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Mystica Urbe

Um estudo antropológico sobre o circuito neo-esotérico na metrópole

José G. C. Magnani

São Paulo, maio de 1999

INDICE

Apresentação ................................................................... 3
2

Introdução ....................................................................... 6

1. O fenômeno neo-esotérico .................................... 6


2. As interpretações .................................................. 12
3. A proposta deste trabalho .................................... 15

Cap. I - Os espaços ......................................................... 20

1. Mapeamento, classificação ................................... 20


2. A dinâmica interna ............................................... 28

Cap. II - As práticas ......................................................... 35

1.- Divulgação e formação ......................................... 36


2.- Terapias ................................................................. 44
3.- Vivências ................................................................ 49

Cap. III - As regularidades .............................................. 53

1. No tempo: o calendário .......................................... 53


2. No espaço: circuitos e trajetos ............................... 61
3. No discurso: a narrativa de base ........................... 82

Cap. IV - O ethos neo-esô ............................................... 100


1. Os freqüentadores ................................................ 101
2. A formação de uma sensibilidade ........................ 105
3. O estilo de vida neo-esô ........................................ 123

Conclusão ........................................................................ 136

Bibliografia ..................................................................... 141

Apresentação

As imagens de maior impacto, quando se quer ilustrar a vida nas grandes metrópoles
contemporâneas, têm como referente a grandiosidade de suas edificações e obras de infra-estrutura, as
repercussões dos eventos de massa e até mesmo a magnitude de suas catástrofes; ou então o particularismo de
personagens excêntricos, com seus comportamentos exóticos e ocupações pouco convencionais. Justapondo
os dois planos, tem-se como representação o indivíduo em sua singularidade, emergindo de ou sufocado pela
escala desproporcional das estruturas com as quais se enfrenta.
3

O efeito é forte, impressiona e ilustra bem uma das dimensões das grandes cidades. Mas para fazer
jus à complexidade da dinâmica urbana falta um termo nessa polaridade: aquele constituído pelas inúmeras,
ricas e mesmo surpreendentes mediações entre a instância da individualidade e a das instituições e contextos
urbanos mais abrangentes.
Se o excepcional chama a atenção, o que caracteriza os processos do cotidiano é seu caráter
reiterativo, revelado por um olhar atento às redes de sociabilidade, às formas de uso e apropriação dos espaços
públicos, às práticas e aos padrões de comportamento que fundamentam estilos de vida comuns; vistas deste
ângulo, até mesmo algumas das excentricidades assim rotuladas pela mídia terminam revelando suas próprias
e prosaicas rotinas.
Este trabalho tem como objeto de estudo a presença, na dinâmica da cidade, de um conjunto de
atividades e comportamentos que formam um circuito delimitado na metrópole paulistana. É o circuito do que
aqui será denominado “neo-esoterismo” e que, entre outras características, se apresenta como uma busca de
novos paradigmas de conhecimento, de uma espiritualidade independente de sistemas religiosos
institucionalizados e de uma visão “holística” do homem e da natureza, tendências de ampla circulação e
visibilidade nos anos 80 e 90.
Algumas associações que fazem parte desse circuito já existiam antes do chamado “boom do
esoterismo” daquelas décadas, dedicando-se ao estudo, ensino e prática de suas especialidades há algum
tempo. Tais atividades, assim como sua fundamentação, propósitos e seriedade não estão em pauta aqui: a
pesquisa não se propôs rastrear a origem, descrever o funcionamento e muito menos julgar o acerto dessas
e das novas práticas ou submetê-las a critérios de verdade; seu objetivo era identificar a lógica que transcende
o horizonte de cada uma e que assim termina produzindo efeitos no plano do comportamento de um círculo
mais amplo de usuários.
No entanto, independentemente das intenções dos integrantes de grupos, instituições e espaços que
desenvolvem suas atividades à margem de ou com anterioridade ao “fenômeno neo-esotérico”, agora estão
inseridos num mainstream onde as particularidades, válidas no interior da própria instituição, dialogam com
novas correntes, influenciam-nas e são tocadas por tendências mais gerais, responsáveis por uma imagem
pública que a mídia reverbera e não raro homogeneiza.
Isto não significa que estejam todos nivelados, nem que ao lado de praticantes de longa data e
profunda convicção não haja aqueles que só recentemente foram tocados por alguma das múltiplas mensagens
da chamada Nova Era e até mesmo aqueles para quem esse movimento é apenas um (rentável) negócio; o
presente estudo propõe-se ensaiar critérios que permitam distinguir planos e tipos que o senso comum muitas
vezes junta de forma indiscriminada.
Seja como for, o atual fenômeno do neo-esoterismo está na base de uma particular forma de pensar,
agir, comunicar-se e usufruir o tempo livre no contexto da metrópole e este é o principal objetivo do livro:
identificar a emergência e consolidação de um estilo de vida que já não pode ser relegado a escolhas
meramente individuais nem reduzido a comportamentos tidos como exóticos, desviantes.
4

Tendo como referência a área temática da Antropologia Urbana, o horizonte mais geral da pesquisa
é a análise de processos sociais e culturais que se desenvolvem em escala metropolitana procurando, através
de determinadas categorias, elucidar alguns aspectos da forma como transcorre a dinâmica cultural no
contexto da grande cidade.
O estudo teve como base um trabalho de campo com levantamentos, entrevistas, observação direta,
elaboração de mapas e listagens e contou com a participação de vários integrantes do NAU (Núcleo de
Antropologia Urbana), alguns mais diretamente na fase de coleta de dados, outros na discussão dos
resultados e leitura das primeiras versões. Registro também e agradeço os apoios financeiros do CNPq e da
FAPESP.
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Introdução

1.- O fenômeno neo-esotérico

Em fins dos anos sessenta o sociólogo Peter Berger lançava um livro com o sugestivo título Um
Rumor de Anjos, mostrando que os “sinais da transcendência” - poderosos e visíveis em épocas passadas -
teriam ficado reduzidos, nos tempos modernos, a tímidos indícios, algo assim como o som das asas dos
mensageiros divinos.
Quase trinta anos depois, outro livro volta a falar de anjos, mas desta vez na direção oposta à de
Berger. Em Presságios do Milênio: Anjos, Sonhos e Imortalidade (1996), o ensaísta Harold Bloom expõe os
exageros e contrafações desses temas nas atuais práticas “esotéricas” ou “místicas” nos Estados Unidos, em
comparação com os contextos históricos do gnosticismo cristão, cabala judaica e sufismo muçulmano, com
os quais, segundo o autor, aquelas crenças estão originariamente relacionadas. 1
A julgar pela atual disseminação, em âmbito mundial, dessas e outras práticas mais comumente
agrupadas sob a genérica denominação de “esotéricas” - fenômeno também conhecido como Nova Era,
Conspiração Aquariana, Movimento do Potencial Humano, Era de Aquário, Nova Consciência 2 - o delicado
rumor dos arautos do sobrenatural mudou de escala e subiu de tom. Agora, está por toda a parte: nos anúncios
classificados de jornais e revistas, em lugar de destaque nos estandes das livrarias e no topo das listas do mais
vendidos, é tema de talk-shows da televisão e de chats na Internet, faz parte de selecionados mailings mas
também circula nos adesivos de automóveis, é divulgado em folhetos e, finalmente, está disponível na linha
0900 de serviços de telefone.
Ponto de confluência de elementos das mais diferentes tradições, esse conjunto passou a abrigar uma
ampla gama de produtos, atividades e serviços que vai desde consultas a antigas artes divinatórias, passando
por terapias não convencionais e exercícios de inspiração oriental até vivências xamânicas, técnicas de
1
“Nossas indústrias em desenfreado florescimento de culto aos anjos, ‘experiências de quase morte’ e
astrologia - redes de adivinhação de sonhos - são versões em massa de um gnosticismo adulterado ou
travestido (...). A comercialização da angelologia e das mistificações das viagens fora do corpo junta-se
apropriadamente à história secular da astrologia e da adivinhação de sonhos mercantilizadas.” (Bloom, 1996:
32, 33)
2
Essas denominações não são sinônimos, tendo surgido em diferentes momentos, designando assim várias
nuances do fenômeno. (Cf. Heelas, 1996; Carozzi, 1998). Recentemente entrou em voga uma nova
denominação, Next Age, em substituição à anterior e supostamente já desgastada New Age. Segundo Luís
Pellegrini (1998) essa mudança não passa de um novo rótulo justamente para os excessos - principalmente o
mercantilismo, o consumismo, o cultivo do ego - cometidos sob a égide da New Age. O mesmo vale para o
fenômeno designado como millies, nos EUA, mote midiático referido à próxima virada do milênio e ligado à
moda, consumo e comportamento, com vagas referência à “espiritualidade”, “busca de equilíbrio”, etc. .
Folha de São Paulo, 21/03/98.
6

meditação, cursos e workshops sobre crenças e sistemas filosóficos de várias origens. Completa este quadro a
disseminação do consumo de artigos correlatos como compact discs de New Age e world music, livros de
auto-ajuda, incensos, cristais, pêndulos, imagens de anjos e duendes, etc.
Há quem considere a difusão desses temas e o consumo a eles ligado como um fenômeno
basicamente mercadológico. As impressionantes cifras associadas a alguns títulos da literatura de auto-ajuda,
assim como o sistema de consulta a oráculos por telefone, amplamente anunciado na mídia, reforçam essa
imagem. Trata-se, para esta interpretação, de mais um modismo escapista e passageiro, típico da sociedade
consumista, induzido por uma bem montada estratégia de marketing para vender uma linha específica de
produtos. 3
Outra posição frente a tais práticas é a de determinados órgãos corporativos - conselhos profissionais
geralmente da área da saúde - que vêem com desconfiança a crescente procura pelas terapias “alternativas”.
Apesar do reconhecimento pelo establishment médico de algumas dessas técnicas, como é o caso da
acupuntura (aceita com reservas, desde que restrita a determinadas afecções e aplicada ou supervisionada por
determinado tipo de profissional), a maioria delas é considerada desprovida de base científica. Este, aliás, é
também o argumento utilizado em certos setores da área jornalística e acadêmica para contestar a validade das
previsões da astrologia, dos efeitos da numerologia, das interpretações do tarot, das cosmologias de base
mítico-religiosa, etc.
Sem entrar, por ora, no mérito da polêmica, cabe assinalar que muitas dessas críticas consideram tais
oráculos, terapias e cosmologias como fazendo parte de um mesmo bloco indiviso, sem diferenciações e o
público envolvido é encarado como o protótipo do consumidor indiscriminado, leitor acrítico de Paulo
Coelho, seduzido por qualquer sistema dito alternativo e pronto a ver duendes em toda parte. 4
Um contato mais sistemático com esse universo, contudo, mostra que além do consumidor ingênuo
e crédulo existe um tipo mais exigente, informado e que se dedica a alguns desse temas com outra atitude:
não se pode, de pronto, nivelá-los. Para poder avaliar o alcance dessa difusão, a real profundidade de sua
inserção e as bases sobre as quais se assenta é preciso, por conseguinte, ir além do panorama desenhado pela
mídia. Com tal propósito e seguindo as próprias pistas dos anúncios colocados nos meios de comunicação,
coordenei a realização de um levantamento inicial na cidade de São Paulo que permitiu elaborar uma primeira

3
Além do sucesso editorial de Paulo Coelho (o grande ícone, tanto para os entusiastas, como para os críticos
dessa literatura), com seus 20 milhões de livros vendidos até agora - para ficar apenas com o nome mais
conhecido - cabe mencionar os inúmeros serviços telefônicos do tipo “disque-0900” que oferecem consultas e
orientações através da numerologia, astrologia, tarot, baralho cigano, runas, etc. Segundo matéria publicada
na Revista da Folha, em 14/09/97, o porto-riquenho Walter Mercado contabiliza em torno de 50 milhões de
chamadas em 23 países, incluindo o Brasil, movimentando em torno de US$ 150 milhões. A empresa dos
discípulos de Omar Cardoso, entre muitas outras, também mantém um serviço similar e seu disque 0900
registra 30 mil ligações por mês.
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Muitas dessas análises tomam como refererência ou objeto de suas críticas algumas facetas veiculadas de
forma caricata, como por exemplo a do já citado Walter Mercado e o bordão “ligue djá” de seu serviço de
consultas por telefone, ou as representações de duendes e gnomos calcadas nas imagens infantis dos contos
populares de fadas. Ainda que façam parte do circuito que está sendo estudado, não podem ser tomadas como
representativas nem do complexo tema dos sistemas oraculares, num caso, nem, no outro, dos “elementais”,
presentes sob formas diferentes mas de maneira recorrente em várias tradições, sagas e mitos.
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listagem das instituições, espaços, associações, núcleos, centros e lojas dedicados às diversas práticas
oferecidas sob a designação de “místicas” ou “esotéricas”. 5
O traço mais significativo no primeiro contato sistemático com a oferta dessas atividades, produtos e
serviços foi poder constatar, além de sua diversidade, a recorrência de alguns padrões com relação ao
funcionamento, gerência, periodicidade, recursos mobilizados e até programa arquitetônico dos espaços.
Assim, além da esperada salinha alugada para consultas e atendimento individual, foram encontradas
verdadeiras clínicas aparelhadas para o ensino e aplicação de diversas técnicas terapêuticas; centros de
estudos dedicados principalmente a atividades de formação ofereciam palestras, workshops e cursos para
uma clientela regular sobre os mais variados temas. Além dos recursos de computação, muitos desses espaços
dispõem de equipamento capaz de produzir o material necessário para os cursos; alguns possuem gráficas ou
editoras.
Nada mais distante, por conseguinte, do grupo informal e esporádico de estudos sobre algum
assunto hermético, de interesse voltado apenas para uns poucos iniciados.
Mas a lista continua: livrarias com amplo e variado estoque, farmácias especializadas, lojas com
material para o exercício das diferentes especialidades (óleos, essências, instrumentos) e outras com os já
emblemáticos cristais e incensos indianos, além de uma imensa variedade itens de consumo para o público
em geral. Entrepostos de ervas medicinais e alimentos produzidos com base em determinados princípios,
assim como feiras de produtos hortigranjeiros cultivados segundo as normas da agricultura orgânica,
completam o quadro dos estabelecimentos que oferecem a infra-estrutura e necessária base de sustentação
para as atividades desse meio.
Agências de viagem anunciam pacotes com roteiros por “lugares sagrados” em âmbito internacional
(Machu-Picchu, no Peru; Mount Shasta, na Califórnia; Varanasi na Índia, Katmandu no Nepal, entre outros) e
nacional (São Thomé das Letras - MG; Chapada dos Veadeiros/ Alto Paraíso - GO) garantindo uma forma de
lazer que se pauta por outros princípios que não os do turismo convencional. Algumas datas são celebradas de
forma diferente, nesse circuito: as brincadeiras de halloween, por exemplo, alheias ao calendário festivo
nacional mas recentemente introduzidas pelos incontáveis cursos de inglês espalhados pela cidade,
terminaram se transformando, em alguns casos, em celebrações do druidismo celta, valorizando o feminino
através da reivindicação da figura da bruxa; as passagens do solstício e de equinócio, ocorrências de reduzida
percepção no contexto urbano, assim como as fases da lua são motivo de rituais periódicos.
Toda essa atividade vai buscar sua fundamentação - às vezes de maneira mais elaborada, às vezes na
forma de um leve verniz - em alguns sistemas de pensamento e religiões de origem oriental, em cosmologias
indígenas, em correntes espiritualistas, no esoterismo clássico europeu e até em propostas inspiradas em
certos ramos da ciência contemporânea; e não poucas vezes em todos eles, simultaneamente, dando como
resultado surpreendentes bricolages.
Trata-se, enfim, de um fenômeno de proporções, consolidado na cidade, que mobiliza recursos,
envolve pessoas, modifica comportamentos, inventa ritos, propõe novas modalidades de uso do tempo livre.

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Ver, mais adiante, capítulo I
8

Diversificado, apresenta uma série de nuanças que impedem de tomá-lo como um bloco, sob pena de se
colocar num mesmo caldeirão realidades bastante diversas.
A primeira questão que se apresenta, então, é: apesar da inegável heterogeneidade - de práticas,
propósitos, fundamentação - o que é que caracteriza esse fenômeno? É possível distinguir nele alguma
unidade, podendo ser chamado de sistema, ou mesmo de movimento? Apresenta-se como herdeiro ou
depositário de alguma corrente anterior, com o qual mantém uma linha de continuidade?
Um dos pontos de referência que praticamente todas as interpretações, nativas e acadêmicas,
costumam invocar para situá-lo é o movimento da contracultura que, a partir dos anos cinqüenta, nos
Estados Unidos, ensaiava alternativas ao status quo - nos campos da política, da estética, da religião, dos
costumes. 6
Indo um pouco ainda para trás, pode-se também detectar nele a influência, entre outras, do
espiritualismo e da teosofia de fins do século XIX e, se se quiser, é possível incluir, de períodos mais
recuados, muitas outras correntes e grupos ocultistas tanto ocidentais como do Oriente, quando se pensa numa
gênese mais remota. Contudo, mais do que tentar refazer a trajetória dos múltiplos e intrincados caminhos
que, a partir das inesgotáveis fontes de antigas tradições, desembocaram no atual boom, já nas décadas de
oitenta e noventa, o que importa é reconhecer sua contemporaneidade e as dimensões que hoje ostenta.
Os desacordos, porém, já começam com a denominação, tanto entre os praticantes como entre os
analistas. No levantamento inicial foi possível constatar a presença desde correntes de forte orientação
religiosa até grupos reconhecidamente agnósticos; sociedades iniciáticas, vinculadas ao esoterismo clássico e
práticas principalmente terapêuticas; academias dedicadas a práticas corporais ligadas a tradições específicas
como o hinduísmo ou o taoismo. Que termo poderia dar conta de toda essa diversidade?
Espaços mais ecléticos se auto designam ora como “esotéricos” ora “místicos” - termos consagrados
na mídia, mas evidentemente já sem qualquer relação com o significado mais técnico que possuem no
quadro dos estudos de religião. A denominação “alternativo”, tributária ainda do movimento da contracultura,
por denotar um caráter de contestação a valores dominantes, como no caso de Ferreira (1984) é mais
comumente usado para qualificar práticas na área de saúde, como faz Russo (1993), que no entanto prefere
“complexo alternativo”; Tavares (1998), citando Champion, fala em “nebulosa místico-esotérica” e também
em “holístico”; D’Andrea (1996) seguindo a tendência internacional mais difundida emprega “New Age” ou
“Nova Era”, da mesma forma que Amaral (1998) a qual, porém, para designar os espaços concretos, utiliza
“holísticos”.
Neste trabalho mantenho a expressão que já utilizei anteriormente, - “neo- esotérico” - onde o
prefixo neo cumpre a função de estabelecer a necessária diferença em relação a dois usos já consagrados da
categoria esotérico. Em termos técnicos, no campo do estudo das religiões e sistemas iniciáticos, esotérico
designa aqueles ritos ou elementos doutrinários reservados a membros admitidos a um círculo mais restrito,
opondo-se, assim, a exotérico, a parte pública do cerimonial. O outro significado do termo é aquele
empregado por Carvalho (1998) e que poderia ser qualificado de esoterismo histórico. 7

6
E que deu origem à great rucksack revolution dos anos 60, conforme expressão cunhada por Jack Kerouac
(1958).
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A expressão em sua forma composta (e na versão apocopada, neo-esô) tem a vantagem de não ser
usada por nenhum espaço, o que lhe empresta certa distância do campo, sem contudo perder o poder
evocativo dado pelo uso atual e generalizado do termo esotérico.

2.- As interpretações

Ainda que o movimento editorial gerado pelo fenômeno neo-esotérico seja de grandes proporções,
não são muitas as obras, de dentro do movimento, que oferecem um quadro interpretativo mais global.
Dentre estas, destaco as de dois autores bastante conhecidos - Marilyn Ferguson (1980) e Fritjof Capra
([1975] 1995); ([1982] 1995 b) - apenas para apontar uma linha de interpretação bem difundida e marcar a
diferença com os enfoques de fora, de corte acadêmico.
Ferguson, jornalista e Capra, escritor e ex-pesquisador na área de física de alta energia, detectaram
os inícios da onda, tendo-se dedicado a estabelecer elos entre suas múltiplas manifestações e assim oferecer
uma visão de conjunto. Ferguson fala em “conspiração” - o título do livro é A Conspiração Aquariana (op.
cit.) - e Capra, principalmente em O Ponto de Mutação, (1995 b) refere-se à emergência de uma nova
consciência. Ambos tentam mostrar a ocorrência simultânea - silenciosa, não combinada - de iniciativas e
propostas que levam a uma significativa mudança nos modos de pensar, sentir e relacionar-se, com
conseqüências nos campos da ciência, política, saúde, religião.
Para eles, tratar-se-ia do surgimento de um novo paradigma que deixa para trás velhos modos de
encarar os contatos interpessoais, o trato com a natureza, a produção do conhecimento e as relações com o
sobrenatural. Resultado de encontros entre Oriente e Ocidente, ciência contemporânea e antigas cosmologias,
tradições indígenas e novas propostas ecológicas, é considerado um movimento de caráter transnacional,
suprarracial e interclassista, - planetário, até - que anuncia o advento de uma nova consciência mundial e de
uma nova era, já prevista segundo alguns: a famosa Era de Aquário.
Este cenário, que enfatiza o caráter harmônico, de totalidade e de complementaridade entre pólos
opostos, 8
contrasta com leituras de fora do movimento: ao vinculá-lo a determinadas características das

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(...) “um tipo particular de esoterismo que passou a ser construído no Ocidente sobretudo a partir do século
XVII, que se expandiu durante o apogeu do Iluminismo e que veio a culminar com os grandes movimentos
orientalizantes e espiritualistas da segunda metade do século XIX”. (Carvalho, 1998:56). O emprego do
termo “neo-esoterismo”, contudo, não configura nenhuma novidade, tendo sido usado por vários autores e
em diferentes contextos tais como debates, colóquios, etc. Martelli, por exemplo, (1995) também recorre a
ele, tomando-o emprestado de Berzano (1989). Este último distingue entre um esoterismo que chama de
“residual”, ligado a formas tradicionalistas e contraculturais, de outro, o qual então denomina de “neo-
esoterismo, (...) portador de instâncias críticas em relação às capacidades da ciência em responder aos
desafios do presente”. (apud Martelli 1995, p.408). Já Berger (1973 [1968] p.118) fala em “neo-misticismo”
para referir-se a uma mescla de espiritualidade e psicoterapia.
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Nos moldes de uma “meta-narrativa”, segundo a expressão de Lyotard (1989:72).
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condições de vida modernas (ou pós-modernas, conforme a periodização), estas últimas apontam mais para
os aspectos de individualismo, da fragmentação e da destradicionalização. Claro, há nuanças entre uma e
outra posição mas pode-se dizer que essa polaridade básica reproduz-se (de forma mais elaborada ou mais
ligeira) em todos os níveis da discussão.
Tomando como referência apenas o panorama da produção nacional, verifica-se que as primeiras
indagações, circunscritas ao campo de estudos da religião, tinham como quadro de referência e pano de fundo
o debate em torno do processo de “secularização” seguido por movimentos de “reencantamento”. Um dos
desdobramentos dessa discussão, que constatava um revival do sentimento e práticas religiosas após o período
de desencantamento, foi a caracterização de um novo campo religioso em termos de “mercado”. As práticas
neo-esôs, para alguns, constituíam o exemplo mais bem acabado das regras desse mercado, onde cada
consumidor, insatisfeito com as opções religiosas institucionalmente predominantes, faria as escolhas sem
maiores lealdades, seja com as origens ou com os princípios de base das doutrinas e objetos selecionados,
para compor seu próprio kit de espiritualidade.
A literatura mais específica sobre o assunto é recente e ainda pequena: alguns poucos livros, teses
não publicadas, principalmente artigos e papers apresentados em congressos e encontros. É possível, no
entanto, distinguir dois conjuntos de contribuições: um primeiro bloco é constituído por autores que, mesmo
sem haver-se dedicado explicitamente ao tema aqui denominado de neo-esoterismo, escreveram os primeiros
ensaios, tendo o mérito de haver reconhecido e registrado sua presença, sob diferentes denominações, no
contexto brasileiro. Esses autores o fizeram no interior dos estudos de religião, seu campo principal de
atuação: entre outros podem ser citados Carlos Rodrigues Brandão, Luiz Eduardo Soares e José Jorge
Carvalho, cujos insights abriram espaço para os trabalhos de uma fase posterior, oferecendo as primeiras
pistas de interpretação. O que discutem é o surgimento de novas respostas a uma situação de “crise das
instituições produtoras de sentido”, para usar o termo empregado por Brandão (1994). Alguns ressaltam o
aspecto dissonante de muitas dessas escolhas: Carvalho (1992) chama de “barbárie religiosa” certos arranjos,
em comparação com estilos de espiritualidade já consagrados (:147); Soares refere-se a uma “nova
consciência religiosa”, em diálogo com e em resposta às condições de vida na modernidade: em seu citado
artigo “Religiosos por natureza: cultura alternativa e misticismo ecológico no Brasil”, termina afirmando que
“a nova consciência religiosa parece ser, afinal, o último avatar do racionalismo moderno ocidental ou a
expressão mais radical de um de seus efeitos mais significativos” (1989:143). 9

O campo fora reconhecido, mas não ainda constituído: o uso de termos como “transumância”,
“andarilho”, “nomadismo” para designar o caráter fugidio dessas novas opções no terreno religioso denotava
também a necessidade de novas estratégias para lidar com um fenômeno mais recente, a demandar pesquisas

9
As contribuições desses autores deu-se principalmente a propósito ou por ocasião de encontros que
terminaram em coletâneas. Os títulos são sugestivos: “Sinais dos Tempos: Seitas no Brasil” (1989); “Sinais
dos Tempos: Tradições religiosas no Brasil” (1989); “Diversidade Religiosa no Brasil” (1990); “O impacto da
modernidade sobre a religião” (1992), todos promovidos pelo ISER. “Misticismo e Novas Religiões” (1994),
promoção da PUC/SP e IFAN e, finalmente, na USP: “Dossiê Magia” (1996). Cabe lembrar o texto “La
Croyance aux Parascienses: de nouvelles formes de religiosité?” de Eduardo Diatahy B. de Menezes
(1989/90).
11

especificamente voltadas para ele: são estas que constituem o segundo bloco dos estudos voltados para temas
do neo-esoterismo.
Estando ainda em seus inícios, é possível listar grande parte dos trabalhos atualmente disponíveis: “A
ciência dos mitos ou o mito da ciência”, estudo pioneiro de José F. Ferreira Neto (1984), sobre ufologia; “O
mundo da astrologia”, de Luiz Rodolfo Vilhena (1990); “O corpo contra a palavra”, sobre terapias corporais,
de Jane Russo (1993); “Relativismo Mágico e Novos Estilos de Vida”, sobre literatura de auto-ajuda, de
Patrícia Birmann (1993); “Mosaicos de si: uma abordagem sociológica da iniciação no tarô”, de Fátima R. G.
Tavares (1993); “Nova Era: um desafio para os cristãos” de Leila Amaral et alii (1994); “Esotéricos na
Cidade: os novos espaços de encontro, vivência e culto” de José. G. C. Magnani (1995); “Bioenergética: Uma
abordagem etnográfica do corpo”, de Carmita Lima de Santana; “O Self perfeito e a Nova Era:
Individualismo e Reflexividade em Religiosidades Pós-Tradicionais” de Anthony D’Andrea, (1996); “O
buscador e o tempo: um estudo antropológico do pensamento esotérico e da experiência iniciática na
Eubiose”, de Antônio Carlos Fortis (1997), “Carnaval da Alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova
Era”, de Leila Amaral (1998); “Alquimias da Cura: um estudo sobre a rede terapêutica alternativa no Rio de
Janeiro”, de Fátima R. G. Tavares (1998).
Como se pode perceber, em se tratando de pesquisas concretas, os recortes são mais específicos:
alguns sobre sistemas oraculares e técnicas de cura, outros sobre determinada prática ou sociedade iniciática;
há também levantamentos sobre a disseminação do fenômeno e tentativas de buscar sua lógica interna,
articulando-o com seja com a metrópole, seja com determinadas características da contemporaneidade,
pensada como “alta modernidade”, “modernidade tardia” ou “pós-modernidade”, conforme a linha ou autores
adotados. 10
Os quadros interpretativos, conquanto levem em conta a dimensão religiosa, já não se
circunscrevem a ela: fatores de caráter mais geral, principalmente a questão da reflexividade, a presença de
uma “cultura psicológica” preexistente, a emergência do pensamento ecológico, entre outros, são
incorporados à análise.

3.- A proposta deste trabalho

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No encontro “VII Jornadas Alternativas Religiosas na América Latina” (São Paulo, 22 a 25 de setembro de
1998) foi possível ampliar esse quadro, com apresentação de papers sobre práticas no Distrito Federal e
Recife; primeiros resultados de novas pesquisas em Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo além de contribuições
vindas da Argentina. A quantidade de trabalhos propostos nesse encontro, classificados na rubrica
“Esoterismo/Nova Era”, dá uma idéia do interesse que o tema vem despertando como objeto de pesquisa: 48,
sobre um total de 191. Em segundo lugar vinham trabalhos sobre religiões evangélicas (40), depois
catolicismo (29); afro-brasileiras (28); outras religiões (25) e trabalhos de caráter geral (21). Fonte: Secretaria
das VII Jornadas. Ao final, na bibliografia, estão as referências aos principais trabalhos apresentados nas
mesas redondas dedicadas a temas da Nova Era..
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A contribuição mais imediata do conjunto dessas pesquisas - para além da diversidade dos recortes
empíricos e das orientações seguidas - foi demarcar o campo e mostrar sua especificidade com relação aos
temas e enfoques habituais nas ciências da religião que forneceram os primeiros quadros explicativos. Todas
compartilham o pressuposto de que, contrariamente ao que diz o senso comum, não se está diante de um
mero fenômeno de mercado e, diferentemente do que algumas das primeiras interpretações deixavam
entrever, não se trata de um “caos semiológico”, um mosaico indigesto e sem sentido: parece haver alguma
ordem nesse ruído todo sendo necessário, para detectá-la e descrevê-la, desenvolver uma estratégia específica
de pesquisa.
Da mesma forma que os demais estudos, o presente trabalho também reconheceu a heterogeneidade
constitutiva do fenômeno neo-esotérico, tendo percebido a partir de um primeiro contato que não se tratava
de algo fútil, descartável, facilmente rebatido com dois ou três lugares-comuns sobre a objetividade da
ciência versus a credulidade do público. O grau e as formas de adesão, a extensão do negócio e, por fim, a
capacidade de gerar comportamentos mostram que se está diante de algo que vai além de um mero modismo
passageiro sujeito às escolhas aleatórias de cada consumidor tomado individualmente.
Com efeito, observando de forma sistemática, notou-se a ocorrência de determinadas regularidades -
na implantação e distribuição dos espaços, nas normas de funcionamento, no calendário das atividades e até
num discurso de base. A pesquisa buscou, então, um enquadramento para o entendimento do fenômeno,
procurando pistas não tanto pelo viés negativo - como resposta à suposta falência das religiões
institucionalizadas ou à crise de “instituições produtoras de sentido” - mas na própria positividade do
movimento, percebido como gerador de comportamentos coletivos, no contexto da cidade. O que o diferencia
de outros trabalhos é que neste caso pretende-se determinar sua lógica não a partir de características internas
ao movimento mas dos vínculos e pactos que estabelece com a dinâmica cultural onde está inserido - com o
ritmo, as instituições e a paisagem da metrópole.11
A pergunta inicial foi suscitada por uma constatação empírica: ao término de um estudo sobre formas
de lazer e sociabilidade na metrópole paulistana 12
, chamaram a atenção as atividades de certos personagens
como cartomantes, adivinhos, tarólogos, - que se supunha atuarem em recintos fechados e de forma privada -
em plena atuação em viadutos do centro, em praças e em lojas em bairros de classe média: afinal de contas,
tais práticas diziam respeito a indagações sobre o futuro, tratavam com o destino, a saúde e problemas
espirituais do consulente - ou ao menos era o que seus oficiantes apregoavam. E, no entanto, eram realizadas
no espaço público ou em contextos pouco afeitos ao mistério, recolhimento e privacidade, como era possível
comprovar principalmente no chamativo caso das “feiras místicas” montadas em parques, shopping-centers,
praças e clubes.

11
O que não significa que pesquisas claramente situadas no campo de estudos de religião não possam buscar
este tipo de relação com o contexto e práticas urbanas. Ver, a propósito, “Povo-de-Santo, Povo de Festa:
estudo antropológico do estilo de vida dos adeptos do candomblé paulista”, de Rita de Cássia de Mello
Peixoto Amaral (1992) e “Os Orixás da Metrópole”, de Vagner Gonçalves da Silva (1995).
12
Magnani, J.G.Cantor - “Os Pedaços da Cidade” - Relatório final CNPq, 1991; Na Metrópole: Textos de
Antropologia Urbana, (co-org., com Lilian de Lucca Torres), EDUSP, (1996).
13

Observando mais de perto, verificou-se ademais que, além desta surpreendente visibilidade, mudara
também seu sistema de funcionamento: a maneira como muitos destes serviços estavam sendo oferecidos
contrastava com o estilo habitual - o contato pessoal com a cartomante atendendo em sua própria casa, ou
com o adivinho, no recesso de uma sala escura e repleta de objetos misteriosos. Agora era diferente: a
leitura das cartas, a interpretação do I-Ching, o alinhamento dos chakras, a prática de yoga, a aplicação do do-
in e outras tantas atividades que integram, de uma forma genérica, o caldeirão das práticas neo-esotéricas,
finalmente modernizavam-se: seus praticantes não desdenham equipamentos, condições e técnicas -
computação, marketing, terceirização, franchising - comuns a qualquer das atividades de prestação de
serviços nos grandes centros urbanos. O neo-esoterismo virara empreendimento (micro) empresarial!
Tratava-se, sem dúvida, de mudanças significativas e se, para muitos, essa modernização e
mercantilismo redundam na perda de aura e mistério, para a pesquisa, contudo, constituíram valiosos
indícios na busca de uma via explicativa nova. Começava a ganhar corpo uma hipótese apontando para a
emergência de novos padrões de comportamento no contexto da cidade e em consonância com determinadas
tendências da vida contemporânea.
Com efeito, ao assumir abertamente e sem rebuços essas atitudes, os usuários atuais afastam-se dos
antigos moldes, quando uma consulta a cartomantes, xamãs, adivinhos - feita de maneira clandestina ou
envergonhada - era vista como uma regressão a práticas primitivas. Por outro lado, já não se estava
propriamente diante de atividades “alternativas”: instaladas em espaços próprios, em processo de legitimação
institucional e com forte presença na mídia, encontram-se já incorporadas no dia-a-dia e na paisagem das
grandes metrópoles.
Em suma - não obstante a primeira impressão produzida pela notável amplitude, fragmentação e
variabilidade do universo das crenças e práticas neo-esôs - quando se olhava o fenômeno desde outro ângulo,
o das condições atuais de implantação na cidade, o panorama era outro. Em vez de lugares inacessíveis,
freqüentados de forma esporádica por uma clientela difusa, o que se constatava era a oferta regular de
determinados bens e serviços em endereços bem localizados, para um público consumidor formado por
pessoas escolarizadas, de bom poder aquisitivo (condições necessárias, aliás, para manter o consumo de itens
caros e sofisticados) sensíveis ao argumento da qualidade de vida e interessadas por temas tão diversos como
filosofias orientais, ecologia, valorização do feminino, terapias soft.
Tornou-se factível, então, postular que a regularidade dessa oferta - em termos de implantação
espacial, regras de funcionamento, periodicidade - é a base sobre a qual se desenvolvem e consolidam
comportamentos que, longe de serem o resultado de meras escolhas individuais, conformavam um
determinado estilo de vida claramente reconhecido, com valores, padrões de consumo e formas de
sociabilidade peculiares cultivado preferencialmente dentro de um novo conceito de utilização do tempo livre
.
13

13
Segundo o projeto de pesquisa “Espiritualidade em ritmo metropolitano: os novos espaços de encontro,
vivência e culto na cidade” (Magnani, 1994), o objetivo da pesquisa era (...) “identificar e analisar a
emergência de padrões de comportamento que, como hipótese, começam a caracterizar significativamente a
oferta e procura de bens na área das práticas mágico-esotéricas no contexto das grandes cidades, instituindo
modos ou estilos de vida diferenciados. De ‘alternativas’, essas práticas passam cada vez mais a disputar e
14

Diante do heteróclito e cosmopolita universo dessas práticas - que iam da crença em duendes
nórdicos ao uso de florais canadenses, do consumo de incenso indiano à prática da acupuntura chinesa, da
meditação tibetana ao shiatsu japonês, dos livros de auto-ajuda americanos ao xamanismo siberiano, da
bruxaria celta aos rituais dos índios da Amazônia - surgia a preliminar e básica pergunta: por onde começar?
Os passos iniciais da pesquisa foram dedicados à busca de um primeiro, ainda que provisório,
ordenamento. São dessa etapa o mapeamento, na cidade de São Paulo, dos espaços onde tais práticas são
oferecidas, a descrição do programa arquitetônico de alguns estabelecimentos-tipo, sua classificação em
grupos a partir dos objetivos, normas de funcionamento e natureza do produto ou serviço que oferecem.
A partir de um contato mais próximo com os espaços e as práticas foi possível, então, detectar e
descrever as regularidades que estão na base de seu funcionamento e organização, distribuição no tempo e no
espaço e também do discurso que lhes serve de fundamento. Finalmente chegou-se ao perfil dos usuários, -
desde o tipo mais erudito até o consumidor ocasional - em busca de padrões que permitem explicar seu
comportamento em termos de “estilo de vida”, tendo como fundamento uma matriz discursiva comum e como
base de sustentação os “circuitos” e “trajetos” que se recortam na paisagem da cidade.

ocupar um espaço visível e legítimo, organizando-se, para tanto, em moldes empresariais, procurando alianças
com outras instituições já estabelecidas e buscando um discurso de fundamentação próprio”.
15

Capítulo I - Os espaços

Segundo a hipótese inicial que norteou a pesquisa, as atividades neo-esôs, tal como foram
identificadas no contexto da metrópole, não são o resultado de iniciativas individuais e atomizadas e nem
respondem a uma demanda aleatória, difusa ou clandestina, circunscrita ao limites restritos de uma relação
pessoal entre adivinho e consulente. Ao contrário: desenvolvidas em termos profissionais e realizadas de
maneira constante, apresentam formas de implantação plenamente reconhecíveis na paisagem urbana,
configurando uma extensa rede constituída por espaços, agências, publicações, encontros, congressos,
treinamentos intensivos e forte presença na mídia.

1.- Mapeamento e classificação

A primeira e necessária providência para se ter acesso a tal rede e avaliar seu alcance foi elaborar um
levantamento das instituições, espaços, associações, núcleos, centros e lojas dedicados a essas práticas. A
listagem obtida 14
- que numa primeira versão reuniu mais de 1.000 endereços - foi elaborada a partir das
seguintes publicações: o semanário dominical Shopping News que mantinha uma coluna, “Vida Alternativa”,
com temas e anúncios de serviços na área do neo-esoterismo (foram compulsadas 55 edições, anos 1990 e
1991)15 ; o suplemento semanal São Paulo da revista Veja, (item “esotéricos” dos classificados, de março de
1990 a maio de 1992); revista Agenda Alternativa (julho, agosto, outubro de 1991; fevereiro, abril, maio,
junho de 1992). Outra fonte de informações foi o próprio trabalho de campo que permitiu colher endereços a
partir dos folhetos, prospectos, folders, cartazes, agendas e cartões de visita expostos e distribuídos nos
diferentes espaços visitados.
A listagem inicial fornecia uma primeira aproximação que, evidentemente, precisava ser trabalhada
até constituir uma peça mais confiável. Após uma série de revisões chegou-se ao número de 842 endereços,
resultado que continua longe de ser definitivo, pois alguns desses espaços surgem e desaparecem muito
rapidamente: a lista precisa ser atualizada constantemente. 16

14
Feita no início da primeira etapa da pesquisa, anos 1991/1992. Participaram de sua elaboração Lilian de
Lucca Torres, Luiz Groppo, Cristiane Gonçalves.
15
Publicação dominical distribuída gratuitamente nos domicílios da região central da cidade e que na época
do levantamento apresentava quatro cadernos, mais dois suplementos (trinta páginas no total) contendo
informações, temas e matérias variadas sobre urbanismo, saúde, moda, comportamento, ecologia, turismo,
compras, com destaque para a cidade de São Paulo.
16
Não se tratava, contudo, de uma tarefa meramente burocrática, pois o manuseio da listagem permite
identificar aquelas instituições de maior tradição - e as de fôlego curto - assim como também acompanhar
16

Foram estabelecidos três cortes, agrupando os diferentes distritos de acordo com o número de
ocorrências de espaços dedicados ao neo-esoterismo: Vila Mariana (103 espaços), Pinheiros (86), Jardins
(84), Perdizes, (61) constituem o primeiro grupo; em seguida vêm Moema (47), Campo Belo (40), Itaim Bibi
(35), Santana (30), Consolação (26), Saúde (22), Santo Amaro (20), Ipiranga (19), Sé (19), República (18),
Bela Vista (18), constituindo o anel intermediário. Jabaquara (15), Lapa (14), Liberdade (14),
Tatuapé (11), Mooca (10), Santa Cecília (8), Belem (7), Butantã (6), Cambuci (6), Cidade Ademar (6), Vila
Prudente (6), Morumbi (5), Alto de Pinheiros (4), Raposo Tavares (4), Vila Sônia (4). Este é o último grupo,
desprezando-se, para efeitos de consignar no mapa, os demais bairros com ocorrências inferiores a 3 espaços.
17

É interessante observar que o núcleo mais denso não cobre propriamente o centro da cidade, mas
quatro bairros - Perdizes, Pinheiros (direção oeste), Jardins, Vila Mariana (direção sul), caracterizados como
bairros de classe média e média-alta, amplamente providos de serviços e equipamentos urbanos. A área que
aparece em segundo lugar em

Mapa dos espaços neo-esôs no Município de São Paulo

seus movimentos e tendências no mapa da cidade. Por outro lado, a contínua checagem da lista possibilita
assinalar o momento de fechamento do corpus, ou seja, quando as informações (referentes às instituições
agrupadas no interior dos itens classificatórios) começam a repetir-se é sinal que o universo construído a
partir de fontes abertas (as séries, mesmo incompletas, de publicações) começa também a mostrar seu perfil
definitivo; novos endereços constituiriam meros acréscimos a um núcleo já delineado, ou então permitiriam
observar tendências tendo como referência esse núcleo.
17
Com o propósito de transpor para o mapa da cidade de São Paulo as informações do endereçário, foi
necessário proceder a um reagrupamento, uma vez que a divisão em bairros tal como aparecia na listagem (a
partir dos anúncios) não coincidia com a dos distritos usada pela Secretaria das Administrações Regionais da
Prefeitura do Município de São Paulo.
17

número de ocorrências abrange o Centro, (Sé, Consolação, República) mais alguns bairros antigos (Ipiranga,
Bela Vista) e outros - Moema, Campo Belo, Itaim Bibi, de classe média e média-alta.
Com a finalidade, porém, de ir além da mera localização e introduzir um segundo principio de
ordem frente à impressão inicial marcada pela heterogeneidade de propósitos, crenças e rituais que caracteriza
o universo do neo-esoterismo, os estabelecimentos levantados foram submetidos a uma primeira e provisória
classificação levando-se em consideração os objetivos a que se dedicam, as normas de funcionamento interno,
o produto que oferecem. Desta forma foram identificados cinco grupos: Grupo I -- Sociedades iniciáticas;
Grupo II - Centros integrados; Grupo III - Centros especializados; Grupo IV - Espaços individualizados;
Grupo V - Pontos de venda. Os 842 espaços listados assim se distribuíam, de acordo com esta classificação:

Grupo I 36 4,28 %
Grupo II 109 12.95 %
Grupo III 131 15,56 %
Grupo IV 261 31,00 %
Grupo V 284 33,73 %
(Outros) 21 2,48 %
Total 842 100,00 %

Grupo I - Sociedades iniciáticas: caracterizam-se por apresentar um sistema doutrinário com base
em princípios filosófico-religiosos definidos, com um corpo de rituais próprios e níveis de iniciação
codificados; possuem graus de hierarquia interna, permitindo distinguir ao menos entre o conjunto de
seguidores e os mestres/dirigentes. Muitas delas são filiais, adaptações ou criações locais inspiradas em
instituições com sede ou origem no exterior. Fazem parte deste grupo, entre outras, as seguintes instituições:
Sociedade Teosófica no Brasil, Sociedade Brasileira de Eubiose 18
, Sociedade Antroposófica, Rosa Cruz
Amorc, Sociedade Internacional Rosacruz Áurea, Círculo Esotérico Comunhão do Pensamento.
Este grupo é constituido basicamente por entidades que se inserem numa linha de continuidade,
algumas com o movimento teosófico-espiritualista do séc. XIX e outras, com as sociedades secretas da
franco-maçonaria do século XVIII. 19
Anteriores ao atual boom do neo-esoterismo e produtoras de sínteses
doutrinárias próprias, constituem pontos de referência para muitos participantes do universo neo-esô, alguns
dos quais foram nelas iniciados. 20
18
Até 1969 denominada “Sociedade Teosófica Brasileira”.
19
Que, por sua vez, remontam ao rosacrucianismo do século XVII, e daí ao movimento hermético-cabalista
da Renascença, ao gnosticismo cristão do século I DC, às “religiões de mistério da antiguidade tardia”
(Burkert, 1992) e assim por diante, numa lógica onde mito e história imbricam-se para produzir uma
continuidade que se pretende sem interrupções. (Ver, a propósito, Fortis, 1997). Como se poderá comprovar
mais adiante, essa lógica também está presente no discurso dos atuais neo-esotéricos: as sínteses daí
resultantes, contudo, ao contrário das daquelas vetustas sociedades, são mais efêmeras, conjunturais, sujeitas
às vicissitudes das trocas na dinâmica metropolitana.
20
A primeira loja teosófica no Brasil foi fundada em Pelotas (RS) em 1902; O Círculo Esotérico da
Comunhão do Pensamento data de 1909; A Sociedade Antroposófica, de 1917; a Sociedade Teosófica
Brasileira (Eubiose), de 1916; A ordem Rosa-Cruz Amorc de 1956 e a Escola Espiritutal da Rosa-Ctruz Áurea
de 1956. (Fortis, op. cit.). Outras instituiçõs que podem ser incluídas no Grupo I são as várias Fraternidades
(Aquarius-Sofia, dos Guardiães da Chama, Pax Universal e outras), Ordens (Golden Dawn, do Templo, dos
Guardiães da Luz, etc.).
18

No entanto, o Grupo I pode também, para efeitos classificatórios, conter outras instituições que,
mesmo sem apresentar o aspecto iniciático que caracteriza este conjunto, nele foram incluídas por
apresentarem ao mesmo tempo um caráter propriamemente religioso e certas semelhanças e proximidade
com o meio neo-esô. De fundação recente e com formas de gerenciamento e organização interna mais
modernas, cultivam, entre outras características o ideal da prosperidade, a busca do auto-aperfeiçoamento, a
preocupação com a ecologia etc. 21
Cabe uma observação especial com relação ao budismo: apesar de sua inegável e importante
influência sobre o movimento neo-esotérico, enquanto sistema religioso não foi incluído no universo do
presente estudo. A pesquisa de campo, conquanto presente em atividades desenvolvidas em alguns dos
inúmeros centros, escolas e templos das variadas linhagens e procedências (tibetana, chinesa, japonesa, etc.)
não pretendeu tomá-las em sua relação com o arcabouço institucional e doutrinário budista já que isso teria
exigido uma linha de análise que fugia ao enquadramento da pesquisa 22.
Grupo II - Centros integrados: São aqueles que reúnem e organizam, num mesmo espaço, várias
serviços e atividades como consultas através de algum dos diferentes sistemas oraculares, terapias e técnicas
corporais alternativas, palestras e cursos de formação, venda de produtos, vivências coletivas. Não apresentam
um corpo doutrinário fechado mas fundamentam suas escolhas (no campo editorial, no leque de serviços que
oferecem, na linha de produtos que vendem) com base em uma corrente em particular ou num conjunto de
discursos mais ou menos sistematizado, podendo, contudo, combinar elementos de várias tendências
filosóficas, religiosas e esotéricas clássicas.
Gerenciados em moldes empresariais - muitos deles são microempresas - têm como base o trabalho
de profissionais da casa (geralmente são os proprietários) mas abrem espaço para atuação permanente ou
esporádica de pessoal de fora. 23
“Iluminati - Centro de Desenvolvimento Humano”; “Espaço Cultural Tattva

21
Soka Gakkai, Sociedade Internacional da Consciência de Krishna, entre outras e também as chamadas
“novas religiões” - Igreja Messiânica Mundial, Seishô-no-ie, Perfect Liberty - assim denominadas em
contraposição às “religiões estabelecidas” - basicamente Budismo e Xintoísmo, das quais, assim como
também do Cristianismo e de crenças populares, incorporam diversos elementos. Surgidas em torno de líderes
carismáticos, têm grande participação de mulheres (em muitos casos como fundadoras) , dando pouca
importânica à distinção entre clero e laicato. Voltadas prefencialmente para a vida codidiana, enfatizam o
tema da prosperidade mais do que questões ligadas à vida depois da morte. Alguns autores vinculam seu
surgimento com situações de crise social e econômica no Japão, principalmente no período da depressão e do
militarismo e após a segunda guerra. (Cf. Pereira, 1992:29-35)
22
É bem conhecido o fascínio que o budismo e filosofias genericamente rotuladas de “orientais” exerceram
sobre os movimentos precursores do neo-esoterismo como a contracultura e a geração beat nos Estados
Unidos. As interfaces do movimento neo-esô com as grandes religiões constituem um tema à parte. Se o
budismo (enquadrado de forma genérica, junto com o hinduísmo e taoismo, numa suposta vertente “oriental”)
tem seu lugar garantido, o mesmo não ocorre com as religiões da tradição judaico-cristã. Destas, o que é
absorvido é antes o que rejeitam, escondem ou circunscrevem a grupos específicos - misticismo, bruxaria,
cabala, sufismo - do que aquilo que é pregado em sua teologia e praticado nos cultos oficiais. Quando
elementos e personagens centrais são incorporados (Cristo, Maria) entram como parte de outros arranjos
paradigmáticos: Cristo é um “avatar”, ao lado do Conde Saint-Germain, Buda, etc.; Maria é introduzida,
juntamente com outras entidades femininas no panteão da “Grande-Mãe”, “Grande-Deusa” e assim por
diante.
23
Algumas de suas características serão descritas mais adiante, no item 2, “Dinâmica interna”.
19

Humi”; “Triom - Centro de Estudos Marina e Martin Harvey: Livraria, Editora, Cursos”; “Espaço
Astrolábio”, entre outros, integram o Grupo II.
Grupo III - Centros especializados: Incluem associações, institutos, escolas, academias e clínicas
voltados para pesquisa e ensino de algum tema específico, assim como treinamento e/ou aplicação de
algumas das técnicas correspondentes - dança, artes marciais, artes divinatórias, práticas terapêuticas. Podem
comportar mais de uma atividade mas a principal é que dá o nome: “Associação Palas Athena - Centro de
Estudos Filosóficos”; “Paz Géia - Instituto de Pesquisas Xamânicas”; “Ceata - Centro de Estudos de
Acupuntura e Terapias Alternativas”; “Escola Amor - Associação de Massagem Oriental do Brasil”; “Instituto
de Naturopatia Holística Ponto de Luz”, entre outros.
As instituições deste grupo, classificadas pela atividade que oferecem - seja o ensino de temas
específicos, seja o treinamento e aplicação de técnicas particulares - não se diferenciam dos espaços definidos
no grupo anterior na sua forma de organização, estilo de gerenciamento e dinâmica interna. Apesar da
especialização, característica que formalmente as distingue dos Centros Integrados, na prática oferecem
também outros serviços de forma complementar. Em termos da implantação física e dos vínculos de
sociabilidade que seus frequentadores terminam criando, muitas delas aproximam-se do modelo do Grupo II.
Grupo IV - Espaços individualizados: São aqueles onde se oferece alguma das mais conhecidas
modalidades de práticas neo-esotéricas, a cargo de uma ou duas pessoas, mas sem uma identificação
particular ou proposta mais geral. Não apresentam uma linha doutrinária ou arranjo específico no interior do
universo do neo-esoterismo, nem organização gerencial, mas uso comum das instalações, quando se trata de
mais de um profissional. Exemplos: "Faz-se mapa astrológico: Marlene"; "Liu Chi Ming, José Domingos
Resende: Acupuntura e massagem"; "Lydia Vainer, astrologia e Valéria Pasta, reflexologia"; "Michelle e Henri
Feldon: cura através dos chakras"; "Quirologia, consultas individuais com Celi Coutinho"; "Tânia e Mauro:
Shiatsu". "Pela primeira vez nesta cidade: Dona Laura, búzios e tarô"; "Profª Milena: Astrologia, Grafologia,
Búzios e Tarô".
Este grupo - o segundo maior na listagem inicial (261 casos, o que corresponde a 31 % do total) -
constitui a forma mais simples e menos dispendiosa de exercício das práticas neo-esotéricas: inclui os
numerosos casos em que duas ou mais pessoas apenas compartilham um espaço (algumas salas, por exemplo)
para atender a seus clientes e os casos muito mais numerosos ainda de atendimento individual, na própria
residência do especialista. Abrange a legião de cartomantes, videntes, “sensitivas”, quiromantes, 24 e até pais e
mães-de-santo, ekédis e ogãs que jogam búzios. São práticas oferecidas e encontradas em todo o espaço da
cidade através de uma rede informal de circulação de informações que inclui principalmente folhetos, simples
cartões de visita deixados em painéis de avisos de centros maiores, "por ouvir dizer", recomendação de
amigos.
Tais atividades apresentam, pois, uma série de características que não só justificam sua inserção num
grupo especial, como apontam para problemas bastante específicos, sendo um deles sua aproximação com o

24
Que se apresentam com o costumeiro bordão "Madame Cleide, pela primeira vez nesta cidade”, apelo que
remonta ao caráter muitas vezes nômade dessas personagens, a exemplo de outra manifestação itinerante de
cultura popular, o circo, com suas atrações e novidades.
20

universo da religiosidade popular. 25


Na outra ponta deste grupo, contudo, podem ser encontrados
estudiosos e pesquisadores de algum ramo esotérico que até fazem atendimentos, mais por hobby do que por
necessidade de profissionalização.
Grupo V - Pontos de venda: Em virtude de seu caráter claramente comercial, são os que mantêm
com o universo do neo-esoterismo uma relação mais instrumental e pragmática que doutrinária. Apesar dessa
característica não se pode descartar, em muitos desses espaços, um genuíno interesse e envolvimento de seus
proprietários ou funcionários pelos aspectos filosófico-espirituais do ramo, o que se manifesta na forma de
aconselhamento e indicações de uso. Importantes livrarias do circuito neo-esotérico como a Spiro e a Zipak,
por exemplo, não apenas vendem livros ou oferecem algum tipo de orientação ao consumidor: servem de
contato entre profissionais e seus clientes, promovem palestras, divulgam eventos, organizam vivências.
É o grupo mais numeroso: 284 ocorrências, correspondendo a 33,73% do total. É constituídos por
livrarias, farmácias homeopáticas e de ervas, agências de turismo eco-esotérico e produtoras de eventos, feiras
e entrepostos de produtos orgânicos, lojas de comercialização de imagens de duendes, incenso, ornamentos,
talismãs, fitas de música new age, etc. Exemplos: “Forma e Magia”; “Distribuidora de Produtos Esotéricos”;
“Shopping Mágico Alemdalenda”; “New Age Viagens e Turismo”; “Mundo Verde: produtos naturais-
dietéticos-esotéricos”; “Sankar Sana - distribuidora de artigos indianos”.
Por fim, cabe reiterar que esta classificação em cinco grupos é aproximativa, pois nem sempre os
estabelecimentos concretos, em sua diversidade e polivalência, se encaixam clara ou exclusivamente neste ou
aquele item: sua finalidade é introduzir um primeiro princípio de organização e estabelecer um quadro inicial
de referência. Neste, os Centros Integrados ocupam um lugar especial pois reunem, num só espaço,
características específicas de todos os demais, razão pela qual foram privilegiados como objeto de
observação. A partir da observação mais próxima de alguns deles foi possível apreender o ambiente, o
“clima” desses espaços que, apesar de diferentes, apresentam uma aura particular, para usar um termo
corrente no meio. Concorrem para a produção desse clima especial a distribuição dos espaços internos, a
etiqueta e normas de uso.

2.- A dinâmica interna


25
Uma rápida verificação desses folhetos permite, contudo, perceber uma nova tendência: geralmente os
serviços oferecidos tem como fundamento a vidência ou o espiritismo, incluindo consulta com guias
umbandistas e uso dos búzios; a maioria deles, contudo, já vêm apregoando, sistematicamente, o emprego do
trio “cartas/búzios/tarô . Um desse folhetos é particularmente significativo: prometendo solução para “a
depressão, angústia, insegurança e insucesso para obter o auto conhecimento”, apresentava os serviços da
“célebre d. Olga, orientadora espiritual, médium da linha oriental, vidente, que emprega baralho astrológico,
tarô, búzios, energização com cristais, e mapa astral pessoal”. Incluía ‘angiologia’ (sic): “saiba tudo sobre seu
anjo”, mas sem esquecer o velho e bom patuá para o amor. “Não confunda com outras!” , é a advertência
final...
21

O primeiro aspecto a ser observado foi o tipo de edificação ocupada pela maioria dos Centros
Integrados (Grupo II) e por muitos do Grupo III. Já a partir do levantamento inicial pôde-se constatar que os
espaços desses grupos geralmente funcionam em casas térreas e sobrados: as plantas baixas e elevações de
alguns deles mostram sobrados geminados, com aproximadamente 150 m² de área, de 3 dormitórios, duas
salas, copa e cozinha; é um tipo de edificação ainda marcante na paisagem de alguns bairros de classe média
paulistanos, principalmente nas regiões sul e oeste. Em razão do novo uso, foram reapropriados e
reorganizados de acordo com necessidades de uso ditadas pelas práticas
22

Fachada do Espaço Holístico Casa das Tradições.


23

Planta do Espaço Holístico Casa das Tradições


24

neo-esotéricas, embora as reformas não tenham implicado alterações físicas de caráter estrutural.
O espaço interno apresenta a seguinte disposição: a) sala de recepção, loja/livraria; b) balcão para
chá/café/lanches; c) auditório/salão para práticas coletivas; d) saletas para atendimento; e) biblioteca, no caso
dos centros maiores. Este programa responde à principal característica dos Centros Integrados que se
dedicam a várias atividades no campo do neo-esoterismo, através da combinação de cursos, palestras,
vivências, tratamentos terapêuticos, venda de produtos. Percebe-se um continuum desde a área mais pública
da recepção, onde o amplo painel informa o programação do mês, passando para o espaço dedicado à venda
de livros, objetos, fitas, etc. em direção ao auditório, amplo e equipado para palestras e cursos.
Na parte mais interna - nos fundos, ou quando se trata de sobrado, no pavimento superior, no lugar
dos antigos dormitórios - encontram-se as saletas de atendimento. As janelas são mantidas fechadas e a
iluminação é do tipo regulável: a penumbra e o silêncio constituem as condições ambientais para a correta
aplicação e aproveitamento das técnicas.
Existe toda uma etiqueta condizente com essa reordenação de espaços e funções. Na recepção pode-
se sentar, conversar; o movimento é mais livre, favorecendo o clima de encontro e sociabilidade. Mas no
antigo setor social da casa, agora dedicado a vivências e rituais, ou nas salas de atendimento do andar
superior, muda o comportamento. Região liminar da casa, a recepção ainda abriga um pouco de tudo o que se
faz lá fora (conversas, luz mais intensa, agitação); no espaço considerado interno, entretanto, uma nova
postura é solicitada: tiram-se os sapatos, cerram-se os lábios. Ultrapassado o limite que deixa para trás o
exterior, a luz diminui até chegar à penumbra - o equivalente ao silêncio na fala e no andar. O espaço
mobiliado torna-se espaço vazio e o corpo muitas vezes tem de acomodar-se ao chão ou à almofada em vez da
cadeira:

“Nessa primeira parte do sobrado as luzes são intensas, pode-se falar normalmente e até rir sem
estardalhaço. No entanto, ao passarmos pela porta da recepção que conduz ao restante da casa, nota-
se imediatamente a mudança. Entramos em um corredor com meia luz e forte cheiro de incenso.
Deixamos nossos sapatos e bolsas e mochilas na sapateira e nos cabides sob a escada que leva ao
andar superior. Ana Terra nos convida a entrar na sala madeira, a sala das aulas de todos os cursos.
Cada sala tem o nome de um dos elementos da natureza (água, terra, fogo, ar), que para adeptos da
massagem oriental inclui a madeira, relacionada ao fígado.” 26

Em resumo, na área interna - ao contrário do que ocorre com o uso habitual do espaço, que em parte
subsiste na recepção - imperam o silêncio, a penumbra, o vazio, o aroma de incenso, produzindo um clima de
paz e recolhimento, em contraposição à fala, ao cheio, ao ruído e ao movimento que preenchem, na
experiência diária, o espaço construído.27

26
Evento “Consciência Corporal e Dança”, Escola A.M.OR. (Associação de Massagem Oriental). 05/08/1996,
20h. (relato: Adriana C. Capuchinho).
27
Cf. Fortis, 1994, também autor dos desenhos da fachada e plantas mostradas.
25

Com relação ao funcionamento interno, um bom número de Centros Integrados e Especializados tem
registro de micro-empresa. Além dos funcionários administrativos, contam com profissionais "da casa" - os
responsáveis pelos cursos de formação ou pela prática terapêutica que constitui a pièce de resistance do
espaço - mas recebem e promovem a participação de pessoal de fora. Informatizados, dotados de
infraestrutura capaz de produzir e editar ao menos material informativo, de publicidade e apostilas, muitos
deles contam até com editoras.
Com relação aos serviços oferecidos, a pesquisa pôde perceber que uma das características que
diferenciam os centros integrados dos demais grupos é justamente a de oferecer atividades de todos ou quase
todos os conjuntos em que estão subdividadas as práticas neo-esotéricas . Mesmo no caso dos Centros
Especializados, a maior ou menor ênfase nesta ou aquela prática dependerá da forma como cada instituição
elabora sua proposta: pode estar centrada numa linha mais formativa, de estudo e pesquisa (palestras, cursos
regulares, seminários, oficinas), como é o caso da “Associação Palas Athena - Centro de Estudos Filosóficos”
que apresenta uma ampla biblioteca (9.000 títulos), possui um centro editor responsável pela revista semestral
Thot, livros 28
e um informativo das atividades. Apesar deste enfoque, entretanto, não descura práticas como
yoga, tai-chi-chuan, lian gong, meditação.
Já o Espaço Cultural Tattva Humi, tipicamente um Centro Integrado, mais eclético, oferece cursos -
divididos em “terapêuticos” (cura prânica; reiki; massagem bio-psíquica); “esotéricos” (baralho cigano;
energização dos mestres e dos anjos; técnicas de iniciação do Antigo Egito) e “científicos” (projeção extra-
física; neurolinguística; alquimia ambiental), mantém ambulatório (de cura prânica, reiki e florais), atividades
permamentes como dança do ventre, yoga tibetano, além de rituais (lua cheia, lua nova) e de palestras. 29
Mas a oferta de todas essas práticas não é aleatória ou indiscriminada. Existe uma lógica: o anúncio
de palestras gratuitas à noite, nos fins de semana, atrai um público que toma conhecimento das outras
atividades, como os cursos e atendimentos, devidamente pagos. Tais cursos versam sobre temas que também
são abordados de forma prática, através de atendimento terapêutico (shiatsu, cromoterapia, radiestesia) ou da
venda do produto (florais de Bach, essências aromáticas, pêndulos). Essa estratégia é reforçada, de tempos em
tempos, com atividades do tipo bazares, vivências coletivas e rituais por ocasião do solstício de inverno, ou
equinócio de primavera, lua cheia, excursões eco-esotéricas, etc.
Produz-se, assim, uma espécie de relação que, se não configura necessariamente proselitismo do
tipo confessional/religioso, traduz-se em laços de lealdade e identificação. Os espaços que integram o circuito
neo-esô, e especialmente os Centros Integrados, oferecem ao usuário uma forma de conhecimento, em
seguida produtos que complementam esse conhecimento, uma aplicação prática e a possibilidade de vivenciá-
los de maneira coletiva.
Para concluir a caracterização pode-se identificar seus modelos institucionais. Trata-se, como foi
mostrado, de atividades que funcionam como pequenas empresas localizadas na região mais central e em

a) Formação e divulgação; b) Terapias; c) Vivências. Ver adiante, capítulo III.


28
Entre outros, “O Poder do Mito”, de Joseph Campbell (1993), de grande sucesso editorial; “Cartas a um
amigo“, de Nagarjuna (1994); “Mente Zen, mente de principiante”, de Shunryu Suzuki, tradução de Odete
Lara (1994)
29
O termos e as informações foram retiradas da programação do mês de abril de 1998.
26

bairros privilegiados do ponto de vista de equipamentos e serviços urbanos e, finalmente, agenciadas de


acordo com um programa arquitetônico funcional. Nesse aspecto aproximam-se das demais lojas e
estabelecimentos comerciais instalados em sobrados e casas antigas recicladas desses bairros que oferecem
os mais variados serviços.
Se tal é o padrão de implantação e gerenciamento, a relação que se estabelece entre seus
profissionais e o público usuário segue o modelo terapeuta/paciente e o de mestre/aprendiz. O mote do
autoconhecimento, um dos eixos articuladores do discurso neo-esotérico, permite uma associação com o
trabalho que se desenvolve na relação entre terapeuta e paciente, professor e aluno, só que - e aqui reside
uma das especificidades das práticas neo-esôs - os princípios, a fundamentação, a base desse trabalho são
outras. Ancoradas numa concepção "sistêmica", "holística", o que essas práticas contestam é justamente o
modelo ocidental - tanto de ciência (racional, cartesiano) como de cura (biomédico, tecno-farmacológico). 30

Mas seu formato é preservado, incorporado, até como mais uma estratégia de legitimação de atividades que
não gozam ainda do aval das instâncias de poder.
O ambiente de clínica ou escola, entretanto, é complementado e amenizado pela presença de outro
modelo, o do lazer. Os Centros Integrados, e também alguns Centros Especializados, pontos de de referência
estáveis no circuito neo-esostérico, constituem lugares de encontro e sociabilidade para pessoas cuja
formação, gostos, preocupações espirituais e hábitos de vida se assemelham. Nesses espaços os temas não são
apenas discutidos ou ensinados: são praticados, vivenciados em grupo, complementados por objetos de
consumo (livros, revistas, fitas cassette e de vídeo, peças ritualísticas e decorativas, óleos aromáticos,
amuletos) que são vistos, apreciados, comentados.
Desta forma, a freqüência aos Centros Integrados - seja por ocasião de alguma palestra ou ritual,
seja na forma de uma busca mais sistemática de um caminho espiritual - enseja o estabelecimento de laços
entre os próprios usuários que aí encontram uma opção também para seu tempo livre mais de acordo com o
estilo de vida que cultivam e que os aproxima.

30
Este aspecto será retomado mais adiante.
27

Capítulo II - As práticas

Da mesma forma como foi feito em relação aos espaços que integram o circuito neo-esô, a pesquisa,
após um tempo de contato com as atividades neles desenvolvidas, experimentou vários princípios
classificatórios com o propósito de também enquadrá-las num conjunto inteligível. A tarefa não se mostrou
de fácil resolução: além da previsível variedade, tais práticas apresentam-se como “holísticas”, o que
significa, entre outras conotações, que englobam as “dimensões espiritual, física e mental”.
Assim, dificilmente uma atividade dirige-se com exclusividade a um só desses planos: na maioria das
vezes uma palestra termina com uma vivência coletiva, da mesma forma que um ritual sempre começa com
uma explicação do sistema ou tradição de que é originário e uma terapia corporal exige o concurso de
energias espirituais. Como, portanto, classificá-las? Apesar desses complicadores, e em nome também da
simplicidade, optou-se finalmente por um quadro com apenas três divisões:
1 - Divulgação e formação: inclui aquelas atividades destinadas a difundir os diferentes sistemas e
ensinar suas aplicações através de palestras, cursos, aulas abertas, demonstrações, simpósios, congressos.
2 - Terapias: grupo que inclui toda a variedade das práticas de atendimento individual ou coletivo
voltadas para a cura e prevenção de distúrbios e também técnicas para o desenvolvimento de potencialidades
psíquicas ou corporais.
3 - Vivências: grupo que inclui cerimônias e ritos realizados por ocasião de datas especialmente
significativas seja para o universo neo-esô como um todo, seja para determinado sistema ou espaço em
particular e durante workshops de treinamento intensivo e coletivo de determinada prática.31

1. - Divulgação e formação

Os espaços do circuito neo-esô desenvolvem uma intensa programação destinada à divulgação de


suas atividades, discussão de seus temas, formação de quadros e consolidação de uma clientela. Não se trata
contudo, como já foi dito, de uma atividade de proselitismo, nos moldes de associações religiosas: ao invés
de “doutrinação”, os especialistas dos diferentes sistemas, apesar de sua crítica a métodos excessivamente
racionais em detrimento da via mais emocional e intuitiva, buscam o convencimento - através de palestras,
cursos, demonstrações, discussão de filmes, lançamento de livros, seminários, simpósios, congressos.

31
No decorrer da pesquisa (até 1997 inclusive) foram realizadas mais de 70 idas a campo para observação
dessas práticas, 66 das quais foram objeto de registro e descrição mais detalhada. Algumas das idas a campo
e correspondentes relatos foram realizados por membros do NAU: quando for o caso, haverá menção expressa
da autoria.
28

Oferecidas principalmente em espaços dos Grupos II (Centros Integrados e III (Centros Especializado), as
atividades de divulgação e formação pautam-se antes pelo modelo da escola ou do grupo de estudo e
pesquisa do que da seita religiosa ou iniciática. As modalidades deste item podem ser reunidas basicamente
em três sub-grupos.
Em primeiro lugar as de divulgação propriamente ditas, que compreendem palestras, demonstrações,
aulas abertas e fazem a primeira aproximação com o público. São gratuitas, mas não sem algum
compromisso: em geral os folhetos solicitam que os interessados façam sua inscrição previamente por
telefone - pois “as vagas são limitadas” - e cheguem com “quinze minutos de antecedência”. Essas
recomendações obedecem a uma estratégia: a garrafa térmica com chá, à entrada, enseja um primeiro contato
entre os participantes e destes com o pessoal da casa, permitindo o preenchimento de uma ficha que será
utilizada para posterior envio de correpondência via mala direta e porporcionando um tempo para a
apreciação dos livros, cds. e demais objetos à venda. Exemplos:

“INSTITUTO PARA EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA”: Palestras


gratuitas - agosto/97

01 - Massagem Tântrica: a alquimia do amor


08 - A doença e a cura na Era de Aquarius
15 - Aula aberta do Grupo de Movimento
22 - Radiestesia e Radiônica
29 - Dança do Ventre: a arte sagrada do feminino.
“Reserve sua vaga pelo telefone ou pessolmente no IEC; o número de
pessoas é limitado”

“TRIOM - Centro de Estudos Martina e Martin Harvey


Palestras: entrada franca - inscreva-se com antecedência”

Como já foi assinalado, a palestra grátis é também uma forma de interessar o público nas demais
atividades do espaço e eventualmente permitir um aprofundamento do tema da palestra através de cursos, que
constituem o segundo sub-grupo deste item e que podem ser de longa, média e curta duração. Os primeiros,
de longa duração, destinam-se principamente à formação de profissionais que poderão eventualmente exercer
o ofício por conta própria, mas também constituem a principal forma de continuidade dos princípios e
métodos de trabalho da própria instituição - uma espécie de mecanismo de reprodução de sua estrutura
simbólica e de seus quadros. Assim, por exemplo, é condição para vir a ser membro pleno da Associação
Palas Athena ter concluído o curso de Introdução ao Pensamento Filosófico que mantém em sua programação.
Outros espaços, com diferentes propósitos, também oferecem cursos de longa duração:

“PAZ GÉIA: Curso de Formação de Facilitadores Xamânicos - Direção de Carminha Lévi. Duração
3 anos”
29

“ESCOLA AMOR - Associação de Massagem Oriental do Brasil - “Formação em Massagem e


Sensibilidade”. Duração: 2 anos”

“ARUNA YOGA: Formação de instrutores de yoga. Duração: março a dezembro”.

Os cursos de média duração - de dois, três meses, em média, - abarcam um espectro mais amplo na
medida em que incluem outros temas além daquele que define a principal atividade da casa. Podem, desta
forma, ser ministrados por profissionais de fora e em princípio representam para o público uma oportunidade
de aprimoramento pessoal ou de reciclagem. Alguns exemplos:

ESPAÇO ASTROLÁBIO

 Curso de cristais: Quarta-feira - 14:00 às 16:00 e 20:00 às 22:00. (5 meses)


 Cabala: Módulo I (3 meses)
 Florais de Bach (4 meses)
 Radiestesia e Radiônica: Módulo I (1 mês); Módulo II (2 meses); Módulo III (3 meses)

E, finalmente, os cursos de um ou dois dias, geralmente nos finais de semana:

ESPAÇO CULTURAL TATTVA-HUMI - Janeiro de 1998

 Cristais - Dias 17 e 18 (das 9 às 18 horas)


 Angelologia - Dias 19 e 26 (das 20 às 22 horas)
 Projeção extrafísica - Dia 24 (das 9 às 19 horas)
 Feng Shui - Dias 24 e 25 (das 9 às 17 horas)
 Transcomunicação instrumental - Dia 30 (das 20 às 22 horas)
 Numerologia - Dia 31 (das 9 às 17 horas)
 Reiki I - Dias 31/1 e 1/2 (das 9 às 17 horas)

Outras modalidades complementam, nos espaços, essa programação destinada à divulgação de


temas, princípios e sistemas que compõem o universo do neo-esoterismo. São: lançamento de livros, acesso a
bibliotecas com salas de leitura e empréstimo de volumes, projeção e discussão de filmes, relatos de viagens
e/ou experiências iniciáticas, demonstração de técnicas e produtos, apresentações musicais. 32
Cabe registrar
também uma intensa produção, nos próprios espaços, de textos de apoio na forma de apostilas, folhetos,
manuais.
Merecem destaque, entre outros, pelo alcance: a Gráfica e Editora da Associação Palas Athena com
uma linha própria de publicações; “Planeta”, revista mensal de tradição e prestígio no meio neo-esô que no

32
Não se pode deixar de assinalar, independentemente do circuito dos espaços, o conhecido e significativo
movimento editorial (livros, revistas, cds.) cuja especificidade exigiria um tratamento à parte. Da mesma
forma cabe apenas assinalar, já que não foram objeto do presente estudo, programas de rádio e televisão
dedicados a temas neo-esôs.
30

ano de 1997 comemorou seus 25 anos de presença no mercado nacional 33


. Esta última mantém uma seção
chamada Agenda que informa mensalmente as atividades - palestras, cursos, encontros, workshops -
oferecidas pelos espaços principalmente de São Paulo 34. E como não poderia deixar de ser, é possível acessar,
via Internet, o site Agenda Esotérica que, entre muitos outros, exibe a programação periódica de inúmeros
espaços.
O terceiro sub-conjunto deste grupo - congressos, encontros, simpósios - apresenta um outro tipo
de dinâmica que complementa a analisada nos anteriores: trata-se de eventos que, de certa forma, apresentam
o lado público do debate em torno dos temas neô-esôs. Alguns exemplos:

“VII Encontro para a nova consciência: o pensamento da cultura emergente” (Campina Grande-PB,
20/24 de fevereiro de 1998);

“VI Congresso holístico e transpessoal internacional: a sabedoria da Europa, a força emergente dos
EUA, o coração da América Latina e as tradições do Oriente representados pelos mais famosos
especialistas no assunto (Águas de Lindóia/SP, de 4 a 7 de setembro de 1997);

“VIII Conferência Internacional de Metafísica” - promoção da Fraternidade Pax Universal, São


Paulo, Centro de Convenções do Anhembi, 14/15 de junho de 1996);

“Simpósio Saúde Integral no limiar da alta tecnologia: diálogo transdisciplinar entre as práticas
terapêuticas de origem Ocidental e Oriental” (10, 11 e 12 de maio de 1996, Centro de Convenções do
Anhembi, São Paulo);

“Imaginária 95: Arte, Ciência, Economia e Espírito numa visão de futuro”. (Sesc/Pompéia, São
Paulo, de 6 a 12 de novembro de 1995).

Enquanto os espaços, no seu dia-a-dia - através das palestras e cursos - dedicam-se a desenvolver e
ensinar as princípios, sistemas e técnicas que fazem parte de sua proposta, esta outra modalidade oferece a
oportunidade de encontros mais amplos, organizados segundo o formato de congressos científicos ou
convenções empresariais. O evento “Imaginária 95”, por exemplo, um dos que foram acompanhados de
perto pela pesquisa, foi precedido de um intenso marketing na mídia e realizado em moldes profissionais,
com base no apoio de uma extensa lista de instituições patrocinadoras 35
. Na parte da manhã ocorriam as
palestras, a cargo dos especialistas convidados; à tarde, colóquios nos quais os palestrantes entravam em

33
Foi fundada em 1972 pelo conhecido escritor Ignácio de Loyola Brandão, por encomenda de Luis Carta, da
Editora Três, nos moldes da congênere francesa “Planète”, de Louis Pauwels e Jacques Bergier, estes últimos
também autores do famoso “Le matin des magiciens: introduction au réalisme fantastique”, de 1960, lançado
no Brasil com o título “O despertar dos mágicos” (1975) Cf. Revista Planeta, Ed. 300, ano 25 n. 9, setembro
de 1997.
34
A edição nº 305, de fevereiro de 1998, anunciava 131 eventos, oferecidos por 28 espaços e instituições,
para o período de 15 de fevereiro a 15 de março de 1998.
35
O evento foi realizado por “Imaginária Produções Culturais (da jornalista Mirna Grzich, conhecida pelo
programa “Música da Nova Era” que dirigiu durante dez anos na Rádio Eldorado FM (92,9 mhz) e Sesc-
Pompéia, com patrocínio do Banco Real e Nutrimental; promoção da Revista Isto É, Rede Bandeirantes de
Televisão, Rádio Eldorado, Sistema NET de TV a cabo; apoio de Yazig International, Parthenon Flat, Câmara
Americana de Comércio, Pico Cinematográfica e Ministério da Cultura - lei federal de incentivo à cultura;
colaboração da Associação Palas Athena, Centro de Comunicações de Artes do Senac, Fundação Brasileira
para o Desenvolvimento Sustentável e Instituto de Estudos do Futuro.
31

contato mais direto com o público, ampliando e discutindo o tema apresentado. Entremeando e amenizando
essas atividades, consideradas a parte central do evento, havia os rituais, (dança nativa americana, danças de
Findhorn, dança ritual árabe, ritual judaico), a mostra de vídeos, os shows musicais.
Uma das características pretendidas por esses encontros é a multidisciplinaridade. Isto significa não
apenas debate entre diferentes correntes e movimentos do próprio meio neo-esô, como a presença de outros
sistemas, seja da ciência, da política, instituições privadas etc. Assim, o “Imaginária 95” - cujo subtítulo era
“Arte, Ciência, Economia e Espírito numa visão de futuro”, apresentava-se como “encontro de especialistas
de diversas áreas em torno de soluções criativas para o futuro e de novas visões de mundo numa sociedade
em tranformação”.
Essa multidisciplinaridade, entretanto, tende a polarizar-se em torno de dois eixos, Ciência versus
Tradição, por exemplo, ou de outros que mantenham esse mesmo contraste ou distância. Assim, no simpósio
“Saúde integral no limiar da alta tecnologia” a tensão era entre “Ocidente versus Ocidente”, conforme se
depreende de uma chamada de seu programa de atividades: “Diálogo transdisciplinar entre as práticas
terapêuticas de origem ocidental e oriental”.
Apesar das declarações em favor de uma atitude de diálogo entre “Ciência e Tradição”, “Ocidente e
Oriente”, etc., a tônica das discussões induz a tomar partido pelo segundo desses pólos, considerando o outro
como representante dos valores ocidentais, do paradigma racionalista, da visão positivista, de desvios
tecnocráticos. No entanto, tal visão considera haver certos setores da ciência que fogem a esse modelo pois
não só não se chocam com a perspectiva da tradição, como ademais a confirmam: são aqueles considerados,
no meio neo-esô como “de ponta” ou identificados com a busca de novos paradigmas. 36
No final das contas
termina-se fazendo uma aliança entre o saber tradicional, acumulado em diferentes culturas, e as hipóteses
consideradas mais arrojadas de algumas disciplinas.
Mas se uma ciência mais convencional, identificada com instituições universitárias e centros de
pesquisa comprometidos com o status quo, é descartada em favor de pesquisas e indagações afinadas com
pontos de vista “holísticos”, essa mesma ciência “oficial” reaparece, meio à sorrelfa, com outra função: a
busca de legitimidade. Assim, a participação, nesses congressos, de acadêmicos de instituições consagradas
é peça fundamental num processo de legitimação pública de sistemas e atividades enfrentados com reservas,
desconfiança e até com medidas legais por parte de órgãos que detêm o monopólio sobre determinado
campo, em especial da área médica.
Na lista dos acadêmicos anunciados na programação oficial de evento “Imaginária 95” cabe chamar
a atenção para a titulação colocada em destaque: Ubiratan D’Ambrosio “doutor em matemática (USP), pós-
doutorado na Brown University, professor emérito da UNICAMP”; Alfredo Padma Samten Aveline, “ex-
professor no Departamento de Física da UFGS (1969/1994), fundador e atual presidente do Centro de

36
Entram nesse rol, por exemplo, tanto a chamada “Hipótese Gaia”e a “Teoria do Caos”, como a mecânica
quântica, a biologia molecular, etc. Ver mais adiante, item 3 do Capítulo III..
32

Estudos Budistas, dedica-se aos fundamentos epistemológicos da Teoria Quântica, é membro do corpo
docente da Universidade Holística Internacional, em Porto Alegre”; Carlos Arguello, “com pós-graduação na
USP e pós-doutorado nos EUA, é professor de física na UNICAMP, criou e dirigiu o Museu Dinâmica de
Ciências de Campinas, dedicado à melhoria do ensino de ciências”; José Zatz, “físico e engenheiro eletrônico
formado pela USP, foi pesquisador associado ao Centro Nuclear de Saclay (França) e ao Centro Europeu de
Pesquisas em Genebra”.
A presença de outras figuras de projeção, em seus respectivos domínios, reforça essa busca por
legitimação. No evento “Imaginária 95”, por exemplo, constavam ainda da programação, entre outros: Jaime
Lerner, então prefeito de Curitiba, conhecido por seus projetos urbanísticos para essa cidade; Fernando
Gabeira, deputado federal ligado a causas ecológicas e direitos humanos; Fábio Feldman, à época deputado
federal ligado à defesa do meio ambiente; Amyr Klink, economista e navegador, membro da Royal
Geographical Society, protagonista de arrojadas travessias marítimas em veleiros (Cabo Horn, Ártico) e autor
de best-sellers com o relato de suas aventuras. E mais: os cantores e/ou compositores Gilberto Gil, Marlui
Miranda, Fortuna. No simpósio “Saúde Integral...” estavam anunciados: Frei Betto, Ângelo Gaiarsa, Roberto
Shinyashiki, Pierre Weill, Carlos Byington; no “VI Congresso Holístico Transpessoal Internacional”: Rose
Maria Muraro, Roberto Romano, Carlos Rodrigues Brandão, rabino Henry Sobel e assim por diante. 37
A participação de alguns convidados especiais, geralmente estrangeiros, pode ser encarada como
parte dessa mesma estratégia: no caso do evento “Imaginária 95” vale citar: “Edgard D. Mitchell, astronauta,
membro da Expedição Apollo 14, sexto homem a caminhar pela superfície lunar, fundador do Institute of
Noetic Sciences (1972), voltado para pesquisas destinadas aprofundar os insights que teve a partir de sua
experiência no espaço”; Grand Father Semu Huaute, “um dos mais respeitados índios americanos”, segundo
o release, xamã e healer da nação chumash, originária da Califórnia; Barbara Marx Hubbard, futuróloga, ex-
candidata à vice-presidência dos EUA em 1984, fundadora da School For Conscious Evolution. Elisabet
Sahtoris, bióloga e ecologista, defensora da “Hipótese Gaia” 38
, co-fundadora da Worldwide Indigeneous
Science Network; Stanley Krippner, psicólogo e antropólogo, dedicado a estudos sobre xamanismo; Peter
Russel, físico, consultor de empresas; Ralph Abraham, matemático, especialista na Teoria do Caos. 39
Em resumo: trata-se de invocar o testemunho da ciência considerada oficial (ainda que
desqualificando alguns de seus fundamentos epistemológicos), o prestígio de instituições reconhecidas e a
aura de personalidades de renome de forma a construir um multifacetado argumento de autoridade em favor

37
No II Congresso Holístico Internacional, realizado em Belo Horizonte (1991) a lista de convidados incluía,
entre outros: José Angelo Gaiarsa, Rose Maria Muraro, Ailton Krenak, Cristovam Buarque, Ubiratan
D’Ambrósio, Celina Albano, Carlos Byington, Mirna Grzich. Como se pode perceber, alguns nomes
constituem presença constante nesses eventos.
38
Sistema hipotético que procura explicar o equilíbrio do planeta. Desenvolvida por James Lovelock e Lyn
Margulis, postula que a Terra, ao invés de constituir espaço ou ambiente para o desenvolvimento de formas
de vida, é ela própria um supra organismo auto regulado - dotado de consciência, em algumas versões - que
mantém as condições necessárias para a existência e manutenção das diferentes espécies. (Thompson, 1990).
39
Todas os titulos, especialidades e atribuições dos nomes citados constam dos folhetos e programas dos
respectivos eventos.
33

de sistemas de pensamento, crenças e práticas muitos dos quais são gozam do reconhecimento oficial e/ou
legal.
Não se trata contudo de mera estratégia, no sentido de um artifício montado de forma consciente e
subreptícia: a participação de cientistas nesses encontros não significa nem que estejam sendo manipulados,
nem que se identificam com a totalidade dos pressupostos das posições holísticas. Muitos deles, aliás,
manifestam claramente sua insatisfação com os paradigmas vigentes e a necessidade da busca de modelos
inovadores. O certo é que há setores do movimento neo-esô que realmente colocam em pauta e discutem
questões que não fazem parte da agenda ou currículo das universidades, instituições e centros de estudo
oficiais; muitas de suas formulações são altamente elaboradas e sofisticadas. 40

2.- Terapias

Este item compreende um conjunto de práticas, através do atendimento pessoal ou coletivo, voltadas
para o diagnóstico, cura e prevenção de distúrbios e para o desenvolvimento de potencialidades nos planos
corporal, psíquico e espiritual. Também conhecidas como “alternativas”, 41 essas terapias apresentam-se como
portadoras de alguns atributos que servem de contraposição às convencionais - aquelas desenvolvidas por
especialidades médicas cujo aprendizado e exercício estão sujeitos a normas contidas em textos e
mecanismos de ordem legal e institucional.
Tais atributos são, entre outros, seu caráter “holístico”, “soft” e “natural”. Pelo primeiro deles
opõem-se à excessiva especialização da medicina oficial, procurando levar em consideração o paciente em
sua totalidade - corpo/mente/espírito - e em relação com os diferentes planos em que está inserido, desde o
meio ambiente imediato até o nível cósmico mais abrangente; pelo caráter soft apresentam-se como menos
agressivas em suas intervenções, menos caras que o complexo tecno-hospitalar das modalidades hard, e
40
O que tampouco quer dizer que não haja atitudes oportunistas, levianas e de má fé por detrás de muitas
propostas diluídas no eclético e cambiante universo neo-esô. O que está em pauta aqui não é separar o joio do
trigo, identificando as propostas “sérias” e sim captar lógicas e tendências mais gerais, como já foi
ressalvado no item “Apresentação” deste trabalho. Não é preciso mencionar a desconfiança e ceticismo com
que práticas do movimento neo-esô são vistas por parte do establishment acadêmico: a questão da
“cientificidade”de muitas formulações correntes no meio neo-esô abre uma discussão à parte. O físico norte-
americano Alan Sokal, autor do polêmico Impostures Intellectuelles (1997), em que denuncia o emprego
abusivo e errôneo de conceitos das ciências exatas por parte de alguns renomados autores da área de ciências
humanas (filosofia, linguística, teoria literárica) como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Bruno Latour, Gilles
Deleuze, entre outros, considera o não menos conhecido Fritjof Capra (autor de “O Tao da Física” [1995], “O
Ponto de Mutação” [1995 b], “A Teia da Vida” [1997] referências obrigatórias nos círculos neo-esôs) como
um físico sério - principalmente nos primeiros trabalhos - mas não deixa de criticar o contexto em que este
autor manipula, neste livros, as formulações da mecânica quântica, por exemplo. (Comunicação pessoal do
autor, quando de sua participação, juntamente com Jean Bricmont, no evento “Visões de Ciência”, Instituto
de Estudos Avançados e FFLCH/USP, 27 e 28 de abril de 1998, São Paulo). Marcelo Gleiser, autor de A
Dança do Universo - Dos Mitos de Criação ao Big Bang (1998) e Retalhos Cósmicos (1999) reconhece a
complementaridade entre a ciência e determinadas tradições filosóficas orientais e relata que sua decisão de
dedicar-se à física foi em parte determinada pela leitura de Capra. (Revista Planeta, fevereiro de 1998).
41
Russo (1993:112) uso o termo “complexo alternativo” para referir-se a um dos campos onde situa as
terapias corporais que analisa em seu trabalho.
34

menos dependentes de equipamentos. E, finalmente, são “naturais” pelo fato de, tendo como princípio o poder
curativo do próprio organismo vivo, para reforçá-lo ou regenerá-lo usam elementos naturais de preferência à
via medicamentosa de base química.
Classificar as inúmeras práticas dessa área de atuação do universo neo-esô no interior de um quadro
onde se possa minimamente discriminá-las com base em algum critério não é tarefa fácil 42
. No entanto,
mesmo correndo o risco de uma certa arbitrariedade, vale a pena o exercício de distribuí-las segundo alguns
princípios simples e advindos do próprio universo semântico do campo. O principal deles e mais difundido, já
explicitado acima para estabelecer um ponto de corte com as terapias convencionais, é o princípio holístico
que, aplicado à própria doença permite entendê-la como um estado de desequílibrio, seja de origem interna
ao organismo ou externa a ela, em seu regime de trocas com o meio, desde o mais imediato até o que abrange
a dimensão cósmica. O que as terapias se propõem é restaurar esse equilíbrio, ativando ou fortalecendo o
fluxo energético, e podem fazê-lo através e a partir de cada uma das três dimensões que para a visão holística
devem estar integradas, em plena harmonia: a dimensão mental, a física e a espiritual.43
Assim, é possível classificar a maior parte das terapias alternativas conforme os planos - “mente,
corpo, espírito” - que as técnicas, instrumentos e métodos privilegiam para estabelecer a ordem ameaçada
pela doença: No primeiro sub-grupo, que privilegia o plano mental, estão aquelas práticas que ativam “os
poderes da mente”, como as “mancias” e sistemas divinatórios em geral - astrologia, baralho cigano, cabala,
cleromancia, encromancia, geomancia, I-Ching, numerologia, quirologia, quiromancia, radiestesia, runas, tarô
etc. Ao contrário do que vulgarmente se acredita, a maioria dessas práticas não é empregada para adivinhar o
futuro dos consulentes - ao menos nos espaços neo-esôs dos grupos I, II e III; nestes, e no contexto
terapêutico, são usados principalmente como instrumentos de diagnóstico e de acesso ao conhecimento
interior. Neste sub-grupo incluem-se as técnicas de programação neurolinguística (PNL), iridologia,
psicossíntese, psicologia transpessoal, terapias de vidas passadas (TVP), treinamento autógeno (TA),
regressão, jogo da transformação, diferentes modalidades de meditação, desdobramento, viagem astral,
canalização.
Se a via escolhida é a do plano físico, então é sobre o corpo que inicialmente incidirão as ténicas de
cura: é possível distinguir o sub-grupo das práticas mais propriamente denominadas de “terapias corporais” 44

em que o papel mais ativo cabe ao terapeuta, compreendendo as massagens áurica, auto-massagem dirigida,
42
Há pesquisas específicas sobre esste tema: Russo (op.cit.), por exemplo, propõe uma divisão em quatro
grupos das práticas que constituem o que chama de “complexo alternativo”: a) “Práticas divinatórias ou
esotéricas”; b) “Práticas orientais”; “Seitas mais explicitamente religiosas”; d) “Práticas curativas paralelas à
medicina oficial”. Entretanto, ela própria termina concluindo que “trata-se sem dúvida de uma classificação
bastante precária” e aduz o motivo para isso: a dificuldade em encontrar critérios para operar a classificação
(: 113).
43
“Para desenvolvermos uma abordagem holística da saúde que seja compatível com a nova física e com a
concepção sistêmica dos organismos vivos, não precisamos abrir novos caminhos, mas podemos aprender
com os modelos médicos existentes em outras culturas. O moderno pensamento científico - em física, biologia
e psicologia - está conduzindo a uma visão da realidade que se aproxima muito da visão dos místicos e de
numerosas culturas tradicionais, em que o conhecimento da mente e do corpo humano e a prática de métodos
de cura são partes integrantes da filosofia natural e da disciplina espiritual. A abordagem holística da saúde e
dos métodos de cura estará, portanto, em harmonia com muitas concepções tradicionais, assim como sera
compatível com as modernas teorias científicas”(Capra, 1995 b:299).
35

ayurvédica, a bioenergética (e outras, de inspiração reichana), o do-in, eutonia, quiroprática, reiki, rolfing,
shantala, shiatsu, toques sutis, tui-ná; depois, o sub-grupo das técnicas onde o paciente é que desenvolve o
papel mais ativo: são principalmente as “práticas corporais” - aikidô, biodança, dança clássica indiana, danças
circulares sagradas, danças étnicas, dança flamenca, dança do ventre, hologinástica, jin shin jyutsu, liangong,
qi gong, relaxamento, respiração holotrópica, self-healing, yoga, tai-chi-chuan, entre outros; e, finalmente, o
sub-grupo das práticas com a utilização de algum elemento externo: acupuntura, aromaterapia, aura-soma,
auriculopuntura, cromoterapia, cromopuntura, cristaloterapia, energização com pirâmides, moxaterapia,
fitoterapia, homeopatia, florais e outras mais do gênero.
Quando o processo terapêutico visa mais diretamente o plano espiritual procurando reestabelecer a
harmonia do indivíduo com dimensões identificadas com o sobrenatural (daí esperando-se a cura), têm-se
práticas realizadas como rituais no interior de sistemas religiosos específicos: roda da medicina, resgate de
alma e sauna sagrada no contexto do xamanismo; rituais tântricos, roda da medicina tibetana, ritos das
tradições druídica, wicca, relaxamento Kum Nye (Nyingma) e assim por diante.45
Cabe destacar, mais uma vez, que esses planos interpenetram-se e dificilmente podem ser
considerados de forma estanque ou tratados isoladamente; ademais, há sistemas que se apresentam de forma
mais global, como é o caso da medicina antroposófica - inclui clínica (Clínica Tobias), laboratório (Weleda
do Brasil - Laboratório e Farmácia Ltda), etc. 46, cujos serviços e produtos são articulados de acordo com os
princípios filosóficos da instituição. O mesmo pode ser dito de vários outros, geralmente no interior dos
espaços classificados no Grupo I, onde as distinções apontadas acima, para efeitos de classificação, não se
aplicam de maneira rígida.47
Com relação às formas de atendimento, podem-se distinguir três modalidades principais: A mais
recorrente é aquela que se verifica no interior dos espaços, principalmente dos Grupos II e III, segundo a
dinâmica já descrita: paciente e terapeuta estabelecem um contato personalizado mas no contexto de um
espaço provisto com determinada infraestrutura e onde atuam outros profissionais.
44
Russo distingue “práticas corporais”, que não incluiriam a concepção de tratamento ou cura, das “terapias
corporais”, dando como exemplo das primeiras a biodança, corpo-análise, eutonia, antiginástica, tai-chi-
chuan, kempô. (: 116).
45
Cabe lembrar que entre os exemplos citados para ilustrar a classificação não estão incluídos os incontáveis
casos de técnicas inventadas a partir da junção de elementos de sistemas diferentes e da imaginação do
terapeuta.
46
Além de um centro de pesquisas farmacêuticas, uma fazenda de agricultura biodinâmica, consultoria
empresarial, vários centros assistenciais, uma editora, estabelecimentos de ensino, entre outros.
47
É justamente a referência a um sistema filosófico-religioso que termina constituindo o aval para a
confiabilidade do produto ou prática, como observa Cândida Meirelles, astróloga e fitoterapeuta, presidente
da Associaçao dos Amigos do Parque Água Branca (situado no bairro da Barra Funda, São Paulo) e que
mantinha até há pouco uma banca com ervas na Feira de Produtos Orgânicos desse parque. Cândida chamou a
atenção para o fato de que o aumento da procura por tais produtos acaba inviabilizando economicamente a
oferta de ervas realmente cultivadas e manipuladas de acordo com as normas da naturopatia. Para atender a
esse mercado, muitos fitoterapeutas recorrrem a atravessadores para adquirir matéria prima e já não têm
controle sobre a qualidade do produto que manipulam. Assim, conclui Cândida, quando não se conhece
pessoalmente o fornecedor, a única garantia que se tem de estar consumindo um produto de qualidade é saber
que provém de alguma instituição filosófico-religiosa como a antroposofia, por exemplo. Em suma, ou
conhecimento e inserção na rede, feita de contatos pessoais, ou a chancela de algum sistema do Grupo I para
fazer frente às regras de um mercado em expansão.
36

Uma segunda modalidade é constituída pelo oferecimento de vários serviços e especialidades, seja
de acordo com modelo da clínica, do plano de saúde e até mesmo de “spa”. Assim, da mesma forma como foi
observado em relação aos congressos neo-esôs, se de um lado os defensores das terapias alternativas
contrapõem-se ao que denominam a natureza mecanicista, fragmentária e tecnocrática da medicina
ocidental, nem por isso rejeitam certas normas de funcionamento vigentes. Assim:
“Qualis - Qualidade de Vida em Saúde” oferece plano individual e plano familiar para as seguintes
especialidades, entre outras: “Acupuntura e Medicina chinesa, Homeopatia, Fisioterapia, RPG,
Odontologia, Psicoperapias, Terapia floral, Fonoaudiologia, Massagens etc.”

“Tzolkin - Terapias Integrativas” - descontos especiais para conveniados médicos nas sessões
individuais.

“PAC - Sociedade Brasileira de Programação em Auto-Conhecimento e Comunicação anuncia um


check-up holístico”.

“SPaço Corpo & Mente em Equilíbrio - Um local onde tratamentos e terapias procuram unir o
Corpo e a Mente, o físico e o psíquico através da união entre filosofias milenares do Oriente com as
tecnologias de ponta do Ocidente atingindo a harmonia físico-estética, emocional e mental,
imprescindível para nossos órgãos e o perfeito equilíbrio do ser”.

Estes são alguns exemplos de formas de atendimento em moldes profissionais e até empresariais
que vão além daquelas mais conhecidas e popularizadas como as inúmeras propostas de massagem de
inspiração vagamente “oriental” realizadas na sala de visitas da própria casa do terapeuta ou em pequenos
espaços compartilhados com outros, como é o caso de muitos estabelecimentos do Grupo IV. Muito
difundidas - constituem a terceira modalidade - exigem quase nenhum equipamento e, como são técnicas de
conhecimento prático e progressivo, permitem a qualquer aficionado, mesmo iniciante, arvorar-se em
terapeuta.
Não é o caso, evidentemente, daqueles que se dedicam a essas práticas segundo um padrão mais
erudito, ou seja, no contexto de uma instituição ou sistema filosófico mais amplo no interior do qual a referida
técnica é um elemento; estes últimos, aliás, - preocupados com o profisssionalismo e repercussões negativas
de usos indevidos - criticam asperamente a banalização e advertem para os perigos que o aprendiz de
“massoterapia” ou até mesmo um simples curioso podem causar à coluna ou tendões de algum desavisado. O
mesmo pode ser dito com relação à fitoterapia, florais ou outra modalidade qualquer ministrada de maneira
amadorística. 48
Seja qual for o caminho escolhido para a cura e obtenção do bem estar físico ou espiritual, é bom
lembrar a importância que é dada à alimentação, desde o cuidado na escolha dos produtos, dando-se
preferência àqueles cultivados sem defensivos e adubos químicos, até a adoção de princípios mais gerais

48
Padrão “erudito”, como será explicitado mais adiante, não é sinônimo de “científico”; significa que é
coerente com relação a determinado sistema e se pauta por procedimentos ditados e referendados por ele. No
meio neo-esô, por exemplo, têm muito prestígio práticas da medicina chinesa, com base em pressupostos da
filosofia taoista, - o que não implica que sejam reconhecidas como “científicas” para os padrões da medicina
ocidental.
37

como os da macrobiótica, do vegetarianismo, veganismo e outros. 49 Esta é uma das áreas através da qual o
universo neo-esô, em sua interface com propostas dos movimentos ecológicos, deixa sua marca na
conformação de um estilo de vida tido como “saudável”.

3. - Vivências

Enquanto as atividades do grupo “Formação e Divulgação” destinam-se ao conhecimento e


aprofundamento dos diferentes sistemas que compõem o universo neo-esô e as do grupo “Terapias” tiram
desses sistemas instrumentos destinados à cura e ao aperfeiçoamento pleno de cada um, as atividades listadas
em “Vivências” oferecem um espaço de socialização onde aqueles princípios e técnicas são vividos, de forma
mais intensa, em grupo. É possível distinguir três sub-conjuntos:
O primeiro compreende bazares, “feiras místicas”, festivais e modalidades do gênero que
congregam um número grande de pessoas e apresentam um caráter realmente de feira e festa. Ao lado das
banquinhas expondo e vendendo os produtos típicos do meio neo-esô - incensos, velas, óleos e essências
aromáticas, anjos, duendes, cristais, pêndulos, etc. - estão as barracas onde tarólogos, numerólogos e demais
cultores de toda sorte de “mancias” oferecem suas especialidades; há demonstrações artísticas ligadas ao meio
(dança do ventre, música new age) e não faltam os chás e sanduíches “naturais”.
Ponto de encontro e espaço de sociabilidade para os simpatizantes dessas práticas, funcionam
também como primeira forma de contato com o universo neo-esô. Analisando o conjunto dessas
modalidades, nota-se claramente que se tornaram uma iniciativa de fácil implementação e sucesso garantido,
seja qual for o motivo ou circunstância: angariar fundos para obras beneficentes, conseguir algum recurso
extra para o espaço, encerrar as atividades do ano. É já uma espécie de “marca registrada” do universo neo-
esô, com know-how de domínio público.
Já as cerimônias feitas por ocasião de ocorrências regulares do tipo “ritual da lua cheia”, “celebração
da primavera” e outros, reúnem pequenos grupos para celebrações mais intimistas e em clima de
religiosidade. Cada espaço escolhe a temática, reelabora ou inventa o próprio ritual; os participantes são em
geral membros da casa, alunos e ex-alunos de algum curso ou workshop. É uma modalidade que mantém e
reaviva os laços principalmente quando se trata de espaços que apresentam uma continuidade institucional
transformando-se em núcleos aglutinadores de “gerações” de freqüentadores, desde os fundadores até turmas
mais recentes. Instaura uma forma de sociabilidade e confraternização que reforça laços comuns, concorrendo
para a troca de experiências e para a sedimentação e ampliação de um estilo de vida que se compartilha.

“Veganismo” é uma modalidade mais estrita do vegetarianismo que proscreve não só qualquer alimento ou
49

produto de origem animal mas também aqueles em cujo processo de produção tenha havido utilização de
animais em testes.
38

Os workshops de fim de semana realizados em sítios próximos à cidade (Embu, Cotia, Itapecerica da
Serra), em fazendas do interior do Estado, e até em algumas das cidades e regiões do circuito neo-esô do país
(São Tomé das Letras/MG, Chapada Diamantina/MT, Chapada dos Veadeiros/GO) envolvem maior
necessidade de infraestrutura (transporte, alojamento, alimentação) e por conseguinte, são mais caros.
Intensivos, estreitam os laços entre os participantes e entre estes e o “facilitador”, estabelecendo vínculos de
lealdade mais firmes com o espaço que os oferece e com o sistema que lhes serve de base. Mesmo aí não se
descarta o espírito de lazer, já que um fim de semana num belo sítio, com boa alimentação e realizando
saudáveis exercícios sempre faz bem, principalmente para quem mora numa cidade como São Paulo, seja
qual for a inspiração filosófica subjacente ao evento...
Cabe uma observação a respeito da celebração de ritos mais estruturados e de caráter propriamente
religioso, geralmente em instituições do Grupo I; para tanto é necessário algum esclarecimento a respeito de
termos muitas vezes usados indistintamente e até como sinônimos: religião, religiosidade e espiritualidade.
Sem nenhuma pretensão de defini-los e apenas para estabelecer algumas fronteiras e diferenciações ao longo
de um continuum, pode-se dizer que numa ponta está a religião, sistema institucionalizado de crenças e
rituais a cargo de um corpo de especialistas; a religiosidade pode ser entendida como um estilo particular e
coletivo de expressar o sentimento religioso enquanto espiritualidade refere-se a uma experiência pessoal
expressa em formas idiossincráticas individualizadas.50
Apesar da presença e influência de religiões no meio neo-esô, este certamente não constitui um
sistema religioso, no primeiro sentido: falta-lhe a centralidade de um conjunto de dogmas, a autoridade de
uma hierarquia, o arcabouço litúrgico dos rituais. A dimensão da espiritualidade, por outro lado, é uma
constante nas práticas neo-esôs, desde uma versão mais soft, de enlevamento proporcionado pela
contemplação da natureza, por exemplo, até genuinas experiências de ordem mística. A religiosidade, porque
supõe uma manifestação coletiva, exteriorizada, pode apresentar desde formas mais codificadas até a
invenção, na hora, de gestos compartilhadas por um grupo - como acontece nas celebrações da lua cheia,
encerramento de encontros, etc.
Dos bazares aos workshops, passando pelos rituais cíclicos, parece haver uma gradação com relação
aos efeitos que as atividades do terceiro grupo produzem, em termos de sociabilidade e vivências comuns.
Bazares e feirinhas “místicas”, com seu típico ambiente de festa e “agito”, congregando às vezes um grande
número de pessoas produzem ambiente animado, mas a permanência dos freqüentadores é fluida e cambiante:
os laços criados são ainda efêmeros. Nos rituais cíclicos, o ambiente é de recolhimento, os convidados são
em pequeno número mas as celebrações são de curta duração. Os workshops, em função das condições de sua
realização - em geral fora da cidade, em ambiente com os participantes em constante interação - criam laços
de maior intensidade. Todos, no entanto, de uma forma ou outra, concorrem para a “sensação de
comunidade”, experiência de fundamental importância para se entender os efeitos que as práticas neo-esôs

50
Diferentes estilos de expressão do sentimento religioso podem coexistir no interior de uma mesma religião,
como é o caso do catolicismo rústico ou da renovação carismática, na Igreja Católica .Cf. Carvalho (1994)
para uma categorização de diferentes estilos de espiritualidade.
39

produzem no plano do comportamento e constituição de um estilo de vida no contexto, dinâmica e paisagem


de uma grande metrópole.
40

Capitulo III - As regularidades

Se as práticas neo-esôs não constituem propriamente um movimento com unidade interna,


tampouco se apresentam sob a forma de uma sucessão de elementos desencontrados, resultado de iniciativas
errráticas e atomizadas. Ao contrário: desenvolvidas em termos profissionais e realizadas de maneira regular,
suas atividades exibem modalidades de implantação plenamente identificáveis na paisagem da cidade,
configurando uma rede articulada de espaços oferecendo uma ampla gama de serviços e produtos.
Postulada essa regularidade, em contraposição a uma idéia corrente para a qual o universo do neo-
esoterismo não passa de um mero agregado de crenças e práticas das mais variadas e díspares origens - um
imenso e desencontrado mosaico, desprovido de sentido - a pesquisa buscou verificar a existência de padrões
em diferentes planos: na periodicidade de seu calendário, na localização dos espaços, na lógica de uma
narrativa de base que preside à formação de seus inúmeros sistemas de significado e, finalmente, em códigos
que definem padrões de consumo e comportamento permitindo identificar diferentes tipos de usuários.

1. No tempo: o calendário

A primeira forma de regularidade que é possível verificar na oferta das práticas neo-esôs é sua
frequência: algumas vivências e celebrações, assim como a programação de cursos e palestras, distribuem-se
de forma regular durante o ano, constituindo uma espécie de "calendário neo-esotérico". Tal fato mostra que
essas práticas estão já incorporadas na dinâmica da metrópole de maneira recorrente pois, independentemente
da rotina de cada instituição, existem festas, comemorações e rituais que se impõem, repetindo-se
ciclicamente.
Não se trata, evidentemente, de alguma marcação do tempo hermética e exclusiva de supostos
seguidores de seitas esotéricas, no sentido mais técnico do termo. Na realidade, é uma pontuação pública,
sobreposta ou alternativa a outros calendários e que recupera outros sistemas de classificação para estabelecer
cortes significativos no fluxo da vida cotidiana. Mudanças no ciclo da natureza, nem sempre perceptíveis no
ambiente de grandes centros urbanos, como as fases lunares e o ciclo das estações, são especialmente
enfatizados.
A pesquisa pôde determinar eventos de freqüência anual, outros que acontecem a cada semestre, a
cada mês, durante os fins de semana e feriados prolongados, durante a semana e até mesmo ao longo de um
dia. Esse calendário de certa forma funciona como estrutura de base, induzindo atitudes e comportamentos:
41

nos inúmeros ritos que comemoram a passagem da primavera, por exemplo, com profusão de flores, frutas,
roupas claras e coloridas e música apropriada, as pessoas comportam-se de forma alegre e expansiva; já na
comemoração do solstício de inverno, o clima é outro - de introspecção - em consonância com o ritmo da
natureza, que mergulha no longo período de recolhimento:

"Na verdade estamos ainda no final do ciclo do inverno, que representa um mergulho para dentro. É
a inspiração, ao contrário da primavera, que é expiração", explica Valmira Simão, do Espaço
Kiokawa Cultural.

O calendário neo-esô levantado pela pesquisa acopla-se a datas já previstas e comemoradas nos
calendários religioso e/ou civil oficiais, dando-lhes, é claro, outros significados. Veja-se por exemplo o tipo
de sugestões de presentes de Natal anunciados pelo espaço Triom - Centro de Estudos Marina e Martin
Harvey:

"Para você presentear neste Natal, a Livraria Triom, além de uma grande variedade de títulos
nacionais e estrangeiros, faz estas sugestões especiais: agendas Inner Reflections e livros vindos
diretamente do Self-Realization Fellowship com os ensinamentos de Yogananda, Cartas dos Anjos e
calendários Trees for Life vindos da comunidade de Findhorn, sinos Mensageiros da paz em vários
tamanhos, velas de cera de abelha, medalhas artesanais em prata e o recém lançado Jogo da
Transformação em português. Desejamos a todos um Feliz Natal e, para aqueles que vierem escolher
seus presentes na TRIOM, teremos uma mensagem individual de alegria, amor e otimismo para
1995".

"Neste Natal, dê um presente criativo! Você só precisa nos passar os dados de nascimento da pessoa
e ela receberá: um mapa astrológico indiano; uma fita gravada com a interpretação; recomendação de
pedras específicas para a pessoa". (Instituto Ratna de Cultura Indiana).

O Espaço Alquimia Interior programava eventos específicos para jovens ("Uma aventura
Alquímica") e crianças ("Brincando de Alquimia") como preparação para o Natal; para o reveillon propõe um
"Ritual de Renovação", espécie de retiro no campo. "Renascer - Espaço de Reeducação Holística" propunha
um "Reveillon da Nova Era", para o dia 31/12. A agência de viagens Novo Tempo, por sua vez, anunciava:

“Reveillon da Magia! Rotas místicas e energéticas - Machu Picchu, a cidade sagrada dos Incas.
Cerimônia de Ano Novo em “Intiwatana” com a energização dos cristais. Viva essa experiência
fascinante, de introspecção, com tempo exclusivo dedicado ao seu Eu Interior em paz profunda no
primeiro dia do ano de 1998. Invocando a liberdade do Ser, do Espírito, da mente, do corpo e os
pensamentos. Deixar fluir toda a energia e a força cósmica da natureza envolto à todo o seu ser (sic) -
Eu Interior e vibrar energias puras para 98 com vibrações positivas, meditação, visualização,
prosperidade e abundâancia para você e para toda a Humanidade”.

Mas não é apenas o Ano Novo comercial que é comemorado; assim, na programação do primeiro
semestre de 1994 do "Espaço Aruna - Yoga e Cultura" estava prevista, para os dias 18, 19 e 20 de março, em
um sítio a 60 minutos de São Paulo, uma "Maratona de Meditação de Ritual de Ano Novo":

"A meditação é uma poderosa fonte de inspiração e criatividade para a nossa vida. Junto à natureza,
você vai participar de exercícios de concentração, visualização, meditação com sons, com
ideagramas cósmicos, confecção de mandalas pessoais, relax, programação de sonhos, além dos
42

momentos de lazer. Vamos aproveitar a entrada do ano novo astrológico para realizarmos um ritual
de renascimento interior".

No ano seguinte, Aruna anunciava, para o dia 22 de março de 1995 às 20 horas:

"Junto com a entrada do Outono, vamos celebrar o Ano Novo Astrológico. Um ritual alegre onde
você vai conhecer as previsões para o próximo ano, assimilar os ensinamentos do último ciclo e se
reprogramar para o próximo.Traga flores e frutos. (Grátis)".

Mardoqueu Lopes, um dos responsáveis pelo espaço, assim explicou a dinâmica desses rituais:

(...) "esse ritual não foi inventado. É um ritual que faz parte do yoga. Prá gente , recebe o nome de
Sat Chakra, e que pode ser feito para qualquer coisa: para comemorar um casamento, um batizado,
uma data importante. Esse ritual, ele era assim uma vez por ano, que é no final do ano. Um ritual de
confraternização de final de ano. Aí a gente começou a fazer mais rituais, porque as pessoas
começaram a pedir mais. Então, pensamos 'porque a gente não faz nas mudanças de estação?' Porque
todo mundo se junta, tem toda uma vibração. Aí a gente começou a fazer mais, a cada estação. Só
que também não tem uma obrigatoriedade. Às vezes a gente resolve. 'Vamos fazer no inverno'.
Inverno e primavera a gente sempre faz. Outono, esse ano, por exemplo, a gente não fez. Então, é
assim. Inverno, primavera e verão, a gente faz. Outono a gente vê se faz ou não." (Trecho de
entrevista, julho de 1994).

Valmira Simão, do Espaço Kiokawa Cultural salienta os aspectos comuns desses rituais, o que
confirma a existência de um padrão que transcende e se impõe:

- Na verdade, você que inventou seu ritual?


- É.
- Ele seguiria uma linha oriental, mas tem uma base...
- É. Tem que ter as flores assim, essas frutas, esses mantras, esse suco e aí a gente
põe a luz assim.
- É o seu jeito...
- E depois veio uma aluna minha falar: 'Você sabe que eu participei de um ritual de primavera? Era
uma celebração'. Eu perguntei como foi. Ela disse que tinha frutas, flores e que no fim as pessoas
escreveram textos...
- E onde é que foi feito isso?
- Foi o pessoal do Alemdalenda.
- Foi exatamente o que você fez?
- Foi exatamente como o que eu fiz. Isso, por um lado eu fico contente. Por outro... (trecho de
entrevista, 21/10/93).

A cerimônia de Natal do Espaço Imagick combina, no que chama de "ritual crístico", tradições
bíblicas relativas ao nascimento de Jesus com evocações de viagens espaciais e personagens mitológicas que
remetem vagamente a um universo medieval centro e norte-europeu; realiza-se não na data convencional mas
na segunda semana do mês de dezembro.
Outras datas classificadas de anuais pela pesquisa, como as celebrações por ocasião do Dia das Mães
também são revestidos de novos significados. Assim, a Associação Hastinapura programou, para o dia 13 de
maio, uma palestra com o titulo "Mãe Cósmica: o lado feminino de Deus: Os atributos da Divindade,
representada em forma de Mãe, foram cultuados por todas as culturas antigas. Conheceremos um pouco mais
43

das deusas da Índia, Egito, etc. e do princípio feminino no Universo." "DéjàVu - Espaço Esotérico" prometia
uma supresa para o Dia dos Pais:

"De 26 a 31 de julho venha ao DéjàVu. Nós estamos preparando uma promoção supresa para o dia
dos pais. Não perca porque, igual a esta, só no ano que vem! Anote na sua agenda! Não esqueça!"

Para o mês de junho, quando se celebra o dia dos namorados, a Livraria Spiro e TRIOM - Centro de
Estudos Marina e Martin Harvey anunciavam:

“Mesa redonda sobre o ENCONTRO - masculino/feminino - a busca da unidade, da compreensão,


do amor e da sensualidade (...). Sugestões de presentes para o Dia dos Namorados: bijuterias
delicadíssimas; caleidoscópios mágicos; kit de ervas; jogos de papéis de cartas” (Livraria Spiro);
“Promoção para os namorados: ëm junho, os CDs e objetos para persente estarão com desconto de 5
a 15%” (Triom).

Já o xamã urbano Léo Artese, por intermédio da "Novo Tempo Operadora de Turismo e Eventos
Ltda" anunciava uma nova forma de passar o "Halloween": propunha um "encontro marcado com as bruxas"
no Spa Holístico Embaúba (Santa Isabel/SP), no dia 20 de outubro. Esta data - bastante popular nos Estados
Unidos - até recentemente não tinha muita divulgação no Brasil, com exceção de algumas festinhas restritas a
alunos de escolas de inglês. Sua apropriação nos espaços neo-esotéricos deu-se através de duas conotações:
uma, a partir da própria figura da bruxa, valorizada enquanto detendora de um poder tipicamente feminino; e
outra no interior de um discurso (e práticas corrrespondentes) que reinventam uma certa concepção de
xamanismo. Esta última é a que está presente na proposta citada, como se pode perceber no texto que a
acompanha:

"Um evento de caráter folclórico-cultural, que irá transpor para os dias de hoje o verdadeiro espírito
das festas sagradas da tradição céltica. Todos os detalhes conspiram para fazer desta festa um evento
enriquecedor e inesquecível. As comidas, bebidas, música, dança, o cenário ao ar livre, junto à
natureza, para reconstruir o mais fielmente a festa do 'shaman'. Todos os convidados participam
ativamente do evento, vestidos de forma e com as cores corretas, tomando parte das danças sagradas
e rituais que irão acontecer"

É nítida a intenção de diferenciar-se de uma mera festa de curtição, ressaltando os aspectos


"sagrados' do evento, sua ligação com as origens "célticas". Já o espaço "Alemdalenda dos Jardins"
enfatizava a primeira conotação, calcada no feminino, ao promover, na semana do Halloween, (25/28 de
outubro) uma série de eventos com palestras, - entre as quais

"O caminho de Morgana: A religião feminina e a teologia da Mãe Terra; a bruxaria, o neopaganismo
e o culto da Deusa no mundo atual; lançamento do livro de Márcia Frazão, "Revelações de uma
bruxa"; poemas e contos da tradição celta, cantos celtas e cantigas mágicas das bruxas”.

Uma citação no folheto junta as duas idéias, poder feminino e "religião primitiva":
44

"A bruxa é uma pessoa que acredita na religião primitiva atualmente chamada Wicca. Ela é uma
religião do mundo natural e da fertilidade" (Robin Skelton, poeta e bruxo)

“Paz Géia - Instituto de Pesquisas Xamânicas” comemora a festa da padroeira do Brasil: “Dia 12/10
às 20h30, Celebração da Madona Negra (Nossa Senhora Aparecida). A Paz Géia conclama todos os xamãs a
uma meditação particular, em seus lares, às 20h30, por Luz e Paz para o Brasil" . 51
Com relação às comemorações classificadas pela pesquisa como mensais, as mais difundidas são os
diversos rituais da Lua Cheia: Paz Géia - Instituto de Pesquisas Xamânicas, Centro de Dharma Shi-De-Choe
Tsog, Instituto Nyingma do Brasil, Triom - Centro de Estudos Marina e Martin Harvey, entre outros,
promovem a celebração:

"Nas noites de Lua Cheia, todos os meses, o Instituto Nyingma do Brasil realiza uma cerimônia de
canto de mantra, das 20h00 às 21h30. Atividade aberta ao público. Sugerimos que se ofereçam
frutas, flores, velas ou incenso."

"Meditação da Lua Cheia: Reunião pela harmonia, paz e amor entre os homens. As reuniões de 1995
já tem datas e horários marcados. Consulte-nos e chegue 0com 15 minutos antes do horário, por
favor". (Triom - Centro de Estudos Marina e Martin Harvey)

As celebrações de ocorrência cíclica - anuais e mensais - compreendem principalmente as do tipo


“vivências”. Não há rituais de fim de semana (no domingo ou sábado), obrigatórios e/ou regulares, como
acontece na maioria dos cultos religiosos da tradição judaico-cristã. As atividades de divulgação/formação e
as terapêuticas seguem outro tipo de periodicidade, a do calendário escolar e do tratamento de saúde:
distribuem-se durante a semana, com ênfase na parte da noite, e nos finais de semana e feriados. No entanto,
acompanhando de perto o ritmo das atividades urbanas, alguns espaços neo-esôs não descuram até mesmo as
subdivisões do dia:

"Novidade! Meio-dia esotérico: Palestras de 45 minutos para você aproveitar sua hora de almoço!
Para participar, não é preciso fazer reserva: as vagas são das primeiras pessoas que chegarem.
Sempre às 12h15. Veja os temas das palestras, assinalados com * " . (DéjàVu - Espaço Esotérico, R.
Peixoto Gomide, 449, Cerqueira César.).

Calendário das práticas neo-esotéricas (quadro sinóptico)


51
Esta referência a Nossa Senhora Aparecida deve-se à ênfase no que Paz Géia chama de xamanismo
matricial: “O xamanismo matricial busca sua origem na aurora da Humanidade quando vivíamos uma época
de Ouro na qual homens, mulheres, animais e natureza faziam parte de um contexto sagrado de adoração à
Grande Deusa, a Grande Mãe, que chega até nós como a Madona Negra. O xamanismo matricial propõe uma
mudança de paradigma do patriarcado para os valores da Grande Deusa - uma nova (ou antiga) forma de
parceria regida pela igualdade sexual, liberdade, justiça, alegria, beleza, amor e poder como sinônimo de
responsabilidade (...)”. (Do site http://www.unipaz.com.br/pazgeia;1997).
45

Periodicidade Tipo Exemplos


1) Comemorações que se acoplam a -"Neste Natal, dê um presente criativo! Você só precisa nos passar
os dados de nascimento da pessoa e ela receberá: um mapa
certas datas do calendário religioso astrológico indiano; uma fita gravada com a interpretação;
católico e civil: Natal, Ano Novo, Dia recomendação de pedras específicas para a pessoa". (Instituto Ratna
da Padroeira do Brasil, etc. dando -lhes de Cultura Indiana).
outras conotações; -"Dia 12/10 às 20h30, Celebração da Madona Negra (Nossa Senhora
Aparecida). A Paz Géia conclama todos os xamãs a uma meditação
2) Comemorações novas: Solstício de particular, em seus lares, às 20h30, por Luz e Paz para o Brasil"
Anual Verão e Inverno; Equinócio de -"Junto com a entrada do Outono, vamos celebrar o Ano Novo
Primavera e Outono; Astrológico. Um ritual alegre onde você vai conhecer as previsões
3) Resignificação de datas comerciais para o próximo ano, assimilar os ensinamentos do último ciclo e se
reprogramar para o próximo. Traga flores e frutos. Grátis". (Espaço
como Dia dos Pais, das Crianças e Aruna Yoga)
divulgação de outras como Halloween;
“Novo Tempo - Turismo Ecológico e Aventuras apresenta: Rotas
Místicas (Roteiros do Auto-conhecimento): Machu Picchu - Os
Semestral Férias de julho e fim de ano: excursões Mistérios do Império do Sol; Bolívia, Cultura e Misticismo nos
eco-esotéricas Andes; São Thomé das Letras, cidade mística das pedras -
vivências/ meditação/ energização”.
-"Nas noites de Lua Cheia, todos os meses, o Instituto Nyingma do
Brasil realiza uma cerimônia de canto de mantra, das 20h00 às
21h30. Atividade aberta ao público. Sugerimos que se ofereçam
Cerimônias relativas às fases da lua, frutas, flores, velas ou incenso."
Mensal principalmente da lua cheia -“Ritual da Lua Crescente: vamos nos encontrar, comemorar
mensalmente brincando, dançando no nosso ritual da lua crescente.
Volta ao culto da grande mãe. Dias 20/10-23/11-21/12 (Espaço
Momento de Paz).
"Um fim de semana inesquecível onde você vai participar do ritual
das luzes em homenagem à Lakshmi, a deusa da prosperidade na
Feriados/ fins mitologia hindu. O Diwali celebra também, o Ano Novo indiano. Na
Workshops, retiros, treinamentos programação, práticas de Yoga e meditação, dança indiana,
de semana intensivos, vivências. caminhadas pela mata, brincadeiras, além de aproveitar todas as
prolongados opções de lazer que o hotel oferece: piscina, sauna, jet-sky, caiaque,
lancha, cavalos, etc. (2 parcelas de R$ 65,00 incluindo transporte,
hospedagem e refeições)". (Da programação distribuída por Aruna
Yoga, out./nov./dez. 94).
1) dias úteis: programação regular dos - “Os chakras e os corpos sutis” - 27 de agosto a 15 de outubro,
terças feiras, das 20 às 21:30 horas” (Atria - Espaço
Semanal cursos e sessões de terapia multidisciplinar)
2) fins de semana: palestras, -“Palestras gratuitas - Sextas-feiras às 20:30 - 22/11: Medicina
demonstrações de técnicas, aulas Oriental (História e Ciência) - Cuidar de si; Ciência Mental. (Espaço
abertas grátis, shows, concertos. Ch’i).

Práticas no âmbito do privado: "Novidade! Meio-dia esotérico: Palestras de 45 minutos para você
aproveitar sua hora de almoço! Para participar, não é preciso fazer
Cotidiano meditações, exercícios, leituras, rituais reserva: as vagas são das primeiras pessoas que chegarem. Sempre
privados e também nos espaços neo- às 12h15. Veja os temas das palestras, assinalados com * " . (DéjàVu
esotéricos. - Espaço Esotérico).
-“Simpósio ‘Saúde integral no limiar da era da alta Tecnologia” -
10/11 /12 de maio de 1995. Centro de Convenções Anhembi.
Eventos Congressos, encontros, jornadas. -“Imaginária 95: Arte, Ciência, Economia e Espírito numa visão de
futuro” - 6 a 12 de novembro, SESC Pompéia .

2.- No espaço: circuitos e trajetos


46

A evidência inicial de regularidades no meio neo-esô foi a particular forma de distribuição dos seus
espaços na cidade, constatada a partir do levantamento preliminar já descrito. Como foi mostrado no Capítulo
I, os endereços aglutinam-se em determinadas regiões, fornecendo a pista para uma primeira correlação,
aquela entre o universo neo-esô e a classe social de seus praticantes. As atividades desse universo,
diferentemente de outras práticas mágico-religiosas, não estão associadas com camadas populares, de baixa
renda e escassa escolaridade. Ao contrário: utilizando-se da mídia como meio de divulgação e oferecidas em
estabelecimentos implantados preponderantemente em bairros de classe média e média-alta, não deixam
dúvidas quanto ao meio sócio-econômico de seu público-alvo.
Apesar de concentrados em quatros bairros de classe média, a distribuição dos espaços não
conformava uma mancha contígua na cidade. Em busca de algum outro padrão uniforme de implantação
optou-se por concentrar a atenção num só bairro, naquele que se sobressaiu como o top das práticas neo-
esôs, com a marca de 103 espaços: trata-se da Vila Mariana, bairro misto com áreas de intensa ocupação
comercial e de serviços e também residencial, com significativa presença, na paisagem, da edificação tipo
sobrado.
A pesquisa, inicialmente, havia seguido a divisão por distritos, conforme critério adotado pela
Secretaria Municipal do Planejamento da Prefeitura do Município de São Paulo; neste caso, Vila Mariana
enquanto distrito abrangia os bairros Aclimação, Paraíso, Praça da Árvore e Vila Mariana propriamente dita.
Uma atualização posterior listou 127 endereços para o distrito, confirmando os que permaneceram e
incorporando os novos. Agora, porém, ao focar de maneira mais restritiva só o bairro da Vila Mariana,
deixou-se de lado a divisão oficial, optando-se por aquela que é realmente utilizada como referência pela
população em seus usos e deslocamentos.
A estratégia de reconhecimento e identificação dos endereços foi, também, modificada: em vez de
anúncios na mídia, decidiu-se pela caminhada, procurando identificar in situ os espaços neo-esôs 52. Numa
primeira etapa o trecho percorrido - basicamente o núcleo do bairro - tomou como referência a principal via,
no alto do espigão, estendendo-se por um quadrilátero compreendido entre as estações do metrô Vila
Mariana e Ana Rosa, o Cemitério da Vila Mariana e o Instituto Biológico.
O eixo central, constituído pela rua Domingos de Morais, é cortado por algumas vias com ocupação
mais densa por espaços neo-esôs: rua Carlos Petit, Joaquim Távora, Conselheiro Rodrigues Alves e a própria
Domingos de Morais. No interior dessa malha foram percorridas, entre outras, as seguintes ruas: França
Pinto, Tomás Alves, Morgado de Mateus, Arthur de Godoy, Dr. Fabrício Vampré, Gandavo, Gregório Serrão.
O resultado, tendo em vista apenas o o núcleo do bairro, foi de 82 endereços.
Alguns espaços neo-esôs, principalmente os surgidos apenas em função do boom pelo qual passou
esse ramo de atividades, apresentam alta rotatividade: muitos instalam-se em endereços anteriormente

52
Participaram no processo de coleta de dados Patrícia da Silva (bolsa-trabalho, Coseas/USP) e Daniela
Sanches Carrara (bolsa CNPq/ IC).Cf. “Relatório de Atividades de campo na Vila Mariana entre julho e
dezembro de 1996”, (1997).
47

ocupados por atividades similares, aproveitando-se não apenas de um espaço já devidamente reformado
segundo um programa arquitetônico característico, mas também da clientela já formada.
Entretanto, alguns estabelecimentos mais tradicionais e que mantêm maior continuidade terminam
constituindo pólos aglutinadores em torno dos quais vão-se estabelecendo outros, de menor tradição, ainda
pouco conhecidos e de recente implantação. É o caso, por exemplo, do Instituto Brasileiro de Estudos
Homeopáticos que desdobra suas funções em duas casas, uma na rua Ignácia Uchoa nº 4, onde funcionam o
ambulatório, o consultório homeopático e a biblioteca; e outra na rua Bartolomeu de Gusmão n.º 86, a sede
principal, onde são oferecidos cursos de “pós-graduação” em homeopatia, acupuntura, psicossomática,
psicologia junguiana, fitoterapia, iridologia, terapia floral e programação neurolinguística.
48

Mapa da Vila Mariana


49

Os espaços mais conhecidos e localizados no núcleo do bairro funcionam também como centrais de
informação pois, no hall de entrada, ou à porta do estabelecimento (quando se trata de ponto de venda),
existe sempre um mural onde são afixados cartões, folhetos e cartazes, anunciando os mais diversos serviços e
eventos.
Ocorre também um significativo fenômeno que mostra o apelo da “marca” do neo-esoterismo:
Trata-se do aproveitamento da onda neo-esô para batizar estabelecimentos cujas atividades nada têm a ver
com essas práticas: “Cabeleireiro Macktub”, “Padaria Ayel” (usando no logotipo a figura do anjo); “Farmácia
de Manipulação Biolife”; loja de roupas “Orion”, loja de cosméticos “Namastê”, café expresso e happy hour
cultural “Alquimia do Café”, “Nova Era Plásticos e Embalagens”, etc.
Caminhar pelo bairro mostrou, ademais, outra particularidade que - já se sabia - altera o resultado do
número final de espaços neo-esôs, se colhidos principalmente com base em anúncios, cartazes, folhetos,
cartões de visita: além daqueles publicamente anunciados, seja por que meio for, existem os que não exibem
claramente sinal de identificação, sendo procurados por intermédio de outro sistema de comunicação, o da
indicação pessoal. Muitos desses estabelecimentos, principalmente os que se dedicam a atividades
terapêuticas, ainda corriam o risco de denúncia, pois seus agentes nem sempre são devidamente
credenciados; nesses casos, a discrição é fundamental.
E finalmente, numa segunda etapa, resolveu-se ampliar o raio de caminhada e observação para todo
o bairro e assim poder identificar o comportamento de categorias já utilizadas em outros estudos para
designar lógicas espaciais. O trecho percorrido foi aquele delimitado pelo seguinte perímetro: Rua Luiz Góis,
Av. Rubem Berta, R. Pedro Alvares Cabral, Av. Brigadeiro Luiz Antronio, Av. Paulista, Rua do Paraíso, Rua
Ximbó, Cemitério da Vila Mariana, Lins de Vasconcelos, R. Domingos de Morais, R, Santa Cruz, Av. Dr.
Ricardo Jafet. Esse perímetro inclui Paraíso e Vila Clementino no bairro de Vila Mariana. 53
O levantamento localizou 139 espaços e, mais que o número, interessa indagar a lógica de sua
distribuição. Uma delas é devida ao poder aglutinador exercido pelo metrô e nesse sentido o comportamento
das atividades neo-esôs não difere de outros tantos serviços que usufruem das economias externas induzidas
por esse meio de transporte: a área contemplada pelo levantamento é atravessada por um segmento da Linha
Azul (Norte/Sul) com quatro estações: Paraíso, Ana Rosa, Vila Mariana e Santa Cruz.
Outro pólo aglutinador é exercido pelo complexo do Hospital São Paulo: em volta desse
estabelecimento-âncora distribuem-se inúmeros serviços ligados à área da saúde como consultórios,
farmácias, laboratórios, venda de produtos cirúrgicos, raio-X, tomografia, etc., entre os quais muitos espaços
neo-esôs dedicados principalmente a atividades terapêuticas. Nesse caso pode-se considerar que se está diante
da ocupação tipo “mancha”, tal como ocorre em áreas ocupadas por outros complexos hospitalares tipo
Hospital da Clinicas,(av. Rebouças e av. Dr. Arnaldo), Hospital São Camilo (av. Pompéia) e outros. Não se
trata de uma mancha neo-esô propriamente dita, mas de saúde, em geral; entretanto, é digno de nota que uma
instituição “oficial” termine sendo um ponto de referência para práticas não convencionais. 54

53
Maria Regina Cariello de Moraes, Flávia Prado Moi e Adriana Capuchinho realizaram o levantamento,
com recursos de uma dotação orçamentária concedida pela Pró Reitoria de Pesquisa da USP, em 1997.
50

2.1.- O circuito:

A partir dos casos específicos observados neste bairro, pode-se concluir que o padrão de
implantação dos espaços e atividades neo-esôs, de forma geral, não é a “mancha”, mas o “circuito”. Esta é
uma categoria, surgida a partir da observação de outras formas de uso do espaço urbano que permite
identificar um conjunto de estabelecimentos caracterizados pelo exercício de determinada prática ou oferta de
algum serviço, porém não contíguos na paisagem urbana, sendo reconhecidos em sua totalidade apenas pelos
usuários habituais.
Cabe aqui uma retomada da “família” de categorias a que pertence (a lista completa inclui pedaço,
mancha, pórtico, circuito, trajeto) para analisar as relações - paralelismos e diferenças - entre elas.
Assim, pedaço e mancha têm em comum uma referência espacial bem delimitada: a relação de
pedaço com o espaço, entretanto, é mais transitória pois o pedaço pode mudar-se de um ponto a outro sem
dissolver-se já que seu outro componente constituitivo é o simbólico, permitindo a criação de laços em razão
do manejo de determinado código por parte dos integrantes. 55 Já mancha - delineada pelos equipamentos que
se complementam ou competem entre si no oferecimento de determinado serviço - apresenta uma relação
mais estável com o espaço e é mais visível na paisagem: é reconhecida e frequentada por um círculo mais
amplo de usuários.
Circuito é a categoria que também designa um uso do espaço e de equipamentos urbanos -
possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade (encontros, comunicação, manejo de códigos) -
porém de forma mais independente com relação ao espaço, sem ater-se à contiguidade, como ocorre na
mancha. Tem existência observável: pode ser levantado, descrito, localizado. É um conjunto articulado,
hierarquizado, com determinado tipo de ordem; é conhecido por usuários habitués.
Em princípio faz parte do circuito a totalidade dos estabelecimentos que concorrem para a oferta de
determinado bem ou serviço, mas na prática terminam sendo reconhecidos apenas os mais significativos,
aqueles que dão sustentação à atividade. Assim, alguns deles funcionam como referência para todo o circuito;
outros são secundários. É possível distinguir circuitos em dois planos: um, mais geral e nesse sentido pode-se
falar do circuito gay, circuito dos brechós, do neo-esoterismo, das livrarias, etc.: é o circuito principal. O

54
Mancha, como se sabe, designa a distribuição, de forma contígua num espaço, de determinados
estabelecimentos que se complementam ou competem no oferecimento de tal ou qual bem ou serviço, muitas
vezes induzidos por um em especial que os aglutina - função que neste caso é exercida pelo Hospital São
Paulo. Assim, os espaços neo-esôs entram na composição desta mancha, mas não são elas que dão o tom.
Não deixa de ser significativo, como foi notado, que estejam na órbita de uma instituição oficial,
beneficiando-se de sua visiblidade, oferecendo também serviços de saúde mas baseados em outra lógica.
Cabe ressaltar, contudo, que o próprio Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo, oferece à
população algumas dessas modalidades não convencionais, como a acupuntura, na forma de pronto
atendimento e ambulatório. Esta modalidade terapêutica também é oferecida como disciplina no
Departamento de Ortopedia e Traumatologia dessa Universidade. Embora reconhecida como especialidade
médica pelo Conselho Federal de Medicina em 1995, a residência médica em acupuntura já existia desde
1994.
55
Uma apresentação mais completa dessas categorias encontra-se em Magnani, 1998 e Magnani & Torres,
1996.
51

segundo, derivado, é mais específico, constitui um subconjunto no interior do primeiro: o circuito dos
massagistas, dos acupunturistas, astrólogos, xamãs, no interior do circuito principal neo-esô, mais
abrangente.
A noção de circuito tem implicações metodológicas: oferece um princípio de classificação aplicável
em diferentes níveis de abrangência. Assim, se o que está em questão é uma prática determinada - digamos, a
acupuntura - é possível situá-la no circuito específico dessa modalidade e deste modo comparar os diversos
estilos, as técnicas e instrumentos utilizados (agulhas descartáveis ou aparelho de raios laser, por exemplo).
Este procedimento permite encarar o problema do “caos semiológico”, sensação que se tem quando se
relaciona determinada prática diretamente ao caldeirão do universo neo-esô: neste caso, dificilmente se
encontram parâmetros comparativos pois eliminam-se as mediações.
Caos, aliás, que também é diagnosticado em outras situações da vida metropolitana cada vez que se
isola um determinado individuo de sua rede, enfrentando-o diretamente com a cidade; nestas condições é
inevitável a sensação de anonimato, fragmentação, desordem. Este é um olhar de longe e de fora; ajustando-
se devidamente o foco da análise, contudo, é possível perceber os diferentes círcuitos que o usuário reconhece
e percorre, ao estabelecer seus próprios trajetos, seja nos planos profissional, do lazer, do consumo, das
práticas devocionais, etc. O circuito formado pelos espaços e práticas neo-esôs não foge a esta dinâmica. 56
Mancha e circuito, contudo, têm em comum o fato de designar recortes observáveis e identificáveis
na paisagem urbana, reunindo conjuntos de ofertas aos freqüentadores. O que movimenta esses conjuntos,
contudo, o que transforma as possibilidades em uso real, é a noção de trajeto: o usuário, ou um grupo
homogêneo deles, circula, vai de um ponto ou equipamento a outro, dentro de uma mancha ou no interior de
um circuito.
O trajeto é resultado de escolhas, é um “sintagma” particular construído a partir das possibilidades
abertas pela totalidade, o “paradigma”, e a análise dele é que permite identificar tipos de usuários,
agrupando-os segundo os critérios das escolhas. Um trajeto típico, no interior do circuito mais geral neo-esô,
inclui o espaço (dos Grupos I ou II) de maior frequência, que funciona como o ponto de aglutinação para as
palestras, cursos, rituais, encontros; depois, a livraria, loja ou entreposto de produtos (alimentícios e de
consumo pessoal ou doméstico); em seguida, um espaço (do Grupo III) que oferece alguma prática corporal.
Eis um trajeto possível: o usuário que segue algum curso na Associação Palas Athena, (Paraíso) pode
comprar seus livros ou cds preferidos na livraria Spiro (Jardins), adquirir seus medicamentos na Farmácia
Homeopática Brasileira (Vila Mariana), fazer o curso de cromoterapia no Espaço Tattva (Pompéia) e realizar
suas sessões de massagem na Associação de Massagem Oriental do Brasil - Escola Amor (Vila Madalena). É
nesse trânsito que se forma uma teia de encontros mais vasta, ampliando a sociabilidade estabelecida no
interior de cada espaço neo-esô.

56
A noção de circuito permite distinguir tantos planos quantos sejam necessários para estabelecer um conjunto
homogêneo e comparável; assim, entre o plano mais geral do circuito neo-esô e o específico da acupuntura,
pode-se reconhecer um intermediário, o circuito formado pelas práticas terapêuticas em geral onde então o
cotejo seria entre a acupuntura e outras modalidades concorrentes: homeopatia, florais, e o que se procura
comparar são as diferentes fundamentações, os métodos, a eficácia de cada uma, etc.
52

O trajeto também pode restringir-se a uma especialidade, como por exemplo as escolhas de um
massagista, desde sua escola de formação, passando pelos pontos de venda onde se abastece dos produtos
necessários ao exercício de sua prática até os espaços onde atua como profissional. Aos trajetos aplica-se o
critério de “gramaticalidade” pois são o resultado de escolhas que obedecem a uma lógica de
compatibilidades, ditada pelo sistema mais geral que o usuário segue: não são arbitrários . 57
Por isso é que,
no caso dos neo-esôs, constituem uma pista valiosa para identificar gostos e estilos de vida: as pessoas que
perfazem os mesmos trajetos (ou aproximados) com certeza partilham valores semelhantes.
As noções de circuito e trajeto, ao possibilitar que se desvincule uma prática ou teia de sociabilidade
dos limites da contiguidade espacial, oferecem condições para situá-las num contexto muito mais amplo. No
caso das práticas neo-esôs permitem dar conta dos laços que se estabelecem para além até mesmo da cidade:
não é rara uma movimentação que inclui viagens, contatos, iniciações e cursos em sítios e praias, em outros
Estados e até mesmo em outros países. O horizonte, desta forma, alarga-se consideravelmente, permitindo
contato com um leque muito mais variado de experiências e estabelecendo um fluxo aberto de trocas.

2.2. Um exemplo de circuito e trajetos: a massoterapia

Com o propósito de mostrar mais concretamente a aplicação das categorias acima descritas,
principalmente a de circuito, será apresentado como exemplo o caso de uma das atividades terapêuticas mais
difundidas no meio neo-esotérico, a prática da massagem. 58
Trata-se de um exemplo; ainda que inclua
espaços realmente importantes desse circuito, não pretende ser exaustivo pois não se propõe dar conta de
todos os estabelecimentos do circuito, nem dos vários sistemas médicos, filosóficos e/ou religiosos que
servem de fundamentação para as técnicas aplicadas e resultados esperados. Do circuito total será mostrado, a
partir de dados obtidos no levantamento feito na Vila Mariana, - 29% dos endereços aí registrados são de
terapeutas e escolas voltadas a essa modalidade - um segmento que se estende por bairros que a primeira fase
da pesquisa revelou como os de maior incidência de espaços neo-esôs 59.

57
Da mesma forma como foi apontado no caso dos trajetos de lazer na mancha da Consolação onde o bar
Riviera apresenta incompatibilidade em relação ao Metrópole: “A construção dos trajetos não é aleatória nem
ilimitada em suas posibilidades de combinação. Estamos diante de uma lógica ditada por sistemas de
compatibilidades. No exemplo “Livraria Belas Artes/Cine Belas Artes/Bar e Restaurante Riviera” - que
mostra uma combinação não apenas possível, mas bastante frequente - não entra na sequência (nem como
alternativa) o bar Metrópolis, apesar de estar situado na mesma mancha. Outra é a gramática que permite
compreender o significado desse bar e do trajeto em que se increve (...)”.( Magnani & Torres.1996:44).
58
A análise que segue tem como base os dados colhidos por Maria Regina Cariello Moraes (bolsa USP) e
Adriana Capuchinho em 1998.
59
Vide mapa mostrado no Capítulo I.
53

Antecedentes

A massagem como prática terapêutica não constitui novidade e, na cidade de São Paulo, sua difusão
deu-se bem antes da atual onda neo-esotérica. Sua principal fonte de inspiração e quadro de referência é a
chamada medicina tradicional chinesa que, por sua vez, repousa na filosofia taoista.
Neste sistema, o Tao 60
representa um movimento mais geral entre dois pólos - yin e yang - e que
aplicados ao corpo humano permitem mapear os trajetos por onde circula o Ki, a energia vital: em seis linhas
yin, a energia sobe na direção terra/céu e em seis linhas yang ela desce do céu para a terra. Cada linha é
acoplada a uma parceira de polaridade oposta e, em pares, são relacionadas a determinada área fisiológica e
emocional de acordo ainda com as características de cinco elementos - fogo, terra, metal, água, madeira. Da
harmonia entre as forças energéticas yin e yang e entre os elementos decorre o equilíbrio na saúde.
A alimentação, os estados emocionais, a prática ou não de exercícios físicos, a relação com o meio -
tudo irá influenciar no bom equilíbrio energético. A culinária e as plantas medicinais também estão incluídas
nesse sistema; a macrobiótica, por exemplo, derivada da filosofia taoísta, classifica as ervas e alimentos em
yin e yang, recomendando como saudáveis as dietas alimentares que procuram articular essas duas forças.
Alguns pontos naquelas linhas, denominadas meridianos, são portas de comunicação entre as
funções do corpo e os fluxos energéticos. Os tsubos, ou pontos de tratamento, podem ser estimulados através
de pressão com agulhas (acupuntura), pressão com os dedos (do-in) ou calor (moxabustão), desobstruindo os
canais para que o Ki possa fluir livremente. O princípio dessa medicina, em todos as suas ramificações, é
sempre de manter a corrente livre de energia Ki no organismo, de modo que o sistema imunológico
permaneça capacitado a enfrentar os distúrbios orgânicos enquanto ainda estão no início. Presente em outros
contextos culturais, esse sistema produziu práticas locais, como o shiatsu, no caso japonês.
Essa medicina chegou ao Brasil com os imigrantes japoneses, no início desse século, e, no caso de
São Paulo, permaneceu restrita a essa e outras comunidades originárias do Extremo Oriente, sediadas no
tradicional bairro da Liberdade. A partir de 1958, um médico suiço, Dr. Frederico Spaeth, começou a
ministrar cursos de acupuntura para médicos brasileiros e até meados de setenta, quando aumenta o interesse
por essas práticas, a acupuntura e terapias afins eram ainda consideradas charlatanismo. Em 1975 a OMS
recomendou que fossem utilizadas, principalmente nos países em desenvolvimento, outras formas terapêuticas
então chamadas de “alternativas” - entre as quais inclui-se a acupuntura.

60
Todo o cuidado é pouco para até citar o Tao, tendo-se em vista que o primeiro aforismo de Tao Te King,
atribuído a Lao-Tzu (fim do séc VIIº A.c), diz: “O Tao que pode ser pronunciado, não é o Tao eterno”.
(Wilhelm, 1993:37). Já Radcliffe-Brown [1951](1978) não tem muitos pruridos em defini-lo: “(...) a mais
completa elaboração da idéia [unidade de contrários] se encontra na filosofia Yin-Yang da antiga China. A
frase em que ela se resume é: ‘Yi yin yi yang wei tse tao’. Um yin e um yang fazem uma ordem. Yin é o
princípio feminino; Yang, o masculino. A palavra tao pode aqui ser mais bem traduzida como ‘um todo
ordenado’”. Radcliffe-Brown prossegue, mostrando a aplicação desse princípio ao casal, (homem/mulher), a
unidades de tempo (dia/noite; verão/inverno) e até para regras de casamento entre clãs: “a evidência é de que
neste sistema de casamento um homem se casava com a filha do irmão de sua mãe, ou uma mulher da geração
apropriada do clã de sua mãe”. (: 55).
54

O contato com filosofias orientais promovido pelo movimento de contracultura contribuiu para a
disseminação dessas e também de outras técnicas, como as da tradição ayurvédica, provenientes da Índia e
Nepal. Por outro lado, as terapias corporais (principalmente as de inspiração reichiana, como a bioenergética)
que começam a difundir-se por volta do final dos anos setenta, colaboram para uma crescente tendência de
contraposição à medicina alopática. O aumento da demanda incentivou a formação de um maior número de
profissionais - terapeutas corporais, acupunturistas, massagistas, naturopatas, homeopatas etc. - identificados
com propostas mais “holísticas” de tratamento.
Consolidado o mercado, os profissionais sentiram necessidade, já nos anos 90, de se organizar
melhor como categoria, até para fazer frente à classe médica, interessada em monopolizar o exercício da
acupuntura através da supervisão do trabalho dos massagistas (desde 1945 o exercício da profissão de
massagista depende da habilitação do Serviço Nacional de Fiscalização de Medicina) e da restrição dessa
atividade aos formados em medicina ou outra área biomédica. Em 1985 o Conselho Nacional de Fisioterapia
indica a acupuntura como habilitação; em 1986, o Conselho Nacional de Biomédicos faz o mesmo. Se por um
lado esse reconhecimento confere maior legitimidade à prática, por outro representa tutela por parte desses
conselhos sobre a atividade profissional.
Atualmente tramita no Congresso Nacional um projeto de lei regulamentando a profissão de
terapeuta naturista; o projeto de regulamentação da acupuntura já foi aprovado em duas votações na
Comissão de Assuntos Sociais do Senado, aguardando votação em plenário. Foi criado um Sindicato Nacional
de Terapeutas Naturistas (SINATEN), com o objetivo de combater, segundo afirmam, o lobby da medicina
alopática e da indústria farmacêutica: entre outras coisas o sindicato pretende criar uma cooperativa para
dinamizar consultórios, implantar ambulatórios de terapias naturais e manter um plano de saúde para os
associados.

O circuito

A pesquisa inicial mostrou que as práticas médicas com base em filosofias orientais já não se limitam
ao bairro da Liberdade, espalhando-se por toda a cidade. Se já não há uma região específica com maior
concentração de profissionais que seguem esses sistemas, é possível, porém, identificar e localizar algumas
instituições que se sobressaem nesse universo, atuando como pólos de contato entre terapeutas, ensejando o
estabelecimento de associações, sediando encontros e congressos: constituindo um circuito, enfim.
Conforme foi explicitado, essa noção não designa simplesmente a totalidade ou um conjunto de
atividades: quando se fala em circuito, está-se frente a uma rede onde os estabelecimentos mantém entre si
relações ditadas por princípios hierárquicos, de parceria, de complementariedade, aglutinação e de
competição; é a dinânica dessas relações que torna vivo o circuito e faz dele um ponto de referência não só
para a atividade profissional mas para a inculcação de padrões de consumo, comportamento, possibilitando
alternativas de filiação a esta ou aquela tendência.
55

Assim, a Escola de Massagem Oriental de São Paulo (EMOSP), situada no Cambuci, oferece um
curso de acupuntura e medicina tradicional chinesa e mantém relação de parceria com o Centro de Estudos de
Acupuntura e Terapias Afins (CEATA), no bairro de Pinheiros. Este último, por sua vez, sedia a Associação
Nacional de Acupuntura e Moxabustão (ANAMO), que participa ativamente na luta pela regulamentação da
Acupuntura. No CEATA são ministrados cursos de massagem (do-in), e outros ligados à medicina chinesa.
Este espaço oferece atendimento profissional e venda de produtos para os profissionais, como livros,
incensos para o “moxa”, ímãs para ativação de pontos, agulhas para acupuntura, mapas de pontos chineses,
etc. Esses mesmos produtos também costumam ser comprados na Bioaccus, na Liberdade, loja com tradição
no ramo.
O CEATA e a EMOSP participam e apoiam o Congresso Nacional de Terapias Naturais e o Encontro
Nacional de Essências Florais. O primeiro, que acontece já há oito anos, tem sido a base para o
estabelecimento das conexões entre algumas instituições que exercem atividades na área de medicina oriental,
principalmente as escolas, pois são elas que formam os profissionais e fornecem-lhes uma diretriz de atuação.
As Faculdades Integradas São Camilo sediaram o VIII Congresso Nacional de Terapias Naturais e II
Encontro Nacional de Essências Florais, ocorridos em novembro de 1997. Promovido pelo SINATEN
(Sindicato Nacional dos Terapeutas Naturistas), o VIII Congresso teve como principais temas as drogas
(tratamento e prevenção) e os distúrbios emocionais e mentais. A produção foi feita por uma empresa
especializada, a Loureiro Empreendimentos e Marketing Ltda.
Apoiaram e também participaram do evento: ABREFLOR - Associação Brasileira de Essências
Florais; ABTK- Associação Brasileira de Tchi Kun, Qi Gong e Terapias Afins; ANAMO - Associação
Nacional de Acupuntura e Moxabustão; ANTN - Associação Nacional de Terapeutas Naturistas; UNITEN -
Cooperativa Nacional dos Profissionais em Terapias Naturais; AMOR - Associação de Massagem Oriental do
Brasil.
O SINATEN e a UNITEN funcionam na sede do Espaço AMOR. Assim como o CEATA, esta escola
é um dos pontos de referência do circuito de massagem terapêutica pois desde o início vem lutando pela
regulamentação da profissão de massoterapeuta, além de reunir uma rede de escolas autorizadas onde
lecionam professores também formados nessa instituição: a Escola AMOR da Vila Madalena, o Espaço
Holístico, localizado em Moema; há ainda outras escolas da AMOR - no bairro de Santana, em Campinas e
Curitiba.
A AMOR mantém vínculos com o CEATA em tanto aliados na defesa dos direitos profissionais dos
terapeutas holísticos ou naturais e divulgam-se mutuamente. A orientação dessa escola, contudo, apresenta
diferenças pois não se restringe ao taoísmo, ensinando e utilizando diversas outras técnicas. Possui seu
próprio currículo, que entretanto é ministrado segundo a diretriz de cada escola da rede e do terapeuta que a
dirige.
Assim, a Escola Amor da Vila Madalena é dirigida por Sidney Donatelli, outro fundador da AMOR
e que, em virtude de sua formação artística (foi dançarino), valoriza o estudo dos movimentos no seu curso e
emprega terapias corporais ocidentais como a bioenergética. Sidney participa ainda como palestrante nos
56

Congressos apoiados pela AMOR.Os alunos dessa escola tem à sua disposição, para suas compras de livros e
produtos ligados à prática, diversos pontos de venda na região de Pinheiros; para produtos mais específicos
recorrem ao CEATA, que é indicado pela AMOR como uma casa de confiança.
No Espaço Amor da Vila Mariana, os diretores - um deles, João Júlio Diogo de Almeida, é
fisioterapeuta - também lecionam aulas de yoga e shantala (massagem indiana em bebês). Essa escola é a que
mais se aproxima de um esquema empresarial. Diretamente ligada à AMOR, ao SINATEN e à UNITEN,
através da figura de seu diretor, Armando Austregésilo, a instituição atua junto à comunidade através de
estágios em instituições públicas voltadas para a população carente: Casa dos Velhinhos Ondina Lobo (Alto
da Boa Vista), Creche Dom José Gaspar (Vila Morse), Casa Eliane de Gramont, dedicada ao atendimento de
mulheres em situação de violência (Vila Mariana), Posto de Saúde Bezerra de Menezes (Itú/SP).
Apesar de o atendimento coletivo e gratuito ocorrer em todas as escolas, esta é a que tem mais
atividades externas, além de um esquema especial chamado mutirão: trata-se de um sistema em que o espaço
oferece uma espécie de ambulatório coletivo, a preços mais acessíveis, onde o profissional em formação
atende e repassa parte da receita

Mapa com o circuito da massoterapia


57

auferida para a escola em troca de supervisão e utilização das salas. É bastante eclética no leque de serviços
que mantém, pois além do atendimento em massagem oriental e dos cursos nessa área, oferece capoeira,
dança do ventre, shantala e yoga.
No que se refere à orientação que serve de base para o ensino e prática da massagem, segue
princípios ligados ao taoísmo e à filosofia hinduísta (com aulas introdutórias ao yoga e aos chakras) que
fazem parte do currículo básico do curso da AMOR. Também são dadas noções básicas de calatonia,
psicologia, fitoterapia para complementar o do-in e as técnicas chinesas.
Já o Espaço Holístico é uma escola menos ortodoxa pois, apesar de manter convênio com a Escola
AMOR nos estágios, seguir seu currículo e estar autorizada a oferecer o seu curso e contratar os mesmos
professores, não faz parte da rede. O diretor, Otávio Leal, assume publicamente sua adesão a outros sistemas
do univsros neo-esô: diz-se mago, monge budista, tantra-yogue, rosa-cruz, mestre em reiki, astrólogo, entre
outras especialidades, algumas das quais irão permear a orientação da escola tanto nas aulas do curso de
massagem como nas palestras e workshops. A massagem de inspiração hinduísta e tântrica, além da medicina
ayurvédica recebem mais ênfase que que nas outras escolas. Otávio Leal fundou também a UTATE,
Universidade de Terapias Alternativas e Energéticas, que funciona no mesmo local, e participa dos
Congressos como palestrante , em conjunto com a AMOR.

2.3. Os trajetos

O Espaço AMOR da Vila Mariana, por estar localizada num local de mais fácil acesso que as outras
escolas, reúne alunos de vários pontos da Grande São Paulo os quais, para suas compras de material didático,
poderão recorrer tanto à conhecida loja Bioaccus, da Liberdade - acessível via metrô - como a pontos de
venda das redondezas: há uma loja de produtos medicinais chineses numa galeria situada à rua Domingos de
Moraes, que é indicada pelos professores do Espaço, bem como as farmácias “Panizza” da rua Vergueiro e
“Sensitiva”, vizinha à escola, na rua Joaquim Távora. Na mesma galeria está instalado o consultório de uma
das professoras da AMOR, formada na Escola da Vila Madalena, mas que leciona no Espaço da Vila Mariana
e também no Espaço Holístico, em Moema. Pode-se identificar o trajeto dessa professora, que inclui, além
das escolas onde leciona, o Instituto Liu-Pai-Lin, tradicional centro de estudos da medicina chinesa, onde
pratica lian-gong e tai-chi-chuan, também na Vila Mariana, e o CEATA , onde costuma fazer cursos de
especialização; seus alunos tendem a frequentar esse mesmo trajeto, ou parte dele.
Outros exemplos de trajetos de algumas pessoas também vinculadas à prática da massoterapia nessa
região:61
Regina mora no bairro do Sumaré, zona oeste, tendo feito sua formação como massagista na UTATE
(Universidade de Terapias Alternativas e Tratamentos Energéticos, antigo Espaço Holístico), na Av. Aicás, em
Moema e nas escolas Amor da Vila Madalena e da Vila Mariana. Frequenta palestras nesses espaços e

61
Os nomes dessas pessoas foram modificados.
58

também no Via Corpore, rua Machado de Assis, 115, estação Ana Rosa do Metrô (Vila Mariana). Faz as
compras necessárias ao exercício de sua especialidade (óleos, por exemplo) na Farmácia Homeopática H&N ,
Rua Cristiano Viana, (Pinheiros) e na Farmácia Sensitiva, R. Joaquim Távora (Vila Mariana); livros,
compra-os na Livraria Belas Arte, da Av. Paulista. É nessa região - nas bancas da av. Paulista e rua da
Consolação - que adquire incensos. Seu suprimento de cereais, ervas e produtos naturais é feita na zona
cerealista do centro. Costuma frequentar rituais e restaurante da Associação Hare-Krisna, av. Paulista .
Isaura mora na Vila Nova Conceição (região sul) e completou sua formação como massagista no
Espaço A.M.Or, R. Joaquim Távora, 1212 (V. Mariana). Frequenta cursos e palestras nos seguintes espaços:
Altermed, R. Loeefgren (V. Mariana); CEMETRAC - Centro de Medicina Tradicional Chinesa, R.
Piapitingui (Liberdade); Associação Brasileira de Reiki, Rua Machado de Assis (Est. Ana Rosa - V.
Mariana), Livraria Trion (Jardins) e Associação Brasileira de Lian Qong, R. Manoel da Nóbrega (Paraíso).
Compra óleos e produtos naturais na Farmácia Artemísia, (Metrô Praça. Árvore) e livros nas livrarias
Livraria Saraiva - Mega Store (Shopping Center Eldorado/ Ibirapuera) e na Attica Shopping, rua Pedroso de
Moraes (Pinheiros). Em busca de tratamento (manipulação vertebral) procura a Via Corpore, R. Machado de
Assis, 115 (Ana Rosa) e homeopatia na rua Pedro de Toledo (V. Mariana). Frequenta o Templo Taoísta na
rua José Antonio Coelho (Paraíso).
Cecília mora em Moema (região sul) e realizou sua formação como massagista na UTATE -
Universidade de Terapias Alternativas e Tratamentos Energéticos (Antigo Espaço Holístico) - Al. Aicás -
(Moema) e no Espaço A.M.Or, R. Joaquim Távora, 1212 (V. Mariana). Frequenta cursos e palestras nos
seguintes espaços: Via Corpore - R. Machado de Assis, 115 - Ana Rosa; Seara Bendita, R. Demóstenes -
Campo Belo; Círculo Esotérico da Comunhão e Pensamento, av. do Estado; Curso de Reiki c/ Úrsula Pandorf
- (Brooklin). Compra óleos, livros e produtos naturais na Farmácia Alternativa R. França Pinto - (V.
Mariana) e em supermercados; compra incensos em entreposto indiano da av. 25 de Março. Frequenta
semanalmente rituais de centro kardecista e também o Templo Taoísta na rua José Antonio Coelho (Paraíso)
e a Fraternidade Branca - Ponte para a Liberdade (Moema). Trata-se com Dr. Aluizio Rosa - Florais - (rua
Guarará - V. Mariana). Atividades fora de S. Paulo: Comunidade Harmonia - S. Thomé das Letras (MG)
Elena mora no Brooklin (região sul) e realizou sua formação como massagista na no Espaço A.M.Or,
R. Joaquim Távora, 1212 (V. Mariana). Frequenta cursos e palestras nos seguintes espaços: Via Corpore - R.
Machado de Assis, 115 - Ana Rosa; Chandra Surya - yoga Brooklin; Centro de Terapias Holísticas R.
Princesa Isabel - Brooklin Curso de Reiki c/ Úrsula Pandorf - (Brooklin). Compra óleos, incensos, remédios
e produtos naturais na Farmácia Apoteca (Brooklin); livros, em sebo da rua Guararapes - Brooklin .
Frequenta o Templo Taoísta na rua José Antonio Coelho (Paraíso) e trata-se com florais (R. Manoel da
Nóbrega - Paraíso) e reiki (Trav. da Rua Thomas Carvalhal - Paraíso)
Adriana mora em Santana (região norte) e frequenta o Espaço A.M.Or,) R. Girassol,1212, V.
Madalena (Consciência corporal e relaxamento) onde também assiste a palestras. Compra óleos, incensos em
O Magista, Rua Voluntários da Pátria, 2040 - Santana e na rua 24 de maio (Centro); compra livros na Spiro
Livraria, Al. Lorena,
59

Mapa com trajetos


60

1979- Jardins; pedras e bijouterias na Shaula, Rua Ruarte de Azevedo, 490 - Santana e roupas indianas na
Arkashan House/Samadhy: Shopping La Plage, Guarujá (SP). Costuma frequentar shows e eventos no
SESC/Pompéia e da Vila Mariana.)

2.4.- Conclusão

Se não se pode identificar, na Vila Mariana, uma mancha de atividades ligadas à medicina chinesa
em particular e à prática de massagens, em geral - uma vez que não configuram contiguidade espacial - a
presença de terapeutas e escolas nesse bairro levou a procurar outros padrões de implantação, na forma de
circuito e trajetos. Os espaços listados constituem os pontos de articulação de um segmento de circuito que
se estende para outros bairros, aglutinando e servindo de ponto de referência para inúmeros outros
estabelecimentos - consultórios, salas, lojas. Como já foi assinalado, a presença do Hospital São Paulo, que
oferece atendimento em acupuntura, certamente desempenha importante fator de atração de atividades ligadas
à saúde, entre as quais as não convencionais.
Cabe notar que, no circuito descrito, não obstante as interrelações apontadas entre as diversas
instituições que o integram, não se verifica homogeneidade nas linhas de orientação e métodos de
intervenção: enquanto alguns espaços, como CEATA e EMOSP, pautam-se basicamente por princípios do
taoísmo, privilegiando a acupuntura, as escolas da rede AMOR incorporam também técnicas e sistemas de
inspiração hinduísta, com ênfase na massagem, no toque. Esta constatação mostra que, não obstante a
diversidade de sistemas e princípios filosóficos que coexistem no universo neo-esô - o que induz a certas
conclusões sobre o “caos semiológico” que, segundo alguns autores, 62
imperaria nesse meio - os contatos e
trocas que se realizam ao longo de circuitos e trajetos mostram configurações que permitem supor a atuação
de alguns poucos modelos responsáveis pelos padrões dominantes.
A partir da análise do padrão de implantação das práticas neo-esôs num bairro específico pode-se
concluir que se está diante de um sólido, bem estabelecido e consolidado circuito, base para as escolhas que,
através dos trajetos, determinam aproximações entre os frequentadores, pela adoção de certos princípios,
hábitos e padrões de consumo. A noção de circuito, aplicada às atividades do universo neo-esô permite situá-
las na confluência de outros, na dinâmica da cidade, sem constituir um gueto, excêntrico, à parte:
determinados eventos - festivais, apresentações - de maior repercussão, terminam atraindo um público mais
amplo, sendo realizados em espaços não necessariamente identificados com esse universo, como os teatros do
SESC, o Tuca da PUC, o Centro Cultural São Paulo da Secretaria Municipal de Cultura, o Parque da
Independência no Museu do Ipiranga e assim por diante.

62
Cf. Ferreira (1984: 23)
61

3.- No discurso: a narrativa de base

Planetary Alignment
January 23, 1997 - 12:35 p.m. EST New York
“No dia 23 de janeiro de 1997 haverá um excepcionalmente raro e arquetipicamente oportuno alinhamento
planetário, um momento no tempo expresso nos céus na forma de uma perfeita estrela de seis pontas. Esta
configuração surge no dia exato em que três planetas, Júpiter, Urano e Netuno entram em conjunção pela
primeira vez em quase duzentos anos; desde a Renascença não ocorria tão harmoniosa disposição. No dia 23
de janeiro este conjunto de planetas estará centrado nos primeiros graus de Aquário, seguidos pelo Sol, com a
Lua Cheia em oposição. Assim, talvez essa configuração possa ser vista como uma simbólica representação
da tão anunciada aurora da Era de Aquário.” (GaiaMind Project: http://www.gaiamind.com).

3.1.- A grande narrativa

Com esta mensagem divulgada na Internet, GaiaMind Project 63


conclamava para um momento
coletivo e simultâneo de prece e meditação, no período compreendido entre as 17:30 e 17:35 horas (GMT)
desse dia. O apelo, em tom profético, estilo urbi et orbi, - a referência para o momento exato do alinhamento

63
De acordo com as informações veiculadas no referido site, “O projeto Gaia Mind é uma proposta trans-
denominacional e sem fins lucrativos, iniciada por Juliana Balistreri e Jim Fournier (San Francisco CA)
dedicada à difusão de uma meditação e prece para a transformação da consciência global, no dia 23 de janeiro
de 1997. A participação é aberta a todos e não não está vinculada a crenças de alguma religião ou ideologia
em particular, inclusive da astrologia. Além dos fundadores, milhares de pessoas em todo o mundo, de
diferentes tradições espirituais, são agora co-criadores deste evento único (...). O Projeto Gaia Mind aspira
servir de catalizador para a cura global ao buscar soluções práticas, criativas, espiritualmente orientadas aos
desafios enfrentados pela humanidade e pelo planeta. O projeto serve como ponte para explorar a interface
entre ciência, medicina, filosofia e as tradições da sabedoria espiritual universal. A iniciativa de 23 de janeiro
de 1997 posta na website como www.gaiamind.com renascerá como www.gaiamind.org para tornar-se um
fórum dedicado a essas idéias.” (tradução minha). Devo a Cristina Rocha a notícia do evento e o endereço do
site.
62

era 12:35 p.m. New York City - exortava os participantes dessa grande corrente a visualizar uma luz branca
e, assim, entrar em ressonância global na espera de grandes transformações.
A mensagem propunha uma mudança no relacionamento com o planeta: ao invés de pensar que
nossa espécie está se transformando num tipo de câncer para o meio ambiente - a superpopulação seria um de
seus sintomas mais dramáticos - devia-se considerar o gênero humano como a “emergente consciência auto-
reflexiva da Terra viva”. O limiar de grandes mudanças - prosseguia a argumentação - é sempre considerado
momento de desordem e os instantes do renascimento são precedidos e vividos como situações de morte, o
que pode explicar a atual fascinação da mídia - “o sistema nervoso fetal do planeta” - por violência, sexo e
morte, os três temas relacionados com a matriz do nascimento. O ano de 1997 poderia vir a ser, para os anos
noventa, o que 68 representou para os sessenta, com uma diferença, porém: enquanto estes teriam constituído
uma explosão dionisíaca, aqueles, marcados já pela dissolução, estariam plenos para uma súbita
transformação espiritual. A perfeita mandala representada pelo alinhamento planetário anunciava essa
possibilidade e caberia pôr em movimento um processo intencional para catalisar a emergência de uma
consciência planetária.
Tal interpretação de uma ocorrência astrológica considerada rara e particularmente significativa
oferece uma mostra do alcance que alguns temas da Nova Era vêm tomando, principalmente à medida que se
aproxima a virada do milênio. Os excertos seguintes, provenientes de outros contextos, oferecem um bom
efeito comparativo:

“Holística do grego ‘Holos’, significa Todo/Inteiro. É um novo paradigma que se apresenta como
resposta evolutiva à crise de fragmentação vivida pelo homem na atualidade, quer pela atomização
do conhecimento ou pela criação e divisão de fronteiras que só existem na mente humana. A Visão
Holística que a UNIPAZ procura desenvolver representa o encontro entre a ciência moderna, a arte e
a sabedoria antiga. É essa visão fragmentada que levou a humanidade a um notável progresso
tecnológico de um lado, mas impediu uma maior expansão da consciência para um progresso
harmônico, essencialmente holístico. As guerras, a fome, a miséria e todas as fronteiras econômicas,
raciais e culturais são resultados dessa visão fragmentada. Levaram o homem a uma crise sem
precedentes neste final de século. Uma das saídas para evitar o caos e a violência generalizada, que
ameaça pessoas e nações, está justamente nesse novo paradigma holístico.” 64

“A Associação Transpessoal Internacional (ITA) anuncia seu próximo e excitante projeto, a


Conferência Caminhos para o Sagrado, a realizar-se de 16 a 21 de maio de 1996, no Hotel Tropical,
em Manaus, Brasil, no coração da floresta amazônica. Nessa conferência exploraremos teórica e
praticamente o amplo espectro das ‘tecnologias do sagrado’, práticas antigas, indígenas e modernas
que podem mediar o acesso às dimensões espirituais da existência (...) Há boas razões para a creditar
que a investigação de estratégias experimentais voltadas para o despertar espiritual seja de grande
relevância prática para o futuro de nosso planeta. À medida que nos aproximamos rapidamente do
terceiro milênio encaramos uma situação sem precedentes em toda a história da humanidade. Este é
um tempo de inimaginadas possibilidades, mas também de graves riscos. Ao, longo deste século, os

64
A UNIPAZ - Universidade Holística Internacional - foi fundada em 1986, em Brasilia, por iniciativa do
conhecido psicólogo Pierre Weil e atualmente conta com campi avançados em Porto Alegre, Belo Horizonte,
Rio de Janeiro, Campinas, Salvador e Fortaleza (em fase de implantação). Entidade de expressão no meio
neo-esô, oferece cursos de formação, assessorias, organiza congressos, mantém convênios com inúmeras
universidades e instituições públicas e privadas. Entre seus “facilitadores” podem ser citados, entre outros,
Roberto Crema, Ubiratan D’Ambrosio, Stanley Krippner, Gray Gibsone, May East, Chagdud Tulku Rinpochê,
Alfredo Aveline, Frei Bedto, Carminha Levy, Mestre Lin Pai Lin. (http://www.unipaz.com.br)
63

atordoantes triunfos da ciência e da tecnologia levaram a humanidade à beira da catástrofe global, na


medida em que não foram matizados por um desenvolvimento comparável nos planos emocional,
moral e espiritual (...) 65

“Fome, miséria moral, doenças incuráveis, escândalos políticos, degradação ambiental, intolerância
religiosa, conflitos étnicos e genocídios. Pensamento dissociado do viver (...) retratam com
fidelidade a condição de crise generalizada atingida pelo processo civilizatório neste ocaso de
milênio. (...) No entanto, assim como entendiam os gregos (krisis=decisão), crise apenas assinala um
momento grave de decisão em todo o processo de transformação que vem marcando a presença
humana no Planeta Azul. (...) Às vésperas do terceiro milênio, o VII Encontro Para a Nova
Consciência tem como pauta a discussão da crise na perspectiva da transformação planetária (...) É
uma nova conciência apontando rumo a uma aurora para além da crise.”

Das leituras acima importa reter, se não a constatação da emergência de uma nova “consciência
planetária”, ao menos a de um amplo esquema explicativo cujo propósito é, frente a um quadro de
incertezas levado à escala planetária, a busca de sentido e ordenamento capazes de dissipar ambiguidades,
descobrir e interpetar sinais tornando-os auspiciosos e de esconjurar perigos pressentidos como iminentes,
catastróficos. Nada muito diferente, como se pode perceber, da ininterrupta fabulação que de tempos em
tempos produz narrativas - sejam de conotação religiosa, política ou ideológica - propondo ordem para o
pensamento, regras para a ação e significado para o mundo. 66
Postular a existência de sínteses mais abrangentes, subjacentes às multiplas práticas e sistemas em
que se divide e se sub-divide o neo-esoterismo difere, em certa medida, da linha de uma das interpretações
mais conhecidas sobre a Nova Era. Trata-se daquela que enfatiza seu caráter fragmentário, considerando-a um
mero epifenômeno da pós-modernidade, identificada com com a quebra de paradigmas, o império do
simulacro e do pastiche, a inevitável presentificação com sua falta de profundidade histórica e perspectiva
futura. 67
O Movimento Nova Era - ou o conjunto das práticas do circuito neo-esotérico, como está sendo
preferencialmente denominado neste trabalho - cai como uma luva para ilustrar esse cenário no âmbito da
religiosidade: à decantada falência das religiões institucionalizadas com seus dogmas, esquemas de poder e
burocracia suceder-se-iam práticas ditadas pela livre experimentação e associação; cada buscador seria levado
a montar seu próprio kit devocional a partir de um mercado que expõe, lado a lado, elementos oriundos das
mais diversas, distantes e opostas tradições espirituais. As novas propostas, pessoais ou de grupos, provindas
dessa estratégia que permite infinitas possibilidades de combinação, parecem livradas ao azar das escolhas

65
Trechos da apresentação do programa, assinada pelo coordenador da conferência, Stanislav Grof.
“VII Encontro Para a Nova Consciência”, 20 /24 de fevereiro de 1998, Campina Grande-PB.
66
Se a comparação com o clima e preocupações que marcaram a passagem anterior, do primeiro milênio, é
inevitável, cabe distinguir entre o que ocorre atualmente como tendência no circuito neo-esô e determinadas
posturas de grupos milenaristas auto-centrados cujo fanatismo é já objeto de medidas de prevenção.
67
“(...a religiosidade da Nova Era) “é simples e inexoravelmente o produto do pós-moderno: de uma cultura
que viu ruir todos os seus mitos, as ideologias, a verdade e os valores. É uma religiosidade amadurecida por
meio de um encontro com as formas expressivas e artísticas em nível de non sense e já se encontra
impregnada de ‘irracional’, de sensações mais do que idéias, de vontade de crer mais do que de convicções,
de visões e perspectivas deformadoras e de pluralismos indefinidos mais do que apego a tradições, às grandes
histórias e aos grandes mitos do passado” (Terrin, 1996: 9-10).
64

aleatórias: não há autoridade nessa espécie de “religião pós-moderna” que possa impedir as junções, por mais
estranhas que possam parecer - tarô de Marselha com yoga indiana, meditação transcendental com
xamanismo indígena, crença na reencarnação com manuais de auto-ajuda, ritos tântricos e pesquisas
ufológicas. 68
Mas, tal como aconteceu na análise anterior das práticas e espaços neo-esôs - que
mostrou a presença de padrões na base de sua distribuição espacial, funcionamento e
periodicidade - também é possível identificar, para além da diversidade das explicações
localizadas, a recorrência e lógica interna de alguns planos discursivos mais gerais. Pode-se
mesmo postular que tais planos não só constituem narrativas de base como ademais se
pretendem meta-narrativas, no sentido de se colocarem acima de diferenças étnicas,
ideológicas, religiosas ou de classe, dirigindo-se ao homem em sua condição de
protagonista num plano de dimensões cósmicas. “Somos todos tripulantes da nave Terra”,
costuma-se afirmar no meio neo-esotérico.
Assim, no interior das práticas, doutrinas, princípios e ritos dos grupos neo-esôs, é possível discernir
algumas matrizes discursivas e a variação que se observa na superfície do fenômeno (e que tanto chama a
atenção) não é senão o resultado das escolhas e ênfases que cada arranjo particular realiza a partir de uma
estrutura gerativa e dentro de uma combinatória ditada por regras de compatilibidade próprias.
Cada grupo, instituição, entidade e até mesmo cada experiência pessoal, apoiando-se implícita ou
explicitamente em alguns pressupostos, construirá quadros de referência com um maior ou menor coeficente
de coerência interna conforme o manejo, erudito ou naif, das premissas e matrizes comuns. Há,
evidentemente, aquelas sínteses plenamente identificadas e com maior grau de elaboração interna, como é o
caso da Teosofia (com base na obra de Helena Petrovna Blavatski), ou da Antroposofia, de Rudolf Steiner.
Essas sínteses, assim como o pensamento desenvolvido em escolas, obras e movimentos sob a influência de
personagens como G. I. Gurdjieff, Aleister Crowley, Éliphas Lévi, René Guénon e muitos outros - pensadores
e mestres esoteristas com vasta erudição sobre religiões orientais e o ocultismo ocidental - funcionam como
manuais, fontes de inspiração e guias, nesses intrincados caminhos, para os neo-esôs de hoje.

68
Algumas dessas características sem dúvidam podem ser encontradas em diversos sistemas neo-esôs, como
mostram vários estudos que apontam significativas e consistentes correlações entre formas de religiosidade
contemporânea e determinados aspectos da modernidade. O que aqui está sendo posto em questão é a
relação mecânica e direta entre esses dois conjuntos de fenômenos, tidos como unívocos, onde o primeiro é
apresentado como o reflexo do segundo. Nem um nem outro, contudo, são homogêneos, nem há acordo sobre
seu enquadramento conceitual: há autores inclusive que desqualificam o próprio termo “pós-moderno” por
considerar que o projeto da modernidade ainda não se completou, sendo inadequado, por conseguinte, falar
numa etapa “pós-moderna”. Por outro lado, como vem sendo mostrado, as práticas agrupadas sob as
denominações de Nova Era, neo-esoterismo ou outras tampouco podem ser tomadas constituindo um bloco
indiviso, capaz de ser nomeado por alguns traços inequívocos. Assim, considerar o movimento Nova Era
como a “religião pós-moderna”, tout court, por mais evocativo que possa parecer, está antes para título de
matéria de revista semanal do que para uma proposição minimamente demonstrável.
65

3.2.- Tradição e Ciência

Antes de mais nada é preciso discriminar alguns dos componentes mobilizados para a elaboração
dessas sínteses ou quadros explicativos mais amplos para em seguida identificar sua matriz discursiva de
base, a partir do material difundido pelos espaços neo-esôs, das palestras neles proferidas, das discussões dos
simpósios, do temário dos congressos e justificativas de workshops. Cabe ressaltar que a análise não se
pretende exaustiva com relação ao conjunto do movimento da Nova Era, não se aplica integralmente a cada
sistema que a integra e tampouco compulsou a infinidade de ensaios encontrados na abundante literatura que
locupleta as estantes marcadas com o rótulo “esotérico” nas livrarias. Tendo como fonte o material recolhido
durante o trabalho de campo, seu alcance limita-se ao horizonte das atividades neo-esôs tais como são
praticadas na cidade de São Paulo e, mais especificamente, nos espaços contemplados pela pesquisa. 69
Existe um grande eixo em torno do qual se aglutinam os elementos mais recorrentes que entram na
composição dos discursos correntes no meio neo-esô e que funciona também como a instância legitimadora
de todos esses discursos: é o designado pelo termo “Tradição”. Não está demais lembrar que esta noção está
sendo utilizada de acordo com um sentido bastante particular: no meio neo-esotérico, “tradição” é
considerada a fonte e depositária de determinado tipo de conhecimentos a respeito da natureza, destino e
lugar do homem na ordem mais geral do universo, produzidos ao longo do tempo, nas mais diferentes
sociedades. Disseminados e não raro dissimulados num amplo corpo de doutrinas secretas, mitos, fórmulas
herméticas e saberes empíricos, tais conhecimentos formariam uma corrente perene e ininterrupta - ainda que
descontínua e às vezes subterrânea ao plano da manifestação - suscitada por questões comuns a toda
humanidade e ancorada em capacidades cognitivas desenvolvidas por grupos e personagens especiais,
presentes em todas as culturas.
Dada sua amplidão, torna-se difícil determinar exatamente quais conhecimentos, crenças, saberes,
mitos e outros elementos constituem o repertório dessa sabedoria tradicional: nela cabem desde peças
universalmente difundidas e reconhecidas até por seu valor literário (como o poema épico hindu Bhagavad
Gita, por exemplo, ou então os relatos da mitologia grega, as sagas nórdicas, etc.) até fórmulas e ritos mágicos
atribuídos a povos caçadores pré-históricos sem escrita. Numa primeira aproximação e tomando como base os
temas que mais se repetem nos espaços pesquisados, é possível começar distinguindo os elementos que
costumam ser reunidos no interior desse referente comum que é a Tradição: a primeira grande divisão a ser
feita para organizar as informações é entre uma vertente que poderia ser chamada de erudita para diferenciá-
la de outra, ágrafa/popular.
No primeiro bloco, as fontes eruditas, estaria compreendida a produção codificada, acessível
através de documentos escritos ou de conjuntos significativos de cultura material, de quatro grupos distintos:
a) grandes civilizações do passado, já desaparecidas, ou já não mais em seus dias de esplendor. As mais

69
O que não é pouco e, mesmo assim, deve ser considerado como uma tendência.
66

recorrentes são as tradições genericamente designadas como orientais - que incluem códigos e panteão
religiosos, corpos de mitos, sistemas divinatórios, técnicas de cura e ordenamentos morais provenientes de ou
referidos ao Antigo Egito, às cidades-estado da Mesopotâmia, à India, Extremo Oriente, - sem maiores
referências à duração, superposição ou abrangência das respectivas áreas e períodos de influência; b) o
esoterismo ocidental, que vai dos cultos de mistérios gregos e romanos, passando pelo druidismo celta, pela
cabala e alquimia renascentistas até as sociedades ocultistas da época moderna; c) as civilizações sul e meso-
americanas, principalmente a incaica, azteca e maia; d) por último, figuram os saberes atribuídos a
civilizações e/ou cidades perdidas como “Atlântida”, “Lemúria”, conhecidos através de um suposto
registro arqueológico (principalmente inscrições rupestres) ou de traços preservados no interior da cultura de
outros povos. 70
O segundo bloco, fontes ágrafas/populares, abrange a contribuição, a) daquelas culturas que,
desprovidas da escrita, permitem o acesso a seu legado através do recurso à oralidade (quando
contemporâneas) ou através de vestígios arqueológicos, no caso dos grupos pré-históricos. Grupos indígenas
contemporâneos ou descendentes de antigos povos, principalmente da América do Norte (EUA, Canadá),
América Central, altiplano andino, terras baixas da América do Sul, Oceania e outras regiões com uma ainda
significativa presença indígena integram este subgrupo; b) a segunda contribuição - ainda que sem o mesmo
prestígio que as anteriores, pois enquanto a distância exotiza, a proximidade, ao contrário, banaliza - é a
das tradições populares camponesas e urbanas, com a imensa legião de curandeiros e adivinhos cujas
práticas e ensinamentos são o resultado de trocas e fusões entre sistemas religosos transplantados e antigas
práticas autóctones.
O quadro pode parecer demasiadamente esquemático, mas de nada adiantaria inflacioná-lo com uma
enfiada de tradições particulares de todos os quadrantes do mundo introduzindo novas divisões e sub-divisões,
pois sempre subsistiria a impressão de se estar manipulando um conjunto incompleto 71. Mais importante que
uma listagem, catálogo ou inventário, contudo, é tentar captar a especificidade e alcance dessa noção de
“tradição” enquanto referência para os discursos neo-esôs, o que se torna mais factível quando se estabelece,
para efeitos comparativos, o elemento que atua como o outro pólo de um sistema de oposição. Trata-se da
ciência, que a todo momento aparece no contexto neo-esotérico fazendo par com a idéia de tradição.
Como foi visto, o saber tradicional é considerado como o resultado da contribuição de culturas
distantes no tempo (as grandes civilizações do passado) ou no espaço (culturas indígenas atuais) o que lhe dá
um caráter de contraponto à civilização ocidental, encarada sob o prisma de suas mazelas e distorções. Os
neo-esôs voltam-se para a Tradição justamente porque - dizem - preserva algo de que o homem
contemporâneo, dominado pelos imperativos de uma modernidade que terminou revelando-se arrogante e
parcial, fora despojado.

70
Note-se que pouca diferença faz, para a lógica que preside a esta classificação, a disparidade de critérios
(em termos de evidências documentais) que permite incluir este último ítem ao lado dos anteriores.
71
Riffard (1996: 155-166) apresenta quadros sinópticos mais detalhados, com um maior número de
informações.
67

Esse legado tradicional - totalizador, voltado para as perguntas básicas da existência humana - não
é, contudo, uma verdade revelada, como no cânone judaico-cristão. Fruto da elaboração cumulativa de
refinadas civilizações, tanto quanto, no outro extremo, de rudes (mas “autênticos”) selvagens, é considerado
produto de uma multifacetada experiência humana que inclui processos de ordem especulativa, experimental,
incluindo as de caráter místico e religioso. Por conseguinte, não se opõe ao pensamento científico, como se
fosse portadora de uma verdade outorgada desde outra ordem, separada, divina. No entanto, mantém sua
especificidade demarcando o próprio campo com relação aos pressupostos, métodos e propósitos da ciência.
Mas, cabe perguntar, de que ciência se está falando? A visão de ciência que circula no meio neo-esô
nem sempre corresponde àquela (ou àquelas) que prevalecem no campo acadêmico; tampouco existe uma
visão única, mas várias concepções. Em primeiro lugar, está o que se considera o paradigma “oficial” -
positivista, cartesiano - frente ao qual tem-se uma atitude crítica, pois é tida como materialista e fechada a
temas não convencionais.
No entanto, cabe lembrar as estratégias através das quais se dão os contatos com o campo
científico convencional: a pesquisa mostrou algumas delas, entre as quais os congressos, simpósios
temáticos, cursos de treinamento, palestras de especialistas, intercâmbio nos espaços neo-esôs, etc., realizados
segundo moldes acadêmicos - mesas-redondas, pesquisa bibliográfica, ensaios. Mais: não obstante a atitude
de desconfiança e as críticas às bases epistemológicas da denominada ciência “oficial”, paradoxalmente,
quando se divulga um evento, a titulação dos palestrantes assim como sua vinculação a universidades e
centros de pesquisa de renome são realçadas.
Em segundo lugar, costuma-se enfatizar o que é celebrado como coincidências entre descobertas
científicas recentes e verdades há muito conhecidas via Tradição: aqui, porém, não se trata de qualquer
ciência: há algumas preferidas. Dentre as disciplinas a que mais se recorre, como referência ou testemunho
para validação de determinadas asserções correntes no ideário neo-esô, estão, entre outras, a física,
matemática, biologia entre as naturais ou exatas; antropologia, arqueologia, história das religiões, ciências
cognitivas e psicológicas, entre as humanas.
Mesmo assim não se trata das mesmas disciplinas exatamente como são entendidas, transmitidas e
praticadas nos centros de pesquisa e ensino universitários convencionais. Em alguns casos o que se privilegia
são determinados enfoques, hipóteses ou linhas consideradas, no meio neo-esô, como “de ponta”: a mecânica
quântica, a teoria do caos, as estruturas dissipativas, a hipótese Gaia, etc.; 72
em outros, constrói-se uma
leitura muito particular de determinada disciplina, como acontece com uma suposta “arqueologia fantástica”,
72
Um exemplo desse contato é fornecido pelas obras de Fritjof Capra. O primeiro parágrafo de um de seus
livros mais divulgados, O Tao da Físïca; (1995), descreve uma experiência pessoal onde relaciona a visão do
movimento das ondas do mar - moléculas e átomos em vibração - com a dança do deus Shiva, da mitologia
indiana.(p.13) e que terminou se tornando o paradigma da aproximação entre a sabedoria tradicional e as
descobertas num campo científico específico, no caso o da mecânica quântica. Este tipo de aproximação
pode ensejar tanto uma linha específica de reflexão conduzida com o rigor de procedimentos próprios da
ciência e guiada por intuições tidas por meio de experiências totalizadoras próprias das tradições místicas,
como também diluir-se na forma de popularização tal como se pode ver em muitos folhetos, palestras e
comentários correntes nos espaços neo-esôs. Mesmo neste caso, não obstante a ligeireza das aproximações
entre ciência e tradição, resultante da vulgarização de conceitos, pode-se reconhecer aí uma busca de novos
padrões.de conhecimento e explicação de fenômenos que escapam aos padrões congnitivos reconhecidos.
68

voltada, por exemplo, para decifração de inscrições rupestres atribuídas a civilizações desaparecidas ou
mesmo a seres de outras galáxias ou dimensões. Repete-se, aqui, o mesmo processo já mencionado na
composição da Tradição, onde o legado de civilizações plenamente documentadas figura, aparentemente sem
maiores problemas epistemológicos, ao lado de civilizações simplesmente tidas como “desaparecidas”, sem
registro documental.
A antropologia, para dar um exemplo, é valorizada enquanto suposta depositária de informações
sobre povos primitivos e seu modo de vida considerado “comunitário”, em contato com a “mãe-terra”,
praticando ritos xamânicos, em perfeita comunhão com a natureza. Esta disciplina é ainda invocada para
validar a ocorrência de fases de desenvolvimento da humanidade como a passagem do “matriarcado” para o
“patriarcado” e, juntamente com a arqueologia, desvendar o significado de inscrições pré-históricas, pinturas
rupestres e das conhecidas estatuetas femininas às quais se atribui vínculos com cultos e rituais de fertilidade.
A mitologia comparada e a história das religiões, por sua vez, fornecem símbolos, ritos, relatos que são
reinterpretados por meio de conceitos tirados das ciências psicológicas, basicamente de perspectiva
junguiana. Os ícones são Mircea Eliade, Carl Jung, Joseph Campbell, Illia Prigogine, Gregory Bateson, entre
outros.
Em suma, no par Tradição versus Ciência esta última não entra tanto como fonte e sim como
instância legitimadora de um conhecimento que se reputa indispensável para a plena realização do homem.
Se a ciência não é garantia de esperança num futuro melhor (como as Luzes anunciavam e as guerras, a
injustiça, os desequilíbrios ecológicos terminaram desmentindo), a ela - por meio principalmente daquelas
disciplinas entendidas como mais próximas ou sensíveis aos valores correntes no meio neo-esô - reserva-se o
papel de confirmar e legitimar a validade, coerência ou ao menos a verossimilhança das verdades tradicionais.
Não se trata, portanto, de escolher entre Tradição e Ciência: o homem da Nova Era não opta pelo
irracionalismo, pois não rejeita os incontestáveis avanços científicos ou seus métodos de trabalho. Frente a
essa dicotomia, fica com os dois termos, definindo-os a seu modo e hierarquizando-os, pois à ciência cabe
um papel subordinado. Se a tendência é valorizar as terapias soft, o lado direito do cérebro, o contato com o
“eu superior” , isso se faz em nome de uma visão holística, integradora, em conformidade a leis cósmicas - já
antevistas nas antigas tradições e que agora a ciência começaria a comprovar.

3.3.- A matriz discursiva

Se no par Tradição / Ciência o primeiro termo reúne os elementos e contribuições dessa fonte
perene de conhecimento, e o segundo é invocado para referendar verdades já antecipadas pelos antigos
69

saberes, o que põe em movimento esse sistema é a noção de evolução: aplicado aos vários planos -
individual, histórico e cósmico, produz diferentes temporalidades. Cabe lembrar que na maioria das versões
neo-esôs o processo evolutivo não é entendido numa única perspectiva, a seqüencial-progressiva: é
temperado com seu o concorrente, o modelo cíclico.
Assim, na instância individual é possível progredir, aperfeiçoar-se, mas no limite só se poderá chegar
ao ponto de partida de onde cada indivíduo - como de resto o universo todo - emanou; trata-se de aceder a
níveis superiores de consciência e não de expiar alguma falta original, como no relato bíblico. Esta particular
leitura terá consequências: vai concluir pelo estado de perfectibilidade - mas não de culpa - da condição
humana. A visão de uma divindade separada, pessoal e criadora é substituída pela proposição de um princípio
superior, englobante - panteísta, diriam os apologetas cristãos. 73.
Na dimensão macro, o movimento evolutivo percorre grandes ciclos - o modelo mais conhecido é o
das eras regidas pelo zodíaco: de acordo com este esquema, a era de Touro correspondeu às religiões
mesopotâmicas, a de Áries à religião mosaico-judaica, a de Peixes à era cristã e a de Aquário é a que se abre
agora. Um outro modelo combina sistemas de inspiração ecológica, como a Hipótese Gaia e a visão cósmica e
teleologicamente orientada desenvolvida pelo padre jesuíta Teilhard de Chardin.74
O alto rendimento dessa postura evolucionista na elaboração do pensamento neo-esô evidencia-se
ainda no terceiro plano de aplicação, situado entre o plano da realização individual, restrito à biografia de
cada um e o cósmico, que aponta para níveis de consciência: é o plano de processos históricos, com avanços
e retrocessos, onde os cortes são estabelecidos com base em crítérios tirados da paleontologia, arqueologia,
história, antropologia, mitologia comparada.
Um exemplo concreto deste último é oferecido pela aplicação das categorias “matriarcado” e
“patriarcado” já citadas, entendidas como duas grandes etapas sucessivas: a primeira, marcada pela condição
feminina, corresponderia ao período em que a humanidade teria vivido em contato estreito com, e até imerso
em processos naturais. A então preponderância da mulher estaria diretamente associada àquela dependência
pois é seu corpo que exibe as regularidades ligadas à procriação: daí a idéia da natureza como a Grande Mãe,

73
“Conhecer a centelha que é o eu mais interior implica necessariamente conhecer o potencial do eu. Se somos
fragmentos do que foi outrora uma plenitude, o Pleroma, como o chamavam os antigos gnósticos, então
podemos conhecer o que fomos um dia e o que poderemos voltar a ser” (Bloom, op. cit.:163). Outra
aproximação entre esta visão e a dos gnósticos do II século pode ser apreciado em Pagels (1990:179):
“Además de definir a Dios de manera opuesta, los gnósticos y los ortodoxos diagnostican la condición
humana de modo muy distinto. Los ortodoxos seguían la tradicional ensenãnza judía de que lo que separa a la
humanidade de Dios, además de la disimilitud esencial, es el pecado humano.(...) Muchos gnósticos, por el
contrario, insistían en que la ignorancia y no el pecado es lo que causa el sufirimiento de las personas”
74
Geólogo e palentólogo, o padre jesuita Pierre Teillhard de Chardin (1881 - 1955) desenvolveu uma visão
evolutiva de dimensões cósmicas e seu esforço foi demonstrar que não se chocava com a doutrina cristã do
universo. Ele via a humanidade como o eixo central de um fluxo que, a partir de uma “cosmogênese”
primordial, passaria pela etapa da “antropogênese” e, com o surgimento da consciência (“noosfera”)
avançaria em direção ao Ponto Ômega, interpretado como o ápice da integração de todas as consciências
individuais, correspondendo à segunda vinda de Cristo. Há, evidentemente, muitos outros modelos correntes
no meio neo-esô que distinguem grandes ciclos e idades como o grego (com as quatro idades - a do Ouro,
Prata, Bronze e Ferro; cf. Vernant, 1990), o induísta das quatro Yuga, o calendário maia etc.
70

o culto à lua, a importância atribuída às famosas “Vênus pré-históricas”, aos ritos de fertilidade 75
. O
patriarcado, na maioria das versões, está associado à era dos metais, descoberta que teria permitido
aperfeiçoar as artes da guerra e o predomínio masculino; em contraposição ao estado de igualitarismo do
matriarcado, teria instaurado a hierarquia e a propriedade. “Daí em diante, o culto à Lua passou a ser
substituído pelo culto ao Sol, ressaltando-se o poder masculino encarnado na imagem de um deus guerreiro,
portador da luz e da razão suprema. Nessa nova estrutura de poder, a sensibilidade, o sentimento, a
imaginação e a intuição - qualidades do universo feminino - teriam perdido importância para o raciocínio
lógico, a técnica e as leis” 76. O atual “resgate do feminino”, mote em voga em muitos espaços neo-esôs,
mostraria o início de uma nova etapa, marcada pela combinação de valores masculinos e femininos.
Esta é uma caracterização sumária e generalizante mas que abrange grosso modo as versões que
circulam nos espaços neo-esôs.77 Analisando sua lógica interna, contudo, percebe-se que nem sempre há
coincidência quando se trata de situar os cortes e fronteiras entre as etapas, principalmente quando são
utilizadas datações, terminologia e referências da história ou arqueologia. O matriarcado ora abrange o
paleolítico, ora estende-se ao neolítico; o patriarcado em alguns casos está associado aos caçadores; em
outros, começa com o neolítico; em outras, ainda, tem início com as invasões dos povos indo-europeus e
suas divindades. Aparece também a divisão nomadismo versus sedentarismo, associando-se o primeiro termo
a uma “Idade de Ouro” e o segundo ao início da “Idade da Civilização”.
É preciso lembrar que não obstante as referências a disciplinas “oficiais” - história, antropologia,
paleontologia, arqueologia - e do uso de termos delas oriundos, esta é uma elaboração bastante particular,
nem sempre coincidente com os resultados de pesquisas e quadros teóricos dessas disciplinas. Deste ponto de
vista os próprios termos “matriarcado” e “patriarcado seriam colocados em suspeição: aceitos no quadro
explicativo do evolucionismo cultural de meados do século XIX, hoje estão descartados como categorias
capazes de delimitar fases sucessivas e universais de desenvolvimento da humanidade 78
. O mesmo ocorre
com as datações utilizadas na pesquisa arqueológica: as grandes divisões - paleolítico, mesolítico, neolítico,
etc. - em que pese seu poder evocativo, pouco significam quando empregadas sem especificações mais
detalhadas.
No entanto, se non è vero è ben trovato; a despeito das imprecisões, o esquema matriarcado-
patriarcado tem ampla aceitação no meio neo-esô pois oferece um princípio classificatório de bom
rendimento; o mesmo ocorre com o termo “comunidade”, entendido como típico de sociedades de pequena

75
“(...) uma imagem do mundo de harmonia e consonância no corpo vivo de uma Mãe Universo que, como o
trabalho de Marija Gimbutas tem mostrado, era representada nas artes neolíticas mais primitivas da velha
Europa, 7000-3500 a.C. como a única ‘Grande Deusa da Vida, da Morte e da Regeneração’” (Campbell,
1997:144).
76
Romeo Graziano Filho, 1997: 54-55.
77
Há evidentemente, versões mais elaboradas; estou apresentando uma espécie de “tipo ideal” das versões
tais como aparecem em palestras, rituais, folhetos, etc.
78
No campo dos estudos de parentesco, na antropologia, os termos utilizadados são “matrilinear”,
“patrilinear”, “matri” e “patrilocal”, etc., conforme se esteja referindo a regras de descendência, residência,
etc. do grupo estudado. São termos técnicos, de uso preciso, sem a abrangência e caráter evolutivo sugeridos
por “matriarcado” e “patriarcado”.
71

escala cujos membros viveriam em harmonia consigo mesmos e com a natureza 79


e assim com muitos
outros.
Qual, seria, portanto, a lógica que costura terminologia, métodos e conclusões
provenientes de tão diferentes campos? Uma pista, já clássica, para o entendimento de
fenômeno é a oferecida por Lévi-Strauss (1976): estamos no terreno do mito, não da
ciência, com o modo de operar descrito por ele como bricolage; neste esquema, alguns
dos termos podem ser científicos, mas a estrutura do constructo pertence ao mito. As
incongruências, as aproximações forçadas, os anacronismos, a utilização de conceitos de
diferentes contextos teóricos, tudo isso - que aos olhos da lógica da ciência constitui
empecilho à formação de proposições com sentido - na lógica do mito é absorvido no
interior de uma estrutura que, essa sim é o que importa, pois é o que dá um particular
significado ao todo. 80
Mesmo as grandes sínteses já apontadas, como a da Teosofia e a da Antroposofia -
de maior fôlego e coerência - não escapam a essa forma de apropriação e lógica de
ordenamento. Cabe lembrar, também, que mito aqui não está empregado no sentido popular
de “falso”, “ilusório”, mas como um gênero com suas convenções retóricas próprias. 81
Faz parte deste modo de operar a presença de certos mitemas - formulações sintéticas, de alto poder
classificatório, empregadas com independência de seus contextos de origem: assim abundam, no meio neo-
esô, as referências aos quatro elementos - “terra, água, ar, fogo” - que se desdobram nas quatro estações, nos
quatro ventos, nas quatro direções, nos quatro animais arquetípicos, etc. O mesmo ocorre com formulações
ternárias: as três dimensões do homem (corpo, mente, espírito) e, finalmente, com as binárias - eu superior
versus eu inferior, e assim por diante. Termos como “sincronicidade”, “energia”, “elementais”, “holismo”,
“carma”, “chakras” e outros passam a ter significado unívoco no meio neo-esotérico: instauram uma espécie
de zona franca atuando como termos de um léxico de livre circulação e imediata compreensão.
Identificados o regime da sincronia com o par Tradição/Ciência e o princípio que coloca seus
elementos no plano diacrônico, a evolução, resta explicitar o mecanismo de base do modelo. Reitero que,
também neste caso, trata-se de uma conclusão tirada com base nos dados observados em campo e não em um

79
Os conflitos e costumes pouco “elogiáveis” (como o canibalismo, por exemplo) que o relato etnográfico
registra e interpreta no contexto da culturas onde ocorrem ou ocorreram, geralmente não são mencionados.
Por outro lado, termos como clã, tribo, rituais xamânicos, conselho de anciãos e outros são empregados de
forma indiscriminada para designar um modo de vida e instituições que se supõem, equivocadamente, serem
comuns a todos os povos indígenas. Em última análise o que normalmente acontece mesmo com o uso desses
termos é que se recorre a eles mais em busca de seu poder evocativo, metafórico, do que de uma precisão
técnica.
80
Cf. Lévi-Strauss, 1976: 32, 37 e ss.
81
Ver, a propósito, a discussão de Lévi-Strauss sobre as diferenças entre conto e mito, na análise sobre a obra
de Vladimir Propp. (1976 (b): 133-136) e também Vernant, 1992.
72

conjunto exaustivo das combinações existentes no campo neo-esô, muitas das quais podem seguir outras
narrativas de base. 82 A figura é um triângulo:

Totalidade

Indivíduo Comunidade

Numa ponta está o Indivíduo, em suas diversas denominações e graus de profundidade - “eu
interior/eu superior”, “lenda pessoal”, self, inner spirituality, self-spirituality, inner voice -, 83 na outra, o pólo
de onde emanou, do qual faz parte e para onde tende esse indivíduo, ou seja a Totalidade (Transcendência,
Absoluto, Cosmos, o Princípio Superior, a Natureza, conforme cada versão). A história da humanidade não
seria senão a longa caminhada, matizada pelas idiossincrasias de cada cultura para restabelecer o contato
pleno do múltiplo com o uno e isto só é possível porque aquele sempre foi parte deste último. Tendo em
vista, porém o carácter societário do modo de vida do ser humano, entre Indivíduo e Totalidade medeia um
tertium, a Comunidade - depositária e guardiã de cada tradição particular e dos meios que possibilitam a seus
membros, em cada contexto histórico, alcançarem sua verdadeira natureza 84.
O modelo ideal, portanto, supõe o indivíduo, tomado em sua integralidade (corpo /mente /espírito),
que pertence a e se aperfeiçoa no seio de uma comunidade considerada harmônica, ambos imersos e
integrados numa realidade mais inclusiva e total, da qual é preciso tomar consciência . 85
Concluindo, tem-se, deste modo, a formulação de um “modelo de” (na linguagem
geertziana) que se desdobra em “modelos para”: as terapias alternativas, a dinâmica das
vivências, os métodos de cura, as técnicas de auto-conhecimento, os modelos de
comportamento e consumo são calcados - levando-se em conta as variações de cada síntese

82
Neste caso prefiro manter os termos “discursos” e “narrativa” - este para referir-me a um quadro mais geral
e aqueles para designar formulações localizadas - antes que “cosmologia”, para ressaltar o caráter gerativo e
de combinatória do modelo proposto. Quando se trata de um repertório mais específico, em determinados
contextos e sistemas, pode-se falar de uma determinada cosmologia, com cor local.
83
Cfr. Heelas, 1966: 16,19,56.
84
Daí a atração de alguns grupos neo-esôs, senão pela volta a um estado ideal de comunidade (ainda
encontrada, segundo crêem, em culturas todavia não contaminadas pela sociedade moderna), ao menos por
seus ideais, buscados nos limites dos pequenos grupos que se reunem nos espaços, nas vivências e workshops
intensivos de fins de semana. Esta é uma característica que se contrapõe às visões que associam, sem maiores
mediações, o neo-esoterismo à fragmentação e ao individualismo da pós-modernidade.
85
O esquema acima, ao mesmo tempo em que leva ao extremo as características “ideais” de cada termo - a
totalidade é cósmica, o indivíduo é senhor de suas escolhas e a comunidade é o reino da harmonia e consenso
- equilibra o alcance de cada termo pela presença dos demais.
73

- na combinatória do triângulo que, por sua vez, articula elementos do par Ciência e
Tradição.
Muitas variantes decorrem dessa matriz discursiva, dependendo da ênfase dada a este ou aquele
elemento constitutivo da estrutura; algumas serão mais elaboradas, outras menos, conforme o grau de
sofisticação das escolhas e articulação interna. Cabe registrar (entre outras) duas dessas sínteses, já citadas:
um modelo de orientação mais ecológica representado pela Hipótese Gaia e o Holismo Cristão, apoiado nas
formulações do padre jesuíta Teillhard de Chardin . 86 Na impossibilidade de apresentar um corpus mais
completo dessas sínteses, o que teria permitido um melhor acompanhamento da análise precedente,
transcrevo o texto intodutório com que a Universidade Holística Internacional abre a página da Formação
Holística de Base de seu site e que, por sua abrangência e representatividade, ilustra os principais pontos da
discussão anterior:

“A nossa realidade cotidiana tem nos revelado o crescente aumento de desagregação - entendida
como crise de desvinculação e fragmentação que nos afasta do propósito maior que é a Evolução do
Ser e a Integração com o Universo. Sendo assim, torna-se emergencial a possibilidade de uma
consciência, de uma nova civilização mais humana, justa, centrada em valores mais elevados; e uma
necessidade de melhorar e ampliar a qualidade de vida em seus aspectos básicos de sobrevivência:
social, político, educacional e científico. Nos horizontes já ampliados da Consciência Humana,
surgiu uma Visão - O Paradigma Holístico, que representa o mais significativo evento histórico dos
últimos séculos posteriores ao Renascimento, além de significar uma nova concepção no mundo. O
paradigma Holístico expressa também uma atitude inovadora. Holístico (do grego Holos = todo), é
um termo que remonta aos pré-socráticos; Heráclito, filósofo grego, já usava o termo Holismo,
afirmando que o todo está contido no Um, ou que "as partes estão no todo e o todo nas partes". A
visão Holística objetiva a importância do processo de evolução das partes para uma síntese na
totalidade e traz consigo o respeito à natureza e suas formas de vida o conjunto dos valores culturais
e, ao mesmo tempo, incentiva o desenvolvimento em todas as áreas. A partir do momento que o
homem se considerar integrante do Universo, terá início a transformação das relações. Visando o
despertar de uma visão holística no Homem, a Unipaz implantou o curso de formação Holística de
Base, constituído através de três fases:
1. - O Despertar (Ecologia Interior) Integração das funções psíquicas, de acordo como modelo
junguiano (sensação - intuição - pensamento - sentimento), visando a harmonização do plano pessoal
e transpessoal.
2 - O Caminho (Ecologia Social) Aprofundamento da fase anterior, com aplicação da vivência
pessoal e às esferas do conhecimento científico, espiritual, filosófico e artístico. Inclui a realização
de estágios em centros holísticos indicados pela UnHI.
3 - A Obra-Prima (Ecologia Planetária) Etapa final, que facultará ao aprendiz a expressão do seu
processo de aprendizagem e de integração holística.”

A noção de modelo tal como a define Geertz (1978), possui um dupla acepção: modelo “de” e modelo
“para”. Enquanto os “modelos de” oferecem uma visão de mundo “que relaciona a esfera de existência do
homem a uma esfera mais ampla” (op. cit.:124) os “modelos para” transformam essa visão em normas para a
ação, em regras de comportamento.
86
E que pode ser apreciado em formulações de Leonardo Boff (1998) e de frei Betto, entre outros, após suas
recentes incursões pela seara da Nova Era.
Vide nota 65.
74
75

Capítulo IV - O ethos neo-esô

Identificado, em linhas gerais, um “modelo de” - a partir de marcas e pistas deixadas nos planos da
distribuição espacial, do calendário e do discurso - cabe agora analisar seu processo de transformação em
“modelos para”, ou seja, sua capacidade de produzir efeitos no nível do comportamento. Este é o momento
para retomar a hipótese inicial do trabalho, pois se trata de observar de que forma visões de mundo terminam
induzindo modificações não apenas no comportamento individual, mas gerando padrões coletivos,
configurando assim um “estilo de vida” peculiar.87
Antes de mais nada cabe lembrar as duas visões mais correntes sobre o fenômeno do neo-esoterismo,
que servem de contraponto à análise que vem sendo apresentada: uma, que reduz seus participantes ao
protótipo de seguidor crédulo, pronto a acreditar em qualquer previsão das cartas ou a confiar suas vértebras
ao primeiro terapeuta auto-denominado holista que se apresentar; outra, mais elaborada, que sob as lufadas da
pós-modernidade não vê senão um cenário marcado pela intercambiabilidade dos produtos, fragmentação das
propostas e individualização das escolhas.
Na realidade o que vem se delineando aponta para um quadro com diferentes graus de entendimento,
inserção e compromisso onde padrões e recorrências, em vários planos, mostram a presença de principios de
ordenamento. Trata-se agora de detectar esses princípios no nível dos frequentadores e seus comportamentos.

1.- Os freqüentadores

Observando a movimentação habitual nos espaços neo-esôs, principalmente os do Grupo II e III,


tem-se a impressão, num primeiro momento, de que os eventos que aí transcorrem e que foram objeto de
observação, durante a pesquisa - lançamentos de livros, concertos, palestras, cursos, vernissagens, exibição de
filmes, performances, etc., - não se distinguem daqueles que normalmente constituem a rotina cultural da
cidade. O elemento diferenciador começa a ficar claro na medida em que se constata não se tratar de
quaisquer livros, concertos ou palestras.
87
Cf. Geertz (1978: 141): “Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e estéticos) de uma dada
cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo ‘ethos’, enquanto os aspectos cognitivos,
existenciais foram designados pelo termo ‘visão de mundo’. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a
qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atituade subjacente em relação a ele
mesmo e ao seu mundo que a vida reflete”.
76

Mas não é apenas o tema ou conteúdo específico de tais atividades que fazem a diferença. O
ambiente - a música que antecede ou acompanha o evento, os produtos oferecidos como degustação, os
objetos em exposição ou à venda - assim como a atitude dos participantes, não deixam lugar a dúvidas: trata-
se de pessoas cujas preferências não se pautam pelo que é comumente anunciado nos cadernos de lazer e
cultura dos jornais.
Este quadro aplica-se perfeitamente à programação da Associação Palas Athena, por exemplo, que
pressupõe um público não apenas intelectualizado, com determinado grau de escolaridade, mas detentor de
um conjunto específico de informações e, o que é mais importante, de um certo gosto - condições que lhe
permitem compreender, por exemplo, as sutilezas do teatro nô ou apreciar a sonoridade de uma sitar
indiana. O mesmo se pode dizer da platéia que ali comparece para uma palestra sobre a obra de Ibn’Arabî,
mestre sufi do século XIII, ou para assistir a um vídeo sobre Jiddu Krishnamurti, por ocasião do centenário de
seu nascimento. 88
O mesmo ocorre quando se trata do circuito da saúde no meio neo-esô: aqueles que decidiram
substituir a medicina alopática pelas práticas alternativas justificam suas escolhas com um discurso sobre os
fundamentos e vantagens de tais sistemas e podem discorrer, com maior ou menor fluência, sobre a
localização dos “meridianos”, o papel dos chakras, os fluxos e bloqueios da energia e assim por diante.
Mas não se pode generalizar. Há quem participe no chamado universo do neo-esoterismo apenas por
acreditar em duendes, consultar esporadicamente as cartas do Tarô e apreciar a fragrância de um incenso: são
diferentes os graus de adesão porque são inúmeras as possibilidades de arranjos, a partir das narrativas de
base desse universo. Esta é a razão da dificuldade em definir os possíveis adeptos: a ausência de dogmas, de
uma hierarquia e um código de ética comum tornam bastante difícil distingir, sob a heterogeneidade das
práticas, normas claras de compatibilidades determinando o quadro das prescrições e interdições. Tem-se a
impressão - e algumas análises carregam nessa linha 89
- que se está frente a um segmento do famoso
“mercado de bens simbólicos”, aberto a arranjos absolutamente individualizados, onde cada qual compõe seu
próprio estojo pós-moderno de primeiros socorros espiritual.
Entretanto, é possível distinguir graus de comprometimento, a que correspondem determinados
tipos-ideais de freqüentadores. Proponho separar, numa ponta do espectro, o tipo erudito, que em princípio se
caracteriza por escolhas mais restritas, ditadas por critérios definidos com maior homogeneidade e clareza no
interior de um sistema de compatibilidades; no outro extremo está o tipo ocasional, cujas escolhas são
determinadas menos pelo manejo de algum código do que por apelos do marketing; entre ambos situa-se o
tipo participativo, freqüentador habitual dos espaços neo-esôs: diferentemente do tipo ocasional, suas
escolhas são ditadas por um código de compatibilidades; sua performance, contudo, é mais maleável que a do
tipo erudito.90

88
Eventos anunciados no Informativo do Centro de Estudos Filosóficos da Associação Palas Athena, junho
/julho/ agosto de 1995.
89
Cf. Terrin, 1992: 40; 67, 70.
90
Esta categorização, já esboçada no Relatório Final de Pesquisa (CNPq, 1995) recobre campo homólogo ao
recortado por Heelas (1996) com os termos “fully engaged”; “serious partial time” e “casual part time”. A
diferença reside no princípio classificatório adotado: enquanto Heelas privilegia a quantidade de tempo
77

O tipo erudito abrange vários segmentos: compreende, por exemplo, o sub-conjunto dos
profissionais - os “facilitadores”, “focalizadores” - que, em virtude da atuação como agentes desta ou aquela
prática, possuem mais informações sobre o tema de sua especialidade. Outro sub-tipo é representado pelo
iniciado, aquele cuja prática pessoal, geralmente em algum Grupo I, supõe graus de comprometimento
exclusivo e em caráter progressivo; neste caso, seu código tem como referente o próprio sistema ao qual está
filiado. E por último inclui-se neste grupo o estudioso ou pesquisador que por algum motivo de ordem
pessoal aprofunda um tema de forma autodidata.
Todos esses sub-tipos têm em comum o manejo de um código que se caracteriza pela referência a
uma só matriz de significados ou, quando combina elementos de várias delas, o todo é coerente - ou seja, o
arranjo final obedece a compatibilidades aceitas por todos os campos semânticos envolvidos.
No outro extremo do espectro está o tipo ocasional que participa do universo neo-esô de forma
assistemática: não apresenta competência 91
no manejo dos códigos disponíveis, limitando-se a absorver
fragmentos que lhe são oferecidos de forma aleatória pelo mercado. Assim, digamos, acompanha o horóscopo
diário, faz invocações ao seu anjo, lê alguma obra de auto-ajuda e não lhe causa nenhum prurido a
incompatibilidade entre as noções cristãs de alma e responsabilidade individual e os pressupostos
reencarnacionistas da TVP (terapia de vidas passadas) ou da idéia de carma, por exemplo.
Na verdade é a este tipo de consumidor e às propostas a ele dirigidas que se aplicaria a maior parte
das críticas negativas geralmente disparadas contra a totalidade das práticas neo-esôs. Gurus em busca de
lucro fácil, manipulando algum aspecto, símbolo ou discurso muitas vezes apenas longinquamente
identificados com determinado sistema do circuito neo-esô, só se sustentam com base num público
consumidor sem capacidade de discriminação e por isso mesmo sujeito ao fascínio das soluções rápidas - a
possibilidade de alguma experiência espiritual indizível depois de umas poucas sessões de meditação, ou a tão
sonhada harmonia interior após o encontro, sem maiores sobressaltos, com o “eu mais profundo”...
O tipo participativo, por sua vez, é o freqüentador característico e público-alvo preferido dos
espaços neo-esôs. Ao contrário do tipo ocasional, seu manejo dos códigos e narrativas de base correntes no
universo neo-esô permite-lhe referir os elementos (os termos do léxico: carma, aura, chakras, animal de
poder, ch’i e outros) aos campos semânticos correspondentes ou, ao menos, reconhecer as diferenças entre
eles. Mas, diferentemente do erudito, não necessariamente pauta sua visão de mundo e comportamento por
um só desses campos. Transita mais livremente entre eles - ainda que respeitando algum nível de
compatibilidade:

“Pode passar do yoga para o liangong (mas não para a aeróbica),


consulta ora as runas ora o tarô, assiste à peça “Laços Eternos”
e ao filme “O Pequeno Buda”, prefere São Thomé das Letras a Campos
do Jordão. Seu código registra Vivaldi (no ritual da Primavera), os
arquétipos de Jung, a dicotomia yin/yang e permite distinguir entre
mantras, mudras e mandalas; a culinária que aprecia (ou pratica) é

investida em atividades neo-esôs, o critério que utilizo supõe também a existência e o manejo de códigos.
91
O termo, aqui, não envolve juízo de valor: está empregado no sentido que tem nas ciências da linguagem,
quando em oposição a “desempenho”. Cf. Ducrot e Todorov, 1972: 145-146.
78

light ainda que não radicalmente macrô ou vegetariana; pode ler


Paulo Coelho, mas também Joseph Campbell; enfrenta pequenos
distúrbios orgânicos com fitoterapia e, para o equilíbrio das
emoções, recorre aos florais de Bach; quando se trata de algo mais
sério, busca a homeopatia.” 92

É esta competência específica, esta familiaridade com os temas correntes do universo neo-esotérico e
receptividade a eles - mas não a lealdade exclusiva a algum em particular pois pode sem maiores traumas
bandear-se para outro sistema 93
- que fazem do tipo participativo o alvo privilegiado das palestras, cursos e
vivências oferecidas pelo espaços, principalmente os do Grupo II (centros integrados) e II (centros
especialicados). Note-se que este continuum pode apresentar uma infinidade de graus intermediários e só
idealmente é que os cortes propostos - erudito, participativo, ocasional - adquirem contornos definidos. Os
que circulam no meio neo-esô e seus arranjos pessoais ou coletivos distribuem-se de forma nuançada ao longo
do gradiente, de forma que se torna pouco produtivo multiplicar tipos e sub-tipos pois nunca darão conta das
variações empíricas.
Este esquema permite equacionar um problema de difícil solução em muitas das apreciações,
análises e comentários sobre as práticas neo-esôs e seus seguidores: ou são jogados na vala comum da
mistificação, do engano e do consumismo, ou dissolvidos de tal forma numa fragmentação que já não
susbsiste nenhum traço identitário ou princípio classificatório. A proposta permite comprovar as
particularidades de certos grupos, espaços e personalidades que certamente rejeitariam a denominação de
“neo-esotéricos” para não serem aproximados - com razão - ao estereótipo do consumidor ingênuo e
descomprometido, sem deixar de reconhecer a existência concreta de um plano - visível no espaço, na
periodicidade, no discurso - independentemente das opções filosóficas, pureza ética e rigor técnico que cada
um possa exibir.
Os tipos acima descritos foram construídos com base nas relações que mantêm com as referências
objetivas do universo neo-esô, ou seja, o circuito, o calendário, as narrativas: maior ou menor conhecimento
do circuito todo, características dos trajetos pessoais escolhidos dentre as inúmeras possibilidades, grau de
assiduidade aos espaços e suas atividades, coerência e “gramaticalidade” com relação aos discursos de base.
Mesmo assim não se caracterizam ou distinguem apenas pela frequência aos espaços e manejo
intelectual de um código: além da compreensão dos temas - que são tratados nos cursos, palestras e encontros
- é preciso vivenciá-los, incorporá-los na prática cotidiana, o que supõe o cultivo de uma sensibilidade
especial.

92
Do caderno de campo, transcrito em Magnani 1995:105
93
Característica já indicada pelos termos “transumância”, “nomadismo”, “andarilhos” utilizados por Soares
(1989), Brandão (1994), Amaral (1998).
79

2.- A formação de uma sensibilidade

Vista de fora por alguns como excentricidade, mas vivida como exercício de novos valores, essa
sensibilidade é resultado de vários fatores, entre os quais, sem pretensão de exaustividade, ressalto os
seguintes: a disseminação de terapias corporais no contexto da valorização da individualidade, vivência
comunitária, preocupação com a ecologia e redescoberta do feminino.
Em primeiro lugar pode ser citada a disseminação de técnicas terapêuticas alternativas ao tratamento
psicológico ou psicanalítico convencional. William Reich, Carl Jung, Carl Rogers, Karen Horney, Stanislaf
Grof, Friederich Peris, Ken Wilber são alguns dos nomes que, direta ou indiretamente, estão na base de uma
infinidade de experimentos onde o primado das emoções, a linguagem do corpo e a experiência grupal são
contrapostas ao caráter considerado demasiadamente racional das abordagens principalmente da linhagem
freudiana.
Em O corpo contra a palavra (1993), Jane Russo refere-se a esse processo e mostra que a
proliferação das terapias corporais é um desdobramento recente, ao lado do lacanismo, do boom da “cultura
psi”, marcada pela difusão da psicanálise nos anos 70 94
. Essas terapias, - que fazem parte do que a autora
denomina de “complexo alternativo” - estabeleceram uma significativa diferença com respeito à teoria e
prática dos lacanianos: enquanto este últimos caracterizaram-se pela ênfase no texto, na palavra, o
antiintelectualismo dos “alternativos” levou-os a privilegiar a emoção, a sensação, a intuição: é no corpo que
eles vão buscar seu ponto de inflexão.
Russo, que nesse trabalho dedica-se principalmente às terapias corporais de orientação reichiana,
destaca o que denomina de fluidez do complexo alternativo, resultado, segundo ela, da indeterminação de
suas fronteiras e da interpenetração entre suas diversas práticas.
No entanto, observando a rotina dos espaços que oferecem tanto terapias como práticas corporais,
pode-se perceber a consolidação de uma forma “canônica”, uma sintaxe particular, se não dos tratamentos
propriamente ditos (cada qual possui sua própria metodologia), ao menos das múltiplas vivências inspiradas
neles. Eis uma sequência muito seguida: os participantes, descalços, dispõem-se em círculo, (em pé, ou
sentados em almofadas), dão-se as mãos (para estabelecer e compartilhar fluxos de energia), cantam e/ou
dançam; como variantes podem ser propostos o “grito primal”, o uso de instrumentos de percussão e “lutas”
ritualizadas:

(...) “Após os aplausos e cumprimentos aos formandos seguiu-se a


cerimônia de harmonização. Os presentes deram-se as mãos formando
quatro círculos concêntricos. Sidney colocou um mantra tocado e
cantado em uníssono pedindo a todos que fechassem os olhos e

94
A análise da autora tem como base uma pesquisa desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro. Ela chama a
atenção para o fato de abordagens psicológicas serem denominadas de “corporais”; Ferguson (1995) usa o
termo “psicotecnologias” para referir-se às mesmas práticas.
80

sentissem a energia do grupo fluir por suas mãos. Com sua fala
suave falou sobre a necessidade de se encontrar a paz e o amor em
todas as coisas durante todo o tempo para que todos pudessem vibrar
em uníssono como o mantra. Enquanto ele falava, as pessoas
começaram a acompanhar a música com sons nasais e a balançar-se
para um e outro lado (...)”. 95

O relaxamento - em meio a uma atmosfera de silêncio e penumbra, com música suave, onde o olhar
introspectivo explora os segredos do “eu interior” funciona como alternativa ou complemento àquelas
vivências mais grupais e expressivas. Nestes casos o “focalizador” dirige a mentalização:

(...)"Imaginem uma luz azulada que entra pelas plantas dos pés,
percorre o corpo pela pele e nervos, concentra-se nos quadris, sai
pelas palmas das mãos; adiante, há uma caverna esculpida na rocha,
numa magnífica floresta. Um impulso interior leva a entrar. Lá
dentro um sábio, de barbas brancas, que é o sábio interior de cada
um” (...).96

Os participantes são levados, na seqüência, a relatar suas emoções, experiências interiores e


sensações. O resultado é uma maior aproximação entre as pessoas já que os depoimentos, até por seguirem
um determinado padrão narrativo, mostram que essas experiências seguem caminhos comuns:

(...) “Embora o objetivo deste Ritual da Lua Cheia tenha sido


despertar certas virtudes nos participantes, este tem como efeito
secundário promover uma aproximação entre pessoas que em geral se
desconhecem totalmente. Ou seja, aproximando-se em princípio por
apresentarem os mesmos defeitos ( ou vícios) , através do ritual as
pessoas se identificam pela manifestação de um propósito comum.
Além disso, o próprio ritual na medida em que aproxima fisicamente
as pessoas e faz circular "energia" entre elas também parece criar
uma certa identidade de grupo. Nesse sentido os cumprimentos frios
da chegada são substituídos na despedida por conversas paralelas,
trocas de impressões e até mesmo por uma despedida mais calorosa”.
(...) 97

Tal tipo de vivência não se restringe aos espaços especialmente dedicados às terapias: se nestes
segue-se uma metodologia mais completa e sofisticada, formas mais simples são aplicadas ao término de
palestras, encontros, workshops em qualquer um dos demais espaços. Aqui também, como se pode perceber,
funciona um gradiente homólogo ao sugerido pelo esquema erudito/ participativo/ ocasional: as modalidades

95
Evento: Confraternização de fim de ano da escola A.M.O.R. - 12 de dezembro de 1994, 20:00 horas.
(Pesquisa de campo e relato, Adriana Capuchinho).
96
Evento: Diwali - festival das luzes - excursão de três dias (28/29/30 de outubro de 1994. Local: Hotel
Península, município de Avaré/SP. Org. Aruna-Yoga.
97
Evento: Ritual da Lua Cheia. Paz Geia - Instituto de Pesquisas Xamânicas. 18 de outubro de 1994.
(Pesquisa de campo: Sandra Stoll e Silvana M. de Souza ; relato: Sandra).
81

mais elaboradas correspondem ao padrão erudito enquanto as mais simples situam-se na outra ponta do
continuum.
Em todos eles, contudo, percebe-se a ênfase na valorização de uma realidade interior e dos
processos de transformação espiritual onde a referência é a expressão das experiências pessoais, o cultivo da
individualidade. Pode-se mesmo dizer que, entre os fatores que caracterizam o ethos neo-esô, este é o que
suscita rara unanimidade: do discurso corrente às interpretações mais sofisticadas, de uma leitura mais
religiosa à atitude mais pragmática, da visão mística à psicologizante, num aspecto todos estão de acordo: o
eixo dessa “nova consciência”, o plano privilegiado da “nova religiosidade” é o da individualidade. As
ênfases, assim como as denominações, variam - “eu interior /eu superior”, inner self, “lenda pessoal”, inner
voice - mas todas remetem, cada qual à sua maneira, àquele elemento que no modelo da narrativa de base
constitui um dos vértices do triângulo.
Como já foi explicitado, este núcleo íntimo contém em germe potencialidades passíveis de
desenvolvimento porque abriga uma centelha do Princípio de onde emanou; não se trata, porém, do binômio
Queda/Remissão - aquela em razão de uma ruptura, esta por obra da graça divina - mas de uma progressiva
(ou súbita, em alguns casos) tomada de consciência de um vínculo sempre existente.
Todo sofrimento, todo mal, toda doença ou desordem advêm de algum tipo de falência no trânsito
entre os planos que compõem a individualidade e entre esta e os outros pólos da relação; e todas as práticas -
terapias corporais, meditação, técnicas de respiração, alimentação natural, massagens, rituais, augúrios - têm
como objetivo último desobstruir os canais de comunicação no interior do microcosmos
(corpo/mente/espírito) e em seu contato com o macrocosmos, de forma que a energia possa fluir alimentando
a vida, abrindo a consciência, produzindo a necessária harmonia e o conseqüente desabrochar pleno do “eu
interior” 98
.
Não é pois de admirar que o papel desempenhado pelo indivíduo neste esquema tenha suscitado
linhas de análise que buscam explorar as interrelações de algumas caracteríticas ligadas à Nova Era com a
ideologia individualista típica da sociedade moderna, da qual o “expressivismo psicológico” é um de suas
manifestações. Este último, segundo Amaral (1998: 51-52) é o resultado da articulação de duas facetas ou
modalidades do individualismo moderno: uma, que busca numa natureza humana, perfeita e universal, a
libertação de pressões e injunções externas, tidas como artificiais e outra, que se volta para o cultivo da
personalidade individual com suas idiossincrasias. Assim, o expressivismo psicológico enquanto cultivo de
características individuais e subjetivas cuja base é uma natureza acabada e idêntica é o fundamento dessa
incessante busca de auto-conhecimento, auto-aperfeiçoamento dos neo-esôs. Os “expressivistas, diz Heelas,
estão interessados em si mesmos: em sua natureza e naquilo em que eles poderão vir a ser” (op.cit.: 144).
Estas análises têm ainda em comum o próprio recorte sociológico: trata-se basicamente de setores
das camadas médias urbanas, permeados pela ideologia individualista e expostos a veículos e ideologias da

98
É possível reconhecer, em diferentes versões desse discurso de base, ressonânicas de alguns temas clássicos
como o carma hinduísta, a “centelha” do gnosticismo, o princípio do movimento taoísta, a iluminação búdica,
a evolução espiritual blavatskiana, entre outros, - alguns próximos da formulação original, outros já como
resultado das múltiplas leituras, releituras e rearranjos em novos conjuntos significantes.
82

modernização o que, para Salem (1985:18), os leva a consumir as terapias alternativas. 99


Modernização/
individualização/ psicologização: eis o tripé que, segundo Russo (: 37), é acionado quando se discute o ethos
de grupos pertencentes a essas camadas, no interior das quais insere sua própria pesquisa sobre as terapias
corporais de inspiração reichiana. Com base no enquadramento teórico dumontiano que articula
individualismo e hierarquia “como duas configurações de valores que regem diferentes tipos de sociedades (:
13) , Russo recorta seu objeto de estudo no processo mais amplo de difusão das práticas psi entre estratos
100

médios urbanos no Rio de Janeiro.


Em busca de fundamentação, a autora, a partir de conceitos não só de Dumont mas também de
Simmel, (deste último retém o termo uniqueness, singularidade), propõe-se a buscar uma conciliação entre
duas perspectivas: a desenvolvida por Da Matta, que enfatiza o individualismo jurídico - passagem da noção
de pessoa para a de indivíduo, o que supõe primado da igualdade, de leis universais - e a vertente mais
psicológica desenvolvida por Velho. Assim, se no plano jurídico individualismo implica igualitarismo e leis
universais, no plano psicológico significa antes “singularidade” ou seja, acarreta a idéia de opção pessoal,
ênfase no espaço interno e nas qualidades inerentes de cada um, em detrimento da posição dada de antemão
na sociedade.
Existe uma noção, contudo, que, tanto quanto a de indivíduo, entra na composição da ideologia das
terapias corporais e das práticas ‘alternativas”, segundo Russo: é a de energia. Citando Soares - “energia é a
moeda cultural do mundo alternativo, que prepara o terreno simbólico para o desenvolvimento de uma
linguagem comum, independente das diversidades” (1989:129) - conclui que existe aí um paradoxo: de um
lado um indivíduo quase rousseauniano e, de outro, uma totalidade cósmica, corporificada na noção de
energia. Como resolver? Na verdade, o paradoxo é aparente: trata-se de uma totalidade que não contradiz os
pressupostos básicos da ideologia individualista. As terapias corporais (e as alternativas em geral) continuam
sendo individualistas: não são holistas/totalizadoras porque não supõem uma perspectiva hierárquica, como
deveria ser segundo o esquema de Dumont a propósito das sociedades tradicionais:

“Mais do que uma concepção totalizante (ou holista) do mundo, o que parece haver é uma
concepção universalizante de homem, na qual todo ser humano encerra dentro de si, não a
humanidade - como seria típico do universo individualista, mas a natureza. A natureza é uma
categoria de caráter nivelador e igualitário, que sobrepuja as diferenças sociais e nega a possibilidade
de diferença cultural” (: 192).

Em suma, a cultura psicológica dos anos 80 volta-se para a singularidade e a diferença como
representações ideais dominantes, deixando para trás o ideal de igualdade, hegemônico nos anos 70
configurando assim uma espécie de passagem do projeto igualitário para o reinado da singularidade, com a
correspondente dissociação estrutural do campo psicanalítico (:201). Os “alternativos” fazem-se presentes
nesse campo onde trabalham

99
“... homeopatia, bioenergética, trabalhos com o corpo, alimentação ‘natural’ etc.”
Como se sabe, o conhecido modelo de Louis Dumont - individualismo versus hierarquia - foi inicialmente
100

desenvolvido a partir dos sistema de castas na Índia e posteriormente aplicado às socidades ocidentais
contemporâneas
83

“com a concepção de um indivíduo pleno de poderes, que tira sua força da comunhão com a
natureza, capaz de curvar a sociedade a seus desejos e impulsos. Indivíduo que comunga com seus
semelhantes não uma cultura ou uma linguagem, mas a imersão no oceano cósmico da Energia Vital.
E que, por isso mesmo, se faz na mais completa solidão” (: 203) [grifo meu].

Na mais completa solidão?... É aqui que identifico um significativo ponto de inflexão com respeito a
essa linha de análise que (com razão) enfatiza o caráter individualizante do “mundo alternativo”, composto
por pessoas que se ligam por “escolhas e afinidades”, como bem afirma Salem (: 7).
No entanto, além do indivíduo há um outro elemento que, juntamente com a totalidade, completam o
triângulo de base da narrativa neo-esô acima descrita: é a noção de comunidade 101. E se entra como um dos
termos do modelo de base dessa narrativa, reaparece como fator responsável, também, do sensibilidade
característica do modo de vida neo-esô.
Não se trata de comunidade consanguínea, rural, permanente e isolada, refúgio dos “renunciadores”
da contracultura, fugindo do mundo 102
. É a comunidade que se constrói na metrópole, efêmera, de fim de
semana, que permite recarregar as baterias para enfrentar com êxito as vicissitudes do cotidiano da
metrópole. E que se dissolve ao final de cada curso, palestra, vivência, mas permanece viva - só que em
estado latente, ancorada no “circuito”.
Não se trata, também, da network descrita por Salém (op.cit.) como “destacada de ancoragens
geográficas (...) que une indivíduos dispersos no meio urbano” 103
, mas de uma rede hierarquizada e

101
Também Vilhena conclui pela existência dos dois pólos - indivíduo/totalidade - sem referência, contudo,
ao terceiro, que aqui estou chamando de comunidade: (...) “esse processo toma como ponto de referência não
só o indivíduo como ocorre na psicanálise mas também, e ao mesmo tempo, uma totalidade que o engloba. Os
símbolos que constituem o sistema astrológico estariam presentes não só no microcosmo como no
macrocosmo - cada um deles se relacionando com os dois pólos da oposição que identifiquei no discurso dos
informantes.(...) Seja privilegiando a particularidade e a individualidade quanto a totalidade, os informantes
utilizam o simbolismo como ingrediente fundamental.”(: 202). Cf. também D’Andrea: “O self perfeito e a
nova Era: Individualismo e Reflexividade em Religiosidades Pós-Tradicionais” (1997)
102
Como mais uma vez assinala Heelas, mesmo as comunidades mais conhecidas e comprometidas com esse
antigo ideal, como é o caso da conhecida comunidade de Findhorn, na Escócia, não estão imunes a esse ideal
da prosperidade. Cita, por exemplo, a programação de abril/dezembro 1990 do Findhorn Foundation Guest
Programmes que incluía informações sobre um Working Retreat for Consultants and Managers e Intuitive
Leadership. (:65).
103
A citaçao mais completa diz: “o papel estratégico que a noção de network desempenha enquanto
consubstancializando uma unidade de análise privilegiada por esta literatura [sobre camadas médias] não é
casual. Com efeito, este conceito tem sido utilizado para denotar uma unidade social cuja sociabilidade se
encontra destacada tanto das redes de família e de parentesco quanto de ancoragens geográficas e residenciais
restritas. Neste sentido, a noção de network qualifica, de modo apropriado, a forma típica de organização da
sociabilidade no espaço urbano - ou, ao menos, a das camadas médias. Mais do que isso: justamente por
promover a conexão entre indivíduos geralmente dispersos no meio urbano e por ser construído com base em
critérios de ‘escolhas’ e ‘afinidades’, o network implica, quase que por definição, em fronteiras simbólicas
com relação a outras identidades sociais. É com base nesse conceito que VELHO (1981), DAUSTER (1985),
ABREU FILHO (1980) e HEILBORN (1985) demarcam os universos sociais a serem investigados” (: 6,7).
Mais adiante a autora fará uma uma ressalva afrmando que em alguns casos o conceito adquire “colorido
epecial” e em certo sentido “não típico”, pois apresenta enraizamento justamente no parentesco e na
localidade: trata-se de casos de estudos em cidades menores e em subúrbios. Foi exatamente o
reconhecimento dessa referência à localidade que mostrou a pertinência da noção de “pedaço” para descrever
84

objetivada em espaços, lojas, centros com endereços na cidade e que pode ser recomposta a todo momento -
se não com as mesmas pessoas, ao menos com algumas delas e outras, novas; todas, porém, à vontade com os
padrões discursivos e de comportamento, assim como com os valores e o jargão do circuito, seja o xamânico,
o taoísta, o tibetano, o das massagens, da programação neurolinguística, do neo-paganismo ou de sua versão
feminina, wicca ...
É no contexto dessa comunidade de feições e dinâmica tão peculiares que rola uma sociabilidade
alimentada por trocas de pontos de vista, leituras, objetos, experiências de viagens no contexto do “pedaço”
de cada um - aquele endereço onde os laços de lealdade são mais fortes - mas principalmente nos “circuitos”
ao longo dos quais se recortam os “trajetos” personalizados.
Trajetos vivos, cambiantes, sempre prontos a agregar mais um ponto, quando se tem notícia, por
exemplo, do lançamento de um livro sobre meditação ch’an que atrai não só os freqüentadores da medicina
taoísta, mas interessados provenientes de outras correntes ou tradições: é sempre uma boa ocasião de fazer
novos contatos, degustar um chá, escutar um novo disco de world music. 104
Nessa ocasiões termina-se
sabendo de tal ou qual show de monges tibetanos, da palestra e vivência com um renomado especialista da
Califórnia, ou da vinda de algum xamã do altiplano com novidades em seu alforje...
Esta é, na verdade, uma dinâmica comum a outros circuitos que a metrópole multiplica - os
circuitos de lazer, reciclagem profissional, consumo cultural (livrarias, galerias, cines de arte, exposições)
através dos quais se tem acesso ao uso e desfrute de certos bens e serviços altamente especializados e que só
ocorrem na escala da grande cidade.
Esse contexto metropolitano, cosmopolita, que favorece a disseminação das práticas neo-esôs inclui
também - basta verificar os anúncios de vivências em sítios e chácaras nas imediações do perímetro urbano e
de excursões - outro elemento formador de uma sensibilidade própria que em maior ou menor grau dissemina-
se pelo meio neo-esô: é a relação que se estabelece com a natureza, realidade que se pensa estar regida por
seres guardiães, espíritos protetores, forças e energias espirituais :

“Já em nosso primeiro dia na cidade (14/07), na entrada da Gruta do


Sobradinho foi cumprida uma espécie de ritual que se repetiria
todos os outros dias. Antes de ‘invadir’ qualquer um daqueles
ambientes naturais, pedia-se licença aos domínios mineral, vegetal
e animal para desfrutar de toda a sensação de liberdade, paz,
calma, revitalização, que o mundo natural nos oferece.” (...)
(...) No Carimbado a nossa guia foi a Sheila, que também realizou
uma vivência no interior da gruta, no sentido de sentir o ambiente
que estava a nossa volta. As lanternas foram apagadas para que
buscássemos trabalhar nossos outros sentidos. O Vale das Borboletas
foi outro lugar escolhido para purificar os cristais. Quem quis
pôde realizar uma consulta de radiestesia com a Bethy, procurando
verificar o estado de equilíbrio dos sete chakras do corpo humano
(básico, umbilical, plexo solar, cardíaco, laríngeo, terceiro olho
modalidades de lazer e sociabilidade em bairros da periferia de São Paulo (Magnani, [1984], 1998)
104
O lançamento em questão foi do livro Ch’an Tao - Essência da Meditação na Livraria Spiro, em 1998.
85

e coronário). O Vale foi eleito pelos integrantes do grupo como o


lugar mais fascinante de toda a excursão. Alguns viram tocas de
duendes (pequenos buracos encravados na maioria das vezes nas
encostas da trilha), Marcelo viu uma fada: ‘Uma fada cor de rosa
passou cobrindo toda a região’.105

Abre-se aqui uma interessante e polêmica interseção entre o neo-esoterismo, a ecologia e os


movimentos ambientalistas. 106
Mais uma vez, está-se diante de um espectro que vai de uma visão rotulada de
ingênua, a que povoa a natureza de “elementais” - duendes, gnomos, elfos, salamandras, fadas etc. 107
- até
uma perspectiva mais erudita, que incorpora perspectivas de maior consistência, segundo parâmetros
ditados pelo discurso científico, como a já mencionada “Hipótese Gaia”. Seja como for, uma consciência
difusa de respeito e proteção ao meio ambiente, que muito deve aos valores próprios do universo neo-esô,
ultrapassa os círculos restritos e militantes do movimento ecológico.
A reverência aos elementais, a procura por produtos não contaminados ou ainda a busca de sintonia
com o equilíbrio energético do planeta - atitudes motivadas por diferentes visões dentro do neo-esoterismo em
face da natureza e do caráter místico de que é revestida - contribuem para a formação de uma sensibilidade
que acaba sendo incorporada pelo senso comum.
Há, evidentemente, outras aproximações entre ecologia e neo-esoterismo. Luc Ferry, no livro “A
Nova Ordem Ecológica” (1994) mostra os aspectos filosófico e político entre duas visões de ecologia: uma
ainda antropocêntrica, humanista, ou seja, que subordina a natureza aos interesses do homem, e outra, radical,
a deep ecology que postula um valor intrínseco à natureza. Esta oposição termina potencializada por outras
dicotomias e posturas políticas mais conhecidas entre direita e esquerda, maioria e minorias, feminismo e
opressão masculina. Uma sugestiva variante dessa discussão é o “eco-feminismo” que - conforme algumas
versões - postula a íntima relação entre as duas frentes de luta, ecologia e feminismo, pelo fato de a mulher
não ter rompido com a natureza, em virtude dos peculiares mecanismos de seu próprio corpo:

“Mary O’Brien dedica-se, na mesma ótica, a mostrar como a ‘consciência reprodutora’ da mulher é
experiência de uma continuidade fundamental com os ritmos biológicos ‘em conseqüência de ela
própria ser nascida do trabalho de uma mulher. Esse trabalho vem confirmar a coerência genética e a
continuidade da espécie’, em contraste com a consciência reprodutora do homem, que é descontínua
e lagunar. O processo da reprodução apresenta-se assim como um ‘ato de mediação e de síntese que
confirma empiricamente a unidade da mulher com a natureza’. É, portanto, nessa simbiose que deve
se inspirar um discurso ecológico coerente” (Ferry, op. cit.: 163).

105
Evento “Integração do homem com a natureza", excursão eco-esotérica a São Thomé das Letras, MG,
promovida pela Agência de Turismo Elo cultural - 13 a 17 de julho de 1994. Pesquisa de campo e relato,
Flávia Prado Moi. “Eu vi borboletas (dezenas delas)”, concluía, ceticamente, a pesquisadora.(1995: 21)
106
Tema que, sem dúvida, exigiria uma reflexão mais sistemática.
107
Ingênua quando identifica esses personagens com uma iconografia infantilizada, pois há quem tome os
“elementais” e suas denominações antes como metáforas e/ou categorias do que como designativos de uma
classe especial de seres antropozoomórficos.
86

Ecos dessa discussão teórico-política chegam ao universo neo-esô sob outras roupagens, as de uma
visão onde a natureza e determinados aspectos do feminino (mas não do feminismo) são revestidos de uma
aura mística. A presença da mulher no meio neo-esotérico, aliás, é de tal forma marcante - não apenas pela
proporção de sua participação mas como formadora da sensibilidade dominante no ethos neo-esô - que
merece destaque.
Como já foi assinalado, a maioria das análises sobre o fenômeno do neo-esoterismo - sejam de corte
acadêmico, ensaístico, ou da mídia - concorda num ponto, o perfil geral de seu público característico: é de
classe média, jovem-adulto e majoritariamente feminino. A pesquisa que está na base deste trabalho não
procedeu a nenhum levantamento quantitativo sistemático capaz de referendar ou questionar tal impressão; no
entanto, tomando como base a observação dos eventos que foram objeto das etnografias e os depoimentos de
pessoas ligadas ao meio é possível - ao menos como primeira indicação - confirmar até mesmo com
porcentagens recorrentes o caráter basicamente feminino da freqüência às práticas neo-esotéricas, como se
pode apreciar no quadro abaixo:

Público
Espaço Masc. Femin. % Femin.
Evento
“Bazar das Estrelas” Bazar de Kiokawa Cultural, 12/12/93 10 90 90
Natal e entrada do verão
“Ritual da Primavera“: Aruna Yoga, 24/09/94 3 14 83
“Encontro Imagick de Natal” Imagick, 16/12/94 28 42 60
“Cerimônia de canto da Lua Instituto Nyingma do Brasil. 25 25 50
Cheia” 27/3/94
Ritual da Lua Cheia Paz Geia - Instituto de Pesquisas 6 24 80
Xamânicas. 18/12/94
"Integração do homem com a Excursão eco-esô a São Thomé 2 10 83
natureza” das Letras (MG) Elo Cultural -
13-17/7/94
“Diwali - festival das luzes” Aruna Yoga - excursão Avaré 14 60 80
(SP) - 28,29,30/10/94
“Festival de Yoga e Instituto 3HO : Serra da 8 15 65
Meditação” Cantareira - (SP) 21,22,23/4/95
“Demonstração de pintura Centro de Estudos Filosóficos 11 25 70
sumiê” Assoc.Palas Athena, 30/10/93
"O cristal encantado": Paz Géia - Instituto de Pesquisas - 5 100
projeção e análise de filme Xamânicas
Palestra " A tradição milenar Paz Géia - Instituto de Pesquisas 4 6 60
do guerreiro sem armas” Xamânicas 11/11/94
Lançamento do livro "Mente Centro de Estudos Filosóficos 20 80 80
Zen, mente de principiante Assoc. Palas Athena, 27/9/94
Palestra "Tarô: uma leitura do Paz Géia - Instituto de Pesquisas 9 20 70
87

Brasil" Xamânicas 17/10/94

Note-se que, seja qual for a dimensão do encontro, evento, ritual - constituído por poucas pessoas, ou
conformando um grupo maior, de até 70, 100 participantes - não só se mantém a predominância feminina
como a própria proporção revela-se estável, em torno de 70 % (68,5 % , para ser mais preciso). Esta
porcentagem, aliás, é confirmada por alguns dirigentes de centros situados no circuito neo-esotérico.
Mardoqueu Lopes, da Aruna Yoga, por exemplo, fornece alguns dados reveladores, em depoimento
concedido no primeiro semestre de 1994. Os números são os seguintes: à época da entrevista, o espaço
contava com 70 alunos regulares, inscritos nos diferentes cursos; em torno de 2.000 pessoas já haviam
passado pela casa, nos últimos quatro/cinco anos, sendo esse o total da mala direta de que dispõe. Desse
conjunto, entre 500 e 1.000 pessoas podem ser consideradas como mantendo algum vínculo com a casa, ou
seja, têm-na como ponto de referência; do público que participa dos rituais, 80% são constituídos por alunos;
10% são ex-alunos e 10% vêm pela primeira vez; escolaridade: 100% universitária; idade: entre 27 e 40 anos.
E 75% são mulheres, conclui.
Tarcísio da IMCA SOL, em entrevista concedida em 15/10/92, diante da pergunta: “Qual o tipo de
público?" responde:

R. Feminino. 95% são as mulheres.


P. Você tem alguma coisa para explicar isso?
R. Tenho e não tenho, né? Eu acho que a mulher, na verdade, ela é... Como é que eu posso explicar
isso pra você? Não é mística não, porque o homem também é místico. Ela é, mas a mulher... Como é
que eu posso passar isso para vocês? Ela é muito mais simples, a mulher, porque acontece o
seguinte: existe uma coisa em cabala que a gente chama de ser perfeito, o triângulo perfeito, e na
cabeça desse triângulo você tem o ser andrógino, aí você tem o homem e a mulher, certo? Isso a
gente aprende o seguinte: por que o andrógino é perfeito? Porque ele assume os seus dois lados,
certo? O homem sofre porque nunca aceitou o seu lado feminino e a mulher hoje sofre porque quer
assumir o lado masculino do homem, então fica essa confusão. Então eu acredito que a mulher vem
querendo se antecipar ao homem há muito tempo. Esse lado de profissionalismo, essa liberdade,
negócio de libertação feminina, ela vem querendo se antecipar ao homem e acho que é o que vai
acabar acontecendo, porque na parte esotérica, e não é só aqui, acho que 90% são as mulheres que
saem na frente, entendem, 90% são mulheres. 108
Isoladamente, tais dados não teriam maior significado; no contexto da pesquisa, entretanto,
apontam uma pista que pode ser seguida e complementada com outro tipo de informação: os quadros de
referência no interior dos quais essa presença é pensada. Não se trata de uma justificativa na linha do discurso
feminista mas de uma fundamentação cósmica, mitológica: são os temas da "Mãe Terra", "O Princípio Divino
Feminino", "A Grande Deusa", "Mãe Cósmica", "Mãe Natureza" e outros, como se pode perceber neste trecho
encontrado em folheto do Espaço Orion:

"O Princípio Divino Feminino, por tanto tempo negado, degradado e subordinado pelas sociedades
patriarcais, renasce na consciência de homens e mulheres através do resgate dos valores espirituais,

108
Tarcísio, IMCA SOL, 15/10/92, entrevista obtida por Silva e Groppo, 1992
88

da valorização do amor e da compaixão, da preservação da natureza e respeito pela vida e da


reavaliação das relações entre os seres e o Universo"

Valmira Simão, do Espaço Kiokawa Cultural, respondendo à pergunta : “Você anda lendo alguma
coisa a respeito” revela que:

“Voltei a ler as Brumas de Avalon, que é o lance da magia; tenho lido muitas coisas do feminino, do
casamento do sol com a lua, que é uma terapêutica junguiana; comprei o livro da Cris que é a fusão
do feminino. Eu estou rodando nestes temas, que é do feminino, da magia, da sincronicidade. (...)
Agora fui na Zipak, queria um livro de tarô; ela me deu uma pilha; olhei e queria ver o que tinha
mais, fui olhando e perguntei o que tinha do feminino; disseram que tinha os mitos do feminino e eu
comecei a folhear. Achei esses três e não levei nada de Tarô" (trecho de entrevista, 21/10/93).

As explicações internas ao campo neo-esotérico vão buscar argumentos em muitos domínios. A


entrada da era de Aquário, citada como responsável pela atual onda mística, é também o motivo para a
significativa presença feminina:

"Olha, tem muitas mulheres, a maioria geralmente é mulher. Tem a explicação a nível esotérico,
astrológico. É o seguinte: a gente entrou na era de Aquário. O signo de aquário é um signo de
natureza rebelde, revolucionária, ou seja, as ondas que emanam de Aquário são as ondas de
libertação, e Urano tá muito ligado com a sexualidade. Urano é o regente de Aquário. Então a cada
período de rotação de Urano (...) que dura 84 anos (...) ele muda sua influência sobre determinado
polo sexual, o polo feminino e o polo masculino (...) o período que a gente está se situa justamente
naquele momento que Urano está denotando uma maior influência, um maior impulso ao polo
feminino (...) e não é só em relação ao esoterismo, a mulher está dominando em praticamente todos
os campos (...). Está havendo uma grande modificação, a gente tem participado de vários congressos
esotéricos, feiras e o público feminino é gigantesco". 109

Uma outra vertente para a explicação da presença da mulher no universo esotérico e a valorização
de seu papel é o resgate da figura da bruxa, que é considerada uma forma de poder tipicamente feminino. No
dia 27 de abril de 1994, o Programa Amaury Júnior da TV Bandeirantes apresentou "Bruxas Modernas", onde
entrevistou cinco mulheres de destaque identificadas como “bruxas”: Márcia Frazão, Norma Blum, Arlete
Montenegro, Flávia Muniz e Cândida Borges.
Vale a referência, pois é também um indicador da forma como um tema, que já foi considerado tabu,
é veiculado na mídia. Tirante os aspectos "exóticos" insinuados pelo entrevistador - sobre receitas de poções
mágicas, sobre o uso ou não da vassoura, etc. - e que inevitavelmente seriam trazidos à baila, o programa
mostrou aspectos quere merecem registro. Márcia Frazão, (de Nova Friburgo, RJ) por exemplo, autora de
alguns livros sobre bruxaria - "A cozinha da bruxa", "Revelações de uma bruxa", faz imediatamente a relação
entre bruxaria e poder feminino:

Entrevistador: Fica chateada de eu te chamar de bruxa?


Márcia: Não, eu tenho muito orgulho.
Entrevistador: Há quanto tempo você é bruxa?

109
Gledson, Associação Gnóstica de São Paulo - Agni, 27/10/92, entrevista colhida por Silva e Groppo, 1992
89

Márcia: Desde que nasci. A minha avó era bruxa, a minha bisavó era bruxa. Eu venho de uma família
que tem a tradição da bruxaria.
Entrevistador: Que tipo de bruxa você é?
Márcia: Uma bruxa como todas são, alguém que cultiva o feminino, a tradição da lua.

Instada a falar da vassoura, sai-se com a idéia de que tem, sim, poderes mágicos, pois está associada
ao símbolo fálico e permite varrer as impurezas do meio-ambiente. Relaciona também o poder feminino com
a manipulação de elementos mágicos, na cozinha. A seguir é Norma Blum, atriz, quem dá o depoimento:

Entrevistador: Norma, por que você deixou a carreira no auge - você profissionalmente estava muito
bem, muito requisitada - para se transformar em bruxa?
Norma: Não, bruxa eu sempre fui, no bom sentido. Desde criança que eu tinha contato com a
natureza, com essa magia dos quatro elementos (da terra, do fogo, da água, do ar) e com esses
elementais. Então o meu pensamento sempre foi muito mágico. Mesmo como atriz eu trabalhei em
teatro que contava contos de fadas e estudei mitologia toda a minha vida. Eu tinha uma avó que era
super bruxa. Ela contava contos de morte, contos de terror. Então ela me ajudou a despertar a minha
mentalidade para toda essa coisa do sobrenatural, dos mundos paralelos, do que é diferente. Então,
não que eu tenha abandonado a minha carreira, é que atualmente com todos os cursos que a gente
está dando, de auto-conhecimento, de astrologia, de magia do amor.

Como se vê, o poder da bruxa é pensado como uma faculdade que é transmitida via linha materna:
não se aprende, mas recebe-se como herança, transmitida de mãe para filha . Solicitada pelo entrevistador a
ensinar "alguma coisa, aí, dessa magia do amor", explica que o curso não se propõe fazer feitiçaria mas a
ensinar as pessoas a ficarem mais sedutoras. A poção que se aprende não é para controlar o outro, é para a
própria pessoa centrar-se. No curso "a magia do amor" aprende-se a ficar harmonioso consigo mesmo, com o
universo, aí sim é possível atrair a pessoa certa e ser feliz. E assim como o mago trabalha com a tradição do
sol, a bruxa opera com a tradição lunar, seu trabalho acontece à noite, as ervas são colhidas no sereno e de
acordo com as fases da lua. Também autora - "Exorcize sua Fada Madrinha" - Norma Blum aproxima a tese
central desse livro às técnicas da neurolinguística: trata-se de transformar determinados comandos cerebrais,
verdadeiros "embruxamentos" negativos, recebidos na infância, em comandos positivos.
Nem todos, porém, interpretam dessa forma a presença da mulher no mundo neo-esotérico. Com o
significativo título Mulheres que lêem bobagens - Compradoras de livros alimentam carências com
esoterismo, auto-ajuda e Sidney Sheldon, uma matéria do jornal Folha de São Paulo, no suplemento cultural
de domingo Mais (29/01/95), comentou a pesquisa do instituto Datafolha sobre livros mais comprados por
homens e mulheres, em São Paulo, no mês de janeiro de 1995. Os dados da pesquisa eram os seguintes:

O QUE COMPRAM HOMENS E MULHERES

Homens Mulheres
Ficção

Concepção que remete à diferença entre bruxa e feiticeira: enquanto bruxaria (witchcraft) é considerada, na
literatura pertinente, como um poder inato, que se transmite ao longo de linhagens reconhecidas, a feitiçaria
(sorcery) é uma técnica que atua por meio da manipulação de objetos e que pode ser aprendida.
90

(em %)
1-Nada dura para sempre (Sidney Sheldon) 6 94
2-Na margem do Rio Piedra eu sentei e chorei (Paulo Coelho) 38 62
3-Do Amor e outros Demônios 47 53
4-A Profecia Celestina (James Radfield) 30 70
5-O Alquimista (Paulo Coelho) 36 64

Não Ficção
1-Maktub (Paulo Coelho) 35 65
2-Anjos Cabalísticos (Mônica Buonfiglio) 21 79
3-Caminho das Borboletas (Adriana Galisteu) 38 62
4-Auto Estima (Lair Ribeiro) 38 62
5-Chatô - O Rei do Brasil (Fernando Morais) 57 43

A articulista, em seu comentário, espanta-se diante do depoimento de uma leitora - "de formação
universitária, jovem profissional competente, mãe moderna" - que confessa ler todos os dias a coluna de Paulo
Coelho, no jornal:

"Paulo Coelho traz mensagens mágicas, propõe, por exemplo, a concentração como caminho para se
vencer na vida. Você deve se concentrar, como um guerreiro, num único objetivo. Isso me ajuda
muito. Eu acho que Paulo Coelho inventou uma nova religião: a religião do self".

Conclui, então, a jornalista: "A importância dessa pesquisa do Datafolha está mesmo na indicação
de um sintoma: na pobreza espiritual do universo desses livros, na sua superficialidade, em suas fórmulas
vistosas as mulheres encontram a possível cura para um mal-estar, uma insatisfação" (...).
No domingo seguinte, um dos citados, Paulo Coelho replica com o artigo “Em defesa da leitora -
sensibilidade feminina está anos-luz à frente do racionalismo masculino”. O autor interpreta a pesquisa de
outro ângulo: destaca o fato de, em primeiro lugar, os dados mostrarem que a mulher lê mais que o homem;
110
em seguida - seguindo uma argumentação comum no meio neo-esô - lembra que a sensibilidade feminina,
se atendida, teria mudado o rumo da história: "Na Idade Média enquanto os homens se perdiam num

110
Essa linha de argumentação, aparentemente calcada num mero lugar-comum é, no entanto, avalizada
(provavelmente sem que o referido escritor saiba) pela constatação do papel desempenhado pela mulher,
como leitora e também autora, no próprio processo de surgimento e consolidação do romance moderno, em
meados do século XVIII na Inglaterra e França, como mostra Marlyse Meyer (1993). Vale o registro que faz
Meyer da perplexidade (mas também tolerância) da própria Virgínia Woolf diante da popularidade de um
best seller da época, Beggar Girl and her Benefactors, 1798: “Já que nossas ancestrais compraram dois mil
exemplares da Beggar Girl no próprio dia da publicação, a 36 shillings os sete volumes (sem falar no lucro do
aluguel de cada volume) é que algo apetitoso devia oferecer, ainda que se possa julgar muito grosseiro este
apetite” (:48). No Brasil, a presença dessa “onda romanesca” pode ser comprovada pelos catálogos das
bibliotecas públicas e dos Gabinetes de Leitura.
91

emaranhado de teorias a respeito de Deus, as mulheres procuravam vivenciar a experiência prática da


comunhão com a divindade".
Interpretações à parte, de qualquer forma não se pode negar que no universo de crenças e práticas
designado de neo-esotérico o papel da mulher difere radicalmente do que ocupa em sistemas religiosos da
tradição judaico/cristã/islâmica. Enquanto nestes últimos sua posição foi sempre subordinada, em termos
institucionais e rituais, naquele, ao contrário, a mulher não é apenas cliente, mas agente - proprietária,
organizadora, diretora, profissional. 111
A partir de todas essas evidências, pode-se concluir que a participação da mulher no universo do
neo-esoterismo constitui elemento determinante na construção de um certo estilo de comportamento: não se
trata de um peso meramente quantitativo pois traz consigo certas atribuições associadas a uma visão, uma
estética e uma sensibilidade que se considera, nesse meio, como tipicamente femininas 112.
Tais qualidades - intuição, predominância do “lado direito do cérebro”, ou alternativavamente,
melhor articulação entre o dois hemisférios com o consequente “pensamento em rede” - são reputadas
fundamentais na formulação, por exemplo, de diagnósticos a partir de alguns sistemas divinatórios; a
sensibilidade, a espontaneidade, o senso estético são considerados determinantes na condução de algumas
terapias corporais, danças, etc. A ênfase nessas características sem dúvida contribui para qualificar algumas
das práticas neo-esotéricas, dando-lhes um “tom” - mesmo quando conduzidas por homens. 113

3.- O estilo de vida neo-esô

111
Ainda aproveitando informações adicionais, dentro do universo da pesquisa, para o fenômeno da presença
feminina nos espaços neo-esotéricos, é digno de nota que, conduzindo as sessões, palestras, aulas e
demonstrações oferecidos por Palas Athena, no período março/abril/maio de 1995, havia 25 mulheres e 18
homens.
112
E, acrescente-se, não apenas nesse meio: há estudos - e polêmicas - na área acadêmica voltados para a
explicitação e fundamentação das diferenças e aptidões entre homens e mulheres nos mais diversos domínios,
do biológico ao cognitivo. A propósito da confronto entre os modelos “mulher colhedora”, versus “homem
caçador” no processo de hominização, ver Johanson, Donald e Shreeve, James (1998: 311 e ss.).
113
A importância desse componente pode ser comprovado, ainda, pelo tratamento dado ao tema em textos
“nativos” mais analíticos e de ampla difusão no meio neo-esotérico, como é o caso de “O Ponto de Mutação”,
de Fritjof Capra (1995 b). Ao discutir o modelo biomédico dominante, o autor afirma que (...) “as escolas de
medicina promovem vigorosamente um sistema de valores machista, desequilibrado, desprezando qualidades
como a intuição, a sensibilidade e a solicitude, em favor de um abordagem racional, agressiva e competitiva.”
(p. 153). As características do feminino e sua adequação às mudanças que aponta nesse livro, tem uma
fundamentação na conhecida polaridade yin/yang: “A auto-afirmação é conseguida através do
comportamento yang: exigente, agressivo, competitivo, expansivo e - no tocante ao comportamento humano -
através do pensamento linear, analítico. A integração é proporcionada pelo comportamento yin: receptivo,
cooperativo, intuitivo, e consciente do meio ambiente”. ( p. 41).
92

Uma vez identificados alguns dos elementos formadores do ethos neo-esotérico cabe, por fim, a
pergunta: mas afinal, haveria uma marca comum a todos esses “buscadores”? Em algum nível seria possível
identificar traços distintivos de um “estilo de vida neo-esô” - algo correspondente àquele conhecido visual
hippie da contracultura dos anos sessenta, com as longas saias indianas ou o conjunto “barba, poncho e
sandália” ?
A tarefa é tentar delinear as opções concretas que compõem o que vem sendo chamado, até aqui, de
maneira indistinta, de “universo” ou “mundo” neo-esô e que pode receber a chancela de um sentido mais
preciso, análogo àquele empregado por Vilhena (1990) em seu estudo sobre astrologia.
Ao falar do “mundo da astrologia” (: 96 e ss.), este autor pretende, na linha do trabalho de Howard
Becker, transcender um significado apenas alusivo: está lidando com redes sociais e “padrões de ação
coletiva” que permitem o exercício concreto dessa prática . O “mundo neo-esô”, mais difuso e
114

evidentemente mais abrangente que o da astrologia, pois o inclui, tem como base de sustentação não apenas
uma rede social mas, conforme a pesquisa mostrou, um sistema de implantação bem determinado na
paisagem urbana, na forma dos “circuitos” que interconectam espaços localizados principalmente em
determinados bairros - além de algumas matrizes discursivas recorrentes e até um calendário.

O reconhecimento dessa e outras regularidades e de sua manifestação pública é decisivo porque, se


os neo-esôs só se comportassem como tal apenas no interior dos seus “pedaços” - constituídos por aqueles
espaços que usam como principal ponto de referência - então não projetariam uma imagem externa; ora, não
foi isso que a pesquisa revelou: os valores cultivados no “mundo neo-esô”, além de reconhecidos, ultrapassam
suas fronteiras, influenciando comportamentos para além dele.
A pergunta é de que forma essa determinação mais geral, a do “mundo neo-esô”, transparece
concretamente em comportamentos, hábitos, gestos, padrões de consumo, configurando um determinado
estilo de vida plenamente reconhecido.
Quando se entra nesse campo, é obrigatória a referência às categorias de Pierrre Bourdieu -
estruturas, habitus, estilos de vida. (1983). Na análise desse autor as categorias mencionadas encadeiam-se
umas às outras a partir de uma série de determinações: os habitus - “sistemas de disposições socialmente
constituídos”, ancorados em estruturas objetivas, funcionam como mecanismos de reprodução dessas
mesmas estruturas 115. Por outro lado, enquanto princípio unificador e gerador de todas as práticas, eles dão
unidade aos estilos de vida - entendidos como conjunto de práticas, símbolos distintivos e propriedades que
expressam as condições de existência.

114
Como Vilhena aponta em seu livro, Becker emprega a expressão para a área das artes: “Para ele, o mundo
artístico, por exemplo, constitui o network que entra em cooperação para a feitura das obras artísticas que o
caracterizam. Tradicionalmente, a criação destas últimas sempre foi vista como um mero produto do esforço
criativo do artista. Becker, seguindo a linha de pesquisa que tem desenvolvido, se propõe que a arte pode ser
estudada como também produto da ação coletiva” (op. cit. p 106).
115
“(...) o habitus é o produto do trabalho de inculcação e de apropriação necessário para que esses produtos da
história coletiva que são as estruturas objetivas (por exemplo, da língua, da economia, etc.) consigam
reproduzir-se, sob a forma de disposições duráveis, em todos os organismos (que podemos, se quisermos,
chamar indivíduos) duravelmente submetidos aos mesmos condicionamentos, colocados, portanto, nas
mesmas condições materiais de existência”. (Bourdieu, 1983, p. 78/79)
93

Nessa seqüência, estruturas, habitus e estilos de vida não só representam instâncias de determinação
mútua, como também estabelecem - umas com relações às outras - campos mais amplos de possibilidades:

(...) “a correspondência que se observa entre o espaço das posições sociais e o espaço dos estilos de
vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem habitus substituíveis que engendram,
por sua vez, segundo sua lógica específica, práticas infinitamente diversas e imprevisíveis em seu
detalhe singular, mas sempre encerradas nos limites inerentes às condições objetivas das quais elas
são o produto e às quais elas estão objetivamente adaptadas” ( idem, op. cit.: 83).

A aplicação dessas categorias, por conseguinte, conservando-se o marco de referência de origem


pressuporia, na base, uma determinação das posições sociais dos atores; as referências são sempre a classes,
frações e segmentos de classe.
No caso das práticas neo-esôs, apesar de sua clara incidência nas camadas médias (ainda que não se
possa ainda fazer nenhuma generalização fundamentada em dados quantitativos), não se trata de uma
determinação de classe stricto sensu: pertencer à classe média não é, evidentemente, condição necessária nem
suficiente para aderir aos valores implícitos do universo neo-esotérico. Mas, como a pesquisa mostrou, é
inegável que um conjunto de comportamentos, produtos, valores e símbolos associados a esse universo
começam, por sua recorrência, a conformar um padrão. Nesse sentido pode-se falar numa certa unidade de
“propriedades”, na terminologia de Bourdieu (que assim as enumera: casas, móveis, quadros, livros,
automóveis, álcoois, cigarros, perfumes, roupas) e “práticas” (esportes, jogos, distrações culturais) , cuja
116

particular combinação identifica determinado estilo de vida. 117

116
Op. cit., p. 83
117
Caberia aqui um parêntese mais longo para estabelecer mais alguns esclarecimentos a respeito dessa tão
citada categoria. Como foi afirmado, a referência a Bourdieu é sempre obrigatória; veja-se o caso de
Featherstone, para quem, no âmbito da cultura de consumo contemporâneo, a expressão conota
individualidade, auto-expressão e uma consciência de si individualizada. "O corpo, as roupas, o discurso, os
entretenimentos de lazer, as preferências de comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias, etc. de uma
pessoa são vistos como indicadores da individualidade do gosto e o senso de estilo do
proprietário/consumidor" (1995:119). Após essa caracterização, o autor reafirma que sua perspectiva de
análise segue de perto o conceito bourdiesiano de habitus. Uma visão mais ampla do uso da categoria é
fornecida por Paré (1993) na análise que faz de uma obra coletiva Life Styles: Theories, Concepts, Methods
and Results of Life Style Research in International Perspective (Filipcova, Glyptis e Tokarski, 1990). A
apreciação dos organizadores da coletânea sobre os 21 textos que a compõem não é lá muito encorajadora:
"Life style research is characterised by wholly terms, imprecise definitions, a lack of theoretical discussion,
and arbitrary operational procedures. Everybody seems to know what life style is, and nobody can prove
them incorrect. [It is] defined as something between everything and nothing". Das inúmeras definições e
perspectivas de análise resenhadas, contudo, retenho duas, para delas ressaltar alguns pontos comuns. A
primeira é de Ruiz, que se reporta a Tönnies, Redfield e Bourdieu: "Estilo de vida é a maneira pessoal
segundo a qual cada indivíduo organiza sua vida, isto é, sua relação individual original para com as crenças,
valores e normas da vida cotidiana, assim como a maneira segundo a qual ele integra as normas do grupo, da
classe e da sociedade global a que pertence". A outra é de Scardigli que, remetendo-se à antropologia social,
considera "estilo de vida como um sistema de pensamento e ação próprio de um grupo social, permitindo
distinguir sua identidade cultural no espaço e no tempo. O estilo confere coerência, significação e os quadros
de referência sociais à vida cotidiana." Os elementos comuns a reter, dessa revisão, são: vida cotidiana;
coerência /organização; indivíduo/grupo; reordenados, permitem tirar a seguinte conclusão: determinado
estilo de vida é o resultado de escolhas (individuais ou coletivas) diante de um repertório (não aberto nem
ilimitado) de alternativas que apresenta uma coerência (não é aleatória nem descontínua, mas configura
padrões) que se manifesta na ou organiza a vida cotidiana, identificando pertencimento (a grupo). Este,
94

Se não existe uma marca ou modelo de carro associado à visão de mundo dos adeptos do neo-esô, é
possível identificar um freqüentador típico desse meio por suas escolhas e preferências frente a uma ampla
gama de possibilidades que vai dos hábitos alimentares ao lazer, passando pela saúde e cuidados com o corpo,
vida intelectual e espiritual, preferências estéticas e assim por diante.
Para atender a essa demanda, bem específica e nada desprezível em termos de mercado, existe,
como se viu, toda uma rede fornecedora de bens e serviços que poucas ressonâncias guarda com o termo
“alternativo” no velho sentido de rústica, amadora ou improvisada: ao contrário, voltada para a produção de
bens caros e sofisticados é certamente um indicador do perfil de seu consumidor - informado, exigente, com
poder aquisitivo. A descrição feita anteriormente dos sistemas de classificação dos espaços e práticas neo-
esôs dá uma idéia do caráter empresarial dos empreendimentos; é a partir desse amplo espectro de
possibilidades que as escolhas são realizadas, configurando marcas distintivas de um “estilo de vida”.
E o que foi se delineando, a partir da pesquisa, é que a escolha de itens nesse universo não é
aleatória, individual, esporádica; ainda que muitas pessoas recorram ao I - Ching como um inofensivo
entretenimento entre amigos, ou vez por outra procurem a acupuntura para alívio de uma renitente dor nas
costas, leiam um livro de auto-ajuda e até usem um adesivo sobre sua crença em duendes - atitudes que
configuram o consumidor esporádico - é possível distinguir, para além de modismos e até excentricidades
individuais, a configuração de padrões mais consistentes, ao menos como tendência.
Isto quer dizer, por conseguinte, que a adesão a certas crenças, a escolha de determinados livros e
objetos de consumo, a reorganização de itens para uma dieta considerada saudável, a aceitação de
determinadas práticas de saúde e novas formas de uso do tempo livre começam a constituir-se em conjuntos
ordenados. Estruturados com base em regras de compatibilidade definidas por relação a quadros de referência
comuns mais gerais, aplicam-se idealmente ao tipo intermediário do gradiente - o neo-esô propriamente dito -
aquele entre o “tipo erudito” (que teoricamente se pauta pelas normas de seu próprio sistema) e o
“ocasional”, mais identificado com a imagem de consumidor de comportamento errático.
A primeira característica, contudo, é ainda tributária de uma visão negativa: o mundo neo-esô e seu
estilo de vida ainda são conhecidos por um termo que já não corresponde adequadamente à sua feição
contemporânea: é a idéia de “alternativo”, na acepção de “comportamento desviante”. Esta visão, gerada a
partir de atitudes associadas à contracultura dos anos cinqüenta e sessenta - enfrentamento com o
establishment, renúncia a seus valores e abandono de padrões dominantes de trabalho, convivência e família -
já não dá conta do que efetivamente ocorre no mundo neo-esô contemporâneo, alheio ao look do velho
hippie psicodélico e rural.
Os neo-esôs, sem dúvida, ainda se contrapõem a valores vigentes, mas esta contraposição é
matizada, seletiva: dirige-se a determinados paradigmas da ciência, às distorções do sistema produtivo e da
tecnologia, às agressões ao meio ambiente, etc. e não redunda num ideal de abandono do mundo. Ao
contrário: é o ideal de “prosperidade” 118
que dá o tom. Heelas por exemplo, (1996: 68), mostra que, não

finalmente, é o sentido da expressão "estilo de vida" que emprego neste trabalho, de forma mais pragmática
e sem “comprar” todo o arcabouço bourdieusiano.
118
Mais uma vez é preciso distinguir entre a busca da “prosperidade” através de dicas popularizadas pelos
manuais de auto-ajuda - “pense positivo” - de um atitude mais geral que procura, nas diferentes práticas neo-
esôs, melhores condições de vida tanto pessoais como no âmbito das relações interpessoais e sociais.
95

obstante a atitude “fora do mundo” ser ainda encontrável no meio neo-esô, é a sua contrária, a de participar
efetivamente no mainstream da vida social, a mais difundida.119
O neo-esô típico freqüenta um Centro Integrado (Grupo II) e, para questões mais pontuais - saúde,
alguma prática corporal específica - um Centro Especializado (Grupo III). No primeiro encontra, a partir da
sociabilidade que aí se estabelece, uma rede mais consistente de contatos, trocas de experiências e é onde
obtém respaldo para sua estratégia de cultivo pessoal, através das palestras, cursos, vivências.
É o seu “pedaço”, atende à maior parte das suas necessidades pois, como foi mostrado, o Centro
Integrado reúne quase todas as funções e e atividades dos demais grupos; aí é possível comprar seus livros,
incensos preferidos, velas aromáticas, chás. É também o ponto de referência - informações, dicas,
comentários - para o estabelecimento de trajetos mais amplos e diversificados, a partir das múltiplas
possibilidades dadas pelo circuito.
A programação de cursos e palestras estende-se pelo ano todo havendo sempre a possibilidade de
participar de algum workshop conduzido por especialista de fora - Ken Wilber, Stanley Krippner, Peter
Russel, Alberto Willoldo. Em datas apropriadas ocorrem os rituais costumeiros da casa; é aí também que se
combinam e organizam excursões de férias para Dharamsala, Santiago de Compostela, Ilha de Páscoa ou
alguma região do Brasil especialmente dotada pela natureza - beleza, ar puro, energias telúricas ... No final
do ano há sempre uma festa ou jantar de confraternização e a possibilidade, no bazar, de fazer umas compras
de Natal diferentes, especiais. 120
Do espaço de sociabilidade para o âmbito da rotina diária, na casa: é a alimentação um dos primeiros
itens onde se pode apreciar o estilo diferencial do neo-esô. Não é o caso de repetir mais uma vez o que já é
um lugar comum: a busca de uma dieta saudável através do uso de produtos naturais livres de defensivos e
fertilizantes químicos, a preferência por grãos e fibras em detrimento das proteínas de origem animal e
produtos refinados, etc. Sem, está claro, os rigores do vegetarianismo ou macrobiótica estritos, ainda que a
classificação yin/yang seja uma referência. Importa ressaltar que essa mudança de hábito, em busca de uma
melhor qualidade de vida, faz-se seguindo os princípios de matrizes discursivas mais gerais, conforme se
pode apreciar na variante oferecida por este pequeno trecho da introdução do livro “A Culinária da Nova
Era”:

(...) “a culinária perfeita é a própria ciência da alquimia, em nada diferente da arte espargírica dos
laboratórios dos grandes mestres: as leis cósmicas e as forças aplicadas são exatamente as mesmas
(...) O retorno à simplicidade original, a compreensão do dever individual dentro do vasto
processamento cósmico é o caminho para a felicidade real e para o sentido mais profundo da vida. Se
a pequena engrenagem assumir o seu papel dentro do processo evolutivo, deixará de ser uma peça
malfuncionante que perturba e impede o bom funcionamento do conjunto inteiro” (Bontempo,
1994:13,14).

119
O que não significa uma atitude simplesmente hedonista; na realidade é possível distinguir no universo
neo-esô várias combinatórias e arranjos entre dois pólos, um que enfatiza a prosperidade e outro que postula
os ideiais da simplicidade, frugalidade.
120
Esta caracterização serve também perfeitamente para descrever um Centro Especializado e as relação que
estabelece com seus próprios frequentadores: nem sempre as distinções entre um e outro são suficientemente
marcadas.
96

Este mesmo cuidado verifica-se no trato com o corpo e com questões relativas à saúde: a preferência
é pelas terapias soft e tratamentos com base em produtos naturais, segundo os princípios holísticos; algum
exercício - luta, dança, ginástica - de preferência fundamentado numa “filosofia oriental”, conforme já foi
mencionado no capítulo segundo.
A casa pode passar por uma rearrumação geral, a partir das indicações obtidas através do Feng Shui,
antiga prática chinesa - agora em voga - de harmonização de ambientes. A decoração fica por conta das
inúmeras possibilidades de combinação com objetos de artesanato indígena (amazônico, norte-americano, do
altiplano andino), imagens do panteão indiano, tankas tibetanos, pedras, cristais, incensários, algum bonsai e
o sino de vento; a coleção de cds. pode incluir Fortuna, Enya, Aurio Corrá; mantras, música céltica,
gregoriana, sons da natureza.... É um filão atraente, em termos de mercado e o perigo de cair numa espécie de
consumismo neo-esô está sempre presente, pois as ofertas não faltam: quem achar que precisa, pode adquirir
umas “mantas protetoras contra radiação cosmotelúrica petron” para colocar sob o colchão 121
, ou tomar um
café com anjos, encomendando as “cestas de café da manhã angelicais” para uma ocasião especial.
Não é este o caso, porém, do tipo-ideal que estamos tomando como referência para caracterizar o
estilo de vida neo-esô; já a espiritualidade, sim, é um elemento fundamental, enfatizado por vários
estudiosos: D’Andrea (1998) refere-se a esta dimensão como “self-reflexive religiosity”; Leila Amaral, (1998)
com as noções de “errância” e “sincretismo em movimento” aponta para o caráter aberto da religiosidade da
Nova Era. Heelas (1996), que ambos citam, fala ora em “inner spirituality” ou “self-spirituality”. Na base
dessa espiritualidade está o “expressivismo psicológico”, já mencionado, que abre uma campo específico de
discussão; cabe apenas lembrar a distinção entre os três planos muitas vezes confundidos nas análises mais
correntes: religião, religiosidade, espiritualidade. 122
Apesar de alguns templos religiosos integrarem o
circuito neo-eô, este não se caracteriza como religião; o mais característico, entretanto, é a preocupação com a
espiritualidade, enquanto experiência pessoal expressa em formas idiossincráticas individualizadas.
Já a religiosidade, entendida como um estilo coletivo de expressar o sentimento religioso, aparece
em muitas modalidades. Os arranjos concretos de sua manifestação podem variar, mas uma sensibilidade para
com a dimensão do sagrado antes vivido como experiência do que tomado na forma de um conjunto de
verdades reveladas, está presente como mais um componente do estilo de vida neo-esô e se expressa em
gestos simples e cerimônias inventadas ad hoc para contemplar a lua cheia, celebrar o “fogo sagrado”,
reverenciar a “Mãe Terra”, invocar o “animal de poder”.
Outra dimensão, de crescente importância na vida contemporânea, onde transparece o estilo neo-esô
é a do lazer. As preferências observadas neste campo, aberto a um leque mais amplo de alternativas e escolhas
- este ou aquele show, cinema, peça, música ou leitura - são reveladores da escala de valores dos usuários.
No caso do mundo neo-esô não se trata apenas de apreciar os itens que normalmente são classificados como
lazer, pois grande parte de suas atividades já apresenta um caráter lúdico, desde, para alguns, o preparo do
alimento, passando pelos cuidados com o corpo e a saúde até os próprios cursos e palestras freqüentados.

121
Anúncio na revista Planeta, dezembro de 1998
122
Ver, mais acima, o item 3 do capítulo II.
97

Os cursos, por exemplo, são não seguidos por obrigação e sim pela busca de cultivo e
aprimoramento de potencialidades pessoais; o mesmo pode ser dito das vivências e ritos, diferentemente da
rotinização dos cultos dominicais de muitas religiões. Uma interdependência entre celebrações,
entretenimento e criação de vínculos ocorre também naquelas atividades mais identificada com o lazer como
as excursões “eco-esôs”, o turismo por “lugares sagrados”, vivências de fim de semana em sítios e chácaras.
Há eventos de grande porte e repercussão para além do calendário neo-esô, realizados em espaços e
instituições de maior visibilidade na cidade, como o Centro Cultural São Paulo (da Secretaria Municipal de
Cultura), Teatros do Sesc (Pompéia, Vila Mariana) e outros mais que passam a integrar, momentameamente, o
circuito neo-esô. Um exemplo é o Festival Internacional de Artes Cênicas que no ano de 1998 trouxe, entre
outros, as Danças Sagradas do Tibete com os monges do Mosteiro de Shetchen, as Danças Tradicionais de
Manipur, o Conjunto de Percussão do Templo de Kerala. 123
E como não poderia deixar de ser, além de sites na Internet especialmente dedicados a seus temas, os
aficionados fazem uso de chats e mailing lists. A comunidade de interesses e intercâmbio de pontos de vista,
propiciados pela convivência e circulação pelo circuito (o real e o virtual) terminam até criando códigos só
entendidos pelos iniciados: por exemplo, em vez de “feliz aniversário”, é comum o uso da expressão “bom
retorno solar”; “já passei pelo retorno de saturno” substitui “já passei dos quarenta anos”, com a conotação de
“experiência de vida” e assim por diante. Foi cunhado até um termo especial, “esquisotéricos”, para referir-se
aos que se deixam levar pelos modismos e pelo lado consumista do mundo neo-esô, descuidando o estudo e a
busca mais séria da auto-transformação.124
Anúncios na coluna “Clube da Comunicação” da Revista Planeta remetem a vários desses códigos;
declinar o próprio signo é fundamental na busca de contatos:

“Desejo conhecer pessoas que gostem de música new age, da natureza e tenham interesse pelos
grandes centros energéticos do planeta. Sou espírita, estudante de astrologia, viagem astral, alma
gêmea e me interesso muitíssimo por várias outras ciências espiritualistas. Estou com 40 anos, meu
signo é Capricórnio, tenho ascendente em Câncer e Lua em Peixes. (Paulo R.....) Revista Planeta,
outubro/98

“Tenho 33 anos e sou virginiana. Gosto de música, de ler livros sobre arqueologia, ufologia e magia
e de estar em contato com a natureza. Quero contatar pessoas de mente aberta para troca de
informações e para uma amizade sincera” (Rose...) Revista Planeta, janeiro /99

“Estou com 31 anos e sou libriana. Gostaria de ampliar meu círculo de amizades e também conhecer
pessoas espiritualistas que, como eu, se interessam por filosofia oriental, terapias alternativas, magia
e que gostem de palestras, cinema, teatros e parques” (Marina...) Revista Planeta, abril/99.

123
Para a presidente do evento, a empresária e ex-deputada Ruth Escobar, o que une todos os espetáculos é o
caráter sacro dos programas escolhidos: “Na Ásia, além de ser parte integrante do cotidiano, o sagrado está
presente nas diversas formas de manifestação artística”, afirmou em entrevista para a revista Veja São Paulo,
julho de 1998.
124
Descrição que de certo modo corresponde às características do “tipo ocasional”. Agradeço a Rita de Cássia
por essas informaçãos colhidas na Internet.
98

Encerra esta caracterização um fato que ilustra certo aspecto pouco reconhecido do estilo de vida
neo-esô: diferentemente de uma imagem bastante comum, não se está diante de pessoas sensibilizadas por
temas irrelevantes ditados por uma visão romântica ou ingênua de ecologia e alienadas com relação a
processos sociais e políticos mais amplos. Ao contrário: verifica-se até mesmo um nível de militância que, se
não se pauta por agendas partidárias, atua em vários planos, principalmente nas áreas do meio ambiente,
qualidade de vida, direitos do cidadão, em alguns casos por meio de ONGs e associações.
Assim, um exemplo dessa atuação pode ser apreciado na forma como algumas atividades próprias
do universo neo-esotérico se desenvolveram no Parque Água Branca, zona oeste da cidade. Na realidade, este
parque - oficialmente “Parque Fernando Costa” - não integra o circuito neo-esô propriamente dito. Fundado
em 1929, vem abrigando várias instituições, públicas e privadas, como o Fundo Social de Solidariedade do
Governo do Estado, Núcleo de Escoteiros, Museu de Geologia, diversos centros de pesquisas, associações de
criadores de animais (búfalos, cavalos mangalarga, árabe e outros). Sedia também eventos - exposições,
shows - e é bastante utilizado como área de lazer principalmente nos fins de semana em virtude de sua área
verde, convidativa para passeios, caminhadas e atividades similares. Desde 1991 nele funcionava, nos sábados
de manhã, a Feira de Produtores Orgânicos.
Tudo começou quando se soube da resistência, por parte da administração do Parque, em renovar a
licença para essa feira continuar usando um galpão para a venda de seus produtos: correu a informação de que
o espaço seria usado para alojamento dos peões que acompanham, montam e desmontam as feiras, leilões e
exposições de animais de raça e implementos agropecuários.
Paulo e Cândida Meirelles, 125
que possuíam uma banca de ervas medicinais na já concorrida “feira
natural”, mobilizaram-se pela manutenção dessa e de outras atividades que estavam sendo ameaçadas pelo
uso cada vez mais intenso, por parte das associações de criadores de animais e pela proliferação de pontos de
venda dos mais variadas mercadorias, em detrimento de uma ocupação do espaço e dos equipamentos do
parque gratuita e aberta ao público. 126
Também ameaçada pela crescente expansão dos expositores e vendedores, estava uma aula aberta de
tai-chi-chuan, no espaço conhecido como bambuzal: a pérgola ao lado já estava sendo usada para venda de
orquídeas e implementos de jardinagem. Quando começou a mobilização, o ocupante logo notou e, alto e bom
som, fez saber sua opinião pouco amistosa a respeito “dessas velhinhas que vêm aí fazer ginástica...”
Então, no dia 28 de abril de 1996, aconteceu, como havia sido anunciada, a fundação da nova
associação de usuários do parque, agora denominada Associação dos Ambientalistas e Amigos do Parque
Água Branca (ASSAMAPAB). Um de seus objetivos, conforme constava dos abaixo-assinados que
circularam previamente, era participar mais ativamente junto à administração representando aqueles usuários
cujos interesses vinham sendo prejudicados.

125
Cândida apresenta-se como “astróloga, fitoterapeuta, psicóloga , educadora e promotora de eventos eco-
culturais”; e Paulo, “tarólogo, psicólogo, educador em artes cênicas, jornalista e promotor de eventos eco-
culturais”, segundo cartão distribuído pelo casal.
126
Já em 1992 o conhecido músico e compositor Paulinho Nogueira, então presidente da Associação dos
Amigos do Parque, liderara um movimento contra a tentativa por parte do governo do Estado de privatizar o
parque, tranformando-o numa espécie de shopping-center rural.
99

O ato culminou com uma festa, dali a três semanas, quando a feira “natural” completaria cinco anos.
A programação previa: café colonial orgânico, em mesinhas no pátio defronte o galpão; aula aberta de yoga,
com o professor Anderson Allegro do Espaço Aruna; prática de tai-chi com o prof. Jair Diniz; palestra sobre
alimentação natural com o prof. Tadeo, do Espaço Transmuther Athionem; apresentação de música new age a
cargo do compositor e instrumentista Walter Pini, do Projeto Musiconsciência e, finalmente, exibição da
dança Bumba Meu Boi pelo Grupo Cupuaçu, além de uma bandinha circense.
A partir de então o parque mudou de cara - passou por uma série de reformas, recebeu sinalização
adequada, teve o uso dos espaços disciplinado e terminou sendo tombado pelo órgão estadual de defesa do
patrimônio cultural - CONDEPHAT. Como se pode apreciar, resultados bastante concretos, desencadeados
por uma tomada de consciência do direito sobre uso do espaço público e levada a cabo por pessoas que
participam, em diversos graus, do universo de atividades neo-esôs, aliadas a preocupações relativas à
ecologia, cidadania, qualidade de vida.
Assim, a feira - fiscalizada pela Associação de Agricultura Orgânica - foi mantida, e a
ASSAMAPAB passou a editar o boletim “Amigos do Parque”, incentivando e divulgando uma extensa
programação cultural onde o estilo de vida neo-esô marca sua presença. Mas - e este é o fato digno de nota -
não de forma exclusivista; ao contrário, bastante integrada a outras atividades, grupos e instituições.
O termo empregado para nomear a nova programação e o cumprimento de todas essas tarefas foi
“parcerias” - com políticos, nova administração do parque, grupos de teatro, ecologistas, terapeutas, espaços
neo-esôs. Desta forma, ao lado de aulas de tai-chi, lian gong, aiki-dô e yoga aparecem palestras sobre o
autismo, cura prânica, alimentação natural e medicina ortomolecular; são divulgadas e oferecidas inúmeras
opções como lazer para terceira idade, oficinas de reciclagem de papel, observação de pássaros e trilhas
ecológicas monitoradas, artes populares (teatro, música, dança) e até vivências xamânicas.
O ponto de referência, sem dúvida, continua sendo a feira. Mas não se trata apenas de comprar e
consumir; é preciso apreciar, comparar e sobretudo conversar. O espaço do “Café Colonial Orgânico”, com
suas mesinhas à entrada, oferece essa oportunidade. Leite, café, sucos, tortas, pães, geléias, queijos -
provenientes da própria feira - podem ser degustados após as compras; os adeptos das caminhadas ou corridas
matinais também costumam frequentar o espaço para um saudável coffee-break. É nele que às vezes se arma
um tablado para apresentação de música new age, ou de alguma outra performance; é aí também que índios
Xavante vez por outra expõem objetos provenientes da aldeia de Idzô’uhu e onde o Grupo Qualis distribui
folhetos sobre um plano de saúde com “600 dos melhores profissionais em saúde holística, farmácias
homeopáticas e de manipulação, associações, clínicas”.
Definitivamente, um programa que já faz parte também de outro circuito mais amplo na cidade,
articulando espaços de lazer, pontos de encontro e redes de sociabilidade.
100

Conclusão

A estratégia, seguida neste estudo, de situar as práticas neo-esôs no contexto da cidade e de sua
dinâmica, conduziu a análise em duas direções: frente à heterogeneidade que o primeiro contato com o objeto
mostrava, foi preciso descobrir suas regularidades; e contrariamente à visão que o considerava uma massa
amorfa, indiferenciada, foram estabelecidas em seu interior as devidas distinções.
Na primeira etapa a realização do mapeamento, as classificações de espaços e práticas, a percepção
de recorrências temáticas e, por fim, a descrição do calendário e de uma implantação em forma de circuito
mostraram, em planos diferentes, a presença de regularidades. Diante de um fenômeno comumente
caracterizado pela fluidez, fragmentação e falta de centralidade - doutrinária, ritual, simbólica - foi possível
demarcar os contornos de um conjunto, dotado de sentido, mas sem incidir nos riscos de uma definição
substantiva ou essencialista.
A noção de circuito, ao descrever a forma de implantação desse conjunto na paisagem da cidade e as
possibilididades de contato e articulação entre os diferentes espaços, terminou constituindo uma das
categorias chaves da pesquisa. Evitou colocar num mesmo plano grupos e associações de maior tradição ao
lado de empreendimentos mais efêmeros e comerciais sem, contudo, desconhecer os trânsitos entre todos eles
pois, independentemente dos propósitos e definições de cada um, quem estabelece as conexões são os
usuários. A designação neo-esotérica, certamente inadequada para muitos dos espaços estudados, aplica-se,
assim, antes ao circuito do que a cada instituição, prática, participante. 127
É a partir das múltiplas interrelações possibilitadas pelo circuito (e realizadas nos trajetos) que os
frequentadores usufruem dos inúmeros serviços oferecidos, adquirem os produtos, familiarizam-se com o
léxico provindo de algumas matrizes dicursivas comuns: é pois, o fundamento concreto que ancora
comportamentos coletivos, cuja recorrência configura o que foi descrito como estilo de vida neo-esô, já no
segundo momento do estudo.
Estilo de vida enquanto resultado de escolhas e não como estereótipo, pois nem todos interagem
nesse universo com a mesmo propósito, intensidade e entendimento: aqui, é imprescindível não confundir os
vários graus de participação e tipos de compromisso. Encarar o fenômeno neo-esô por esse ângulo permite
distinguir seus vários componentes e destacar a presença de quem por ele transita motivado por algum dos
múltiplos apelos - de ordem estética, terapêutica, especulativa e até espiritual.
Esta última, a dimensão da espiritualidade, presente e bastante valorizada nesse universo, - por isso
mesmo o foco principal de muitos estudos - aqui entra como um dos componentes do processo de auto-
aprimoramento, mais do que como uma obrigação de caráter religioso ou confessional. Como já foi
127
Aplica-se menos ainda a um suposto “movimento”, pois como foi visto, a imensa variabilidade de práticas,
sistemas, técnicas e discursos que podem ser encontrados no circuito neo-esotérico impedem reconhecer neles
alguma unidade interna mais consistente - doutrinária, de princípios ou de qualquer outra ordem - além
daquele plano geral representado por noções do tipo “busca de valores alternativos”, “nova consciência”,
etc.
101

observado, o neo-esoterismo não constitui um sistema ou credo de fronteiras nítidas a que se possa converter
e, como também já foi notado por diferentes autores, não é propriamente a fidelidade o que caracteriza a
adesão aos valores e normas deste ou aquele espaço que integra o circuito. Adotar um determinado estilo de
vida supõe a incorporação de seus itens - não necessariamente todos - e o resultado será mais ou menos
consistente, num gradiente que pode ir desde o leve verniz do modismo passageiro e consumista até
envolvimentos mais duradouros.
O freqüentador típico do universo neo-esô termina funcionando como elemento transmissor ou
intermediário junto a um público mais amplo, no sentido dado por Featherstone, “proporcionando e
estimulando um interesse geral pelo estilo em si mesmo” (1995:129). Assim, alguns de seus itens ou marcas
são visíveis não apenas no comportamento de quem é habitué mas extravasam para um círculo mais extenso.
Certos elementos provindos daqueles discursos de base - holismo, sincronicidade, canais de energia, carma,
chakra - já fazem parte de um código amplamente reconhecido e aplicado às mais diferentes situações do
cotidiano.128 O mesmo pode ser dito com relação a determinadas proposições, técnicas e princípios pinçados
aqui e ali entre os componentes do que foi chamado de “sensibilidade neo-esô”: valorização de uma
alimentação entendida como mais saudável (o que não implica que seja integralmente seguida), atenção para
com os processos do “eu interior”, busca de equilíbrio entre os planos “físico, mental e espiritual”, posições
favoráveis à proteção ao meio ambiente, crença na eficácia de pensamentos e atitudes “positivas”,
conhecimento e utilização de algumas técnicas de relaxamento, meditação, contemplação da natureza em
busca da “harmonia cósmica” - eis alguns dos elementos mais correntes já incorporados no plano de um senso
comum associado ao ideal de uma melhor qualidade de vida.
Nesta linha de análise, que privilegia o plano dos comportamentos coletivos, não está em pauta a
questão dos fundamentos científicos desta ou aquela prática ou da totalidade do universo neo-esô. Como foi
mostrado, este inclui elementos das mais variadas vertentes e tradições o que torna impraticável especular
sobre critérios de verdade principalmente quando estendidos para um conjunto, supostamente homogêneo, a
partir da crítica (mesmo pertinente) a um item específico.
Para além dessas questões lindantes com os campos da religião e da ciência - legítimas, mas que
exigiriam outros tipos de enquadramento teórico e estratégias de pesquisa - abre boas possibilidades de
reflexão pensar as práticas neo-esôs como uma forma de uso do tempo livre em busca do aprimoramento
pessoal, através do cultivo das potencialidades do corpo e da mente.
Não se trata tanto de investimento em busca de sucessso e prosperidade, como mostra Heelas a
propósito da análise que faz da dinâmica dos seminários de treinamento do tipo est nos Estados Unidos e

128
Um exemplo concreto e significativo, dadas as circunstâncias, dá a medida da difusão desse léxico e de seu
rendimento explicativo: a entrevistada no programa “Timbres: o corpo do som, a trajetória dos instrumentos
musicais” na Rádio Cultura FM, - programa tradicional diário de entrevistas com músicos de formação
erudita onde explicam a origem, particularidades, componentes e processo de confecção dos instrumentos a
que se dedicam -, uma acordeonista, ao descrever a especificidade de seu instrumento, ressalta que “fica
posicionado no chakra cardíaco de onde, acionado pelo braço esquerdo, ao ritmo da respiração, integra os
princípios masculino e feminino, o antigo e moderno, de introversão e extroversão” (Transcrição livre de
trecho da entrevista levada ao ar no dia do dia 14 de setembro de 1998).
102

Inglaterra, 129 mas de uma alternativa de uso do tempo livre, tema de crescente importância na sociedade pós-
industrial, como mostram os estudiosos do lazer. Grande parte das atividades incluídas no universo neo-esô
cabem nessa categoria pois vão do turismo - incluindo participação em congressos, convenções, treinamentos,
iniciações - à culinária, passando pelo consumo de livros, discos, espetáculos, cursos, artesanato, participação
em grupos de encontro, etc.
Essas formas de consumo cultural, com o correspondente desenvolvimento das redes de
sociabilidade e das atividades correlatas, têm seu cenário privilegiado: o ambiente da metrópole.
Com efeito, os espaços e atividades neo-esôs, quando pensados em sua distribuição e articulação
através da categoria circuito, ilustram uma particular forma de prática cultural e comportamento, permitindo
a formação de pequenos grupos e redes, cenário que em nada lembra a fragmentação, atomização,
impessoalidade e individualismo - traços comumente atribuídos ao ambiente dos grandes centros urbanos.
Pois, contrariamente à idéia de guetos fortificados, dos quarteirões protegidos, refúgio das “tiranias da
intimidade” (Senett, 1988), mostram a possibilidade de uso e circulação por espaços não contíguos; e,
contrariamente à idéia do confinamento do indivíduo sufocado frente a estruturas que o sobrepassam, permite
o contato e a criação de laços.
As vivências, palestras, cursos e celebrações se multiplicam ao longo do circuito estabelecendo
relações de proximidade e de trocas próprias de comunidade; não, porém, aquelas das comunidades
biológicas, institucionalizadas, permanentes, mas de um tipo que se dissolve ao término da atividade
podendo, entretanto, ser reeditada no próximo evento, em algum outro ponto do circuito - com os mesmos ou
outros participantes, não importa, pois todos conhecem o código ou ao menos o jargão básico.
Comunidades efêmeras, transitórias, no coração da metrópole, diferentes daquelas que constituem os
protótipos do universo neo-esô - Findhorn, na Escócia; Esalem, na Costa Oeste dos EUA; Nazaré, no interior
de São Paulo; Figueira em Minas Gerais - mas nem por isso menos efetivas. Modalidades inspiradas nessas
últimas ainda existem, são procuradas e continuam como referência, mas no cenário urbano são as clínicas,
academias, livrarias, lojas, centros de estudo, centros de convenções, parques, hotéis-fazenda e até
propriedades rurais próximas que constituem o ambiente e fornecem a infraestrutrura para os encontros.
Tal é a cidade que, em sua escala metropolitana, permite tanto a vivência nos limites do pedaço -
com sua lógica de criação de vínculos identitários com base numa referência territorial - como pelos pontos
do circuito, por onde transitam participantes de um mesmo universo de valores, ainda que não se conheçam;
neste caso, são potenciais parceiros de trocas mais amplas que as estabelecidos entre os “chegados” do
pedaço.
Pois metrópole não implica necessariamente experiências urbanas que oscilam entre dois extremos, o
das multidões indiferenciadas e o do indivíduo confinado em sua solidão, mas a possibilidade
verdadeiramente cosmopolita de trocas numa escala onde a segurança do contato nos limites de um
horizonte compartilhado pode ser combinada com a abertura para novas experiências.

Est é a sigla que designa os Erhard Seminars Training, seminários propostos por Werner Erhard. Segundo
129

Heelas, a idéia básica dos treinamentos ao estilo dos est - assim como de outras formas de atividades da
Nova Era - é desencadear potencialidades para obtenção de resultados. (op.cit.:60).
103

Isto não quer dizer, evidentemente, que as práticas neo-esôs e seu estilo de vida correspondente só
possam existir nos grandes centros: de qualquer lugar pode-se entrar em contato com esse universo, acessível
através da uma imensa rede formada pelos meios de divulgacão e comunicação. O diferencial, entretanto,
oferecido pela escala de uma metrópole está na variedade e complexidade de seus circuitos - seja qual for o
recorte escolhido - ampliando o leque dos trajetos e, por conseguinte, as alternativas de contatos, trocas e
experiências para além daqueles dados no horizonte de um cenário já sobejamente palmilhado e previsível.
104

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