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LEÃO SAMPAIO
São Paulo
2007
WILSON ROBERTO EMILIANI JÚNIOR
São Paulo
2007
Agradecimentos
atenção e carinho.
Karla, Rosane, Baldan, Fábio, Ruas, Marcelo, Malulei e Lylian por me acolherem e
À Luciana...
Resumo
1. Introdução 10
1.1 Motivação 10
1.2 Justificativa 10
2. Revisão De Literatura 15
2.2.1 A Intuição 58
3. Conclusões 91
4. Referências Bibliográficas 97
Citação
“... as volúveis opiniões dos homens já não mais me
impressionam; os pensamentos dos velhos mestres
são mais valiosos para mim que os preconceitos
filosóficos da mente ocidental”
C. G. Jung (1949).
10
1. INTRODUÇÃO
1.1 MOTIVAÇÃO
1.2 JUSTIFICATIVA
ocidente, estando entre seus primeiros discípulos o Dr. Paul Ferreyrolles (Lutaif,
2005, p.10-48).
Além disso, desenvolveu uma fonética própria do idioma chinês para
transmitir o conhecimento aos franceses, a qual é seguida pela maioria dos
acupunturistas ocidentais, realizou as primeiras pesquisas científicas sobre a
eletricidade da pele nos pontos de acupuntura, em co-autoria com Dr. Niboyet e
inventou o disparador de agulhas (Dulcetti Junior, 2001, p.29).
Segundo Lavier (1981, p.6), tratando-se de medicina chinesa, o ocidente
sofrendo pela falta de acesso direto às fontes, e por traduções imperfeitas e até
mesmo erradas de textos chineses, a partir de 1930, inicia aos poucos sua
“reconstrução” – pela invenção de novos instrumentos e novas técnicas – por
autores sem nenhum conhecimento do idioma chinês, levando-a a sua conseqüente
deturpação e às vezes até a sua incompreensão. Hoje, na moda, classifica-se a
medicina chinesa de medicina esotérica sob um “aspecto pseudofolclórico de
orientalismo barato”.
Hoje, a acupuntura no Ocidente, aos poucos vai se transformando de
Medicina Alternativa, Exótica ou Esotérica para prática corriqueira dentro do
universo médico alopata, conforme vai se comprovando cientificamente (Lin et. al,
2006). Tanto é realidade que existe uma forte corrente almejando que sua prática se
torne especialidade exclusiva da classe médica. Em alguns países da Europa, a
exceção de Inglaterra, Alemanha, Dinamarca, Países Baixos, Finlândia e Noruega
onde já é oficializada a sua prática por médicos e não-médicos, a classe médica
reivindica a exclusividade para médicos, dentistas e veterinários (Dulcetti Júnior,
2001, p.31).
No Brasil, não é diferente, embora já haja resolução em conselhos de classe,
oficializando sua prática por biomédicos, educadores físicos, enfermeiros,
farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, médicos, psicólogos e terapeutas
ocupacionais.
A título de curiosidade, antes de ser tida como especialidade médica em
1995, o Conselho Federal de Medicina havia declarado em 1972 que a acupuntura
não era prática médica (Dulcetti Junior, 2001, p.32).
Alguns autores justificam a prática acupuntura exclusiva para médicos
baseados na capacidade exclusiva de diagnosticar. Mas estes mesmos autores
reconhecem que a MTC possui uma fisiopatologia peculiar e o exame é bastante
13
distinto daquele praticado pela medicina ocidental atual (Lin et. al, 2006) embora
subjuguem o conhecimento tradicional substituindo-o pela explicação físico-química
dos efeitos da acupuntura.
A medicina ocidental moderna, procurando se legitimar socialmente (e excluir
tudo o mais que não interessa), aproximou-se do discurso científico, fonte clara de
poder em nossa sociedade. Assim, a medicina científica, ou a “ciência médica”
permanece como norma institucional e como modelo ideal, e tudo mais que a
contraria (ou simplesmente não a segue como regra, por ser subjetivo, por exemplo)
é tido como curandeirismo, sendo posto de lado, até mesmo na ordem jurídica,
sempre em nome da “Ciência”. A argumentação é substituída pela autoridade dos
cientistas (Camargo Júnior, 2003, p.55, 63 e 77),
A ciência moderna tem demonstrado, entretanto, de modo comprobatório,
alguns aspectos energéticos concebidos pela MTC, em especial na acupuntura,
embora, as experiências científicas se realizem hoje sob rígidos critérios
acadêmicos, de modo reducionista afastando a acupuntura, por exemplo, de sua
base filosófica original, transformando-a numa espécie de “terapia de agulhas” ou
“nova acupuntura ocidentalizada”, senão híbrida (Dulcetti Junior, 2001, p. 16).
Segundo Lutaif (2005, p.36), a acupuntura científica, ensinada para a comunidade
médica atual (inclui-se aqui para todos os profissionais da área da saúde), possui
uma abordagem mais sintomática, não tendo muito por objetivo o restabelecimento
da energia vital e a regulação dos meridianos.
Segundo Camargo Júnior (2003, p.107) a medicina atual, enraíza suas bases
de conhecimento na física clássica, generalista, mecanicista e analítica. Busca isolar
componentes discretos, reintegrando-os a posteriori em seus “mecanismos originais”
(mecanicista). O todo destes mecanismos é necessariamente dado pela soma das
partes (analítica) e eventuais inconsistências devem ser creditadas ao
desconhecimento de uma ou mais “peças”. Paradoxalmente, a medicina “atual”
absorve muito pouco – à exceção de alguns equipamentos hospitalares – dos
desenvolvimentos (não muito recentes) desta mesma física, como a teoria da
relatividade de Einstein, ou a teoria quântica de Plank.
E não é preciso muito para concluir que a física moderna, com ressalvas, está
muito mais próxima do conhecimento tradicional do que a física clássica.
Adverte-se que, embora os chineses tenham estabelecido primariamente um
modelo energético qualitativo, secundarizando seu valor quantitativo, nada impede
14
2. REVISÃO DE LITERATURA
Física, em seu sentido mais amplo, para os antigos, é a ciência da natureza, daquilo
que pertence ao seu domínio. Assim, a metafísica é o estudo do que está além
disso, portanto não é um conhecimento humano, racional. Por isso, não se trata de
ciência (como concebido no ocidente moderno) nem filosofia, estes aquém da
metafísica. É o conhecimento por excelência, o único absolutamente digno deste
nome, não se tratando apenas de simples abstrações, mas o conhecimento da
verdade tal qual é (Guenón, 1981, p.14-23).
A metafísica costuma ser negada e ignorada por alguns e até considerada
produto da imaginação por outros. Para a Tradição é o conhecimento dos princípios,
significando “além da física”, ou “por de trás da física”. Física no sentido de natureza
e da essência das coisas ou substâncias. Metafísica então é o além da substância,
de toda natureza, que é material, imaterial, humano, divino etc. (Gilles, 1988, p.34-
35).
Trata-se do conhecimento da união, da interação sujeito e objeto,
denominando-se assim de conhecimento imediato, intuitivo, cognitivo e espiritual ao
mesmo tempo (Dulcetti Junior & Sichero 2004, p.46). A Tradição será distinguida de
religião no decurso no texto.
A metafísica é um conhecimento supra-racional e intuitivo. Porém, não
intuição infra-racional (infra-cortical), denominada de sensível, a qual apreende
apenas o mundo da mudança e do devir, a natureza ou uma ínfima parte dela. A
intuição que interessa à metafísica, geralmente, confundida com a anterior, é a
intuição intelectual, além da razão, no domínio dos princípios eternos e imutáveis.
Este intelecto transcendente não pode ser considerado uma faculdade individual,
pois, não está nas possibilidades do indivíduo ultrapassar seus próprios limites. A
razão é própria da humanidade, mas aquilo que está além é verdadeiramente “não-
humano” (Guenón, 1981, p.23-25).
É desta forma que o homem vai atingir tal conhecimento, não como humano
que é um de seus estados, mas como algo mais, quando toma consciência efetiva
de estados supra-individuais, absolutamente independente de qualquer
manifestação transitória, o “Si Mesmo”, ligado ao centro principial (Guenón, 1981,
p.23-25). Principial é um neologismo deste autor para designar a ordem dos
princípios eternos e imutáveis. A distinção entre o “Eu” e o “Si Mesmo” será
abordada mais adiante.
17
“Há muito se observou que toda sabedoria chinesa tem fins políticos.
Especifiquemos isso, dizendo que todas as Seitas ou Escolas se
propuseram realizar um arranjo da vida e das atividades humanas,
tomadas em sua totalidade: ou seja, na totalidade de seus
prolongamentos, não apenas sociais, mas cósmicos” (Granet, 2004,
p.20).
Na própria escrita, por exemplo. Granet (2004, p.36-37) afirma que no idioma
chinês antigo (tradicional) falado (utilizado pela Tradição) não importa que duas
expressões possam ser confundidas por seres pronunciadas de forma semelhante.
Cada nome possui uma “essência individual” a qual é convocada para a realidade
quando é pronunciada. A fala, associada à mímica, possui o poder particular de
sugestão. Não exprimiam apenas idéias, mas vinham embutidas de um poder afetivo
e prático.
O objeto de estudo na Tradição é a Realidade Absoluta anterior à existência
do cosmo, a qual absolutamente não é produto de hipóteses e teorias científicas que
se constroem apenas pela experimentação no domínio sensível (sensorial) e que se
modifica em função das observações. O conhecimento metafísico é eterno, imediato,
fusional, aparentemente inacessível e se estende a todas as sociedades
tradicionais. Fusional é definido como o conhecimento sem diferenciação entre
sujeito e objeto, ao contrário da dualidade do conhecimento científico objetivo
(Gilles, 1988, p.37).
A Tradição chinesa não propõe exatamente um saber, no sentido
contemporâneo do termo, mas um “acionamento global e sem ruptura” de tudo que
se pressente representando um sistema aberto de completa adaptabilidade, o qual
ajuda, aliás, a compreender também os próprios conhecimentos tecnicistas
contemporâneos:
Granet (2004, p.14) o considera o mais original dos escritores chineses. E em III a.C.
Lie Zi com o “Tratado do Vazio Perfeito”, talvez uma imitação de Zhuang Zi (Granet,
2004, p.304).
É importante dizer que o taoísmo, devido a sua pobre compreensão entre a
maioria, posteriormente ramificou-se em setores limitados como o religioso e o
filosófico, embora o taoísmo tradicional tenha-se mantido em redutos espalhados e,
muitas vezes escondidos pelo mundo, uma vez que seus Princípios vão de encontro
a dogmas e leis em alguns regimes políticos.
Segundo Bueno (2004), durante a dinastia Han, nos séculos II e I a.C., a
variedade de textos clássicos da época levou a uma geração de pensadores
chineses a formular propostas filosóficas que condensassem os saberes das antigas
escolas (confucionista, taoísta, cosmogonita, entre outras), levando a criação de
textos que continham explicações complementares para a compreensão dos escritos
mais antigos. São dessa época Huainan Zi de Liu An e Chunqiu Fanlu de Dong
Zhong Shu.
A partir daí, a degradação dos conhecimentos tradicionais só se fez
aumentar, e os que tratam de MTC não ficaram excluídos deste processo.
Dando um salto para os dias atuais, em 1914, a declaração do Ministério da
Educação chinesa aboliu a MTC, deixando de utilizá-la assim como os remédios
chineses. No governo de Chiang Kai Sheik, o lema era: “O Ocidente é o melhor”,
retirando-se assim o apoio financeiro destinado ao ensino da MTC, levando a sua
prática se reduzir por todo o país. Mas, com a ascensão comunista, ela ressurgiu,
talvez pelos resultados obtidos no tratamento de um câncer em Mao Tse Tung, e em
1958 declarou-se que a medicina chinesa era “uma grande casa do tesouro”
(Dulcetti Junior, 2001, p.27-28).
Assim, ela foi sistematizada e simplificada de maneira a torná-la possível para
sua utilização em massa como medicina preventiva (como se já não a fosse). Desta
forma, as bases tradicionais foram reduzidas e ajustadas ao pensamento atual. Em
países vizinhos, como Japão, Coréia, Taiwan, a ênfase nos conceitos tradicionais é
mais adequada do que em seu próprio país de origem, a China. Lá, portanto, a
qualidade e a eficácia da medicina chinesa, com a sua hibridação com a medicina
ocidental, encontram-se comprometidos (Dulcetti Junior, 2001, p.27-28).
29
O inominável
Fez aparecer o Céu Terra
O Nominável
É Mãe dos Dez Mil seres
31
O Sem desejo
Contempla suas secretas maravilhas
O desejo
Considera seus aspectos manifestos
Vallée & Larre (2004, p.86) explicam que o que é maravilhoso “não é objeto
de consideração, é a face sempre oculta dos Seres”.
Importante dizer também, que o que se segue neste sub item, é uma breve
descrição de alguns dos conceitos do taoísmo essenciais para a compreensão do
restante do estudo. A explicação e os comentários mais abrangentes de cada um
destes conceitos requereriam um trabalho à parte.
Taoísmo vem de “Tao” (embora a forma fonética adotada neste estudo seja
“Dao“, será utilizada “Tao“ por ser mais reconhecida). O Tao, por certo, é o conceito
mais árduo de se tentar explicar. Primeiro por sua ampla abrangência de aspectos e
depois pela dificuldade de agrupá-los e visualizá-lo em conjunto. Gilles (1988, p.35)
já adverte que quando se descreve o Princípio, utiliza-se mais as qualificações
negativas, a exemplo, expressões como “não é isso, não é aquilo”. As qualificações
positivas, geralmente são limitantes. Aqui, eis uma tentativa de definição, antes de
tudo, vaga.
32
“O Tao, por sua própria natureza, não pode ser definido – eis porque
surgem as distinções entre as palavras” (Zhuang Zi, cap.2, citado por
Bueno, 2004).
Para outros autores (Dulcetti Junior & Sichero, 2004, p.47) o Tao é a causa
dessa mistura energética matricial que amadurece, autotransforma-se e libera as
energias de seu conteúdo.
Por isso, no capítulo 25 do Dao De Jing, Lao Zi diz:
Tem-se agora dois níveis, e não apenas um, o Céu (Tian) e a Terra (Di). Este
é o princípio binário. Ao Céu, expansivo, cabe tudo que há de mais claro e leve e a
Terra, de densificação, o que há de mais confuso e pesado. O primeiro sendo o nível
dos princípios e o segundo o nível das elaborações, das realizações concretas
(Eyssalet 2003, p.25). Ou ainda, as energias leves ao Céu e os Sopros pesados a
Terra (Dulcetti Junior & Sichero, 2004, p.47).
Céu na Tradição taoísta, também pode se compreender como a própria
totalidade, ou Tao, já que o Céu surge do desprendimento das energias Yang do
Caos Primordial, sendo de qualidades leves e superiores. Já a Terra agrega para si
a potência que reúne o movimento de crescimento e ascensão dos Seres que
surgem nela (Dulcetti Junior & Sichero, 2004, p.53).
A representação geométrica, que representa o Céu e a Terra, mais comum na
Tradição extremo oriental, incluindo a taoísta chinesa, distingue as formas circulares
ao Céu e as quadradas à Terra. Parte-se da forma menos “especificada” de todas,
com caráter mais dinâmico, ativo, a esfera (círculo, quando em duas dimensões);
para, ao contrário, a mais “fixada”, com caráter mais estático ou passivo, o cubo
(quadrado, quando em duas dimensões). A forma da moeda chinesa (originalmente
de tábuas ritualísticas) mostra um quadrado, com ação centrípeta inserido num
círculo de ação centrífuga. Entre ambos, um espaço onde, nas moedas se
inscrevem os caracteres, corresponde-se ao Cosmos, onde se situam os “Dez Mil
Seres”: “O Céu cobre, a Terra suporta”. Ressalva-se que apesar deste símbolo, a
interioridade refere-se ao Céu e a exterioridade à Terra (Guenón, 1993, p.18-22).
35
Fig.2 – Moeda chinesa antiga simbolizando o Céu e a Terra, inscrita ainda com pictogramas.
O Céu sendo fonte dos princípios e a Terra fonte das realizações, esta
aparece como receptora dos influxos celestes sendo a potencialidade das
manifestações. Este complementarismo é simbolizado também por uma linha vertical
como o termo ativo (Céu) perpendicular a uma linha horizontal como o termo passivo
(Terra), pois, o símbolo do Céu deve ser situado inteiramente sobre o símbolo da
Terra como um raio luminoso sobre um plano de reflexão (Guenón, 1993, p.19 e 72).
Vale lembrar que Céu e Terra são conceitos abstratos e transcendentais e
não dizem respeito à abóbada celeste nem ao solo em que se pisa. Guenón (1993,
p.50) adverte ainda que Céu e Terra em si mesmos não são de modo algum
mensuráveis, visto que não pertencem ao domínio da manifestação.
“A Via é grande
O Céu é grande
36
A Terra é grande
O Rei também é grande
No meio, há portanto quatro coisas grandes
Mas o Rei é o único visível” (Lao Zi, cap.25, citado por Guenón,
1993, p.97).
Entre Céu e Terra há um centro onde ocorre sua síntese. Este nível é
denominado nível Homem. É um vazio, chamado de Vazio Mediano, um espaço
virtual de onde surgem os Seres (ou Dez Mil Seres), entendidos, segundo Dulcetti
38
Junior & Sichero (2004, p.32) como tudo e todos que existem neste intervalo,
incluindo o ser humano, principal representante, ou “toda a manifestação universal”
para Guenón (1993, p.18).
“A Via
Escorre no vazio mediano
Assim é o seu emprego
No entanto jamais transborda” (Lao Zi, cap.4, traduzido para o
francês por Larre, 1972)
o qual rege o Homem (é por isso que todo homem nasce no 10º mês de gestação).
Além disso, a primeira dezena possui o caráter de ciclo, através da progressão dos
números que o antecedem. Para Guenón (1993, p.18), o número “dez mil”
representa simbolicamente o indefinido.
Os Seres surgem então do “acasalamento” entre Céu e Terra. Acasalamento
porque cada um sede um pouco de si para a formação de um terceiro. O encontro
Yin-Yang da Terra e do Céu simboliza uma concepção, segundo Schipper, citado
por Eyssalet (2003, p.53). O Homem está no nível do meio, dos Seres. Este é o
princípio ternário: Céu/Homem/Terra, ou Tríade.
“A via que é uma via (que pode ser percorrida) não é a Via
(absoluta)” (Lao Zi, cap.1, citado por Guenón, 1993, p.144).
Tradição. Para Dulcetti Junior & Sichero (2004, p.160) o objetivo principal da MTC
consiste em encontrar a essência da natureza e da existência da vida,
desenvolvendo-as e transmitindo-as oralmente – de mestre para discípulo – ou na
forma escrita. Ou ainda como “virtuoso terapeuta tradicional ao ocupar-se desta
digna tarefa”.
Para Guenón (1981, p.20) ninguém atinge um conhecimento qualquer sem
um esforço estritamente pessoal, e tudo que um outro – um mestre, por exemplo –
pode fazer para ajudar é mostrar-lhe a ocasião e os meios de chegar lá. Símbolos,
ritos, procedimentos preparatórios e até condições exteriores (ambientais)
favoráveis, elementos comuns a todas às Tradições, embora possam ajudar na
busca pelo conhecimento metafísico, não são essenciais. O único requisito
necessário é o conhecimento (da Tradição). Toda aquisição que se faz neste
caminho, mesmo não atingindo toda a potencialidade do ser humano, é definitiva,
pois todo conhecimento teórico (conhecimento este legítimo, verdadeiro, por
excelência, ao contrário de especulações filosóficas ou psicológicas a seu respeito)
traz seu fruto em si mesmo.
Guenón (1973, p.58) considera importante distinguir este conhecimento
tradicional, autêntico e metafísico (já discutido anteriormente) do conhecimento que
chama de “ordinário e profano” “relacionado com o saber exterior das letras”,
referindo-se ao conhecimento racionalista, comum à mente ocidental.
Os chineses da Antigüidade desenvolveram a MTC a partir da procura de
uma melhor qualidade de vida, o qual chamavam de busca da longevidade. No
Clássico do Imperador Amarelo são citados os princípios de manutenção da
vitalidade (Yang Sheng) os quais constituem práticas de MTC para se evitar
doenças (Dulcetti Junior & Sichero, 2004, p.161), e não necessariamente apenas
curá-las, como comumente feito na medicina ocidental. Aliás, Guenón (1993, p.23)
julga profana a Medicina que se limita a tratar apenas sintomas mais ou menos
exteriores e superficiais, praticada por ocidentais modernos, ao invés de buscar suas
causas últimas.
Cleary (1988), tradutor para o inglês do Sun Zi Bin Fa, ou mais conhecido
como a “Sun Tzu - Arte da Guerra”, nos conta sobre uma lenda da antiga China, em
que certa vez um nobre perguntou a seu médico, membro de uma família de
terapeutas, qual dos seus familiares era mais hábil na arte da medicina. O médico
era dono de uma reputação tão difundida que seu nome era sinônimo da própria
49
ciência médica na China. Respondeu que seu irmão mais velho percebia o espírito
da doença e o removia antes mesmo que pudesse assumir qualquer forma, e por
isso seu nome não saia de casa. Seu segundo irmão mais velho curava a doença
quando ela era bem pequena, e por isso seu nome não saia da vizinhança. Quanto a
ele, dizia que perfurava veias, prescrevia poções e massageava a pele e que por
isso, seu nome cruzava as fronteiras chegando ao ouvido dos nobres.
Isso capta de forma bastante precisa a essência do livro de Sun Zi, sendo
referência não só para médicos, mas para estrategistas e líderes de governo: a
maior das habilidades é vencer os exércitos inimigos sem lutar, por tornar o conflito
totalmente desnecessário. O espírito superior faz malograr as maquinações
inimigas; a segunda melhor coisa a fazer é minar suas alianças; em seguida atacar
suas forças armadas; o pior de tudo é sitiar suas cidades. Por analogia, manter-se
saudável, resistindo às doenças; evitar o contágio; tomar medicação; e por último
realizar uma operação cirúrgica (Cleary, 1988, p.10).
Quem tem boa saúde, não sabe disso, até a doença chegar, que é quando se
toma consciência de que alguma coisa não vai bem (Schatz 1979), ou seja, a
doença é apenas um alarme sinalizando um desequilíbrio interior maior. Vallée &
Larre (2004, p.185) já ressaltavam que conduzir o paciente devolta ao Caminho, à
Via vale mais que uma boa poção ou punturar pontos comprovados. Toda terapia e
toda puntura devem orientar o paciente em direção à Via, ao Centro.
50
Por isso, o praticante taoísta, incluído o que atua em MTC, deve nutrir as
energias do corpo para nutrir as do espírito, a fim de atingir a plenitude eficaz,
reforçando-se o princípio da totalidade. Práticas respiratórias, nutricionais, posturas,
gestos e exercícios energéticos nutrem o corpo, proporcionando o equilíbrio, pela
nutrição do espírito, através de concentração, visualização e meditação (Dulcetti
Junior & Sichero, 2004, p.162).
Através dessa nutrição e corpo e espírito é que se atinge a Transformação
Individual. Ou seja, o estudo da Tradição, vinculado à compreensão profunda de
seus princípios conduz a uma natural mudança de hábitos e conseqüente
Transformação.
posição na frase, mas antes de tudo, de seu emprego em determinado livro mais
antigo e de sua interpretação admitida neste caso.
Os sábios chineses da Antigüidade, não tão ávidos a definições, souberam
dar nome às intuições que apreendiam da experiência vivida, através de ideogramas
e pictogramas. Assim, as palavras-funções na Tradição chinesa, ao contrário do
pensamento analítico conceptual no qual cada nome é uma “coisa”, são de fato
invocações ao território interior, proporcionando sempre a uma perspectiva global,
colorida pela qualidade, a nuança infinita de viver à qual a palavra dá apenas uma
referência. A palavra falada é um convite a uma investigação interrogativa no
silêncio, uma abertura na Metamorfose. A palavra escrita refere-se à trama do ser,
ao pano de fundo, à imobilidade, ao Vazio indefinido que simboliza um papel branco
(Eyssalet, 2003, p.XXXIV e XL).
A “intenção” da palavra, do ideograma, não é indicar uma experiência
sensorial facilmente identificável, mas é de indicar uma direção que ainda falta ser
vivida, e por cada um de forma diferente. É uma função secreta de ordem intuitiva,
aglutinando aspectos, reflexos da mesma natureza, comuns a todas as experiências
aparentemente diferentes, separadas, não correspondendo a nenhum objeto externo
e tangível. A frase chinesa constitui-se de um instrumento absolutamente
privilegiado para se aprender a penetrar em si mesmo (Eyssalet, 2003, p.XXXIV e
XL).
Desta forma, através da Mudança, Transformação e Mutação o Ser expande
sua sabedoria sobre aquele conhecimento que já adquiriu, através da Tradição oral
e escrita. Buscando o significado tradicional para cada conceito, atinge seus
significados mais profundos, potencializando sua eficácia e sua Virtude.
Por exemplo, Gilles (1999), enfatiza a necessidade do médico tradicional
entender de forma mais geral a apresentação de uma sintomatologia que aparenta
ser meramente orgânica, mas que de fato faz referência a uma história mitológica,
mesmo que isso pareça ser aberrante para o pensamento ocidental. Explica que se
deve entender o que há por trás de cada sintoma que serve apenas de símbolo ou
ao menos de emblema de uma alteração num nível mais profundo.
Ainda aqui, falta fazer uma distinção entre o “Si mesmo” a que Eyssalet
(2003) se referiu, citado há pouco, e o “Eu” ou a “Personalidade”. O “Si mesmo”
corresponde ao Princípio transcendente e permanente de que o ser manifestado, o
ser humano, por exemplo, não é mais que uma Mudança transitória e contingente,
56
modificação esta que não poderia de nenhuma forma afetar o Princípio. O “Si
mesmo” compreende todas as possibilidades de manifestação de um ser. O “Eu”,
correspondendo à individualidade, o indivíduo em si, não constitui uma unidade
absoluta e completa, fechada e bastada em si mesma (lógica do sujeito), mas sim
um estado particular de manifestação de um ser dentre a infinidade de estados do
ser total, submetido a certas condições especiais e determinadas da existência. Isso
é o que se define como a multiplicidade dos modos de manifestação ou dos estados
do ser, de fato uma verdade metafísica fundamental (Guenón, 1931, p.08-12).
Cabe a cada um realizá-la segundo as condições que lhe são próprias. A
multiplicidade indefinida dos graus de existência implica, para um ser qualquer
considerado em sua totalidade, uma multiplicidade igualmente indefinida de estados
possíveis, dos quais cada um deve realizar-se em um grau determinado de
existência (Guenón, 1931, p.08-12).
***
2.2.1 A INTUIÇÃO
Entende-se assim que a Virtude flui de forma autêntica, e junto aos Sopros,
proporciona a vida (tudo o que existe, manifestado). Tudo que o Tao produz é
Virtude. Obviamente então, não se pode limitar a associação da Virtude apenas com
o homem.
A Virtude está presente na criação de todos os Seres. Na cosmogênese, do
Céu vem o grande princípio e a Terra recebe-o provendo as formas para o
acabamento dos seres. Assim, tudo o que se concebe sob o Céu são a irradiação da
Virtude celeste (Vallée & Larre, 2004, p.61-65):
O Coração (Xin) para o taoísmo não é apenas aquilo que enxergamos como
uma bomba que faz com que o sangue circule pelo corpo. Este conceito será melhor
explicado adiante.
Ainda para Vallée & Larre (2004, p.61-64) a Virtude, possibilitando a posse de
65
nós mesmos e o encontro conosco, torna autêntico o agir daquele que a possui. Se
se é capaz de seguir o caminho, evolução que vai além dos limites humanos, atinge-
se a eficácia e a infinita perspicácia. Esses autores são taxativos também ao
afirmarem que “o saber, sem a Virtude, não serve para nada”.
Não é necessário apenas o conhecimento, a instrução. É preciso que este
conhecimento seja aplicado pela Virtude para que se tenha eficácia, já que é assim
que se segue o natural. “Encontro conosco” significa identificar a origem verdadeira
do Homem, o Tao, dentro de cada um, e, portanto a “posse de nós mesmos” deixar
fluir o Tao, o natural, através dos Espíritos. Isso é a Virtude. Como diz Huainan Zi:
“Nosso corpo não pode ser produzido senão pela Via e nossa vida
não pode resplandecer senão por meio da Virtude. Aquele que se
mantém vivo e atinge a plenitude de seus dias é aquele que,
fundamentado na virtude, fez resplandecer a Via. Não será isto a
suprema Virtude? Majestosamente, ele emerge do Indistinto, avança
cheio de força e os Dez Mil Seres seguem seus passo” (Zhuang Zi,
cap.12, citado por Vallée & Larre, 2004, p.68).
tratamento. Isto porque a Virtude é o Céu, o Tao dentro de nós – conduzido pelos
Espíritos – que reconhecem a justeza e a autenticidade de nossas condutas (Vallée
& Larre, 2004, p.64 – 65), e a Terra em nós são os Sopros que admitem a forma
dada pela Virtude.
Segundo estes autores ainda:
“Fixando as suas almas espirituais no nível carnal” pode significar a não cisão
no homem do Espírito e do corpo, do Céu e da Terra, sob influência equilibrada e
constante de ambos: “Estreitando a Unidade”.
O Espírito, ou Os Espíritos, se se quiser levar em conta seus inúmeros
aspectos, são apenas algumas traduções para o termo chinês Shen. Além destas,
encontra-se em textos taoístas Deus ou Deuses, “Influxo sutil recebido do Céu” a
exemplo de Pierre Grison, e “Força Configuradora” de Manfred Porkert (Eyssalet,
68
2003, p.164). Granet (2004, p.198 e 307) traduz Shen por poder, deuses ou
divindades.
Os Espíritos surgem da passagem e transição – mas regendo-a e
conduzindo-a – do plano não manifestado, indistinto, imperceptível, o Céu Anterior,
reservatório inesgotável dos princípios criadores e vitais não atribuídos, mas
precursores de todo ser; para o mundo das manifestações passíveis de percepção e
consideração, o Céu Posterior. É o Mistério, a influência que governa esta transição
criadora de todos os Seres, que age a todo instante e em todos os espaços. Está
associada à concepção e à organização inata e adquirida do desenvolvimento,
determinando todos os níveis de surgimento do indivíduo até os mais concretos
(Eyssalet, 2003, p.163, 165 e 255).
É o ponto criador Vazio e não localizável, lugar de uma constante
metamorfose (que é sua própria função) entre Céu Anterior e Céu Posterior. Ao
mesmo tempo testemunhando e agindo no movimento cósmico, como seu ser
personificado, espectador e ator em relação a tudo que se transforma e antes de
tudo em si mesmo (Eyssalet, 2003, p.163, 165 e 255).
Diferentemente do conceito de que estamos no plano concreto desde nossa
concepção e que, na morte, passamos ou retornamos para o mundo indiferenciado
ou para a origem, na Tradição estamos, todos os Seres, em contato com os dois
níveis que se sobrepõe, no mesmo instante, a todo instante.
No homem, os Espíritos são constituídos quando os produtos genéticos,
paterno e materno, se conjugam. Os fluidos parentais que os carregam, portam
também as Essências de cada um. Na união destas Essências, surgem os Espíritos
ou o Espírito do novo Ser. Aliás, sendo os Espíritos a relação entre as Essências,
antes delas se confluírem, o Shen já está presente conduzindo sua união.
Obviamente isto foge à lógica formal, porém é aí que os Espíritos mostram seu
mecanismo secreto frente às leis da dualidade (Eyssalet, 2003, p.171-173).
2003, p.384).
Este autor traduz Jing com Princípio Vital, que, neste estudo, possui o mesmo
significado de Essências, como será discutido adiante.
Os Espíritos são o produto dinâmico do encontro das Essências, paterna e
materna, na concepção e do encontro das Essências inatas (Pai e Mãe) e adquiridas
(Respiração, Alimentação, Sentimentos) antes, durante e, sobretudo a partir da
concepção. O encontro das Essências é a manifestação dos Espíritos, sendo estes
a criação permanente do indivíduo, a cada instante renovada e adquirida, geradora
dos movimentos, das Energias e dos substratos que produzem, sustentam e
transformam o corpo físico, emocional e “espiritual”. É o poder de organização,
crescimento, elaboração e de Transformação do ser humano (Eyssalet, 2003, p.172
e 204-206).
Representam a fusão das Essências (do Céu e da Terra) indiferenciada em
cada um. Por isso guiam a vida, dando-lhe a mais profunda orientação, que é a de
seguir o natural (Vallée & Larre, 2004, p.94-96). Os Espíritos são a expressão do
Céu, a emanação do Tao indiferenciado em nós. São eles que nos governam e nos
guiam, através do caminho natural, que é o caminho do Tao.
No corpo cada órgão caracteriza-se por ancorar um tipo de Espírito, local
onde ocorre a setorização das atividades psíquicas que se encarregam de organizar
as energias (Sopros) do corpo e proteger o organismo das invasões dos “perversos”
ou “demônios” (Gui), causadores das doenças externas (Dulcetti Junior, 2001, p.20).
No capítulo 66 do Huang Di Nei Jing Su Wen, encontra-se uma passagem
interessante sobre Shen:
“Uma vez o yin, uma vez o yang, e eis o que é nomeado Tao” (5º
parte da 5º Asa do Yi Jing, citado por Vinogradoff, 2000).
Os Santos, eles
Existiam para o ventre e não para o olho
Eles rejeitavam o exterior
E se mantinham em relação a si mesmos” (Lao Zi, cap.12, traduzido
por Larre, 1972).
Quando nos deixamos guiar pelos Espíritos, a vida segue como deveria.
“No vazio (Xu) que reina entre Céu/Terra o sopro harmonioso circula
livremente e os dez mil Seres nascem deles. Quando o homem é
capaz de estar sem paixões, renunciar ao prazer, tornar puras as
vísceras, então os Espíritos podem habitar pacificamente” (Ho Chang
Kong, comentarista do Dao De Jing, citado por Dulcetti Júnior, 2005).
“É esse o único orifício que está fechado e que está prestes a abrir,
porque é ele que nos faz comunicar com o Shen e permite assim
reencontrar nosso estado de imortalidade”.
(Zhuang Zi, cap.11, traduzido por Vallée & Larre, 2004, p.181-182).
Eyssalet (2003, p.269) já previa que não há definição possível para Sopros
75
(Qi), por suas circunstâncias serem tão “vastas e incontáveis”. Mas arrisca dizendo
ser os Sopros o “movimento da própria vida, o dinamismo por excelência”, o que nos
forma, transforma, atravessa, obstrui, agride e metamorfosa por toda parte e desde
sempre.
A fonética chinesa (T’chi, Qi) cunha o sopro que sai pela boca ao ser
pronunciado. Por isso, além de outros motivos, é que a sua tradução é Sopros Vitais
ou simplesmente Energia. Esta energia é única e é o constituinte fundamental do
Universo, sendo que os fenômenos ocorrem devido ao seu movimento e suas
transformações (Qi Hua) (Dulcetti Junior, 2001, p.37).
Os Sopros são a força, a potência que tanto geram, animam e preenchem as
formas. Por natureza, não possuem forma, mas são a entidade que pode se tornar
qualquer uma, não só sendo como a animando. As transformações sofridas por
estas formas também são promovidas pelos Sopros. A geração e Mutação são
incitadas pelo Céu, pelos Espíritos que trazem a Virtude do Céu. Desta forma, a
definição (ou tentativa de) de Sopros ganha uma perspectiva tanto estática quanto
dinâmica.
“Um ser humano deve sua vida a uma condensação de Qi. Quando
Qi se condensa há vida, quando se dispersa há morte” (Zhuang Zi,
cap.22, citado por Bueno, 2004).
Para Schatz et al (1982) os Sopros são a expressão mais real do trabalho que
o Tao gera em nosso corpo. Os Sopros específicos, de cada ser, surgem do Tao
ainda indiferenciado (Caos). Ainda para este autor, apesar desta diferenciação em
Sopros específicos, estes ainda mantêm-se ligados ao aglomerado primordial de
Sopros (Tao). Eyssalet (2003, p.270) afirma: “Os Sopros são a metamorfose se
exercendo no centro do Principio Vital” (Princípio Vital e Essência possuem o
mesmo significado neste estudo).
Os Sopros quando bem distribuídos pelo corpo promovem a manutenção da
saúde do ser. Ou seja, não é o quanto se tem de Sopros, mas sua distribuição
harmoniosa é o que mais importa (Vallée & Larre, 2004, p.70). Estes são os Sopros
autênticos, perfeitos.
Tanto excesso como escassez são prejudiciais e causas de moléstias
(Soullié, 1990, p.133-134). Segundo Schatz et al (1982) quando os Sopros estão
fora das normas ou quando agem desfavoravelmente, diz-se que são Perversos (Xie
Qi). Nos textos de MTC e do “Arte da Guerra” (Sun Zi Bin Fa), é freqüente o uso do
termo Xu (Vazio) para expor a idéia de uma fraqueza ou falta de coesão dos Sopros.
O estado de Vazio (Dulcetti Junior, 2005).
Soullié (1990) chega a ser mais sucinto ainda quando cita o Nei Jing contido
no Da Cheng (As Grandes Regras de Acupuntura e da Moxa):
eficazmente onde os Espíritos do outro não estão soberanos, onde o natural não se
segue. Segundo Vallée & Larre (2004, p.43) “os Espíritos comunicam-se livremente
entre si”, basta sabermos ouvi-los.
Na acupuntura – assim como em qualquer prática de medicina tradicional – o
fundamento é tratar a raiz, ou ao menos chegar, à fonte de toda desregulação. Esta
abordagem de vida é baseada na intuição, sentido, na troca de Espírito com Espírito
(Vinogradoff, 2000).
No entanto, como dito anteriormente, os Espíritos são o Céu indiferenciado
em nós. Como então cada ser se expressa de forma distinta, mesmo quando
enraizado nos Espíritos?
Vallée & Larre (2004, p.86) afirmam ainda que as Essências pertencem às
“Secretas Maravilhas” citadas no capítulo 1 do Lao Zi Dao De Jing, por isso
representarão sempre uma face oculta dos Seres, intransponível.
No Nei Jing, Qi Po responde ao Imperador Huang Di:
Essências” (Nei Jing Ling Shu Su Wen, cap.8, citado por Vallée & Larre, 2004, p.57).
E todas as vidas – para Dulcetti Junior & Sichero (2004, p.60) segundo os
chineses, tudo no Universo tem vida, sendo o Homem seu representante – são fiéis
à sua natureza, sua origem.
Este mestre taoísta do século VIII d.C., deixa claro quais são, para a Tradição
chinesa, os Três Tesouros. São “três fases inseparáveis de uma mesma realidade,
no centro da experiência humana”, experiência esta de Transformação constante do
Céu Anterior para o Posterior. São três modulações do mesmo princípio. São a
mensagem do Céu Anterior para o nível da manifestação. Não levá-los em conta ou
simplificá-los seria perder a “relação exata” com o Céu Anterior, perder a “Escuta
fundamental” ou o “Não-Agir”. As Essências são a origem, a matéria prima; os
Sopros o movimento, agente de transmissão e da Transformação; e os Espíritos a
potência que cria, integra, conduz, engloba e transborda os dois primeiros. As
Essências, levadas pelos Sopros transformados, se põem a serviço dos Espíritos
(Eyssalet, 2003, p.291, 293, 325 e 380).
Poder-se-ia relacioná-los ainda ao princípio ternário, ou Tríade,
Céu/Homem/Terra. Os Espíritos como o Céu, gerador dos princípios, as Essências
como a Terra, receptora dos impulsos celestes, provedora das formas com as
potencialidades à manifestação, e os Sopros, como o nível Homem integradora dos
comandos celestes dos Espíritos e produzidos através da Transformação das
Essências. Os Espíritos, agindo sobre as Essências mobilizam os Sopros através da
metamorfose conduzindo-os no Ser
Para o retorno ao Vazio unindo-se ao Tao, objetivando não só a eficácia na
puntura, mas a própria busca da saúde e da longevidade, à vida “Simples”,
83
Assim, para os três, é preciso ligar seus aspectos do Céu Posterior com a sua
origem, o Céu Anterior. Mas para este retorno, não se pode se desvincular das
funções no Céu Posterior: Essências (equilíbrio de consumo vital, da expressão
sexual), Sopros (equilíbrio da inspiração e expiração e de tudo que se resulta disso,
do movimento da vida) e Espíritos (equilíbrio da função intelectual). Assim, para a
obtenção dos Três Tesouros é necessário a conclusão (Cheng) do Céu Posterior a
partir do Céu Anterior. (Eyssalet, 2003, p.345 e 308).
As Essências, como “pano de fundo” e origem da vida, indiferenciado, não se
pode distingui-las, vê-las. Os Espíritos, orquestrantes desta vida, deve-se apenas
ouvi-los, mas através da escuta interna. Então, para o sensorial, são inaudíveis. Os
Sopros, princípios da forma, gerando-a, alimentando-a, transformando-a, são
impalpáveis, imperceptíveis por serem seu movimento em si.
Para Vallée & Larre (2004, p.43) o autor de Nei Jing Ling Shu sempre trata do
Grande acupunturista, que, no diagnóstico, chega até os Espíritos do paciente. “Os
Espíritos se comunicam livremente entre si”.
grãos comprimidos...
Dirigir sua observação a essa revoada (de corvos), sem saber do que
(ela) se trata...” (Huang Di Nei Jing Su Wen, cap.? citado por
Eyssalet, 2003, p.286).
1973, p.2).
3. CONCLUSÕES
entende melhor e a enxerga não simplesmente como um auxiliar, mas como um pré-
requisito para sua prática.
manifestado para o manifestado, sob o comando dos Espíritos, a qual é sua função
própria. Os Seres, então, são a mutação, pois, não estão contidos no universo
manifestado, mas o são.
A Transformação que o médico tradicional “sofre” enquanto busca o
conhecimento teórico – única via indispensável para se atingir a Transcendência
segundo Guenón (1939/1981 – Metafísica) não é isolada, não é uma Transformação
apenas, mas aquela que o faz retomar o Caminho do Centro.
Ou ainda, a Transformação prévia é o que o conduz ao caminho do
conhecimento. Embora isso pareça contraditório ou dois caminhos inversos e duais,
seu Princípio é mesmo, é atemporal e surge antes no não-manifestado.
Aquele que ocupa o centro e que já alcançou a plenitude do estado humano é
definido como Homem Verdadeiro. O Homem Transcendente, que às vezes pode
ser chamado de Homem Divino ou Homem Espiritual, está um pouco mais além
deste estado. Já atingiu a plenitude, a realização total e a Identidade Suprema, já
não sendo propriamente um Homem no sentido individual desta palavra, pois já está
totalmente liberado de suas condições específicas assim como de todas as
condições limitativas de qualquer estado de existência (Guenón, 1993, p.102-106 e
136-137).
O Homem Verdadeiro é apenas virtualmente um Homem Transcendente, pois
não pode atingir nenhum outro estado que se possa distinguir, posto que já está no
centro, embora não de maneira efetiva. O Homem Verdadeiro ocupa o centro do
estado humano (pólo terrestre) e o Homem Transcendente o centro do Universo
total (pólo celeste). O pólo terrestre é um reflexo do pólo celeste, por isso a
virtualidade do Homem Verdadeiro. Porém, a posição central deste é a mais próxima
da transcendência. Antes disso, até se atingir a “graduação” de Homem Verdadeiro,
existem três sub-graduações (Guenón, 1993, p.102-106 e 136-137) descritas no Nei
Jing Ling Shu Su Wen:
Não se tem a pretensão de que apenas com este breve estudo, o leitor torne-
se um Homem Verdadeiro ou ainda um Homem Transcendente. O que se busca
aqui é ressaltar a importância deste estudo, ou ao menos, dar a devida relevância
para o conhecimento tradicional para que este não seja profanado na tentativa de
seu embasamento racional.
95
O erro inicia-se quando o homem tenta tomar este poder para si, quando
tenta manipulá-lo de forma profana, simplificando-o ao extremo. Neste momento,
deixa de ouvir seus Espíritos, não consegue deixá-los governar, pois está movido
por suas paixões. Falta-lhe humildade para enxergar que o inominável, o
indiferenciado, o Misterioso, o indistinto não está ao alcance do homem. Pode-se,
até certo ponto, tentar compreendê-lo e agir segundo suas leis imutáveis, mas
jamais subjugá-lo.
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