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Apresentação

DN os primeiros anos da década de 1960, surgiu Tanto a psicologia como a Igreja faziam um con-
uma nova corrente psicológica que se autode- vite para pesquisar e incorporar as descobertas das
nominou psicologia humanista. Seu principal ciências humanas, concretamente da psicologia, a
representante, A. Maslow, assinalava: fim de melhorar a qualidade de vida humana e cristã.
As coisas porém não haviam começado ali. Deve-se
Estamos aprendendo que a existência sem um sis- buscar as origens desse trabalho muito antes, no nas-
tema de valores é patogênica. O ser humano neces- cimento da psicologia da religião, quase na própria
sita de uma trama de valores, de uma filosofia da origem da psicologia científica.
vida, de uma religião ou de um substitutivo da reli- O que aconteceu neste mais de um século de exis-
gião de acordo com o qual viva e pense, da mesma tência da psicologia da religião? Quais foram suas
maneira que necessita da luz solar, do cálcio ou do conquistas? Quais suas transformações? Essa é uma
amor (MAsLOW, 1983, p. 271). história que ainda não está suficientemente escrita,
embora uma passagem por ela nos permita com-
Na mesma época a Igreja católica, ao analisar preender melhor muitas de suas conquistas e dificul-
suas relações com o mundo no Concílio Vaticano II, dades. Em todo caso, após mais de cem anos de pes-
afirmava: quisas, enfrentamentos e diálogos com outros cam-
pos afins, a psicologia da religião pode apresentar
Na pastoral sejam suficientemente conhecidos e usa- uma grande quantidade de contribuições úteis para
dos não somente os princípios teológicos, mas tam- a compreensão da religiosidade do ser humano, con-
bém as descobertas das ciências profanas, sobretudo tribuições muitas vezes parciais, dispersas em múlti-
da psicologia e da sociologia, de tal modo que tam- plas pesquisas, carentes de um paradigma único que
bém os fiéis sejam encaminhados a uma vida de fé nos permita integrá-las harmonicamente... sendo
mais pura e amadurecida (Gaudium et spes, n. 62). por isso difícil encontrar autores que hoje se arris-

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ter geral e de sin- visão global tanto para o conhecimento teir;
quem a redigir obras com um cará para a atividade psicológica ou pastoral ão
Como
forma sucinta e O
tese. Assim, este livro apresenta de mão peço desculpa aos leitores pelos bei O
hecimentos ain-
mais ordenadamente possível os con o acúmulo de Gon Imen-
de maneira tos que podem causar
da parciais que possuimos desse campo, etc., mas esse é o e aes.
queiram ter tudos, pesquisas, autores
que se tornem úteis a todos aqueles que todo caso ca da
ições. Esta dispersão das contribuições. Em impo si pe
um conhecimento global de suas contribu concretos, creio que
o
aos estu- os dados
apresentação, portanto, é dirigida não só ame
ter uma seu fio condutor.
diosos, mas também aqueles que pretendem

IQ
pata conhecer
à psicologia
da religião

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Estatuto da psicologia da religião

1. À psicologia da religião da religião. Desde seu nascimento, este é um campo


suspeito. Enquanto é acusado por alguns de irreli-
) m ponto de partida que parece evidente quan- gioso, outros, as exceções, consideram que deve ser
do pretendemos estudar um campo do conhe- desenvolvido a partir das instituições religiosas. Daí
cimento é perguntarmos de que se trata. Por o surgimento de algumas obras intituladas “psicolo- 1
isso começarei descrevendo muito brevemente em gia religiosa”, termo que hoje se nos apresenta com
que consiste a psicologia da religião para posterior- um certo ar confessional.
mente falar de sua história, apresentar, na medida Este objetivo, o estudo do fato religioso por par-
do possível, suas contribuições etc. Mas o que pode te da psicologia, com notáveis transformações teó-
parecer óbvio e até supérfuo em outros campos nes- ricas e metodológicas, perdura até nossos dias, e é
te se faz absolutamente imprescindível, porque de nele que concentraremos nossa atenção. Por volta
sua denominação em diante os acordos sempre vi- dos anos 1960, essa onentação viu-se enriquecida com
ram-se recheados de desacordos, os enfoques mui- uma nova forma de apresentar as coisas, que passou
tas vezes alentados por interesses mais ou menos es- à literatura como o enfoque “psicologia e religião”
púrios... e a falta de um único paradigma de com- (PARSONS, JONTE-PACE, 2001, p. 2-9). Essa nova onenta-
preensão permitiu uma grande riqueza, mas também ção pretende não estudar a religião a partir da psi-
discussões estéreis. À própria denominação “psi- cologia, mas um diálogo mútuo. Um diálogo difícil,
cologia da região” lhe dá uma orientação concreta mas que encontra seu ponto de união na “busca de
(HenkiNG, 2001, p. 61-62). sentido do ser humano”, como dizia o texto de Mas-
A psicologia da religião nasce na década de 1880. low citado acima, para a qual ambas as realidades
Seu nascimento está associado a autores como Star- pretendem dar resposta.
buck, Wundt, James, Leuba, Freud, Jung... e carae- É um período no qual escritores muito diferentes,
teriza-se por ser a aplicação da psicologia ao estudo com públicos muito distintos, trabalharam simulta-

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neamente a partir de cenários diversos. Um desses teresses, e resultou em orientações aparentemente tão
cenários estendeu-se entre a psicologia e a teologia, afastadas do tronco inicial como a corrente da “psico-
em torno do pré e do pós-Concílio. E não só nem logia como religião”, tão confessionais como a “psi-
preferencialmente entre o catolicismo e a psicologia, cologia religiosa” ou tão concentradas na aplicação
mas entre o judaísmo e o cristianismo em geral e a das contribuições da psicologia à ação pastoral como
psicologia, especialmente a psicanálise e as corren- a “psicologia pastoral”.
tes humanistas. Durante esse tempo, alguns teólo- No desenvolvimento do assunto tentarei perma-
gos e filósofos, como P. Tillich, M. Buber, R. Nieh- necer fiel a esse tronco incial comum da psicologia
buhr, P. Ricoeur, K. Rahner etc., enfrentaram essa da religião, embora, como é facilmente compreensi-
tarefa utilizando o diálogo e o que P. Tillich deno- vel, os limites não sejam tão definidos de modo que
minou método correlacional. Essa atmosfera intelec- não apareçam contribuições e orientações que po-
tual e cultural foi particularmente criativa e produziu deríamos incluir em nosso trabalho, e tampouco é mi-
grandes frutos na renovação da pastoral, desenvol- nha intenção não as incluir. Em todo caso, a opção de
vendo uma nova área de aplicação da psicologia: a concentrar nosso estudo na psicologia da religião
psicologia pastoral. leva-nos necessariamente a nos deter na relação en-
Um segundo cenário foi e é o diálogo com outras tre os dois termos, “psicologia” e “religião”, para per-
religiões e culturas para além da tradição judeo-cris- ceber como o segundo se submete ao primeiro, qua-
192 tã. É um diálogo que gerou o que poderíamos cha- lificando-o. Esse é um campo fundamentalmente
para conhecer psicológico, que participa dos métodos próprios das
a pucologia
mar de psicologia religiosa comparada. A perda de
da religião credibilidade por parte de alguns setores do cristia- ciências humanas.
nismo, os movimentos de protesto e busca dos anos A psicologia, essa jovem ciência nascida no final
1960 — como o existencialismo e o movimento hip- do século XIX do ímpeto de W. Wundt — que a se-
pie —, o crescente interesse no Ocidente pelo budis- parou da filosofia ao dotá-la de um método científico
mo e pelo hinduísmo etc. contribuiram para o desen- inicial —, viu-se ela mesma diante da pergunta sobre
volvimento desse diálogo. seu objeto e seu método para estudá-lo. Em que sen-
Tudo isso é o que progressivamente foi fazendo tido pode-se dizer que é uma ciência? Os distintos
que algumas orientações da psicologia se apresen- autores e as diferentes escolas darão respostas dife-
tassem como uma alternativa à religião na busca de rentes, muitas vezes opostas e irreconciliáveis entre
sentido. É o que alguns autores vieram a denominar si, mas todos construirão diferentes formas de aproxi-
“psicologia como religião” (Vrrz, 1977). Esse tipo de mação e compreensão do ser humano com preten-
psicologia não busca estudar os fenômenos religio- sões de objetividade. Alguns destacarão o estabele-
sos, mas se apresenta como uma oferta não-institu- cimento da psicologia como uma ciência empírica,
cional de espintuahdade. que tenha um objeto de estudo observável e quant-
Assim, o que inicialmente nasceu como o estudo, ficável (por exemplo, o comportamento). Outros jul-
por parte da psicologia, do fato religioso, a psicologia garão que seu objeto deva ser a dimensão espiritual,
da religião, foi se ampliando em seus enfoques e in- a psique, a alma, o princípio que faz o homem ser

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propnamente o que é, e rejeitarão os objetos “quan- fica na vida do homem, que consiste em como as pes-
uficáveis” que não chegam a dar conta da realidade soas enfrentam os problemas últimos da vida. Nesse
humana: suas motivações, estruturas profundas, ca- segundo caso, a definição de religião, mais que uma
pacidade de compreensão da realidade etc. (BUNGE, missão delimitadora, seria interpretativa, pois será a
ARDILA, 1988; PALLARES, 1984, p. 7). Esse não é o objeto partir da função que realiza que se chegará à formu-
direto de nosso estudo, mas seu pano de funde, no lação do conceito “religião”. Cada uma dessas pers-
qual nasce e se desenvolve nosso campo. Por isso pectivas tem vantagens e inconvenientes no momen-
dedicarei a primeira parte deste trabalho a situar os to de enfocar nosso estudo sobre ela.
grandes autores em seu contexto histórico. Uma vantagem importante da aproximação a par-
tir de uma definição substantiva é sua precisão. A re-
ligião fala de uma realidade especifica, que se refere
a Dificuldades para delimitar o ao que normalmente dizemos quando falamos de re-
objeto a ser estudado: a religião ligião. Isso permite delimitar os aspectos diferentes
da vida religiosa que nos propusemos a estudar. No
Outra questão distinta que vai condicionar a tarefa entanto, algumas precisões feitas a partir de uma con-
da psicologia da religião é a delimitação de nosso ob- cepção substantiva tornam-se um pouco ilusórias.
Por exemplo, tentar formular uma definição sobre o
jeto de estudo: a religião.
Um primeiro problema é dado pelo papel que lhe que entendemos por divindade que seja aplicável a
13
capítulo |
é designado na natureza humana. À religião respon- todos os homens e a todas as religiões sem correr o
de a um desejo comum da humanidade ou, ão con- risco de projetar nossa concepção ocidental sobre
trário, não é mais que um produto histórico, fruto da outras concepções religiosas. Uma segunda crítica às
cultura, da economia etc., com uma função social e concepções substantivas da religião é que são uma
psicológica concreta? Entretanto, para além de seu compreensão estática dela. Dizem-nos o que éa reli-
papel, existe uma pergunta de fundo: o que entende- gião, mas não como funciona.
mos por religião? Diante dessa questão surge a dis- Diante dessa concepção substantiva, os autores
juntiva de orientar o trabalho a partir de uma defini- que defendem uma aproximação funcional da religião
ção substantiva ou funcional da religião (BtancHI, 1972; também devem enfrentar alguns inconvenientes im-
PARGAMENT, 1997, p. 25-29). portantes. O ponto de vista funcional, ao compreen-
De acordo com a primeira perspectiva, o sagra- der a religião como aquilo que nos serve para enfrentar
do é o que distingue a religião. A religião se preocupa as questões últimas ou que é fonte de sentido, converte
com Deus, as divindades, os seres sobrenaturais, as
a religião em algo tão aberto que pode abarcar uma
forças transcendentes... Essa concepção do que é imensidade de fenômenos, como a filosofia, os espor-
a religião delimita desde o início o que se entende tes, as ideologias políticas etc. O fato é que se pode
como tal e, portanto, o que permite diferenciar o fato diluir o significado do religioso porque, embora mui-
religioso de outros fatos humanos. Na segunda pers- tos sistemas preocupem-se com os problemas últi-
pectiva, a religião distingue-se por sua função especi- mos, as diferenças entre eles são muito importantes.

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Assim apresentadas as coisas, cabe perguntar: A religiãoé uma relação vivida e praticada com o ser
qual o caminho a seguir? Pode-se observar um fato ou os seres supramundanos nos quais se cré. A re-
como tal e diferenciá-lo de outros sem delimitá-lo ligãão, consequentemente, é um comportamento e
previamente? Na prática, creio que é necessário par- um sistema de crenças e sentimentos (THOULESS,
tir de uma definição substantiva que permita dis- 1961, p. 3-4).
tinguir o fenômeno que pretendemos estudar, mes-
mo sabendo que a aproximação a esse objeto, so- Essa formulação nos permite compreende-la co-
bretudo se é tão amplo e complexo como a religião, mo uma realidade na qual entram em jogo a totali-
deve nos fazer conscientes da dificuldade dessa de- dade do homem, seus distintos aspectos (afetivos,
limitação, que deve ser permanentemente matizada racionais e comportamentais) e sua dimensão de
e revisada. Levar em conta que a religião não é algo transcendência, de relação dialogal.
estático, uma vez que cumpre uma função no ser E a definição de Juan Martin Velasco:
humano que há de ser levada em conta no momen-
to de seu estudo por parte da psicologia. Voltarei a À religião é um fato humano complexo e específico:
isso mais tarde. um conjunto de sistemas de crenças, de práticas, de
Uma segunda dificuldade apresenta-se quando simbolos, de estruturas sociais por meio das quais o
nos perguntamos se existe um conceito de religião homem, nas diferentes épocas e culturas, vive sua
14 que possa ser considerado universal e igualmente relação com um mundo especifico: o mundo do sa-
Dara conhecer grado. Esse fato caracteriza-se por sua complexida-
aplicável a todas as religiões concretas ou, ao con-
a pscologa
o n trário, se elas são tão plurais e variadas que se torna de — nele põem-se em jogo todos os níveis da cons-
impossível compreendê-las com um único concei- ciência humana — e pela intervenção de uma in-
to. Como consequência dessa dificuldade de articu- tenção específica de referência a uma realidade su-
lar uma definição de religião que sirva para todos, perior, invisível, transcendente, misteriosa, da qual
encontramo-nos diante da opção entre uma defini- se faz depender o sentido último da vida (VELASCO,
ção ampla ou precisa. Pode-se articular uma deh- 1982, p. 75-76).
nição tão ampla e generalizável que diga muito pou-
co do fato que se pretende estudar — caso da def- Essa formulação complementa a antenor a partir
nição de E. Tylor quando afirma que a religião é “a da fenomenologia ao contribuir com a dimensão so-
crença nos seres espirituais” (apud EVANS PRITCHARD, cial e cultural.
1984, p. 14-15), ou tentar restringir tanto que fiquem No entanto, como assinalava mais acima, o fato
excluídos fenômenos que, todavia, devem ser enten- de que partimos de uma delimitação do fenômeno a
didos como religiosos. ser estudado não significa que devemos esquecer sua
A partir dessas dificuldades, tornam-se úteis para função. Se da concepção substantiva assumimos
mim algumas definições fornecidas por psicólogos sua referência ao sagrado, à divindade, ao último...
e fenomenólogos da religião. Entre elas, em primeiro a concepção funcional nos mantém alerta para não
lugar, cabe citar a de Thouless: esquecer o aspecto de busca do importante, do abso-

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luto, que se dá no homem religioso (PARGAMENT, 1997, o fato religioso. Junto à fenomenologia da religião,
Pp. 29-30; 1999, p. 12-14). Isso é o que leva K. I. Parga- que pretende um estudo sintético e global, existem
menta definir a relgnão como “uma busca de sentido outras ciências que o analisam a partir de distintas
em relação com o sagrado”, numa tentativa de rela- perspectivas, como a história das religiões, a so-
cionar as orientações funcionais e substantivas da ciologia da religião e nosso campo, a psicologia da
psicologia da religião. Funcionalmente, a religião é religião, cujo objeto é o homem na qualidade de re-
uma busca de sentido, mas nem toda busca pode ser ligioso: suas motivações, seus desejos, suas expe-
qualificada de religgosa. O que distingue a busca re- riências, suas atitudes etc., expressos em seus com-
ligiosa de outros tipos de busca é a referência ao sa- portamentos (VELASCO, 1978, p. 75-79; MILANESI, ALETTI,
grado. Essa é a substância da religião, o que a distin- 1974, p. 14-17; VERGOTE, 1971, 1, p. 423-431; 1983, p. 8-33).
gue de outros fenômenos humanos. Isso supõe que não se reduz apenas ao estudo do ho-
Finalmente, antes de avançar e embora muito bre- mem que se confessa crente, mas tem como objeto
vemente, devo referir-me a algumas compreensões todo homem, crente ou não, em sua referência ao re-
redutivas da religião que aparecem nos debates que ligioso; e o faz com um caráter dinâmico, enquanto
neste momento se estabelecem quando os psicó- essas vivências tiverem um desenvolvimento na vida
logos, especialmente norte-americanos, querem do indivíduo e forem configurando-se junto com
evitar o termo “religião” e substituí-lo por “espiri-
tualidade”, Nessas discussões, quer se evitar o ter-
sua personalidade (VERGOTE, 1983, p. 28-29). Assim, O
objeto de estudo da psicologia da religião é tanto a
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mo “religião” porque nele se acentua uma concep- experiência religiosa do homem que se confessa
capítulo |

ção reduzida aos aspectos institucionais, rituais, crente como o fenômeno da incredulidade ou indi-
ideológicos e sociais ou aos aspectos mais alienantes ferença religiosa. Sua pergunta sobre a dimensão re-
e negativos; e utiliza-se o termo “espiritualidade” ligiosa do homem concretiza-se do mesmo modo
para indicar os aspectos mais pessoais, experien- quando se pergunta como e por que determinados
Ciais, criativos e realizadores do ser humano (ParGA- homens tornam-se crentes como quando se per-
MENT, 1999, p. 5-6). Sem ânimo para entrar nesse de- gunta como e por que outros passam a engrossar as
bate, que aqui não tem lugar, parece, sim, oportuno fileiras da indiferença ou do ateísmo.
assinalar que por trás do termo “religião” quero in-
cluir a totalidade de seus aspectos: pessoais e so-
ciais, positivos e negativos... c Ausência de um paradigma
único na psicologia da religião

b. Objeto da psicologia da religião Também parece oportuno assinalar nesta breve in-
trodução como a pluralidade de teorias e movimen-
Uma vez abordado o termo “religião”, é possível per- tos da psicologia em geral tem como consequência
guntar sobre o objeto da psicologia da religião e sua na psicologia da religião a falta de um paradigma
relação com outros saberes positivos que estudam global e único de pesquisa e de compreensão do fe-

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nômeno. Tal fato, que se torna uma dificuldade no À articulação dessa realidade supõe, como toda
momento de apresentar conclusões, tem no entanto experiência humana, dois níveis, um pré-racional,
o valor de permitir-nos uma visão não-reducionista mais intuitivo e emocional, e um segundo momen-
de um fenômeno complexo. to no qual se articulam os conteúdos dessa expe-
Essa afirmação, que se pode estender a todos os riência de forma razoável e referendada por uma
países, não impede que, em linhas gerais, comparan- forma de vida.
do os psicólogos da religião norte-amencanos com os Por sua natureza, a vivência religiosa é exprimível
europeus, possamos dizer que os primeiros orientam- apenas de maneira aproximativa, por meio de dis-
se mais em direção a estudos expenmentais — com o tintas linguagens simbólicas encarnadas em rea-
perigo denunciado por alguns autores de comparar lidades culturais diferentes.
variáveis sem um projeto global, transformando esse Essa relação supõe transcender sua realidade ima-
ramo da psicologia num acúmulo de dados irrelevan- nente e abnr-se ao Radicalmente Outro, ao Abso-
tes —, enquanto os europeus inclinam-se mais pelos luto, o que a faz ser especificamente religiosa. Isso
estudos fenomenológicos e dinâmicos, que correm o não é assumido por todos os autores, já que al-
nisco de uma falta de validação (Hoop et al., 1996, p. 448). guns, como E. Fromm, generalizam o termo “re-
ligião” a toda mística humanista.
I6 O encontro com a realidade última aparece como
para conhecer d. Condusão resposta à necessidade de sentido para sua vida. É
a psicologia portanto fonte de estruturação e direcionamento
de religião
Do que foi desenvolvido até agora cabe concluir: concreto. Assim, a psicologia da religião deve ser
genética e dinâmica.
1 Avivência religiosa, tal como a experimenta o in- Essa realidade inexpnimivel é vivida não só na pró-
divíduo, é uma vivência psíquica relacional que pra intimidade, mas compartilhada com outros:
supõe dois pólos: o homem religioso e um indivi- expressa-se em grupo, tem uma dimensão social.
duo distinto, real e experimentável, o Totalmente A vivência religiosa, na maionia dos casos, rece-
Qutro, Deus, que se apresenta ao homem com be-se, desenvolve-se e vive-se em diálogo com ou-
vontade salvífica. tros crentes, possuindo formas de expressão social
9 O homem religioso não percebe essa relação co- como a oração comum, as celebrações litúrgicas,
mo uma realidade a mais nem como uma dimen- as formulações doutrinais, as estruturas organi-
são da personalidade que não tenha a ver com o zativas das distintas confissões... Reduzi-la ao
resto, mas como algo que conceme à totalidade campo do subjetivo supõe por isso um nisco de
de sua pessoa. cerceá-la, o que infelizmente foi muito frequente
3. Avivência religiosa é uma realidade psíquica com- na psicologia da religião.
plexa na qual se integram sentimentos, atitudes
+
e razões. ti

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92. O psicólogo da religião e absoluto da existência da divindade, nem reduzir
diante do fato religioso a religião a um fenômeno puramente humano, que a
faça cair num psicologismo (MCCARTHY, 1982, p. 380-
Esse caráter dialogal da experiência religiosa convi- 383; VERGOTE, 1983, p. 19-20).
da a uma breve reflexão sobre a posição que o psi-
cólogo deve ter diante do fato religioso (VERGOTE, 1971, 92. Benevolência: a segunda exigência, que se ori-
p. 425-431, 40685.; 1975, p. 15-22). É comum que a psico- gina da neutralidade e que a mantém no campo es-
logia da religião abandone seu objeto primordial, o tritamente psicológico, supõe não esquecer a inten-
homem enquanto religioso, para converter-se numa cionalidade referencial do homem enquanto reli-
prova ou refutação da existência daquele que é o gioso: a afirmação ou negação da relação com o
outro pólo do diálogo: Deus. Por isso, ainda que nin- Totalmente Outro.
guém possa prescindir totalmente de sua posição O homem em sua dimensão religiosa sente-se
pessoal em relação ao fato religioso, desde o come- como uma consciência aberta ou fechada ao misté-
ço da história da psicologia da religião o psicólogo no, e não levar isso em conta é parcializar e mutilar
T. Flournoy assinalava que o psicólogo da religião a realidade que se tenta estudar, Por exemplo: os n-
estava obrigado a colocar entre parênteses sua po- tos podem estar cheios de expressividade, de con-
sição pessoal em beneficio de uma maior objetivi- teúdos simbólicos, quando se entra na intenciona- 17
dade, o que, nas palavras de A. Vergote, denomina-se lidade do que as realiza, mas o psicólogo pode es- capitulo |

uma atitude de “neutralidade benevolente e crítica” vaziá-los desse conteúdo, não compreendê-los em
(ALETTI, 1984, p. 204-205; ARGYLE, 1966, p. 11-14; DACQUINO, absoluto, considerando que são expressões absurdas
1982, p. 33-36; VERGOTE, 1971, p. 466-469). O que se en- ou doentias, ou reduzi-los a seu aspecto folclórico
tende por isso? (BERG, 1963, p. 12-13). Definitivamente, ao se tomar
como objeto de estudo uma dimensão profunda do
1. Neutralidade: o papel do psicólogo da religião homem como é a experiência religiosa, observável
não é julgar a possibilidade de existência dessa rea- unicamente a partir de suas manifestações expressi-
lidade última que transcende o homem, da divinda- vas (nitos, gestos, credos...), é necessário entrar num
de à qual o homem religioso refere-se e o ateu nega; processo de empatia com o homem que a vivencia,
tampouco da validade ou falta de validade teológica o que permite ao psicólogo que estuda esses fenó-
do conteúdo de uma determinada experiência. De- menos compreender o conteúdo simbólico do qual
ve-se fazer uma exclusão metodológica do transcen- as expressões são portadoras, a fim de poder en-
dente. Deve-se colocar entre parênteses a existência tender a vivência que tentam comunicar.
efetiva de Deus, pois por definição não pertence ao
campo do psicólogo. Não é sua missão afirmar a ver- 3 Juizo psicológico de verdade: a atitude de neutra-
dade ou a falsidade de determinada posição ou cre- lidade e benevolência não deve levar a psicologia à
do religioso, convertendo a psicologia em juiz último impossibilidade de todo juízo sobre a verdade ou o

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valor psicológico de um determinado comporta- 3. Método da psicologia da religião
mento ou experiência religiosa. A psicologia da re- e instrumentos que utiliza
ligião não reduz seu papel a uma mera descrição
do fato religioso, mas deve fazer um juízo de valor A psicologia da religião, como parte da psicologia
sobre ele. Deve avaliar o comportamento humano geral, serve-se de seu próprio método, particular das
compreendendo as vivências religiosas e discernir ciências humanas. Propõe-se a Inventariar os com-
seu nível de maturidade, sanidade etc., não a par- portamentos religiosos, explorar as diferenças sig-
tir de apnorismos filosóficos sobre a existência ou nificativas, compreender as relações com outros fe-
não-existência de Deus, ou teológicos relativos à or- nômenos humanos, conhecer as estruturas internas
todoxia ou a heterodoxia de determinadas afirma- das experiências e dos comportamentos religiosos,
ções, mas a respeito das causas que fazem que esse discernir a atitude religiosa aparente da autêntica e
homem concreto seja religioso ou não e sobre as mo- formular hipóteses compreensivas da dimensão re-
tivações que o movem, e a coerência e a maturidade ligiosa do homem (MILANESI, ALETTI, 1974, p. 10-14,
que presume em sua vida. VERGOTE, 1971, p. 432ss.; 1983, p. 16-19). Com esse obje-
O juízo normativo de verdade não diz respeito à tivo serve-se num primeiro momento da observação
“verdade” do fato religioso, mas às motivações que o direta, por meio de auto-observação, da observação
18 originam e às consequências que comporta para à de comportamentos religiosos e confissões de indi-
para conhecer vida do sujeito, devendo avaliar entre a verdadeira e víduos que narram suas experiências religiosas (estu-
a psicologia a falsa religiosidade. Para isso, A. Vergote aponta cn- dos de autobiografias, experiências místicas etc.), da
da religião
térios de três ordens: a análise das motivações e in- análise de casos clínicos... a fim de descrever e tpif-
tenções, o contexto social do sujeito sobre o qual o car os fatos e formular algumas hipóteses explicati-
psicólogo faz a sua própria avaliação e o sistema de vas; para, num segundo momento, sem abandonar à
referência da religião concreta na qual se situam os observação direta, tentar comprovar essas hipóteses
comportamentos do homem religioso (VERGOTE, 1975, por meio de questionários que procuram quantificar
p. 19-24; 1983, p. 20-21). estatisticamente (ARGYLE, 1966, p. 15-22; VERGOTE, 1975,
Como se verá na prática, deslindar esses campos p. 14-15, 19-20), de testes psicométricos, que permitem
nem sempre é fácil, e frequentemente ao longo da comparar individuos em relação a uma caracterist-
história desqualificou-se a experiência religiosa afir- ca determinada, de testes projetivos, que permitem
mando que é patológica ou se a defendeu sustentan- descobrir as motivações profundas dos comporta
do que é a única forma de ser plenamente homem. mentos, de estudos experimentais etc.

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primeira parte

A. psicologia da religião no
contexto da história da psicologia

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capítulo q

Precu ISOTES

( om a fundação do primeiro laboratório de psi- te e anuncia na introdução seu plano de trabalho


cologia experimental por Wundt em 1879 dá-se para o futuro, que procurará:
um passo decisivo para a constituição da psi-
cologia como ciência experimental, independente * criar uma psicologia experimental;
da filosofia. Mais dificil é assinalar o nascimento da « dar forma a uma metafisica científica; 21
psicologia da religião, mas provavelmente a primei- * estudar a psicologia dos povos.
ra grande obra que pode servir como referência é
Variedades da experiência religiosa, de W. James, pu- Em 1873-1874 publica o resultado de suas aulas
blicada em 1902. no livro que será a origem da psicologia moderna:
Fundamentos de psicologia fisiológica, publicado em
duas partes. Em 1879 funda em Leipzig o primei-
ro laboratório de psicologia experimental. Em sua
tentativa de fazer da psicologia uma ciência, quer
1. O nascimento da psicologia
científica: W. Wundk (1832-1920) conhecer os elementos que contêm a consciência
e sua estrutura, relacionando-os no que for possí-
Nascido em Mannheim, em 1832, filho de um pas- vel a processos fisiológicos. Para isso, utiliza como
tor luterano, vive uma infância dedicada fundamen- método a introspecção, e pretende medi-los sem-
talmente ao estudo. Em 1856, doutora-se em medhi- pre que possível.
cina pela Universidade de Heidelberg e muda-se
Na psicologia, o homem examina-se por dentro e, ao
em 1858 para Berlim, onde trabalha com Helmholtz.
Em 1862, publica Contribuições à teoria da percep- fazê-lo, esforça-se por esclarecer a coordenação de
ção sensorial, na qual expressa a necessidade de que tudo o que descobre (WuxDT, Fundamentos de psicolo-
a psicologia se constitua como ciência independen- gia fisiológica, 1874).

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No pensamento de Wundt sobre a religião con- 9. A escola de psicopatologia francesa
ftuem distintas correntes de seu tempo: da teologia (Críticos e defensores da vida religiosa)
alemã da época assume que a religião mora no sen-
timento e dele emana (Wuxpr, 1990). Essa teologia, Entre os alunos e colegas de Charcot, P. Janet (1859-
a partir do conceito protestante da sola fide, do pie- 1947) foi o que mais contribuiu para a psicologia da
tismo e da filosofia kantiana, despoja a experiência religião. Desenvolveu uma teoria compreensiva da re-
religiosa de seus aspectos intelectuais para des- ligião a partir de estudos de caso de estados reli-
tacar o caráter afetivo, entendido como sentimento, giosos extraordinários, entre os quais sobressaiu o
e sentimento de dependência, como a intuição da de “Madeleine”, uma paciente do Salpetniêre entre
existência do infinito no Ânito, que cada um viven- 1896 e 1904 com quem Janet manteve correspondên-
cia de forma pessoal e distinta. Como homem cien- cia quase diária por mais de quatorze anos (JanET,
tífico, influenciado pela filosofia positivista e pela 1991). Madeleine apresentou uma série de sintomas,
teona da evolução, está convencido de que a religião como uma forma peculiar de andar, devido a uma
pode ser entendida unicamente a partir da evolu- contratura dos músculos das pernas, uma série de es-
ção histórica dos povos. Segundo essa concepção, tados místicos, certo grau de união extática com
os povos primitivos vivem formas atávicas do de- Deus durante a qual permanecia imóvel, com os bra-
29 senvolvimento. À partir desse pressuposto, Wundt
acredita que a psicologia comparada pode dar aces-
ços em cruz, estados de ausência de dor, algumas
vezes estigmas... Após analisar esse quadro clínico e
a psicologia
da religião
so aos mistérios psicológicos da religião. Wundt es- compará-lo com os grandes místicos cristãos, espe-
no contexto tuda esse tema em sua obra, em dez volumes, Psi- cialmente com Santa Teresa de Ávila, concluiu que
da história da cologia dos povos, na qual aborda problemas que não sob uma falsa consciência mistica existia um caso
psicologia
podiam ser abordados pelo método experimental de psicastenia (neurose obsessivo-compulsiva).
e estavam determinados por condições históricas e A avaliação da religiosidade feita por Janet foi
leis psicológicas: linguagens, mitos, costumes etc. continuada e desenvolvida por outros autores france-
(WUNDT, 1990). ses, que identificaram o musticismo com um ou outro
Assim, para Wundt, a religião tem sua origem em tipo de psicopatologia. Esse foi o caso de T. Ribot
processos emocionais, principalmente o medo. Nela (1839-1916), discípulo e sucessor de Janet, e um dos
há distintas etapas: crença na magia e nos demô- fundadores do movimento positivista da psicologia
nios, idade do totemismo; dela passa-se ao culto ao francesa. Ribot afirmava que a emoção religiosa in-
antepassado humano; daqui ao culto ao herói e pos- tensa, que se manifesta de forma depressiva ou me-
teriormente aos deuses; para chegar a uma etapa f- lancólica nos indivíduos obsessivos com sentimento
nal, a idade humanista, caracterizada pelo universa- de culpa e medo, ou de forma exaltada, com estados
lismo religioso (BERG, 1963, p. 39-43; EVANS PRITCHARD, transitórios de intensos sentimentos amorosos, devia
1984, p. 68-69; ZUNINI, 1977, p. 19-20). ser considerada patológica,
du
E. Murisier (1867-1903), psicólogo e filósofo suiço,
completou seus estudos teológicos em 1882 com uma

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tese em psicologia da religião, depois de estudar um cessos fisiológicos e psicológicos de forma excepcio-
ano com Ribot em Paris (MuxistEr, 1901). Como seu nal, inclusive dos automatismos e intuições do sub-
mestre, manteve a existência de patologia ao analisar consciente, na transformação total de sua personali-
os elementos constitutivos do sentimento religioso dade. Assim, longe de ser um exemplo de empobre-
extremo. À patologia da emoção religiosa, disse Mu- cimento, dissociação ou psicose, as sucessivas etapas
nisier, apresenta duas tendências: uma devido a ca- da vida do místico representam uma nova e criativa
racterísticas pessoais e outra a elementos sociorre- forma de existência.
ligiosos. Quando se exagera no elemento pessoal, Assim como os trabalhos de Delacroix, também
temos o místico, no qual se manifestam perturbações obtiveram total aceitação nos círculos católicos os
físicas e ssmplificam-se gradualmente as idéias e a de ]. Maréchal, J. Pacheu e M. de Montmarand, que
vida até a negação absoluta. Quando se exagera o publicaram distintos estudos psicológicos em res-
elemento social, temos o fanático, que alcança a expe- posta aos anteriormente assinalados. Esses escritores
rência de unidade por identificar-se com um grupo católicos afirmavam ser necessário distinguir os gran-
ou comunidade e por aceitar cegamente seu ensina- des místicos dos menores, o cristão do não-cristão,
mento e sua direção. A partir desses extremos, acredi- bem como o católico ortodoxo dos demais. Entre uns
tava que se podia compreender melhor a religiosida- e outros, apesar das semelhanças, aparecem pro-
de normal. Por outro lado, Murister também admitia fundas diferenças quanto ao seu equilibno e à sua 23
que a religiosidade proporciona estabilidade social, produtividade. Também entticavam a arrogância de capítulo 2

graças à adaptação individual, e permite o cresci- determinadas explicações teóricas, sustentando que
mento e a manutenção da cultura e da moralidade. a psicologia não pode chegar a compreender total-
Ainda que, em princípio, a hipótese patológica mente a experiência mística. Finalmente argumenta-
ram que, por causa da presença de Deus nesses fenó-
se aplicasse apenas a tipos extraordinários de reli-
menos, somente a filosofia e a teologia são compe-
giosidade mística, alguns autores objetaram com
tentes nessa discussão.
contundência sua generalização a todo tipo de reli-
A resposta católica ao desenvolvimento de uma
giosidade. Um deles foi o psicólogo H. Delacroix
o mis- psicopatologia da religião não se limitou à crítica,
(1873-1937), que num estudo clássico sobre
uma mas realizou uma série de pesquisas positivas em
ticismo (DELACROIX, 1908) argumentava que para
psicologia da religião. Particularmente notável é a
compreensão sobre o que é essencial no misticismo
publicação da revista Études Carmélitaines, fundada
cristão requer-se um estudo cuidadoso dos gran-
des místicos. Em seus estudos sobre Santa Teresa, em 1911 e mantida até 1936, ano em que se interrom-
Madame Guyon, São Francisco de Sales, São João peu sua publicação, recomeçada mais tarde, depois
da Cruz e Henrique Suso, Delacroix afirmou que o da guerra, e concluída finalmente em 1960.
místico possui uma aptidão peculiar que se funda- T. Flournoy (1854-1920), como seu amigo W. Ta-
menta numa riqueza extraordinária da vida sub- mes, estudou medicina, embora nunca à tenha exer-
consciente. Segundo ele, o místico serve-se dos pro- cido. Estudou com Wundt e ocupou provisoriamente

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uma cátedra de Psicologia Experimental criada na acompanhadas de um comentário, Flournoy assina-
Universidade de Genebra especialmente para ele. lou a grande diversidade de experiências nas vidas
Floumnoy também compartilhava com James o inte- por ele apresentadas (FLOURNOY, 1903b).
resse pela religião e estudou um semestre na Escola
de Teologia de Genebra, mas abandonou a teologia
porque lhe pareceu cheia de dificuldades desneces-
sárias. Seu interesse rehgioso manifestou-se, em vez 3. O nascimento da psicologia da religião
disso, numa série de contribuições para a psicologia
da religião. A principal foi formular dois princípios, Naúltima década do século XIX (1896), nos Estados
um negativo e outro positivo, sobre os quais se deve Unidos, surge uma nova corrente psicológica, o fun-
fundamentar uma autêntica psicologia da religião: cionalismo, que está ligada à psicologia estrutura-
lista de Wundt e seus seguidores e a pressupõe. Nela
* Segundo o pnincípio de exclusão de um Ser Supe- se formaram muitas das figuras mais relevantes, en-
nor, os psicólogos não devem nem afirmar nem ne- tre as quais se destaca W. James.
gar a existência independente do objeto religioso,
um campo filosófico que é exterior ao seu campo
94 de competência. Está dentro de sua demarcação, a. Um precursor: E D Starbuck (1866-1947)
a psicologia por outro lado, reconhecer o sentimento de trans-
da relgão cendência e observar suas manifestações e varia- Ainda que brevemente, merece especial menção
no contexto
ções com a maior fidelidade possível. Edwin E. Starbuck, aluno em Harvard de W. James
da históna da
psicologia * Segundo o princípio de interpretação biológica, a e autor do que se pode considerar a primeira obra
psicologia da religião é: [1) fisiológica: em sua busca de psicologia da religião propriamente dita: À pst-
exterior das possíveis condições orgânicas do fenô- cologia da religião (1899), que tem como subtítulo:
meno religioso; [2] genética ou evolutiva: atenta “Um estudo empírico do desenvolvimento da expe-
aos fatores externos e internos em seu desenvolvi- riência religiosa”. Nela ocupa-se, principalmente, do
mento; [3] comparativa: sensivel às diferenças in- tema da conversão, para o que se serve de questioná-
dividuais; e [4] dinâmica: reconhecendo que a vida rios autobiográficos aplicados a uma população de
religiosa é um processo vivo e extremamente com- adolescentes educados no protestantismo. Recolhi-
plexo no qual se inter-relacionam muitos fatores das as respostas, as agrupa em distintas categorias
(FLOURNOY, 1903a). segundo suas motivações, a fim de comprovar sua
frequência na população em geral. A partir desses re-
Como James, Flournoy também valeu-se de do- sultados, aponta a existência de distintos estados
cumentos pessoais em suas pesquisas sobre a expe- emocionais associados à conversão, descreve dois
nência religiosa. No primeiro de seus estudos publi- tipos de conversão e afirma que o elemento central
cados, uma coleção de seis autobiografias religiosas da experiência religiosa é seu aspecto intelectual.

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Para Starbuck, o entendimento mira o divino e a di- panhada de alucinações frequentes, no qual se per-
mensão racional do homem decide entrar em con- gunta pelo sentido último de sua existência e pelo pa-
tato com o Ser Supremo. Junto a ele, os sentimentos pel da vontade e da liberdade em sua vida. Nesses
têm um papel, ainda que de menor transcendência anos interessa-se, pois, de forma vital pela filosofia e,
(BERG, 1963,p. 45-48; CRAPPS, 1986, p. 106-108; JAMES, 1986, finalmente, pela psicologia, estudando na Alemanha
p. 155, 167; SPRANGER, 1973, p. 345-346). com Helmholtz e Wundt. De volta aos Estados Um-
Starbuck tem o mérito não só de publicar o pni- dos, gradua-se em 1869 em medicina pela Universi-
meiro livro de psicologia religiosa, mas de ser um dade de Harvard (PERRY, 1973, p. 87ss., 93, 120ss., 129).
pioneiro na utilização do método científico na psico- Em 1871 é nomeado professor de Fisiologia Ex-
logia religiosa, pois aplica pela primeira vez um mé- perimental na Escola de Medicina, cargo que ocupa
todo de amostra e análise estatística. ao longo da década de 1870, ortentando-se para o es-
tudo da psicologia. Em 1878, começa a escrever sua
obra Princípios de psicologia, publicada doze anos
b. W. James (18421910) mais tarde (James, 1989). Ao concluir sua redação, con-
centra sua atenção nos temas éticos e religiosos, espe-
Maior transcendência tem seu mestre W. James, nas- cialmente no misticismo e na aplicação da psicologia
cido em Nova York, em 1842. Conhecedor desde a à vida social e à educação (PERRY, 1973, p. 214, 247ss., 276). 2
infância de diferentes países europeus, mantém con- Esse período culmina com a publicação, em 1902, de capitulo 2

tato com eles, com sua cultura e seus idiomas, o que, Variedades da experiência religiosa (Um estudo so-
Junto com sua capacidade de leitura, o dota de uma bre a natureza humana). Obra que compila algumas
ampla cultura (PERRY, 1973, p. 58-93, 120ss.). Tudo isso O conferências dadas na Fundação Gifford da Univer-
faz um homem inquieto e instável, de uma personali- sidade de Edimburgo, pode ser considerada a origem
dade complexa, com tendências depressivas, o que se propriamente dita da psicologia da religião.
reflete em seus estudos. Em 1861, ingressa na Umiver-
sidade de Harvard como estudante de quimica, estu- O problema que me propus é dificil: primeiro, defen-
dos que abandona em 1864 depois de fazer incursões der [...] a “existência” contra a “filosofia”, como ver-
pela biologia, pela medicina etc. No curso de 1865- dadeira coluna vertebral da vida religiosa do mundo
1866, participa da expedição Thayer ao Amazonas, [...] e segundo fazer que 0 ouvinte ou o leitor creia
com a intenção de estudar biologia, mas a minuciosi- naquilo que eu mesmo estou decididamente con-
dade do trabalho não condiz com seu temperamento vencido, que, embora todas as manifestações espe-
e volta ao estudo da medicina (PERRY, 1973, p. 83, 86). ciais da religião possam ser absurdas (quero dizer
Por motivos de saúde, unidos a surtos depressivos suas crenças € teorias), todavia, sua vida, em seu con-
que duram quase cinco anos, abandona seus estudos junto, é a função mais importante da Humanidade
e volta à Europa. Este é um período de crise pessoal (Carta à Srta. Frances R. Morse, de 12 de abril de 1900,
profunda, que se converte em depressão aguda acom- apud PERRY, 1973, p. 262).

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O imteresse pelo tema religioso existia em James já reto e pleno, há entretanto em mim algo que respon-
antes de Variedades. Por ocasião da morte de seu pai, de quando ouço outros falarem do assunto, Reco-
escrevia em 6 de janeiro de 1883 à sua esposa referin- nheço a voz mais profunda. Algo me diz: “aí reside a
do-se à função da religião: “(A religião) não é a única verdade”, e estou certo de que não se trata de velhos
coisa necessária. Mas é necessánia junto com o resto”; preconceitos teistas da infância (Carta de 17 de abril de
e em outra ocasião afirmava: “Creio que a evidência 1904 a J. H, Leuba, apud PERRY, 1973, p. 270).
em favor da existência de Deus reside fundamental-
mente em experiências pessoais íntimas”. Embora Em Variedades da experiência religiosa, James tra-
não tivesse experiência religiosa, teve experiências tava de jusuficar, e não simplesmente descrever, a
“paranormais”, como revela em Variedades da expe- experiência religiosa, defendendo suas pretensões
rência religiosa, em que descreve uma experiência de especialmente na última parte do livro; para isso uti-
temor muito intenso que se pode datar provavelmente lizou como método principal a compilação de dados
de 1870, imediatamente antes de sua conversão à f- biográficos e autobiográficos que para ele revestiam-
losofia de Renouvier. Esses tipos de vivência permi- se de um enorme interesse, especialmente os de gran-
tiam-lhe entender e aceitar as experiências “excepcio- des crentes. Por outro lado, dava muito pouco valor
nais” de tipo místico testemunhadas por outras pes- aos questionários, razão pela qual não apresenta em
26 soas. Essa crença fundava-se principalmente em sua seu livro nenhum dado estatístico (JAMES, 1986, p. 14, 16,
a psicologia própria experiência, na observação normal, em relatos 44ss., 287; PERRY, 1973, p. 266).
da religião de outros e na teoria da consciência subliminar que Depois de uma introdução com dois capítulos
no contexto
da história da James havia tomado de Myers (JaMEs, 1986, p. 127-128, (o segundo deles contém o propósito da pesquisa),
psicologia 285-320; PERRY, 1973, p. 258, 270-271, 362-364). o livro apresenta duas partes: a primeira dedicada
aos fatos e a segunda aos resultados, concluindo
Minha posição pessoal é simples. Não tenho nenhum com uma avaliação da vida religiosa. Nele, e em con-
sentimento vivenciado de correspondência com um sonância com o pensamento de seu tempo, ao des-
Deus. Invejo quem o tenha, pois sei que agregar tal crever a experiência religiosa, já a partir da introdu-
sentimento me ajudaria muito. O Divino linuta-se, ção, assinala seu caráter totalizante, central e unif-
para minha vida ativa, a conceitos impessoais e abs- cador, assim como sua dimensão antes afetiva e in-
tratos que, como ideais, me interessam e me deter- dividual que racional e coletiva (JAMES, 1986, p. 137-138;
minam, mas o fazem apenas tenuemente em compa- PERRY, 1973, p. 262-263). Para James, os sentimentos
ração com o que poderia alcançar o sentimento de religiosos situam-se no homem por baixo de sua
Deus, se eu o tivesse. Isso é sem dúvida, em grande consciência clara, num nível subconsciente. Em al-
medida, uma questão de intensidade, mas um matiz
gumas ocasiões, eles irompem bruscamente na zona
de intensidade pode mudar todo o centro de energia da consciência, o que lhe permite explicar as mani-
moral de uma pessoa. Mas ainda que esteja tão des- festações bruscas de religiosidade, assim como seus
provido da consciência de Deus no sentido mais di-
motivos concretos.

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Devo estruturar as coisas e argumentar o modo de padrões psiquiátricos estnitos, são na verdade estados
chegar à conclusão de que a religião de um homem excepcionais de consciência (JAMES, 1986, p. 98, 100-101;
é a coisa mais profunda e sábia de sua vida. Tenho PERRY, 1973,p. 265-266).
que estabelecer abertamente a brecha que existe en- Postenormente, no capítulo VIII, dedicado à “san-
tre a vida, a razão articulada e o impulso do subcons- tidade”, desenvolve sua visão sobre a personalidade
ciente, da parte instntiva e irracional, que é mais vi- e a maturidade religiosa. Nele se pergunta se toda
tal [...] Em religãão, as necessidades vitais, as exage- experiência é necessariamente sã e madura ou não.
radas crenças místicas [...) procedem de uma região Aponta dois tipos de personalidade que originam
ultra-racional. São dons. É uma questão de vida, de dois tipos de fé: a fé combanva e a fé reconfortante
viver esses dons ou de não viver [...] (Notas tomadas (JAMES, 1986, p. 26-27, 131; PERRY, 1973, p. 258-259, 207-209):
na preparação de Variedades da experiência religiosa, apud
PERRY, 1973, p. 262-263). * A personalidade sã supõe um equilibrio mental
que leva a viver a vida num tranquilo otimismo, com
Definitivamente, para James, a experiência reli- espínito decidido e com uma coerência linear, ori-
giosa é antes de tudo uma experiência que começa ginando uma fé que surge da fortaleza. Ao prefe-
pelo afeto e que, posteriormente, origina as crenças. nr o bem ao mal, a pessoa moral luta por ele com
Há, portanto, em seu pensamento uma redução da re-
ligião ao exclusivamente individual. Uma absoluti-
a confiança que sente em si mesma. É uma pessoa
corajosa, exultante inclusive no perigo e na incer-
927
capitulo2
zação dos sentimentos e das emoções diante das cren- teza da vitória.
ças, dos comportamentos e, sobretudo, do aspecto so- * À personalidade enferma supõe uma disposição de
cial e institucional da religião, que não lhe interessava, espínito inclinada para a problemaucidade, a inquie-
nem parecia importante. A religião ocupa-se “da ma- tude, a insegurança, e, assim, a fé que gera surge da
neira pela qual a vida de um indivíduo o comove, de fraqueza humana, pedindo refúgio e segurança.
suas íntimas necessidades, ideais, desolações, con-
solações, fracassos, êxitos” (PERRY, 1973, p. 264, 274). Na fé combativa a religião possui uma particular
Outro aspecto que o livro aborda desde o começo riqueza de conteúdos psicológicos, uma profunda
é o da sanidade e da possível patologia da expenéên- vida intenor, um sentido de equilibno e de gozo, que
cia religiosa, tese defendida em seu tempo pela es- supõem um estímulo para a vontade e se traduzem
cola de psicopatologia francesa. Desde a conferên- numa disponibilidade oblativa, que é o sinal da “san-
cia inaugural, esforça-se por libertar seus ouvintes tidade” (JAMES, 1986, p. 65-66, 137, 199ss., 212ss.). Por outro
dos preconceitos que possam ter contra certos es- lado, a fé reconfortante tem como fim último trazer
tados psíquicos pelo simples fato de serem patoló- alívio diante das dificuldades da vida, mas um alívio
gicos, pois considera que as avaliações de fenôme- que é sobretudo refúgio e fuga da realidade e das res-
nos tão complexos são, no mínimo, prematuras, se ponsabilidades que ela comporta. Assim, a prova
não sectárias, já que as experiências religiosas, em- definitiva do valor humano do sentimento religioso
bora alguns possam julgá-las patológicas segundo é dada por sua validade religiosa e moral. Definiti-

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vamente, o importante da experiência religiosa não religiosa. Estudou teologia e filosofia com desejo de
é sua possível origem patológica, mas seus efeitos ser pastor, mas abandonou suas intenções para se
na personalidade do crente (James, 1986, p. 249ss.). dedicar à psicologia. Trabalhou com W. James e foi
Sua obra apresenta e analisa alguns dos proces- o primeiro doutor em psicologia dos Estados Uni-
sos do homem religioso, como a conversão, os traços dos, em 1878. Estudou na Alemanha com Helm-
de personalidade derivados de uma fé madura etc.; holtz, Du Bois-Reymond e Wundt. De volta aos Es-
isso permite assinalar como principais contribuições tados Unidos, tornou-se o grande organizador da
dessa obra o pioneirismo e a abertura de caminhos psicologia norte-americana. Em 1887, fundou a pn-
para o estudo e a avaliação da experiência religiosa. meira revista norte-americana de psicologia: Ame-
Dela ainda se é em grande parte tributário. Mas ela rican Journal of Psychology, assim como outras três:
não está isenta de limitações, muitas delas fruto do Pedagogical Seminary, chamado mais tarde Journal
pensamento de sua época. As duas principais são of Genetic Psychology, em 1891; The American Jour-
(PRITCHARD, 1984, p. 83, VERGOTE, 1975, p. 153): nal of Religious Psychology and Education, em 1904;
e Journal of Applied Psychology, em 1917. Em 1892,
- Reduz praticamente a raiz da experiência religiosa contribuiu ativamente para a fundação da American
a seu aspecto afetivo-sentimental e a despoja de Psychological Association (APA), da qual foi o pri-
28 toda dimensão social e comunitária, com as con- meiro presidente. Em 1909, convidou S. Freud e €.
a psicologia sequências que essa opção comporta no campo G. Jung para um simpósio organizado pela Universi-
da religião da transmissão da fé, da celebração etc. dade de Clark, que foi a primeira presença da psica-
no contexto
* Para justificar sua validade, recorre a um puro sen- nálise nos Estados Unidos (WuLrr, 1991, p. 43-49).
da históna da
psicologia tido pragmático: é válida e verdadeira enquanto Sua principal contribuição, além de seus dotes or-
é útil para a vida, enquanto suas consequências ganizativos, foi seu livro A adolescência, sua psicologia
criam sensação de segurança, alívio, reafirmação e suas relações com a fistologia, a antropologia, a socio-
pessoal etc., o que não é facilmente admissível. logia, o sexo, o crime, a religião e a educação, publicado
em dois volumes, em 1904. Na redação desse livro
utilizou questionários e observações auto e hetero-
c (Outros autores norte-americanos biográficas. Nele, referindo-se ao tema da conversão,
contemporâneos e discípulos de W. James assinalava a importância que assume na adolescên-
cia o processo de transformação da criança em pes-
soa adulta. Para Hall, a adolescência e o desenvolvi-
1 G.S. Hal (1844.1924) mento da fé são processos evolutivos afins, que não
G. 8. Hall pode ser considerado o pnmeiro psicó- sem razão acontecem na mesma fase da vida.
logo da religião propnamente cito. Procedia de uma
família congregacionalista de Massachussets extre- A adolescência é um lance natural, normal, univer-
mamente conservadora e legalista, e moderadamente sal e necessário, que deve chegar numa fase da vida

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que se caracteriza pela passagem de um modo de filosofia positivista, a qual denominava “biologicis-
viver autocêntnico para outro heterocêntrico. A con- mo”, A religião resulta da luta pela vida. O homem
versão é um fenômeno tão natural como a revolu- vé a necessidade biológica de lutar contra os poderes
ção sexual que se experimenta durante a adolescên- que o ameaçam e busca refúgio nas esferas superio-
cia; daí a estreita concordância entre ambas (HALL, res. Para satisfazer essa necessidade biológica, afir-
1904, v. IL, p. 301). ma a existência de outros seres e seu contato direto
com eles. Na realidade, tudo isso não tem nenhum
fundamento objetivo, uma vez que são puras inven-
2 JH. Leuba (1868-1946) ções humanas. Leuba foi um dos primeiros psicólo-
Colaborador de G. 8. Hall e autor de “Estudos so- gos a sustentar energicamente que a experiência reli-
bre psicologia da religião”, artigo publicado em 1896 giosa mística não justifica as crenças religiosas. Para
no American Journal of Psychology. Posteriormente ele, os místicos não encontram Deus em sua expe-
publicou A origem e a natureza psicológica da religião riência, mas servem-se de suas crenças para inter-
(1909), Estudo psicológico da religião (1912), A crença pretar erroneamente sua experiência. Daí ter afirma-
em Deus e na imortalidade (1916), Estudo psicológico do que o interior do homem é o último reduto onde
do misticismo religioso (1925) e Deus ou homem? (1933). ainda reina Deus até que a psicologia o desaloje, pois
Leuba partia de uma teoria explicativa do fato re- as concepções de Deus e da religião podem e devem 29
ligioso, baseada nos princípios evolucionistas, e da ser superadas (BERG, 1963, p. 48-49). capítulo *

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Psicologia profunda e religião

corrente que se denomina em sentido amplo 2.661). Mas esses princípios não foram aceitos por
“psicologia profunda”, a fim de não a reduzir todos os seus discípulos, o que no desenvolvimento
unicamente à psicanálise freudiana, tem co- das pesquisas da escola provocou tensões, enfren-
mo denominador comum defender a existência de tamentos e rupturas.
uma dimensão inconsciente na personalidade, à qual A psicologia profunda teve uma repercussão ex- 31
se dá um papel primordial em sua dinâmica. traordinária no desenvolvimento da psicologia da
Freud afirmava que a psicanálise em sentido estn- religião ao longo de sua história. As contribuições
to é (FREUD, 1933, p. 3.191-3.192; FROMM, 1960, p. 84-93): de seus principais autores, as afinidades e as aver-
sões que provocaram, os estudos criticos... fazem
um método especial, empregado para pesquisar que o catálogo de publicações dessa corrente ou
.

processos anímicos pouco ou nada acessíveis de sobre ela seja o mais amplo e variado da psicologia
outro modo (a livre associação); da religião, embora não se possa dizer que em mui-
um tipo de psicologia originada pelos dados obti- tos casos seja o mais objetivo nem o mais pondera-
dos com tal método; do. No momento de apresentá-la, devemos superar
uma dupla dificuldade: de um lado, os preconceitos
um tipo de terapia das doenças nervosas, basea-
da na concepção e no método citados; que a psicologia profunda desperta em muitos, que
- uma nova tentativa de entender o homem, de ela-
vão desde a recusa global de suas contribuições até
borar um esquema filosófico-antropológico. a aceitação mais cordial, mas acritica na maiona dos
casos, motivada por posições prévias; de outro, a
Freud afirmava que se é psicanalista somente pluralidade de autores e escolas dentro dessa cor-
quando se admite: a existência de processos incons- rente de pensamento.
cientes, a resistência, o recalque, a importância da A fim de superar essa primeira dificuldade, po-
sexualidade e o complexo de Édipo (FreuD, 1923a, p. de nos servir de ponto de referência a posição de

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um amigo de 8, Freud, o pastor calvinista O. Pfister, sa depois de emigrar para Viena quando Freud tinha
modelo de tolerância e diálogo crítico, o qual, por trés anos de idade, estuda medicina na Universidade
ocasião da publicação de O futuro de uma ilusão, es- de Viena, onde recebe uma formação básica na ciên-
creve a Freud: cia positivista do século XIX, que o influenciará ao
longo de toda a sua vida (FROMM, 1960, p. 24-30; JoxEs,
No que tange a seu opúsculo contra a religião, seu 1979,1, p. 11, 23-24, 30,31, 47-50, 64-69; II, p. 370).
repúdio a ela não é nada novo para mim. Espero-o No tema religioso, Freud possui uma ampla cul-
ansioso e com curiosidade. Um adversário de espí- tura. Vai com frequência, durante seus anos escola-
rito poderoso é certamente mais útil para a religião res, à sinagoga, onde estuda o Antigo Testamento.
do que mil adeptos que não servem para nada. Na Conhece o Novo Testamento e possui conhecimen-
música, na filosofia e na religião sigo definitivamente tos sobre religiões comparadas e religiões da Anti-
caminhos distintos dos seus. Não poderia imaginar guidade clássica, como demonstram seus textos
que sua profissão de fé pública pudesse me afetar de (JONES, 1979, HI, p. 370). Apesar de seus conhecimen-
forma desagradável; sempre pensei que todos devem tos em matéria religiosa, Freud é um homem de
expressar, em voz alta e com clareza, sua opinião sin- mentalidade positivista que pessoalmente se de-
cera. Você sempre foi tolerante comigo, como eu não fine, segundo suas próprias palavras, como um
devo ser com seu ateísmo? Certamente, tampouco “ateu empedernido”, apaixonadamente preocupa-
E me levará a mal se, dado o caso, eu também expres- do com o tema religioso, ao qual dedica integral-
a psicologia
sar livremente minha posição discordante (Carta de mente cinco de suas obras maiores: Totem e tabu
da religião (1912), Psicologia das massas e análise do ego (1921),
no contexto 21 de outubro de 1927 de O. Pfster a Freud, apud FREUD,
da históna da PFISTER, 1966, p. 105-106). O futuro de uma ilusão (1927), O mal-estar na civili-
psicologia zação (1930) e Moisés e o monoteísmo (1939), e ao qual
Quanto ao segundo problema, o espaço obriga- faz referência pelo menos em outros quatorze tex-
me a apresentar unicamente os dois grandes mestres tos (Dominguez MORANO, 1991; 1995),
da primeira geração que têm maior influência e que
se contrapõem e se complementam em seus estudos
e conclusões: Sigmund Freud e Carl Gustav Jung. No à Etapa pré-psicanalítica (1881-1891)
item correspondente à psicologia humanista, abor-
darei o estudo de E. Fromm e E. H. Enkson, Entre os anos 1876 e 1882 trabalha no laborató-
no de Emest Brúcke em tarefas de pesquisa, e em
1882 gradua-se em medicina. Enfrentando uma
precária situação financeira, abandona o laborató-
1. S. Freud (1856-1939) rio e ingressa como médico no Hospital Geral de
Viena (FREUD, 1925, p. 2.762-2.763; JONES, 1979, 1, p. 31,47"
Nascido em Freiberg (Tchecoslováquia), numa fa- 50, 64-70, 72-87), onde começa a amizade com Josef
milia judia liberal que teve de deixar a prática religio- Breuer. Com ele discute os primeiros casos de doen-

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tes que lhe abrem o campo da psicologia. Entre eles b. Primeira etapa psicanalítica (1899.1899),
o caso da srta. Berta Pappenheim, conhecida na his- nascimento e formulação dos
tória da psicanálise como “Ana O.”, a quem Breuver princípios da psicanálise
havia tratado de dezembro de 1880 a 1882 é que será
para Freud a pedra angular da psicanálise (FREUD, No outono de 1892, dá-se a passagem de uma forma
1895, p. 42; 1910b, p. 1.533-1.536; 1914, p. 1.895-1.896; 1925, gradual do método hipnótico para o de livre asso-
p. 2.768-2.769). ciação. Nasce a psicanálise propriamente dita. São
Em 1885, estuda com Charcot em Paris e, de vol- anos de trabalho com J. Breuer no tratamento de pa-
ta a Viena, abre um consultório particular como neu- cientes histéricos, que se cristalizará na publicação
ropatologista, no qual a maioria dos pacientes que de Estudos sobre a histeria, e no estudo do papel da
atende são, na realidade, psiconeuróticos. Ali pro- sexualidade nas psiconeuroses, o que levará ambos
gressivamente vai distanciando-se de seus estudos os autores a uma ruptura praticamente total em 1894
neurológicos e retoma o interesse pelo caso de “Ana (FREUD, 1950, p. 3.516; JONES, 1979, I, p. 253-258, 262-268,
O.” e suas consequências práticas, como foi a apli- 274-277, 296; 1, p. 15).
cação da hipnose em outros pacientes com o de- Esse período conclui-se com a Interpretação dos
sejo de fazer desaparecer os sintomas da doença sonhos (1900), obra fundamental de Freud, com a
(FREUD, 1895, p. 55ss.; 1924, p. 2.730-2.731; 1925, p. 2.764- qual se sentirá mais satisfeito (FREUD, 1900, p. 348; 33
2.767; JONES, 1979, I, p. 85, 87, 195-198, 217-222, 237-239, JONES, 1979, 1, p. 314-320, 323, 331-332, 335-339, 361, 364, capitulo 3
249-258, 296). Esses anos são difíceis no campo cien- 367-373). É o período mais rico em descobertas da
tífico: por um lado, as teorias aprendidas junto a história da psicanálise. Nele, a partir da contnbui-
Charcot são contestadas por seus colegas; por ou- ção da análise de seus pacientes, cna a base teórica
tro, há lentidão em seus progressos no conhecimen- de seu pensamento e de sua técnica terapêutica, for-
to da neurose e de seu tratamento. É então que Freud mulando os princípios da psicanálise: assinala a
articula sua teoria, a afirmação da base inorgânica existência do inconsciente e busca o papel que de-
da neurose, diante das idéias generalizadas na Vie- sempenha no homem (FREUD, 1895, p. 39ss.; 1900, p.
na de sua época, e utiliza a hipnose como método 656-720; 1912, p. 1.698-1.699; 1923, p. 2.702-2.703; JONES,

terapéutico, não só buscando remediar os sinto- 1979, 1, p. 376, 381). Utiliza novas técnicas para que o
mas, mas como instrumento para a busca das cau- paciente seja consciente da causa que impede o de-
sas que os geram (FREUD, 1924, p. 2.730-2.731; 1925, p. senvolvimento normal de sua vida: a livre associa-
2.766-2.767). A partir de então vão se sucedendo as ção e a análise dos sonhos (FREVD, 1895, p. 39-43, 91-92,
descobertas e as contribuições que seus biógrafos, 146-147; 1900, p. 421; 1926a, p. 2.924; JONES, 1979, 1, p. 255,
a fim de apresentá-las com maior clareza, agrupam 259-260). Assinala a existência de uma energia psi-
em três períodos. quica origem do instinto sexual, a qual denomina
“libido” (Jones, 1979, , p. 409-417), pulsão única exis-
tente no inconsciente, origem e força vital que se
+

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ei

manifesta no homem de múltiplas formas. Afirma senão processos psicológicos projetados sobre q
que esse impulso básico só é reconhecível por meio mundo externo. À obscura apreensão dos fatores
da análise, pois a pressão social introjetada pelo su- psíquicos e das relações do inconsciente aparece
Jeito faz que se recalque ou se transforme em expres- refletida como um espelho — é dificil expressá-los
sões socialmente aceitas. Formula o complexo de de outro modo, aqui deve-se usar a análise da para-
Édipo (FREVD, 1926b; 1900, p. 506-508). nóia — na construção de uma realidade supra-sen-
Nesses anos ainda não encontramos mais que sível, que a ciência há de retraduzir como psicologia
alguma pequena referência ao fato religioso que po- inconsciente. Alguém poderia aventurar-se, dessa
demos considerar programática; assim, numa car- maneira, a resolver os mitos do Paraíso, da queda do
ta de 12 de dezembro de 1887, a seu amigo Fliess, homem, de Deus, do Bem e do Mal, da imortalidade
Freud escreve: etc., transformando assim a metafísica em metapsi-
cologia (FREUD, 1901, p. 918).
Podes imaginar o que são os “mitos endopsígui-
cos”? Pois é o último fruto de minha gestação men- A partir desse texto, Freud dedica sua atenção ao
tal. A difusa percepção interna do própnio aparato fato religioso, a fim de descrevé-lo e avaliá-lo, utili-
psíquico estimula ilusões do pensamento que, natu- zando como elemento explicativo os sintomas pato-
34 ralmente, são projetadas para fora e — o que é ca- lógicos tomados de sua expenência clínica, mas esse
desenvolvimento já faz parte da segunda etapa.
a psicologia racterístico — para o futuro e ainda o além. A imor-
da religião talidade, a expiação, todo o além são outras tantas
no contexto
da história da
representações de nossa interioridade psíquica...
psicologia psicomitologia (FREUD, 1950, p. 3.593). c. Segunda etapa psicanalítica (1900-1914);
maturidade e consolidação da
Segundo ele, a experiência religiosa parte de uma psicanálise como escola
fantasia de onipotência, provocada pelo desejo de
imortalidade, de absoluto, de transcendência, dian- Os anos entre 1900 e 1914 são os da maturidade de
te da frustração e da angústia criadas pela realidade. seu pensamento, dos primeiros discípulos, do re-
Esse desejo interno projeta-se para fora criando a re- conhecimento internacional e da consolidação do
ligião (FERNANDEZ VILLAMARZO, 1979). movimento psicanalítico, que começa a ser organi-
Suas idéias, ainda muito genéricas pois muito zado em 15 de abril de 1908, com o Primeiro Con-
novas, não serão reconhecidas até 1904, quando em gresso Psicanalítico Internacional, em Salzburgo, no
sua Psicopatologia da vida cotidiana afirma: qual se decide publicar a primeira revista de psica-
nálise. Mas são também os anos em que começam
Creio realmente que grande parte da concepção mi- as diferenças e rupturas com seus discípulos (Adler,
tológica do mundo, que penetra muito profunda- Jung...) (Joxes, 1979, 1, p. 18-19, 42-46, 51-57, 65-67, 78-89.
mente as religiões mais modemas, não é outra coisa 95-103, 109-110, 140, 164-165, 476).

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Nesse periodo Freud segue rastreando a apari- A psicanálise permitiu-nos chamar a atenção para a
ção do inconsciente em distintos aspectos da vida: intima relação entre o complexo paterno e a crença em
lapsos, erros na leitura e na escrita, atos falhos, es- Deus, assinalando que o deus antropomórhico, psi-
quecimentos, erros... e no chiste e no humor (Frevn, cologicamente nada mais é do que um pai magnif-
1901, p. 822-899; 1905, p. 1.029-1.167). cado; ela nos faz ver todos os dias como as crianças
Um segundo objeto do interesse de Freud é a cau- e os jovens abandonam sua fé religiosa tão rápido co-
sa do conflito que constata em seus pacientes entre mo o colapso da autondade paterna: reconhecemos,
duas forças, uma que nasce a partir da dimensão mais assim, a raiz da necessidade religiosa como apoiada
profunda de sua humanidade, a partir das dimensões no complexo paterno (FREUD, 1910c, p. 1.611).
instintivas, o principio de prazer; e uma segunda for-
ça que emana da necessidade que tem o homem de Em 1912, publica sua primeira grande obra de-
viver em sociedade e, portanto, de ater-se a determi- dicada à religião, Totem e tabu, na qual, diferente-
nadas normas, o princípio de realidade (FREvD, 1911, p. mente do que apresentou em Uma recordação infan-
1.638-1.642). A extensão do conceito de sexualidade til de Leonardo da Vinci, propõe agora sua ongem
para além da genitalidade leva-o a estudar sua gêne- coletiva. Para isso parte dos dados fomecidos pelos
se e sua evolução, observando as zonas nas quais se antropólogos Frazer, Atkinson e Smith, e da teoria
focaliza o prazer nas distintas idades da vida, divi- da evolução de Darwin, que lhe permite justificar al- as
dindo-a em diferentes etapas: oral ou canibal, sádi- guns pressupostos prévios (FREUD, 1912/1913, p. 1.747. capitulo 3

co-anal, fálica, de latência e genital (FrEUn, 19104). 1.840; 1939, p. 3.320; JONES, 1979, II, p. 368-379). Para Freud,
É nessa etapa que Freud realiza seus estudos so- existe uma evolução na cultura e na religião que vai
bre a origem da religião. Em 1907, dedica a esse tema de etapas mais primitivas a etapas mais evoluídas.
um artigo para uma revista, “Atos obsessivos e prá- Essa evolução é comparável à que se dá no desenvol-
ticas religiosas”, no qual compara as expressões n- vimento de cada um dos individuos. Existem vários
tuais com os atos rituais das neuroses obsessivas e traços comuns entre os dados etnográficos e a psi-
dá uma primeira explicação para a origem da reli- cologia dos neuróticos.
gjão: o sentimento de culpabilidade. Em 1910, quan- Dividido em quatro sessões, o livro aborda na
do já descreveu o complexo de Édipo, o aplica ao fato segunda o tema do “tabu e a ambivalência dos sen-
religioso em seu estudo Uma recordação infantil de timentos”. Nela assinala-se o paralelismo entre as
Leonardo da Vinci, concretizando sua tese ao afir- exigências dos tabus e a sintomatologia dos neuró-
mar que a religião procede do sentimento de culpa- ticos obsessivos (FREUD, 1912/1913,p. 1.758ss.): ausên-
bilidade originado pela ambivalência da figura pa- cia de motivação consciente, aparição a partir de
terna (FREUD, 1910, p. 1.611; 1912/1913, p. 1.841), o que uma necessidade imperiosa, capacidade de conta-
lhe permite explicar a ambivalência que encontra no giar e necessidade de punficação por meio de atos
homem religioso: adoração-necessidade de repa- rituais. No entanto, assinala uma diferença entre uns
ração (sentimento de culpa). e outros: enquanto nos neuróticos obsessivos há um

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instinto tipicamente sexual recalcado, nos tabus são d Terceira etapa psicanalítica (1914.1939);
impulsos anti-sociais de agressão e de morte, revisão da teoria
Na quarta e principal parte da obra, intitulada “O
retomno infantil ao totemismo”, faz uma constante re- Durante os anos posteriores, no começo da guerra,
lação entre as etapas do desenvolvimento do indi- há uma Interrupção em seu pensamento, motivado
víduo formuladas por ele e as da história, assinalan- pelo ponto morto em que chega a relação entre psi-
do trés momentos (FREUD, 1912/1913, p. 1.827-1.840): canálise e terapia — que parece não conduzir a curas
permanentes — e por razões pessoais. Mas, a partir
* Pré-históna, que corresponde à infância da huma- de 1919, surgem novas idéias em torno de dois te-
nidade. É o tempo da existência de um pai tirá- mas principais:
nico que monopoliza todas as fêmeas do clã e que
desemboca em seu assassinato pelas mãos de * Às duas pulsões básicas do psiquismo humano,
seus filhos. apresentadas em Para além do princípio de prazer
* Proto-história, que corresponde ao período de la- eem Oegoeo id (FREUD, 1920; 1923; JONES, 1979, II,
téência. Nela busca-se uma saída, a fim de evitar p. 285-297; SCHUR, 1980, II, p. 478-479, 510), segundo
uma situação semelhante à vivida e integrar os sen- as quais Freud formula a existência de um instin-
36 timentos de culpabilidade; para isso, organiza-se
um pacto entre os irmãos que traz consigo o es-
to, além do instinto sexual, que teria como função
primordial devolver o organismo a um estágio pn-
a psicologia
da religião
quecimento do assassinato, a projeção dos senti- mitivo, ao qual denomina instinto de morte. Des-
no contexto mentos ambivalentes em relação ao pai sobre um sa maneira, afirma a existência no psiquismo de
da históna da animal ao qual se venera e a lei da exogamia.
psicologia
duas forças instintivas opostas, às quais denom-
* História, que corresponde à idade adulta, na qual na respectivamente: instinto de vida e instinto de
se projeta o sentimento ambivalente de culpa e de morte. Ambas têm a mesma validade e posição e
amor sobre o Totem, sacralizando a relação. É nes- encontram-se em luta constante entre si, embora
sa etapa que nasce a religião na história da huma- no final inevitavelmente ganhe a segunda.
nidade, com a divinização da figura paterna. À estrutura da personalidade: Freud expõe sua
nova teona da personalidade em seu livro O ego e
O livro é já criticado em sua época, porque os o id, e de forma mais popular e ampla em Novas
dados etnológicos que utiliza são muito discutí-
lições de psicanálise, no capítulo dedicado à “disse-
veis, como ele mesmo tem que reconhecer e dar cação da personalidade psíquica”; nele preconiza
uma resposta em Moisés e o monoteísmo, e porque
a existência de três instâncias da personalidade:
nele Freud dá um salto do individual ao coletivo
o “id”, o “ego” e o “superego" (FREUD, 1923; 1933.
ao afirmar a existência de uma “herança arcaica”,
difícil de se admitir mesmo a partir da psicanálise Pp: 3.132ss.; 1940, p. 3.379ss.; JONES, 1979, III, p. 285).
(PRITCHARD, 1984, p. 72ss,, 88-91; FREUD,
1939, p. 3.300-
3.301, 3.320-3.321). No plano pessoal, esses anos são obscurecidos
pela aparição de um tumor canceroso na boca em fe-

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vereiro de 1923, que será operado 33 vezes até sua cessidades objetivas de segurança com sentimentos
morte. À isso soma-se a morte de alguns de seus internos de desproteção (FREUD, 1927a, p. 2.973; JONES,
entes mais queridos, a subida de Hitler ao poder na 1979, HI, p. 163-164, 358-361, 466; SCHUR, 1980, p. 588).
Alemanha e, finalmente, a invasão de Viena, que o Em relação à segunda questão, as possibilidades
obriga à exilar-se em Londres, onde morre (Jones, de futuro que tem a religião, pergunta-se se a huma-
1979, TH, p. 28-30, 102-105, 20488., 239-249, 264-266: SCHUR, nidade será capaz de suportar de forma madura as
1980, II, p. 517ss.). dificuldades da vida sem ter que recorrer aos con-
Em relação à religião, a partir de 1914 dedica gran- solos que a religião lhe proporciona. Movido pelo ot-
de parte de suas obras ao desenvolvimento de suas mismo racionalista e pela crença comtiana na evo-
reflexões sobre esse tema, a ponto de tornar-se cen- lução da histónia, faz uma ode a um futuro mais ra-
tral em seus estudos. Nessa etapa, propõe-se prin- cional da humanidade, no qual a religião seja supe-
cipalmente duas questões sobre a religião: para que rada pela razão e pela ciência, sendo necessária uma
serve? Que futuro tem? educação na qual a ilusão religiosa não condicione
Faz uma aproximação à primeira questão em Psi- a possibilidade de um enfrentamento racional e cien-
cologia das massas e análise do ego (1921). Nessa obra tifico da realidade.
estuda o comportamento das massas e seu processo O conteúdo desse último livro cria uma forte po-
de identificação com o lider, aplicando-o ao proces-
so de comunhão e identificação com (nisto na Igreja
lêmica em que se acusa Freud de introduzir-se no
tema da religião de forma unilateral, sem levar em
3!
católica. Para Freud, o indivíduo compensa as limi- conta a pluralidade do fenômeno, reduzindo-o a ex- capitulo 3

tações criadas ao princípio de prazer pela vida social periências infantis e de busca de segurança. O pró-
com a ilusão de sentir-se querido pelo líder. Essa prio Freud confessará posteriormente a Ferenczi:
identificação na religião cumpnrá uma dupla função “Agora já me parece puenil; basicamente meu pen-
compensadora, parte aqui e parte na promessa da samento é distinto; considero-o, do ponto de vista
outra vida. Focalizará também a agressividade para analítico, tão inútil e madequado como uma auto-
com os outros, os que não são dos nossos (FREUD, confissão” (Carta a S. Ferenczi de 23 de outubro de 1927,
1921, p. 2.578ss.). Em sua obra O ego e o id (1923), ao apud JONES, 1979, II,p. 153).
ocupar-se do ideal do ego, o superego, assinala que Em 1930, publica O mal-estar na civilização, no
este é um substituto do primitivo desejo de um pai qual desenvolve suas idéias sobre a origem e a fun-
amado e como tal contém um núcleo do qual estão ção da religião na cultura atual. Para Freud, o avanço
constituídas todas as religiões. Em O futuro de uma da cultura implicou um tributo considerável de res-
ilusão (1927) (JONES, 1979, II, p. 375-377), afirma que a re- trições de todo tipo no indivíduo, que lhe supós um
ligião exerce na sociedade uma tríplice função dian- alto grau de culpabilidade. Esse é o problema mais
te dos perigos que sente o homem: exorciza os me- importante da cultura: a perda de felicidade que
dos da natureza, reconcilia o homem com a cruel- traz consigo e o aumento do sentimento de culpa-
dade do destino e compensa as privações que a vida bilidade. Nessa situação, a religião salva o homem
social civilizada supõe. Assim, entrecruzam-se ne- desse “mal-estar”, dessa possível neurose pessoal ba-

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seada em promessas futuras, mas a um custo de res- na relação paterno-filial. No judaísmo essa ambi.
trições éticas excessivamente elevadas (FREUD, 1930, valência é superada por um estrito controle da hos-
p. 3.030; RICOEUR, 1966, p. 244, 249), tilidade motivada pela culpabilidade, que leva a um
Esse livro é especialmente interessante porque ascetismo moral único na história das religiões. O
em seu primeiro capítulo, em resposta a Romain Ro- sentimento de culpabilidade não é patrimônio ex-
land, faz a única referência ao misticismo compreen- clusivo do povo de Israel, mas de todos os povos do
dido como sentimento “oceânico” (FREUD, 1930, p. Mediterrâneo, como um “surdo mal-estar”. É um
3.017-3.023). Romain Roland, seu amigo, lamenta-se judeu, Saulo de Tarso, que formula e reonenta essa
da avaliação negativa que faz Freud do que considera situação criando uma nova religião: o cristianismo, a
a fonte última da religião: o misticismo. Freud, que religião dos filhos, na qual a nova comida totêmica
reconhece não possuir esse sentimento, tenta no en- é agora a eucaristia (FREUD, 1939, p. 3.320-3.324).
tanto não só descrevê-lo, mas justificar sua existên-
Esse livro, que do ponto de vista da Escritura e
cia referindo-se à possibilidade de desaparição das da história não passa de pura fábula, suscitou uma
fronteiras internas entre o ego e o id, como ocorre em série de críticas a partir da própria psicanálise, por-
outros aspectos da cultura, como a arte, gerando um que mais uma vez Freud tem que se apoiar na he-
sentimento de prazer primitivo isento de toda am- rança arcaica, o que seria o mesmo que aceitar o in-
bivalência, para recusar totalmente e sem aparente consciente coletivo de Jung, que ele mesmo recusou
38 justificação que essa seja a origem da religiosidade,
(JoxEs, 1979, III, p. 38; SCHUR, 1980, p. 690-697).
a psicologia
que mais uma vez situa na introjeção da figura pa-
da religião 1963,
no contexto terna e na relação ambivalente com ela (FREUD,
da históna da p. 433-434; JONES, 1979, HI, p. 358). Apesar de tudo, esse
psicologia
texto permitiu que alguns psicanalistas, a partir
das 9, €. G. Jung (1875-1961)
afirmações de Freud sobre o sentimento oceânico,
abrissem uma via de diálogo com o fato religioso C. G. Jung nasce em 1875 em Kesswil (Suíça). É filho
(VERGOTE, 1975, p. 204).
de um pastor protestante e filólogo arabista, mais
Em 1933, em Novas contribuições à psicanálise, preocupado com a filologia do que com à teologia.
volta a tocar no tema religioso, mas não há novas Sua mãe, uma mulher muito sensível, passava gran”
contribuições até 1939, ano da publicação de Moises des temporadas com depressões. As relações matn-
e o monoteísmo, no qual retoma o que desenvolveu moniais entre os pais eram conflituosas. Tudo isso
em Totem e tabu. Nele faz uma teoria sobre a ascen- deixou uma profunda marca em sua personalidade
dência racial de Moisés e de seu papel na origem do (Jun, 1981b, p. 20-22, 59-61, 638s., 84, 100, 102-104). Gomo
nascimento do monoteísmo (FREUD, 1939, p. 3.321; ele mesmo confessa, não possui um pensamento
JONES, 1979, III, p. 381-385). À partir daqui, como por com um desenvolvimento linear. Na verdade, Seu
influência de mudanças sociais na história da cul- pensamento é fruto da análise de vivências e expo
um caráter
tura, à figura do pai primitivo volta a ocupar seu lu- riências pessoais e alheias, que lhe dão
gar, o que supõe o retorno da ambivalência incluída circular, ao retomar constantemente intuições ans

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nores para formulá-las de novo. Isso faz que sua obra publicação em 1911-1912 de Transformações e sim-
seja complexa em sua análise e que não se possa se- bolos da libido, e definitivos em 1914 após o Quarto
pará-la de sua história pessoal (JunG, 1981b, p. 13, 229). Congresso Psicanalítico Internacional, em Munmi-
que (JuNG, 1981b, p. 159-160, 1978, p. 622ss., 625, JoxEs,
Minhas obras podem ser consideradas etapas de 1979, TI, p. 109ss., 151ss., 214; WEHE, 1991. p. 120ss ).
minha vida, são expressão de meu desenvolvimento
interior, posto que o ocupar-se dos temas do incons-
ciente forma o homem e provoca suas mudanças. b Segunda etapa (IG GI):
Minha vida é minha ocupação, meu trabalho espi- psicologia complexa ou analítica
ritual! Uma coisa não pode ser separada da outra
(JUNG, 1964, p. 229). Entre 1920 e 1924, realiza uma séne de viagens pelo
Norte da África (Tunísia, Argélia, Saara), pelas tnl-
bos indígenas do Arizona e do Novo México e pelas
a Etapa psicanalítica (1904-1914) tribos do Quênia, encontrando como resultado de
suas pesquisas etnológicas semelhanças entre os
Jung estuda medicina em Basiléia, licencia-se em padrões mítico-ntuais desses povos e os conteúdos
1899 e decide ser psiquiatra (JunG, 1981b, p. 95-96, 120; do inconsciente de seus pacientes (BAUDOUIN, 1967, 39
WEHR, 1991,p. 70). Em 1900, ingressa como assistente p: 32; JunG, 1981b, p. 245ss., 260ss., 375-376).
capitulo 3
de E. Bleuler no Hospital Psiquiátrico de Zurique, Desde sua ruptura com Freud, Jung começa a ela-
quando lé A interpretação dos sonhos de Freud, que borar suas teorias sobre a estrutura da psique, as
acaba de ser publicada. Em 1902, apresenta e publi- quais denomina psicologia analítica. As principais
ca sua tese de doutorado: "Sobre a psicologia e a pa- obras dessa época são: O inconsciente (1916), Tipos
tologia dos fenômenos chamados ocultos. Um es- psicológicos (1921), O eu e o inconsciente e Energia pst-
tudo psiquiátrico”. Em 1907, conhece Freud pessoal- quica (1928), O segredo da flor de ouro (em colabora-
mente, a quem já havia defendido um ano antes em ção com R. Wilhelm), À psicologia da transferência
razão de sua teoria da neurose. O encontro se dá no (1930) e Problemas psíquicos do presente (1931), nas
dia 3 de março, na casa de Freud, e dura treze horas quais estuda conceitos centrais de sua psicologia
seguidas. A partir desse momento, as visitas suce- como a imago, o simbolo e o arquetipo (Hosrie, 1961,
dem-se (Jung, 1981b, p. 158-159; BENET, 1970, p. 28). p. 49-51; JUNG, 1982, p. 102; WEHR, 1991, p. 169ss.).
Em 1909, viaja com Freud aos Estados Unidos,
convidado por S. Hall, para dar algumas conferên- * Jung substitui a palavra “imagem” pelo termo la-
cias na Universidade de Clark. Em 1910, é eleito tino imago, por acreditar que o fruto da percepção
presidente da Associação Psicanalítica Internacio- humana não é o decalque do objeto exterior projeta-
nal, criada nesse ano no Congresso de Nuremberg, do em alguma parte do cérebro, mas a apropriação
embora já tenham aparecido os primeiros sinais de por parte do sujeito da imagem da realidade obye-
divergência com Freud, que ficam patentes com a tiva vivida subjetivamente, tanto em sua dimensão

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consciente como na inconsciente. À imago, por- manidade, que procedem do inconsciente coletivo
tanto, é ao mesmo tempo objetiva e subjetiva. e se fazem presentes na consciência dos indivi-
* O simbolo é uma realidade ainda mais complexa duos de forma simbólica (BAUDOUIN, 1967, p. 68-85,
(Hosrig, 1961, p. 53-57), que se caracteriza não só por 216-217; BENET, 1970, p. 71-90, 129, HOSTIE, 1961, p. 63-
possuir a dimensão subjetiva da imago, mas por ser 85; JUNG, 1957; 1960; 1994, p. 232-233; 1981a, p. 61-168;
portador de sentido. No simbolo, o sujeito projeta 1982, p. 30-58; SPINKS, 1965, p. 94-96).
sobre uma realidade objetiva o sentido último de
sua existência, sendo conformado por uma signifi- Chamo à imagem “primordial” (ou arquétipo) quan-
cação e uma complexidade que faz que, ao mesmo do possui um caráter arcaico. Falo de seu caráter ar-
tempo em que expressa as dimensões profundas caico quando a imagem está claramente ligada a mo-
do homem, oculta o que quer expressar. O símbolo tivos mitológicos familiares. Nesse caso, expressa
tem uma função de compreender, de totalizar a rea- materiais derivados primariamente do inconsciente
lidade psíquica, unificando o consciente e o incons- coletivo, enquanto indica, ao mesmo tempo, que a si-
ciente, o racional e o irracional no homem. Diferen- tuação consciente momentânea é influenciada mais
temente da imago, não se refere a uma realidade ob- pela aparência que pelo pessoal. [...]
jetiva, mas a transcende. A perda de sentido do sim- A imagem primordial é sempre coletiva, ou seja,
bolo, sua redução a signos “objetivos” por parte da é comum pelo menos a nações ou épocas inteiras.
40 sociedade contemporânea desenraízam o homem Com toda probabilidade, os motivos mitológicos
a psicologia
de sua realidade mais profunda, da história e da mais importantes são comuns a todas as épocas e
da religião
no contexto
realidade social e natural (HosrIE, 1961, p. 59, 63). raças (JUNG, 1960, p. 598 [ed. al.|).
da históna da A análise dos conteúdos do inconsciente de seus
.

psicologia Seus conteúdos, portanto, não são pessoais, mas


pacientes, principalmente pela análise dos sonhos,
e um estudo comparativo com os mitos permitem- comuns a um grupo humano, pelo menos a uma et-
lhe reconhecer símbolos que não podem ser ex- nia. São adquiridos não individualmente, por cada
plicados por vivências pessoais criadas, pois têm um dos sujeitos no processo de aprendizagem, mas
referências místicas desconhecidas para os sujei- sim pela humanidade no transcurso da histónia, dei-
tos. Essa constatação e a existência Inconsciente, xando um vestígio na estrutura biológica humana,
permanente e não só atual do simbolo levam Jung transmitido por herança. Posteriormente, a parur de
a perguntar-se de onde ele procede. Encontra a 1926, muda sua compreensão do arquétipo e de suas
resposta à sua preocupação na formulação de uma origens, e passa a concebê-lo como uma disposição
hipótese: a existência dos arquétipos. Aos instin- funcional do psiquismo que produz representações
tos, expressão da base biológica do homem, Jung iguais ou análogas, comuns não só a um grupo, mas
opõe os arquétipos, expressão da dimensão espi- propriedade de todo o gênero humano (JuxG, 1970,
ritual, que se manifestarão em imagos e simbolos. p- 74; 1982, p. 121; VAZQUEZ, 1981, p. 19-24).
Em que consiste essa realidade hipotética deno- Tudo isso alcança seu sentido quando nos apro-
minada arquétipo? São imagens arcaicas da hu- ximamos da compreensão da estrutura da psique

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proposta por Jung (1981a, p. 70-72), A complexidade
turas e que dão forma às religiões e às fantasias pes-
dessa estrutura não me permite entrar aqui numa soais que aparecem no homem são e nos psicóticos.
descrição detalhada, mas posso ao menos enumerar Entre os principais arquétipos podemos assinalar, en-
seus estamentos e a descrever o que acredito ser mais tre outros, o “anima-animus”, a “sombra”, “Deus”...
importante para a psicologia da religião: o incons- Uma nova discordância em relação à psicanálise
ciente coletivo. freudiana é a afirmação por parte de Jung de que no
Para Jung. a psique é a soma dos processos men- inconsciente existem elementos saudáveis e benéfi-
tais cuja estrutura divide-se em quatro estamentos, cos. O inconsciente coletivo é o recipiente de uma sa-
dois conscientes e dois inconscientes. Aos dois pri- bedona infinita com a qual o homem deve estar em
meiros denomina “eu” e “persona”. O “eu” é o lugar comunhão, evitando toda possível ruptura. Isso ocorre
onde reside a consciência do próprio existir, do “si no desenvolvimento de cada um dos indivíduos, que
mesmo”, aquilo que a pessoa é conscientemente. O Jung denomina processo de individuação (BAUDOUIN,
termo “persona” é utilizado em seu sentido origi- 1967, p. 193ss., 205-209; HOsTIE, 1961, p. 89-104; 220-223;
nal (máscara usada no teatro grego para representar JUNG, 1957, 1973; 1981a; 1982; 1992; 1993; JUNG, WILHELM,
os papéis). À “persona” responde às expectativas 1991; VAZQUEZ, 1981, p. 252-340; WEHR, 1991, p. 260ss.). Para
sociais; são os papéis sociais. Não é a personalida- Jung, a psique humana e, concretamente, a dimensão
de “real” do indivíduo, mas sua personalidade so- consciente atual é o produto de uma evolução na qual
cial, Os outros dois estamentos são o “inconsciente emergiram progressivamente as dimensões indivi- 41
capitulo 3
pessoal” e o “inconsciente coletivo”. O inconscien- duais em face das da espécie. A individuação é o pro-
te pessoal identifica-se basicamente com o incons- cesso de fazer-se “individuo”, unidade separada e
ciente freudiano, embora não exatamente (BAUDOUIN, indivisível. É processo pelo qual se chega a que o “si
1967, p. 199-202; BENET, 1970, p. 55-70; VAZQUEZ, 1981, p. mesmo”, a autêntica natureza humana, venha à tona
24-28). Contém essencialmente elementos que foram a partir do inconsciente coletivo até o inconsciente
conscientes e que, posteriormente, foram esqueci- pessoal, alcance as dimensões conscientes do su-
dos ou recalcados. Para além desses conteúdos, as Jeito e se expresse harmonicamente em todas as ins-
análises de seus pacientes refletem outros conteuú- tâncias humanas, alcançando a paz e o equilibrio
dos inconscientes que não são próprios dos indivi- (BAUDOUIN, 1967, p. 91-93, 208-210; HOsTIE, 1961, p. 29-31,
duos concretos, mas do grupo humano; isso o leva 103-104, 158: JUNG, 1981b, p. 215). Caso contránio, quando
a formular a existência do inconsciente coletivo. a construção é desarmônica, ongina-se a neurose.
Assim, é fácil compreender que os conteúdos do
inconsciente coletivo são precisamente os arquétipos
Úunc, 1981a, p. 70-72), que, como assinalava acima, c Terceira etapa (19341961)
Nunca estiveram na consciência, mas são herdados da psicologia analítica, alquimia, gnose e religião
espécie. À existência no psiquismo de cada indivíduo
desse depósito comum à espécie dá ongem aos sim- A partir de 1934, Jung pesquisa os vestígios do in-
ante-
los e mitos que se desenvolveram nas distintas cul- consciente coletivo na cultura ocidental, como

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normente havia feito com as primitivas; assim, ana- uma divindade exterior e distinta dele. Reduz a ex-
lisa sistematicamente a alquimia, os simbolos e os periência religiosa a um “fenômeno psíquico”, diante
elementos míticos, a religião etc. (BAUDOUIN, 1967, p. do qual tenta ser objetivo. Mas admite o valor da reli-
255-261, 279-290; JUNG, 1981b, p. 211ss.; KUNG, 1979, p. 405- gião como expressão do processo de individuação
407; SPINKS, 1965, p. 133-145; WEHR, 1991, p. 28385., 349-353, e “psicologicamente verdadeira” (HosTIE, 1961, p. 145-
365-397). São anos de reconhecimento internacional, 150; JUNG, 1982, p. 63-102).
durante os quais publica grande parte de suas pnin- Para Jung, a religião não é a aceitação de determi-
cipais obras: Psicologia e religião (1939), Ensaios sobre nadas doutrinas, mas fundamentalmente uma expe-
a ciência do mito, em colaboração com C. Kerényi riência a partir da qual podem ser formulados con-
(1941), Paracélsica e O espírito Mercurius (1942), Psi- ceitos. A experiência religiosa já não é para ele, como
cologia e alquimia (1944), O livro dos mortos do Tibet para Freud, uma etapa infantil na vida do homem,
(1945), Psicologia e educação, Contribuição a história mas uma experiência fundamental do numinoso,
dos tempos e Psicologia da transferência (1946), Simbo- que o põe em relação com as dimensões mais inti-
logia do espirito (1948), Aion (1951), Resposta a Jó (1952), mas de sua realidade, com o inconsciente coletivo.
Sobre as coisas que se vêem no céu (1958), Recordações, Não é, tampouco, uma realidade patológica, já que
sonhos, pensamentos, em colaboração com Aniela no processo de individuação tem a função de ama-
durecer e curar (HOSTIE, 1961, p. 169-178; JUNG, 198 1a:
Jafré (1960), e Mystenum Coniunctionis (1967).
49 O tema religioso sempre interessou a Jung. As- 1986, p. 189-191 hi

a psicologia sim aparece em suas referências à recordações de


da religão
infância, como um “sonho” que teve aos doze anos;
Vi com muita frequência que os homens tornam-se
neuróticos quando se conformam com respostas in-
no contexto
Ja história da suas preocupações sobre o Mistério, Deus, o Espi-
psicologia
sito, a Trindade etc.; assim como sua desilusão em satisfatórias ou falsas às questões da vida. Buscam
relação à religião institucional por ocasião de sua pn- uma boa situação, matrimónio, reputação, êxitos
meira comunhão. Sua posição pessoal evolui da con- externos e dinheiro, permanecendo desgraçados e
fissão de agnosticismo absoluto à de crente. Igual- neuróticos, inclusive quando conseguiram o que
mente, sua psicologia passa por distintos períodos: buscavam. Tais homens afundam-se, na maioria
no início participa das opiniões positivistas de Freud, das vezes, numa excessiva estreiteza espiritual. Sua
embora nunca as compartilhe plenamente, para, a vida não tem conteúdo satisfatório algum, nenhum
partir de uma crise pessoal e do estudo das culturas sentido. Quando podem desenvolver uma perso-
primitivas, interessar-se cada vez mais pelo fato reli- nalidade mais ampla, a neurose deixa de existir na
gioso, ainda que a partir de sua própria perspectiva maioria dos casos.
(BAUDOUIN, 1967, p. 288-289; HOSTIE, 1961, p. 135-145; JUNG, A maior parte de meus pacientes não consistia
1981b, p. 47-54, 63-67, 160-161, 217). em pessoas crentes, mas naqueles que haviam per
Entre 1914 1939, suas opiniões sobre o tema re- dido sua fé. Vieram a mim as “ovelhas perdidas". 0
ligioso encontram-se dispersas em suas obras. Nes- homem crente tem também hoje possibilidade de
ses anos, Jung não aceita a referência do homem a viver os simbolos na Igreja. [...) Mas uma tal vida é

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vivência do simbolo Pressupõe a part
icipação viva da como arquétipo, o situa nas dimensões mais íntimas
fé e isso falta com muita frequência ao
homem atual. e inconscientes da personalidade; só cabe entrar em
Nos homens neuróticos falta na maioria
das vezes. comunhão com Ele pela experiência e não pelo co-
Em tais casos estamos obrigados a observar
se o in- nhecimento racional, mas, ao mesmo tempo, parece
consciente não oferece espontaneamente
simbolos reduzi-lo a uma criação psicológica. Entretanto, para
que supram essa carência. Então, fica semp
re de péa Jung, como psicólogo e como ele mesmo defende, o
questão: se um homem que tem os sonhos
ou visões objeto de seu estudo científico não está em afirmar a
adequados é capaz de compreender seu sent
ido e existência de Deus em si mesmo, mas enquanto pre-
aceitar as consequências (JunG, 1981b, p. 150-
151). sente e operante no homem (BAUDOVIN, 1967, p. 209-
210, 279-280, 283-287; HOSTIE, 1961, p. 151-162; JAFFE,
1981,
Em sua última etapa (1934-1961), Jung pesquisa p. 12-13, JUNG, 1960; 1981a, p. 97-99, 1101-102, 140-168; 1981b,
os simbolos religiosos. Assim se expressa exausti- P- 39-40, 63-73, 224, 342-344, 352; WEHR, 1991, p. 97-98).
vamente em Psicologia e religião e Paracélsica, espe- Finalmente, o estudo do papel da religião no de-
cialmente o capitulo 2. E em outras obras, como Exer- senvolvimento da psique e sua relação com as reli-
cicios espirituais, na qual relaciona o conceito inacia- giões institucionalmente estabelecidas o leva a inte-
no de Anima Christi ao viriditas dos alquimistas; Psi- ressar-se pelo campo dos dogmas e das religiões
cologia e alquimia, na qual estuda Cristo como figura comparadas (BAUDOUIN, 1967,p. 174-177, HOSTIE, 1961, p. 43
psicológica e o relaciona com o conceito alquímico 163-166, 181-182, 225-250; JUNG, 1973; 1981a. p 75-77; 1982,
fundamental de Lapis (pedra) (WEHR, 1991, p. 202ss., p: 101; 19816, p. 343-344), entrando no estudo de alguns in
239ss., 365-373); Simbologia do espírito, na qual estu- arquétipos, como a Trindade cristã, que segundo
da os arquétipos do espírito, com trabalhos sobre a ele, psicologicamente falando, deve ser entendida
Tnndade, Satanás etc.; Aion, a publicação mais im- como uma Quaternidade, na qual o quarto elemen-
portante sobre o simbolismo religioso, na qual ana- toéo princípio feminino, a Deusa Mãe. Por isso, na
lisa a figura de Cristo e a evolução que seu conteúdo proclamação do dogma da Assunção de Maria, verá
religioso sofre ao longo dos séculos em relação à as- mais um sinal de confirmação da sua teoria sobre à
trologia; e Resposta a Jó, na qual estuda o papel am- Trindade (Hosri, 1961, p. 236-250; JUNG, 1973, p. 112-118,
bivalente da figura de Deus e aborda o tema do lado 122;1981b, p. 343-344; 1982, p. 101).
oculto da imagem de Deus: “a cólera de Deus”, o “te-
mor de Deus” etc. (JunG, 1973, p. 32-33, 4Iss., 129ss.).
Quando Jung faz afirmações sobre Deus, elas são
ambíguas. Enquanto em seu último período a expe- 3. Balanço das contribuições da psicologia
riência de Deus é algo imediato, em suas obras cien- profunda à psicologia da religião
tíficas não fala de Deus, mas da “imagem de Deus na
alma humana”, ou, o que é a mesma coisa, do “ar- Se de tudo o que toi dito devêsssemos fazer um ba-
quétipo de Deus”, suscitando muitas discussões en- lanço, destacariamos como fundamentais alguns as-
tre os pesquisadores de sua obra. Ao designar Deus pectos positivos:

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* A psicologia profunda nos aproxima de uma visão numa tentativa de justificar sem mais nem menos
mais dinâmica da religião e de uma tentativa de ex- sua posição (FROMM, 1983a, p. 62; PLE, 1970, p. 127,
plicação de sua origem no desenvolvimento da per- 135ss.; RICOUER, 1966, p. 250-251).
sonalidade do individuo. Freud formula afirmações para ele evidentes nas
* Relaciona a imagem de Deus e a figura paterna, o quais fundamenta sua critica, como a redução do
que deu ongem a numerosos estudos. homem a uma pulsão básica (a libido), o com-
* Está interessada em compreender a função que tem plexo de Édipo etc., que hoje não significam tanto
a religião tanto na vida do indivíduo como na so- nem mesmo para a psicanálise (FROMM, 1974, p.
ciedade e na cultura. 96-99; 1982, p. 109; 1983a, p, 59), como tampouco
- Assinala as relações profundas entre religião e significam as generalizações das conclusões psi-
culpabilidade. canalíticas que estende a outros âmbitos, como a
* Abre as portas para um estudo da patologia re- cultura ou a religião (FREUD, 1912/1913, p. 1.794; PL,
ligiosa. 1970, p. 153-158).
* Convida-nos a uma punficação da vivência reli- Ao caracterizar a existência humana por um im-
giosa, de suas motivações profundas e do que nela pulso de necessidade de segurança e satisfação de
pode haver de imaturidade ou patologia. desejos, Freud não deixa espaço para a compreen-
44 * No pensamento de Jung existem contribuições
importantes para o fato religioso, como o papel do
são religiosa do homem; a partir disso, os compor-
tamentos religiosos são compreendidos parcial-
a psicologia
da religião símbolo e da linguagem simbólica, a religião como mente como expressões de vivências patológicas
no contexto
elemento de maturação e de cura no homem, ao que impedem o desenvolvimento humano.
da histónie da
psicologia colocá-lo em relação harmônica com suas dimen- Da psicologia de Jung ficam algumas perguntas no
sões mais profundas etc. ar: que relação há entre a imagem de Deus e sua
existência? Que avaliação realmente existe do reli-
Mas também deveriamos recordar: gioso? É somente uma tentativa de elaboração sim-
bólica do inconsciente coletivo nessa busca de in-
* Nenhum dos dois autores é imparcial, mas partem tegração pessoal? (SPINKS, 1965, p. 145; VERGOTE,
de posições tomadas e, inclusive, de preconceitos, 1975, p. 209).

cd

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CaADIt
WO tu] o 4

Psicologia experimental e religião

este capítulo abordarei uma série de autores versidade de Columbia, apresentava publicamente
de diferentes correntes que no entanto tém seu projeto de psicologia centrada no estudo do com-
em comum a utilização de técnicas objetivas portamento, projeto apresentado em O comporta-
de medida e métodos experimentais com o intuito de mento: introdução à psicologia comparativa, obra pu-
alcançar maior objetividade científica em suas afir-
mações. Entre eles, pode-se destacar, como autor do
blicada dois anos depois (WatsoN, 1914). Ali con-
siderava que o comportamento é o único elemento
45
primeiro estudo experimental de psicologia da reli- quantificável e previsível do ser humano e, portanto,
gião, Karl Girgensohn (1875-1925), que no início do o único objeto da psicologia. Com isso abria um ca-
século XX serviu-se da técnica da “introspecção ex- minho novo e promissor para o desenvolvimento da
perimental” para explorar os elementos e as estrutu- psicologia científica, ao propor uma metodologia
ras fundamentais da experiência religiosa. Para isso, mais objetiva na qual a observação, a previsão e o
pediu a uma série de indivíduos bem preparados que controle do comportamento eram suas tarefas prin-
descrevessem suas experiências diante de uma sé- cipais. Mas ao negar as dimensões internas da perso-
ne de poemas e hinos religiosos, a fim de esclarecer nalidade, tornou muito chficil, se não impossível, a
a natureza dos sentimentos religiosos e o lugar que partir dessa perspectiva, o estudo dos sentimentos
ocupava a Imaginação na experiência religiosa. e das vivências religiosas do homem, objetivo que,
em princípio, ficou praticamente excluído. O fato é
que a maioria dos behavionistas e neobehavioristas
estntos, ou não se interessaram em absoluto pelo fato
1. Behaviorismo e religião religioso, ou o fizeram de forma tangencial a partir
de suas perspectivas biológicas, experimentais etc.
Era essa objetividade que se propunha J. B. Watson
tT
em 1912 quando, numa série de conferências na Uni-

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w . .
a W. Sargant: compreensão da conversão que gera uma saturação de vivências religiosas, são os
a partir do condicionamento clássico medos imaginados e não as vivências religiosas que
provocam um revival religioso.
O psiquiatra inglês William Sargant, em Battle for the A partir disso, estendeu sua aplicação a outros
Mind (SARGANT, 1997), paruu dos conceitos pavlovia- fenômenos religiosos, como as possessões induzi-
nos de “estimulação transmarginal” e “imbição trans- das pela utilização de práticas emocionais intensas
marginal” para explicar o fenômeno da conversão. dos ritos etc. Com 1sso quis buscar uma explicação
Pavlov havia conduzido a expenência de que uma para a manipulação encoberta dos cultos e das sei-
estimulação excessiva (estimulação transmarginal) tas. O ritmo e a música ensurdecedora, a dança vi-
era traumática para o sistema neurológico do ani- gorosa, O paroxismo... que caracterizam os rituais
mal que a recebia, produzindo uma inibição (inibição tém como objetivo provocar crises de excitação emo-
transmarginal). Isso levou Pavlov a estudar as respos- cional que levam a estimulações transmarginais. É
tas a uma estimulação excessiva, comprovando que, o momento de dominação no qual o controle entra
contrariamente às regras de uma mudança mais ou em colapso, no qual os praticantes experimentam a
menos paralela entre o volume dos estímulos e o das “chegada do Espinto”, típico dos participantes des-
respostas, a resposta se desenvolvia em três fases: uma se tipo de práticas, e no qual sentem que é o espínto
46 primeira fase “equivalente”, na qual todos os estimu- que os move. Durante esses episódios de inibição
á psicologia los provocam o mesmo efeito; posteriormente uma transmarginal, a sugestionabilidade dos participan-
da religião segunda fase “paradoxal”, na qual os estímulos fracos tes é considerável e podem ser manipulados pelo li-
no contexto
da história da provocam uma resposta mais importante que os for- der carismático.
psicologia tes; para finalmente, na fase “ultraparadoxal”, gerar
uma distorção dos efeitos: o estimulo positivo se man-
tém totalmente ineficaz, enquanto o estímulo nega- b B F Skinner (1904-1990)
tivo produz resposta positiva (SAHAKIAN, 1082, p. 549),
Sargant, que numa visita aos Estados Unidos fi- Parece quase desnecessário assinalar a importância
cou impressionado com a manipulação de determi- de Skinner no pensamento neobehavionsta. Douto-
nados grupos religiosos da cidade de Durham (Ca- rado em 1931 pela Universidade de Harvard e profes-
rolina do Norte), aplicou essas conclusões de Pavlov sor desde 1936 das universidades de Minnesota, In-
a conversões religiosas dramáticas. Segundo ele, o diana e Harvard, Skinner recebeu, em 1958, o “Prê-
prolongamento de uma estimulação transmarginal mio de Destacada Contribuição Cientifica”, con-
(uma estimulação religiosa intensa) tem como re- cedido pela Associação de Psicologia Americana
sultado um processo histérico de sugestionabilida- (APA) e, em 1968, o “Prêmio Nacional da Ciência”.
de (um processo de inibição ou bloqueio), no qual o concedido pelo presidente dos Estados Unidos. De-
estimulo contrário será o que gerará resposta. Para senvolveu suas idéias fundamentalmente em Cién-
Sargant, depois de uma intensa excitação emocional, cia e comportamento humano (1953), livro-texto para

1 N

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seus alunos de psicologia da Universidade de Har- (o bilhete é premiado), fazendo que o indivíduo as-
vard, Para além da liberdade e da dignidade (1971) e socie um ao outro e repita o primeiro na expectativa
Sobre o behaviorismo (1974); nelas desenvolveu o con- de que desencadeie o segundo. Essa associação po-
ceito-chave de seu pensamento, o condicionamento deria explicar muitos comportamentos inúteis e ir-
operante (SKINNER, 1972b; 1975; 1981), racionais dos humanos a fim de conseguir uma de-
Skinner abordou o fato religioso repetidas vezes terminada resposta e também possibilitar a explica-
em suas obras, mas apenas tangencialmente. Não ção de determinados comportamentos religiosos ou
estudou os distintos comportamentos religiosos a pseudo-religiosos.
partir do condicionamento operante, mas tratou O Às principais críticas ao behaviorismo represen-
fato religioso no contexto das instituições sociais que tado por Skinner em relação à sua aproximação da
exercem um controle sobre os comportamentos hu- religiosidade podem ser resumidas em duas: à redu-
manos, como o governo, a lei, a psicoterapia, a edu- ção da experiência aos comportamentos públicos e o
cação, a economia... a todas elas dedica a quinta desprezo de importantes motivações de tais compor-
sessão de Ciência e comportamento humano. Con- tamentos, embora alguns psicólogos behavioristas
cretamente, analisou o papel da religião no capitulo menos radicais tenham tentado superar essas limita-
XXIII dessa obra (SKINNER, 1981, p. 373ss.), assim como
em seu romance Walden II (SKINNER, 1980, p. 220ss.),
ções (WuLFr, 1991).
47
no qual não o tratou sistematicamente, mas em que capítulo 4

aparece disperso ao longo de toda a obra. Em todo


caso, o religioso é compreendido por Skinner como 9, Análises estatísticas e estudos
um reforçador ou um elemento inibidor do compor- experimentais do fato religioso
tamento, e as instituições religiosas são compreen-
didas como reforçadores ou imbidores sociais de Apesar da rígida aplicação, o behaviorismo não deu
determinados comportamentos ao apelar a prêmios grandes contribuições para a compreensão do fato
ou castigos eternos. religioso além da que forneceu sobre alguns com-
Junto a essa concepção do papel especifico do portamentos patológicos ou quase patológicos. En-
religioso, aparece na obra de Skinner outro tema tretanto, a psicologia experimental introduziu certa
que, embora não aplicado diretamente à compreen- metodologia e alguma precisão no estudo da psi-
são dos comportamentos religiosos, poderia sê-lo cologia da religião, como o processo de observação e
com facilidade: os comportamentos supersticiosos medida como passo anterior à formulação de conclu-
(SKINNER, 1972, p. 168-172; 1981, p. 114-117). Segundo ele, sões, a criação de categonias, o tratamento com cál-
há ocasiões nas quais um determinado comporta- culos matemáticos complexos de correlação e pro-
mento irrelevante (por exemplo, colocar um bilhete babilidade, a utilização de questionários padroni-
de loteria sob uma imagem de São Pancrácio) coin- zados, as pesquisas com indivíduos e amostras de
cide acidentalmente com um fato ou uma resposta população... tudo isso permitiu um grande desen-

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volvimento dessa matéria, que vai desde sua origem sua relação e conclui que a área das experiênciasé
no final do século passado, com o estudo realizado a mais importante para à psicologia da religião.
A parur das experiências religiosas, descritas
por Starbuck, até a atualidade (ARGYIE, 1966).
como “experiências de encontro (certa sensação de
contato) com a própria intimidade e certa consciên-
E C. y. Glock
cia do sobrenatural”, esses autores, esperando que
apenas 20% da amostra reconhecessem tal sensação
a. E. Stark

ou presença, constataram que 73% dos protestantes


Entre os estudos estatísticos sobre o fato religioso
e e 66% dos católicos entrevistados respondiam afir-
destaca-se por seu interesse o realizado por Glock
- mativamente à existência dessa sensação ou pre-
Stark, o Programa de Pesquisa em Religião e Socie
ley sença em suas vidas, o que os fez concluir pela exis-
dade do Centro de Pesquisa e Medida de Berke
o mais tência de uma identificação entre a sensibilidade
(Califórnia) (STARK, GLOCK, 1965; 1968; 1973),
prin- religiosa e a “sensação da presença de Deus”.
importante realizado nos Estados Unidos. As
parte da Stark e Glock dividiram as respostas em quatro
cipais questões que dominam a primeira
re- tipos distintos, que, por sua vez, incluem diferentes
pesquisa são: Qual é a natureza do compromisso re-
lógica des- subtipos, criando uma taxonomia da experiência
ligioso? Qual é a fonte sociológica e psico
ligiosa. Os quatro tipos são:
48 se compromisso? Qual é sua consequência socioló-
gica e psicológica?
a psicologia
O “confirmado”, no qual o homem assume marcas
Algumas das descobertas de Glock e Stark são
da existência do ser sobrenatural, que o autentica.
da religião
em
apresentadas em seus livros: Religião e soctedade
no contexto

ável
* Oresponsivo”, no qual a divindade é respons
da história da
com-
psicologia tensão (1965) e Devoção americana: a natureza do
ídos os da- pelo fazer do homem.
promisso religioso (1968). Neles estão inclu
dos de uma amostra de três mil questionários
pas- O “extático”, no qual a consciência de presença €
O
sados a membros de Igrejas do norte da Califórnia e responsável por uma relação afetiva que busca
os de uma segunda amostra, esta nacional, de quase amor e a paz.
dois mil cristãos adultos. A segunda amostra, dife- « Eo “revelado”, no qual a experiência religiosa fe
rentemente da primeira, inclui todo tipo de pessoas que a pessoa perceba-se como confidente ou par
estatisticamente significativas: cristãos de distintas tenair da divindade.
confissões, indiferentes... A pesquisa abrange cinco
dimensões da religiosidade: as crenças (dimensão Suas pesquisas não se conformam simplesmente
ideológica), a prática (dimensão ntualista), as expe- em construir uma tipologia, mas tentam conheceré
néências religiosas (dimensão expenencial), os conhe- frequência de cada um dos tipos.
cimentos religiosos (dimensão cognitiva) e os efeitos Esse estudo despertou algumas críticas: uma po
da religiosidade (dimensão consegquencial); Ela exa- meira referia-se à limitação própria dos questiona”
mina cada uma das dimensões a fim de compreender rios como método de pesquisa e de análise de com”

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portamentos rehgiosos, devido à ambigúidade da nidos ou realizados por um grupo de sociólogos es-
linguagem etc., o que faria que os resultados, em panhóis sobre a juventude e a sociedade espanhola
grande medida, dependessem da direção da pes- (ToHaRIA et al., 1984; 1985; 1989; GONZALEZ BLASCO, GON-
quisa, da habilidade do pesquisador e das caracte- ZALEZ ANLEO, 1992; ELZO et al., 1994; 1999), ou o realizado
rísticas do problema. Uma segunda crítica foi diri- por G. G. Milanesi (1981), muito completo em sua
gida às conclusões e se referia às possíveis relações análise, realizado com jovens italianos.
entre os distintos fatores, pois ao simplificar o pro-
blema poderia ocorrer que na análise estatística a
primeira variável se correlacionasse com a segunda, c Estudos expermentais
embora essa correlação não existisse na realidade e
as variáveis fossem independentes, já que o ques- Outro tipo de estudos são os que utilizam o método
tionário poderia estar construído de tal maneira que experimental, cuja principal característica é a formu-
supusesse alguma discriminação sobre a forma de lação de hipóteses — nas quais se postula a influên-
aparecer as variáveis. Contudo, apesar das limita- cia de um determinado fato sobre outro —, poste-
ções metodológicas, o programa de pesquisa “So- riormente comprovadas ou refutadas graças à pes-
ciedade e religião” de Berkeley, realizado por Stark quisa por meio do controle de variáveis e da análise
e Glock, implicou uma importante contribuição para de correlações. Esse controle é mais bem efetuado 49
a aplicação do método estatístico ao estudo da reli- em amostras muito pequenas e em laboratório do capitulo 4
gião nos Estados Unidos. que em situações contextuais normais. Isso faz que
esse tipo de estudo não seja o mais frequente em psi-
cologia da religião. De qualquer forma, existe um nú-
b. Outros estudos estatísticos mero suficiente de estudos que abrangem normal-
mente os artigos do Journal for the Scientific Study of
Nessa linha de pesquisa, os estudos foram suceden- Religion e do The International Journal for the Psy-
do-se e multiplicando-se nos últimos anos, sobre- chology of Religion, alguns deles apresentados ao
tudo no campo da sociologia religiosa e, também, longo desta obra (Browx, 1973, p. 209-342; ARGYLE,
ainda que em menor medida, no da psicologia. Esses Berr-HaLLAHMI, 1973), Também incluem-se nesse item
estudos permitem uma visão da evolução de alguns muitos outros que se realizaram, apesar da dificul-
fatores do fenômeno religioso (crenças, prática etc.) dade de controle das vanáveis, com grupos de popu-
nas distintas sociedades, apesar de raramente per- lação em seu contexto natural, utilizando distintas
mitirem uma interpretação psicológica dos fatos e técnicas como a de teste-reteste. Esse tipo de estu-
de suas motivações. De qualquer forma, é justo des- dos tende a concentrar sua atenção nos comporta-
tacar alguns estudos mais importantes e recentes mentos especificamente religiosos e nas atitudes —
entre os muitos realizados nesse campo, como os de por exemplo, a influência da oração zen na personali-
J. Stoetzel (1983) sobre a sociedade européia, os reu- dade dos que a praticam. Assim, o experimentalismo

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veio a contribuir para a psicologia da religião com do encefalograma, a possibilidade de estimulação
informação objetiva sobre o fenômeno religioso. química e elétrica tornaram possível a criação de um
Também foram utilizados estudos empíricos para mapa do cérebro humano até então desconhecido,
comprovar ou refutar hipóteses formuladas por ou- Junto a esses estudos, as relações entre cérebro médio,
tras correntes de pensamento psicológico, como é o sistema hormonal e estados de espírito abriram um
caso da psicanálise sobre o fato religioso entre ou- novo campo de compreensão das emoções...
tros. Para isso, foram realizados, por exemplo, estu- Tudo isso tornou possível a realização de estudos
dos sobre a correlação entre imagem de Deus e ima- referentes a alguns aspectos da religiosidade, como a
gens paternas utilizando a técnica “Q-Sort” de W. relação entre privação sistemática de estímulos e su-
Stephenson, como o realizado por M. O. Nelson e gestionabilidade (técnica utilizada frequentemente
E.M. Jones, repetido duas vezes: a primeira por O. por algumas seitas), as semelhanças entre efeitos de
J. Strunck e a segunda por A. Godin e M. Hallez; ou determinadas drogas e fenômenos místicos extraor-
o de R. Vianello feito com crianças; ou os realizados dinários, a relação entre ondas elétricas cerebrais,
com outras técnicas de pesquisa, como o de A, W. estados de consciência e meditação, a função dos he-
Siegman, entre outros (GODIN, HaLLEZ, 1964, p. 247-249; musférios cerebrais... (HUXLEY et al., 1980; KUGLER, 1985;
NELSON, JONES, 1968, p. 185-195; SIEGMAN, 1961, p. 74-78; Ror CARBALLO, DEL AMO, 1986).

50 1968, p. 197ss.; STEPHENSON, 1953; STRUNCK, 1959; VIANELLO,


a psicologia 1976, p. 203ss.).
da religião
no contedo

da hstóna da
3. Contribuições da psicologia cognitiva
psicologia d. Psicologia fisiológica e religião para a psicologia da religião

Finalmente, outra fonte de pesquisa fornecida pela O esgotamento do desenvolvimento do neobehavio-


psicologia cientifica é a que se abriu com o estudo da rismo e de suas contribuições foi substituído na his-
base biológica da personalidade. Já Pavlov e mais tar- tória da psicologia científica por uma nova corrente,
de o behavionsmo de Watson assinalavam uma re- o cognitivismo, que concentra sua atenção no estudo
lação importante entre psicologia e fisiologia que as dos processos mentais e da memória humana, a im
pesquisas posteriores pretenderam esclarecer. As de compreender e prever o comportamento humano
aproximações biológicas orientaram-se principal- (MAYER, 1985, p. 17-18). Determinar o nascimento des-
mente para o estudo do cérebro como órgão central sa corrente e seus precursores, assim como as disun-
do sistema nervoso: estudos sobre o córtex, as fun- tas escolas que nela se englobam, não é nada fácil e
ções dos hemisférios cerebrais, o cérebro médio etc. provavelmente ainda seja necessário um tempo de
Os avanços na compreensão da biologia e dos proces- desenvolvimento e sedimentação, mas quase todos
sos químicos no organismo humano no século XX
Os autores dessa corrente reconhecem como pionei-
foram os mais importantes da história. A existência
ros entre seus precursores J. Piaget e seus estudos.

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a) Piaget (iA96-1980) de Estudantes da Suíça Francesa um grupo de pes-
quisa em psicologia da religião, e apresentou suas re-
Nascido em Neuchátel (Suíça), desde pequeno foi flexões em várias das reuniões anuais da associação
amante do estudo e da pesquisa científica, especial- de Sainte-Croix (PiacET, 1922b, p. 42-43). Numa série de
mente da biologia. Publicou seu primeiro trabalho textos sobre atitudes religiosas, Piaget distinguia
científico aos dez anos: uma nota de uma página so- dois tipos, correspondentes a duas concepções de
bre um pardal albino que havia visto num parque Deus aparentemente opostas: Transcendência e
público. Trabalhou como auxiliar do diretor do Mu- Imanência. De acordo com a primeira, o Ser Supre-
seu de Histónia Natural, publicando até vinte traba- mo é um Deus de causas, fonte da ordem cósmica e
lhos sobre esses temas antes de completar 21 anos. do sentido, enquanto o Deus “imanente” não é um
Licenciou-se em 1915 e, em 1918, doutorou-se em Deus de causas, mas de valores, um Deus situado
Ciências Naturais. Nesses anos leu sobre ternas mui- mais dentro do homem do que no mundo extenor
to variados: psicologia, filosofia, religião etc. Ao dou- (PiacET, 1930, p. 9-10). Seu estudo indica que os indiví-
torar-se abandonou Neuchátel em busca de prepa- duos inclinam-se por uma ou outra concepção se-
ração no campo da psicologia e, assim, chegou à Sor- gundo a relação que tiveram com seus pais. Há pes-
bonne, onde lhe foi oferecida a possibilidade de tra- soas predispostas à transcendência e a uma moral de
balhar no laboratório antes dingido por A. Binet, obediência, quando desde pequenas lhes é ensinado
função então desempenhada por T. Simon. Ao tra- o respeito universal pelos adultos, sobretudo se eles 51
capitulo 4
balhar com escalas de inteligência, chamaram sua detêm a autoridade e o prestigio. Há uma inclinação
atenção as respostas incorretas. Apresentou seus re- à imanência e a uma moral de autonomia quando a
sultados numa série de artigos publicados em 1921. atitude é de respeito mútuo, fundada na igualdade
Isso fez que lhe oferecessem o cargo de diretor do e na reciprocidade (PracET, HAReE, 1928, p. 7-40).
Instituto ]. J. Rousseau de Genebra, permitindo-lhe Sua contribuição mais importante, no entanto,
ter tempo e liberdade para realizar suas pesquisas. para os temas estudados pela psicologia da religião
Entre 1921 e 1925 realizou estudos sobre a lin- encontra-se em seu trabalho sobre o desenvolvimen-
guagem da criança, o raciocínio causal, o juízo mo- to moral da criança, ao qual dedica uma de suas obras
ral etc..., completados posteriormente com estu- (PiagET, 1987). Para esse estudo, Piaget utilizou, como
dos sobre volume e quantidade, assim como pela é habitual em sua obra, o método clínico com crian-
observação detalhada de seus próprios filhos. Tudo ças de 3 a 12 anos. Nele analisou o respeito que sus-
isso possibilitou suas afirmações sobre o desenvol- citam nas crianças as regras e seu critério de respon-
vimento infantil. Entre 1929 e 1939 foi nomeado di- sabilidade e justiça. Tudo isso o levou a descobrir dis-
retor da Agência Internacional de Educação, o que tintos estágios nesse processo, relacionando-os aos
lhe permitiu colocar suas teorias em contato com a estágios da evolução da inteligência, que vão desde
prática educativa. um conceito absoluto da Lei até a consciência de con-
Depois de sua chegada a Genebra, organizou trato social. De um conceito heteronômico de justiça
junto com alguns membros da Associação Cristã a um conceito autônomo.

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Seus estudos sobre o desenvolvimento da inteli- no terna do desenvolvimento moral, para a qual uti-
gência (PIAGET, 1921a, p. 449-480; 1921b, p. 141-172; 1922a, lizou como método a narrativa de histórias que apre.
p. 222-261; 1929; 1965; 1967; 1989; FLAVELL, 1982, p. 23ss.) sentavam determinados problemas éticos. Os resul.
influiram notavelmente na psicologia da religião, em tados de suas pesquisas foram publicados a partir
pesquisas sobre a evolução dos conceitos religiosos, de 1963 (KoHLBERG, 1963a, p. 11-33; 1963b; 1989; 1992).
como o conceito de Deus, nas crenças e no conceito Para Kohlberg, o processo de ganho de autono-
de pertencimento religioso, a ponto de serem fre- mia moral é mais lento do que Piaget propunha em
quentes os estudos que se referem explicitamente seus estudos. Ele assinalou três níveis no desenvolvi-
aos estágios da inteligência segundo Piaget (Bover, mento moral, com dois estágios cada um:
1975; DECONCHY, 1964, p. 277-290; 1967; ELKIND, 1981;
HaRMs, 1944, p. 112-122). * Nível | Pré-convencional. Nesse estágio o cnténio
moral é heteronômico.
* Nivel Il: Convencional, no qual o indivíduo alcan-
b. L Kohlberg (1927-1987) ça níveis de autonomia moral, mas o cnténio ult-
mo está relacionado ao sistema social.
L. Kohlberg, formado pela Universidade de Chica- * Nível Ill: Pós-convencional, no qual alguns indi-
59 go, onde se doutorou, foi um continuador do pensa- víduos chegam à formulação de principios mo-
a psicologia mento de Piaget, cuja obra o atraiu por volta dos anos rais universais que muitas vezes encontram-se em
da religião 1950 (KonLero, 1958). Foi professor da Universidade claro confronto com os sistemas sociais admit-
no contexto
da históna da de Harvard, onde desenvolveu seu trabalho docente, dos, criando problemas que os levam à objeção
psicologia alternando-o com a tarefa de pesquisa concentrada de consciência.

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-apítulo J

Psicologia, psicanálise humanista e religião

m 1961, A. H. Maslow, junto com um grupo he- são do homem por parte da psicanálise e do beha-
terogêneo de psicólogos — entre os quais K. viorismo, que considerava parciais, pois não o enten-
Golstem, €. Búhler, R. May e C. Rogers —, fun- diam como pessoa saudável que atua de forma cria-
dou a revista The Journal of Humanistic Psychology. tiva (BUHLER, 1979). Daí o primeiro nome pelo qual se
Esse grupo inicial cristalizou-se em 1962 na Asso- denomina essa corrente ter sido “psicologia da saú- 53
ciação Americana de Psicologia Humanista, que pre- de”. Num folheto preparado por C. Búhler e J. F. T.
tendia responder a uma preocupação inserida no Bugental enunciavam-se os quatro principios funda-
contexto de então: a melhoria da qualidade de vida, mentais do movimento (SAHAKIAN, 1982, p. 298-299).
o desenvolvimento do homem, sua saúde e sua ma-
turidade. Essa preocupação não era exclusiva deles, * Concentrar a atenção na pessoa sobre a qual se
mas comum a outros psicólogos, como alguns psica- experimenta e enfocar assim a experiência como
nalistas da segunda geração, entre os quais E. Fromm, fenômeno primário do estudo do homem.
K. Homey, E. H. Enkson, que se denominam psica- Destacar as qualidades humanas distintivas, co-
nalistas culturalistas ou humanistas (BAUMGARTNER, mo a capacidade de escolha, a criatividade, a ava-
1977, p. 46755.; SAHAKIAN, 1982, p. 392-393). liação e a auto-realização, opostas ao critério dos
seres humanos dado em termos mecanicistas e
reducionistas.
* Ser leal ao significado na seleção dos problemas a
1. Psicologia humanista: ser estudados, o que supõe dar mais ênfase em que
características gerais os problemas estudados sejam úteis para o desen-
volvimento humano e para a melhora da sociedade
Maslow, ao apresentar essa corrente psicológica, o do que numa busca de objetividade exagerada à
fez como uma “terceira força” diante da compreen- custa de sua significação.
Ed

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Ter um interesse último pela dignidade e pelo va- proveitosas e felizes; mas se forem negadas ou se
lor do homem e pelo desenvolvimento do poten- se tentar aboli-las a pessoa adoecerá.
cial inerente a toda pessoa. « O homem é chamado à saúde, à maturidade, à
auto-realização. Essa força interna é um aspecto
Por trás dessa declaração de principios, havia dominante da “vontade de saúde”, do impulso à
uma série de pressupostos antropológicos (ALLPORT, auto-realização. O desenvolvimento até a etapa
1961, p. 19-40; FROMM, 1975, p. 59-64, 137, 170, 300-309;, 1982, adulta é obtido graças a sua descoberta e sua acei-
p. 11-19, 134-179; 1983, p. 20-33, 51, 59-63; MASLOW, 1983, tação, e sua execução por meio das escolhas que o
p. 34-37) (considera-se o homem dotado de um papel homem faz e de seu próprio projeto, fruto da von-
e de uma identidade pessoal, como um ser histórico, tade. Para isso é necessário um certo e inevitável
com um passado e aberto ao futuro e com uma liber- nível de disciplina, privação, frustração e dor, ex-
dade e uma responsabilidade que lhe permitem ter periências que guardam relação com um senti-
uma escala de valores e um sentido pessoal) e psico- mento de auto-respeito e autoconfiança saudá-
lógicos (MasLOW, 1983, p. 29-31, 251-282): veis. Quem não conseguiu nem resistiu ou supe-
rou as dificuldades continua duvidando da própria
- Defende-se a existência de uma natureza humana capacidade de fazê-lo.
54 interna de base essencialmente biológica, em par- Não é possível nenhum tipo de saúde psíquica à
a psicologia
te própria de cada pessoa e em parte comum à es- menos que esse núcleo essencial da pessoa seja
da religião pécie, que é, até certo ponto, “natural”, intrínseca, aceito basicamente, amado e respeitado pelos ou-
no contexto
inata e, em certo sentido, imutável, passível de ser tros e por ela própnia.
da históna da
psicologia estudada científica e objetivamente graças às téc-
nicas experimentais. A formulação desses princípios supõe uma visão
O homem é um ser em desenvolvimento. Sua base claramente otimista do homem,já que O concebe co-
biológica inicia esse processo quando começa a en- mo um ser dotado de capacidade de saúde, de cres-
trar em contato com o mundo exterior e a susten- cimento, e chamado à auto-realização pessoal.
tar um diálogo com ele, levando-o ao ganho do eu.
A personalidade é dotada de uma dimensão pro-
funda. Muitos de seus aspectos são inconscientes a A H Maslow 19081970)
porque estão recalcados, mas nem todos são ne-
cessariamente negativos, pois as necessidades, as Nascido no Brooklyn (Nova York), estudou psicolo-
emoções e as potencialidades humanas básicas gia dentro da corrente do behaviorismo mais estmto
são neutras ou positivamente “boas”: por isso, é mas posteriormente foi influenciado por psican
melhor trazê-las à luz e cultivá-las do que as sufo- listas como K. Homey e E. Fromm, pela Gestalt, po
car, pois, se lhes é permitido atuar como princípio intermédio de M. Wertheimer, e por antropólos”
diretor da vida, elas se desenvolverão saudáveis, como R. Benedict. Graduou-se em arte e filosont

dd

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pela Universidade de Wiscosin em 1934, Em 1954, * Necessidade de auto-realização. Finalmente, o ho-
desenvolveu sua teona da motivação no livro Moti- mem necessita, para sê-lo, desenvolver “valores”
vação e personalidade, revisado em 1970, e sua teoria de tipo superior, como a paz, a justiça, o belo etc.,
da auto-realização em 1962, no livro O homem auto- que déem sentido à sua vida.
realizado, para postenormente estudar o tema reli-
gioso em Religião, valores e experiências culminantes, Para Maslow, essa escala articula-se de maneira
publicado em 1964. Em 1962, fundou, junto com ou- que os valores encontram-se no extremo supenor do
tros psicólogos, a Associação Americana de Psico- continuo que começa nas necessidades fisiológicas.
logia Humanista e foi presidente da Associação de Enquanto estas dizem respeito a necessidades que
Psicologia Americana até 1970. devem ser saciadas e que no momento em que o são
Em seu estudo sobre as motivações humanas, as- desaparecem, conforme avançamos na escala em di-
sinala a existência de uma “hierarquia de necessida- reção às motivações supenores, em vez de desapare-
des”. Para ele, o sentido dos comportamentos não po- cer, a necessidade se reforça quanto mais a coloca-
de se reduzir a um impulso único, daí afirma a exis- mos em prática. Assim, o homem que tem e vive um
tência de múltiplas motivações que agrupa primeiro determinado valor, quanto mais participa dele, mais
em cinco e posteriormente em sete níveis, que vão motivado fica (MasLOW, 1983, p. 203-238).
desde aquelas que permitem compreender os com- Uma segunda característica na escala das moti- 55
portamentos e atitudes que nascem de uma necessi- vações é que, para que exista a possibilidade não só capitulo 5

dade que deve ser saciada até as que procedem de um de sobrevivência, mas também de crescimento psi-
valor “superior”, que denomina “metamotivações”. cológico e equilibrio mental, é necessário que sejam
Eis essa hierarquia, da infenor para a supenor: saciadas as motivações básicas. Entretanto, quando
o homem alcança um nível de desenvolvimento suh-
Necessidades fisiológicas, nas quais se incluem os cientemente humano, está disposto a renunciar in-
aspectos instintivos de sobrevivência e reprodu- clusive às necessidades básicas em favor do valor su-
ção (alimentação, sexo etc.). penior por ele escolhido, a ponto de entregar a própria
Necessidade de segurança, indispensável para o de- vida por ele (MAsLOW, 1983, p. 79-106).
senvolvimento e o crescimento do homem, que não Em suas últimas obras, Maslow abordou o es-
pode sentir permanentemente que sua vida está tudo da auto-realização e das metamotivações. Para
em perigo. Aqui se incluem a ordem e o bem-estar. ele, todas as definições de auto-realização admitem
Necessidade de pertença. O homem, para que possa ou implicam a aceitação e expressão do núcleo n-
se desenvolver, necessita sentir-se membro de um terno ou eu, isto é, a realização de suas capacidades
grupo, pertencer a ele e ser acolhido e amado. e potencialidades latentes e uma presença minima,
* Necessidade de estima. O homem deve ser valori- a menor possível, de doença, neurose, psicose, per-
zado, ocupar um lugar, ter um papel. Necessita da da ou diminuição das capacidades humanas e pes-
na-
estima e do êxito. soais básicas (MAsLOW, 1983, p. 261). Além disso,

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queles homens que chegam aos mais altos níveis de b. G. W. Alport 18971967)
humanização aparecem determinadas experiências
que denomina “experiências culminantes” ou “cli- Nascido em 11 de novembro de 1897, em Monte.
max”, às quais dedicou sua obra Religious, Values zuma (Indiana), num lar marcado pela religio
sidade
and Peak-Experiences (MAsLOW, 1964; 1985, p. 133-156, protestante, onde os pais estavam preocupados em
205-217, 302-309, 335-349). Experiências de uma pleni- transmitir a seus filhos o interesse pelas questõ
es re.
tude de ser como não aparece em nenhuma outra, hgiosas, licenciou-se em Harvard em 1922. Deu cur-
as quais denominou “religiosas” no sentido amplo sos de psicologia em Berlim, Hamburgo (Alemanha)
do termo, pois embora sejam a base das experiências e Cambridge (Inglaterra) entre 1922 e 1924 Voltoua
regiosas propriamente ditas (vivências e sentimen- Harvard como professor do Departamento de Ps.
tos religiosos, revelações, iluminações...), não são ex- cologia e da Escola de Relações Sociais, primeiro
clustvas delas, mas comuns à intuição artística, aos como professor de Ética Social (1924-1930), depois
sentimentos altruistas... de psicologia (1930-1966). Em 1937, foi nomeado
diretor do Departamento de Psicologia de Harvard
Afinal, o que parece surgir dessa nova fonte de dados e publicou Psicologia da personalidade. Editou du-
É que essa experiência núcleo-religiosa essencial rante doze anos o Journal of Abnormal and Social Psy-
56 pode fundamentar-se num contexto teísta e sobre- chology. Nos três anos seguintes explorou a relação
a psicologia natural ou num contexto não-teísta (MASLOW, apud entre religião e sanidade mental, e religião e precon-
de religião
HuxLEy et al., 1982, p. 261-262).
no contexto ceito; este último foi para Allport consequência de
da históna da um ambiente supersaturado de determinadas ati-
psicologia Para Maslow essas experiências culminantes não tudes mentais. Em 1950, publicou O que é a persona-
são unicamente causadoras de momentos pontuais de lidade? em 1955, Devir; e em 1961 Personalidade: pa-
plenitude, mas levam a um processo de crescimento
drões e desenvolvimento.
humano, são doadoras de sentido e de plenitude. Po-
Para Allpor, o objeto de seus estudos é o homem
rém, ao analisar 0 fato religioso tal como aparece na em si mesmo, com todas as suas complexidades,
sociedade, logo descobre que nem todos os homens
unicidades e capacidades de mudança. Para isso,
que se denominam religiosos participam desse tipo de
formula sua teoria da personalidade, que segundo
experiências, mas que entre eles há muitos que vivem
ele tem uma tripla dimensão: “total”, “organizada k
somente a partir da experiência de outros: são os
que
ele denominará anaclimáxicos, os que vivem de ouvir
“dinâmica” (ALLPORT, 1961, p. 41-71; 1968a, p. 44-86: 1975
P: 112-117, GEIWITZ, 1977, p. 19-36).
falar e que, para tentar não perder o espírito
dos que Em todo comportamento há dois aspectos, UM
participaram dessa experiência clímax, agarra
m-se às adaptativo (o que o homem faz e por que o faz) € ga
normas, aos ntos etc. (MAsLOW, 1982, p.257-2
71). tro expressivo (como o faz). O homem, pelo fato de
t
je| À + ser um todo, uma realidade total, manifesta algo de *
mesmo em tudo o que faz. Está organizado em
t

so

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próprio intenor. Seus pensamentos e atos estão inte- natural. Não formulo hipóteses, nem oponho refuta-
E

grados e possuem um certo grau de estabilidade ao ções sobre as razões das religiões reveladas, pois es-
longo do tempo. Mas o que diferencia os homens crevo como homem de ciência e não tenho habilidade
uns dos outros? Para Allport, não é a estrutura de sua para fazê-lo (ALLPORT, 1972, p. 33).
ac mr

personalidade, mas sua dinâmica, seu direciona-


mento. Essa preocupação o levou a interessar-se pe- Afirmava que a experiência religiosa é um “fe-
las motivações, que tem a função de ser os motores nômeno variável” de um indivíduo para outro. Pes-
e diretores do comportamento. Aqui é onde se situa quisou sobre a ongem do sentimento religioso adul-
seu Interesse pelo tema religioso. to e maduro e as distintas situações existenciais que
Entre 1944 e 1950, pesquisou o significado da re- o causam. Concluiu que no nascimento da expe-
ligião na organização da personalidade e mediu, em rência religiosa do individuo entram em jogo qua-
colaboração com J. M. Gillespie e J. Young, a inci- tro elementos constitutivos: as necessidades do ho-
dência do sentimento religioso numa amostra de es- mem, os “componentes temperamentais”, os valo-
tudantes de Harvard e de Radelife. Como resultado, res “psicogênicos” (a verdade, o bem, a beleza...) e
publicou em 1950, O indivíduo e sua religião, uma re- a “busca de sentido”. Assim, a experiência religiosa
visão de suas Lowell Lectures, dadas em Boston na madura torna-se um fator impulsor da personalda-
primavera de 1947 e na Universidade Metodista de de, capaz de proporcionar unificação intenior e com- 57
Ohio na primavera de 1949 (ALLPORT, 1972, p. 33-36), e preensão da realidade circundante, o que imprime capitulo 5
uma continuação de sua obra anterior, Psicologia da à existência um singular dinamismo, que vai espe-
personalidade, na qual descrevia o papel da religião cificando-se em comportamentos cada vez mais ar-
subjetiva na estrutura da personalidade. Nesse livro, ticulados e coerentes (ALLPORT, 19b1, p. 243-249; 1972, p.
Allport mantinha uma atitude respeitosa a todo tipo 49-61). Mas nem toda experiência religiosa era ma-
de crenças, mas não as admitia sem mais nem me- dura para Allport, pois há formas imaturas e mesmo
nos, fazendo uma análise de suas motivações e do patológicas de vivê-la. Por isso distinguia dois tipos
papel que representam em seu nascimento tanto a de religião: uma religião interna ou intrinseca (ma-
cultura social na qual o indivíduo cresce como a ten- dura e propulsiva) e outra extrinseca (denvada de
dência ao conformismo, a fim de proceder a uma necessidades infantis de defesa, segurança etc.)
distinção entre religião vivida de forma madura, re- (ALLPORT, 1972, p. 105-134; 1978, p. 118-124). Entretanto,
ligião escolhida livremente e imaturidade religiosa esses dois tipos não são duas categorias isoladas e
(ALLPORT, 1972, p. 31-37). independentes, mas concebidas por ele como dois
pólos de um contínuo entre os quais se distribui a
Meu esforço, repito, visa unicamente a fazer uma clara população. De tal maneira que para a expenência re-
descrição do posto que ocupa a religiosidade subje- ligiosa ser madura é necessário que nela existam
uva na estrutura da personalidade, seja qual for. Mi- “disposições cardeais” (ALLPORT, 1968b, p. 255, 310),
nha aproximação é psicológica: alguns a chamarão isto é, que tenha um caráter totalizante que hierar-
de sd si

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quize todos os demais valores de tal forma que or- quatro primeiras obras, O medo e a liberdade (1941),
gine essa concepção unitária da vida, aberta ao de- Ética e psicanálise (1947), Psicanálise e religião (1959 Je
senvolvimento e ao enriquecimento, A arte de amar (1957), fazem parte de um estudo am.
plo referente ao caráter moderno e à relação com as
circunstâncias sociais (FROMM, 1980, p. 7). Nelas manti-
c E Fomm 19001980) nha, a partir do estudo do fascismo e das relações eco.
nómicas, a tese de como o homem moderno, libertado
Nascido em 1900, em Frankfurt (Alemanha), de fa- dos laços da sociedade pré-individualista, não ganhou
milia judia praticante, estudou a Bíblia e o Talmude, em liberdade intenor. Ganhou em liberdades, em Ij-
textos que o influenciaram profundamente. Em sua berdade “de”, mas sente-se inseguro, pois não ga-
juventude, abandonou a prática religiosa, Estudou nhou liberdade “para”. O homem necessita do amor
sociologia em Frankfurt e Heidelberg com M. Weber. a si mesmo, diferente do egoísmo, da segurança de si,
Em 1920, foi a Munique e posteriormente a Berlim da liberdade “para”, que lhe permita realizar-se.
para estudar psicanálise. Em Berlim fez parte de seu Como todos os psicanalistas culturalistas, Fromm
círculo psicanalítico ortodoxo como discípulo colabo- reduzia a importância do papel dos instintos para dá-
rador de T. Reik. Dessa época é sua obra O dogma de lo à cultura. Para ele, o animal faz parte da natureza
28 Cristo (editada em 1930 e reeditada em 1963), na qual com a qual se encontra numa relação harmônica por
a psicologia analisou as circunstâncias sociais em que se origi- seu comportamento estar predeterminado pelos ins-
da religião
nou o cristianismo, tintos, mas à medida que se avança na escala da evo-
no contexto
de hstôna da À situação européia o levou a emigrar para os Es- lução o comportamento animal torna-se mais flexi-
psicologia tados Unidos em 1934. Ali se separou dos círculos vel, até chegar ao homem, no qual se rompe a harmo-
ortodoxos para converter-se num psicanalista social nia com a natureza e surge uma série de necessidades
e fazer parte, com K. Hormey, H. S. Sullivan etc., da especificamente humanas que a sociedade pode su-
chamada psicanálise humanista. Nos Estados Uni- focar, mas não destruir (FrOMM, 1982, p. 134-179; 1983.
dos foi professor de várias universidades: Yale, Co- p-51; 1983b, p. 26-27).
lumbia, Michigan... conciliando os trabalhos docen- O homem é o único ser da criação que toma cons-
tes com a terapia e a publicação. Quando se aposen- ciência de sua existência e é por causa disso que se st
tou, estabeleceu sua residência na Suíça, onde morreu
tua fora da harmonia primitiva com o universo e en-
em 18 de março de 1980, contra-se numa permanente tensão, numa dicotomia,
Da corrente psicanalítica, foi o autor que mais se
nascida do fato de fazer parte da criação e de trans-
preocupou com o problema filosófico da natureza hu-
mana. Em suas obras aparece um desenvolvimento cendê-la (Fromm, 1983a, p. 53). Foi deslocado de uma
situação definida e certa para uma situação indeh-
linear de sua preocupação principal: A psicologia
do nica e incerta. Busca uma nova harmonia, mas O ar
homem contemporâneo na sociedade, junto
com algu- minho não é voltar atrás na evolução. Deve-se craft
mas obras que tocam temas mais conjunturais.
Suas um mundo mais humano onde o homem possa rea”

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lizar suas aspirações. Esse é o motor da vida humana, Em seu livro Psicanálise da sociedade contempo-
tanto no plano filogenénco da humanidade como no rânea (1955), Fromm deu mais um passo nessa pri-
plano ontogênico (FRoMM, 1983b, p. 28). meira reflexão, mas a partir de um horizonte novo.
Essa situação expressa-se em distintas dicotomias Esse novo momento em sua reflexão, no qual se
existenciais que se dão ao haver algumas necessida- preocupou com a qualidade de vida no horizonte da
des especificamente humanas diferentes das neces- sociedade atual, é o que ele mesmo denominou psi-
sidades biológicas e que, se não são resolvidas, fazem canálise humanista. Nessa obra e nas posteriores
que o homem seja infeliz (FróMM, 1983a, p. 52-63,236). perguntava-se sobre como o sistema industrial afeta
Elas se fazem patentes principalmente na consciéên- o caráter do homem moderno. O homem encontra-
cia da própria mortalidade e concretizam-se em: se numa encruzilhada: ou se deixa dominar pela téc-
nica, ou deve optar por uma sociedade humanizada
Necessidade de amar, que brota do sentimento (FRÓMM, 1968; 1978, p 162-163). O homem encontra-se
de “separatividade”, fazendo que o homem su- confrontado a responder a suas necessidades com
pere o narcisismo e sinta necessidade de relação uma postura de avanço, de crescimento, ou a assu-
(FROMM, 1974), mir uma postura regressiva. Nessa alternativa pode
Necessidade de criatividade ou fecundidade, que encontrar forças e descobnr um sentido.
.

nasce do sentimento de passividade (fomos atira-


dos no mundo e somos arrancados dele), intolerá-
Nas necessidades propriamente humanas, na ten-
são na qual se encontra o homem em sua dimensão
59
capitulo 5
vel enquanto tomamos consciência de nossa pró- cósmica e social, é onde têm seu lugar as ideologias
pria humanidade e que faz surgir a dialética entre e a religião como resposta a essa situação. Fromm uti-
criatividade ou destrutibilidade (FROMM, 1982). lizava o termo “religião” num sentido amplo e ambi-
Necessidade de segurança, de estar enraizado em guo, no qual engloba toda resposta última para o sen-
algo, que brota do sentimento de ruptura ao nos tido da vida (FroMM, 1975, p. 51ss.; 1983a, p. 59-61; 1983b,
desvincularmos do seio materno. A dialética que p. 38; 1984b, p. 53ss.): “como um sistema de pensamen-
instaura é a da fraternidade-incesto. O incesto é en- tos e ação, seja qual for, compartilhado por um gru-
tendido como voltar às seguranças (à pátria, ao po, que dá ao indivíduo uma onentação e um objeto
dj

partido...) diante do ser fratemo, universal (FROMM, de devoção” (Fromm, 1980, p. 39-40).
1984b, p. 69-70). Fromm abordou repetidamente esses temas em
Necessidade de identidade, que nasce do sentimen- suas obras; fez isso em O dogma de Cristo, de sua
paid

to de individualidade e cria a dialética da indivi- época de psicanalista ortodoxo, e, posteriormente,


dualidade ou do conformismo. A identidade ma- em Psicanálise e religião, de 1950 (Fromm, 1975, cap.
mifesta-se na necessidade que aparece em torno HI; 1983a, cap. IV; 1984a, p. 21-26). Nela afirmava acredi-
mid

aos treze anos (FROMM, 1978), tar que os psicanalistas colocam-se diante do reli-
Necessidade de sentido, que nasce do sentimento gioso de duas formas: os praticantes e os que crêem
.

de desorientação. A dialética que cria é a da razão- que o religioso é um sintoma neurótico. Ele diferia
irracionalidade (FrOMM, 1980). de ambos e preconizava uma religião não-teista. Para
E

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Fromm, o homem não pode viver sem uma fé. A fé d E H Erikson (1902-1994)
é necessária e imprescindível para o homem, porque
lhe permite suportar as contradições de sua nature- Provavelmente, o psicanalista de maior influência
za humana e dar-lhe sentido, orientá-la para sua su- nos últimos anos. Nasceu em 1902 na Alemanha, fi-
peração. Mas assinalava dois tipos de fé: uma racio- lho de pais dinamarqueses. Seu pai abandonou sua
nal, baseada numa atividade produtiva intelectual e mãe antes que ele nascesse, fazendo as funções de
emocional, que finca suas raízes numa experiência pai seu padrasto, um pediatra judeu. De espírito in-
de confiança básica de si mesmo, do próprio poder quieto, viveu vários anos de forma boémia viajando
para pensar, sentir e fazer; e outra irracional, que pela Europa. Aceitou um trabalho como professor
funda suas raízes na insegurança do indivíduo e numa escola fundada para os filhos dos pacientes de
apóia-se na submissão infantil ou fanática a uma Freud, incorporando-se ao círculo psicanalítico. Es-
autoridade irracional, porque é a crença numa pes- tudou no Instituto de Educação da Sociedade Psica-
soa, doutrina ou símbolo e não o resultado da pró- nalítica e na Associação de Professores de Montesor
pria experiência. Esses dois tipos de fé cristalizam-se de Viena. Entre 1927 e 1933 estudou com vários psi-
socialmente em duas formas de religião distintas: canalistas importantes e foi psicanalisado por Ana
uma, a religião humanista, que convida a assumir a li- Freud. Em 1933, emigrou da Europa para os Estados
60 berdade e a amar, ajuda a maturidade e o crescimen- Unidos, fugindo do nazismo. Professor da Universi-
a psicologia to, da qual são claros expoentes os profetas, Jesus, dade de Harvard, é no fundo um psicanalista freudia-
da religião Buda etc.; outra, a religião autoritária, que evita que no, embora crítico. Suas idéias, especialmente as que
no contexto
da história da o homem assuma sua liberdade, que lhe dá segu- se referem à dinâmica da adolescência, estão disper-
psicologia rança mas, ao mesmo tempo, o infantiliza e neuro- sas em numerosos artigos de revistas e livros; os prin-
tiza (FROMM, 1980, p. 54-77; 1983a, p. 63). Esses dois tipos cipais são: “Infância e sociedade” (revisado em 1963),
são vividos em todas as religiões e nenhuma vive ex- “Insight e responsabilidade” (1964), “Identidade: ju-
clusivamente uma única forma. ventude e crise” (1959) e “Escolha e desafio” (1963); e
Ao longo de sua obra, desenvolveu esse pensa- uma série de artigos editados pelo próprio Enkson,
mento. Em À arte de amar, analisou à origem de uma como “O desafio da juventude” (1965). Além dos es-
e de outra; em Psicanálise da sociedade contemporá- tudos biográficos O jovem Lutero (1958) e A verdade
nea, a idolatria; em Psicanálise e zen-budismo, apon- de Ghandi (1969), figuras religiosas significativas.
tou a relação entre zen-budismo, religião não-teista
e religião humanista; em Deveis ser como deuses, fez
um estudo do Antigo Testamento como um grande
1 Os oito estágios do desenvolvimento do homem
livro humanista, já que liberta o homem dos deuses A pedra fundamental da reconstrução da psica-
que pedem sacnfícios a fim de levá-lo à liberdade e nábse de Enkson é o princípio de “epigênese”, termo
à razão, ao processo de humanização ( FroMM, 1979, p.
que tomou emprestado à embriologia. Para Enikson:
88, 99-104; 1984a, p. 25-26, 197-198),
9 desenvolvimento psicológico do indivíduo prognde

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de forma analoga ao desenvolvimento dos órgãos a parte que corresponde ao fracasso dessa resol
ução,
fetais. Assim como cada órgão tem um momento Ninguém cai num ou noutro extremo, mas
sempre
para seu desenvolvimento, e é então quando deve de- situa-se num ponto médio entre as duas tendências
senvolver-se, assim ocorre com as potencialidades opostas. Seja ou não favorável, esse ponto impli
cará
psicológicas do desenvolvimento individual. E, as- determinados tipos de comportamentos e exper
ién-
sim como a atrofia de um órgão pode ameaçar o de- cias conscientes, assim como estados inconscien
tes
senvolvimento, também pode haver perturbações na internos. À resolução dessa tensão supõe a aquisição
esfera psicológica (ErIksON, 1982, p. 27-28). Esse princi- de uma “virtude”, que consolida o caráter. A expli
ca-
pio de epigênese leva em conta três processos com- ção de cada um dos estágios e suas correspondentes
plementares do desenvolvimento humano: o somáti- tensões é descrita por Erikson em seu livro já citado
co, o psicológico e o social, Qualquer desses proces- Infância e sociedade (EkIksON, 1982: 1983, p.222-247):
sos implica automaticamente os outros dois (ERIKsoN,
1982, p. 25-26). Mas Enkson atribui um papel muito Confiença básica/Desconhança básica nesse estágio
maior em cada estágio ao “eu” e aos fatores sociais do desenvolve-se como zona erótica e sistema orgânico
que aos aspectos somáticos. azona oral-respiratónia. A primeira zona de interação
Enkson contribui para o desenvolvimento da psi- é a boca. Por meio dela alcança-se a experiência do
canálise com sua compreensão da vida entendida prazer libidinal na criança e são fornecidas diaria-
como algo dinâmico. Aceita de Freud que a infância mente as principais sensações de bem-estar. A cran- 6]
é crucial para o desenvolvimento do indivíduo, embo- ça gradualmente desenvolve um sentimento de que o capitulo 5
ra na adolescência, na idade adulta e na velhice per- mundo circundante é bom e de que vale a pena estar
maneçam os mesmos princípios que permitiram o nele, Nessa experiência primeira de “regulação mú-
desenvolvimento na infância. Para Erikson, o desen- tua”, a criança descobre a confiança em si mesma.
volvimento humano não se conclui com a resolução
do complexo de Édipo. Ele propõe um sugestivo mo- Autonomia/Vergonha e dúvida: no segundo estágio,
delo de etapas do desenvolvimento da personalida- anal-uretral e muscular, a zona anal é o local de cho-
de em seu livro Infância e sociedade, que posterior- que de duas formas de atuar: retenção e eliminação.
mente aperfeiçoará e esclarecerá. No esquema de Essas duas formas expressam-se também pelo de-
Enkson, cada estágio predeterminado caracteriza-se senvolvimento muscular em ações tais como pegar
por um desenvolvimento específico ou uma “crise coisas ou puxá-las. À criança frequentemente hesita
psicossocial” que deve ser resolvida em seu devido entre os dois opostos, algumas vezes violentamen-
tempo crítico para que o indivíduo passe ao estágio te, e perde seu controle, mas há de aprender a con-
seguinte. O êxito da resolução aumenta a maturida- trolar essas duas pulsões para alcançar, sem medo de
de humana. Essas crises são formadas por uma ten- arriscar-se, sua própnia autonomia. Se a criança está
são psicodinâmica bipolar. Num pólo encontra-se o submetida a um repetido e excessivo freio paterno,
valor do “eu”, esse êxito da resolução que o desafio o resultado pode ser um sentimento duradouro de
desse estágio estabelece; no outro pólo, encontra-se dúvida e vergonha.
Said
cdi

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Etapas do desenvolvimento em E. H. Erikson
Estagio Tensão Virtude
1 Sensorio-oral Confiança básica/Desconfiança básica Esperança
2 Muscular-anal Autonomia/Vergonha Força de vontade
3 Locomotor-genital Iniciativa/Culpa Propósito
4 Latência Industriosidade/Infenonidade Capacidade
5 Puberdade e adolescência Identidade/Confusão de papel Fidelidade
6 Adulto jovem Intimidade/Isolamento Amor
7 Adulto Greneratividade /Estagnação Cuidado
8 Maturidade Integridade do eu/Desespero Sabedoria

Iniciativa/Culpa: Freud chamou esse estágio de fálico. sai para além do círculo familiar imediato e explora
Nele situa-se o complexo de Édipo com sua constela- seus modos e capacidades emergentes. Nesse estágio
ção de sensações, desejos e medos, que Enkson loca- aprende a utilizar as ferramentas e os utensílios do
liza no contexto mais amplo das novas capacidades mundo adulto e, assim, desenvolve um sentimento de
da criança: independência e movimentos vigorosos, industriosidade. Quando não alcança o êxito nesse
62 compreensão do idioma, imaginação selvagem e, às esforço ou as metas dos adultos são confusas e contra-
a psicologia vezes, assustada... O perigo desse estágio é um pro- ditórias, segue-se um sentimento de infenondade.
da religião fundo e permanente sentimento de culpa diante de
no contedo
da históne da
desejos proibidos e ciúmes, talvez expressos em atos Identidade/Contusão de identidade: esse processo da
psicologia de temor a uma agressão incontrolável. Mas a culpa- puberdade e da adolescência é o tempo da formação
bilidade pode também redirecionar sua cunosidade da “identidade”, uma expressão enormemente enn-
e sua energia para além da família, até o mundo dos quecida pelo pensamento de Enkson. Em seus escn-
fatos, dos ideais e das metas práticas. tos, assinala que o termo identidade tem, pelo me-
nos, quatro sentidos: um sentimento consciente de ser
Industriosidade/Infericridade: segundo a psicanálise alguém separado, distinto e único; um sentimento de
ortodoxa, a resolução do complexo de Édipo e a for- “igualdade interna e continuidade” consigo mesmonº
mação do superego leva os estágios psicossexuais ao tempo; o eu como uma totalidade acabada e plena:
climax e inaugura o período de latência. Embora Enk- e um sentimento de profundo acordo com à maneirt
son esteja de acordo em que os primeiros três estágios de ser e com os ideais de algum grupo determinado
tenham maior importância do que os demais, encon- (ERIKSON, 1959, p. 89, 102).
tra não obstante um significado para o estágio de “la- Nesse tempo de mudanças corporais ace leradas
tência”. E o tempo da educação sistemática, seja em de amadurecimento genital, surge a pergunta sobre?
aulas por meio de professores, seja no campo sob a “igualdade e a continuidade” em relação ຠque Sº
onentação de adultos ou crianças maiores. A criança era nos anos anteriores. O jovem pubescente efron

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ta-se com o problema de conectar as qualidades do e o sentido às novas gerações. Aqueles que, absorvi-
seu “eu” e o vivido em sua infância com o papel adul- dos por outras preocupações e interesses, se fecham
to que é chamado a desempenhar. Tudo isso o estru- em si mesmos provavelmente se empobrecem pes-
tura gradualmente a partir do que é no fundo de si soalmente e vivem a experiência de um profundo
mesmo, dos papéis que executa, de como é percebi- sentimento de estagnação.
do pelos outros, de sua dotação constitucional indi-
vidual, de suas capacidades... E comum que o ado- Integridade/Desespero: quando se completa com êxi-
lescente nesse processo busque uma solução tem- to cada um dos sete estágios anteriores e, portanto,
porária por meio da identificação com algum herói alcança-se a maturidade, o que se colhe na velhice é
popular ou juntando-se a algum grupo que lhe dé um sentimento de integridade, e a pessoa é adornada
identidade por meio da separação entre os iniciados de múltiplas qualidades. Um sentimento de coerên-
e os estranhos com base em estereótipos. Fazer parte cia e totalidade adornam a “integridade” do eu ma-
de tais grupos evita o sentimento de confusão de iden- duro. Nesse tempo de plenitude e encerramento da
tidade e permite-lhe provar sua capacidade de fide- vida existe um sentimento de comunhão com o mun-
lidade (ERIKSON, 1983, p. 236). do e de sentido espintual. Aceita-se de uma forma
nova o amor em relação aos próprios pais e outras
Intimidade/Isolamento: com a obtenção da identida- pessoas significativas da vida. À pessoa sente-se so- 63
de, o indivíduo está finalmente pronto para fundir lidária com povos distantes e com os homens que capitulo 5
sua identidade com a identidade de outros, numa re- trabalharam pela dignidade humana e pelo amor. A
lação íntima. Embora Erikson elabore esse conceito integridade fundamenta, na assunção de um único
principalmente nas relações heterossexuais de mutua- ciclo vital, a aceitação da própria morte. Mas a falta
lidade orgásmica — que, segundo seu pensamento, de integração do eu está marcada pelo desespero
só podem desenvolver-se totalmente em relações per- (não-aceitação da excessiva fugacidade do tempo e
manentes —, a intimidade também se faz presente da impossibilidade de recomeçar) (Exiksox, 1959, p. 98;
em outras situações: amizade, magistério... Quando 1982, p. 65; 1983).
o medo da perda do “eu” impele uma pessoa a evi-
tar tais experiências a todo custo, o resultado é um
sentimento profundo de isolamento. 2 Avaliação do fato religioso
Erikson herda da psicanálise uma atitude critica
Generatividade/Estagnação: dado o enorme papel da em relação ao fato religioso (ERIKSON, 1980, p. 91-92),
aprendizagem e da transmissão cultural nas vidas hu- mas difere radicalmente da avaliação de Freud. Acei-
manas, a “generatividade” cumpre um papel funda- ta que a fé religiosa dos indivíduos é vulnerável a dis-
mental. Ela engendra e orienta a geração seguinte. torções patológicas e que as religiões aproveitaram-se
Os adultos precisam ser necessários e é nesse pro- da fragilidade humana e geraram intolerância, mas
cesso que comprovam que o são ao transmitir a vida admite também que em sua forma positiva e ativa é

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vital para a obtenção do amadurecimento humano. e a crise existencial antecipam-se ao final da vida
Embora o desenvolvimento humano requeira múlti- Sentem-se estranhos à ideologia de seu tempo e, f.
plos apoios sociais, é principalmente a religião que nalmente, encontram na totalidade de sua experiên-
trata da origem e das coisas passadas: a confiança cia uma verdade nova e um princípio novo destinado
básica e o sentimento de ordem no cosmos. O inte- não só a eles, mas a toda a humanidade.
resse de Enkson pela religião estende-se para além A influência de Enkson nas últimas décadas en.
das vidas dos homens comuns e concentra-se no es- tre analistas, autores, clero, estudantes etc. é enorme.
tudo dos grandes homens religiosos, aqueles para Suas idéias continuam ainda hoje encontrando econo
os quais o desafio da integração última é uma crise pensamento e nos esentos de muitos autores. Paraa
permanente em suas vidas. Homens que, insatisfei- psicologia da religião em particular, a influência de
tos com as respostas tradicionais sobre o sentido da Enkson manifesta-se em duas direções: de um lado.
vida — como Lutero, Kierkegaard ou Gandhi —, se nos estudos de personalidades religiosas famosas.
tornam melancólicos diante da situação do mundo como John Wesley e Jonathan Edwards, e de mov
(EriksON, 1958, p. 40). Para esse tipo de pessoas melan- mentos religiosos (Capes, CAPPs, BRADFORD, 1977; Mook£.
cólicas, a crise de identidade da adolescência é ex- 1979); de outro, em trabalhos interessados na evolu-
traordinariamente severa, porque a busca de sentido ção religiosa do homem ((CAPPs, 1983; GARRIDO, 1989).
64
a psicologia
da religião
no contexto

da história da
psicologia

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