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Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR

Escola de Educação e Humanidades


Bacharelado em Teologia - 1º Semestre / 2021
Disciplina: Produção Técnico-Científica de Textos Teológicos.

Docente: Angela Maria Pelizer de Arruma


Acadêmicos: Anderlei de Oliveira Soares; Leandro Augusto
Agostinetti.

RESENHA

LAGRANGE, Réginald Garrigou. As 3 vias e as três Conversões. Rio de


Janeiro: Permanência, 2011.

A presente resenha busca apresentar a obra teológica “As três vias e as três
conversões” do Padre e Teólogo Garrigou Lagrange, livro escrito com o intuito de
introduzir o leitor, tanto iniciante quanto avançado, na síntese teológica espiritual que o
autor realizou a partir das obras de Santo Tomás de Aquino e São João da Cruz. Nesse
breve livro o autor abordou de forma simplificada as fases do desenvolvimento
espiritual da pessoa humana através da oração, da ascese e dos dons espirituais
concedidos por Deus, onde defende a tese de que a vida mística e a contemplação infusa
fazem parte do caminho normal de todo cristão rumo à santidade, contribuição teológica
que influenciará o Concílio Vaticano II a proclamar a vocação universal à santidade na
constituição dogmática Lumen Gentium.
A obra do Padre Garrigou foi escrita em 1932 e é fruto da corrente teológica
neotomista fomentada pelo Papa Leão XIII no final do século XIX com a publicação da
encíclica Aeterni Patris.
O Teólogo Garrigou Lagrange (1887 – 1964) foi um padre dominicano, é
considerado um dos maiores teólogos do século XX e segue a linha teológica tomista,
abordando especialmente a Teologia Espiritual.
Padre Garrigou estudou medicina em Bourneaux por dois anos, mas sentiu-se
vocacionado a vida sacerdotal católica, então ingressou na Ordem Dominicana em
1897, onde estudou Teologia orientado por Ambroise Gardeil, outro Teólogo até hoje
muito conhecido no meio tomista. Garrigou foi ordenado sacerdote em 1902,
aperfeiçoou-se em Teologia em Saulchoir e em 1904 ingressou no curso complementar
de Filosofia da Sourbonne.
Sua atuação como professor universitário iniciou-se em Saulchoir, em 1905,
onde começou a lecionar História da Filosofia. A partir daí sua carreira acadêmica foi
marcada pelo esforço em aprofundar a teologia de São Tomás de Aquino, o que durou
toda a sua vida. A partir de 1909 o Padre Lagrande foi convidado a ser catedrático de
Teologia Dogmática no Angelicum de Roma, onde lecionou sobre a Revelação e
comentou toda a Suma Teológica e foi professor na Universidade Romana de Santo
Tomás. Durante sua carreira acadêmica foi professor de ilustres alunos, como Joseph
Ratzinger, futuro Papa Bento XVI e Karol Wojtyla, futuro Papa São João Paulo II, de
quem orientou a tese sobre a fé segundo São João da Cruz em seu doutoramento.
Durante sua vida em Roma, Garrigou Lagrange fez palestras espirituais em um
círculo de amigos intelectuais, que contavam com 150 integrantes, muitos deles célebres
da época, como Jacques Maritain e sua esposa Raissa Maritain, onde as exposições se
baseavam nos escritos de Santo Tomás de Aquino e São João da Cruz, grupo do qual
resultará muitas conversões. Além disso Garrigou empregará seu tempo orientando
retiros através de exercícios espirituais.
Garrigou Lagrange foi nomeado consultor do Santo Ofício em 1955, onde tratou
de questões mais práticas, apesar de sua vocação para o campo especulativo. Também
foi nomeado pelo Papa João XXIII como Conselheiro da Comissão Preparatória Central
do Concílio Vaticano II, mas teve que renunciar ao cargo por conta de sua avançada
idade. Ao deixar a comissão afirmou que ofereceria seus sofrimentos pelo bem do
Concílio que viria.
Padre Garrigou Lagrange faleceu no Convento de Santa Sabina em Roma, no
ano de 1964, depois de sofrer muito por conta da perda de sua lucidez.
A obra resenhada é dividida originalmente em seis capítulos, no entanto a edição
abordada é dividida em apenas cinco, pois o autor, depois de lançada a primeira
publicação, recomendou que as editoras omitissem o quarto capítulo, pois nele continha
uma teologia expressada com uma linguagem muito rebuscada, o que dificultaria o
acesso a leitores iniciantes e destoaria do objetivo da obra, que é de caráter introdutório
tanto para leitores iniciantes quanto para experientes.
Os três primeiros capítulos formam uma unidade sobre as conversões da vida
interior da pessoa humana; o primeiro aborda a vida na graça e a primeira conversão, ou
seja, a vida espiritual a partir de seu princípio e de sua natureza e a conversão necessária
para iniciar essa vida. Já o segundo capítulo aborda a segunda conversão, que é o
processo de transição necessária para adentrar na via iluminativa, a vida dos avançados
na espiritualidade e que superaram a vida própria dos iniciantes. O terceiro capítulo
aborda a terceira conversão, passagem necessária da vida interior avançada, mas
imperfeita, para uma vida interior perfeita, plenamente unida a Deus dentro das
possibilidades da vida temporal.
Enquanto os três primeiros capítulos abordam a passagem, conversão ou
transição da vida interior entre as fases, o quinto capítulo – é importante recordar que o
quarto capítulo foi omitido - aborda as características de cada fase em particular, e não a
passagem entre elas. Já o sexto capítulo refere-se ao início da vida eterna já nessa terra,
ou seja, o prelúdio da contemplação divina que se inicia já na vida temporal diante
daqueles que caminham espiritualmente. Por último há uma nota final em que o autor
expõe a vocação que todo ser humano possui de contemplar os mistérios de Deus em
sua vida, através da contemplação infusa.
Reginald Garrigou Lagrange apresenta as diversas fases da vida espiritual,
expondo o funcionamento da vida na graça que se inicia a partir da primeira conversão,
onde a pessoa abandona a indiferença em relação à Deus - o estado de pecado mortal - e
adentra ao estado de graça, onde passa a amar a Deus acima de si mesmo e de tudo, pelo
menos com um amor de estima, se ainda não possuir um amor mais generoso. Nesse
instante a pessoa deixa de ser escravo das próprias paixões, do espírito do mundo e do
espírito do mal, além disso passar a exercer em sua vida as virtudes e dons sobrenaturais
recebidos no momento do batismo, e que aperfeiçoam as virtudes e faculdades naturais.
Assim o ser humano passa a ser capaz de viver sobrenaturalmente, que é a vida eterna já
iniciada neste mundo temporal. O que caracteriza o esforço espiritual da primeira
conversão é a luta contra o pecado mortal – aquele que rompe com os dez mandamentos
- e a busca por manter a graça santificante na alma, para dela exercer a vida
sobrenatural.
O autor expõe que ao realizar a primeira conversão a alma adentra na primeira
via espiritual, chamada purgativa, onde através da ascese se esforçará para corrigir suas
imperfeições. A alma que está nesse estágio é considerada iniciante e muito imperfeita,
assim necessita exercitar as virtudes, corrigir os vícios e ordenar as paixões. O autor
afirma que se o iniciante não se esforçar para progredir voltar-se-á para o mal ou tornar-
se-á uma alma retardatária, amortecida, como um “anão-espiritual”.
Ao abordar a segunda conversão, Garrigou além de utilizar os escritos de São
João da Cruz, também utiliza os de Santa Catarina de Senna, onde afirma, em
ressonância com a Santa Doutora da Igreja, que assim como os apóstolos necessitaram
de uma segunda conversão, todos os cristãos também necessitam, pois apesar de
esforçarem-se para amar a Deus há muitas imperfeições no primeiro estágio da vida
espiritual, como um amor à Deus mesclado de um apego desordenado por si mesmo,
interesses pessoais na relação com Deus, apego às consolações e vaidades. Assim é
necessária uma graça que purifique a pessoa humana dessas imperfeições, que resultam
em faltas e pecados veniais. Essa purificação é realizada através da “noite escura dos
sentidos” ou “purificação dos sentidos” onde a Providência Divina permite que a pessoa
adentre em um estágio espiritual que não gera consolações e sentimentos prazerosos,
não há deleite nos bens espirituais nem nos materiais, assim a pessoa passa a caminhar
espiritualmente puramente por amor de doação, sem interesse em recompensas
sensíveis, o que purifica o amor à Deus, livrando a alma do que o autor chama de “amor
mercenário”, aquele amor imperfeito que busca algo em troca.
Ao passar pela segunda conversão a pessoa adentra à via iluminativa, estágio
espiritual onde contempla-se os mistérios da vida de Cristo - encarnação, paixão, morte,
ressureição, ascensão e glória – através de graças que se irradiam de Deus no momento
da oração. Se na purificação dos sentidos havia um deserto espiritual, ao adentrar na
segunda via há um oásis espiritual, onde Deus infunde a compreensão dos mistérios da
fé na inteligência através da meditação. Essa fase é chamada de “fase dos avançados”,
onde a alma possui grande facilidade de entrar em estado de oração e agir na caridade,
através da vida ativa. No entanto esse estágio pode levar a alma a se acomodar, cair no
ativismo e esquecer-se de Deus, tendendo à uma ação sem contemplação, uma vez que
passe a acreditar que fazer muito apostolado trará muitos benefícios para os outros.
Então o apostolado que foi um fruto da contemplação mística passa a ocupar o lugar da
oração e assim se esquece que os dons utilizados pastoralmente vieram de Deus e passe-
se a gozar deles como se fossem próprios. O resultado é desse processo é colocar Deus
em segundo plano e agir por si mesmo, onde se fomenta a vaidade naquilo que se faz.
Para evitar esse declínio é necessária uma terceira conversão.
Segundo Garrigou Lagrange a terceira conversão é chamada pelos mestres
espirituais de “purificação do espírito”, assim se a segunda conversão purificou a
sensibilidade a terceira purificará aquilo que é próprio da alma, suas faculdades
superiores: inteligência e vontade. O alvo dessa purificação é do apego a si mesmo: suas
vontades e ideias. Esse processo de purificação iniciado por Deus faz com que a pessoa
corrija presunções, orgulhos espirituais, vaidades e o apego ao seu próprio modo de ver
as coisas e de agir no mundo.
O modo como Deus realiza essa terceira purificação na alma é despojando-a ao
invés de adorná-la, para que assim a pessoa fique livre do orgulho e compreenda sua
miséria. Nesse processo há aridez espiritual, falta de entendimento, amargura e angústia.
Nesse estado Deus infunde na alma o pressentimento do contraste que há entre ela e
Deus, dos valores infinitos dos méritos de Cristo e a profundeza do mistério da
encarnação redentora, pressentimentos esses que geram um constrangimento diante de
Deus e assim purificam a vaidade e alimentam a humildade. Dessa forma a pessoa passa
a adentrar nos infinitos mistérios de Deus, mas sem compreendê-los, vendo-se pequena
e incapaz diante de tão grande mistério. Esse ato divino é a ação do Espírito Santo que
atua na inteligência fazendo com que a alma compreenda seu estado de pequenez e o
seu contraste diante de Deus. Assim a humildade e as virtudes teologais são purificadas
de defeitos humanos que a fazem tender ao egoísmo e vaidade.
Após a purificação do espírito, ou “noite escura do espírito” como chama São
João da Cruz, a alma humana se une de forma mais eficaz com Deus, onde esquece-se
de si mesma e vive plenamente para Deus. Essa é a fase espiritual intitulada pelo autor
de “via unitiva”, ou fase dos perfeitos. Nela como a alma está mais perfeitamente unida
à Deus suas faculdades próprias – como vontade e inteligência – estão unidas as
faculdades humanas de Jesus Cristo, assim sua vontade não é arrastada pelas paixões,
mas move-se com a de Cristo e sua inteligência sofre iluminações que a faz
compreender sobrenaturalmente os mistérios da fé. Nesse estágio se encontram os
grandes santos da Igreja.
O autor conclui a obra através de uma nota final, afirmando que todos os cristãos
são chamados a participar da vida divina através da contemplação infusa dos mistérios
da fé e dos exercícios das virtudes teologais, todos são capazes de alcançar a santidade,
em maior ou menor grau, tese que foi desenvolvida através de explanações teológicas
mais profundas em outra obra, intitulada “As três idades da vida interior”, sua obra
teológica magna que conta com mais de 1.000 páginas.
A contribuição de Réginald Garrigou Lagrange sobre a vida espiritual ajuda o
leitor a compreender que a prática religiosa não é relativa a sensações de bem-estar,
sentimentos e subjetivismos, aspectos muito enfatizados na contemporaneidade, pois
apesar de tudo isso integrar a espiritualidade são sinais secundários da ação de Deus no
espírito e não o fim último da prática espiritual, ou seja, não são necessários. Isso é
expresso quando o autor aborda a purificação passiva dos sentidos e a purificação
passiva do espírito, momentos de aridez e sofrimento espiritual necessários para o
crescimento da pessoa humana em sua união com Deus.
Outro importante ponto da Teologia Espiritual do autor é o fato dele considerar a
contemplação infusa dos mistérios divinos como capacidade e vocação de toda pessoa
humana, rompendo assim com a ideia de que poucos possuem vocação à santidade pela
oração. Essa tese teológica influenciou o Concílio Vaticano Segundo na Constituição
Dogmática Lumen Gentium que declarou a vocação universal à santidade.
Para que deseja se aprofundar ainda mais no assunto, obra “as três vias e as três
conversões” faz sintonia com outra muito conhecida e utilizada como referência no
meio carmelitano, intitulada “Quero ver a Deus” e escrita pelo Beato Frei Maria
Eugênio do Menino Jesus e publicada em 1947, oito anos depois do livro resenhado
nesse trabalho. Beato Maria Eugênio também se utiliza da Teologia tomista como base
para compreender a espiritualidade carmelitana, mas não se restringe à São João da
Cruz, pois aborda o conteúdo desse Santo iluminado pela estrutura de crescimento
ascético e místico desenvolvido por Santa Tereza D’ávila e sintetizado com a
compreensão das três conversões e das três idades da vida interior (purgativa, ascética e
mística) do Padre Garrigou.
A obra do Padre Garrigou Lagrange é recomendada a todas as pessoas que
desejam se aprofundar no campo da Teologia Espiritual, pois seu intuito é promover
uma introdução ao desenvolvimento teológico do autor. Mas é importante que o leitor
tenha em mente que é necessário um certo conhecimento propedêutico sobre
espiritualidade e ascese cristã, como pelo menos os temas trabalhados no Catecismo da
Igreja Católica ou nos manuais mais difundidos, pois o autor compreende que os
iniciantes são católicos que decidiram trilhar o caminho do desenvolvimento espiritual e
estão buscando ir além das bases comumente abordadas.

Anderlei de Oliveira Soares, graduado licenciatura em filosofia pela PUC –


Campus Maringá, graduando em teologia pela PUC – Campos Londrina e Pós-
graduando em comunicação teologia e cultura pela Paulinas;
Leandro Augusto Agostinetti, graduando em Teologia pela PUC – Campus
Londrina – PR.

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