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CENTRO UNIVERSITÁRIO IBMR

BACHARELADO EM JORNALISMO

MARIANA OCHOTORENA FARTURA REIS

A CENSURA AO JORNAL “O ESTADO DE S. PAULO”


DURANTE O ESTADO NOVO (1937 – 1945)

Rio de Janeiro
2022
MARIANA OCHOTORENA FARTURA REIS

A CENSURA AO JORNAL “O ESTADO DE S. PAULO”


DURANTE O ESTADO NOVO (1937 – 1945)

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Centro Universitário IBMR
como exigência para obtenção do título de
Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Prof.ª Dra. Jacqueline Sobral

Rio de Janeiro
2022
MARIANA OCHOTORENA FARTURA REIS

A CENSURA AO JORNAL “O ESTADO DE S. PAULO”


DURANTE O ESTADO NOVO (1937 – 1945)

Trabalho de conclusão de curso


apresentado ao Centro Universitário IBMR
como exigência para obtenção do título de
Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Prof.ª Dra. Jacqueline Sobral

BANCA EXAMINADORA

_________________________________
Orientadora: Prof.ª Dra. Jacqueline Sobral
(Centro Universitário IBMR)
_________________________________
Avaliador 1
(Centro Universitário IBMR)
_________________________________
Avaliador 2
(Centro Universitário IBMR)

Rio de Janeiro
2022
Dedico esta monografia aos meus pais, aos
meus irmãos e aos meus amigos mais
próximos por toda a colaboração, paciência e
apoio durante o processo de desenvolvimento
deste trabalho.
RESUMO

O trabalho tem como objetivo apresentar um estudo sobre como Getúlio Vargas,
durante o “Estado Novo” (1937-1945), utilizou-se de seus poderes políticos para a
implantação da censura e a redução da liberdade de expressão dos jornais no Brasil.
Por meio de um estudo de caso sobre a censura aplicada no O Estado de S. Paulo, o
intuito é compreender como a prática afetou a linha editorial do jornal, refletir sobre as
filosofias por trás do regime, avaliar qual o papel do Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) na censura e analisar como as matérias publicadas pelo periódico
foram modificadas com a intervenção.

Palavras-chave: Estado Novo; Censura; Jornais; Jornalismo; Getúlio Vargas.


ABSTRACT

The work aims to present a study on how Getúlio Vargas, during the “Estado Novo”
(1937-1945), used his political powers to implement censorship and reduce the
freedom of expression of newspapers in Brazil. Through a case study on censorship
applied in O Estado de S. Paulo, the aim is to understand how the practice affected
the newspaper's editorial line, reflect on the philosophies behind the regime, evaluate
the role of the Press and Propaganda Department (DIP) in censorship and to analyze
how the articles published by the journal were modified with the intervention.

Keywords: Estado Novo; Censorship; Newspapers; Journalism; Getúlio Vargas.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Cabeçalho do jornal “A Manhã” ....................................................................... 35


Figura 2 – Manchetes da edição nº 10367 do jornal “A Noite” ...................................... 37
Figura 3 – Parte da primeira folha da edição 1 do “A Província de São Paulo”
publicada na edição dia 4 de janeiro de 1875 .................................................................. 39
Figura 4 – Notícias de pautas recebidas através dos telegramas da Havas publicada
no dia 17 de abril de 1890 ................................................................................................... 40
Figura 5 – Parte do telegrama publicada na edição do dia 19 de julho de 1897
fazendo a cobertura do conflito .......................................................................................... 41
Figura 6 – Coluna sobre Ruy Barbosa publicada no dia 27 de março de 1910 ......... 42
Figura 7 – Convite para a cerimônia do enterro de Júlio Mesquita publicada no dia 16
de março de 1927 ................................................................................................................. 43
Figura 8 – Manchete sobre o movimento constitucionalista publicada no dia 11 de
julho de 1932 ......................................................................................................................... 44
Figura 9 – Primeira página da última edição “livre” do jornal publicada no dia 24 de
março de 1940....................................................................................................................... 45
Figura 10 – Única notícia publicada na coluna de “notícias do rio” publicada no dia
25 de março de 1940............................................................................................................ 46
Figura 11 – Cabeçalho da edição do dia 7 de abril de 1940 ......................................... 47
Figura 12 – Artigo de Nuto Sant’anna na edição do dia 5 de junho de 1940 ............. 48
Figura 13 – Reportagem sobre o presidente Getúlio Vargas na edição do dia 26 de
abril de 1940 .......................................................................................................................... 51
Figura 14 – Reportagem sobre o monumento na edição do dia 13 de março de 1942
................................................................................................................................................. 52
Figura 15 – Notícia sobre o presidente Getúlio Vargas na edição do dia 13 de março
de 1942 ................................................................................................................................... 53
Figura 16 – Notícia sobre a visita do general Gois Monteiro na edição do dia 12 de
abril de 1940 .......................................................................................................................... 53
Figura 17 – Reportagem sobre o DIP na edição do dia 23 de junho de 1940 ............ 54
Figura 18 – Manchete sobre Conferência de Hitler e Mussolini na edição do dia 19
de março de 1940 ................................................................................................................. 57
Figura 19 – Notícia sobre Hitler na edição do dia 30 de agosto de 1940 .................... 58
Figura 20 – Reportagem sobre Aliados na edição do dia 23 de agosto de 1944 ...... 58
Figura 21 – Notícias sobre a República na edição do dia 31 de outubro de 1945 .... 59
Figura 22 – Parte da carta de apoio de Vargas a Gaspar Dutra publicada na edição
do dia 28 de novembro de 1945 ......................................................................................... 59
Figura 23 – Página 3 da edição do dia 7 de dezembro de 1945 .................................. 60
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10

2. CAPÍTULO UM: O ESTADO NOVO (1937-1945) ................................................... 13

2.1 Antecedentes e o Golpe de 1937 ........................................................................... 13

2.2 Consolidação, panorama sociopolítico e fim do Estado Novo .......................... 15

2.3 A influência das políticas externas no Estado Novo........................................... 20

2.4 Bases ideológicas e filosóficas por trás de Getúlio Vargas............................... 22

3. CAPÍTULO DOIS: A CENSURA NO PERÍODO ...................................................... 26

3.1 A propaganda política como prática de censura no Estado Novo .................... 26

3.2 A função do DIP na censura e os seus predecessores ...................................... 29

3.3 Intervenção, corrupção e monopólio: o impacto da censura nos jornais........ 34

4. CAPÍTULO TRÊS: A CENSURA NO O ESTADO DE S. PAULO – ANÁLISE .. 39

4.1 História do jornal, tentativas prévias de censura e o início da intervenção .... 39

4.2 A censura aplicada na prática e as suas consequências................................... 45

4.3 Devolução e período pós-censura......................................................................... 56

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 61

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 64


10

1. INTRODUÇÃO

Originária do termo latim censere (que significa ter acesso), a censura há muito
tempo apresenta-se como um impedimento para a sociedade. Fundamentada através
do princípio de “filtrar e proibir o que é inconveniente, do ponto de vista ideológico ou
moral”, de acordo com o Dicionário Michaelis On-Line, suprimindo informações e
expressões antagônicas às previamente impostas pelas autoridades, a prática de
cancelamento do pensamento individual é característica de governos autoritários
desde a Roma Antiga, e perdurou durante os séculos como um modus operandi dos
líderes desses regimes.
Quando o tema é censura, frequentemente a associação se dá com setores
que costumam ser mais afetados por essa prática: o teatro, o cinema, a literatura, a
arte, o turismo e a mídia. No entanto, ela pode se dar de diversas formas, desde
propagandas políticas e contrainformações até a intervenção e controle dos veículos
de comunicação oficiais de um país.
Em relação a censura à imprensa, Marx (1842, p.20) complementa afirmando
que:
Na oposição à liberdade de imprensa, bem como na oposição à
liberdade geral da mente em qualquer esfera, os interesses individuais
dos Estados particulares, a natural unilateralidade dos seus caráteres,
aparecem em forma franca e brutal, mostrando simultaneamente seus
dentes (MARX,1842, p.20).

Posto isto, e relembrando a história política brasileira como um todo, pode-se


observar que o conceito de censura foi melhor aplicado em uma época específica: o
Estado Novo. Aqui, tem-se Getúlio Vargas, político que deu início a seu cargo na
presidência através de um golpe, e foi deposto por um outro. A terceira fase de seu
governo — nos anos de 1937 a 1945 — apresentou durante todo o tempo
particularidades autoritárias e que remetiam a censura, tal como nota-se no ocorrido
com o jornal O Estado de S. Paulo, no ano de 1940, que foi tomado por um órgão
censor governamental a fim de trazer notícias em prol regime e muitas das vezes sem
nenhuma conexão com a proposta original do periódico.
É diante desse acontecimento, e através de uma imersão nos eventos ocorridos
durante o Estado Novo, que a presente pesquisa tem como objetivo explorar de que
11

maneira Getúlio Vargas utilizou-se de seus poderes políticos para a implantação da


censura e a redução da liberdade de expressão dos jornais no Brasil.
A escolha do tema apresentado se deu por estarem em convergência dois
temas do interesse da autora: história nacional e jornalismo. Levando-se em
consideração o contexto sociopolítico-econômico do período, também foram traçados
como objetivos específicos demonstrar os impactos que a censura causou na linha
editorial do O Estado de S. Paulo — uma vez que este foi transformado em um dos
muitos canais de propaganda política e ideológica de Getúlio —, identificar em que
circunstâncias nasce o Estado Novo, refletir sobre quais filosofias estavam por trás do
regime e de seu líder, avaliar qual papel o DIP teve durante esse período e explicitar
como as matérias publicadas no jornal mudaram com a intervenção.
A metodologia escolhida para análise foi o Estudo de Caso, técnica que permite
um maior aprofundamento e detalhamento dos assuntos tratados. O objetivo deste
trabalho é contribuir para a compreensão de como a prática da censura no Brasil é
antiga e de como se deu o processo de construção da liberdade de expressão no país ,
principalmente no que diz respeito ao jornalismo brasileiro.
A intenção da autora é fazer com que esta pesquisa bibliográfica se torne
também um material de consulta e de base para a conscientização de que práticas
intervencionistas e de censura devem ser evitadas. Ainda que um meio de
comunicação de relevância pública seja uma empresa, cujos donos tenham interesses
políticos e econômicos, ele não deve atuar somente a serviço de ideologias e posições
políticas destinadas à manutenção de regimes autocratas e ditatoriais.
No primeiro capítulo, aprofundando-se nos referenciais bibliográficos, é
apresentado o ambiente Estado Novista, quais foram os seus antecedentes,
influenciadores e quais ideologias estavam por trás do homem que estava à frente do
poder. No segundo capítulo, em complemento ao anterior, trata-se da censura
empregada na época, como a propaganda política foi a principal forma de
contrainformação, como foi a atuação do órgão responsável por administrar a censura
no país e de que modo isso afetou os jornais brasileiros.
No terceiro capítulo, inteiramente dedicado a analisar e entender o caso de
intervenção no O Estado de S. Paulo sob a fundamentação teórica, é englobado não
somente a censura aplicada na prática e suas consequências, mas também a história
do jornal, tentativas prévias censura de e o momento do pós-censura, quando o jornal
é finalmente devolvido aos seus donos originais após os cinco anos de intervenção.
12

Por último, nas considerações finais, volta-se a apresentar os objetivos


alcançados e a consonância destes com os estabelecidos previamente neste capítulo
introdutório, a fim de comprovar os instrumentos utilizados por Vargas para aplicação
da censura e estabelecer como a proibição de certos temas e opiniões acometeu
negativamente O Estado de S. Paulo e os outros veículos de imprensa atuantes no
período.
13

2. CAPÍTULO UM: O ESTADO NOVO (1937-1945)


2.1 Antecedentes e o Golpe de 1937

A implementação do Estado Novo no Brasil foi realizada por meio de um


pronunciamento de Getúlio Vargas no Palácio Guanabara, na noite de 10 de
novembro de 1937. Também conhecido como Manifesto à Nação, o discurso irradiava
por todas as rádios do país através do programa A Hora do Brasil.
Vargas (1937) afirmava em seu anúncio que:

Para reajustar o organismo político às necessidades econômicas do


país e garantir as medidas apontadas, não se oferecia outra alternativa
além da que foi tomada, instaurando-se um regime forte, de paz, de
justiça e de trabalho. Quando os meios de governo não correspondem
mais às condições de existência de um povo, não há outra solução
senão mudá-los, estabelecendo outros moldes de ação (VARGAS,
1937, p. 28).

A justificativa por trás do Manifesto era de que o novo governo foi consequência
direta dos processos que tiveram início em 1930. Entretanto, ao contrário das palavras
do presidente e dos homens que corroboraram com o golpe de Estado, a instauração
do Estado Novo foi resultado de uma série de lutas e confrontos ocorridos no período.
A época que precedeu o Estado Novo ficou marcada por discordâncias e
agitações nas esferas civis, políticas e militares. Esse contexto estava relacionado à
diversidade de forças que fizeram parte da Revolução de 1930. Junto aos liberais e
autointitulados “oligarcas residentes”, estavam rebeldes “tenentes” que tentavam
derrubar o regime que estava em vigor desde 1889.
Sendo assim, logo após o começo do Governo Provisório, ficou evidente o
contraste entre as opiniões. De um lado era exigido a convocatória instantânea de
uma Assembleia Nacional Constituinte. Do outro, que fosse estabelecida uma ordem
democrática seguida de reformas sociais. Uns desejavam um regime forte, outros um
modelo liberal.
Pandolfi (2015, p. 183) afirmava que:

Muitas também eram as disputas no interior das Forças Armadas, que


emergiram da Revolução de 1930 enfraquecidas e divididas. Poucos
militares de alta patente haviam atuado no movimento revolucionário
e a participação dos “tenentes” no governo subvertia a hierarquia,
provocando tensões permanentes entre a baixa e a alta oficialidade.
14

Por isso, nos anos que antecederam o Estado Novo, as sublevações


nos quartéis eram constantes (PANDOLFI, 2015, p. 183).

Dois anos depois, acontecia a Revolução Constitucionalista de 1932. Os


paulistas, contando com o suporte do Partido Republicano Paulista e Partido
Democrático que antes apoiaram a Revolução de 1930, uniram-se na Frente Única
para reivindicar seus direitos e exigir o fim do regime ditatorial, assim como uma
liberdade maior para o estado de São Paulo. Posto isto, em julho de 1934 é
promulgada uma nova constituição e Vargas é eleito como presidente. O mandato
duraria somente quatro anos, e ele não poderia se reeleger novamente.
A chamada Constituição de 1934 aborreceu Vargas. O molde de governo
proposto era muito mais liberal do que o presidente gostaria que fosse. Em seu
discurso, Getúlio dizia que “com a Constituição que está para ser votada, talvez seja
preferível que outro governe. Não tenho dúvidas das dificuldades que vou enfrentar”
(VARGAS, 1995, p. 302). Em decorrer disso, a participação política da sociedade
brasileira começou a crescer visivelmente, e em um curto período de tempo,
radicalizou-se.
Em março de 1935, surgia a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Liderada por
Luís Carlos Prestes e unindo inúmeros membros dos mais diversos setores —
políticos, sindicais, liberais, militares, organizacionais e até mesmo antigos aliados de
Getúlio —, a ANL tornou-se a maior organização de massas já vista no país. Em torno
“de três meses, organizou centenas de núcleos em todo o Brasil, sendo a maioria no
Rio Janeiro. O sucesso da organização assustou o governo, cuja primeira reação foi
fazer aprovar a Lei de Segurança Nacional” (VIANNA, 2019, p. 86).
A lei abolia diversos direitos democráticos vigentes na Constituição de 34.
Previa censura à imprensa, o fechamento de associações de direito privado que
fossem vistos como suspeitas, proibição de quaisquer propagandas contrárias ao
governo e prisão de um a dez anos para os que incitassem ou viabilizassem
manifestações de desobediência em ambientes militares e/ou paralizações nos
serviços públicos. Em vista disso, em novembro daquele mesmo ano, comunistas e
“tenentes” incitaram, juntamente aos outros membros da ANL, o movimento armado
conhecido como Intentona Comunista.
O fim da rebelião, no entanto, chegou rápido. Ainda segundo Pandolfi (2015):
15

Circunscritas às cidades de Natal, Recife e Rio de Janeiro, as


rebeliões foram violentamente debeladas e provocaram uma onda
repressiva sem precedentes. Imediatamente, centenas de aliancistas
e comunistas foram presos em todo o país. Muitos, entre eles, Luís
Carlos Prestes, amargaram quase dez anos de prisão (PANDOLFI,
2015, p. 179).

Apesar do fracasso, a Revolta Vermelha de 35 serviu para criar um inimigo em


comum entre a população e o atual governo da época: o comunismo.
Logo, em 1937, Vargas utilizou-se do crescente medo da população contra o
domínio do ideário comunista no país para criar um plano que justificaria sua decisão
para criar o Estado Novo.
D’Araújo (2000) narra:

O pretexto imediato para o golpe foi a ‘descoberta’ de um plano


comunista atribuído a um judeu, Cohen — o Plano Cohen —, que
expressaria a ameaça judaico-comunismo internacional. Nesta peça
política, o anticomunismo se juntava ao antissemitismo, a
radicalização ideológica se revestia de aspectos racistas alimentando
o discurso que defendia a necessidade de um Estado mais forte capaz
de defender a Nação de perigosos inimigos externos (D’ARAÚJO,
2000, p. 14).

O documento divulgado através da imprensa causou dúvidas sobre a


veracidade dos fatos apresentados e discussões entre os opositores de Vargas.
Enquanto isso, o presidente buscava apoiadores em outros estados para permanecer
no poder e mudar à força, mais uma vez, o regime estava em vigor no Brasil.
Bem-sucedido em seu esquema para separar os focos de resistência contra
seu governo, Vargas anuncia o Estado Novo à noite no Congresso Nacional, cercado
por tropas militares e com poucos protestos, que não significava a concordância da
maioria, mas sim o resultado positivo de um golpe preparado de maneira minuciosa e
gradual (PANDOLFI, 2015, p. 187).

2.2 Consolidação, panorama sociopolítico e fim do Estado Novo

Após o Golpe de Estado, a consolidação do poder de Getúlio acontece por meio


do estabelecimento de uma nova Constituição que substituiria a estabelecida
anteriormente em 1934. Apelidada de “Polaca” — por ter tido inspiração na
Constituição dominadora da Polônia — a carta política da Constituição de 1937 era
centralizadora e atribuía poderes praticamente sem limites ao novo governo.
16

Carvalho (1999, p. 157) resume os principais pontos definidos por meio da


Constituição:
1. Suprimiu o nome de Deus, o que também ocorre na Constituição do
Estado do Vaticano; 2. Outorgou poderes amplos ao presidente como
a suprema autoridade do Estado, alterando a sistemática do equilíbrio
dos poderes; 3. Restringiu as prerrogativas do Congresso e autonomia
do Poder Judiciário, eis que em determinadas hipóteses o Presidente
podia ir de encontro ao Judiciário fazendo valer as leis que este
reputasse inconstitucionais; 4. Ampliou o prazo do mandato do
Presidente da República; 5. Mudou o nome de Senado para Conselho
Federal; 6. Instituiu o Conselho de Economia Nacional como órgão
consultivo; 7. Limitou a autonomia dos Estados-Membros; 8. Criou a
técnica do estado de emergência, que foi declarado pelo seu art. 186;
9. Dissolveu a Câmara e o Senado bem como as Assembleias
Estaduais; 10. Restaurou a pena de morte (CARVALHO, 1999, p. 157
apud FERREIRA, 1964, p. 55).

No mesmo ano, o presidente também determina o encerramento do Congresso


Nacional e extingue os partidos políticos. Sob a alegação de que “não temos mais
problemas regionais; todos são nacionais, e interessam ao Brasil inteiro” (VARGAS,
1942, p. 20), são queimadas as bandeiras do Estados Federados em uma grande
cerimônia cívica no Rio de Janeiro.
Em vista disso, surge em maio de 1938 a primeira revolta que marcaria o
período. O Levante Integralista, ou putsch1 integralista, foi resultado da insatisfação
da Ação Integralista Brasileira (AIB) com o decreto-lei nº 37 de 1937, este que
encerrava todas as agremiações políticas espalhadas por todo o país, o que
consequentemente implicava na continuidade da AIB.
De acordo com D’Araújo (2000, p. 27):

O putsch foi um atentado contra a residência presidencial, o Palácio


Guanabara, no bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro [...]. Depois de
algumas horas tensas vividas pela família Vargas dentro do Palácio,
sitiado por rebeldes e sem proteção policial ou militar, o putsch foi
vencido com a intervenção do ministro da Guerra, general Eurico
Gaspar Dutra (D’ARAÚJO, 2000, p. 27).

A partir de então, são tomadas duas decisões. A primeira é a criação de uma


guarda pessoal para o presidente, que ficou conhecida como “anjo negro” de Getúlio ,
e que o isentava da proteção do exército ou da polícia. A segunda foi a perseguição

1Putsch – Golpe, ou tentativa de golpe, com o objetivo de tomar o poder, não raro com a participação
de militares e baseando-se em conspiração secreta; golpe de Estado.
17

aos “camisas verdes” (como ficaram conhecidos os integralistas por conta da cor de
seus uniformes), que ficaram sujeitos às intransigências da Lei de Segurança Nacional
(D’ARAÚJO, 2000, p. 28).
A perseguição contra opositores foi uma das características mais marcantes do
Estado Novo. Quaisquer grupos com ideologias (adeptos ao nazismo, comunismo ou
fascismo) ou nacionalidades (imigrantes ou descendentes de alemães, italianos e
japoneses) que pudessem apresentar ameaças ao regime, estavam sujeitos ao
desmantelamento e prisão, geralmente com o suporte oficial dos países em que
aqueles cidadãos se originaram.
É criada então a Campanha de Nacionalização do Estado Novo, com o objetivo
de diminuir a influência estrangeira no país e “abrasileirar” os imigrantes e suas
famílias no ambiente escolar. Segundo D’Araújo (2000):

Com essa medida, ficava proibido o ensino em línguas estrangeiras —


posteriormente, numa extensão desse princípio, apenas brasileiros
poderiam ser proprietários de escolas — e o português se tornava
língua oficial de todas as cerimônias públicas, ainda que não oficiais
(D’ARAÚJO, 2000, p. 35).

Ainda em relação à educação, a participação dos jovens nos eventos cívicos


promovidos pelo governo era um requisito quase indispensável para uma boa
disciplina. As manifestações públicas, geralmente criadas pelo regime com nomes
como “Dia da Raça”2, “Dia do Trabalho”3, “Semana da Independência”4, dentre outros,
geralmente aconteciam em estádios de futebol, e exibiam fotos do líder por todos os
lados, transformando esses eventos em momentos religiosos para a louvação do
Brasil e de Getúlio.
Aos poucos, o mito de Vargas era construído no Estado Novo. "Sancho Pança",
"Pai dos Pobres" e "Mãe dos ricos" eram apenas dos alguns nomes que a máquina
de propaganda política criada pelo Estado disseminava entre o povo.
Capelato (1999, p. 170) relembra que “como declarou Goebbels 5, ‘não falamos
para dizer alguma coisa, mas para obter um determinado efeito”. No varguismo, a

2 Dia da Raça – Celebração que ocorria no dia 5 de setembro e que tinha como objetivo enaltecer a
identidade cultural brasileira e todos os imigrantes que contribuíram para a formação de sua raça.
3 Dia do Trabalho – Feriado internacional no dia 1º de maio em que é homenageada a luta dos

trabalhadores por melhores condições trabalhistas.


4 Semana da Independência – Comemoração da Independência do Brasil no dia 7 de setembro.
5 Goebbels – Paul Joseph Goebbels foi um político alemão e Ministro da Propaganda na Alemanha

Nazista entre os anos de 1933 e 1945.


18

proposta era justamente essa: conquistar o apoio da população para a validação do


novo poder provindo do Golpe.
A difusão da imagem positiva sobre o presidente não se limitava, entretanto, às
celebrações nacionalistas. A Constituição de 1937, comentada anteriormente,
também previa censura aos meios de comunicação, estabelecendo que estes
deveriam se tornar de caráter público, ou seja, controlados pelo Estado e atuando
como portadores oficiais da ideologia imposta pelo Estado Novo.

O art. 1.222 exterminava a liberdade de imprensa e admitia a censura


a todos os veículos de comunicação. A lei prescrevia: “Com o fim de
garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da
imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à
autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a
representação (CAPELATO, 1999, p. 171).

Na época, foram fundados órgãos que controlavam e reprimiam adversários


dos valores de Vargas, tal como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
que possuía poderes quase que ilimitados sobre a imprensa e tomava a frente no
planejamento de propagandas favoráveis ao governo.
Em vista de um povo completamente submisso ao Estado, o cenário brasileiro
segue desenvolvendo-se a partir dos princípios autocratas de Vargas, dentro de uma
ditadura silenciosa e sem grandes conflitos internos ou externos até o ano de 1940.
É com a chegada da Segunda Guerra Mundial e sob pressão externa dos
envolvidos para um posicionamento do país, o presidente é obrigado a deixar de lado
sua “equidistância pragmática” e assumir um dos lados do conflito. “Embora seu Diário
reflita uma aposta na superioridade militar do Eixo 6” (D’ARAÚJO, 2000, p. 47), o Brasil
une-se aos Aliados, dando apoio aos Estados Unidos.
O acordo foi estabelecido a partir de interesses econômicos de Vargas — o
financiamento da construção de uma enorme usina siderúrgica em Volta Redonda —
e vantagens estratégicas para Franklin Delano Roosevelt, que, em caso de
prolongamento da Guerra, teria acesso ao Nordeste do país e poderia chegar à
Europa através do Norte da África, caso a travessia pelo Atlântico Norte fosse
impossibilitada.

6 Eixo – Aliança formada entre Alemanha, a Itália e o Japão para combater os países Aliados.
19

Em janeiro de 1943, Vargas encontra-se com Roosevelt no Rio Grande do


Norte para discutir a participação efetiva do Brasil no confronto. A Conferência de
Natal, como ficou conhecida posteriormente, resulta na decisão de enviar tropas
brasileiras para a luta, e devido a isso, é criada em agosto a Força Expedicionária
Brasileira (FEB).
“Com um efetivo de 25 mil homens” (MOTTA, 2001, p. 51) e sob o nome de
Pracinhas, “termo carinhoso que passaria a designar os integrantes da FEB”
(BARONE, 2013, p. 104), a força militar auto terrestre marcou a participação brasileira
na guerra em suas duas últimas ofensivas na Campanha da Itália7, e saiu vitoriosa.
O retorno do 1º escalão da FEB foi recebido com grande animação popular e
aplausos, tanto da parte dos familiares saudosos quanto de Vargas. Porém, a
felicidade do presidente com a eminente vantagem dos Aliados sob o conflito, bem
como sua decisão de ir contra os próprios “princípios autocráticos” ao escolher se aliar
a países democráticos na Guerra, começou a causar questionamentos no povo acerca
do caráter do regime em que estavam vivendo.
“Uma ditadura que apoiava democracias estaria fadada a acabar — afinal, o
ditador e o país haviam se empenhado no conflito em nome da democracia”
(D’ARAÚJO, 2000, p. 56). As revoltas em prol da redemocratização voltam a aquecer
o cenário nacional, reerguendo-se em 1943 com o Manifesto dos Mineiros e seguindo
com uma série de manifestos estudantis e da imprensa que lançavam críticas ao
governo de Getúlio.
A cominação do público para que Vargas renunciasse permaneceu forte, o que
levou o presidente e seus auxiliares a iniciarem uma sequência de aprovações de
decretos liberalizantes. É suspendida a censura à imprensa, promovida anistia aos
presos políticos, definida uma nova data para eleições presidenciais e liberada a
organização partidária. Neste momento, surgem novos partidos, tais como o PSD
(Partido Social Democrático), UDN (União Democrática Nacional) e PTB (Partido
Trabalhista Brasileiro).
Nos dias finais do regime, um grupo de apoio surge para defender a estadia
de Vargas no poder. “Esse movimento ficou conhecido como o Queremos Getúlio, ou
Queremismo, e foi amplamente apoiado pela máquina de propaganda e de
mobilização do Estado Novo” (D’ARAÚJO, 2000, p. 60). Surgem então boatos de que

7Campanha da Itália – Série de operações realizadas pelos Aliados para reconquistar o território do
Mediterrâneo.
20

estaria sendo planejado um novo golpe, dessa vez com o suporte das massas e não
dos militares.
O dia 29 de outubro de 1945 fica marcado na história como o encerramento da
primeira fase de Vargas na política. Vítima de um movimento militar promovido por
Góis Monteiro e Gaspar Dutra, estes que “foram exatamente os mesmos que o
puseram no poder em 1937 e que o sustentaram durante o Estado Novo”
(CARVALHO, 1999, p. 342), Getúlio é forçado a se retirar “pacificamente”.
Sob o acordo de deixar o poder nas mãos do presidente do Supremo Tribunal
Federal, Vargas abdica-se de seu cargo como líder do Estado Novo. No dia seguinte
“a imprensa festejava a queda da ditadura, e Getúlio, sob boatos de que seria preso
e deportado, seguia nova etapa de sua carreira política” (D’ARAÚJO, 2000, p. 62).

2.3 A influência das políticas externas no Estado Novo

Na prática, todo o contexto sociopolítico pelo qual o mundo passava após o fim
da Primeira Guerra Mundial influenciou na criação do Estado Novo no Brasil. A
começar pelo nome escolhido para o “novo governo” de Vargas, que fora inspirado —
ou melhor, copiado —, no regime político ditatorial que António de Oliveira Salazar
instaurava em Portugal em 1933, o também conhecido como salazarismo.
“O ‘novo’ aqui representava o ideal político de encontrar uma ‘via’ que se
afastasse tanto do capitalismo liberal quanto do comunismo” (D’ARAÚJO, 2000, p. 8),
uma vez que a proposta, tanto da esquerda quanto da direita, era a de corrigir os erros
causados pelo sistema capitalista, porém com soluções distintas e que estivessem
alinhadas a seus ideais.
Ainda de acordo com D’Araújo (2000, p. 10) “a maneira concreta como esse
‘novo’ apareceu foi o fascismo, na Itália; o nazismo, na Alemanha; e o corporativismo
de Estado, em outros países europeus e também no Brasil”, ou seja, várias foram as
fontes de governança que influenciaram Getúlio a construir a sua ditadura no período
que se decorreu de 1937 a 1945. Tem-se como exemplo a forma que o sindicatário
brasileiro “teve forte influência da Carta del Lavoro8, vigente na Itália de Mussolini, e
que as técnicas de propaganda estado-novistas foram muito influenciadas pelo
exemplo nazi-fascista” (FAUSTO, 1999, p. 18).

8 Carta Del Lavoro – Documento utilizado pelo Partido Nacional Fascista para determinar como
deveriam acontecer as relações de trabalho na Itália.
21

Além das grandes potências europeias, há outras nações que trouxeram


inspirações para a formação do Estado novo, mas que se encontram em países mais
periféricos nesta mesma região.
O primeiro deles é a Polônia, em que a Carta de 1937 foi baseada, como já
comentado no capítulo anterior, e que promulgou uma Constituição semelhante a
polonesa, também de cunho autoritário e centralizador.
O segundo é a Turquia, de onde aparenta ter surgido o grande apreço não só
de Vargas, mas também do General Góis Monteiro, pela agitação de militares jovens
e que “sob a liderança de Mustafá Kemal Atatürk, tomaram o poder em 1922, impondo
à Turquia, país de tradição oriental, uma rápida modernização pela via autoritária”
(D’ARAÚJO, 2000, p. 10).
As referências a Atatürk no Brasil, no entanto, aparecem antes mesmo do cargo
de Getúlio na presidência. Já nos anos 10 despontava o apelido “jovem turcos” 9,
atribuído um conjunto de oficiais que havia passado um tempo estagiando com o
exército alemão, e que, ao regressarem para seu país de origem, se envolveram em
um partido de cunho patriota e reformista, assim como ocorrera com o exército turco.
O terceiro e último é a Romênia, e que se pressupõe ser o maior influenciador
dentre todos os outros países já apresentados. A razão por trás da teoria é por conta
do romeno Mihail Manoilescu, autor do clássico “O século do corporativismo”, e que
“foi importante por suas concepções políticas conservadoras, autoritárias e
corporativas” (FAUSTO, 1999, p. 18), estas que deram base para a unidade teórica
na qual se apoiou o Estado Novo.
O corporativismo estatal defendido por Manoilescu buscava “associar um
espírito medieval de comunidade com a ideia de Estados nacionais fortes e
centralizados” (D’ARAÚJO, 2000, p. 11), além de propor que os deveres políticos
fossem convertidos em câmaras ou departamentos de produção conduzidos pelo dito
cujo Estado forte.
É por essa razão que, na perspectiva autoritária de Vargas e em suas críticas
ao liberalismo, o corporativismo o servia bem. Este era como um meio fortalecedor de
seus discursos, já que fazia jus ao ideal de tonificar o poder do Estado.
“Um Estado-Nação forte era o caminho vislumbrado como a saída para o século
XX” (D’ARAÚJO, 2000, p. 12), e em vista disso, é possível afirmar que, além de auto

9 Disponível em <https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/JOVENS%20TURCOS.pdf>. Acesso em 30 de mai. de 2022.
22

comprovar-se uma ditadura, o Estado novo foi um grande reflexo das novas doutrinas
que surgiam no mundo pós-guerra.

2.4 Bases ideológicas e filosóficas por trás de Getúlio Vargas

Diferente de outros personagens históricos que tornavam difícil a identificação


da base de seus pensamentos, as ideologias e filosofias por trás de Getúlio Vargas
ficam bastante evidentes durante toda a trajetória de sua vida. A começar por suas
origens gaúchas, o que na época, induziu prematuramente o seu contato com uma
geração de políticos que se formavam sob influência de preceitos positivistas na
Primeira República.
O mais notório entre eles era Júlio de Castilhos, presidente do Rio Grande do
Sul por duas vezes (1891-1898). À sombra de linhas de raciocínio do positivismo, Júlio
implementou em seu governo a Constituição Estadual de 1891, o que posteriormente
deu origem ao surgimento uma ideologia designada pelo nome de castilhismo.
Tendo como características a centralização dos poderes no órgão Executivo e
a instauração de mecanismos para intervenção direta do Estado na economia e moral
da sociedade, o castilhismo defendido por Júlio era de cunho conservador e se
destacava pela ideia da “pureza” das intenções de seus governantes.
Filho (1958) sumariza o ponto de vista castilhista como regime da virtude:

A República era o reino da virtude. Somente os puros, os


desambiciosos, os impregnados de espírito público deveriam exercer
funções de governo. No seu conceito, a política jamais poderia
constituir uma profissão ou um meio de vida, mas um meio de prestar
serviços à coletividade, mesmo com prejuízo dos interesses
individuais. Aquele que se servisse da política para seu bem-estar
pessoal, ou para aumentar sua fortuna, seria desde logo indigno de
exercê-la. Em igual culpa, no conceito castilhista, incorreria o político
que usasse das posições como se usasse de um bem de família (...).
Como governante, Júlio de Castilhos imprimiu na administração rio-
grandense um traço tão fundo de austeridade que, apesar de tudo,
ainda não desapareceu (FILHO, 1958, p. 149).

Pela grande proximidade de seu pai, General Manuel do Nascimento Vargas,


com Castilhos, Getúlio Vargas teve ligação com o castilhismo desde a juventude. Em
seu pronunciamento na sessão fúnebre de Júlio, logo após a sua morte em 1903, por
exemplo, pode-se analisar com Getúlio deixava transparecer a predominância da
doutrina em suas palavras e reflexões:
23

(...) O Brasil, colosso generoso, ajoelha soluçando junto da tumba do


condor altaneiro que pairava nos píncaros da glória. Júlio de Castilhos
para o Rio Grande é um santo. É santo porque é puro, é puro porque
é grande, é grande porque é sábio, é sábio porque, quando o Brasil
inteiro se debate na noite trevosa da dúvida e da incerteza, quando
outros Estados cobertos de andrajos, com as finanças desmanteladas,
batem às portas da bancarrota, o Rio Grande é o timoneiro da Pátria,
é o santelmo brilhante espargindo luz para o futuro. Tudo isso
devemos ao cérebro genial desse homem. Os seus correligionários
devem-lhe a orientação política; os seus coetâneos o exemplo de
perseverança na luta por um ideal; a mocidade deve-lhe o exemplo de
pureza e honradez de caráter (RODRÍGUEZ, 2010, p. 136, apud.
LINS, 1967, pp. 192-193).

O positivismo, no qual se baseou o pensamento de Júlio e de outros políticos


republicanos, nasceu como uma corrente filosófica na Europa do século XIX, porém
só chegou ao Brasil em suas duas últimas décadas. August Comte (1990) define o
conjunto de metodologias e doutrinas da seguinte maneira:

Considerada de início em sua acepção mais antiga e comum, a


palavra positivo designa real, em oposição a quimérico. [...] Num
segundo sentido, muito vizinho do precedente, embora distinto, esse
termo fundamental indica o contraste entre útil e ocioso. [...] Segundo
uma terceira significação usual, essa feliz expressão é frequentemente
empregada para qualificar a oposição entre a certezas a indecisão. [...]
Uma quarta acepção ordinária, muitas vezes confundida com a
precedente, consiste em opor o preciso ao vago. [...] É preciso, enfim,
observar especialmente uma quinta aplicação, menos usada que as
outras, embora igualmente universal, quando se emprega a palavra
positivo como contrária a negativo (COMTE, 1990, p. 62).

Sendo assim, o positivismo despontava como uma teoria política, científica e


social que se baseava no pressuposto de que a sociedade caminhava rumo à
estruturação racional, esta que só poderia ser alcançada mediante o cultivo da ciência
social (RODRÍGUEZ, 2010, p. 19).
Diferente da Europa, em que o conceito “servia para justificar as novas atitudes
da burguesia em sua fé no progresso retilíneo da humanidade” (RIBEIRO, 1996, p.
55), no Brasil ela surge como um viés político, em que o progresso só poderia ser
alcançado pelo crescimento moral e social derivado da ordem, rigor e disciplina, e
polariza-se rapidamente pelas escolas de direito.
Neste cenário, e com o ingresso de Vargas na Faculdade de Direito de Porto
Alegre em 1903, ele adere, por fim, ao positivismo. Em seu discurso ao recém-eleito
sexto presidente da República, que passava pelo Rio Grande do Sul em 1906, fica
24

nítida o uso de sua retórica positivista. “A lei não é arbítrio do legislador; esta nada
mais faz do que reconhecer as necessidades gerais, garantir-lhes o desenvolvimento,
aplainando as dificuldades que lhe possam sopear a marcha progressiva” (Correio do
Povo, 16/08/1906, p.1).
Além da influição do ideário sobre o vocabulário de Getúlio, também é possível
notar sua presença nos autores em que mencionava (Spencer, Comte, Mill) e na
defesa de particularidades fundamentais deste princípio, como, por exemplo, o
antiliberalismo. Em um trecho retirado do debate entre Vargas e Gaspar Saldanha, no
ano de 1919, é possível constatar como ocorria o apoio destes valores na prática:

(...) permita-me dizer que V. Exa. está filiado à velha teoria econômica
do ‘laissez faire’, teoria essa que pretende atribuir unicamente à
iniciativa particular o desenvolvimento econômico ou industrial de
qualquer país, deixando de lado a teoria da nacionalização desses
serviços por parte da administração pública, amplamente justificada
pelas lições da experiência, não levando V. Exa. /, em linha de conta,
que nos países novos, como o nosso, onde a iniciativa é escassa e os
capitães ainda não tomaram o incremento preciso, a intervenção do
governo em tais serviços é uma necessidade real (Annais da
Assemblea ..., 1919, p. 124).

A oratória de Vargas sob o ponto de vista positivista permanece forte até 1928,
ano em que assume a presidência do Rio Grande do Sul. A partir deste momento, o
uso de termos e expressões positivistas vai sendo abandonado, porém continua
presente em suas atitudes e feitos, o que “não raro surpreende ao aparecer em
discursos posteriores, mesmo que muitas vezes de forma implícita e dissimulada”
(FONSECA, 2001, p. 6).
A partir do velho ideal de progresso presente no positivismo, Vargas começa a
adotar em seus discursos o princípio de desenvolvimento econômico, um
“keynesianismo precoce10” (FONSECA, 2001, p.6), e que mais tarde se transformaria
em uma autêntica ideologia que o acompanharia até o fim de sua primeira fase no
governo do país.
Surgido na América Latina nos anos de 1930, o desenvolvimentismo, ou
nacional-desenvolvimentismo, “pode ser conceituado, de forma simplificada, como o
projeto de desenvolvimento econômico assentado no trinômio: industrialização

10Keynesianismo – Doutrina criada por John Maynard Keynes que defendia que o Estado deveria fazer
uma intervenção na economia sempre que se mostrasse necessário, no intuito de dificultar a retração
econômica e assegurar o emprego pleno.
25

substitutiva de importações, intervencionismo estatal e nacionalismo” (GONÇALVES,


2012, p. 651). Tendo como base a ideologia do nacionalismo econômico, foi aplicado
pela primeira vez no Brasil logo após a Revolução de 1930, momento em que Vargas
cria os novos Ministérios do Trabalho, Indústria e Comércio.
Visto isso, “aos poucos o desenvolvimento torna-se sinônimo de modernização
e transforma-se na pedra angular da legitimidade do governo” (FONSECA, 2001, p.
7), o que contribui para a instauração da ditadura no ano de 1937, em que o discurso
desenvolvimentista autoritário promete sobrepor o velho com o novo, focando em
soluções que se adaptariam às realidades econômicas e sociais no contexto nacional.
Já no Estado Novo, com o governo focado em atuar diretamente no campo
econômico e a preocupação de Vargas em reorganizar a estrutura sindical, surge
outra ideologia política por trás do presidente: o trabalhismo.
“Associado à valorização do trabalhador, ao reconhecimento da cultura
nacional, ao nacionalismo, à criação de empresas estatais e ao desenvolvimento
econômico” (VAINFAS, et al., 2018), o conjunto de doutrinas marcou a época por
oferecer melhores condições no ambiente de trabalho e garantir benefícios aos
trabalhadores. Ademais, possibilitou que Getúlio ganhasse a simpatia da classe
trabalhadora, o que favorecia sua propaganda política, em que as assinaturas de leis
pelo líder eram “como concessão ou dádiva do chefe do estado à nação” (FONSECA,
2001, p. 9).
Diante disso, é evidente que, ao longo das décadas, os discursos de Vargas
passaram por mudanças e adaptações que coubessem nos períodos referentes a sua
atuação política, de forma que estivessem sempre alinhados e favoráveis a suas
idealizações. As renovações, entretanto, foram feitas de forma a manter uma linha de
continuidade em suas crenças, que se mantinham firmes em volta de ideologias
positivistas, castilhistas e, mais adiante, desenvolvimentistas.
26

3. CAPÍTULO DOIS: A CENSURA NO PERÍODO


3.1 A propaganda política como prática de censura no Estado Novo

Para Ansart (1983), “a imposição sistemática de ideologias nos permite


compreender melhor como a sensibilidade política não é um estado de fato, mas o
resultado de múltiplas mensagens, apelos, interpelações e dramatizações”
(CAPELATO, 1999, p. 168). De acordo com o sociólogo, os regimes totalitários geram
estruturas socioafetivas — ou seja, relacionado a questões sociais e afetivas — e que
podem ser definidas pela forte dimensão emocional que provocam sobre o todo.
“Em regimes dessa natureza, a propaganda política atua no sentido de aquecer
as sensibilidades e tende a provocar paixões” (CAPELATO, 1999, p. 168), isto é, os
sentimentos são manipulados intensivamente pela publicidade no intuito de promover
fortes emoções, estas que estão muitas das vezes ligadas ao amor pelo líder/pátria
ou interesses em comum, como se decorreu na Alemanha com o antissemitismo.
Nas palavras de Ansart (1983):

Ao final, já no que concerne a um partido unânime e sem dissenções


ou falhas, perfilam-se as grandes linhas de um regime totalitário, pois
o partido desperta os vínculos, amplia a euforia do amor político, mas
acha no controle destas emoções uma fonte de poder de seus adeptos
(ANSART, 1983, p. 130).

Assim, se for levado em consideração que a propaganda política é a melhor


tática para fortalecer a imagem do Estado perante a seu governante e mobilizar
massas ao seu favor, é possível compreender o porquê de os regimes monopolizarem
os meios de comunicação e aplicarem a censura em diversos setores, de forma que
as ideias e informações difundidas pelo meio estejam alinhadas com seus princípios.
Nesses casos, os poderes políticos passam a representar tudo o que se refere
a forças simbólicas e físicas e tentam “suprimir, dos imaginários sociais, toda
representação do passado, presente e futuro coletivos que seja distinta daquela que
atesta a sua legitimidade e cauciona seu controle sobre o conjunto da vida coletivo”
(CAPELATO, 1999, p. 169).
O Varguismo difundido durante o Estado Novo consegue exemplificar muito
bem essa forma de imposição de poder. Nos anos que se transcorreram entre 1937 e
1945, foram implementadas diversas ferramentas que condicionavam a discussão de
opiniões distintas e que fomentavam adoração e simpatia pelo mito de Getúlio Vargas.
27

Para Carneiro (2002), a censura executada no Estado Novo pode ser resumida
da seguinte maneira:

O governo estado novista buscava, como a maioria dos regimes


autoritários, o singular, ou seja, a homogeneidade em todos os níveis,
de forma a facilitar a dominação, o controle. E, nesta direção, múltiplos
discursos foram articulados, oferecendo interpretações de mundo e da
realidade brasileira, criando novos significados. (...) No caso de
reações em contrário, acionava-se um discurso estereotipado e
carregado de estigmas que, propagado através dos principais meios
de comunicação da época, contribuíam para fortalecer o arsenal
negativo edificado contra alguns grupos tradicionalmente excluídos
(CARNEIRO, 2002, p.31).

Os métodos censórios aplicados pelo governo Vargas não foram, no entanto,


implementados com poder absoluto logo em um primeiro momento. Foi à medida em
que o Estado Novo desenrolou-se que as ações tomadas para o total controle da
informação e opinião pública tornaram-se mais rígidas.
A começar pela criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP),
organização encarregada de regular e filtrar informações que circulavam dentro e fora
do Brasil e que só teve sua área de atuação expandida em 27 de dezembro de 1939,
quando o presidente decidiu que era necessário cobrir um número maior de setores
culturais e noticiosos presentes, além de enaltecer mais positivamente a sua imagem.
A partir daqui, promovia-se eventos que glorificavam o presidente,
providenciava-se publicidades e benefícios financeiros a empresas e artistas que
estivessem a favor do regime e publicavam-se artigos e revistas que divulgavam as
ideologias estado novistas. No Atlas Histórico do Brasil, publicado no site da FGV,
Araújo (1988) conta que “o DIP lançou diversas publicações, entre as quais a de maior
destaque foi Cultura Política — Revista Mensal de Estudos Brasileiros”11. Aqui,
divagava-se sobre a “nova” cultura, diretrizes e transformações políticas e sociais que
aconteciam no país.
Devido a união do Brasil com o Eixo no conflito de escala mundial que
aconteceu entre 1939 e 1945, começa a ser reforçada a ideia de “assuntos proibidos”,
que já eram divulgados antes em listas pelo DIP, porém sem grandes atitudes de
intervenção. Fica proibido então falar mal dos Estados Unidos, e os jornais que eram
publicados em idiomas estrangeiros tem a sua circulação suspensa.

11 Disponível em <https://atlas.fgv.br/verbete/7791>. Acesso em 31 de mai. de 2022.


28

Nessa época, os veículos de comunicação ficavam completamente à mercê do


que era decidido pelo Estado. Jornais, programas de rádio ou matérias publicadas em
revistas, quaisquer que fossem os canais utilizados pela imprensa, todos estariam
sujeitos às penalidades que poderiam ser aplicadas pelo Conselho Nacional12 caso
desobedecessem aos vetos decretados pelo DIP.
Na concepção do novo governo de Vargas, a imprensa deveria exercer seu
trabalho em função do Estado. Capelato (1999) explica:

Após 1937, ficou estabelecido que a imprensa desempenharia sua


função atrelada ao Estado. A justificativa da mudança fundamentou-
se na ideia de que o jornal era político por nascença; como, no
momento, a política passava a ser a mais alta das atividades públicas,
atividade do Estado, a ‘folha impressa, cumprindo sua tarefa natural,
passaria a exercê-la dentro do Estado como função pública13’.
A separação entre esfera pública e privada, preconizada pelo
liberalismo, era contraditada pelos ideólogos antiliberais defensores
da absorção do privado pelo público. Essa concepção pressupunha o
Estado como Suma Ratio da sociedade civil e como tal retirava a
liberdade de ação dos intermediários entre o governo e o povo. Assim,
o jornalismo transformou-se numa força coordenada pelo Estado
(CAPELATO, 1999, p. 174).

Outras esferas de âmbito cultural e conhecimento geral também foram afetadas


pelo monopólio propagandístico e censuras implementadas pelo DIP. Os serviços
literários, por exemplo, sofreram um impacto brusco, visto que a percepção varguista
“em relação à literatura era ambígua, pois ao mesmo tempo que identificava o livro
como um ‘guardião da memória’, percebia o potencial subversivo que as obras
poderiam tomar” (MACHADO, 2021, p. 2). Por conta disso, temas que abordavam a
desigualdade entre classes sociais, críticas relacionadas à religiosidade e condenação
de camadas de elite eram censuradas e queimadas.
No Estado Novo, os livros possuíam “dupla função”, como teoriza Grecco
(2021). Se por um lado ele poderia ameaçar a construção da identidade nacionalista,
por outro poderia contribuir na consolidação desta mesma. Por essa razão, escritores
como Jorge Amado, Monteiro Lobato, Cecília Meireles e José Lins do Rego eram

12 Conselho composto por seis membros, sendo três deles nomeados pelo presidente e outros três
eleitos através de assembleias gerais convocadas pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pelo
Sindicato de Proprietários de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro, que assistiam a divisão de imprens a
na execução de suas tarefas.
13 Anuário Brasileiro da Imprensa. DIP, 1941.
29

perseguidos, enquanto outros autores que apoiassem o regime eram convidados a


participar de premiações e ganhavam lugares de fala em artigos e entrevistas.
Tal como, o setor cinematográfico também sentiu os impactos da censura. Com
a fundação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) através do
sancionamento da Lei nº. 378 em 13 de janeiro de 1937, a predominância de filmes
com a temática educativa e nacionalista não tardou a se estabelecer. Galvão (2004,
p. 31) esclarece que “os filmes do INCE estão inseridos num processo de educação,
ensino, divulgação científica e técnica que deveria educar e contribuir para a formação
de um novo país”.
“Nessa nova conjuntura, a produção passou a ser planejada como veículo de
propaganda ideológica e política, atrelando ainda mais as relações entre Estado e
cinema” (GREGIO E PELEGRINI, 2017, p. 105), ou seja, mais uma vez Getúlio Vargas
usufruía-se de seus poderes oficiais como presidente visando unicamente fortificar as
ideologias de seu regime.
Conclui-se assim que, “apesar dos mecanismos de controle do meio, o governo
descartou as propostas de amplo uso do veículo para propaganda política”
(CAPELATO, 1999, p. 177). A censura no Estado Novo foi aplicada de modo que
priorizava a prevalência do sentimento nacionalista, excluindo assuntos que não
estivessem relacionados ao mesmo e impondo a propaganda política como tema
principal.

3.2 A função do DIP na censura e os seus predecessores

Localizado no Rio de Janeiro, o Departamento de Imprensa e Propaganda


(DIP) de Vargas não foi uma criação exclusiva do Estado Novo. Já nos primeiros anos
da Era Vargas, entre os anos de 1931 e 1934, existiram o Departamento Oficial de
Publicidade (DOP) e o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), dois
setores que tinham como objetivo consolidar o ideal de propaganda política no
território nacional.
A censura através desses órgãos foi implementada aos poucos. No início, o
DOP tinha a função de fornecer informações oficiais para as mídias que atuavam no
ramo de rádio. O DPDC, por outro lado, surgiu logo após a extinção do DOP com um
papel semelhante, porém também englobando os âmbitos de cinema e cultura, além
30

de incitar a criação de filmes com propósitos “educativos” através de premiações e


benefícios financeiro-fiscais.
É só com o golpe de Estado, em 1937, que se dão os primeiros passos para o
total controle dos meios de comunicação. No ano seguinte ao golpe, são incorporadas
diversas novas atividades ao DPDC, fazendo-o ser rapidamente substituído pelo
Departamento Nacional de Propaganda (DPN) ante ao novo decreto-lei.
Sob a direção de Lourival Fontes — jornalista amigo de Vargas e que era a
favor dos regimes fascistas —, o DPN promovia o Brasil no cenário internacional,
“particularmente através do lançamento de jornalistas e escritores nacionais em
jornais estrangeiros e da criação do Boletim de Informações, editado em quatro
idiomas e distribuído em hotéis, consulados, embaixadas, navios etc.”14, e atuava no
setor de rádio, sendo mais tarde o criador do Hora do Brasil, programa diurnal com
durabilidade de uma hora e que visava transmitir informações sobre o contexto
nacional.
Após um ano de sua criação, em 1938, o DPN passa a aplicar os seus poderes
de maneira a interditar diretamente na imprensa. De acordo com o Atlas Histórico do
Brasil, publicado no site da FGV, Araújo (1988) afirma que:

O DNP proibiu todas as transmissões radiofônicas em língua


estrangeira em território brasileiro, bem como a importação e
circulação de jornais e revistas publicadas no exterior, que tinham na
época um peso significativo no mercado. No final de fevereiro, Vargas
assinou o Decreto-Lei nº 300, que, entre outros pontos, dispunha
sobre a isenção de taxas alfandegárias sobre a importação de papel,
estabelecendo que os proprietários de jornais e revistas deveriam
obter autorização do Ministério da Justiça, mediante o prévio
preenchimento de numerosas exigências, para poder desfrutar da
isenção. Através desse recurso, o governo passou a controlar
diretamente a imprensa, concedendo os favores fiscais apenas
àqueles jornais que seguissem a orientação governamental15.

Com o propósito de expandir as incumbências sob as quais o DPN possuía


autoridade, Vargas estabelece o Decreto-Lei nº 1.915 em 1939, substituindo o
Departamento Nacional de Propaganda (DPN) por, enfim, o Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP).

14 Disponível em <https://atlas.fgv.br/verbet e/7791>. Acesso em 31 de mai. de 2022.


15 Ibidem. Acesso em 31 de mai. de 2022.
31

O artigo 1º do decreto 5.077, que apresentava a regulamentação e


prerrogativas da entidade, já deixava em evidência as intenções por trás de sua
criação:
(...) Tem a seu cargo a elucidação da opinião nacional sobre de
diretrizes doutrinárias do regime, em defesa da cultura, da unidade
espiritual e da civilização brasileiras, cabendo-lhe a direção de todas
as medidas especificadas neste Regimento16.

A contar desse momento, todos os serviços publicitários e de propaganda dos


órgãos ligados diretamente e indiretamente à administração pública federal passavam
a ser comandados pelo departamento, este que também promovia homenagens ao
presidente, seu governo e família, tornando-se o porta-voz oficial do governo e
opressor absoluto do pensamento individual e liberdade de expressão.
Ao DIP cabia a coordenação de campanhas e manifestações que exaltassem
o sentimento patriótico brasileiro, tanto dentro quanto fora do país, afora fornecer
informações para órgãos executivos e associações públicas e privadas. Dentre seus
encargos, também estavam o planejamento de atividades turísticas — tanto
internamente quanto externamente —, a contribuição com a imprensa estrangeira
para que não fossem divulgadas informações prejudiciais ao Brasil e a censura às
peças de teatro, filmes, eventos, rádio, imprensa, literatura popular e de cunho político.
“Para a execução dessa grande e complexa tarefa, as atividades do DIP
distribuíam-se entre cinco divisões específicas”17: a divisão de divulgação,
responsável por promover artistas brasileiros através de eventos e materiais gráficos
(folhetos, cartazes e livros) e informativos do DIP; a divisão de rádio, que conduzia os
programas de maneira que os ouvintes escutassem apenas o que fosse interessante
sobre os feitos nacionais, além de censurar letras de músicas; a divisão de teatro e
cinema, encarregada de aprovar ou intervir em filmes e obras teatrais que não
fizessem jus ao ideal nacionalista, assim como a publicação das listas de filmes
censurados no Diário oficial, a criação do cinejornal brasileiro 18, e o estímulo e
facilidade de recursos financeiros para produtoras e distribuidoras de material
cinegráfico que estivessem de acordo com o regime; a divisão de turismo, que
divulgava e encorajava a visita de estrangeiros no país, tal como a editoração do

16 Disponível em <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930 -1939/decreto-5077-29-dez emb ro-


1939-345395-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 31 de mai. de 2022.
17 Disponível em <https://atlas.fgv.br/verbete/7791>. Acesso em 31 de mai. de 2022.
18 Cinejornal brasileiro – Materiais fílmicos de cunho documental e noticioso produzidos pelo DIP e que

eram exibidos em salas de cinema para todos os públicos.


32

Travel in Brazil, folheto de caráter regular que contava com fotografias do país e que
foi distribuído entre várias agências de turismo no exterior; e por fim, a divisão de
imprensa.
Esta última talvez tenha sido a que mais exigiu do departamento que articulava
os meios censores, dado que tinham um serviço complexo e que exigia maior
cobertura. A principal função dessa divisão era controlar todos os assuntos
relacionados à imprensa nacional e internacional. Censurava notícias e reportagens,
autorizava ou não a impressão de periódicos, organizava arquivos que compilavam
todos os jornais, livros e revistas publicados e retinha fotografias, clichês e copyright
de artigos de autores brasileiros para que fossem distribuídos no futuro para os
veículos de comunicação.
Além de interceder diretamente na liberdade de expressão dos jornais e
revistas dentro e fora do Brasil, a divisão de imprensa ainda estava associada à
Agência Nacional (AN) que, de acordo com o “Decreto-Lei que aprovava o regimento
interno do departamento” (VIEIRA, 2017, p.2), tinha a obrigação de “fornecer, aos
estrangeiros e brasileiros, uma concepção mais perfeita dos acontecimentos sociais,
culturais e artísticos da vida brasileira”19.
Segundo Souza (2003):

A AN funcionava como um verdadeiro jornal dentro do DIP, que


contava com um corpo de redatores próprios que chegou a somar, em
1941, 220 funcionários somente na sede carioca. O horário de trabalho
era diferenciado do resto do Departamento, funcionando das 7h30 às
24 horas, totalizando 16 horas e meia de trabalho dividido em turnos,
mais os plantões noturnos da 18h às 24h e os domingos e feriados.
Contabilizando tudo o que a agência produzia, o cálculo é que o DIP
pode ter sido responsável por 60% das matérias divulgadas pelos
jornais” (SOUZA, 2003, p. 139).

A AN, que fora “criada por portaria do Ministro da Justiça em 1º de março de


1937” (COSTA, 2002) e que inicialmente fazia parte do DPDC como uma seção do
Divisão de Imprensa, ganha autonomia com a criação do DIP, passando a ser
incumbida de produzir notícias e serviços fotográficos que seriam repassados para a
imprensa em todo o país, em caráter “meramente informativo”.

19 Disponível em <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/ declei/1930 -1939/decreto-lei-1915- 27-


dezembro-1939-411881-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 05 de jun. de 2022.
33

Essa estrutura altamente centralizada permitia o governo exercer o


controle da informação, assegurando-lhe o domínio da vida cultural do
país. Na imprensa, a uniformização das notícias era garantida pela
Agência Nacional. O DIP as distribuía gratuitamente ou como matéria
subvencionada, dificultando assim o trabalho das empresas
particulares. Contando com uma equipe numerosa e altamente
qualificada, a Agência Nacional praticamente monopolizava o
noticiário. (PERAZZA E TELES, 2012, p. 98)

É por conta disso que “as relações do DIP com a imprensa caracterizaram-se
sempre pela ocorrência de numerosos atritos”20. Os casos mais notórios, em que
foram tomadas medidas drásticas de intervenção com o intuito de calar a opinião
contrária dos jornais ao governo de Vargas, foram os que ocorreram em 1940 com os
jornais A Noite, O Dia e O Estado de S. Paulo, atual Estadão e objeto de estudo da
presente pesquisa.
Nesse mesmo ano, o DIP tem a dimensão de seus poderes amplificada, e é
instalado em cada estado um Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda
(DEIP), seguindo os mesmos princípios da divisão de imprensa. “A partir de outubro,
o Ministério da Justiça passou a coordenar todos os meios e órgãos de divulgação e
publicidade existentes no país, inclusive o DIP”21, e o departamento passa a distribuir
verbas de publicidade apenas para os jornais de sua escolha.
No Atlas Histórico do Brasil, publicado no site da FGV, Araújo (1988) cita que:

Em 1941, já haviam sido requeridos ao DIP e submetidos à apreciação


do Conselho Nacional de Imprensa 2.699 pedidos de registros de
jornais, revistas e outros órgãos de publicações, dos quais 412 haviam
sido negados e 508 permaneciam em diligência. No mesmo ano foram
também solicitados registros de 17 agências telegráficas, 1.200
oficinas gráficas, 35 correspondentes de jornais estrangeiros e 1.256
de jornais nacionais, além de 160 agências de publicidade22.

É somente com a chegada da Segunda Guerra Mundial e com a participação


do Brasil no conflito que o DIP começa a perder sua autoridade, reflexo do governo
completamente desestabilizado de Vargas e da pressão popular a favor do fim da
ditadura e retorno da democracia. Diante disso, em 25 de maio de 1945 o DIP é
extinto, dando fim aos órgãos que impediam a liberdade de expressão no país.

20 Disponível em <https://atlas.fgv.br/verbete/7791>. Acesso em 31 de mai. de 2022.


21 Ibidem. Acesso em 31 de mai. de 2022.
22 Ibidem. Acesso em 31 de mai. de 2022.
34

3.3 Intervenção, corrupção e monopólio: o impacto da censura nos jornais

A partir do momento em que o DIP é estabelecido, as empresas jornalísticas


passam a só poderem estabelecer o seu trabalho mediante aos registros que eram
concedidos pelo órgão, além de precisarem submeter os profissionais que faziam
parte do quadro de funcionários do local ao controle dessa mesma entidade. É
estimado “que cerca de 30% dos jornais e revistas do país não conseguiram obter o
registro obrigatório no DIP, tendo deixado de circular” (MARTINS, 2006, p.67).
A contar desta data, não apenas o rádio, como já foi comentado anteriormente
no primeiro capítulo, mas os jornais tornaram-se vítimas de assédio contínuo do
Estado. Capelato (1999) cita que:

Os periódicos acabaram sendo obrigados a reproduzir os discursos


oficiais, a dar ampla divulgação às inaugurações, a enfatizar as
notícias dos atos do governo, a publicar fotos de Vargas: 60% das
matérias publicadas eram fornecidas pela Agência Nacional. Havia
íntima relação entre censura e propaganda. As atividades de controle,
ao mesmo tempo que impediam a divulgação de determinados
assuntos, impunham a difusão de outros na forma adequada aos
interesses do Estado (CAPELATO, 1999, p. 175).

Para os jornais, não havia independência nem voz. Pautas relacionadas a


insatisfação ou desacordo com o governo; notícias que fizessem alusão à
contratempos no setor econômico brasileiro como o “transporte, abastecimento,
escassez e alta de preços dos produtos” (CAPELATO, 1999, p. 175); crimes,
calamidades sociais ou ambientais, casos de violência, aliciações, sindicâncias e
quaisquer outros tópicos de matérias que surgissem dentro das redações e
estivessem relacionados a esses conteúdos, tinham as suas publicações impedidas
de circular.
Dado à extensa lista de proibições temáticas, não restavam muitas opções aos
jornais: ou seguiam à risca o que lhes era imposto ou rebelavam-se em defesa da
liberdade de expressão sob o risco de intervenção, situação esta que se tornou
recorrente, principalmente nas cidades de grande porte que acabavam por integrar
um número maior de veículos que eram contra o Estado Novo.
Capelato (1999) relata sobre a situação que acontecia com os periódicos na
capital paulista:
35

Em São Paulo, os jornais liberais, que tiveram importante atuação


política sobretudo a partir dos anos 20, foram praticamente silenciados
e tiveram que aceitar em suas redações elementos nomeados pelo
governo para vigiá-los. Os proprietários de O Estado de S. Paulo
tentaram reagir, e o resultado foi a expropriação do jornal, em 1940,
por representantes do Estado Novo, que o converteram em órgão
oficioso (CAPELATO, 1999, p. 175).

Isto posto, não é de se espantar que, em meio a tantos jornais contrários a


Getúlio Vargas, ele decidisse criar o seu. De acordo com o site da Biblioteca Nacional
Digital, Brasil (2015) conta que, logo após o golpe de 1937, o presidente incumbiu o
“coronel Luiz Carlos da Costa Netto, superintendente das Empresas Incorporadas, e
André Carrazzoni, diretor de A Noite, de produzir uma lista de possíveis diretores para
um novo jornal governista a ser lançado”23. Assim, nasce em 1941 o jornal “A Manhã”,
sob o comando de Cassiano Ricardo.

Figura 1 – Cabeçalho do jornal “A Manhã”

Fonte: Biblioteca Nacional Digital, 2007

A linha editorial escolhida para ser seguida pelo jornal foi “doutrinária no exame
dos problemas sociais e econômicos do país, pregando a necessidade de ‘um regime
forte (não ditatorial) para se colocar a democracia em estado de legítima defesa’”24,
conforme pontua “Marieta de Morais Ferreira, no ‘Dicionário histórico e biográfico
brasileiro pós-1930’, na relação elaborada por Costa Netto e Carrazzoni”25. Nas
edições, geralmente compostas por editoriais munidos de ideologias estado novistas,

23 Disponível em <https://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-manha-rio-de-janeiro-1941/>. Acesso em 07 de


jun. de 2022.
24 Ibidem. Acesso em 07 de jun. de 2022.
25 Ibidem. Acesso em 07 de jun. de 2022.
36

também eram apresentadas matérias ligadas à literatura e cultura americana, ambas


lançadas como suplementos e sob o formato de tabloides.
O jornal “A Manhã” estava vinculado à Superintendência das Empresas
Incorporadas ao Patrimônio da União, órgão subordinado ao Ministério da Fazenda e
que fora criado em 8 de março de 1940, quando o governo assumiu o poder sobre a
Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande e todos os negócios que estavam
correlacionados com a mesma. O documento disponibilizado pela Biblioteca Digital da
FGV, ante ao título de “Tribunal de Contas da União”, explica melhor as suas origens:

No processo referente à tomada de contas da Superintendência das


Emprêsas Incorporadas ao Patrimônio Nacional o Sr. Ministro Ruben
Rosa proferiu o seguinte voto:
Em 1940, o Govêrno federal houve por bem incorporar ao patrimônio
da União um grupo de entidades que especificou - decreto-lei nº 2.073,
de 8-3-41, art. 1.0. Pelo mesmo diploma foram igualmente
incorporadas ao Patrimônio Nacional tôdas as entidades ou emprêsas
dependentes das enumeradas - art. 1.0, alíneas a e b, ou a elas
financeiramente subordinadas art. 1.0, parágrafo único.
Justificou-se a medida: a) pelo relevante interêsse para a economia do
País e, portanto, de utilidade pública, a manutenção e
desenvolvimento das atividades de tais emprêsas, sob a orientação e
responsabilidade do Govêrno; b) pela necessidade que se impõe
desde logo a direção dessas emprêsas por agentes do poder público,
para que se resguarde seu patrimônio e se assegure o direito dos
credores (considerandos 10 e 11).26

A partir do citado Decreto-Lei nº 2.073, o Patrimônio da União passava a ter


sob posse “todo o acervo das Sociedades ‘A Noite’, ‘Rio Editora’ e ‘Rádio Nacional’” 27.
Neste, estava incluso o jornal carioca “A Noite”, a folha paulistana de mesmo nome, o
jornal “A Manhã" e as revistas “Noite Ilustrada”, “Carioca”, “Vamos Ler”, “Figurino”,
“Vitrina”, “Síntese”, “Revistas de Direito” e “Letras Brasileiras”.
Os veículos de comunicação citados acima tomaram caráter getulista logo após
o empossamento do Estado. No jornal “A Noite”, por exemplo, é possível observar,
logo na primeira página, duas manchetes (“O Presidente Vargas abrirá ao trafego, a
maior via de turismo da América do Sul” e “Natal dos Pobres”) que fazem alusão aos

26 Disponível em <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/download/10985/996 7 > .


Acesso em 07 de jun. de 2022.
27 Disponível em <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/ declei/1940 -1949/ decreto-lei-2073-8-ma rc o-

1940-412107-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 07 de jun. de 2022.


37

benfeitos de Getúlio como presidente e de sua família auxiliando as classes mais


necessitadas através de atos de caridade.

Figura 2 – Manchetes da edição nº 10367 do jornal “A Noite”

Fonte: Biblioteca Nacional Digital, 1940

O monopólio de Vargas sobre a informação não parava, todavia, no controle


dos canais utilizados pela imprensa e na criação dos seus por interesses próprios
através de decretos-lei. Capelato (1999) elucida sobre como havia o ato de suborno
para apoiar os processos censórios nos bastidores:

A cooptação dos jornalistas se deu através das pressões oficiais, mas


também pela concordância de setores da imprensa com a política do
governo. É importante lembrar que Getúlio Vargas atendeu a certas
reivindicações da classe, como por exemplo a regulamentação
profissional que garantia direitos aos trabalhadores da área. Muitos
jornalistas não se dobraram às pressões do poder, mas, segundo
Nelson Werneck Sodré, foram raríssimos os jornais empresariais que
não se deixaram corromper pelas verbas e favores oferecidos pelo
governo. Por um lado, o autoritarismo do Estado Novo explica a
adesão e o silêncio de jornalistas; por outro, não se pode deixar de
considerar que a política conciliatória de Getúlio Vargas, aliada à
“troca de favores”, também surtiu efeito entre os “homens de
imprensa” (CAPELATO, 1999, p. 175).

Durante o Estado Novo, observa-se, portanto, que os jornais sofreram, dentre


todos os impactos já listados, dois que podem ser considerados os maiores e mais
impactantes. O primeiro é a mudança brusca nas linhas editoriais, em razão dos
38

jornais de terem suas redações tomadas e transformadas em grandes difusores de


propaganda política. O segundo é que o setor jornalístico, ideado no propósito de
noticiar o povo, passou anos sendo utilizado pelo governo como uma arma justamente
para o oposto: alienar.
Embora os jornais, revistas e programas de rádio tenham sido devidamente
devolvidos aos seus respectivos donos com a queda do regime de Vargas, é inevitável
que o período de censura não tenha deixado uma cicatriz na história do jornalismo
brasileiro, que passou por essa e tantas outras fases complicadas para exercer o
básico de sua profissão.
39

4. CAPÍTULO TRÊS: A CENSURA NO O ESTADO DE S. PAULO – ANÁLISE


4.1 História do jornal, tentativas prévias de censura e o início da intervenção

Para melhor compreensão dos motivos pelos quais o jornal O Estado de S.


Paulo sofreu um período de intervenção durante o Estado Novo, é importante
entender qual era o seu posicionamento e o que ele representava para o contexto
nacional.
O Estado de S. Paulo nem sempre atuou sob esse nome. Fundado em 4 de
janeiro de 1845 por um grupo de 16 republicanos liderados por Manoel Ferraz de
Campos Salles e Américo Brasiliense, o jornal inicialmente circulava entre seus
leitores ante ao título de A Província de São Paulo, quando o estado de São Paulo
ainda encontrava-se em franco desenvolvimento e que “resultava de uma aliança
entre elites rurais e burguesia ascendente. Amparado em sólidos capitais, conjugou
ideologia elitista das classes dirigentes com um veio de defesa do cidadão”
(ELEUTÉRIO, 2015, p. 88).
A proposta inicial do "A Província" era de ser um grande diário que pudesse
contestar a monarquia e a escravidão prevalecentes na época, motivo pelo qual foi
considerado importante desde a sua fundação, já que publicava textos que refletiam
os ideais republicanos e abolicionistas de seus primeiros redatores, Francisco Rangel
Pestana e Américo de Campos.

Figura 3 – Parte da primeira folha da edição 1 do “A Província de São Paulo” publicada na


edição dia 4 de janeiro de 1875

Fonte: Acervo Estadão


40

De início, suas primeiras tiragens eram de 2 mil exemplares, número que foi
aumentando consideravelmente com o passar dos anos. Em 1888 já eram 4 mil
edições, e apenas dois anos depois, em 1890, conquistava o incrível número de 8 mil.
Nessa mesma época, o jornal alcança outras duas etapas importantes de sua
evolução. Após a Proclamação da República, o periódico começa a ser publicado
como O Estado de S. Paulo, e sob a nova direção de Júlio Mesquita, que toma o lugar
de Rangel Pestana como redator-chefe, fecha parceria com a Havas, agência de
telegramas que acaba por trazer mais velocidade na transmissão de notícias entre os
jornalistas que trabalhavam no cenário internacional.

Figura 4 – Notícias de pautas recebidas através dos telegramas da Havas publicada no dia 17
de abril de 1890

Fonte: Acervo Estadão

Com a aquisição de novos equipamentos e novas tecnologias, em um curto


período de tempo o número de exemplares chega a 18 mil devido “a campanha de
Canudos, quando eram ansiosamente aguardadas as reportagens enviadas por
Euclides da Cunha através do telégrafo”28. O escritor e jornalista enviou um total de
48 telegramas e 48 cartas ao jornal descrevendo os acontecimentos que
desenrolavam-se durante a Guerra de Canudos29.

28 Disponível em <https://www.estadao.com.br/historico/resumo/conti3.htm>. Acesso em 11 de jun. de


2022
29 Guerra de Canudos – Conflito armado entre militares do exército brasileiro e uma comunidade

religiosa chefiada por Antônio Conselheiro no município de canudos, no interior da Bahia.


41

A partir desse momento, o jornal passa a demonstrar tamanha influência sobre


o país e suas evoluções políticas, comprometendo-se a ser o veículo de comunicação
dirigente da cidade mais republicana dentre todas as outras do país.

Figura 5 – Parte do telegrama publicada na edição do dia 19 de julho de 1897 fazendo a


cobertura do conflito

Fonte: Acervo Estadão

As fases turbulentas para O Estado de S. Paulo têm início na virada da década,


em 1900. Em julho, Júlio Mesquita e José Alves de Cerqueira César, seu genro e um
dos fundadores do jornal, encabeçam a 1ª dissidência republicana quando decidem
romper “com o presidente da república, Manuel Ferraz de Campos Salles, e com o
governador Rodrigues Alves”30. A linha editorial do periódico passa a se opor aos
governos estaduais e federais, contestando a política exercida pelos governadores.
É por isso que, 1909, o jornal apoia a campanha eleitoral de Ruy Barbosa para
presidente da República, esta que ficou conhecida como “Campanha Civilista” e que

30Disponível em <https://acervo.estadao.com.br/historia-do-grupo/decada_1900.shtm>. Acesso em 11


de jun. de 2022
42

se opunha a de Marechal Hermes da Fonseca, um militar. Mesmo perdendo, o nome


de Ruy Barbosa permaneceu sendo estampado no jornal, em um manifesto que
denunciava as anormalidades em sua derrota, fruto de um pleito burlista.

Figura 6 – Coluna sobre Ruy Barbosa publicada no dia 27 de março de 1910

Fonte: Acervo Estadão

A resistência do O Estado de S. Paulo ao militarismo também é notória em


outras ocasiões, como quando Júlio Mesquita publica, durante a cobertura da Primeira
Guerra Mundial, artigos em que se coloca a favor da democracia e perde os
anunciantes alemães, o que traz um período de dificuldades financeiras, mas que
ainda sim não o faz voltar atrás em sua palavra.
O suporte à Campanha Nacionalista, em um momento posterior, fortalece mais
como o jornal representava esse ideal em suas matérias, dado que esta campanha
sugeria que o serviço militar fosse obrigatório para que o corporativismo do exército
fosse diluído através da entrada de civis no âmbito militar.
A eclosão da Revolta Paulista de 1924 — que foi explorada com mais detalhes
no primeiro capítulo — trouxe a primeira tentativa de censura ao O Estado de S. Paulo.
Devido a posição neutra do jornal perante ao conflito, as tropas federais do presidente
Artur Bernardes suspenderam a circulação da gazeta por 12 dias e levaram preso
Júlio Mesquita, que, logo mais, foi enviado para o Rio de Janeiro. Ele só retorna para
43

São Paulo anos depois, vítima de uma doença pulmonar e falece em 15 de março de
1927 em sua fazenda no interior.

Figura 7 – Convite para a cerimônia do enterro de Júlio Mesquita publicada no dia 16 de


março de 1927

Fonte: Acervo Estadão

Júlio de Mesquita Filho e Francisco Mesquita (ambos filhos de Júlio Mesquita),


assumem o jornal ao lado de Nestor Pestana, o até então chefe de redação. Porém,
a direção dos Mesquita no O Estado de S. Paulo dura pouco, pois, embora o jornal
tenha apoiado a “Aliança Liberal” e a candidatura de Vargas em 1930 para se opor a
Júlio Prestes, candidato do Partido Republicano Paulista (PRP) e o qual o periódico
já havia demonstrado insatisfação, sua “fidelidade flutuava ao sabor das
circunstâncias e diminuía sensivelmente diante de riscos efetivos de transformações
sociopolíticas mais profundas” (LUCA, 2015, p. 162).
Por isso, dois anos depois eles estão à frente da Guerra Paulista lutando pelo
fim do autoritarismo de Getúlio e exigindo uma nova constituição. “O ‘sentimento
44

regionalista’ e o receio de mudança das estruturas do país fizeram com que os liberais
de OESP atuassem como um dos principais articuladores do movimento de 1932”
(CAPELATO e PRADO, 1980, p. 46).

Figura 8 – Manchete sobre o movimento constitucionalista publicada no dia 11 de julho de


1932

Fonte: Acervo Estadão

Os irmãos Mesquita são presos e exilados em Portugal. Nestor Pestana falece


em 1933, passando a direção do jornal para Plínio Barreto.
Dois anos depois, Armando de Salles Oliveira, outro genro do falecido Júlio
Mesquita, é convidado por Vargas a se tornar o interventor oficial do estado de São
Paulo, e aceita o cargo sob a exigência de o presidente conceder a absolvição dos
que participaram do movimento constitucionalista. Desse modo, todos os expatriados
retornam ao Brasil, incluindo os irmãos Mesquita, que retomam a direção do jornal.
Surge o Estado Novo, e com o novo regime, novas tentativas de aplicar a
censura. O Estado de S. Paulo luta para se manter livre das imposições do novo
governo, mantendo seu posicionamento político favorável à democracia e aplicando
medidas que impossibilitavam a propagação da propaganda política através de seus
exemplares. Não eram vendidas páginas “para propaganda getulista, farta em outros
órgãos de imprensa”31.
Júlio de Mesquita Filho foi aprisionado 17 vezes e mandado para exílio. Seu
irmão Francisco Mesquita foi capaz de manter o jornal em funcionamento de acordo
com a linha editorial pré-estabelecida até 1940, quando soldados derrubam as portas
da redação e tomam o controle sob a (falsa) incriminação de um conluio armado.

31Disponível em <https://acervo.estadao.com.br/historia-do-grupo/decada_1930.shtm>. Acesso em 11


de jun. de 2022
45

São plantadas metralhadoras no prédio do jornal pela polícia no intuito de


“encontrar provas”. Francisco é levado preso, contudo, é solto logo depois pela
evidente falta de evidências de sua participação no esquema para depor o presidente.
Proibido de retomar suas atividades como diretor, tanto Francisco quanto o periódico
tornam-se parte das vítimas nas mãos da ditadura.
O intervalo de cinco anos sob o qual O Estado de S. Paulo foi submetido à
censura está registrado no acervo do jornal até os dias de hoje como documentos que
comprovam o acontecimento. Nesse meio tempo, o periódico passa a ser usado como
mais uma das dezenas de ferramentas de propaganda de Getúlio Vargas. Nos
cabeçalhos, é possível ver o nome de Abner Mourão, o jornalista que fora indicado
pelo Estado Novo para comandar o jornal.

4.2 A censura aplicada na prática e as suas consequências

No dia 24 de março de 1940, circulava o último exemplar do O Estado de S.


Paulo livre da censura implementada aos veículos de comunicação pelo Estado Novo.
As pautas abordadas na edição — que contava com um total de 30 páginas
discorrendo sobre notícias cotidianas, representatividade brasileira no cenário
internacional, opiniões sobre a participação do Brasil Segunda Guerra Mundial e
propagandas dos mais diversos anunciantes — ganham um rumo completamente
diferente no dia seguinte, já sob intervenção do Estado.

Figura 9 – Primeira página da última edição “livre” do jornal publicada no dia 24 de março de
1940

Fonte: Acervo Estadão


46

A edição do dia 25 de março já começa com a censura aplicada de forma óbvia:


são publicadas apenas 4 páginas. O teor das notícias também muda, como pode-se
notar, por exemplo, na coluna “Notícias do Rio”. Se no exemplar anterior havia uma
notícia sobre um acidente na estrada de ferro de Teresópolis, nesta havia apenas uma
pequena matéria sobre as operações das companhias de seguro.

Figura 10 – Única notícia publicada na coluna de “notícias do rio” publicada no dia 25 de


março de 1940

Fonte: Acervo Estadão

Até então, os nomes de Júlio Mesquita e Plínio Barreto permanecem no


cabeçalho. O jornal faz uma pausa de 10 dias, possivelmente para uma reorganização
interna, e volta a circular no dia 7 de abril já com as novas mudanças estabelecidas.
Abaixo do nome do jornal, nota-se o nome de Abner Mourão sob o título de
“diretor designado pelo conselho nacional da imprensa”. Na terceira página,
estampado em letras garrafais com a frase “O Reaparecimento do Estado De S.
Paulo”, reproduz-se uma entrevista do “novo diretor” explicitando ao “A Gazeta” sobre
os motivos pela mudança abrupta na administração do jornal:

‘O Estado de S. Paulo’ foi legalmente fechado, em virtude de


acontecimentos de gravidade excepcional, como é de domínio público.
Apenas e naturalmente mais de quinhentos trabalhadores de jornal
que efetivamente prestam serviços á empresa são estranhos a esses
acontecimentos. A reabertura nacional, facilitada pelos poderes
47

públicos, visa principalmente attender ao lado humano da questão:


manter esse numeroso e respeitavel grupo de trabalhadores na
actividade diaria de que retira a subsistencia.
A missão que recebo e jamais desejei é difficil. Honrosa, contudo,
porque exprime diante do pronunciamento do Conselho Nacional de
Imprensa e das associações de classe, a confiança dos meus
companheiros nesta profissão duríssima, em que milito
ininterruptamente ha 31 annos. Procurarei corresponder a essa
confiança e, como sempre, servir a São Paulo e ao Brasil32.

Mais adiante, no decorrer do mesmo artigo, Mourão deixa o seu apoio a Vargas
explícito e idealiza a atitude do presidente em tomar o jornal:

Era preciso enfrentar a áspera realidade e encontrar o remédio. E isso


se tornou a missão historica do sr. Getulio Vargas. Em momento dos
mais críticos, com a experiencia, capacidade politica e a serena mais
indomável coragem que lhe compõem a personalidade invulgar
estadista nos deu — apoiado nas classes armadas que tão
exuberantes provas vem dando do nada querer para si proprias e de
tudo querer para o Brasil — o Estado Novo, nação immediatamente
comprehendeu, acceitou e se acha disposta a defender33.

Figura 11 – Cabeçalho da edição do dia 7 de abril de 1940

Fonte: Acervo Estadão

Outra mudança notável que ocorre é a mudança nos temas abordados pelas
colunas de opinião. Isso se mostra problemático, pois essa seção do jornal era
responsável por expor a visão de vários autores sobre questões que ocorriam no Brasil
e no mundo, geralmente aos domingos. Alguns exemplos são A. Piccarolo, na pág. 4
da edição do dia 17 de julho de 1938, dissertando sobre como as capitanias eram
feudos, e Alpheu Canniço, na pág. 3 da coluna especial da edição do dia 8 de março
de 1940, falando sobre a xenofobia na França.
Os assuntos tratados após a intervenção passam a ser menos críticos e de
cunho mais nacionalista. Tem-se como referência dessa observação o artigo de Nuto
Sant’Anna, na pág. 4 da edição de 5 de junho de 1940, comentando sobre os fatos

32 Jornal O Estado de S. Paulo – 07/04/1940 – p.3.


33 Jornal O Estado de S. Paulo – 07/04/1940 – p.3.
48

que influenciaram a formação das cidades brasileiras e Geraldo Mendes de Barros,


na pág. 4 da edição do dia 11 de março de 1941, pontuando tópicos interessantes
sobre o livro de Gil Duarte, “A Paizagem Legal do Estado Novo”.

Figura 12 – Artigo de Nuto Sant’anna na edição do dia 5 de junho de 1940

Fonte: Acervo Estadão

Alguns autores que já faziam parte das páginas de opinião, como A. Piccarolo,
Nuto Sant’Anna e Conde Emanuel de Bennigsen continuam aparecendo normalmente
nas publicações do jornal, deixando nítido que estes continuariam a colaborar nas
edições. Por outro lado, nomes como S. F, F. Nitti e Paulo Vanorden Shaw não
49

aparecem mais, o que nos dá a entender que foram tirados de cena por possuírem
opiniões que não faziam jus ao que o governo gostaria de comunicar.
Embora as editorias do O Estado de S. Paulo tenha se mantido, percebe-se
que os tipos de informes publicados são outros. Analisando a coluna “Notícias
Diversas”, verifica-se que, antes da intervenção, eram trazidas manchetes como
“Scena de Sangue”, “Tiro a Pistola” e “Ferido a Faca”34, e que após esse
acontecimento, as mesmas passam a ser “Departamento das Municipalidades de São
Paulo”, “Farmácias de Plantão” e “O Combate ao Comunismo”35, ou seja, privando o
povo de ter um contato amplo com as marginalidades que desenrolavam-se no país.
Além desta, pode-se perceber a censura explícita aplicada em outra coluna: a
“Notícias dos Estados”. O DIP — como foi esclarecido no segundo capítulo — proibia
uma série de assuntos, e dentre eles, estavam listadas catástrofes e violência. A
censura nessa coluna acontece exatamente em cima desses temas, e para validar
efetivamente esse fato, foram feitos dois comparativos entre publicações dessa
coluna. No primeiro caso, é feita a análise de duas notícias divulgadas nas datas de
antes e depois da intervenção, mas sobre estados diferentes. Já no segundo, também
foram analisadas notícias publicadas nessas mesmas épocas, porém sobre o mesmo
estado.
Abaixo estão transcritas as duas publicações sobre estados diferentes. A
primeira foi publicada na pág. 2 da edição do dia 8 de março de 1939 e fala sobre
Pernambuco:

Encontro de ossadas humanas


Recife, 7 (H.) — A policia local continua a investigar minuciosamente
sobre o desaparecimento de 5 ossadas humanas completas,
encontradas todas num predio actualmente em reconstrução e sito á
rua da Concordin.
Os peritos do Gabinete Medico Legal procedem a estudos acurados
e, segundo a sua opinião, uma das ossadas pertenceu a pessoa
fallecida há 15 ou 20 annos.

A segunda foi publicada na pág. 2 da edição do dia 10 de julho de 1940 e fala


sobre o estado da Bahia:

34 Jornal O Estado de S. Paulo – 11/03/1940 – p.5.


35 Jornal O Estado de S. Paulo – 15/06/1941 – p. 7 e p.8.
50

Peregrinação de Catholicos Bahianos a S. Paulo


Salvador, 9 (A. N.) — Continua despertando grande anthusiasmo, no
seio da população catholica desta capital, a proxima peregrinação
bahiana que visitará os Estados de S. Paulo e Minas Geraes. Como
se sabe, os peregrinos bahianos conduzirão uma imagem do Senhor
do Bomfim, valioso trabalho de esculptura bahiana, que será
offerecido a S. Paulo em retribuição ao gesto dos paulistas que
trouxeram anno passado uma imagem de Nossa Senhora da
Apparecida, padroeira do Brasil. Para acquisição da imagem do
Senhor do Bomfim, foi constituída uma grande commissão de
senhoras bahianas. A [ilegível] da imagem será [ilegível] e o [ilegível]
pelo interventor Landulpho Alves e pelo prefeiro Neves da Rocha.

Agora, para o comparativo entre épocas diferentes, mas sobre o mesmo


estado, estão transcritas as duas outras notícias analisadas. A primeira foi publicada
na pág. 4 da edição do dia 9 de dezembro de 1939:

Enchente do Rio Uruguay


Porto Alegre, 7 (Havas — Agencia Franceza) — Informam de
Marcellino Ramos que, em consequencia das ultimas chuvas, é
prevista a enchente do rio Uruguay. As villas de Severiano Alemeida
e Três Arroyos estão completamente inundadas.
No Município de Ijuhy as aguas arrastam varias pontes e casas.

A segunda foi publicada na pág. 7 da edição do dia 10 de setembro de 1941 e


também fala sobre o estado do Rio Grande do Sul:

Emprestimo para a prefeitura de Porto Alegre


Porto Alegre, 9 (A.N.) — Viajará amanhã para o Rio o sr. Loureiro
Silva, prefeito desta capital, que vai negociar um emprestimo de 25 mil
contos de réis para a Prefeitura com os banqueiros cariocas. Hoje, por
via aerea, segue para o mesmo destino o sr. Gilberto Morais, sub-
prefeito, afim de ultimar as negociações da vultosa transação de
credito, destinada, conforme tem sim divulgado, a importantes obras
publicas municipais.

Para aplicar a censura, identifica-se então que, independentemente de tratar-


se sobre estados iguais ou diferentes, o DIP invertia as pautas sobre calamidades
ambientais ou sociais por outras que tinham vínculos fortes com seus estados de
origem: no caso da Bahia, a religiosidade, e no caso do Rio Grande do Sul, a política.
A consequência dessa manipulação de informações é justamente a modelagem
errônea do pensamento das massas, afinal, como disse Plínio Barreto, o jornal
representava para o seu público “uma verdadeira benção porque o dispensa do
trabalho de formar opinião e formular ideias: dá-lhas já feitas e polidas todas as tardes,
51

sem disfarces e sem enfeites, lisas, claras e puras” (O Estado de S. Paulo,


14/01/1928).
Outra alteração relevante no jornal foram os lançamentos de grandes notícias
e reportagens — muitas vezes logo na primeira página — que contavam sobre os
feitos de Getúlio Vargas. Em outros veículos de imprensa já era costumeiro encontrar
publicações que enaltecessem o mito do líder, porém no O Estado de S. Paulo não.
Esse fator deixa ainda mais evidente que, para Vargas, era muito mais interessante
transformar o jornal paulista, detentor de muitos assinantes, em seu novo difusor de
propagandas, do que fechá-lo e ter que lidar com todo alvoroço que a ação causaria.
A edição do dia 26 de abril de 1940, por exemplo, tem a primeira página quase
inteira tomada por uma grande reportagem que conta sobre a chegada de Vargas a
São Paulo, expondo uma grande foto sua e contando sobre como será a recepção
feita na chegada do presidente e sobre o feriado que as universidades terão por conta
de sua visita à capital. No “sutiã”, logo abaixo do título da matéria, o jornal faz questão
de deixar claro que o motivo da visita do líder nada mais é do que inaugurar o Estádio
Municipal, exaltando, mais uma vez, suas boas atitudes em prol da nação.

Figura 13 – Reportagem sobre o presidente Getúlio Vargas na edição do dia 26 de abril de


1940

Fonte: Acervo Estadão


52

Na edição do dia 13 de março de 1942, também na primeira página, outra


notícia comentando sobre Vargas. Em homenagem a sua “grande política”, seria
erguido “o monumento do trabalhador brasileiro” pelos operários, este que serviria
como um símbolo de nacionalidade.

Figura 14 – Reportagem sobre o monumento na edição do dia 13 de março de 1942

Fonte: Acervo Estadão

Foi encontrado também, em uma edição publicada no dia 4 de março de 1943,


mais uma notícia na capa que contava, desta vez, sobre o passeio de Vargas pelas
ruas de Petrópolis. Abaixo do título, uma grande fotografia sua conversando com
crianças, e na matéria, detalhes sobre como o presidente era bem cumprimentado por
todos os residentes da cidade e sua admirável realização no ano anterior para a
cidade: colocar balanços e outros brinquedos para infância.
O propósito dessas matérias era justamente ressaltar como o povo simpatizava
com o presidente, o que pode ser uma das definições de um conceito chamado de
“populismo”. O termo, que até os dias de hoje não tem um significado definido com
exatidão, faz alusão ao “conjunto de práticas associadas a políticos” (SILVA, 2018)
53

que representam os seus governos por uma liderança carismática, adoção de


medidas nacionalistas e trocas de benefícios provenientes de sua liderança.

Figura 15 – Notícia sobre o presidente Getúlio Vargas na edição do dia 13 de março de 1942

Fonte: Acervo Estadão

Acompanhando as numerosas publicações sobre o presidente, também


surgiam matérias sobre outras figuras políticas que estavam afiliadas a si, tal como
era o caso dos ministros, militares de alto escalão ligados à política e dos interventores
de estado.

Figura 16 – Notícia sobre a visita do general Gois Monteiro na edição do dia 12 de abril de
1940

Fonte: Acervo Estadão


54

A aparição de notícias sobre as entidades relacionadas ao governo também se


torna habitual. Na edição do dia 23 de junho de 1940, na coluna “Notícias do Rio” —
a qual foi demonstrado nas primeiras considerações desse capítulo ter passado por
modificações abruptas logo no primeiro dia após a intervenção —, aparece uma
entrevista completa com Jarbas de Carvalho, diretor da divisão de imprensa do DIP.

Figura 17 – Reportagem sobre o DIP na edição do dia 23 de junho de 1940

Fonte: Acervo Estadão

No Brasil, essa estratégia de uso das propagandas políticas em veículos de


comunicação para atingir grandes massas, como ocorre no O Estado de S. Paulo
durante o Estado Novo, teve grande inspiração em governos de caráter totalitário que
ocorriam no exterior, como relembra Capelato (1999):

Os organizadores da propaganda varguista, atentos observadores da


política de propaganda nazi-fascista, procuraram adotar os métodos
de controle dos meios de comunicação e persuasão usados na
Alemanha e na Itália, adaptando-os à realidade brasileira
(CAPELATO, 1999, p. 169).

Nesse sentido, a comunicação transmitida para as massas ambicionava atingi-


las de forma que não houvesse resistência contra o que estaria sendo difundido.
Eventualmente, é possível relacionar essa concepção à Teoria Hipodérmica, ou
Teoria da Bala Mágica, a qual foi desenvolvida pela escola-americana e que
comparava a mensagem a injeção de uma agulha hipodérmica, que perfura a pele
55

sem dificuldades no processo. Essa teoria de ação, por meio da psicologia


behaviorista, tinha o seguinte objetivo:

O estudo do comportamento humano com os métodos de


experimentação e observação das ciências naturais e biológicas. O
sistema de acção que distingue o comportamento humano deve ser
decomposto, pela ciência psicológica, em unidades compreensíveis,
diferenciáveis e observáveis. Na relação complexa que existe entre o
organismo e o ambiente, o elemento crucial é representado pelo
estímulo; esse estímulo inclui os objectos e as condições exteriores ao
sujeito, que produzem uma resposta. Estímulos e resposta parecem
ser as unidades naturais em cujos termos pode ser descrito o
comportamento‟ (Lund, 1933, 28). A unidade estímulo/resposta
exprime, por isso, os elementos de qualquer forma de comportamento
(WOLF, 2002, p.9).

Essa concepção acaba por se encaixar bem no tipo publicidade aplicada no


Estado Novo, pois, ao censurar conteúdos que seriam essenciais para o
conhecimento e formação de opinião pública, estimulava uma resposta favorável da
população ao novo governo e a seu líder. Lund (1933, p. 35) complementa esse ponto
de vista afirmando que “estímulos que não produzem respostas não são estímulos. E
uma resposta tem necessidade de ter sido estimulada. Uma resposta não estimulada
é como um efeito sem causa”.
Ainda em relação às propagandas políticas de Vargas, outra teoria que pode
explicar sua aplicação nos veículos de comunicação é a de Roland Barthes, semiólogo
que fez parte da escola francesa, esta que foi responsável por dar origem a Teoria
Culturológica, em que se faz análise crítica de como a mídia pode ser utilizada como
um condutor de alienação de massas.
Para Barthes (1964), o processo de significação era composto por dois
momentos: o denotativo e o conotativo. Fontanari (2016) traduz o entendimento do
autor sobre o funcionamento desses sistemas:

A denotação refere-se ao sentido usual ou literal que é dado a uma


determinada palavra ou significante, enquanto a conotação é a
capacidade que o signo linguístico tem de receber novos significados
que acoplam ao seu sentido original em decorrência do seu uso pelos
falantes da língua, como se fossem notas, anotações. Daí o termo co-
notar, notar duas vezes. O conceito de conotação indica que é por
meio do uso empregado à linguagem que o mito é definido
conceitualmente. O conceito de mito impõe ao signo um sentido
secundário que é a conotação. Tal ocorrência permitirá a Barthes
(2006a) identificar a manifestação formal da ideologia no uso
56

instrumental da língua– afinal, todos sentidos sociais, culturais,


históricos, políticos, religiosos, psicológicos que o signo arrasta,
quando é atualizado na fala – e assim efetivar a passagem da crítica
ideológica à crítica semiológica, sem que, com isso, o viés político se
apague ou impregne o fundo de suas análises
Vejamos mais de perto, nos próprios termos barthesianos, a definição
de mito. O mito desloca um signo de seu contexto e o faz funcionar
como significante afetado de outro significado, num outro contexto, em
que assume uma outra significação de ‘segundo grau’. Há, no mito,
escreve Barthes (2006b, p. 206), dois sistemas semiológicos: [...] um
deles deslocado em relação ao outro: um sistema linguístico, a língua
(ou os modos de representação que lhe são assimilados), que eu
chamaria linguagem objeto, porque é a linguagem de que o mito se
apodera para construir seu próprio sistema; e o mito propriamente dito,
que eu chamaria metalinguagem, porque é uma segunda língua, na
qual se fala a primeira. (FONTANARI, 2016, p.147)

Em seu livro Elementos da Semiologia, Barthes (1964, p. 99) dá o exemplo de


como esses processos poderiam ser aplicados em um jornal, declarando que “o jornal
de moda que ‘fala’ as significações de um vestuário; caso todavia ideal, pois o jornal
não representa de ordinário um discurso puramente denotado”. Em outras palavras,
se os conteúdos carregados de ideologias forem consumidos despercebidamente,
torna-se viável utilizar os veículos de comunicação para persuadir seu público, como,
novamente, Vargas e o DIP fizeram não só com a tomada do O Estado de S. Paulo,
mas também com a monopolização de outros jornais, revistas e rádio na época.

4.3 Devolução e período pós-censura

Antes de adentrar o momento em ocorre a devolução do O Estado de S. Paulo,


é importante frisar sobre como o posicionamento editorial do periódico passou por
diversas mudanças durante sua intervenção, isto no que se refere a afinidade
ideológica com as políticas dos países participantes da Segunda Guerra Mundial.
Sabe-se que esse período, em que ocorre o conflito de escala mundial, foi o
ponto decisivo para o declínio do governo de Getúlio Vargas. Através das edições
publicadas, pode-se notar como os valores do jornal, a favor dos Aliados e da
democracia, foram deixados de lado para dar lugar aos valores do presidente,
simpatizante de medidas autoritárias e do Eixo.
Para uma melhor visualização de como essa conversão de opiniões se refletiu
nas páginas do jornal, enquanto ele estava sob o poder do Estado, será feita uma
comparação entre algumas tiragens impressas antes e depois de 25 de março de
57

1940. A começar pelos meses que antecedem este fatídico dia, percebe-se que o
periódico demonstrava o seu posicionamento contra o Eixo através da divulgação de
notícias que tinham como enfoque a crítica aos países que faziam parte dessa aliança.
Tomando como exemplo pautas relacionadas à Alemanha Nazista e a Itália
Fascista, é possível atestar essa declaração através de algumas publicações que
desaprovavam atitudes e discursos dessas potências: a que foi impressa na pág. 14
da edição do dia 21 de setembro de 1939 sob o título de “O governo francez refuta o
discurso do sr. Adolpho Hitler”; na pág. 2 da edição do dia 12 de dezembro de 1939
comentando sobre “A posição da Italia definida pelo Conselho dos Ministros”; na pág.
1 da edição do dia 18 de março de 1940 com a manchete de “A actuação do ‘Reich’
no Sudeste da Europa”; e na pág. 1 da edição do dia 19 de março de 1940 que falava
sobre como “Divergem as opiniões dos observadores internacionais sobre os
objectivos da conferencia entre os srs. Hitler e Mussolini”.

Figura 18 – Manchete sobre Conferência de Hitler e Mussolini na edição do dia 19 de março


de 1940

Fonte: Acervo Estadão

A partir desses mesmos temas, faz-se um paralelo com publicações impressas


nos meses que vieram após a intervenção no O Estado de S. Paulo e antes de o Brasil
se aliar aos Estados Unidos na Guerra. Aqui, se constata como havia, de fato,
inclinações a apoiar a Alemanha, Itália e Japão na guerra, uma vez que não se eram
divulgadas notícias em oposição a conduta desses países.
Foram achadas algumas edições que enaltecessem acontecimentos
relacionados aos membros do Eixo: na pág. 1 da edição de 16 de abril de 1940 sob o
título de “A Italia concentra sua armada no Dodecaneso”; na pág. 14 da edição de 15
de maio de 1940 com a manchete “A Italia na imminencia de entrar no conflito
europeu”; na pág. 8 da edição de 5 de julho de 1940 com o nome “Grande interesse
da Allemanha pelo mercado brasileiro”; e na pág. 14 da edição de 30 de agosto de
1940 comunicando sobre como “O ‘fuehrer’ teria feito novas propostas de paz a’
Inglaterra”.
58

Figura 19 – Notícia sobre Hitler na edição do dia 30 de agosto de 1940

Fonte: Acervo Estadão

Ainda levando em consideração essas mesmas pautas sobre Hitler e Mussolini,


a integração do Brasil no lado democrático da guerra fez com que posicionamento
editorial do jornal mudasse outra vez. Voltam a ser publicadas matérias que
condenavam o Eixo e aumenta-se a quantidade de material publicado sobre Estados
Unidos e Inglaterra, como se constata nas edições dos dias 22 de outubro de 1943,
na pág. 1 sob o título de “Os Aliados mantêm a iniciativa em toda a frente italiana” e
23 de agosto de 1944, na pág. 1 falando sobre como haviam sido “Destroçadas as
defesas nazistas no sul da frente oriental”.

Figura 20 – Reportagem sobre Aliados na edição do dia 23 de agosto de 1944

Fonte: Acervo Estadão

Com o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, o cenário de caos político que
se instaurava no Brasil e a flexibilização das medidas censórias por parte do Estado
Novo, outro tema toma força nas páginas do jornal: o retorno dos partidos políticos,
as eleições marcadas para o fim do ano e o regime de Getúlio Vargas encaminhando -
se lentamente para o seu fim.
A datar do fim de outubro, são publicados vários materiais informando sobre a
renúncia de Vargas, como se vê na edição do dia 30 de outubro de 1945, sob o título
59

de “Decisivos acontecimentos politicos ocorridos ontem na capital da Republica” que


contava como o general Gois Monteiro havia deposto o presidente. Dessa forma, O
Estado de S. Paulo, ainda sob intervenção do governo, passa a publicar notícias sobre
as novas figuras políticas que tomavam as cadeiras do país.

Figura 21 – Notícias sobre a República na edição do dia 31 de outubro de 1945

Fonte: Acervo Estadão

Contando com o apoio do próprio Getúlio Vargas (segundo a carta enviada por
ele mesmo ao O Estado de S. Paulo e que fora publicada na edição do dia 28 de
novembro de 1945), Gaspar Dutra vence as eleições presidenciais no dia 2 de
dezembro de 1945, e no dia 6 de dezembro do mesmo ano, o jornal é finalmente
devolvido aos seus donos originais, os Mesquita. “Ao retomar o controle do jornal,
seus proprietários ignoraram o registro da primeira página e repetiram o número
21.650, que marcara a primeira edição feita sob ocupação da ditadura”36.

Figura 22 – Parte da carta de apoio de Vargas a Gaspar Dutra publicada na edição do dia 28
de novembro de 1945

Fonte: Acervo Estadão

36Disponível em <https://acervo.estadao.com.br/historia-do-grupo/decada_1940.shtm>. Acesso em 16


de jun. de 2022
60

O retorno do nome Júlio Mesquita Filho e Plínio Barreto no topo do cabeçalho


da primeira página marca a restituição total do jornal. Na terceira página dessa mesma
edição, do dia 7 de dezembro de 1945, publica-se a história do O Estado de S. Paulo
sob a perspectiva de Monteiro Lobato, e o texto toma a folha inteira. Além das
palavras, são colocadas fotos de Júlio Mesquita, Nestor Pestana e Armando de Salles
Oliveira para ilustrar as personalidades emblemáticas que dirigiram o jornal.
Depois de cinco longos anos sendo utilizado como uma ferramenta para difusão
de preceitos do Estado Novo e de seu líder, O Estado de S. Paulo volta para a mão
de seus leitores livre, em um país novamente liderado pela democracia e a serviço do
povo, não mais do governo como fora por tanto tempo.

Figura 23 – Página 3 da edição do dia 7 de dezembro de 1945

Fonte: Acervo Estadão


61

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo refletir sobre como Vargas, durante o
“Estado Novo” (1937-1945), utilizou-se de seus poderes políticos para a implantação
da censura e a redução da liberdade de expressão dos jornais no Brasil. Para isso,
foram realizadas pesquisas sobre a história política brasileira desde a época da
República Velha, sobre a vida e o governo de Vargas, a atuação dos jornais no país
e sobre o objeto de estudo em questão, sendo este O Estado de S. Paulo, sob a
consulta de uma extensa base bibliográfica de historiadores, comunicólogos e do
próprio Vargas.
No primeiro capítulo, foi apresentado um pouco mais sobre a história que
envolve nosso país. Através dos olhares de Pandolfi, D’Araújo, Capelato, Vianna,
Fausto, e entre outros, desvendou-se um pouco mais sobre a Revolução de 1930,
movimento que levou Vargas ao poder, quais foram os pontos mais importantes no
Estado Novo, como a política externa influenciou na criação do regime e as filosofias
que estavam por trás do líder do regime.
A partir disso, foi possível perceber como, desde o início, a Era Vargas surgiu
com uma grande ruptura no cenário político, trazendo inúmeros benefícios para o país,
mas a custo da proibição da autonomia do pensamento e dos direitos de se expressar
livremente, fosse através de palavras, artes ou manifestações públicas.
Durante o decorrer do capítulo, nota-se também que grande parte das atitudes
tomadas pelo presidente tiveram como base o positivismo, linha de pensamento muito
difundida durante a República Velha, e que persuadiu toda uma geração de políticos
sulistas que se moldavam sob esse pensamento. Através dos discursos de Vargas, é
possível ver como sua fala foi se adaptando com o passar dos anos para que pudesse
se encaixar nos devidos contextos da época, e como outros líderes autoritários foram
de grande inspiração para sua governança, tal como é citado o nome de Hitler,
Mussolini e Salazar.
Já no segundo capítulo, é explorado qual o papel que os veículos de
comunicação exerciam no país. Através do olhar de Capelato e Araújo, compreende-
se como a censura era aplicada por meio da propaganda política, como o órgão
governamental do DIP se comportava perante à imprensa e como o ato de censurar
impactou muito diretamente os jornais do país. A liberdade de imprensa e direito à
informação, dois fatores tão importantes no que se diz respeito ao conhecimento da
62

população diante dos acontecimentos de seu país, ficaram comprometidos pelos


grandes feitos de Vargas e assuntos banais que nem sempre eram tão relevantes.
Por meio do sentimento nacionalista, o Estado Novo empenhou-se para criar uma
unidade de pensamento que estivesse alinhada com as ideologias difundidas pelo
mesmo.
Para o terceiro capítulo, tem-se a análise direta de como essa censura se
aplicou no O Estado de S. Paulo. Sob a perspectiva do próprio grupo Estado,
disponibilizado no Acervo e contado em ordem cronológica, observa-se como a linha
editorial foi completamente reestruturada para atender aos interesses do governo,
exibindo propagandas políticas — que antes não eram incluídas nas páginas do jornal
justamente como uma forma de oposição —, mudando o enfoque de notícias, criando
manchetes que favorecessem o regime e censurando pautas de extrema importância
para o conhecimento social.
Em complemento à análise, e sob a fundamentação teórica da Agulha
Hipodérmica e do conceito de significação apresentado por Rolland Barthes, percebe-
se como uma sociedade pode ser impactada pelas notícias sem nenhum obstáculo, e
como os jornais podem sim serem utilizados como ferramenta de coação se os
conteúdos consumidos pelo público estiverem carregados de ideologias, mas estas
não sejam notadas durante a sua leitura.
O trabalho não tem a ambição de fazer conclusões fechadas, mas, ao que tudo
indica, a partir de sua autoridade como presidente de um país, Getúlio Vargas
implementou decretos, criou órgãos governamentais, instituiu cargos políticos e
abusou da propaganda para impedir que quaisquer informações contrárias sobre ele
e seu regime circulassem dentro e fora do país. No decorrer dos anos em que o Estado
Novo esteve em vigor, Vargas buscou todas as ferramentas ao seu alcance para
minimizar revoltas e controlar a imprensa em prol do governo.
Os documentos mostram que muitos jornais acabaram cedendo em nome dos
favores fiscais, outros sequer conseguiram um registro para trabalhar oficialmente, e
os que restaram foram, em sua grande maioria, calados e/ou sofreram intervenção,
como foi o caso do O Estado de S. Paulo.
Ao longo da pesquisa, foi possível interpretar que o Estado Novo surgiu por
meio do medo da ameaça comunista, que o DIP não só censurava a imprensa, mas
também outros diversos setores culturais e informativos e de que maneira a
63

intervenção no O Estado de S. Paulo trouxe outro olhar sobre as publicações que


eram impressas diariamente.
A censura, que muitas vezes tem a meta de calar vozes de artistas, jornalistas
e da própria nação, foi implementada no Estado Novo aos poucos, até chegar a um
nível em que diretos básicos foram confiscados pelo governo.
Os jornais, ainda que tenham sido censurados na época, servem como objeto
de estudo sobre a história brasileira, oferecendo a oportunidade de entender melhor
o que aconteceu no passado, e como essas ações influenciam o cenário atual do país.
O Estado de S. Paulo, que foi silenciado durante cinco anos pelo Estado Novo, mostra
uma importante parte cronologia política do Brasil, a qual possibilitou enxergar melhor
como a censura pode ser aplicada, como as propagandas políticas podem ser
difundidas e de que maneira essa ação impacta o todo.
64

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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