Um Enfoque Cientifico do

| Ponto de Vista Ocidental

Editado por
Jacqueline Filshie &
Adrian White

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 Reinterpretacdo dos
conceitos tradicionais da
acupuntura
François Beyens

Sumário do capítulo
Introdução — 491
Núcleo teórico da acupuntura 493
Meridianos 497
Qi 498
Órgãos 500
rontos 503
Yin-yang 506
Cinco elementos — 508

Introdução
A história da acupuntura científica começa com a aplicação da metodologia cien-
tífica para explicar, compreender e analisar os tratamentos de acupuntura, bem
como seus resultados, sob o ponto de vista da medicina moderna. Essa história
é relativamente curta, tendo começado a se expandir nos últimos 30 anos.
Este enfoque científico envolve um corpo de teorias e métodos que é mui-
to menos coerente do que parece à primeira vista a partir das dezenas de re-
centes publicações chinesas. Esses escritos têm uma intenção específica - a de
propiciar a aparência de coerência entre teoria e prática. No entanto, as edito-
ras de Hong-Kong e de Taiwan simplesmente copiam e publicam tratados e
manuais originados da China. Além disso, na própria China, os mesmos tex-
tos podem aparecer como se fossem de autores diferentes ou por diferentes
editoras. Essa aparente duplicação das obras, decorrente da falta de controle
dos direitos autorais nessas três regiões, é mais um fator de acréscimo da falsa
Impressão parcial de coerência a respeito do conteúdo das obras.

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 492 - PASSADO E FUTURO DA ACUPUNTURA
Ao usar métodos modernos de análise
e de investigação sobre a história da acu-
puntura, precisamos também considerar as
informações reunidas por meio de um jul-
gamento histórico, da análise dos textos
baseada na sinologia e de estudos socioló-
gicos e culturais. Um estudo assim, feito
com rigor e objetividade vai ajudar a enri-
quecer o enfoque científico e estabelecer
uma compreensão mais completa da acu-
puntura, que por sua vez, vai permitir a
expansão e o desenvolvimento do enfoque
científico.
Em seu sentido estrito, a história é uma
seqiiéncia cronológica de fatos, eventos,
idéias e teorias. Devemos levar em conta a
simultaneidade ou continuidade no tempo,
além do ambiente social, filosófico e epis-
temológico em que esses fatos ocorrem.
Essas questões também se aplicam à acu-
puntura, cujas bases foram estabelecidas
durante o primeiro milénio a.C., no amago
de uma civilizagdo que se encontrava no
apogeu de seu desenvolvimento. Até os
dias de hoje, a acupuntura manteve sua es-
pecificidade e originalidade.
A longevidade da acupuntura não jus-
tifica uma aceitagdo sistemática da visão
chinesa dessa técnica em particular. Justifi-
ca, sim, que nos obriguemos a tentar com-
preender, não apenas como essa terapia
surgiu, mas acima de tudo, como conseguiu
estabelecer os conceitos tedricos que ainda
sdo a base tedrica da técnica até os dias
atuais.
Finalmente, não devemos nos esquecer
da presenga constante da MTC como um
todo. Esse sistema médico sempre tentou
integrar e assimilar a acupuntura em suas
estruturas teéricas, dando dimensao a téc-
nica que passa dos limites do campo de ação
de uma terapia baseada no reflexo. Como
prova disso temos o Huang Di Nei Jing (ou
Nei Jing) (Husson, 1973; Lu, 1978; Sunu &
Lee, 1985; Van Nghi & Van Dong, 1973, 1975;
Veith, 1972).
Nei Jing
O Nei Jing, ou “Cléssico (Jing) da Medici.
na Interna (Nei) do Imperador Amarelo
(Huang Di)”, livro fundamental da acy.
puntura antiga, tem um lugar de destaque
na histéria e na elaboração da MTC e, prin-
cipalmente, da acupuntura. Aqui estão al-
guns fatos:
* Até bem recentemente era o texto
mais antigo que possufamos, embo-
ra publicado por Wang Bing em 762,
ou seja, quase 1.000 anos depois de
supostamente ter sido agrupado
pela primeira vez! Foi certamente
reformulado vérias vezes e alguns ca-
pitulos foram, provavelmente, acres-
centados pelo préprio Wang Bing.
Existem muitas contradi¢des nos vá-
rios capitulos. De qualquer modo, é
considerado a “Biblia” da acupuntu-
ra e contém os fundamentos da teo-
ria da técnica.
o A andlise do texto remonta alguns
capitulos há vérios séculos a.C. (nem
sempre os mais interessantes); outros
parecem ter sido escritos entre o
final do século II e o comego do sé-
culola.C.
e O texto foi escrito em chinés cléssico,
que é conciso, alusivo, intelectual e
muitas vezes enigmatico. Como re-
sultado, as interpretagdes e os comen-
tarios existentes são intimeros.
* As poucas tradugdes que foram
publicadas em linguas ocidentais
(Husson, 1973; Lu, 1978; Sunu & Lee,
1985; Van Nghi & Van Dong, 1973,
1975; Veith, 1972) devem ser aborda-
das com cuidado, não só pelas difi-
culdades em compreender o texto
propriamente dito, como também
pelos vérios termos relacionados com
conceitos fisiolégicos e patolégicos
daquela época que nem sempre
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS TRADICIONAS DA ACUPUNTURA - 4593
correspondem ao nosso conheci-
mento moderno. Na verdade, muitas
vezes, não fazemos idéia do que eles
estão falando!
e Aobrarepresenta o ponto de partida
de uma tradição de idéias. É, na ver-
dade, a referência principal para as
muitas diferentes escolas de pensa-
' mento que se desenvolveram ao lon-
go dos anos e que cada uma aplicou
a própria interpretação ao conteúdo
j dessa “Biblia”.
No que diz respeito à MTC, em 1973,
arqueblogos chineses desenterraram do
túmulo de Ma Wang Dui préximo a Chang
Sha (na provincia de Hunan) fragmentos de
textos que datam do ano 168 a.C. (Unschuld,
1986). Essas “Prescri¢des contra 52 doengas”
(Harper Donald, 1982) contém muitos re-
médios baseados em feitigos, talismas e
amuletos, além de outros que fazem uso de
extratos herbdceos, animais e minerais. Essa
existéncia paralela de terapias demono-
16gicas e empiricas ainda podem ser encon-
tradas hoje em dia. No entanto, a parte mais
interessante dessa descoberta é que as in-
formagdes sobre os aspectos mais fisiolégi-
cos, as vezes, confirmam as informagdes
encontradas no Nei Jing e as vezes mostram
evoluções conceituais diferentes.
O Nei Jing é uma compilação de vérios
documentos originados pelo menos do sé-
culo I a.C. Seu ponto de vista da acupuntu-
ra é mesclado pelas teorias dos sistemas
médicos chineses que estavam em moda na
época. Portanto, não é fácil determinar onde
os limites da acupuntura como técnica em-
pirica terminam e onde o processo de fago-
citose e assimilagdo para um sistema mais
abrangente e complexo comega.
A astrologia e outras escolas de pensa-
mento, o naturalismo e sistemas sociais
mesclaram cada qual a maneira de obser-
var e de praticar o Nei Jing. A falta de rigor
objetivo e de enfoque critico, perfeitamente
compreensivel para a época, permitiram a
coexisténcia de teorias contraditérias e a com-
binagdo de técnicas supostamente com-
provadas sem exclusio de nenhuma. É um
processo que a nés parece bastante estranho.
No entanto, diferentes escolas e publicações
abundam ao longo dos séculos, como tam-
bém as idéias, as teorias e as explicagbes.
Niicleo tedrico da
acupuntura
Esse acúmulo de diferentes discursos con-
fere pouca credibilidade à histéria da acu-
puntura, pelo menos no que diz respeito a
seus estágios iniciais. No entanto, se olhar-
mos além dessa diversidade, encontra-
remos um ntcleo bésico que dá uma certa
coeréncia a prética da acupuntura. Di-
retamente baseada em observagdes e
interpretada por meio de alguns conceitos
fundamentais, essa técnica propicia um
instrumento terapéutico relativamente efi-
ciente cuja força estd na aceitagdo mais ou
menos consciente das suas limitagGes.
Devemos tentar compreender a histéria
antes de tecermos qualquer julgamento a
acupuntura, compreender o sistema antes
de desmantelá-lo e discernir o útil do fan-
tástico e o eficiente do ornamental. Para isso,
devemos penetrar na estrutura do sistema
mantendo a mente crítica e aplicando os
métodos modernos de raciocínio. Tomemos
o seguinte exemplo: durante a dinastia
Shang (aproximadamente na segunda par-
te do segundo milênio a.C.), as doenças eram
atribuídas à ira dos espíritos dos ancestrais
negligenciados pelos vivos. Mais tarde, du-
rante a dinastia seguinte, a dos Zhou (apro-
ximadamente na primeira parte do primeiro
milênio a.C.) diabos e demônios se torna-
ram a causa dos sofrimentos humanos. Eles
achavam que esses espíritos malignos en-
travam no corpo humano e produziam di-
tormentos Para se livrar deles, os
ferentes .
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 I 494 - PASSADO E FUTURO DA ACUPUNTURA
shamans daqueles tempos usavam todos os
tipos de talismãs, decocções mágicas e ri-
tuais de dangas. Si Ma-gian, famoso histo-
riador do século I1a.C., descreve a biografia
de um certo terapeuta chamado Bian Que
(Bridgman, 1955; Ma, 1992) que suposta-
mente viveu no século V a.C. e realizou
muitos “milagres” curativos. Outro escritor,
Sun Si-Miao, médico e acupunturista famo-
so do século VII, menciona em seu livro qian
Jin Yao Fang (Prescrições de mil peças de
ouro, Despeux, 1987) que Bian Que reco-
mendava a punctura de 13 pontos do corpo
correspondentes à presença de demônios.
A suposta existência de Bian Que não
torna os fatos uma realidade histórica, em-
bora Si Ma-gian já houvesse desenvolvido
um surpreendente grau de habilidade cri-
tica. Será que esses 13 pontos “contra de-
ménios”, que correspondem a pontos de
acupuntura bem conhecidos, representam o
começo da acupuntura moderna? Certa-
mente é uma possibilidade, já que a maior
parte desses pontos ainda tém indicagdes
precisas atualmente, embora obviamente
nio tenham nada a ver com a presenca de
deménios. O ambiente histérico, no entanto,
est4 contaminado pelas préticas shamânicas
e superstições. Para aumentar o problema,
esses 13 pontos também foram encontrados
no gian Jin Yao Fang como tratamento para
doengas psiquiétricas e para epilepsia!
Finalmente, é também possivel que Sun
Si-Miao tenha atribuido esses 13 pontos a
Bian Que para realçar a importancia de sua
utilizagdo. Os chineses tém um profundo
respeito aos antepassados e, por essa razao,
descobertas e novos conceitos e idéias eram
atribuidos a seus ancestrais. De fato, essa
atitude ainda prevalece em muitas áreas.
Qual a conclusdo que podemos tirar
dessas informações? Uma hipétese histéri-
ca ndo comprovada foi mais tarde adapta-
da para dar testemunho de uma técnica
com pouca aplicabilidade. Tire os shamans
e os demonios, entretanto, e ficamos com a
observagdo empírica que liga a dor com seu
desaparecimento depois da estimulagio de
um ponto. Parece que os primeiros acy-
punturistas só buscavam a eficiéncia, em-
bora por razdes questiondveis atualmente
ou que considerarfamos não cientificas. No
entanto, de extraordindria importancia é a
ligagdo da causa e efeito, a qual foi corre-
tamente observada e que representou sem
divida nenhuma, o inicio de todo racio-
cinio cientifico.
A teoria da acupuntura logo descobriu
uma estrutura, muito mais rapidamente que
a fitoterapia, cujas teorias foram constante-
mente modificadas e aperfeigoadas ao lon-
go dos séculos para formar o perfil atual.
Na época do Nei Jing (cujo contetido mostra
uma seqiiéncia de pensamento razoavel-
mente organizada), as prescrições médicas
compreendiam longas listas de férmulas
medicinais sem qualquer teoria de base.
Além disso, a superstição e o pragmatismo
equivocado eram amitide combinados com
a lógica empirica dos extratos minerais, ani-
mais e herbéceos. É também verdade que,
embora simplista na sua natureza, a teoria
da acupuntura é complexa e não suporta
muitas modificações dentro da estrutura da
visdo médica tradicional chinesa.
Se essas explicagdes são cientificas nao
importa muito no caso. O que importa € a
anélise e interpretagdo dos fendmenos que
ocorrem e que são observados no corpo hu-
mano levando em consideragdo o ambiente
cultural especifico. Na verdade, como a vi-
são cientifica poderia dominar os primeiros
S~
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA -
jias da acupuntura se a ciéncia, como é
concebida atualmente, não existia naquela
gpoca? Serd que isso significa entdo que o
samento médico chinés estava equivo-
cado? Se estava, a que ponto? Serd que essa
expressao arcaica esconde um erro ou ape-
nas um anacronismo?
Nos deparamos aqui com uma das
maiores dificuldades encontradas por qual-
quer individuo do século XX que esteja in-
teressado na acupuntura. A terminologia
usada — estabelecida há mais de 2.000 anos,
expressa em ideogramas que possuem um
forte poder de evocagdo, com muitos signi-
ficados dependendo do contexto, e o que é
mais importante, sem equivaléncia de ter-
mos modernos — precisa um enfoque seman-
tico que apenas sinblogos familiarizados
com esse campo podem propiciar. Essa é a
razdo pela qual o valor das tradugdes exis-
tentes varia de uma para outra. Não de-
vemos supor, entretanto, que os autores
chineses estavam protegidos contra essa
deficiéncia. Como prova disso, temos os
vérios e diferentes comentarios e anotagoes
dos tratados classicos mais importantes, o
que torna o trabalho dos tradutores ainda
mais dificil. Paul Unschuld, sin6logo médi-
co de reputação internacional, compreendeu
o problema muito bem. Em sua tradugédo do
Nei Jing (O Cléssico das Dificuldades)
(Unschuld, 1986), que data do séculoIlId.C.,
ele cita comentarios de mais de 20 autores
desde aquela época até os dias atuais.
Uma longa lista de livros, pouquissimos
dos quais são usados, uma longa lista de
acupunturistas famosos e escolas, algumas
grandes e muitas pequenas, formam o nu-
cleo da histéria da acupuntura. Felizmente,
alguns livros sempre foram considerados
com maior conceito que outros, por exem-
plo, o Zhen Jiu Jia Yi Jing (ABC da acupun-
tura), escrito por Huang Fu-mi no século III
e traduzido para o inglés em 1983 (Milkis
1986) ou o Zhen Jiu Da Cheng (Compéndio
de Acupuntura) de Yang J Z publicado pela
495 l
primeira vez em 1701 (traduzido para o in-
glés em 1981), no qual podem ser encontra-
das muitas sugestdes terapéuticas e praticas.
As principais idéias e teorias, entretanto, já
estavam estabelecidas durante o perfodo do
Nei Jing. Portanto, a evolugdo é precéria e
diz respeito apenas aos seguintes aspectos
de menor importancia:
1. o niimero de pontos de acupuntura
2. astécnicas de manipulagdo das agulhas
3. os métodos para escolher os pontos
a serem estimulados
O reconhecimento oficial da acupuntu-
ra e o controle de sua prética e de seus pro-
gramas de formagdo raramente fizeram
parte das prioridades dos governos. Duran-
te as dinastias Tang e Sung, que representa-
ram o apogeu da civilizagao chinesa, foram
criadas faculdades de medicina para centra-
lizar a organizagdo e o ensinamento de me-
dicina, da qual naturalmente a acupuntura
fazia parte. Entretanto, de forma geral, o
ensinamento e a pratica ficavam a cargo de
terapeutas isolados, os “mestres”, que por
rivalidade não divulgavam suas técnicas e
seus “segredos”, só transmitindo-os a seus
discipulos e raramente encarregando-os de
escreverem os ensinamentos. Esse costume
de mestre e discipulo ainda existe hoje em
dia. O autor deste capitulo teve que passar,
em 1970, por uma iniciação feita por um
mestre acupunturista que havia escolhido
em Taiwan. Comegou com uma angustian-
te sessdo auxiliada por um intermediario
para firmar o acordo sobre os honorérios do
ensino e envolveu uma cerimdnia solene e
impressionante diante do santuario dos an-
cestrais, com muitas reveréncias e incensos
e discursos, terminando esplendidamente
com um requintado banquete vegetarianoe
mais discursos. Na China Continental, en-
tre 1949 até o final do Grupo dos Quatro,
essa prética desapareceu, mas logo que hou-
ve uma relativa liberalizagdo na pratica mé-
dica, tornou-se novamente parte do sistema.
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 496 - PASSADO E FUTURO DA ACUPUNTURA
Felizmente, alguns acupunturistas fa-
mosos deixaram tratados razoavelmente
completos dando detalhes das teorias e téc-
nicas. No entanto, foi apenas na segunda
metade do século XX que manuais comple-
tos e práticos foram publicados.
la
relatfáiciv termtineado,
de semr eden
’. Envolve o conhecimento dos se-
guintes elementos:
1. os trajetos dos meridianos principais
e secundérios
2. os 6rgdos ou fungdes com as quais
possuem relagdes preferenciais
3. os pontos de acupuntura, com suas
fungdes e indicações gerais
4. os conceitos filoséficos bésicos, co-
muns ao sistema médico, que adotam
nesse caso um valor concreto
5. os instrumentos e as técnicas mais
simples
2§sarias de acordo com cada
‘individual. A dor representa, logica-
mente, o campo de preferéncia, mas
existem também várias ws
Além desse núcleo básico, existe um
mundo de teorias e técnicas, específicas para
a acupuntura ou relacionadas ao sistema
médico chinês como um todo. Entre outros
tópicos, estão os seguintes:
1. Diferentes categorias de pontos de
acupuntura, representando siste-
mas particulares de tratamento; o
equilíbrio entre os meridianos, en-
tre partes diferentes do corpo, entre
os meridianos e órgãos, os pontos
mais importantes de acordo com um
certo mestre ou autor; os pontos
simbólicos que correspondem a uma
rede de influências mútuas tais como
o ciclo dos Cinco Elementos; pontos
que acompanham a hora e o dia ou
que se originam de uma relação
numerológica; e centenas de pontos
, é localizados nos trajetos dos meri-
dianos, dos quais apenas alguns pou-
cos pertencem ao núcleo básico.
2. O procedimento diagnóstico e sua
formulagdo. Nesse caso estamos no
campo especifico da medicina chi-
nesa de forma geral.
3. Os padrdes patolégicos, a escolha dos
pontos para uma prescrição e como
justificar essa escolha.
4. Numerosas técnicas de manipulagio
das agulhas, cada uma mais compli-
cada que a outra.
Por essas consideragdes, pareceria que
os acupunturistas sempre trataram todo
tipo de doenga com suas técnicas. -i
caso
). Poderiamos deduzir a
partir disso tudo que os acupunturistas
chineses perderam completamente qual-
quer sentido razodvel de capacidade de
discernimento pelo fato de aderirem a um
‘grau tdo
—. Por outro lado, é neces-
sário lembrar das seguintes questões:
1. Os acupunturistas chineses geral-
mente possuem noções sólidas da
MTC e sabem quando as prescrições
medicinais são mais eficientes que a
acupuntura.
2. Em alguns casos, ambos os métodos
são usados juntos no tratamento dos
pacientes.
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA - 497
3, Essa aparente extensão das indica-
ções da acupuntura esconde na ver-
dade um profundo pragmatismo. O
acupunturista sabe o que funciona
melhor e que tipo de tratamento é o
mais eficaz, mas por que não usar
uma técnica extra, que pode bem
aumentar as chances de obter bons
resultados?
A impressão que fica é que o raciocinio
cientifico tem uma fraca relação com o acú-
mulo de teorias e técnicas, vindas principal-
mente de um raciocinio abstrato, célculos
baseados na numerologia e correlagdes sim-
bélicas, tudo isso guardando pouquissima
relagdo com a realidade.
reiras iguais as erguidas pelos nossos mo-
dernos métodos de investigagdo, andlise e
experimentacgao ou pelo apoio em argu-
mentos criticos e uso de bom senso.
A acupuntura é considerada como um
todo, qualquer que seja o enfoque e a visao
geral fica amitide perdida do niicleo bésico,
que é mais coerente, mais pragmatico, mais
constante e, até certo ponto, mais confia-
vel que o todo e que tem se revelado a for-
ça da acupuntura ao longo dos séculos.
Quadro 20.1 Os 12 meridianos regulares
—
Meridianos Yin
Interior, Orgaos Zang (s6lidos)
Pulmao (Taiyin da Mão)
Bago (Taiyin do Pé)
Coragdo (Shaoyin da Mdo)
Rim (Shaoyin do Pé)
Pericérdio (Jueyin da Mao)
Figado (Jueyin do Pé)
Meridianos
Se o conceito dos meridianos (Quadro 20.1)
apareceu antes ou depois do conceito dos
pontos não se sabe, embora a segunda op-
ção seja a mais provavel. Os dois conceitos
são encontrados no Nei Jing e os meridianos
também sdo mencionados no livro “Pres-
crigdes para 52 doengas”. Os meridianos re-
presentam os trajetos preferenciais de uma
das categorias da força vital, ou “energia”,
tradugdes aproximadas do termo chinés
“qi”. Os pensadores médicos chineses nao
eram muito interessados em anatomia e
provavelmente nunca tentaram verificar a
realidade macroscépica desses trajetos. A
existéncia desses meridianos foi deduzida
a partir das muitas sensagdes, dolorosas
ou anormais, espontaneas ou provocadas,
que um indivíduo experimentava, mesmo
quando saudável. Essas sensações se ma-
nifestavam seguindo um trajeto linear e
alongado, como se fosse uma faixa. As pri-
meiras observações eram reais e corretas e
foram interpretadas usando os conceitos
existentes dos tempos. No entanto, não há
evidência histórica envolvendo o desen-
volvimento dos trajetos dos meridianos
durante o período desses primórdios mais
antigos até a descrição final. Seria, na ver-
dade, fascinante descobrir como esta “car-
tografia” surgiu. Aliás, encontramos no
circuito definitivo dos meridianos, zonas e
seções de valores diferentes como, por
exemplo:
Meridianos Yang
Exterior, Orgdos Fu (ocos)
Intestino Grosso (Yangming da Mao)
Estdmago (Yangming do Pé)
Intestino Delgado (Taiyang da Mão)
Bexiga (Taiyang do Pé)
Triplo Aquecedor (Shaoyang da Mão)
Vesicula Biliar (Shaoyang do Pé)
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 498 - PASSADO E FUTURO DA ACUPUNTURA
1. Algumas dessas se¢des correspon-
dem a trajetos de nervos, embora ndo
0s trajetos de nervos individualiza-
dos em particular, no sentido anatd-
mico, mas mais o trajeto preferencial
de uma sensação quando um nervo
ou um tronco nervoso é estimulado.
Aqui a correspondéncia é anatdmica
ou neurofisioldgica.
2. Outros trajetos parecem estar liga-
dos com a proje¢do na pele, ou nas
estruturas subjacentes, de grupos
de células préximas dentro da espi-
nha dorsal, as quais teriam menor
limiar para influéncias mituas. Ao
mesmo tempo esses grupos de cé-
lulas estão relacionados por outros
circuitos a áreas, tecidos ou érgaos
especificos. Esses provavelmente
correspondem a niveis particulares
da espinha dorsal.
3. Finalmente, algumas dessas seções
parecem ter pouquissima justificativa
anatémica ou fisiolégica e chocam
nosso bom senso atual.
Em relagdo as duas primeiras catego-
rias, podemos imaginar que são o resulta-
do de escrupulosas e repetidas observagdes
de vérias sensagdes (dor, prurido, queima-
dura, etc.), e até das manifestações lineares
ou alongadas de algumas doengas derma-
tolégicas (herpes-zoster, neurodermatites).
O que ser4, no entanto, que induziu os
terapeutas a desenvolverem a terceira cate-
goria, a qual provavelmente representa
uma extrapolagdo exagerada designada a
completar aquelas 4reas que não estavam
cobertas pela qual poderfamos chamar as
categorias justificiveis? Os textos anterio-
res ao Nei Jing poderiam nos ensinar muita
coisa sobre o desenvolvimento e os diferen-
tes estégios evoluciondrios dessa cartogra-
fia. Vale a pena lembrar que os limites entre
as observagGes concretas e as extrapolagdes
nem sempre são claras.
Do ponto de vista médico chinés, os
meridianos tém uma base mais funcional
que anatémica. Além do mais, sua fisiolo-
gia é baseada na visão chinesa da circula-
ção do gi e ndo na nossa, que se expressa em
termos de vasos sangiifneos ou trajetos ner-
vosos, de correntes elétricas e neurotrans-
missores. A interpretagdo das observagdes
foi desenvolvida de acordo com os concei-
tos médicos da época, expressa em termos
de gi e fungdes ou Órgãos e das relagdes en-
tre eles. Isso nos leva a examinar o gi e os
Órgãos ou fungdes.
Qi
Obviamente que gi não existe como subs-
tdncia material no sentido que não corres-
ponde com qualquer tipo de entidade
anatdmica, nervosa ou hormonal. No entan-
to, o conceito de gi no sentido médico é en-
contrado nas paginas do Nei Jing:
1. No comego, o conceito de gi não ti-
nha nada a ver com medicina. Era o
centro do pensamento filoséfico chi-
nés, que tentava definir as relações
entre matéria e mudanga, substancia
e atividade. Qi representava a ener-
gia que permitia a mudanga e a ati-
vidade, e se revelava em todas as
transformações e modificações obser-
vadas na natureza. Ao longo da his-
toria filoséfica e cultural da China, gi
sempre foi o tema de muitos pensa-
mentos e especulagdes e era perce-
bido em uma ampla variedade de
modalidades.
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA
qi", significa o caráter (de uma pes-
soa), ete.
3. O pensamento médico apropriou-se
rapidamente do conceito de gi. O
corpo tem uma substéncia, feita de
matéria e sua existéncia se revela por
meio de movimentos e transforma-
ções: nos movimentos do corpo e da
mente; nas modificagdes do ar ina-
lado e do alimento ingerido; e nas
modificações da mente, das sensa-
ções e do comportamento causados
pelas informações ambientais. As-
sim, muito naturalmente, o concei-
to de gi encontrou seu lugar dentro
das relações internas de troca do cor-
po. Foi considerada ser uma subs-
tancia fundamental propriamente
dita, embora de natureza muito su-
til, cuja função envolvia um poten-
cial para a atividade. Dessa forma,
por falta de explicagdes quimicas e
fisicas, gi foi estabelecido como a
fonte de todas as atividades vitais.
Essas atividades são numerosas e varia-
das, mesmo pelos padrdes simplistas, mas
ao mesmo tempo complexos do pensamen-
to médico chinés. gi, esse potencial para a
atividade, obviamente tinha muitas facetas
diferentes, dependendo das atividades as
quais se aplicava e dependendo também dos
componentes do corpo. Assim, havia mui-
tas categorias de qi:
a. para as substancias em movimento,
fundamentais como o Sangue, os
Fluidos Orgânicos e a Mente (consi-
derada também como uma substan-
cia etérea)
” b. paracada órgão ou entidade funcional
» c. para funções sintéticas como prote-
ção contra o ambiente, nutrição, cres-
cimento e desenvolvimento do corpo
e a circulação nos meridianos
- 499
Ao ler os tratados de acupuntura, fica-
se com a impressdo que o gi circulante nos
meridianos é a única e exclusiva manifesta-
ção desse conceito no corpo. Isso é parcial-
mente verdade se nos limitarmos ao enfoque
patol6gico e terapéutico de doenga aos tra-
jetos dos meridianos. No entanto, assim que
aumentamos o alcance para incluir as mui-
tas outras funções do organismo como res-
piragdo, digestdo, pensamento, etc. fica
6bvio que existam muitas modalidades di-
ferentes de gi.
Dentro do contexto cultural e levando
em consideragdo o conhecimento disponi-
vel daquela época, essa interpretagdo pode
ser justificada. A verdade é que o conceito
de gi é uma invenção e não corresponde com
qualquer realidade fisica ou quimica espe-
cificas. No entanto, de certa forma, gi atual-
mente passou de um conceito abstrato para
uma noção concreta ao refletir sinteticamen-
te o potencial oculto atrás das atividades do
organismo. gi se tornou a razão pela prépria
existéncia dessas atividades e a causa dos
movimentos organicos, embora não se tenha
podido determinar sua natureza com preci-
são. A esse respeito, o fato deixa nossa men-
te cientifica insatisfeita. No entanto, ndo
pretende ser uma realidade objetiva; é ape-
nas a expressao de uma interpretagao de fe-
nômenos. O mais importante é que ele não
engana a realidade, porque não afirma exis-
tir da mesma maneira que existe um 6rgao,
um tecido ou uma fungdo. Significa mais
exatamente o motor energético que anima
esses 6rgaos, tecidos e fungdes. qi verte luz
sobre as atividades vitais. Não há um erro
cientifico assim; existe apenas o uso muito
inteligente de um conceito para explicar
a vida de um corpo em todas as suas ma-
nifestações. Nem mesmo contradiz nos-
so atual conhecimento; é apenas uma
forma diferente de expressao, uma orga-
nização diferente de dados que sabemos
serem de ordem fisica ou quimica. É um
conceito distinto, mas onipresente.
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 500 - PASSADO [ FUTURO DA ACUPUNTURA
Finalmente, o fato da MTC ter consi-
derado gi como um tipo de substância foi
irrelevante.
algo invisfvel existia.
Órgãos
Os Órgãos pertencem principalmente ao
campo da MTC, mas devemos examinar al-
guns aspectos do assunto em relação à acu-
puntura pelas seguintes razões:
Cada meridiano é diferenciado e denomi-
nado de acordo com as seguintes informações:
a. se circula através do membro supe-
rior, simbolizado pela mão (Shou) ou
no membro inferior, simbolizado
pelo pé (Zu).
b. que dos dois
Os Manuais, portanto descreveriam o
trajeto de um meridiano ou indicariam o uso
dos pontos naquele meridiano mencionan-
do, por exemplo, Shou Tai Yang, o meridia-
no Tai Yang do membro superior ou Zu Shao
Yang, o Shao Yang do membro inferior.
2. Ao mesmo tempo,
Tomemos como exemplo o nome com-
pleto de um meridiano em particular: Showu
Tai Yang Xiao Chang Jing. Shou é a mão (para
o membro superior), Tai Yang significa o
nome especifico, em termos das modalida-
des de Yin e Yang, que este meridiano com-
partilha com outro, Xiao Chang significa
literalmente Intestino Delgado e Jing é o ca-
rater do meridiano.
Muitas vezes, as ligagdes entre meridia-
nos e 6rgaos, mesmo para os chineses, não
sdo nem precisas nem obrigatérias e ndo é
um raciocinio 16gico que para tratar tal e tal
órgão, devemos usar os pontos situados no
meridiano relacionado com aquele órgão. A
conexão aparentemente sistemética deve-se
mais exatamente à tendéncia de classificar
e organizar em uma maneira légica. O prin-
cipio da relagdo é exposto, mas quando
confrontado com uma aplicagdo pratica a
escolha serd mais pragmatica.
‘aface. No entanto, as indicações desses pon-
tos são apenas parciais para as doengas dos
intestinos. São usados principalmente para
o tratamento de disttirbios locais ou regio-
nais ao longo dos trajetos por onde passam.
Os c!’neses conheciam anatomia, em-
bora ndo de forma detalhada. Os nomes
dados aos Órgãos ou funções representam
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 REINTERPRETAGAO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA - 501

principalmente os órgãos anatémicos inter- anterior do térax nas zonas de projeção na

nos maiores, do coragdo ao intestino gros- pele que correspondem aos pulmdes, que
órgão
do m
so, do estdbmago a bexiga. Alé pertencem a outros meridianos. Por outro
- tretanto, os chi vt

muito
int no dos
maiseressa conceito das
isi As funções que eles atri-
buíram a cada uma das vísceras eram mui-
to mais amplas que as atribuídas ao órgão
denominado. Embora nem sempre estejam
em concordância com o conhecimento cien-
tífico, estão principalmente de acordo com . A segunda é mais su-
a maneira chinesa de organizar os resulta- til e pertence ao enfoque fisiopatolégico da
dos das observações. É bom ter em mente, MTC: a maior parte dos problemas da be-
entretanto, que a elaboração das funções fi- xiga terdo sua origem em maus funcio-
' siológicas de cada um dos Órgãos apenas namentos de outros Órgãos como os Rins

K
o

comegou quando os diferentes conceitos da ou o Intestine Delgado.

acupuntura já haviam sido estabelecidos.
‘\ Foi apenas nos últimos séculos que a acu-
puntura atingiu seu estégio atual. De fato,
» 12 visceras ou funções, divididos em dois
antes da nossa era, a acupuntura pode mui-
to bem ter gozado de uma posição mais
proeminente em relação ao restante da MTC
do que goza hoje. Simultaneamente, é bem
provéavel que tenham existido diferentes es-
colas de pensamento e de pratica, todas fun-
cionando ao mesmo tempo, e defendendo o
uso da medicina demonolégica por um lado,
ou prescri¢des a base de extratos animais,
minerais e herbaceos e o uso de acupuntura
por outro lado.
As duas primeiras categorias de trajetos
dos meridianos, já mencionadas, permi-
tem-nos aceitar a hipótese de relagdes refle-
xas de diferentes niveis entre os meridianos
e os 6rgaos. Essa hipétese, no entanto, mes-
mo na visdo chinesa, ndo representava uma
obrigação de relagdo sistemética. Alguns do
O gosto dos primeiros pensadores chi-
neses pela classificagdo, relagdes, niimeros
e equilibrio é 6bvio. Existem 12 meridianos,
grupos de seis Yin e seis Yang, em dois gru-
pos de acordo com sua circulação no mem-
bro superior ou no membro inferior, em
dois grupos dependendo de seu inicio ou
final situar-se na cabega ou no tronco, exis-
tem quatro grupos de meridianos que com-
partilham essas caracteristicas de maneira
uniforme. Além disso, a circulagdo de gi nos
meridianos segue uma seqiiéncia estabele-
cida e atinge seu pico em cada meridiano
durante 2h do dia ou da noite (Fig. 20.1).
Como o que ocorre na maior parte das
teorias sistemdticas da MTC, existe alguma
verdade nisso, que deve ter se originado de
observagdes corretas.

, O pragmatismo
prevalece sobre a organizagao sistematica.
Para tratar doengas pulmonares, o
terapeuta usa pontos localizados no me-
ridiano que leva esse nome, bem como al-
guns pontos situados nas costas ouna parte
M Essas correlações

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 502 - PA SS AD O E FU TU RO DA AC UP UN TU RA
" 1
Vesícula
Biliar
Pericárdio
Intestino
Delgado
Figura 20.1 A “Lei do meio-dia — meia-noite”,
mostrando o perfodo de pico de gi em cada um
dos meridianos.
aparentemente lógicas nao
entretanto, à cinco delas correspondiam a órgãos anatô-
; rel: ados.
exagerada de algumas relações lógicas
para todo um sistema é uma inclinação
comum das muitas teorias da acupuntura e
da MTC.
Os períodos e distribuições como os
mencionados acima são, em grande parte,
favorecidos pelos chineses, satisfazendo seu
senso de ritmo, equilíbrio e harmonia. Di-
fícil de dizer, no entanto, se o conceito de
realidade que tinham era diferente. Será que
respeitavam essas classificações, bem como
outras que tinham as mesmas conotações
arbitrárias, quando confrontados com um
paciente a ser tratado? O
Parece que ao longo da história, existiram
partidários de cada tendência. Mesmo hoje,
Um exemplo surpreendente é a teoria
chamada Zi Wu Liu Zhu. É baseada no uso
de 66 pontos Shu relacionados com os Cin.
co Elementos, nos 10 Troncos Celestiais e 17
Ramos Terrenos, que, quando combinados,
formam o ciclo sexagendrio usado para de-
finir os anos. Os 12 Ramos Terrenos também
Intestino dividem um dia e uma noite em 12h. Cria-
Grosso
ram um sistema de relações pelo qual, a cada
uma das horas chinesas (correspondente a
duas nossas), existem um ou dois dos 66
pontos Shu que estdo “abertos” e podem,
portanto ser estimulados para equilibrar o
Yin e o Yang do corpo. Esse sistema mate-
matico foi até computadorizado para faci-
litar o cálculo dos pontos que estão “abertos”
a cada momento do dia. Embora muito dis-
tinto, esse sistema é obviamente muito
questiondvel no que diz respeito à efic4cia
terapéutica.
s No comego, havia seis visceras Yang,
A extensão micos e a sexta representando um tipo de
função sintética, que sintetizava trés grupos
de funções gerais, a saber, a cardiorrespira-
toria, a digestiva e a geniturinaria. No en-
tanto, havia apenas cinco visceras Yin. Para
equilibrar os números, os chineses criaram
uma sexta, chamada Pericdrdio. Essas vis-
ceras Yin e Yang se refletiram nos nomes dos
meridianos. Na prética, entretanto, os pon-
tos do meridiano do Pericdrdio praticamente
formam duplicatas com os pontos do meri-
diano do Coração e os pontos do Triplo
Aquecedor, o sexto meridiano Yang, eram
usados principalmente para indicagdes lo-
cais ou regionais de acordo com áreas co-
bertas pelo trajeto do meridiano. Mais uma
O nome do Triplo Aquecedor (ou Tri-
plo Reaquecedor) faz alusão ao calor gera-
do pelo corpo quando uma das suas fungdes
predomina, simbolizada pelo trabalho de
uma fornalha que transforma matéria em
energia capaz de ser assimilada e usada.
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA - 503
O mesmo raciocínio pode ser aplicado
a todos os sistemas de classificação de pon-
tos. Cada meridiano tem um ponto Yuan
(Fonte), para ser usado no tratamento do
órgão relacionado. Novamente, na prática,
não são todos empregados. O mesmo se
aplica aos pontos-(de Conexão ou Cola-
terais), os pontosXi (de Acúmulo ou Divi-
são), os pontos correspondentes aos Cinco
Elementos e os situados nas costas, próxi-
mos à espinha dorsal e que correspondem a
cada um dos órgãos (Faculdade de BeiJing,
1980; Cheng, 1987).
É essencial voltar a enfatizar que os no-
mes dos órgãos anatômicos ligados com as 12
R
funções podem ser enganosos. As responsa-
,? * bilidades fisiológicas do Coração e as do Pul-
— maio correspondem aproximadamente com o
" queconhecemos cientificamente. No entanto,
' S eref 1toras.
O fato
interessante é que o tratamento prético tera
como objetivo a restauração das funções pre-
judicadas e não especificamente o bem-estar
de um órgão anatémico!
Essa é a razão pela qual as relagdes que
existem entre os meridianos e as visceras sao
muitas vezes ténues e frageis.
Pontos
O Nei Jing citava 160 pontos; cinco séculos
depois, o niimero subiu para 349; no século
XI, Wang Wei-yi contava 354 e no “Compén-
dio de Acupuntura de Yang Ji-Zhou” (sécu-
lo XVII) os pontos já eram 359. Para nossa
mente acostumada ao século XX, são varios
os problemas que surgem:
1. Localizagdo dos pontos - O Nei Jing
ndo fornece a localizagdo. O Jia Yi Jing
do século III d4 insuficientes detalhes
sobre como localizar os pontos e os
tratados mais recentes não oferecem
nada melhor. Por que isso? Talvez
porque essa drea em particular fosse
ensinada de maneira prática com as
informagGes sendo passadas verbal-
mente do mestre diretamente para o
discipulo. Os mestres concediam
grande importincia na localizagao
exata dos pontos. Os discipulos pou-
co sabiam, se é que sabiam alguma
coisa, sobre anatomia e se a punctu-
ra dos pontos não fosse precisa, ha-
via o risco de perfurar um órgão, um
grande vaso sangiiineo ou um ner-
vo. O resultado é que ao longo dos
séculos o ensinamento dos pontos de
acupuntura permaneceu sob o con-
trole de mestres isolados.
2. Precisao da localizagdo — A precisão
da localização depende muito dos mé-
todos usados. Acabaram se multipli-
cando ao longo dos anos e, como ja não
sdo mais segredo, estdo atualmente
publicados nos manuais modernos.
Os vérios métodos de localizar os pontos
demonstram o génio chinés para a observa-
ção escrupulosa. Usando a visdo, registra-
ram marcas na superficie do corpo, por
exemplo, saliéncias ósseas, protuberancias
musculares, aberturas do corpo e pregas da
pele. Usando o toque, o acupunturista acres-
centou marcas palpéveis as marcas visuais,
por exemplo, as depressdes entre os 0ssos,
as formas dos músculos ou os tenddes. Al-
guns pontos, ndo evidentes a visão ou ao
toque estando o corpo imével, se tornavam
visiveis ou palpdveis em uma ou outra po-
sição do corpo ou do membro. O terapeuta
também levou em conta as sensagées do
paciente (alguns pontos eram mais sensiveis
que outros), seja espontaneamente ou sob
pressão feita pelo dedo.
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 S04 - PASSADO E PUTURODA ACUPUNTURA
Tudo isso ainda não era suficiente para
localizar todos os pontos. O uso de uma
medida de comprimento precisa foi solapa-
da pelas variagdes nas medições de uma
pessoa para outra. Entdo, os chineses de-
senvolveram um sistema bastante original:
uma unidade de comprimento particular
a cada individuo e, portanto diferente para
cada pessoa. Ademais, dividiram as distan-
cias entre algumas marcas do corpo que
eram 6bvias em um nimero determinado
de unidades.
A coleção de diferentes métodos produ-
ziu uma técnica geral para localizar os pon-
tos. A isso devemos acrescentar o fato de que
o nome dado a cada ponto era muitas vezes
também uma indicagao da sua localizagao.
Serd que esses métodos foram sufi-
cientes para a localizagdo precisa de pon-
tos no milimetro exato? Para alguns, sim.
Para muitos, entretanto, definiram uma
área em particular. A consciéncia dos acu-
punturistas chineses para essa verdade está
refletida no ditado:
_". Certamente sabemos que
os meridianos foram considerados mais exa-
tamente como uma faixa que uma linha.
Alguns autores modernos (por exem-
plo, Mann, 1992) estdo inclinados a acredi-
tar que os pontos de acupuntura não existem
e que existem apenas regides ou áreas. A ver-
dade situa-se provavelmente em algum
ponto entre as duas alternativas, como su-
gerem as duas categorias de pontos.
3. Valor respectivo dos pontos - Não
devemos supor que todos os pontos
sejam igualmente importantes. Muitos
deles tém apenas indicações locais e
limitadas enquanto outros agem so-
bre regies vizinhas. Existe uma ca-
tegoria de pontos que supostamente
age de longe em outra parte do cor-
po ou no funcionamento de um Or-
gao. Alguns pontos são considerados
mais importantes que outros e são
encontrados com regularidade em
prescrigdes, enquanto muitos outros
raramente são mencionados.
Para dar um exemplo desse fato, va-
mos dar uma olhada na lista de indicações
de alguns pontos de acordo com o Dicio-
ndrio de Acupuntura Chinesa publicado
em 1985 simultaneamente em Hong-Kong
e na China.
a. E-1(Chengqi), localizado logo abaixo
da cavidade do olho: conjuntivite,
lacrimejamento, glaucoma, cegueira
noturna, blefaroespasmo, paralisia
facial. São todas ações locais.
b. IG-15 (Jianyu), localizado na extre-
midade do ombro: dor e rigidez do
ombro, entorpecimento dos mem-
bros superiores, espasmos do brago
e das mãos, urticaria. Principalmen-
te, ações locais e regionais, mais uma
indicação de caráter geral.
. BP-6 (Sanyinjiao): localizado 3 “pole-
gadas” acima do maléolo interno:
distensão abdominal devido à insu-
ficiéncia do Bago e do Estémago, diar-
réia, irregularidade da menstruagéo,
massas abdominais, hemorragia ute-
rina, dismenorréia, galactosemia,
espermatorréia, impoténcia, prosper-
mia, enurese, atrofia muscular das
extremidades inferiores, insonia, his-
teria. Uma grande variedade de in-
dicações, digestivas, ginecolégicas,
sexuais, duas relacionadas ao campo
psicolégico e uma regional.
d. Houtinghui, um ponto extrameri-
diano localizado atrds da orelha:
zumbido, surdez, mutismo. Duas
indicagdes locais e uma que é amiú-
de a conseqiiéncia de uma condição
local.
A cartografia dos pontos de acupuntu-
ra é uma coisa. A utilizagao deles é outra. O
valor de cada ponto é ditado principalmen-
te por sua eficácia prética.
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS IRADICIONAIS DA ACUPUNTURA - 505
4. Um ponto único, fórmulas gerais ou
prescrições individualizadas? - O
plano de tratamento dos acupuntu-
ristas chineses sempre foi usar o me-
nor número de pontos possível. Uma
das razões para tal prática é que an-
et
g g
: de agulhas e pontos também refletia
SN o domínio da técnica pelo acupun-
turista. Dizem que Ma Dan-Yang tra-
tava com apenas 12 pontos. Alguns
acupunturistas se limitavam a usar
os pontos correspondentes aos Cin-
co Elementos. Outros nunca estimu-
lavam mais de dois pontos ao mesmo
tempo. Mas a utopia de um ponto
único, dando testemunho da precisão
no diagnóstico e na prescrição do
ponto, permanece de forma geral ain-
da uma quimera.
A outra tendência, muito mais frequen-
te, foi usar fórmulas de pontos para cada
doença identificada. Essas fórmulas não
eram completamente rígidas, mas represen-
taram uma base de início a qual outros pon-
tos foram acrescentados de acordo com os
sinais concomitantes. Mesmo que uma
doença possa se manifestar de forma dife-
rente de um paciente para outro, certos si-
nais permanecem constantes. Aqui, embora
sob outra forma, observamos a idéia do nú-
cleo básico aplicado à formação de grupos
de pontos preferenciais para uma ou outra
doença.
E a “fórmula individualizada” defen-
dida pelos “tradicionalistas”? Isso simples-
mente representa uma variação do método
anteriormente citado. Em cada 10 férmulas
individuais para a mesma categoria de
doenga, encontraremos o nticleo bésico em
cada uma delas.
Por mais de 1.000 anos, muitos manuais
deram, para cada ponto, uma lista muitas
vezes comprida, de indicagdes. No entanto,
as doengas ou sintomas nomeados não cor-
respondem automaticamente com uma ca-
tegoria moderna de doenga identificdvel .
(Kaptchuk, 1983), nossas mentes
devem avaliar as indicagdes que sdo veros-
simeis e as que não são.
criticas
Esses manuais também fazem reco-
mendações dos pontos a serem estimulados
para vérios sintomas e doengas. Só recen-
temente, entretanto, ficaram disponiveis os
manuais que apresentam um uso pratico e
ddo demonstragdes de varios métodos de
escolha dos pontos.
5. Pontos extrameridianos — São pontos
que não estdo localizados nos trajetos
dos meridianos. O Nei Jing e tratados
mais recentes mencionaram alguns
desses pontos, e a quantidade deles
cresceu rapidamente desde entao.
Atualmente são conhecidos cerca de
1.500, incluindo “pontos novos”, su-
postamente descobertos recente-
mente. Cada ponto tem um nome,
uma localização e algumas indicações.
Mais de 30 pontos são usados fre-
quentemente na pratica; outros corres-
pondem (como alguns pontos de
meridianos) a pontos-gatilho. A maior
parte desses pontos extrameridianos,
entretanto, pode ser questionada.
Muitos se situam tão préximos uns
dos outros ou tão préximos dos pon-
tos de meridianos que fica muito di-
ficil, se não impossivel, diferenciar
suas localizagdes na préatica. Por exem-
plo, na pequena área entre o angulo
da mandibula e o processo mastéide,
supde-se que estejam localizados cer-
ca de 20 pontos de acupuntura, per-
tencentes a todas as categorias. Como
podemos imaginar que cada um des-
ses pontos tenha uma localizagao e
indicagdes especificas?
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 506 - PASSADO E FUTURO DA ACUPUNTURA
As mesmas reservas discutidas acima a
respeito dos pontos dos meridianos se apli-
cam aos pontos extrameridianos. O acúmu-
lo de indicações não foi submetido a uma
avaliação razoável e pragmática. Isso não
. significa, entretanto, que devemos guardar
apenas aquelas ações capazes de serem
explicadas pelo nosso conhecimento atual e
pela terapia baseada nos reflexos. Existe
todo um campo de relações neurofisioló-
gicas ainda a ser investigado e que pode
resultar na justificativa do uso deste ou da-
quele ponto para um sintoma ou uma doen-
ça que, na época atual, parece ilógico.
Yin-yang
O Yin-Yang, simbolizado pelo símbolo na
Figura 20.2, é um conceito cultural esplên-
dido, talvez o conceito mais bonito da civili-
zação chinesa. É também uma das maiores
razões para a constante condenação e rejei-
ção da acupuntura. Talvez pelo fato desse
conceito ser mal compreendido, supersim-
plificado e ter se tornado um “cliché”. É cla-
ro que se acreditarmos que o Yin-Yang
representa aspectos opostos como noite e dia,
branco e preto, homem e mulher, etc., então
reduzimos o conceito a um sistema primi-
tivo e folclórico de classificações com pou-
quíssimo propósito em termos científicos. O
alcance desse símbolo, entretanto, é muito
maior que isso. Na verdade, o próprio fato
Figura 20.2 Simbolo do Yin e Yang do Taiji, a
“Grande Unidade”.
de ter se radicado no sistema médico chinês
em todos os níveis demonstra seu valor rea)
e significativo.
No campo da acupuntura, esse conceito,
como está apresentado no Nei Jing (capítulos
5, 6 e 7 do Su Wen), está voltado para a clas-
sificação dos meridianos nas diferentes cate-
gorias de Yin e Yang, bem como nos sintomas
que aparecem quando o Yin e o Yang estão
perturbados. Está ligado também comas clas-
sificações de ordem espacial ou estrutural,
lembrando um certo número de pares de
opostos e complementares como superior e
inferior, Interior e Exterior, Céu e Terra, claro
e turvo, Frio e Calor, Sangue e Qi, Água e
Fogo, etc. Consideram que a doença é a pre-
dominância exagerada de um aspecto dos
pares, quebrando assim o equilíbrio harmô-
nico entre eles. O sistema permanece, no en-
tanto, simples e não importa o quanto se leia
com atenção o Nei Jing, ainda é difícil encon-
trarmos muitos elementos práticos no texto.
Dentro da estrutura geral da MTC, que
como sabemos, foi construída ao longo de
muitos séculos, o conceito de Yin-Yang se
tornou uma questão fundamental com mui-
ta sutileza, adaptável à complexa realidade
do ser humano. Yir
trat
e am
às aplicaç
en ões to
práticas. Sua di-
mensão completa apareceu principalmente
no campo do tratamento medicinal. Nós nos
encontramos aqui, longe das observações,
muitas vezes, desordenadas do Nei Jing, as
quais na verdade representaram o comego
de uma forma expandida de pensamento.
Aspectos que eram parcialmente naturalis-
tas, parcialmente abstratos, foram progres-
sivamente dando lugar a um sistema de
classificagdo que estava muito mais préxi-
mo da realidade organica. Assim, o conceito
de Yin-Yang, com seus objetivos principal-
mente préticos, estabeleceu um lugar central
no sistema médico chinés.
e
— S
.
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 REINTERPRETAÇÃO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA - 507
Acabou se tornando o pivô do procedi-
mento diagnóstico. Os sinais mais eviden-
tes a partir do exame do paciente foram
organizados de acordo com as categorias ge-
rais de Yin e Yang. Estes, por sua vez, foram
categorizados mais uma vez tendo como
base três outros pares: Interi
e Exteri
oror,
. Esse pa-
drão básico tinha um objetivo principalmen-
te didático e os acupunturistas chineses
reconheceram que a realidade era na verda-
de muito mais complexa. A variedade de
expressões individuais de uma doença, as
interferências, as influências mútuas e as
evoluções formaram uma massa de raciocí-
Y nios que se aproximaram o mais perto pos-
— ) sivel da realidade orgénica e o mais longe
ypossivel das classificagdes simplistas mais
antigas. O nimero e a diversidade de ex-
pressoes de Yin-Yang sintetizaram, assim, a
individualidade de cada caso em particular.
A experiéncia e o actimulo de sintomas,
ortanto, permitiram que os sinais fossem
$ atribuídos a uma desordem em particular:
do estado geral do corpo; de uma substân-
cia fundamental; de uma das vísceras e fun-
ções; ou de uma combinação de dois ou mais
desses elementos. O diagnóstico conseqiien-
temente era formulado em termos de Exces-
so ou Deficiéncia, Calor ou Frio, e Yin e Yang
era aplicado a uma substancia fundamen-
tal, uma função ou um Órgão.w
orientadas e extrapc : st
que deve ser realcado aqui é a importancia
do procedimento lógico que definiu as
incont4veis facetas das doengas e que presi-
diu sobre o desenvolvimento do pensamen-
to médico chinés. Levou um longo tempo,
no entanto, para essa légica se tornar sufi-
cientemente coerente no dominio do trata-
mento médico.
Onde fica a acupuntura nessa evolução?
Sempre seguiu dois caminhos, a0 mesmo
tempo paralelos e mesclados entre si. O pri-
meiro é representado pelo núcleo bésico,
aplicado praticamente a sintomas dedorea
algumas desordens funcionais. Se buscarmos
em 10 manuais e compararmos os pontos
sugeridos para neuralgia do ciatico, torcico-
lo, um mau jeito no tornozelo, ansiedade,
irritabilidade, paralisia facial ou insénia, en-
contramos um grupo comum de pontos, e
alguns outros que variam de acordo com
a situagdo individual ou aos diferentes
diagnésticos de uma doenga que apresenta
sintomas semelhantes. O , a0
lidar com padrões de dor, refere-se princi-
palmente a anormalidades na circulagdo de
giaolongo dos meridianos. Assim, o diagnés-
tico em acupuntura é normalmente muito
simples: obstr j ‘
DL
pela qual, nesse
cessário usar o procedimento completo de
diagnóstico da MTC e também a razão pela
qual é bem possível praticar a acupuntura
dentro de certos limites sem que se tenha um
conhecimento muito profundo da MTC!
O outro caminho, muito mais ambicio-
so e também muito mais questionável, leva
diretamente ao âmago do sistema médico.
Os pontos de acupuntura encontram suas
indicações de acordo com o procedimento
de diagnóstico mencionado anteriormente,
expresso em termos de Yin e Yang, ou em
uma ou outra das subcategorias. Dessa for-
ma, teoricamente, qualquer padrão patoló-
gico poderia ser tratado terapeuticamente
com acupuntura. Na prática clínica, entre-
tanto, os acupunturistas progressivamente
separaram os respectivos campos da acu-
puntura, tratamento medicinal, dieta, mas-
sagem e ginástica.
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 ,SOO-PMSADO[FUTURODMCUHNTURA
Tomemos o exemplo simples da bron-
copneumonia. O diagnéstico na MTC seria,
provavelmente, alguma coisa do tipo: “um
aciimulo
de Fleuma”. De acordo com a teo-
riada MTC, aplicada à acupuntura, existem
pontos para dispersar o Vento, para reduzir
o Calor, para fortalecer os Pulmdes e para
eliminar a Fleuma. Uma férmula de pontos
pode ser criada desse modo e o tratamento
com acupuntura aplicado. Entretanto, o que
£l mas
realmente acontece na prética? Antes da in-
vasdo da medicina ocidental, certamente os
bt
chineses diante de tal quadro, selecionariam
uma prescri¢do medicinal para reduzir o
e o
la Booneaol
Calor (antipirética), para fluidificar a Fleu-
Wg//r)'ªM/f
ma e auxiliar a expectoragdo, para estimular
a função respiratéria e ajudar a respiração,
etc. Atualmente, o que os acupunturistas
fazem? Prescrevem antibióticos! A acupun-
tura ou a fitoterapia, ou ambos, podem ser
eventualmente de alguma ajuda, mas certa-
o
mente não seriam tão eficientes como os
antibióticos, pelo menos estatisticamente e
nesse exemplo dado.
Madeira
Fígado
Vesícula Biliar
Água
Rins
Bexiga
Metal Terra
Pulmões Baço
Intestino Grosso Estômago
—»— Ciclo de geração
— === Ciclo de destruição
Figura 20.3 Lei dos Cinco Elementos.
Estamos longe do conceito original de
Yin-Yang. Temos acompanhado, não obstan-
te, o impulso criado pelos seus poderes
evocativos, sua adaptabilidade, versatilida.
de e sutileza, todos os quais tendo transfor.
mado o conceito em um instrumento de
classificagdo da dinâmica fisiopatológica_
Com o tempo, o conceito ficou mais próxi-
mo da realidade e, embora expresso em ter-
mos arcaicos, foi baseado em observações
reais e na experiência.
Cinco elementos
Até mais que gi e Yin-Yang, o conceito dos
Cinco Elementos e suas “leis” reguladoras
tém sido o alvo dos céticos modernos que
criticam a acupuntura. Não deixam de ter
uma certa razão, porque se gi e Yin-Yang fo-
ram feitos para adaptar o méximo possivela
multiplicidade das situações fisiopatoldgicas
individuais, a lei dos Cinco Elementos, ao
contrério, propõe uma simplificagdo exage-
rada das relagdes fisiolégicas e patolégicas
seguindo os principios de correlagdes sim-
bélicas (ou correspondéncias sistematicas).
Mas afinal, o que são os Cinco Elementos?
Uma escola de pensamento no século V
a.C. (chamada atualmente de escola Yin-
Yang e liderada por um certo Zou Yin) esco-
lheu do mundo natural, cinco “elementos”
que pareciam predominar: Fogo, Terra, Me-
Fogo
tal, Agua e Madeira (Fig. 20.3). Esses elemen-
Coração
Intestino tos estavam inter-relacionados seja em
Delgado termos de produção ou em termos de do-
minação e esses dois grupos de ligagdes pro-
duziam seqiiéncias diferentes. A escola
Yin-Yang aplicou um conjunto dessas se-
qiiéncias para a sucessão de dinastias. Mais
tarde, essas regras de ligações foram aplica-
das para todas as categorias encontradas na
natureza, as quais foram artificialmente di-
vididas em cinco: planetas, graos, animais,
pontos cardeais (aos quais acrescentaral
um “centro”), cores, climas, etc.
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 REINTERPRETACAO DOS CONCEITOS TRADICIONAIS DA ACUPUNTURA - 509
Essas correspondéncias e listas não eram
classificadas fora do grupo de cinco, o que
demonstrava a existéncia de ligações simila-
res às dos Cinco Elementos. Podemos calcu-
lar o sucesso desse ponto de vista para os
filésofos chineses de todos os tipos e escolas,
que tinham tanta afinidade para a ordem, o
equilfbrio, a distribuição e a classificagdo. A
partir do século Il a.C. essa regra de associa-
ções foi encontrada em toda parte. Era, no
entanto, criticada pelos fil6sofos racionais,
nao pelo fato de seu uso prático, mas porque
estimulava infinitas similaridades em todos
os campos, como as do Yin-Yang em seu pri-
meiro estágio de desenvolvimento e a distri-
buição de pares. Esse foi um estágio abstrato
na divisão de aspectos concretos.
Essa regra de classificação dos fenôme-
\ nos macroscépicos foi revivida pelos pen-
“ sadores médicos quando foi aplicada no
- j microcosmo, no homem e no organismo.
Diziam que as visceras, os órgãos dos sen-
tidos e os tecidos correspondiam a cada um
dos Cinco Elementos. No entanto, os filóso-
— fos aplicaram o sistema de influéncias mú-
tuas de produgdo, dominagéo e outras,
apenas aos cinco Órgãos Yin, ouseja, o Cora-
ção, o Bago, os Pulmdes, os Rins e o Figado.
Em relação as outras partes do corpo, o siste-
ma nao avan¢ou além dos primeiros estagios
de classifica¢do, sem a noção das influéncias
mútuas. As ligações fisiolégicas e patológi-
cas existentes entre esses cinco Órgãos Yin
foram ditadas pelas relagdes entre os elemen-
tos da natureza. Ademais, seria suficiente,
em nivel terapéutico, favorecer essa ou aque-
la outra seqiiéncia de influéncia para obter
um resultado! Não admira que as pessoas
ficassem fascinadas com esse método bem
estruturado e sintético. Bem podemos ima-
ginar quão arbitrérios e artificiais alguns
desses raciocinios podem ter sido.
A acupuntura também foi integrada
nesse sistema de relagdes. Cada meridiano
tinha cinco pontos especiais, que correspon-
diam aos Cinco Elementos e o uso desses
pontos era guiado pelas conexdes entre os
Elementos. O Nan Jing, no século II d.C,, re-
gistra um relato detalhado do potencial te-
rapéutico desses pontos. Consideramos isso
inaceitével, já que o que podemos ver resu-
me-se a uma teoria abstrata remotamente
relacionada a realidade orgénica e particu-
larmente sem utilidade na prética clinica.
Quanto mais gi e Yin-Yang se tornaram
parte da complexidade fisiopatolégica da
prética clinica, mais a regra dos Cinco Ele-
mentos parecia aplicar relações externas a
um campo interno, não relacionado. Como
explicar, entdo, que essa “lei” tenha alcan-
çado tanto sucesso e que até hoje, existem
tratados e profissionais que dão testemunho
a favor dela?
A resposta é simples: é uma questdo de
perspectiva. As relagdes entre os Elementos
dentro das duas seqiiéncias podem ser apli-
cadas a todas as situações. Seja na direção da
produção ou da dominagao, ou longe disso,
cada Órgão está em contato com todos os
outros Órgãos. Dessa forma, não existem re-
lações fisiológicas ou patológicas que não
sejam propiciadas pelo sistema. Assim, qual-
quer que seja o diagnóstico, qualquer que seja
a evolução, as ligações entre os Órgãos são
sempre encontradas nas sequências.
Podemos vislumbrar a importância des-
sa afirmação. As relações fisiológicas entre
os Órgãos, bem como suas influências pato-
lógicas mútuas, seguem as regras biológicas
do corpo humano, as escolhas terapêuticas
derivam da observação clínica e da experiên-
cia. Podem ser sempre expressas em termos
de Elementos porque a regra completa cobre
todas as possibilidades. Aparentemente, as
doenças e os tratamentos parecem seguir essa
regra, quando, na verdade, estão seguindo
as regras do organismo humano, e são com-
elementos. Essa maneira paralela de expres-
são não acarreta ligações de causa e efeito.
Não é porque relações particulares existem
entre os Elementos que essas relações vão ser
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 510 - PASSADO É FUTURO DA ACUPUNTURA
encontradas entre os ÓrgãA o rên.cia das
apas
correspondências sistemáticas, tanto na clas-
sificação quanto na dinâmica fisiopatológi-
ca, nem sempre foi percebida dessa forma e,
amiude, tem sido confundida com a realida-
de, como em muitos tratados e escolas.
A “lei” dos Cinco Elementos, condena-
da como modelo intransigente de relagdes
dindmicas dentro do corpo, é reintegrada
quando considerada como um método de
expressdo sistemdtica e organizada da rea-
lidade clinica e orgénica.
Por outro lado, no campo da acupuntu-
ra, achamos diffcil aceitar os cinco pontos Shu
e seu uso terapéutico de acordo com a “lei”
como reflexo de qualquer tipo de realidade.
Os Cinco Elementos na medicina chi-
nesa, até mais que os cinco pontos Shu da
acupuntura, não fazem parte do niicleo b4-
sico. Seria necessdrio, entretanto, examinar
esse conceito na sua perspectiva adequada
e correta.
Resumo
A arte e a ciéncia da acupuntura evoluiram
por meio de uma variedade de caminhos e
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eme siecle. Guy Tredaniel, Paris
por uma variedade de razdes: préticas, po-
lfticas, financeiras e culturais. Inicialmente,
a teoria da acupuntura era fortemente ba-
seada em observagdes, mas o amor cultural
dos chineses pela simetria e pela ordem fez
com que o núcleo de observagdes baseadas
na prética fosse assimilando novos conceitos
e idéias, de forma que atualmente fica diff-
cil determinar nas leis e teorias que foram
passadas para nés pela tradição, onde ter-
mina a légica cientifica e começa a fantasia,
Sempre houve um espectro na forma
em que os mestres chineses interpretavam
a tradi¢do da acupuntura, mas por toda a
parte sempre existiu um enfoque fortemen-
te pragmético ao tratamento; a teoria est4 14
para ser usada apenas no caso de ajudar a
selecionar uma prescrição eficaz de pontos.
No nosso uso moderno de acupuntura, de-
vemos seguir a mesma linha.
Vale muito a pena investigar profunda-
mente os aspectos tradicionais e culturais da
acupuntura chinesa. E um fascinante exer-
cicio intelectual em si, e mais importante que
isso, capacita-nos a separar o que é de valor
terapéutico da simetria magnificamente
construida, mas artificial, que é a teoria da
acupuntura tradicional.
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