o institui de
maneira que a chamada história local seja tutelada ou condicionada pela di-
mensão espacial. Entretanto, o que institui que um acontecimento seja consi-
derado local não é a dimensão do espaço, nem a dimensão do tamanho, pois
quem institui a dimensão, a legitimidade, o reconhecimento e a representação
é a dimensão política do acontecimento.

Desafio 5: História local como uma extensão e um


desdobramento da história “não local” (nacional?)

Essa interpretação apreende e representa a história local como uma ex-


tensão, um desdobramento de uma história “não local” (história nacional?),
como se fosse peça de um quebra-cabeça. Nessa dimensão, ela teria de se cons-
tituir e se apresentar de forma harmônica e, assim, permitir o “encaixe” na
história maior.

282 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

Por meio dessa leitura interpretativa a história local seria, portanto, uma
“pequena peça” de um organograma maior, e o professor ou pesquisador iria
apresentar em que dimensões ela corresponderia à história nacional. Em outras
palavras, ela seria uma consequência da “história não local”, um prolongamen-
to em dimensões reduzidas e, assim, teria de manter com a “história nacional”
uma relação de causa e efeito. Portanto, aquilo que ocorreu no âmbito nacional
provocou os efeitos e as consequências que determinaram, em dimensões mi-
cro, a configuração da história local.
Esses últimos significados atribuídos ao que se convencionou chamar de
história local parecem se encontrar presentes em todas as outras leituras inter-
pretativas mencionadas anteriormente. Assim, seja entendendo a história local
como uma história “pequena” ou como uma história “do entorno”, como uma
história “coesa e passível de ser estudada em sua totalidade”, uma história
como “consequência de outra história ‘maior’”, é recorrente a interpretação
que associa a história local a um espaço físico-geográfico, em uma relação de
determinação. Ela é, quase sempre, apresentada como determinada por essa
dimensão do espaço. É história local porque é “do bairro”, “da rua”, “da vila”,
“da escola”.
Eu gostaria de ressaltar, todavia, que essas interpretações acerca da cha-
mada história local nem sempre aparecem de maneira explícita, assim como
não estão presentes em todos os trabalhos de professores e/ou autores que
fazem uso da história local como objeto de ensino ou pesquisa. Há importantes
reflexões e relatos de experiência – apresentados em revistas e/ou congressos
– sobre a temática em tela, como demonstra a literatura especializada.

História local: objetos, documentos e abordagens

O historiador Raphael Samuel apresenta uma discussão problematizando


as possibilidades de trabalho que envolvem a chamada história local na relação
com a história oral. Nessa dimensão, ele destaca que a história local dá ao
pesquisador uma ideia muito mais imediata do passado. Os indícios das expe-
riências do passado apresentam suas faces na esquina, na rua, na padaria.
Anunciam seu som no mercado, e apresentam suas impressões nos grafites das
paredes amareladas pela presença do tempo. Nas palavras do autor, a “história
local tem também a força popular, tanto como uma atividade, quanto como

Junho de 2018 283


Erinaldo Cavalcanti

uma forma literária” (Samuel, 1990, p.221). Nesse sentido, os registros docu-
mentais que oferecem esses indícios são potenciais possibilidades de estudo
para se analisar parte do universo polissêmico constitutivo da chamada história
local. O autor chama a atenção para a possibilidade de trabalhos com os jornais
municipais, que seriam importante fonte para o trabalho.
Como meu objetivo é problematizar os desafios do uso da chamada his-
tória local, poderíamos ampliar as discussões e colocar em debate, por exem-
plo, a questão: o que se configura como jornal municipal? Pergunta
aparentemente simples e demasiado óbvia, até. Entretanto, todo periódico é
municipal, pois é produzido em algum município, salvo os jornais do Distrito
Federal. Os jornais Folha de S. Paulo, O Globo e o Diário de Pernambuco, por
exemplo, também são municipais, como o é O Correio Tocantins10 ou o Jornal
Vanguarda.11 Entretanto, as relações políticas e editorais daqueles, diferentes
destes últimos, em termos de produção, circulação, visibilidade e inserção nas
relações sociais, os fazem ultrapassar amplamente as fronteiras municipais.
Nessa dimensão, seria importante compreendermos com clareza o que se en-
tende por jornal municipal. Um periódico cuja circulação se restringe aos li-
mites fronteiriços do município? Uma questão a ser problematizada.
Raphael Samuel apresenta uma grande quantidade de documentos que
possibilitam o estudo do que nomeia como história local. Registros resultantes
de atividades de rádio locais, moedas antigas, cartões-postais e dos dias dos
namorados, cartas pessoais, livros de batismo das paróquias e livros de prêmios
da escola do bairro, para citar alguns exemplos. São registros que, sem dúvida,
oferecem possibilidades de estudo para uma variada gama de objetos.
Entretanto, são colocados em uma perspectiva segundo a qual o local se define,
prioritariamente, pela dimensão espacial de proximidade e tamanho. A rádio
é local por ter um alcance relativamente pequeno e residir no bairro ou na
cidade, também pequenos. O mesmo fundamento serve para pensar os demais
registros documentais apresentados.
Raphael Samuel, ao discutir a diversidade documental que pode alimentar
os estudos sobre a história local, faz referência à categoria de “documento local”.
Nessa dimensão, caberia questionar: o que seria um documento local e, por
extensão, o que seria um documento não local? Quais os princípios e as dimen-
sões que caracterizariam um documento para receber o estatuto de “local”?

284 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

Nos documentos oficiais, como os registros dos governos municipais –


seguindo a linha de raciocínio do historiador Raphael Samuel, e apreendendo
“municipal” como categoria análoga à de “local” (o que implicaria uma série
de outros desafios) –, a concepção do que é ser “local” traz consigo, de maneira
mais perceptível, além dos aspectos físico/espacial, a dimensão política.
Aqueles registros como leis, projetos de leis, resoluções e decretos, entre ou-
tros, fazem referência aos limites – em termos de extensão e aplicabilidade –
definidos politicamente acerca do campo de atuação do referido governo.
Limites que são reconhecidos institucionalmente. Limites que apontam o raio
de abrangência do poder e a atuação de um governo local. Entretanto, isso não
significa dizer que as ressonâncias de ações executadas no âmbito municipal
(ou local) não afetam espaços para além das fronteiras geográficas instituídas
pelos limites políticos de um município.
Como venho tentando demonstrar, uma das principais dificuldades en-
frentadas em relação à história local diz respeito à própria noção de história
local, como também destacou Raphael Samuel. Para ele, essa dificuldade reside
no fato de que o local é pensado “como uma entidade distinta e separada, que
pode ser estudada como um conjunto cultural” (Samuel, 1990, p.227). Assim,
a localidade é vista como um fenômeno único e homogêneo.
O espaço – seja ele nomeado como local ou global – é uma construção
política e simbólica, antes de ser físico-geográfica, porque são as práticas políticas
e as relações de poder que nomeiam, inventariam e produzem sentido, visibili-
dade e reconhecimento do espaço físico. O Congresso Nacional, do ponto de
vista físico, é um prédio local, mas as relações que lá se praticam, sua importância
e seu reconhecimento político o tornam nacional. Por esse ângulo de percepção,
podemos questionar, por exemplo, que a Queda da Bastilha, ocorrida na França
em 14 de julho de 1789, foi um acontecimento local, pois ocorreu no bairro de
Saint-Antoine, no município de Paris. Entretanto, sua dimensão política, cons-
truída de forma relacional e heterogênea, sem determinismos a priori, sem prog-
nósticos estabelecidos, tornou possível que seus desdobramentos ultrapassassem
os limites do bairro, da cidade e do país. Dessa forma, aquele acontecimento
ocorrido em um bairro da cidade de Paris, de maneira gradativa, passou a ser
compreendido e apreendido como fazendo parte da História, sem a necessidade
de nele ser inserido ou eliminado o adjetivo “local”.

Junho de 2018 285


Erinaldo Cavalcanti

Talvez a estratégia viável a ser experienciada consista em ter-se clareza do


objeto de ensino ou pesquisa e dos recursos documentais disponíveis e, assim,
definir o que é possível configurar como localidade – ou local – ou comunida-
de, seja qual for o conceito adotado. Com isso, não partir do conceito definido
como “categoria estrangeira”, pensada por historiadores que estudaram objetos
de investigação distintos dos nossos, em uma tentativa de enquadrar o conceito
pré-fabricado no objeto analisado ou ensinado.
Nessa dimensão, talvez o percurso pudesse ser experimentado no sentido
inverso. O que os documentos permitem entender e configurar como local?
Até onde eles permitem ir? Em termos de discussões sobre o espaço, poder-
-se-ia colocar a questão desta maneira: para compreender meu objeto de in-
vestigação ou de ensino, até onde posso considerá-lo como “local”? Até os
limites da rua? Do bairro? Da minha cidade? Os documentos mobilizados para
pesquisar ou ensinar o objeto específico podem sugerir pistas, indícios para
essas questões. Como os homens e mulheres se colocam no tempo em relação
a essas questões? Como se apropriam e representam? Como inventam, no-
meiam e atuam nessas práticas e relações que inventariam o local? Como res-
saltam Ossana (1994) e Schmidt (2007), levantar essas questões pode contribuir
para que a chamada história local se constitua em experiência que amplie uma
reflexão histórica compreendida como plural e heterogênea, potencializando
suas singularidades para compreender as formas de atuação do homem no
tempo e no espaço.
Mesmo que façamos esse percurso objeto/documento/conceito, ainda não
resolveremos os desafios que o uso do conceito “história local” pode suscitar.
O que definir como “local”? Com base em quê? Quais os critérios usados para
instituir como história local a história que praticamos?

Considerações finais

Diante dos desafios, ao invés de tentarmos definir a configuração de uma


história local e assim estabelecer seus limites e demarcações, talvez pudéssemos
pensar em compreender a “dimensão local da História” com que trabalhamos;
dos acontecimentos que pesquisamos; das histórias que ensinamos. Ou seja,
estaríamos trabalhando, pesquisando ou ensinando História, porém, preocu-
pados em compreender sua configuração local.

286 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

A configuração local da história, do meu ponto de vista, em nada se apro-


xima daquelas acepções atribuídas à história local. Ela não é uma peça menor
que tem a necessidade de corresponder às dimensões da “história nacional”
– ou qualquer que seja o nome que a ela se atribua –, como se dela fosse um
apêndice. Uma vez tendo clareza sobre o que se compreende pela dimensão
local da história, poderemos entender que as relações de poder, praticadas em
dada configuração entendida como local, dispõem de forças e práticas que,
mesmo mantendo estreitos diálogos com outras relações e outras práticas –
ditas nacionais ou globais – não estão submetidas a elas em uma relação de
determinação.
A configuração local da história mantém relações de proximidade com a
chamada história nacional, mas, também, de distanciamento. Ela é construída
por práticas e relações da chamada história local, nacional e global; essas são
relações de força, cuja composição não é de fácil distinção. Isso significa reco-
nhecer que não podemos esperar encontrar, em dada configuração da dimen-
são local da História, um recorte em miniatura da história nacional ou global,
mesmo que encontremos traços e sinais semelhantes. Em outras palavras, a
dimensão local da História não é um simples e diminuto pedaço de uma his-
tória maior. Não é a consequência daquilo que teria ocorrido na história na-
cional. Se as tintas com as quais se pinta a dimensão local da História são
análogas às que desenham as experiências da chamada história nacional, a
tonalidade pode sofrer variação, e a tela, assim, ganhar outros tons, outros
traçados e, por que não, outras cores. Entretanto, não podemos tampouco
esperar que a dimensão local se constitua como uma história independente ou
alheia ao que se passa em dada dimensão macro das relações de poder que
constroem, historicamente, as experiências, como se não existissem, entre as
dimensões local e nacional, pressões, abalos e ressonâncias.
Acredito que problematizar as “dimensões locais da história” pode con-
tribuir para evitarmos certos reducionismos. Ou seja, o professor pode ensinar/
estudar/pesquisar a história do bairro, da rua e da cidade – onde se encontra
a escola, por exemplo –, sem a necessidade de enquadrar os acontecimentos,
ou compreendê-los pelas lentes de uma “história local” como convencional-
mente costuma ser apreendida. Em outras palavras, é possível ensinar os con-
teúdos que representam as experiências históricas próximas ao universo de
vivência dos estudantes sem limitar as reflexões a uma interpretação que

Junho de 2018 287


Erinaldo Cavalcanti

compreenda os acontecimentos da chamada “história local” como se fossem


determinados pelas dimensões espaciais ou resultantes de uma “história
maior”, ou nacional, se quisermos.
O professor pode deslocar o ângulo de percepção movido pelo fundamen-
to básico da Ciência Histórica ao compreender que as experiências são singu-
lares no tempo e no espaço. Que a construção histórica dos acontecimentos da
rua, do bairro ou da cidade não está determinada pelas forças externas de uma
história supostamente nacional ou global. Pode potencializar a interpretação
mostrando que os homens e mulheres que habitam os espaços onde as histórias
são construídas são sujeitos que atuam e interferem na construção e nos des-
dobramentos das experiências. Que fazem escolhas, constroem redes de socia-
bilidades, criam sindicatos, associações de bairro, que têm poder e tensionam
as relações, interferindo no processo de construção das histórias.
O professor pode transitar pelos documentos, resultantes das experiências
compartilhadas pelos estudantes, como cartas, fotografias, diários, coleções de
discos, álbuns de família. Pode também fazer uma pesquisa sobre os blogs ou
perfis de redes sociais – compreendendo-os como documentos – criados pelos
próprios estudantes ou os mais acessados por eles, e pontuar questões relativas
aos diferentes suportes materiais pelos quais os homens e mulheres registram
suas histórias em diferentes experiências de tempo.
Seguindo essa linha de interpretação, o professor pode da mesma forma
explorar os conteúdos registrados nesses diferentes documentos, além de en-
tender as distintas formas de preservação e armazenamento dos dados. Pode
potencializar, por conseguinte, a interpretação ao mostrar as tecnologias dis-
poníveis em cada momento a partir dos indícios que as fontes usadas permi-
tem. Pode igualmente demonstrar e compreender as diferentes maneiras e
técnicas pelas quais os homens registram suas experiências.
Preocupado em compreender a “configuração local da história”, o pro-
fessor pode explorar as singularidades da história ensinada – ou pesquisada
– pontuando as diferenças e/ou semelhanças com outras histórias que também
convivem no mesmo bairro ou cidade. Pode pontuar as diferenças e semelhan-
ças construídas no tempo e percebidas, por exemplo, nas mudanças arquite-
tônicas das casas, das ruas, das sinalizações em vias públicas, na construção de
rotas de transportes públicos, na construção de escolas, hospitais e universi-
dades. Pode direcionar as reflexões para entender que as histórias ensinadas

288 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13


História e história local: desafios, limites e possibilidades

e/ou pesquisadas, por serem construídas em determinado espaço, não cabem


naquelas concepções que geralmente representam a chamada história local.
Diante do narrado, apenas iniciamos os trabalhos com a “lavagem da
roupa”. Estamos, por assim dizer, nas primeiras lavagens e, como disse
Graciliano Ramos, é preciso, ainda, lavar e esfregar outras vezes, pôr anil, tor-
cer, lavar mais uma vez, enxaguar, torcer e estender a roupa lavada. Nessa
perspectiva, deve-se reconhecer que ainda temos muito que avançar na escrita
e na reflexão acerca das relações que envolvem a História e a história local. Até
a “escrita ficar limpa e ser pendurada no varal para secar”, ainda temos muito
trabalho à frente. Uma atividade complexa diante das tensões, dos desafios e
das relações estabelecidas para quem se aventura a “lavar esse tipo de roupa”.
Ou seja, para quem escreve e/ou ensina a história, já que, nesse ato, as palavras
não podem servir de enfeites, de ilustrações. Elas precisam dizer aquilo que
necessita ser dito. Nesse sentido a importância em problematizar alguns sen-
tidos e significados que são atribuídos à história local, e em demonstrar alguns
dos desafios que se apresentam para as diferentes apropriações pelas quais essa
história tem sido mobilizada.

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NOTAS
1
O Encontro ocorreu entre os dias 6 e 8 de março de 2017, no Instituto de Ciência e
Tecnologia do Pará, na cidade de Marabá. Deixo aqui expressos meus agradecimentos aos
organizadores do evento pelo convite: a professora Anna Carolina de Abreu Coelho e o
Grupo de Pesquisa “O local e o global: história, memória e natureza no sul e sudeste do Pará”.
2
Para uma reflexão envolvendo História, ensino e patrimônio, ver CHAVES, 2013;
MATTOZZI, 2008; PELEGRINI; FUNARI, 2008; HARTOG, 2006; ORIÁ, 1998; 2014.
3
Consultar: CHARTIER, 2002; GUIMARÃES, 2012; MORTATTI, 2014; LEOPOLDINO, 2015.

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Erinaldo Cavalcanti

4
Para ampliar as discussões, ver: ALVES, 2005; ASSMAN, 2005; MATTA, 2006; SILVA,
2012.
5
Para expandir as discussões, consultar: GOMES; LUCA, 2013; DELGADO; FERREIRA,
2013; MAGALHÃES; GONTIJO, 2013; MIRANDA, 2013.
6
As referências acerca da história local encontram-se ao longo do texto e na bibliografia do
presente artigo.
7
Sirvo-me aqui das discussões promovidas pelo historiador Carlo Ginzburg acerca do cha-
mado “paradigma indiciário”. Para ampliar as discussões, consultar GINZBURG, 1990.
8
Também podemos encontrar essa linha de interpretação nas reflexões promovidas pelo
geógrafo Milton Santos. Para ele, o espaço é o efeito de um conjunto de múltiplas forças
resultantes das relações humanas no tempo. Nesse sentido, Santos argumenta que “todo
espaço social pode ser objeto de uma análise formal, estrutural e funcional” (SANTOS,
2009, p.55). Ou seja, a concepção conceitual de “espaço”, assim como de “local”, é uma
construção intelectual.
9
Não podemos incorrer, portanto, em afirmações apressadas como se houvesse comple-
mentaridade ou similaridade entre história local e micro-história. É oportuno enfatizar que
a micro-história surgiu, segundo Jacques Revel, “como uma resposta às limitações óbvias
daquelas interpretações da história social, que em sua busca de regularidade, dá proemi-
nência a indicadores supersimples” (REVEL apud LEVI, 2011, p.162). E, para Giovanni
Levi, a micro-história se caracteriza, fundamentalmente, pela “redução de escala, o debate
sobre a racionalidade, a pequena indicação como um paradigma científico, o papel do par-
ticular (não, entretanto, em oposição ao social), a atenção à capacidade receptiva e à narra-
tiva, uma definição específica de contexto e a rejeição do relativismo” (LEVI, 2011, p.162).
10
Jornal produzido na versão impressa e on-line, com sede na cidade de Marabá, Pará. O
jornal foi fundado em 1983 pelo jornalista Mascarenhas Carvalho da Luz, com circulação
quinzenal. Depois, passou a ser semanal e, atualmente, apresenta três edições por semana.
Sua versão on-line encontra-se disponível em: http://www.ctonline.com.br/?inicial; acesso
em: 2 mar. 2017.
11
Jornal produzido na versão impressa e on-line, com sede na cidade de Caruaru,
Pernambuco. O jornal Vanguarda foi fundado em 1932 por José Carlos Florêncio, com
quatro páginas cada exemplar e tiragem inicial de mil exemplares, e circulava pelas princi-
pais cidades do Agreste de Pernambuco e na capital, Recife. Sua versão on-line encontra-se
disponível em: http://www.jornalvanguarda.com.br/v2/index.php; acesso em: 2 mar. 2017.

Artigo recebido em 20 de julho de 2017. Aprovado em 15 de junho de 2018.

292 Revista História Hoje, vol. 7, nº 13

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