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INTRODUÇÃO

O
termo “esotérico” atualmente é utili-

zado para nomear uma extensa gama

de práticas incluindo sistemas divinatórios,

propostas de auto-ajuda, técnicas de relaxamen-

to e meditação, celebrações e rituais coletivos,

terapias de inspiração oriental e muitas outras

modalidades.

Na realidade esse termo não é adequado para

descrever práticas tão variadas como consul-

tas ao Tarô, I-Ching, runas; aplicação de massa-

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JOSÉ GUILHERME CANTOR MAGNANI

O NEO-ESOTERISMO
NA CIDADE

JOSÉ GUILHERME
CANTOR MAGNANI
é professor de
Antropologia da
FFLCH-USP.

Ilustração
do século XVIII
representando
os chacras do
corpo sutil

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gem ayurvédica, do-in, shiatsu; exercícios de oficiantes apregoavam. E, no entanto, eram
yoga, tai-chi-chuan, liangong; sessões realizadas em locais públicos, à vista de to-
xamânicas, rituais de prosperidade, sem es- dos ou em contextos pouco afeitos ao misté-
quecer, é claro, o consumo de incenso e a rio e ao recolhimento, como era o caso das
crença em duendes. No campo das religiões “feiras místicas” em shopping-centers.
e sistemas iniciáticos, esotérico tem uma apli- Observando mais de perto o fenômeno,
cação bastante precisa: designa aqueles ritos verificou-se ademais que além desta surpre-
ou elementos doutrinários reservados a mem- endente visibilidade mudara também seu sis-
bros admitidos em um círculo mais restrito; tema de funcionamento: a maneira como tais
exotérica é a parte pública do corpo cerimo- serviços estavam sendo oferecidos contrasta-
nial e dos ensinamentos. va com o estilo tradicional – o da cartomante
Aliás, alguns adeptos e praticantes rejei- atendendo em sua casa, ou do adivinho no
tam com veemência o epíteto, preferindo “prá- recesso de uma sala escura e forrada de obje-
ticas alternativas”, “misticismo”, “Nova Era”; tos cabalísticos.
muitos, porém, usam a designação esotérico Agora é diferente: a leitura das cartas, a
no próprio nome dos estabelecimentos, nos interpretação do I-Ching, o alinhamento dos
folhetos de divulgação e programas das ativi- chakras, a prática de yoga, a aplicação do do-
dades, e a mídia terminou por generalizar o in e outras tantas atividades que integram, de
termo. Na falta ainda de uma conceituação mais uma forma genérica, o caldeirão das práticas
adequada, mantenho a palavra antecedida do neo-esotéricas finalmente modernizaram-se.
prefixo neo com o propósito de diferenciá-la Seus praticantes não desdenham equipamen-
do uso mais tradicional. tos, condições e técnicas – computação,
As tentativas de entendimento desse fenô- marketing, terceirização – comuns a qualquer
meno – cuja complexidade e imprecisão, como das atividades de prestação de serviços nos
se vê, aparecem já na própria forma de ser grandes centros urbanos. O neo-esoterismo
nomeado – listam, como fatores explicativos, virou empreendimento empresarial!
a crise contemporânea de valores, o processo Daí à fácil e ligeira conclusão de que – et
de “reencantamento” do mundo, a fragmenta- pour cause – degenerou-se em mero modis-
ção do mercado religioso, o debilitamento das mo consumista, ou perdeu a suposta eficácia,
igrejas tradicionais e conseqüente busca de charme e mistério, foi um passo. A questão,
uma nova espiritualidade ajustada à lógica da porém, que permanecia, para além dessa apre-
sociedade pós-industrial (1). ciação superficial, era sobre o alcance do re-
A perspectiva da pesquisa que está na base conhecido boom do neo-esoterismo e seu
deste texto, porém, é outra. Desloca o foco processo de transformação tanto na paisagem
das chamadas práticas neo-esotéricas em si urbana como no comportamento das pessoas.
(origens, funções, causas de sua proliferação) Tratava-se de identificar os estilos e for-
para as relações que estabelecem com a cida- mas de implantação espacial das práticas neo-
de – com a paisagem, o ritmo, as instituições esotéricas na cidade, avaliar o grau de trans-
e a dinâmica urbanas. formação sofrida em contato com instituições
A pergunta inicial, que deu motivo à série típicas da metrópole e verificar se sua disse-
de pesquisas sobre o neo-esoterismo (2), foi minação chegava a inaugurar um estilo de
suscitada por uma constatação empírica: a pre- vida claramente reconhecido – com padrões
sença, em diferentes contextos da cidade – de consumo e de sociabilidade particulares.
praças, shopping-centers, viadutos do cen- Tendo em vista, porém, a notável
tro, lojas em bairros de classe média –, de heterogeneidade que caracteriza esse cam-
1 Ver: Moreira e Zicman, 1994; atividades e práticas que se supunha serem po, foi preciso antes de mais nada estabele-
Bingemer, 1992; Soares, cer alguma ordem, e o que este trabalho pre-
1989; Terrin, 1996, entre
realizadas em recintos fechados, e de forma
outros. privada. Afinal de contas, tais atividades di- tende é mostrar algo desse universo na cida-
2 Os Pedaços Sagrados da ziam respeito a indagações sobre o futuro, de de São Paulo, começando pelo
Cidade (1991-92) e Sob
Nova Direção: Práticas tratavam com o destino, a saúde e a felicidade mapeamento das práticas que o constituem,
Mágico-esotéricas na Cida-
de (1993-94), CNPq. do consulente – ou ao menos era o que seus em seguida, por uma primeira tentativa de

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classificação, levantamento do calendário cartomante, a benzedeira, o curandeiro e ou-
e, finalmente, análise de algumas caracte- tros agentes atendem em suas casas ou em
rísticas mais marcantes. lugares de culto religioso. Sem desconsiderar
a importância da persistência dessas formas,
I – O MAPEAMENTO o que a pesquisa quis registrar é precisamente
o surgimento e disseminação de outras mo-
A primeira providência da pesquisa foi dalidades, as abrangidas pela denominação
elaborar uma listagem das instituições, es- esotérico, com seus modelos e estruturas de
paços, associações, núcleos, centros e lojas funcionamento.
dedicados às diversas práticas neo- Estas, de acordo com levantamentos pré-
esotéricas. Tal listagem – que reuniu mais vios, ocorrem significativamente em certas
de 1.000 endereços – foi obtida a partir de regiões do espaço urbano bem servidas de
informações contidas nas seguintes publi- equipamentos e ligadas de maneira geral às
cações: 55 edições (anos 1990, 1991) do camadas médias da população; assumem for-
semanário dominical Shopping News que matos característicos, tanto no que diz res-
mantinha uma coluna, “Vida Alternativa”, peito à edificação e às normas de organização
com temas e anúncios de serviços na área do e de gerência como à forma de implantação
esoterismo (3); item “Esotéricos” dos clas- no mapa da cidade (4).
sificados do suplemento semanal “São Pau- A listagem obtida constituiu uma primei-
lo” da revista Veja (de março de 1990 a maio ra aproximação que, evidentemente, precisa-
de 1992); revista Agenda Alternativa (julho, va ser trabalhada até constituir uma peça mais
agosto, outubro de 1991; fevereiro, abril, confiável. Após uma série de revisões che-
maio, junho de 1992). gou-se ao número de 842 endereços, resulta-
Outra fonte de informações foi o próprio do que está longe de ser definitivo: cabe ob-
trabalho de campo que permitiu registrar en- servar que este é um trabalho contínuo pois
dereços a partir dos folhetos, prospectos, car- alguns desses espaços surgem e desaparecem
tazes, agendas e cartões-de-visita nos dife- muito rapidamente: a lista precisa ser atuali-
3 Publicação dominical distri-
buída gratuitamente nos
rentes espaços visitados. zada constantemente.
domicílios da região central Existia, evidentemente, uma clara “con- Não se trata, contudo, de uma tarefa me-
da cidade que na época do
levantamento apresentava taminação” decorrente das características das ramente burocrática, pois o manuseio da
quatro cadernos, mais dois
suplementos (trinta páginas principais fontes de informação de onde foi listagem permite identificar aquelas institui-
no total) contendo informa-
ções, temas e matérias vari- obtida parte desses dados – revistas e perió- ções de maior tradição – e as de fôlego curto
adas sobre urbanismo, saú-
de, moda, comportamento, dicos consumidos em certas regiões da cida- – assim como também acompanhar os movi-
ecologia, turismo, compras,
com destaque para a cidade
de (era o caso do Shopping News) ou voltados mentos e tendências dessa mancha no mapa
de São Paulo. para determinado público (revista Veja). da cidade. Por outro lado, a contínua checagem
4 Não é desprovido de signi- Como registrar, por exemplo, a ocorrência da lista possibilita assinalar o momento de
ficação o uso da expressão
“práticas esotéricas” quan- daquelas práticas junto a segmentos da popu- fechamento do corpus, ou seja, quando as
do referidas àquelas práti-
cas que nesta pesquisa lação, em bairros afastados, não atingidos por informações (referentes às instituições agru-
compõem o amplo quadro
do objeto de investigação, aqueles órgãos de informação? Ou não atin- padas no interior dos itens classificatórios)
em contraste com “práticas
mágico-religiosas” empre- gidos por qualquer outro órgão da mídia es- começam a repetir-se é sinal que o universo
gada para descrever o ou-
tro conjunto, o dos rituais e
crita? Tal circunstância, contudo, não afeta- construído a partir de fontes abertas (as sé-
crenças mais ligados à po-
pulação dos bairros de pe-
va os propósitos do estudo pois o que se pre- ries, mesmo incompletas, de publicações) co-
riferia. Neste caso, é a tra- tendia era apreender justamente aquelas for- meça também a mostrar seu perfil definitivo;
dição de origem rural e a
presença de determinadas mas de oferta e consumo de bens e serviços novos endereços constituiriam meros acrés-
religiões – catolicismo po-
pular, seitas evangélicas, neo-esotéricos que, entre outras característi- cimos a um núcleo sólido, já delineado, ou
cultos afro-brasileiros – que
compõem o quadro onde se cas, utilizam os meios de comunicação como então permitiriam observar tendências tendo
nutrem e de onde basica-
mente tiram seus elemen- recurso de divulgação, no contexto urbano. como referência esse núcleo.
tos os agentes das práticas
mágico-religosas. No caso
Com relação à ocorrência de outras práti- Com o propósito de transpor para o mapa
das práticas esotéricas,
outras são as fontes de ins-
cas de cunho mágico-religioso, em bairros da da cidade de São Paulo as informações de
piração, como se verá: reli- periferia, tem-se a hipótese de que sua forma endereçário, de forma a delinear a mancha do
giões orientais, ocultismo,
movimento Nova Era, etc. é mais a tradicional, ou seja, aquela em que a neo-esoterismo, foi necessário proceder a um

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reagrupamento, uma vez que a divisão em vos a que se dedicam, as normas de funciona-
bairros tal como aparece na listagem não mento interno, o produto que oferecem. Des-
coincide com a dos distritos usada pela Se- ta forma foram construídos cinco grupos:
cretaria das Administrações Regionais da Grupo I – Instituições filosófico-
Prefeitura do Município de São Paulo. Foram espiritualistas: caracterizam-se por apresen-
estabelecidos três cortes, agrupando os dife- tar um corpo doutrinário próprio, ritualística
rentes distritos de acordo com o número de e níveis de iniciação. Possuem hierarquia in-
ocorrências de espaços dedicados ao neo- terna, distinguindo ao menos entre grupo de
esoterismo: Vila Mariana (103 espaços), Pi- seguidores e mestre/dirigente; os vínculos que
nheiros (86), Jardins (84) e Perdizes (61) estabelecem aproximam-se dos de tipo reli-
constituem o primeiro grupo, constituindo o gioso. Muitas delas são filiais, adaptações ou
núcleo mais denso da mancha. criações locais inspiradas em instituições com
Em seguida vêm Moema (47), Campo sede ou origem no exterior. Fazem parte des-
Belo (40), Itaim Bibi (35), Santana (30), te grupo, entre outras, as seguintes institui-
Consolação (26), Saúde (22), Santo Amaro ções: Sociedade Brasileira de Eubiose (até
(20), Ipiranga (19), Sé (19), República (18) e 1969 denominada Sociedade Teosófica Bra-
Bela Vista (18). Constituem o anel interme- sileira); Fraternidade Pax Universal; Socie-
diário da mancha. dade Antroposófica; Sociedade Internacio-
Jabaquara (15), Lapa (14), Liberdade (14), nal da Consciência de Krishna; Sociedade
Tatuapé (11), Mooca (10), Santa Cecília (8), Teosófica no Brasil; Rosa Cruz Amorc; Soci-
Belém (7), Butantã (6), Cambuci (6), Cidade edade Internacional Rosacruz Áurea; Círcu-
Ademar (6), Vila Prudente (6), Morumbi (5), lo Esotérico Comunhão do Pensamento.
Alto de Pinheiros (4), Raposo Tavares (4) e Grupo II – Centros integrados: são espa-
Vila Sônia (4) formam o último grupo, des- ços que reúnem e organizam, de forma cria-
prezando-se, para efeitos de consignar no tiva, várias atividades, como práticas
mapa, os demais bairros com ocorrências divinatórias, terapias variadas, cursos de for-
inferiores a três espaços. mação, venda de produtos, vivências coleti-
É interessante observar que o núcleo da vas. Não apresentam uma doutrina própria
mancha não cobre propriamente o centro da nem seguem um conjunto rígido de dogmas
cidade, mas quatro bairros – Perdizes, Pinhei- ainda que não deixem de fundamentar suas
ros (direção oeste), Jardins, Vila Mariana escolhas através de um discurso mais ou me-
(direção sul), caracterizados como bairros de nos coerente que pode combinar várias tradi-
classe média e média-alta, amplamente pro- ções religiosas, filosófico-ocultistas,
vidos de serviços e equipamentos urbanos. O gnósticas, etc. Gerenciados em moldes em-
anel que circunda esse núcleo abrange o cen- presariais – muitos deles são micro-
tro (Sé, Consolação, República) mais alguns empresas –, têm como base o trabalho de
bairros antigos (Ipiranga, Bela Vista) e ou- profissionais da casa (geralmente são os pro-
tros – Moema, Campo Belo, Itaim Bibi, tam- prietários), mas abrem espaço para atuação
bém de classe média e média-alta. permanente ou esporádica de pessoal de fora.
Centro Visvaram; Espaço Reviver; Instituto
II-O SISTEMA DE Avalon; Renascer-Espaço de Reeducação
CLASSIFICAÇÃO Holística; Associação Palas Athena; Sol
Sirius-Espaço Holístico; Zeta 1 – Núcleo de
Com a finalidade de ir além da mera dis- Expansão Pessoal; Watam-Oficina Esotérica,
tribuição geográfica e introduzir alguma or- entre outros, integram o Grupo II.
dem frente à realidade marcada pela Grupo III – Centros especializados: in-
heterogeneidade de propósitos, crenças e ri- cluem associações, institutos, escolas, aca-
tuais, que caracteriza o universo do neo- demias e clínicas voltados para pesquisa e
esoterismo, os espaços levantados foram sub- ensino de temas neo-esotéricos, treinamento
metidos a uma primeira e provisória classifi- e/ou aplicação de técnicas específicas (dan-
cação levando-se em consideração os objeti- ça, artes-marciais, práticas terapêuticas como

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acupuntura, massagens, etc.). Podem com- de higiene e perfumaria “naturais”, lojas de
portar mais de uma atividade mas a principal comercialização de imagens de duendes, in-
é que dá o nome: “Associação Nacional de censo, ornamentos, talismãs, fitas de música
Acupuntura”; “Centro Paulista de Biodança”, new age, etc. Exemplos: Almofariz Farmá-
etc. Exemplos: Associação Paulista de Tai- cia; Amuletos Astrológicos; Edlamar
chi-chuan; Ceata – Centro de Estudos de Moustafah: tendas árabes para feiras místi-
Acupuntura e Terapias Alternativas; Centro cas; Forma e Magia, ateliê esotérico; Jair de
de Eventos Educacionais e de Oliveira Produtos Naturais; New Age Via-
Autoconhecimento; Centro de Kenko Shioda gens e Turismo; Sankar Sana – distribuidora
– massagem quiroprática; Centro Nacional de artigos indianos; Zipak Livraria.
de Numerologia; Cepek – Centro de Pesqui-
sas e Estudos Kirlian; Escola Gea-Astrolo- III-O CALENDÁRIO
gia; Instituto Internacional de Projeciologia.
Grupo IV – Espaços individualizados: são Terceiro momento na busca de identificar
aqueles onde se oferecem uma ou mais mo- padrões recorrentes que subjazem à
dalidades de práticas neo-esotéricas, a cargo heterogeneidade das práticas neo-esotéricas,
de uma ou várias pessoas, mas sem identifi- a descoberta de uma regularidade nas ativi-
cação ou nome especial. Não apresentam uma dades desenvolvidas nos espaços estudados
proposta ou arranjo específico no interior do veio a mostrar que tais práticas pontuam de
universo do neo-esoterismo, nem organiza- forma sistemática o cotidiano de seus segui-
ção gerencial, mas uso comum das instala- dores. Algumas vivências e celebrações, lon-
ções, quando se trata de mais de um pro- ge de serem aleatórias ou episódicas, distri-
fissional. Abrangem desde a conhecida car- buem-se de forma regular e cíclica durante o
tomante ou massagista que atendem em suas ano, constituindo, por conseguinte, uma es-
casas até eruditos autodidatas para os quais o pécie de “calendário neo-esotérico”. A pes-
conhecimento na área não é exercido como quisa permitiu distinguir atividades e even-
meio de vida. Exemplos: “Faz-se mapa astro- tos anuais, mensais, de férias, semanais, de
lógico: Marlene”; “Liu Chi Ming, José Do- fim de semana e cotidianas. As práticas anu-
mingos Resende: Acupuntura e massagem”; ais dividem-se em três tipos:
“Lydia Vainer, astrologia e Valéria Pasta, a) as que se acoplam a determinadas datas
reflexologia”; “Michelle e Henri Feldon: cura do calendário religioso católico e do calendá-
através dos chakras”; “Pela primeira vez nes- rio civil – Natal, Primeiro de Ano, Dia da
ta cidade: Dona Laura, búzios e tarô”; “Profa Padroeira do Brasil – dando-lhes, porém,
Milena: Astrologia, Grafologia, Búzios e novos conteúdos:
Tarô”; “Quirologia, consultas individuais com
Celi Coutinho”; “Tânia e Mauro: Shiatsu”. “Neste Natal, dê um presente criativo! Você
Grupo V – Pontos de venda: em virtude só precisa nos passar os dados de nascimento
de seu caráter claramente comercial, são os da pessoa e ela receberá: um mapa astrológico
que mantêm com o universo do neo- indiano; uma fita gravada com a interpretação;
esoterismo uma relação mais pragmática que recomendação de pedras específicas para a
doutrinária. Apesar dessa característica não pessoa” (Instituto Ratna de Cultura Indiana).
se pode descartar, em muitos desses espaços,
um genuíno interesse de seus proprietários b) as que propõem novos eventos, como
ou funcionários pelos aspectos filosófico- as celebrações de solstício de verão e de in-
espirituais dos produtos vendidos e também verno, equinócio de primavera e outono:
pelos compradores, que se manifesta na for-
ma de aconselhamento e orientação de uso. “Junto com a entrada do Outono, vamos ce-
São constituídos por livrarias, farmácias ho- lebrar o Ano Novo Astrológico. Um ritual
meopáticas ou de ervas, empresas como agên- alegre onde você vai conhecer as previsões
cias de turismo eco-esotérico e produtoras de para o próximo ano, assimilar os ensinamentos
eventos, entrepostos de alimentos e produtos do último ciclo e se reprogramar para o pró-

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ximo. Traga flores e frutos. Grátis” (Espaço workshops, retiros, treinamentos intensivos,
Aruna Yoga). encontros, vivências. Alguns desses progra-
mas supõem a realização de viagens mais cur-
c) as que re-significam datas comerciais tas. A pesquisa acompanhou uma viagem a
como o Dia dos Pais, das Mães – enfatizando, Avaré/SP (Diwali – Festival das Luzes, Espa-
é claro, outras conotações – e ampliam o sig- ço Aruna Yoga), participou do Festival de Yoga
nificado de outras, até algum tempo pouco e Meditação, promovido pelo Espaço Ashana
conhecidas como a festa de Halloween. Esta Guru Ran (Serra da Cantareira, SP/capital) e
última, por exemplo, é celebrada não tanto registrou as performances do evento Spiritware
por suas evocações lúdicas mas por uma (bairro do Morumbi, SP/capital).
revalorização da bruxaria enquanto manifes- As atividades semanais são as que cons-
tação do poder feminino: tituem a programação regular e rotineira dos
espaços e instituições, como cursos, aprendi-
“O caminho de Morgana: A religião femini- zado e treinamento de técnicas específicas,
na e a teologia da Mãe Terra; a bruxaria, o sessões de terapia.
neopaganismo e o culto da Deusa no mundo As atividades de fim-de-semana são as
atual; lançamento do livro de Márcia Frazão, destinadas a atrair público para a programa-
‘Revelações de uma Bruxa’; poemas e contos ção regular dos espaços. Trata-se geralmente
da tradição celta, cantos celtas e cantigas de atividades pontuais, gratuitas, constituin-
mágicas das bruxas” (Alemdalenda). do ocasião propícia para divulgar os produtos
da casa, estabelecer contato entre novos e
As principais práticas de periodicidade antigos membros, estreitar vínculos de so-
mensal detectadas pela pesquisa foram as ciabilidade. Trata-se em geral de palestras,
celebrações ligadas às fases da lua, com espe- demonstrações de técnicas e métodos
cial predileção pela Lua Cheia. terapêuticos, projeção de vídeos, lançamen-
tos de livros, concertos.
“Nas noites de Lua Cheia, todos os meses, o As atividades cotidianas são aquelas que
Instituto Nyingma do Brasil realiza uma ceri- os seguidores desenvolvem em sua vida diá-
mônia de canto de mantra, das 20h00 às 21h30. ria, em casa, na dieta alimentar, nos cuidados
Atividade aberta ao público. Sugerimos que se com o corpo, saúde, devoção etc. Incluem o
ofereçam frutas, flores, velas ou incenso”; uso de incenso, prática de meditação, desfru-
te da música (new age, world, étnica, etc.),
“Meditação da Lua Cheia: Reunião pela har- técnicas de relaxamento e automassagem,
monia, paz e amor entre os homens. As reu- leituras, rituais privados. Não foram objeto
niões de 1995 já têm datas e horários marca- de observação durante a pesquisa. No entan-
dos. Consulte-nos e chegue com 15 minutos to, alguns espaços não deixam esse segmento
antes do horário, por favor” (Triom – Centro passar em branco:
de Estudos Marina e Martin Harvey).
“Novidade! Meio-dia esotérico: Palestras de
Por ocasião das férias escolares e nos 45 minutos para você aproveitar sua hora de
meses de verão os espaços esotéricos ofere- almoço! Para participar, não é preciso fazer
cem pacotes de viagens nacionais e inter- reserva: as vagas são das primeiras pessoas
nacionais para São Thomé das Letras (MG), que chegarem. Sempre às 12h15. Veja os te-
Chapada dos Veadeiros (GO), Índia, Peru, mas das palestras, assinalados com * ”
Espanha e muitos outros lugares constantes (DéjàVu – Espaço Esotérico, R. Peixoto
de um já tradicional roteiro de excursões eco- Gomide, 449, Cerqueira César).
esotéricas. A pesquisa participou de uma
excursão, promovida pela Agência de Turis- Este calendário – aqui mais sugerido do
mo Elo Cultural a São Thomé das Letras. que plenamente identificado – não constitui
Aproveitando feriados e fins-de-semana uma marcação do tempo hermética e exclusi-
prolongados, é comum a realização de va de supostos seguidores de seitas esotéricas,

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no sentido mais técnico do termo. Na realida- tuições já estabelecidas e buscando um dis-
de, é uma pontuação pública, sobreposta ou curso de fundamentação próprio” (Projeto de
alternativa a outros calendários, que recupera Pesquisa Sob Nova Direção: Práticas Mági-
outros sistemas de classificação para estabele- co-Religiosas na Cidade, 1992, pp. 6-7) .
cer cortes significativos no fluxo da vida coti-
diana. Mudanças no ciclo da natureza, nem Não há como negar, é bem verdade, as
sempre perceptíveis no ambiente de grandes marcas de modismo e consumismo que cer-
centros urbanos, como as fases lunares e o ci- cam o fenômeno, perceptíveis nos sucessos de
clo das estações, são especialmente enfatizadas. venda de alguns de seus produtos e visíveis
Essas mudanças são vistas e vividas como nos adesivos do tipo “eu acredito em duendes”.
ocasiões para expressão de emoções corres- O que a pesquisa vem perseguindo, entretanto,
pondentes. “Na verdade estamos ainda no final é distinguir os diferentes níveis de participa-
do ciclo do inverno, que representa um mer- ção nesse universo: se, de um lado, o aspecto
gulho para dentro. É a inspiração, ao contrá- mais marcadamente comercial do neo-
rio da primavera, que é expiração” (Valmira, esoterismo produz e tem como alvo um consu-
Espaço Kiokawa Cultural). As vivências re- midor ingênuo e indiscriminado, de outro é
alizadas nessas ocasiões – quando a festa é da possível identificar o adepto dessa ou daquela
primavera, por exemplo, há sempre muitas corrente, sofisticado e esclarecido.
flores, frutas, roupas claras e coloridas, mú- Entre esses dois pólos vai-se constituindo
sica apropriada (Vivaldi é sempre um hit) – um público formado por padrões regulares de
são sentidas como recuperação ou consumo (certo tipo de música, de livros, de
reelaboração de (supostos) antigos ritos. objetos), que cultiva hábitos alimentares tidos
como saudáveis e “naturais”, que está preocu-
CONCLUSÃO pado e despende tempo e recursos com práti-
cas destinadas ao desenvolvimento harmôni-
O mapeamento, a classificação e o calen- co de corpo e espírito dentro de uma visão
dário das práticas neo-esotéricas na cidade de “holística”, e que exercita sua espiritualidade
São Paulo – etapas de uma pesquisa em busca fora das igrejas e ritos convencionais.
de um primeiro ordenamento nesse heterogê- Não cabia, nos limites do presente texto –
neo e aparentemente desconcertante univer- dedicado mais a um panorama geral –, deta-
so – apontam na direção da hipótese central lhar as características do processo e descrever
do estudo, cujo objetivo é: o perfil de seu público. Fica claro, entretanto,
que é naqueles espaços – objeto do mapeamento
“[...] identificar e analisar a emergência de e classificação já mostrados – que tais padrões
padrões de comportamento que, como hipó- estão sendo elaborados e sedimentados.
tese, começam a caracterizar significativa- Lugares de divulgação de conhecimentos
mente a oferta e procura de bens na área das específicos, de aprendizado de técnicas, ofere-
práticas mágico-esotéricas no contexto das cimento de terapias, realização de rituais ou
grandes cidades, instituindo modos ou estilos vivências e até mesmo de encontro, sociabilida-
de vida diferenciados. De ‘alternativas’, es- de e lazer, reúnem pessoas que se descobrem
sas práticas passam cada vez mais a disputar buscadoras de novas respostas e que já não são
e ocupar um espaço visível e legítimo, orga- vistas como portadoras de um comportamento
nizando-se, para tanto, em moldes empresa- excêntrico, mas de um estilo de vida peculiar e
riais, procurando alianças com outras insti- bem definido no contexto da cidade
BIBLIOGRAFIA

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