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Trabalhadores e ditaduras

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Marcelo Badaró Mattos
Rubén Vega (orgS.)

Trabalhadores e ditaduras
Brasil, Espanha e Portugal

Textos apresentados ao Colóquio Internacional Trabalhadores, golpes e ditaduras,


realizado na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, Brasil, em abril de 2014
e ao Seminário Internacional Movimiento Obrero y Dictadura(s). España, Portugal, Brasil,
realizado em Mieres, Astúrias, Espanha, em maio de 2012.

CONSEQUÊNCIA

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© 2014 dos autores
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Tr578 Trabalhadores e ditaduras : Brasil, Espanha e Portugal / Organi-


zadores: Marcelo Badaró Mattos e Rúben Vega. — 1. Ed. – Rio de
Janeiro : Consequência, 2014.
250p.; 16x23cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-64433-18-2 (broch.)

1. Ditadura - História. 2. Portugal – História – 1910-1974. 3. Espanha –


História – 1939-1975. 4. Brasil – História – 1964-1985. I. Mattos, Marcelo
Badaró. II. Vega, Rúben

CDD: 321.9

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Sumário

Apresentação .................................................................................................................. 7

PARTE 1. O sentido dos golpes, das ditaduras e da revolução

CAPÍTULO 1. O sentido histórico do golpe de 1964


e da ditadura e suas interpretações............................................................................ 13
Gilberto Calil

CAPÍTULO 2. O campo “vai ao golpe”....................................................................... 35


Sonia Mendonça

CAPÍTULO 3. A mano armada: La oposición y la violencia política


en la España de Franco................................................................................................ 57
Ramón García Piñeiro

CAPÍTULO 4. “O povo já não tem medo”: o 25 de Abril de 1974 em


Portugal – das revoluções anticoloniais à revolução na metrópole...................... 99
Raquel Varela

PARTE 2. Os trabalhadores, golpes e ditaduras

CAPÍTULO 5. Golpe de 1964, ditadura e favelas cariocas: reflexões sobre as for-


mas de dominação de classes................................................................................... 127
Marco Pestana

CAPÍTULO 6. Os trabalhadores rurais e o regime militar no Brasil................... 153


Marta Cioccari

CAPÍTULO 7. Continuidades e rupturas no movimento


sindical brasileiro: o impacto da ditadura militar ............................................... 175
Marcelo Badaró Mattos

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Capítulo 1

O sentido histórico do Golpe de 1964 e da


ditadura e suas interpretações

Gilberto Calil

O objetivo deste capítulo é discutir, em termos bastante gerais, o sentido


histórico do Golpe de 1964 e da ditadura que se seguiu, tomando em consi-
deração os impasses e embates que condicionaram a crise política dos anos
1960, o processo de articulação do golpe e os rumos gerais da ditadura
empresarial-militar instalada em 1964. Para isso, é necessário tomar como
ponto de partida a seguinte questão: contra o que, com que objetivos e com
que finalidade histórica se efetivou o golpe e se manteve a ditadura? Dessa
questão inicial desdobra-se a necessidade de refletir sobre que explicações
e interpretações são construídas socialmente – e também na historiografia
– para responder essa questão.
Nossa proposição é que o golpe foi o resultado de uma ampla articula-
ção, envolvendo grupos civis e militares, associações da sociedade civil e
entidades de classe representativas dos diferentes setores da burguesia bra-
sileira, o que evidencia claramente que o golpe não foi fruto do improviso,
mas foi sistemática e metodicamente preparado (conforme é demonstrado
de forma detalhada e sistemática por René Dreifuss1) atendendo a interes-
ses de classe e viabilizando a afirmação de uma nova fase de desenvolvi-
mento do capitalismo brasileiro. Em vista disso, é imprescindível evitar
uma crítica superficial à ditadura, que se concentra na denúncia do que
seriam seus “excessos” – uma perspectiva que critica a tortura, a repressão
e a censura, mas que não coloca em questão o sentido social mais geral
dessa ditadura, sua vinculação com os grandes grupos econômicos e as

1
DREIFUSS, René. 1964: a conquista do Estado. Ação política, poder e golpe de classe.
Petrópolis: Vozes, 1981.

13

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transformações que promoveu no capitalismo brasileiro. Sem estabelecer


essas relações mais amplas, qualquer interpretação resta incapaz de com-
preender o sentido histórico mais geral da ditadura. Propomos, ao contrá-
rio, a busca de uma perspectiva de totalidade, que compreenda a ditadura
de forma ampla, articulando seus aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais, e buscando sistematicamente suas conexões e interrelações.

Um ponto de partida necessário: o Brasil antes de 1964

Não é possível compreender o sentido histórico do Golpe de 1964 sem to-


mar como ponto de partida uma avaliação crítica dos processos em curso
no período anterior e dos impasses e contradições que propiciaram as con-
dições necessárias à deflagração do golpe. Para isso, torna-se necessário
refletir acerca das características da democracia brasileira vigente entre
1945 e 1964, apontando seus limites e contradições.
De partida, é necessário retomar a importância e as perspectivas do
projeto populista2, hegemônico nas décadas de 1930 a 1950, tendo em vista
que a deflagração do Golpe de 1964 e a instalação de uma ditadura cons-
tituíram uma resposta (política, econômica, social e cultural) à crise do
populismo. Portanto, compreender o populismo e sua crise é condição ne-
cessária para situar devidamente o sentido histórico da ditadura.
No processo histórico brasileiro, o projeto populista se constituiu como
alternativa para a superação da modalidade oligárquico-exportadora de
desenvolvimento capitalista, organizada em torno do latifúndio monocul-
tor voltado à exportação, em associação com a burguesia comercial impor-
tadora e exportadora. A dominação oligárquica fundava-se na sistemática
utilização do aparato estatal para garantir seus interesses (por exemplo,
através da compra dos estoques cafeeiros), restringia fortemente o desen-
volvimento industrial e supria as necessidades através da importação de
artigos industrializados.

2
Optamos por não utilizar a expressão “pacto populista” tendo em vista a assimetria entre,
por um lado, a burguesia industrial que conduzia e era a principal beneficiária do proje-
to populista, e de outro os segmentos da classe média e dos trabalhadores urbanos que
apoiavam o projeto e tinham algumas reivindicações atendidas. Justificamos essa opção
em: CALIL, Gilberto. O populismo e a hegemonia burguesa na América Latina. História
& Luta de Classes, Marechal Cândido Rondon, n. 4, julho 2007, p. 27-33.

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Em contraposição, e como superação histórica dessa modalidade, o


projeto populista instalado a partir dos anos 1930 permitiu a afirmação
concreta de políticas que correspondiam aos interesses da burguesia in-
dustrial, fortalecendo-se através da obtenção de apoio de setores sociais di-
versos. No entanto, a despeito da importância do apoio de setores médios
e parcelas sindicalizadas dos trabalhadores urbanos, a condução e imple-
mentação do projeto populista foi obra, fundamentalmente, da burguesia
industrial. A grande inovação foi tornar possível a construção de uma he-
gemonia efetiva que, ao contrário da dominação exercida sob o Estado Oli-
gárquico, não se sustentava exclusivamente através da coerção, mas viabi-
lizou a produção de uma ideologia eficaz e a constituição de um conjunto
de aparatos de propaganda, mobilização e produção do consenso em torno
do projeto populista. Assim, se o populismo foi um projeto hegemônico
conduzido pela burguesia industrial, seu êxito se deve à capacidade que ela
teve de hegemonizar vastas parcelas da pequena burguesia e do proletaria-
do, obtendo seu apoio ativo para o projeto que visava colocar o Estado a
serviço de uma política de industrialização. A incorporação de segmentos
médios e da classe trabalhadora e sua mobilização favorável às reformas
populistas, ao contrário de impugnar o caráter de classe do populismo,
atesta, exatamente, sua função hegemônica, uma vez que converte vastos
setores sociais em defensores de um projeto e de uma ideologia que não
correspondem a seus interesses históricos de classe. Este elemento, no en-
tanto, era funcional ao projeto populista apenas nos períodos de expansão
econômica, quando era possível atender a demandas pontuais e específicas
das classes subalternas sem comprometer o essencial dos lucros da burgue-
sia. Em contextos de crise a situação seria muito diferente.
Nessa perspectiva, não nos parece pertinente tratar o populismo como
mera manifestação de um “estilo político”, marcado pela presença de lide-
ranças carismáticas e da demagogia, ou como forma particular de “condu-
ção das massas”. Interessa-nos, ao contrário, compreender a vigência, du-
rante determinado período histórico, de um projeto social que expressou
interesses de classe no encaminhamento de um determinado modelo de
desenvolvimento e superação da ordem oligárquica, constituindo-se assim
como projeto de desenvolvimento nacional centrado na industrialização e
no crescimento do mercado interno, sob hegemonia da burguesia nacio-
nal e com o apoio de setores médios e parcelas dos trabalhadores urba-
nos, estabelecendo algum grau de conflito (mas também de negociação)

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com as oligarquias e com o imperialismo. Sendo o populismo expressão


de uma modalidade de desenvolvimento capitalista, ainda que expressasse
a hegemonia de uma fração particular da burguesia, os conflitos com as
demais frações da classe dominante, assim como as contradições com o
imperialismo, eram mantidos dentro de limites bastante estritos. Assim,
por exemplo, na relação com a burguesia agrária, os governos populistas
brasileiros até o final dos anos 1950 promoviam, por um lado, a passagem
do eixo dinâmico do capitalismo brasileiro da agroexportação para a in-
dústria, e por outro garantiam plenas condições para a manutenção das re-
lações sociais atrasadas no campo e da estrutura latifundiária da proprie-
dade da terra, o que em geral era suficiente para neutralizar as resistências
da burguesia agrária. De forma análoga, o conflito com o imperialismo era
limitado, já que a industrialização era restrita e não rompia com a posição
subordinada do país na divisão internacional do trabalho, continuando a
fornecer produtos agrícolas a baixo preço e a subordinar-se ao mecanismo
endividamento externo / pagamento de juros.
É necessário ressalvar que o período não é homogeneamente populista.
O governo Dutra é a exceção mais evidente, claramente subordinado aos in-
teresses do imperialismo e da burguesia comercial. O governo de Juscelino
Kubitschek, por sua vez, embora tenha se mantido em termos gerais dentro
dos parâmetros da política populista, mantendo determinadas concessões
aos trabalhadores, deu início à implementação de uma nova modalidade de
desenvolvimento capitalista, através da atração de capitais externos para a
passagem a uma nova fase de industrialização. Essa modalidade se consoli-
daria e se aprofundaria durante a ditadura, na forma de um projeto de desen-
volvimento associado-dependente, com forte presença de capitais externos,
contração dos padrões salariais e colossal crescimento da dívida externa.
A democracia vigente no Brasil era extremamente limitada e marcada
por traços autoritários e continuidades provenientes da ditadura estado-
novista. Sua origem remonta à força particular de derrocada daquela di-
tadura e o triunfo de uma perspectiva particularmente conservadora nos
embates sociais e políticos travados entre 1942 e 1945.3 Naquele momento,

3
CALIL, Gilberto. Quem derrubou o Estado Novo Brasileiro? Reflexões sobre as cons-
truções historiográficas em torno da democratização de 1945. In: PIMENTEL, Irene; RE-
ZOLA, Maria Inácia. Democracia, Ditadura: Memória e Justiça Política. Lisboa: Tinta da
China, 2013. p.87-107

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confrontaram-se dois projetos de democratização antagônicos e incompa-


tíveis: de um lado, um projeto que concebia a democracia em termos bas-
tante amplos, e que tomou forma nas greves operárias organizadas através
de comissões de fábricas, nas manifestações estudantis e nas mobilizações
antifascistas. De outro lado, o projeto liberal e excludente que foi vitorioso,
que conduziu uma “democratização” centrada quase exclusivamente na
deposição de Vargas, preservando inteiramente os instrumentos de con-
trole sobre a classe trabalhadora e mantendo limites muito estreitos à li-
berdade de organização e de manifestação. Os liberais criticavam Vargas
por ser um “ditador”, mas ao mesmo tempo, e de forma paradoxal, tam-
bém o criticavam por não reprimir as manifestações públicas e as greves.4
Organizavam sua proposição a partir de um modelo de democracia com
participação restrita e controle corporativo sobre trabalhadores. A forma-
ção da União Democrática Nacional (UDN) – principal força de oposição
ao projeto populista e ao mesmo tempo principal articuladora de intentos
golpistas entre 1945 e 1964 – foi o produto institucional da união dos vá-
rios grupos liberais conservadores e antipopulares que compartilhavam
desta perspectiva.
A visão antipopular da UDN e sua ojeriza às massas populares são sin-
tetizadas em um texto publicado na revista Anhembi cinco anos depois, no
contexto da eleição de Vargas à presidência da República em 1950:

No dia 3 de outubro, no Rio de Janeiro, era meio milhão de miseráveis,


analfabetos, mendigos famintos e andrajosos, espíritos recalcados e res-
sentidos, indivíduos tornados pelo abandono homens boçais, maus e vin-
gativos, que desceram os morros embalados pela cantiga da demagogia
berrada de janelas e automóveis, para votar na única esperança que lhes
restava: naquele que se proclamava pai dos pobres, o messias charlatão.5

Com a deposição de Getúlio Vargas através de um golpe militar em 29


de outubro de 1945, constituiu-se um governo provisório, tendo à frente
o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, que colocou em
prática algumas das perspectivas mais conservadoras dos “liberais”, re-

4
ALMINO, João. Os democratas autoritários. São Paulo: Brasiliense, 1980.
5
DUARTE, Paulo. Editorial. Revista Anhembi, São Paulo, n. 1, p. 3, 1950.

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primindo violentamente o movimento operário e mantendo em vigor a


Constituição ditatorial até que fosse promulgada a nova Constituição, o
que evidentemente limitou a expressão das manifestações populares e o
avanço organizativo das forças de esquerda. Suas primeiras medidas, em
pleno processo eleitoral, foram a prisão provisória de lideranças sindicais
e integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCB) e a revogação da Lei
Antimonopólio que tinha sido recentemente assinada por Getúlio Vargas.6
Nesse contexto, a eleição do general Eurico Gaspar Dutra, ainda que
representasse uma derrota eleitoral para a UDN, foi um resultado sob me-
dida para seguir levando adiante tal projeto. Embora eleito com o apoio de
Vargas, Dutra logo rompeu politicamente com ele e chegou a ter a partici-
pação da UDN em seu governo, marcado por uma intensa e sistemática re-
pressão à esquerda, pela intervenção em sindicatos e pela repressão policial
às manifestações. Já em março de 1946, promoveu a Chacina do Largo da
Carioca, no Rio de Janeiro, repressão brutal contra manifestação promovi-
da pelo PCB que deixou vários mortos e dezenas de feridos. Dutra manteve
em vigência a Lei de Segurança Nacional e a Constituição de 1938, e foi
sob estas bases e nesse contexto de limitação das liberdades democráticas
que trabalhou a Assembleia Constituinte e que se produziu a nova Cons-
tituição. Sobretudo o governo Dutra tutelou o trabalho da Constituinte
criando “fatos consumados” através de decretos-leis que eram incorpora-
dos à Constituição. O caso mais evidente é o que se refere ao direito de
greve: no momento em que a Assembleia Constituinte aprovou o texto que
reconhecia esse direito, “na forma da regulamentação complementar”, esta
já tinha sido imposta por Dutra, através do Decreto 9070, que estabelecia
que “a solução dos dissídios do trabalho deve subordinar-se à disciplina do
interesse coletivo, porque nenhum direito se deve exercer em contrário ou
com ofensa a esse interesse”.7
Produziu-se, dessa forma, uma democracia fortemente limitada, que
acrescentava aos limites intrínsecos do paradigma liberal da democracia

6
CALIL, Gilberto. As disputas acerca da democratização brasileira na década de 1940: luta
de classes e reafirmação da hegemonia burguesa. In: ANTOGNAZZI, Irma; REDONDO,
Nilda. Hacer la Historia, un desafio. Rosario: Grupo de Trabalho Hacer la Historia, 2007.
7
Apud CALIL, Gilberto. O integralismo no processo político brasileiro: O PRP entre 1945 e
1964 – cães de guarda da ordem burguesa. Niterói, 2005. Tese de Doutorado em História
– Universidade Federal Fluminense. 834p.

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representativa8 outras limitações impostas pela articulação entre liberais


udenistas e anticomunistas autoritários articulados em torno de Dutra e
do Partido Social Democrático (PSD). Dentre essas limitações adicionais,
destaca-se a proibição de partidos “antidemocráticos”, que transferia para
o Tribunal Superior Eleitoral a definição dos critérios e o julgamento de
quem era ou não democrático. A proibição do funcionamento do Partido
Comunista do Brasil, julgado como “antidemocrático”, seguida pelo julga-
mento que considerou “democrático” o Partido de Representação Popular,
que congregava os militantes do integralismo brasileiro, é muito elucida-
tiva dos objetivos desta norma constitucional e da forma discricionária
como foi aplicada. Posto novamente na clandestinidade dois anos depois
de ter recuperado sua existência legal, e com os mandatos de todos os seus
parlamentares cassados, o PCB permaneceria sem registro partidário até
1985. A esta restrição central, acrescentavam-se inúmeras distorções e li-
mitações adicionais, como o mecanismo de sobras (que concedia ao par-
tido mais votado todas as sobras do quociente eleitoral dos demais e com
isso aumentava significativamente suas bancadas), e a distorção na pro-
porcionalidade da distribuição das cadeiras entre os estados, aumentando
artificialmente a representação dos estados menos populosos e tendencial-
mente sob maior controle dos grupos conservadores e oligárquicos.
O eixo articulador da nova democracia era a manutenção de estrito con-
trole sobre a classe trabalhadora, e essa característica imprimiu a dinâmica
das lutas e resistências durante os quase vinte anos em que tal democracia
subsistiu. Além da restrição ao direito de greve, foram mantidos todos os
mecanismos da legislação corporativista, muito especialmente a compreen-
são política e jurídica de que o sindicato é um órgão do Estado e não um
organismo da classe trabalhadora, e, portanto, seu reconhecimento é feito
pelo Ministério de Trabalho e não pelo conjunto dos trabalhadores de for-
ma autônoma. A Justiça do Trabalho manteve-se em posição de forte poder,
com direito a decidir sobre a legalidade ou não das greves. Além disso, man-
teve-se em pleno funcionamento o aparato repressivo da polícia política, em
particular através do Departamento de Ordem Política e Social.9

8
WOOD, Ellen. Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico.
São Paulo: Boitempo, 2003.
9
OLIVEIRA, Nilo Dias. A configuração do sistema nacional de repressão ao governo JK
(1956 a 1961). São Paulo, 2013. Tese de Doutorado em História –Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.

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A restrição às liberdades políticas se complementava com os limites im-


postos contra as manifestações públicas (subordinadas à aprovação prévia
e determinação do local pela polícia), a proibição da realização de passe-
atas, a manutenção da possibilidade de censura política e moral e a previ-
são legal da demissão dos funcionários públicos suspeitos de simpatia ao
comunismo.
É possível concluir esta breve revisão crítica sobre as condições da de-
mocracia brasileira que se afirmou nos anos 1940 e subsistiu – com tensões
e disputas – até o Golpe de 1964, com a síntese do historiador Antonio
Mendes de Almeida:

A partir de 1947, por conseguinte, o que se observa é a estruturação da


democracia liberal tal como sempre a viram os donos do poder, ou seja,
com qualquer movimento ou organização de massas sufocado e/ou atrela-
do ao aparelho burocrático do Estado, a par da manutenção das liberdades
e garantias individuais, afiançadas pela Constituição. Liberal na forma,
herdeiro do autoritarismo característico dos anos trinta no conteúdo, eis
possivelmente uma descrição sumária do governo Dutra e da nova ordem
política.10.

A crise do populismo e a articulação do Golpe

A despeito de todos os limites e controles impostos contra as classes su-


balternas desde 1945, os poucos espaços de liberdade foram utilizados,
e durante o chamado “período democrático” há um progressivo cresci-
mento das resistências e mobilizações populares. No início da década de
1960 tais avanços são sobredeterminados pelo esgotamento do processo
de substituição de importações, eixo da estratégia econômica do populis-
mo. Propomos aqui apresentar brevemente algumas transformações eco-
nômicas, sociais e políticas que inviabilizavam a manutenção do “pacto
populista” e determinaram a necessidade de passagem a uma nova fase do

10
ALMEIDA JÚNIOR, Antônio Mendes. Do declínio do Estado Novo ao suicídio de
Vargas. In: FAUSTO, Bóris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. Volume III:
O Brasil Republicano. Tomo 3: Sociedade e Política 1930-1964. 5a edição. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1991. p. 227-255. P. 244.

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capitalismo brasileiro, determinantes para o planejamento e deflagração


do Golpe de 1964.
No início da década de 1960, um amplo conjunto de transformações
econômicas, sociais e políticas impunha sérios obstáculos à hegemonia
do projeto populista, e para grande parcela da classe dominante brasileira,
tornava necessária sua superação. Em termos sociais, a crise do populis-
mo se expressou através do crescimento da mobilização e da radicalização
do conjunto dos setores subalternos, bem como a correspondente reação
dos grupos dominantes: Os trabalhadores urbanos passaram por nítido
processo de amadurecimento de suas mobilizações e organização sindi-
cal, cujas raízes podem ser remetidas à grande “greve dos trezentos mil”
de 1953. No início dos anos 1960 e especialmente depois da renúncia de
Jânio Quadros, intensificaram-se as mobilizações e greves de caráter ex-
plicitamente político, defendendo a democratização do Estado e aprovação
de reformas amplas, que transcendiam a especificidade de cada categoria
de trabalhadores. Ao mesmo tempo, aumentavam as mobilizações por re-
formas econômicas mais profundas, sintetizadas na defesa das chamadas
“reformas de base”, pela crescente ampliação das conquistas sociais ou con-
cessões obtidas durante o período de expansão e crescimento econômico,
e a exigência de maior liberdade de organização sindical.
Ainda mais desafiadora aos limites impostos pelo populismo foi a
ativação política dos trabalhadores rurais, com a constituição das Ligas
Camponesas e dos sindicatos rurais, a reivindicação em torno da extensão
dos direitos sociais ao campo e a defesa da reforma agrária. Ainda que do
ponto de vista econômico tais reivindicações não fossem incompatíveis
com o projeto populista, eram politicamente explosivas, pois liquidavam
qualquer disposição da burguesia agrária em aceitar a direção política do
bloco político constituído sob a direção da burguesia industrial.
Os setores intermediários dividiram-se politicamente, com frações da
alta classe média defendendo posições reacionárias e antipopulares, ao
mesmo tempo em que ocorria um crescimento das mobilizações e a radica-
lização política da baixa classe média, inclusive com a conformação de um
sindicalismo de classe média (bancários, comerciários, professores). Des-
taca-se ainda a politização do movimento estudantil universitário, dentro
de uma perspectiva de articulação com o conjunto das classes subalternas.
No que se refere às classes dominantes, é de se destacar a violenta reação
da burguesia agrária contra qualquer discussão em torno da reforma agrá-

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ria, o que no contexto do governo de João Goulart implicou recusa explícita


e ativa do projeto populista. Do ponto de vista partidário, a burguesia agrá-
ria tinha presença especialmente forte em dois partidos: a UDN, tradicional
oposição ao populismo, e o PSD, que constituía a fração conservadora da
“aliança populista” que permitiu a eleição de Juscelino Kubitschek à presi-
dência em 1955 e de João Goulart à vice-presidência em 1955 e 1960. Tendo
isso em vista, é clara a conexão entre a reação social da burguesia agrária
contra a mobilização política dos trabalhadores rurais e a trajetória política
do PSD que desembocou em seu rompimento com o governo de João Gou-
lart. Da oposição ao populismo e ao governo que o expressava politicamen-
te à defesa de uma ordem política abertamente repressiva foi o percurso que
percorreram o PSD e a burguesia agrária entre 1962 e 1964.
A situação complicava-se, no entanto, com a reconfiguração interna da
burguesia industrial, cada vez mais atravessada por interesses em torno
do aprofundamento de um modelo associado e dependente de desenvol-
vimento capitalista, que implicava evidentemente a ruptura com as pre-
missas e práticas do populismo. Pressionada, de um lado, pelo temor em
relação à radicalização política e emergência dos grupos subalternos; e de
outro pela preocupação com a perda de fôlego da economia organizada
em torno da industrialização por substituição de importações, a burguesia
industrial não teve grandes dificuldades em avançar para a defesa de uma
reconfiguração política, aprofundando uma composição entre as distintas
frações da grande burguesia (industrial, agrária, comercial) e o imperialis-
mo, em torno do esmagamento dos movimentos populares e da superação
da ordem populista nos marcos de um regime político abertamente repres-
sivo. É basicamente este o processo estudado por Dreifuss, que observa a
articulação dos diferentes setores da burguesia brasileira em torno do Gol-
pe de 1964, através do complexo IPES/IBAD, como discutiremos adiante.
Em texto publicado em 1969, Ruy Mauro Marini expressou com extrema
clareza a opção política feita pela burguesia brasileira naquele contexto:
“A burguesia brasileira finalmente aceitou o papel de sócio menor em sua
aliança com os capitais estrangeiros e decidiu intensificar a capitalização
rebaixando ainda mais o nível de vida popular e promovendo radical con-
centração de renda”.11 Essa opção não é apenas política, mas tem explica-

11
MARINI, Ruy Mauro. A Dialética da Dependência. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 47.

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O sentido histórico do Golpe de 1964 e da ditadura e suas interpretações 23

ções igualmente relacionadas ao estágio de desenvolvimento da economia


brasileira à época.
O capitalismo brasileiro chegara a um impasse, com o esgotamento do
modelo de substituição de importações e da industrialização baseada no
mercado interno, que tinha atingido um limite histórico na configuração
vigente, o que se expressou na nítida redução dos índices do crescimento
econômico, tendendo à estagnação. Ao mesmo tempo, fortaleciam-se se-
tores diretamente vinculados ao capital externo e, portanto, interessados
em aprofundar um rompimento com o paradigma populista. Virgínia
Fontes e Sonia Mendonça indicam que este processo remonta ao governo
Kubitschek:

A partir da década de 50, algumas alterações de extrema importância


ocorreram no processo industrial, com a súbita criação da indústria de
bens de consumo duráveis. Na gestão Kubitschek (1956-1961), o Plano de
Metas, a construção de Brasília e principalmente o estímulo à entrada de
capitais estrangeiros, impulsionaram a produção automobilística, seguida
de perto pela de eletrodomésticos. Esse setor industrial, composto pelo
grande capital internacional (embora admitindo sócios locais), rapida-
mente constituiu-se no motor de arranque da economia, exigindo, entre-
tanto, elevado fluxo de importações para montagem de equipamentos e
envio de lucros a suas matrizes.
Quanto ao setor de bens de consumo, embora não fosse agora o mais
dinâmico, era ainda responsável pela maior parte da produção industrial:
em 1958, contribuiu com 52,5% do total da produção, e em 1962, com
43,5%.12

Frente a essa situação, em especial à perda de importância relativa da


produção de bens de consumo em virtude do esgotamento do mercado in-
terno e do processo de substituição de importações, a única alternativa que
permitiria um novo fôlego ao projeto populista passava necessariamente
pela ampliação do mercado interno, através da promoção de uma ampla
reforma agrária, paralelamente à extensão dos direitos sociais ao campo,

12
FONTES, Virgínia; MENDONÇA, Sonia. História do Brasil recente, 1964-1980. 2. edi-
ção. São Paulo: Ática, 1991, p. 8-9.

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24 Trabalhadores e ditaduras

com o que poderia incorporar uma enorme massa de mais de cinco mi-
lhões de trabalhadores rurais ao mercado consumidor brasileiro, abrindo
uma nova fase de expansão da indústria brasileira de bens de consumo
rápido e ampliando as bases do desenvolvimento do capitalismo brasilei-
ro. Esse processo se complementaria com as demais “reformas de base”:
reforço do setor público estratégico, nacionalização do sistema financeiro
e rompimento com Fundo Monetário Internacional, expansão da rede pú-
blica universitária e restrições à remessa de lucros ao exterior. É necessário
reconhecer, no entanto, que tal alternativa estava muito além dos interes-
ses da burguesia brasileira, seja em virtude de seu temor relativo à radica-
lização política dos setores subalternos, seja porque parcelas importantes
dessa burguesia já vislumbravam alternativas menos custosas através do
aprofundamento do vínculo com o grande capital transnacional. A radical
oposição dos demais setores da burguesia (agrária, comercial) e a ingerên-
cia direta do imperialismo, através da embaixada dos Estados Unidos, con-
solidavam a inviabilidade política dessa alternativa que, de forma parcial e
fragmentada, foi empreendida pelo governo João Goulart. Essa alternativa
era inviável nos marcos do populismo, pois a politização e a ação autôno-
ma dos subalternos extrapolavam inteiramente os limites que viabiliza-
vam a aliança política em torno do populismo, e em especial a emergên-
cia política dos trabalhadores rurais potencializava a crise e impulsionava
politicamente a reação. Em síntese, enquanto a mobilização política dos
subalternos explodia os esquemas políticos tradicionais, a proposição de
uma ampla reforma agrária subvertia as bases políticas do populismo.
A outra alternativa – que se efetivou através do Golpe de 1964 e da
instalação da ditadura – tinha sentido social e político diametralmente
oposto. Implicou a efetivação da passagem a uma nova fase de industria-
lização – centrada na produção de bens de consumo durável, de alto valor
agregado, e de bens de capital – através de três medidas básicas tomadas
de forma articulada: a associação subordinada ao capital externo; a radical
contração dos níveis salariais e dos direitos dos trabalhadores, aumentan-
do a taxa de lucro e, com isso, acentuando as “vantagens comparativas”
através das quais se buscava atrair novos capitais; e a promoção de violenta
concentração de renda, criando uma alta classe média com elevado nível
de consumo que constituiria mercado consumidor dos bens de maior valor
agregado que sustentariam esta nova fase. Sobretudo o chamado “Milagre
Brasileiro” dos anos 1970 expressou a efetivação dessa alternativa, ainda

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O sentido histórico do Golpe de 1964 e da ditadura e suas interpretações 25

que seu êxito tenha sido efêmero e seus limites conduziram à crise da dí-
vida dos anos 1980.
Observado o processo histórico a partir dessa perspectiva, fica nítido
que não é razoável separar os aspectos políticos, sociais e econômicos da
chamada “crise do populismo”. Só a sua compreensão de forma articula-
da permite superar simplificações empobrecedoras, como, por exemplo, a
responsabilização pessoal de João Goulart – seja acusando-o de “incom-
petente”, seja de “radical” –, que separa o sujeito do processo histórico e da
teia de relações sociais dentro das quais suas ações tomam sentido.13
Além disso, cabe destacar uma questão de fundo: não era possível im-
por as profundas transformações econômicas de que necessitava o capita-
lismo brasileiro – e a regressão social que lhe era intrínseca, em especial no
que se refere à contração da remuneração do trabalho – dentro da ordem
política vigente até 1964, pois a despeito dos limites da democracia então
vigente, a reversão do conjunto das conquistas obtidas pelos trabalhadores
só seria possível em uma ordem aberta e integralmente repressiva, com
plena vigência do terrorismo de Estado contra o conjunto das organiza-
ções e movimentos das classes subalternas. Portanto, do ponto de vista
das classes dominantes e de sua opção histórica então consolidada, era
imprescindível a deflagração de um golpe de Estado e a imposição de uma
Ditadura de Segurança Nacional fundada no terrorismo de Estado. Essa
“racionalidade” do processo não pode ser perdida de vista na análise dos
diferentes movimentos que levaram ao golpe e das diferentes conjunturas
que marcaram a ditadura.

A burguesia brasileira e a articulação do Golpe de 1964

A compreensão aqui proposta do sentido histórico do Golpe de 1964 e da


ditadura que então se instalou toma como principal referência a extraor-
dinária pesquisa de René Dreifuss, que comprova o papel protagonista da
grande burguesia brasileira – em particular o que o autor denomina de
“bloco multinacional e associado” – à frente da preparação do golpe, e tam-

Este procedimento é bastante frequente e marca diversas interpretações “revisionistas”


13

em torno do golpe, como discutiremos adiante.

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26 Trabalhadores e ditaduras

bém na condução da política econômica da ditadura, muito especialmen-


te no governo do General Humberto Castelo Branco.14 Dreifuss identifica
no complexo IPES/IBAD (constituído pela articulação entre o Instituto de
Pesquisa Econômicas e Sociais e o Instituto Brasileiro da Ação Democráti-
ca) a iniciativa na preparação do golpe e também a ocupação de posições-
chave de poder durante a ditadura.
Tanto o IPES como o IBAD constituíram-se formalmente em 1961, mas
a perspectiva que expressam, de acordo com Dreifuss, tem raízes nas crí-
ticas de alguns de seus protagonistas aos “excessos inflacionários e estilo
populista” de Juscelino Kubitschek, ainda no final dos anos 1950.15 Em me-
ados de 1961, “uma série de reuniões informais lideradas por empresários
nas casas de proeminentes homens de negócio de São Paulo e do Rio ini-
ciou abertamente um estágio no processo onde as diferentes organizações
de classe e órgãos do governo começaram a pregar mudanças fundamen-
tais na economia e no sistema político”.16 Estes encontros impulsionaram a
fundação do IPES por um conjunto de empresários unificados pelas “suas
relações econômicas multinacionais e associadas, o seu posicionamento
anticomunista e a sua ambição de readequar e reformular o Estado”.17
Desde então, e até a consolidação da ditadura, o complexo IPES/IBAD
manteve intervenção articulada e sistemática na política brasileira, finan-
ciando campanhas eleitorais e políticas, disseminando posições anticomu-
nistas, divulgando propostas para reestruturação do Estado e da econo-
mia, e participando diretamente das articulações que conduziram o golpe
de Estado. Para isso, contaram com farto financiamento, tanto da gran-
de burguesia brasileira associada, como do grande capital multinacional
instalado no Brasil. A pesquisa de Dreifuss tem o mérito de evidenciar a
articulação sistemática entre as ações e os interesses da grande burguesia
brasileira associada, que se convertia em hegemônica com o grande capital
transnacional. Percebe-se claramente, assim, que o imperialismo não agia
apenas como elemento “externo”, mas também através de agentes internos

14
Ressaltamos a importância das medidas econômicas implementadas e sua articulação
com as políticas repressivas já durante este primeiro governo da ditadura, tendo em vista
o atual movimento revisionista de relativização de seu caráter ditatorial, conforme discu-
tiremos adiante.
15
DREIFUSS, op. cit., p. 162.
16
Ibid., p. 163.
17
Ibid., p. 163.

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O sentido histórico do Golpe de 1964 e da ditadura e suas interpretações 27

a ele associados e vinculados, que partilhavam dos mesmos interesses e


buscavam a viabilização de um mesmo projeto. Entre meados de 1962 e
março de 1964, o IPES produziu farta propaganda golpista (revistas, fo-
lhetos, livros, filmes), organizou manifestações de massa (culminando nas
Marchas da Família com Deus pela Liberdade de março e abril de 1964)
e apoiou a atividade conspiratória no interior das Forças Armadas. A or-
ganização das marchas, por exemplo, sob coordenação do IPES, teve a
participação de federações da indústria e do comércio, da Sociedade Ru-
ral Brasileira, da Ordem dos Advogados do Brasil, da Igreja Católica e de
parlamentares, governadores e secretários de estado de São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
É impossível reproduzir aqui o conjunto de informações que funda-
mentam a interpretação de Dreifuss de que o IPES tornou-se o estado
maior para a ação ideológica, política e militar da burguesia brasileira e
permitiu a unificação dos diferentes setores da burguesia brasileira – in-
dustrial, comercial e agrária – em torno do golpe de Estado. Apenas a títu-
lo de exemplo, registre-se que na campanha eleitoral de 1962 mais de U$5
milhões foram aplicados no financiamento de candidaturas anticomunis-
tas em todo o país. Dreifuss registra que naquela eleição “a elite orgânica,
por intermédio da rede IPES / IBAD / ADEP / ADP / Promotion S.A. havia
financiado 250 candidatos a deputado federal, 600 a deputado estadual, 8
a governos estaduais e vários senadores, prefeitos e vereadores”.18 Ainda
que este financiamento tenha sido insuficiente para impedir o avanço das
candidaturas reformistas (João Goulart e o PTB obtiveram claro aumen-
to da bancada favorável às reformas), certamente foi decisivo para limitar
tal avanço e com isso impedir a aprovação parlamentar das reformas. Os
resultados obtidos consolidaram uma bancada diretamente vinculada ao
IPES/IBAD: “De um total de 110 parlamentares cujo mandato dependia
de financiamento da rede IPES / IBAD / ADEP que, em troca, comprava a
posição de cada um contra as reformas estruturais reivindicadas pelo exe-
cutivo nacional-reformista, 46 pertenciam à UDN, 37 ao PSD, 5 ao PRP, 5
ao PTB, 4 ao PTN, 4 ao PSP, 3 ao PDC, 3 ao PL, um ao PR, um ao PRT e um
ao MTR.19 Dentre os governadores eleitos, eram diretamente vinculados

18
Ibid., p. 331.
19
Ibid., p. 331.

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28 Trabalhadores e ditaduras

ao esquema Ildo Meneghetti (RS), Lomanto Júnior (BA) e Virgílio Távora


(CE), que somavam-se aos governadores conservadores de Minas Gerais
(Magalhães Pinto) e Guanabara (Carlos Lacerda), eleitos ainda em 1960.20
A pesquisa de Dreifuss demonstra claramente que a intervenção política
da burguesia multinacional associada enseja a conformação de um novo blo-
co de poder, que se expressaria integralmente na condução da ditadura. Isso
é resumido na conclusão da obra: “O novo bloco de poder deu origem a uma
elite orgânica, cujos diversos estágios de organização para a ação e seus es-
forços para moldar tanto a economia quanto o sistema político, a fim de favo-
recer seus interesses e consolidar sua expansão foram descritos [no livro]”.21
Para isso, o IPES cumpriu papel decisivo, como “organização de classe que
reunia a elite orgânica do novo bloco de poder e que expressava, integral-
mente, a ideologia subjacente aos interesses financeiro-industriais multina-
cionais e associados”.22 Dessa forma, na articulação e construção do Golpe
de 1964, inclusive promovendo cisão na base do populismo junto aos estratos
superiores: “As classes dominantes, sob a liderança do bloco multinacional
e associado, empreenderam uma campanha ideológica e político-militar em
frentes diversas, através de uma série de instituições e organizações de classe,
muitas das quais eram parte integrante do sistema político populista”.23
Dreifuss conclui apresentando a conexão entre a ação orgânica do blo-
co multinacional associado, sua intervenção no encaminhamento do Gol-
pe de 1964 e sua ação concreta, já no contexto da ditadura, para a efetiva-
ção de sua plataforma política de reestruturação do sistema político e da
economia brasileiro:

Uma vez no poder, o bloco financeiro-industrial multinacional e associa-


do, ao procurar uma redefinição dos critérios de inclusão/exclusão no sis-
tema político, não limitou sua atenção somente às classes trabalhadoras. O
bloco de poder multinacional e associado impôs uma nova relação entre
o Estado, as classes dominantes e ele próprio, que implicava a rejeição do

20
Em São Paulo, embora o IPES/IBAD tenha apoiado um candidato que foi derrotado
(José Bonifácio Coutinho Nogueira), o governador eleito (Adhemar de Barros) incorpo-
rou-se à articulação golpista e teve papel protagônico na articulação da Marcha da Família
com Deus pela Liberdade.
21
Ibid., p. 482.
22
Ibid., p. 482
23
Ibid., p. 483.

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O sentido histórico do Golpe de 1964 e da ditadura e suas interpretações 29

bloco oligárquico-industrial populista e de seus mecanismos de represen-


tação e controles de classe. O novo bloco de poder rejeitou a ordem política
anterior e procurou estabelecer um regime tecno-empresarial, protegido e
apoiado pelas Forças Armadas, um regime tal que os políticos se tornaram
ancilares e, no processo, perderiam seu papel central.
A nova relação entre o Estado, as classes dominantes e o bloco de poder
multinacional e associado permitiu ao IPES moldar o processo de moder-
nização econômica. Os anéis burocrático-empresariais foram consolida-
dos. Os grupos econômicos que não pertenciam ao bloco de poder finan-
ceiro-industrial multinacional e associado foram excluídos dos processos
principais de formulação de diretrizes.
O fato de industriais e banqueiros, como membros do IPES ou for-
temente relacionados a ele, ocuparem os postos-chave de formulação de
uma política econômica e de exercerem cargos públicos como ministros e
burocratas de alto escalão, permitiu que o IPES agisse como um verdadei-
ro mediador de poder, pois era um agente político e ideológico que fazia
parte tanto das classes dominantes quanto do Estado.24

Dessa forma, o sentido histórico do Golpe e da implantação da ditadura


é claramente captado, podendo-se afirmar que “foi o bloco de poder lide-
rado pelo IPES que reorganizou o Estado e, sob controle da elite orgânica,
tentou consolidar sua posição”.25 A obra de Dreifuss, assim, propiciou uma
interpretação acerca do golpe com uma perspectiva de totalidade, que arti-
cula elementos econômicos e políticos e identifica no bloco multinacional
e associado, reunindo a grande burguesia brasileira e capitais externos, o
principal sujeito social que impulsionou o governo e determinou os rumos
gerais da ditadura.

Uma historiografia revisionista

A tese de Dreifuss recebeu críticas desde seu lançamento, em sua maioria


provenientes de perspectivas que sublinhavam a “autonomia” da institui-
ção militar e seu protagonismo na preparação e desencadeamento do golpe.

24
Ibid., p. 485.
25
Ibid., p. 487.

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30 Trabalhadores e ditaduras

Uma crítica que teve repercussão importante foi a produzida pela cientista
política Argelina Figueiredo, que de acordo com a avaliação crítica do histo-
riador Demian Bezerra de Melo, “desloca o foco de sua explicação da direita
civil e militar, do IPES, da embaixada dos EUA etc., para corresponsabilizar
aqueles que, em 1964 foram apeados do poder. Ao mesmo tempo, acusa a
tese de Dreifuss de tornar o golpe como algo ‘inevitável’, já que os ‘conspira-
dores são vistos como onipotentes’”26. No entanto, foi na última década que a
interpretação de Dreifuss passou a ser criticada de forma sistemática, a par-
tir de uma orientação claramente amenizadora na forma de compreender a
ditadura e que claramente deixa de pretender uma perspectiva totalizante.
No contexto da preparação para os quarenta anos do golpe, a obra de
Elio Gaspari radicalizou tal perspectiva, afirmando que “Havia dois golpes
em marcha. O de Jango viria amparado no ‘dispositivo militar’ e nas bases
sindicais, que cairiam sobre o Congresso, obrigando-o a aprovar um paco-
te de reformas e a mudança das regras do jogo da sucessão presidencial”.27
Nessas avaliações, perde-se de vista a perspectiva de totalidade do proces-
so e o seu sentido geral, substituindo-os por uma condenação individual,
que responsabiliza o presidente João Goulart pelo rumo que tomaram os
acontecimentos, seja pela sua suposta incompetência, seja pelo seu suposto
radicalismo ou por seu suposto “golpismo”. Em qualquer destas alterna-
tivas, a crise de acumulação capitalista, os impasses do projeto populista
e as articulações golpistas deixam de ser consideradas ou são relegadas à
condição secundária.
Mais recentemente, no contexto dos cinquenta anos do Golpe de 1964,
alguns historiadores, através de novas publicações e de intervenções no de-
bate público, radicalizaram as perspectivas relativistas em relação ao golpe
e à ditadura, inclusive propondo uma redefinição dos marcos cronológicos
que datam a duração da ditadura, promovendo seu encurtamento.
O historiador Daniel Aarão dos Reis Filho, em livro recentemente lan-
çado,28 defende que a ditadura encerrou-se em 1979, sendo substituída en-

26
MELO, Demian Bezerra. Golpe de 1964 e meio século de controvérsias: o estado atual
da questão. In: MELO, Demian Bezerra (org). A miséria da historiografia: uma crítica ao
revisionismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2014. p. 157-188, p. 160.
27
GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo, Companhia da Letras, 2002, p. 53
28
REIS FILHO, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar,
2014.

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O sentido histórico do Golpe de 1964 e da ditadura e suas interpretações 31

tão por um período de “transição” que já não mais poderia ser qualificado
como ditadura. Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, Aarão é
explícito em sua proposição: “Depois de 1979, deixou de haver um estado
de exceção no Brasil. Subsistiu um Estado de Direito autoritário, sem dú-
vida, marcado pelo chamado “entulho autoritário”, que só seria revogado
pela Constituição de 1988. Entre 1979 e 1988, o país conheceu um período
de transição – ainda não havia um Estado de Direito democrático, mas já
não existia ditadura”.29 Esta perspectiva foi criticada por Mário Maestri
Filho, para quem Reis Filho adota uma perspectiva formalista que con-
funde respeito formal a normas institucionais com democracia. Maestri
Filho contrapõe ao procedimento de Reis Filho o núcleo central da pro-
posição de Dreifuss: “O caráter essencialmente burguês do golpe militar
de 1964 é questão patente para a historiografia não formalista. É ideia há
muito consolidada que, em 1964, a ruptura da gestão civil e a administra-
ção do Estado e da sociedade pelo alto mando militar foi projeto proposto,
avançado e sustentado pelo bloco proprietário dominante no país, já sob
a direção da burguesia industrial, sobretudo paulista”.30 Reis Filho tam-
bém critica a utilização do termo ditadura militar, enfatizando o caráter
“civil-militar” do golpe e da ditadura, em perspectiva claramente distinta
daquela adotada por Dreifuss, conforme aponta Melo: “Em vez de o termo
‘civil-militar’ se ligar à participação de fortes interesses classistas tanto na
articulação golpista quanto no caráter do regime ditatorial, parte da his-
toriografia vem defendendo a mistificação calcada na ideia de algo como
uma cumplicidade da ‘sociedade brasileira’ com a ditadura, como se fosse
possível a existência de uma tal ‘sociedade’, como uma coisa homogênea”.31
Outro autor que vem avançando na proposição de interpretações revi-
sionistas é Marco Antonio Villa, que foi consultor e revisor da obra de Elio
Gaspari e retoma algumas de suas proposições, como a desqualificação
pessoal de João Goulart e o encurtamento da ditadura. Seu recente livro

29
Idem. A ditadura Cronológica. Folha de São Paulo, São Paulo, 26 mar. 2014, p. 3.
30
MAESTRI FILHO, Mário José. O homem que encurtou a democracia. Correio da Cida-
dania, 2014. O artigo citado está na edição 909 de 20/05/2014, disponível em: <http://www.
correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9627:edi-
cao-909-12052014-a-18052014&catid=35:arquivos-do-correio&Itemid=79>. Acesso em:
20/09/2014.
31
MELO, op. cit., p. 168.

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32 Trabalhadores e ditaduras

Ditadura à brasileira32 é farto na adjetivação contra João Goulart e retoma


a ideia de que o que ocorreu em 1964 foi um “contragolpe preventivo”, o
que, como bem observou Melo, é “uma tese, aliás, que nada mais é do que
o argumento dos verdadeiros golpistas”.33 Em artigo recente, Villa reforça a
perspectiva de que Goulart era “golpista” e “incompetente”: “Era tributário
de uma tradição golpista, típica da política brasileira da época. Nunca fez
questão de esconder seu absoluto desinteresse pelas questões mais com-
plexas da administração”.34 Com tal simplificação, uma vez mais, deixam
de ser considerados os impasses estruturais do capitalismo brasileiro e as
articulações empreendidas pela burguesia para a produção do golpe. Mas
Marco Villa vai além e radicaliza o encurtamento da ditadura. Enquanto
Reis Filho propôs a revisão no marco de encerramento da ditadura, e Gas-
pari qualificou os primeiros anos da ditadura através da expressão ameni-
zadora “ditadura envergonhada” – que ainda assim era qualificada como
ditadura, Villa defende que “não é possível chamar de ditadura o período
1964-1968 (até o AI-5), com toda a movimentação político-cultural. Muito
menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições
para os governos estaduais em 1982.35 Em artigo recente, além de repro-
duzir literalmente este mesmo trecho, acrescentando no final a pergunta
retórica “Que ditadura no mundo foi assim?”, Villa atribui a interpretação
“dominante” sobre a ditadura aos militantes da luta armada: “Os militantes
da luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é ta-
chado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica,
e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim,
a democracia”.36 A interpretação amenizadora da ditadura e a desqualifica-

32
VILLA, Marco Antonio. Ditadura à Brasileira. São Paulo: Leya, 2014.
33
MELO, Demian Bezerra. A historieta de Marco Antonio Villa: um negacionismo à bra-
sileira. Blog Convergencia, 2014. Disponível em: <http://blogconvergencia.org/blogcon-
vergencia/?p=2016>. Acesso em: 16 maio 2014. É interessante observar que o livro de Villa
vem sendo muito divulgado em sítios eletrônicos vinculados à ultradireita militar, o que
ressalta a identidade de proposições indicada por Melo. Um exemplo encontra-se no sí-
tio “A verdade sufocada”, disponível em: <http://www.averdadesufocada.com/index.php/
contra-revoluo-de-1964-notcias-106/10314-o60314-ditadura-a-brasileira-marco-antonio-
villa>. Acesso em: 3 abr. 2014.
34
VILLA, Marco Antonio. Jango e o Realismo fantástico. O Globo, Rio de Janeiro, 14 jan.
2014, p. 3.
35
Idem. Ditadura à Brasileira. Folha de São Paulo, São Paulo, 5 mar. 2009, p. 3.
36
Idem. Golpe à Brasileira. O Estado de São Paulo, São Paulo, 19 fev. 2014, p. 3.

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O sentido histórico do Golpe de 1964 e da ditadura e suas interpretações 33

ção dos remanescentes da luta armada no presente, arbitrariamente apre-


sentados como sujeitos que “temem a democracia”, se articula à desqualifi-
cação sumária da resistência armada, que segundo seu juízo sumário “não
passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a insta-
lações militares e só”.37 Essa abordagem perde inteiramente de vista a pers-
pectiva processual, a visão de totalidade e a articulação entre os elementos
econômicos, políticos, sociais e culturais que levaram à afirmação de um
golpe de Estado em 1964 e imposição de uma ditadura empresarial militar
que durou 24 anos, encerrada apenas em 1988 quando finalmente o país
passou a contar com uma Constituição democrática que derrogou a legis-
lação imposta pela ditadura, ainda que não tenha impedido a permanência
de uma “argamassa da ordem”,38 constituída pelas inúmeras permanências
e continuidade, decorrentes, aliás, da presença e atuação do mesmo bloco
social e político que interveio no início dos anos 1960.

Considerações finais

Nosso objetivo neste capítulo foi propor uma interpretação sobre o golpe e
a ditadura, que se fundamenta na contribuição de René Dreifuss e na hipó-
tese de que a grande burguesia brasileira e os capitais externos já então pre-
sentes no país constituíram o bloco multinacional associado que unificou
as classes dominantes em torno do golpe, conduziu as articulações golpis-
tas e determinou os rumos da ditadura instalada em 1964. Esta perspectiva
de análise leva em consideração os impasses do capitalismo brasileiro no
início dos anos 1960, nos marcos da crise do populismo, e as implicações
políticas do processo de mobilização dos trabalhadores rurais e do cresci-
mento das reivindicações e mobilizações dos trabalhadores urbanos. Em
contraposição à simplificação que iguala as ações do bloco reformista e do
bloco golpista compreendendo ambas como parte de um processo de “ra-

Ibid.
37

MACIEL, David. A argamassa da ordem: da Ditadura Militar à Nova República (1974-


38

19850). São Paulo: Xamã, 2009. De acordo com David Maciel, grande parte dos aspectos
essenciais da ditadura “seriam preservados em 1988, consolidando um padrão de demo-
cracia ainda fortemente determinado por uma perspectiva autocrática, apesar de todos os
avanços dos movimentos sociais das classes subalternas nos anos anteriores”. Ibid., p. 326.

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34 Trabalhadores e ditaduras

dicalização mútua”, nossa perspectiva identifica nessas ações o confronto


não entre dois sistemas sociais antagônicos (o que não chegou a se confi-
gurar), mas entre duas modalidades de desenvolvimento capitalista: uma
perspectiva que implicava a ampliação das bases do populismo através da
reforma agrária e incorporação no mercado consumidor de amplo con-
tingente de trabalhadores rurais; e outra, vitoriosa, que via na associação
subordinada-dependente com o capital monopolista internacional a alter-
nativa para superar o impasse vigente e impulsionar a passagem a uma
nova fase de desenvolvimento capitalista, modalidade que para além do
conjunto de medidas econômicas preconizadas, implicava a necessidade
de imposição de uma Ditadura de Segurança Nacional, que através da im-
posição do terrorismo de Estado neutralizaria as resistências à imposição
de tais medidas e aniquilaria o conjunto de movimentos e organizações
que poderia resistir a elas.

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