Você está na página 1de 219

§.

Introdução

José Hermano Saraiva, na sua Historia Concisa de Portugal, referia que a I


República está ainda muito próxima de nós para ser analisada sem preconceitos. O
professor tinha nascido na I Republica e disse-o em 1975, no seu “exílio da Nazaré”
como gostava de se referir a esse período difícil. É verdade que existiu muita
demagogia, o país não progrediu, ficou mais desorganizado, autoritário, muitos
discursos parlamentares de retórica inflamada mas com pouco conteúdo para aplicação
prática, o que tornou o país mais pobre, atrasado técnica e culturalmente, tudo salpicado
com acontecimentos despóticos e sangrentos que votaram ao ostracismo muita gente
competente. Mas também se defendeu a escolaridade, melhores condições de trabalho
mas principalmente deu-se a oportunidade de se desenvolver a consciência de que quem
trabalha também tinha direitos, o povo veio para a rua lutar por aquilo em que
acreditava e tinha direito. A legislação conheceu os maiores avanços até então,
principalmente sobre as mulheres, os menores, a família, o divórcio, os idosos, o ensino,
o trabalho, os seguros, o sindicalismo, o apoio social, entre ouros.

Será o objetivo principal deste trabalho a análise do regime jurídico aplicável ao


operariado dos finais do séc. XIX ao final da I República, analisando as transformações
políticas, sociais e económicas que se fizeram sentir neste período, nomeadamente ao
nível das transformações das correntes doutrinais e das respetivas influências
internacionais.
Este ambiente político não pode ser entendido sem os movimentos
revolucionários que tiveram grande peso no movimento sindical e o modo como
influenciaram as alterações jurídicas no mundo laboral. Nesta análise foram surgindo
questões que parecem impossíveis de separar, seja a questão económica e o patronato, a
Igreja e a República, as colónias e a economia. Quando falamos de trabalhadores
estamos a falar também das condições da mulher no mundo laboral e quando falamos de
mulher não a podemos desligar da maternidade, dos menores e da discriminação.
É feita a análise dos principais decretos que provocaram no mundo do trabalho e
nos trabalhadores grandes alterações que trouxeram novas concepções sobre o mundo
operário e que deram inicio a uma legislação menos opressiva que foi coroada em 1919
com os governos de esquerda de Domingos Leite Pereira e José Domingues dos Santos.
1
Os desenvolvimentos da indústria implicaram uma alteração no comportamento
dos trabalhadores vindos do mundo rural. A grande disponibilidade de mão de obra, o
trabalho forçado, a extrema pobreza e a Grande Guerra aprofundaram a crise social e o
forte aumento inflacionário.
Devido ao peso das transformações sociais foi dado maior relevo à República. Os
textos normativos consultados foram o Diário do Governo, O Boletim da Providencia
Social, Coleção Oficial de Legislação Portuguesa.

A maneira de pensar é condicionada pela própria época que nos dá a ideia de


conjunto num contínuo que nos ajuda a compreender os acontecimentos. Dizia Ruy de
Albuquerque que “sem a intervenção de conceitos jurídicos não será factível o
conhecimento histórico do Direito. Eles são imprescindíveis não obstante carecerem de
intemporalidade”1.

1. Notas prévias sobre alguns aspetos históricos políticos


Hoje os trabalhadores da indústria automóvel de países periféricos trabalham 10
ou mais horas diárias de trabalho, em troca recebem prémios e recompensas que aceitam
resignadamente já que o lugar é precário. Esquecer que outros que por eles lutaram,
sofreram e até morreram por medidas justas, pelo trabalho digno, como aqueles dez
trabalhadores de entre quase meio milhão que a 1 de Maio de 1886 em Chicago, não
voltaram a casa porque foram mortos pela polícia por reivindicarem as 8h diárias de
trabalho, merecem o respeito daqueles que apenas do trabalho conseguem o seu único
sustento. É por isso importante não deixar cair no esquecimento esta luta. Convém a
alguns que dela não se fale, para esses a luta e a consciencialização da classe
trabalhadora continua como começou há 100 anos atrás.
No final da monarquia o conflito social era evidente, pescadores contra
armadores, soldadores contra os donos da indústria conserveira, sapateiros, empregados
de comércio, pescadores, ferroviários, rurais, ardinas, conserveiros, etc., todos queriam
defender as suas revindicações através da luta.
Ataques à propriedade, armazéns, mercearias, padarias e carvoarias, com
sabotagem de máquinas e de fornecimento de materiais. Atentados à bomba contra
fábricas, oficinas e até contra a GNR. Rusgas na rua e nas sedes sindicais, sabotagens

1
Ruy de Albuquerque, 1985, p. 132.

2
contra transportes, principalmente comboios. Decreta-se o estado de sítio e as prisões
são arbitrárias.
O lock-out é abusado perante a mais pequena contestação. Açambarcamento e
mercado negro são comuns.

No congresso de 1911 foi aprovada uma resolução sobre as greves, onde era dito:
“nunca prevenir a entidade patronal […] procurar que a greve constitua um máximo de
surpresa […]; evitar qualquer espécie de contrato de trabalho, individual ou coletivo, de
que possa resultar um entrave à liberdade do grevista […]; recusar a arbitragem sob que
forma se apresente”.2
Os anarquistas de Setúbal eram muito ativos e tentaram a proclamação de uma
“Comuna Livre”. Até as “forças do exército fatalmente minados por sindicatos e
anarquistas…”3

A carbonária recrutava num exército de miseráveis, proletários e assalariados,


simpatizantes para a sua causa de terror. Maçónicos, radicais, urbanos, terroristas mas
muitos lutaram pelo progresso, pela emancipação da mulher, educação, saúde e em
geral por melhor condição de vida.
Ser republicano não era mera teoria abstrata, foram o esteio contra Pimenta de
Castro em 1915, estavam unidos no assalto a Monsanto contra as incursões monárquicas
em 1919 ou nas revoltas em 1925.
Caos parlamentar, corrupção4 e clientelas, tal como hoje serviam membros do
partido do governo e dos lobbies, os objetivos deixam assim der ser económicos para
serem políticos. Veja-se o exemplo das cidades onde foram menos os “adesivos” e se
substituíram pessoas competentes por maçónicos do partido do governo.5

2
Raquel, Varela; Ricardo, Noronha; Joana Dias Pereira (coord.), Greves e conflitos sociais em Portugal
no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 68.
3
Raquel, Varela; Ricardo, Noronha; Joana Dias Pereira (coord.), Greves e conflitos sociais em Portugal
no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 68.
4
Eusébio Leão era médico e foi quem fez a leitura da proclamação da República no dia 5 de Outubro na
varanda dos Paços do Concelho, foi o primeiro governador civil do Distrito de Lisboa na República,
mandou prender muita gente desde padres a vadios nos primeiros 15 dias da proclamação e disse que
durante a sua governação houve má gerência com gastos acima do esperado, despesas com espionagem,
subsídios a vadios, desvio de dinheiro para uso próprio, existindo funcionários da câmara que recebiam
mas não trabalhavam. in III Congresso I República e Republicanismo 2015 por Gonçalo Ferreira “A
segurança publica na Lisboa republicana. O desempenho de Eusébio Leão como Governador Civil.
5
Passaram 100 anos e o Conselho para a Prevenção da Corrupção é governamentalizado impedindo assim
punir a corrupção na Administração publica já que a presença de ex membros do governo em empresas
que anteriormente estavam sob a sua alçada ou fazendo parte de empresas de advogados ou de

3
A corrupção é potenciada pelas grandes desigualdades sociais e se o Estado não
cumpre a função de nivelador então surgem mecanismos paralelos de benefícios às
populações e de redistribuição de bens.6 O corrupto que faz obra, rotundas e fontanários
cria no cidadão a lógica de deficiência na população que acaba por defender uma pratica
que não lhes dão proteção ou benefícios que deviam pertencer ao Estado.7

Em 1890/1891 a crise económica e financeira internacional contribuiu para a


perda dos mercados, diminuição das exportações e do investimento, fuga de capitais e
para o agravamento da divida externa.
O fontismo deixou o país à beira de uma situação sem controlo nomeadamente
sem possibilidade de socorrer os bancos e as companhias ferroviários. A pauta
protecionista de 1892 favoreceu as primeiras industriais como as dos adubos e fosfatos.
A agricultura, os vinhos, cereais pedem a intervenção do Estado e do seu protecionismo
mas mesmo com proteção agrícola existia um grande deficit cerealífero, mesmo anos de
fertilidade excepcional como 19028, não se deixou de comprar cereais9. Em maio de
1891 é suspensa a convertibilidade e em junho deixa-se de usar o padrão-ouro.
A tudo isto junta-se o Ultimatum10 de 11 de janeiro de 1890 a Republica é
consentida, mais do que um triunfo é a vitória da passividade perante a falta de
alternativas. A revolta de Janeiro de 1891 no Porto colocou de certo modo em evidência
as diferenças entre aqueles que defendem a transição para a República por meios
violentos e pacíficos. Uns mais radicais que outros mas profundamente divididos.
Republicanos, anarquistas e socialistas pareciam unidos nas propostas mas divididos
nos meios e mesmo entre eles existiam diferenças que levavam a afastamentos e criação
de outros movimentos mesmo dentro do governo. Em 1909, no Congresso de Setúbal, já

consultadoria que o Governo é a parte interessada ou o “caso da virgula” que custou 600 mil euros a
alguém que alterou o significado da norma legal ao arrepio do legislador e cujo inquérito parlamentar deu
em nada, in Vera-Cruz Pinto, Cascais, 2010, p. 432-433.
6
Luís de Sousa, Lisboa, 2011, p. 45.
7
Em 2006 o inquérito “Corrupção e Ética em Democracia: o caso de Portugal” onde 63,6% dos
portugueses toleram a corrupção desde que tenham benefícios in Luís de Sousa, Lisboa, 2011, p. 46.
8
Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 10-11.
9
Portugal não conseguia tirar mais de 9 hectolitros de trigo de um hectare de terra, a Espanha tirava 14, a
Inglaterra 24, a Holanda 26 e a Dinamarca 36 in Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 11.
10
Também Portugal tinha imposto um ultimato a Marrocos, devido ao apreso de embarcações de pesca no
porto de Lavache. Portugal impôs condições e ameaças com forças navais a quem não as tinha e que
mereceram o aplauso geral in Carlos Testa, Lisboa, 1890, p. 51.

4
Teófilo Braga11 estava em divergência.12 Em 1913 já António José de Almeida estava
na oposição pelo Partido Evolucionista.
O final do séc. XIX foi muito conturbado em toda a Europa e em Portugal, as
caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro, os artigos de Oliveira Martins, Antero de
Quental, as crónicas de Eça ou a prosa de Ramalho Ortigão são bem reveladoras desse
ambiente.

Em 1910 a Igreja geria 164 casa de recolhimento, escolas, asilos, hospitais, entre
outras instituições. Até 1914 devido à Lei da Separação, a situação não melhorou,
vários bispos foram expulsos das suas dioceses13/14/15/16 e em 1913 deu-se o corte de
relações entre o Vaticano e Portugal. Só em 1914 com Bernardino Machado, graças à
sua temperança a situação foi ligeiramente atenuada.17

11
Teófilo Braga é aqui um caso diferente, homem rancoroso, amargurado pela perda das filhas e da
mulher, a sua obra serviu de base ao nacionalismo radical, foi um agente e mestre do integralismo cujos
ideais na sua obra “Raça, a Tradição, a Nacionalidade”, António Sardinha chamou de “iluminado”, eram
teorias racistas, perigosas que exaltavam ao orgulho nacional e ao mesmo tempo ao ódio pelo outro
diferente do tipo “Lusitano”. Agostinho de Campos chamou-lhe “Pai do nosso nacionalismo atual” e para
António Sardinha era um “profeta”, “com ardor iluminado” mas nem todos os que lhe tinham admiração e
que lhe prestam tributo estão para lá do nacionalismo. in Castelo Branco Chaves, Lisboa, 1935, p. 8, 10,
18.
12
Theophilo Braga, Carlos Consiglieri, Discursos sobre a Constituição Politica da República Portuguesa,
Setecaminhos, Lisboa, 2006, p. 10.
13
O decreto de 28 de Dezembro de 1911 proíbe o patriarca de Lisboa, o arcebispo da Guarda e o
governador do bispado do Porto de residirem durante dois anos nos respetivos distritos em virtude de
terem desrespeitado as instituições democráticas. Neste decreto era dito que “a Lei da Separação não foi
uma ato ad odium; foi o consequente produto, aliás bem meditado, duma necessidade social que
cimentara a ação revolucionária.” E acrescentava que para o “clero ficou garantido em sua subsistência
pelo regime de pensões […] nada o Estado ao clero exigiu […] garantiu ainda a cedência gratuita, para
habitação e ensino teológico, dos paços episcopais…” eram punidos os que perturbavam a prática do
culto (art. 11.ºss) e os donativos eram fiscalizados (art. 11.ºss e 16.º da Lei da Separação). “A consciência
civil e a religiosa não foram atacados ou sequer melindrados.” E referia ainda que respeita-se o crente e
não se condena os de outras religiões. É a diferença da democracia para a teocracia. in Prêambulo do
decreto citado.
14
Pelo decreto 12 de Fevereiro de 1912 sabemos que três prelados (os arcebispos de Braga e de
Portalegre e o bispo de Lamego) foram castigados e proibidos de residirem nos respetivos distritos por
terem feito publicar circulares sob pena de excomunhão os fiéis que colaborassem na formação de
associações cultuais, o que se considerou um ataque à Lei a Separação.
15
Pelo decreto de 31 de Julho de 1917 ficou proibido o bispo do Porto, D. António José de Sousa Barroso
de residir durante dois anos dentro dos limites dos distritos do Porto e Braga e limítrofes sem prejuízo do
processo criminal que houver lugar.
16
Afonso Costa tratava pessoalmente da execução de alguns dos seus diplomas como no caso do bispo de
Beja, D. Sebastião Leite de Vasconcelos (Decreto de21 de outubro de 1910 e o decreto de 8 de abril de
1911) por ter publicado a 24 de Dezembro de 1910 textos subversivos na Pastoral Coletiva do Episcopado
Português. in Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a
Excepção, 1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 75.
17
David Pereira, A sociedade in Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica
Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 89.

5
No decreto de 18 de fevereiro de 1911 (Lei do Registo Civil) era referido ser
obrigatório a inscrição no registo civil dos nascimentos, casamentos e óbitos (art. 2.º),
onde era realizado o reconhecimento e legitimação dos filhos, dos divórcios18, das
anulações de factos relativos ao estado civil (art. 3.º).19 Registo civil20 foi uma das
grandes lutas do Portugal Republicano propostos no Parlamento em Junho de1908 por
Feio Terenas e instituído em Fevereiro de 1911.21 Mas já muito antes vinha esta luta
José Benevides em 1896 defendia que só o registo civil prova o casamento católico é
um ato alheio à competência da lei civil. “O registo civil deveria ser estabelecido e
completamente organizado para os casamentos, nascimentos e óbitos.”22
O povo odiava o jesuíta mas não o padre e a lei acaba por tornar aos olhos da
população mais conservadora, os padres em heróis os padres por isso Guerra Junqueiro
dizia “a lei é estúpida, dignifica o padre, e vai ferir o sentimento religioso do povo
português”.23

A República anunciou muito mas não trouxe melhorias económicas, basta ver que
o parlamento era praticamente ocupado por burgueses que não iam contra o patronato
capitalista ou contra a propriedade individual, mantinham e defendiam a ligação às
instituições de sustentavam o poder.
Tal como hoje a descrença na classe política era grande, Oliveira Martins,
escreveu num relatório oficial em 1891, “como até os piores males têm o seu lado
vantajoso, esta quadra de provações em que Portugal entrou traz consigo várias
vantagens: em primeiro lugar, dissipa as ilusões, refrescando a inteligência recta e
chamando-a à realidade do entorpecimento em que andava; em segundo lugar, acaba
com as abstrações ruinosas do livre-cambismo, forçando, pela fatalidade das coisas,

18
Só em 1915 pela lei n.º 467 de 30 de Setembro de 1915 se consideram hábeis para receber pensão de
sangue as mães dos oficiais que eram divorciadas ou judicialmente separadas dos seus maridos, quando se
faça prova que a sua subsistência estava unicamente a cargo dos seus filhos.
19
“Os livro de registo que existem em poder dos párocos serão por estes encerrados no estado em que se
encontram e neles não poderá escrever-se mais coisa alguma” que depois seria averiguado pela autoridade
judicial, administrativa do Ministério Publico (art. 8.º) poderão ser apreendidos e o pároco incorrerá nas
perdas de vantagens materiais presentes e futuras (art. 9.º). Os livros de registo não poderão ser
transitados para outro pároco (art. 10.º).
20
Registo de nascimento, casamento, óbitos, reconhecimento e legitimação dos filhos deveriam ser
realizados pela lei civil. Foram criados postos de civil por todo o país. António Granjo, futuro chefe de
governo em 1919, foi oficial do Registo civil.
21
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 67
22
José Benevides, 1896, p. 36.
23
João B. Serra, A evolução política (1910-1917), o Governo Provisório in Fernando Rosas; Maria
Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 99.

6
explorar o trabalho nacional; em terceiro lugar, moraliza a política, encerrando o funesto
ciclo da especulação inconsciente”.24
A legislação portuguesa refletia o pensamento legislativo da não intervenção nas
relações de trabalho, dai a quase inexistência de legislação operaria até aos anos 90 do
séc. XIX. É de 1863 a primeira legislação portuguesa sobre indústrias insalubres,
incómodas e perigosas. Existe o decreto de 3 de Outubro de 1860 mas não é relevante
porque em relação aos estabelecimentos insalubres, a sua preocupação era apenas em
relação à saúde pública e não às dos trabalhadores.
Em 1884 a criação de escolas industriais25, em 1889 os tribunais de árbitros-
avindores, em 1891 a regulamentação do trabalho de menores e das mulheres, em 1893
a organização das bolsas de trabalho, em 1913 a lei dos acidentes de trabalho e em 1919
a lei dos seguros sociais obrigatórios que iram ser analisados mais adiante.
Na Conferencia da OIT, em 1919, em Washington foram votadas varias propostas
relevantes.26
Na alimentação e sobre o fabrico e venda de pão surge legislação sobre a fixação
de preços, qualidade, pesos, composição e marcas realizadas pela DGPS27. Saiu muita
legislação mas se por um lado nem toda foi executado muito houve que não teve
qualquer efeito prático28.
Dizia-se que o seguro obrigatório se fez sentir na estatística dos acidentes; os
ligeiros diminuíram porque os operários pagam dois terços das despesas de doença

24
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 23.
25
O ensino industrial foi iniciado por António Augusto de Aguiar em 1883 mas não conseguia responder
às exigências da indústria mesmo sendo incipiente.
26
1 - As oito horas de trabalho diárias, 48 por semana em todos os países membros da Liga das Nações.
2 – Auxilio às mulheres durante a gravidez, paga pelo governo.
3 – Proibir o emprego a menores de 14 anos (excepto no Japão e na Índia).
4 – Proibir o trabalho noturno 26 para as mulheres com menos de 18 anos.
5 – Proibir o emprego de mulheres e crianças nas metalurgias e fábricas de fósforos.
6 – Criação de serviços de inspecção fabris ao serviço de saúde do governo.
7 – Acabar com as agências particulares de empregos as quais deverão ser substituídas por lei
governamentais.
27
À Direção Geral da Previdência Social competia: associações de classe, associações de socorro mútuo
e cálculos de seguros, seguros contra desastres, invalidez, velhice, caixas económicas, inquéritos sobre o
trabalho operários, custo de vida, subsistências, Boletim da Previdência Social, estudos de legislação,
estatísticas, congressos, etc.
28
“Os nossos estadistas esgotam todos os seus recursos na fabricação de decretos, de portarias, de editais.
O «Diário do Governo» é o vazadouro da produção dos super-homens da situação. Decretos sem ninguém
autorizar a sua publicação, outros são retificados no dia seguinte. […] Quase sempre fica pior a emenda
que o soneto e a retificação ainda mais embaralha, mais confunde a solução do assunto.” in O Rebelde –
Defensor das Classes Proletárias (10 de Outubro de 1918) citado por António José Telo, Lisboa, [1977],
p. 291.

7
enquanto os mais graves não só não pesam sobre os operários como existe “muito quem
aspire a passar por inválido ou, pelo menos, a aumentar a duração da doença”.29
A pouco ia-se tomando consciência da defesa da infância, na Alemanha a
legislação industrial obrigava à escolaridade30 entre os 8 e os 14 anos e até aos 18 anos
de idade os operários podiam ser obrigados a frequentar as escolas de aperfeiçoamento e
o patronato era obrigado a conceder as horas necessárias.31 Elevar a escolaridade e o
nível intelectual do operariado prestava um elevado serviço social. Se o operário via o
dia de amanha mais assegurado, instituição, se lhe é imposto deveres e direitos, esse
operário torna-se melhor preparado mas o povo estava longe de ter qualificações nem
preparação moral e intelectual para amar a liberdade e a partir do momento que sentiu
as grilhetas frouxas, a anarquia alastrou e os carbonários apoiados por milícias e
militares sem disciplina espalharam-se.32

A taberna era a distração do operário, sempre era melhor que estar numa casa
miserável e sem condições mínimas de vida. Surge assim a preocupação com a
habitação do operário e no modo como deviam ser dispostas as divisões para que não
prejudiquem a luz nem a circulação do ar umas das outras. As casas deviam ter quintal
mas as casas de banho, lavadouros e as creches seriam do bairro.
O decreto n.º 4:137 de 24 de Abril de 1918 sobre as casas económicas destinadas
aos menos abastados, este decreto bem-intencionado falhou em grande parte os seus
objetivos, por um lado a iniciativa particular foi descurada e não teve em conta as
situações especiais de algumas regiões.
O elevado analfabetismo desvalorizava o capital humano, só a Rússia se
aproximava dos 75% de analfabetos em 1911, já que a França tinha 25,8%, a Inglaterra

29
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 84.
30
Já na lei de 1878 de Rodrigues Sampaio a escolaridade era obrigatória mas depois tinha muitas
excepções como a de serem muito pobres ou se morassem longe.
31
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 85.
32
Afirmava Fialho de Almeida “Este Portugal republica é aquele mesmo que tem nas cidades 75% e nas
aldeias 90% de analfabetos; que apedreja os médicos por ocasião das epidemias, que crê parvamente em
Messias políticos e bruxas, que vive de indústrias fictícias e agriculturas rutinárias, e com um jornalismo
pedante de repórteres, uma ciência de copistas e uma literatura de decalco, chegou a este grau de
subalternidade mental e moral: no campo das liberdades políticas só conhece vivas e morras, e de tal
maneira ter perdido a noção das realidades e o instinto justiceiro dos galardões, que é ver um diabo de
espingarda, desata logo a chamar-lhes heróis, e a traze-lo pela rua às cavalitas”. in Fialho de Almeida,
Lisboa, 1920, p. 16.

8
e a Alemanha menos de 10%33 já para não falar dos países nórdicos onde os valores
rondavam o 1 a 5%.

A República fez-se com os operários e depois estes vão ser perseguidos, presos e
até muitos mortos. Presos sem julgamento, deportados principalmente para Angola.
Esse foi o erro é que o mundo operário urbano era a base de apoio da República, foram
eles que lutaram contra a monarquia e agora são também inimigos. Mas as clivagens são
evidentes as perseguições34 contra a Igreja foram exageradas35 e só lhes deu mais
força36 voltando a República contra o mundo rural e contra as mulheres. O país era
profundamente católico praticante37 e isso não mudava numa geração. Bernardino
Machado de forma cínica afirmava que “ninguém pretende destruir a religião; o que
pretendemos, é fazê-la sincera e pura, tornando-a voluntária e livre”38 mas em 1904
demonstrava bem o que pensava: “O estado de ignorância é também o de santidade. O
pensamento gera a dúvida, que é a descrença, e o erro, que é o pecado. É para que
pensar? Para saber? Lá está a igreja infalível para com os seus dogmas nos infundir toda
a sabedoria, sem ser necessário pensarmos…”39.
Para entendermos estes exageros da ação política republicana, mais propriamente
de Afonso Costa é essencial ligar ao pensamento de Benoît Malon já que para ele era
essencial e dever do Estado controlar todas as estruturas económicas do país,
nomeadamente as instituições de credito, caminhos de ferro, minas, canais, as grandes
empresas industrias e comerciais para estarem interligadas com os estruturas politicas,
sociais e culturais.40 Portanto não era uma perseguição gratuita e anti cristã antes uma
serie de objetivos essenciais para dar sucesso à resolução de um problema mais vasto.

33
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 119.
34
O anticlericalismo era em relação ao alto clero, congregações, Igreja católica em geral mas não contra o
clero de base que até estaria aberto a mudanças porque eram prejudicados pelos outros hierarquicamente
superiores.
35
Dizia Bernardino Machado: “Se a igreja já não queima, ainda amaldiçoa, excomunga, anatematiza” in
António Ramos de, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto, 1974, p. 51.
36
Dizia Carlos Testa: “Se querem um clero triunfante, persigam-no e talvez assim tomem novo e até se
fortaleçam” in Carlos Testa, 1888, p. 56.
37
Em 1900 cerca de 99% da população afirmava-se católica e em 1940 os que se diziam “sem religião”
eram apenas 4,5% in Luís F. Rodrigues, Lisboa, 2010, p. 292.
38
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 47.
39
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 175.
40
Jorge Pais, p. 15.

9
Com a Constituinte de 19 de Junho de 1911 as diferenças são notórias 41 mas em
relação aos de hoje uma grande diferença será de realçar, o direito de opinião no
parlamento era livre, sem entraves dos respetivos grupos parlamentares, cada um valia
por si. A ideia até parece interessante mas as fugas e as mudanças de partido eram uma
constante o que alterava o numero de votos e nunca se poderia esperar do que se poderia
contar nas diferentes votações nomeadamente no apoio ao governo o que dava origem a
grande instabilidade. Parece ter sido por isso um erro não dotar o Presidente da
República de poderes de dissolução42 que só foi corrigido pela lei n.º 891 de 22 de
Setembro de 1919.

Os inquéritos industriais
Lisboa e Setúbal, graças à indústria da cortiça e à indústria conserveira tinham
uma grande capacidade produtiva. A estes juntaram-se a indústria química, construção
naval, metalomecânica, têxteis, etc.
A construção civil tem ainda grande relevo em Lisboa, além do sector dos
transportes, eletricidade, água, gás, serviços de comunicações, serviços portuários entre
outros abarcavam muitos trabalhadores.
O questionário do inquérito de 1881 teve menos 1200 respostas de um total de
10500 enviados e mostravam que tratavam-se na sua maioria de pequenas oficinas
artesanais, familiares.43

O inquérito industrial de 1917 mostra que o grau de industrialização é pequeno


8% dos estabelecimentos tinham menos de 21 operários e só 5% tinham mais de 100
trabalhadores44.
O inquérito de 1909 foi ordenado pela portaria de 26 de novembro de 1909. O
inquérito é pequeno, também teve poucas respostas, é limitado mas é a única fonte que
temos para esta época sobre associações comerciais. Nela verificamos uma grande

41
Vão surgir três tendências: a de Afonso Costa (Partido Democrático), a de António José de Almeida
(Partido Evolucionista) e a de Brito Camacho (Partido Unionista). Em 1926 o PRP já tinha dado vários
partidos, dos principais era o Partido Radical, Esquerda Democrática, Partido Democrático (ou
Republicano), Ação Republicana, Partido Nacionalista, União Liberal. De direita surgiu mais tarde o
Integralismo Lusitano e os grupos católicos de onde surgiu Salazar (Centro Académico da Democracia
Cristã e depois o Centro Católico Português). Os intelectuais juntaram-se na Seara Nova.
42
Paulo Ferreira da Cunha, Lisboa, 2011, p. 74.
43
Maria Filomena Mónica, 1987, p. 821-822.
44
Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 79.

10
diferença salarial, a nível regional, no sexo e na idade. Por exemplo os tipógrafos eram
os mais bem pagos e os seus aprendizes os mais mal pagos na proporção de 1 para 45.45
Também nos têxteis do Norte os salários são menores em relação a Lisboa num desnível
de 6,5, é difícil e não tem assim grande interesse calcular o salário no entanto de 1909 e
1914 0 aumento foi de 43%.46
No inquérito de 1909 ficamos a saber que o pagamento em géneros já era raro
excepto na agricultura mas isso ainda hoje existe pelo menos no Código do Trabalho
como parte do pagamento da retribuição, onde a parte não pecuniária deve destinar-se à
satisfação das necessidades pessoais e da família.

Para que o empregador conseguisse um aumento de produção, difundia-se o


trabalho de empreitada ou à tarefa, é o exemplo do calçado, têxteis, mobiliário, tanoaria,
etc. Em muitos destes trabalhos as mulheres e as crianças eram pagas ao dia e os
homens à tarefa, satisfazendo assim os mais qualificados, com maior capacidade de
trabalho e até contratual, obtinha-se algum aumento salarial através do aumento da
produtividade. Talvez por isso em 1913-14 as industrias com mais de 10 operários eram
cerca de 20%47, o resto estavam geograficamente dispersos ou trabalhavam em
pequenas oficinas ou em casas particulares.
O preço do pão chegava a atingir 20% das despesas do operário, daí a relevância
que teve “o pão político” em 1919.

As habitações dos operários do Porto e Lisboa eram conhecidos pela sua falta de
condições, são por isso importantes as leis do inquilinato sobre o aluguer da casa.
Em muitas profissões era ainda a luz do dia que determinava o horário de
trabalho. As 8h diárias só eram praticadas em alguns organismos do Estado. O trabalho
domiciliário era o aquele em que o horário de trabalho era maior. Mesmo assim a
produtividade não aumentava e como os salários subiram, logo só restava ao patronato
outra opção senão subir os preços ao consumidor para assim se manter os lucros.
Villaverde Cabral cita Ezequiel de Campos que no fim da guerra dizia: “que
importa o salário ser baixo em Portugal, se um português não faz metade, nem a terça

45
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 431.
46
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 431-432.
47
César Oliveira, 1973, p. 683.

11
parte […] do trabalho que faz um homem de hoje? – o salário português é caríssimo.”48
O “homem de hoje” a que se referia era ao equipamento moderno. Vai ser Ezequiel de
Campos que em 1925 e com o apoio de António Sérgio vai defender a Reforma Agrária
que seguia nas suas bases o Projeto de Lei de Fomento Rural de Oliveira Martins de
1887.
Critica-se a legislação por não deixar que as associações criassem fundos para
manter os grevistas.

Pedia-se o direito de constituição de federações por ramo e por região, são elas
que permitiam ao operário defender-se do isolamento local e assim num sistema
corporativo de classe melhor se defender contra os ataques do patronato. Muitos eram
acusados de perseguirem os operários sindicalizados como aconteceu a dezassete
grevistas da empresa M. Ribeiro da Silva em 1907.49
Existem associações que pedem a autorização para conferirem diplomas aos
operários de modo a de operários enquanto os que usufruírem de um diploma
estivessem sem trabalho.50
Existiam associações perfilhadas com o governo que aprovavam as pautas
protecionistas e defendiam que era a falta delas que encorajava o sindicalismo
revolucionário.51 No entanto antes do protecionismo os têxteis empregavam mais gente
(5 vezes mais). E como um tear mecânico produz nove vezes mais que o manual o que
implica que dois terços dos operários perderam o trabalho, ou seja, em relação ao
emprego não foi protecionista apenas protegeu os capitalistas ambiciosos. Com os
preços a diminuir e com o aumento da mecanização a fome nos tecelões aumentou logo
devia ser autorizada a entrada livre dos produtos estrangeiros de modo a acabar com
aqueles que vivem à custa da pauta.52

48
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 433.
49
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 443.
50
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 444.
51
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 445.
52
Manuel Villaverde Cabral, Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República, Vol.
XIII (50), Análise Social, 1977-2.º, p. 447.

12
2 - O operariado nas vésperas da Republica
Os partidos da República eram de massas, ligadas à Maçonaria mas também
tinham objetivos como a cultura, a instrução, o lazer, o desporto, a música, etc. Muitas
ainda hoje existem.

Na 1ª Constituinte, 35% dos deputados pertenciam à grande e média burguesia,


64% tinham o nível universitário e só 4%, ie, 9 deputados tinham o nível básico53
As incompatibilidades eram muitas, João Chagas, afirmava “o Parlamento
português é uma repartição pública. Raro é […] o deputado que não é funcionário do
Estado ou não tem direta ou indiretamente, negócios com o Estado”, o clientelismo de
diretores gerais, de funcionários superiores da administração, de conservadores
municipais, de secretários de ministros, de militares e paramilitares era grande e até
havia quem reclama-se o subsídio que já tinha sido suspenso no tempo da Monarquia,
não existia assim uma grande ruptura, o comportamento pouco se tinha alterado.54
Fialho de Almeida referia que “O começo deste regime novo cheira
diabolicamente ao fim de velho […] só idiotas e ingénuos irão supor que três dias de
descargas regeneram povos indolentes e tardos como o nosso.”55
Luz Almeida e António Maria da Silva, tiveram um papel muito importante na
transição da Carbonária para o controlo do Partido Democrático e as suas milícias
armadas em 1911 já eram maiores que as da primeira. Mas faltava coerência, os que
estão contra Afonso Costa em 1913, vão dar-lhe apoio no golpe de 1915 e contra em
1917, mudava-se e crivam-se partidos com a mesma velocidade com que desapareciam.

As mortes de Elias Garcia e Latino Coelho em 1891 e de José Falcão em 1893


deram união aos republicanos e o “caso Sara de Matos”56 que apesar de para muitos
republicanos o Tribunal das Trinas ter sido um fracasso, foi aproveitado para
manifestações anticlericais que trouxeram milhares de manifestantes republicanos às
ruas. Em 1892 a repressão aumenta e são presos Heliodoro Salgado, João de Meneses,
Alves Correia e Alfredo Leal e no mesmo ano e greve académica.

53
Cf. Carvalho, 1981, p. 6.
54
Carvalho, 1981, p. 11.
55
Sardica, 2011, p. 180-181.
56
Noviça do Convento das Trinas em Lisboa que foi jovem abusada e envenenada a 23 de julho de 1891,
cujas culpas foram atribuídas aos jesuítas cujo caso foi julgado no Tribunal das Trinas. O “caso Rosa
Calmon” filha de um diplomata, vitima de rapto trouxe milhares de manifestantes à rua em 1901 e 1902.

13
Não quer dizer que não tivesse existido momentos com estabilidade governativa,
entre 23 de Fevereiro de 1893 e 7 de Fevereiro de 1897 o governo foi dos que resistiu
mais tempo dele fizeram parte Augusto Fushine57 e Bernardino Machado, mais liberais
inovaram e imprimiram uma nova dinâmica.

António José de Almeida (1866-1929) em 23 de Março de 1890 estava no 1.º de


Medicina quando no jornal académico O Ultimato: Folha Académica, publicou uma
serie de impropérios ao Rei, escrevendo que era “larapio”, “gatuno”, “medíocre”,
“bruto”, “pedante”, “pacóvio”, etc.58 Na mesma primeira página do mesmo jornal
escreveu Afonso Costa que para “…fazer subir a moralidade portuguesa […] derrubar a
monarquia, estabeleceu a república, e em seguida instruir, edificar, moralizar, o povo.
Não será isto mais curial mesmo mais científico?” Ambos, juntamente com o tipografo
Pedro Cardoso foram acusados pelo Ministério Publico de crimes por abuso de
liberdade. Manuel de Arriaga foi o advogado de António José de Almeida e Afonso
Costa teve a defesa brilhante de Magalhães Lima59 o que originou uma duradoura
amizade, cumplicidade no ideal e em artigos de jornais.60

Para Afonso Costa havia que alterar e simplificar os códigos, proceder à separação
do Estado da Igreja, abolição das festividades religiosas, substituição por festas cívicas,
demonstrar um Estado laico61, abolindo os pagamentos à Igreja e o fim dos feriados
religiosos62. O decreto-lei de 8 de Outubro de 1910 da laicização do Estado e da
sociedade determina que voltem as leis do Marquês de Pombal de 1767 e de Joaquim
António de Aguiar (1834) que acabam com as ordens religiosas e com jesuítas em
Portugal. A 15 de Outubro acaba-se com o juramento religioso nos atos civis e decreta-
57
Augusto Fuschini, Oliveira Martins e Sousa Brandão eram os chamados “socialistas de Estado”.
58
“…o rei que até aí era um simples larapio, passou a ser, na boca das folhas revolucionárias, um grande
gatuno; ele que até aí exibia, no seu pescoço pedante, uma educação deficiente, passou a ser um
pacóvio…” O Ultimato: Folha Académica, 23 de Maio de 1890, p. 1.
59
Era viajado e dominava vários idiomas que lhe possibilitaram contatar com varias figuras proeminentes
da politica como Vitor Hugo, Kropotkine, Benoît Malon e foi com este ultimo que as ideias vão ser por
Magalhães Lima difundidas, um dos principais adeptos do socialismo integralista que vai influenciar
Afonso Costa como se pode notar na sua tese de doutoramento em 1895 apenas com 25 anos, onde o cita
profusamente juntamente com Benoît Malon in Jorge Pais, p. 15.
60
Jorge Pais, p. 3.
61
O art.º 3.º da Constituição Politica da Monarquia Portuguesa referia que a religião do Estado era a
católica apostólica romana.
62
Foi o decreto com força de lei de 26 de outubro de 1910 que mandou que sejam dias úteis e de trabalho
para todos os efeitos os dias que até ao presente foram considerados santificados excepto os domingos
(art. 1.º) e o despacho de 28 de janeiro de 1911 esclarece que os dias feriados decretados pelo Governo de
República correspondem para todos os efeitos judiciais aos dias santificados mandados guardar pela
legislação anterior.

14
se cinco novos feriados63/64. A 22 de Outubro acaba o ensino de moral cristã nas escolas
primárias e no dia seguinte fecham-se as matrículas em Teologia. No ano seguinte a 20
de Abril surge a Lei da Separação.

A justiça devia sofrer mudanças sérias65, o acesso devia ser gratuito, reforma do
sistema prisional e a sua substituição por colónias penitenciárias e agrícolas.
Universalização do ensino geral e profissional gratuito. Abolição dos exércitos
permanentes e substituição por milícias nacionais. Abolição dos privilégios e das
ordens. Redução para as 8h/dia, proibição do trabalho a menores de 14 anos de idade.
Redução para 6h/dia para menores de 18 anos. Alteração do trabalho noturno e das
mulheres. Descanso obrigatório e fiscalização no trabalho, pensões, reforma, higiene66,
segurança, salários e uma “urgente reforma” de acordo com a legislação internacional67
e subordinar a hora legal portuguesa ao meridiano de Greenwich, segundo o princípio
adoptado na Convenção de Washington em 188468.
A sociedade em geral necessitava de mudanças sérias, principalmente no que diz
respeito às mulheres, aos filhos, ao seu bem estar, educação e solidariedade.69 E é claro
o divórcio que surge no decreto de 3 de novembro 1910 e referia que o casamento pode
dissolver-se por sentença em julgado e tinha juridicamente os mesmos efeitos da
dissolução por morte (art. 2.º). São causas de divórcio o adultério da mulher e do

63
1 de Janeiro – fraternidade universal, 31 de Janeiro – mártires da republica, 5 de Outubro – heróis da
República, 1 de Dezembro – dia de Portugal, 25 de Dezembro – a família (Diário do Governo de 13
outubro de 1910). Os feriados funcionavam como elementos de afirmação do ideário republicano.
No art.º 2.º do decreto de 12 de Outubro de 1910 sobre feriados municipais manda “escolher um dia de
entre as festas municipais”, às vezes não se escolhia o 1º de Maio e muito menos o 10 de Junho já que nas
zonas rurais eram mais importantes as festividades locais como o Santo António.
64
Em 1918 determina-se que seja feriado e festa nacional o 12 de Novembro pela portaria n.º 1:588 de 11
de Novembro e o 5 e 8 de Dezembro pelo decreto de 5:028 de 4 de Dezembro 1918.
65
É interessante observar o corte em relação a algumas ideias que Afonso Costa já criticava nas suas
teses universitárias sobre o Direito Penal, a Escola Clássica e a Antropologia de Lambroso onde se
acreditava ser possível detetar degenerescência e predisposição inata para o crime deriva de causas sociais
e não genéticas e pela melhoria das condições de vida era possível diminuir o crime, o que estava de
acordo com a escola socialista integral que acreditava ser possível diminuir o crime através de medidas
sociais.
66
Logo a 24 de Outubro de 1910 surge um decreto que altera os serviços sanitários e suprime vários
cargos, secretarias lugares e dispensados ou exonerados vários funcionários.
67
Jorge Pais, p. 16
68
Decreto de 26 de Maio de 1911.
69
São alguns exemplos o diploma sobre o divorcio (3 de Novembro), o decreto lei sobre o inquilinato (12
de novembro), casamento e proteção dos filhos (25 de dezembro), criação o Asilo dos Velhos de
Campolide (3 de Fevereiro de 1911), serviço militar obrigatório e a substituição de exércitos permanentes
por milícias nacionais (26 de Maio de 1911).

15
marido, sevicias, injurias graves, abandono do domicilio, loucura incurável70, o vicio ao
jogo, doença contagiosa, etc. (art. 4.º). Outra importante reforma apesar de nem sempre
cumprida mas muito desejada e defendida por Afonso Costa na monarquia era a de dar
liberdade à imprensa71.

Nos finais do séc. XIX, as ideias da dignidade, igualdade, fraternidade, liberdade,


defendidas pelo movimento operário eram já reconhecidas pela maioria da sociedade
letrada como legitima, afinal já vinham da revolução francesa.
O Estado não devia diminuir a liberdade individual mas tem um papel essencial
no desenvolvimento da sociedade, já que o desenvolvimento da cooperação social só
seria possível com o Estado que corrige as deficiências e beneficia a paz social e isso só
é possível desde que o mais forte não esmague o mais fraco.
As ideias que a sociologia tinha ido buscar ao Ensaio Sobre a População de
Malthus que mais tarde serviriam de base aos movimentos fascistas e nazis na Europa,
onde a luta e a mortandade era um factor de progresso, estava errado porque a existia
agora uma novidade que era a cooperação entre trabalhadores, não o esmagar do outro
mas ser solidário. A ideia que somos como um conjunto de células que se organizam
entre si e contribuem para o todo.
O ser humano é eminente cooperativo e a evolução deu-se graças à cooperação e
não à luta como nos animais. Sem o outro nós não existíamos. Não quer isto dizer que
devamos ter demasiada confiança no Estado mas quando a iniciativa privada não é
possível, é ao Estado que cabe promover e garantir os direitos, sejam eles dos menores,
das mulheres, da saúde, horário de trabalho, cultura, lazer, segurança, etc.72

3 - Socialistas e anarquistas: ação política


Na verdade tanto o patrão como o operário são juridicamente iguais e podem
negociar em igualdade mas a realidade é que o trabalhador tem de negociar pelas
condições impostas pelo mercado dominado pelo patronato que beneficiam da elevada

70
O decreto com força de lei de dezembro de 1910 corrige para que não seja necessário esperar três anos
que poderia prejudicar os filhos, a vítima e o interdito.
71
Logo a 28 de Outubro de 1910 surge um decreto sobre a lei de imprensa onde se refere que esta deve
ser livre, independente da censura ou autorização prévia (art. 1.º). Era referido que o editor devia ser
português e pertencer a apenas um periódico (art. 4.º) e entre outros o nome do director devia figurar no
alto da primeira página (art. 5.º).
72
Por isso como afirma Gonçalves a liberdade é um meio e não um fim a atingir. In Luiz Gonçalves, A
Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça & C.ª, Lisboa, 1905, p.
53.

16
taxa de desemprego o que dificulta a melhoria quer das condições de trabalho quer dos
salários, o que faz com que de facto exista grande desigualdade que pela necessidade de
subsistência, aceita-se as condições do contrato que são previamente fixadas pelo mais
forte.
Sem meios de defesa e com muita oferta de mão-de-obra, sem sindicatos,
aceitaram trabalhos por baixos salários, sem higiene, largo horário de trabalho, crianças
com 6 anos, enfim condição infra humanas73. Estava criada assim um campo fértil para
que os trabalhadores tivessem a consciência da necessidade de unir a sua força em
conjunto para conseguirem melhores condições de vida. Para isso tinham de lutar contra
o patronato mas também contra o poder que lhes está associado, ou seja, o Estado é um
mal que corporiza a autoridade e sujeição74 que o tempo e o costume fez criar a
habituação sem que ela pareça uma imposição, é também o exemplo da religião e por
isso aquilo que o teólogo vê como pecado o anarquista exalta e eram muitos os nomes
relevantes que simpatizavam com o ideal75.
O anarquismo não gosta de autoridade mas defende a ordem porque esta pode
existir sem autoridade já que assenta na continuidade que é diferente do poder. O
operariado conhecia os excessos de autoridade mas agora tinha a consciência que devia
ser tratado como seres dotados de direito e deveres mas principalmente com dignidade e
negava a superstições, conhecia a realidade e esta como não coincidia com a vontade o
poder adulterava-a numa forte tendência totalitária.
Se o Direito limita a liberdade, logo tem de ser construído um modelo que crie
uma estrutura fundamentada para ser livremente cumprida. O Direito não só normas que
regulam a vida em sociedade. Não é apenas, paz e segurança, mas a criação dos próprios
valores que lhes estão subjacentes76 portanto o Direito também altera a sociedade
porque vai criando valores diferentes ao longo do tempo para que os outros cumpram.
Foi o que aconteceu com o 5 de outubro de 1910, de imediato a ideologia alterou
valores ligados ao trabalho, família, economia, cultura e até mais profundos vínculos

73
Se grande parte do operário não era escravo não estava longe de o ser, fugidos à miséria e com excesso
de mão de obra disponível eram explorados de forma criminosa. Competir com base em baixos salários
foi e continua ser uma má aposta, muitas horas de trabalho, baixos salários, baixa qualificação, mau
ambiente, trabalho repetitivo desmotivante sem qualificação.
74
Miguel Morgado, Lisboa, 2010, p. 21.
75
“O anarquismo, em toda a sua pureza, é um sublime ideal…” Bernardino Machado.
“Só aceito acordos com os partidos mais avançados, socialistas e anarquistas, por cujos ideais tenho tanta
simpatia” António José de Almeida
“As leis são feitas pela burguesia capitalista, por isso mesmo visam a defender, senão a aumentar os
interesses do capital.” Brito Camacho in Costa Júnior, Lisboa, 1964, p. 51.
76
António Hespanha, Mem Martins, 2003, p. 72.

17
religiosos. Veja-se o Código de Napoleão, como foi possível manter quase inalterado
durante 200 anos graças à jurisprudência que se foi adoptando ao longo do tempo.

O ambiente é violento, a maioria do operariado não tinham direito de voto ou


lugares no parlamento, existiram vários assassinatos à bomba77 de industriais,
administradores, governadores civis, aos consulados, a monárquicos ou até de simples
trabalhadores que obrigaram à criação de leis anti anarquistas78 que permitiram as
perseguições arbitrárias até de simples apoiantes que foram deportados e acabaram por
morrer em sítios tão distantes como Timor Leste. Isto aumentou ainda mais o desejo de
vingança por parte destes movimentos, organizando reuniões secretas de cariz radical
que não eram apoiados pela parte intelectual que se havia juntado recentemente.

No 5 de Outubro o papel do povo foi preponderante79, os soldados eram poucos e


os líderes republicanos só apareceram no dia seguinte quando viram que o desfecho era
favorável, foram eles que colocaram os republicanos no poder e estes formaram
Batalhões de voluntários, de 1910 a 1915 surgiram mais de 25080 grupos anarquistas.

O Partido Socialista Português (Partido Operário Socialista) foi fundado por José
Fontana81 e Antero de Quental em Janeiro de 1875 e no ano seguinte é criado o Partido
Republicano Português. O esmagamento da Comuna de Paris vai diminuir o ímpeto em
Portugal.

A partir do Congresso Anticlerical em 189582 foram criados vários círios civis que
foram importantes na dinamização de correntes de livre pensamento anticlerical 83 antes
de serem obrigados a fechar por volta de 1900. Foram uma forma de concorrer com as
organizações católicas que organizavam eventos de cariz religioso.

77
Para um bombista o Direito não existe, é a arma do cobarde, defender é passar para lá da liberdade de
expressão mas os jovens aderiam, era uma forma de mostrar a sua insatisfação, não viam solução na
democracia.
78
Em 1920 a lei de 11 de Maio era dedicada aos anarquistas e vadios.
79
Para isso basta ver que os mais de 100 mortos e feridos nesse dia, eram trabalhadores.
80
Carlos da Fonseca, Para uma análise do movimento libertário e da sua história, Edições Antigona,
Lisboa, 1988, p. 31.
81
Suicida-se em 1876 e a sua substituição na chefia vai ser difícil.
82
Dizia-se: “Se o capital esmaga, o clero embrutece” in A Vanguarda 26 de Março de 1895
83
A mentalidade judaico-cristã era servil, pobre, ignorante e o débil mental ou doente era visto como
santidade que tinha lugar no céu. O movimento académico da “Geração de 70” e as “Conferências do
Casino” foram um marco importante no movimento para a expressão livre do pensamento e anti religioso,
tendo em vista que Portugal se transforme e se abra às ideias da Europa.

18
Os jornais gostavam de explorar notícias de cariz bizarro escandaloso sem decoro
pela verdade mas os jornais eram essenciais à formação da opinião política, daí que de
entre os vários assuntos que cativavam a opinião pública eram as despesas da família
real e o achincalhar dos soberanos84, a liberdade de imprensa foi por isso algumas vezes
cortada85/86. O decreto n.º 1 de 29 de Março de 1890 reiterava que era importante
regular o exercício do direito de liberdade de imprensa, face aos “abusos de manutenção
de pensamento por meio da imprensa periódica aumentam e agravam-se de dia para dia
à sombra de quase impunidade […] publicam-se artigos contrários à ordem e à
tranquilidade, ameaça-se com a subversão violenta […] é punido não só o ato
difamatório ou injurioso mas também a sua publicidade…”. O mesmo para as
províncias ultramarinas o abuso da liberdade de imprensa era punido como crime pelo
decreto de 26 de Novembro de 189687.

O decreto n.º 3:544 de 13 de Novembro de 1917 durante o estado de guerra são


proibidas de circular, apreendidas e destruídas as publicações de propaganda a favor do
inimigo ou a “deprimir a alma da nação ou a honra do seu exército.” Isto porque era
reconhecido que se havia intensificado a propaganda germanófila em campanhas
difamatórias.

Neno Vasco segue o pensamento de Enrico Malatesta88 que tardiamente é


conhecido em Portugal e do qual foi o principal divulgador nos periódicos 89 anarquistas
onde defende que o sindicalismo era a plataforma ideal de espalhar os ideais libertários.
Esta ideia foi facilmente aceite no Porto mas em Lisboa deu origem a uma acesa

84
O decreto de 27 de Maio de 1911 aprova o acordo internacional de Paris sobre a publicações obscenas.
85
Com Lopo Vaz em 1890 e com João Franco em 1907.
86
Mas depois com a República gritar “Viva a Monarquia” ou “morra a República eram considerados
subversivos que atentavam à segurança do Estado, ordem e tranquilidade pública, punido pelo §2.º do
art.º 185.º do Código Penal. Era um delito político. Em 1922 Bernardino Machado afirmava: Nenhuma
revolução é legítima dentro da Republica, quando os homens de governo mantêm invioláveis as
liberdades públicas”. in António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado,
Brasília Editora, Porto, 1974, p. 207.
87
A lei de 7 de Julho de 1898 pelo art.º 43 proibia que se anuncia-se ou apregoa-se publicamente mais
que o título do jornal mas esta nada se comparava com a ríspida lei de 13 de Fevereiro de 1896. Leis que
mal interpretadas deram azo a perseguições e prisões de muitos jornalistas principalmente dos
anarquistas.
88
Em Portugal foram mais conhecidos Bákunine, Kropotkine, Jean Grave, Elisée Reclus, Sébastien
Faure, Ricardo Mella e já no séc. XX através de Neno Vasco, Enrico Malatesta mas outros como
Proudhon, Godwin, Stirner Tucker ou Tolstoi foram pouco ou nada conhecidos in João Freire, Porto,
[1992], p. 307.
89
Existiam 111 periódicos anarquistas e 51 sindicalistas libertários mas mais de 50% não publicam mais
de 5 números, o jornal A Batalha foi a excepção que até mereceu uma monografia de Jacinto baptista
mencionado neste trabalho.

19
discussão, uma vez aceite foi aconselhado evitar fazer parte das direções dos
sindicatos90, estes tornaram-se assim terrenos férteis para o lançamento do ideal
libertário91. Mesmo que o fim seja bom, os trabalhadores não devem ser dirigidos ou
governados, devem ser emancipados. Os sindicatos deviam evitar estarem subordinados
a um partido político ou uma doutrina oficial e deviam ser autónomos92. Assim se numa
primeira fase os anarquistas eram desinteressados pelo movimento sindical ou até
mesmo contra, existiam assim muitas opiniões e correntes93 mas a partir do momento
que entram no movimento sindical acabam por dominar as associações de classe que
pertenciam aos socialistas, o que faz com que o número de sindicatos e sindicalizados
aumentem enormemente94. Existiam movimentos contra a guerra mas próprio
Kroptkine95 viu nos soldados aliados a defesa da civilização humana contra os “Hunus
do Reich”96, muitos outros libertários assumiram a defesa do povo contra a agressão da
Alemanha97.

Defendiam a abstenção porque quem tem ideias não altera a sua vontade, não
abdica da individualidade, não se reconhece a ninguém o direito de gerir os nossos
interesses mas para o Germinal de Setúbal (1905) os protestos platónicos valem é pouco
e havia que apoiar os que estavam politicamente mais próximos, defende-se o boicote às

90
Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 29.
91
Os marxistas tinham em mente a conquista do poder que os anarquistas desprezam e eram estes que
dominavam de forma esmagadora os sindicatos que com sucesso chegavam as camadas trabalhadoras
através de colóquios, atividades culturais, recreativas, desportivas, manifestações, etc.
92
Hoje o sindicalismo autónomo existe em muitos países como a Itália, por um lado parece ser boa ideia
defender esta independência mas a recusa da disciplina das uniões sindicais aumentam os conflitos com
situações imprevisíveis como acontece na Grécia com sindicatos anarquistas ou no caso português com a
greve na TAP um pouco antes de ser vendida em 2015.
93
Eram os individualistas económicos, ultra liberais, defensores da propriedade, do mercado e do livre
contrato (como Benjamin Tucker). Há também os individualistas de ação, uns violentos e ilegais,
assassinos e bombistas (tipo Ravachol, Casério ou Bonnot) e outros quase legalistas com formas de ação
própria direcionados para a paz, educação, objeção de consciência, natalidade consciente, etc. (Louis
Lecoin, Manuel Devaldès, Heugène Humbert). Depois também exista o anarquismo místico ou religioso
com muito pouca expressão, menos que o individualismo mas aparece algum fundo cristão no moralismo
mas em Portugal o combate era contra a Igreja, outras combinações doutrinarias, algumas originais e
surpreendentes são possíveis de encontrar in João Freire, Porto, [1992], p. 316-317.
94
Depois da I Guerra há um novo aumento. A maioria são sindicatos de ofício mas em localidades
pequenas podiam juntar várias profissões.
95
O anarquismo vai-se desenvolver no final do séc XIX através de Bakunine, Kroptkine, entre outros, o
primeiro coletivista e o segundo comunista eram os que tinham mais seguidores
96
Carlos da Fonseca, Para uma análise do movimento libertário e da sua história, Edições Antigona,
Lisboa, 1988, p. 34.
97
Foi o caso de Campos Lima mas outros como Neno Vasco e Aurélio Quintanilha mantiveram-se
neutrais.

20
eleições mas isto era limitado, poucos votavam98 e dos mais de 700 grupos anarquistas
apenas três99 desenvolviam atividades especificamente anti eleitorais, tendo em conta
que a esmagadora maioria dos trabalhadores eram analfabetos e como tal estavam
arredados do direito de voto, mesmo que fossem chefes de família e maiores de idade,
dá para perceber que esta medida tinha um efeito muito reduzido.

Os socialistas exigiam a fixação legal do salário mínimo nos tabacos quando este
foi nacionalizado e isso surgiu na carta de lei de 22 de Maio de 1888 que determinava
que a fabricação de tabaco no continente do reino seja exclusivamente feita por conta do
Estado, sendo para isso expropriadas por utilidade pública as fábricas existentes (art.º
1.º).100
O socialismo tinha orientação do coletivismo como os alemães, o federalismo ou
o mutualismo, todos com a ideia da defesa dos trabalhadores. O anarquismo científico
de Proudhon não era bem recebido em comparação com o anarquismo de Bakounine ou
até mesmo o do tipo comunista defendido por Kropotkine. Não é que fossem novidade,
este ideal da igualdade aparecia já defendido em muitas religiões que para Gonçalves
eram meras utopias.101 Também Cristo pregou o amor, a humildade, o desprezo pelos
ricos, cuja doutrina foi levada pelos quatro cantos do mundo mas foi o império romano
quem primeiro o adotou e logo a tornou bastarda. A realidade foi a existência de Papas
superiores aos reis, no luxo, na ostentação, no poder e na força da vigilância das
perseguições jesuíticas.
A diferença é que o socialismo não promete recompensas no paraíso, as
promessas são as mesmas apesar de materialista, positivista e descrente, também
pregavam a igualdade, fraternidade mas o seu deus é apenas o egocentrismo.
A filantropia existia, pouca, mas existiam empregadores conscienciosos, não eram
todos iguais mas serviam como meros paliativos não resolviam a questão de fundo.102

98
Setúbal tinha 50 mil habitantes e votavam apenas 1000 dos quais menos de 700 eram para o PRP.
99
João Freire, Porto, [1992], p. 325.
100
Será levantada uma quantia até 7.2000:000$000 réis para pagamentos, capital fixo e circulante.
Indemnizações a que for obrigado emitindo para isso obrigações amortizáveis no máximo de cinquenta
anos (art. 1.º § 1.º).
101
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 208.
102
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 236.

21
Quando a marcha da humanidade parece recuar é apenas para tomar balanço,
ganhar força numa luta que leva a um ideal. A evolução não é sempre consciente
acontece entre os que se adaptam e os que resistem como o fim das portagens trazidas
pela Revolução de 1820, mas no fundo já não existiam, o próprio tempo sobrepôs-se à
legislação, a evolução tratou de acabar com o que já naquele tempo era anacrónico, não
era necessário lei, e esta limitou-se a constatar o que já existia.

José Domingues dos Santos logo no seu 1º governo deu a várias capitais de
distrito os Tribunais de Desastres no Trabalho, criou regulação sobre o horário de
trabalho, bairros sociais a que deu particular importância e aumentou as verbas na área
laboral. José Domingues dos Santos um “republicano de 1916” como acusou Cunha
Leal que lutou por “Liberdade, Pão e instrução” e por isso foi acusado de ser o “Lenine
português”.103 Quando foi ministro do Trabalho e da Previdência Social, antecedido
pelo socialista Augusto Dias da Silva quando se continuou a legislar sobre o horário de
trabalho104, 8h/dia e 48h /semana105 regulado pelo decreto n.º 6:112 de 23 de Setembro
1919. A oposição do patronato comercial e industrial foi grande já que as 10 ou12 horas
eram normais e agora como se não bastasse eram obrigados a indemnizar num ano de
vencimentos quem despedissem, daí que a 29 de outubro o deputado liberal Aboim
Inglês pede a suspensão do decreto das 8h mas apenas os liberais e um deputado
democrático votaram a favor, o processo era agora irreversível106, democráticos,
socialistas e populares uniam-se contra o pedido107, a contenda aumenta, dizia-se que
maior crise era a do parlamento mais que a do governo o que torna a governação mais
difícil108 e no sentido de apaziguar os ânimos José Domingues dos Santos aceitou que o
decreto tivesse uma vigência experimental de seis meses e depois poderia sofrer
modificações109.
O governo de Domingos Leite Pereira tinha pouco apoio e com a greve da função
pública a 4 de Março que estava proibida pelo decreto-lei de 6 de Dezembro de 1910110,

103
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 22.
104
Decreto n.º 5516 de 7 de Maio de 1919.
105
Excepto rurais e serviços domésticos, fossem eles de casa, hotéis e restaurantes.
106
Desde 1915 com a lei n.º 295 de 22 de Janeiro que os bancários, casas de cambio e escritório
usufruíam das 7h/dia.
107
A Capital, 29/10/1919, p. 1-2.
108
A Capital, 9/1/1920, p.1.
109
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 42-43.
110
Aqui as coligações eram consideradas crimes punidos pelo art.º 277º do Código Penal.

22
se em relação aos ferroviários eram compreensivos não o foram com os empregados do
Estado a quem os incumpridores seriam despedidos.111 Faltava coerência ao governo
dizia A Capital112.

A 9 de Abril de 1921 o governo de Bernardino Machado concedeu uma amnistia


muito polémica a favor dos monárquicos que atentaram contra a República. A
“camioneta fantasma” era a imoralidade da sociedade portuguesa. Alfredo da Silva,
financiava A Imprensa da Manhã e o padre Maximiliano de Lima foram os nomes
apontados como mandantes, pelo menos assim apurou Berta Maia, mulher de Carlos da
Maia, um dos assassinados.
Na sessão parlamentar de 24 de Fevereiro de 1922, referiam-se os inconvenientes
dos “guardas pretorianos”, da concentração numa força de todos os poderes. A GNR e o
exército não mandam, obedecem. Ao governo cabe orientar os destinos do pais e como
tal José Domingues dos Santos defendeu uma profunda remodelação da GNR113 e a 13
de Maio de Maio de 1922 no decreto n.º 8064, não só os efetivos foram reduzidos como
foram divididos pelas zonas rurais, foram retiradas as armas pesadas como
metralhadoras, ficando assim sem o poder de se opor ao Exercito, passando de 14300
para 9600 efetivos. Com o decreto n.º 4:179 de 29 de Abril de 1919 já tinham sido
aumentados.114/115

A enorme inflação do pós-guerra era positiva para as divisas do Estado e para as


exportações mas prejudicava os assalariados. Mas as receitas não acompanham para
fazer face ao saldo negativo e aumentam a divida pública e duplica a emissão de moeda
o que implicou a inflação entre 1920 e 1924.116

111
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 48.
112
A Capital, 5/3/1920, p. 1.
113
Desde o tempo de Sidónio Pais eram oficiais monárquicos que dirigiam tanto a policia como a GNR e
tinham recebido armamento do exercito e aumentos salariais.
114
Já em 1914 com o decreto n.º 933 de 8 de Outubro aumenta os quadros do pessoal da policia cívica de
Lisboa por ser insuficiente em 3 chefes de esquadra 10 cabos e 260 guardas (art. 1.º) e criadas mais duas
escolas para a instrução de guardas.
115
Em Junho surge o decreto n.º 4:484 que permite o aumento de vencimento e em Julho o decreto n.º
4:614 concede um credito para reforço da GNR. Com o decreto n.º 5:568 de 10 de maio de 1919 em
virtude das frequentes revoltas, dava-se à GNR o poder e o reforço de homens e meios para rapidamente
interferir nesses acontecimentos mas em 1926 o decreto n.º 11:609 de 26 de Abril anunciava um nova
redução do número de praças da GNR de modo a adequar às circunstâncias e às despesas.
116
Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 116.

23
Entre Dezembro de 1923 e Fevereiro de 1925 os governos são mais à esquerda117
mas o PRP derruba o governo para acalmar a reação dos patrões e industriais.118 Por
esta altura surgem movimentos e publicações que pronunciam os fascismos119. O ano de
1924 foi o inicio dos ataques cerrados pelo PCP à CGT, é o fim da antiga camaradagem
nos artigos de A Batalha.
Em 1924 José Domingues dos Santos liberta os presos com mais de 8 dias sem
culpa formada por delitos políticos e sociais. O seu discurso teve uma realidade prática,
nada ali foi teórico e mexeu com os interesses da burguesia capitalista e fundiária,
principalmente com os decretos dos Ministérios das Finanças e Agricultura.
Enquanto ministro do Interior, publicou o decreto-lei n.º 10:401 de 22 de
Dezembro de 1924 depois corrigido e publicado, criava a “carteira de identidade” dos
profissionais de imprensa passada pelo sindicato e que foi uma importante vitoria
excepto os que não eram profissionais e que eram contra este monopólio120. Em
Dezembro surge uma portaria para controlar os negócios de câmbio e apresentava ao
parlamento uma proposta para acabar com os monopólios do tabaco121 e dos fósforos122.
A 17 de Janeiro de 1925 o decreto-lei n.º 10:474 estabeleceu que o Ministério das
Finanças autorizava a existência de instituições bancárias e tinham de realizar um
capital mínimo além de várias limitações e obrigações que teve tal oposição que
António Maria da Silva tentou travar mas José Domingues dos Santos afirmou que se a

117
Álvaro de Castro entre 24/12/1923 a 6/7/1924, Rodrigues Gaspar (6/7/1924 a 22/11/1924) e José
Domingues dos Santos (22/11/1924 a 15/2/1925).
118
já que tinha sido implementado o imposto progressivo sobre os rendimentos, tributação dos lucros da
guerra, actualização da contribuição predial, combate à especulação finaceira, controlo e câmbios,
fiscalização da atividade bancária, ensaio da reforma agrária no sul, tabelamentos dos bens de primeira
necessidade, lei do inquilinato, lei das 8h de trabalho, seguros sociais obrigatórios, legalização da CGT in
Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 117.
119
Partido Nacionalista, União Liberal de Cunha Leal, associações patronais, União de Interesses
Económicos, Cruzada Nuno Alvares, etc.
120
João Freire, Porto, [1992], p. 183.
121
O monopólio do tabaco já tinha terminado em 1864 por ser considerado um contrato subversivo que
era potenciador de corrupção, pagava interesses mas em 1890 o que parecia impossível acabou por
acontecer, voltou o monopólio entregue a privados por períodos de 20 anos, perante a passividade de uma
massa amorfa e acrítica já que mesmo sem monopólio nunca existiu concorrência ao contrário do que se
esperava, num país pequeno e pobre este parecia ser o seu destino natural já que a indústria tabaqueira
sempre esteve ligada ao regime e por ela caíram governos e renovaram-se ministérios que provocavam
acesas e insultuosas discussões no parlamento.
122
Decreto de 3 de Abril de 1911 proibia a importação de acendedores portáteis que se destinavam a
substituir os fósforos. O decreto de 14 de Dezembro de 1912 determina que os acendedores portáteis que
forem destruídos sejam inutilizados pelo fogo e seja levantado um auto perante três testemunhas (art. 1.º).
E que a Companhia Portuguesa dos Fósforos pague para cada um 30 centavos (art. 2.º).

24
moção não fosse rejeitada se demitia. A margem foi curta123 mas Domingues dos Santos
venceu.
Foi também em Janeiro entregue uma proposta de lei que previa expropriações,
vendas ou arrendamentos de terras. Aproveitamento de baldios124/125, alteração predial
rústica e fomento florestal, proposta que fomentou aceso debate. A 27 de Dezembro
surge um decreto-lei que legaliza os sindicatos e associações de classe e permite que se
criem legalmente federações ou uniões. A CGT passava assim a ser legal. A 2 de
Janeiro o regime soviético é reconhecido.
Logo a 6 de Fevereiro de 1925 surgem manifestações de apoio ao governo e neles
estão socialistas, comunistas e anarco-sindicalistas, ou seja, aqueles que se sentiam
explorados que no dizer de José Domingos dos Santos, “pelo alto comercio e pela alta
finança”.126 Apesar das grandes manifestações de apoio, o parlamento respondia em
sinal contrário, Cunha Leal atacou ferozmente Domingos dos Santos, a queda do
governo era inevitável.
A 20 de Junho de 1924 José Domingues dos Santos apresenta propostas para
repor o texto original da Lei de Separação do Estado das Igrejas mas se a luta contra a
Igreja já não tinha acabado pelo menos já tinha decaído muito, levando António Maria
da Silva a afirmar que a questão religiosa já não existia127/128.
A pasta do ministério da Justiça foi bem aproveitada por José Domingues dos
Santos, ganhando popularidade no meio laico. Insistia na expropriação das terras
incultas, usar as grandes fortunas para equilibrar as contas do Estado, melhorar a
assistência social aos trabalhadores, criar um banco estatal.129/130

123
56 votos contra 51.
124
Em virtude da crise era reconhecido no decreto n.º 9:843 de 20 de Junho de 1924 que para um maior
aproveitamento de uma extensa área agrícola, o Estado devia auxiliar o incentivo aos agricultores
nomeadamente dispensar o logradouro aproveitar por habitantes de maior idade que tenham fruído e
assim e declaram aos cargos administrativos que regulam o modo fruição desses baldios (art. 1.º).
125
A 5 de Julho de 1924 o decreto n.º 9:844 no art. 1.º incumbe a Junta de Fomento Agrícola de promover
e orientar o aproveitamento dos terrenos incultos e de charneca susceptíveis de cultura arvense ou
florestal que não tenham sido cultivados ou arroteados nos últimos sete anos.
126
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 96.
127
Luís F. Rodrigues, Lisboa, 2010, p. 288, 290.
128
Ainda em 1921 a portaria n.º 2:701 de 12 de Abril obrigava que todas as pessoas pertencentes a
quaisquer ordens regulares e autorizados pelo art. 6.º do decreto de 8 de Outubro de 1919 a residir em
Portugal deviam indicar o local do seu domicílio e a participar a mudança.
129
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 128.
130
José Domingues dos Santos era o político mais popular da República, era o chefe da esquerda
democrática, “os canhotos”, enquanto a ala direita, “os bonzos” eram representados por António Maria da

25
Contra estes últimos governos da Republica estavam os latifundiários, as
industrias131 dos tabacos, fósforos e panificação mas para Domingues dos Santos o
essencial era “Liberdade, Pão e Educação”.132
Os jornais atacavam e insultavam o ministro com falsas acusações de bolchevista
por reatar as relações com a Rússia e pelos projetos de reforma agrária mas nada o
acusavam de corrupto ou qualquer ato pouco digno, era reconhecidamente um político
honesto.
António Maria da Silva apoiava a liberdade de comércio de tabaco e não estava só
para acabar com este monopólio, aumentou a confusão e como escreveu A Capital133
“foi o inicio da desordem”. Na sessão de 28 de Abril, os ânimos exaltaram-se e José
Domingues perante as injúrias perdeu a compostura e entrou numa cena de pugilato
com outro deputado134. As cenas de berraria repetiram-se nos dias seguintes e no dia 30
de Abril acabava finalmente e oficialmente o monopólio dos tabacos135 mas não acabou
o conflito com governo, pelo contrário, aumentou.136
A instabilidade aumenta no Exercito, sente-se uma iminente intervenção mas
outras já tinham existido e sempre falharam137 mas agora muitos oficiais conspiravam e
em pouco tempo teriam o apoio de gradas figuras, principalmente em Lisboa,
nomeadamente de Mendes Cabeçadas uns defendiam uma reforma política e outros
muito autoritários. As intenções de Mendes Cabeçadas eram diferentes das de Gomes da
Costa, mas foi este último que chefiou o movimento do 28 de Maio. A resistência foi
fraca, a passividade geral originou uma entrada em triunfo na capital a 6 de Junho onde
o governo de António Maria da Silva cai por falta de gente convicta em o defender.

Silva. Em 1925 já o Partido Socialista com pouco prestígio concorreu em Lisboa e Porto coligado, e em
Faro, Tomar, Torres Vedras.
131
Muitas indústrias essenciais estavam na mão ou eram controladas ao nível da gestão por estrangeiros
era o exemplo dos transportes, telefones, eletricidade.
132
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 141.
133
2 de Março de 1926, p. 1.
134
O democrático Alfredo de Sousa.
135
Na portaria n.º 4:628 promove-se a administração a administração provisória da indústria dos tabacos.
136
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 157.
137
A 18 de Abril e 19 de Julho de 1925 e no inicio de Fevereiro de 1926.

26
Em 1946, José Domingues dos Santos exortava à ação e à mudança, reafirmando
os valores da democracia e para isso defendia a nacionalização dos bancos e a
supervisão do Estado nas atividades financeiras. Nacionalização das empresas de
serviços públicos como os transportes, energia eléctrica, moagem, tabacos, fósforos,
etc.138
O decreto n.º 3:806 de 22 de Fevereiro de 1918 permite que os fieis de qualquer
confissão religiosa se organizassem e fossem independentes do Estado mas não se deve
abandonar os mais fracos, crianças e outros espíritos débeis ao fanatismos religioso
porque isso “é abandonar aos caprichos da reação as liberdades que uma democracia
mais obrigação tem de defender, a liberdade dos mais fracos. O decreto n.º 3856 referia
que ao facilitar a “criação de seminários de instrução secundária, abriu a porta para a
mais perniciosa escravatura de consciências139.

Ação legislativa de José Domingues dos Santos140 foi responsável por uma
profusa ação legislativa na área do trabalho e do operariado, criando decretos e portarias
tendentes a melhorar a área do emprego e das condições laborais mas também de forma
a apaziguar o clima de radicalismo.141

138
Protegeu a pequena indústria e o comércio através do crédito. Reforma agrária, municipalização dos
latifúndios, uso dos baldios e dos incultos pelos trabalhadores com ajuda do Estado. Defendeu o auxílio
às cooperativas agrícolas, adubos, novos contratos. Ensino laico e gratuito por todo o país. Construção de
novas escolas e apoio aos estudantes pobres. Luta contra tuberculose, sífilis, lepra, alcoolismo, etc.
Maternidades, balneários, desporto. Legislação social tal como era antes do 28 de Maio. Salário mínimo.
Proteção ao trabalho feminino e juvenil. A 3 de Fevereiro participa no Porto na tentativa de derrube do
governo. Como ministro da Justiça a 18 de Dezembro de 1923 a 6 de Julho de 1924 autoriza a demolição
de capelas. Manda desafectar do culto e entrega à Comissão Central de Execução da Lei da Separação,
capelas e ermidas, bem como os seus de culto. Desafeta do direito de habitação algumas residências
paroquiais aos respetivos párocos pensionistas. Cede edifícios da Igreja de ordens extintas para o culto
público católico a Irmandades (portaria n.º 3:886 de 26 de Janeiro de 1924 e n.º 4:085 de 11 de Junho de
1924). Retira definitivamente do culto várias capelas e igrejas. Autoriza comissões de fiéis a proceder a
obras de reconstrução e reparação de igrejas e edifícios adjacentes.
139
António José Queiroz, José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887-1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012, p. 288.
140
Foi ministro do trabalho de 28/6/1919 a 21/1/1920, 30/11/1920 a 2/3/1921, 2/3/1921 a 24/4/1921.
141
Envia projeto de lei para conceder amnistia para alguns crimes (23 de Março de 1925). Critica o
aumento do preço dos fósforos, os que defendem os interesses das companhias fosforeiras e que não
defendem as condições de trabalho nesse setor. Cria mais de 7 tribunais do trabalho (Coimbra, Viseu,
Aveiro, Bragança, Leiria, Ponta Delgada, Portalegre). Concede mais de 20 subsídios a Câmaras
Municipais, junta de freguesia, concede subsídios de modo a atenuar a crise do trabalho e cria empregos.
Cria mais bibliotecas e bolsas de trabalho (portaria 2683 de 26 de Março de 1921). Aumenta vencimentos
em vários sectores e reforça verbas para muitos pensionistas e deficientes tentando atenuar a crise do
trabalho (decreto n.º 6370 de 20 de Janeiro de 1920. Cria portarias que autorizam mais de 113 asilos,
irmandades, misericórdias, confrarias, albergues, afim de receberem legados, doações, donativos, a
levantar capitais para obras sociais, contrair empréstimos. Autoriza cerca de 50 companhias de seguros,
bancos a explorar vários ramos de seguros e emitir novas apólices.

27
4 - As lutas operárias e a resposta do governo
Em relação à reclamação por parte dos socialistas da importância da criação de
um ministério do trabalho, Ulrich dizia não “ir tão longe” mas reconhecia a necessidade
de criar órgãos específicos que ajudassem no melhoramento da indústria através de
maior informação.142

A maioria era o proletariado não fabril e em grande parte do país dominava ainda
a Igreja, os “patrões” e os caciques locais. Este sistema caciqueiro era, como dizia M.
Azevedo Gomes, uma maravilhosa máquina de fazer deputados143. À medida que o país
se foi industrializando e complexificando surgem novas clientelas, interesses e
oportunidades de corrupção. Os valores vão sendo alterados, cedem perante as
transformações sociais. O capitalismo da I República era feito de clientelas que viviam
para o Estado e este não conseguiu criar laços de solidariedade, o autoritarismo estava
ainda muito enraizado a experiência democrática era reduzida. A juntar a tudo isto o
método fácil do arrependimento e absolvição dos pecados dados pelos católicos que
criavam também um ambiente de tolerância social.
O papel da maçonaria no patrocínio politico devido mais à obrigação de
obediência que ao sentido de dever. Foi visível nos presidentes da república, apenas
dois não eram da Maçonaria144, era um factor de seleção e não um mérito profissional.
O domínio no país destas sociedades secretas em tudo o que foram atos governativos,
desde a escolha das cores da bandeira, deposição de antigos funcionários e imposição de
outros foi completamente incontestável.
As agremiações operárias não eram só os sindicatos, também eram as sociedades
recreativas145, culturais, musicais, desportivas, cooperativas e socorros mútuos146. Ainda
hoje muitas destas sociedades continuam a existir e prestam um importante contributo
às comunidades locais. As filarmónicas percorriam as ruas a tocar A Internacional e o
Hino do 1º de Maio. As peças de teatro para adultos e até os de fantoches estavam

142
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 101.
143
M. de Azevedo Gomes, 1972, p.83-89.
144
Manuel Teixeira Gomes não era maçónico mas tinha sido carbonário.
145
Foram algumas destas filarmónicas que no início do Estado Novo se recusaram a acompanhar as
visitas de Salazar e Carmona ao Barreiro e como resultado foram pura e simplesmente dissolvidas in
Raquel Varela, Ricardo Noronha, Joana Dias Pereira (coord.) Greves e conflitos sociais em Portugal no
século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 82.
146
Tinham escolas, faziam teatro, festas, passeios de convivio, editavam livros, jornais e revistas.

28
politizados. As instituições de caridade asilos e misericórdias passam a ser de
solidariedade, previdência, alfabetização, saúde, cultura, etc. Representavam a
emancipação dos trabalhadores.147
Setúbal é o exemplo da grande adesão de trabalhadores às lutas das corticeiras,
ferroviárias e pescas. Também no Barreiro se juntaram contra a CUF de Alfredo da
Silva que despediu trabalhadores por criarem uma associações de classe na sua indústria
mas não era o único, outros afirmaram claramente que não empregavam operários
filiados nas associações de classe (foi o caso da Ferdinand Garrec & C.ª em Junho de
1912).148
Alfredo da Silva149 foi um caso único no nosso panorama, não discutia com os
operários as suas revindicações, não vergava, prometia e não cumpria, a não ser a
ameaças150, apesar do paternalismo e das condições sociais das suas empresas serem a
melhores do pais, a CUF é palco de prisões, cargas da GNR (cujo posto era dentro das
instalações) e compram-se traidores (os “amarelos”), o ódio crescia e era
generalizado151.

Os republicanos tinham prometido a legalização da greve e com o 5 de Outubro as


greves e manifestações não paravam a contestação, pelo contrário ela aumentou com a
sua legalização e com o aumento da consciencialização do movimento operário. No

147
Joana Dias Pereira, As comunidades industriais no alvorecer do associativismo operário português in
VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.) Greves e conflitos sociais em
Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 79.
148
Joana Dias Pereira, As comunidades industriais no alvorecer do associativismo operário português in
VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.) Greves e conflitos sociais em
Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 81.
149
Alfredo da Silva ofereceu a António Maria da Silva a compra do Diário de Noticias para que ele
tivesse a sua própria tribuna o que na época era essencial ao desempenho político, já que era fácil os
outros jornais difamarem. Os baixos salários foram essenciais para a prosperidade da CUF mas nem
sempre fizeram a vontade a Alfredo da Silva, apesar de beneficiar de regimes especiais e proteção aos
produtos da CUF que tinha uma boa política social mas o posto da GNR era dentro da CUF. Perante as
greves surgidas desde a sua fundação em 1908 a resposta era o despedimento, mandava prender
sindicalistas, chegou a fechar a empresa sem pagar salários e pela fome acabou por fazer quebrar os
operários.
O protecionismo dado à agricultura beneficiou a produção de adubos é o caso da CUF no Barreiro sob o
impulso de Alfredo da Silva desde 1908 foi um dos mais importantes complexos industriais da Península
Ibérica.
150
Expulsou os 500 grevistas das casas operárias e não os readmite in Maria Filomena Mónica, 1982, p.
1259.
151
Escrevia-se n’A Batalha: “…é um alambique de venenos esverdinhados. Pode comparar-se a um
polvo, mas com tentáculos a dobrar. Domina, abarca, suga.” in A Batalha citado por Maria Filomena
Mónica, 1982, p. 1260.

29
entanto esta legalização no decreto de 6 de Dezembro de 1910152, ainda no governo
provisório, estava acompanhada pela sua legalização do lock-out153 e de outras medidas
que limitavam a greve154 e como forma de contestação contaram-se mais de duas
centenas de greves155 logo no primeiro ano de governo republicano, principalmente na
agricultura, pescas, conservas, transportes, energia, panificação, etc. O que mostra que
ao “decreto burla” foi dado o mais completo desprezo, faziam-se greves sempre que
necessário mas às vezes não eram unânimes e existiam retaliações contra os fura greves
mas existia solidariedade pelos outros sindicatos que enviavam fundos aos grevistas que
seriam distribuídos como subsídios156.
Os operários da Carris reivindicavam aquilo que era afinal as promessas dos
republicanos, como a igualdade de salários, oito horas de trabalho e juntaram nas
revindicações, muitas delas violentas como resposta à opressão dos governos de que
resultaram prisões e deportações que provocaram o rápido afastamento do movimento
sindical dos governos republicanos.157/158

152
Art. 1.º era garantido aos operários como aos patrões o direito de se coligarem para cessação
simultânea do trabalho.
Art. 2.º os que tentarem formar, manter ou impedir as coligações operarias ou patronais usando a
violência ou ameaças como forma de coação para diminuir a liberdade “serão punidos com prisão
correcional até seis meses e multa correspondente.”
Art. 3.º quem perturbar a ordem pública ou não respeitar os regulamentos policiais para imporem
aceitação ou desistência de uma coligação organizada incorrem em pena de prisão correcional ate três
meses.
Art. 4.º as coligações patronais e operarias para cessação do trabalho em serviços de interesse publica
serão anunciadas com antecipação de: 12 dias para a luz, água e géneros de primeira necessidade assim
como serviços onde existem enfermos e asilados. E oito dias de antecipação quando resultar a suspensão
do transporte ferroviário, terrestre, fluvial e marítimo.
153
Brito Camacho, ministro do Fomento, usou a lei espanhola que parecia servir também o interesse do
patronato, o pré-aviso da greve devia ser de 12 dias para atividades e géneros de primeira necessidade. E
8 dias nos transportes terrestres, o que revelava prudência, não entendida assim pelos sindicais. Era um
exemplo do tratamento semelhante dado a patrões e a trabalhadores a quem era dado o direito simultânea
da cessação do trabalho.
154
Na monarquia a greve era um crime mas com a República os funcionários de Estado também não o
podiam fazer.
155
Luís Farinha, Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-
1931) in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.), Greves e conflitos
sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 90.
156
João Freira, Porto, [1992], p. 146.
157
Luís Farinha, Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-
1931) in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.), Greves e conflitos
sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 90.
158
A 22 de Maio de 1917, no Porto, são mortas 22 pessoas e em Lisboa a 12 de Julho é decretado o
estado de sítio que acontece novamente em 1919 pelo decreto n.º 5:110 de 19 de janeiro que declara o
estado de sítio em todo o território do continente da República com a suspensão total das garantias
constitucionais, durante trinta dias, para o completo restabelecimento da ordem.

30
Afonso Costa159 tinha um temperamento de déspota, aquilo que exerceu foi uma
ditadura e quem o disse foram os mais insuspeitos como João Chagas, Carlos Malheiro
Dias, Francisco Rocha Martins, Fernando Pessoa e Raúl Proença.160 Fernando Pessoa
disse que tinha um ar “patibular”, era “jesuíta vermelho”, “destemperada besta”, “não
merece a consideração devida a qualquer membro da humanidade”, “pobre idiota”,
“escroque-nato”.161
Mas a indústria não se moderniza, não se inverte na formação do operariado e a
crise financeira torna a situação mais gravosa, a alta de preços não facilita, eram
necessárias reformas políticas e económicas mas a escolha foi a das perseguições,
deportações e julgamentos sumários. A oposição do patronato às revindicações
provocou uma forte reação popular, principalmente quando ao nível legislativo não se
viam as alterações desejadas. A miséria, o desemprego e o desespero potenciaram as
reações, com sabotagens de carris dos caminho-de-ferros com bombas ou destruição das
linhas. Foi aí que sob o Governo do coronel Sá Cardoso, era ministro do trabalho José
Domingues dos Santos quando de forma muito repressiva para combater as greves dos
ferroviários, o ministro da Guerra, coronel Hélder Ribeiro ordenou que na dianteira da
locomotiva estivesse um vagão aberto (um jota) com sindicalistas agrilhoados
guardados por guardas para evitar a sabotagem da linha e os maquinistas eram
contratados. Este tomou o nome de “vagão fantasma” e na verdade os atentados à linha
diminuíram.
A cidade de Setúbal tinha lutado pela República, as esperanças e as promessas
enquanto oposição estavam agora longe de ser cumpridas, era a traição, até porque
sendo estes novos governantes burgueses, aliaram-se ao patronato e não existiram
grandes mudanças de fundo. O PRP (Partido Democrático) em 1915 era pertença de
uma minoria burguesa, urbana e arrogante162 que tudo faria mesmo ilícito para se
segurarem no poder e dominar a politica e a administração. O povo estava farto da
miséria, grande parte eram jovens habituados à vida difícil e isso replica-se nas
manifestações mas a GNR e o Exercito continham o descalabro com a repressão que vai

159
A sua imodéstia estava até na escolha do seu nome maçónico, “Platão”.
160
João Medina, 1997, p. 158.
161
João Medina, 1997, p. 161.
162
Dizia Afonso Costa: “Deixemo-nos de hipocrisias. Já não podemos viver de fições. No séc. XX a
República é democrático ou não é. Não se fez para nela colaborarem todos os inimigos de ontem, todas as
castas, todas as seitas. A República fez-se com luta do povo contra os seus escravizadores, contra uma
classe que detinha o poder e não pode portanto chama-los a colaborar com ela. Esta República […]
fizeram-no os pobres, os rotos, os humildes e para eles é que ela tem que ser principalmente” O Mundo,
18 de Setembro de 1911.

31
ser o substrato fértil para os ideais do sindicalismo revolucionário. Atirava-se
indiscriminadamente sobre a população indefesa e enviavam-se para os porões dos
navios os dirigentes sindicais como nunca se vira na monarquia.
Ramada Curto encontrou justiça na repressão, prisão, indiscriminada, julgamento
dos dirigentes, encerramentos da casa sindical, etc., dizendo que as revindicações eram
excessivas e que comprometiam a República.163
No cortejo de homenagem a Camões no dia 10 de Junho, também estavam
anarquistas mas foi atacado à bomba, houve vários feridos e um simples vendedor de
legumes de 17 anos foi morto. O Governo aproveita e acusa os sindicatos, invade e
fecha a 2ª Casa Sindical e a Terra Livre é suspensa. São presos e deportados dirigentes o
que afeta gravemente o movimento164.

O decreto com força de lei de 10 de Outubro de 1910 procedeu à revogação das


leis de 13 de Fevereiro de 1896, 21 de Abril de 1892 e de 3 de Abril de 1896, cujos
indivíduos podiam ser submetidos a “juízos criminais excepcionais”. Eram as “Leis
Celeradas” como ficaram conhecidas as leis de João Franco165 contra os anarquistas que
acabaram por enviar para locais tão longínquos como Timor, não só anarquistas mas
também socialistas166. Chegou mesmo a existir em 1904 um acordo secreto entre vários
países para vigiar anarquistas, só o governo francês tinha cerca de 2000 fichas de
anarquistas, sindicalistas e socialistas.167
Os dirigentes sindicais não são chamados a partilhar o governo nos municípios, os
regedores, até na administração de organismos públicos estão apenas os governantes e
os antigos monárquicos, daí que em 1926 não serão perdoados das promessas não
cumpridas, as frustrações eram muitas e o sentimento de traição era grande. Aqui foi a
continuidade de um regime para outro.

163
Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.
81.
164
Foi aproveitado pela Federação Operaria de Lisboa que em Janeiro de 1914 convoca um congresso
nacional in Manuel Joaquim Sousa, Porto, 4ª ed, 1974, p. 96.
165
Dizia João Franco nas suas Cartas d’El-Rei, que D. Carlos lhe tinha pedido que os presos políticos
fossem bem tratados já que “eram criminosos de pensamento e de ocasião.” In João Franco Castello-
Branco, 1924, p. 24.
166
Em 1911 surge uma queixa crime contra João Franco mas a Relação de Lisboa arquiva porque tinha
governado pelo quadro jurídico Constitucional da época.
167
Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o
Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 351.

32
O decreto com força de lei de 8 de outubro de 1910 sobre a extinção congregações
religiosas foi um corte com o passado. A 31 de dezembro, foi regulada a posse pelo
Estado dos bens dessas congregações e o processo para reclamação desses bens 168. Mas
a lei do registo civil foi a que provocou um maior choque já que no final da lei dizia que
alem de ser obrigatória tinha precedência em relação à cerimónia religiosa. É este o pico
dos protestos e a Lei da Separação até vai limar algumas arestas. Proíbem-se os cortejos
fúnebres com símbolos religiosos em espaço público. A ideia que se espalha na
população é a de quererem fechar as igrejas e acabar com a religião no entanto não são
poucos os padres que defendem a República169.
Impõem-se o fim dos hábitos talares170, de procissões na via pública, feriados
civis, os sinos das igrejas deixaram de tocar em muitos locais principalmente urbanos, o
ensino é laico e obrigatório, assim como registo civil, enfermeiras também civis, lei do
divórcio, etc. Ao contrário do que se possa pensar isto não implicou maior tolerância e
justiça, o exemplo vai ser a relação com os operários.
O casamento era perpétuo e indissolúvel171, o divórcio era uma das principais
revindicações da Liga República das Mulheres Portugueses conseguido a 25 de
dezembro de 1910172.
O sufrágio em 1910 era masculino em quase todo o mundo, fica o caso de
Carolina Beatriz Ângelo173 mas teve de ir a tribunal para a recusa do Ministério de
António José de Almeida, foi o juiz João Baptista de Castro, pai de Ana Castro Osório,

168
A 15 de Abril de 1920 o art. 1.º do decreto de n.º 7:447 refere que as propriedades e valores sob
administração da Comissão jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas será apurado o
saldo líquido e a importância convertida em fundos públicos e a 17 de Fevereiro, a portaria n.º 3:092
regula a forma de atribuir e entregar às corporações encarregadas do culto público, os bens do Estado
arrolados e afetos ao culto.
169
Refira-se aqui o Padre Pires Laje em 1916 que no jornal O Rebate de Viseu defende acerrimamente a
República e a entrada de Portugal na guerra tal como os Evolucionistas e Padre Giesteira de Braga que
em 1919 reclama contra o arcebispo por estar contra a República.
170
Dizia-se que os hábitos talares praticamente não existiam a não ser ultimamente como reação clerical
contra os que defendiam a Republica mas como mudança de atitude aconselhavam “a todos os bons
portugueses, deixem os hábitos talares de ser considerados como uniforme de guerra, e possam
novamente ser permitidos por lei, sem inconvenientes de ordem pública e segurança individual” in Diário
do Governo n.º 153 de 3 de Julho, suplemento de 1911 (Instruções de 1 de julho).
171
Casamento como contrato puramente civil (art. 2.º), perante o respetivo oficial do registo civil (art.
3.º), os menores de dezoito anos do sexo masculino e dezasseis anos sendo do feminino não podiam
contrair matrimónio ou os 21 anos de idade se não estivessem emancipados ou sem autorização dos pais
(art. 5.º). Também eram referidos os interditos por demência (art. 4.º) e a proteção dos filhos. O
igualitarismo no casamento estava no entanto muito longe de ser conseguido.
172
Revoga-se o art.º 1185 do Código Civil (decreto lei n.º 1 de 25 de Dezembro de 1910) e equiparam-se
os cônjuges em liberdade e igualdade. Para efeitos de separação de pessoas e bens, o adultério é igual
(decreto-lei de 3 de Setembro de 1910, n.º 1º e 2º do art.º 4º). No entanto os direitos políticos como o
direito de voto continuavam vetados ou proibidos.
173
Era viúva, mãe e médica, logo correspondia às exigências.

33
já que pelo decreto de 5 de Abril de 1911 eram eleitores, todos os portugueses maiores
de 21 anos com residência em território nacional que fossem chefes de família e que
soubessem ler e escrever. Era uma clara diminuição do direito eleitoral em relação à
monarquia mas o decreto de 28 de Março de 1895 que tinha sido inspirado no
pensamento liberal das leis de 23 de Novembro de 1859 e de 8 de maio de 1878 fixou
indicadores da capacidade eleitoral facultando o direito de sufrágio a uma grande massa
de cidadãos, todos os que sabem ler e escrever cuja doutrina foi sancionada pela lei de
21 de Maio de 1896 e mantido pela lei de 26 de Julho de 1899 era um arrependimento,
havia que fazer reparos sobre os inconvenientes de tão larga generalização do direito de
votar que voltou a ser reduzido com a República.
A monarquia em 1895 e 1901 perante o avanço republicano alterou a lei eleitoral
porque entre 1878 e 1895 foi perniciosa para a monarquia, os operários eram um grupo
coeso e com força urbana reivindicativa difícil de controlar e como os país estava
atrasado, a “ignóbil porcaria”, como chamaram os republicanos à lei de Hintze Ribeiro
em 1895 e pela lei de 14 de março de 1901, passam a existir círculos plurinominais
onde procurava diluir-se os votos urbanos (republicanos) com os votos rurais
(monárquicos), o circulo de Lisboa ia até Alenquer ou Torres Vedras, subvertendo o
sufrágio universal mas a verdade é que depois os extintos na República a situação
continuou a ser restritiva e o voto esteve muito longe de ser universal. Em 1913 também
os analfabetos vão ser excluídos do voto, apesar das promessas mas também as
mulheres, os negros e acabam por se manter os círculos plurinominais.174
Os operários foram desde cedo marginalizados o que fez com que tomassem a
consciência de que eram um grupo excluído. Para os anarquistas as eleições só serviam
para os exploradores, desprezavam as leis por consideram injustas, muitas leis
decretadas com pompa e circunstancia nunca foram cumpridas e na verdade muitas das
maiores conquistas melhor sucedidas foram feitas para alterar as leis.
Afonso Costa reconhecia que a lei de 8 de Maio de 1878 dava o direito de voto a
todos os chefes de família que não fossem analfabetos era bastante mais ampla. 175 O
art.º 7º e 15º falava em democracia representativa mas o sufrágio não é universal exclui-

174
Em Lisboa o numero de recenseados em 1913 é metade dos de 1890 ma vai aumentando
consideravelmente de 34 mil em 1890 para cerca de 500 mil em 1925 (com Sidónio Pais chegaram aos
900 mil) mas isto não se reflete no numero de votantes onde a maioria dos lisboetas continuavam
alheados in Maria Filomena Mónica, 1982, p. 1275.
175
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 20.

34
se as mulheres por serem facilmente influenciáveis pela Igreja e os analfabetos que
Afonso Costa achava que não podiam votar conscientemente176.

O “adesivos” foram uma das razões do desgaste dos governos e da dificuldade em


fazer mudanças gerais no regime, já que nos lugares que podiam propiciar o
desenvolvimento económico estavam na mesma elite burguesa.177 São mais
significativos ao nível das câmaras municipais fora das cidades porque nos centros
urbanos existiram grandes mudanças onde se substituíram quadros qualificados por
pessoas com pouca competência que não conseguiram fazer frente às corporações
profissionais mais favorecidas que continuavam na sua essência monárquicos como foi
o caso dos magistrados, diplomatas e docentes universitários. A velha ordem
aristocrática e religiosa apenas foi substituída nos privilégios, a burguesia dominante
continuou a dirigir a política económica em seu proveito, era ela que dominava as
finanças públicas que serviam os interesses com base na exploração da mão de obra
barata e no trabalho de sol a sol na agricultura que existiu até aos anos 50 do séc. XX.
As remessas dos emigrantes adiavam o descalabro.

5 - O direito Operário. Alteração do mundo laboral na transição para a República


Existiam os tribunais para julgar conflitos entre operários e patrões e os tribunais
para julgar conflitos coletivos. Os primeiros que emergem do próprio contrato de
trabalho são compostos em igual número por patrões ou operários, presidido por eles ou
por árbitro, magistrado ou notável que não pertença a nenhum dos lados.
Em 1886 o ministro das Obras Publicas, o conselheiro Thomaz Ribeiro,
apresentou um projeto lei em 31 de maio para a criação de tribunais de árbitros
avindores nos centros industriais que o requeressem.178
Os seus sucessores (conselheiros Emigdio Navarro e Eduardo José Coelho)
renovaram o projeto e convertido em lei por decreto de 14 de agosto de 1889 cuja
comissão formulou os regulamentos aprovados por decreto de 19 março de 1891. Para
os manipuladores de tabaco houve uma comissão diferente pelo art.º 14.º da lei de 23
março de 1891.

176
Paulo Ferreira da Cunha, 2006, p. 358.
177
O Thalassa, periódico monárquico, de 15 de Maio de 1913 pedia aos leitores que enviassem nomes de
comprovados adesivos para serem publicados in Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República.
Um regime entre a legalidade e a Excepção, 1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 96.
178
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 151.

35
Para Neno Vasco179 a arbitragem180 era feita por burgueses com interesses nas
soluções que opunham aos proletários. A lei dava igual número de árbitros aos
operários e ao patronato mas o Estado de forma ardilosa e cínica considerava-se neutral
representante de todos e impunha-se um árbitro de desempate definitivo.181 A
resistência era por isso essencial e o sindicato a melhor forma, mesmo havendo outras
formas de luta era desta que todos dependiam.
Estes tribunais foram criados pela lei de 14 de Agosto de1889 e regulados pelos
decretos de 19 de Março de 1891 que tratam da constituição destes tribunais de árbitros
avindores para litígios laborais entre “patrões” e os seus trabalhadores para receberem
reclamações182 contra os excessos do patronato, procurarem maior equidade e levantar
autos se for caso disso. O decreto de 14 de Abril de 1891 trata do procedimento dos
recursos para o Supremo Tribunal Administrativo. Estes tribunais tinham de ser
requeridos ao governo pelos centros industriais ou pelas corporações administrativas183.
Surge assim este tribunal em Lisboa184, Coimbra185, Covilhã186, Porto187, Lourenço
Marques188, Setúbal189, etc.
O art.º 4.º do decreto de 19 de Março de 1891 não distingue entre operários do
sexo masculino e feminino, no entanto e como refere Adolfo Lima, perante ”o habitual
conservadorismo, senão o reacionarismo, do legislador português, que tresanda em
todos os documentos legislativos, não foi essa a sua intenção.190

O decreto de 21 de Junho de 1883 e o de 30 de Junho de 1884 sobre máquinas e


mais especificamente o decreto de 14 de Abril de 1891 (art. 14.º a 20.º e 27.º a 32.º ) e o
regulamento de 16 Março 1893 (art. 4.º a 10.º). Deste decreto o art.º 15.º e 17.º referia
que os menores devem ser vacinados e revacinados de 7 em 7 anos, fica proibida a
179
Gregório Nazianzeno de Vasconcelos.
180
A arbitragem é um processo de decisão por terceiros a realidade como afirma Monteiro Fernandes a
mediação e a arbitragem são objetos para expor numa vitrina e contemplar, “contam-se pelos dedos das
mãos as arbitragens feitas desde 1974” in António Monteiro Fernandes, Coimbra, p. 54.
181
Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 128, 129.
182
Como acontece com muita legislação, é exaustiva até porque não existiam diplomas substantivos para
remeter, assim podiam receber reclamações sobre, salários, preços, mão de obra, horário, qualidade do
trabalho, abandono do local de trabalho, despedimentos, etc.
183
Art. 1.º da lei de 14 de Abril de 1889.
184
Decreto de 18 de Março de 1893.
185
Decreto de 22 de Julho de 1905.
186
Decreto de 2 de Setembro de 1905.
187
Decreto de 18 de Abril de 1907.
188
Decreto de 25 de Abril de 1907.
189
Decreto de 2 de Novembro de 1907.
190
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 249.

36
manipulação de materiais explosivos, corrosivos, manipulação de substâncias que
produzam poeira, lubrificação, limpeza ou reparação de peças das máquinas em
movimento, esforço físico excessivo, violento, constantes e perigosos.191
Se o acidente provocar incapacidade trabalhar por mais de 2 dias, no prazo de 24h
o proprietário ou gerente deve participar ao administrador do concelho e ao respeitar,
assim como o ministério público deve também participar ao inspetor no mesmo
prazo192.
Quando o inspetor verificar que existe alguma situação que possa dar origem a
uma situação perigosa para os operários deve intimar por escrito o responsável 193. Seja
foco de infeção, de insalubridade, ou práticas contrárias à saúde pública ou à moral
deverá de imediato e por escrito fazer-se acompanhar pelo delegado ou subdelegado de
saúde pública ou médico194. Os inspetores têm por obrigação fazer uma visita anual
ordinária e os extraordinários que sejam necessários devem se justificar levantar autor e
contravenção195.

Os decretos de 19 de Agosto de 1880, de 19 Abril de 1884 e o de 2 de Maio de


1883, são sobre as fábricas e depósitos de pólvora e de dinamite e determinam como se
deve tomar as precauções para evitar acidentes.
O decreto de 24 de Dezembro de 1902 é também sobre explosivos mas mais
pormenorizado e extenso e determina que é à autoridade administrativa que deve ser
participado os sinistros e à Direção Geral do Serviço de Artilharia poderá ordenar uma
vistoria196.197

191
Pelo n.º 2 do art.º 17.º do decreto, existe uma lista anexa ao regulamento de 1893 onde o trabalho de
menores é proibido ou possível com limitações (art. 4.º do regulamento, a tabela n.º 1 com 108 industrias
onde o trabalho de menores é proibido e o art. 8.º apresenta uma tabela (n.º 2) com 48 industrias em que o
trabalho é consentido mas com limitações). São ainda indicados os resguardos das rodas e engrenagens
dos motores mecânicos. O mesmo para poços, escadas, etc. pelo art. 18.º.
192
Art. 19.º
193
Art. 20.º
194
Art. 28.º
195
Art. 36.º
196
Art. 285.º n.º 6.
197
O art.º 121.º tratava dos explosivos mas as pólvoras ordinárias não eram consideradas explosivos
propriamente ditos e podiam empregar-se sem licença. As licenças de foguetes, pólvoras, rastilhos e
cloretos eram concedidos pelos governadores civis, assim como regulavam os depósitos de enxofre,
carboneto e gasolina e como tal eram regulados pela lei de 29 de Maio de 1902 e pelo regulamento de 24
de Dezembro de 1904.

37
O decreto de 6 de Março de 1884198, de 16 de Abril de 1892 e a portaria de 17 de
Agosto de 1889 sobre pedreiras, saibreiras, caleiras e barreiras refere que a falta de
aviso ao administrador do concelho era punida com a suspensão dos trabalhos além de
outras penalidades.
Em Portugal a legislação era a da responsabilidade profissional onde pelo Código
Civil “empreendedores ou executores […] serão responsáveis não só pelos danos ou
prejuízos causados à propriedade alheia mas também pelos acidentes que, por culpa sua
ou de agentes seus […] procedam de factos, quer de admissão…”.199
A teoria da responsabilidade civil vai alterar-se com a lei n.º 83 de 24 Julho de
1913200, que aprova a responsabilidade patronal pelo acidente de trabalho mas era
omissa no pagamento e indemnização.
A legislação operária é uma doutrina simplista, não tem em consideração a
complexidade dos fenómenos sociais e como eles se relacionam.201 O operário é
produtor mas também é consumidor e como tal as conquistas ganhas pelo operariado
acabarão por ser recuperadas pelos patrões quer seja no comércio ou outras vendas, ou
seja quando se afirma que é à conta do industrial que se faz a legislação social são como
afirma Adolfo Lima, “uma ficção e quem vem em última analise a paga-los […] são os
próprios operários. Belo benefício este não haja duvida!”, defendia por isso que a
legislação era um “verdadeiro bluff”, não dava qualquer garantia ao operário, “ignóbil
farsa é essa patacoada dos programas mínimos […] com quem os grandes politicões,
habilidosos e manhosos, que por aí pululam […] a engordar o povo crédulo e simples e
a quem, à semelhança do cão esfaimado a que se atirava um osso sem carne para
entreter a fome, ele atiravam de onde em onde, dois ou três textos de leis confusas para

198
Referia no art.º 9.º Para maior segurança as pedreiras devem ser cortadas em degraus e as terras formar
taludes inclinados. O art.º 21.º e 27.º Os engenheiros e auxiliares devem corrigir e indicar o que deve ser
melhorado para evitar acidentes nas minas quer na segurança quer na salubridade. Art.º 23.º As
autoridades administrativas não devem consentir que aos menores de 12 anos trabalham em pedreiras
subterrâneas.
199
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 289.
200
A lei de 24 de Julho de 1913 sobre desastres de trabalho, tratava a responsabilidade por acidentes de
trabalho tendo em conta o risco profissional, no n.º 10.º do art.º 1.º diz que têm direito a assistência
clínica, medicamentosa e indemnização consignada nos art.º 5.º e 6.º os que sejam vítimas de acidentes de
trabalho sucedidos ao serviço profissional e em virtude desse serviço. As indemnizações e encargos eram
pelo art.º 3.º da responsabilidade do Estado e corporações administrativas, as empresas e os “patrões” que
exploram essas indústrias.
201
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 314.

38
que se entretenha na sua interpretação” e para coroar esta “aleivosa e desleal legislação”
criaram-se simulacros de conferências internacionais.202
A jurisprudência do tribunal de árbitros dizia que “o operário não é responsável
pela deterioração devida ao uso normal das ferramentas" e tem a obrigação de trabalhar
com desvelo, bons costumes, não prejudicar, não se ausentar sem licença, cuidar do
equipamento, etc.203/204
Os regulamentos produzidos pelos árbitros não eram frequentes mas existiam e
para Adolfo Lima eram “perniciosos, ou, pelo menos, como inúteis” porque se o
operário se sujeita à arbitragem é porque não consegue impor as suas justas
revindicações ao patrões, estes fingem ceder porque sabem que os tais árbitros são
sempre burgueses e nunca da classe trabalhadora. Assim os patrões conseguem sempre
o que querem e embora acabem por dizer que foram vencidos “os regulamentos
emanadores dos árbitros, são sempre de pouco dura, de quase nenhuma consistência”.205
Parece ter razão Lima, já que era ideia os árbitros apenas adiavam a questão e
passado algum tempo voltava tudo à mesma situação. Vendo-se sempre na mesma ou
em pior condenação parecia obvio que os conflitos rebentassem e com piores
repercussões, cada vez havia um pedido ou uma revindicação, os patrões vendo da
inconsistência da justiça, organizavam melhor a sua defesa e a possibilidade de vitória
operária nos tribunais era menor206. A arbitragem parecia só servir para alimentar a
vaidade daqueles que costumam intervir neles, vivendo à custa da luta de classes afirma
Adolfo Lima.207

202
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 314-315.
203
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 344-345.
204
A tolerância era de 30 minutos, três vezes por semana ou perderá o direito ao trabalho. O horário será
de 1 de Abril a 30 de Setembro de 10 horas e de 1 de Outubro a 31 de Março de 9h. Os soldadores
entravam às 6h da manhã e saíam às 9h da noite com 1h de almoço e 2h de jantar, terminando o trabalho
ao por do sol e de Novembro a Fevereiro será das 7.30h às 9h da noite com 1h de almoço e de jantar. In
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 347.
205
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 348.
206
Adolpho Lima refere o caso dos operários soldadores das fábricas de conservas de Setúbal com a
“infame” cláusula da “caução de 10$000 réis, que só um cérebro matoide sanguinário poderia ter o
atrevimento de colocar num regulamento de oficina”. O resultado foi uma luta violenta e direta que
resultou na vitória dos operários e a cláusula desapareceu. O mesmo aconteceu com a greve dos operários
tecelões da Covilhã em 1907 que depois de ter sido resolvido pelo árbitro não demorou muito tempo a
que rebentar de novo in Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga
Casa Bertrand, Lisboa, 1909, p. 349.
207
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 349.

39
Mais frequentes eram os regulamentos dos patrões, ainda com maior abuso, sem
consciência, mais dispersos e “para muitos os regulamentos de oficina constituem o
próprio contrato do trabalho208 “ e o operário ao saber delas aceita tacitamente como
fazendo parte do contrato e como tal tem de o cumprir, resta-lhe apenas a questão do
salário que na maioria dos casos não tem discussão.”209
Os regulamentos de oficina apenas tinham como fim o patrão defender-se da
responsabilidade pelos acidentes de trabalho e não são termos de um contrato que
podem variar, ou seja, os regulamentos de oficina eram isso mesmo apenas
regulamentos e não contratos.
A maioria dos patrões defendia que desde que o operário tivesse conhecimento
das cláusulas do regulamento este devia ter caráter obrigatório mas a realidade era a de
que os operários eram em larga maioria analfabetos e mesmo que soubessem ler não
entendiam o ser alcance nem as armadilhas das cláusulas devido à falta de
sindicalização e de lhes pode-se esclarecer. Neste regulamento o patrão costumava
estabelecer multas, sanções, castigos210, trata o operário como coisa, o seu trabalho é
sugado ao máximo a tirania de um soma-se a do estado, pior porque não se modifica a
não ser de um soma-se a do Estado, pior porque não se modifica a não ser pela força dos
protestos. O Código Civil de 1867 demonstrava muito pouca preocupação com o
trabalhador, talvez um pouco mais no serviço doméstico e na aprendizagem mas eram
mais no sentido de defender o contratrador onde o ambiente social era caraterizado por
castigos moralmente aceites tal como no tempo da escravatura, o serviçal tinha de
“obedecer ao amo em tudo o que não fosse ilícito ou contrário às condições do
contrato”.211
Muitos regulamentos são mal redigidos, confusos gramaticalmente e ao nível das
ideias e interpretações que faziam da lei, revelam ignorância e até má fé como acontecia
com as jovens costureiras com salários miseráveis ainda sofriam represálias e multas,

208
Para Monteiro Fernandes a primeira lei sobre o contrato de trabalho surge em 1937, sob o regime de
Salazar, estava indicado o conceito de férias pagas que tinha surgido em França apenas um ano antes in
António Monteiro Fernandes, Coimbra, p. 153.
209
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 350.
210
O ambiente era severo até ao nível institucional já que foi necessário esperar pelo decreto de 21 de
Março de 1895 para se abolirem os castigos físicos e humilhações na armada e em todos os serviços
dependentes do ministério e ultramar por serem anacrónicos e ser necessário dar melhores condições ao
exercício militar.
211
Cf. Ana Margarida Seixas, Lisboa, 2012, p. 743.

40
sofrendo um horário e trabalho escravo e ao menor pretexto eram despedidas porque
logo havia quem as substitui-se.
Pobre daquele que fosse visto a tirar apontamentos do regulamento que servia
para benefício do patrão. Pior para aqueles que tinham a ousadia de criticar era logo
despedido. A teoria era a de quem manda é patrão e se não está contente vai para a rua.
Quase todos os regulamentos tinham penalidades e castigos pecuniários. As
multas eram defendidas, “não admira num país, por consequência, de impostos de toda
a casta de contribuições, sempre corretos e aumentados, de lotarias e de rifas, não é para
estranhar que as multas nos regulamentos sejam defendidos e proclamados como uma
verdadeira instituição indispensável à engrenagem burguesa, destinada a espremer o
operário até à sua substância!”212/213
Os regulamento estavam assim condenados a ser um foco de instabilidade, desde
a sua origem já que não eram fruto de um entendimento entre o patrão e o operário, não
derivavam da própria natureza do trabalho mas da arbitrariedade autoritária de um
explorador do trabalho de alguém numa situação social sem poder de escolha na miséria
total214/215e se tivesse a possibilidade de mudar de trabalho logo outro patrão surgia com
iguais clausulas prepotentes e qual escravo sem solução.216
A ideia era a de dar igualdade proteger o trabalhador contra o patrão para mas
Adolfo Lima dizia que era enganador porque o trabalhador ficava preso a um contrato o

212
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 354.
213
Os desconhecimentos dos mais básicos princípios jurídicos eram comuns, por exemplo, o caso de um
“benquisto comerciante” de Lisboa que obrigava os seus empregados à seguinte declaração: “Declaro que
me conformo com todas as disposições deste regulamento, que diligenciarei cumprir escrupulosamente,
assim como tudo mais que os meus deveres me obrigarem, não tendo direito nenhum a reclamação, seja
de que espécie for, quando os Srs. F…&C.ª, entendam dever-me despedir por sua conveniência bem
como reservo para mim igual direito de deixar a casa quando entenda, sem que os mesmos srs. F…& C.ª
possam exigir de mim qualquer indemnização, pagando-me só até ao dia em que for despedido ou me
despedir”. In Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand,
Lisboa, 1909, p. 355. Isto era claramente legal e ia contra o que era defendido no código comercial mas a
ignorância e a miséria dos empregados eram uma vantagem para o patrão.
214
Contava-se a história da vida de Joaquina Rosa numa situação de desespero e profunda miséria tentou
assassinar os filhos menores in Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o
Anarquismo e o Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 98.
215
Era comum pensar alem Pirineus que se pede trabalho mas para cá, pede-se esmola, “aqui o piolho é
um símbolo, uma bandeira o farrapo e um sistema de governo a mendicancia.” In Fialho de Almeida,
Lisboa, 1920, p. 38.
216
O art.º 4.º da Lei de 14 de Agosto de 1889 não permitia a liberdade do despedimento a gosto do patrão.

41
do qual só se pode libertar decorrido um determinado tempo mesmo que tenha logo
reconhecido ter sido enganado.217
A lei n.º 4 de 16 de Março de 1916 criou o Ministério do Trabalho e pelo art.º 3.º
competia à Direção Geral do Trabalho a fiscalização da execução das leis e
regulamentos sobre o trabalho.218
Perante as graves movimentações, os políticos foram obrigados a ver a situação
miserável em que vivia o operariado. A legislação que vai surgindo é o espelho da
sociedade da época, dos protestos e de recearem os seus privilégios em perigo. Por isso
as leis operárias219 que vão surgindo não são uma oferta benemérita voluntaria mas
apenas fragmentos, leis parciais cuja burguesia vai sendo forçada a ceder ao operário
algumas leis que os protegem da exploração desenfreada do patronado ávido de lucro e
mesmo nas cidades a falta de géneros alimentícios fazem com que a burguesia urbana se
junte ao operariado nos protestos.

6 - A legislação internacional em Portugal


Apesar de Portugal tender para uma maior preocupação pela mulher e pelo menor
a verdade é que tinha ainda uma legislação muito rudimentar tal como a Grécia e
Roménia. Não quer isto dizer que Portugal estivesse muito atrasado do resto da Europa.
Por exemplo o dia de trabalho do homem adulto raramente estava fixado ao contrário
das mulheres e dos menores, mesmo assim a idade dos menores e a duração do dia de
trabalho variava bastante. A desculpa era a de em virtude da fragilidade da mulher e da
incapacidade do menor necessitavam de maior proteção.
Em França as primeiras leis do trabalho surgem em 1806 para a construção civil,
1813 para a idade dos 10 anos para o trabalho nas minas, 1814 para o descanso e 1841

217
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 209.
218
Higiene, salubridade e segurança dos lugares de trabalho; tribunais de árbitros avindores; agências de
colocação; provas de geradores e motores; instalações de oficinas, máquinas operatórias e iça-cargas;
inquéritos; estatística; boletim do trabalho; estudos de legislação operária; estudos sobre indústrias
especiais e sobre as condições do trabalho na indústria caseira; congressos; relações com instituições
estrangeiras, expediente do Conselho Superior do Trabalho, etc. in Boletim da Previdência Social,
Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa,
1916-1917, p. 66.
219
As leis operárias nas vésperas da República abrangem: Leis protetoras do operário - menores,
mulheres e homens; higiene, ventilação, vestuário; acidentes trabalho; risco profissional; seguros.
Contrato de trabalho – menores, mulheres e homens; salário mínimo, dia máximo de trabalho, descanso,
pagamento, caderneta operária; acordos coletivos, agências de colocação. Associações operárias –
sindicatos, bolsas de trabalho, confederação de trabalho, escolas profissionais, caixas económicas;
habitação operária; cooperativas. Conflitos – tribunais especiais; conciliação; arbitragem facultativa e
obrigatória.

42
que limita o dia de trabalho. Na Alemanha a mais antiga é a lei prussiana de 1839 que
limita o dia de trabalho para os menores. A Inglaterra em 1802 publicou as leis que
regulavam as condições de trabalho.220
A França limita a duração e a idade mínima de trabalho (1841), a Inglaterra cria
uma lei sobre higiene e segurança (1833), surge a revolta da Comuna de Paris221 (1871),
as manifestações de Chicago pelas 8h de trabalho (1886), os sindicatos vão-se
fortalecendo em vários países, todos eles e muitos outros foram importantes
acontecimentos que aceleraram a mudança no Direito do Trabalho que vai revelando as
alterações no ordenamento jurídico.
Só com o fim da I Guerra222 em 1918, surge a OIT organização de que Portugal é
membro fundador, surge como parte integrante do Tratado de Versalhes e da
necessidade de assegurar a justiça social de modo a defender a paz, são aprovadas a
nível internacional várias convenções laborais de proteção ao trabalho. O radicalismo
anarquista vai perdendo terreno e militantes desde a formação do PCP223 em 1921 mas a
maioria da CGT em Portugal até ao Estado Novos sempre se manteve ao lado da
Internacional Anarquista até ao Estado Novo.

A 27 de Julho de 1912 é publicado um decreto que cria em Lisboa a Agencia


Oficial de Trabalho que vinha no seguimento de algo que já existia desde 1893. Muita
destas ideias ainda hoje são atuais e recorrentemente atualizadas, como a da recolha,
organização e publicidade das ofertas de trabalho, respeitando o sigilo e a privacidade.
No entanto a lei 111 de 17 de Fevereiro de 1914 parece mostrar que a agência não
funcionava, daí ter-se formado as Bolsas de Trabalho. Já na monarquia existiam os
tribunais de árbitros avindores com representantes dos patrões e operários.224

220
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 223.
221
Como refere Santos Monteiro com os acontecimentos da Comuna de Paris nota-se um cunho socialista
nas publicações operárias, nomeadamente nas do Centro Promotor, onde passa a existir uma maior
coerência de pensamento que se afasta de posições contraditórias e ate confusas anteriores e representa o
inicio de uma nova fase no movimento operário em Portugal onde se fazem notar influências da
internacional in José Monteiro Santos, 1980, p. 93.
222
Uma guerra que custou a vida a cerca de 12 milhões de militares e 20 milhões de civis e que assistiu a
violações, sadismo, fome e milhares de deslocados em miséria extrema, doentes e mutilados, tinha de
alterar a mentalidade da usura provocada pela crise americana.
223
Já se tinha notado com a formação da Federação Maximalista Portuguesa e o seu jornal “Bandeira
Vermelha” afetos a Moscovo. Em 1924 os arsenalistas da Marinha partidários da I.S.V. (Internacional
Sindical Vermelha).
224
Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, p. 106.

43
Ministério do trabalho225 e previdência social foi criado em 16 de Março de 1916
com a lei n.º 494 e sob esta designação teve nove anos de funcionamento é extinto pelo
decreto n.º 11267 de 25 de Novembro de 1925 o que implicou que todas as instituições
deste ministério voltassem ao Ministério do Interior. O Ministério das Obras Publicas e
Comercio e Industria muda de nome para Ministério do Fomento (decreto 8 de Outubro
de 1910).
A 10 de Maio de 1919 o grande conjunto de importantes diplomas desde o seguro
social obrigatório na doença (decreto n.º 5:636). Seguro obrigatório nos desastres de
trabalho em todas as profissões (decreto n.º 5:637)226. Seguros contra a invalidez,
velhice e sobrevivência (decreto n.º 5:638). Organização das bolsas sociais de trabalho
(decreto n.º 5:639)227. Cria e organiza o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de
Previdência Geral (decreto n.º 5:640).
O decreto 5:640 Instituto dos Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Geral
começou a funcionar a 24 de Maio de 1919 mas com muitos obstáculos pelas entidades
patronais como por ex não designarem os seus representantes nas comissões e das 235
comissões de mutualidades do seguro e doença só 4 funcionara em 1927. Só nos
seguros de desastres de trabalho parece ter existido algum sucesso e como não existia
código do trabalho nomeou-se uma comissão para coordenar todos os diplomas e
medidas legais. Em 1913 existiam apenas 3 tribunais de acidentes de trabalho mas em
1921 eram 18 tribunais (não abrangiam trabalhos agrícolas).

A influência estrangeira chegava tarde mas foi aproveitada e desenvolvida através


de congressos e conferências228 da legislação internacional do trabalho tinha por base a
melhoria das condições de trabalho.229

225
Direção geral do trabalho e Previdência Social e subsistências, Inspeção Geral e da Previdência Social
e o Conselho Superior da Previdência Social o que implica o alargamento dos serviços de assistência e
incluindo socorros mútuos, os seguros sociais, caixas económicas e de previdência social e as
cooperativas.
226
Tinha como objetivo “sólidos fundamentos em que tem de assentar o novo estado social…”
227
Bolsas de trabalho “serão os modernos templos do direito e da educação das populações ativas, para as
orientar, instruir e guiar…”
228
1890 – Conferência internacional de Berlim teve pouco resultado pratico mas foi uma tentativa para
regular o trabalho dos menores, mulheres e trabalho nas minas.
1897 – Congresso internacional de legislação do trabalho de Bruxelas e o Congresso Internacional para a
proteção operária de Zurique, mas foram contraditórias já que um proclama a necessidade de uma
regulamentação internacional do trabalho e o segundo a sua impossibilidade.
1900 – Em Paris, congresso internacional para a protecção legal aos trabalhadores deu origem à fundação
da Associação internacional para a protecção aos trabalhadores. Neste ano dá-se a exposição Universal de
Paris é criado nessa cidade o Congresso Anarquista que foi impedido de se realizar pelas autoridades e foi
por isso promovido o I Congresso Internacional Neomalthusiano que lançou as bases da Federação

44
Para J. Andrade Silva a dificuldade para uma legislação internacional 230 são a
diferente produtividade, preços dos produtos entre países, dificuldade em evitar as
fraudes e a dificuldade de estabelecer sanções para os Estados que não cumprissem as
cláusulas estipuladas.231

7 - Salários e contrato de trabalho

O Papa Leão XIII na encíclica De conditione opificum considerava o salário


mínimo um dever moral do patrão.232 Gonçalves defendia que o Estado não devia fixar
o máximo nem o mínimo salário mas deviam ser decretadas outras medidas que
protejam o operário tal como se protege o soldo dos militares e os ordenados dos
funcionários mas não referem outros trabalhadores como operários, criados de servir,
caixeiros, etc.233/234

Internacional da Regeneração Humana, a ideia resumia-se a “bom nascimento, boa educação e boa
organização social” (Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o
Anarquismo e o Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 99).
1905-1906 – Conferências internacionais de Berlim e de Genebra foram os primeiros a regular
internacionalmente sobre o trabalho noturno das mulheres e substâncias tóxicas
229
Regulamentação das horas de trabalho, estabelecimento da duração máxima para o dia e semana de
trabalho; Regulamentação de mão e obra disponível; Supressão do inlabor; Regulamentação dos salários;
Proteção aos trabalhadores contra a doença e os acidentes de trabalho; Proteção aos menores e às
mulheres; Medidas de previdência para a velhice e invalidez; Proteção dos interesses dos trabalhadores
estrangeiros; Reconhecimento da liberdade de associação; Organização da educação técnica.
230
Apesar de não ser vinculativa é ratificado pela OIT conforme o Tratado de Versalhes de 28 de Junho
de 1919 do Tratado de Saint-Germain de 10 de Setembro de 1919.
Art.º 3.º As mulheres de qualquer idade não poderão empregar-se durante a noite em nenhum
estabelecimento industrial publico ou privado excepto naqueles em que só estejam empregados membros
de uma mesma família.
Art.º 4.º referia que o artigo 3.º não se aplicava em caso de força maior de uma situação imprevista ou do
risco da perda inevitável da matéria prima ou do trabalho não poderem continuar.
Art.º 7.º Nos países com clima que tornem o trabalho diurno penoso pode o período da noite ser mais
curto desde que de dia se torne um repouso compensador.
231
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º
21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 289.
232
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 116.
233
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 116-117.
234
Os valores dos salários por concelho eram proporcionais aos valores do custo médio dos alimentos e
os valores podiam ser melhores não fosse o imposto sobre o consumo. In Boletim do Trabalho Industrial,
Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 44, Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 32-33.
Mas segundo Simão de Martel quando tiramos conclusões sobre a carestia dos alimentos em 1909
notamos que: O português é o que se alimenta pior, ingere menos quantidade de alimentos e de forma
pouco racional. Não era em Lisboa que a alimentação era mais cara, já que vários produtos eram mas
caros em Évora. Era exigida a organização dos agricultores em sindicatos e cooperativas de produção e
consumo, arroteamento de terrenos incultos. Supressão do imposto de consumo e rigorosa fiscalização no
comércio a retalho para atacar a fraude. Que se auxiliem as cooperativas para ajudar a regular os preços
do mercado livre sem a qual a supressão do imposto de consumo nada beneficiaria as classes mais pobres.

45
Contrato
O “serviço salariado” (antecedente do contrato de trabalho) no código de
Seabra235 assenta na pertença igualdade entre as partes, não se notava uma clara
diferença com o contrato de prestação de serviço. Outras modalidades como o serviço
doméstico236 e aprendizagem237 eram outras modalidades do contrato.238 No entanto
Ulrich reparou que isto colocava o salariado numa posição subalterna impedindo de
negociar ao mesmo nível porque se declara que está sujeito “às ordens e direção do
patrão”239, é obvio que o trabalhador deve fazer o seu trabalho bem feito mas o “bom” é
aqui subjetivo e cabe aos tribunais decidir.

Substitui-se a referência “é obrigado a obedecer ao seu amo” por “é obrigado a


prestar o trabalho a que se propôs, conforme as ordens e direção da pessoa servida” é
notório o atenuar da anterior visão conservadora e a aproximação ao atual Código
Civil240.
O contrato de serviço doméstico, Ulrich reconhece a forma “anacrónica, absurda e
profundamente injusta. É a que manda decidir por juramento do amo as ações relativas a
soldas devidas e não pagas” e que reconhece o autor citado que tal situação já não existe
na maioria das legislações estrangeiras.241/242 Ulrich defende que cada operário deveria

In Eng. Simão de Martel, “A alimentação das classes pobres e a sua relação com o trabalho”, Boletim do
Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e Industria, n.º 44,
Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 35.
235
Art. 1391.º “Serviço salariado é o que presta qualquer individuo a outro, dia a dia, ou hora por hora,
mediante certa retribuição relativa a cada dia ou a cada hora, que se chama salário.” Citado de Ana
Margarida Seixas, Lisboa, 2012, p. 747.
236
Serviço doméstico – art.º 1370º do Código Civil era “o que é prestado temporariamente a qualquer
indivíduo por outro, que com ele conviva, mediante retribuição” a lei falava em “amo” e “serviçal” mas
não se pense que se falava apenas de serviços domiciliares mas também nos trabalhos agrícolas que
praticamente se estenderam até aos dias hoje.
237
Aprendizagem – art.º 1424º do Código Civil “chama-se contrato de prestação de serviço de ensino, ou
contrato de aprendizagem, aquele que surge entre maiores e menores devidamente autorizados, pelo qual
uma das partes se obriga a ensinar à outra uma indústria ou ofício.” Era algo que de modo camuflado se
estendeu quase até aos nossos dias como forma de justificar o trabalho infantil.
238
José João Abrantes, Lisboa, 1995, p. 27.
239
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 138.
240
“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição, a prestar atividade
intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta” art. 1152.º Código Civil.
241
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 128.
242
O regulamento para criados e criadas de servir de 1885, apenas protegia os patrões dos abusos de
confiança, deviam estar registados na polícia onde obviamente um livrete com os regulamentos, ter mais
de 21 anos, desde que não emancipados (art.º 9º) ou mulher casada com autorização do marido (art.º 10º),
tinham de dar conhecimento ao patrão do domicilio (art.º 12º), da falsificação do livrete (art.º 21º)
implicava multa ou prisão9 (art.º 23 e 24º), deviam andar sempre acompanhados pelo livrete (art.º 22) in
Regulamento para Cridos e Criadas de servir, Lisboa, [s.e.], 1885.

46
ter uma cópia do contrato e este não devia ser apenas afixado e era importante que nos
regulamentos colaborassem também os operários “para evitar atritos entre patrões e
operários”.243 Não existiam contratos para a vida244, o despedimento arbitrário e
malévolo não deve dar lugar à indemnização por perdas e danos porque o Código não
havia disposições sobre o assunto a não ser o despedimento antes do prazo.245 Por isso
defendia que o despedimento deve ser precedido do aviso prévio que na legislação
estrangeira é fixado em 15 dias.246
Para a lei o operário é aquele que trabalha sob a direção de outrem, é
assalariado247 e remunerado dia a dia ou hora a hora248 mas surge aqui o dilema entre o
contrato individual e o coletivo. Para Ulrich “contrato individual é a negação da
solidariedade e da previdência, tão características das sociedades civilizadas”.249 O
contrato individual gera concorrência e miséria. A superioridade do patrão aqui é
manifesta devido ao excesso de mão-de-obra enquanto “o contrato coletivo é igual para
todos”250 e sendo os operários interessados em não prejudicar a empresa até porque os
seus chefes sindicais muitas vezes conhecem a realidade do mercado, é graças a eles
que se conseguem melhorias nas condições de trabalho, de higiene e de segurança, estes
contratos já eram comuns na América e em parte da Europa e, como afirmava Ulrich,
ninguém as contestava.251

8 - Acidentes de trabalho e a importância dos seguros


Foi uma importante conquista que criava a responsabilidade do empregador pelos
riscos profissionais. Os trabalhadores tinham direito à assistência médica,
medicamentosa e indemnizações em 1913 com Afonso Costa, devidos aos acidentes
durante o trabalho ou em virtude deste, fosse ela uma lesão externa, intoxicação ou até
psíquica e nervosa, podendo o risco da obrigação ficar a cargo das seguradoras ou de
sociedades mútuas252. Existiam seguros mas se estes não existissem não havia qualquer

243
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 135.
244
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 142.
245
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 144.
246
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 145.
247
Serviço salariado – art 1391 do Código Civil “o que presta qualquer individuo a outro, dia por dia, ou
hora por hora, mediante certa retribuição, relativa a cada dia ou a cada hora, que se chama salário” era
esta a base do trabalho operário ou da agricultura.
248
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 127.
249
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 449.
250
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 449.
251
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 450
252
Lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913, art.º 1.º

47
garantia de pagamento por parte dos patrões. Só em 1919 sob o ministério de Domingos
Pereira e do ministro Jorge Vasconcelos Nunes, é que o Decreto nº 5637, de 10 de
Maio, torna obrigatório este seguro em todas as profissões253.
O cônjuge sobrevivo tinha direito a uma pensão anual de 20% da retribuição anual
em caso de morte do acidentado até voltar a casar onde receberia o triplo da pensão
anual por inteiro. O mesmo para os filhos fossem ou não legítimos e perfilhados com
menos de 14 anos, tinham direito de 15 a 40% conforme o n.º de filhos254. Dependendo
do grau de incapacidade assim a vitima receberia uma determinada quantia.255

A maior parte dos acidentes graves não estava diretamente relacionada com o
aumento da difusão das máquinas. A fiação e a tecelagem produziam menos acidentes
que a produção florestal. A maioria dos acidentes era provocada pela água e pelo fogo
(74%), seguidos, entre outros, dos aparelhos a vapor, materiais em fusão e gases
tóxicos, explosivos.256
Na portaria de 23 de Dezembro de 1907 é defendida a providência para que sejam
observadas as disposições relativas à proteção dos operários onde existem engenhos
movidos a vapor e eletricidade. Era reconhecido pela fiscalização do trabalho que não
havia o devido cuidado em proteger com “resguardos os alçapões, escadas e passadiços,
as cavidades em que giram volantes, rodas e tambores […] correias ou cabos de
transmissão […] que já era determinado pelo art. 18.º do decreto de 14 de Abril de 1891
e tinha de ficar registado nos livros de regime (art. 30.º) e que os proprietários eram
obrigados (art. 29.º) e muitos acidentes podiam ser evitados. Assim fica determinado
que face aos acidentes fica o engenheiro responsável pela participação ao poder judicial.
Com o decreto de 23 de Outubro de 1909 ficou aprovado o novo regulamento para
o serviço de inspeção e vigilância para a segurança dos operários da construção civil de
modo a harmonizar os serviços, já que existiam varias representações de sociedades e
corporações relativos a este tipo de serviço.
Com o aumento da mecanização no trabalho os acidentes foram sendo mais
graves podiam afetar vários operários num só acontecimento. Ulrich refere que havia
muitos que defendiam que deveria ser o próprio indivíduo a responder pelos seus

253
Este Decreto já vinha do ministro Augusto Dias da Silva que tinha saído a 6 de Maio.
254
Lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913, art.º 5º
255
Lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913, art.º 6º
256
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 143.

48
próprios atos257 mas reconhecia que existia a habituação do operário ao perigo diário de
muitas horas que com o cansaço o tornavam muitas vezes imprevidente258.
Se os acidentes não tivessem testemunhas era muito difícil provar e se fossem os
próprios operários a denunciar existia sempre o receio de despedimento como forma de
retaliação259 o que era muito fácil face à impunidade que se vivia daí serem comuns os
depoimentos falsos ou pouco sinceros.
A isto podem-se juntar as despesas, o complicado entendimento para um
analfabeto torna uma ação judicial de alcance quase impossível, já para não dizer muitas
vezes não havia direito a reparação.
Os tribunais tentaram suavizar estes absurdos mesmo “com a quebra do seu
habitual rigor jurídico, facilitavam de tal modo a exibição da prova […] mas este
procedimento não era seguido por todos os tribunais, donde resultava uma profunda
desigualdade entre a situação dos operários…”.260 Mas como distinguir uma culpa261
leve de uma culpa grave? Ulrich reforça a ideia de que o operário está subordinado ao
patrão logo é a este que cabe o ónus da responsabilidade, é a ele que cabem os lucros do
trabalho.262
Os acidentes de trabalho estavam até 1910 regulados apenas pelo Código Civil.
Era obrigatória a sua comunicação mas a responsabilidade do patrão era só no caso de
ser provada a culpa ou negligencia, o que era muito difícil de provar por ser algo que
dependia do grau de sensibilidade do patrão para os problemas dos trabalhadores e uma
vez acaba a indemnização a situação tornava-se extremamente angustiante. O decreto
n.º 5637 de 7 de Março de 1919 que dizia que “as indemnizações pelos desastres de
trabalho em Portugal eram apenas uma platónica disposição do Código Civil”. Sobre as
doenças profissionais nada era previsto na lei.263
A lei n.º 83 de julho de 1913 prevê o direito à assistência clínica, medicamentosa
e indemnização às vítimas dos acidentes de trabalho. Foi uma das melhores leis da
Republica já que na Europa era ainda corrente a teoria do risco profissional.

257
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 226.
258
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 250
259
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 226.
260
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 230.
261
O Código Civil fundava na culpa a responsabilidade do patrão pelos acidentes de trabalho, era
reconhecido como antiquado mas em vigor na altura.
262
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 247.
263
Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, p. 144.

49
O decreto 5:636 de 7 de Maio 1919 – obriga ao seguro social na doença para
cidadãos entre os 15 e os 75 anos com rendimento inferior a 900$00/ano e tinha de se
inscrever como sócios. Tinham acesso gratuito a consultas e medicamentos prescritos
que se estendiam a mulheres e filhos menores de 14 anos e outros dependentes a cargo
(ao fim de 3 meses) e ao fim de 6 meses o sócio tinha direito a subsidio na doença para
banhos e para uso de ares do campo. Ao fim de 2 anos tinha subsídio de funeral. As
grávidas tinham direito a hospitalização e socorro médico, medicamentos e subsídios ao
fim de 2 meses. Indigentes, idosos e doentes mentais podiam ser alvo de acordos de
mutualidade caso não estivessem abrangidos pelo seguro.264
Por os acidentes serem habituais assim como os seus efeitos e a probabilidade
com que acontecem poderem ser mensurados e previstos é que Ulrich defendia que o
seguro devia estar a cargo dos patrões, como afirmava Villela, era mais perfeito para
lutar contra o infortúnio do trabalho.265
No entanto o seguro obrigatório era ainda considerado por muitos como inútil
porque o operário podia escolher pelo aumento no salário ou ficava sem a liberdade de
escolher outro emprego, com o seguro os processos judiciais não diminuíram e fazem
perder a noção de responsabilidade sendo “um verdadeiro premio à incúria e ao
desleixo”. Ulrich respondia que se é o patrão que escolhe o seguro irá escolher o mais
barato.266
O seguro de acidentes “desastres de trabalho”267 só era obrigatório para as pessoas
sujeitos ao risco profissional ficando assim de fora a maior parte das profissões. A lei
portuguesa permitia ao “patrão” assumir a responsabilidade contra todos os riscos
profissionais. O decreto 5637 de 19 Maio de 1919268 sobre o seguro social obrigatório269

264
David Pereira, 1997, p. 68.
265
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 257.
266
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 258.
267
Decreto n.º 4:288 de 9 de Março de 1918 como a legislação sobre “desastres” de trabalho estava
dispersa havia que juntar não só para atender aos riscos e proporcionar uma justa e assistência, juntar
dados estatísticos, conhecer como se deram os acidentes e como a lei é cumprida, participado e
fiscalizado.
268
No seu art.º 1.º declara que o seguro obrigatório pelo risco profissional abrange todos os indivíduos ao
serviço de um patrão, ou seja, todo o trabalho por conta de outrem (serviço doméstico, salariado e
aprendizagem) sem distinção da sua natureza. O art.º 7.º refere que devem ser organizados cadastros
patronais e dos assalariados empregados e serviçais em cada concelho. O seguro é assim para todos os
que exercem uma profissão, sejam eles rurais ou criados de servir.
269
Aos trabalhadores eram distribuídas cadernetas de inscrição do seguro social obrigatório contra os
“desastres” de trabalho conforme o modelo publicado no Diário do Governo.

50
garante a reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho que são protegidos
pelo risco profissional a todos os trabalhadores sem excepção270.
O empregador pode no entanto assumir a responsabilidade direta fazendo um
seguro de conta própria, onde a reparação é garantida mas pode não ser suficiente e
pode fazer com que onde os acidentes são mais frequentes o capital da empresa possa
ser absorvido podendo levar à falência da empresa se não for possível a hipoteca,
caução ou fiança.
Devido à pouca organização dos trabalhadores e à fraca industrialização do pais, a
teoria do risco profissional tardou em chegar mas na Europa já dominava a
responsabilidade baseada no risco profissional nos acidentes de trabalho, ou seja, a
teoria da culpa ia a pouco sendo ultrapassada, esta vinha já do tempo dos romanos, era a
base da responsabilidade civil que se afastava da teoria da responsabilidade objetiva ou
do nexo causal. Quer isto dizer que se defendia que a violação de um direito que seja o
resultado da atividade voluntaria ou involuntária de um indivíduo implica uma
reparação. A culpa não é assim elemento integrante da responsabilidade existe mesmo
que o sujeito passivo do dano concorra culposamente para ela.
A doutrina do risco profissional implicava a responsabilidade do empregador
mesmo que tenha sido um caso excepto se houver dolo do trabalhador. Esta era uma
forma de defender o futuro do trabalhador que estava sujeito a acidentes graves que o
deixaram afetado para o resto da vida e podiam torna-lo incapaz para o trabalho. Desde
os anos 80 do séc. XIX se começa a preocupar com o futuro do trabalhador mas o
campo de ação estava ligado às máquinas ou onde o trabalho fosse pesado e perigoso,
como a indústria extrativa e transformadora mais tarde abranger toda a indústria mas
não todos os assalariados.
O aumento do número de processos judiciais devia-se ao modo de pagamento e
não sobre indemnizações.271 A verdade é que se o seguro não fosse obrigatório nem
patrão nem empregados o fariam e o aumento de acidentes relaciona-se com o
desenvolvimento da indústria.
Ulrich defendia por isso que o seguro devia pertencer ao Estado porque é do
interesse de todos. Os privados estavam mais preocupados pelo lucro e não por diminuir

270
Anteriormente a lei de 24 de Julho de 1913 enumerava as poucas indústrias beneficiados. A lei 3 de
Outubro de 1917 já abrangia os caixeiros do comércio e os vendedores ambulantes.
271
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 259-261.

51
as desigualdades.272 O seguro não é apenas uma “função de interesse geral” e como tal
não pertence ao Estado mas a sociedades comerciais privadas ou mutualidades.
Também o comércio é especulativo e o Estado não é o único intermediário entre a
produção e o consumo. No caso de insolvência da companhia seguradora o patrão não
ficava para Ulrich, isento de responsabilidade pelos acidentes.273
O Estado não pode deixar que a liberdade de escolha da seguradora caiba ao
patrão porque este escolherá a vertente mais económica e por isso com menos garantia.
Emygdo Silva defendia que o Estado não deve desinteressar-se da proteção ao operário
assim como deve ter em atenção a higiene e salubridade dos locais de trabalho o que
implica uma maior prevenção por parte do Estado. Antes da lei de 24 de Julho de 1913
a legislação sobre acidentes de trabalho era em Portugal de “pura teoria delitual”. 274 A
teoria delitual de inspiração romana estava em vigor no séc. XIX onde quem ofende os
direitos de outrem tem a obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados, ou seja,
pouco importava a origem, o importante era provar a culpa275.

Ulrich defendia que os patrões deveriam “tomar as precauções necessárias para


evitar desastres no trabalho”276 mas se desconheciam o contrato de trabalho e a prova
recai no operário e perante o encargo económico, a dificuldade das testemunhas
afrontarem o patrão, a reparação das avarias ou a proteção dos perigos acabam por
dificultar e até mesmo viciar o exame levando à irresponsabilidade do patrão277.
O operariado habituado ao perigo acaba por facilitar os acidentes a isto se junta o
longo horário de trabalho e os problemas de alcoolismo.
No n.º 1 do art.º 29.º e art.º30.º da lei de 16 de Abril de 1891 os inspetores podiam
intimar os patrões e estes podiam responder por perdas e danos se não tentaram evitar
acidentes provocados pelas máquinas, cadinhos, cubos, metal em fusão, etc.
Do mesmo modo o art.º 10.º do decreto de 6 de Junho de 1895 responsabiliza o
diretor de obra de construção civil pelos acidentes que sejam originados por má direção
do trabalho ou onde se empregue material em nós condições.

272
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 262.
273
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 263-264.
274
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 111.
275
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 16-17.
276
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 229.
277
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 26.

52
Estes decretos obrigam os patrões a participarem o acidente de imediato ou 24
horas depois ao administrador do concelho.278 Pelo art.º 19.º do decreto de 14 de abril
de 1891 os inspetores devem ter conhecimento dos acidentes de trabalho e devem fazer
um inquérito a fim de determinar as causas para se averiguar se foi descuido do
operário, do maquinismo ou responsabilidade dos patrões.279
Estes inquéritos devem fazer parte de um relatório anual a ser publicado no
Boletim da Propriedade Industrial a que devem juntar-se informações de montepios,
caixas de socorros, caixas de seguros, escolas, enfermarias, hospitais, casas operárias,
etc.280
A Lei de 24 de julho de 1913 foi um projeto lei renovado e apresentado ao
Parlamento de um anterior diploma arquivado em 1909 pelo antigo deputado Estevão de
Vasconcelos, numa época em que poucas eram na Europa as leis que defendiam os
acidentes de trabalho.281 Dizia no art.º 2º n.º 1 que acidente de trabalho é “toda a lesão
externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica que resultem da ação duma
violência externa súbita produzida durante o exercício profissional.” No n.º 2 as
intoxicações agudas, produzidas durante e por causa de exercício profissional e as
inflamações das bolsas serosas profissionais. O acidente tem de ser súbito exterior e
violento, ou seja, importa aqui o facto que lhe dá origem, faltou a palavra “anormal”

278
Decreto de 6 de Março de 1884 referente a saibreiras e pedreiras.
Decreto de 30 de junho de 1884 referente a caldeiras a vapor.
Decreto de 5 de julho de 1894 referente a minas.
Decreto de 24 de dezembro de 1902 referente ao comércio de substâncias explosivas.
279
Decreto de 6 de Março de 1884 – pedreiras ou saibreiras a céu aberto, o proprietário ou empresário é
obrigado em caso de acidente a avisar de imediato o administrador do concelho que se deve deslocar ao
local e levantar um auto que enviará ao delegado do ministério público.279
Decreto de 14 abril de 1891 – no caso de acidente ou desastre que impeça o trabalho por mais de dois dias
deve no prazo 24h, o gerente ou proprietário participar ao administrador do concelho e ao inspetor.
Decreto de 30 junho 1884 – acidentes provocados por caldeiras, geradores ou recipientes de vapor que
ocasionem a morte ou ferimentos, o chefe deve prevenir imediato a autoridade a autoridade encarregado
da polícia local e o engenheiro encarregado da fiscalização.
Regulamento de 5 de julho de 1894 – art.º 47.º acidentes nas minas com mortes ou ferimentos deve o
proprietário ou diretor técnico prevenir o administrador de concelho.
Decreto de 6 de junho de 1895 – Artº 29.º diretor de obra é obrigado a comunicar à fiscalização no
próprio dia ocorrência. Art.º 10.º o diretor é responsável.
Portaria de 7 de agosto de 1897 – propõe-se aos engenheiros inspetores industriais que elaborem todos os
anos uma estatística dos acidentes. Que gerentes, mestres, diretores ou proprietários participem aos
mesmos engenheiros todos os desastres e os inspetores devem fazer um inquérito.
Decreto de 24 de Dezembro 1902 – art. 322.º o proprietário ou gerente da fábrica, oficina ou paiol que
manipulem explosivos com licença é o responsável por perdas e danos causados em consequência dos
desastres.
Lei de 21 de Abril de 1892 para quem usar dinamite nos atos revolucionários.
Art.º 253.º do Código Penal para fiscalizar os fabricantes e armazenistas de explosivos-
280
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 118.
281
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 121.

53
como refere Emygdio da Silva, o mal pode ser posterior ao facto e não simultâneo como
a palavra “súbita” poderia suscitar.282
Surge depois algo inovador para a época e que poderia ser considerado como uma
patologia subjetiva, são as doenças nervosas e psíquicas causadas pelo trabalho e não
apenas por traumas exteriores283 a que podemos juntar uma leitura mais favorável ao
operário porque os acidentes produzidos são assim considerados “durante o exercício
profissional” e não apenas durante a execução do contrato de trabalho. Pode-se ainda
acrescentar o art.º 1.º “o acidente sucedido durante a execução do trabalho será
considerado até prova em contrário como proveniente dessa execução”, ou seja, não era
o operário que tinha de provar que o acidente provinha de execução do contrato de
trabalho tal como ainda figurava em alguns países.284 No n.º 2 do art.º 2.º notamos
aquilo que são as pressões parlamentares e patronais já que tirando os casos graves, as
doenças profissionais não se enquadravam no regime dos acidentes de trabalho285
excepto as doenças profissionais as do n.º 2 do art.º 2.º são excepcionalmente
equiparadas aos acidentes dizem que as indemnização se devem “durante e por causa do
exercício profissional”, onde o operário deverá fazer a demonstração da relação entre o
exercício profissional e o acidente.286
Segundo o n.º 2 do art.º 3.º, o seguro é livre assim como a escolha do segurador
mas obriga indiretamente pelo art.º 11.º287 os empregadores ao serem obrigados a
tomarem um seguro de modo a garantir o pagamento de indemnizações e demonstrou
assim o esforço para que as empresas seguradoras não se tornassem insolventes.288
Segundo Emydgio da Silva a lei portuguesa é uma das mais favoráveis ao operariado,
no entanto as indemnizações eram feitas de acordo com o número de filhos.289

282
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 123.
283
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 124.
284
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 124.
285
Talvez a busca da justificação esteja em valores de ordem económica já que tendo em conta o atraso
da medicina do trabalho poderia levar a casos muito subjetivos aumentando assim o n.º de casos ou
empurrando estes para os seguros obrigatórios dos quais não vislumbramos nesta época o seu
enquadramento. Mesmo atividades relacionadas com a atividade profissional pareciam assim estar
equiparadas pelo “exercício profissional” ao contrário de outros como a legislação francesa onde apenas o
que estava relacionado diretamente com o trabalho parecia estar abrangido.
286
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 125.
287
Art. 11.º Os patrões e empresas industriais que não tenham transferido as suas responsabilidades para
qualquer companhia de seguros ou sociedade mútua, deverão depositar na CGD, à ordem do Conselho de
Seguros, as reservas correspondentes às pensões de que tenham tornado responsáveis…
288
No art.º 10.º tornou obrigatório para o Concelho de Seguros de determinar os depósitos que as
sociedades seguradoras deveriam fazer na Caixa Geral de Depósitos.
289
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 150.

54
O risco profissional foi um importante principio geral bem aceite pelos
empresários no entanto muitos destes empregadores como a Associação Industrial
Portuguesa afirmavam que a lei alem de “deficiente” era no entanto “inoportuna” e
“opressiva” em virtude do preço do capital.290

Nos censos industriais de 1881 até 1907 o número de trabalhadores com 16 anos
anda à volta dos 7%. A média de horas de trabalho era de 10h/dia mas havia casos
superiores. A proteção contra acidentes, doença era muito reduzida e a alimentação e
habitação eram más. A resposta por parte do operariado a esta situação foi com greves,
às vezes com violência através das associações sindicais. Estas lideradas por intelectuais
radicais deram as referências doutrinárias291 que faltavam ao movimento e ao
sindicalismo revolucionário quer anarquista quer socialista de tipo marxista. Neno
Vasco, importante anarquista era contra a violência292 e dizia serem os libertários
“inimigos da autoridade, da opressão, da coação […] querem porque são anarquistas,
banir a violência das relações sociais.” E dizia serem os atentados atos de revolta
instintivos, inevitáveis, respostas de baixo às violências do alto”.293 Mas para a maioria
dos anarquistas, revolução era significado de barricadas e espingardas294 era o caso de
Emilio Costa que defendia a greve e se necessário com alguma violência associados a
piquetes e sabotagens295 porque a propriedade privada, o militarismo ou a religião eram
em si também uma forma de violência e como tal usar outro tipo de violência era visto
como uma forma justa, legítima e necessária296. Os anarquistas eram rebeldes mas não
eram assassinos vingativos, isso podia pertencer à Maçonaria, apenas minorias eram
violentas e geralmente espontâneas, muito raros os casos organizados.

290
Fernando Emygdio Silva, Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913, p. 150.
291
João Freire refere que Manuel Silva Mendes tem uma obra de 1896 Socialismo Libertário ou
Anarquismo” para o séc. XX, Campos Lima, Emilio Costa, Neno Vasco e Adolfo Lima são talvez as
melhores elaborações técnicas e doutrinarias do anarquismo português in João Freire, Porto, [1992], p.
320.
292
Neno Vasco privilegia a intervenção direta na imprensa e nos sindicatos (escreveu peças de teatro e
como falava varias línguas teve uma vasta obra de tradução de muitos autores alguns dos quais com quem
se correspondia e publicava essa correspondência na A Batalha mesmo depois de morrer de tuberculose, é
o seu familiar, Adriano Botelho que publica essa obra in João Freire, Porto, [1992], p. 316-321.
293
Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o
Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 285, 286.
294
Raul Proença a este respeito dizia que em democracia as revoluções são ilegítimas “eu concebo uma
revolução contra Mussolini, uma revolução contra Primo de Rivera. Não a concebo contra o Sr. António
Maria da Silva que me dá o direito de lhe chamar um mau político tantas vezes quantas eu quiser” in João
Serra, Lisboa, 1986, p. 60.
295
João Freire, Porto, [1992], p. 320.
296
O Germinal afirmava que nem tudo se pode resolver sem violência (Germinal (2),10 de janeiro, 1915.
Mas sempre negaram a solidariedade a atos violentos sem justificação.

55
Os regulamentos das oficinas de conserva de Setúbal, após as greves de 1907,
criados na ditadura de João Franco que Lima refere que “se limitou a traduzir algumas
disposições da lei belga”, os mestres e os contramestres297 “sempre que façam causa
comum com os operários, principalmente aderindo a movimentos grevistas, serão
despedidos sem readmissão do cargo”.298
O excesso e horas de trabalho, os serões constantes, o cansaço, o sono, os menores
adormeciam de pé, cansados e exaustos eram colhidos por máquinas que os
inutilizavam para a vida.299 Por isso a luta pelas 8 horas foi uma constante por parte do
movimento operário até à sua efetivação.
Em 1922 Portugal perante o tribunal Permanente de Justiça Internacional em
Haia, reconhece esta discriminação que Caeiro da Matta tenta disfarçar como não
havendo razão para tal diferença mas as limitações eram feitas pelo Governo imputando
a culpa à ordem social, ao progresso agrícola e pela diferença das regiões.300
É importante referir as empresas de tipo familiares, geralmente situadas em casa,
com poucos trabalhadores mas que eram provavelmente a maioria e que eram
completamente excluídos fazendo parte da excepção à aplicação da lei.301
No ano de 1909 dos 152 acidentes registados só 43 foram objeto de inquérito e
estes no geral culpam a imprevidência dos operários mas numa análise mais apurada aos
mapas do Boletim do Trabalho Industrial, verificamos que 22 são devido à falta de
segurança outros 23 são por distração302. A maioria das mortes são nos transportes,
construção, minas, metalurgia e têxteis, causados pela má conservação dos motores,
engrenagens desprotegidas, falta de segurança, manutenção com máquinas em
movimento.303

O Governador Civil do distrito do Porto reconhecia que o número de desastres


que eram transmitidos vinham a aumentar mas atribuía-os ao “descuido, curiosidade e

297
Vulgarmente chamados de encarregados.
298
Adolpho Lima, O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909, p. 344.
299
Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 48.
300
Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 61.
301
Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 62.
302
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e
Industria, n.º 33, Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 9-10.
303
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e
Industria, n.º 33, Imprensa Nacional, Lisboa, 1909, p. 10, 18.

56
imprudência do operário […] não há meio de poderem ser evitados”304. A realidade era
no entanto outra, já que no relatório do 1.º secretario da direção, José Gonçalves dos
Santos, a 7 de Abril de 1907 referia que um industrial vendo o movimento irregular da
máquina ordenou mais carvão ao fogueiro que chamou a atenção ao proprietário para a
sua imprudência mas este afirmou que “os teares tinham vindo para trabalhar e não para
estarem parados” e a caldeira acabou por explodir. Por isso o 1º secretário reclamava
junto do Visconde de Vilarinho de S. Romão, Director dos Serviços Técnicos da
Industria da Circunscrição do Norte, “mais energia em corrigir os abusos dos Srs.
Industriais, pois que, como V. Ex.ª deve compreender, a vida dos operários não pode
nem deve estar sujeita aos caprichos dos mesmos industriais”305.

Em 1908 foram conhecidos 678 acidentes mas era reconhecido como sendo
valores muito aquém da realidade, já que muitos industriais “não se interessam pelo
assunto porque preferem guardar as suas informações. Há também repartições que só
conhecem os desastres em caso de morte”. Os principais acidentes eram devidos à falta
de resguardo das máquinas, lâminas, serras, saltos das lançadeiras e da falta de
segurança nos andaimes.306

Nas indústrias extrativas, o principal problema foram os desabamentos que


provocaram 9 mortes. Cerca de 28%, ou seja, 193 acidentes eram de causas
desconhecidas, o que demonstrava uma grande falta de informação às entidades
competentes307.

Outro dado é o maior número de acidentes à segunda-feira que era atribuído aos
excessos do domingo já que as terças-feiras este número era atenuado mas a fadiga fazia
notar-se à sexta-feira e ao sábado308. A hora do acidente tinha pouca importância, o
importante era a falta de iluminação no local e trabalho, o excesso de calor, frio, tipo de
piso, perigosidade do trabalho, etc. Quanto às partes do corpo afetadas são

304
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 15, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 9.
305
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 15, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 9.
306
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 44, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1909, p. 3-4.
307
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 47, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 6.
308
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 47, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 6-8.

57
principalmente as mãos (27%), as pernas (14%) mas também nos pés (10%), cabeça
(9%) e o corpo (11%).309 310

Não existia uma lei que regula-se a responsabilidade dos acidentes de trabalho sob
aquilo que era o risco profissional, incapacidade permanente e morte. Os operários e
familiares não tinham direito a indemnizações condignas nunca chegavam à totalidade
do salário, dai a importância das associações também no apoio médico e
medicamentoso. Assim para Estevão de Vasconcelos era urgente uma lei sobre
acidentes de trabalho que responsabiliza-se os patrões e as empresas nos acidentes
durante o trabalho.

Sem ensino primário, dificilmente o operariado podia ter uma consciência dos
seus direitos e deveres cívicos por isso já em 1883 Bernardino Machado dizia:
“universalize-se a instrução primária, para que cada um mereça a dignidade de
compartir a civilização contemporânea; e porque acordado para o progresso todas as
forças vivas da nação, e poderá fazer-se o recrutamento das boas inteligências…” é que
“saber é poder; por isso só são fortes as nações instruídas. A ignorância, eis a causa de
todas as misérias: dos embaraços financeiros, da penúria económica, do amolecimento
de costumes”311.

As vantagens eram largamente reconhecidas pelos mais ilustrados mas isso


implicava trabalhadores preparados, a falta de prudência e o elevado número de
acidentes derivava dessa falta de preparação, falta de conhecimento das regras mais
elementares de segurança, curiosidade, descuido, imprevidência ou até mesmo a falta de
meios e indicações para evitar ou atenuar os acidentes como por exemplo as redes de
arame curva que protegiam os trabalhadores dos saltos das lançadeiras, os graves
acidentes causados nos teares mecânicos cuja circular de 1 de Julho de 1903 se referia a
eles, continuava sem solução, apesar de em alguns casos ter sido colocadas as referidas
redes.312

309
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 47, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 9.
310
A quantidade de dias a que foram concedidas indemnizações, foram principalmente fraturas de braços,
pernas, bacia e dedos das mãos e pés (Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério
das Obras Publicas Comércio e Industria, n.º 3, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 9-10).
311
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 91.
312
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e
Industria, n.º 20, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 16.

58
Os inspetores reconheciam que não usavam a coerção mas a mentalidade foi-se
alterando em virtude da revolução e a inspeção do trabalho de industrial de menores
exerce uma maior autoridade. Assim se fez em relação às faltas de “livros de registo
industrial, cadernetas de ensino primário, cadernetas industriais na posse de menores,
cartazes com a lei e tabela das horas de serviço e descanso, que são apenas os meios
burocráticos iniciais da intervenção tutelar do Estado”313.
Era reconhecida grande complacência em relação ao patronato já que “ao fim de 7
anos de propaganda da lei protetora, tão somente se compeliam os industriais a conhece-
la, atendendo a que nem um só auto contem contravenção de abusos de trabalho
impostos aos menores…”314.
Era vulgar pensar que os acidentes eram inerentes às profissões como se fosse
uma fatalidade, a passividade fazia parte da cultura herdada do Antigo Regime.
Sobre os acidentes de trabalho surge o decreto de 21 de outubro de 1863
melhorado pelo decreto de 30 de Junho de 1884 que regulamentava os “motores
inanimados” mas não criavam doutrina e tinham como base o direito civil e penal.

O decreto de 14 de abril de 1891 “manda apurar a responsabilidade dos que


dirigem os estabelecimentos industriais, em casos de sinistros, e comunicar o resultado
ao ministério público” art. 36, n.º 6315. No art. 42 n.º 2.ºalinea b) em que se referem
coimas por contravenção apenas para os que não paguem aos menores que
temporariamente não possam trabalhar “pelo tempo que durar a impossibilidade”. Este
artigo volta a aparecer para a construção civil no decreto de Junho de 1895, art. 38.º n.º
2, mas com a generalização da “impossibilidade de trabalhar para algum operário” mas
reconhecendo que “é sempre a culpa, provada pela vítima” das responsabilidades ou não
do patrão responsável316.
Sobre a prevenção de acidentes e no seguimento do decreto de 14 de abril de
1891, o regulamento de 16 de Março de 1893 existe uma melhoria ao tentar prevenir os
acidentes de trabalho na construção civil e oficinas, não tanto o apurar a

313
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 33.
314
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 33.
315
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 41.
316
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 41.

59
responsabilidade sem distinção de idades mas com maior preocupação pelos menores e
pelas mulheres317.
No relatório de 1908 é referido serem “em grande parte devidos à imprudência das
vítimas” mas ao mesmo tempo e mais uma vez reconhece-se que são poucos os
estabelecimentos com resguardos para segurança dos trabalhadores e muitos dos
acidentes poderiam ser evitados se fossem cumpridos os preceitos consignados nos
artigos 14.º, 18.º e 29.º do decreto de 14 de Abril de 1891318.
Há na legislação casos específicos319 mas muito incompletos como no caso da
construção civil320 mas são referidas questões de higiene e segurança, assim como era
necessário a responsabilização de um engenheiro ou arquiteto do ministério das obras
públicas e auxiliado pela autoridade administrativa ou policial321 e o inspetor deveria
por escrito intimar o representante da fábrica/oficina para que o mesmo corrija as
diferenças dentro de determinado prazo e tal deverá ser lançado no livro de registo ou
então em caso de discordância que existia o tribunal arbitral.

9 - A melhoria das condições de trabalho


Paralelamente aos acidentes de trabalho surgem as doenças profissionais ou
adquiridos por más condições de higiene nas fábricas.322 Em Portugal podemos afirmar
que esta preocupação se inicia com o diploma sobre higiene de 21 de Outubro de 1863,
existem outras decretos e portarias que referem estabelecimentos insalubres e perigosos
mas não são propriamente sobre os industriais mas sobre a higiene geral das povoações
e habitantes. São os casos dos decretos de 21 Junho 1883 relativamente às corticeiras e
o de 30 Julho 1884 sobre máquinas. A higiene, a ventilação, a salubridade e a segurança
está protegida no art.º 14.º do decreto de 14 de abril de 1891.

317
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 42.
318
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e
Industria, n.º 20, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 14.
319
Portaria de 14 de Setembro de 1904 sobre refeitórios e lavatórios.
Circular de 29 de dezembro de 1902 sobre resguardos dos volantes, correias de transmissões e fossas.
Circular de 1 de Julho de 1903 sobre os saltos das lançadeiras nos teares
Portarias de 17 de Julho de 1903 sobre a segurança dos ascensores, iça-cargas e guindastes.
320
6 de Junho de 1895, art.º 1.º e 2.º
321
20 de Outubro de 1895, art. 35.º
322
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 148.

60
O decreto de 14 de Abril de 1891323 vinha no seguimento das conclusões da
conferência de Berlim de 1890, ficava regulado o trabalho dos menores, eram criadas
creches perto das fábricas, implementava-se os cuidados de higiene, física e moral dos
menores. Mas a proteção era muito curta, já que ficava dito “não somos contra a
adopção do menor em quase todas as espécies de trabalho” mas era necessário ter
cuidado já que “a cobiça natural das empresas deseja nos seus trabalhos o menor […]
porque ele é instrumento dócil e barato; e tanto mais barato quanto mais produzir […]
os pais nem sempre medem as forças da criança que a natureza lhes manda proteger”
em virtude da pobreza da família que usufrui desses salários.

Era necessário atender às creches, higiene e vigilância mesmo que tudo isto fosse
muito empírico era necessário determinar o número de horas de trabalho de acordo com
as oficinas, meses do ano, temperaturas, estado das matérias primas, etc., mas era só
estabelecimentos industriais, minas, pedreiras, estaleiros, construção ou oficinas com
caldeiras, insalubres ou perigosas mas não abrangia as pequenas oficinas; familiares até
ao 3º grau ou até cinco empregados (art. 1.º) e para trabalhadores do sexo masculino até
aos 16 anos e feminino até aos 21 anos de idade (art. 1.º §1.º).

No regulamento de 16 de março de 1893 existia uma tabela com as indústrias


insalubres que determina que todas as caldeiras em exercício dentro das localidades
sejam munidos de aparelhos para queimar ou condensar o fumo quando se prove que
causa dano ou incomodo aos habitantes dos prédios vizinhos.
Existe uma preocupação com os serviços de saúde mesmo que incipiente no
decreto n.º 4 de 10 de Janeiro de 1895, é procedido à remodelação dos serviços de saúde
pública de modo a reduzir as despesas sem prejuízo da regularidade do serviço. No art.
1.º do referido diploma ficam com ordenado reduzido a metade os empregados do
lazaredo do Funchal até que fique em condições de funcionar e são extintas as
delegações distritais de saúde fora de Lisboa e Porto. Noutro decreto com o mesmo dia
do anterior é aprovada a reforma da organização superior dos serviços de saúde, higiene
e beneficência pública. Também no mesmo dia outro decreto proíbe a venda de artigos
de sapatarias fabricados com palmilhas e contrafortes de sola ou cabedal, proveniente de

323
Um novo decreto a 16 de Março de 1893 aprovava o regulamento para os menores e mulheres na
indústria.

61
calçado usado sem terem sido desinfetados e para isso tinham de ter uma estampilha
(art. 1.º).
A portaria de 23 de Janeiro de 1912 sobre a proteção dos operários devia ser
fornecida nas fabricas quantidades suficientes de água potável (art. 1.º) ou devidamente
filtrada (art. 2.º) com filtros limpos (art. 3.º) e devem existir lavatórios com água
abundante (art. 4.º).
Na legislação de 1890/1891 apenas existia a preocupação de afastar as indústrias
perigosas das habitações as questões sobre higiene, limpeza, água e saneamento das
fábricas só aparecem pela primeira vez desenvolvida na lei de 12 de Junho de 1893 e
acrescentada pelo regulamento de 10 de Março de 1894 mais tarde alterado pelo decreto
de 14 de Julho de 1901 mas ainda não se aplicavam às pequenas empresas de tipo
familiar.
Do mesmo modo que o governo contraia empréstimos para aquisição de terrenos
para fazer escolas324 também fazia um crédito extraordinário pelo decreto com força de
lei de 4 de Novembro de 1910 para combater a epidemia de cólera. Estas epidemias
estavam ligadas a grandes pragas de ratos e para os combater o decreto de 11 de
Novembro de 1910 obrigava as câmaras a inscrever no orçamento estas despesas e
promulgar posturas necessárias para desratização nos canos e lugares públicos (art. 2.º).
Ao ler a legislação no Boletim do Trabalho Industrial e no Boletim da Segurança
Social aparecem termos e doenças hoje raras ou inexistentes como o saturnismo,
hidragirismo, tifo325, etc.
Tirando o Código Civil que atribuía a responsabilidade aos executores
proprietários, empreiteiros ou donos existiam ainda decretos específicos326. O decreto
25 de Janeiro de 1912 decreta-se que os patrões tenham água potável e em quantidade
suficiente. Se vier de rios que coloquem filtros e que estes sejam limpos e que nas
fabricas tenham lavatórios.

324
Decreto de 23 de Dezembro de 1907.
325
Em 1917 o tifo alastrou no norte e em 1919 mata 2282 pessoas. Em 1918 surge a pneumónica que
mata 31785 em Outubro, alguns bairros e aldeias ficaram desertas.
326
Decreto de 6 de Março de 1884.
Decreto de 30 de Junho de 1894.
Regulamento de 5 de Outubro de 1894
Decreto de 6 de Junho de 1895.
Decreto de 24 de Dezembro de 1902.
Decreto de 14 de Abril de 1891.
Decreto de 7 e Agosto de 1897.

62
Nas medidas de higiene industrial eram referidas com lamento que a legislação
não abrangia ainda os adultos e era ainda referida a promiscuidade de idades e de sexos
nas fábricas e se existissem problemas ou doenças não existia “qualquer reparação civil
dos males contraídos”.327/328
Vão aparecendo decretos avulsos onde surgem esclarecimentos e outros tipos de
industrias vão sendo acrescentadas às tabelas de industrias insalubres, incomodas e
perigosas do regulamento de 21 de Outubro de 1863329/330/331.
Sob o regime de Sidónio Pais, o decreto de 29 de maio de 1918, no art.º 1.º as
indústrias insalubres, incomodas, perigosas e tóxicas são clarificadas, continuando
divididas em 3 classes, segundo o grau de maior ou menor das suas condições de
insalubridade, incómodo, perigo ou toxidez.
§ 1ª classe - implica o afastamento rigoroso das habitações devido ao perigo.
2ª classe – podem estar juntos das habitações mas com condições para a saúde,
segurança publica e dos operários.
3ª classe – permissão em qualquer local sob condições e subordinados a
vigilância.
Para o médico Estevão de Vasconcelos332 se a persuasão anti-alcoólica não
resulta-se reclamava a proibição da venda ao público das bebidas alcoólicas
concentradas já que o alcoolismo reduzia muito a capacidade de trabalho333.

327
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 42.
328
Art.º 14.º - os estabelecimentos industriais devem estar limpos, ventilados e segurança.
Art.º 15.º - sem vacinação os menores não podiam ser admitidos nas industrias.
Art.º 16.º deve-se ter em atenção se o trabalho se adequa ao menor e não supera as suas forças.
Art.º 17.º, n.º 1 são considerados perigosos ou insalubres:
A manipulação ou fabricação de matérias explosivas ou inflamáveis, corrosivas, poeiras perigosas.
Fica proibido nos trabalhos que excedam: n.º 1. 5 a) dos 12 aos 14 anos cargas de 10 kg à cabeça ou às
costas ou 80 kg em terrenos horizontal com veículos de carga. b) Mais de 14 anos, 15 kg à cabeça/costas
ou 100Kg em terrenos na horizontal com veículo de carga.
Art.º 18.º - as peças perigosas como engrenagens ou rodas, poços, alçapões, etc., devem estar
resguardados ou com anteparas.
329
Decreto n.º 1:198 de 22 de Dezembro de 1914 decreta que as fábricas de escovas e pincéis sejam
considerados estabelecimentos insalubres, incómodos e perigosos de 2ª classe, devido ao cheiro
desagradável, incomodo de bulha e perigo de incêndio.
330
A portaria n.º 349 de 30 de Abril de 1915 esclarece as concessões de licenças que só são para as
verdadeiramente, insalubres, incomodas e perigosas.
331
Portaria n.º 470 de 7 de Setembro de 1915 manda considerar insalubres os torneiros de metal,
canalizadores e bronzeadores, ficando incluídos no n.º 3 dos art. 4.º da lei n.º 296 de 22 de Janeiro de
1915.
332
Congresso das Associações de Socorros Mutuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica
Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.
333
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 56.

63
O saturnismo doença comum no tempo dos romanos devido as canalizações de
chumbo era agora razão para levar à invalidez e à morte, só a França tinha feito
restrições ao uso do chumbo mas em Portugal ainda estava muito em uso o alvaiade334
que levava à invalidez dos operários.

Referia o Visconde de Vilarinho S. Romão que a principal causa de mortalidade


era o raquitismo, a falta de alimentação, os géneros falsificados335 e falta de higiene nas
casas.336/337

10 - Os sindicatos e a greve

Os dirigentes sindicais eram figuras com pouca escolaridade e baixo nível literário
e sindical, autodidatas com ideias utópicas, sem formação, daí os seus objetivos serem
limitados, sem um rumo definido, muitos eram figuras pitorescas mas temidos pela sua
agressividade338, o que fez com que o sindicalismo acabasse por descambar um
sidicalismo mais agressivo.
Pelo Boletim do Trabalho de 1910, estavam registadas 135 associações de classe
com 27 mil sócios, a grande maioria era da indústria, pesca, transportes e construção,
principalmente em Lisboa, Porto e Setúbal.339 No entanto, o número podia ser maior,
119 em Lisboa e 72 no Porto. Em 1911 já eram 356 e o Sul era área com mais
associações, onde o PRP tinha tido uma maior implantação, é o caso do grande aumento
nas corticeiras de Almada ou nos soldadores de Silves. As maiores e mais importantes
eram anarco-sindicalistas, os socialistas dominavam apenas 3 federações.340
No Sindicalista, a 4 de Dezembro de 1910, um dirigente operário anónimo
escreve: “Algumas parcas e parciais regalias têm sido extraídas, a ferros e para extinguir

334
Carbonato de chumbo de cor branca ou amarelada de uso comum no fabrico de tintas e perigosamente
usado para tratar hematomas.
335
O decreto n.º 11:228 de 29 de Outubro de 1925 reconhecem o problema da falsificação da manteiga
por adição de água e até nas margarinas e outras gorduras com corantes nocivos à saúde. Se vierem em
vasilha hermeticamente fechada a responsabilidade é do fabricante e não do retalhista. Os processos de
julgamento deviam ser feitos pelas disposições dos decretos de 22 de Julho de 1905 e de 3 de Novembro
de 1905 tal como se faz com a falsificação de leite.
336
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 7.
337
Devido ao grande aumento dos preços dos medicamentos motivado pelo pós-guerra o art.º 1.º do
decreto n.º 4:803 de 10 de Setembro de 1918, autoriza a Secretaria de Estado do Trabalho a fornecer às
associações mutualistas mais necessitados a quantia de 50000$, para socorrer no apoio aos medicamentos.
338
O caso do nome de “João das Bombas” é bastante explícito.
339
(Telo, 2010: 197)
340
(Valente, 2010: 187).

64
o fogo grevista […] Não nos parece que as mais clamorosamente exaltadas leis da
República, a do divórcio, a do inquilinato e a das greves tenham para o operariado
qualquer valor real e beneficio”.341

Os países onde não existe o espírito de associativismo nascem com mais


facilidade o despotismo. É costume dizer que o movimento operário nasceu graças à
A.I.T., a Internacional de 1871-72 mas para a semente germinar, como dizia Manuel
Joaquim Sousa342, é necessário ter o solo bem trabalhado e preparado, já existia um
pequeno mas coeso grupo operário. Em 1834 é extinta a Casa do Vinte e Quatro que
remontavam às corporações de séc. XIV com grémios, juiz e procuradores, etc.
Outro elemento essencial e apesar de importantes as Confrarias e as Irmandades
não chegaram para atender a grande miséria, a monarquia concedeu às confrarias e
misericórdias vários conventos, edifício e igrejas a titulo definitivo em muito casos343.
Em 1917 de um total de 380000 proletários, só 50 a 70 mil estavam
sindicalizados.344 Portugal era um país pouco industrializado e talvez por isso foi dos
poucos países a incorporar o mundo rural nos sindicatos.
Entre incursões monárquicas existiram grandes greves e tumultos considerados
por governantes como os mais graves que existiram em Lisboa. João Chagas percebera
que uma revolução tem de responder com a melhoria do bem-estar. Na memória de
todos estavam a morte de dois grevistas em Setúbal pela GNR a 13 de Março de 1911
que serviu como símbolo do afastamento do apoio operário à República.
Uma greve no início de 1912 promovida pela União das Associações de Classe de
Lisboa servia como forma e pressionar abertura da associação mandada fechar em
Évora345, exigia-se a libertação dos trabalhadores e a demissão do governador civil mas
estes foram violentamente reprimidos.
Os trabalhadores rurais eram vistos como animais de trabalho habituados às
privações e foram milhares os camponeses em luta contra a exploração. Nas regiões
sujeitas a crises sazonais pedia-se um salário mínimo para compensar as épocas sem
trabalho. Pedia-se que as máquinas agrícolas só pudessem ser usadas a determinada
341
(Pinto, 2010: 180).
342
Manuel Joaquim Sousa, Porto, 1974, p. 25.
343
Bom Jesus devolvido à Confraria de Santo António de Viseu pela carta de lei de 29 de Julho de 1899.
Igreja e edifícios em ruínas à Santa Casa da Misericórdia da cidade de Horta pela carta de lei de 29 de
Julho de 1899.
344
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 46.
345
A greve dos rurais a 1 de Janeiro de 1912 em Évora, só não foi plena devido às chuvas torrenciais de
impediram a mobilização geral.

65
distância das localidades346 o que mostra a fraca mecanização, produtividade e
investimento.
Isto levou por um lado ao intensificar da luta e por outro a uma nova organização
política com o primeiro congresso de trabalhadores rurais em Évora criam-se os
fantasmas dos agitadores monárquicos e anarquistas cujas intenções eram o roubo e a
destabilização. Os sindicatos passavam a ser vistos como uma ameaça, a violência
alastra, existem armas por todo o lado e no decreto n.º 7:478 de 23 de Abril de 1921 é
referido que era urgente acabar com a concessão de licenças de porte de arma.347 O
decreto é assinado por António José de Almeida e Bernardino Machado.348
As vendas de armas são sujeitas a um maior controlo e pelo decreto n.º 11:268 de
25 de Novembro de 1925 os comerciantes de armas devem ser rigorosos na observação
do decreto de 31 de Maio de 1897 e da portaria de 28 de Março de 1908, ou seja, vender
apenas a quem tenha licença para uso e parte de armas.
Portaria n.º 4:349 de 16 de Fevereiro de 1925 autoriza aos guardas de jardins e
cemitérios da CML o uso e parte de arma e pelo decreto n.º 11:177 de 26 de Outubro de
1925 autoriza também aos guardas noturnos de Lisboa o uso e porte de armas durante o
exercício das suas funções.

No Diário do Governo de 3 de Novembro de 1910 é publicado o decreto de 31 de


Outubro, assinado pelo ministro António José de Almeida que é reveladora das
limitações sobre o direito à greve, dizia que afinal devia ser ponderado e estudado daí
ser constituída uma comissão encarregada de receber as reclamações entre patrões e
assalariados de modo a “harmonizar todos os interessados legítimos…”. Assim a 6 de
Dezembro seria então publicado, ainda no governo provisório a lei da greve de Brito
Camacho, o chamado “decreto burla” que anulava penalidades anteriores mas que
ficava muito aquém do esperado pelo operariado porque considera a desobediência um
crime e aqueles que quisessem impor a alguém outra vontade sobre a greve poderiam

346
Ana Paula de Brito Pereira, 1983, p. 488.
347
Não “usa armas quem não quer ou quem não pode pagar a licença […] certamente muitos dos crimes
não se dariam se o criminoso não tivesse tanta facilidade em obter licenças de parte de arma […] tem-se
abusado muito das licenças de parte de armas a particulares mas pode afirmar-se também que tem havido
uma excessiva complacência com respeito a funcionários públicos autorizados a usar armas com a
dispensa de licença.”
348
Art. 1.º dentro das povoações só é permitido o uso e porte de armas de fogo na sua própria habitação
em defesa pessoal, da sua família ou dos seus haveres. Art. 3.º sem licença só a quem tem autoridade para
tal por funções policiais ou de segurança

66
incorrer em pena de prisão correccional até três meses, ficavam sujeitos a vigilância
policial se usassem meios violentos e perturbassem a ordem publica349.
Tanto patrões como trabalhadores podiam fazer greve350 mas o art.º 4º e 7º
limitavam a eficácia do exercício da greve já que impunha o seu anuncio antecipado, 12
dias para o abastecimento de bens de primeira necessidade (abastecimento de água,
electricidade e saúde) e 8 dias para os transportes. Os funcionários públicos podiam ser
despedidos caso aderissem às greves. Ao contrário do que prometiam os republicanos
adulteraram o regime da greve o que desiludiu todos aqueles que se tinham batido pelo
5 de Outubro.
O apoio ao governo de Sidónio Pais veio da promessa da redução na participação
na guerra, da libertação dos presos e a esperança da resolução do problema da falta de
bens essenciais.351
Apesar de na prática já existirem só a 27 de Dezembro de 1924, o decreto n.º
10:415 do governo de José Domingues dos Santos em apenas cinco artigos reconhece
que as federações e uniões têm individualidade jurídica para celebrar contratos coletivos
de trabalho e autoriza as associações de classe ou sindicatos profissionais352,
constituídos legalmente a reunirem-se e constituírem uniões ou federações de
associações de classe a quem tinha pelo art.º 3.º a capacidade para celebrar contratos
colectivos de trabalho.
Este é o único decreto que regulava as “associações de classe” sindicatos
profissionais era o decreto de 9 de Maio de 1891 cuja base era o art. 282.º do Código
Penal que autoriza o Governo a estabelecer a condições de se organizarem mas não faz
referência a federações ou uniões de associados e como eram reconhecidamente
preponderantes na organização profissional era de toda a justiça reconhecer a
personalidade jurídica para melhor cumprirem a sua finalidade (também não se fazia
referencia a contratos coletivos de trabalho), art. 1.º, as associações de classe ou
sindicatos profissionais, constituídos legalmente podem reunirem-se em federações
uniões (art. 1.º) que não dependem da aprovação do Governo mas da apresentação ao
Ministério do Trabalho; art. 3.º desde que estejam devidamente registados têm

349
Mas o conceito era vago podendo abranger muitas situações.
350
Para o empregador chama-se lock-out e apesar de ser permitido hoje em dia em vários países como a
Alemanha expressamente proibido pela Constituição Portuguesa (art. 57.º n.º 4).
351
João Freire, Porto, [1992], p. 233.
352
Apesar de não serem reconhecidos juridicamente a portaria n.º 1:832 de 11 de Junho de 1919 manda
publicar os modelos dos estatutos e instrução para a organização dos Sindicatos Agrícolas e das respetivas
uniões ou federações.

67
individualidade jurídica para todos os efeitos legais como celebrar contratos coletivos
de trabalho.

Formalmente é aqui reconhecida a CGT pelo governo já que até então vigorava a
o diploma de 9 de Maio de 1891 que proibia a formação de federações e uniões
sindicais, apesar desse direito já constar da Constituição Portuguesa de 1911353.
Em 1925 o Governo de Vitorino Guimarães permitiu o julgamento sumário e a
deportação de militantes da Legião Vermelha. O sindicalismo desenvolveu-se com a
República e por ela foi reprimida para voltar a ser duramente combatida pela Ditadura
Militar. O sindicalismo morreu mas a defesa dos valores do direito à dignidade
perduraram e perduram porque nestes momentos de crise, os discursos de há 100 anos,
estão atuais na defesa de valores que julgava-mos serem adquiridos e fundamentais.

O operariado responde com o coração, tem necessidades básicas; trabalho e pão.


O povo acordou para o ultraje, ganhou consciência que o seu trabalho não era
dignificado, saber que os filhos não podiam continuar a ser também desprezados e
deviam ter direitos pelos quais valia a pena lutar e se hoje estes são valores adquiridos é
porque alguém lutou, sofreu e até morreu para que eles existissem.
As empresa era vista visto como um campo de batalha, de um lado os que
produzem e do outro aqueles que com o monopólio dos instrumentos de trabalho, das
fábricas, dos campos, do capital, impõe a outros as condições injustas que submisso o
trabalhador tem de aceitar em virtude de leis que favorecem o mais forte e o povo
resigna-se como o burro que não sacode as moscas porque sabe que podem vir outras
ainda piores. As leis são um xaile que os pode livrar do pior que pode vir.
Na vida rural o camponês está habituado a uma maior liberdade que numa fábrica,
era difícil tornar em dócil alguém habituado a ter maior autonomia. A questão era que a
grande desqualificação e inexperiência tirava-lhes poder de discutir e negociar o
contrato e a mais pequena falta eram facilmente despedidos e substituídos, a
mecanização tornou-os mais domesticáveis, a luta contra as máquinas que aumentavam
o desemprego e diziam que o trabalho manual era mais perfeito, mas a solidariedade

353
“O direito de reunião e associação é livre. Leis especiais determinarão a forma e condições do seu
exercício” (n.º 14.º do art.º 3)

68
ficava comprometida assim como o poder reivindicativo, a disciplina era agora
diferente, principalmente quando os patrões ou os mestres eram estrangeiros.354
O Estado tentava minorar o desemprego regulando a admissão de operários e
trabalhadores em geral nas obras pública aos mais necessitados para isso tinham de se
registar no Governo Civil pela portaria de 27 de Julho de 1894 e aqueles funcionários
públicos mais faltosos eram sancionados com a demissão, perda de vencimento ou de
abonos (art. 1.º ao 4.º do decreto n.º 4 de 15 de Dezembro de 1894).
Os partidos conservadores eram muito semelhantes, aconchegam-se uns aos
outros e trocavam lugares à mesa do repasto, nada fizeram para resolver problemas
fundamentais para que existisse progresso, era indiferente quem governava. Os dois
partidos, progressista e regenerador, morreram devido à sua constante substituição de
cadeiras, provocaram a derrocada económica em empréstimos desvairados o que levou à
intervenção estrangeira que nos fechou o crédito que nos espoliava.
A opressão a que estava sujeito o operariado acaba por se vingar danificando a
pessoa e bens da empresa. A greve355 era punida por lei356 tal como era em vários países
“felizmente, ninguém procura cumprir” já que “não se compadece com a moderna
orientação da intervenção social do Estado”357. O reconhecimento ou não da greve era
irrelevante perante a evolução da sociedade até porque quando as greves eram proibidas
era como se o artigo não existisse porque elas sempre aconteceram358.
O segundo congresso sindicalista de 7 de Maio de 1911, reuniram-se mais de 35
mil operários359 e nele foram votadas as seguintes conclusões:
“Não prevenir a entidade patronal, diligenciando que a greve constitua o mais
possível uma surpresa.

354
Quando em Portugal empresas estrangeiras proíbem de fumar e obrigam a cumprir horários fixos, são
consideram injusto, incompreensíveis e exigem o despedimento dos novos mestres para voltarem os
antigos, era de certo modo uma forma de saudosismo in Maria Filomena Mónica, 1982, p. 1256.
355
25 de abril de 1889
16 de maio de 1890
16 de julho de 1890
356
Art.º 277.º n.º 2 do Código Penal.
357
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 99.
358
Em 1849 existiu uma importante greve metalúrgica que não teve as repercussões nem o sucesso que
poderia ter em virtude de ao tempo ainda não existirem estruturas associativas in José Barreto, 1981, p.
481.
359
Luís Farinha, Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-
1931) in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.), Greves e conflitos
sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 91.

69
Evitar toda a espécie de contrato de trabalho individual ou coletivo de onde
resulte um entrave à liberdade de ação do grevista e que possa dar lugar a uma
intervenção legal que obrigue o operariado a respeitar o contrato a que se sujeita.
Generalizar a convicção de que a presença das forças armadas são um meio de
intimidação para quebrar o entusiasmo dos grevistas.
Preparar a opinião pública, pela educação constante, demonstrando-lhe a
necessidade das conquistas operárias, para que assim lhe não possa causar surpresa
qualquer movimento reivindicativo e repudiar a arbitragem, qualquer que seja o aspecto
com que ela se apresente.”360

Ulrich referia que muitas falavam em liberdade individual do trabalhador daqueles


que aceitavam de livre vontade salários mais baixos porque eram livres. Que liberdade
era a de aceitar piores condições? A venda do trabalho não é uma qualquer mercadoria.
Isoladamente o operário é inferior e acrescentava “fala-se muito na liberdade, mas a
liberdade do operário isolado é muitas vezes pior do que a escravatura. Liberdade
fecunda e proveitosa é a que ele encontra no seio da associação da sua classe, que ele só
luta para o favorecer!” e como tal o “boycotage exercido nas ditas condições por uma
associação, não deve, de modo algum ser reprimido pela lei.”361 Era uma forma de
perceber que a escravatura não tinha acabado totalmente mas tinha apenas sido
substituída pela do operário “era aviltante para a dignidade humana” alguém vender-se a
si próprio perante a extrema necessidade aceita-la era uma forma de reconhecer a
escravatura, já que não havia diferença entre vender o nosso trabalho para sempre ou
todos os dias.362
Era portanto um contrato intencionalmente subjetivo e impreciso, não é menos
verdade que hoje muita legislação também origina o livre arbítrio e abusos mas hoje
existem direitos de personalidade mas foram um longo caminho feito por gente que
lutou, sofreu por estes direitos e valores.

A greve permitia de maneira privilegiada uma rutura na relação laboral com o


objetivo de criar uma nova relação laboral, e como foram conseguidos graças a ela
importantes conquistas, estas lutas tinham grande importância no imaginário operário.

360
Alexandre Vieira, Para a Historia do Sindicalismo em Portugal, 2.ª ed, Seara Nova, Lisboa, 1974, p.
54-55.
361
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 338-339.
362
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 112.

70
Gonçalves defendia que a greve era um direito que completava o princípio da
liberdade de trabalho. Se o contrato de trabalho é livre, o operário tinha o direito de
discutir as suas condições mas perante as grandes empresas tinham de se coligar para
ganharem força e fazerem vencer as suas pretensões.
A greve por si só demonstra que a sociedade tem defeitos e como tal é um modo
de os corrigir, já que o governo não tinha força para dar resposta às revindicações
operárias, a população ansiava por alterações e até Fernando Pessoa, escrevia em 1915:
“Quando fizemos a revolução não foi para implantar uma coisa igual ao que já
estava”.363
A greve nos escravos era considerado uma rebelião porque não tinham esse
direito. Não existirem escravos era uma noção de progresso mas o trabalho doméstico
ou as criadas era uma versão atenuada.364 A revolta era grande, os protestos comuns,
talvez alguns tivessem pouca justificação e tenham provocado a ruína das empresas e as
infelizes cedências dos Governos como aconteceu com a Caderneta Sindical que apesar
de nunca ter entrado em vigor nunca foi revogada, é de lembrar que em 1913365
existiram as greves contra “futuras” prisões de operários.366/367

As principais revindicações eram: o aumento salarial, diminuição das horas de


trabalho sem redução do salário, contestação dos serões, pagamento de salários em
atraso, fim das violências e perseguições, coação, etc.

A verdade é que os patrões dificilmente mudariam os seus hábitos daí a


importância da luta operária e das greves que Ulrich diz ser “muitas vezes funestas à
fortuna económica dum país” e porque os operários ainda não estavam na sua grande
maioria sindicalizados a greve só era “parcialmente eficiente”.368

363
António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010, p. 39-40.
364
A “servidão não desapareceu senão para dar lugar ao salariato, e que o assalariato moderno sofre mais
e vive peias, muitíssimas vezes, do que o escravos antigos” in Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 40.
365
Foi neste ano que Afonso Costa afrontou o movimento sindical com a mesma frontalidade com que o
fez com a Igreja, numa conferência na Imprensa Nacional sob o tema “Sindicalismo e Catolicismo”, os
protesto foram generalizados.
366
Costa Júnior, Lisboa, 1964, p. 76.
367
São várias reivindicações mas as principais eram: o aumento salarial, diminuição das horas de trabalho
sem redução do salário, contestação dos serões, pagamento de salários em atraso, fim das violências e
perseguições, coação, etc.
368
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 78.

71
Ainda hoje muita gente afirma que as greves criam incómodos 369 que levam à
ruína de muitas empresas e impedem os outros de trabalhar mas é precisamente nestes
inconvenientes que se baseia a força da greve, sem eles a luta pouco valia “eis a grande
arma”370.
O risco e sacrifícios que correm vale a pena face às melhorias que querem obter e
como são comuns a outros países, não colocam em causa as empresas nacionais, podem
prejudicar outras a que estão interligadas mas é nisso que se funda a solidariedade.
Não se conseguiu até hoje melhorias das condições de trabalho sem greves, não
existe outro método e por isso são justificáveis, são a arma por excelência da luta
operária, contra as injustiças, contra a fome e o livre arbítrio dos patrões a questão como
afirma Ulrich “é fazer bom uso dela”, já que a greve é o único meio, que o operário tem
de se fazer justiça a si mesmo”371.
Quem vende o seu trabalho deve exigir em contrapartida condições “e todo o
homem é livre de trabalhar ou de deixar de trabalhar conforme entender”. Se a lei
reconhece o direito à greve, “que não se estabeleça o uso ilimitado desse direito”. O
ideal seria que a legislação admitisse só as “greves verdadeiramente úteis e
convenientes para o operariado e reprimisse todos os mais” mas devia ser “limitado, de
harmonia com o interesse público e com a liberdade alheia” mas como tal não é possível
é “necessário é permiti-los todos, sem o que não haveria verdadeira liberdade”.372
No relatório da greve da Covilhã em Junho de 1912373, é referido que como não
conseguiam o aumento de salários e redução para as 10h, os menores que eram
pregadores de fios, função indispensável à produção foram instigados à greve o que
acabou com que fossem substituídos por adultos.374

Foi reconhecido neste relatório enviado ao Ministro do Fomento, “que havia um


grande fundo de justiça da parte dos operários, sendo para lamentar que eles não
tivessem formulado regularmente as suas reclamações, em vez de pretenderem fazê-los
vingar por meio de tumultos e arruaças” e acrescentava-se “Nas fábricas da Covilhã há

369
A greve tem em vista que o cidadão comum, privado de um serviço, sirva como forma de exigir a
reposição da normalidade.
370
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 385.
371
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 391-394.
372
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 393-395.
373
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 51-57.
374
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 53-54.

72
uma verdadeira exploração com o trabalho dos menores” mas reconhecia-se que o
decreto de 24 de Junho de 1911 era tal como muitos consideravam “inexequível”375.

Eram reconhecidas duas verdadeiras causas para esta greve por um lado “a falta
de seriedade nos contratos de trabalho, tanto por parte dos patrões como pelos
operários” e a presença de elementos perturbadores que “indiretamente” têm
manipulado o operariado.376

Grande parte das greves mesmo antes da Republica obtiveram resultados positivos
e foram atendidas as suas pretensões, nomeadamente na diminuição das horas de
trabalho, recusa na obrigatoriedade do pagamento do seguro contra acidentes trabalho,
alteração dos mestres de oficina, pagamentos, etc.377

Com o progresso de maior liberdade política e igualdade civil, surgem também


sociedades secretas, as greves vulgarizam-se e tornam-se até violentas, umas
espontâneas outras sem aviso prévio, sublevações, etc. A união faz a força mas o
egoísmo é humano e este arrasta multidões, a extrema miséria e o analfabetismo
dificultam uma união duradoura. Depois a intransigência de monárquicos e sindicalistas
na sua maioria libertários acabam por ficar de fora das soluções políticas.
Os patrões recusam-se a receber os membros das uniões. Ulrich afirma que ”a
experiência demonstra, que as situações dos operários de cada país melhoram na razão
direta do associativismo e piora na razão direta da sua decadência”378
São os sindicatos que contribuem para a melhoria das condições de trabalho e de
higiene, quer através das ações de sensibilização quer pelas diferentes formas de pressão
para melhores as leis laborais e reclamando uma maior liberdade para fazer contratos
com os patrões. Promovem a alfabetização379 e lutam contra o alcoolismo, promovem
acordos amigáveis com os patrões, impedem muitas vezes o recurso à violência nas
greves e nas ruas, tornando-as mais profícuas ao procurar razões justas sem

375
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 56.
376
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 90, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1914-1915, p. 57.
377
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 28-29.
378
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 327.
379
Um elevado de trabalhadores inscrevia-se nos cursos de alfabetização mas poucos chegavam ao fim
devido às dificuldades que lhes eram levantadas, nomeadamente os entraves colocados pelos pelos
“mestres” e patronato que tinham relutância em conceder 1h/dia para estudarem in José Santos, 1980, p
76.

73
comprometer o futuro e o seu estatuto. Muitos foram os sindicatos que ajudaram o
operariado em épocas de crise quer através do apoio direto ou através da recolha de
fundos.
A falta de liberdade de pensamento e os tiques perseguitórios são vistos no
preambulo deste decreto que revela a mentalidade do poder ao querer limitar a ação dos
sindicatos.380
Na Sociedade de Geografia de Lisboa em 17 de Dezembro de 1923, Cunha Leal
afirmava: “As ditaduras hão-de vir, quer queiram quer não, pela força inevitável dos
acontecimentos”.381

- Relatórios de greves

Num relatório do Boletim do Trabalho Industrial de 1909, não se considerava a


luta dos trabalhadores uma coalizão ou greve mas de uma conspiração da classe dos
tecelões que se “amotinaram” por terem sido obrigados a “serem prefeitos no trabalho,
cumpridores dos seus deveres, ordeiros e disciplinados na oficina”, o que provocou um
“péssimo efeito moral” ao agravar a relação entre patrões e operários. Originou a
violência dos tecelões para impedir a sua substituição o que implicou a violação da
liberdade do trabalho que motivou o lock-out, dando origem à ruína e a ilusão dos
operários que se deixaram arrastar pela “minoria de agentes perturbadores” habituados a
transformarem impunemente as greves na Covilhã em tumultos incoerentes e
brutais”.382 São estes inspetores que escondendo o “sol com a peneira” mostram que
muitos eram coniventes com o patronato, diziam que as coisas estavam melhores em
cada ano que passava e até as condições de higiene estavam “em situação muito regular
e satisfatória”.383

380
“ocupando-se estas associações unicamente dos interesses profissionais e mantendo-se estas
associações unicamente dos interesses profissionais e mantendo-se alheios à política, podem ser elemento
de ordem e de progresso. Para aquelas que se desviarem do fim especial, para que foram instituídos, à
neste projeto de decreto e na legião neste projeto de decreto e na legislação geral os necessários meios de
repressão”.
381
Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.
132.
382
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 30, Lisboa, 1909, p.
52.
383
Idem, p. 12.

74
Também no Funchal houve uma paralisação que quase gera o encerramento de
todo o comércio durante 2 dias como forma de protesto contra o regime cerealífero que
originou violência, tumultos, saques, feridos e até uma vítima mortal.384

O ano de 1911 e 1912 foram particularmente movimentados no que diz respeito às


greves, muitas por solidariedade, foi o caso das greves dos trabalhadores rurais duraram
seis dias. Os operários da construção civil do concelho de Évora, só foram regressando
ao trabalho à medida que as revindicações iam sendo satisfeitas.385 Fecharam-se fábricas
e oficinas, o abismo da anarquia aproximava-se e as associações sindicais tornaram-se o
centro difusor de novas doutrinas. Os que antes defendiam a liberdade agora iam contra
a liberdade dos outros à força das armas para que os proprietários fechassem as portas
das pequenas empresas386.

Muitos dos protestos eram contra a concorrência que diminuía os salários, o uso
das máquinas que provocavam o aumento do desemprego. Num relatório de 1911387 era
referido que as queixas eram predominantemente sobre as más condições de vida,
habitação, alimentos, arrendamento, falta de higiene e era pedido o fim dos impostos de
consumo nos bens essenciais388. No mesmo relatório era notório que em geral não eram
exigidas um numero superior às 10h de trabalho diário e era respeitado o descanso
semanal, no entanto devido aos baixos salários, muitos vezes partia do próprio
trabalhador o pedido de ultrapassar esse limite mas não deixavam de ser reconhecidos e
apontados alguns abusos onde a excessiva carga horária afetava também os menores.389

Tanto os patrões como operários não conheciam os decretos muitos meses depois
de publicados e quando os conheciam conformavam-se. Os próprios mapas dos
relatórios eram sempre aproximados já que não era obrigatório para os industriais,

384
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 104, Lisboa, 1916,
p. 10.
385
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 77, Lisboa, 1912-
1913, p. 10.
386
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 87, Lisboa, 1912-
1913, p. 7.
387
Da autoria do eng. José de Oliveira Simões, 10 de Agosto de 1911 in Boletim do trabalho Industrial,
República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 49, Lisboa, 1910-1911.
388
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 49, Lisboa, 1910-
1911, p. XIV.
389
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 49, Lisboa, 1910-
1911, p. XXI.

75
fornecerem informações dos seus estabelecimentos.390 Mesmo mais tarde em relação
aos acidentes de trabalho na “maioria dos casos, os juízes de paz não fazem caso algum
destes preceitos”, dizia-se que fora do concelho do Funchal era raro ter conhecimento de
acidentes de trabalho a não ser que estes assumissem proporções tão graves que
apareciam nos jornais391 os juízes de paz, pessoas com instrução e “avisados das
formalidades a preencher, limitam-se a mandar o que recebem”, tardiamente e assim os
verbetes vêm com faltas e defeituosa redação.392

Existia a ideia na época que tendo em conta a situação da indústria, o atraso da


agricultura e a economia em geral não era ainda viável o dia normal de 8h de trabalho
diário. Não era apenas a forma ainda incipiente e pouco desenvolvida da economia era
também o preço elevado do capital, a falta de mercado externo, o facto de sermos um
pais periférico o que encarecia o custo das matérias primas e do transporte de produtos
em geral e de dificilmente os compradores externos se fixarem a um produtor e
dificilmente mudarem para um desconhecido, periférico sem reputação no mercado.

As revindicações393 eram muitas perante as más condições, no relatório de uma


importante fábrica394 lisboeta em 1916 era referido que ali não existiam greves nem
perturbações e eram os próprios operários a defender a empresa dos elementos
perturbadores395. Dizia-se que todos os trabalhadores com mais de 12 anos não fazem
serões, descansam 1h, têm tolerância de 5 minutos ou mais tarde, se forem reincidentes
390
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 106, Lisboa, 1916-
1918, p. 6.
391
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 106, Lisboa, 1916-
1918, p. 8.
392
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 106, Lisboa, 1916-
1918, p. 9.
393
Associação de trabalhadores rurais – pede também o benefício da lei dos acidentes do trabalho, cultivo
dos baldios, terrenos abandonados, salário mínimo e horário de trabalho. 393
Vendedores de leite – que se proíba a venda de leite desnatado ou que se use bilhas especiais. Que se
proíba a venda ambulante com gado passeando pelas ruas.393
Empregados do comércio pediam o cumprimento do descanso semanal e o respeito pelo horário de
trabalho do comércio.393 O regulamento do decreto n.º 5:516 de 7 de Maio de 1919 do comercio, o
horário era desde a 9h às 19h no máximo com folga de 2h e não mais de 5h consecutivas (art. 1.º). Nas
feiras e mercados podem abrir às 7h e fechar às 21h, considerando-se o tempo que exceder o horário
normal como horas extraordinárias. O art. 3.º trata das excepções, sejam, carnes e peixes, quiosques,
tabacarias, pastelarias, leituras, cervejarias, cafés, restaurantes, etc. E o decreto n.º 10:782 de 20 de Maio
de 1925 vai alterar as disposições regulamentares do 5:516 como cedência ao patronato sobre o horário de
trabalho de modo a garantir uma melhor execução até porque a portaria n.º 4:442 de 29 de Junho de 1925
tinha procurado defender os trabalhadores sem prejudicar os interesses do comércio e indústria,
afirmando-se que sempre que elas aleguem a necessidade de um horário mais prolongado será permitido
realizar por turnos ou pagando “o trabalho extraordinário pelo dobro do normal”.
394
Fábrica de Francisco de Almeida Grandela, S. Domingos de Benfica, Lisboa.
395
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 105, Lisboa, 1916,
p. 48.

76
não entram. Tinham direito ao descanso semanal, não eram aplicadas multas mas os
estragos provados que tinham sido provocados pela falta de atenção do operário são
pagos em prestações semanais até completar o seu valor. Trabalham 9h/dia “porque não
quiseram trabalhar só 8”. Junto à fábrica tinham creche, o leite396 era de vacas próprias
da empresa e as mães podiam amamentá-los ao meio dia.397

O decreto n.º 10:539 de 11 de Fevereiro de 1925 praticavam abusos e fraudes que


convinham reprimir já que no mesmo estabelecimento se vendia leite de dois tipos um
completo e o desnatado e havia que prescrever as percentagens mínimas de gordura e de
extrato seco. Isto era um assunto sensível já afetava não só os adultos mas
principalmente as crianças e os velhos e os doentes. O decreto n.º 10:708 de 19 de Abril
de 1925 especifica a percentagem de gordura e extrato seco nas cidades e vilas é
proibida a existência de desnatadeiras nos estabelecimentos de venda de leite (art. 4.º) e
o leite complete será sempre em vasilhas diferentes das do leite desnatado (art. 5.º).

Antes do golpe sidonista, o movimento operário estava mais ativo que nunca,
Brito Camacho diria que tinha entregue o poder a Sidónio Pais para impedir a “ralé” de
o tomar.398 É nesta confusão que surgem as condições óptimas para o milagre de Fátima
lançado por um clero conservador. O apoio a Sidónio é enorme, desde a Igreja até ao
operariado, ricos e pobres, latifundiários e proletários mas depressa ia mudar com
achegada de uma Constituição presidencialista com o nome de Lei Eleitoral n.º 39977399
que alterava a de 1911 e iria inspirar a de 1933.

396
Foi na altura assunto debatido sobre a qualidade do leite e a 23 de Dezembro de 1899 o decreto aprova
as providências relativas à fiscalização da venda do leite de vaca puro sem adicionamento de outras
substâncias e os outros que não são de vaca puro, derivados ou processados devem trazer no receptáculo
em que são expedidos a denominação do leite de que são derivados (art. 1.º).
397
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 105, Lisboa, 1916,
p. 47.
398
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 130.
399
Esta lei dava o voto aos analfabetos que eram mais monárquicos e dava mais poderes ao Presidente da
Republica. A lei anterior republicana excluía os analfabetos com a desculpa que era necessário escolarizar
até estes seriam em princípio menos monárquicos.

77
11 - O associativismo, cooperativismo e os socorros mútuos

Inspiradas nas Trade-Unions inglesas as associações de socorros mútuos, as


cooperativas e o movimento unionista em geral tem por objetivo a melhoria das
condições de vida do operário e a sua autonomia económica.
Com o fim das corporações algumas continuaram sob a forma de confrarias
religiosas ou de socorros mútuos. As associações de livreiros, sapateiros, ourives, entre
outros eram as mais antigas.
O Eng. Sousa Brandão viveu exilado em Espanha e França, estudou em Paris,
vendo como os operários eram mal pagos, sofriam castigos corporais, faltavam
condições de salubridade, horários longos acabou por fundar com dinheiro próprio a
Associação Operária e o primeiro periódico socialista em Portugal o jornal Eco dos
Operários400 destinados à causa e defesa dos operários e depois a Cooperativa
Industrial Social401. Foi assim desde 1850 o grande dinamizador do movimento
operário e foi um dos fundadores do Centro Promotor dos Melhoramentos das Classes
Laboriosas402 em 1853 cujos estatutos redigiu tendo por base a A.I.T. e defende a
criação de um banco de crédito, o “Banco do Povo”, para proteger as pequenas
industrias, comprar matérias primas, dar instrução e socorro. Tentou criar regras
coletivas, contribuiu para a melhoria das condições de trabalho também muito por
influência dos movimentos da internacional onde militavam espanhóis que procuraram
refúgio em Lisboa em virtude da repressão aos simpatizantes da Comuna de Paris, mas
tudo isto só seria possível com a criação de uma federação.
Em 1872 a Fraternidade Operária contava com 6000 associados nesse ano dá-se a
greve dos Tecelões de Lisboa e o movimento alastra e em 1876, Azedo Gneco
testemunhou mais de 50 greves de vários ofícios e por vários circunstâncias mas o
patronato reagiu e os resultados acabaram por ser desfavoráveis ao operariado porque

400
Juntamente com António Pedro Lopes Mendonça (jornalista, dramaturgo, romancista) e mais tarde,
Francisco Vieira da Silva Júnior.
401
Escrevia José Fontana sobre a intenção da generalização do cooperativismo “… haverá de absorver o
patronato e o salariato de hoje.” In Costa Júnior, Lisboa, 1964, p. 104.
402
José Fontana, Antero de Quental, Oliveira Martins, Lúcio Fazenda , Azedo Gneco, Felizardo Lima,
etc.
Centro Promotor de Melhoramentos das Classes Laboriosas, os seus estatutos tinham por base a AIT. Em
1871 a Comuna de Paris dinamiza este movimento. Em 1878 tinham 17 associações em 79 surge uma
dissidência e em 80 já estava reduzido a 9 associações. Desde 85 que o anarquismo aumenta e surge um
confronto entre os que defendem reformas de Luis Figueiredo (socialistas possibilistas) e os marxistas ou
revolucionários de Azedo Gneco (socialista absoluto) este último é preterido pelo fação do primeiro.
Havia ainda um grupo mais pequeno dos chamados socialistas de Estado onde estava Sousa Brandão,
Costa Goodolphim, Liberato Correia, Augusto Fuschini, Oliveira Martins, Jaime Batalha.

78
este não se soube manter unido nos momentos em que isso era exigido e foi essa
desunião que levou à derrocada da Fraternidade Operária.403
As associações de socorros mútuos tinham também o intuito de difundir o ensino
técnico e elementar, organizar asilos para inválidos, etc., o jornal do Centro Promotor
era o seu órgão de difusão.
A 10 de fevereiro de 1890 surge um decreto que autoriza o governo a regular estas
associações promulgadas pelo decreto de 28 de fevereiro de 1891 que regulava a
organização das associações de socorros mútuos com vista a proteger o operário.
Chama-se aqui a atenção do Rei que a maquinização tem vindo a substituir a
manufatura o que implicou uma alteração radical que depreciou o operário, criou
desconfiança e de concessões não voluntarias que não foram compensados. Esta
legislação esteve na origem de um conjunto de outros diplomas que se seguiram como
os regulamentos de árbitros avindores, trabalho feminino e de menores e que
precederam outros como as de associação de classe e de responsabilidade pelos
desastres no trabalho. Referia-se no decreto que o objetivo era o de socorrer os doentes,
custear funerais, pensões às viúvas e órfãos, pensões para aqueles que estivessem
impossibilitados de trabalhar tal como constava no art. 1.º, já que no art. 3.º referia que
as associações tinham de no mínimo ter 25 sócios.
Legislar não era suficiente, várias associações tinham desaparecido e para tentar
colmatar esta situação surge o decreto de 2 de outubro e 25 de novembro de 1896 que
aumentaram para 500 o número mínimo de sócios para fundar uma associação (mais
tarde diminuíram para 200).
Por portaria régia de 12 de junho de 1897 foi lançado o inquérito sobre o estado
económico das associações de socorros mútuos que viria a ser concretizada só para
Lisboa. Existiam em 1898, cerca de 190 associações com 102000 sócios404 na capital.405
Guilherme de Santa Ritta, o único que procedeu ao inquérito, conclui que “era fictícia a
vida dessas associações” em virtude da ausência de bases científicas, administração
onerosa e em alguns casos pouco escrupulosa.406

403
Joel Serrão, 1979, p. 9-10.
404
Havia quem fosse sócios de mais de uma associação de socorros mútuos.
405
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 62.
406
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 62.

79
As associações eram no geral pouco úteis, o decreto de 28 de janeiro de 1905
criava uma caixa de pensões, estabelecia a reforma ou aposentação por incapacidade
permanente aos operários e jornaleiros dos serviços elétricos e telégrafo-postal.
Mas não era para todos, a 24 de Agosto de 1911 surge um decreto que aprova o
regulamento para concessão de socorros de assistência pública407 em Lisboa e a quem
eles não devem ser concedidos (art. 15.º), como aos que não querem trabalhar, aos que
habitualmente se embriagam, aos mendigos de profissão, mulheres de mau porte porque
todos estes recaiam no domínio da correção penal excepto em casos especiais. Por isso
devia procurar-se nas condições de trabalho normal que os trabalhadores se associem
para formar caixas de socorro (art. 22.º).408 Era importante a todo o operariado e não só
aos do Estado, o que nasceu pobre também deve ter acesso ao “meio de se tornar igual
em direitos civis e políticos ao homem que nasceu rico”.409
O imposto do Real d’Água era uma taxa de consumo410 pouco produtiva que
atingia 21%. Augusto Fuschini, em 1893, defendeu a incorporação deste imposto na
contribuição predial mas não teve sucesso411. É que além deste imposto existia ainda
uma serie de impostos especiais que vinham de 1878 que incidiam sobre o vinho412,
vinagre, uvas, etc.413 Estes impostos eram excessivamente onerosos para as classes mais
desfavorecidas daí a importância das associações de socorros mútuos se unirem para
defenderem a substituição por um imposto direto ou progressivo de acordo com os
rendimentos.

Ao contrário destas industrias o tabaco é independente de outros meios de


produção e como tal pode ser taxado sem prejudicar outros industrias de primeira
necessidade e depois como é um vicio é socialmente aceite esse encargo que chegou em

407
Decreto de 30 de Outubro regula o lançamento e cobrança do imposto especial destinado ao fundo
nacional da assistência publica.
408
Em 1914 o decreto n.º 298 de 29 de Janeiro amplia o de 3 de Janeiro para garantir maior justiça na
aplicação dos socorros da Assistência Pública que devia ser feita por uma comissão que formulava o
regulamento (tinham um mês para o fazer) cujo diretor geral representava o governador civil e o provedor
da Assistência.
409
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 74.
410
Atingia vários alimentos, líquidos alcoólicos, combustíveis, iluminantes, etc.
411
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 36.
412
O decreto de 23 de Maio 1911 o vinhos de região duriense devem ser abrangidos pelo real de água em
harmonia com a art. 13.º da Carta de lei de 13 de Setembro de 1908.
413
Pela carta de lei de 27 de Abril de 1896 determina quais os produtos que são fabricados e consumidos
no continente e ilhas adjacentes que ficam sujeitos aos impostos de fabricação e de consumo, fixando
preços para produtos como açúcar, óleos, manteigas, velas, etc. (art. 3.º).

80
1860 a ser 1/8 do orçamento de Estado que em Inglaterra e na França era de 1/12 e 1/13
respetivamente.414

O princípio do associativismo mutualista terá surgido em Portugal em 1848 graças


às influências e desenvolvimento que os acontecimentos políticos em França tiveram no
operariado nacional. No mutualismo415 não existe especulação mas o reconhecimento da
consciência do apelo da solidariedade. No mútuo substituem-se os intermediários, um
pequeno acidente, uma doença que provocasse a falta no trabalho era suficiente para
lançar uma família na miséria e o seguro dá segurança416, torna os homens iguais
perante infortúnio, fazer um seguro não é ser egoísta, é pensar na família e naqueles que
lhes estão mais próximos e que necessitam do seu sustento.

Referia Villela que o seguro público é preferível ou privado, é mais eficaz, a


dispersão de valores é menor e é mais justo. O seguro devia ser visto como uma
necessidade geral, como é uma padaria, um mercado, os correios, transportes, estradas,
caminhos-de-ferro, iluminação pública, higiene, etc., ou seja, ter carácter público e
social.417

Para José Ernesto Dias da Silva418 o seguro de sobrevivência devia abranger as


viúvas e órfãos já q a mutualidade centra-se no individuo e não na sua família, a não ser
num “socorro platónico” tipo médico mas uma vez falecido ninguém se preocupava e se
a mutualidade se centra no individuo acaba por ser instável já que de criança, passando
por adulto até envelhecer havia o cuidado de prevenir aqueles que deixava e a família
era de todas as formas associativas a mais natural e como tal deve merecer um lugar
especial mas poucas se compadecem achando que o homem só veio ao mundo para
trabalhar. Os filhos e as esposas ficavam abandonados à sorte, a sociedade não estava

414
Maria Filomena Mónica, 1992, p. 462.
415
Em 1909 eram já 628 associações mutualistas e 700 em 1921 in David Pereira, 1997, p. 59.
416
Em relação à segurança e em virtude da violência, bombas, destruição de propriedade, incêndios
provocados por grevistas, existia o sentimento de insegurança e falta de polícia, Portugal passa a ser um
grande consumidor de um novo seguro contra tumultos autorizado pelo Concelho de seguros que só EUA,
Inglaterra e Portugal tinham este tipo de seguro durante o período de 1912 até 1917, além disso vai
aumentar a procura pela segurança privada, nomeadamente guardas noturnos in III Congresso I República
e Republicanismo 2015 por Gonçalo Çonçalves, “A Comodificação da Desordem: Incêndios, Seguros e o
Imaginário da Insegurança em Portugal, 1910-1917” é o exemplo da portaria de 24 de Julho de 1913 que
autoriza a Companhia de Seguros Confiança Portuense a explorar novos ramos de seguros,
nomeadamente os riscos de incêndio proveniente de greve ou tumultos ocasionados por greves.
417
Alvaro da Costa Machado Villela, Seguros de Vidas (esboço histórico, económico e jurídico),
Imprensa da Universidade, Coimbra, 1898.
418
“Da Mutualidade na Assistência às viúvas e aos órfãos”, Congresso das Associações de Socorros
Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45,
Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.

81
preparada para o infortúnio, as instituições de socorros mútuos eram poucas,
principalmente nas cidades, com poucos associados já que o salário operário não
permitia o pagamento de quotas.419

Em 1910 Alemanha, Áustria, Bélgica, Inglaterra e França, já tinham seguros


contra invalidez e velhice, reforma, seguros ou instituições que se encarregavam de
suprir essas faltas.420 Assegurar ao operário na doença, invalidez, velhice e desemprego,
o salário “constitui um dever da sociedade, para o qual o operário por igual da melhor
vontade deveria concorrer na proporção das suas forças”.421

Chegados a 1920 Portugal tinha uma legislação social, vasta e bastante completa
em comparação com outros países europeus, a solidariedade foi uma conquista social de
grande importância, abrangia quase todos os riscos profissionais por conta de outro
indivíduo ou entidade, obrigatório para o empregador e abrangia quem estivesse ao seu
serviço.

O cooperativismo

Alem das associações de socorros mútuos existiam o cooperativismo


impulsionados também por Sousa Brandão e José Fontana422.
A lei de 2 de julho de 1867 referia que o fim das cooperativas era o de “auxiliar os
sócios no desenvolvimento da sua indústria, do seu crédito e da sua economia
doméstica; comprar para vender aos associados e a estranhos as coisas necessárias à
vida, alem de sementes, adubos agrícolas e matérias-primas; aluguer de máquinas e
instrumentos necessários à indústria; organizar oficinas de trabalho comum e vender os
produtos; vender por conta dos donos os produtos de indústria doméstica ou fabricados

419
Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica
Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911, p. 100.
420
Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica
Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911, p 101.
421
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 3, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 14.
422
De seu nome Giuseppe Silo Domenico Fontana, era Suíço, foi livreiro, publicista, intelectual e
activista cujos discursos de romântico exacerbado levava multidões ao rubro. Foi um dos organizadores
das Conferências do Casino. Com apenas 35 anos de idade, tuberculoso, suicidou-se, perdendo o partido
socialista, grande orador, uma das suas mais importantes figuras.

82
isoladamente; construir casas; e fazer operações de crédito para os sócios
exclusivamente” mas muitas destas cooperativas acabaram com grandes deficits.423
O direito de associação, estava reconhecido para fins civis ou comerciais,
beneficência, instrução, recreio e mutuo auxílio. O decreto de 15 de junho de 1870
permitiu a liberdade de associação e reunião que supria a lacuna da Carta
Constitucional424 mas o decreto n.º 1 de 29 de Março de 1890 que regulava novamente o
direito de reunião afirmando que são uma garantia da liberdade e promove o
desenvolvimento e estas são inseparáveis das garantias da ordem pública e defendem o
respeito às instituições políticas e dão garantias de ordem pública mas com restrição se
as reuniões não fossem realizadas em recintos fechados. Por isso pela portaria de 20 de
Fevereiro de 1891 “determina que os governadores civis exerçam ativa e constante
vigilância sobre as associações ou coletividades que se desviem dos fins para que foram
constituídas” reforçado pelo decreto de 9 de Dezembro de 1897 onde se declara que os
funcionários civis do Estado não podem celebrar congressos de classe sem previa
autorização do governo (art. 1.º) era considerado um direito garantido por lei mas o
governo tinha de regular esse exercício.
Thomaz Ribeiro sensibilizou-se com a causa operária proibindo no decreto de 28
de fevereiro de 1891 tivessem nos seus estatutos preceitos alheios aos seus fins. Com
estes decretos as associações de classe podem ter mais de 20 pessoas425 com a mesma
profissão ou correlativa426, sejam operários ou patrões, empregados ou mistos. Tem
individualidade jurídica possuir prédios urbanos, dispor de quotas e rendimentos, etc.427

423
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 76.
424
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 90.
425
Código Penal 16 de setembro de 1886
Art.º 130.º Aquele que faltar ao respeito à religião do reino, católica, apostólica, romana, será condenado
na pena de prisão correcional desde um até dois anos…
Art.º 282 toda a associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida em seções de menor numero,
que, sem preceder autorização do Governo, com as condições que ele julgar convenientes, se reunir para
tratar de assuntos religiosos, políticos, literários ou de qualquer outra natureza, será dissolvida, e os que a
dirigem e administrarem serão punidos com a prisão de um mês e seis meses. Os outros membros serão
punidos com a prisão até um mês. In António Ferreira Augusto, Coimbra, 1905, p. 245.
426
Relatório do decreto de 9 de maio de 1891 não permitia a constituição de sindicatos com menos de 21
associados o que era difícil fora das cidades.
427
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 91-92.

83
As maiores associações cooperativas eram as dos manipuladores do tabaco de
Lisboa e Porto, manipuladores de fósforos428, marítimos, trabalhadores fluviais do
Porto, corticeiros, marceneiros, construtores civis, fabricantes de calçado, etc.429
Para Custodio Mendonça430 os socialistas, os coletivistas e os anarquistas
moderados defendiam o cooperativismo como um meio para a diminuição da
propriedade individual, uma forma de atingir uma sociedade mais humana e igualitária.
Do outro lado defendia-se que o cooperativismo era uma forma de beneficiar o
consumidor à custa de quem a produzia431 e por isso era muito criticado pelos
anarquistas mesmo quando muitos deles eram sócios por questão de necessidade432.

A Alemanha é muito desenvolvida em termos agrícolas e isso devia-se também ao


cooperativismo agrícola que lutava contra a usura dos campos, desenvolveram a as
caixas de crédito agrícola entre associados.

Mas em Portugal a lei de 2 de julho de 1876 não consagrou estímulos à formação


das cooperativas. Só o decreto n.º 3:618 de 27 de novembro de 1917, de forma a
contrariar os efeitos da guerra, estava o Governo autorizado a fazer empréstimos às
cooperativas433. Em 1916 existiam em Portugal 140 cooperativas mas faltavam dados
estatísticos.434

Para muitos anarquistas o mutualismo e o cooperativismo eram impotentes,


podiam até para os trabalhadores “ser danosos e maléficos quando embaralhados e
confundidos com a resistência, no sindicato”, eram um engodo que “em breve vem a
paralisar ou a matar a ação de resistência…”.435 Os operários entravam nestas

428
A importância destas associações e das indústrias está no decreto de 19 de Julho de 1901 onde era
dada à Companhia Portuguesa de fósforos o direito de estabelecer uma fiscalização preventiva com
agentes especiais da sua confiança para descobrir “descaminhos e transgressões.”
429
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 93.
430
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 48-55.
431
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 48.
432
A ideia era a de ser patrão de si próprio, não mandar nem ser mandado era uma razão do ideal
libertário in João Freire, Porto, [1992], p. 190.
433
Foram os principais criadores de legislação cooperativista: Costa Goodolfim, José Fontana, Sousa
Brandão e Marnoco e Sousa.
434
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 55.
435
Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 123.

84
associações “sem disposição para a luta e apenas com a mira no subsídio ou nas
vantagens cooperativas”.436

12 - Seguros obrigatórios, o embrião da previdência social

Já no Talmude da Babilónia existia o seguro para os viajantes hebreus, a ideia de


seguro consiste na difusão do dano por um grande número de indivíduos sujeitos ao
mesmo risco.
Foi Silvestre Pinheiro Ferreira quem primeiro fez um projeto de um banco de
socorro e de seguro mútuo em 1836437. Os seguros principais eram o de invalidez e
velhice, doença, inatividade, acidentes de trabalho.
A mutualidade corporativa distrital é preferível tendo em conta a vigente teoria do
risco para os acidentes de trabalho, a organização dos seguros deve ser exercida pelas
sociedades mútuas federadas, obedecendo às regras do seguro.438
Para F. Emygdio da Silva a preferência ia para as sociedades mútuas mas tal só
seria possível quando a iniciativa e educação geral o permitirem. Nos EUA são
predominantes mas na Inglaterra um terço da população desenvolveu não as mutuas mas
“friendly societies”.439
O legislador afastou-se do sistema alemão que permitia a devassa o n.º 2 e n.º 3 do
art.º 49.º da lei de 9 de Setembro de1908, contem as bases em que as sociedades têm a
autorização para operar em Portugal tendo que dar garantias aos segurados e pagar
impostos se “os prémios das companhias já são o imposto que uma pessoa paga para se
segurar; como justificar um imposto sobre este imposto?”.440
O seguro de vida é a melhor garantia que o cidadão pode dar ao Estado de que
nunca cairão a cargo da sociedade a sua mulher e os seus filhos”.441 Com a República

436
Neno Vasco, Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984, p. 123.
437
Fernando Emygdio Silva, Seguros Mutuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 195.
438
Fernando Emygdio Silva, Seguros Mutuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 298.
439
Fernando Emygdio Silva, Seguros Mútuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 331.
440
O imposto é uma perturbação grosseira no seguro, apesar de o Estado perder dinheiro o interesse em
generalizar o seguro é essencial para o país in Fernando Emygdio Silva, Seguros Mútuos, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1911, p. 350 e 356.
441
Fernando Emygdio Silva, Seguros Mútuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911, p. 356.

85
vão surgir muitos pedidos de seguradoras para exploração de novos ramos de seguros
contra os acidentes de trabalho442.
Manuel de Vasconcelos em Março de 1917 defendia que a forma de previdência
era injusta443, isto porque muitos trabalhadores não tinham morada fixa em virtude do
seu trabalho ou porque estavam desenraizados, saíam do raio de ação da sua associação
e perdiam os direitos adquiridos. Por outro, grande parte dos trabalhadores circulavam
por varias empresas e assim não permite supor que o trabalhador envelheça ou fique
inválido ao serviço de uma só empresa, já que é normal procurar melhor salário.
A “maioria dos nossos operários e empregados tem descontado nos seus salários e
ordenados a vida inteira para caixas de socorros e chegam ao dia da invalidez ou da
velhice sem ter direito a subsidio algum”444. Isto acontecia principalmente nas caixas de
invalidez e velhice, anexas às fábricas, oficinas e comércio sob tutela patronal. É que
existiam patrões que não viam no operário senão “…o limão a espremer, e mais
nada.”445 Um trabalhador que vá de Lisboa para o Porto, os fundos deviam ser
transferência de uma associação para outra mas as cotas e as regalias são diferentes. O
que faltava era o seguro de doença, invalidez e velhice, cabia à caixa Nacional de
Previdência446.
A lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913447 estabelece o direito à assistência clínica,
medicamentosa e indemnização para os operários e empregados vítimas de acidentes de
trabalho sucedido pelo serviço profissional e em virtude desse serviço, os operários e
empregados em fábricas, oficinas e estabelecimentos comerciais onde se faça uso de
uma força distinta da humana448 apresenta a noção para o que se considera acidente de
trabalho449, sobre as indemnizações450 e seguradoras451.

442
Portaria de 24 de Outubro de 1913 autorizava a Companhia de Seguros. A Mundial. Portaria d(5) de 15
de novembro de 1913 autoriza as companhias de seguros: A Lusitania, A Nacional, Portugal Previdente,
A Mutualidade Portuguesa, A Equitativa de Portugal e Ultramar.
443
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 162.
444
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 162.
445
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 162.
446
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 163.
447
Vai-se com o tempo generalizando a outras profissões como aos caixeiros viajantes e de praça (lei n.º
801 de 3 de Setembro de 1917).
448
Minas, pedreiras, metalurgia, construção terrestre e naval, produtos tóxicos, inflamáveis, insalubres,
explosivos, etc. (art. 1.º).
449
“Toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica […] intoxicação agudas
produzidas durante e por causa do trabalho e as inflamação dos bolsas serosas profissionais.” (art. 2.º).

86
No relatório sobre o seguro obrigatório contra os desastres no trabalho, criado por
decreto com força de lei n.º 5:637 de 10 de Maio de 1919452, Estevão de Vasconcelos
que foi um dos maiores defensores do operariado principalmente no que diz respeito aos
acidentes de trabalho453, refere que a lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913 era muito restrita
e excluía muitas profissões que ficavam sem assistência médica e medicamentosa como
era o caso do trabalho domestico e os rurais que na altura representavam a larga maioria
da população. O artigo 23.º deste decreto foi regulado pelo decreto n.º 183 de 24 de
Outubro de 1913 sobre o direito de assistência clínica, medicamentosa e indemnizações
para os operários e empregados vítimas de acidentes de trabalho e refere no art. 1.º que
os empreiteiros são responsáveis pelos acidentes de que sejam vítima os operários
menores de dezasseis anos e os aprendizes se estes não cumprissem as ordens e
instruções dadas454.
O decreto n.º 182 de 24 de Outubro de 1913 regula as disposições da lei de 24 de
Julho de 1913 sobre o direito à assistência clínica e medicamentosa e assistência aos
operários vítimas de acidentes de trabalho, segundo a lei de 24 de Julho poderá ser feita
por sociedades mútuas de patrões e por companhias de seguros anónimos e de
responsabilidade limitada de acordo com o decreto com força de lei de 21 de Outubro
de 1907 (art. 1.º).455
Para rectificar esta lacuna o decreto n.º 5:637 de 10 Maio de 1919 sobre “desastres
de trabalho” que ficou defendido o princípio da obrigatoriedade patronal, tornando-se
extensiva “a todos os profissionais em todo o risco”456. Para época foi já muito
revolucionário.
-Seguros obrigatórios na doença 10 maio de 1919.
O decreto n.º 5:636 de 10 de Maio de 1919 referia o art.º 1.º e 3.º que era para
“…todas as pessoas que exerçam uma profissão honesta dos 15 aos 75 anos de idade e

450
As indemnizações estão a cargo das empresas e patrões, o Estado e as corporações administrativas
cujos operários estejam ao seu serviço.
451
As companhias de seguros ou sociedades mútuas que desejem explorar estes seguros contra as doenças
e acidentes trabalho tinham de constituir-se pela lei de 21 de Outubro de 1907.
452
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 119.
453
Este termo começa já a substituir “desastres”.
454
Teria de ser afixado em sítio “bem visível” a lei n.º 83 3 os regulamentos respetivos” sob pena de
multa (art. 2.º). O “patrão” fiava isento de responsabilidade quando o acidente ocorrer em local fora das
suas funções ou (art. 6.º).
455
Para isso têm de se constituir e depois depositar na CGD uma determinada quantia (10000$) (art. 2.º).
Os patrões que não tenham transferido as suas responsabilidades para as companhias de seguros ou
sociedades anónimas deverão fazer os depósitos das reservas correspondentes às pensões na CGD, à
ordem do Conselho de Seguros (art. 8.º).
456
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 119.

87
que tenham rendimento anual superior a 900$00…” e o art.º 13.º que “estas pessoas são
obrigadas a inscrever-se como sócios efetivos das Mutualidades de seguro obrigatório
na doença, pagando as suas quotas semanais ou mensais voluntariamente ou por
desconto nos seus salários feito patrão.”
-Seguro social obrigatório contra a invalidez e velhice e a favor das viúvas e
órfãos.
O decreto n.º 5:638 que “…é decretado o seguro social obrigatório contra a
invalidez. Velhice e a favor das viúvas e órfãos para todas as pessoas que exerçam
qualquer profissão útil e tenham rendimento anual inferior a 900$.” “A pensão de
velhice correspondente ao salário por inteiro é concedida a todo o segurado logo que
tenha concluído 70 anos de idade e tenha pago 1410 cotizações semanais.”
O seguro social obrigatório contra os acidentes no trabalho abrange todos os
riscos profissionais por conta de outro indivíduo ou entidade.457 Era esta a única forma
de combater a pobreza a dar esperança aos trabalhadores no futuro já que reconhece a
existência de direitos e deveres por parte do empregador e do trabalhador, ambos tinham
obrigações que eram garantidos pelo Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e da
Previdência Geral.458 O trabalhador deveria contribuir com 1,5% da sua remuneração
até aos 70 anos de idade desde que cumpridos os seus deveres sociais.459
Os socialistas chegaram a ter 8 deputados e chegaram a ter dos mais importantes
ministros460. Em maio de 1919 são publicados vários decretos importantes como o das
8h/dia ou 48h por semana para os funcionários do Estado, indústria e comércio
(excluíam-se os rurais e domésticos, nestes estava incluída a hotelaria.
As horas extraordinárias eram pagas a dobrar mas eram uma forma de obrigar a
trabalhar mais pagando menos e havia que lutar pela sua abolição mas no setor público,
o Estado sabia tornear a questão e criava leis para que legalmente prorrogava o horário
em vigor nas obras da construção civil do Estado em Lisboa e nos demais serviços das
obras públicas dependentes do Ministério do Fomento.461
O desenvolvimento económico e a própria evolução trouxera mais veículos em
circulação e isto implicou mais acidentes pessoais com que a população ficou
457
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 409.
458
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 410.
459
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 411.
460
Augusto Dias da Silva em março de 1919 e Ramada Curto em janeiro de 1920.
461
Decreto n.º 333 de 31 de Março de 1915.

88
“justamente alarmada com a crescente frequência dos desastres…” não se altera a
responsabilidade baseado na culpa por ser conforme a nossa tradição jurídica, “apenas
inverte o encargo da prova, que fica pertencendo não à vítima mas sim aos responsáveis
pelos acidentes…” o que era uma inovação na responsabilidade civil nestes casos o que
tornaria mais fácil a obtenção da justa reparação do prejuízo e se reduziria “a
imprevidência ou imperícia dos condutores de veículos.” O art. 1.º refere de todo o
acidente pessoal causado por terceiro ou por qualquer transporte terrestre dá ao lesado o
direito de exigir uma indemnização pelo prejuízo sofrido. No art. 2.º os proprietários
mesmo não sendo causadores respondem solidariamente com o autor.
O ISSOPG (Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e Previdência Social) não
teve a utilidade que era desejada durante a República. Logo na aprovação da legislação
em Maio de 1919 as organizações patronais e médicos colocaram reticências que em
conjunto com a inflação do pós-guerra criaram dificuldades e os escalões salariais
ficaram desatualizados462.
Em 1919 com o Partido Socialistas no governo de José Relvas e Domingos
Pereira463, é Augusto Dias da Silva que finalmente consegue dar algumas respostas à
“questão social”, nomeadamente às 8h, seguros sociais obrigatórios e os bairros sociais,
foi por isso decisiva a ação do ministro socialista Augusto Dias da Silva, um defensor
de um amplo programa de reformas políticas e sociais, sob influência de ideias e
legislação que surgiram na Europa e nos EUA, nomeadamente através da ação da OIT
da qual Portugal foi membro fundador.
Em meados do séc. XIX as misericórdias e instituições filantrópicas tinham um
importante papel mas era claramente insuficiente, as necessidades da população eram
muitas, as associações não conseguiram dar satisfação e depressa se aperceberam que
era essencial o papel do Estado.
Em 1911 no Congresso Nacional da Mutualidade existia a preocupação dos
seguros de acidentes de trabalho, cujos números eram muito maiores que os das
estatísticas pelo que deveria ser criada legislação para que vinga-se o principio da
responsabilidade dos patrões sobre os seguros de acidente de trabalho e acabaram por
influenciar a lei de 24 de julho de 1913, sobre acidentes de trabalho.

462
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 440.
463
São mais de 340 decretos neste período por ele lançados.

89
De acordo com a doutrina da solidariedade social, estender o seguro a todos os
trabalhadores era o ideal para garantir a paz social, evitar a fuga para as cidades, o
aumento da emigração. Estender a situação de doenças, invalidez e velhice, acidentes de
trabalho e desemprego mas tinha-se a noção que o sistema não se podia sustentar sem
apoio do Estado. O modelo de outros países europeus sobre os seguros obrigatórios que
o fizeram de forma faseada em Portugal logo em 1919 se defendeu todo um conjunto
seja doença, acidentes trabalho, invalidez, velhice, sobrevivência.464
A lei sobre acidentes de trabalho de1919 estende os benefícios do setor industrial
a outros trabalhadores. Surgiram cinco decretos com força de lei a 10 de Maio de
1919.465 Os seguros obrigatórios já estavam em vigor em vários países como a
Alemanha, Áustria, Suíça, Dinamarca, Suécia e Noruega. É reconhecida a influência
estrangeira principalmente inglesa, onde teve grande ação o primeiro-ministro inglês,
Lloyd George, a quem era reconhecida a ação nos decretos n.ºs 5636 e 5638.466
O decreto n.º 5640 é a “aliança entre o capital e o trabalho, pois é nessa aliança
que se encontra a solução de todos os problemas futuros da natureza económica e
social”.467 Era reconhecido pela legislação a importância da anterior ação das
mutualidades livres e pela associação de socorros mútuos e a ausência do apoio
financeiro por parte do Estado nos fundos de pensões na formação do modelo
português.
O decreto n.º 5636 sobre o seguro social obrigatório na doença refere o carácter
universal onde todos os indivíduos dos 15 aos 75 anos de ambos os sexos deviam estar
obrigatoriamente inscritos.
O decreto n.º 5637, seguro social obrigatório contra desastres no trabalho refere a
responsabilidade dos patrões em assumir o risco que fazem parte do trabalho dos seus
funcionários, o objetivo era o da responsabilidade patronal ser extensivo a todos os
trabalhadores. Este decreto define de forma rigorosa como seriam pagas as

464
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 446-447.
465
Decreto n.º 5636 - Seguro Social Obrigatório na Doença.
Decreto n.º 5637 – Seguro Social Obrigatório contra desastres no trabalho.
Decreto n.º 5638 – Seguro Social Obrigatório contra invalidez, velhice e sobrevivência.
Decreto n.º 5639 – Organização das bolsas sociais de trabalho.
Decreto n.º 5640 – Organização do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Desenvolvimento.
466
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 448.
467
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 448.

90
indemnizações de acordo com a gravidade, o salário e o agregado familiar do
trabalhador.
Seriam as sociedades mútuas de patrões ou as companhias de seguros, nacionais
ou estrangeiras que deveriam explorar os seguros. Deveriam fazer um depósito
antecipado das garantias e das reservas matemáticas das pensões, à taxa de 4,5% sobre o
valor do salário na tesouraria do ISSOPG. Isto significa que o Estado se limitava a
fiscalizar a gestão deste seguro totalmente suportado pelo patronato.468
O preambulo do decreto n.º 5638 regula o seguro social obrigatório contra a
invalidez, velhice e sobrevivência era essencial para minorar as dificuldades da
população. Era um complemento dos seguros de doença e acidentes de trabalho,
aplicado a todos os trabalhadores dos 15 aos 65 anos com o salário anual inferior a
900$.
As quotas pagas pelo patronato asseguravam a manutenção deste seguro, 6% do
salário dos trabalhadores e por 1,5% do salário do assalariado. O Estado geria mas não
tinha aqui encargos no capital para assegurar a manutenção do seguro.
O decreto n.º 5639 previa a constituição de 100 bolsas organizadas ao nível dos
concelhos, no fundo as bolsas sociais de trabalho seriam os antecessores dos modernos
centros de emprego. A sua função era caraterizar e recolher informação dos
desempregados com vista a serem contratados, fazer estatísticas, estudos de mercado de
trabalho, organizar conferencias, promover cursos noturnos e alfabetizar trabalhadores.
A inspiração para a criação deste sistema pode ter vindo da Bélgica onde já existia.
As instituições de apoio eram assim de três tipos: As que tinham por objectivo a
previdência social, as de educação e recreio e as de habitação económica. O jornal
libertário O Germinal promovia cursos a baixo custo. Adolfo Lima, Neno Vasco,
Emílio Costa, José Carlos de Sousa entre outros conhecidos anarquistas ministravam
variadíssimas disciplinas.469 O Sindicato dos Metalúrgicos organizava cursos de
instrução primária, onde surgia até a disciplina de Esperanto, uma língua franca
internacional com pretensões de universalidade que nunca atingiu.

O decreto n.º 5639 “As Bolsas Sociais de Trabalho serão os modernos templos do
direito e da educação das populações ativas, para os orientar, instruir e guiar perante a

468
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 450.
469
Alexandre Ribeiro Samis, Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o
Sindicalismo Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009, p. 362.

91
fase social, emancipadora, que se está esboçando em toda a Humanidade, sem ódios,
sem lutas violentas para a conquista das aspirações generosas que a justiça assegura aos
que, num trabalho constante, dão o seu mais poderoso concurso para a criação de todos
as fontes de riqueza”.470
Chegados a 1921 o balanço feito era positivo, o ISSOPG além do seguro de
doença, ocupava-se do seguro de invalidez, velhice e sobrevivência. Imprimiam-se 600
mil cadernetas e 60 milhões de selos que demonstram os pagamentos realizados.471 Em
1920 já cerca de 50000 trabalhadores estavam protegidos por ação do pagamento do
patronato que assumiam a responsabilidade dos sinistros.472
Em 1920 já existiam dezoito tribunais de desastres de trabalho473, principalmente
com a legislação de 1919 tiveram grande desenvolvimento, só em Lisboa em 1918
entram 2310 processos que em 1920 já eram 5631.474
O Boletim da Previdência Social demonstra bem a atividade do ISSOPG que
recebia milhares de participações que estavam longe do total dos acidentes que
ocorriam.
A forte inflação tornou difícil a manutenção destes organismos e vários subsídios
foram afetados mas mesmos assim foram criados novas instituições de assistência como
escolas maternais, profissionais e colónias agrícolas.
Os seguros obrigatórios diminuem nos discursos políticos o ISSOPG foi
profundamente alterada com o decreto n.º 11:267 de 25 de novembro de 1925, foi
também extinto o Ministério do Trabalho475 e esta foi a fase final do ISSOPG no
Ministério das Finanças. O decreto de 25 de novembro de 1925 revela o fracasso da
experiencia.
Os seguros obrigatórios não foram concretizados da forma como foram pensados
mas as comissões locais foram logo criados em 1920 e o trabalho de recenseamento
para o seguro de invalidez e velhice estava avançado. A organização e a expansão do

470
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 476.
471
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 455.
472
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 456.
473
Coimbra (decreto n.º 5:992), Viseu (decreto n.º 5:998). Beja, Braga, Castelo Branco, Évora, Faro e
Santarém (decreto n.º 6:014). Setúbal (decreto n.º 5:381). Aveiro, Bragança, Leiria, Ponta Delgada e
Portalegre (decreto n.º 6:135).
474
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 456.
475
O Ministério do Trabalho e da Previdência Social entre 1916 e 1925. Com o Estado Novo e existiu
Nacional do Trabalho e Previdência. Ministério do Trabalho só depois do 25 de Abril.

92
sistema foi feito mas os estatutos da comissão não foi feita e como tal faltava-lhes a
personalidade jurídica indispensável ao desenvolvimento das suas competências.
Também faltaram recenseadores porque não se dispunha de meios financeiros para o
fazer.
O orçamento do ISSOPG não dependia do Estado apesar de estarem previstas
receitas por parte de taxas vindas dos bancos e seguradoras cujos lucros provinham do
esforço dos trabalhadores mas estavam contra as taxas, requerendo os bancos a sua
isenção. Mesmo assim as despesas com pessoas eram um assunto crítico para o
Instituto. O decreto n.º 8:416 de 9 de outubro de 1911 reduziu as onze direções de
serviço e 27 secções iniciais a 6 direções de serviço e 15 secções.476
Por um lado a inércia do sistema por outro a forte inflação do pós-guerra que
desatualizou os escalões, por outro o absentismo dos funcionários e as repetidas
reclamações tomavam demasiado da estrutura do topo. No entanto não devemos
esquecer que as entidades patronais tornavam-se cada vez mais responsáveis, a
conquista das 8h de trabalho diárias, da legislação de proteção às mulheres e menores,
seguros de acidentes de trabalho, movimento cooperativo, estatística sobre salários,
acidentes trabalho, etc. Os sindicatos procuravam que a legislação fosse cumprida
principalmente para mulheres e menores.
A isenção do Estado nos seguros sociais obrigatórios era algo original português e
por isso a pouco se vai reconhecendo essa falha.

13 - A evolução e a melhoria da intervenção social


Quase metade da legislação operária é de natureza organizativa e administrativa,
ficando apenas 8% dedicada à condição das mulheres e menores, 22% para a higiene,
saúde e segurança no trabalho e 29% sobre o horário de trabalho.477
Como refere J. Francisco Grilo478 em 1930479, os decretos com força de lei de 10
de Maio de 1919, obrigavam à inscrição nas mutualidades de cada concelho das 15 aos
75 anos de qualquer ramo de atividade profissional com salário até 900$/ano assim

476
CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela, O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928):
acção e limites de um Estado Previdente, Analise Social, Vol. XLIV (192), 2009, p. 459-461.
477
Cristina Rodrigues, Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008, p. 70.
478
Funcionário do Instituto de Seguros Sociais.
479
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º
21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1930, p. 2.

93
como aqueles com interesses ligados à atividade económica e industrial ou agrícola de
cada concelho.

Quer dizer que a contribuição social estava restrita ao meio onde a mutualidade
exercia o seu campo de ação. Onde não existem mutualidades tinham de ser criados em
virtude da obrigatoriedade. Mas a perante a forte desvalorização da moeda os valores do
seguro de velhice e invalidez ficaram quase sem eficácia o que levou ao desinteresse de
muitos trabalhadores.

Se era reconhecido que o Estado não tinha recursos suficientes, as cotas teriam de
ficar a cargo do patrão e dos trabalhadores, pagar em partes iguais. Ficavam a cargo do
Estado os militares sujeitos ao serviço obrigatório. Seriam cerca de 2 milhões os
trabalhadores abrangidos pelo seguro de invalidez e velhice.480/481

A Conferência de Washington de 1919 defendia a duração e trabalho moderado


para menores, mulheres, grávidas e mães que amamentam. Os menores tinham de ter 12
anos e até aos 14 anos trabalhariam 6h/dia e dos 14 aos 16 anos de 7h/dia. Existiam leis
que protegiam a mulher e o menor, em especial no trabalho noturno e subterrâneo. Para
proteger as grávidas e os filhos eram em alguns casos obrigatório a existência de
maternidades.

O seguro social obrigatório na doença foi uma das maiores conquistas da


República e do direito na proteção aos trabalhadores. Lisboa e Porto tinham a maior
base de população mutualista482 mas nem todos os concelhos tinham organizações
mutualista mas mesmo regiões onde existiam como Vila Real, Bragança, Guarda,
Viseu, Leiria ou Castelo Branco, a aderência ao mutualismo era diminuta483.

480
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º
21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1930, p. 7.
481
Trabalhadores rurais – 1250000
Construção civil – 250000
Profissionais de indústria – 200000
Pescadores fluviais e marítimos – 60000
Domicílios – 240000
482
Cerca de 271 e 244 por mil habitantes respetivamente in Boletim da previdência Social, República
portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919,
p. 428.
483
Cerca de 1 a 5 por mil habitantes in Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério
do Trabalho e Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 428.

94
A sua solução só parecia ser a sua aplicação incluída no seguro social obrigatório
e foi o que se fez mas faltou criar um sistema que cria-se estabilidade e que não perde-
se o princípio do mutualismo. Os tribunais de Previdência Social eram uma forma de os
tornar mais influentes e dar mais eficácia à ação fiscalizadora. Eram extintos os
Concelhos Regionais das Associações de Socorros Mútuos que perdiam a sua
justificação em face da existência dos seguros sociais obrigatórios na doença, desastres
no trabalho, invalidez, velhice e sobrevivência mas os vogais de julgamentos eram
eleitos pelas mutualidades regionais. Podendo ainda existir o recurso para o Concelho
Superior de Previdência Social.484

Estes decretos foram especiais com força de lei, manteve-se a estrutura concelhia
das atuais associações de socorros mútuos e onde só existia uma, teria essa associação a
faculdade de ser “a mãe criadora” do seguro social obrigatório mas devido ao princípio
da obrigatoriedade ficaria fortalecido.

Em cada concelho ficavam os princípios do mutualismo quer sob o regime livre


ou obrigatório mas os que para ela contribuíam ficavam garantidas as bases
essenciais.485

Em Lisboa e Porto devido ao grande número de associações ficavam organizados


por bairros com o número limitado mas podiam possuir sucursais, delegações, postos de
socorros, consultórios rápido e eficaz a sua ação, às mutualidades ficavam garantidos os
direitos e garantias que existiam. A maior carência de meios era precisamente nos
grandes centros da atividade rural, industrial e marítima, onde predominava o apoio das
misericórdias e de outros apoios rudimentares mas beneméritos.486 Por isso o seguro
social obrigatório seria a única solução para aqueles mais expostos ao risco. Esta era a
forma como a República que acaba por glorificar.487

484
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 430.
485
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 430.
486
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 431.
487
Decreto n.º 5:636 de 10 Maio de 1919, art.º 1.º “É decreto em Portugal e seguro social obrigatório na
doença para os indivíduos de ambos os sexos, que exerçam qualquer profissão nos domínios da atividade
humana, reconhecida como digna e honesta pelos usos, costumes e sancionada pelas leis vigentes como
digna ficando na dependência e fiscalizadora do Estado, por intermédio do ISSOPG (Instituto de Seguros
Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral).

95
A indemnização pelos acidentes de trabalho era uma discussão do Código Civil
que poucos efeitos práticos traziam até que a lei n.º 83 de 24 de Julho de 1913 defendeu
princípio da responsabilidade patronal nos de trabalho. Foi uma grande conquista do
operariado já em uso na Inglaterra, França, Itália, Bélgica, EUA, etc. O Seguro Social
Obrigatório contra os acidentes de trabalho era também o princípio estrutural do novo
estado social republicano.488

Para combater o flagelo da miséria surge outro decreto na mesma altura, na


tentativa de compensar uma vida de trabalho, o seguro obrigatório de invalidez e velhice
foi um importante marco na república mas para isso tinham de segurar-se nos termos da
lei ou seriam marginalizados489. Mesmo assim o Estado não conseguia assegurar estes
encargos, a economia não progredia e não existiam investimentos em número suficiente.
Por outro lado existia a preocupação para os que estavam fora dos seguros, como os
doentes mentais e para isso era importante a assistência pública mas era reconhecido
que era muito insuficiente comparada com aquela que era prestada pela Igreja e sem ela

Art.º 7.º Os médicos municipais são obrigados a fazer o serviço das mutualidades do seguro social do
respetivo concelho sendo esse serviço remunerado por uma tabela especial, elaborado por uma comissão
mista de método, representados da mutualidade obrigatória e do Estado”
488
Art.º 1.º “É decretado em Portugal o Seguro Social Obrigatório, contra desastres no trabalho,
abrangendo todos os riscos profissionais por conta de outro individuo ou entidade, nos diversos ramos de
atividade intelectual ou material, quer sejam exercidos isoladamente quer coletivamente, ficando todos os
serviços dependentes do Ministério do Trabalho, a cargo do Instituto de Seguros Obrigatórios e de
Previdência Geral.
Art.º 2.º § único “O único desastre sucedido durante o exercício do trabalho a que este artigo se refere
será considerado, até prova e contrario, como proveniente da função profissional.
Art.º 3.º Considera-se desastres no trabalho para os efeitos deste decreto com força de lei:
1.º toda a lesão externa ou interna e toda a perturbação nervosa ou psíquica, que resulta da ação de uma
violência exterior súbita, produzida durante o exercício profissional;
2.º As intoxicações agudas, produzidas durante e por causa do exercício profissional, e as inflamações das
bolsas serosas profissionais;
3.º Todos os casos de doenças profissionais devidamente comprovadas;
Art.º 4.º As entidades responsáveis pelas indemnizações e encargos provenientes dos desastres no
trabalho, são:
a) As empresas e os patrões que utilizam o trabalho;
b) O Estado e as corporações administrativas para com os operários ao seu serviço […]
§ 3.º As companhias de seguros ou sociedades mútuas, que desejem explorar o ramo de seguros contra a
doença e desastres pessoais, ou que se proponham a receber por transferência as responsabilidades de
qualquer patrão ou empresa, têm de construir-se nos termos deste decreto com força de lei.
Art.º 13.º Nas indemnizações devidas por incapacidade temporária, se o salário diário for favorável, deve
calcular-se pela média dos salários do último mês.
§1.º Para os salariados de menos de dezasseis anos e para os aprendizes, quer estes últimos recebam o
salário quer não, será a indemnização calculada, no caso de incapacidade definitiva, pelo salário do
operário valido da mesma categoria e da mesma empresa, que o tiver menor.
Art.º 20.º Ficam a cargo dos patrões as despesas dos funerais dos operários e empregados falecidos em
virtude dum desastre no trabalho, não devendo essas despesas exceder quinze vezes o valor do salário
diário e serão pagos dentro de quinze dias a contar do falecimento.”
489
A idade limite era agora os 65 anos.

96
ficava muito aquém do necessário quer em número quer em qualidade, isso foi
reconhecido na altura e mais tarde muitas voltaram com o salazarismo.490

Pelos decretos n.º 15342 e 15343 de 11 de Abril de 1928, suspensos pelo decreto
n.º 15431 de 7 de Maio de 1928, o governo ainda procurava implementar os seguros
sociais, já que foram pouco eficazes, aí o Estado Novo teve maior mérito apesar de não
fazer tábua rasa do que estava feita alguns defendem que a previdência começou em
1935.491

Era natural os decretos sobre os seguros serem imperfeitos foram os primeiros


tinham de ser corrigidos faltava contatos com o operariado, não com o anarco
sindicalismo porque esses nunca demonstraram grande interesse e apoio pela
previdência social, era difícil chegar às massas mas elas tinham de ser esclarecidas e
essa foi a falha não só de Augusto Dias da Silva mas também dos outros autores dos
decreto como João Luís Ricardo e José Francisco Grilo.

O Estado Novo não esqueceu este legado da Republica, tanto que J. Francisco
Grilo, escreveu a1 de Maio de 1930 “verifica-se que uma grande obra que glorificou a
República está em marcha, baseado na cooperação ativa do capital e do trabalho, que é a
maior e forte aliança para desenvolver a produção de riqueza…” era esta a “única forma
de engrandecer os povos e as nacionalidades, para melhor orientarem os seus objetivos
através da Civilização”.492

As reclamações e alvitres de carácter económico das associações sobre a carestia


de vida eram muitas, algumas bastante progressistas ou sem realismo mas todas com o
desejo de colaborar na melhoria das condições sociais.493

490
Art.º 2.º “Em cada concelho do pais far-se-á por freguesias, por intermédio da Câmara Municipal, o
recenseamento do salários de todas as categorias, compreendendo os aprendizes e criados de servir, desde
os 15 anos aos 65 anos […]
Art.º 43.º Se um segurado morreu antes de obter uma pensão de invalidez ou de velhice, mas depois de ter
pago as cotizações legais durante o primeiro período, reverte em favor dos seus filhos uma pensão
extraordinária […]
§ único. Não tendo mulher nem filhos, será concedida aos seus ascendentes a pensão extraordinária…”
491
Pierre Guibentif, Lisboa, 1985, p. 52.
492
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º
21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1930, p. 13.
493
Em 1918 a UON (União operaria Nacional) reclamava:
- Criação de um único tipo de pão, de um só tipo de cereal (sem mistura).

97
14 - A situação económica no país. As Bolsas de Trabalho

A visita de operários portugueses à Bolsa do Trabalho de Paris por ocasião da


exposição universal de 1889 criou a vontade de aqui ser feito a coisa semelhante.494
O decreto de 19 de Março de 1893 já falava na criação dos bolsas de trabalho mas
apenas em Lisboa se deu ou procurou dar execução a este decreto e só surge a 10 de
Maio de 1919 o decreto n.º 5:639 com o intuito de organizar as Bolsas Sociais de
Trabalho.495

- Socialização dos baldios e terrenos camarários incultos que deveriam ser entregues à exploração dos
sindicatos de trabalhadores rurais e dos quais estes se tornarão, por titulo gratuito, usufrutuários durante
um período nunca inferior a três anos, devendo o Estado ou o município fornecer-lhes adubos, sementes e
credito que poderá ser cobrado no fim da colheita, e por empréstimos, alfaias, maquinas, gado, etc.
- Apropriação temporária dos caminhos-de-ferro para a circulação de géneros de primeira necessidade.
- Maior facilidade para importação de alimentos de 1ª necessidade, adubos e matérias-primas para a
indústria nacional com isenção de direitos e barateamento sensível de fretes e vapores do estado, utilizar
dos navios de guerra como transporte d géneros coloniais.
- Aproveitar os transportes marítimos para facilitar as trocas entre países.
- Proibição da maior parte dos géneros alimentares.
- Intensificação da produção agrícola. O Estado deve fornecer conhecimento instrução, créditos, gados,
maquinas alfaias sementes e adubos.
- Extinção dos monopólios.
Liga de consumidores e união das cooperativas.
- Medidas enérgicas contra os especuladores e dar força ao Estado para as fazer cumprir e que os
infratores não fiquem impunes.
- Boicote aos estabelecimentos que não respeitem as tabelas oficiais e aos jornais convenientes.
- Promover o desenvolvimento do cooperativismo, a intensificação da produção e o regime do
racionamento alimentar para todas as classes.
Associação dos trabalhadores Rurais Ervidelenses.
- Pedem que a lei dos acidentes de trabalho seja extensiva aos trabalhadores rurais.
Associação dos Agricultores e Lavradores do Concelho de Guimarães.
- Aproveitamento dos terrenos incultos e baldios, fixação do salário mínimo, estabelecimento do dia
normal de oito horas de trabalho; revisão da legislação operária social; criação de escolas profissionais.
Associação dos Trabalhadores Rurais de Benavente.
- Construção de bairros operários modestos; previdência contra a miséria, velhice e incapacidade de
trabalho com um imposto aos proprietários.
Associação dos trabalhadores Rurais de S. Tiago do Escoural
- Terrenos não cultivados durante vários anos sejam confiscados pelo Estado.
In Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 24-27.
494
O decreto de 9 de março de 1893 criou as Bolsas de Trabalho só em Lisboa e Porto “destinados a
servir de intermediários para a oferta e procurar de trabalho, pondo em relação os patrões com os
empregados, operários e aprendizes […] coligindo e patenteando informações exatas sobre o estado do
mercado de trabalho de cada especialidade no país” in Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento
Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça & C.ª, Lisboa, 1905, p. 162.
495
Art.º 1.º “São criadas Bolsas Sociais de Trabalho, como instituições de utilidade publica, de natureza
económica e de previdência social, tendo individualidade jurídica, ficando dependentes do Ministro do
Trabalho por intermédio do ISSOPG (Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral).
Art.º 2.º As Bolsas de Trabalho terão carater regional, sendo constituídas para os seguintes fins:
1º Organizar o recenseamento geral de todos os salariados por emprego e profissões;
2.º Pôr em relação os patrões com os empregados e salariados da respetiva especialidade, de modo a
facilitar as colocações em todos os ramos da atividade, dando-lhes ao mesmo tempo as informações que
interessam a essas transações ou contratos de trabalho;

98
O fim é facilitar a colocação gratuita aos desempregados 496 ao contrário dos
abusos das agências particulares de colocação. É importante subsidiar as despesas da
jornada de trabalho. “Não basta indicar ao operário as regiões ou locais, onde poderá
encontrar o trabalho, é necessário ainda habilita-lo a lá chegar”.497

A lei n.º 111 de 17 de Fevereiro de 1914 institui em Lisboa uma Bolsa de


Trabalho (art. 1.º) que funcionava num edifício do Estado (art. 2) a lei de base era a
alínea a) do art. 2.º do decreto de 9 de Março de 1893.

Na segunda metade do séc. XIX em Portugal ainda não estava destruída a


estrutura jurídica feudal, a politica de livre-câmbio era favorável à agricultura mas não à
indústria que no final de século era ainda secundária onde em 1890 trabalhava apenas
19% da população, enquanto na agricultura eram três vezes mais.498/499
A agricultura portuguesa oferecia produtos de menor qualidade e quantidade que
os que vinham de fora já para não falar nos objetos de luxo, a isto junta-se o aumento de
preços provocados por uma pauta fortemente protecionista que acabava por fomentar o
contrabando.500 Mas foram os patrões e os operários que entre 1880 e 1890 se juntaram
para defenderem as pautas mas findo este período surge a desilusão, os benefícios não
foram semelhantes nem distribuídos e com o aumento da mecanização a luta contra o

3.º Promover que sejam contratados os desocupados, dando as informações necessários que lhes sejam
pedidos sobre a natureza dos serviços, salários e os ordenados;
4-º Coligir e publicar informações oficiais sobre o estado do mercado de trabalho […]
5.º Apresentar quaisquer alvitres sobre assuntos de legislação social de interesse […]
7.º Fazer conferências […] de modo a elevar o nível moral e profissional dos trabalhadores.
8.º Estudar as causas das crises de trabalho, de carácter local […]
9.º Promover a realização de cursos noturnos para os salariados analfabetos e auxiliar a criação de todas
as iniciativas de educação profissional […]
19.º As Bolsas Sociais estarão abertas todos os dias, sendo a entrada e permanência livres e gratuitas aos
patrões, seus representantes, salariados ou operários de qualquer profissão […]
21.º Na sala de espera da Bolsa haverá dois quadros para a afixação das ofertas e pedidos de trabalho,
tendo cada um deles no alto a respetiva indicação.”
496
Decreto de 9 de março de 1893 – art.º 1.º as bolsas são estabelecimentos públicos submetidos ao
Ministério das Obras Publicas, Comercio e Industria que fazem a intermediário entre a oferta e procura de
trabalho. Dando a conhecer as condições.
497
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 290.
498
Miriam Halpern Pereira, 1978, p. 14-15.
499
Em Portugal, ainda em 1930, mais de 50% da população 499 vivia da agricultura e pescas enquanto em
França era de 35% e neste a indústria absorvia mais de 30% dos trabalhadores que em Portugal era apenas
de 18%.
500
Augusto Fuschini, O Presento e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.16.

99
progresso, pede-se o apoio de um Estado Providencia.501 Não bastava produzir, é
necessário trocar e vender mas o mercado nacional é limitado e o externo era restrito. A
pauta de 1891 tinha elevado os direitos de importação para tecidos estrangeiros para
proteger as empresas nacionais era necessário refrear o gosto pelo luxo.502
Por volta de 1890 industriais franceses abriram em Setúbal fábricas de conservas
de peixe. Entre 1890 e 1910 o número de fábricas passou de 15 para 40 e de 833 para
3640 operários conserveiros que em 1890 em todo o país os eram 2500 e em 1907 já
chegavam aos 10000. Em 1908 o Barreiro assistia à inauguração de uma fabrica de
ácido sulfúrico, o inicio da CUF de Alfredo da Silva que beneficiando das leis
protecionistas aos cereais de 1889 que beneficiou a agricultura consumidora de adubos.
Em 1889 o transporte de adubos por via férrea era de 1307t em 1913 já era quase
90000t. Em 1917 a CUF já empregava 2000 operários.503 Tínhamos a vantagem da
exportação de produtos como o vinho, cortiça, frutas, conservas, etc., que tinha largo
consumo no exterior.
Fuschini citava um banqueiro que dizia: “com os fundos portugueses janta-se
bem, mas dorme-se pouco sossegado; com os ingleses e franceses o sono é pacífico,
quase, porém, se morre de fome”.504 Os banqueiros pela sua forma de ação tinham
formado uma coligação que lhes trazia benefícios à custa da desgraça alheia, era e é
assim, “os banqueiros não são patriotas em parte alguma”505.
Um mau exemplo foi o decretado por Dias Ferreira para o pagamento de apenas
um terço do juro da divida506 de 1892 aos portadores da divida externa. Foram os erros
acumulados e falta de ação politica ao longo de 40 anos que podiam ter levado ao krack
mas a consequência foi a redução forçada dos juros na divida interna (reduziu 27%) e
externa.507
O bimetalismo508 não deveria para Ulrich ser introduzido em Portugal porque
traria carestia dos produtos, já que seria necessário comprar prata que cá não havia

501
Maria Filomena Mónica, 1979, p. 940.
502
Augusto Fuschini, O Presento e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.48.
503
Maria Filomena Mónica, 1987, p. 842.
504
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.21.
505
Augusto Fuschini, 1891, p. 5.
506
A proposta de Fuschini era em 1887 a de que o governo devia “converter os títulos de divida publica
externa de 3% em obrigações amortizáveis em setenta e cinco anos, por sorteios semestrais in Fuschini,
Lisboa, 1887.
507
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p.58.
508
O regime monetário português era bimetalico mas a lei de 29 de Julho de 1854 introduziu o
monometalismo do ouro mas com a crise de 1891 a nossa moeda ouro desapareceu para dar lugar ao

100
quando o importante seria aumentar o stock de ouro509. Pior que nós só a Grécia mas
esses estavam em guerra com a Turquia.

Era péssima a ideia que lá fora se fazia de Portugal 510 como sendo incapazes de
administrar de forma competente os nossos bens e faziam um esforço para “vir por suas
próprias mãos administra-los” já que estavam entregues “a gerentes sem competência e
sem honestidade, começam a não oferecer garantias e má fé daqueles, deixamos que
continuem nas suas garras. É preciso sacar-lhos, é urgente vence-los…”511
A balança comercial ia sendo equilibrada com os empréstimos ingleses que nos
eram cedidos com muita facilidade, ou seja, o ouro não chegava a Portugal porque era
logo reabsorvido pelo capital inglês, sob a forma de saldos comerciais e de juros de
empréstimos. Quando Portugal procurou outros mercados mais favoráveis 512, a
Inglaterra vendeu os títulos da nossa divida à Alemanha e França. Em consequência não
demorou muito a decretarmos a redução dos juros de 1892.513 Os capitais procuram
segurança e lucro, se perdem estes objetivos rapidamente escapam para outros lugares.
Os câmbios rondavam 30 a 45% tinham influência implacável. Nos países de
padrão ouro a moeda não é depreciada e os câmbios têm pequenas oscilações. O trigo é
o ouro e se a moeda é depreciada o seu preço é elevado para impedir esse processo os
governos intervêm no processo com subsídios na sua compra, produção e transporte.
Mas em Portugal descura-se o preço dos “adubos permitindo verdadeiras espoliações
aos agricultores. Se o carvão514 era caro deviam-se baixar os impostos a outros
combustíveis mas ao comparar o preço com o de outros países “vê-se que este pais está
condenado a não progredir”515.

sistema misto. O bimetalismo trazia vantagens nas relações com a França e os EUA mas tinha vários
inconvenientes.
509
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 232.
510
Sobre o facto de Portugal ser mau pagador até nas ruas de Paris foram afixados grandes cartazes
afixados por um privado exaltado onde dizia que o Governo Português era caloteiro in Maria Filomena
Mónica, 1987, p. 839.
511
Alfredo Mesquita, Lisboa, 1892, p. 62-63.
512
Uns anos antes os mercados onde Portugal podia negociar empréstimos era o de Paris e Berlim já que
em virtude do Ultimatum o mercado inglês estava fechado.
513
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 60.
514
Decreto n.º 11:654 de 8 de Maio de 1926 refere que perante a escassez de carvão mineral devido às
greves e à luta dos mineiros em Inglaterra, fica restringido o consumo nos serviços particulares e públicos
quer suprimento de comboios menos essenciais e deve-se “moderar as velocidades” (art. 1.º) e o carvão
para os navios da marinhas mercantes apenas receberão o necessário para atingir o próximo do porto da
sua escala o que será verificado por delegados do Ministério da Marinha. No Estado deverão ser feitas
economias no consumo de carvão (art. 3.º) e os depósitos de carvão poderão ser requisitados para o
serviço do Estado (art. 4.º).
515
Ferreira Neto, 1915/16, p. 2.

101
Em 1911 em quase 6 milhões de habitantes a população ativa andava à volta de
2,5 milhões. A população agrícola era 55,8%, a indústria ou pré industria516 21,1%, o
comércio 6% e os improdutivos 4,7%.517 O setor têxtil era o mais importante e
representava 9 a 17% das exportações, seguido do setor alimentar com cerca de 14%
dos trabalhadores. Destes a panificação (moagem) a mais importante era a Companhia
Industrial de Portugal e Colónias que abarcava várias indústrias, lojas, padarias e
controlava até jornais como Diário de Noticias. Foi a moagem que deu origem a vários
escândalos, derrubando e elegendo governos, subordinando políticos e deputados.518
Depois existiam as conservas de peixe que tiveram grande desenvolvimento com a
guerra, assim como a indústria da madeira, metalúrgica e química519 que tiveram apoio
estatal. Era um proletariado distribuído ao longo do pais mas no litoral e na grandes
cidades.

A República procurou várias soluções, uma que causou algum espanto foi
procurar apoio em capitalistas judeus, por isso legalizou as maiores comunidades
judaicas de Lisboa e Porto e chamou os judeus a colaborar com ela, nomeadamente no
desenvolvimento colonial com a criação de importantes projetos em Moçambique. 520
Ramada Curto foi um dos mais acérrimos defensores do esforço colonizador, quer
através de projetos lei em 1911 sobre o direito de opção do Estado português sobre a
propriedade colonial mas também pela propaganda e esclarecimento público.521
Uma dos projetos defendidos por Ramada foi a colonização por judeus de Angola,
apresentado à Câmara em 19 de Março de 1912. Vendo nisso grandes vantagens,
nomeadamente de judeus russos, a quem seriam concedidos terras sob determinadas
condições.522

516
Mas destes talvez metade fossem milhares de pequenas oficinas familiares com pouca ou nenhuma
maquinaria, só os artesãos correspondem a 10% da indústria in António José Telo, Lisboa, [1977], p.18-
21.
517
David Pereira, A sociedade in Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica
Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 80-81.
518
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 26.
519
Em 1916 a CUF do Barreiro tinha 2000 operários em 20hectares com 16 km de linhas de caminhos de
ferro.
520
Jorge Martins, A República e os Judeus, Veja, Lisboa, 2010., p. 152.
521
Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.
78.
522
Luís Farinha, Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014, p.
79.

102
Quer fosse na ciência, economia ou na cultura são vários os nomes judaicos do
séc. XIX-XX, inscritos na toponímia de Lisboa e que deram um importante contributo
para a sociedade da época.523
As crises parecem que têm momentos em que acabam pelo menos “os obesos
crêem que sim; e ressonam na paz de quem fez uma meritória e concorreu para a
salvação geral” mas a tendência é a de as crises reaparecem mais fortes em virtude da
aplicação de medidas erradas.524 E essas medidas eram muitas vezes para beneficiar
determinados grupos económicos, a indústria portuguesa dependia muito do Estado, ora
porque das suas opções dependia a prosperidade das empresas, ora porque era ela que
escolhia os concessionários525 ou decidia o valor das taxas alfandegárias526 e dos
impostos, “o Estado fazia e desfazia fortunas”527.
Por outro lado os governos dependiam das boas graças dos grandes industriais e
comerciantes para se manterem no poder e equilibrarem as suas finanças e estes para
conseguirem realizar os seus negócios. Um exemplo desta parceria foi a legislação
sobre a melhoria das condições de trabalho em geral mas em especial das mulheres e
menores que poderiam afetar grandemente o patronato mas tal situação não aconteceu
porque o Estado não dispunha de meios suficientes de fiscalização nem tão pouco
demonstrava grande vontade em intervir e resolver estas situações e quando as coisas
descambavam para greves de protesto logo o patronato contratava de modo impune fura
greves, os “amarelos”, sem que o Estado atua-se para deter estes abusos, a maioria sem
sucesso, não fosse a união dos trabalhadores mas não raras vezes acabavam em cenas
muito violentas.
São os governos em geral que promovem as elevações câmbios mas os sacrifícios
daí decorrentes para o tesouro público são enormes, já que acarretam despesas para o
contribuinte.528 Sustentar artificialmente os câmbios fez com que o país gastasse somas
que se verificaram inúteis e a pobreza da população aumentou só que o seu sofrimento,
ocupados a lutar pela sua existência só se faziam ouvir nos movimentos grevistas e de
protestos.

523
Alfredo Bensaude, Mark Athias, Moisés Amzalak, Sara Benoliel, José D’Esaguy, Joshua Benoliel,
Sam Levy, etc.
524
Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 10.
525
Foi o caso dos Tabacos.
526
Que afetavam diretamente os têxteis, cortiças, conservas.
527
Maria Filomena Mónica, 1987, p. 855.
528
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 121.

103
Fontes Pereira de Mello foi o mais hábil e superior de todos da sua época mas não
compreendeu o alcance da sua missão. “É, pois, ele, perante a história e perante o povo
português, o maior responsável pelos atuais desastres”, ou seja, tinha talento mas faltou-
lhe o génio.529 Fizeram-se “estradas, pontes, caminhos-de-ferro, são traçados e
constituídos conforme as indicações das melhores influências locais” para servirem
influências eleitorais,530 mas a educação não progrediu. Existem obras desnecessárias a
não ser para manter gente ocupada, assim no futuro o rendimento desses trabalhos são
um problema. Não é só fazer obra é dar condições gerais ao pais para que as obras
tenham aplicação, utilidade e se rentabilizem. Nada, mais atual.
Em 1886 aumenta a decadência moral, o cinismo político, “loucuras e
esbanjamentos dos dinheiros públicos” recrutam-se empregados “entre os amigos dos
ministros, o que custa ao Tesouro alguns milhares de contos de encargos permanentes,
alargam-se as despesas, inventando serviço para dar dinheiro aos protegidos, como o
dos grandes estudos de estradas.”531
O país estava empobrecido pelo ouro que se exportava para os mercados ingleses
e franceses e por outro lado pelos milhares de trabalhadores validos que emigravam. “O
histórico real d’água, verdadeiro imposto sobre a miséria”, os impostos sobre o
consumo e bens essenciais faziam elevar o custo de vida principalmente nas cidades.
Usava-se e abusava-se dos empréstimos perpétuos e dos amortizáveis e os valores
foram-se elevando até que em 1890 o crédito começou a vacilar e um pequeno
empréstimo tentado em França falhou”. Neste período, Fuschini refere que os juros e
amortizações que saem do país são “quase iguais à quantia recebida”.532
As ameaças futuras que estes encargos financeiros traziam eram um vexame para
o país, as reservas de ouro eram absorvidas pela necessidade do pagamento de juros.
Pais pobre e fraco mas com vasto domínio colonial para explorar. A educação do
operário é má e o associativismo não era melhor. Se o cristianismo progrediu com
facilidade no mundo romano isso deveu-se à doutrina mas ao facto de defender ideias
revolucionárias contra os afetos negativos da sociedade da época.

529
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 130.
530
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 142.
531
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 161.
532
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 202-
209.

104
Fuschini dizia em 1899, “uma coisa, porem, se pode prognosticar com absoluta
confiança e firme certeza: o caráter violento que deveria assumir a transformação do
nosso atual modo de ser social”.533

15 - A agricultura e a dependência externa


Oliveira Martins esteve ligado às tentativas de criação de instrumentos de crédito
agrícola. O “Projeto de Lei do Fomento Rural” já que o crédito tradicional seja
hipotecário ou predial não promoviam a agricultura este projeto tinha como intenção
regular a intervenção do Estado na nacionalização da terra em termos agrícolas,
pecuários e florestais, ou seja, dar meios para que outros que não o Estado, atuem e
façam mas para isso eram necessários leis que fomentassem uma economia mais social
que capitalista. Oliveira Martins defendia a intenção do Estado na economia no entanto
não deixavam de estar harmonizadas com as suas convicções democráticas.534

Dizia Oliveira Martins, “onde há igualdade civil e política, força a que haja uma
justa distribuição de riqueza, uma aproximação de condições”. “É que a verdadeira
liberdade só pode existir no seio de instituições igualizadoras. Liberdade, igualdade, são
inseparáveis e correlativas”.535 E isso fazia-se também garantindo empréstimos536 nas
mãos do lavrador. Vários países como Itália e a Bélgica tinham Bancos rurais que
proporcionavam capitais que proporcionavam uma melhoria na agricultura.537
Elvino de Brito538 tomou uma série de reformas na agricultura através do decreto
de 27 de Outubro de 1898 desde a propriedade, arrendamento, enfiteuse, subenfiteuse,
expropriação de terrenos, credito agrícola através das caixas económicas, sindicatos
agrícolas, cooperativas de produção e consumo, socorros mútuos, apoio à agricultura
subsidiando os custos dos transportes de adubos e maquinas agrícolas, alargamento da
rede de caminhos de ferro e de estradas com construção e recuperação, vinho e azeite,
nomeou brigadas técnicas. Um interessante decreto surgido a 24 de Agosto de 1898
determinou que os terrenos contíguos às estradas comuns e caminhos de ferro do Estado

533
Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899, p. 412.
534
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 15.
535
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 17.
536
Em 1898 Elvino de Brito numa proposta de lei existia a tentativa de criar um empréstimo agrícola a
que chamou “livrança agrícola” era uma forma de aproximar o capitalista ao lavrador.
537
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 266-267.
538
Presídio à pasta das Obras Públicas, Comercio e Industria de 18 de Setembro de 1898 a 25 de Junho de
1900.

105
sejam cedidos por alienação ou arrendamento (art. 3.º) à exploração agrícola dos
proprietários das terras confinantes (art. 1.º) era considerado vantajoso para a
agricultura e trazia receitas para o Estado. Por um lado a preocupação por aproveitar ao
máximo a terra por outra a importância das receitas para o erário publico mesmo por
poucas que parecessem.

Os produtos nacionais não se conseguiam impor internacionalmente. A crise


económica e financeira de 1891 fez com que se olha-se para as colónias de outro modo,
graças a ela desenvolveu-se a cultura da vinha, têxteis de algodão, a indústria e o
comércio, elas iam absorver o excedente e em troca vem açúcar, caju, café, cera
borracha, cacau, etc. O ministro da Marinha da altura resumiu o essencial para
desenvolver a questão colonial: “bons funcionários, bons colonos, boas leis, atração de
capitais. Angola tinha grande vantagem sobre as outras colónias, “chega a ser um crime
aos olhos do mundo continuar a abandonar o aproveitamento dessa vasta e opulenta
Angola, que poderia ser a mais sólida garantia da nossa reabilitação económica.539
Teófilo Braga afirmava que “todo aquele governo que atentar contra a conservação das
colónias540 de Portugal enfraquece as condições da nossa autonomia e prepara a entrega
da Naçao ao inimigo secular (a Espanha).541
No entanto era a Inglaterra que abastecia de tecidos de algodão os mercados de
África Oriental. Em França desde 1863 que existia a sociedade de Credito Predial
Colonial mas em Portugal faltavam instituições que regulassem e proporcionassem esse
crédito.542 O Banco Nacional Ultramarino criado em 1869 não estava adaptado às
necessidades dos recursos coloniais. A pauta aduaneira colonial de 1892 contribuiu para
as trocas com as coloniais e em 1892 impôs-se o trabalho forçado aos nativos. Foi o
comercio colonial salvou o pais de uma crise mais profunda.

A importância económica das colónias é pouca mas no final do séc. XIX de 1892
1 1898 as exportações para Angola são 10 vezes mais. De 1810 a 1900 as exportações
para as colónias duplicam e quintuplicam as importações.543 Havia necessidade de mão

539
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 292, 298.
540
Com Teixeira Gomes como embaixador em Londres, o governo está a par das negociações sobre a
dividir das colónias portuguesas e caso a guerra fosse desfavorável à Inglaterra havia a esperança de uma
paz negociada usando as colónias portuguesas.
541
Joel Serrão, Lisboa, 1979, p. 35.
542
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 309.
543
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 67.

106
de obra e o governo aproveitou pelo decreto de 20 de Setembro de 1894, os indígenas
condenados em Timor, S. Tomé e Principe e da costa África que forem condenados por
sentença judicial na pena temporária de trabalhos públicos serão postos à disposição da
direção das obras públicas das províncias mediante salário pago dia a dia pela
administração pública (art. 7.º). Também era estabelecido o trabalho correcional não
inferior a 15 dias e no máximo de 1 ano (art. 2.º) nas transgressões de vadiagem (CP art.
256), embriaguez (CP art. 185), desobediência às autoridades (CP art. 188), ofensa
corporal voluntária leve (CP art. 359), ultraje público ao pudor (CP art. 390), ultraje à
moral pública (CP art. 420).
A pena temporária de trabalhos públicos não será inferior a 3 anos nem superior a
12 anos e será aplicada a outros crimes. Enquanto não fosse decretado para o ultramar
um Código de Processo Criminal, os delitos e transgressões do art. 3.º serão julgados
sumariamente e sem recurso em discussão verbal, sem depoimento escrito (art. 5.º).
Considera-se indígenas os nascidos no ultramar de pai e mãe indígena e que não se
distingam pela instrução e costumes dos da sua raça (art. 10.º).
Em 1902 o decreto de 16 de julho aprova o regulamento provisório do trabalho
indígena e fomento agrícola em Angola. Era considerado uma missão civilizadora em
Angola tirar o indígena da ociosidade que era prejudicial aos próprios e à economia da
província e para isso facilitava-se a ocupação legal a quem “voluntariamente544 a
procura encaminhando-o, auxiliando-o a protegendo-o neste intento à autoridade a
quem mais ou menos deve competir tão simpática missão e ao mesmo tempo compelir
pelos necessários meios coercivos, o indígena indolente, vicioso e mais avesso ao
trabalho a utilizar este meio conducente para melhorar a sua condição social”545. Era
necessário aproveitar os grandes terrenos agrícolas que eram a forma mais eficaz de
prosperidade. O art. 1.º aprovava o regulamento provisório do trabalho indígena e
fomento da agricultura na província de Angola. A 17 de Dezembro de 1902 é
estabelecido em todas as colónias o preceito do descanso semanal por vinte e quatro
horas às classes trabalhadoras das colónias (art. 1.º).
O decreto de 27 de Maio 1911 modifica o regulamento do trabalho dos indígenas
das colónias portuguesas que eram sujeitos à obrigação, moral e legal de procurar e

544
Existe aqui um avanço em relação à legislação anterior, onde quem não procurava trabalho
voluntariamente era obrigado a aceitar o lhe era imposto dentro da lei (Lei de 14 de agosto de 1889,
decreto de 14 de Abril de 1891 e o regulamento de 9 de Novembro de 1899).
545
Não era com preocupação pelo indígena mas pelo benefício do colono, impondo até os seus valores
morais como aconteceu com um acórdão de 1869 onde os trabalhadores do setor publica de Angola eram
obrigados a usar “camisa e calças” sob pena de multa in Ana Margarida Seixas, Lisboa, 2012, p. 191.

107
adquirir pelo trabalho os meios de subsistir e melhorar a sua condição social (art. 1.º).
Em 1914 com o decreto de 14 de outubro é aprovado o regulamento geral do trabalho de
indígenas nas colonias portuguesas. Era dito que todo o indígena valido das colónias
tem a obrigação moral e legal de prover o seu sustento e melhorar a sua condição social
pelo trabalho desde que não tenha domicílio certo, profissão nem meio de subsistência
(art. 1.º). Se recusar será julgado pelo curador de serviçais e colonos ou pelo
administrador do concelho (art. 2.º). Entre os 14 e 18 anos de idade devem ser os tutores
a fazer a escolha de trabalho (art. 3.º).
Pelo que se disse anteriormente podemos dizer que nas províncias ultramarinas o
trabalho forçado continuou mascarado pela nova legislação através dos “vadios”546 e
condenados judicialmente, trata-se de uniformizar a legislação neste aspeto a todo o
império até porque havia moralmente muita tolerância a esta forma de trabalho pela
sociedade e isso era visível na forma como o serviço doméstico e agrícola era
desempenhado no próprio continente.
A presença portuguesa resumia-se a alguns poucos postos de abastecimento no
litoral, poucos nacionais e como tal a força de trabalho era indígena cujos códigos
nacionais obrigavam ao trabalho (leis sobre vadios) para a ocupação efetiva as
companhias majestáticas eram uma forma de Estados com poderes militares, judiciais e
militares. Logo no Governo Provisório a 27 maio de 1911547 o regulamento aprovado
por decreto de 9 de Novembro de 1899548 vai sofrer uma serie de modificações num
conjunto de cerca de uma dezena de diplomas onde de releva o trabalho forçado do
indígena por um determinado número de dias por ano para não ser considerado vadio.
Apesar de reconhecer que o indígena podia escolher livremente o trabalho, isto permitia

546
Código Penal 16 de setembro de 1886
Art.º 130.º Aquele que faltar ao respeito à religião do reino, católica, apostólica, romana, será condenado
na pena de prisão correcional desde um até dois anos…
Art.º 282 toda a associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida em seções de menor numero,
que, sem preceder autorização do Governo, com as condições que ele julgar convenientes, se reunir para
tratar de assuntos religiosos, políticos, literários ou de qualquer outra natureza, será dissolvida, e os que a
dirigem e administrarem serão punidos com a prisão de um mês e seis meses. Os outros membros serão
punidos com a prisão até um mês. In António Ferreira Augusto, Coimbra, 1905, p. 245.
547
Estavam livre deste trabalho forçado os que tivessem rendimentos (art. 2.º, 1.º), trabalhassem alguns
meses por ano (art. 2.º, 3.º), não eram abrangidos as mulheres (art. 3.º, 2.º), homens com mais de 60 anos
e menores de 14 anos de idade (art. 3.º, 3.º), os doentes e inválidos (art. 3.º, 4.º), aos sipais (art. 3.º 5.º) e
aos chefes indígenas (art. 3.º, 5.º) e aos chefes e grandes indígenas (art. 3.º, 6.º).
548
E a 14 de outubro de 1914 vai surgir outro decreto.

108
que a autoridade os obrigasse por formas legais a trabalhar para o Estado549 quer como
forma correcional ou para particulares no serviço doméstico550.

A emigração era enorme e foi aumentando. A propriedade rural desvalorizava e as


taxas de juro eram abusivas já que chegavam a mais de 100%.551 Oliveira Martins não
sendo contra o direito de propriedade552 defendia uma função social da propriedade
privada.553 Defendia que era necessário evitar a sangria da saída de emigrantes para
reduzir as superfícies incultas, “necessitamos hoje implantar homens e implantar
arvores; dar à terra quem a fecunde é necessário sangra-la nuns pontos, laqueá-la em
outros”. Defendia por isso o aproveitamento dos incultos através da colonização.
Adaptar as culturas às regiões, etc.554
Os empréstimos deviam “evitar a divisão de casais e a dispersão ou parcelamento
das glebas”.555 Fomentar o associativismo através do consórcio de proprietários,
defende o “arroteamento dos terrenos incultos” esta colonização dos incultos pelo
aforamento. A expansão da agricultura familiar devia integrar-se num esquema de
associativismo. O Estado deveria providenciar estudos por sua iniciativa, transformação
do sequeiro em regadio é uma ação técnica mas também uma necessidade social.556
“Povoação, colonização, arroteamento, enxuga, irrigação e arborização são
operações congéneres e inseparáveis.” Existiam sistemas nefastos que prejudicam a
fertilidade do solo comprometendo um património que é de todos e por isso não pode
ficar sujeito à “cupidez do capitalismo”.557
Decreto n.º 10:552 de 16 de Fevereiro de 1925 esclarece o decreto n.º 9:843 que
estabeleceu as regras e formalidades a observar na divisão, utilização e aproveitamento
dos baldios e refere que a melhoria das condições económicas do país depende
549
Art.º 33.º
550
Art.º 58.º
551
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 19.
552
A propriedade privada começa antes do mais em nós próprios no nosso corpo. Faltavam outros direitos
como a saúde e a educação e isto implica que alguém tem de renunciar a um direito para dar a outro que
necessite, então temos de os tirar a alguém ou ir buscar a outros recursos que vão ficar em falta.
553
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 20.
554
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 20-25.
555
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 23.
556
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 28-35.
557
Henrique Barros, Oliveira Martins e o “Projeto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946, p. 35.

109
“essencialmente” do aumento da produção agrícola. Existia uma extensa área não
aproveitada e que tinha qualidade agrícola e o Estado podia auxiliar no cultivo dos
baldios porque disso podiam depender as produções. Logo a seguir o decreto n.º 10:553
adiantava mais ainda demonstrando que era uma forma de promover o povoamento das
regiões com menor densidade populacional. Era à Junta do Fomento Agrícola que
incumbia promover e orientar o aproveitamento dos terrenos incultos tendo capacidade
jurídica para inclusive proceder à sua “exploração” (art. 1.º). Os terrenos têm de ser
susceptíveis para a agricultura, não tenham sido arroteados ou mobilizados e
periodicamente cultivados ou florestados (art. 2.º). E o prazo de arrendamento nunca
poderia ser inferior a cinquenta anos para a cultura e 19 anos para outros (art. 3.º).

16 - Economia e finanças. O custo de vida

Faltava iniciativa privada, sem ela faltavam recursos. A vida do trabalhador era
cara e a alimentação de fraca qualidade e desproporcionada ao esforço exigido. As
habitações eram insalubres, a mortalidade558 elevada, a emigração surgia como a única
solução. Os impostos estavam mal organizados e pedia-se o fim do real de água que
incidia sobre bens de primeira necessidade e tinham um peso social negativo. Este
assunto toma uma tal relevância que o decreto com força de lei de 31 de Dezembro de
1910, aboliu os direitos de consumo que incidem principalmente nas classes mais
pobres como os impostos de consumo e o real de água, muitos impostos refere este
decreto, “são agentes de definhamento da raça e causa de grande mortalidade nos
centros de população” e “sanciona uma grande desigualdade social.” É reconhecido que
houve um agravamento sucessivo de impostos “desde uma arbitrária tributação da
propriedade rústica e urbana até taxas absurdas […] são um fator de decadência
orgânica da população.” Dizia o Governo Provisório da Republica que era “sua intenção
atenuar as causas da miséria social”. No decreto afirmava-se a intenção de reformar o
imposto predial mas não era “possível abolir desde já o imposto do consumo e o real de
água […] e a crise de subsistências que tanto afeta a população de Lisboa…”. Existia
uma grande desigualdade de impostos sobre produtos559 por isso com a nova lei ficavam

558
A maior mortalidade era até aos 5 anos e cerca de 50% eram jovens mas nos homens a partir dos 35
anos o alcoolismo aumentava o risco de morte in Marnoco e Souza, 1905, p. 395 a 400.
559
Era referido no decreto que o azeite de oliveira pagava uma taxa de 55 réis por kg, ovos 25,26 e a
batata 1,72.

110
isentos de todos os direitos de consumo, uma serie de produtos considerados
essenciais.560 Mas em 1912 arrependem-se e são abolidos. O novo regime não só não
trouxe a democracia e liberdade prometida nem o “bacalhau a pataco”.

Existia ainda a ideia defendida por muitos de transformar Lisboa em porto franco,
ideia que já vinha do tempo do Marquês de Pombal mas colocaria o comércio, os
armazéns e os empregados ao serviço dos americanos de onde os produtos chegavam
mais baratos e a partir daí também os bancos, o contrabando seria enorme, como
consequência Portugal perderia uma importante fonte de receita.561

Já os gregos diziam que o custo entre ir por mar ou por terra era de 1 para 50. Não
é por acaso que ainda hoje 80% das trocas comerciais são via marítima mas até aqui foi
necessário criar um decreto em 10 de Março de 1910 que determinava várias
providências para a repressão dos crimes de fruto praticado nas embarcações que se
empregam no transporte de carga sujeita à fiscalização aduaneira, já que as reclamações
eram muitas por parte do comércio contra os furtos nas embarcações de transportes562.

O protecionismo alfandegário563 afastava o país das relações com países de


economias mais desenvolvidas e estas podiam ajudar a desenvolver a indústria e a criar
postos de trabalho. Perante uma organização complexa e o mau funcionamento da
indústria, o capital não aparecia. Era preferível ao capitalista ganhar apenas o juro que
arriscar na indústria. Sem riqueza o Estado não pode cobrar impostos e como tal em
relação à assistência o Estado pouco pode fazer.

Num país atrasado e pouco industrializado, sem carvão e sem possibilidades de


concorrer a única hipótese e mais fácil parecia voltar-se para si próprio. A lei do
protecionismo de 1889 e a lei de 1899 invertem a politica do livre-câmbio dominante
desde 1854, da mesma forma que o protecionismo aos cereais que facilitaram o
desenvolvimento de maquinaria mas vai dificultar o desenvolvimento do capitalismo

560
Era o caso da carne de porco (excluía-se a s carnes de bovino por ser preferencialmente consumido
pela população mais abastada) e de vários tipos de chouriços e miudezas e tripas de gado e farinheiras.
561
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 89.
562
Os delinquentes em processo de descaminho de direitos serão punidos com o dobro das multas dos
relativos aos trabalhadores aos trabalhadores dos caminhos de ferro e alfândegas e seria agravada com a
reincidência ou até eliminação da matricula (art. 1.º)
563
Oliveira Martins defendeu que por exemplo em relação ao álcool se o preço médio fosse superior a um
determinado limite devia ser autorizada a sua importação e que se aumenta-se os direitos sobre o álcool
estrangeiro de modo a não haver vantagem em o comprar dando preferência ao nacional in Ruy Ennes
Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 108.

111
porque permite a redução do custo de produção e ao consumidor, diminui o esforço de
trabalho com mais fácil adaptação mas os salários eram tão baixos que enquanto
consumidor, o trabalhador não tinha benefícios.

Ulrich defendia o protecionismo, podia ter benefícios temporários mas não era
suficiente porque não conseguia trazer desenvolvimento por si só era necessário apostar
nas “energias nacionais”.564

Tal como hoje os impostos tinham em mente beneficiar o erário mas muito pouco
o de estimular a produção. A elevação do juro é disso um sintoma e Portugal sendo um
país de mau crédito, a tendência de crise foi-se acentuando. Os capitais565 que chegaram
abundantemente para as obras públicas não serviram para beneficiar o desenvolvimento
do país que não estava preparado para investir no desenvolvimento da produção e como
tal as estradas ajudaram à deslocação de população para o litoral. Em 1891 havia que
pagar esses empréstimos ao estrangeiro e o país ia assim ficando sem capitais.

Com um agricultura protecionista, mão-de-obra em excesso e sem qualificação


não permitiu modernizar o setor, até porque existiam interesses difíceis de conciliar, tal
como era difícil contrariar as classes dominantes, os grandes latifundiários e mais difícil
alterar práticas agrícolas antigas e tradicionais.

Para Samuel Maia566 as bases económicas são falsas “estão erradas desde a
primeira pedra” e acrescentava “as principais receitas do Estado são formadas à custa da
nossa ruína. O tesouro público suga a medula do país, dando em resultado a paralisação
de todos os movimentos e a incoordenação da vida social”.567

O governo de Sidónio Pais sofreu economicamente com a guerra568, a subida do


custo de vida foi galopante569, muitos géneros de 1ª necessidade eram açambarcados,
saiam de circulação para que os preços subissem artificialmente. Faltavam

564
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 162.
565
O Código Civil permitia a livre estipulação do juro na celebração de contratos o que prejudicou o
desenvolvimento da economia in Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1902, p. 78.
566
Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica
Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.
567
Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica
Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911, p 123.
568
São as dificuldades nos transportes marítimos, nas importações e exportações, os preços aumentam, o
consumo diminui e o mercado alemão fecha-se.
569
O ano de 1918 apresentou o maior deficit de sempre, 13833 milhares de libras de ouro in Carlos Pinto,
1979, p.47.

112
infraestruturas, via de comunicação e não surgiram novas indústrias. Por isso nesta
altura, com falta de transportes e para que os minerais não fossem utilizados pelos
inimigos dos aliados e procurar o abastecimentos dos mercados aliados decreta-se que
enquanto durar a guerra e até seis meses depois, o decreto n.º 3:931 de 14 de Março de
1918, ficava reservado ao Governo o direito de se tornar o “único comprador e
exportador de todos os minérios que possam interessar às industrias de guerra…” (art.
1.º).570

O decreto n.º 4:745 de 20 de Agosto de 1918 concede vantagens e garantias a


todas fábricas que venham a fundar-se para desenvolver as indústrias de aplicação da
cortiça em produtos de maior valor comercial (art. 1.º) em troca recebiam a isenção de
direitos alfandegários na importação de maquinismos para essa indústria e aquisição
gratuita de terrenos pertencentes ao Estado para instalação destas fábricas.

São criadas medidas consideradas adequadas e indispensáveis para atender à


situação resultante da chamada “crise dos câmbios” que era cada vez mais gravosa e
havia que remediar a situação para estabelecer o possível equilíbrio da nossa balança de
contas já que a influencia que exerciam no comercio externo era grande e grave, assim
no decreto n.º 6:263 de 2 de dezembro de 1919 no art. 1.º elevou-se até ao dobro os
atuais direitos e sobretaxas de importação de produtos que não eram indispensáveis à
vida e ao desenvolvimento do trabalho nacional571.

Lei n.º 922 de 30 de Dezembro de 1919 aplica penas aos comerciantes


açambarcadores ou cujos géneros estejam em mau estado, falsificados ou escondidos, o
seu possuidor pode ser preso e os géneros apreendidos e destruídos se estiverem
impróprios, a multa pode ir até cinco vezes mais o valor da mercadoria (art. 1.º). Os
géneros tinham de ser expostos em “lugar bem visível da casa onde se efetuem as
vendas”572.

570
O decreto n.º 4:282 de 11 de Março de 1918 estabelece penas a quem exportar tungsténio.
571
§1.º os direito e sobretaxa eram pagos em ouro.
572
O art. 3.º são obrigados a despachar em 15 dias os géneros alimentares desde a entrada na alfândega e
findo este prazo serão considerados abandonados e vendidos em hasta pública.

113
Segundo J. Andrade Saraiva573 os preços dos alimentos sofreram um aumento de
238% em Outubro de 1919 em relação a 1913 e se estendermos para Maio de 1920 a
subida foi de 343%, ou seja, um incremento de 105% em apenas 7 meses.574 Se for tida
em conta os preços a retalho de 25 géneros alimentícios, iluminação, aquecimento e
higiene, os valores em 1921 sobem para mais de 800%. Tirando o caso alemão, Portugal
tinha valores muito elevados já que para o mesmo período a Inglaterra no mesmo
período foi de 182%, França 282%, Itália 360%, Espanha 120%, Bélgica 380% e
Holanda 163%.575 Os valores podem ser manipulados e até podem ser outros576, no
entanto mostram que não podemos apontar apenas à guerra a causa da inflação mas à
forte especulação que originou mais ricos e aumento o número de pobres.

A especulação fez subir os preços para o dobro dois anos depois do fim da guerra
e mesmo depois de Novembro de 1918 os preços continuaram a subir. O custo de vida
foi sempre muito à frente do aumento dos salários o que prejudicava o consumo e por
consequência também a industria, o que se traduziu pela diminuição da produção e por
consequência o aumento do desemprego e da miséria da população em geral.

A forte desvalorização do escudo577 em 1919/20 estimulou as exportações mas


1921 a crise internacional afetam as exportações e a economia578 ao contrario do que
aconteceu com a crise americana de 1929 cujo impacto em Portugal foi pequeno579.

A Guerra favoreceu a especulação e o mercado negro580 e estes beneficiam a


banca e os seguros. São criados novos bancos581 e é autorizada para a exploração de

573
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 7-18.
574
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 10.
575
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 179.
576
O mesmo autor 2 anos antes tendo em conta outros dados tinha dado valores muito diferentes para a
subida dos preços dos géneros alimentares: Inglaterra 231%, França 183%, Itália 114%, Suíça 141%,
Holanda 103%, EUA 92%, Austrália 50%, Noruega 171%, Suécia 237%, Espanha 80%, Nova Zelândia
50%, Índia 192% in Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e
Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 416.
577
Liberdade de preços e câmbios, baixa de impostos, salários não sofrem aumentos e diminui
temporariamente o número de grave.
578
Hiperinflação, aumento da divida externa, desequilíbrio da balança, desemprego, desvalorização
salários implicou o aumento da agitação social.
579
Jorge Costa et al, Porto, 2011, p. 77.
580
Existiu racionamento, a bem da economia, o Diretor Geral das Subsistências o tenente – coronel do
serviço de Administração Militar, Benjamim Maia de Loureiro. Edital n.º 1 – 1ª “…fica vedada a venda
direta para consumo dos géneros sujeitos ração, sem que pelo consumidor sejam apresentados a carta e
senha de consumo…
581
Banco Colonial Português (de Candido Soto Maior) e o Banco Industrial Português (de Manuel Cruz
Bela).

114
novas áreas de seguros e são fundadas novas companhias e sucursais francesas e
inglesas principalmente na área marítima.582

Portugal tinha a vantagem geográfica e de ter colónias583, alem de uma reduzida


mobilização militar mas parte da população jovem, principalmente a do campo foi
desviada ou para a guerra ou para a indústria ligada à guerra. A nível mundial a
diminuição do consumo e produção, foram derivados dos 30 milhões de homens em
quatro anos da guerra era a parte mais valida da população. Muitas fábricas foram
convertidas ao esforço de guerra e o bloqueio marítimo paralisou a produção, em parte
foi compensado pelo trabalho das mulheres nas fábricas. A desvalorização da moeda em
relação a outros países perdeu mais de metade do seu valor em menos de um ano. O
Governo não investe e espera que outros o façam584.

O sistema de transportes era fraco, pouco sofisticado, lentos e com pouca


segurança para as mercadorias. Em 1919 as tabelas de preços máximos foram abolidos o
que provocou uma alta de preços o que implicou o estabelecimento novamente das
tabelas já que mesmo que não se cumprissem na sua totalidade são de certo modo um
freio à especulação.585

O decreto n.º 6:391 de 14 de Fevereiro de 1920 aumentou os direitos pautais e


diminuiu as importações de objetos de luxo que podiam atenuar a crise cambial mas não
estão lá só produtos de luxo estão também tecidos de lã, algodão, calçado, lenços,
chapéus, louça, etc., e muitos destes produtos são de primeira necessidade o que acabou
por provocar o aumento do preço do vestuário e calçado, já que o importado era mais
barato, acabando por ficar dez vezes mais caro que em 1914.586

582
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 70.
583
O tratado luso-britanico de 11 de Junho de 1891 que acaba com o mapa cor de rosa mas os territórios
tinham fraca ocupação, pouca exploração económica quase sem administração e só com a difusão do
quinino se progrediu na colonização e ocupação militar e mesmo assim em varias zonas como na ilha de
Moçambique tinha de se pagar aos régulos locais e memo assim tinha de se cumprir um número máximo
de ocupantes.
584
O Governo através da lei n.º 678 de 14 de Abril de 1917 autoriza a conceder mediante concurso
público a qualquer entidade ou empresa portuguesa e pelo prazo de quinze anos, o estabelecimento e o
direito exclusivo da exploração da indústria siderúrgica pelos processos mais modernos (art. 1.º). O
concessionário instalará à sua custa e sem encargo algum para o Estado um estabelecimento siderúrgico
moderno.
585
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 419.
586
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 183.

115
O protecionismo587 favoreceu alguns empresários à custa da miséria da população,
arruinou a industria e o comercio devido à diminuição do consumo e sem que este não
há produção. Tal como hoje explorar os consumidores foi um erro. Com o armistício,
refere J. Andrade Saraiva588, notou-se uma melhoria mas foi sabotada a nível
internacional.

A grande oscilação cambial deu origem à incerteza, à especulação e agiotagem


que é referida nesta altura e cujos resultados se viriam a notar de modo intenso na crise
de 1929, não eram apenas devidos à balança comercial dos diferentes países.

A moeda nacional sofreu uma desvalorização brutal e os capitalistas nacionais


fizeram depósitos em bancos estrangeiros, apostando e beneficiando do “quanto pior
melhor”589.

Referia J. Andrade Silva “se os povos europeus não souberem desembaraçar-se


dos seus velhos ódios e rivalidades e criar um espírito de solidariedade europeia, dentro
de meio século perderão a hegemonia mundial e cairão miseravelmente” 590. Não foi
necessário esperar tanto, os fascismos europeus estavam dentro de fronteiras e a II
Guerra apareceria ao fim de 10 anos.

Um dos medos referidos era o da independência das colónias europeias, pensava-


se que delas derivava o sustento. Daí defendia J. Andrade Saraiva que se deveria
aumentar a consciência da necessidade da solidariedade europeia. Unificar a moeda em
toda a Europa e nacionalizar as operações cambiais. Eliminar as barreiras fiscais e
estabelecer uma liga aduaneira para desenvolver a indústria e alargar os mercados.
Atenuar a luta de classes através de medidas justas. Defender uma confederação
europeia para dar origem a uma frente diplomática e militar para que se mantenha a paz
a fim de reduzir as despesas militares.591

A especulação dominava sobre a produção, não existia um verdadeiro espírito


coletivo fora das greves e dos movimentos de rua. A psicologia era tal como hoje, muito

587
Grande parte dos países eram protecionistas como os EUA, Alemanha, Suíça, Áustria, Itália, Rússia, o
livre cambismo no entanto predominava nos países como a Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suécia, Noruega
e Dinamarca in Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra,
1902, p. 161.
588
Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926, p. 4.
589
Boletim da Previdência Social, vol. III, Ano III, Imprensa Nacional, Lisboa, 1920, p. 183.
590
Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926, p. 7.
591
Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1926, p. 7.

116
negativista, dificultava a organização de projetos, os espíritos empreendedores eram
criticados e rebaixados. Faltava educação, visão de futuro, escolas com programas
adequados ao bem comum para a formação do ideal coletivo. Muitas leis mesmo que
bem formuladas eram imediatamente criticadas não por serem injustas mas por uma
questão de personalidade. Aqueles que enriqueceram com a guerra não investiram, não
criaram riqueza nem postos de trabalho, era mais seguro viver do juro que investir fora
do luxo e da ostentação fútil.

Em 1891 Portugal sai do padrão ouro, a credibilidade é abalada, não garante a


estabilidade não se garantia a conversão da circulação fiduciária. Os encargos da divida
externa tinham aumentado, encetaram-se negociações com credores, dá-se as conversão
em 1902. Desde a bancarrota de 1892 que o país estava desacreditado nos mercados
financeiros estrangeiros.
O convénio com a Inglaterra a 28 de Maio de 1891 e a lei de 20 de Maio de 1893
sobre credores revelava a fraca situação das finanças em Portugal. Os preços das
mercadorias e dos bens não dependiam da quantidade de metal precioso em circulação
mas de muitas causas conjuntas sob a principal influência do regime fiscal. Para Brito
Camacho o problema não estava em não ter riqueza era a situação financeira que não
permitia que fosse criada. Os encargos eram de tal modo elevados que absorviam
grande parte das receitas e aumentar essas despesas poderia levar à bancarrota. A dívida
estava nas mãos de estrangeiros592 e tal como “todos os países de finanças avariadas,
estamos à mercê do mais insignificante especulador de bolsa, que à nossa custa queira
enriquecer depressa.”593
A crise financeira de 1890 veio afetar o comercio, faltava o fomento industrial
para dar movimento nas estradas, caminhos-de-ferro e criar fabricas e oficinas pelo pais.

A “Lei Travão” aprovada em 1913 pelo Parlamento proibia os deputados de


aprovarem leis que aumentassem as despesas públicas. Com a República o Ministério
da Fazenda passa a denominar-se das Finanças o que releva o aumento da consciência
social da participação da contribuição dos cidadãos no bem público de modo a ser
alcançado um verdadeiro ideal de cidadania na melhoria da sociedade. Foi conseguido o
equilíbrio das contas públicas mesmo que temporariamente no entanto há que notar que

592
O rendimento dos fósforos foram hipotecados, as obrigações dos Caminhos de Ferro foram entregues
em Paris por curta quantia in Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 26.
593
Brito Camacho, Lisboa, 1909, p. 26, 28.

117
esta melhoria já vinha desde a bancarrota, em virtude do pais estar fora dos mercados
internacionais e fora do padrão ouro desde 1891. Estando fora os câmbios não eram
fixos o que trazia inconvenientes ao comércio internacional porque tanto as transações
como os pagamentos tornaram-se mais complicados o contrario daqueles que estavam
num mercado globalizado mas conseguiu-se conter assim a sangria do défice publico
antes da revolução republica.

A necessidade de desviar os transportes marítimos para a guerra (já para não falar
dos que foram afundados) fizeram escassear os combustíveis e as principais matérias-
primas, as exportações foram prejudicadas e como os impostos incidiram sobre a
produção e sobre os rendimentos, as receitas diminuíram acentuadamente.
A falta de produtos devidos à guerra implicaram o aumento de preços o que levou
a tentativas de tabelamento de preços, criação de subsídios por um novo ministério para
fazer face à escassez594 de bens essenciais mas acabaram por não só aumentar as
despesas como favorecer o mercado negro que retirava muitos produtos essenciais de
circulação.

Em 1916 realizaram-se roubos a armazéns de géneros alimentícios em Lisboa,


Porto, Almada e tal como noutros locais o governo manda responder com violência
contra operários, contra a 1.ª secção da U.O.N. mas operários estando cada vez mais
unidos e organizados. Em Maio de 1917 acontecem novos assaltos a armazéns com
revoltas sangrentas das quais se ressalva a revolução da batata. De 1914 a 1919 os
preços triplicaram e se aumentarmos para 1924 podemos multiplicar por oito595. O país
não conseguia produzir o suficiente para consumo, faltavam capitais para desenvolver a
indústria e transporte marítimos e não era só a falta de investimento estrangeiro era
também a fuga de capitais e as remessas dos emigrantes também diminuíram que com a
chegada da guerra a situação só poderia piorar.

594
O decreto n.º 6:723 de 5 de Julho de 1920 determina que o azeite de oliveira seja unicamente para
alimentação pública e seja exportado determinado sob determinadas condições.
Lei n.º 999 de 16 de Julho de 1920 autoriza as câmaras municipais a lançar impostos não superiores a 3%
sobre quaisquer géneros e mercadorias exportadas para fora do concelho.
Decreto n.º 6:889 de 6 de Setembro de 1920 restringe o consumo de água na cidade de Lisboa.
595
Maria Eugénia Mata, A política financeira In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da
Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 199.

118
17 - Soluções encontradas para minorar a crise económica
As leis que iam surgindo de forma avulsa eram vistas como um paliativo já que
por parte dos sindicatos o problema estava no regime económico, nas pautas, nos
impostos, nos monopólios, nos intermediários, na corrupção e principalmente na
especulação. O decreto n.º 741 de 10 de agosto de 1914 do ministro da Justiça, Eduardo
Monteiro, estabelecia penalidades para quem aumenta-se os preços dos produtos de
primeira necessidade. Era uma forma de tentar combater a especulação que prejudicava
precisamente os mais pobres.
O decreto n.º 767 de 18 de Agosto de 1914, o Ministério do Fomento cria uma
comissão para fazer a análise da situação de modo a garantir o acesso a produtos
essenciais e evitar perturbações.596 Para relançar a economia do pós-guerra surge o
decreto de 21 de agosto de 1914 a Bolsa de Mercadorias de Lisboa e Porto.
A antiga lei de Elviro de Brito de 1899 foi revogada e para fazer face à escassez
de trigo e o Governo subsidiou o preço do pão pelo decreto n.º 1371, 1 março 1915.

O decreto n.º 2027 de 6 de novembro 1915 acabaria por ser uma forma
encapotada de legitimar a intervenção do Estado na economia. O Governo na tentativa
de evitar a saída de ouro e divisas através de uma série de proibições era a sua forma de
intervir economia e uma forma de o fazer era tentar evitar a saída do ouro e de divisas
através de uma serie de proibições.
Na Portaria n.º 518 de 10 novembro de 1915 fica demonstrada esta intervenção
na Fábrica de Adubos da Póvoa de Santa Iria, dada pelo ministro do Fomento, Manuel
Rodrigues Monteiro. A Lei n.º 493 de 12 de março de 1916 foi aprovada na sequência
da declaração de guerra da Alemanha a Portugal, uma forma de possibilitar o
desenvolvimento industrial.597
O abastecimento de bens de primeira necessidade tinha muitas falhas, o Governo
não conseguiu combater a especulação, o açambarcamento e a requisição de transportes
para abastecimento de mercadorias foi indispensável à economia (Lei n.º 480 de 7 de
fevereiro de 1916).

596
Ana Paula Pires, A economia de guerra: a frente interna In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,
Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 325.
597
Ana Paula Pires, A economia de guerra: a frente interna in Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,
Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 332.

119
A Lei n.º 494 de 16 de março de 1916 sob proposta de António Maria da Silva do
Ministério do Trabalho e Previdência Social debruçava-se sobre a questão das
subsistências com especial relevo para as relações com o operariado.

Com os crescentes problemas de abastecimento e falta de transportes, levaram


Afonso Costa a criar uma Administração dos Abastecimentos do Ministério do Trabalho
e Previdência Social que estudou e elaborou estatísticas sobre preços, produtos,
quantidade, disponibilidade, etc. (decreto n.º 3174 de 1 de junho de 1917).
Para tentar acalmar os ânimos mais exaltados o Governo decretou a mobilização
agrícola para intensificar a produção e facilitar o acesso a sementes, maquinas,598 e
premiar os mais inovadores pelo decreto n.º 3:619 de 27 de novembro de 1917599. Os
celeiros municipais foram uma forma de transferir poder para as autoridades locais e a
criação do Ministério da Agricultura que com o decreto n.º 3:902 de 9 de março de 1918
veio coordenar essa descentralização.

O decreto n.º 4841 de 26 de setembro de 1918 criava um imposto especial sobre


os lucros derivados da guerra que excedessem os de 1917, era a lei dos “lucros da
guerra” que podiam chegar aos 80%, deste modo atendia-se ao excesso destes lucros
com a guerra e ganhavam as finanças mas acabaria por ser revogado a 4 de outubro, ou
seja, uma semana depois pelo decreto n.º 4:864, tinham ganho neste confronto com
Sidónio Pais, as indústrias e o comércio.

598
Enquanto não se fizesse a classificação dos baldios nos termos e para os fins do art.º 185.º de decreto
n.º 88 de 7 de Agosto de 1913, nenhuma desamortização de baldios pode ser permitida, pelo art.º 187.º a
divisão dos baldios eram ilegais e expressamente proibidos às juntas de freguesia assim como aos baldios
paroquiais. Só com Sidónio se permite às câmaras municipais que entreguem os baldios a agricultores
escolhidos e não aos sindicatos como era pedido.
599
Para aumentar a produção agrícola nacional:
Art.º 1.º Enquanto durar o estado de guerra […] incumbe ao Ministério do Trabalho:
a) Organizar uma ativa propaganda do aumento das culturas, junto dos agricultores, dos
sindicatos agrícolas e das caixas de crédito rural;
b) Facilitar aos agricultores instruções sobre as melhores e possíveis adubações, processos de
cultura e sementes a empregar;
c) Por à disposição dos agricultores, que disso careçam para aumentar a sua cultura, gados,
maquinas, especialmente motores, e alfaias por meio de aluguer;
d) Promover a utilização e aproveitamento de todas as matérias que possam ser empregadas
como corretivos e adubos;
e) Pôr à disposição dos agricultores sementes e adubos a pronto pagamento ou para serem pagos
na ocasião da colheita, mediante garantia que poderá ser constituída por letras aceites pelos
agricultores com mais de uma ou duas firmas idóneas;
f) Instituir prémios aos agricultores que provem ter trazido à cultura novas terras;
g) Facultar aos agricultores isolados ou agrupados ou associados, fundos devidamente
garantidos, com juro módico, para com a assistência gratuita de técnicos, realizarem
determinadas culturas;

120
Com a guerra desenvolvem-se as sociedades anónimas e vai ser Sidónio que pela
primeira vez promulga legislação neste sentido, é o decreto 4556 de 10 de Julho de
1918. Havia o desejo de mudanças e o decreto de 11 e 30 de março de 1918
demonstrava que a ideia era construir um outro regime. Portugal era muito dependente
do estrangeiro em relação a bens essenciais como alimentos, combustíveis, matérias-
primas, equipamento industrial, etc., mas o ambiente não ajudava, nomeadamente o
religioso e o decreto n.º 4:056 de 29 março de 1918 atenuou a visão radical contra a
Igreja, as relações com o Vaticano foram retomados, mesmo depois de Sidónio Pais.
Abrem-se novamente as igrejas e voltam os bispos e padres aos antigos locais. São
devolvidos bens e propriedades, permitem-se os hábitos talares e as procissões
religiosas não necessitam de autorização prévia.600
Surgem movimentos como a Seara Nova ou o Integralismo Lusitano, mas em
geral a oposição vai controlando a imprensa. Constroem-se bairros operários em Lisboa
e Porto.

O decreto n.º 3:907 de 11 de Março de 1918 estabelece o “sufrágio universal”


onde eram eleitores “todos os cidadãos portugueses, de 21 anos, que estejam no gozo
dos seus direitos civis e políticos e residam em território nacional há mais de seis
meses” (art. 1.º) mas para o Partido Democrático, “o sufrágio universal é, neste
momento, inoportuno porque só aos adversários das instituições aproveitava.601
Mas o sidonismo assentava na repressão602, na censura603, a opinião pública vai
achando que se vivia em ditadura, a base social era fraca, faltava apoio popular e
mesmo com vitórias militares, alguma mais tarde ou mais cedo viria a falhar. Os
decretos surgiam a velocidade vertiginosa, tudo era reformulado mas a miséria e a falta
de bens de primeira necessidade não diminuíam.

600
Pelo decreto n.º 4:717 de 17 de Julho 1918 concede-se uma a subvenção mensal extraordinária de
150$ para legação de Portugal junto do Vaticano e pelo decreto n.º 7:212 de 6 setembro de 1920 é extinta
a 2ª Repartição da Direcção Geral da Justiça e dos Cultos e outras se seguirão.
601
Ora, sendo de setenta por cento a percentagem de analfabetos, forçoso seria concluir que a enorme
maioria do país repudia as instituições vigentes…” mas para o Governo de Sidónio o sufrágio universal
“longe de prejudicar o regime antes o fortalecia, interna e externamente […] nem se diga que o iletrado é
incapaz de escolher quem legitimamente o representa” e na verdade muitos dos alfabetizados ou não
votavam ou não estavam politizados existindo assim uma curta distancia entre uns e outros.
602
Não será de esquecer a “Leva da Morte” de 16 de Outubro 1918 em Lisboa onde são assassinados
opositores ao regime como Francisco Correia de Herédia Visconde da Ribeira Brava tinha 66 anos.
603
O decreto n.º 4:436 de 17 de Junho de 1918 estabelece a forma como deve ser feita a censura
preventiva, enquanto durar a guerra (art. 1.º).

121
O decreto n.º 4:223 de 8 de Março de 1918 deu uma amnistia geral604 e
completa605 para todos os crimes de natureza ou carácter político, reuniões criminosas,
porte de arma, abuso de autoridade (sem ofensas físicas), transgressão às leis de
Separação do Estado das Igrejas, ultraje à moral, etc. (art. 1.º). E o decreto de 8 de
Junho de 1918 concede um indulto a todo o pessoal do Arsenal da Marinha e a 13 de
Junho o decreto n.º 4:518 amnistia geral é completa às praças do exército e da armada e
das forças ultramarinas transferidas por terem tomado parte em manifestações coletivas.
No ano seguinte e pelo decreto n.º 5:402 de 12 de Abril de 1919 concede amnistia
para os crimes de deserção, simples ou agravada nos praças que tomaram parte nas
operações contra as revoltas monárquicas.

José Carlos Rates escrevia606 em 1919 n’A Batalha que “os povos que não
procuram bastar-se a si próprios podem fazer quantas revoluções quiserem, que nunca
serão independentes, que nunca serão verdadeira livres! […] há-de ser sempre
escravo…”607 mas em 1920 há um aumento da produção em virtude do investimento em
máquinas e ao aumento do consumo de combustíveis dos quais estávamos dependentes
do exterior. A desvalorização da moeda tinha um estímulo mais positivo e eficaz que o
do protecionismo, até porque a importação de produtos industriais torna-se demasiado
caro, o que favorece as empresas nacionais. Por outro lado as de exportação como as da
industria têxtil e conserveira, tornam-se mais competitivos e de mais fácil acesso aos
mercados internacionais.608

A inflação provocou uma forte subida dos preços mas iam sendo feitos algumas
concessões ao operariado. Acaba o congelamento dos salários do tempo de Sidónio, o

604
Decreto n.º 1:508 de 20 de Abril de 1915 manda aplicar a lei de 22 de Fevereiro de 1914 com
modificações para os crimes, delitos e infrações disciplinares por motivos políticos, ou seja, estende a
amnistia com algumas restrições uma forma de generosidade da República contra ódios sem espírito
perseguição “aberto a todos e em que a todos se mantenha o respeito das suas opiniões, das crenças e dos
seus ideais.”
Lei n.º 316 de 5 de Junho amnistia para todos os crimes com carácter político e autoriza o Governo a
renovar a expulsar dos indivíduos constantes da nova junta à lei n.º 114 de 22 de fevereiro de 1914.
605
Existem saneamentos na altura das incursões monárquicas mas acabam sempre em amnistias ou
“governos de acalmação” que reintegração dos saneados mesmo sendo militares do exercito e de outros
funcionários públicos com algumas limitações.
606
Personagem muito contraditória, foi anarquista e depois tornou-se o primeiro secretário geral do PCP
do qual foi expulso e no Estado Novo aderiu à União Nacional. Foi operário conserveiro, estudioso
autodidata, deixou vários estudos, obras publicada e até romances disse muitas coisas das quais se foi
arrependendo ao longo do tempo.
607
A Batalha 26 de Abril de 1919 citado por Maria Filomena Mónica, 1982, p. 1235.
608
Ana Catarina Pinto, Nova Estratégia para a República In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,
Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 416.

122
pão é subsidiado, o “pão político” que permitia algum controlo de preços, no entanto a
prazo servia como efeito paliativo para os mais pobres que se iam vendo confrontados
com o nível de vida cada vez mais caro e em consequência de Abril a Setembro de 1918
foram inauguradas 31 cozinhas económicas na zona de Lisboa.609
Desenvolve-se o sistema da sopa dos pobres610 já existente no tempo da
monarquia611 e que vai receber uma forte contestação maçónica.
Com a guerra houve a supressão, racionamento e redução de muitos produtos, até
a produção de energia foi reduzida e aqueles que ultrapassassem os 70% do seu
consumo habitual sofriam um acréscimo no pagamento. A iluminação exterior de
muitos edifícios foi proibida e vários estabelecimentos viram-se obrigados a fechar
portas mais cedo.612 O comércio viu-se mais vigiado e restrito mas com o fim da guerra
a liberdade comercial foi restabelecida, foram abandonadas as tabelas de preços fixos e
substituídas pelas dos preços máximos613 e a título experimental foram criados dois
tipos de pão de trigo com a intenção de baixar o preço sem baixar a qualidade.614 615

Quem lucrava com a especulação dos preços? A. Saraiva616 em março de 1918


referia que uns enriquecem, outros passam fome, principalmente os que trabalham por

609
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 70.
610
Decreto n.º 4031 de 30 de Março de 1918 com 35 cozinhas económicas em Lisboa.
611
Da Duquesa de Palmela em 1892 eram gratuitos ou de baixo custo.
612
O decreto n.º 2:922 de 30 de dezembro de 1916, referia no art.º 1.º a iluminação, quer a gás, quer a
eletricidade obtidos pelo carvão, será reduzida da forma seguinte: a) De 50 por cento a iluminação
pública; b) De 30 por cento a iluminação particular. n.º 2 - O consumidor que exceder 70 por cento do
consumo mensal […] pagará, além do custo, a quantia de $60 e $30 respetivamente, por cada quilovátio
ou metro cúbico consumido a mais.
Art.º 2.º São proibidas: a) Todas as iluminações exteriores dos edifícios, lojas, restaurantes, cafés, casas
de espetáculos e similares, bem como todos os anúncios e reclamos luminosos; b) A iluminação das lojas
e das montras depois da hora do encerramento dos respetivos estabelecimentos, com excepção das luzes
necessárias para a sua defesa ou vigilância. Acrescenta ainda o art.º 4.º que a restauração, espetáculos e
leilões enceraram às 23h.
613
Abolidos em 1919 o que voltou a provocar a elevação dos preços.
614
Lei n.º 835 de 17 de Fevereiro de 1919.
Art.º 1.º É restabelecida a liberdade de transito e comercio com algumas restrições.
Art.º 2.º São substituídas as tabelas de preços fixos por outras de preços máximos.
Art.º 3.º São criados, a titulo de experiência, dois tipos de pão de trigo, diminuindo o preço sem baixar a
qualidade.
615
Decreto n.º 5:175 de 26 de Fevereiro de 1919.
Art.º 1.º é garantida a liberdade de comércio e de transito de arroz, batata e feijão.
Art.º 2.º …para o arroz, batata, feijão são fixados preços máximos.
616
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 55-59.

123
conta de outrem e como tal não têm poder sobre a alteração dos preços. Depois da
guerra a inflação foi de 13%, o que representou um forte corte salarial.617

Mas tudo poderia ser suavizado se o Estado, através da polícia, fiscalização,


tribunais, administração, etc., controla-se a especulação e baixa-se os preços com a
isenção de direitos pautais618, fixação dos preços de alimentos essenciais619,
estabelecimento de um preço na venda dos combustíveis620 e a proibição da exportação
de vários produtos621.

Houve no entanto indústrias que se desenvolveram com a guerra como a


agricultura, alimentação, pesca, minas, metalurgia, transportes, armamento, etc. O que
provocou o aumento da procura de mão-de-obra e uma ligeira melhoria salarial em
relação a outros sectores. No geral os grandes e médios comerciantes e industriais
ganharam com a guerra.

Desde 1870 que os deficits eram muito elevados, fizeram-se empréstimos graças
ao ouro mas quando os empréstimos acabaram. Fez-se um empréstimo com a garantia
das receitas do monopólio dos tabacos em muito más condições e garantindo o
exclusivo fabrico dos tabacos e administração aos credores e amortizações. A partida de
uma expedição para África de forma urgente acarretou despesas não esperadas e a
Revolta no Porto a 31 e Janeiro de 1891 tornou a situação mais tensa.

Os mercados estavam parados e os ingleses por força das circunstâncias (O


Ultimatum) estava fechado restava o mercado francês e alemão mas esses só sob
determinadas garantias e rendimentos extras de juros.622

Para Mendes Leal existiam dois métodos de extinguir o deficit: por um lado com a
“organização dos serviços na distribuição das forças na elevação da venda derivando-a

617
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 56.
618
Decreto n.º 4:906 de 25 de Outubro de 1918, isenta de direitos pautais a importação de arroz, grão de
bico e massas para sopa.
619
Decreto 4:937 e 939 de 15 de Novembro de 1918, que fixa os preços das massas alimentícias, aveia,
cevada e outros cereais.
620
Decreto n.º 4:907 de 25 de Outubro de 1918, estabelece o preço da venda de petróleo e gasolina.
621
Decreto n.º 4:910 de 26 de Outubro de 1918, proíbe a exportação de sabão.
622
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 217.

124
do desenvolvimento da matéria colectável” o segundo e o mais fácil, é cortar na despesa
e ajustar ao orçamento623, foi o que fez anos mais tarde Afonso Costa.

18 - A habitação operária. A opinião de Caeiro da Matta

Caeiro da Matta afirmava que as casas ocupadas por mais de 10 pessoas


apresentavam uma mortalidade624 três vezes superior aos soldados mortos nas
batalhas.625 Mesmo com o preço das rendas das casas mais baixas cedidas pelo
industrial faziam com que o operário se sentisse em casa do patrão e se à qualidade
pouco amigável de senhorio ainda se junta a de patrão, muito se poderá temer de
agitação no mundo operário.626
Foi com o Marquês de Pombal que se construiu um bairro junto da real Fabrica de
sedas do Rato para os operários, em 1769 existiam já cerca de 60 casas. Em sessão de 3
de Dezembro de 1908, o vereador Luiz Filippe da Matta, propunha a construção de
casas baratas, higiénicas e com água gratuita.627
Já em 1883 Fontes Pereira de Mello e Hintze Ribeiro na sessão na câmara de
deputados de 15 de Janeiro, foi apresentada uma proposta de lei com vista à construção
de casas com rendas de baixo preço. Nessa ideia propunha-se a isenção de contribuição
predial por vinte anos, a isenção de contribuição de registo, a recolha de madeiras nas
matas nacionais, entre outras, neste sentido em 19 de Fevereiro de 1884 foi apresentado
um projeto de lei pelo deputado Rosa Araujo que não teve seguimento mas outro surgiu
em 16 de Maio de 1884 pelo conselheiro Augusto Fuschini mas também este não
chegou a ser discutido.628
A 7 de Março de 1901, foi o deputado Guilherme Santa Rita a apresentar um novo
projeto, ao qual se acrescentaria novo artigo e alíneas em 1904 que novamente não foi
aprovado e em 1905 o ministro das obras públicas D. João de Alarcão em sessão de 22

623
José Mendes Leal, 1867, Lisboa, p. 11
624
Em 1904 em cada 1000 sepulturas em Lisboa, 326 eram para crianças. 1/5 são de crianças até 1 ano de
vida. Em cada 500 crianças só 73 não têm defeito, as outras são anémicas, raquíticas, com pequenos
defeitos físicos, ventre abaulado, peito reentrante, etc. in Jorge Morais, Sintra, 2009, p. 119.
625
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 92.
626
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 106.
627
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 173.
628
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 174.

125
de Agosto de 1905 apresentou mais uma proposta que seria renovada a 19 de Maio de
1908 pelo Conselheiro Alfredo Pereira que foi enviada à comissão de administração
pública.629 Na sessão de 23 de Maio de 1908 é apresentada uma nova proposta de lei
pelo Presidente do Conselho de Ministros, Ferreira do Amaral onde referia que até então
“em Portugal nada se tem feito para incitar à construção de habitações populares
salubres, que tanto têm contribuído em outros países para melhorar a saúde
pública…”.630 Depois de submetido à apreciação da comissão de administração de
administração pública, foi corrigida em alguns pontos como por exemplo substituir a
palavra “alugado” por “arrendada”, “por ser a verdadeira expressão jurídica”. 631
Procurou-se evitar que se tenta-se fraudar a lei aumentando a renda da superfície
descoberta e incitar os senhorios a construir casas com jardins ou pátios que melhoram
as condições para isso devia ser incluído um limite máximo da renda. Havia ainda que
juntar o seguro de vida aos compradores dos prédios para que ficasse garantida a sua
posse às famílias no caso de morte. Se o operário tem de procurar trabalho no local onde
tem casa, fica numa situação de desvantagem para discutir as condições de trabalho. Os
operários com mais filhos voltarão para as antigas casa com mais espaço se eles não
forem destruídas e as novas entregues a locatários com mais elevada condição social.632
Se for o município a construir e explorar as casas, os preços serão mais baixos
porque não explorará comercialmente. Muitos impostos cobrados pelo município
oneram a propriedade predial. Os municípios devem facilitar a construção de habitações
populares compatíveis com higiene e segurança, facilitando o pagamento dos terrenos
cedidos pelos municípios, concedendo terrenos a títulos de enfiteuse.633/634

629
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 199.
630
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 208.
631
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 217.
632
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 245.
633
Caeiro da Matta, Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909, p. 252-253.
634
O decreto n.º 4:440 de 12 de Junho de 1918 enumera algumas condições técnicas e higiénicas casas
económicas
No art.º 1.º As casas económicas e soladas ou agrupadas em bairros serão projetados e construídos em
obediência às prescrições…
Art.º 2.º Devem estar ligados ao saneamento públicos se este existir ou deverão construir fossas.
Art.º 3.º Por cada 100 casas económicas deve existir um lavadouro publico se as casas não tinham esses
tipo de instalações.
Art.º 4.º Por cada 50 casas económicas deve existir uma zona arborizada para logradouro dos seus
habitantes.

126
O decreto com força de lei de 12 de Novembro de 1910 regula o inquilinato, o
senhorio de prédio urbanos pode arrendar pelo preço que lhe convier mas durante um
ano a contar da publicação deste decreto não poderá aumentar o preço da renda e se o
fizer é considerado desobediência (art. 9.º) também o processo de despejo era alterado
(art. 11.º).
O arrendamento e despejo de prédios urbanos foi legislado logo no início ainda
com o governo provisório.635 De modo a proteger os mais desfavorecidos o Governo
proibiu os senhorios de aumentarem as rendas dos arrendamentos urbanos sem
consentimento dos inquilinos através de o decreto n.º 1:079 de 21 de Novembro de
1914636 de Benardino Machado que obrigava que em caso de aumento de renda o
arrendatário fosse consultado. Se a casa fosse de baixo valor era proibido o aumento do
arrendamento na celebração de novos contratos. Este decreto foi renovado após a guerra
mas a inflação foi tal que se tornou num sério problema para os senhorios.
Sobre as casas económicas, o decreto n.º 4:137 de 24 de Abril de 1918, era
importante para conseguir-se casas acessíveis e com condições higiénicas para que o
trabalhador goste da casa e assim passe mais tempo com a família porque com as
condições oferecidas só se semeava a revolta e o ódio, onde as tabernas 637 e os
prostíbulos serviam como forma de esquecer os problemas.638 Mas mais uma vez em
vez de ser atacado o problema pela sua base e nas suas causas, fazem-se remendos
usando meros métodos paliativos.639

As leis do inquilinato eram um ataque aos proprietários que tinham as rendas


congeladas. São de referir a lei n.º 828 de 28 de Setembro de 1917 que amplia e
confirma o decreto n.º 1:079 de 21 de Novembro de 1914 que proibiu durante a guerra e
6 meses depois de assinada a paz de elevar as pequenas rendas e despejar os inquilinos

Art.º 5.º Cada habitação deve ter uma retrete distinta da pia da cozinha.
635
Decretos de 12 e 18 Novembro 1910.
636
Ao abrigo da Lei de 8 de Agosto de 1914 surgem os art.ºs 1.º e 2.º do decreto n.º 1079 de 21 de
Novembro 1914.
637
Faltavam lugares para tomar as refeições nos locais de trabalho mas por todo lado existiam as tabernas,
era ali que se conversava, ouviam notícias, jogavam, cantavam, enfim se divertiam.
638
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º
21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 340.
639
a lei n.º 1:547 de 25 fevereiro de 1924 era proibida a instalação de novos estabelecimentos de venda de
vinho ou de quaisquer bebidas alcoólicas a copo num raio de 500m em Lisboa e 200m noutras localidades
em torno de edifícios públicos e escolas em especial (art. 1.º) ou a500m de outros da mesma natureza (art.
2.º), era proibida a entrada nas tabernas a menores de 15 anos que vai desde multa a prisão do taberneiro
que consente (art. 3.º) e das 21h às 6h é proibida a venda de bebidas alcoólicas, devendo as tabernas nesse
período estar enceradas.

127
sem justificação mesmo que o proprietário justifica-se a necessidade para si do imóvel o
que ia contra o direito de propriedade mas protegia o inquilino. De maior ou menor
proteção mas foi em geral no sentido de proteger o inquilino e assim temos o decreto de
21 de Novembro de 1914 e a lei n.º 828 de 28 Setembro 1917 que proibiam a elevação
das rendas de casas para proteger os mais pobres durante a Guerra, era mais favorável
aos inquilinos e 6 meses após o tratado de paz referia uma série de benefícios640 este
prazo é alargado a um ano pelo decreto n.º 4:499 de 27 de Junho de 1918 que no
período sidonista já deixava a porta aberta a despejos641 até que o decreto n.º 5411 de 17
de Abril de 1919 com António Granjo como ministro da Justiça volta a proteger os
inquilinos e volta a ter mais proteção com a lei n.º 1:662 de 4 de Setembro no ministro
da Justiça João Catanho de Meneses devido ao aumento da contestação e da violência
operaria em Lisboa.

Os constantes abusos no inquilinato são reconhecidos no decreto n.º 9:496 de 14


de Março de 1924, onde à sombra da lei do inquilinato, nomeadamente os fixados “em
moeda estrangeira” que são prejudiciais à vida económica do país e contrários ao
espírito da lei e por isso devem ser reduzidas a escudos como é referido no art. 3.º. O
decreto n.º 10:774 de 19 de Maio de 1925 refere que desde 1914 foram publicadas leis e
decretos sobre inquilinato motivados pela crise económica e pela guerra. Por isso e para
manter a tranquilidade social o art. 13.º da lei n.º 1:662 de 2 de Setembro de 1924 é
prorrogado até 31 de Dezembro de 1926 (art. 1.º). As ações de despejo com o
fundamento na falta de pagamento de renda urbanos642 em que funcionem escolas do
Estado, estabelecimentos de assistência ou beneficiência, só poderão ser intentados seis
meses depois do respetivo vencimento e se nesse prazo não tiver sido feito o seu
pagamento (art. 2.º). Este artigo vai ser prorrogado por mais seis meses e os despejos
que não tenham sido transmitidos em julgado serão “declarados suspensos, reocupando
as escolas…” referido no decreto n.º 11:260 de 23 novembro de 1925.

640
Art.º 1.º É mantido o decreto n.º 1079 de 21 de Novembro 1914 com as alterações:
Art.º 2.º É expressamente proibido aos senhorios ou sublocadores:
n.º 1.º Aumentar as rendas que não excedam ou não correspondam mensalmente:
Em Lisboa a 25$; no Porto a 20$, outras cidades 13$, outras terras 8$.
641
A ação de despejo de prédios urbanos são da competência dos juízes (art.º 10.º). O senhorio podia
intentar ação de despejo por não lhe convir continuar o arrendamento para alem do prazo (art.º 11.º). por
ofensa à lei ou ao contrato (art. 12.º §3.º), por falta de pagamento (art.º 12.º § 4.º)
642
O decreto n.º 11:023 de 12 de Agosto de 1925 acentua que a lei dos despejos é só para os prédios
urbanos.

128
19 - Situação profissional e a mendicidade
Os censos de 1864 e 1868 não referem as profissões, são muito incompletos mas
é de realçar o facto de referirem como “impressionante” a “descida da população ativa”
entre 1890 e 1911643. Outros países agrícolas e com clima semelhante têm uma taxa de
ocupação superior e aqueles cujos valores não são muito superiores ao nosso como a
Inglaterra, Alemanha ou até os EUA, tinham já um desenvolvimento técnico de tal
modo avançado que não nos servem de comparação. Ali o emprego de maquinaria644,
tecnologia com pessoal tecnicamente e profissionalmente preparado aliado ao grande
investimento e abundância de capitais, implicaram o elevado rendimento da indústria e
do comércio645.
Em grande parte da Europa a população agrícola diminuía e aumentava
consideravelmente a indústria e o comércio. A diminuição da população agrícola
masculina é reconhecida ser devida principalmente à emigração646.
O desenvolvimento industrial das zonas urbanas não acompanhavam o aumento
da população e o tráfego marítimo não correspondia nem à capacidade nem à benéfica
situação geográfica do país. O comércio prosperava mas não era propriamente um
benefício, já que o era consumido, não representava melhoria, nem os preços eram mais
vantajosas ou de melhor qualidade.

No congresso penitenciário de 1895 várias vozes disseram que a mendicidade não


é um delito, ao contrário da exploração da miséria física, dos maus tratos e da violência
para os obter.647

Mendigos assustados com a ameaça de cadeia648 podem preferir os roubos nas


estradas, já que os pobres também têm necessidades de comer como os ricos. Para

643
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 9.
644
A generalização da maquinização facilitava uma maior homogeneidade do trabalho, tornando o
operariado mais igualitário mas tende por parte do patronato a uma redução dos salários e o aumento dos
lucros em várias áreas, principalmente dos bens essenciais aumentavam os preços e os protestos, faziam-
se greves e contratavam-se fura-greves que tentavam boicotar os sindicatos e a sua ação, retirar as 8h/dia
e impor novos ritmos de trabalho.
645
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 9.
646
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 11.
647
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 184.
648
“Não tem, pois, a polícia de prender ninguém; mas se tivesse de faze-lo antes deitar a unha à caridade
que é quem faz os mendigos” in Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 8.

129
garantir a subsistência criou-se o trabalho que deve ser um direito, a esmola é apenas
altruísmo, fora estas duas surge um último recurso que é o roubo.649

Desde 1911 que os vadios eram enviados para as colónias causando a saturação de
alguns destinos sem que os problemas diminuíssem sobre os cidadãos. O decreto de 27
de Maio de 1911 era para menores. Para os adultos o trabalho era obrigatório nos
estabelecimentos penais, as cadeias650 estavam sobrelotadas, o Governo estabeleceu o
trabalho obrigatório para vadios nos prédios rústicos e urbanos do Ministério da
Justiça.651
A legislação sobre mendicidade não envergonhava Portugal ao contrário de outros
países como a França onde era condenada. Em Portugal pelo art.º 260.º do Código Penal
era punido “todo o indivíduo, capaz de ganhar a sua vida pelo trabalho, que for
convencido de mendigar habitualmente” no entanto também não dava ao assunto a
proteção que merecia. Portanto para ser punido na nossa legislação tinha o mendigo de
ser capaz de ganhar a vida pelo trabalho e que mendigue habitualmente ou simulem
doenças652, distinguindo-se assim aqueles que eram inválidos profissionais.
Em Portugal existiam os asilos de mendicidade, albergues noturnos, creches,
associações particulares de caridade e a beneficência mas não abrangiam todo o
território nem eram de tipo permanente e como tal não diminuíam o problema. Existiam
várias instituições como as Oficinas de S. José, escolas profissionais, tutórias de
infância, etc. Ao nível oficial existia a escola de Vila Fernando em Elvas e a colónia
penal agrícola de Sintra.653

Em 1917 o Estado da Virgínia Ocidental declarava em lei que todos os indivíduos


validos do sexo masculino tinham de ter uma profissão útil e licita para se sustentar a si
e às pessoas que dele dependem. Na Alemanha e na Hungria estava instituído o trabalho

649
Júlio Augusto Martins, Lisboa, 1895, p. 5.
650
Decreto de 21 de Setembro de 1901
Art.º 40 o ensino escolar pode ser confiado a alguém empregado das cadeias que tenha a necessária
idoneidade, ou a pessoa estranha ao quadro e que para esse fim tenha sido contratada.
Art 27 … haverá nas cadeias um posto antropométrico650 destinado não só ao estudo da antropologia
criminal mas também a auxiliar os serviços policiais e dos tribunais… in António Ferreira Augusto,
Coimbra, 1905, p. 245.
651
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 455.
652
Art.º 256.º do Código Penal.
653
Bento Carqueja, Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920, p. 195.

130
obrigatório. Para Portugal havia quem defende-se uma lei semelhante654, porque como a
má situação económica derivava da fraca produtividade, alguns pensavam que isso se
fazia com o aumento do número de trabalhadores. Achava-se que era uma função
655
moralizadora para os milhares de “ociosos, vadios, parasitas e criminosos” a
trabalhar, promover o ensino profissional obrigatório, fazer o cadastro profissional
rigoroso e distribuição cientifica das profissões, incentivar medidas enérgicas contra os
especuladores, supressão dos monopólios e impostos sobre os géneros de primeira
necessidade, etc.656

Obrigar os vadios, parasitas e criminosos a trabalhar era visto como uma medida
de justiça social e de regeneração individual. Obrigar a parte sã da sociedade a sustentar
os criminosos, dizia-se “é profundamente imoral”657. O criminoso valido deve não só
produzir para se sustentar mais ainda para indemnizar as vítimas do seu crime. Pelo
censo de 1911 para Lisboa existiam 23000 indivíduos sem ocupação e o número deveria
ser bastante maior.658

Nesta continuidade de pensamento o decreto de 19 de Abril de 1915 estabelece


que os vadios condenados ao regime de trabalho obrigatório o devem fazer em prédios
rústicos e urbanos na posse do Ministério da Justiça determinar providências para a
instalação de uma Colónia Penal e de uma Casa Correcional de Trabalho. Até 1911 o
envio de vadios após um julgamento sumário para as províncias do ultramar levou à sua
saturação e os males continuaram a piorar na metrópole. Criou-se a Federação Nacional
dos Amigos das Crianças e dos Tutores da Infância e mais casas de reforma e para os
adultos instituiu as Colónias Penais Agrícolas e as Casas Correcionais de Trabalho.

654
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 278.
655
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 278.
656
Como medidas para combater a crise eram preconizados: o trabalho obrigatório para todos os ociosos
validos. Reprimir profissões inúteis e imorais, organizar o ensino profissional geral obrigatório. Proibir e
dificultar a importação e produção de objetos de luxo. Iniciar obras de barragens hidráulicas para diminuir
o consumo da energia do carvão e pedra, declarar incompatível a função de deputado ou ministro com as
de administrador ou advogado de empresas e acompanhar, afim de evitar que os superiores interesses
nacionais sejam sacrificados as dos negócios in Boletim da previdência Social, República portuguesa,
Ministério do Trabalho e Previdência Social, Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 419.
657
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 278.
658
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 279.

131
O decreto de 27 de Maio de 1911 foi exemplar e até, dizem659, serviu de modelo a
legislação estrangeira, era por isso necessário desenvolver o seu espírito e acabar com a
disposição transitória de art. 8.º do decreto de 31 maio de 1913, pelos encargos que
pesam ao Estado e por ser desumano. Mas Casa Correcional de Trabalho nunca teve
começo e a Colónia Penal Agrícola ainda não tinha sido estabelecida apesar de sido
votada verba especial no Orçamento Geral de Estado. Nas cadeias de Monsanto,
Limoeiro e da Relação do Porto acumulam-se condenados num meio impróprio. Aos
vadios que tivessem aptidões iria sendo dado trabalho obrigatório nos prédios acima
referidos sob a administração da comissão jurisdicional dos bens das extintas
congregações religiosas.

Em 1916, Manuel de Vasconcelos defendia que a mendicidade alastrava graças à


caridade cristã, bastando para isso ver a afluência à porta das igrejas, conventos e
capelas. Era uma forma de defender a indolência, cria o vício, parasitismo, degradação
moral e até o crime mas antes de reprimir a mendicidade era necessário criar a
assistência para os inválidos, doentes e arranjar colocação para os validos. Os
reincidentes, esses, sim, deviam ser presos e expulsos. 660

A legalização das cadernetas pertencia à autoridade administrativa do domicílio


do menor, às vezes exige-se ainda as certidões de idade fornecidas pela paróquia e do
subdelegado de saúde para atestar a vacinação e a robustez mas nem sempre o fazem
gratuitamente o que serve como pretexto para os menores serem admitidos ao
trabalho.661

O problema é que os menores e os próprios pais não entendiam nem queriam


reconhecer, em virtude da sua difícil condição económica, o benefício da lei porque
eram um importante auxílio ao rendimento da família e mesmo em relação ao horário de
trabalho era cumprido o mesmo dos adultos662.

659
No preambulo do decreto n.º 1:506 de 19 de Abril de 1915.
660
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social, n.º
21, Imprensa Nacional, Lisboa, 1918-1919, p. 299-300.
661
Art.º 27.º decreto de 14 de abril de 1891 e regulamento de 16 de março de 1893.
662
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comercio e
Industria, n.º 30, Lisboa, 1909, p. 11.

132
As condições de vida era de tal modo más que os próprios elementos da
fiscalização não atuavam coercivamente de acordo com a lei e assim tentaram-se os
meios conciliatórios663.

O decreto de 24 de Agosto de 1911 manda que junto das Casas de Trabalho seja
criada uma outra instituição denominada Refugio e destinada a albergar provisoriamente
os indigentes que a policia encontrar abandonados ou mendigando (art. 1.º). Os menores
sem destino poderão frequentar a escola primária ou oficinas.

A lei de 20 de Julho de 1912 estabelece providências para regressão da


mendicidade e vadiagem para maiores de 16 anos, sem profissão, subsistência e não seja
provada a necessidade de ser mendigo será julgado664 e punido como vadio e como tal
será posto à disposição do governo para ser internado num dos estabelecimentos de 3
meses a 6 anos (art. 1.º). O que seja apto para o trabalho mas que se encontre a
mendigar será condenado a prisão correcional até 10 dias. Tenha ele cedido a outrem a
guia de trabalho, aquele que simule a mendicidade através do comercio, bilhetes e
lotarias ou serviços semelhantes (art. 2.º). Será condenado a prisão correcional de um
mês a um ano, aquele que se entregar à prática de vícios contra natura, que simulem
enfermidades, usem ameaças ou injurias, explorem menores de 16 anos (art. 3.º). Será
condenado em prisão correcional de 6 meses a dois anos aquele que viver à custa de
mulher prostituída (art. 4.º).

20 - A alimentação. O regime cerealífero e o protecionismo

O trigo era pão mas também era salário, empregos para os operários e para os
rurais principalmente do centro e do sul do país, mesmo sazonalmente dava trabalho o
que era essencial para estabilidade económica.

A produção de trigo era muito reduzida em relação à parte cultivada comparada


com outros países europeus. Era aos EUA que íamos buscar os cereais muito mais
baratos, a concorrência era esmagadora. Fomos assim forçados a tomar medidas para

663
Esses meios conciliatórios estavam plasmados na portaria de 3 de agosto de 1898.
664
O decreto n.º 5:576 de 10 de Maio de 1919 determina que o julgamento dos acusados de vadiagem terá
lugar de forma sumária prevista na legislação vigente perante o diretor da Policia de Investigaçao e seus
adjuntos.

133
proteger a agricultura, Évora, Portalegre e Beja produziam mais de metade da produção
de trigo do país, na altura eram mesmo o celeiro de Portugal mas o normal era o trigo
não ser suficiente. Em 1896 pelo decreto de 26 de Novembro autorizava a importação
de trigo estrangeiro para o fabrico de massas (art. 1.º) por não existir no mercado trigo
nacional suficiente e tendo em conta os mercados externos e as condições cambiais que
aconselhavam precauções, este trigo era distribuído pelas fábricas e moinhos que
estivessem inscritos. O regime protecionista dos cereais de Julho de 1889,
principalmente do trigo era o de beneficiar o consumidor sem prejudicar a economia e a
estas juntavam-se as tarifas alfandegárias como forma de garantir receitas ao Estado.
Assim era garantido um preço fixo para o trigo que variava na qualidade e variedade.665

Esta era a causa porque o consumidor pagava o pão muito caro, daí a designação
de “Lei da Fome” para a lei de Elvino de Brito de 1899, mas as leis que regulavam o
preço do pão foram eficazes mostram que o preço manteve-se estável pelo menos de
1879 a 1909, comparado com a carne, bacalhau, azeite, chouriço, etc. Subiram no
mesmo período de 20 a 36%.666/667

A lei proibia a importação de trigo excepto se não colocasse em perigo a produção


nacional quer no preço quer na quantidade. Tinha de ser comprado a um preço
estabelecido pelo governo que fixava também a qualidade e peso do pão. Depois de toda
a produção nacional ser vendida então autorizava-se a importação suficiente para
consumo e da diferença se fixavam os lucros dos importadores e assim o Estado
controlava o preço do pão que era uma forma de controlo político conforme as
necessidades da população.

O decreto de 2 de Junho de 1892 determina que uma parte das fábricas de


moagem e panificação ficava, sob as ordens do ministro das Obras Publicas Comércio e
665
Jaime Reis, 1974, p. 747.
666
Jaime Reis, 1974, p. 791-792.
667
Em 19 de outubro de 1888 são reduzidos os direitos sobre os trigos e farinhas estrangeiros mas como
não foi suficiente faz-se uma nova redução pelo decreto de 2 de Novembro do mês seguinte em que os
trigos e farinhas de trigo estrangeiros pagavam 10 e 18 réis por kg respetivamente. Novo decreto a 23 de
Março de 1889, nova subida para 19 e 27 réis devido à baixa do preço dos trigos e farinhas americanos. A
carta de lei de 15 de Julho de 1889 volta a subir (art. 2.º) e proíbe a importação de trigo estrangeiro (art.
1.º) (salvo as excepções de ter sido farinado o dobro de trigo nacional ou que exceda 60 reis por kg (n.º
1.º e 2.º) e eleva os direitos de importação sobre o milho para 18 réis por kg (art. 4.º).

134
industria (art. 1.º). A crise refletia-se nos serviços públicos e o Estado sentia-se na
obrigação de estimular a agricultura e a 30 de Setembro de 1892 surge um decreto que
autoriza o governo a facilitar aos lavradores a aquisição de sementes, adubos e químicos
e a promover o desenvolvimento das culturas agrícolas (art. 1.º). O governo devia criar
depósitos de sementes e adubos para venda aos lavradores (art. 2.º).

A 30 de setembro de 1892 surge um decreto que não esquece outras áreas como a
piscicultura, criando uma comissão central para oriental esta vertente mas faltava
estimular o espírito de associação em muitas áreas e neste mesmo dia outro decreto
promove a unificação dos processos de fabrico ficava o governo autorizado a auxiliar o
estabelecimento e manutenção de 8 adegas sociais e se desta experiencia surgissem bons
resultados seriam cridas 12 adegas (art. 1.º).

A crise acentua-se e o decreto de 26 de setembro de 1893 permite a importação de


trigo estrangeiro apenas aos fabricantes de farinhas inscritas na matrícula estabelecida
para fábricas, moinhos e azenhas (art. 3.º). É limitado o número de padarias de Lisboa a
250 e não eram concedidas novas licenças (art. 10.º) e é fixo o preço do pão (art. 11.º) e
o industrial que não cumprir ficará sem a respetiva licença (art. 11.º).

O decreto de Julho de 1894 permitir a fundação de associações com a


denominação de “sindicatos agrícolas” que já existiam em França desde 1884, a fim de
promoverem o desenvolvimento da agricultura, no entanto referiam que era necessário
ter cuidado se algumas desenvolverem atividades politicamente prejudiciais. Em França
já era 1300 associações agrícolas com resultados positivos e importantes para o
progresso rural já que estão afastados das grandes centros e criavam um fundo social
comum procurando distribui-lo e adaptando às condições reais e especificas de cada
região. Assim era objetivo promover e facilitar a venda de produtos dos associados
agrícolas para isso era permitido aos agricultores a fundação desses “sindicatos” para
facilitar a aquisição de adubos, sementes, plantas com preços mais vantajosos. Procurar
mercados e celebrar formas de transporte mais acessível e promover a agricultura
através de bibliotecas, cursos e conferências. As ditas associações não podiam negociar
por conta própria.

135
No sentido de promover maior liberdade a portaria de 22 de Junho de 1895
declara que as sociedades cooperativas668 podem-se constituir sem prévia autorização de
governo, quando adoptem a forma de sociedades anónimas mas não é suficiente e a 23
de Dezembro de 1899 é aprovada a providência destinada a fazer publicidade dos
vinhos portugueses nos mercados coloniais e estrangeiros onde o governo auxiliaria e
subsidiaria a propaganda com apoio de viticultores e agentes comerciais (art. 1.º).

Ao longo dos anos vão surgindo decretos que ora permitem importação de cereais,
regulam o comércio, venda de pão, farinação, gado, ora proíbem exportação, fixam
preços de cereais, azeite, feijão, batata, café, arroz, etc.669/670

Com a guerra começa a escassear o trigo mais ainda, o preço aumenta, logo o
sistema que serviu para proteger os latifundiários, agora esta a impedir lucros maiores,
começam a preferir armazenar e esperar que o preço suba ou a transacionar no mercado
negro. É aqui que surgem legislação mais dura a partir de 1915, onde se obriga a vender
o trigo com o arrolamento, manifestar obrigatoriamente a produção anual e passa a ser o
governo que importa diretamente o trigo e os produtores são obrigados a vender
obrigatoriamente à Manutenção Militar ao preço de tabela.671

668
Só pela lei n.º 599 de 14 de Junho de 1916 se permite às sociedades cooperativas constituir
associações de socorros mútuos e sociedades mútuos de seguros.
669
O decreto de 12 de Junho de 1901 regula algumas disposições dos regulamentos para o comércio do
trigo e dos produtos farinados e panificados. Altera o regulamento de 26 de Julho de 1899 e no art. 1.º
obriga o pão de família ater 500g.
A 1 de Agosto de 1901 outro decreto permite aos lavradores a importação de trigo exótico para semente,
pagando o respetivo direito (art. 1.º) deve ser assinado um termo e sujeitarem-se à fiscalização (art. 2.º).
670
Era importante organizar os serviços de estatística agrícola de modo a organizar não com base nas
colheitas que nem sempre eram exatas mas da produção de trigo e de outros cereais (decreto de 29 de
Março de 1911).
A lei de 29 de Fevereiro permite a importação de centeio ou de milho quando houver falta ou o seu preço
de venda for superior ao normal (art. 1.º).
A lei de 2 de Março de 1912 autoriza e regula a importação de trigo e cevada necessários à renovação das
sementeiras (art. 1.º) que serão fornecidos aos requisitos ao preço de custo acrescido de despesas de
transporte (art. 5.º).
O decreto de 4 de Novembro de 1913 autoriza a importação de trigo exótico em virtude da quantidade de
trigo ser inferior às necessidades de consumo, importou-se 40000t de trigo para o continente e Açores.
O decreto n.º 404 de 4 de Abril de 1914 permite a importação até final daquele mês de milho sem limites
de quantidade e 3000t de centeio mas a 14 de Outubro no decreto n.º 948 de 1914 proíbe a reexportação
do continente, ilhas e ultramar para o estrangeiro de arroz, açúcar, bacalhau, cereais, legumes e
medicamentos (art. 1.º).
Portugal assina em Paris um protocolo a 16 de Outubro de 1912, de onde surge a lei n.º 271 de 5 de
Agosto de 1914 para a unificação de resultados e análises químicas em alimentos para humanas e
animais.
671
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 76.

136
Determina-se pelo decreto n.º 1:483 de 6 de Abril de 1915 que na sede de cada
concelho do continente funcione uma comissão denominada “comissão reguladora dos
preços dos géneros alimentícios” e regula a sua constituição e funcionamento, é
expressamente proibida sem autorização da autoridade administrativa elevar os preços
dos géneros alimentícios de primeira necessidade porque tinham sido publicadas tabelas
de preços com reclamações por não acompanharem as oscilações dos preços importados
e que colocam dificuldades ao pequeno comercio perante o consumidor.

No aperto legislativo torna-se obrigatório pelo decreto n.º 1:548 de 30 de Abril de


1915 a exposição para venda de qualquer cereal panificável existente na posse de
produtores e comerciantes e superior às necessidades da família e da sua exploração
agrícola, industrial e comercial mesmo assim deviam declarar às autoridades (art. 1.º
§1.º) ficam obrigados a expor imediatamente à venda o excedente desse cereal sob a
pena de desobediência qualificada (art. 1.º).672

Os decretos n.º 3:707 e 3:708 de 27 de Dezembro de 1917 fixa o preço de venda a


retalho da batata nacional em $07673 e do arroz nacional e a portaria n.º 1:434 de 1 de
Julho de 1918 fixa o preço da batata e proíbe a sua exportação. O mesmo aconteceu em
1920 com os decretos n.º 6:457 de 20 de Março e 6:513 de 5 de abril que criam tabelas
de preços de venda de arroz, azeite, batata, café, feijão grão, milho nacional, farinha de
milho nacional das ultimas colheitas e carvão vegetal674/675.

672
O decreto n.º 3:288 de 11 de Agosto de 1917 fixa os tipos e preços das farinhas que devem ser
fornecidos pelas fábricas de moagem e manda adoptar temporariamente dois tipos de pão a falta de trigo
não é suprida pela abundância de centeio ou de cevada a isto se junta o açambarcamento nos celeiros não
só devido ao medo da falta como na esperança que aumenta os preços. Isto já tinha sido feito mas para os
preços de aquisição dos cereais com o decreto n.º 3:216.
O decreto n.º 3:532 e 524 de 6 de Novembro de 1917, fixa os preços para venda dos vários tipos de azeite
e insere várias providências.
O decreto n.º 636 de 14 de Julho de 1918 obriga os detentores, negociantes, lavradores, produtores ou
possuidores de azeite têm de manifestar o que tiverem de azeite armazenado perante o regedor da
paróquia. O mesmo para feijão (decreto n.º 4:690 de 15 de Julho de 1918) e para o figo e alfarroba em
quantidade superior a 50 kg (decreto n.º 4:909 de 23 de Outubro de 1918).
No decreto n.º 4:713 de 30 de Julho de 1918 era reconhecido que “perante a enorme carestia das
subsistências” que originam uma situação “embaraçosa” autoriza-se várias corporações administrativas a
aumentarem temporariamente os vencimentos do seu pessoal.
O decreto n.º 3:661 de 4 de Dezembro de 1917 determina que todas as quantidades de trigo ou farinhas
existentes nas fábricas de moagem ou a elas pertencentes sejam adquiridas por intermédio do Ministério
do Trabalho (art. 1.º) que poderá mandar transferir consoante as necessidades (art. 2.º). O Ministério do
Trabalho fixará o preço do fornecimento do trigo e milho às fábricas tendo em atenção o preço de venda
das farinhas.
673
O decreto 3:826 de 8 de Fevereiro de 1918 sobe para $08.
674
O art. 1.º do decreto n.º 6:456 de 20 de Março de 1920 coloca “desde já” todas as quantidades destes
produtos à disposição do Governo pelo Ministério da Agricultura, existentes em armazéns, depósitos ou

137
A lei de 24 de Março de 1920 o comércio, o transito de trigos nacionais e
produtos de moagem eram livres e sem restrições desde que dentro dos preços legais
(art. 1.º). O decreto n.º 6:470 de 24 de Março e 6:572 de Abril quanto aos preços e tipos
de pão refere o art. 14.º que é reduzido a 2/3 o fabrico atual de bolachas e o art. 16.º
tanto nas padarias como nas vendas no domicílio é obrigatória a pesagem do pão dos
dois tipos quanto seja exigida pelo consumidor.

Perante a falta de cereais proibiram doces e bolos, limitar o pão de luxo e o


consumo de carne.676

Quer seja devido ao aumento dos salários na agricultura, às greves, perda de


lucros, o trigo começa a ser substituído pela criação de gado que exige menos mão de
obra e os preços eram menos tabelados. Em 1916 o governo vai cedendo à pressão dos
latifundiários. Aumenta-se o preço do trigo e em vez de vender à Manutenção Militar é
vendida às Comissões de Subsistências locais.

Os latifundiários querem mais crédito, adubos, baixa salarial e aumento dos


preços dos cereais. O governo começa a legislar profusamente para conter a inflação e
cada um com menos sucesso que o anterior. O tabelamento dos preços dos cereais por
baixo provocou o abandono destas culturas. Perante esta falta o governo ordenou que o
pão tivesse 50% de farinha de trigo e outro tanto de farinha de milho mas como havia

quaisquer outros depósitos. Os detentores destes géneros serão considerados como fiéis depositários
destes produtos.
675
Em Lisboa a 4 de Janeiro o Comissário Geral das Abastecimentos, Francisco Peres Trancoso referia a
necessidade de regular a venda de carvão vegetal, evitar a aglomeração à porta das carvoarias e impedir
as vendas exageradas e o cuidado com o açambarcamento nomeadamente proibir o estacionamento por
mais 48h no cais do Barreiro.
676
O art. 1.º do decreto n.º 6:896 de 6 de Setembro de 1920 proíbe a “venda ao público às quartas e
quintas-feiras de pastéis doces, pudins, bolos ou quaisquer outros produtos de pastelaria” em que entrem
no fabrico o açúcar, os ovos, a farinha, a manteiga e o leite. E acrescenta a venda de pão só nas padarias e
vendedores ambulantes com licença.
O art. 2.º do decreto n.º 6:958 de 22 de Setembro de 19120 permite às fábricas de moagem de Lisboa a
usar a farinha de 1ª qualidade que não for usada no fabrico de pão de luxo no fabrico de massas e
bolachas.
O edital do Comissariado Geral dos Abastecimentos de 9 de fevereiro de 1922, assinado pelo Comissário
Geral, José de Melo Falcão Trigoso, verificava que se misturava açúcar no pão de 1ª qualidade para ser
considerada como pão doce ou bolo, o que era contrário à lei e era expressamente proibida a venda e
fabrico nas padarias de qualquer espécie de pão que não seja o único estabelecido pelo regulamento
Todo o gado676 comestível que exista nos limites da raia e ainda não manifestada será decretada pelos
seus proprietários no prazo de quinze dias (art. 1.º) nem poderão entrar gados provenientes de outros
concelhos sem guia de trânsito (art. 3.º) assim referia o decreto n.º 3:938 de 16 de Março de 1918.
O decreto n.º 3:818 de 6 de Fevereiro isenta de direitos de consumo em Lisboa a carne de gado bovino,
destinado às forças militares.

138
falta dos dois na prática estava a autorizar a mistura com outros produtos que faziam
com que o pão perde-se qualidade acentuada677 e os fiscais não controlavam os géneros
alimentícios por receio, muitas vezes eram coagidos a voltarem a Lisboa678.

Existiam deficiências na pesagem do pão que lesava o consumidor não existiam


análises de farinhas e de pão por os gabinetes oficiais de análise Assim no art. 1.º do
decreto n.º 3:965 de 22 de Março de 1918, o pão de 250g do primeiro tipo e o de 300g
do segundo não poderia ser vendido sem o peso legal e pelo art. 2.º era o estado que
forneceria aos laboratórios oficiais de análise os padrões normais de pão e fartinhas.

A importação de cereais era um dos fatores mais importantes do desequilíbrio da


balança comercial e era necessário fixar os preços era a única forma de desenvolver a
agricultura cerealífera e o decreto n.º 3:966 de 22 de Março de 1918 estabelece o preço
de trigo de produção nacional na próximo colheita e fixa o preço para os cereais. Em
1918 dá-se um passo importante e a concretização há muito pedida por vários políticos a
criação dos celeiros municipais pelo art. 1.º do decreto n.º 4:125 de 20 de Abril de 1918,
um por cada concelho, pertença das câmaras municipais para colaborarem com a
Repartição de Cereais e Panificação da Direção Geral de Subsistências, do Ministério
das Subsistências e Transportes, na aquisição, armazenagem e distribuição do centeio,
milho, trigo e respetivas farinhas, bem como das importadas (art. 2.º) e a portaria n.º
1:345 de 3 de Maio de 1918 obriga ao escrupuloso registo de acordo com as normas e
instruções em anexo à portaria.

Em 1917 a “revolução da batata” em fins de Maio assume proporções de violência


até então nunca vistas, assaltos a padarias, armazéns de víveres (o azeite corria na rua).
Quando a GNR ou o Exercito eram chamados logo noutro local surge nova revolta.
Decreta-se a suspensão de garantias constitucionais em Lisboa e arredores até Cascais e
na outra banda do Tejo. São 3 dias com 22 mortos entre o povo e militares ataques à
bomba, presos para o Arsenal da Marinha. A UON responde com greves gerais.679 A
UON via com satisfação o fim do “racha sindicalistas” e regozija-se com o golpe mas a
677
“Em Lisboa existe, é verdade, pão (?) de verdadeiro lixo, que nos mata lentamente, confecionado de
toda a porcaria inventada e por inventar à razão de 120 réis, que até os próprios cães o repudiam, vendo-
se os pobres na necessidade de recorrer ao de 250 réis o quilo” in “O Construtor” – Orgão da Federaçao
dos Operários da Industria da Construção Civil (5 de Outubro de 1918) citado por António José Telo,
Lisboa, [1977], p. 289.
678
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 289.
679
O ambiente é de tal forma violento que até aos funcionário dos tribunais de Árbitros Avindores, tal
como aos do Tribunal Especial de Árbitros Avindores de Acidentes no Trabalho, sem que para tal hajam
de munir-se de licença (portaria n.º 970 de 30 de Março de 1917).

139
crise agudiza-se, mais greves e revoltas, marinheiros são deportados para África para
combater os alemães. Uma comissão da UON pede para ser recebida pelo Presidente
mas este recebe mal os trabalhadores dizendo que não estavam legalizados e não atende
a nenhuma das revindicações era o fim do apoio operário e o inicio de uma nova fase de
radicalismo.680
Os habitantes das cidades comiam menos ovos, leite e legumes o que lhes trazia
um deficit em albumina e hidratos de carbono. Eram precisamente aqueles que tinham o
trabalho mais duro os que tinham pior alimentação e piores condições de trabalho. No
congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa em 1910 dizia-se que “a
farinha é feita de gesso, é com margarina de mais reles qualidade […] é com azeite em
cujo fabrico a azeitona não entrou, é com o que se vende por vinho, mas não passa de
uma ignóbil potreia que o sumo da uva nem sequer conheceu”681.

Era esta na essência a necessidade de defender a criação de cooperativas operárias


onde se acreditava “não se conhecem as fraudes nem as falsificações; nos seus armazéns
não têm entrado os géneros avariados e prejudiciais à saúde; porque ali a honradez e a
honestidade são impreteríveis normas de conduta; ao que ainda acresce que as
cooperativas nenhum interesse têm em enganar a fraudar os respetivos associados”682.

Em relação ao pão a ideia era a de federar as cooperativas para as tornar mais


fortes e coesas. Augusto Fuschini tinha defendido a entrega do fornecimento do pão aos
municípios (padarias municipais e cooperativas) para que desça o preço e aumente a
qualidade do pão fornecido às classes mais desfavorecidas da população. As padarias
municipais deviam dar consumo aos trigos rijos nacionais e regularem o preço do pão
sem afetar a liberdade e concorrência. Portugal era muito deficitário e só podia cultivar
quase trigo rijo.683

680
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 171.
681
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 38.
682
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 39.
683
Augusto Fuschini, Padarias Municipais e Cooperativas, problemas e resoluções sociais, III, Imprensa
Democrática, Lisboa, 1889, p. 6.

140
Não existia conexão entre o preço do trigo684 e do pão o que demonstrava a falta
de organização entre a moagem e as padarias685, isto porque aquilo que regula o preço é
a relação entre a qualidade e a quantidade dos produtos.

O decreto de 27 de Maio de 1911 estabelece a liberdade da venda e fabrico de


pão686 em todo o país revogando a carta de lei de 14 de Julho de 1899 e ficava livre a
abertura de novas padarias em Lisboa e no Porto (art. 2.º). A iniciativa privada não
resolveu a situação “a livre concorrência é uma frase sem realidade social, que dá
origem a acordos e conluios hábeis de monopólio, exploram o consumidor, não
compensam os Estados e perdem a força viva e a função económica é falseada. É uma
função social indispensável para uma grande parte do país, daí que o Estado deve
desempenhar essa função para satisfazer essas necessidades”687.

Os moageiros fizeram greves de produtores para imporem um preço, a industria


das moagens acabaram por empobrecer a agricultura nacional ao baixar o preço do
trigo, mais para seu beneficio que para o consumidor e habituou este a uma determinada
qualidade, daí os argumentos de Fuschini para a criação das padarias municipais. Ao
trocar o trigo duro nacional pelo mole estrangeiro acabaram por criar um hábito de
consumo nos mais pobres que agora não aceitam outro até porque o nacional era mais
caro.

Júlio Alexandre Irwin688 em Agosto de 1910 dizia que existiam 30 cooperativas


de panificação mas a verdade é que metade “é pura trama” porque são cooperativas de
indústrias que fazem o negócio sem vergonha “em proveito particular”. Importava-se
“milho branco, centeio e legumes, como feijão branco e moem tudo em farinha,
lotando-a com o trigo nacional […] uma mixórdia que temos de tragar…” e

684
Apesar de não ser claro havia quem relaciona-se a variação do preço do trigo com a mortalidade o que
era revelador da importância do pão para a classe operária in Marnoco e Souza, 1905, p. 400.
685
Dizia Marnoco e Sousa que as padarias existiam em tão grande número que perturbaram o equilíbrio
entre produção e consumo e acabou por elevar do preço do pão in Marnoco e Souza, 1910, p. 382.
686
Depois o decreto de 24 de Junho de 1911 que aprova o regulamento para venda e fabrico de pão.
687
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 43.
688
Era guarda-livros que no Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa em 1910 dissertou
com o tema “Mutualismo e Cooperativismo. Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa,
Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.

141
acrescentava que as doenças do estômago “são quase todas causadas pela adulteração do
pão…”.689

Estas fraudes beneficiam os moageiros cujas vítimas eram os consumidores e o


Estado porque a importação de cereal estrangeiro era menor e trazia menos impostos.
Era importante alterar a lei dos cereais de 14 de Julho de 1899 para atender ao
melhoramento da agricultura e baixar o preço do pão. Esta lei foi bem recebida pelos
produtores que viram os seus rendimentos subirem, travou-se temporariamente a fuga
dos campos e elevou-se a riqueza nacional mas os consumidores chamaram-lhe a “Lei
da Fome” porque acabou por provocar o aumento do preço do pão690 e a desvantagem
de outros produtores de produtos não protegidos pela pauta.691

Tirando o projecto de Oliveira Martins poucos foram aqueles que pensavam na


agricultura. O país era essencialmente vinícola a norte e cerealífero a sul. Produzia-se
também arroz, azeite, cortiça, gado, fruta, mel, cera, etc.692 Mas a situação não
propiciava o desenvolvimento. Por um lado a desigualdade da divisão da propriedade,
distribuição da população, das culturas aliada à falta de capitais e excessiva carga fiscal.

Dizia Oliveira Martins “que o regime da propriedade no Minho multiplica a


população, em Trás-os-Montes duplica-a, e no Alentejo paralisa-a”.693 Para ultrapassar
esta questão Oliveira Martins idealizou a fundação de colónias agrícolas em terrenos

689
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 46-47.
690
No art. 57.º do decreto de 24 de Junho de 1911, o pão não tinha preço máximo.
691
Art.º 1.º Todos os produtores de trigo, centeio, aveia, cevada, fava, milho, arroz, feijão, grão-de-bico,
batata de sequeiro e de regadio do continente da República, são obrigados a manifestar, dentro de oito
dias, depois de terminadas as suas debulhas ou colheitas, em cada local de produção, as quantidades que
tiverem colhido, indicando em separado as quantidades que destinam para a futura sementeira, gastos de
família e encargos da sua casa agrícola, bem como as disponíveis para venda.
Art.º 44.º seja qual for o regime em que as fabricas trabalhem, o Governo estabelecerá os diagramas de
farinação a que as fabricas terão de sujeitar-se, ficando as fábricas responsáveis por todos os produtos
primários e secundários…
Art.º 51.º Os governadores civis dos distritos da metrópole promoverão a organização, em cada concelho,
de uma comissão de abastecimento local, que deverá ser constituída por vereadores da Câmara Municipal,
agricultores e industriais escolhidos de preferência pelos seus pares.
692
Por ordem decrescente de importância: algodão, lãs, tabacos, conservas, cortiças, fundições de metais,
faianças, chapelarias, papelarias, moinhos, tanoarias, vidros, refinação de açúcar, saboarias, etc. in Ruy
Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 164.
693
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 45.

142
públicos que “seriam aforados a colonos, sem laudémios”694. Para isso a emigração no
Minho que era muito elevada, deveria ser desviada para o Alentejo, preconizava
“duplicar o preço dos passaportes; reprimir com a maior atividade e diligencia a
emigração clandestina”.695 Ulrich apontava as causas para o atraso da agricultura:
desconhecimento técnico, ensino muito teórico e dirigido a poucos, falta de escolas,
grande analfabetismo.696 Mas a agricultura capitalista favorecia uma estrutura
tradicional de mão de obra sazonal do trigo, vinho, cortiça, azeite, etc.

Sobre a produtividade e previdência, J. Andrade Saraiva, referia que os patrões


defendiam o protecionismo mas este só resultava se a industria fosse viável e
competitiva mas usa-lo como método defensivo apenas trouxe o aumento generalizado
dos preços, na falta de concorrência com o estrangeiro, no aumento do custo de vida697.

Como o país tinha um deficit permanente, o sistema reagia naturalmente


generalizado a miséria e assim ser redistribuída e todos lutam para suportar esse peso
tornando-se menos visível mas é mais lenta e permanente com consequências mais
dramáticas quer ao nível da economia quer ao nível da saúde, criando uma classe de
miseráveis enfraquecidos e degenerados, colocando em perigo a vida individual e
depois e de toda a sociedade.698

Daí que muitos defendiam o salário mínimo para algumas indústrias699, e modo a
intensificar a produção e a atrair a mão-de-obra. A grande subida dos preços dos
produtos de primeira necessidade, a fixação de preços máximos em prática em muitos
países deveria ter como consequência a fixação do salário mínimo, se não
acompanharem o custo de vida. Se depois da guerra houve alturas em que o custo de

694
Pereira Lima, apresentou em 1898 na câmara dos deputados a arroteamento dos incultos no Alentejo
de modo a transforma-lo num “celeiro” para tal defendia o aumento da cultura intensiva e facilitar o
transporte dos produtos in Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade,
Coimbra, 1902, p. 78.
695
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 70.
696
Ruy Ennes Ulrich, Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902, p. 124.
697
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 320.
698
Daí a ideia de republicanizar pela barriga o que implica criar cantinas no ensino primário que foram
criadas por exemplo pelo Governador Civil de Braga in Noticias do Norte (Braga), 21 de Setembro de
1913, ano V, n.º 582.
699
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 335.

143
vida aumentou 100%, os salários aumentavam entre 10 a 40%, nunca acompanhando
esta subida700 e isto sem ter em conta que os lucros de muitas empresas aumentaram701.

Depois da guerra o custo de vida aumentou três vezes de 1918 a 1921 e se


tivermos em conta 1914 o aumento do custo de vida ficou, vertiginosamente, oito vezes
mais caro. A partir de 1919 as greves e protestos aumentam e no 1º de Maio de 1919
juntam-se 30 mil operários na Parque Eduardo VII.702

Consumo de carne

Portugal era em 1909 o país que menor carne consumia, 50g/dia, “menos do que a
ração dos presos na França e na Alemanha”703 mas mesmo assim havia que diminuir o
consumo e pelo decreto n.º 2:921 de março de 1916 não se podiam abater reses fêmeas
prenhes, jovens, consumir ou vender todos os dias704.
Como pela fronteira saem com frequência reses de espécies comestíveis
indispensáveis à alimentação portuguesa e para tentar pôr termo ao perigo do
abastecimento clandestino, o decreto n.º 3:101 de 20 de Março de 1917 no seu art.º 1.º
referia que nos concelhos limítrofes da raia não poderão entrar gados das espécies
comestíveis, provenientes doutras regiões dos pais, sem o respetivo guia de trânsito
passado pelo administrador do concelho de onde o gado procede.705

700
Boletim da previdência Social, República portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 335.
701
Hoje neste aspeto nos EUA desde 1980 que os salários dos trabalhadores cresceu 66% mas os dos
gestores foi de 1996%, ou seja, de 42 vezes passou para 531 vezes maior in António Monteiro Fernandes,
Coimbra, p. 19.
702
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 249-250.
703
Jacinto Baptista, O Cinco de Outubro, Editora Arcádia Limitada, Lisboa, [1965], p. 131.
704
Art.º 1.º é proibido abater para consumo as reses bovinas, ovinas, caprinas ou suínas, cujo estado de
prenhez seja conhecido.
Art.º 2.º é conhecido a matança de reses bovinas do sexo feminino, de idade inferior a três anos,
reconhecíveis pela presença de quatro dentes incisivos permanentes.
Art.º 5.º Às câmaras municipais compete promover e fiscalizar o exato cumprimento das precursões…
Art.º 6.º Se as necessidades de alimentação pública assim o exigem fica o Governo autorizado a importar,
por intermédio do Ministério do Trabalho e Previdência Social…
Art.º 7.º É proibia a venda e o consumo de carne fresca de vaca em um dia por semana…
705
Pelo n.º 4.º “o transporte das referidas reses de uns concelhos para outros limítrofes da raia deve fazer-
se acompanhados de uma guia…”.
Art.º 2.º “Todo o gado das espécies comestíveis, existentes nos concelhos limítrofes da raia será declarado
pelos seus proprietários com rigorosa exatidão quanto ao número de cabeças, sua espécie, raça e local de
residência…”.

144
Para garantir melhor abastecimento e alimentação o decreto n.º 3:123 de 12 de
Maio de 1917 no seu art.º 3.º “Fica o governo autorizado a tomar de sua conta o trigo, o
milho ou qualquer outro cereal panificável e as respetivas farinhas, existentes nas
fábricas de moagens e padarias, aos preços atualmente em vigor, ou, à sua escolha,
aqueles […] prove terem […] despesas justificadas.706

21 - A mulher e os menores na Industria. As leis protetoras

A República, a 9 Janeiro de 1911, pelo ministro Brito Camacho, fixou o horário


trabalho e o descanso, dependendo da área profissional mas não estabelece multas para
os patrões, fora das grandes cidades fiscalização era pouca não existiam forças
organizadas para fazer cumprir os regulamentos.
Neste sentido Marnoco de Sousa, lamentava que o Estado não conseguisse
legislação de acordo com princípios da razão, moral e do direito, referindo a este
respeito, a pobreza e esforço extremo dos operários.707 Pelo Código Civil de 1867
apenas estão disciplinados os contratos de prestação de serviços domésticos e o contrato
de serviço salariado ou de jornaleiros. O trabalho doméstico pelo art.º 1380 do Código
Civil de 1867 era prestado temporariamente e existia a convivência entre as partes.708
Se um feriado calha-se a um domingo a função pública podia gozar no dia
seguinte era a Lei de 12 de Outubro de 1910 (Decreto de 30 Dezembro de 1910).

706
No art.º 4.º “Quando for reconhecido que assim é necessário para melhor garantir a alimentação
pública, o Ministro do Trabalho e da Previdência Social poderá permitir no fabrico de pão a adição, à
farinha de trigo, de quaisquer outras farinhas panificáveis, determinando as proporções em que essa
adição se deve realizar”.
O art.º 5.º “ o Ministro do Trabalho e Previdência Social estabelecerá os preços de venda dos cereais e
farinhas em harmonia com os preços da sua aquisição e regulará os tipos e preços do pão… nas formas
referidas no art.º 4.º do decreto 2:997 e n.º 4.º do art.º 1.º do decreto 2:691.
A miséria e a escassez são notórias quando em 14 de Maio de 1917 no decreto n.º 3:136, art.º 1.º “é
declarada livre a entrada, em Lisboa, de pão de qualquer tipo.”
Art.º 2.º “Fica, temporariamente, proibido na cidade de Lisboa, e a partir de 16 do corrente, o fabrico de
pastéis e bolos.”
Art.º 3.º “Desde a publicação deste decreto, ficam de conta do Governo o trigo, o milho e as respetivas
farinhas, existentes nos depósitos, armazéns, celeiros, mercadorias, hotéis, ou quaisquer outros
estabelecimentos da cidade de Lisboa, aos preços atualmente em vigor […] ou com despesas
justificadas.”
Art.º 4.º “Todas os proprietários ou gerentes de armazéns, celeiros, depósitos ou estabelecimentos, a que
se refere o artigo anterior, deverão apresentar, ou diretamente à Comissão de Abastecimentos, no
Ministério do Trabalho e Previdência Social […] uma declaração das quantidades que possuem dos
géneros mencionados no mesmo artigo, acompanhada da fatura…”.
707
Costa, 2010, p. 59.
708
Costa, 2010, p. 57.

145
Ainda no Governo Provisório, o Decreto de 17 de Dezembro de 1910 legislou
sobre o descanso semanal de 24h seguidas, em geral era ao Domingo mas em muitos
casos ficava ao critério dos patrões.
Pelo Decreto de 7 de Janeiro de 1911, as professoras da instrução primária que
eram dispensadas por 2 meses antes e depois do parto.

A Convenção Internacional de Berna de 23 de Setembro de 1906 foi adotada no


que diz respeito à proibição do trabalho noturno de mulheres trabalhadoras na indústria
com mais de 10 trabalhadores (Decreto de 24 de Junho de 1911). Mas não se aplicava às
empresas familiares, de espetáculo, lavoura, pesca, hospedagem, mercantil (art.º 1 n.º
2). O descanso noturno era de 11h consecutivas das 22h às 5h (Costa, 2010: 62).

O Decreto de 9 de Janeiro de 1911 mostra como se queriam conciliar interesses


diferentes entre patrões e trabalhadores, tendo o governo de os proteger a todos, por
exemplo, abriam-se muitas exceções a varias profissões, o art.º 1.º e 2.º, as hesitações
eram ainda muitas e cabia aos sindicatos fiscalizar. Por isso foi retomado e modificado
logo pelo Decreto de 8 de Março de 1911 que substituiu o anterior.

Ana de Castro Osório afirmava que a “questão feminista é uma questão


fundamentalmente económica”.709 O papel da mulher era a de esposa, mãe e dona de
casa, daí a defesa do direito ao trabalho. Só as que tinham autonomia económica podiam
ter capacidade de visão e uma maior igualdade no casamento. Comte dizia que “a
principal força da mulher consiste em vencer a dificuldade de obedecer”.710

José Relvas em 1911, abriu às mulheres cargos na junta do Crédito Público e


António Maria da Silva criou a Inspeção Feminina ao Trabalho das Mulheres, tendo
sido escolhida para subinspetora dos trabalhos técnicos femininos, Ana de Castro
Osório. Apesar de este ter sido o seu único cargo oficial, não se livrou das acusações de
ser conivente com o patronato por não abolir os serões das costureiras que tinha sido

709
Esteves, 2010, p. 23.
710
Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,
1899, p. 179.

146
decretado pelo governo711 era burguesa e conservadora não se mostrou progressista
como outras femininistas.
A Guerra valorizou e incrementou o trabalho feminino e trouxe as mulheres a
novas profissões, as enfermeiras tiveram um papel essencial na guerra. As primeiras
licenciadas em Direito surgem em 1913, Regina Quintanilha, foi a primeira advogada,
notaria e conservadora com escritório no Rio de Janeiro e Nova Iorque.
O trabalho da mulher escapava às estatísticas oficiais, é o caso do mundo rural, do
doméstico e do infantil. O acesso ao emprego era uma revindicação burguesa, como o
voto, não era das classes trabalhadoras porque para estas o era uma necessidade, um
sacrifício, para outras era um direito, uma conquista ou uma opção. A saúde, a
educação, alguns ofícios da indústria ou até mesmo da administração eram vistas como
esferas preferencialmente femininas.712

O grande número de órfãos, crianças abandonadas ou sem ajuda tinham direito a


apoio até aos 7 anos pelo decreto de 23 de Fevereiro de 1887 e depois alargado pelo
decreto de 5 de janeiro de 1888 do governo de José Luciano de Castro. Regulava as
despesas com os subsídios de lactação que eram pelo art.º 1.º pagos pelas câmaras
municipais ou juntas gerais às amas de “leite ou de seco” aquém as crianças estivessem
entregues pelas câmaras. As mulheres eram escolhidas pelas câmaras e seriam de “bons
costumes” (art. 5.º §4.º). Os subsídios de lactação eram dados pelas câmaras aos mais
pobres, indigentes e impossibilitados de trabalhar (art. 28.º). “As mulheres solteiras ou
viúvas não recatadas, que se reputem grávidas” eram registadas pela polícia (art. 33.º).
Depois dos sete anos seriam entregues a uma comissão protetora e vigiar o tratamento e
promover os asilos escolas (art.º 45). Podiam no entanto ser empregados nas industrias

711
Esteves, 2010, p. 25.
712
Estamos em 1919 mas para cumprir o que tinha sido disposto na Convenção Internacional para a
proibição do trabalho noturno das mulheres empregadas na industria, assinada em Berna em 26 de
Setembro de 1906 e aprovado pela carta de lei de 17 de Setembro 1908 que já era legislação que vinha de
1891 e que dizia no seu art.º 1.º é proibido o trabalho noturno a todas as mulheres de qualquer idade, nos
estabelecimentos industriais onde laborem mais de dez operários/as; §1.º esta disposição não se aplica a
empresas em que somente se empreguem membros da mesma família do chefe dessa empresa. Art.º 2.º o
descanso noturno será pelo menos de onze horas consecutivas em que se compreenda o intervalo das dez
horas da noite às cinco da manhã. Art.º 5.º continuam em vigor as disposições do decreto de 14 de Abril
de 1891 e de 16 de Março de 1893, sobre o trabalho dos menores de sexo feminino, não alterados por este
decreto in Ministerio do Fomento, Trabalho Noturno das Mulheres nos estabelecimentos industriais.
Alteração e aditamentos aos decretos de 14 de Abril de 1891 e 16 de Março de 1893, Imprensa Nacional,
Lisboa, 1911.

147
(art. 47.º) e o salário será guardado na caixa económica portuguesa (art. 56.º) que lhe
será entregue quando emancipado inclusive os do ano em curso mesmo não depositados
(art. 57.º).

A delinquência juvenil era muito elevada, a toxicomania não era um problema


como noutros países, era difícil na altura obter produtos que só as farmácias podiam
manipular.713
A responsabilidade penal em 1886 foi alargada dos 7 para os 10 anos de idade,
mas se tivessem agido com discernimento ficavam sujeitos às penas de direito comum,
com redução de pena mas que eram cumpridas nos mesmos estabelecimentos prisionais
dos adultos, daí a importância da criação em 1895 da Escola Agrícola em Vila Fernando
de Elvas para “menores vadios e mendigos, expostos, abandonados e desvalidos,
desobedientes e incorrigíveis, dos 10 aos 16 anos de idade” alargado em 1901 aos 18
anos.714

Para os menores alguns defendiam a necessidade da existência de um tutor mas


Ulrich defendia que o menor devia ser capaz de realizar o contrato.715 Sobre o salário o
menor deve dispor deles livremente a menos que viva com os pais que são quem deve
administrar, o que não significa devam explorar os filhos.716
As crianças não deviam ser admitidas antes dos 12 anos, para que pudessem ir à
escola mas sem escolas, professores ou associações que possibilitam a existência da
escola, as crianças ficavam na rua sem vigilância dos pais.

Já foi referido varias vezes o decreto de 14 de Abril de 1891 pela sua importância,
inovação e pormenor, foi ele que estabeleceu normas e regularizou o trabalho das
mulheres e dos menores nas fabricas e oficinas.717

O secretario Augusto Duarte pedia ao inspetor da 1ª Circunscrição dos Serviços


Técnicos da Industria do Porto em 2 de Maio de 1906 que seja feita uma nova inspeção

713
Augusto Oliveira, Porto, 1935, p. 98 – 100.
714
Augusto Oliveira, Porto, 1935, p. 110, 111.
715
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 122.
716
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 123.
717
Estabelecia a idade mínima para trabalhar na industria e construção civil aos 12 (art. 2.º) e:
a) excepcionalmente aos 10 anos se cumprissem saber as disciplinas que constituem a instrução primaria;
b) tiverem compleição física robusta; c) o “mister” não exigir muito esforço. Art. 3.º com menos de 12
anos estabelece para estes limites máximos e descanso. Art. 4.º domingo obrigatório. Art. 6.º limitou o
trabalho noturno. Art. 10.ºss Subterrâneo. Art. 4.ºss sobre a vacinação e higiene e segurança. Art. 24.º
Obrigação do ensino. Art. 27.ºss deviam ter a caderneta. Inspeção art. 33.ºss.

148
a uma fábrica de fitas porque existiam queixas por parte da Associação de Classe dos
Operários Tecelões de Fitas que quando um operário ficava doente era “imediatamente
substituído” assim como não era respeitada a lei que regula o trabalho de menores. Feita
a vistoria foi verificado que os menores não possuíam as indispensáveis cadernetas nem
existia o livro de registo.718

Noutras fábricas a situação não era melhor, existia o exemplo de uma fábrica onde
alem do que era referido anteriormente, não existia ventilação719 e pior, o industrial, não
evitou os acidentes como a fuga de uma lançadeira que provocou um grave acidente
numa infeliz operária e pior não quis aceder aos pedidos da inspeção de pagar à
trabalhadora pelo menos a “insignificante verba” de 1/3 do seu salário durante o
curativo.720 Foi levantado também um auto pela transgressão a um industrial de latas
por não existirem cadernetas dos menores, livros de registo e por não participar os
acidentes.721

Sobre a admissão de horas de trabalho e descanso existam os decretos de 10 de


Fevereiro de 1890 e carta de lei de 7 de Agosto de 1890. O Ministério das Obras
Publicas, Comércio e Industria autorizava quais os menores e mulheres que só poderiam
ser admitidos nos estabelecimentos industriais (art.º 1.º§1.º - minas e pedreiras,
estaleiros, fabricas, oficinas, lugares de trabalho industrial de qualquer género). A
expressão “menor” compreende a partir destes decretos os 16 anos para os rapazes e os
21 anos completos para as raparigas. No trabalho na construção civil eram admitidos os
menores com 12 anos mas com 10 anos completos poderiam ser admitidos nas
indústrias desde que cumprissem uma série de requisitos.722

718
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 10.
719
Art. 14.º, 27.º e 30.º do Dec. de 14 de Abril de 1891.
720
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 10-11.
721
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 13, Imprensa Nacional, Lisboa, 1907, p. 11.
722
Art. 2.º) “souberem as disciplinas que constituem a instrução primária elementar ou […] provarem
assídua frequência em uma escola…”
a) “Tiverem compleição física robusta”, b) “Forem empregados em misteres que não exijam
esforços físicos, mais que os ordinários”.
Até aos 12 anos não poderiam trabalhar mais de 6h/dia, 4h seguidas com descanso igual ao dos adultos
(art.º 3.º).
Com mais de 12 anos não poderiam trabalhar mais de 10h/dia, 5h seguidas com 1 ou 2 descansos iguais
aos dos adultos.
Pelo art.º 4.º não poderiam trabalhar aos domingos, nem mesmo na limpeza. E pelo art.º 5.º não poderiam
trabalhar em espetáculos de acrobacias ou ginásticos.

149
Só em 1919 é criada a Inspeção Geral dos serviços de Proteção a Menores723,
órgãos orientador e fiscalizador mas só em 1925 surge um decreto que dá e aumenta a
competência das tutórias da infância e dá maior coesão à Administração Superior dos
Serviços Jurisdicionais e Tutelares de Menores.724
Surge aqui alguém cujo nome tem sido muito injustamente esquecido; o do Padre
António Oliveira725 que a convite de Afonso Costa elaborou leis e regulamentos como
intuito de alterar radicalmente a regime de correção das tutórias da infância de onde o
mais relevante foi o regulamento aprovado pelo decreto de 10 de Setembro de 1901726 e
o decreto de 27 maio de 1911 cujos valores contidos foram os mais avançados para a
época como a ideia de tribunais para proteger menores como se fossem um bom “pai de
família” mais corretivo que punitivo no interesse do menor.
Pelo decreto de 18 de Outubro de 1904 o Padre António Oliveira foi nomeado
superintendente e capelão da Casa de Caxias onde se dedicou de forma absolutamente
notável à educação onde mais que uma casa de correção se transformava numa escola
de preparação para o futuro.
Foi pelo Padre António Oliveira que foi iniciado ou até da sua responsabilidade o
decreto com força de lei de 1 de Janeiro de 1911 que criou junto do Ministério da
Justiça uma Comissão da qual era vogal o próprio Padre Oliveira, cujo objetivo era o da
proteção e educação de menores em perigo ou chamados indigentes. Dizia este decreto

O trabalho noturno era assim considerado das 21 às 5h de Maio a Outubro e das 20 às 6h nos restantes
meses (art.º 6.º).
Pelo art.º 7.º não poderiam trabalhar à noite as menores do sexo feminino e os menores do sexo masculino
até aos 12 anos.
Com mais de 12 anos e sendo menores só poderiam trabalhar de noite sob determinadas condições nas
oficinas cujos fornos não pudessem ser interrompidos (fogo continuo) pelos exigências do próprio fabrico
(art.º 8.º) e não mais de 8 h com pelo menos 1h de descanso (art.º 9.º n.º1) e não poderiam trabalhar mais
de 3 noites seguidas a menos que existissem turnos com máximo de 3:30h onde poderiam trabalhar 12
noites em cada 15 dias (art.º 9.º, n.º 4.º alínea b).
Nas minas para os trabalhos subterrâneos era necessário ter 14 anos e ser do sexo masculino (art. 10.º) e
com 14 aos 16 anos não poderiam trabalhar mais de 6h/dia com descanso de pelo menos 1h (art.º 12.º).
Art.º 12.º n.º 1 – os menores não podiam trabalhar mais de 2h na rotação de ventiladores. n.º 2 –
trabalhadores subterrâneos podiam ser acumulados com os de superfície mas não mais de 10h/dia.
Art.º13.º - aos trabalhos subterrâneos eram vedados aos menores do sexo masculino dos 14 aos 16 anos.
723
Os menores incorrigíveis podiam pelo art.º 143.º do Código Civil serem entregues pelos á autoridade
judicial que os enviaram para a casa de correção no máximo 30 dias, o processo estava no art.º 668 do
Código Civil.
724
Augusto Oliveira, Porto, 1935, p. 115.
725
O Padre António Oliveira fez importantes experiencias pedagógicas com equipamentos didáticos que
encomendou a empresas na Suécia. Elaborou manuais e defendeu a orientação profissional. Foi nomeado
sub-diretor das Mónicas onde elevou os níveis de higiene e educação.
726
Foi um projeto único e pioneiro que dava assistência aos menores delinquentes com cargos educativos
como os preceptores (prefeitos professores), ou seja, se antes os menores eram tal como os adultos
guardados por carcereiros passavam a ser acompanhados por professores com formação pedagógica.

150
que se sabia que a falta de meios de subsistência é “fator de degenerescência física e
social e contribui para o êxodo das populações rurais para as cidades” e “considerando
que as nossas colónias muito terão a aproveitar na sua riqueza e prosperidade” com a
chegada de operários com competência tirassem os filhos da escola para trabalharem e
era ao governo que cumpria proporcionar a educação e instrução, principalmente
aqueles em condições de extremo abandono.727
E o decreto de 27 de Maio de 1911728, Lei de Proteção à Infância, que se tornou
em Portugal o verdadeiro ponto de charneira e de viragem não só do ponto de vista
jurídico mas também social e humano. Padre Oliveira era um grande educador e
conhecedor da mais avançada pedagogia.729 E por isso conseguiu influenciar a criação
de um novo direito criminal diferente do dos adultos com tribunais até aos 16 anos.
Conseguiu transformar casas de correção em escolas, criou as condições para o
aparecimento do tribunal de menores, criou o Código de Infância.
O decreto n.º 6:117 de 20 de Setembro de 1919 mostra que havia a necessidade de
criar mais instituições reformadoras que auxiliassem a ação das Tutorias na luta contra a
delinquência e degradação dos menores com menos de 16 anos de idade. Para que os
educáveis, desamparados se tornem honestos, laboriosos e úteis são criados varias
instituições pelo país (art. 2.º). Quando o menor terminar o seu curso poderá ser
colocado sob liberdade condicional em casa da sua família ou noutra (art. 8.º).

727
É criada uma comissão de proteção dos menores em perigo moral, pervertidos ou delinquentes (art.
1.º), menores de 16 anos, sem asilos nem meios de subsistência, sem pais e tutores, vivendo da
ociosidade, vadiagem ou mendigando (art. 2.º). A comissão deve inquirir e examinar o estado físico e
mental dos menores e classificados de acordo com o resultado dos inquéritos e exames (art. 6.º). Os
inspetores de Instrução Primária só tiveram a correspondência livre de franquia pela portaria de 28 de
Janeiro de 1911.
728
São 184 artigos mas no primeiro são criados: Tutória de infância (ou tribunal de menores) que tinha
como missão defender e proteger os menores desamparados e em perigo moral pela educação e pelo
trabalho. Do 2º ao 5º artigo é descrito como deve ser constituído o Tribunal de Menores. Mas o decreto é
muito mais que meros artigos ele entre outro revela a inibição do poder paternal e como atuar nos
menores abandonados, pobres, doentes, maltratados, vadios, mendigos, criminosos ou simples
delinquentes.
729
E por isso conseguiu influenciar a criação de um novo direito criminal diferente dos adultos com
tribunais ate aos 16 anos. Conseguiu transformar casas de correção em escolas, criou as condições para o
aparecimento do tribunal de menores, criou o código de Infância (decreto de 27 de Maio de 1911) mesmo
sem grande técnica jurídica é uma lei que compreende os verdadeiros problemas deste tipo de menores.
Publicou cerca de 10 livros e tinha mais em preparação não fosse a morte prematura em 1923, mais se
teria ganho com a sua enorme sensibilidade e conhecimento e interesse por estes jovens tocados pelo
infortúnio.

151
22 - O descanso semanal e o horário de trabalho

Quando os sindicatos falavam com os seus associados, dirigiam-se a “homens,


mulheres e crianças”. Elas e os menores eram 48% do proletariado, eram os mais
explorados e com menor salário.730 Existiam 65 trabalhos proibidos a mulheres e 114
aos menores, existia a ideia que o emprego de mulheres casadas tende a diminuir a
natalidade, “tende a gerar, mais fêmeas que varões” e a taxa de mortalidade infantil
aumentava na proporção das mulheres casadas empregadas na indústria. 731

A maioridade da mulher operária era até aos 21 anos completos, o que trazia
dificuldades às casadas e mães com 18, 19 e 20 anos que não queriam sujeitar-se à
caderneta industrial que era uma forma de atentar contra a sua liberdade e dignidade.732
Luís Ferreira Girão733 sugeria a alteração do n.º 2 do art.º 1.º do decreto de 14 de abril
de 1891, onde era fixada a maioridade dos 16 anos para os operários dos dois sexos ou
pelo menos os 17 anos para operários do sexo feminino. Este decreto que regulava o
trabalho de menores e mulheres, sobre a idade mínima, condicionamento de
determinado tipo trabalho, horário, etc., é o decreto legislativo sobre o Direito do
Trabalho, a partir daqui surgem vários diplomas, sobre segurança e salubridade.

Existiam determinações para interditar o trabalho noturno734/735 das mulheres, no


entanto era reconhecida a situação deplorável do trabalho das modistas ou costureiras, já
que nas oficinas espalhadas por toda a cidade, existiam lugares recônditos e casas de
família acanhados ou pequenos quartos em casas particulares que não estando abertas ao
público, não tinham a obrigação de abrir a porta à fiscalização e escapavam à vigilância.
É um trabalho predominantemente caseiro ao qual pela necessidade de procurar de

730
António José Telo, Lisboa, [1977], p. 30.
731
Boletim da Previdência Social, vol. III, n.º 19, Imprensa Nacional, Lisboa, 1928, p. 56-59.
732
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 55, Lisboa, 1911-
1912, p. 11.
733
Eng. chefe, escreveu o relatório a 1 de fevereiro de 1911.
734
O decreto de 1911 proibia o trabalho noturno das mulheres nos estabelecimentos industriais onde
laboram mais de dez operários e operarias (art. 1.º) excepto se forem todos da mesma família (art. 1.º
§1.º) ou espectáculos, navegação, lavoura, pesca, hospedagem, etc. (art. 1.º §2.º). O descanso noturno será
de 11h consecutivas (art. 2.º). Também em caso de força maior ou matérias primas que se deteriorem (art
3.º).
735
O decreto n.º 756 de 13 de Agosto de 1914 autoriza provisoriamente o trabalho noturno nas fábricas de
conserva de peixe, de legumes e de fruta, a mulheres com mais de dezasseis anos desde não exceda 180h
suplementares por ano (art. 1.º) tal como foi defendido na conferência de Berna de 15 de Setembro de
1913 e que o decreto 24 de junho 1911 permite em determinadas circunstancias e terá que ser dada parte à
circunscrição dos Serviços Técnicos da Industria.

152
trabalho as mulheres são exploradas em serões736 quase intermináveis até altas horas
tornando impossível “apurar qualquer flagrante infração da lei”.737

O descanso semanal
O descanso dominical tinha inconvenientes para fábricas de funcionamento
contínuo.738 No entanto na maior parte das fábricas e no comercio era uso o domingo
como descanso semanal. Era uma necessidade independentemente de uma lei ou
preceitos religiosos.

No entanto surge a lei do descanso semanal de João Franco de 3 de Agosto de


1907739 era obrigatório mas ficava a cargo de cada município a regulamentação e tendo
em conta que nas regiões mais pequenas eram dominadas por caciques locais, muitas
vezes acabava por ser o patronato que escolhia, o que dava azo a abusos. Também o
decreto de 14 de Outubro de 1907 que altera varias disposições do decreto anterior mas
aumentava as dispensas com mais excepções como nas feiras e romarias (art. 3.º) ou
existia ainda a dispensa no caso do comércio ser exercido pelos proprietários ou por
familiares não remunerados (art. 43.º) ou até podiam ser os governadores civis a
autorizar o descanso por turnos (art. 4 § único), não era obrigatório para o pessoal dos
teatros ou acendedores de iluminação publica (art. 6.º). Vão ser revogados pelo decreto
de 9 de Janeiro de 1911 alegando a necessidade do descanso semanal em virtude da
fadiga derivada da elevada carga horas de trabalho. O art.º 1.º reconhece o direito a um
descanso semanal de 24h seguidas. No entanto o art.º 2.º referia que não encerravam ao
domingo a indústria hoteleira e a comercialização de géneros alimentícios. As padarias
por exemplo têm diferentes horas de descanso. O art.º 8.º refere a obrigação do descanso
semanal. E o art.º 9.º estipulava a responsabilidade civil e criminal pelas contravenções
ao direito.
Na república e com o decreto de 9 de Janeiro de 1911 é reconhecido a todo o
assalariado o direito ao descanso semanal de vinte e quatro horas seguidas excepto aos
teatros, cinematógrafos, circos, exposições e outras casas de espetáculos públicos (art.
736
A lei n.º 632 de 28 de Julho de 1916 manda abolir para a classe das costureiras, os serões a que se
referem os artigos 10.º e 12.º da lei n.º 296 de 22 de Maio.
737
Boletim do trabalho Industrial, República Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 107, Lisboa, 1917,
p. 15.
738
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 134.
739
O Governo cai e com a oposição do patronato a lei não é aplicada em todo o país, em geral eram as
empresas com mais poder reivindicativo que beneficiavam deste tipo e leis.

153
1.º) ou no caso de trabalho de limpeza ou reparação de máquinas mas pode ser
combinado com os “patrões” só meio dia de descanso (art. 1.º §2.º) mas se assim for
deve ser dado conhecimento às câmaras municipais (art. 1.º §4.º). O descanso será em
regra ao domingo (art. 2.º) excepto uma serie de profissões740 em que o descanso
poderia ser feito por turnos mas sempre de vinte e quatro horas seguidas (art. 2.º §1.º n.
1.º). Este decreto foi revogado pelo decreto com força de lei de 7 de Março de 1911741
aqueles que em virtude da urgência do seu trabalho não podiam ter o domingo como dia
de descanso fariam nos três primeiros dias normais depois do domingo em que
trabalham (art. 2.º §2.º). As padarias encerrarão às onze horas de domingo e abrirão às
onze horas de segunda feira (art. 2.º §3.º) mas se existir manifesto prejuízo com este
descanso poderão as câmaras municipais e juntas de paroquia dessas localidades alterar
o dia de descanso no dia seguinte como é o caso das feiras e mercados (art. 2.º §4.º),
para trabalhadores das empresas de viação e navegação deverá ser submetida à
aprovação dos câmaras municipais os regulamentos dessas empresas com a alteração do
descanso (art. 3.º), ou seja, fica entregue mais uma vez ao livre arbítrio da influencia do
patronato junto do poder politico e local.

Horário de Trabalho
A 22 de Janeiro de 1915 o decreto n.º 295 que fixam o limite de 10h742 por dia de
trabalho no comercio e n.º 296 na industria. E o decreto n.º 297 que altera o regime do
decreto de 14de Abril de 1891 de menores e mulheres. Lei n.º 426 de 13 de Setembro e
decreto n.º 2047 de 12 novembro dava 7 horas de trabalho para a banca e escritórios e 8
a 10h para operários fabris, oficinas e comercio. Mas era omisso nas contravenções dos
patrões que cometessem as infrações. As 8h de trabalho generalizadas para todo o país
só com o decreto n.º 5516 de 7 de Maio de 1919 mas foi sistematicamente violado e até
combatido judicialmente pelos patrões. Era necessário mais e melhor fiscalização sobre
o limite dos horários de trabalho da lei n.º 296 de 22 de Janeiro de 1915 assim vai surgir
a portaria n.º 401 de 30 de Junho de 1915 que cria providências para que aos inspetores
de trabalho sejam enviados os horários de trabalho na indústria.
740
Nos hospitais, farmácias, hotéis, restaurantes, cafés, locais onde existam produtos de consumo
imediato, lojas de flores, funerais, leilões, luz, água, telefones, jornais, cargas e descargas, etc.
741
Este é depois esclarecido pela portaria de 5 de Abril sobre o descanso semanal onde se afirma que este
não é obrigatório para os não assalariados nos municípios que assim o determinem (art. 1.º). as multas
pela portaria de 14 de Fevereiro de 1913 deveriam ser depositadas na CGD.
742
O período máximo de trabalho era ainda o de 10h, só em 10 de Maio de 1919 com o decreto n.º 5616
surgem as 8h/dia, 48h/semana para a função pública, comércio e indústria. Situação que já existia desde
1891 para os manipuladores de tabaco.

154
Durante a guerra houve e em virtude das queixas aos decretos n.º 2:922 de 30 de
Dezembro de 1916 e 2:976 e 3 de Fevereiro de 1917 que harmonizar os interesses das
classes com os do país e reunir num só diploma as questões do horário de
encerramento.743

Rui Enes Ulrich em 1906 refere o excesso de horas de trabalho, defendendo que
deve existir um limite também para os homens adultos que uma vez ultrapassado pode
tornar-se um perigo para a saúde, segurança do operário e produtividade, podendo violar
“o mais fundamental dos seus direitos, o direito à existência”.744
As razões reveladoras da mentalidade da época eram as mais variadas, Ulrich cita
algumas como a que se o operário saía mais cedo do trabalho acabava por ir para a
taberna aumentando a taxa de alcoolismo e a redução do número de horas de trabalho
podia prejudicar os interesses económicos do país em relação à concorrência
internacional. Ulrich defende que com as reduções de horas os operários passavam mais
tempo com a família. Um homem não é uma máquina cuja função é trabalhar e tem
deveres de pai e de esposo745.
Era normal na Europa não existir ainda um limite máximo no horário de trabalho
mas para Ulrich era essencial esse limite, a desculpa que a redução do horário de
trabalho implicava menor produtividade era “desmentido na prática”746 desde que
dentro de justos limites747, “não afeta a sua produtividade” e como tal não prejudicava
“os interesses nacionais na concorrência economia internacional”748, só se “queixarão os

743
Assim pelo art.º 2.º “Durante o estado de guerra, as lojas e estabelecimentos similares, incluindo as
tabernas sem comida, encerrar-se-ão às dezanove horas nos meses de Janeiro, Fevereiro, Outubro,
Novembro; às vinte horas nos meses de Março, Abril e Setembro, e até às vinte e uma horas nos meses de
Maio, Junho, Julho e Agosto.
No art.º 3.º Os cafés, restaurantes, tabernas com comida, casas de leiloes, leitarias, cooperativas de
consumo, clubes e outras sociedades de recreio encerrar-se-ão às vinte e três oras, não podendo funcionar
nem reabrir antes do nascer do sol.
744
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –
Editor, Coimbra, 1906, p. 73.
745
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –
Editor, Coimbra, 1906, p. 74-77.
746
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –
Editor, Coimbra, 1906, p. 75.
747
Parece importante referir o que eram para Ulrich “os justos limites” erra reconhecido que as 8 horas de
trabalho que eram o mais reivindicadas pelo operariado e defendida na América e na Europa apesar de
poucas serem as legislações que revelavam esta tendência mas parecia-lhe excessivo “nas condições da
industria atual” porque podia prejudicar a produtividade por isso defendia “o limite das 10 horas como o
mais geralmente seguido pelos escritores imparciais, devendo esse limite ser aumentado ou diminuir
consoante as condições especiais de cada industria” in Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria
Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado – Editor, Coimbra, 1906, p. 82-83.
748
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –
Editor, Coimbra, 1906, p. 78.

155
patrões mal orientados” avessos às novidades mas a inércia destes seria vencida pelos
proveitos e melhoria geral. Ulrich reconhece que existem por parte dos operários
exageros e utopias mas quantas vezes são com frequência justas as reivindicações e por
isso ao longo do trabalho toma quantos vezes o seu partido.749
Na Riqueza das Nações, Adam Smith falava no dia das 8 horas, todos os países
europeus, América e até o Japão, reclamavam a fórmula dos “três oitos”, oito horas de
trabalho, sono e folga, esta ultima considerada essencial para a formação,
entretenimento e família. Gonçalves refere Vandervelde, o homem tem outras coisas
para fazer além de trabalhar, é pai de família, cidadão, tem deveres morais, políticos e
religiosos a cumprir.750
A 22 de Janeiro de 1915 surge a lei n.º 295 e n.º 296. Para o comércio ficava
fixado o máximo de 10h diárias além de 2h de refeição. A indústria terá o máximo de
10h diárias e de 60h por semana. O trabalho noturno será 8h por dia e 48h por semana.
Regulava ainda as pequenas empresas caseiras ou de tipo familiar com máximo de
cinco trabalhadores onde a este horário poderiam ser acrescidos os serões de 3h por dia
em 3 dias por semana ou 156 dias por ano.
A 12 de Novembro surge um decreto relacionado com a lei n.º 296751 que
fiscalizava as horas de trabalho nas oficinas, na agricultura, padarias, moagem, etc.
A 7 de Maio de 1919 surge o decreto de n.º 5516, onde aparece finalmente o dia
de trabalho de 8h e de 48h por semana, seja diurno, noturno ou misto mas ficam de fora
os rurais e os domésticos, sejam eles empregados de hotéis ou restaurantes.
Para além da hora estipulada será pago o dobro excepto aos funcionários do
Estado onde se aplica outros regulamentos. A 23 de Setembro é publicado o decreto n.º
6121 com vista à execução de decreto n.º 5516.

No congresso da indústria corticeira em 1924 é aprovado que durante a gravidez a


mulher não trabalhe e seja garantido o lugar de regresso e sejam criadas “creches” mas a
mulher burguesa era muito mais esclarecida e defendiam aquilo que há muito era
defendido pelos anarquistas da igualdade no trabalho e de poderem viver sem o auxílio

749
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operaria Portuguesa, Estudos de Economia Nacional, França Amado –
Editor, Coimbra, 1906, p. 80.
750
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 132.
751
Nunca chegou a ser regulamentada.

156
do homem, serem livres de escolher o trabalho e de não ter de depender de um
“senhor”.752

Horas de trabalho e descanso: Menores


O decreto de 14 de abril de1891753 regulado pelo decreto de16 de março de 1893
as mulheres e menores não podiam trabalhar nas fábricas insalubres e perigosas. Os
menores não podem entrar nas fábricas antes dos 12 anos salvo: ter instrução primária
ou frequência assídua de alguma escola, ser robusto mas não exercer esforços físicos
exagerados754 e aí podem entrar com 10 anos. Até aos 12 anos só podem trabalhar
6h/dia e não mais de4h seguidas e descanso de 1h. Com mais de 12 anos não podem
trabalhar mais 10h/dia, nem mais de 5h seguidas com descanso de 1 hora.755
O Código Civil tinha uma disposição onde o aprendiz com menos de 14 anos não
podia trabalhar mais de 9 horas. Trabalhos subterrâneos só com mais de 14 anos e não

752
João Freira, Porto, [1992], p. 181.
753
Para trabalhar na indústria e na construção civil era necessário ter no mínimo 12 anos ou os 10 anos de
idade no caso de provar a frequência assídua, ter compleição física robusta e que o trabalho não implique
esforço extraordinário (art. 2.º). Até aos 12 anos não poderão trabalhar mais de 6 horas por dia com
direito a descanso igual ao dos adultos. Menores com mais de 12 anos podem trabalhar no máximo 10
horas com 1 ou 2 descansos (art. 3.º). Não podiam trabalhar aos domingos excepto nas indústrias de fogo
contínuo (art. 4.º), não podiam ser sotas, ou condutores de cavalo ou de veículos, nem fazer exercícios
ginásticos (art. 5.º). Era considerado trabalho noturno entre as 21 horas e as 5 horas de Maio a Outubro e
as 20 horas às 6 horas de Novembro a Abril (art. 6.º). Isto só para rapazes com mais de 12 anos (art. 7.º)
no máximo de 8 horas em três noites seguidas excepto se existirem turnos (art. 9.º). Ficava proibido o
trabalho subterrâneo ao sexo feminino e aos rapazes antes dos 14 anos de idade (art. 10.º) e dos 14 aos 16
anos de idade num máximo de 6 horas por dia.
Deve de existir higiene e limpeza nas instalações, ventiladores e tem de existir segurança (art. 14.º) e a
vacinação era obrigatória (art. 15.º). Proibindo trabalhos insalubres, perigosos com produtos inflamáveis
ou explosivos, corrosivos, poeiras (art. 17.º §1.º). Dos 12 aos 14 anos de idade podiam ter 10 kg de carga
à cabeça ou às costas e 80 kg com veículo em terreno horizontal, para os menores com mais de 14 anos
era 15 e 100kg respetivamente (art. 17.º §1.º n.º 5).
Se existirem mais de 50 trabalhadoras deveria existir uma creche a menos de 300m que poderia ser
comparticipada por várias fábricas (art. 21.º). A mulher não deveria trabalhar nas primeiras 4 semanas
após o parto (art. 22). As professoras da instrução primária ficam dispensadas durante o ultimo período da
gravidez e em seguida do parto, sem perda dos seus vencimentos pelo decreto de 7 de Janeiro de 1911.
Isto foi importante já que o regulamento da instrução primária não reconhecia esse direito e poderá ir à
creche amamentar o filho pela forma regulamentada (art. 23.º).
O decreto de 27 de Junho de 1895 fixa as somas com que as câmaras municipais têm de contribuir
para as despesas do fundo de instrução primária. A escola seria proporcionada fora das horas de descanso
e no tempo livre (art. 24). A vigilância será feita através do administrador do concelho que dará uma
caderneta obrigatória para se poder trabalhar e onde serão anotados os dados do trabalhador e a sua
vacinação obrigatória (art. 27.º)
Os inspetores estavam obrigados ao dever de segredo (art. 41.º) e os empregadores que admitissem
menores fora daquilo que estava estipulado estavam sujeitos a várias penalidades (art. 42.º).
754
Antes dos 12 anos não podiam carregar mais de 10kg à cabeça mas depois dos 12 anos de idade já
subia aos 15kg. Por veículos de tração eram 80 e 100kg respetivamente.
755
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 135.

157
podem trabalhar mais de 6h/dia mas com 2h seguidas de descanso mas não trabalham
de noite. Os menores tinham de estar vacinados.
Estas disposições não eram cumpridas onde por exemplo na greve dos cordoeiros
do Porto em março de 1905, verificou-se que menores a trabalhar 16h/dia.756

Referia ainda que desde que existam 50 mulheres empregadas devia existir uma
creche a menos de 300m da fábrica, nem deviam trabalhar antes das 4 semanas a seguir
ao parto e podiam ir às creches amamentar os filhos a hora reguladas.757

Os anarquistas defendiam que os menores tivessem tal como as mulheres igual


salário e se a tarefa fosse igual ao homem mas muitos iam mais alem e defendiam a
proibição do trabalho a menores de 14 anos de idade.758
Com 10 ou 12 anos só poderiam trabalhar na indústria os que não frequentassem a
escola e não tivessem as excepções da lei de 2 de Maio de 1878.759
Eram 108 os estabelecimentos industriais que eram proibidos a menores e
abarcavam os trabalhos desde o ácido arsénico ao polimento de vidro e zarcão. Mas
podiam trabalhar em 48 tipos de indústria, sob determinadas condições, desde o fabrico
de adubos aos vidros. Mas depois existiam várias excepções, como se verifica na lista
para as peles, palitos, minerais, ferro, esmaltes, etc.760

756
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 136.
757
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 137.
758
Os tanoeiros em 1925 não queriam menores analfabetos. Em 1922 os rurais defendiam que aos
menores em idade escolar não lhes seja permitido o trabalho no campo. No comércio também
reclamavam das entregas pesadas que os menores eram obrigados a fazer. Os gráficos defendem admissão
dos 14 anos, os tecelões os 16 anos e de preferências órfãos de pai e os tanoeiros aos próprios filhos. O
jornal A Batalha em 29 de Setembro de 1925 pedia-se a abolição do internato por ser vexatório e
desumano. A inspeção médica devia ser obrigatória em qualquer ramo de atividade. in João Freire, Porto,
[1992], p. 182
759
Oficinas de fogo contínuo – do art.º 4.º e 8.º do decreto de 14 de Abril de 1891: vidrarias, fundição e
fábricas de papel (art. 2.º).
Com mais de 12 anos poderiam trabalhar – à noite e ao domingo a fazer serventia, ajuda ou auxiliar nas
vidrarias, fundições e fábricas de papel (art. 2.º, n.º1).
Os menores com menos de 16 anos não poderiam trabalhar nos movimentos de rodas de eixo vertical,
saltos sobre pedais. Serras circulares, verticais ou sem fim (art. 5.º).
Os menores dos 12 aos 16 anos poderiam trabalhar em rodas tipo olaria não mais de 5 horas (art. 5 n.º 6).
Art. 6.º - dos 10 ao 12 anos não podiam em determinadas tipo de indústrias (as do art. 1.º) e trabalhar
mais de 5h.
Art. 9.º - os menores do sexo masculino só poderiam trabalhar nos subterrâneos, na escolha de minérios,
carregamentos, manobra e movimento de vagonetes, manobra de portas de ventilação e rotação de
ventiladores.
760
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 85-91.

158
O projeto lei de Alfredo Maria Ladeira761, era de 10h e 60h por semana quando
antes tinham defendido as 8h. Dizia mesmo que a intenção era não agravar a indústria o
que mostra a subserviência à indústria ao aceitar as excepções do “pessoal do fogo” ou
seja, os trabalhadores dos fornos de fogo contínuo. Grande parte da indústria estava
numa situação difícil em virtude dos elevados preços das matérias-primas importadas,
face à desvalorização da moeda, era o caso do carvão de pedra importado da Inglaterra,
também a maquinaria industrial sofria com as pesadas taxas alfandegárias que em
muitos casos encareciam em 50%.
O deputado Santos Moita chamava a atenção para as situações graves onde os
operários das indústrias têxteis da Beira trabalhavam 18h e meia, ganhando 300 réis por
dia e crianças até aos 15 anos trabalhavam o mesmo horário por 20, 40 e 100 rés por
dia.762

As greves foram violentas mas valeram a pena porque as 8h/dia foram


conquistadas e logo a CGT iniciou uma campanha mais violenta pelas 6h/dia de
trabalho.

Mulheres

Não havia direito de voto para mulheres763 ou para negros. Só com o Sidónio Pais
surge o decreto 4:676 de 19 julho de 1918 que permitiu às mulheres o desempenho de
varias funções públicas mas reconhecia o atraso em relação aos países anglo-saxónicos
sobre o voto.764

O decreto n.º 4:676 de 11 de Julho de 1918 permite à mulher portuguesa o


desempenho de varias funções públicas, era reconhecido que em direito publico
persistia a inferioridade da mulher que a privavam de quase todos os direito políticos

761
António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010, p. 59.
762
António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010, p. 61.
763
A desculpa era a de serem ainda eram pouco instruídas e presas à influência clerical e que podiam
manipular os maridos (por isso os filhos eram batizados) ou votavam igual aos maridos que teriam assim
dois votos. Carolina Beatriz Ângelo disse nos jornais que as mulheres ainda estavam muito influenciadas
pelo clero e eram analfabetas (mas também existiam homens sem formação politica). A Associação de
Propaganda Femininista (onde estava Carolina B. Ângelo e Ana C. Osório) não aceitavam homens nem
mulheres analfabetas porque queriam combater o analfabetismo, o que afastava as operarias, daí as
mulheres socialistas não terem grande simpatia por estes movimentos. Carolina foi a única a votar e em
1913 surgiu uma lei que corrigia esse “descuido” que a permitiu votar.
764
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 68.

159
mas em direito privado esses vestígios legais romanos e germânicos já eram “raros”
explicitando-se a inferioridade da mulher nas leis civis em virtude do “efeito
necessário” do matrimónio. Nas sociedades anglo saxónicas a mulher já tinha direito de
voto. Eram médicas, professoras primárias ou superiores, serviços de telégrafo/postais
ou repartições públicas, no comércio cada vez eram mais comuns.

O excesso de oferta de trabalho, a extrema miséria e os ofícios que requeriam


poucos conhecimentos acabavam por proporcionar com que as condições de trabalho
fossem muito deficientes.

As leis do trabalho dificilmente entram nas empresas domésticas ou familiares, as


greves aqui são impossíveis, compostos por mulheres e estrangeiros com muito baixas
condições para se organizarem, já que as associações quando as admitiam exigiam o
pagamento de jóias e quotas que não podiam pagar acabando assim por ser uma classe
marginalizada.765
Gonçalves reconhece que o trabalho domiciliário era a “pior forma de salário” as
mulheres eram exploradas sem piedade principalmente as costureiras, lavadeiras,
sapateiras, marceneiras, etc.766

Dizia Carlos Lemos em 1899 “a emancipação da mulher não tem em mira o


predomínio da mulher sobre o homem: tem simplesmente em vista a sua equivalência
de direitos e de deveres: nada mais”.767 As mulheres que defendiam a emancipação não
eram contra a maternidade mas reconheciam que era pesado e doloroso pelo sofrimento
físico, aliás, vem no Génesis que Deus destinou à mulher como castigo, disse Ele à
mulher: “Eu multiplicarei os trabalhos e os teus partos. Tu em dor parirás teus filhos, e
estarás sob o poder de teu marido, e ele te dominará” (Génesis 3:16).768
Acabou a escravatura do negro de pés atados às correntes da tirania faltava a da
mulher, havia que ser astuto e muitas mulheres souberam reagir tal como Cristo ensinou
aos discípulos: “Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes
765
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 140.
766
Luiz Gonçalves, A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905, p. 139.
767
Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, série 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,
1899, p. 474.
768
Sully Prudhome, prémio Nobel da literatura em 1901 e poeta francês acreditava que com a evolução
técnica se haveria de resolver o problema da geração artificial que dispensaria a mulher do “pesado e
doloroso encargo da Maternidade…” in Beatriz Pinheiro, 1899, p. 326.

160
como as serpentes, mas simples como as pombas” (Mateus 10:16). Nas sagradas
escrituras existem varias mulheres que alguns consideram rameiras mas que a Igreja nos
manda venerar como santas.769

Os padres770 que nada têm a recear de uma esposa emancipada são os mais
severos opositores à emancipação da mulher, parecia que esquecem a importância do
sexo feminino na defesa e propagação do cristianismo. Dizer que as mulheres devem
estar em casa é esquecer que até quase ao séc. V a mulher foi padre, até porque foi no
Concilio de Laodiceia (364) que o sacerdócio lhes foi vedado, “a mulher não se deve
aproximar do altar”. No concilio de Cartago (391) foi proibido catequizar, batizar e só
podiam estudar com os maridos. Com Tertuliano e Athanasio até contra as ordens
femininas se revoltaram. Na Igreja do ocidente as mulheres nunca chegaram ao
presbítero pela sua falta de cultura mas tinham o diaconato mas é necessário chegar ao
séc. V para que dois Papas em três concílios do Ocidente, as mulheres fossem afastadas
das sagradas ordens.771
Dizia Chamfort uma frase muito citada por J. Agostinho de Macedo: “A mulher
tem uma fibra mais no coração e uma célula menos no cérebro”.772 Se a mulher era mais
sensível, logo menos inteligente. A verdade que gera o ódio é a de que “a dignidade e a
liberdade da mulher crescem proporcionalmente ao senso moral dum povo; mais
homens forem dotados de senso moral, tanto mais dignas e livres são as mulheres…”.773
E quando não existe moral e a sociedade se degrada isso reflete-se também na vida da
mulher, dizia-se que em Londres existiam 50 ou 60 mil prostitutas, pior em Paris e
Roma.

769
Débora (que seguiu Barac na guerra contra o general Sisara do exercito de Jabin); Jahel (matou
Sisara); Judith (entrou na tenda de Holophernes, seduziu-o e matou-o); Maria Madalena (segundo S. João
foi a única testemunha da ressurreição de Cristo); Tecla, Lydda, Cloe (a Palida), e Phebe (a Brilhante)
todas auxiliares de S. Paulo in Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo
n.º 10, Viseu, 15 de Outubro, 1899, p. 177.
770
O mundo católico em especial desejavam a mulher ignorante e ociosa do mesmo modo que o
mercenário deseja a guerra. O simples facto de virem de um osso supranumerário do homem (o único que
nos falta é o pineal) dava aos homens o direito de se considerarem superiores.
771
Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,
1899, p. 177.
772
Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,
1899, p. 489.
773
Carlos de Lemos, Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,
1899, p. 487.

161
Proibir a mulher de ser oradora como Hortênsia, medica como Phrynea, filosofa
como Hypathia, teóloga como Santa Catarina ou ser pintora, romancista, poetiza, etc.
Como tantas outras que chegaram a morrer por uma ideia é cortar a dignidade
humana.774

Trabalho noturno

A lei não impunha a proibição do trabalho noturno mas referia que nas primeiras 4
semanas depois do parto não podiam ser admitidas ao trabalho. Mas sem assistência “é
simplesmente uma utopia” tinha de ser assegurada uma indemnização às parturientes
nesse período como existiam noutros países. A França onde existiam sociedades mutuas
e filantrópicas que subsidiavam mulheres pobres, asilos e maternidades ainda não
tinham efetivado tal proibição.775

A mortalidade infantil era demasiado elevada, principalmente nos casos por falta
de higiene e má alimentação. A pobreza e a morte daquela que assegura o pão, cria
horror num futuro incerto, num amanhã pior que o presente. Era importante reabastecer
o corpo para que este tivesse força suficiente para reagir contra as doenças. Como o
Eng. Mello de Matos776 havia notado, já Pasteur havia demonstrado que um organismo
doente é um produtor patogénico que afeta os que estão sãos, aumentando doenças
nocivas.777

Naquela que é a regulamentação mais importante sobre o trabalho das mulheres e


menores, o decreto de 14 de Abril de 1891 e o regulamento de 16 de Março de 1893 não
era cumprido. Mas em virtude da enorme pobreza os primeiros a não quererem respeitar
as leis são os próprios operários que permitem os abusos para isso era importante que a
fiscalização não estivesse apenas a cargo dos engenheiros do quadro das obras
públicas.778

774
Conta-se provavelmente como anedota, que os egípcios escreveram: - A mulher tem o direito de andar
por onde quiser. – Mas não pode sair descalça. – É proibido aos sapateiros de lhes venderem sapatos.
775
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 57.
776
Congresso das Associações de Socorros Mútuos de Lisboa, Boletim do Trabalho Industrial, Republica
Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa Nacional, Lisboa, 1911.
777
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p.125.
778
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 45, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1911, p. 59.

162
Num relatório de 1908, vindo dos Açores sobre a fiscalização do trabalho dos
menores e das mulheres sobre as formas de admissão, horas de trabalho e de descanso,
diz-se que “impressiona é, por exemplo, admitirem nas construções civis menores do
sexo masculino, com plena liberdade, abusando-se das suas poucas forças e achar-se
sujeito à fiscalização o trabalho de menores na exploração de materiais, quase sempre
para as mesmas obras ou construções onde aqueles abusos se cometem”779. Admitia-se
que dos vários acidentes do ano de 1907 “nenhum deles foi comunicado a esta
circunscrição pelos gerentes ou donos dos estabelecimentos, nem tão pouco pelas
autoridades administrativas, ou do Ministério Publico”780.

Era reconhecido que a intervenção do Estado no trabalho industrial dos menores e


das mulheres “continua no período platónico dos instrumentos burocráticos de
781
fiscalização” e acrescenta o incumprimento descarado por parte dos patrões que
“nem ao menos guardam aparência de respeito ou, quanto menos, de uma mera cortesia
pela lei benéfica da proteção aos fracos” mas é notória a culpabilização dos
trabalhadores e dos pais dos menores que também “não perdem ocasião de desprezar a
lei, em nome dos seus interesses imediatos”782 sem a preocupação pelo futuro e pela
saúde. Mas era reconhecido aquilo que parecia lógico, desde logo procurar as razões ou
as causas. Por um lado a passividade por parte da população em geral e dos
trabalhadores em virtude do ambiente social. A pobreza, a grande miséria não
permitiam criar um ambiente cultural de proteger e defender os trabalhadores. Por
exemplo a ausência de cadernetas de ensino primário e industrial eram normais em
1915, ou seja, os decretos de 14 de Abril de 1891 e de 16 de Março de 1893 não eram
respeitados nem se compreendia as suas vantagens.

As cadernetas do ensino primário deviam ser distribuídas pela inspeção industrial


aos menores de 12 anos mas a inspeção escolar não conseguia que o ensino primário
obrigatório fosse cumprido já que a resistência da população analfabeta era grande,
achavam uma perda de tempo, perda de salário, o que parecia normal já que até a saúde
era desprezada. Por isso Bernardino Machado afirmava: “o maior mal não é não

779
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 16, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 7.
780
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 16, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p 9.
781
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 91, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1915, p. 5.
782
Idem

163
saberem os eleitores ler e escrever, é serem analfabetos políticos…” porque “nada pior
do que a ignorância em que os membros duma nação estejam dos seus direitos e dos
seus deveres. Nada mais necessário do que formar a opinião para que a opinião governe.
Eis o alto intuito da educação cívica”783 mas para que isto fosse possível acrescentava,
“não basta abrir aulas igualmente a todos, é indispensável que os que trabalham as
possam realmente frequentar”784.

A distribuição das cadernetas era difícil, era precisamente aos 12 anos que
acabava a obrigação do ensino primário e a entrada no mercado de trabalho. Aos
menores com mais de 12 anos, pelo contrário, a frequência do ensino primário era livre
sem obrigação de receber as cadernetas do ensino primário.

Era no entanto notado que existiam menores de 12 anos sem cadernetas do ensino
primário o que ia contra a inspeção industrial785 e confirma-se o que se suspeitava, “nem
todas as cadernetas, saídas da sede da inspeção, iam parar às mãos dos menores”786.

As mulheres com menos de 21 anos colocavam resistências às cadernetas


industriais. A mulher era maior por contrato nupcial, a responsabilidade jurídica
acontecia aos 18 anos mas só era maior para o trabalho aos 21 anos.

O desconhecimento da legislação do trabalho era grande e era reconhecida a


“ingenuidade primitiva” de quem não dá importância às leis. Alguns industriais
reconheciam que os menores do sexo masculino trabalhavam de “sol a sol” e as
mulheres não tinham “regulamento certo”787.

Reconhecia-se que a punição não poderia ser só para o industrial, no entanto é ele
pela sua superioridade deve ter o principal papel de educador de respeito pela lei, por
outro o Estado demonstrava “certa tibieza perante as resistências passivas”788.

783
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 167.
784
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 101.
785
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 17, Imprensa Nacional, Lisboa, 1908, p. 19.
786
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 20.
787
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 29.
788
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério do Fomento, n.º 91, Imprensa
Nacional, Lisboa, 1915, p. 5.

164
No entanto muitas mulheres tiveram uma participação ativa nos levantamentos
rurais. Nas greves de Setúbal789 dois jovens790 trabalhadores aos mortos pela GNR que
atirou a matar, muitos ficaram feridos, alguns com gravidade, muitas mulheres, a pouco
elas iam tomando a consciência da sua condição, eram elas as que mais sofriam com a
miséria, os maridos nas tabernas e no trabalho em horários prolongados, as mulheres em
casa a cuidar dos filhos. Durante a guerra o papel da mulher foi sobejamente
reconhecido mas uma vez acabada a guerra a situação em muitas situações voltou a
regredir.

A mulher casada
A mulher casada necessitava pelo Código Civil da autorização do marido para
adquirir ou alienar bens e contrair obrigações. Como tal carece da palavra do marido
para fazer um contrato791 e Ulrich acrescenta com alguma leviandade puritana própria
da época que “é justo que assim seja” devido às alterações que provoca no meio familiar
ao impedir “muitas vezes a coabitação com o marido, a que a mulher é em regra
obrigada”, acrescenta ainda com uma moralidade muito duvidosa que devido à
“intimidade com o patrão” que é assunto importante para a “vida conjugal e portanto é
bem natural que a mulher o não possa realizar por si só, sem outorga do marido”.792

Só a República criou condições onde era possível aspirar a alguma uma


emancipação feminina que não foi concretizada a não ser em questões pontuais como o
divórcio e as Leis da Família nas quais Ana Castro Osório, graças à sua condição de
liderança no movimento Feminino, teve alguma colaboração e até discordância com o
ministro da Justiça, Afonso Costa.
O Código Civil de 1867, refletia as condicionantes da época, as mulheres não
podiam administrar os seus bens, nem ter autoridade sobre os filhos ou sobre a sua
educação a não ser na impossibilidade do marido, mesmo viúva tinha dificuldades em
dispor dos bens porque o marido podia ter nomeado um administrador e voltando a
789
No fomento e organização destas greves estava Francisco Paulino Gomes de Oliveira (jornalista,
editor, ativista) marido de Ana Castro Osório, falecido em 1914.
790
António Mendes de 18 anos e Marina Torres de 21 anos, assassinados numa manifestação por altura da
greve geral na Av. Luísa Tody. Este foi um duro golpe de traição que mostra que a República não foi para
todos.
791
Mas o marido não podia recusar de forma injustificada caso contrário o autor defende a ação judicial in
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 124.
792
Ruy Ennes Ulrich, Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906, p. 124.

165
casar perdia a possibilidade de administrar ou usufruir dos bens dos filhos menores do
casamento anterior. Para poder trabalhar no comércio ou na indústria a mulher tinha de
ter a autorização do marido. A correspondência podia ser aberta pelo marido que caso
deseja-se podia fazer regressar a mulher à força em caso de abandono do lar porque o
casamento era pelo art.º 1056º do Código Civil um contrato perpétuo.
O adultério era punido de maneira diferente, já que o da mulher era razão legítima
para a separação, o homem só em caso de ter existido escândalo público ou “concubina
teúda e manteúda” no domicílio conjugal. Em flagrante adultério o assassino da mulher
pelo marido era condenado, o pior que podia acontecer eram 6 meses de desterro fora da
comarca.793

23 - O ensino e a cultura A instrução no operariado


Em 1870, o Ministério da Instrução referia os problemas da falta de inspeção,
professores sem habilitações, falta de estímulo, baixa remuneração, sistema muito
desorganizado e sem apoio.794
No séc. XVIII, já Luís António Verney, criticava os métodos de ensino que devia
de deixar de assentar em modelos teóricos e mais na realidade, o ensino deviam ser
gratuito e principalmente ele devia ser ministrado a ambos os sexos. Não era contra os
castigos corporais mas reconhecia que eles eram de tal modo excessivos que deviam ser
proporcionais ao erro.795
É no ano de1891 que Sampaio Bruno parte para o exílio e é nesse mesmo ano que
pela primeira vez entra uma mulher na universidade, Domitila de Carvalho 796. A mulher
tratada como inferior, tinha a obrigação de ser protegida pelo homem e obedecer à sua
autoridade do marido (art.º 1185º do Código Civil), pai, irmão ou até um filho maior. A
pouca educação a que a mulher tinha direito era mais para ser formatada como filha,
esposa e mãe já que mais que isso era estar a distorcer aquilo que seriam as suas
funções. A mulher em casa em obediência era visto como um dever de estado. A
educação emancipava civicamente a mulher e o operariado em geral para melhor
enfrentarem o futuro e melhor perceberem o alcance da legislação.

793
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 123.
794
Maria Filomena Mónica, 1977, p. 322.
795
Sara Marques Pereira, 2007, p. 294.
796
Licenciada em Matemática (1894), Filosofia (1895) e Medicina (1905), não lhe foi permitida a
inscrição a Direito.

166
Em 1901 é no governo de Hintze Ribeiro que se fazem importantes reformas no
ensino primário que passa a ter quatro classes, onde o ultimo ano seria já o 2.º grau que
dava acesso ao liceu mas se em 1910 o analfabetismo rondava valores ligeiramente
acima dos 70% em 1930 eles continuavam acima dos 60%.797 Em 1909-1910 existiam
5552 escolas oficiais do ensino primário, 25 anos depois existiram 6657, foi fraco o
sucesso. Sampaio Bruno (1858-1915), critico do positivismo comteano e de Afonso
Costa, disse ainda no final do séc. XIX perante o enorme número de 4 milhões de
analfabetos, terá perguntado, será “isto porventura uma Pátria?”798
Não eram só os castigos era também a má qualidade do material didáctico quando
existia, ensino com pouca utilidade para os trabalhadores. Não existia o incentivo ao
mérito do professor e a promoção da assiduidade799. Depois o povo não sentia
necessidade de ir à escola e até consideravam uma perda de tempo, principalmente para
quem trabalhava a terra fazia falta terem os filhos por perto, os próprios professores
reconheciam as dificuldades800, até intelectuais801 e alguns anarquistas802 tinham
dificuldade em reconhecer a importância da instrução.
O ensino secundário não teve grandes inovações, o regime de 1895 não foi
alterado no essencial, as reformas eram políticas e não pedagógicas ou científicas, no
entanto nos 16 anos de república o crescimento do n.º de estudantes foi de 42,4%803,
tendo em conta o reduzido número de estudantes o aumento não é notório.
O ensino técnico804 não mereceu grande atenção e no ensino superior foram
criados as universidades do Porto e de Lisboa. O decreto de 23 de Outubro de 1910
criou “cursos livres” onde os alunos podiam fazer um plano de estudo pessoal

797
Paulo Guinote, 2014, p. 40.
798
Paulo Guinote, 2014, p. 301.
799
A portaria de 25 de Fevereiro de 1910 estabelece várias providências contra a falta de pontualidade às
classes por parte de alguns professores dos liceus.
800
“Esta gente não tem que vestir nem que calçar, nem uma sopa para dar aos filhos, e por isso os manda
com os gados dos lavradores ou os utiliza nos serviços domésticos.” in Maria Filomena Mónica, 1977, p
323.
801
Foi o caso de Aquilino Ribeiro que atacou os republicanos por acreditarem que isso estava na base do
progresso, achando “um absurdo criar escolas” in Maria Filomena Mónica, 1977, p 323.
802
Emílio Costa defendia que a causa do analfabetismo era a pobreza e não o contrário in Maria Filomena
Mónica, 1977, p 323.
803
Maria Cândida Proença, A Educação In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira
Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 179.
804
O ensino técnico não era só para formar especialistas eram também uma forma de diferenciar os
alunos. Marcello Caetano em 1928 era contra a escola única e o próprio Ministro da Instrução Pública,
Eusébio Tamagnini, cargo que exerceu entre 23 de Outubro de 1934 e 18 de Janeiro de 1936, conotado
com o Integralismo Lusitano e outros ideais de extrema direita, citava estudos estrangeiros pseudo
científicos que combatiam a escola igualitária “provando” que 8% dos alunos eram ineducáveis, 15%
estúpidos, 60% médios, 15% superiores e 2% seriam notáveis in Maria Filomena Mónica, 1977, p 338.

167
escolhendo as disciplinas do curso. Regina Quintanilha aproveitou este regime e foi a
primeira mulher licenciada em Direito805, curso que fez em três anos, alem de varias
disciplinas na Faculdade de Letras, no entanto o n.º 2 do art.º 1354º do Código Civil de
1867, proibia às mulheres exercer a advocacia mas o mundo e o país estavam em
mudança e as mulheres iam conquistando novas profissões e a situação foi alterada pelo
Supremo Tribunal de Justiça em 1913, tornando-se assim a primeira advogada806 em
Portugal.807/808 Mas foi necessário esperar por 1977 ano em que surgiu uma juíza809 em
Portugal, Ruth Garcez.

A portaria de 5 de Abril de1910810 é um interessante modelo com alguns laivos de


modernidade do modo do que deveria ser a escola, o ensino e o professor para cativar
não só o aluno como o envolver a própria comunidade para que ela se sentisse atraída
para a importância da instrução.

805
O decreto n.º 4:676 de 11 de Julho de 1918 refere no art. 1.º que às formadas em Direito é permitido
serem advogadas, ajudantes de notário conservadoras e no art. 2.º, ajudantes de postos de repartições de
registo civil, podendo desempenhar cargos de oficiais do registo civil provisórios, podendo as mulheres
servir de testemunhas nos atos de estado civil, notariais quando exerçam profissões liberais ou a dos art.
1.º e 2.º.
806
As mulheres formadas em Direito podiam ser advogadas mas não procuradoras em juízo excepto em
causa própria, dos seus ascendentes, descendentes ou marido no caso destes se acharem impedidos. Dias
Ferreira justificava esta proibição porque o mandato judicial envolvia os mais altos segredos e os mais
caros interesses das partes e a legislação considerou que isto não estava de acordo com o temperamento e
decoro das mulheres a guardar segredos de certos factos. As mulheres casadas mesmo para serem
associadas das corporações encarregues do culto necessitavam de autorização por escrito dos maridos in
Código Civil Português anotado, 2ª ed., tomo 3.º, p. 25.
807
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 78, 80.
808
Em França as mulheres podiam ter a licenciatura em Direito mas só em 1900 conseguiram o direito a
ser advogadas.
809
Não se é igual aos homens a copiar o que eles fazem de mal apesar de este ser um erro comummente
repetido.
810
Determina que nas classificações dos professores de instrução primaria sejam observados várias
instruções porque se verificava que os alunos eram obrigados a exercícios de leitura, escrita e calculo
muitos fastidiosos, cansativos onde se perdia muito tempo e pouco proveito porque eram puramente
mecânicos e pior “só conseguem cansa-lo, causar-lhe tédio e afasta-lo da aula […] não se desenvolve nem
estimula as aptidões naturais da criança […] a missão da escola consiste em desenvolver, fecundar,
valorizar as existentes […] o professor mais deve queixar-se de si, da sua inabilidade, do que da
indolência, da indiferença, da indisciplina e da pouca ou nenhuma atenção dos alunos.” Havia assim que
verificar a aptidão pedagógica do professor, competência intelectual, se ministra um ensino útil e atraente,
adapta o ensino à idade do aluno, cria afetos, interesses, respeito, desperta atenção do aluno, etc. A juntar
à pedagogia havia o zelo e a assiduidade. Quanto à disciplina na escola era afirmado: “se conhece logo ali
se entra”. Depois seguia-se a descrição dos métodos para averiguar da eficácia de todos estes items
essenciais para a formação do carácter.
Ainda era referido neste diploma a necessidade da higiene, arejamento, vigiar a conservação do material
escolar, mobiliário, edifício em geral e era pedido que não deveria ser menosprezada da atenção do
inspetor, a higiene dos alunos, sejam os dentes, cabelo e unhas, mesmo pobres a higiene não era causa.
A escola não progride sem a cooperação da família e do seu comportamento dentro e fora da sala de aula,
se o professor não consegue interessar os pais e as famílias pelo ensino, fazer propaganda e fazer
interessar as crianças pela instituição fica muito distante do cumprimento da sua função social.

168
Na reforma do ensino de 1911811, existiu uma preocupação de criar escolas para
preparar os professores do ensino secundário e melhorar a formação dos professores
primários mas não houve uma reforma de fundo no ensino que vinha da monarquia812
pelo menos até 1918813 e com o decreto de 1912 fica determinado que os professores
primários oficiais que exerçam outras funções incompatíveis com os serviços escolares
sejam mandados optar por uma. Em 1917 os professores eram obrigados a reger até
catorze horas de serviço semanal pelo art. 1.º da lei de 1 de Agosto. E os encargos
obrigatórios da instrução primária traziam confusões, faltavam pagamentos que se
empurrava de umas instituições para outra e por isso o decreto n.º 1:637 de 20 de
Agosto de 1915, explicita o que está referido no art. 112.º da lei n.º 88 de 7 de Agosto
de 1913 onde se esclarece que ficam a cargo dos municípios que exclusivamente os
subsidiavam das suas receitas gerais e em caso algum podem ser provenientes do
imposto especial municipal para a instrução primária.
Muito importante foi o decreto n.º 70 de 12 de Agosto de 1913 que cria e regula a
constituição e funcionamento das escolas móveis exclusivamente para adultos com o
“ensino de leitura, escrita, contas, rudimentares de geografia, história pátria e educação”
e também “explicar a Constituição da República Portuguesa” (art. 1.º) e durariam em
regra 10 meses em forma de palestras. Perante a falta de professores e para fazer ao
aumento de alunos a 25 de Outubro do mesmo ano outro decreto determina que possam
ser nomeados professores de escolas moveis os estudantes dos diferentes
estabelecimentos de ensino do Estado. Os resultados são positivos e vão ser criados
vários cursos noturnos móveis em vários locais do país pelo decreto n.º 1:258 de 6 de
Janeiro de 1915 para fazer face ao aumento do número de alunos e também para
incentivar a instrução.
Faltavam meios de leitura numa época em que os meios eram escassos e por isso
pelo decreto n.º 1:924 de 30 de Setembro de 1915 aprova o regulamento das bibliotecas

811
O decreto de 29 de Março de 1911 cria o ensino infantil e primário que tinha três graus (elementar,
complementar e superior) (art. 4.º), desenvolve e explicita qual o objecto do ensino e como este deve ser
na realidade e quais as disciplinas, principalmente pratico, utilitário e quanto possível intuitivo (art. 12.º).
O ensino infantil, complementar e superior são facultativos e gratuitos (art. 38.º). O ensino particular
também não é esquecido.
812
A organização escolar organizada por Jaime Moniz feita em 1894-1895 em 1901 foram proposta novas
disciplinas no curso Superior de Letras (art.º 6.º paragrafo 2.º do decreto de 24 de dezembro de 1901).
813
Maria Cândida Proença, A Educação In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira
Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 184.

169
móveis que eram considerados um meio eficaz de promover a instrução, empréstimo
domiciliar gratuito.

As mulheres e o ensino
O ensino é como seria de esperar para a época, muito sexista e tendo em conta o
aumento da população feminina nos liceus, o decreto n.º 1:055 de 17 de Novembro de
1914, institui junto dos liceus do Porto e de Coimbra uma secção feminina (nas três
primeiras classes) para serem ministrados “conhecimentos que no futuro as habilitem ao
perfeito desempenho dos seus deveres domésticos, enquanto se não estabelecerem
escolas especiais para esse fim”.
Adelaide Cabete, médica, em 1912 começou a trabalhar como professora no
Instituto Feminino de Educação e Trabalho de Odivelas. Até 1929 lecionou Higiene e
Puericultura, cujos pais, chocados alertaram o diretor da Escola que aquela disciplina
podia despertar nos alunos o desejo de ser mães, o preconceito era muito mas a luta
contra o elevado número da mortalidade infantil não travou Adelaide Cabete. Ainda em
1929, já reformada e em Angola, não deixou de lutar pela criação de maternidades e
postos de saúde814 e foi a primeira mulher815 a votar na África Portuguesa, para a
aprovação da Constituição em 1933, um ato de legitimação do Estado Novo.
Carolina Beatriz Ângelo, ou D.ª Carolina como era tratada, apesar de ser médica
nunca foi tratada por Dr.ª como os seus colegas.816 Em 1913 a Lei eleitoral para que
evitar que as mulheres votassem, tal como aconteceu com Carolina, ficou explicito que
o eleitor era do sexo masculino, o pensamento era o de que as mulheres eram frágeis e
dóceis facilmente influências pelos padres e o seu lugar era em casa.
Infelizmente algumas mulheres ilustres817 ainda não tinham evoluído818 e Maria
Amália Vaz de Carvalho apesar de defender a escolaridade da mulher achava “… tão

814
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 111.
815
Só a 10 de Junho de 1995, Adelaide Cabete, a título póstumo recebeu a Medalha e Colar de Grande
Oficial da Ordem da Liberdade.
816
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 134.
817
Virgínia de Castro e Almeida, aristocrata, tradutora e pioneira no cinema e na literatura infantil em
Portugal foi um exemplo do obscurantismo e acreditava que “…sabendo ler e escrever, nascem-lhes
ambições; querem ir para as cidades ser […] senhores […] Aprenderem a ler! Que lêem? [...] livros maus;
folhetos de propaganda subversão […] Que vantagens foram buscar à escola? Nenhumas […] A parte
mais linda, mais forte, e mais saudável da alma portuguesa reside nesses 75 por cento de analfabetos.” in
Maria Filomena Mónica, 1977, p 327.
818
Uma das razoes deste atraso estava na doutrina cristã que defendia “casadas, estai sujeitas aos vossos
maridos, como convém ao senhor” (18). “Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais, porque isto é

170
absurda e tão grotesca a mulher deputada como acharia a mulher soldado ou a
sacerdote”.819 Portanto não eram só os homens a considerar que o lugar da mulher era o
recato da casa sendo imprópria a politica para a sua condição. No entanto existia
homens como Magalhães Lima, António José de Almeida820 ou Bernardino Machado821
que não só defenderam o voto feminino como defenderam a escolaridade feminina822 “é
necessário lutar sobretudo pela educação, especialmente da mulher, em cuja
sensibilidade tão facilmente se enreda a superstição” e dizia que devia existir “liberdade
para a mulher de acesso a todos os graus académicos”.823

Maria Veleda, professora, anticlerical824, defendia que “a escola livre seria a


minha escola ideal; escola sem compêndios, sem imposições, sem a tal absurda mania
de contrariar a natureza, preparando em vez de homens altivos, independentes e
sinceros, um rebanho de carneiros de Panurgio, timoratos e rotineiro”.825
Em 1911 surge uma cisão entre Maria Veleda e Ana Castro Osório, sobre a
questão da tolerância religiosa que dá origem à criação do Grupo das Treze por Maria
Veleda, com o objetivo de combater as superstições.826 No entanto em 1925
encontramos Maria Veleda e Maria O’Neill empenhadas no movimento espírita

agradável ao Senhor” (20). “Servos, obedecei, em todas as coisas, aos vossos senhores temporais […]
com sinceridade de coração, temendo a Deus.” (22) Epístolas de S. Paulo, Apóstolo, aos Colonenses III,
18-22.
819
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 143.
820
Depois não lhe perdoaram não ter autorizado o voto de Carolina B. Ângelo e das mulheres em geral
quando foi ministro mas na verdade poucos eram os países nem a França tinha ainda dado esse direito.
821
Bernardino Machado foi um homem de fortes convicções e na “Questão Académica” de 1907, o
governo encerra a universidade, mais de 100 estudantes perdem a matrícula. Bernardino Machado demite-
se da sua cátedra, não podia pactuar com abusos ditatoriais.
822
Uma das mais notáveis defensoras da emancipação da mulher foi Beatriz Pinheiro, junto com o marido
(Carlos Lemos) fundou a revista Ave Azul e nela defendeu: “É preciso, pois, fornecer à mulher os meios
de se educar, para ela, por sua vez, poder exercer dignamente o seu mais nobre mister, a sua primeira e
mais elevada função social, - a educação dos seus filhos. “ E acrescentava “…e só assim pela educação da
mulher, se irá forçosamente operando a transformação, para melhor, das sociedades futuras, o radioso
advento portanto da fraternidade e da solidariedade entre os homens...” in Beatriz Pinheiro, 1900, p. 8.
823
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 48, 76.
824
Foi líder e fundadora de associações espíritas
825
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 147.
826
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 149. Em 1911 Maria Veleda que era anticlerical e que lutava contra todas as
superstições, vai ajudar a criar em 1916 uma associação cujo nome será mais tarde “Centro Espiritualista
Luz e Amor” e nos anos 20 vai estar ligada à fundação da Federação Espírita Portuguesa, organiza o I
Congresso Espírita Português tem um lugar de destaque neste movimento (juntamente com outras figuras
femininas como por exemplo Maria O’Neill) e esta foi uma forma de ser vítima de chacota nos jornais,
numa altura em que já está desiludida e desligada da política.

171
português quer seja na organização do I Congresso, quer na criação da Federação ou
fundando revistas827 deste tipo.
Na revista Almanaque das Senhoras, escrevia-se em 1915, sobre as mulheres
emancipadas na Finlândia: “As mulheres politicas […] abandonam o seu lar, os filhos
quando os têm, e as suas obrigações naturais. Desconhecem os seus deveres e só
pensam nos seus direitos. A sua principal característica é que nunca se mostram
contentes senão discutindo em público […] é desprovida de graça e de virtudes
domésticas, e aborrecida pela sua conversa e pelas suas preocupações”.828
A mulher existia para ser admirada pela elegância, pela beleza, pelo trato, dotes
físicos e não pela instrução ou conhecimentos mas era este como dizia Beatriz Pinheiro
o seu melhor dote que se pode deixar a uma filha, a sua emancipação para que no futuro
não fiquem sozinhas na vida e dependentes do infortúnio.829 830

De 1903 a 1914 houve um aumento de 25% de matrículas nas universidades831


mas o aumento é insignificante já que passou de 2000 para pouco mais de 2700.
Bernardino Machado lutou contra o atraso cultural que a universidade representava; não
podia ser um quartel amuralhado, “o despotismo no ensino determinava
necessariamente o despotismo no governo. É pela sujeição da inteligência a regras e
praticas arcaicas, obscurantistas, que a personalidade humana, abatida, se submete ao
mando dos senhores”.832

Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento económico era o alto nível de


analfabetismo que rondava 75% que nas zonas rurais atingia quase aos 100%, poucos

827
A Asa, O Futuro, A Vanguarda Espírita.
828
Maria Alice Samarra, Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros,
Lisboa, 2007, p. 179.
829
Beatriz Pinheiro, 1899, p. 506.
830
Por muito que custe foi Salazar a dar o voto às mulheres sob condições mais restritas que aos homens e
até deu lugar de deputadas na assembleia nacional a três mulheres (Domitila de Carvalho, Maria Cândida
Parreira e Maria Baptista Guardiola). Também Primo de Riviera concedeu cargos de responsabilidade a
mulheres nos municípios, foram muito poucas mas foi uma maneira de demonstrar uma forma de
valorizar a mulher na ditadura espanhola.
831
Boletim da Previdência Social, Republica Portuguesa, Ministério do Trabalho e Previdência Social,
Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1916-1917, p. 13.
832
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 60.

172
sabiam ler e escrever. Só nos grandes centros populacionais existiam escolas industriais
e mesmo estas tinham poucos alunos face ao número de operários.833

O operário não entendia a vantagem da escola, era necessário esclarecer, afasta-lo


da taberna. Mesmo muitos dos que se inscreviam acabavam por desistir. É o caso dos
trabalhadores de algumas fabricas que nas aulas de alfabetização eram poucas as
classificações negativas mas se juntarmos as desistências os valores das reprovações
ultrapassam os 50%834/835.

Os menores eram criados de limpeza, faziam recados, os mestres, contra-mestres e


oficiais “sabem passar descomposturas por serviços mal feitos, mas ensinar bem são
poucos. Ao aprendiz pouco e mal se ensina, ele nada pode fazer bem, porque para este
fim o não educam”836. “Conservar o povo ignorante para o manter numa escravidão,
numa obediência servil, foi medida de outras eras; mas bem reconhecida pelo fogo das
revoluções por ela ateado…”837.

Era notório o afastamento entre o ensino e a vida prática, Bernardino Machado


afirmava que “é necessário unir a escola com o trabalho e a vida. Senão ela só servirá
para formar incapazes e egoístas”, o ensino não devia servir doutores ignorantes mas
“fazer o operário e ao mesmo tempo fazer o homem e o cidadão”.838

O ensino era ideológico e assim continuou no Estado Novo, Salazar chamou a


“oficina das almas”, os filhos dos burgueses seriam burgueses e do camponês
permanecia numa imutabilidade.

O Salazarismo criou mais escolas primárias desde as aldeias mais remotas do


norte às ilhas do Algarve, ainda hoje figuram nas paredes abandonadas lápides
comemorativas onde figura o nome dos governantes da época mas a República investiu

833
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 241.
834
Existiam até alunos com boa classificação que desistiam, em geral deve-se à dificuldade de transportes
para voltar a casa, impedimento por parte do patronato, necessidade de fazer horas extras, ameaças de
despedimento, ambientte pouco favorável, etc.
835
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 249.
836
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 243.
837
Boletim do Trabalho Industrial, Republica Portuguesa, Ministério das Obras Publicas Comércio e
Industria, n.º 2, Imprensa Nacional, Lisboa, 1906, p 245.
838
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 70.

173
na formação e dignificação do professor dando-lhe o prestígio que não tinham e
aumentaram em número. A escola que tinha sido alargada de 3 para 4 anos, o
desenvolvimento das escolas móveis que já vinham da monarquia para chegarem ao
mundo rural quando chega a revolução de 1926 a escolaridade passa novamente para 3
anos e acabam as escolas móveis com a desculpa da s dificuldades financeiras.

Muitas leis eram más e Bernardino Machado afirma que “quando uma lei é má,
em regra não se substitui logo por outra, não são só os parlamentares que a revogam,
são quase sempre os costumes que antecipadamente a vão dissolvendo […] a pouco e
pouco, pelo seu antagonismo com o espírito público, com a razão, não há já autoridade
para aplicar sem violência, até sem ridículo”.839

24 - O operariado a Igreja e o socialismo. Como se refletem na legislação laboral


A 14 de Outubro de 1910 Afonso Costa afirma: “o cidadão tem o direito a ser
respeitado no exercício de qualquer culto religioso”840 mas no dia 8 o decreto com força
de lei manda que continuem em vigor as leis de 3 de Setembro de 1759 na qual os
jesuítas foram havidos por desnaturalizados e proscritos e se mandou que fossem
expulsos de todo o país e seus domínios “para nele mais não poderem entrar”841 (art.
1.º). Continuava também a vigorar a lei de 28 de Agosto de 1767 que ampliou a anterior
(art. 2.º) e continuava também a vigorar o decreto de 28 de maio de 1834 que extinguiu
“os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer casas de religiosos de todas as
ordens regulares, fosse qual fosse a sua denominação instituto ou regra” (art. 3.º). Este
parece ter sido o grande erro, já que a população era contra os jesuítas mas pouco
tinham contra os padres principalmente nas zonas rurais com quem tinham estreita
ligação. Mas não existiu grande oposição pela expulsão de “todos os membros da
chamada Companhia de Jesus” mesmo que fossem naturalizados ou estrangeiros. O
importante era mostrar que o espírito do novo regime842 era contrário ao decreto de 18

839
António Ramos de Almeida, O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto,
1974, p. 84.
840
António Maria Silva, 1979, p. 29.
841
A aplicação das teorias Lombrosianas aos jesuítas era uma forma de os humilhar, já que eram teorias
que procuravam através da análise antropológica, dados físicos e fisiológicos que descobrissem
características delinquentes na sua relação com o ambiente, a sua perigosidade e as tendências criminosas.
O mesmo se fez com os anarquistas.
842
Um novo regime que abre “guerra” até contra os mais elevados membros da Igreja que lhes faziam a
oposição é o caso da portaria de 21 de Outubro de 1911 que suspende o Bispo de Beja de todas as
temporalidades até nova resolução do Estado porque o referido Bispo não pediu autorização para sair da

174
de Abril de 1901 que autorizou a constituição de congregações religiosas que se
dedicavam à instrução ou beneficência, propaganda da fé e civilização no ultramar
(art.4.º). Já antes da republica existia bispos censurados843 e os crimes contra a religião
tinham sido alterados e retirando poder às decisões da Igreja844.

A ideia do trabalho como pena e sacrifício está na Bíblia: “Pois que tu deste
ouvidos à voz de tua mulher, e comeste do fruto da árvore, de que eu te tinha ordenado
que não comesses, a terra será maldita por causa da tua obra, tu tirarás dela o teu sus-
tento à força de trabalho. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu terás por sustento as
ervas da terra. Tu comerás o teu pão no suor do teu rosto, até que te tornes na terra de
que foste formado.” (Génesis, 3-17, 18, 19). Por isso Leão XIII clamava à resignação
porque o mesmo acontecia com as calamidades que “não terão trégua nem fim neste
mundo, porque os funesto frutos do pecado são amargos, ásperos, acerbos, e
acompanham necessariamente o homem até ao seu último suspiro” … “a dor e o
sofrimento são apanágio da humanidade “845 por isso acrescentava que “quando se
promete a um pobre uma vida isenta de sofrimentos e de penas, toda passada em
descanso e em gozos perpétuos, esses enganam certamente o povo e armam-lhe
emboscadas em que se ocultam no futuro mais terríveis calamidade que as do
presente”846.

sua diocese, faltando assim ao dever de residência. Ora, se os bispos eram agora funcionários públicos e
era este Estado civil que “subsidiava os bispos, lhes pagava o dote ou ordenado” e como tal devem estar
sujeitos ao princípio geral de direito como todos os funcionários e devia ter solicitado a licença para se ter
ausentado. Manda por isso a Governo Provisório pelo Ministro da Justiça suspender o bispo de Beja (D.
Sebastião de Leite de Vasconcelos) de todas as temporalidades.
843
A portaria de 9 de Julho de 1910 censura o procedimento do Arcebispo de Braga na questão
concernente à supressão da revista A Voz de Santo António. Chegaram à Santa Sé graves queixas de
católicos portugueses contra as doutrinas sustentadas na dita revista onde se tinha confirmado que
estavam em oposição com a dita revista e que a sentença tinha sido aceite e a publicação tinha sido
imediatamente suspensa.
844
Portaria de 31 de Agosto de 1910 sobre os crimes contra a religião declara sem efeito a portaria de 21
de março de 1853 que tornava dependente de resolução do juízo eclesiástico em determinado crimes a
ação penal do foro secular como as injurias aos seus dogmas, abusos de função religiosas cometidas pelos
seus ministros onde o poder civil ficava em manifesta situação de inferioridade e é função do Estado zelar
pelos seus direitos e interesses para manter a supremacia social deixando a Igreja inteiramente livre na
ação religiosa de acordo com as leis do país.
845
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 241.
846
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 243.

175
No fundo parece que não percebia que a doença não era incurável, podia e devia
ser tratada, a hipocrisia fazia de tudo uma problemática transformava um povo guerreiro
em acomodados.
Para Leão XIII era um erro o patrão e o operário serem inimigos, deveriam por
isso adaptar-se “maravilhosamente uns aos outros” como os órgãos do corpo humano,
“as duas classes são destinadas pela natureza a unir-se harmoniosamente e a conservar-
se mutuamente num perfeito equilíbrio”.847 Assim o operário “não deve lesar o seu
patrão, nem nos seus bens nem na sua pessoa; mesmo as suas revindicações devem ser
isentos de violências e nunca revestida forma de sedições os homens perversos que em
discursos artificiosos, lhe superem esperanças exageradas e lhe fazem grandes
promessas, que só conduzem a estéreis desgostos e à ruína das fortunas” e acrescentava,
“é ainda proibido aos patrões impor aos seus subordinados um trabalho superior às suas
forças ou em desarmonia com a sua idade e sexo”.”848 Mas, entre os principais deveres
do patrão, deve colocar-se em primeiro lugar o de dar a cada um o salário
conveniente”.849 E “devem tremer perante as ameaças extraordinárias que Jesus Cristo
profere contra os ricos; que enfim virá um dia em que deverão prestar a Deus, seu juiz,
contas muito rigorosas do uso que tiveram feito da sua fortuna”.850
Desviar-se do fim para que a sociedade foi fundada “é caminhar para a morte;
voltar a ele é recuperar a vida”.851 Este era o pensamento geral do mundo católico
Jerónimo Pimentel dizia: “O povo iludido por falsas doutrinas, esquecendo-se de que a
dor e o sofrimento são apanágio da humanidade, deixa-se ir atrás da sua ilusão,
aspirando ao gozo, que lhes foge, das venturas prometidas.852

847
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 243.
848
A palavra patronus de onde deriva pai e onde o patrão tem o dever de proteger a mulher e neste
sentido romano de família alargada aos escravos também tinha o dever de proteger os seus trabalhadores
e o operário tinha a obrigação de obedecer de boa vontade a alguém que não era igual a si mas que pela
posição social concretizava o princípio da autoridade.
849
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 245.
850
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005. P. 249.
851
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 257.
852
Jeronymo Pimentel, 1896, p. 28.

176
A ideia da caridade é abusada853 “…há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus,
que por todas as formas nos persuade que façamos habitualmente esmolas” e cita os
Atos dos Apóstolos, 20:35 “É mais feliz aquele que dá, diz Ele, do que aquele que
recebe”.854
Em relação aos mais pobres a Igreja detinha instituições que aliviavam a miséria e
mesmo a custo os opositores reconheciam o importante papel da Igreja.
O Papa reconhecia que era no trabalho e nos campos, nas oficinas é dela que
procede a riqueza das nações.855
“Ora, importa à salvação pública e particular que a ordem e a paz reinem em toda
a parte, que toda a economia da vida doméstica seja regulada segundo os mandamentos
de Deus e os princípios da lei natural, assim justifica Leão XIII “que os operários
abandonando o trabalho ou suspendendo-o pelas greves que ameacem a tranquilidade
publica…”.856 Ou seja, tudo se deve coordenar par a “salvação”, sofrer na terra, paraíso
no céu, resignação e obediência.
“Comerás o teu pão com o suor do teu rosto…” (Génesis 3:18) por isso, é uma
forma de justificar que o trabalho tem uma natureza “pessoal” porque é inerente à
pessoa humana e “necessário” porque é essencial à sua sobrevivência.
“Estimula-se a industriosa atividade do povo pela perspetiva de uma participação
da propriedade do solo, e ver-se-á arrasar pouco e pouco o abismo que separa a
opulência da miséria e operar-se a aproximação das duas classes […] que a propriedade
particular não seja aniquilada por um excesso de encargos e impostos.857
Defende a utilidade das sociedades de socorros mútuos “melhor estarem dois
juntos do que um só […] se um cair o outro susterá858/859.

853
Principalmente quando ela é publica já que é feita à custa do contribuinte o que significa um sacrifício
pago pelo povo, alimenta a ociosidade o que representa uma inversão económica in José Leal, Lisboa,
1867, p 13.
854
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 251.
855
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 267-269.
856
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 271.
857
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 285.
858
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 389.

177
Muitas associações eram governadas por “chefes ocultos”, hostis à Igreja e à
“segurança das nações”.860
“O objectivo principal, que é o aperfeiçoamento moral e religioso…”. Leve-se o
operário ao culto de Deus, excite-se nele o espírito de piedade, façam-no sobretudo fiel
à observe dos domingos e dias festivos” […] deve-se determinar o “grau de indigência”
e assim conceder “a medida de socorro”.861

Para Afonso Costa o remédio da Igreja só trazia prejuízos e referia a alta taxa de
suicídios que vinham aumentando de 1891 a 1893.862 Citava B. Malon “a fábrica
moderna tornou-se uma casa de terror. Trabalho intensificado, brutalidade e insolência
dos chefes, depois de uma serie de vexações – proibição de falar, de cantar, obrigação
de chegar ao minuto preciso, dias desiguais atingindo algumas vezes dezoito horas de
trabalho, multas arbitrarias, ruinosas, […] se não estás contente, parte, outros esperam à
porta”.863 Hoje não é uma casa de terror mas o mais baixo nível de participação dos
trabalhadores na empresa de entre os países da União Europeia é português.864

Os bispos concederam a Pio IX865, em Julho de 1870 a declaração de


infalibilidade, mesmo com protestos ficou infalível, o Syllabus foi apenas mais uma
machadada severa, Leão XIII não seguiu este caminho. Apoiar os poderosos estava a
sair caro à Igreja. Para o Papa o socialismo violava os direitos dos proprietários porque
se a propriedade é adquirida à custa das poupanças tira a possibilidade de dispor do
salário e aumentar o seu património, que é um direito natural tal como recomendam as
leis civis e as divinas. Transforma a sociedade, o Estado intromete-se na família, origina
inveja e discórdia.
859
“Porque se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não
haverá outro que o levante.” Eclesiastes 4:10
860
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 293.
861
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 301.
862
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 13.
863
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 13.
864
Monteiro Fernandes, Coimbra, 2008, p. 9.
865
Apesar da esperança que fosse um Papa mais aberto à modernidade demonstrou ser muito retrógrado e
reacionário.

178
Leão XIII defende que a propriedade individual se funda no direito natural e não
apenas no direito humano866 mas para Afonso Costa o direito de propriedade não era
nesta fase um direito absoluto ou imprescindível porque era necessário adquiri-la e
mantê-la tem restrições, depende de determinadas condições de âmbito geral e não é
inalienável porque se pode vender, dar, trocar ao contrario da liberdade que mesmo
privado dela não se deixa de ser livre porque ela na sua essência pertence ao individuo.
Ela não está nas mãos de quem trabalha e foi quantas vezes adquirida por meios
violentos como a pilhagem e o assassinato, não é a recompensa do trabalho mas da
acumulação867 e acrescenta “é forçoso acabar com este regime e estabelecer outro em
que haja, não o antigo comunismo sonhado pelos antigos socialistas, mas uma fórmula
mais cientifica…”868.

O liberalismo foi fortemente condenado como pecado na encíclica Mirari Vos de


Gregório XVI (1832) e principalmente no Syllabus869 de Pio IX (1864). Os liberais não
eram propriamente contra a Igreja, ela é que ocupava e dificultava o espaço de atuação
governamental por isso como afirma Braga da Cruz, “mais do que contra o poder
económico, a revolução liberal foi feita entre nós contra o poder económico
eclesiástico…”870 até porque devido ao apoio popular no final da Republica onde os
privilégios repostos por Sidónio Pais871 não foram anulados e até parecem ter sido
alargados dando alguma estabilidade de atuação à Igreja apesar de ter sido tentada a
reaplicação da Lei de Separação de 1911 por José Domingues dos Santos.

866
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 165.
867
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 167 a 170.
868
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 171.
869
Publicado junto com a encíclica Quanta cura, de Pio IX, condenava tudo o que fosse contrário aos
ensinamentos tradicionais da Igreja, eram condenados nomeadamente a ciência, a liberdade religiosa, a
democracia, era defendido a religião católica como religião de Estado, incompatibilidade entre a fé e a
razão, subordinação do Estado à moral, condena separação da Igreja do Estado, condena também a
liberdade pensamento, imprensa, consciência, cultura moderna mas mesmo assim foram-se
desenvolvendo correntes modernas que deram origem à democracia cristã principalmente com Leão XIII.
870
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 102.
871
A 22 de Fevereiro de 1918 com o Governo de Sidónio Pais, a Lei da Separação foi revista. Deixavam
de existir as restrições até aí impostas ao culto e às agremiações da Igreja. São restabelecidas as relações
com o Vaticano e até final da Republica não vai ser revisto.

179
Nem todos os católicos eram retrógrados e reacionários872, muitos vão criar novas
organizações para contrariar o atraso do movimento católico e vão ser por isso acusados
de liberais.873 Vão ser estes grupos de católicos que promovem congressos,
conferencias, jornais e a criação de um partido católico. Mais uma vez as influências
vinham de fora, era o Vaticano que exortava os católicos a criarem associações.

Para resolver os problemas sociais o Papa propunha mais caridade, resignação,


“amor” entre patrões e trabalhadores, que todos fossem bons cristãos, não deviam fazer
greves nem lesar o patrão e principalmente uma oposição frontal ao socialismo. O
patrão não devia tratar o operário como escravo, dar um salário874 “conveniente”, o
trabalho não ser superior às suas forças, sexo ou idade. Evitar a fraude, usura,
corrupção, conservar o espírito família, de economia, indústria é a agricultura, ordem,
moral, justiça e pratica da religião, enfim resolver a questão social com ações e valores
na medida do possível ou como afirma Afonso Costa “através da religião”875.
Porquê esta maneira de pensar da Igreja e quais os motivo. A Igreja desde que se
tornou religião de Estado que se ligou aos governantes e aos poderosos, havia agora que
mudar de tática sem colocar em causa a ligação aos mais conservadores com quem
existia uma ligação económica de relevo. Era entrar num novo caminho sem quebrar
com o passado da encíclica Syllabus onde Pio IX em 1864 referia no art.º 80.º, que seria
excomungado quem concordasse com a reconciliação, “com o progresso, com o
liberalismo, e com a civilização moderna.”876
Dai a necessidade das encíclicas de Leão XIII sobre a condição dos operários a 15
de Março de 1891 e a 16 de Fevereiro de 1892 sobre as formas de governo, era uma
forma de combater o avanço socialista apesar de existirem cartas pastorais anteriores em

872
Augusto Lisbôa dizia algo tão retrógrado como : “o liberalismo sob qualquer ponto de vista que se
considere, é tão incompatível com o catolicismo como o modernismo; por isso foi condenado
solenemente pelo Papa Pio IX” in Augusto da Piedade Lisbôa, 1915, p. 5.
873
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 105.
874
O salário não tinha que atender apenas à lei da concorrência senão o salário era de miséria, ele deve ser
justo e atender às necessidades condignas do operariado e família. A Igreja criticava o egoísmo do
patronato mas era mais severa com aqueles que tentam resolver os conflitos e as desigualdades através do
socialismo.
875
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 140.
876
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 145.

180
que se demonstrava a preocupação com a sorte dos operários, das mulheres e das
crianças sujeitas desce cedo ao trabalho pesado e excessivo na indústria.
O Papa não queria perturbar as empresas, nem a propriedade industrial, era contra
as greves mas não defendeu o número máximo de horas de trabalho, nem o salário
mínimo. Tudo estava exposto e termos tóricos, na medida do possível, cabia ao
patronato decidir o que era justo sobre o que era a necessidade do corpo e do sustento
não havia uma verdadeira conquista de direitos com estas propostas. Por toda a Europa
apareceram movimentos católicos conservadores que pouco ou nada ajudaram a este
progresso. Se combate o socialismo, logo não se pode ser socialista e católico.

Afonso Costa não era contra o direito de propriedade mas de um socialismo que
permitisse uma difusão mais proporcional da propriedade877 enquanto Leão XIII
afirmava que “os poderes públicos não podem pois legitimamente arrogar-se sobre elas
direito algum, nem atribuir-se o de as administrar; o seu oficio é antes protege-los,
respeita-los e, sendo necessário, defende-las”878.

Leão XIII quer conciliar os direitos dos operários com os dos patrões e para isso
refere as corporações de artes e ofícios, adaptadas ao presente.
A perspetiva da miséria do presente era recompensada numa outra vida em que
seria largamente recompensada, daí a necessidade para a salvação da alma. Como
afirma Afonso Costa “esta doutrina é subversiva”879, é ter uma paciência resignada,
desprezando esta vida de coisas materiais, porque a verdadeira vida é a eterna.
Era uma aplicação de teorias racistas que mais tarde vão servir de base doutrinal a
teorias fascistas e que já Afonso Costa se opunha como é o caso do decalque da
Selecção Natural de Darwin à sociedade880, a sobrevivência do mais forte justificando

877
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 171.
878
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 178.
879
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 190.
880
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 191.

181
assim as desigualdades e as injustiças sobre os mais fracos, uma forma de perpetuar a
exploração dos mais fracos e desprotegidos.
Na verdade o Evangelho prega a humildade e a paciência mas em lado nenhum
Jesus Cristo apregoou a desigualdade, sendo ele próprio um exemplo de igualdade entre
os primeiros cristãos. O próprio Leão XIII referiu que muitos patrões eram desumanos e
como tal era muito difícil a fraternidade e o amor que apregoava de bem intencionado
soava a hipocrisia.
O operário prometia não ser violento, não lesar o patrão e estes não podiam
explorar o operário como se fosse uma máquina ou um escravo, pagar o que era justo
num horário que acha-se adequado e assim em contrapartida já podia com violência
repelir as revindicações. Era uma posição conservadora, igual à do patronato. Via-se
assim do lado de quem estava. A caridade e a bondade não são apenas um sentimento
cristão, ela por si só não é suficiente, ela impõe a vergonha, o abuso e como não é
obrigatória não cobre as necessidades e é apenas temporária. A caridade não chega,
nunca chegou, é temporária, efémera.
Existiam muitas sociedades de apoio aos idosos e crianças, asilos e albergues e
nem por isso a miséria881 e a taxa de prostituição882 ou de suicídios deixava de aumentar
de modo exponencial, era a perda de dignidade da pessoa humana. Era necessário atacar
a origem do mal, alterando a organização industrial e criar uma “segurança social”883
que auxilia-se os mais necessitados como defendia Afonso Costa884.
As leis de 1891 e 1893, a criação das bolsas de trabalho, proteção aos menores e
às mulheres nas fábricas derivavam de motivos semelhantes aos que levaram Leão XIII
à Rerum Novarum eram o pronuncio de uma nova época que se estava a formar para dar
melhores condições de vida ao operariado.
O Papa ao mesmo tempo que fala da miséria e excesso de trabalho do operário,
pede que o Estado castigue os que perturbam a paz e a propriedade individual, proibir as

881
Eusébio Leão, primeiro governador civil de Lisboa queria acabar com os vadios e expulsou muitos que
vinham de fora de Lisboa mas principalmente quis terminar com o aluguer de crianças na mendicidade.
882
Viena tinha em meados do séc. XIX, 400000 habitantes e 20000 prostitutas, cerca de 25% dos
nascimentos eram ilegítimos, mil milhões de enjeitados e uma enorme taxa de infanticídio, isto tudo
enquanto uns dançavam ao som da valsa de Strauss in Oliver Thomson, Lisboa, 2010, p. 289.
883
Não parece ser ainda adequado falar de Estado Providência devido às medidas serem incipientes no
entanto já existe uma notória preocupação pela questão social que se nota a partir da I Guerra onde o
Estado se torna mais interveniente, ie, não foi uma alteração interna mas um novo rumo na política
internacional.
884
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 198.

182
greves e os protestos. Os salários eram apenas para subsistir e o horário o suficiente para
resistir. E como quem protestava era considerado socialista logo deve-se resistir contra
eles. Mas as greves eram e são uma arma importante e foi graças a elas que foram
possíveis importantes conquistas, prejudicavam os consumidores mas eram úteis para os
trabalhadores, só através da luta foram conseguidas importantes melhorias, já que elas
não eram dadas de livre vontade pelo patronato, pelo contrário tentaram sempre
contraria-las.
Para o Papa o descanso era o que bastasse para repousar da fadiga e se assim fosse
teríamos 16h de trabalho já que ao corpo chegam 8h de descanso. Se o salário fosse o
que bastasse para alimentar sobriamente a família então o resto ia para o patrão
explorador. Perguntava Afonso Costa: isto é justiça?885 O importante era respeitar os
domingos886 para a salvação da alma, ir à Igreja era mais importante que ir à escola, à
biblioteca, divertir-se, fazer desporto, etc. Eram ideias retrógradas, reacionárias,
inaceitáveis, perigosas que iam contra a evolução dos tempos do progresso e
desenvolvimento intelectual dos trabalhadores.

A Europa e a reação do operariado. Os círculos católicos


Na década de 1880 vários partidos católicos tinham atingido a maioria em vários
países da Europa. Na Bélgica ganhavam as eleições em 1870887 e é nesta década que em
Lisboa e no Porto vão surgir greves de grande envergadura. Em 1875 é fundado o
Partido Socialista e em 1876 é o Partido Republicano mas em Portugal o Partido
Católico tem uma fraca implantação e a sua principal função é a da união entre católicos
para defesa da Igreja.888 Em virtude dos congressos e palestras em 1882 é fundada a
União Católica Portuguesa, Teófilo Braga considerou uma “violação da disciplina da
Igreja”889 e apesar de terem criado vários núcleos pelo país teve pouco impacto e fracos
resultados.

885
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 204.
886
Por sinal pouco fizeram já que esta foi uma conquista operária, comum noutros países europeus.
887
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 105.
888
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 107.
889
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 108.

183
A Igreja demonstra nesta altura, talvez de modo oportunista perante o crescendo
do movimento socialista um maior interesse pelo movimento operário. Surge o Centro
Católico em 1894 com muito fraca adesão e em 1898 a criação de Círculos Operários
que com algum sucesso vão aparecendo esporadicamente por todo o país e em 1903
surge um partido conservador católico. Este é um movimento comum em quase toda a
Europa que num esforço de impedir a fuga do operariado para os movimentos
progressistas.
Estes movimentos mais sociais que políticos voltaram-se contra os anarquistas e
outros grupos revolucionários mas no fundo eram pouco autónomos já que a Igreja
dominava os seus conteúdos e ação contra os liberais e socialistas. Em Portugal foram
importantes os Círculos Operários Católicos que concorreram com os socialistas nos
principais centros industriais. A diferença era a de que estes Círculos não eram
unicamente operários, deles faziam parte patrões, padres e aristocratas que os dirigiam e
dominavam. Daí que ao invés de afluírem operários em grande numero vieram
elementos das classes medias, chegando a surgir associações de alfaiates e fabricantes
de calçado subordinados aos Círculos.890
Ao invés da luta direta, preferiam movimentações pacíficas através de petições,
conferencias e palestras, deixaram-se dominar pelo movimento nacionalista que entre
outros de cariz conservador e religioso com a revolução de 1910 desapareceram. Para
Braga da Cruz isto não se ficou unicamente a dever ao 5 de outubro porque já antes a
891
implantação era fraca mas devido à “débil ou inexistente resistência” do próprio
movimento.
Leão XIII vai ser o primeiro Papa que em 1901 vai reconhecer o movimento da
democracia cristã mas de natureza social (Graves de communi)892.
A 24 de Maio de 1911, o Papa Pio X na encíclica Jandudum in Lusitania
condenava a Lei da Separação893 e apoiava o episcopado894. O patriarca de Lisboa, D.

890
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 113.
891
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 115.
892
É uma continuação Rerum novarum com uma visão mais evoluída do ponto de vista social em
oposição ao liberalismo capitalista criando as bases políticas da democracia cristã.
893
Afirmava: “Declaramos como nulo e de nenhum valor tudo quanto esta lei ordenava contra os direitos
intangíveis da Igreja” in António Simões do Paço, Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa,
2010, p. 31.
894
Vitor Neto, A questão religiosa: Estado, Igreja e conflitualidade sócio-religiosa In Fernando Rosas;
Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 138.

184
António Mendes Belo, instigou os católicos a não participarem em associações
culturais.
O decreto da separação do Estado da Igreja de 20 de Abril de 1911 permitia entre
outras coisas que aos presbíteros, prelados e párocos podia ser ordenado o desterro dos
paços episcopais pelo Governo. Pelo art.º 99.º e 100.º era dado o direito a habitação
gratuita nos edifícios era feito mediante o direito às pensões que podia ser perdido pelo
art.º 145.º. Era o Governo que o podia fazer e não o administrador do concelho.895
Este era um regime muito anormal já que permitia uma clara ingerência do Estado
na vida da Igreja e a sua integração no entanto a Constituição no n.º 5º do art.º 3.º,
reconhecia a igualdade política e civil a todos os cultos desde que respeitassem a ordem
pública, leis, bons costumes e os principais de direito público. No regime da separação
não existia autoridade eclesiástica, a Igreja católica era vista como uma simples
agremiação particular (art.º 2.º e 175.º).
O decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910 regula a posse pelo Estado
dos bens das extintas corporações religiosas, ficavam à sua guarda e conservação, assim
como entrariam todos os bens mobiliários ou imobiliários que pelo decreto de 8 de
Outubro de 1910 foram arrolados pelas autoridades administrativas e judiciais (mesmo
aqueles que estejam ainda ocupados, sejam jesuítas ou qualquer outra congregação,
companhia, conventos, colégios, hospícios, missões, etc. (art. 1.º). Os membros das
associações religiosas autorizados a viver em Portugal “não poderão exercer o ensino ou
intervir na educação quer como professores ou empregados quer como diretores ou
administradores (art. 40.º) no entanto ficam proibidos de usarem “qualquer habito talar,
devendo ser presos pelas autoridades e podendo sê-lo por toda a pessoa do povo em
flagrante delito (art. 42.º), ficavam excluídos destas indicações os jesuítas com idade
“muito avançada ou de doença gravíssima, verificada por médicos (art. 44.º §1.º).
Não são só os bens da Igreja, também as receitas e bens da monarquia896 pelo
decreto com força de lei de 12 de dezembro de 1910 os bens da monarquia entraram

895
A expropriação dos bens da monarquia foram para o Estado e depois devolvidas para o culto pelas
associações culturais (que não funcionaram) através das irmandades cultuais (compromisso entre a lei e
as irmandades). Os padres que não aceitaram as pensões ficavam sem alojamento mas eram acolhidos por
famílias e continuaram a dar as missas em capelas privadas e era uma forma da população religiosa fugir
aos padres pensionistas (também chamados de sismáticos ou cultuais).
896
Já a 15 de Outubro de 1910 são abolidos todos os títulos nobiliárquicos distinções honorificas ou
direitos de nobreza (art. 1.º) com a excepção da ordem da Torre e Espada que será revista (art. 3.º). as
antigas ordens nobiliárquicas são extintas para todos os efeitos (art. 2.º), no entanto os títulos conferidos
ou comprados podiam continuar a ser usados mas nos atos públicos para produzir direitos ou obrigações
era necessário usar o nome civil para serem validos. Um dos últimos resquícios do sistema monárquico
era o Conselho de Estado e a Câmara dos Dignos Pares do Reino que foi abolido pelo art. 2.º) decreto de

185
para o Tesouro publico, foram palácios, quintas e vários bens e as suas receitas passam
para a posse do Estado e até os títulos de mercê não foram esquecidos e porque o
decreto com força de lei de 15 de Outubro e 2 de Dezembro de 1910 sobre títulos
nobiliárquicos897 levantaram duvidas na determinação na forma como poderiam ser
pagos as importâncias em divida dos direitos de mercê898 o decreto de 25 de Março de
1911 determina a providencia para a fiscalização na arrecadação destes direitos. Com o
decreto de 19 de Junho de 1911899 fica para sempre abolida a monarquia e banida a
dinastia de Bragança.
Com o final da I Guerra, surgem por toda a Europa novos movimentos católicos,
em Portugal é fundado o Centro Católico em 1917, surge como partido politico
propriamente dito mas que já vinha das atividades do Centro Académico da Democracia
Cristã, fundado em 1912, no qual Salazar900 vai notabilizar-se, ser dirigente e
juntamente com o futuro Cardeal Cerejeira, entre outros, vão dinamizar jornais e
federações901 defendiam a liberdade religiosa sem serem clericais mas o Papo Bento XV

17 de Outubro de 1911 sem que alguém a defende-se (foram muitos os pares forjados, o que do ponto de
vista simbólico fez com que perdessem importância) e os juramentos com carácter religioso foram
substituídos no decreto de 18 de outubro e 1911 pela fórmula: “Declaro pela minha honra que
desempenharei fielmente as funções que me são confiadas” (art. 4.º). Também para os jurados (art. 5.º) e
era dispensa qualquer declaração aos estudantes que se matriculassem no ensino (art. 7.º).
897
Sobre títulos honoríficos o decreto n.º 10:537 de 12 de Fevereiro de 1925 apesar do decreto de 15 de
Outubro de 1910 ter abolido os títulos nobiliárquicos, distinções honoríficas e direitos de nobreza,
existiam ainda algumas repartições onde se permite nos atos oficiais o uso de títulos de nobreza. Fica
decidido no art. 1.º que “em nenhum ato, contrato ou documento, que haja de produzir direitos ou
obrigações […] em que surja referência honorífica ou nobiliárquica […] poderá intervir ou dar ulterior
despacho qualquer magistrado, notário ou ato oficial publico…”.
Em Inglaterra ainda hoje existem títulos apenas para uma vida (como aconteceu com Margaret Thatcher
com o titulo de Baronesa) em Portugal ficam para descendentes, muitos comprados, cedidos a troca de
avultadas somas de dinheiro e benesses ad aeternum. “Foge cão que te fazem barão. Para onde se me
fazem visconde?” alguns foram o reconhecimento de relevantes serviços prestados à Nação com
importantes tradições de família e feitos militares. No 5 de Outubro a Republica não reconhece títulos, diz
que os tem por abolidos mas na sua essência o art. 4.º reconhece a quem tem títulos que os pode continuar
a usar de acordo com o uso do costume. Em razão, é um uso por razões históricas, ainda hoje e desde o
Estado Novo ser concorde com a proteção dos títulos.
898
Estes valores pagos pelo cargo ou título honorífico que costumava ser pago de uma só para quem
podia mas não foram raros os casos em que nem a prestações o puderam fazer e tiveram de apear as
respetivas armas por não poderem pagar. Eram por isso valores de alguma importância para não serem
desprezados e alguns só foram pagos durante o Estado Novo in http://geneall.net/pt/forum/19712/direitos-
de-merce-dos-titulos-e-outras-merces/
899
É também estabelecida a forma de governo como Republicana Democrática e é estabelecida as cores e
desenhos da bandeira nacional e as funções do poder Executivo e ao Governo Provisório da Republica.
900
Salazar vai ser eleito deputado durante alguns meses em 1921 pelo círculo de Guimarães com o apoio
católico e monárquico, vai mesmo ser acusado de “adesivo” pelos monárquicos mais conservadores.
901
É o caso do jornal O Imparcial e da Federação das Juventudes Católicas.

186
pede aos católicos portugueses, complacência e colaboração com as autoridades
governamentais.902

Misericórdias e confrarias
Só eram reconhecidas como corporações cultuais as associações de assistência e
beneficência que se dedicavam ao culto na paróquia. Era o caso das misericórdias que
tinham a seu cargo os hospitais, hospícios, albergarias, asilos, creches, confrarias ou
irmandades. Existiam corporações ou associações que tratavam do culto religioso e
podiam dar assistência e beneficência. As confrarias embora tivessem actos de culto
religioso não eram corporações ou associações cultuais.
O n.º 16.º do art.º 2.º da lei de 21 de jullho de 1855 os ministros de qualquer culto
religioso de ordens sacras não tinham de ser jurados em tribunal mas perderam essa
isenção com o decreto da “Separação”, a religião católica, apostólica e romana deixou
de ser a religião do Estado pelo n.º 5.º art.º 3.º da Constituição, igualdade politica e civil
a todos os cultos, deixando de ser serviços públicos.
A extinção das instituições de beneficência e piedade não estava dependente do
Governo, podendo ser feita pelos governos civis, podendo os seus bens entregues aos
estabelecimentos de beneficência locais. Estavam sob a tutela e inspeção do governador
civil pelo art.º 253 do código administrativo de 1910, ou seja, as irmandades e
confrarias estavam sujeitas à tutela administrativa.903/904/905 Mesmo os párocos não
estavam isentos do imposto municipal (art.º 107.º e 108.º do Código Administrativo).

902
Manuel Braga da Cruz, Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores,
Lisboa, 2013, p. 200.
903
Convêm aqui esclarecer que a lei da separação nos seus arts.º 39.º e 169.º mandou declarar extintas as
corporações de piedade que não tivessem os seus estatutos em harmonia com os seus preceitos e mandou
incorporar os seus bens na fazenda nacional, excepto os valores destinados ao exercício do culto que
seriam entregues à junta da paróquia. Passado pouco tempo o decreto de 25 de Maio de 1911, no seu art.º
38.º determinou que as verbas deviam pertencer às despesas da assistência pública assim como os bens e
rendimentos das que forem extintas, ou seja, com este decreto os bens das confrarias extintas passam
sempre para as comissões distritais de assistência e não para a fazenda nacional. Assim os bens das
confrarias extintas não se enquadravam com a lei da separação do Estado pertenciam às comissões
distritais de assistência. As irmandades e confrarias legalmente constituídas, são pessoas morais com
individualidade jurídica e como tal podiam adquirir bens patrimoniais. O decreto vai autorizar estas
instituições de beneficência a alterar os seus estatutos.
904
São por exemplo portarias como a de 30 de Abril de 1912 que autorizam algumas confrarias para
pagar despesas para reformar os seus estatutos.
905
Mesmo os párocos não estavam isentos do imposto municipal (art.º 107.º e 108.º do Código
Administrativo).
A revelação de segredos confiados em confissão pelos párocos faziam incorrer no crime do §1.º do art.º
290.º do Código Penal.

187
A revelação de segredos confiados em confissão pelos párocos faziam incorrer no
crime do §1.º do art.º 290.º do Código Penal.
Foi destituído das suas funções de bispo e governador da diocese do Porto e
administrador dos bens da sua mitra, pelo decreto de 8 de Março de 1911, D. António
José de Sousa Barroso que não poderia voltar a qualquer ponto do território da mesma
diocese sem que intervenha na deliberação do Governo da Republica. Este gosto de
perseguição aos padres não era correspondido pela população que apenas não nutria
simpatia pelos jesuítas e esta situação vai-se prolongar no tempo, até uma simples visita
pascal tinha de ser pedida licença à autoridade administrativa, situação que só termina
com o decreto de 22 de fevereiro de 1918.

Com a encíclica Rerum Novarum (15 de Maio 1891) fica demonstrado que a
Igreja não queria ficar alheia ao movimento operário e vai chamar a si um modo mais
coerente de resolver os problemas pelo menos naquele que se referem à moral, já que
em termos técnicos, como referia Pio XI mais tarde a 15 de Maio de 1931 na carta
encíclica Quadragesimo Anno906 faltava-lhes a competência907.

Sindicalismo e ação católica


Leão XIII apoiava a existência de sindicatos mas sem a intervenção de socialistas.
Defende um dos problemas da laicização da sociedade era a falta de valores morais e
éticos, a concentração da riqueza nas mãos de poucos que dela faziam mau uso. Refere
que para se atingir uma maior justiça social deve existir uma melhor distribuição da
riqueza e para isso defendeu que o Estado devia intervir na economia não esquecendo a
caridade aos mais pobres. É um documento importante porque com ele foi dado inicio à
sistematização do pensamento social católico, passado a ser um fundamento da Doutrina
Social da Igreja até hoje.
A Rerum Novarum contribuiu assim para a criação de vários movimentos
católicos, padres e bispos que tiveram um importante papel de mediação entre os
trabalhadores e o patronato. Para Leão XIII a questão não passava pelo socialismo nem
pelo liberalismo mas pelos próprios intervenientes no processo, patrões e operários. O
Estado deveria criar legislação apropriada e a Igreja proteger os mais fracos através de

906
Sobre o aperfeiçoamento da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII, onde considera positivo o livre
mercado mas este deve ser temperado de modo a não dominar o mundo.
907
Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa,
1999, p. 17.

188
associações de apoio, corporações e sindicatos. Em toda a Europa surgiam movimentos
com grande apoio social, principalmente na Alemanha, França e Bélgica que acabaram
por influenciar outros países europeus.908
Em Portugal a encíclica não teve grande influência, apesar de terem surgido
alguns movimentos católicos com pouco apoio do operariado, de curta duração,
limitando-se a colóquios, a artigos em revistas e jornais católicos mas incitavam à
criação de uniões profissionais com patrões e operariado com o objectivo de aumentar o
entendimento onde os sindicatos são apresentados como a possível solução de muitos
problemas.
Depois de Leão XIII (1878-1903), Pio X (1903-1914) e Bento XV (1914-1922),
vai ser Pio XI (1922-1939) que volta a dar a importância devida aos sindicalismos,
alterando a concepção em relação a Leão XIII que refere ainda as “corporações
operárias” mas defende que os católicos devem-se constituir em associações regidas
pelos princípios da fé cristã para fomentar a concórdia e a paz. Era uma tentativa de
contrariar o movimento socialista europeu e contra o capitalismo liberal que beneficiava
uma elite à custa dos operários mas era também contra a luta das classes apesar de
aceitar a existência de classes sociais.
Os Círculos Operários Católicos tinham uma perspetiva paternalista, caritativa ou
de assistência e as suas atividades andavam em torno de conferências, congressos,
missas, peregrinações, apoio aos doentes, idosos e carenciados.909 A sua ação não era
muito forte junto do operariado e como em 1910 algumas das suas sedes foram
incendiadas, vandalizadas ou simplesmente encerradas era difícil continuar.
O Centro Católico Português em 1917 foi direcionado para a política e para as
eleições, o que não acontecia com a União Católica. O centro Parlamentar Católico
(1893) ou Partido Nacionalista (1903) tinham como ação primordial salvaguardar os
interesses da Igreja.910
O Centro Católico Português de 1919 ate 1926 graças à direção de António Lino
Neto tem um maior relevo social e político. Com o inicio do salazarismo o CCP cessa a
sua atividade, o que mostra que era um movimento mais anti-republica, anti-progresso e
908
Foi na Bélgica, na Universidade de Lovaina que estudou o padre Abel Varzim e contatou com
importantes figuras do pensamento cristão mais propriamente do sindicalismo católico, daí que quando
chegam a Portugal o seu pensamento é diferente e apesar de olhado com desconfiança vai nos anos 30
influenciar o movimento operário e social em Portugal.
909
Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa,
1999, p. 30.
910
Maria Inácia Rezola, O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa,
1999, p. 57.

189
quando já nada impedia a sua ação, antes pelo contrário, a verdade é que já nada
justificava a sua existência.

Relação com o Estado: O socialismo

Em 1891 na encíclica Rerum Novarum, o Papa Leão XIII condenava solução


socialista que dizia ser falsa, já que para curar o mal do presente estado social, onde os
princípios religiosos tinham desaparecido das leis, tal como as antigas corporações911
que eram uma proteção, não foram substituídos o que fez com que os trabalhadores
ficassem sem defesa “à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência
desenfreada”912.

Para este Papa o socialismo instiga nos pobres o ódio da inveja contra os
detentores da propriedade daí defenderem que ela devia ser pertença de todos através
dos municípios ou do Estado. Esta uma visão limitada do socialismo, já que apenas uma
parte defendia o coletivismo em Portugal. Oliveira Martins ou Antero de Quental não
eram coletivistas, até achavam abusivo, nomeadamente quando se afirmava que era
objetivo do socialismo acabar com a família ao querer substituir “a providência paterna
pela providência do Estado”913.
Reconhecia-se que era contra a vontade de Deus as más condições de vida de
quem trabalha, no entanto aceitava-se as desigualdades eram inevitáveis e até vantajosas
já que serviam como um benefício para todos, a sociedade necessita de um organismo
com funções muito variadas e cada um deve adaptar-se a essa diversidade conforme a
sua condição.914 Mas não se propunha superar as desigualdades, antes aceita-las como
sendo naturais.

Em 1911, o Papa Pio X na encíclica Jandudum in Lusitania condenava a Lei da


Separação e apoiava o episcopado. Foi neste ambiente que D. António Mendes Belo,
patriarca de Lisboa, instigou os católicos a não participarem em associações culturais. A

911
As antigas corporações serviram de proteção aos associados como de abusos já que muitas vezes não
olhavam a meios para obter o benefício à custa de outros. A Revolução Francesa também se fez contra
esses benefícios das corporações para as quais o operariado não tinha defesa e assim na passavam de
meras maquinas de trabalho, outra forma de escravatura e foram os movimentos sociais que levaram ao
despertar da sua condição. A reação era totalmente justa para a Igreja as propostas é que eram ilegítimas.
912
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 28.
913
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p 45.
914
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p.41.

190
Republica odiava a Igreja, queria acabar com ela em “duas gerações” como alguns
afirmam ter dito Afonso Costa915 mas a Republica foi mais no sentido de limitar a
liberdade religiosa, o culto e promoveu a ingerência nos assuntos da Igreja, perseguiu e
dificultou a sua ação através do despojamento da sua riqueza e gerindo o seu
património. Só com Sidónio Pais este ambiente negativo foi alterado, restabelecendo as
relações diplomáticas com a Santa Sé, terminando com o desterro de bispos, promoveu
alterações à Lei da Separação, fim do Beneplácito e das pensões às “viúvas e filhos de
padres”, deu autonomia às associações religiosas mas só em 1926 um decreto de
Manuel Rodrigues atribuía, segundo Braga da Cruz, personalidade jurídica à Igreja.916

Leão XIII reconhecia que as alterações derivadas das inovações tecnológicas


possibilitavam a acumulação de riqueza nas mãos de poucos que modificavam a relação
entre patrões e operários cuja pobreza era cada vez maior e esse mal havia que ser
curado sem incitações ao ódio e sem acabar com a propriedade privada porque este era
para o Papa um direito que derivava da própria natureza e que por isso era inviolável e
deveria ser repudiada a propriedade coletiva que era defendida pelos socialistas.917

Em relação à pobreza referia: “Quanto aos deserdados da fortuna, eles aprendem


da Igreja que, segundo o juízo do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio, e
ninguém deve envergonhar-se de dever ganhar o pão com o suor do seu rosto”, “…a sua
excelência está nos seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o património
comum dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos
ricos; que a virtude dos merecimentos, em qualquer que se encontrem, obterão a
recompensa da eterna felicidade”. “É para as classes inferiores que o coração de Deus
parece inclinar-se mais. Jesus Cristo chama aos pobres bem-aventurados, convida cheio
de amor a que venham para ele todos os que sofrem e choram; abraça com a mais terna
caridade os pequenos e os oprimidos”.918

915
Durante o seu exílio Afonso Costa desmentiu esta afirmação.
916
Manuel Braga da Cruz, O Estado Novo e a Igreja Católica, Editorial Bizâncio, Lisboa, 1998, p. 38.
917
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 237.
918
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 251 e 253.

191
Existia um notório paternalismo na Rerum Novarum, os ricos e os patrões nos
seus deveres “não devem tratar o operariado como escravo919 mas respeitar nele a
dignidade do homem realçada ainda pelo do cristão […] é vergonha e desumano é usar
dos homens como de vis instrumentos do lucro e não os estimar senão na proporção do
vigor de seus braços”920. Dizia-se de modo muito subjetivo mas convincente que o
salário seria conveniente “fixar a justa medida do salário”921.
“O Estado deve proteger de modo especial os fracos e indigentes” mas também
“deve reprimir os agitadores e preservar os bens operários do perigo da sedução”, ou
seja” torna-los obedientes e resignados, era no fundo fazer com que tudo ficasse na
mesma com a promessa de um lugar no céu, aos pobres e ignorantes estava prometido a
vida eterna, era uma forma de tirar a principal arma de protesto, o castigo seria o divino.

Em relação à propriedade dizia “…tirar por força o património de outrem, invadir


as propriedades estranhas, a pretexto de uma absurda igualdade a justiça condena…” e
quando uns quantos “ambiciosos” arrastam outros para os tumultos, então diz Leão XIII
“intervenha então a autoridade publica, e, pondo um freio às excitações dos cabeças de
motim […] as greves não só revertem em prejuízo dos patrões e dos operários, mas
embaraçam o comercio e prejudicam os interesses gerais da sociedade…”.922

“Devem impedir-se as «as greves», removendo as origens e sujeitando à


autoridade das leis” reconhecia que era injustos os horários muito prolongados de
trabalho com fraca retribuição e esta seria uma razão para a greve mas isso “… põem
muitas vezes em risco a tranquilidade pública” e como tal o remédio mais eficaz seria o
de “prevenir o mal com a autoridade das leis […] removendo as causas de que se prevê
que hão-de nascer os conflitos entre os operários e patrões”.923
Assim era reconhecido que “o número de horas de trabalho diário não deve
exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser proporcionada à
qualidade do trabalho…”.924

919
Ainda hoje trabalho forçado e a escravatura são atuais, um efeito da globalização.
920
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 42-43.
921
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 45.
922
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 273.
923
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 61.
924
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 64.

192
Não foram esquecidas as mulheres e crianças, as quais deviam ser protegidas de
horários prolongados. À criança devia ser dada primazia à educação e que tenha
desenvolvido “as forças físicas, intelectuais e morais […] à mulher nem todos os
trabalhos se adaptam já que à mulher “a natureza destina de preferência aos arranjos
domésticos”. 925
O direito de associação faz parte da própria natureza humana e como tal deve ser
protegido porque ao proibir a sociedade civil está-se a atacar a si mesma mas devia-se
ter o cuidado de evitar a usurpação dos direitos dos cidadãos “pois uma lei não merece
obediência, e a lei eterna de Deus”926 ou “…uma lei só merece obediência enquanto é
conforme à recta razão e à lei eterna de Deus.”927
Ao apresentar este argumento estaria a pensar nas confrarias, congregações e nas
ordens religiosas que tinha sido “fundadas com um fim honesto e consequentemente sob
os auspícios do direito natural: no que eles têm de relativo à religião, não dependiam
senão da Igreja”928.
As misericórdias, hospitais, irmandades, confrarias e ordens religiosas foram
muito importantes e essenciais para as populações mas em vez de serem aproveitadas e
desenvolvidas foram expropriadas, extintas e vendidas em proveito do Estado. As bases
económicas da Igreja já antes tinham sido afetadas com a abolição dos dízimos e com a
desamortização dos bens.

Bento XV, em 7 de Maio de 1919 escrevia “que desejava a formação dos


sindicatos verdadeiramente profissionais e expandir-se sobre todo o território francês
poderosas ligas animadas pelo espírito cristão…”.929
Leão XIII exortou os operários cristãos a juntarem sob a forma de associação
profissionais para “a maior abundância possível, para cada um, de bens do corpo, do
espírito e da família.”930

925
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 64.
926
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 72.
927
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 291.
928
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 72.
929
Numa carta ao Arcebispo de Lille, datada, de 5 de Junho de 1929 era pela Igreja reconhecido o direito
ao patrão e aos operários o direito de constituírem sindicatos separados ou mistos, como meio de
promover solução para as questões sociais de modo “a operar uma aproximação entre as duas classes…”
que instituição “quanto a Nós, os chamados sindicatos parecem-nos muito oportunos” pena que em
Portugal neste ponto fossem proibidos e perseguidos pelo Estado Novo in Acção Social Cristã, A Igreja e
a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 115.

193
Pio XI no Quadragesimo Anno em 15 de Maio de 1931, retomou o tema da Rerum
novarum de Leão XIII ao aplicar alguns ensinamentos, assim é claramente defendido a
desproletarização do povo, daqueles que para o dia a dia não têm senão o essencial. “É
uma iniquidade abusar da idade infantil ou da fraqueza feminina. As mães de família
devem trabalhar em casa ou na sua vizinhança, dando-se aos cuidados domésticos” a
mulher não devia a vida fora das paredes domésticas descurando os cuidados e “deveres
próprios e sobretudo a educação dos filhos”. “Deve pois, procurar-se que os pais de
família recebam uma paga suficiente abundante para cobrir as despesas ordinárias da
casa”.931 “Da mesma forma, há trabalhos menos adaptados à mulher, que a natureza
destina ao serviço doméstico; serviço de salvaguarda admiravelmente a honra do seu
sexo […] em geral, a duração do descanso deve medir-se pela despesa de forças que ele
deve restituir.932
Júlio de Vilhena em 1873 sintetizava assim o pensamento para a época:
“organizar a família nas bases da moralidade, da religião e da justiça é a aspiração
constante da filosofia moderna […] uma família artificial sem coesão entre os seus
membros, há-de produzir a desagregação do Estado”.933

O “Bom Operário”

O “bom operário” é o trabalhador respeitador das ordens do patrão, cumpridor,


conformado, bom chefe de família, católico, por isso se dizia “sofre com resignação,
que no céu terá um diadema de glória”934.
A pobreza era vista como algo inevitável e natural assim se pensava n’O Conde de
Abranhos de Eça de Queiroz (1879) devia-se investir nas classes mais prósperas e cultas
porque eram essas que governavam o país. Assim pensou e disse em 1933 António
Ferro, responsável pela propaganda e informação do governo de Salazar, que era mais
importante educar as elites porque eram estas que governavam.

930
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 140.
931
Acção Social Cristã, A Igreja e a Questão Social, 3ª ed, União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 161.
932
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 279.
933
Júlio de Vilhena, Problemas do Direito Moderno (opúsculos jurídicos baseados no Código Civil), vol.
I, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1873, p. 9.
934
João Francisco de Almeida Policarpo, O “Bom Operário” Estudo de uma Mentalidade, Centro de
Historia da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1979, p. 78.

194
As associações católicas surgiram na década de 1870935, foi por esta altura que
surgiram várias greves de grande importância em Lisboa e no Porto, surge o Partido
Socialista (1875), o Partido Republicano (1876) e em 1878 é eleito o Papa Leão XIII.
As associações católicas de proteção ao operariado tinham poucos associados e
tinham pouca implantação. Os CCO (Círculos Católicos Operários) foram constituídos
com a ideia de disputar terreno com os socialistas e chegaram a constituir algumas
associações de classe mas eram pouco reivindicativas, o seu intuito era mais recreativos,
a não ser a luta pelo descanso ao domingo pelo seu carácter religioso e mesmo assim
com pouco afinco.
Dos deveres para com Deus que se deve religiosamente cumprir “dimana a
necessidade de descanso e da cessação de trabalho nos dias do Senhor. Não se entenda
todavia por esse descanso uma parte mais larga concedida a uma estéril ociosidade […]
fator dos vícios e dissipador dos salários, mas antes um descanso santificado pela
religião” […] tal como no Antigo Testamento, “lembra-te de santificares o dia de
sábado936” tal como na Bíblia “descansou no sétimo dia de todo o trabalho que fizera937”
[…] o numero de horas de um dia de trabalho não deve exceder a medida das forças dos
trabalhadores, e os intervalos de descanso deverão ser proporcionados à natureza do
trabalho e à saúde do operário, e regulados segundo as circunstancias dos tempos e dos
lugares”938 e de acordo com a idade e o sexo939.

A principal preocupação era a de catequizar e faziam-no através de conferências,


animações, passeios, etc. Se a missão não era a de criticar e esclarecer os trabalhadores,
estes acabavam por ir ficando cada vez mais alheados da realidade. Estas associações
foram por isso mais um movimento social que politico, a fraca militância e implantação,
tornou num movimento fraco mais de tipo paternalista, assistencial, caritativo que nunca
soube defender o operariado convenientemente. Acabou por ser absorvido pelo Partido

935
Manuel Braga da Cruz, Os Católicos e a politica nos finais do séc. XIX, Analise Social, Vol. XVI (61-
62), 1980-1.º 2.º, p. 261-262.
936
Êxodo 20.8-11; Deuteronômio 5.12-15
937
Gênesis 2:2
938
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 277.
939
Affonso Costa, A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica, Lisboa, Fac-símile da
edição de 1895, 2005, p. 279.

195
Nacionalista e tirar-lhe legitimidade e autonomia porque um e outro estavam
interligados. Quando o Partido caiu em 1910 arrastou consigo as CCO.

25 - As amnistias e a autoridade
No V Concilio de Toledo em 636, no cânone VIII, conferia-se ao rei a
prerrogativa de indultar os criminosos, desde aí até hoje, o perdão das penas é aceite e
até espera-se que sejam feitas em épocas festivas em que o espírito de fraternidade pelo
próximo o justifique.940
Pelo decreto de 26 de Março de 1888 concedeu-se a amnistia a todos os crimes
contra o exercício do direito eleitoral e políticos excepto crimes de sangue que contam
do n.º 5.º do art.º360.º e 361.º do CP
Outros pretextos existiram para conceder até a jóia oferecida a Maria Pia de
Saboia941 pelo Papa Leão XIII de onde saiu o decreto de 4 de Julho de 1892 que
concedeu a amnistia aos crimes contra o exercício de direito eleitoral e de abusos de
liberdades de imprensa excepto os crimes violentos dos art.s 360.º n.º 5 e 361.º do CP.
No ano seguinte uma nova amnistia para aqueles que participaram na revolta de 31 de
Janeiro no Porto sejam eles civis ou militares excepto os oficiais que tomaram parte. De
entre os que assinam este decreto de 25 de Fevereiro de 1893 estão Bernadino Machado
e Augusto Fuschini.942

Pela Constituição de 1911, no n.º 18.º do art.º 26.º podiam ser concedidas
amnistias pelo congresso da República. O recurso às amnistias foram constantes,
situação que estava prevista na Constituição que deveria ser concedida de acordo com
“humanidade e o bem do Estado” não abrangia crimes comuns mas foi logo usada pelo
Governo provisório a 14 de Novembro de 1910 como forma de clemência para a

940
Paulo Ferreira da Cunha, et al., 2010, p. 331.
941
Cabe aqui realçar que pelo decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910 se manteve
provisoriamente a dotação da ex rainha mas considera-se que abandonou voluntariamente o país e como
foi declarado pelo decreto de 15 de Outubro de 1910, proscrita para sempre a família de Bragança
(ascendentes, descendentes) portanto a dita ex rainha D.ª Maria Pia não podia tornar a residir em Portugal.
942
No decreto de 28 de Setembro de 1903 novas amnistias para todos os crimes contra o exercício do
direito eleitoral e em geral para todos os crimes de carácter político excepto os violentos do art. 360.º n.º 5
e 361.º do CP.
Ainda antes da república o decreto de 17 de Setembro de 1910 concede amnistia para todos os crimes de
abusos de liberdade de imprensa (art. 1.º) e os processos ficam sem efeitos e quem estiver preso será
imediatamente posto em liberdade. E a 4 de Novembro um amnistia geral para vários tipos de crimes 942
pelo decreto com força de lei de 4 de Novembro de 1910 que depois se torna extensivo aos praças da
armada pelo decreto com força de lei de 31 de Dezembro de 1910.

196
disciplina académica, delitos contra o direito eleitoral, liberdade de imprensa. O mesmo
governo concedeu a amnistia para comemorar o 31 de Janeiro de 1891 através do
decreto de 31 de Janeiro de 1911, para as infrações cometidas por militares não
abrangidos pela amnistia de 4 de Novembro de 1910. A justiça criminal era assim posta
em causa devido ao recurso constante à amnistia e a sua eficácia era afetada.943/944
As amnistias eram uma excepção recorrente e a sua utilização era na maioria dos
casos meramente políticos, os delitos eram políticos no entanto estas amnistias
promoviam a pacificação política e ao mesmo tempo a impunidade que descredibilizou
o regime.

A fim de serem amnistiados os implicados no “caso do Arsenal”, Machado Santos


defende novas amnistias num projeto discutido a 22 de Agosto de 1911. Afonso Costa
defendeu este projeto. António José de Almeida defendia a “acalmação” nomeadamente
com a igreja católica.945
A 4 de Maio de 1912 surge uma nova lei para amnistiar os que estivessem presos
ou pronunciados em casos em casos de greve, excepto os que atentaram contra o regime
republicano ou contra a vida humana.946
Nos voluntários que se bateram em Chaves em 8 Junho em Vila Verde da Raia,
estava o nome de António Granjo947 homem corajoso que alem de ter estado na frente
de batalha na guerra que apoiou a entrada de Portugal também se enfrentou (com
irresponsabilidade948) em vários duelos949.

943
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 172.
944
A 13 de Junho de 1911 amnistia para os operários e empregados dos caminhos de ferro do sul e sueste
pelas infrações contra a lei do direito à greve (art. 1.º) e são reintegrados na suas categorias mas não
reembolsados (art. 2.º).
Decreto de 23 de Agosto de 1911 concede amnistia plena aos implicados na revolta de 7 de Abril de 1911
no Arsenal da marinha e a lei de 4 de Maio de 1912 concede amnistia a todos os implicados em casos de
greve que estejam presos ou pronunciados (art. 1.º).
945
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 177.
946
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 182.
947
António Joaquim Granjo era menos radical, rude mas sincero nas crónicas que escrevia nos jornais.
Corajoso, enfrentou-se em vários duelos, defendeu a entrada de Portugal na Guerra e ao contrário de
outros, inclusive generais, esteve na linha da frente de combate, alistando-se como alferes miliciano e
quando se demite a 19 de Outubro de 1921 enfrentou as armas pela última vez aos 40 anos desta vez
desarmado e destemido é assassinado enfrenta os seus opositores na “noite sangrenta” levada a cabo pelos
assassinos da “camioneta fantasma”.
948
Dizemos nós porque na altura dava prestígio e currículo.
949
Os duelos eram comuns entre aristocratas no séc. XVIII e XIX, quantas vezes por motivos frívolos e
não poucas vezes acabavam em morte apesar de não ser essa a intenção, o principal era reparar a honra

197
O Governo reconhecia os que lutaram e colaboraram contra as incursões
monárquicas mesmo uma criança de 12 anos foi agraciada com a entrada no Colégio
Militar com dispensa de idade.950 E aqueles que em 1911 e 1912 marcharam para o
norte do país contra os monárquicos insurrecionais, pelo decreto n.º 11:374 de 22 de
Dezembro de 1925 mandou ser feito “um aumento de 100% no tempo de serviço”.

A lei n.º 114 de 22 de Fevereiro de 1914 concede amnistia para todos os crimes de
caráter político951 ou social (art. 1.º) excepto dos chefes dirigentes e instigadores são
expulsos do território da Republica Portuguesa sob o parecer da Comissão da Reforma
Prisional e Penal. Os que regressarem antes do tempo da pena cumprirão o resto em
prisão presídio nas ilhas ou ultramar (art. 2.º). A lei n.º 152 de 6 de Maio de 1914
estende a lei anterior a mais “crimes”, inclusive abuso de autoridade.

A lei de 20 Julho de 1912 criou a Casa Correcional do Trabalho e a Colónia


Agrícola Penal, ambos estabelecimentos penais.952
Era ao Poder Executivo que pertencia a ação disciplinar dos funcionários do
Estado.953 Os funcionários civis e militares acusados de conspiração contra a República
não podiam ser juízes de paz durante 5 anos mas aos meros particulares tal já não era
exigido. A lei n.º 114 de 22 de Fevereiro de 1914 deu a amnistia aos condenados e
julgados por crimes políticos. Excepto os chefes, dirigentes e instigadores. Os que
estavam presos à espera de julgamento deviam ser libertados.
A lei anterior no seu art.º 18.º da lei de 23 de Outubro de 1911 dispunha que os
funcionários públicos ficavam “ipso facto” demitidos excepto no caso de absolvição.

que podia acabar num repasto amizade. Ao contrario do que muitos pensam não eram nada secretos, os
jornais noticiavam com grande alarido os acontecimentos que tal como demonstram as fotografias eram
muito concorridos por uma multidão curiosa. Como em geral eram políticos e militares a policia só
aparecia no fim ou nem se metia no assunto. O último duelo aconteceu no inicio do período salazarista
que tratou de acabar radicalmente com tamanha frivolidade imatura.
950
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 216.
951
Do art. 2.º do decreto com força de lei de 28 de Dezembro de 1910 e 30 de abril de 1912.
952
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 245.
953
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 247.

198
O padre Avelino Simões de Figueiredo condenado a 4 anos de prisão maior
celular e oito de degredo mas muitos outros foram condenados por conspirarem contra a
Republica.954
A ética republicana é revelada na lei n.º 266 de 27 de Julho que responsabiliza
ministros por actos graves no exercício das suas funções.955 Surgem muitas amnistias de
vários tipos e sobretudo sob vários pretextos comemorativos mas a razão principal era a
de obter alguma pacificação.956
O decreto n.º 1:508 de 20 de Abril de 1915 concedeu amnistia aos delitos e
transgressões compreendidos na lei n.º 114 de 22 de Fevereiro de 1914, no entanto esta
lei continuou em vigor já que o decreto n.º 1:508 passados apenas 26 dias foi declarado
irrito e nulo pelo decreto n.º 1:578 de 24 de Maio de 1915957.
No entanto a lei reservava o direito desconfiar dos seus funcionários e pela Lei n.º
319 de 16 de Junho de 1915 autoriza o Governo a separar do serviço efetivo todos os
funcionários que não dão a completa garantia de adesão à república e à Constituição
(art. 1.º) § único são abrangidos aqueles que faziam parte do Governo anterior à data de
14 de Maio de 1915 mas os que não forem exonerados perceberão 80% dos seus atuais
vencimentos.

GNR
É importante aqui o papel da GNR, já que era a guarda do Estado, mais
propriamente dos governos e que pela sua resposta violenta acabaram por ter um peso
preponderante nos acontecimentos, eram essenciais para a manutenção do poder. A
GNR é rearmada e concentrada em Lisboa entre 1919 e 1922 onde serve de proteção

954
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 249.
955
Luís Bigotte Chorão, Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção,
1910-1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011, p. 394.
956
A amnistia da lei de 22 de Fevereiro de 1914 era extensiva até 20 de Abril de 1915 abrangia os
motivos políticos. A 20 de Abril e ao abrigo da lei de 8 de Agosto de 1914 surge nova amnistia
A lei n.º 1:146 de 9 de Abril de 1921 amnistia a todos os crimes os crimes militares em África ou em
França durante a Grande Guerra e aos crimes de natureza politica, religiosa ou social que não tenham
causado dano á propriedade e a pessoas, crimes eleitorais, deserção militar e abuso liberdade de imprensa.
Novamente a 2 de setembro do mesmo ano, a lei n.º 1:198 que amnistia todos os crimes essencialmente
militares de oficiais e praças em África e em França durante a guerra.
Em 1924, a lei n.º 1:551 de 1 de Maio concede amnistia geral e completa aos atos de rebelião de 10 de
Dezembro de 1923.
957
Manuel de Arriaga subscreveu a queda de Pimenta de Castro que pelo decreto n.º 1578 de 24 de Maio
declarava “irritos e nulos diversos decretos do ministério Pimenta de Castro” e reintegrava em funções
muitos funcionários administrativos dispensados pelo decreto n.º 1148 de 9 de Abril anulando castigos
impostos por aquele governo. 957

199
aos governos. Entre 1916 e 1917 a repressão foi muito dura por parte da União sagrada
e de Afonso Costa contra os protestos operários o que faz com que estes acabem por
apoiar o golpe militar de Sidónio Pais. O decreto n.º 5:568 de 10 maio de 1919 a GNR é
reforçado com o intento de defender o regime: “atendendo a que em casos graves de
alteração da ordem pública, como sejam as revoluções, e no intuito de impedir e julgar
prontamente qualquer tentativa de insurreição contrária ao regime republicano vigente,
a mesma guarda deve dispor de todos os elementos para operar com absoluta segurança
e rapidez”.958
O exército era mais conservador e assim a GNR ao serviço do Governo ficava
com um poder equiparado ao exército para assim poderem investir sobre os operários e
trabalhadores. Era o braço armado do PRP e Liberato Pinto que foi ministro em 1920-
1921 era entregue o comando da GNR. Aos praças da GNR competiam sempre metade
das multas impostas por si. Pelo art.º 38.º e ss da lei de 1 de Julho de 1913 e art.º 4º de
lei 3 de Fevereiro de 1915 podiam impor multas e pelo art.º 448.º Código
administrativos de 1896 conferiam metade das multas aos oficiais das guardas
campestres959 a estes podemos acrescentar todos os empregados públicos a quem a lei
concedia este direito a participar nas multas por si impostas, tal como constava nas
posturas e regulamentos policiais (art.º 38.º e 45.º da de 1 de Julho de 1891).

Dizia Platão que “a justiça é no interesse do mais forte” mesmo muitos daqueles
com forte sentido de dever e julgando que estavam a fazer o que era mais correto não
deixaram de cometer os crimes mais hediondos. A justiça vendada não vê a realidade,
tal como afirma Cunha960, quando se procura a beleza de um corpo ele tem de ser
destapado e depois espera o inesperado tal como quando se parte um copo de cristal é a
alma que dói.

958
Ana Catarina Pinto, Nova Estratégia para a República In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,
Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 418.
959
A lei n.º1:121 de 1921, no art.º 1.º que “enquanto não for organizada e aprovada um código de polícia
rural deverão os juízes conhecer e julgar as transgressões de harmonia com as disposições contidas nos
códigos de posturas municipais…” isto era um ataque à Constituição política porque o juiz fica confinado
ao que seja aprovado por deliberação nas câmaras municipais e aprovado pelas juntas de freguesia dos
concelhos, ou seja, elas podem ser diferentes nos vários distritos o que podia contrariar as leis da
administração pública e às leis do país, já que são elas próprias também a lei e os juízes julguem segundo
ela o que iniciava um período anárquico já que nos meio pequenos e com pouca instrução não eram de
excluir que os sentimentos se sobrepusessem à razão com a intenção de criar uma tendência
desequilibrada.
960
Paulo Ferreira da Cunha, Porto, 1996, p. 177, 257

200
Conclusão

As grandes ideias nascem como sonhos, utopias de quem as pensa, lunáticos


divertidos e inofensivos. Mas as ideias são como sementes que se perdem nos pés de
quem as semeou até que a luz irradiante de um dia fresco e húmido ela surgirá e quiçá
se transformará numa árvore cujas flores e frutos trarão perfume e alimento aos que dela
procurarem abrigo. Se num dia quente a copa dessa árvore nos dá uma proverbial
sombra é porque há muito alguém a plantou há muito tempo. São as ideias consideradas
ridículas hoje que podem ser esplêndidas amanhã, ideias que guinaram a humanidade da
barbárie à civilização, as ideias libertárias do passado são aquelas que hoje
consideramos como dados adquiridos conquistadas com a liberdade.
Se os cidadãos não considerarem o poder político como legitimo então estes não
seriam aceites em consciência e este é essencial para uma adesão livre e afetiva porque
respeitar a autoridade é diferente de ter receio dela. Para que exista respeito pela
autoridade é essencial respeitar as instituições, negar o clientelismo e lutar contra a
corrupção porque esta lesa o bem público e muitos bens jurídicos como a legalidade,
igualdade, concorrência e outros que são bens abstratos e difíceis de detetar.
Para respeitar a dignidade de quem trabalha era necessário garantir os seus
direitos e liberdade fundamentais. Para a sociedade ser justa e solidário é necessário que
cada cidadão cumpra o seu dever, liberdade de imprensa, expressão, direitos de reunião,
manifestação, participação e associação. E o Estado não soube nem teve a capacidade
de criar oportunidades para aqueles que estavam numa situação de desvantagem. Não
existiam programas adequados às diferentes situações nem metas objetivas o que fez
com que as desigualdades não foram alteradas de modo significativo.

A lei tinha de garantir a liberdade civil política. Mas uma coisa é a vontade e a
outra é a estabilidade social e do poder. E quando pela miséria os trabalhadores eram
empurrados para a greve, eram acusados de agitadores e de aptos de subversão, o
importante era a ordem pública mas não podemos esquecer que foram estas multidões
que com coragem e sacrifício de quem nada tem a perder, tinham fortes razões de que
representavam os interesses de quem trabalhava.

201
A educação foi outro dos pontos tratados, ela se tivesse triunfado seria a carta de
alforria contra a miséria, alta mortalidade. Mas ultrapassou-se o tempo em que ter
instrução era vergonhoso, os nossos primeiros reis eram analfabetos, o importante era
saber caçar, lutar, usar a espada e montar a cavalo, tal como ensinavam os livros que
não sabiam ler.
Um dos problemas do positivismo foi o de acreditar que o Direito era uma ciência
exacta e como tal a lei era a ultima palavra. É necessário perceber o contexto caso
contrário corremos o risco de trair a intenção com o que foram realizadas as leis. Estas
tal como o que era defendido no Código Napoleónico e defendido pelos positivistas o
texto da lei devia ser claro e preciso, sem ambiguidades que pudessem levar à confusão
mas era sempre limitada pelo próprio natureza do texto legislativo que não diz tudo.
Este Código Napoleónico cujas diretrizes foram reconhecidas em 1867 com o fim das
Ordenações Filipinas pelo Visconde de Seabra perduraram no seu Código Civil por 60
anos.
Os decretos de 1919 sobre os seguros obrigatórios não distinguem os
trabalhadores, profissão, sexo ou idade era uma intenção progressista mas apenas isso,
para o futuro e não para o momento, era anacrónico, bem intencionado mas não era para
levar à prática.
Toda a República foi conturbada mas também D. Manuel II empossou 7 governos
e Salazar despedia ministros com um simples Catão de visita.
Existia um profundo desconhecimento da realidade, dos problemas e dos encargos
financeiros. O Estado Novo não fez tábua rasa do passado961 teve em conta o que já
estava feito e apenas fez alterações. Existiu a vontade de fazer algo, de melhorar as
condições de vida dos trabalhadores e da sua família, de colaborar com o mutualismo, o
alcance não foi atingido como os próprios o reconheceram.

Em relação ao ensino foram orientações deficientes e reformas mal orientadas,


falta de desejo ou capacidade para levar avante essas alterações, até porque a máquina
administrativa emperrava na inércia, falta de capacidade e de meios de controlo. O
conhecimento é essencial para que a sociedade ganhe a consciência para a intervenção e

961
Mantém inclusive a forma republicana mas estão ausentes os valores republicanos do mesmo modo
também a I Republica foi pouco social e democrática. Na Historia de Portugal tudo o que há de grandioso
pertence à monarquia mas foi também ela que fugiu aos franceses e nos entregou aos espanhóis e nos
transformou em colónia inglesa.

202
vigilância que não se resume apenas ao voto eram esses os valores defendidos pela
República mas o meio não permitiu a sua difusão e aplicação.

A Lei da Separação foi uma clara ingerência mas o verdadeiro problema foi a
destruição do funcionamento de uma instituição que tinha um importante papel onde o
Estado não chegava no apoio social aos mais necessitados e pior tornou mais fracas
outras instituições municipais que estavam ligadas à Igreja perdendo assim o efeito
prático para o fim a que estavam destinadas. O Estado conseguiu autonomizar-se à custa
da intolerância. Acreditar que se podia acabar com Deus por decreto e ao mesmo tempo
falar em dignidade atropelando a liberdade de consciência num pais que gastava
milhões em artilharia pesada sem existirem escolas suficientes, impondo um sistema
económico e politico em nome de trabalhadores que eram presos por falarem a verdade.
Querer que todos fossem iguais como autómatos, querer uma ideia pela força não deu
resultado.
O povo via nestes líderes populistas a solução para os seus problemas mas estes
aproveitaram-se da miséria, jogaram com as suas necessidades e carências a seu favor
para imporem ditaduras ou soluções autoritárias. Uma democracia demagógica,
parlamento pouco ou nada comunicativo, sem soluções ou ideias lógicas razoáveis, os
argumentos falaciosos davam origem a discussões agressivas. Gostavam tanto dos
pobres que os multiplicaram e um povo sem dignidade não é capaz de se governar nem
ser governado.
A admiração pelo clericalismo ou pelo anarquismo não era seguida pelo
conhecimento, não queriam ver as atrocidades porque lhes prometeram o que eles
queriam ouvir. Se uns são ricos logo outros são pobres, nem todos podem estar bem e
segundo outros todos eram culpados desde que não fossem pobres. Um povo sem
educação não consegue exigir dos seus governantes melhores argumentos, deixam-se
manipular com mais facilidade pelas paixões mantêm-se submetidos e iludidos.
Foi um republicanismo socialista e burguês não fazia mal que a lei fosse má se o
propósito fosse o de não cumprir já que a razão de ser feita era o de acalmar
temporariamente os trabalhadores. As autoridades locais dominadas pelos caciques
eram pouco dadas a evoluções eram muito tolerantes com os patrões, perdoando ou
tolerando para evitar punições e reclamações de quem dominava o poder local. Esta
inação e até leviandade eram denunciadas pelos inspetores de trabalho nomeadamente

203
nos obstáculos ao seu trabalho. A legislação procurou sem sucesso a harmonia entre o
capital e o trabalho.

Os sindicatos tiveram muitos defeitos mas estiveram à altura das difíceis


circunstâncias conseguiram importantes vitórias e como tal o resultado foi positivo.
O anarquismo foi assim uma posição intermédia entre o liberalismo e o socialismo
da época, era um liberalismo extremo, um socialismo onde o indivíduo é soberano, a
sociedade auto regulava-se sem necessidade de um Estado autoritário que se limitava
aos serviços públicos.
As revoltas também se fizeram contra a justiça e se cá não existia o juiz Magnaud
existia a trupe maçónica nos tribunais que estavam nas mãos de grupos político
maçónicos. Já “O Auto da Barca do Inferno” retratava a corrupção na justiça nos
subornos e jogos sub-reptícios em 1517.962 Devido à falta de provas o crime de
corrupção é o mais arquivado e hoje a força dos órgãos de informação é essencial para o
combate à corrupção. Ainda hoje e ainda mais na altura os jornais difamavam e
deturpavam factos para favorecer uma parte. O poder tinha do seu lado a maioria dos
jornais e das forças de polícia, por isso o Estado nem sempre é confiar no combate à
corrupção, só que felizmente hoje existem organizações não governamentais em que
podemos confiar e que representam a sociedade civil e que hoje têm um papel
importante na investigação internacional, já que não basta ter leis bem intencionadas
quando não há interesse em aplica-las. Na altura da “camioneta fantasma” foi Berta
Maia que heroicamente fez mais sozinha pela descoberta da verdade que todos os
militares juntos chefiados por Carmona.

Podemos assim dizer que a estrutura jurídica da I República assenta no


pensamento do socialismo integralista de Benoît Malon e para levar avante este
programa havia que proceder a uma profunda alteração com a Igreja e retirar poder. Não
é algo separado num anticlericalismo radical mas antes fazendo parte de um todo de
teorias já por si desenvolvidas nas suas teses.
Existe uma ligação no espírito doutrinário de Afonso Costa com Magalhães Lima
e destes com Benoît Malon e só assim se pode perceber a intenção e a atitude do

962
E passaram 5 séculos e a maioria dos processos instaurados em 2004-2008 foram arquivados e em
muito poucos houve decisão condenatória e menos ainda os que cumprem pena de prisão efetiva in Luís
de Sousa, Lisboa, 2011, p. 63.

204
socialismo integral à realidade do país. Isto é mais notório nas leis da justiça quando
Afonso Costa foi ministro da Justiça logo no inicio da República e que teve
continuidade excepto no período sidonista e que depois finda com 1926.

As revindicações nada tiveram de revolucionárias “pão, paz e terra” o que era


verdadeiramente revolucionário era que para que este objetivo fosse atingido tinham de
destruir uma importante base do Estado burguês; a alteração das relações de produção
principalmente assentes na exploração agrícola. Eram um movimento que já vinha em
andamento antes do aparecimento da sindicalização mas foram estes que trouxeram uma
importante dinâmica que o radicalismo impediu de produzir melhores efeitos e ter
impedido o diálogo.
Seja por culpa dos condicionalismos da época ou da impreparação, impaciência e
ingenuidade agarrada a utopias que armadilhavam um sistema onde acabava por ser
mais fácil combater uma horda violenta. As exigências eram legítimas mas o exagero
provocou o afastamento das elites e de quadros qualificados nas direções do movimento
cujo interesse era pela política e pouco pelas questões sociais.
Portugal precoce, apenas a França era também uma república na Europa (a Suíça
era diferente em virtude da sua estrutura cantonal remontar à Idade Média) mas com
mais de 70% de analfabetos era difícil o progresso económico, faltava formação. A
igreja anglicana nos países nórdicos proibiram o casamento entre analfabetos logo na
primeira metade do séc. XIX, mesmo sem ser esse o objetivo, acabaram por trazer
desenvolvimento económico, social e uma sociedade melhor preparada para o futuro.
A legislação não foi a esperada, o mesmo se passou com o insucesso da
escolarização, da indústria, da melhoria das condições sociais principalmente na vida
das mulheres e crianças operárias.
Por toda a Europa existiam regimes instáveis e ditaduras que em Portugal foram
até 1975, ou seja, a República foi apenas uma parte desses sistema com grande agitação
social, grupos civis armados, a “formiga branca” (tinham o apoio velado de alguns
governos), a “formiga preta” (mais conservadora), os “trauliteiros” (monárquicos) ou
simples bombistas, terroristas com bombas artesanais.
Ora se o voto não era universal e o Estado era ele também parte do problema ao
não conseguir harmonizar os varias setores sociais, aprofundando o fosso
impossibilitando a paz social que é essencial para o desenvolvimento económico. Uma
República com 16 anos não muda um povo com séculos de história e talvez por isso se

205
estranhe que não se aprenda com a história e cometa-se os mesmos erros políticos ou
como dizia George Bernard Shaw, “Se a historia se repete e o inesperado acontece, quão
incapaz precisa o homem ser para aprender com a experiencia?”

Perguntem às aves que cantam,


aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo?
quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinquenta angolares
"porrada se refilares"?

Ruy Mingas: Monangambé

Bibliografia

ABRANTES, José João


Direito do Trabalho. Ensaios, Edições Cosmos, Lisboa, 1995.

Acção Social Cristã


A Igreja e a Questão Social, 3ª ed., União Gráfica, Lisboa, 1945.

ALBUQUERQUE, Ruy de
“História do Direito Português (Relatório)”, Revista da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, vol. XXVI, Lisboa, 1985, p. 105-256.

ALMEIDA, António Ramos de


O pensamento Activo de Bernardino Machado, Brasília Editora, Porto, 1974.

ALMEIDA, Fialho de
Saibam quantos … (cartas e artigos políticos), 3ª ed., Livraria Clássica Editora de A.
M. Teixeira, Lisboa, 1920.

BAPTISTA, Jacinto
O Cinco de Outubro, Editora Arcádia Limitada, Lisboa, [1965].

206
BARRETO, José
“Uma greve fabril em 1849”, Analise Social, vol. XVII (67-68), 3º-4º, 1981, p. 479-503.

BARROS, Henrique
Oliveira Martins e o “Projecto de Lei do Fomento Rural”, Cadernos da “Seara Nova”,
estudos económicos, Seara Nova, Lisboa, Lisboa, 1946.

BENEVIDES, José
O Direito Privado-Social. Discurso inaugural da conferencia da Associação dos
Advogados de Lisboa do anno de 1896-1897, M. Gomes – Editor, Lisboa, 1896.

BRAGA, Theophilo, CONSIGLIERI, Carlos,


Discursos sobre a Constituição Politica da República Portuguesa, Setecaminhos,
Lisboa, 2006.

CABRAL, Manuel Villaverde


“Situação do Operariado nas Vésperas da Implantação da República”, Vol. XIII (50),
Análise Social, 1977-2.º, p. 419-448.

CAMACHO, Brito Dr.


Miséria Economia e a Ruína Financeira, Conferencia de Propaganda Promovidas pela
Associação Commercial de Lojistas de Lisboa, Lisboa, [s.e.], 1909.

CARDOSO, José Luís, ROCHA, Maria Manuela


“O Seguro Obrigatório em Portugal (1919-1928): acção e limites de um Estado
Previdente”, Análise Social, vol. XLIV (192), 2009, p. 439-470.

CARQUEJA, Bento
Futuro de Portugal, 2.ªed, [s.e.], Porto, 1920.

CARVALHO, Guida Maria; VIDIGAL, Luís,


“A Assembleia Constituinte de 1911”, História, n.º 34, 1981, p. 2-16.

CASTELLO-BRANCO, João Franco


Cartas d'El-Rei D. Carlos I a João Franco Castello-Branco, seu Último Presidente do
Conselho, Livrarias Aulaud e Bertrand, Lisboa, 1924.

CHAVES, Castelo Branco


Teófilo Braga e o Nacionalismo, Cadernos da “Seara Nova”, Estudos Literários, Seara
Nova, Lisboa, 1935.

CHORÃO, Luís Bigotte


Política e Justiça na I República. Um regime entre a legalidade e a Excepção, 1910-
1915, col. 1, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2011.

COSTA, Affonso
A egreja e a questão social, Analyse Critica da Encyclica Ponficia De Conditione
Opiticum, de 15 de Maio de 1891, Divisão de Edições da Assembleia da Republica,
Lisboa, Fac-símile da edição de 1895, 2005.

207
COSTA, Albérico Afonso,
“Setúbal republicana –quando as fábricas transbordavam de greves” in VARELA,
Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.) Greves e conflitos
sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 61-72.

COSTA, Jorge, FAZENDA, Luís, HONORIO, Cecilia, LOUÇÃ, Francisco,


FERNANDO, Rosas
Os donos de Portugal, Cem anos de poder económico (1919-2010), 7ª ed, Edições
Afrontamento, Porto, 2011.

COSTA, Mário Júlio de, MARCOS; Rui Manuel de Figueiredo,


A Primeira República no Direito Português, Almedina, Lisboa, 2010.

CRUZ, Manuel Braga da


Raízes do Presente, Estudos de Historia Contemporânea, Alêtheia Editores, Lisboa,
2013.

Idem
O Estado Novo e a Igreja Católica, Editorial Bizâncio, Lisboa, 1998.

Idem
“Os Católicos e a politica nos finais do séc. XIX”, Analise Social, Vol. XVI (61-62),
1980-1.º, 2.º, p. 259-270.

Idem
O Movimento dos Círculos Católicos de Operários – Primeira expressão em Portugal
do Sindicalismo Católico, Sep. da Revista “Democracia e Liberdade”, 37/38, Instituto
Democracia e Liberdade, Lisboa, [s.d.].

CUNHA, Paulo Ferreira


O Essencial sobre a I República e a Constituição de 1911, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, Lisboa, 2011.

Idem
Raízes da República. Introdução Histórica ao Direito Constitucional, Almedina,
Coimbra, 2006.

Idem
Arqueologias Jurídicas, Ensaios Jurídicos-humanísticos e jurídico-políticos, Lello
Editores, Porto, 1996.

CUNHA, Paulo Ferreira, SILVA, Joana Aguiar e, SOARES, António Lemos


História do Direito, Do Direito Romano à Constituição Europeia, Almedina, Coimbra,
2010.

ESTEVES, João
“Vivencias na 1ª República”, Percursos Conquistas e Derrotas das Mulheres na 1ª
República, CML, Lisboa, 2010, p 17-30.

FARINHA, Luís

208
Ramada Curto – República, Socialista, Laico, Assembleia da República, Lisboa, 2014.

Idem
“Sindicalismo livre e I República. Percursos paralelos convergências efémeras (1908-
1931)” in VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.),
Greves e conflitos sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012,
p.85-96.

FONSECA, Carlos da
Para uma análise do movimento libertário e da sua história, Edições Antigona, Lisboa,
1988.

FREIRE, João
Anarquistas e Operários, Ideologia, oficio e praticas sociais: o anarquismo e o
operariado em Portugal, 1900-1940, Edições Afrontamento, Porto, [1992].

FUSCHINI, Augusto
O Presente e o Futuro de Portugal, Companhia Typographica, Lisboa, 1899.

Idem
Discursos pronunciados nas sessões de 13 e 14 de Março de 1891 por Augusto
Fuschini, Imprensa Nacional, Lisboa, 1891.

Idem
Padarias Municipais e cooperativas, problemas e resoluções sociaes, III, Imprensa
Democratica, Lisboa, 1889.

Idem
Questões económicas e financeiras, Discursos proferidos na sessão de 1887 pelo
deputado Augusto Fuschini, Imprensa Nacional, Lisboa, 1887.

GOMES, M. de Azevedo
“Competência e governação, Seara Nova Antologia”, vol. II, Pela reforma da Republica
(2), 1921-1926, Seara Nova, 1972, p. 83-89.

GONÇALVES, Luiz
A Evolução do Movimento Operário em Portugal, Editores Adolpho de Mendonça &
C.ª, Lisboa, 1905.

GUIBENTIF, Pierre
“Génese da Previdência Social. Elementos sobre as origens da Segurança Social
Portuguesa e as suas ligações com o corporativismo”, Ler Historia, n.º 5, Edições
Salamandra, Lisboa, 1985, p. 27-58.

GUINOTE, Paulo
Afonso Costa, o orador parlamentar, Assembleia da Republica, Lisboa, 2014.

HESPANHA, António Manuel


Cultura Jurídica Europeia – Síntese de um Milénio, 3ª ed., Publicações Europa-
América, Lda, Mem Martins, 2003.

209
JÚNIOR, Costa
História Breve do Movimento Operário Português, Editorial Verbo, Lisboa, 1964.

LEAL, José da Silva Mendes


Discurso acerca da actual situação económica e financeira pronunciado na câmara dos
senhores deputados na sessão de 14 de Março de 1867 por José da Silva Mendes Leal
deputado por Ponta Delgada, Imprensa Nacional, Lisboa, 1867.

LEMOS, Carlos de
Ave Azul, Revista de Arte e Cultura, serie 1ª, fascículo n.º 10, Viseu, 15 de Outubro,
1899.

LIMA, Adolpho
O contrato do Trabalho, Estudos da Economia social, Antiga Casa Bertrand, Lisboa,
1909.

LISBÔA, Augusto da Piedade


Causas da Decadência do Catholicismo em Portugal, 1.º opúsculo, Tipografia
Universal, Lisboa, 1915.

MARQUES, A. H. de Oliveira
“A vida e a época de Afonso Costa”, História, nº 2, 1978, p. 3-21.

MARTINS, Jorge
A República e os Judeus, Veja, Lisboa, 2010.

MARTINS, Jorge Carvalho


A Imprensa Operaria e a Implantação da República, História, n.º 121, 1989, p. 68-76.

MARTINS, Júlio Augusto,


Questões Sociais (notas e impressões), Typ. Do Instituto Geral das Ates Graphicas,
Lisboa, 1895.

MATTA, Caeiro da
Habitações Populares, Estudos Económicos e financeiros, III, Imprensa da
Universidade, Coimbra, 1909.

MATA, Maria Eugénia


“A política financeira” In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira
Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 191-203.

MEDINA, João
“Varões Republicanos – Quatro Retratos de vultos Políticos da I Republica: Machado
Santos, Afonso Costa, João Chagas e Sidónio Pais”, Clio, Vol. 2, Nova Série, Revista
do Centro de Historia da Universidade de Lisboa, Edições Colibri, 1997, p. 153-174.

MESQUITA, Alfredo
Portugal moribundo. Carta aos novos deputados da Nação Portugueza antes que a
Corôa lhes discurse, Agencia Universal de Publicações, Lisboa, 1892.

210
MÓNICA, Maria Filomena
“Negócios e política: os tabacos (1800-1890)”, Análise Social, vol. XXVII (116-117),
1992 (2.º-3.º), p. 461-479.

Idem
“Capitalistas e industriais (1870-1914)”, Análise Social, vol. XXIII (99), 1987-5.º, p.
819-863.

Idem
“Industriais metalúrgicos de Lisboa (1880-1934)”, Analise Social, vol. XVIII (72-73-
74), 1982-3.º-4.º-5.º, p. 1231-1277.

Idem
“Uma aristocracia operária: os chapeleiros (1870-1914)”, Análise Social, vol. XV (60),
1979 – 4.º, p. 859-945.

Idem
“«Deve-se ensinar o povo a ler?»: a questão do analfabetismo (1926-39)”, Análise
Social, vol. XIII (50), 1977-2.º, p. 321-353.

MORAIS, Jorge
Os Últimos Dias da Monarquia, 1908-1910 da Esperança de Tréguas à Instauração da
República, Zéfiro, Sintra, 2009.

MORGADO, Miguel
Autoridade, Fundação Francisco Manuel das Santos, Lisboa, 2010.

NAVARRO, Bruno J.
Governo de Pimenta de Castro, Um general no labirinto político da I República,
Assembleia da República Divisão de Edições, Lisboa, 2011.

(NETO), Correia santos


“A liberdade em Portugal desde 1900”, História, nº 33, 1981, p. 2-41.

NETTO, J. Ferreira
A carestia de vida, Alma Nova, revista ilustrada, n.º 14(2), 1915 e 1916.

NETO, Vitor,
“A questão religiosa: Estado, Igreja e conflitualidade sócio-religiosa” In Fernando
Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-
china, Lisboa, 2011, p. 129-148.

OLIVEIRA, Augusto
Direito tutelar de menores: Novos conceito de justiças social, Tipografia – Escola Civil
do Pôrto, Pôrto, 1935.

OLIVEIRA, César
“Os limites e a ambiguidade: o movimento operário português durante a guerra 1914-
18”, Análise Social, 2ª série, vol X, n.º 40, 1973-4º, p. 679-702.

211
PAÇO, António Simões
Entrevista com a República, Guerra e Paz, Lisboa, 2010.

PEREIRA, A: Xavier da Silva


As leis de imprensa, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1901.

PEREIRA, Ana Paula de Brito


“As greves rurais de 1911-12: uma leitura através da imprensa”, Análise Social, Vol.
XIX (77-78-79), 3º, 4º, 5º, 1983, p.477-511.

PEREIRA, David
“A sociedade” In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia da Primeira
Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 79-92.

PEREIRA, Joana Dias


“As comunidades industriais no alvorecer do associativismo operário português” in
VARELA, Raquel, NORONHA, Ricardo, PEREIRA, Joana Dias (coord.) Greves e
conflitos sociais em Portugal no século XX, Edições Colibri, Lisboa, 2012, p. 73-83.

PEREIRA, Miriam Halpern


«“Decadencia” ou subdesenvolvimento: uma reinterpretação das suas origens no caso
português», Analise Social, vol. XIV (53), 1978-1, p. 7-20.

PEREIRA, Sara Marques


O Pensamento Pedagógico de Sampaio Bruno. A ideia da educação para a República,
Imprensa Nacional - Casa Moeda, Lisboa, 2007.

PIMENTEL, Jeronymo
O Movimento Catholico no fim do século XIX em frente do socialismo e do anarchismo,
Discurso pronunciado no congresso catholico internacional de Lisboa em 28 de Junho
de 1895, Lisboa, [s.e.], 1896.

PINHEIRO, Beatriz
Ave Azul, Revista de Arte e Critica, 1ª série, fascículo n.º 11, Viseu, 1899.

Idem
Ave Azul, Revista de Arte e Critica, 1ª série, fascículo n.º 8, Viseu, 1899.

Idem
Ave Azul, Revista de Arte e Critica, 2ª série, fascículo n.º 1 e 2, Viseu, 1900.

PINTO, Ana Catarina


“Nova Estratégia para a República” In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, Historia
da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 411-419.

PINTO, Carlos M. Tavares, RANA, João Alexandre da Costa


“O Governo de José Relvas e a restauração republicana de 1919”, História, n.º 12,
1979, p. 44-58.

PINTO, Eduardo Vera-Cruz

212
Curso Livre de Ética e Filosofia do Direito, Principia, Cascais, 2010.

PINTO, Jaime Nogueira


Nobre Povo, Os Anos da República, A Esfera do Livro, Lisboa, 2010.

PINTO, Ricardo Leite


A Constituinte de 1911. As Grandes Polémicas, Universidade Lusíada Editora, Lisboa,
2010.

PIRES, Ana Paula


“A economia de guerra: a frente interna” In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo,
Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 325.

POLICARPO, João Francisco de Almeida


O Pensamento Social do Grupo Católico de «A Palavra» (1872-1913), Instituto
Nacional de Investigação Cientifica, Centro de História da Cultura da Universidade
Nova de Lisboa, Lisboa, 1992.

Idem
O “Bom Operário” Estudo de uma Mentalidade, Centro de Historia da Sociedade e da
Cultura da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1979.

PROENÇA, Maria Cândida


“A Educação” In Fernando Rosas; Maria Fernanda Rolo, História da Primeira
Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa, 2011, p. 169-189.

QUEIROZ, António José


José Domingos dos Santos – O Defensor do Povo (1887 - 1958), Assembleia da
Republica – Divisão de Edições, Lisboa, 2012.

REZOLA, Maria Inácia


O Sindicalismo Católico no Estado Novo 1931-1948, Editorial Estampa, Lisboa, 1999.

RODRIGUES, Cristina
Trabalhar em Portugal (1910-1933), Análise da legislação sobre os direitos dos
trabalhadores, IEFP, Lisboa, 2008.

RODRIGUES, Luís F.
História do Ateismo em Portugal. Da Fundação ao final do Estado Novo, Guerra e Paz,
Lisboa, 2010.

ROLLO, Maria Fernanda, PIRES, Ana Paula


Manuel de Brito Camacho, Um intelectual Republicano no Parlamento, Assembleia da
Republica – Divisão de Educação, Lisboa, 2015.

ROLLO, Maria Fernanda


“Economia no Tempo da I República”, Viva a República, Comissão Nacional para as
Comemorações do Centenário da República, 2010, p. 127-132.

SAMARA, Maria Alice

213
“Encontros e Desencontros entre República e o Trabalho”, Viva a República, Comissão
Nacional para as Comemorações do Centenário da República, 2010, p. 157-162.

Idem
Operários e Burgueses. As mulheres no tempo da República, Esfera dos Livros, Lisboa,
2007.

SAMIS, Alexandre Ribeiro


Minha Pátria é o Mundo Inteiro. Neno Vasco, o Anarquismo e o Sindicalismo
Revolucionário em dois Mundos, Livraria Letra Livre, Lisboa, 2009.

SANTOS, José Monteiro


“As primeiras associações operárias em Portugal”, Revista de Historia, nº 22/23, 1980,
p. 92-105.

SARDICA, José Miguel


Da Monarquia República. Pequena Historia Politica, Social e Militar, Alêtheia
Editores, Lisboa, 2011.

SEIXAS, Ana Margarida


Pessoa e Trabalho no Direito Portugûes (1750-1878): escravo, liberto e serviçal, Tese
de Doutoramento em Direito (Ciências Histórico-Jurídicas), (policopiado),
Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, 2012.

SERRA, João B.
“A evolução política (1910-1917), o Governo Provisório” in Fernando Rosas; Maria
Fernanda Rolo, Historia da Primeira Republica Portuguesa, Tinta-da-china, Lisboa,
2011, p. 93-128.

Idem
“Um modelo de análise política do sistema liberal republicano – Raul Proença na Seara,
1921-1931”, 7, Edições Salamandra, Lisboa, 1986, p. 47-73.

SERRÃO, Joel
“Do Socialismo ao republicanismo”, História, n.º 8, 1979, p. 2-16.

Idem
Liberalismo, Socialismo, Republicanismo. Antologia de pensamento político português,
2ª ed., Livros Horizonte, Lisboa, 1979.

SERRÃO, Joel; MARQUES, A. H. de Oliveira


Nova Historia de Portugal, Portugal da Monarquia a República, vol. XI, Editorial
Presença, Lisboa, 1991.

SILVA, António Maria


“Após a promulgação da República, inédito de António Maria da Silva”, História, n.º
12, 1979, p. 26-35.

SILVA, Fernando Emygdio


Acidentes de Trabalho, Vol. I, Imprensa Nacional, Lisboa, 1913.

214
Idem
Seguros Mutuos, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1911.

SILVA, Joaquim Palminha


“O “Estado de Sitio” de Janeiro de 1912”, Historia, nº 39, Lisboa, 1982, p. 57-67.

SOUSA, Jorge Pais


Afonso Costa: Repúblicanismo Socialista e Açao Política (1887-1911), 2015
http://www.intellectus.uerj.br/Textos/Ano12n1/JORGE_PAIS_DE_SOUSA.pdf

SOUSA, Luís de
Corrupção, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2011.

SOUSA, Manuel Joaquim


O Sindicalismo em Portugal, 4ª ed., Edições Afrontamento, Porto, 1974.

SOUZA, Dr. Marnoco e


Sciencia economia. Prelecção feitas ao curso do 2º anno jurídico do anno de 1905-
1906, Typographia França Amado, Coimbra, 1905.

TELO, António José


Primeira República. Do sonho à realidade, vol. I, Editorial Presença, Lisboa, 2010.

Idem
O Sidonismo e o Movimento Operário. Luta de Classes em Portugal, 1917-1919,
Ulmeiro, Lisboa, [1977].

TESTA, Carlos
Conflitos Internacionais e Differentes Phases de Ultimatums, Typographia Universal,
Lisboa, 1890.

Idem
Verdades Amargas sobre questões sociais, Typographia Universal, Lisboa, 1888.

THOMSON, Oliver
História do Pecado, Guerra e Paz, Lisboa, 2010.

ULRICH, Ruy Ennes


Legislação Operária Portuguesa, França Amado Editor, Coimbra, 1906.

ULRICH, Ruy Ennes


Crises económicas portuguesas, Imprensa da Universidade, Coimbra, 1902.

VASCO, Neno
Concepção Anarquista do Sindicalismo, Edições Afrontamento, Porto, 1984.

VENTURA, António
Anarquistas, Repúblicanos e Socialistas em Portugal. As convergências possíveis
(1892-1910), Edições Cosmos, Lisboa, 2000.

215
Idem
“1917 – A Greve Geral de Solidariedade”, História, n.º 39, Lisboa, 1982, p. 68-73.

VIEIRA, Alexandre
Para a Historia do Sindicalismo em Portugal, 2.ª ed, Seara Nova, Lisboa, 1974.

VILHENA, Júlio de
Problemas do Direito Moderno (opúsculos jurídicos baseados no Código Civil), vol. I,
Imprensa da Universidade, Coimbra, 1873.

VILLELA, Alvaro da Costa Machado


Seguros de Vidas (esboço histórico, económico e jurídico), Imprensa da Universidade,
Coimbra, 1898.

216
Índice

Introdução
1 - Notas prévias sobre alguns aspetos históricos políticos
A economia internacional no final do séc. XX
Aspetos legislativos
2 - O operariado nas vésperas da Republica
3 - Socialistas e anarquistas: ação política
4 - As lutas operárias e a resposta do governo
O alcance dos sindicatos
5 – O Direito Operário. Alteração do mundo laboral na transição para a República
Os tribunais de árbitros avindores.
Os regulamentos patronais
6 - A legislação internacional em Portugal
A influência das grandes lutas internacionais
O papel da OIT na legislação laboral
7 - Salários e contrato de trabalho
8 - Acidentes de trabalho e a importância dos seguros
A melhoria das condições de trabalho
A doutrina do risco profissional e da culpa
A Indemnização e a lei
A formação do trabalhador
A reação do patronato
9 - A melhoria das condições de trabalho.
Higiene, salubridade e segurança no trabalho.
As obrigações das industriais
Avanço legislativo
A mulher e o menor
Maternidade
Fiscalização
10 – Os sindicatos e a greve
Greves e instabilidade social
Relatórios
Revindicações

217
11 – O associativismo, cooperativismo e os socorros mútuos.
Alcance e sucesso
O seguro de sobrevivência
As famílias
12 – Seguros obrigatórios, o embrião da previdência social
as obrigações do patronato
O apoio na vida e na morte
13 – A evolução e a melhoria da intervenção social
A mulher e o menor
Bolsas de Trabalho e a sua importância no igualitarismo social
14 – A situação económica no país. As Bolsas de Trabalho
Protecionismo e impostos
Os câmbios e a relação com o custo de vida
15 – A agricultura e a dependência externa
A importância das exportações
As colónias e a população indígena
16 - Economia e finanças. O custo de vida
Consumo, moeda e a implicação no aumento do custo de vida
Situação internacional
Despesas soluções para minorias
Fome, carestia de vida.
17 – Soluções encontradas para minorar a crise económica
Sufrágio e sidonismo
Bens de 1ª necessidade e os lucros com a guerra
Movimentação política
18- A habitação operária. A opinião de Caeiro da Matta
Arrendamento e a proteção ao inquilino
A visão do proprietário
19 – Situação profissional e a mendicidade
Repressão e perseguição
20 – A alimentação. O regime cerealífero e o protecionismo
As cooperativas de consumo e a fraude
A qualidade alimentar, os preços e a escassez
Como a legislação respondeu às carências

218
21 – A mulher e os menores na Industria. As leis protetoras
O horário de trabalho, limites e incumprimentos
As tutórias e o Padre António Oliveira
22 – O descanso semanal e o horário de trabalho
As excepções e o incumprimento e a fiscalização
A mulher casada
23 – O ensino e a cultura. A instrução no operariado
A evolução legislativa no ensino e
Como este era visto pelos trabalhadores
A mulher e a instrução
A reforma do ensino
A relação com o desenvolvimento económico e social
24 – O operariado a Igreja e o socialismo. Como se refletem na legislação laboral
A visão de Igreja, de Afonso Costa e do proletariado
Sindicatos e associações católicas
25 – As amnistias e a autoridade
A GNR
Meios e objetivos

219

Você também pode gostar