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GUIA DE ESTUDOS

XI MICC

CONGRESSO NACIONAL E GABINETE PRESIDENCIAL


Redemocratização Brasileira (1913)

Elaboração:

Amélia de Hollanda

Carolina Meliande

Felipe Abreu

Gabriel Salomão

Giovanna Moscatelli

Júlia Bahri

Mariana Abranches

Revisão:

Antonio Brito

Isis Tulani da Silva

Pedro Henrique Freitas

Rio de Janeiro

2024
Sumário
1. CARTA AOS DELEGADOS...............................................................................................4
2. OS ANOS DE FUMAÇA..................................................................................................... 5
2.1. O SUICÍDIO: MORRE O PAI DOS TRABALHADORES......................................... 7
2.2. JUSCELINO KUBITSCHEK: O BRASIL SOBRE QUATRO RODAS................... 10
2.2.1. Cinquenta anos em cinco: o Plano de Metas..................................................11
2.2.2.1. A construção de Brasília........................................................................... 12
2.2.2. O abre-alas: relações internacionais e a dívida externa................................13
2.2.3. JK e os militares............................................................................................... 14
2.3. O INTERREGNO JÂNIO QUADROS.......................................................................14
2.3.1. “Me diga aonde você vai, que eu vou varrendo”: a despedida do
Vassourinha.................................................................................................................16
3. OS ANOS DE BRASA....................................................................................................... 16
3.1. O REVOLUCIONÁRIO VAI À CHINA.................................................................... 16
3.2. UNIÃO, DEMOCRACIA E REFORMAS: O PLANO DE GOVERNO DE JANGO..
……………………………………………………………………………………………19
3.3. AS REFORMAS DE BASE........................................................................................20
3.4.. ENFIM, OS MILITARES SAEM DOS POSTOS..................................................... 22
4. OS ANOS DE CHUMBO.................................................................................................. 23
4.1. GOVERNO CASTELO BRANCO.............................................................................24
4.1.1. Os Legalistas e a Linha Dura.......................................................................... 25
4.2. GOVERNO COSTA E SILVA.................................................................................... 27
4.2.1. O início do Milagre Econômico.......................................................................27
4.2.2. A resistência...................................................................................................... 28
4.2.3. A repressão........................................................................................................28
4.3. JUNTA MILITAR....................................................................................................... 29
4.4. GOVERNO MÉDICI.................................................................................................. 34
4.4.1. O Primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico (I PND)........................ 35
4.4.2. Mais repressão.................................................................................................. 39
4.4.3. Mais resistência.................................................................................................46
4.5. GOVERNO GEISEL...................................................................................................50
4.5.1. O Segundo Plano de Desenvolvimento Econômico (II PND)....................... 51
4.5.2. A transição democrática: “ampla, gradual e segura”...................................54
5. OS ANOS DE HOJE.......................................................................................................... 57
5.1. A BOMBA NO COLO DE JOÃO FIGUEIREDO..................................................... 57
5.2. PARA ONDE FOI O “MILAGRE ECONÔMICO”?................................................. 58
5.3. CULPA OU ANISTIA................................................................................................ 60
5.4. DIRETAS OU INDIRETAS........................................................................................61
5.5. REPRESSÃO OU RESISTÊNCIA............................................................................. 62
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................... 65
1. CARTA AOS DELEGADOS
Bem vindos queridos delegados participantes do XII MICC!
Mais uma edição do MICC se aproxima e, com ela, o comitê que se remete a uma das
mais importantes movimentações políticas da história do Brasil: a Redemocratização
brasileira!
Durante o momento em que se passa o comitê, o Brasil passava pelo momento final
da Ditadura Militar, contemplando, assim, dois grupos beligerantes: aqueles que desejavam
seu fim e o restabelecimento da democracia; e aqueles que participavam do governo militar,
visando a se manter no poder pelo máximo de tempo possível. Assim, nosso comitê se
dividirá em dois: o Gabinete Presidencial, no qual os ministros deverão, com unhas e dentes,
trabalhar para a manutenção do status quo do momento, prestando devida atenção aos
detalhes que podem influenciar a opinião pública; e a Câmara dos Deputados, que por sua vez
terá como papel a votação e debate sobre o Projeto de Emenda Constitucional nº 5, no ímpeto
do processo de redemocratizar o país.
O movimento foi um marco na história política brasileira, marcado por manifestações
massivas, comícios históricos e um clamor uníssono por um processo eleitoral mais direto e
representativo. Foi um período em que os cidadãos brasileiros, de diversas classes e
ideologias, se uniram para reivindicar o direito fundamental de escolherem democraticamente
seus líderes.
Além da reflexão sobre o movimento, é imperativo que cada um de vocês, como
representantes de diferentes partidos e interesses, compreendam a profundidade do impacto
desse movimento na construção da democracia no Brasil. As Diretas Já representaram não
apenas uma luta por eleições diretas, mas um clamor por participação cívica, liberdade e
justiça.
Ao debaterem e analisarem as nuances desse movimento histórico, convidamos todos
os delegados a mergulharem nas complexidades políticas e sociais que envolveram as Diretas
Já. Que esta discussão não seja apenas uma reflexão acadêmica, mas também uma
oportunidade de inspiração para o fortalecimento contínuo das instituições democráticas em
todo o mundo.
Estamos ansiosos para testemunhar as discussões construtivas que certamente
surgirão deste tópico histórico e inspirador.
Cordialmente,
A Mesa Diretora
2. OS ANOS DE FUMAÇA
Após a queda de Getúlio Vargas e do Estado Novo em 1945, o Brasil passou, em
dezembro daquele mesmo ano, por novas eleições presidenciais. O general Eurico Gaspar
Dutra, graças ao apoio de Vargas, foi eleito presidente da República. No ano seguinte, após
meses de discussões na Assembleia Constituinte, que havia sido convocada, foi promulgada
uma nova Constituição.
Antes mesmo de Dutra chegar na metade de seu governo, foram iniciadas as
articulações para a sucessão presidencial, e desta vez, Getúlio seria candidato à presidência.
Em sua campanha, o pai dos trabalhadores – como ficou conhecido desde que criou a
legislação trabalhista em 1932 – defendeu a industrialização e a necessidade de se ampliar a
legislação trabalhista. Além disso, Vargas recebeu o inesperado apoio do governador de São
Paulo, Ademar de Barros, conquistando uma importante base eleitoral em São Paulo, estado
onde posteriormente veio a conquistar significativo número de votos nas eleições. Vargas saiu
vitorioso nas eleições de outubro de 1950.
Getúlio assumiu a presidência em janeiro de 1951. A União Democrática Nacional
(UDN) tentou boicotar a eleição de Vargas, chegando a pedir uma intervenção militar, porém,
não obtiveram êxito, uma vez que as Forças Armadas ainda pendiam para uma manutenção
do estabelecimento democrático. Vale ressaltar que tais circunstâncias evidenciam uma
dependência da democracia em relação ao apoio militar.
O novo presidente começou seu governo tentando mediar as relações entre as divisões
que havia na sociedade e que tinham tomado uma divisão específica no interior do Exército.
Tal divisão refere-se a duas correntes, a nacionalista e a entreguista, com opiniões
conflitantes para com temas da política econômica nacional e da política externa brasileira.
Em suma, os nacionalistas defendiam um desenvolvimento baseado na
industrialização, aliada à criação de um sistema econômico nacional independente do sistema
capitalista internacional. Possuíam uma abordagem aberta à utilização do capital estrangeiro,
porém, o encaravam com ressalvas, uma vez que acreditavam que seu uso poderia representar
um risco para a soberania nacional. Sendo assim, acreditavam que o Estado deveria exercer
um papel de investidor em áreas estrategistas, como a área de transporte e de petróleo. No
âmbito da política externa eram favoráveis a um afastamento dos EUA.
Em oposição, os entreguistas não viam a industrialização como prioridade e
sustentavam a ideia de um desenvolvimento baseado na abertura controlada ao capital
estrangeiro. Defendiam também uma menor intervenção do Estado na economia e um
combate à inflação por meio do controle da emissão de moeda e do equilíbrio dos gastos do
governo. No plano das relações internacionais eram favoráveis a um alinhamento com os
EUA no combate ao comunismo.
Vale ressaltar que, os acontecimentos no Clube Militar, especialmente as eleições
internas, serviam como um termômetro das tensões internas do Exército e do peso das
correntes do nacionalismo e do entreguismo. Ainda no governo Dutra, em 1950, foram eleitos
para presidente e para vice dois militares nacionalistas; no entanto, nas eleições de 1952, já
no governo Vargas, os vencedores eram de uma chapa entreguista. As eleições de 1952 do
clube evidenciaram a politização do Exército e a cada vez maior tendência favorável ao
alinhamento com os EUA.
No plano da política financeira o governo promoveu, no início da década de 50,
diversas medidas a fim de incentivar o desenvolvimento econômico da nação, dando maior
foco na industrialização. Nesse sentido foi criado em 1952 o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), cujo objetivo era dinamizar o processo de
diversificação industrial. Cabe constar que o desenvolvimento da indústria era incentivado
pela concessão de crédito fácil ao setor privado.
Paralelamente, nas tentativas de dinamização e desenvolvimento da economia, o
governo Vargas precisava lidar com um problema de enorme repercussão social, a crescente
inflação. Os motivos para o aumento da inflação eram diversos, entre eles podemos citar: A
contração de dívidas no exterior decorrente da Guerra das Coreias que havia se iniciado e o
fato de que o estímulo à expansão industrial gerava elevações nos custos e no preço final dos
produtos. Vale evidenciar que devido à natureza dos investimentos realizados pelo governo
em infraestrutura, especialmente nos sistemas de transporte e de energia, os resultados
positivos surgiriam a médio e longo prazo.
Getúlio se via encurralado de certa forma, afinal, não podia ignorar as reivindicações
dos trabalhadores que haviam sido atingidos pela inflação e pela alta do custo de vida, porém,
por outro lado, era necessário tomar medidas impopulares para conter a inflação. Sob essas
circunstâncias, em 1953, Vargas indica um jovem político e amigo de sua família chamado
João Goulart para assumir o Ministério do Trabalho. Goulart era ligado aos meios sindicais
do PTB e surgia como alguém capaz de combater a crescente influência comunista nos
sindicatos. Vale salientar que na época, o novo ministro era visto pela UDN e por partes dos
setores militares como um defensor da “República sindicalista”.
Para o Ministério da Fazenda, Getúlio indicou seu velho aliado, Osvaldo Aranha,
que iniciou um programa econômico, chamado Plano Aranha, que tinha como objetivo
controlar a expansão do crédito e o câmbio nas transações com o exterior, estabelecendo
assim, uma maior flexibilidade cambial. Esta por sua vez, tinha como um de seus objetivos
favorecer as importações de bens considerados básicos para o desenvolvimento da economia
nacional.
Ainda no ano de 1953, foi introduzido no Brasil o confisco cambial, que fixou uma
menor valorização do dólar ao ser convertido em Cruzeiros recebido pelos exportadores de
café, assim fazendo com que o Estado passasse a ficar com parte dos dólares obtidos pela
exportação do café. A partir dessa medida, o governo passou a utilizar o dinheiro adquirido
com a exportação do café para investir em outras áreas, principalmente na indústria.
Revoltados, os cafeicultores tentaram realizar protestos políticos, porém, foram impedidos
pelo Exército.
Apesar dos maus resultados no setor, Vargas não abandonou a cafeicultura. O
Presidente realizou uma política de sustentação de preços altos no exterior que, inclusive,
provocou os EUA. Diante deste cenário começaram a surgir pressões internas contra o Plano
Aranha e, paralelamente a isso, houve uma mudança na presidência americana, em virtude da
qual, o novo governo abandonou a assistência estatal dada aos países em desenvolvimento,
passando a dar preferência aos investimentos privados. Fazendo com que o Brasil não mais
negociasse com o Estado americano, mas sim com seus bancos privados.
Getúlio não se esquecera de tomar medidas em prol dos trabalhadores urbanos. O
Presidente incentivou a organização sindical dos trabalhadores e facilitou a entrada para os
sindicatos, favorecendo assim, a volta dos comunistas que haviam sido cassados durante o
governo Dutra. Porém, Vargas não tinha total controle sobre o operariado, e, em 1953,
decorrentes da liberalização sindical e do alto custo de vida, estouraram diversas greves no
país.
Uma das maiores greves eclodiu em março, no estado de São Paulo, porém, nesse
mesmo mês, houve em São Paulo outro significativo acontecimento político, cuja real
proporção se revelaria alguns anos à frente. O evento em questão é a eleição de um ex-
professor chamado Jânio Quadros para a prefeitura paulistana. Jânio foi eleito por uma
pequena coalizão de somente duas siglas, derrotando candidatos de partidos
consideravelmente maiores e mais influentes. A maior parte do discurso populista de sua
campanha baseou-se na luta contra a corrupção e teve como símbolo uma vassoura.

2.1. O SUICÍDIO: MORRE O PAI DOS TRABALHADORES


A esta altura do governo, Vargas acumulara diversos opositores, tanto na esfera social,
quanto na militar. Dentre seus adversários políticos, destacava-se, além de grande parte dos
udenistas e da imprensa, Carlos Lacerda, que apesar de outrora ser simpático aos comunistas,
se tornou um de seus maiores inimigos. Em seu jornal, chamado Tribuna da Imprensa, passou
a propagar uma campanha contra Getúlio, defendendo a renúncia do presidente. Lacerda
pregava ainda que, após a renúncia, deveria ser decretado o Estado de Sítio, no qual às
instituições democráticas seriam reformadas, impedindo que elas sofressem uma “perversão
pelos políticos populistas”.
Na esfera militar, oficiais anticomunistas e inimigos do populismo eram alguns dos
inimigos de Getúlio. Em fevereiro de 1954, diversos membros do oficialato do Exército
assinaram o que foi conhecido como o Memorial dos Coronéis. Acima de tratar de questões
militares, o documento apontava um processo de deterioração dos padrões morais e materiais
no meio do Exército e do país, que favorecia a promoção da desordem e elevava “o risco de
uma subversão violenta dos quadros institucionais da nação”. Em uma insinuação crítica ao
governo, a carta demandava melhorias no equipamento militar e nos protocolos de promoção
de patente, tomando para si a responsabilidade de manter a ordem em vigência no Brasil e
reclamando recursos que o permitissem. O epítome da tensão do documento está na flagrante
crítica, de cunho abertamente político, à proposta de aumento de 100% do salário mínimo
idealizada pelo então ministro do Trabalho João Goulart. O documento ficou conhecido pelas
tensões ácidas que gerou entre o corpo militar e o Poder Executivo, tendo em vista que aquele
está sujeito aos mandos deste, não o contrário, indicando a inversão de valores com que
contava tal período de densas relações na crise pela qual atravessava o governo.
Ainda no mês de fevereiro, Getúlio substituiu Goulart do ministério do Trabalho, que
deixava como legado a tentativa de auxiliar a causa dos trabalhadores. Também ocorreu uma
mudança no ministério da Guerra, na esperança de acalmar as instruções militares, Vargas
nomeou Zenóbio da Costa, um homem de sua confiança porém um conhecido inimigo do
comunismo.
Vargas optou cada vez mais por um discurso e por medidas que iam contra os
interesses dos conservadores, por exemplo, adotou uma linha nacionalista na economia,
culpando o capital estrangeiro pelos problemas no balaço de pagamentos, nessa mesma linha,
fundou uma empresa estatal para o setor energético, a Eletrobras. Em abril, o ex-ministro das
relações exteriores fortaleceu a oposição ao acusar o presidente e João Goulart de terem feito
um acordo secreto com a Argentina e o Chile objetivando barrar a presença e influência
americana na região do Cone Sul. Tal acordo dava a impressão de ser mais um passo do
Brasil rumo à República sindicalista.
No âmbito das relações de trabalho, em maio, Vargas enfim anunciou o aumento de
100% do salário mínimo, provocando com tal medida uma série de protestos. Os protestos
eram motivados por uma errônea crença de que esse aumento agravaria a inflação, porém, as
causas da inflação eram outras que não os níveis salariais que inclusive haviam se deteriorado
nos últimos anos.
A esta altura, Vargas não contava com uma sólida base de apoio e recebia pressão de
todos os lados, apesar disso, resistia na presidência, faltava para a oposição um
acontecimento traumático que levasse as Forças Armadas a romper com a democracia e
depor o Presidente. Tal acontecimento viria a ser proporcionado pelos íntimos de Getúlio.
Figuras próximas a Getúlio convenceram o chefe da guarda presidencial do palácio do
Catete – Gregório Fortunato – a matar Lacerda, afirmando que somente assim seria
assegurada a permanência de Vargas no poder. Sendo assim, Gregório armou o assasinato da
figura mais ostensiva da oposição, porém, a execução do plano foi desastrosa.
Na madrugada de 5 de agosto de 1954, um pistoleiro tentou matar Lacerda a tiros na
Rua Tonelero, porém acabou assassinando seu acompanhante, o major da Aeronáutica
Rubens Vaz. Lacerda ficou apenas levemente ferido. Após tal episódio, Getúlio tinha contra
si um ato criminoso, uma oposição com críticas mais consistentes e a Aeronáutica em
rebelião.
As investigações realizadas contra Getúlio começaram a desgastar os poderes do
governo, e o movimento pela renúncia de Vargas ganhou grande proporção. Em 23 de agosto,
tornou-se evidente que o governo não contava mais com o apoio das Forças Armadas, nesse
dia foi lançado um manifesto assinado por 27 generais do Exército e que exigia a renúncia do
Presidente. Sob essas circunstâncias, Getúlio viu-se sem saída e decidiu por tomar um último
e trágico ato. Vargas, na manhã do 24 de agosto, vendo da sua janela um irreconhecível
Brasil, objeto de seu antigo amor e de seu engenhoso trabalho, resolveu sujar com seu sangue
o pijama em que acordara no seu quarto no Palácio do Catete, finalizando último mandato do
Pai dos Pobres com um estampido de revólver e uma carta de suicídio ao povo brasleiro, que
fizeram muito mais barulhos que qualquer bramido dos coronéis golpistas.
O suicídio de Vargas representava um desespero pessoal, porém, trazia consigo um
profundo significado político. Somente o ato em si de sua morte era capaz de comover a
nação, além disso, Getúlio deixou para o povo uma mensagem, a chamada carta-testamento,
na qual apontava como responsáveis pela situação a que chegara os grupos internacionais
aliados a seus inimigos internos afirmando que esses eram contra as garantias sociais aos
trabalhadores. Getúlio encerrava sua carta tal qual terminou seu governo, de maneira
dramática e impactante, afirmou:
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado
de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei
a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o
primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Getúlio estava certo, ele entrou na história, e ficou na memória dos trabalhadores
como um defensor dos humildes, tendo as repercussões de sua morte como imediatas. A
massa trabalhadora foi às ruas, atacando caminhões que carregavam edições do jornal
antigetulista O Globo. Da mesma forma, a Embaixada dos Estados Unidos no Rio foi
vandalizada. Vale destacar a presença dos comunistas nas manifestações, marcando uma
reviravolta, tendo em vista que ao longo de todo o último governo, foram oposição. A partir
do marco da morte de Getúlio, passaram a cada vez mais apoiar o nacionalismo populista.
Havia um plano da Aeronáutica de instalar a chamada República do Galeão, na qual
os membros da aeronáutica “purificariam” a democracia, tal qual defendia Lacerda. Porém, a
cúpula do exército e o impacto gerado pelas manifestações populares asseguraram a
democracia, tendo como resultado a posse do vice-presidente Café Filho, que assumiu a
presidência e garantiu a realização de eleições presidenciais em outubro de 1955.

2.2. JUSCELINO KUBITSCHEK: O BRASIL SOBRE QUATRO RODAS


Concorreram às eleições presidenciais de 1955, o então governador de Minas,
Juscelino Kubitschek, que tinha João Goulart como candidato a vice-presidente, e o general
Juarez Távora. Juscelino, ou simplesmente JK, foi lançado pela aliança entre o PSD e o PTB,
representando uma vertente do getulismo. Em sua campanha enfatizou a necessidade de um
desenvolvimento econômico, apoiado pelos capitais público e privado. Juarez, candidato pela
UDN e adversário do getulismo, defendeu uma menor intervenção do Estado na economia e a
moralização dos costumes políticos.
A corrida eleitoral foi marcada por jogadas sujas, em certo episódio, os adversários de
Juscelino e Goulart publicaram nos jornais a chamada Carta Brandi, que teria sido enviada ao
candidato a vice quando ele ainda era ministro de Getúlio por um deputado argentino. Tal
carta tratava dos planos de Jango para iniciar um movimento armado que instalaria a
República Sindicalista. Logo após as eleições ficou comprovada a falsidade da carta.
Após uma disputa acirrada, Juscelino e Goulart foram eleitos, porém, logo após saírem
vitoriosos das eleições, iniciou-se uma campanha contra a posse. O Presidente do Clube
Militar faleceu no início de novembro daquele ano e, em seu enterro, o Coronel Mamede fez
um discurso atacando e criticando de forma não tão cifrada a eleição de JK.
Após o discurso do Coronel, o ministro da Guerra, General Lott, planejou punir
Mamede a fim de controlar a politização no interior das Forças Armadas. Porém, tal punição
não cabia ao Ministro pois, devido ao cargo que Mamede ocupava, ele respondia diretamente
e unicamente ao Presidente da República.
Àquela altura, Café Filho – que ainda estava em suas ultimos dias de posse com
Presidente da República – sofrera um ataque cardíaco que o afastou provisoriamente do
cargo, sendo assim, o Presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, que assumiu a
presidência, se recusando a punir o Coronel Mamede como foi pedido por Lott. Em resposta,
o General se demitiu do Ministério da Guerra como forma de protesto.
No dia 11 de novembro, o General Lott mobilizou tropas do Exército do Rio de Janeiro
para realizar uma intervenção militar a fim de garantir a posse de Juscelino, tal episódio ficou
conhecido como golpe preventivo. A cúpula do Exército ficou ao lado de Lott, já a Marinha e
a Aeronáutica foram contra a ação e tiveram suas bases cercadas, evitando um conflito entre
as Forças Armadas. Carlos Luz foi deposto, e junto a outras figuras políticas das quais
podemos destacar Lacerda, tentaram sem êxito organizar uma resistência.
Ainda no dia 11 de novembro, o Congresso se reuniu para analisar a situação, e
decidiu por decretar Carlos como impedido de seguir na presidência, sendo assim, o
Presidente do Senado Nereu Ramos como próximo da linha sucessória a assumir o poder. No
dia 21 do mesmo mês, Café Filho, já recuperado, tentou reassumir a chefia do Executivo,
porém, foi considerado impedido de assumir o cargo pelo Congresso que, em seguida, a
pedido dos ministros militares, decretou o estado de sítio. Essa sequência de medidas
extraordinárias assegurou a posse de JK e Jango.
Apesar de o governo de Juscelino não ser muito lembrado pelo movimento operário,
vale salientar que durante este período o sindicalismo passou por mudanças que iriam mostrar
suas verdadeiras proporções alguns anos à frente. Os dirigentes sindicais politizaram os
sindicatos, ou seja, eles deveriam apoiar a corrente nacionalista e as chamadas reformar de
base.

2.2.1. Cinquenta anos em cinco: o Plano de Metas


O governo de Juscelino ficou marcado na história, principalmente pela sua política
econômica. Essa foi definida pelo Programa de Metas, um conjunto de 31 objetivos,
distribuídos nas áreas de energia, transporte, alimentação, indústria de base e educação, a
serem cumpridos em seu governo. Segundo JK, graças à realização de seu programa, o Brasil
passaria pela experiência de 50 anos de desenvolvimento em apenas 5.
Os objetivos do Plano de Metas evidenciam que no governo de Juscelino o Brasil
passou por um nacional-desenvolvimentismo, isso significa que, a política econômica de JK
instaurou o chamado Tripé Econômico, ou seja, uniu os capitais estatal, privado nacional e
estrangeiro, a fim de promover o desenvolvimento com foco na industrialização. Vale
ressaltar que a combinação desses polos de capital sustentaram a indústria brasileira até o
final da década de 80.
Das 31 metas previstas no Plano de Metas, o governo de Juscelino priorizou o setor de
infraestrutura, especialmente o transporte rodoviário e a geração de Hidroeletricidade. Para
isso, o próprio Estado investiu nessas áreas, mas também atraiu investimentos estrangeiros
por meio de concessões públicas que trouxeram grandes facilidades para o meio privado. Vale
destacar a grande entrada de multinacionais da indústria automobilística no país.
Apesar de nem todos os seus objetivos terem sido cumpridos, os resultados do Plano
de Metas foram surpreendentes, especialmente no setor industrial, tendo o valor da produção
industrial aumentado consideravelmente e o Produto Interno Bruto (PIB) em crescimento. A
instalação da indústria automobilística no Brasil foi um grande sucesso, porém, vale ressaltar
que, o transporte ferroviário foi praticamente abandonado, tornando o país extremamente
dependente das rodovias.

2.2.2.1. A construção de Brasília


A 31º meta do Plano era a construção de Brasília, que seria a nova capital do Brasil. A
ideia de mudar a capital não era nova, pouco após a proclamação da república já havia sido
feito um estudo da geografia do Centro-Oeste a fim de determinar o melhor local para a
construção da nova cidade, coube porém a Jucelino por o velho plano em prática.
A construção de Brasília envolvia 4 grandes objetivos, sendo eles de ordem
geopolítica e econômica. Sob a óptica geopolítica a transferência da capital visava uma
integração do território e uma maior segurança nacional, possibilitando Jucelino de governar
longe das pressões das grandes metrópoles, onde a oposição era atuante.
Do ponto de vista econômico, Juscelino objetivava o povoamento e o crescimento
econômico da região Centro-Oeste, e o maior desenvolvimento da indústria automobilística
por meio da construção de diversas rodovias, partindo da nova capital, as chamadas rodovias
radiais. A construção de uma cidade do zero era um grande empreendimento que
movimentava toda a economia, gerando renda e empregos.
Após forte resistência da UDN, o projeto de lei para a construção de Brasília foi
aprovado no Congresso em setembro de 1956. O arquiteto Oscar Niemeyer e o urbanista
Lúcio Costa ficaram responsáveis pelo projeto da nova cidade. Em abril de 1960 JK
inaugurou a nova capital. Vale destacar que, durante a construção, Lacerda tentou sem êxito
instaurar uma Comissão Parlamentar de inquérito (CPI) para investigar irregularidades na
contratação das obras, visto que nesse processo já existiam esquemas de corrupção.

2.2.2. O abre-alas: relações internacionais e a dívida externa


Apesar de a política financeira de Jucelino ter obtido diversos resultados positivos,
trouxe também efeitos negativos, como o crescimento da inflação, da dívida externa e do
déficit orçamentário federal. As principais razões para a formação desse quadro econômico
são justamente os altos gastos governamentais e os empréstimos contraídos no exterior para
sustentar o Plano de Metas e a construção de Brasília. A concessão de crédito fácil ao setor
privado aliado ao fato de que o Brasil passou a receber cada vez menos pelo que exportava e
a pagar cada vez mais pelo que importava, foram os grandes responsáveis pelos problemas
que só estavam começando.
Em 1958 houve uma substituição no ministério da Fazenda, o nome indicado para
assumir o cargo foi o do engenheiro Lucas Lopes, ex-presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE), que junto a Roberto Campos – novo presidente do
banco – criou um plano de estabilização da economia visando uma conciliação entre o
combate à inflação e o Programa de Metas. O plano do novo ministro gerou fortes reações
contrárias, afinal, nenhum grupo social estava disposto a perder algo em troca da estabilidade
econômica nacional. Entretanto, havia outro motivo, o fato de que a inflação era benéfica
para alguns grupos, em que se gerava uma perspectiva de grandes ganhos por parte dos
industriais e comerciantes através dos reajustes de preços e da especulação com estoque de
mercadorias. Além disso, como naquela época as dívidas não sofriam correção monetária, a
inflação tornava os empréstimos, especialmente os obtidos nos bancos estatais, extremamente
atraentes. Em meio a esse cenário os trabalhadores assalariados ficaram em uma péssima
situação, principalmente quando se deparava com o cenário de grande crescimento
inflacionário e salários diminuindo gradativamente conforme a moeda desvalorizava.
O Programa de Estabilização proposto pelo governo para conter a inflação
desenfreada dependia da aprovação do Fundo Monetário Internacional (FMI), afinal, ele
estava ligado às dívidas externas do Brasil que envolviam um empréstimo estadunidense de
300 milhões de dólares. O FMI, enquanto instituição, tinha a função de ser uma agência
especializada da ONU composta por Estados-membros que contribuem com uma cota
correspondente a seu potencial econômico. Seus objetivos principais eram, promover a
cooperação monetária internacional e dar assistência aos membros que se encontrassem em
dificuldades financeiras. Vale ressaltar que, na década de 50, era comum considerar o fundo
como um mecanismo do imperialismo estadunidense, determinado a obrigar os países
subdesenvolvidos a pagar suas dívidas, mesmo que isso lhes custe seu empobrecimento.
Contudo, o Brasil consultou o FMI sobre o Plano de Estabilização, o órgão fazia
restrições a seu gradualismo, criticando por exemplo gastos governamentais para subsidiar
importações de trigo e petróleo. O impasse com o fundo internacional teve seu fim apenas
quase um ano depois, já com o fim do mandato de Juscelino. Os nacionalistas e os
comunistas atacaram o Presidente afirmando que ele estava disposto a vender a soberania
nacional para estrangeiros, apenas a UDN, que integrava a oposição do governo, via um
acordo com o FMI positivamente. Sob essas circunstâncias, o governo rompeu com o FMI, e
por consequência direta, abandonou o plano de estabilização. A cisão gerou uma grande onda
de apoio a JK, que contou com a presença do PTB, dos comunistas, da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo e da cúpula dos militar.

2.2.3. JK e os militares
As relações entre JK e os militares foram relativamente amistosas. Após a tentativa de
derrubada do Presidente ser impedida pelo golpe preventivo do General Lott, a cúpula militar
se acalmou, mantendo uma relação pacífica com o executivo. Logo no começo de seu
governo, Juscelino frisou a necessidade de desenvolver objetivos que eram compatíveis aos
das forças armadas, no caso, “ desenvolvimento e ordem”.
Juscelino também atendeu às velhas reivindicações dos militares no âmbito dos
equipamentos, além disso, passou a indicar cada vez mais militares para postos estratégicos
do governo. Apesar desta aparente calmaria durante o período de JK, houverem sim atos de
insubordinação no interior das Forças Armadas, como a Revolta de Jacareacanga. Porém, tais
ações ocorreram longe das grandes e influentes metrópoles, ou seja, representaram mais um
desconforto de uma parcela do que uma ameaça à democracia.

2.3. O INTERREGNO JÂNIO QUADROS


Ocorreram no Brasil, em 1960, novas eleições presidenciais que tiveram como seus
principais candidatos o ex-prefeito e o ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros, e o
general Lott, que tinha João Goulart como candidato a vice-presidente. Jânio foi lançado por
um pequeno partido, o PTN, e contou com o apoio de Lacerda e da UDN, que via nele a
oportunidade de enfim chegar ao poder. Já a chapa de Lott foi lançada pela união entre o PSD
e o PTB, que juntos haviam eleito JK em 1955 com êxito.
Jânio teve uma campanha de forte teor populista, e que ficou marcada pelo jingle
“Varre, varre vassourinha,” que por consequência gerou seu apelido de vassourinha. Ao
longo de sua campanha, criticou a corrupção do governo de JK e a desordem financeira,
desprezou os partidos políticos e prometeu punir beneficiários de qualquer tipo de corrupção.
O Vassourinha reunia as esperanças da elite antigetulista, das classes médias urbanas e da
maioria dos trabalhadores, resultando em sua vitória nas eleições. João Goulart, popularmente
conhecido como Jango, foi eleito vice-presidente, isso se deve ao fato de que naquela época o
eleitor podia votar no candidato a presidente de uma chapa e no candidato a vice de outra.
Jânio Quadros assumiu a presidência da República em Janeiro de 1961, sendo o
primeiro presidente a tomar posse em Brasília, e carregando consigo as esperanças de um
futuro melhor para a nação, entretanto, apenas sete meses depois ele renunciou ao cargo,
atirando o país em uma intensa crise política. Em seu mandato, ocupou-se de medidas
cômicas e desproporcionais à importância do cargo que ocupava, tais como a proibição do
lança perfume, do biquini e das populares rinhas de galo. No campo das medidas de cunho
mais sério, apesar de adotar iniciativas simpáticas tanto à esquerda quanto aos conservadores,
desagrava a ambos com sua dificuldade de articular uma base de apoio efetiva.
Vale ressaltar que o curto mandato do Vassourinha ocorreu durante a Guerra Fria, ou
seja, em meio à bipolarização global entre o bloco capitalista, liderado pelos EUA, e o bloco
comunista, liderado pela URSS. Além disso, houve, em 1959, a vitória da Revolução Cubana,
a partir da qual Cuba, liderada por Fidel Castro, passou a se inclinar pelo socialismo
comunista. Tal evento provocou um grande temor nos estadunidenses e nos conservadores de
que, se um regime de caráter comunista pôde se instaurar tão perto dos EUA, era possível
então que o mesmo ocorresse em qualquer país da América Latina, incluindo, é claro, o
Brasil.
Em 1960, antes mesmo das eleições presidenciais, Jânio esteve em Cuba,
demonstrando, mesmo que de forma disfarçada, sua vaga simpatia pelo regime de Fidel. Já
ocupando o cargo da presidência, condecorou o companheiro de Fidel, Ernesto Che Guevara,
com a Ordem do Cruzeiro Sul, a mais alta condecoração dada pelo Estado brasileiro. Tal
atitude não tinha por objetivo expressar apoio ao comunismo, mas sim evidenciar para todos
a política externa independente adotada em seu governo, que consistia em buscar uma
terceira via para o Brasil em meio a Guerra Fria. Assim, a partir dessa política, o Brasil
passaria a dialogar também com o bloco comnunista, sem abrir mão de seu velho aliado, os
EUA. A política externa janista desagradou extremamente o bloco capitalista e os
conservadores, especialmente a maioria da UDN, que não alcançou seu objetivo de chegar ao
poder.
No campo da política financeira, Jânio adotou um rigoroso pacote de estabilização da
economia, que incluiu uma grande desvalorização da moeda nacional, a fim de tornar o
mercado mais atrativo para investimentos estrangeiros, além de aplicar a contenção dos
gastos públicos e da expansão monetária. Como consequência de algumas medidas do plano,
o preço do pão e do combustível dobrou. O plano foi visto com bons olhos pelos credores do
Brasil e pelo FMI, porém, desagradou o povo brasileiro. Com a ajuda do presidente
americano John Kennedy, o Brasil contraiu novos empréstimos nos EUA, tal atitude
diplomática deve-se ao fato de que Jânio era visto como um caminho para impedir que o
comunismo adentrasse no maior país da América Latina.

2.3.1. “Me diga aonde você vai, que eu vou varrendo”: a despedida do Vassourinha
Desde o início de seu governo, Jânio não contava com uma base política de apoio
forte. O PSD e o PTB dominavam o Congresso, além disso, Lacerda passou para a oposição e
a UDN começou a queixar-se do governo.
Em 24 de agosto de 1961, Lacerda, em um discurso transmitido pelo rádio,
denunciou uma tentativa de golpe janista, articulado pelo ministro Pedroso Horta, ao qual
teria sido convidado a participar. No dia seguinte, Jânio Quadros comunicou ao Congresso
sua renúncia ao cargo de presidente da República. A renúncia não chegou a ser esclarecida,
Pedroso Horta negou a acusação, e Jânio nunca deu uma explicação clara acerca de suas
motivações, alegando apenas que “forças terríveis” o levaram ao ato.

3. OS ANOS DE BRASA
3.1. O REVOLUCIONÁRIO VAI À CHINA
No momento da renúncia de Jânio Quadros à presidência da república, seu vice, João
Goulart, se encontrava na China para uma viagem de objetivos comerciais. No entanto,
mesmo que a sua posse estivesse prevista no artigo 79 da Constituição de 1946, os três
ministros das forças armadas Odílio Denys, Silvio Heck e Gabriel Grun Moss decidiram ir
contra às claras determinações constitucionais e vetar o retorno de João Goulart ao Brasil.
Assim, assume como chefe do executivo o então presidente da Câmara dos
Deputados, Ranieri Mazzilli, que no dia 28 de agosto de 1961, comunicou oficialmente à
população brasileira que o vice-presidente João Goulart não estava autorizado para voltar a
solo brasileiro. O comunicado na íntegra dita:

Excelentíssimo Senhor Presidente do Congresso Nacional


Tenho a honra de comunicar à Vossa Excelência que, na apreciação da
atual situação política criada pela renúncia do Presidente Jânio da Silva Quadros, os
Ministros Militares, na qualidade de Chefes das Forças Armadas, responsáveis pela
ordem interna, me manifestaram a absoluta inconveniência, por motivos de
segurança nacional, do regresso ao País do Vice-Presidente da República, João
Belchior Marques Goulart.
— Ranieri Mazzilli. Brasília.1

A decisão tomada pelos militares foi recebida de maneiras antagônicas na política


brasileira. Alguns governadores como Carlos Lacerda, que inclusive havia feito parte da série
de acontecimentos que levaram à renúncia de Quadros, apoiaram a ideia de que Jango não
deveria assumir a presidência, além de pedir por novas eleições. Por outro lado, governadores
como Leonel Brizola, do Rio Grande do Sul, e Miguel Arraes, de Pernambuco, discordaram
veementemente das determinações vindas de Brasília. Assim, inaugurou-se o movimento
conhecido como Campanha da Legalidade2, responsável pelo restabelecimento da ordem
constitucional no Brasil.
A campanha da legalidade funcionou em várias áreas diferentes da política e da vida
civil. No Rio Grande do Sul, uma das principais lideranças junto à Brizola foi José Machado
Lopes, comandante do III exército. Lopes mobilizou parte majoritária das tropas das forças
armadas brasileiras que se encontravam na região sul do Brasil para o lado legalista, havendo
investidas militares navais e terrestres, chegando até a fortificar diversas regiões de Porto
Alegre.
Outra forma que a Campanha da Legalidade funcionou foi por meio da opinião
pública. Brizola fez uso de artifícios como o rádio, profundamente presente no cotidiano da
população na época, para informar o povo do que ocorria em Brasília. Em suas transmissões,
Brizola ressaltou sempre que Jango ganhou por meio de eleições justas e portanto deveria sim
assumir a presidência da república. A movimentação feita pelas rádios foi nomeada de Rede
da Legalidade, tendo até 104 emissoras participantes por todo o território brasileiro.

1
BRASIL. Câmara dos Deputados. Programa de rádio "Janio Quadros renuncia: Começa o parlamentarismo".
Brasília, DF, 1961. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/radio/programas/279426-janio-quadros-renuncia-comeca-o-parlamentarismo/.
Acesso em: 18 jan. 2024.
2
Câmara Municipal de Porto Alegre. Sessão solene lembra os 61 anos do Movimento da Legalidade. 2024.
Disponível em:
https://www.camarapoa.rs.gov.br/noticias/sessao-solene-lembra-os-61-anos-do-movimento-da-legalidade.
Acesso em: 02 de janeiro de 2024.
Visto que os nervos estavam se acalorando por todo o território brasileiro, que já se
encontrava na beira de uma guerra civil, a Câmara dos Deputados decidiu agir por meio da
Emenda Constitucional no. 43, que estabeleceu o parlamentarismo no Brasil. A Emenda4
funcionava de forma que Jango não possuiria poder político de fato, o que agradava as elites
que temiam com a sua proximidade com a esquerda, mas também não o tirava
completamente do poder, sendo assim uma manobra política da Câmara que ocorre sem
nenhuma participação popular, funcionando apenas como uma medida paliativa.
A última investida militar ocorrida ligada à campanha da legalidade foi a operação
mosquito, que tentou derrubar o SE 210 Caravelle da Varig no qual João Goulart estava
embarcado à caminho do Brasil. No entanto, o avião chegou a voar a 11100 pés, sendo alto
demais para que os radares da época detectassem o veículo. Mesmo com a tentativa de abate,
Jango desembarcou em Brasília e foi recepcionado pelo Gen. Ernesto Geisel no aeroporto, de
onde ambos foram diretamente para posse do mais novo presidente de enfeite.
O parlamentarismo brasileiro teve, logo em sua única disposição preliminar, a
explicitação de que o presidente trabalharia juntamente à um grupo chamado de Conselho de
Ministros, que possui suas atribuições arroladas no primeiro artigo da Emenda Constitucional
nº 4, que dita: “Art. 1º: O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e pelo
Conselho de Ministros, cabendo a este a direção e a responsabilidade política do governo,
assim como da administração federal.”
Dentre o Conselho de Ministros, a figura análoga ao primeiro-ministro foi ocupada
primeiramente por Tancredo Neves, responsável pela própria Emenda nº 4. Tancredo
defendeu a pauta da reforma agrária em seu governo, questão abordada profundamente por
Jango em toda a sua carreira política (Oreiro, 2019). Paralelamente, Neves se comprometeu
com questões trabalhistas nas quais haviam vácuos deixados por Vargas na CLT de 1941,
como o Estatuto do Trabalhador Rural, antes ignorado pela legislação federal e a
promulgação do 13o salário, o que agradou profundamente a classe trabalhadora. No entanto,
o parlamentarismo já perdia força política, pois as medidas tomadas por Tancredo Neves não
eram tão populares no plenário quanto nas ruas (Oreiro, 2019).

3
BRASIL. Câmara dos Deputados. Emenda Parlamentarista. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-de-materias/em
enda-parlamentarista. Acesso em: 05/01/2024
4
BRASIL. Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 set.
1961. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/1960-1969/emendaconstitucional-4-2-setembro-1961-349692-pub
licacaooriginal-1-pl.html. Acesso em: 07/01/2024
Assim, após 290 dias de mandato, Neves e seu gabinete renunciaram, iniciando um
novo processo de busca por um presidente do Conselho de Ministros. Após duas tentativas
frustradas de Goulart para que fosse colocado alguém que estivesse alinhado à ele, foi
escolhido o político do PSD do Rio Grande do Sul, Francisco Brochado da Rocha.
Brochado teve durante seu governo taxas altíssimas de inflação acumulada, chegando
a 34,7%5, fazendo com que sua política se voltasse mais à questão econômica que qualquer
outra coisa. No entanto, as medidas trabalhistas de Tancredo fizeram com que houvesse uma
maior reivindicação por melhorias, principalmente salariais. Mesmo que populares entre a
população, a manutenção dessas garantias recorrentemente presentes em reivindicações ao
presidente do Conselho de Ministros não eram amigáveis aos integrantes do Poder
Legislativo. Visto que sua política não seria aceita e comprometido com os ideais de Jango e
Brizola, Brochado pediu ao Congresso para que fosse adiantado o plebiscito que definiria se a
população desejava ou não a volta do presidencialismo, tendo seu pedido negado. Não
suportando o rígido cenário que se estabelecera, Brochado da Rocha renunciou em 14 de
setembro de 1962, falecendo apenas 12 dias depois. Com o segundo abandono de cargo
seguido, o Congresso começou a compreender que o plebiscito teria que ser adiantado ,ao
contrário do prazo estabelecido anteriormente, em 1965.
O terceiro e último presidente do Conselho de Ministros foi Hermes Lima, que durou
pouquíssimo tempo no poder, visto que no primeiro dia após a sua posse já se iniciou uma
greve dos partidos que concordavam com Brochado da Rocha e esperavam reformas salariais.
Hermes Lima atuou sendo basicamente um "tampão" até que fosse feito o plebiscito.
Mesmo que a participação de todos não tenha sido obrigatória nessa votação, 11 dos
18 milhões de eleitores foram às urnas e decidiram pela volta do presidencialismo em
território brasileiro, visto que o parlamentarismo havia sido imposto ao povo, que ficava cada
vez mais sem participação efetiva na política. Ao mesmo tempo, o Brasil se estabelecia como
bicampeão mundial de futebol, vencendo de 3 a 1 da Tchecoslováquia.

3.2. UNIÃO, DEMOCRACIA E REFORMAS: O PLANO DE GOVERNO DE JANGO


Considerado por muitos estudiosos o herdeiro do legado trabalhista de Vargas, João
Goulart teve em seu governo ligações com o sindicalismo, o que trouxe grande
fortalecimento do movimento operário. Por meio deste forte laço que se formou entre Jango e
o trabalhismo sindical, grande parte do apoio político que o presidente possuía provinha

5
FOLHA DE S. PAULO. Almanaque Folha - Dinheiro nos Anos 60. Disponível em:
http://almanaque.folha.uol.com.br/dinheiro60.htm. Acesso em: 09/01/2024.
diretamente da população, e não das outras áreas da política brasileira, tal qual o Poder
Legislativo, que inclusive lutava contra grande parte das medidas propostas por Goulart.
Com a proposta de um reformismo social, Jango desejava que se instaurasse no Brasil
uma democracia política6. Para que as suas medidas fossem aceitas, o mandato de João
Goulart foi chamado de “governo trapézio”, adotando caráter conciliador, tendo em seus
ministérios membros de diversas alas políticas. Um claro exemplo do caráter do governo
Jango é a sua interação com a UDN, que pedia medidas de estabilização econômica, que logo
foram adotadas como políticas de contenção salarial, mesmo que isso fosse contra os
interesses sindicalistas. Para completar o caos político no momento, o Brasil vivia ao mesmo
tempo uma enorme crise financeira, o que trouxe uma tácita insatisfação que aos poucos se
espalhou por todo o governo (NEVES, 2010).
Assim, com a liderança de Celso Furtado, foi formulado em dois meses o Plano
Trienal de 1962, que possuía como objetivo retomar o crescimento do Produto Interno Bruto
brasileiro para 7%. Para que isso ocorresse, foram alocados 3,5 trilhões de cruzeiros para o
desenvolvimento da indústria e aumento da renda per capita. No entanto, o plano teve sua
aplicação e planejamento muito corridos, fazendo com que questões vitais ao crescimento
econômico fossem ignoradas, como impostos e normas regulatórias, garantindo assim o
fracasso das medidas.
Ao mesmo tempo, Jango procurava cumprir seus compromissos com a população e a
classe trabalhadora, focando assim parte das suas políticas na defesa da necessidade das
Reformas de Base, que englobaram a reforma agrária e a tentativa de estabelecimento de um
“capitalismo nacional e progressista”.
Economicamente, o plano de Goulart se baseava em “combater a inflação com
desenvolvimento”, no entanto, não foi dada atenção suficiente aos produtos necessários para
a subsistência da população, como trigo e petróleo, o que aumentou exponencialmente os
seus preços e, com eles, tanto a alimentação quanto o transporte se tornavam mais caros,
trazendo insatisfação de todas as classes populares.

3.3. AS REFORMAS DE BASE


As Reformas de base foram um conjunto de alterações normativas planejadas pelo
presidente João Goulart que tratavam da resolução de questões de caráter político-estrutural
presentes em todas as esferas da sociedade brasileira da época. As ações presidenciais se

6
Delgado, Lucilia de Almeida Neves. "O Governo João Goulart e o golpe de 1964: memória, história e
historiografia." Editora Tempo 14 (2010).
basearam no entendimento de que tais problemas deveriam ser resolvidos para que ocorresse
a consolidação devida da democracia em território brasileiro.7.
A primeira reforma proposta e talvez a mais importante foi a Reforma Agrária. A
Constituição vigente na época, principalmente em seu artigo 141, garantia direito inviolável à
propriedade, o que tornava impossível que se consolidasse a proposta de redistribuição de
terras de Goulart. Durante todo o seu governo, Jango pediu ao Congresso para que fossem
aceitas as mudanças constitucionais que viabilizassem a reforma agrária. No entanto, o Poder
Legislativo se mostrou profundamente descontente e irredutível com os pedidos do chefe do
executivo.
Além do Congresso, os grandes proprietários rurais também se colocaram contra a
Reforma Agrária, entendendo o ato como uma violência possessória estatal. Com o objetivo
de proteger suas terras, os latifundiários ainda afirmaram por meio das suas representações
políticas que iriam utilizar a força para evitar que ocorresse qualquer desapropriação de suas
terras, mesmo mediante indenização.
Visto que a Reforma Agrária não seria facilmente aceita, mas era uma das principais
pautas de governo de João Goulart, o mesmo emitiu um decreto que desapropriava terras às
margens de barragens, de ferrovias e rodovias federais. Tal movimentação política gerou um
impasse entre o Congresso e a Presidência, visto que nesse momento já havia uma imensa
importância atrelada ao papel dos latifúndios na economia brasileira e, sendo assim, seus
interesses já possuíam ferrenhos defensores em cargos de representação política. Desta forma,
se formava um cenário cada vez mais tenso entre o chefe do Poder Executivo e o Legislativo.
Outra área englobada pelas reformas de Goulart era a econômica. Primeiramente, o
foco foi a questão bancária, com a criação do Conselho Monetário Nacional e o Banco
Central, com o objetivo de enquadrar o sistema monetário brasileiro nos moldes definidos
pelos Estados Unidos e pelo Fundo Monetário Internacional. Ainda no escopo econômico,
Jango propôs uma reforma tributária, com a regulação da Lei de Remessa de Lucros, criada
durante o parlamentarismo. O maior objetivo da presidência ao lidar com questões tributárias
era melhorar a distribuição de renda e combater a sonegação fiscal, o que mais uma vez
trouxe descontentamento das elites quanto ao seu governo.
João Goulart também abordou uma questão extremamente relevante no quesito da
ampliação do acesso à democracia, enviando ao Congresso uma proposta de reforma política,
especificamente sobre o direito de voto, que não era dado aos analfabetos e a alguns

7
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Verbete 6355: Reformas de Base. Atlas Histórico. Disponível em:
https://atlas.fgv.br/verbete/6355. Acesso em: 05/01/2024.
militares. A partir desta movimentação de Goulart, foi aprovada a mudança ao artigo 135 da
Constituição Federal de 1946, garantindo direito de voto a todos, menos incapazes civis
absolutos e condenados criminalmente.
Vendo que grande parte das suas propostas de reforma estavam sendo rejeitadas pelo
Congresso, João Goulart inaugurou um movimento conhecido como Comício das Reformas,
no qual a população foi convocada para ir às ruas, manifestando sua aprovação às mudanças
constitucionais pedidas por Jango. O movimento contou com a ajuda de Leonel Brizola, neste
momento deputado federal, e Miguel Arraes, governador de Pernambuco.
No entanto, mesmo que existissem movimentos populares à favor de João Goulart,
grande parte das elites econômicas estava contra o governo do mesmo, iniciando assim um
momento profundamente tenso na política brasileira. Diversos veículos de comunicação já
colocavam Jango como um potencial golpista nos mesmos moldes de Vargas, mas com viés
comunista. O Jornal do Brasil, um dos mais influentes periódicos da época, chegou a publicar
um editorial com o título “Basta!”, no qual as forças armadas brasileiras eram exaltadas e era
pedido intervenção das mesmas para que, ironicamente, fossem preservadas as instituições
democráticas. Ainda no âmbito da imprensa, ao mesmo tempo que ocorriam estas
manifestações contrárias à Jango, Carlos Lacerda foi aos Estados Unidos e deu uma
entrevista ao jornal Los Angeles Times, afirmando que o governo federal brasileiro estava
contaminado por forças comunistas e pedindo intervenção estadunidense para que a
democracia fosse mantida no Brasil.

3.4.. ENFIM, OS MILITARES SAEM DOS POSTOS


A partir das manifestações midiáticas contra João Goulart, o presidente começa a se
ver completamente sem apoio político no Congresso. A direita, formada pelas classes sociais
mais altas, juntamente aos grandes donos de terras e políticos, começa a ter cada vez mais
apoio da classe média, assombrada pelo fantasma do comunismo reforçado pela imprensa.
Não apenas isso, mas neste momento o centro político antes conciliador começa a se
aproximar à direita.
Sem aliados dentro do Legislativo, Jango decide se voltar às ruas para buscar apoio.
Foi feito o Comício da Central do Brasil, no qual 200 mil pessoas se juntaram para ouvir
palavras de ordem ditas por Miguel Arraes e Leonel Brizola. João Goulart também discursou
e, em sua fala, afastou as suspeitas de intenção de golpe. Os participantes do comício pediam
pela garantia das reformas de base e das instituiçĩes democráticas. A partir desta
manifestação, Jango fez mais um pedido ao Congresso para a aprovação das Reformas de
Base, sendo rejeitado novamente (Napolitano, 2014).
Ao mesmo tempo, começa a se instaurar na elite militar a ideia de um golpe
preventivo, feito apenas como reação às políticas ditas comunistas de Jango, mesmo que o
presidente já tenha tentado desmentir tais alegações. Paralelamente, a direita começa a se
mobilizar para sair nas ruas, ocorrendo no dia 19 de março de 1964 a Marcha da Família com
Deus pela Liberdade, na qual cerca de 500 mil pessoas se reuniram em prol da defesa dos
“valores cristãos e dos bons costumes”.
Em meio ao caos político do momento, ainda ocorre, em frente à sede do sindicato
dos metalúrgicos do Rio de Janeiro, uma grande manifestação de militares da Marinha de
baixa patente, que comemoravam o aniversário da corporação e também pediam melhorias
em suas condições de trabalho. A movimentação desagradou os militares de alto calão, que a
entenderam como um desafio à hierarquia de poder da instituição e logo após, o Ministro da
Marinha retirou-se do seu cargo por conta das pressões políticas. O substituto encontrado pela
presidência, Paulo Rodrigues, não possuía muita influência e portanto, tentou abafar o caso
concedendo perdão aos participantes do ato, acreditando que suas decisões fariam a poeira
baixar. Entretanto, as ações do novo ministro acabaram deixando a elite militar
profundamente desgostosa, colocando os que ainda não acreditavam no golpe a favor do
mesmo.
Assim, no dia 31 de março de 1964, foi iniciada a movimentação de tropas em direção
ao Rio de Janeiro, onde o presidente se encontrava no momento. Todavia, Goulart foi para
Brasília, aceitando sua deposição no mesmo dia, para evitar que o golpe se transformasse em
uma guerra civil. Assim, o cargo de presidente foi declarado vago pelo presidente do senado
Auro Moura Andrade e posteriormente, a chefia do Poder Executivo é novamente assumida
por Ranieri Mazzilli, mesmo que o poder de fato já seja dos militares.

4. OS ANOS DE CHUMBO
Como resultado do golpe sofrido no dia 31 de março de 1964, iniciou-se a ditadura
militar no Brasil. Nos mesmos anos em que se viu o milagre econômico, via-se também
tortura e violência, resultados do abuso do poder das autoridades vigentes. Andavam juntos o
combate contra os comunistas e a repressão em nome da ordem, gerando inúmeras revoltas
populares. Essas manifestações eram respondidas com hostilidade, na forma de terrorismo,
prisão e tiros. Para essa época, foi dado o nome “Anos de Chumbo”, principal matéria-prima
das balas de armas de fogo, letais símbolos da regência verde-oliva. Inserido o presente
comitê no alvorecer democrático que sucedeu a regência militar que golpeou o Brasil, é
fundamental destrinchar a escuridão da ditadura a partir de seu crepúsculo: o que planejavam
as Forças Armadas depois de tomar de volta a república que fundaram 75 anos antes?

4.1. GOVERNO CASTELO BRANCO


Após o breve governo provisório de Ranieri Mazzilli, junto ao chamado Comando
Supremo da Revolução – órgão fundado pelo general Artur da Costa e Silva e responsável
pela instauração do novo regime –, tomaram lugar as primeiras eleições indiretas para a
presidência, como previsto pelo Ato Institucional n° 1 (AIT-01/64):

Art. 2º - A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos


mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela
maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a
contar deste Ato, em sessão pública e votação nominal.

§ 1º - Se não for obtido o quorum na primeira votação, outra realizar-se-á


no mesmo dia, sendo considerado eleito quem obtiver maioria simples de votos; no
caso de empate, prosseguir-se-á na votação até que um dos candidatos obtenha essa
maioria.

§ 2º - Para a eleição regulada neste artigo, não haverá inelegibilidades.

Foi por meio delas que, no dia 15 de abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castelo
Branco foi eleito Presidente da República, tendo concorrido com Juarez Távora e Eurico
Gaspar Dutra.
Como uma de suas primeiras medidas, lançou uma política econômica chamada
Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG), feita sob a gestão de Roberto Campos,
ministro do Planejamento, e de Otávio Gouveia de Bulhões, ministro da Fazenda. O objetivo
era a manutenção, ou recuperação, das taxas de crescimento da economia, que se encontrava
enfraquecida naquele momento, e esse programa de contenção inflacionária pretendia
resolvê-la. Entre seus objetivos mais específicos, estava a redução do déficit público, uma
medida que apresentou certo sucesso, resultados positivos desde o início. Para esse fim,
procurou-se controlar os gastos do Estado e apoiar as empresas públicas através do aumento
de tarifas de serviços, além de aumentar a arrecadação de impostos através de medidas como,
por exemplo, a introdução da correção monetária para o seu pagamento.
Ademais, o direito à greve foi regulado por meio de lei específica, aprovada no
mesmo ano da posse de Castelo Branco, que prescreveu condições para essas paralisações de
modo a tornar o exercício de manifestações legais quase impraticável. Desse modo, criava-se
um obstáculo para reações às medidas econômicas executadas às custas das camadas
populares, uma vez que, junto ao aumento dos impostos, a redução do salário mínimo e a
elevação do preço da gasolina e do pão davam motivo para reação. Segundo o historiador
Boris Fausto (2002), “ Foi o regime autoritário que permitiu a Campos e Bulhões tomar
medidas que resultaram em sacrifícios forçados, especialmente para a classe trabalhadora,
sem que esta tivesse condições de resistir.”
Como resultado dessas medidas, a inflação iniciou um ciclo de redução e a atividade
industrial experimentou forte recuperação. O déficit público foi controlado pela política fiscal
estabelecida no PAEG, o que permitiu alguma simplificação tributária, como por exemplo a
substituição do antigo imposto sobre vendas e consignações pelo imposto sobre venda e
circulação de mercadorias. Mais adiante, já no governo Costa e Silva, o crescimento
econômico começou a superar a inflação,permitindo ao governo ajustar a política monetária,
reduzindo o rigor até então parte do programa econômico.

4.1.1. Os Legalistas e a Linha Dura


Entre seus pares, Castelo Branco não era um dos mais radicais e resistia a iniciativas
que atentassem às instituições. A ditadura começou nas mãos de um militar cuja postura foi
interpretada como legalista, isto é, com apreço religioso pela tradição política do Brasil, que,
em sua visão, só passava por um período necessário de ordenação após a barbárie janguista.
Sem contar a flagrante disputa entre os militares de alta patente responsáveis pelo golpe e
respeitados entre os seus, instaurava-se uma dicotomia importante para compreender o
período militar, entre o lado legalista, aqui representado por Castelo Branco, e a linha-dura
– personificada, neste estágio, sobretudo em Arthur Costa e Silva –, que advogava no sentido
de que o regime militar não deveria se restringir a um tempo de transição que respeitasse as
instituições, mas que as mãos firmes dos generais eram as únicas capazes de reformar e
reordenar o país no caminho certo – e não é segredo para ninguém a violência e o
autoritarismo que se inseriam no rodapé de tais "reformas" e "reordenamento".
Essas divergências entraram em conflito em 1965. O AI-1 havia determinado que as
eleições presidenciais seriam indiretas, mas, as estaduais continuariam diretas. Para o
descontentamento dos militares, no entanto, as eleições estaduais representaram uma vitória
firme para a oposição ao regime, indicando alguma remanescente aspiração democrática por
parte do povo. Isso foi um sinal para a linha dura da necessidade de aumentar o controle do
governo de modo a dar menos espaço aos concorrentes. Então, por influência desse grupo,
Castelo Branco baixou mais três atos institucionais que, assim como o primeiro, contribuíram
para o fechamento do regime.
No dia 17 de outubro do mesmo ano, foi anunciado o Ato Institucional n° 2. A
mudança mais importante que veio a partir dessa medida foi a dissolução de todos os partidos
políticos então existentes. Ficou então instituído um sistema bipartidário que perdurou por
longos anos de ditadura. Esse modelo incluía apenas a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), partido de apoio ao governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que
foi a única oposição permitida. Justamente por ser o único campo oposicionista reconhecido
pelo regime, acabou reunindo vozes que, embora não uníssonas — desde comunistas até
liberais —, tinham em comum a rejeição ao status quo. Nesse escopo, estava posto que as
eleições para a Presidência seriam realizadas em sessão pública por voto nominal no
Congresso Nacional, instituindo-se um certo perigo em todo o processo eleitoral que
apontasse para uma vitória da oposição em frente a um governo flagrantemente disposto a
exacerbar suas medidas. O Presidente eleito, nesse contexto de centralização, teria atribuições
mais veementes, como a declaração de estado de sítio com a duração de 180 dias, a
intervenção federal nas unidades federativas e a cassação de mandatos de demais políticos
empossados, inclusive de outros poderes. Ainda, o documento reforçou os poderes do
presidente, determinando que poderia emitir atos complementares, além de baixar
decretos-lei sobre questões de segurança nacional. No Supremo Tribunal Federal, o número
de ministros aumentou de onze para dezesseis, dando ao governo imediata maioria na mais
alta instância judiciária do país.
Mais adiante, foi aprovado o AI-3, que, visando a evitar situações como a das eleições
estaduais de 1965, definiu que as eleições para as posições de Governador e Vice-Governador
seriam realizadas de forma indireta pela maioria absoluta na Assembleia Legislativa.
Seguindo o mesmo padrão das eleições presidenciais, estas também aconteceriam em sessão
pública e por votação nominal.
Em outubro de 1966, o Congresso foi fechado, para ser reaberto somente por meio do
último Ato Institucional do governo de Castelo Branco, o AI-4. Havia um projeto de uma
nova Constituição em preparo, a qual alterava a Carta para adaptá-la às práticas do regime
sem as flagrantemente desajeitadas tentativas autocráticas de alterar os dispositivos
constitucionais por meio de ato institucional; mas o documento, quando publicizado, gerou
alvoroço no meio da população. Assim, fez-se necessário, aos olhos do governo, convocar o
Congresso Nacional para debater e aprovar o novo texto constitucional. Este, tal qual as
outras iniciativas tomadas previamente pelo poder público, ampliava os poderes do Executivo
e da Justiça Militar, de modo a reforçar o sistema autoritário imposto sem quaisquer
obstáculos institucionais.

4.2. GOVERNO COSTA E SILVA


Nas eleições de 1966, foi eleito Presidente o general Artur da Costa e Silva. Após o
governo castelista, considerado o mais moderado dentre aqueles do período da ditadura, uma
guinada ideológica foi a opção que ganhou destaque no âmbito militar, a troca de poder de
um projeto de transição para um projeto de dominação. Diferente de seu antecessor, Costa e
Silva se alinhava ao setor da linha dura, apresentando um histórico muito favorável ao
regime: não só havia participado do golpe, como também foi um dos componentes da junta
militar que governou o país até a posse de Castelo Branco. Inclusive, suas escolhas
ministeriais divergiram do padrão anterior, não mantendo nenhum nome da antiga equipe e
aumentando o número de militares. Seu mandato foi marcado pela intensificação do caráter
autoritário do regime, assim como a forte repressão a protestos e a manifestações, os quais
foram de grande número na época.

4.2.1. O início do Milagre Econômico


A política econômica do governo Costa e Silva ficou conhecida por ter dado início ao
chamado Milagre Econômico, um período de grande crescimento na economia. Era um
programa desenvolvimentista, que buscava ampliar o investimento interno e incentivar
exportações através de suas medidas. Nessa linha, apoiava-se na realização de pesados
investimentos pelo Estado, o que implicava, no curto prazo, na criação de empregos e injeção
de dinheiro na economia. Parte desse dinheiro foi usado em obras de infraestrutura, como na
construção de usinas, rodovias e outras obras de grande porte. Seu sucesso fortaleceu a
popularidade do governo, mostrando bons resultados ao longo dos primeiros anos.
Claro que, em grande parte, o PAEG, de Campos e Bulhões, contribuiu para que se
atingissem índices tão favoráveis. Além do crescimento enorme do PIB e das exportações, foi
quando se consolidaram várias empresas brasileiras, fortalecendo o mercado nacional. No
entanto, os resultados não eram vistos igualmente por toda a população. As mudanças
atingiam as classes mais altas, e aumentavam a concentração de renda. Na época, seguia-se a
linha de raciocínio de que “o bolo tem de crescer primeiro para depois ser dividido”. 8

8
FOLHA DE SÃO PAULO. Delfim Netto, Os Personagens do AI-5, disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/folha/treinamento/hotsites/ai5/personas/delfimNetto.html>
4.2.2. A resistência
No ano de 1968, a oposição mostrou resistência ao regime como nunca vista antes.
Conhecido como “o ano que não acabou”, foi um tempo de revolta, no qual a insatisfação do
povo superou o medo da repressão. Desde declarações de figuras políticas e religiosas, até
manifestações populares com milhares de pessoas, o governo encarou forte rejeição. No
contexto político, destaca-se a criação da Frente Ampla, por Carlos Lacerda, acompanhado de
Jango e de Juscelino Kubitschek. Lacerda era um jornalista e político que, apesar de ter
mostrado apoio ao golpe em seus primeiros anos, tornou-se um defensor do fim do regime
militar pela redemocratização. O movimento tinha justamente este objetivo: defender a
democracia – muito embora não seja segredo, também, sua latente intenção de fortalecer a
própria imagem para uma possível futura candidatura à presidência.
No município de Contagem (MG), houve uma greve operária com a participação de
quinze mil trabalhadores. Inicialmente, eram menos de dois mil, porém o tempo trouxe a
adesão de mais pessoas com o mesmo interesse. O objetivo era conseguir um reajuste salarial,
de pelo menos 25%, tendo em vista a inflação ainda não completamente solucionada pelos
planos do governo. Apesar da conquista de apenas 10% de reajuste, o movimento teve que
encarar um trato novo do Estado com a tradição política há décadas inflamada da
sindicalização brasileira. Osasco (SP) também foi palco para manifestações do mesmo
gênero, porém levou um fim ainda menos animador. A greve, liderada pelos líderes do
sindicato dos metalúrgicos também exigia reajuste salarial, baseando-se na ocupação da
Companhia Brasileira de Metal Ferroviário, a Cobrasma, por um grupo de três mil
trabalhadores e estudantes. Apesar do esforço, durou apenas três dias, e não obteve resultados
positivos, terminando com manifestantes sendo expulsos da fábrica e alguns até presos.

4.2.3. A repressão
As insurreições populares da época provocaram reações violentas do governo vigente.
Eram muitas as revoltas estudantis, trabalhistas e por pautas liberais. Um caso notório que
desencadeou manifestações de rua foi o de Edson Luís. Trata-se de um estudante que foi
morto pela Polícia Militar em um protesto contra a má qualidade da alimentação fornecida
para os alunos da rede pública. Com a chegada dos policiais, alguns foram imediatamente
presos, e, devido à resistência de outros, houve disparos. Nesse meio, foi morto o estudante, e
o acontecimento se tornou muito conhecido, despertando a indignação da população com o
regime.
Além desse evento, houve a passeata que ficou conhecida como Sexta-feira
Sangrenta. Foi organizada uma manifestação para o dia 21 de junho com o objetivo de
protestar contra a prisão de Jean Marc van der Weid, líder estudantil preso em uma
manifestação em frente à sede do Ministério da Educação e Cultura. Entretanto, no dia
marcado, o evento foi respondido com uma brutalidade exacerbada da polícia, que resultou
em 28 mortes, além de muitos feridos e presos. Mesmo assim, a população não se intimidou
e, dias depois, houve a Passeata dos cem mil, protesto que é provavelmente o mais marcante
da época da ditadura.
A resposta final do governo Costa e Silva, em dezembro de 1968, foi o AI-5. O quinto
e mais severo ato institucional até o momento marcou o início do tempo mais duro da
ditadura. Logo no dia de sua edição, foi decretado recesso do Congresso Nacional, por tempo
indeterminado. Nessa esteira, a medida conferiu ao Executivo, entre outras atribuições, o
poder de suspensão de direitos políticos e cassação de mandatos eletivos de qualquer unidade
da federação sem as limitações constitucionais. A suspensão dos direitos políticos poderia
incluir o direito ao voto, a manifestação política e até a aplicação de medidas restritivas de
segurança. Foi facilitada também a intervenção do Presidente da República nos estados e nos
municípios, bem como a declaração de estado de sítio, em qualquer dos casos previstos pela
Constituição. Quanto a outros direitos da população, foram suspensas garantias
constitucionais ou legais, além da garantia do habeas corpus em caso de crimes políticos,
eliminando uma importante proteção judicial ao direito de liberdade do indivíduo (Gaspari,
2002).
A interferência sobre os demais Poderes ficou claramente configurada pela cassação
de congressistas e de ministros do Supremo Tribunal Federal, o que foi contra uma
característica essencial da República, consistente na separação dos Poderes.

4.3. JUNTA MILITAR


Como vimos, o efervescente ambiente da política brasileira se alterava firmemente,
amparado pelo forte ímpeto da repressão de que dispunham os detentores das armas da nação.
No entanto, não há braço de ferro que sustente as vicissitudes que a natureza, por vezes
impõe, e isso chegou a alcançar o marechal no governo – ao que os generais nos porões
deveriam responder com a frieza de sempre, antes que a oposição fizesse ferver mais ainda
nosso país tropical.
Uma isquemia cerebral deixou o então presidente Costa e Silva paralizado, um
imprevisível obstáculo para o regime. Um simulacro desproporcional foi estabelecido para
maquiar a situação não só para o público civil, como também para o governo, escondendo o
gravíssimo avanço do transtorno do Presidente e traçando os planos que manteriam os anos
de chumbo firmemente alicerçados sobre os fundamentos verde-oliva. Dessa forma, à revelia
da Constituição de 1967, o secretário-geral do governo, general Jayme Portella, se articulou
com os ministros da Marinha, Augusto Rademaker, do Exército, Aurélio de Lyra Tavares, e
da Aeronáutica, Márcio de Sousa Melo para formar um governo. Enquanto jazia o marechal
Costa e Silva moribundo no Palácio da Guanabara, afastado de Brasília, a elite militar redigia
a lápis mesmo o Ato Institucional nº 12, posto em vigor em 31 de agosto de 1969, elevando o
então Presidente a impedimento temporário e legando suas funções, até sua improvável
recuperação, à Junta Militar dos chefes dos Três Poderes (Gaspari, 2002b) – não os de
Montesquieu, mas os dos nossos anos de chumbo. Como qualquer Ato Institucional, o AI-12
se desobrigava de apreciação judicial; ora, é claro: em qualquer cenário político republicano,
avaliaria-se a Constituição em vigor para deliberar acerca da sucessão, e esta considerava que
a ordem daria a Pedro Aleixo, Vice-Presidente, o cargo interino. Aleixo, contudo, era não só
civil, como também um antigo opositor do AI-5 (Fausto, 2006) – até então, maior avanço do
regime em direção ao autoritarismo –, e a linha-dura da ditadura militar brasileira não poderia
suportar que sobre o piso da Alvorada repousassem senão os coturnos dos seus quartéis
(Gaspari, 2002b).
A ditadura jurava ter tudo tão firme em suas mãos, assegurado pelo seu baralho de
atos e decretos expedidos, que não contou com a perspicácia do movimento operário, nunca
antes tão imbuído de força de vontade revolucionária. O primeiro mês sob governo do
triunvirato verde-oliva começou com uma turbulência: na tarde de 4 de setembro de 1969,
integrantes da Ação de Libertação Nacional (ALN) e do Movimento Revolucionário 8 de
Outubro (MR-8) orquestraram um sequestro no Rio de Janeiro ao então embaixador
estadunidense no Brasil, Charles Burkes Elbrick. O Cadillac preto do gringo foi encontrado
sem o gringo, com um motorista desacordado e com uma longa, mas aterrorizante carta, :

A vida e a morte do Sr. Embaixador estão nas mãos da ditadura. Se ela atender a
duas exigências, o Sr. Burke Elbrick será libertado. Caso contrário, seremos
obrigados a cumprir a justiça revolucionária. [...] Os quinze companheiros devem
ser libertados, estejam ou não condenados. Esta é uma ‘situação excepcional’. E nas
‘situações excepcionais’ os juristas da ditadura sempre arranjam uma fórmula para
resolver as coisas, como se viu agora na subida da junta militar. (Tavares, 1977
apud Gaspari, 2002b, p. 90).

Os ainda incompletos cinco dias de governo, permeados por tentativas de fingir ao povo a
recuperação de Costa e Silva – recuperação muito distante de ser real –, eram instáveis
demais para lidar com tamanho caos e tamanha ironia dos curupiras da oposição. À noite, a
carta foi lida nas televisões e nas rádios de todo o país, como uma das exigências da própria
carta; no dia seguinte, a Junta cedeu e prometeu entregar os prisioneiros; no meio desse dia,
baixas e altas patentes do comando militar se posicionaram contra a libertação dos
prisioneiros e até a favor de sua execução; mais um dia depois, oficiais se recusaram a
desfilar no Sete de Setembro, inconformados com a bagunça ocasionada pela parca Junta
Militar; mais tarde, os quinze eram liberados no Aeroporto Galeão, a caminho do exílio na
Cidade do México, ao que os revolucionários responderam com a desova de Elbrick vendado,
barbeado, engravatado e vivo na Zona Norte do Rio de Janeiro (Gaspari, 2002b).

Figura 1 – Fotografia enviada aos sequestradores como prova do embarque dos exilados

Fonte: Folha de São Paulo


Nota: Na fotografia só constam 13 revolucionários porque os últimos 2 ainda seriam buscados no meio da
viagem pelo avião.

Nas horas dos dias 4 a 6 de setembro de 1969, os brasileiros, a mídia e as Forças


Armadas estavam tensos e divididos, evidenciadas as fraturas que se alastravam por um
governo ainda tão brasileiro, enquanto ainda repousavam, sobre a cama, um Costa e Silva
mudo e paralizado, e sobre o peito do embaixador, um revólver travesso e esperançoso
(Gaspari, 2002b). No ínterim desses dias, as Juntas outorgariam os Atos Institucionais nºˢ 13
e 14, autorizando, respectivamente, o exílio aos desafiadores da segurança nacional – do qual
as primeiras vítimas foram os tais prisioneiros libertados –, e a pena de morte aos
participantes de qualquer guerra subversiva revolucionária. O apertamento da repressão se
iniciava a partir daqui, com os novos órgãos de inquisição e tortura trabalhando
irrefreavelmente em direção ao sufocamento violento da subversividade de esquerda (Fausto,
2006). Ao mesmo tempo, a vitória dos subversivos vis-a-vis à fraqueza demonstrada pelas
Juntas criou um novo ambiente para a guerrilha revolucionária: a crueldade acentuada pelo
lado dos militares também foi acentuada entre os guerrilheiros que não se acovardaram frente
às vilezas do pau-de-arara. Qualquer descuido seria brecha para os muito melhor organizados
repressores; qualquer contato seria palco para ferocidades ímpares em resposta ao desafio do
caso Elbrick (Gaspari, 2002b) – afinal, como postulavam os sequestradores em sua carta
manifesto:

Queremos advertir a todos aqueles que torturam, espancam e matam nossos


companheiros que não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Quem
prosseguir torturando, espancando e matando, ponha as barbas de molho. Agora é
olho por olho, dente por dente (Tavares, 1977 apud Gaspari, 2002b).

Ainda restava irresoluto o problema da sucessão. A insatisfação de alguns quadros em


relação às Juntas Militares se revelou enfim em um plano de impedimento do presidente
Costa e Silva e sua substituição por um Vice-Presidente escolhido pela própria elite militar –
sabe-se lá como – com um mandato que se estenderia até 15 de março de 1971, isto é, cerca
de um ano e meio de governo (Gaspari, 2002b). O preferido para realizar a manobra era
justamente o general de quatro estrelas Emílio Garrastazu Médici. No entanto, o mais
arrojado triúnviro em poder, Lyra Tavares, se postou ferozmente contrário à medida:

A manobra do palácio para produzir o vice de dezessete meses naufragou na manhã


de 15 de setembro, durante nova reunião do Alto-Comando do Exército. Tinham-se
passado dez dias desde o último conclave. O debate duraria cinco horas. Lyra
Tavares, que havia pedido aos generais opiniões escritas, entrou atirando. Opôs-se
ao impedimento de Costa e Silva sustentando que “ele mesmo, que é o chefe da
nação, decidirá se terá condições de exercer plenamente os árduos e complexos
encargos”. Como isso poderia ser feito por um ancião mudo, neurologicamente
destituído da capacidade de expressão, o ministro não explicou. “Não cabe ao
Exército nem às Forças Armadas, por si sós, tomarem, imediatamente, decisões
sobre um assunto naturalmente sujeito a especulações e objeto da ansiedade geral.
Nem é para esse fim que estamos reunidos”, arrematou Lyra (Gaspari, 2022b, p.
116).

Não obstante a impavidez do ministro do Exército, o Alto-Comando já havia


encerrado o tema: Lyra Tavares estava desgastado; entre os generais de quatro estrelas, só
restava Médici como opção – por sinal, um íntimo amigo do presidente enfermo, dois
expressivos gaúchos do Exército brasileiro. O descendente de italianos, no entanto, declinou
a proposta com fervor, tendo em vista a indecisão acerca do modo como maquiariam a
eleição de um chefe do Poder Executivo – passando por cima dos demais poderes, além da já
amarelada e úmida Constituição de 1967 – e a improbidade de tal manobra. Depois de
inúmeras e insistentes propostas, paralelas a debates e a ameaças na alta cúpula das Forças
Armadas, Médici foi enfim prometido ao cargo (Gaspari, 2002b).
Em 14 de outubro de 1969, a vencida Junta Militar baixou outro Ato Institucional,
dessa vez o AI-16, em que ordenaram o impedimento do mandato de Costa e Silva,
decretando vagos os cargos de Presidente e de Vice-Presidente da República e definindo
eleições presidenciais para o dia 25 de outubro – isto é, onze dias depois –, cujos vencedores
assumiriam no dia 30. O fim do mandato, no entanto, estava agendado para o
prorrogadíssimo dia 15 de março de 1974. Médici era o unívoco candidato das eleições
militares, ganhando a contragosto a faixa presidencial ao lado de seu agora Vice-Presidente,
Augusto Rademaker, já membro das Juntas pela Aeronáutica (Fausto, 2006). A esse vexatório
período do regime militar, esse amálgama de gambiarras que tornavam evidente a parvoíce
do progresso militar, estampado nas medalhadas fardas verde-oliva que vestiam nossos
Macunaímas armados e empossados: a isso o Congresso Nacional, reaberto e sem escolha,
dava fim; não se sabia, contudo, que galardoava-se com o Planalto o nome responsável por
uma das mais cruéis – senão a mais cruel – era da história do Brasil (Fausto, 2006; Gaspari,
2002b).
Deve ser feito, à revelia da progressão textual épica destes tópicos, um parêntese para
ligar o andamento histórico deste guia. Em contraste com o clima denso do trato político, em
um trato econômico é possível evidenciar um certo sucesso perpassando o período de
governo das Juntas Militares. No caminho da queda da inflação, já iniciada com os
planejamentos iniciados desde Campos e Bulhões (Fausto 2006), contando com uma breve
recessão que deu fim à instabilidade das finanças públicas, Delfim Netto estava caminhando
em direção ao restabelecimento da demanda interna, isto é, do mercado consumidor, além de
prestar incentivos ao investimento muito atraentes, baseados em políticas do Conselho de
Desenvolvimento Industrial (CDI) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE) (Lago, 1989). É claro que a política econômica foi herdada em um avanço veloz e
imponente de Costa e Silva, sob quem se iniciara o milagre econômico; é claro, portanto, que
o curto período de duração do governo das Juntas também não permitiria guinadas no
crescimento – pujante àquele tempo – e deixaria seu ritmo para o sucessor italiano do
marechal moribundo. Isso, contudo, levantava um contraste acerca do qual o Brasil deveria se
postar: havia uma maratona disputada entre o número de mortos e torturados pela ditadura, o
número de crimes cometidos pela resistência, os índices do Produto Interno Bruto brasileiro e
os gráficos da dívida externa; enquanto todos os dados avançavam como balas, a Terra dos
Papagaios ficava confusa sobre para quem deveria torcer.
4.4. GOVERNO MÉDICI
O Governo Médici é historicamente caracterizado como o governo mais autoritário do
Regime Militar. Notável expoente da linha-dura, é indispensável entender esse período desde
as especificidades de seu início. Já é conhecido que o general chegou ao poder no momento
mais sombrio do país: a repressão vinda dos últimos anos deixava o início de seu mandato
tenso e angustiante. Sua postura séria e fria herdava uma crescente na resistência esquerdista
e na repressão ditatorial, e ele não entrou no governo com a pretensão de interrompê-la.
Assim, o quatro-estrelas entrava no Planalto para reorganizar a casa, trazendo em suas costas
os parvos e gélidos anos em que serviu o regime militar.
Emílio Garrastazu Médici fez ativa parte do golpe de 1964, mas a essa altura, não
tinha tanta relevância no meio militar. Contudo, amigo próximo do marechal Costa e Silva,
também recebeu em seu governo uma miríade de cargos, notavelmente a direção do Sistema
Nacional de Informações (SNI), com a função de administrar o órgão que, criado com o
golpe militar, tinha a função de promover as mais importantes missões de espionagem no
interior e no exterior. Com seu cargo, foi capaz de se manifestar em conselho a favor do AI-5,
a fim de que fosse parada com punhos mais firmes os movimentos "contrarrevolucionários"
que identificou no ínterim da espionagem promovida no SNI. Sobre tal relação, lembra
Gaspari (2002b, p. 133):

A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma
conveniência. Para Medici, um fator neutro, instrumento de ação burocrática, fonte
de poder e depósito de força. Não só se orgulhou de ter namorado o AI-5 desde
antes de sua edição, como sempre viu nele um verdadeiro elixir: “Eu posso. Eu
tenho o AI-5 nas mãos e, com ele, posso tudo”, disse certa vez a um de seus
ministros. “Eu tinha o AI-5, podia tudo”, rememorou na única entrevista que
concedeu. Teve uma relação natural com a ditadura, como se ela fizesse parte de um
manual de instrução. Nos dias inquietos do conclave militar, apresentou-se ao país
com um discurso suave, anunciando que “chegou a hora de fazermos o jogo da
verdade” e prometendo que, “ao término do meu período administrativo, espero
deixar definitivamente instaurada a democracia em nosso país”. Menos de dois
meses depois, numa reunião secreta do ministério, explicou-se: “Para fazermos o
jogo da verdade dispomos de órgãos especializados: o presidente da República, de
seu SNI, e os senhores ministros, de suas divisões de segurança e informações”.

Sustentando a ideia de ser diferente de seus antecessores, Emílio governou em silêncio, sem
grandes movimentações e sempre recitando palavras escritas por outros – isso ao menos para
o público, dessa forma, conquistou a estimada estabilidade política que tanto almejava
(Gaspari, 2002b). A despretensão com que governou o general tinha a contrastiva missão –
que cumpriu muito bem – de repôr a ordem política dentro das Forças Militares por meio da
restauração da firmeza com que o regime tinha o costume de lidar com todas as suas tópicas.
Além disso, teve seu governo voltado para o nacionalismo e para o
desenvolvimentismo, iniciando grandes projetos de infraestrutura no escopo do que ficaria
conhecido como I Plano Nacional de Desenvolvimento (Lago, 1989). A mentirosa liberdade
que chegaria com o “milagre econômico”, ainda o faria ganhar apoio popular por uma falsa
promessa de fazer o Brasil virar uma grande potência mundial. Tendo abdicado de seu salário
e de demais regalias – símbolo do homem silencioso e desprendido que sempre fora –, fez-se
parecer simples e preocupado com o futuro econômico do país; mas aos olhos de quem
realmente o enxergava, não passava de uma farsa para esconder o que acontecia por detrás
das cortinas e dentro dos porões (Fausto, 2006; Gaspari, 2002b). Era um general sem a real
vontade de conciliar forças políticas, disposto às maquiagens e à repressão sem limites para
manter as rédeas leves em suas mãos – nas quais, vale acrescentar, caía agora o poder
repressivo contido entre as linhas dos Atos Institucionais, notavelmente o AI-5, que se
tornava mais perigoso sob a frieza do Presidente.
O avanço econômico herdado por seus antecessores prosseguiu em um novo patamar,
relacionando-se com o trato político em um duvidoso contraste. Nessa tônica, Médici
imprimiu sua postura tranquila e reclusa à intensificação blasé dos investimentos públicos, da
asseguração da hierarquia política verde-oliva e da cruel violência estatal. Foi para essas três
áreas que o italiano abriu caminho para sua resolução: para a economia, continuava o já
bem-sucedido Delfim Netto; para o ministério do Exército, o inteligentíssimo – embora de
aromas castelistas – Orlando Geisel; e, para a política, o jurista e ministro da Casa Civil João
Leitão de Abreu, cunhado de Lyra Tavares, ex-ministro das Juntas (Fausto, 2006; Gaspari,
2002b; Skidmore, 1991).

4.4.1. O Primeiro Plano de Desenvolvimento Econômico (I PND)


É notável que a ditadura militar não foi acompanhada nem do soerguimento fascista
do Estado manipulador sobre a economia, e muito menos da empresa liberalizante e
entreguista que estavam esta em sua fase teórica embrionária à época, e aquela atingindo a
senilidade que trazem de presente as décadas a qualquer projeto nacionalista praticado nos
trópicos (Fausto, 2006). Naturalmente, o intervencionismo estatal era um conceito que se
encontrava difuso e disputado no fogo cruzado entre as teorias econômicas clássicas e
críticas, isto é, capitalistas e socialistas. A política econômica verde-oliva passou por debates
teóricos que chegaram ao inexorável planejamento econômico, exercido sob as bandeiras
levantadas como um ethos das forças armadas brasileiras, que chegou a consequências muito
específicas, diferentes das propostas de planejamento econômico que precederam o golpe na
era do trabalhismo. É expoente significativo da economia da ditadura – atrelado ao Plano de
Integração Nacional, também expedido neste governo – o que foi chamado o Primeiro Plano
Nacional de Desenvolvimento, ou apenas Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), na
forma da Lei nº 5.727 de 4 de novembro de 1971, o primeiro projeto perpetrado pelo Estado
golpeado, na forma específica do governo de Médici, em sua intervenção econômica visando
aos horizontes desenvolvimentistas a que se prestava o nacionalismo vociferado pelos
megafones da ditadura; um projeto para desenvolver, na ativa parceria entre iniciativas
públicas e privadas, a nação. Assim, este tópico segue a direção de pormenorizar, por
princípio, o plano, e por fim, a prática, a fim de que se tenha clareza do percurso econômico
que nos fez chegar até a calamidade que cerca tempestuosa as salas deste egrégio comitê.
A título de contextualização, o Ministro da Fazenda Delfim Netto ainda era quem
regia a pasta desde o falecido Costa e Silva, agora acompanhado, desde 1969, pelo Ministro
do Planejamento João Paulo Velloso. A Fazenda, como já esmiuçado à exaustão
anteriormente, seguia perpetrando uma política urgente de contenção da inflação e ampliação
do investimento, pelo caminho da tentativa de reduzir os juros – já que juros altos
representam custos altos para investir e empreender, aumentando, também, o custo dos
produtos em um movimento inflacionário – e de ampliar a participação privada no
investimento total, ou seja, dando mais lugar aos bancos privados para investirem e
contraírem empréstimos na locomotiva da economia brasileira (Lago, 1989). O planejamento
econômico brasileiro configurava seu alvo no horizonte do mundo desenvolvido,
impulsionando-se os setores de bens de capital em grandes obras de infraestrutura (Almeida,
2006; Lago, 1989), gerando resultados positivos explorados em tópicos anteriores; mas o
Brasil entrava, agora, em um novo estágio do planejamento econômico – sinônimo de
intervencionismo estatal – que se propusera a pôr em prática desde ainda antes do golpe.
Almeida (2006, p. 214) faz uma ousada análise dessa fase, inaugurada pelo I PND,
afirmando:

Esse período correspondeu, portanto, ao ponto alto do planejamento governamental


no Brasil e o papel do Estado, não restrito à elaboração de planos e à regulação
geral da economia, foi muito mais extenso e intrusivo do que em qualquer outra
época da história econômica passada e contemporânea. Instituições públicas e
agências diretas controlavam amplos setores da vida nacional, a começar pelas mais
diversas políticas setoriais, não apenas comercial, aduaneira e industrial, mas
também no plano financeiro e creditício (bancos de desenvolvimento, de habitação
e regionais, financiamentos a setores privilegiados), no campo diretamente
produtivo e no de controle de preços, sem mencionar o desenvolvimento regional e
vários projetos de grande porte. As empresas públicas eram consideradas como
parte do arsenal de políticas do governo.
Dessa maneira, vale a pena começar a explorar como foram traçadas as expectativas e
as aspirações do Estado ditatorial em relação à economia a partir do I PND, expedido em
1971 para ser perpetrado entre 1972 e 1974. Em comparação com os demais planos traçados
antes e depois do I PND, este voltava seu foco sobretudo à questão infraestrutural da
integração nacional, perpetrando obras de escopo e relevância assustadores, como a
continuidade da Ponte Rio-Niterói e a Rodovia Transamazônica (BR-230) (Almeida, 2006),
além do inovador crescimento das linhas de metrô em São Paulo e no Rio de Janeiro
(Gaspari, 2002b). Não é possível ignorar, no entanto, os galopantes avanços que o governo
fazia no escopo da indústria de base, especificamente do setor energético, iniciando-se os
investimentos com respeito às hidrelétricas de Itaipu e das Três Marias, além do
ultra-moderno Centro Nuclear de Angra dos Reis, a utilizar as jazidas de urânio descobertas
na região Nordeste (Almeida, 2006; Gaspari, 2002b), constituindo o início de um relevante
processo de substituição de importações de bens de capital e caminhando para certa
autossuficiência nacional na produção de maquinário (Lago, 1989), a ser aprofundado no
ínterim do II PND.
Gaspari (2002b, p. 214) faz uma análise imprescindível dos impactos de tal
crescimento na atmosfera política da ditadura, dizendo:

A oposição, que fora às passeatas de 1968 com faixas pedindo “Democracia e
desenvolvimento”, o que sugeria que sem uma não haveria o outro, vira-se diante de
um governo que oferecia ditadura e progresso. [...] Um em cada dois brasileiros
achava que o seu nível de vida estava melhorando, e sete em cada dez achavam que
1971 seria um ano de prosperidade econômica superior a [1970]. Era o Milagre
Brasileiro. O século XX terminaria sem que o país passasse por semelhante período
de prosperidade.
O governo festejava o progresso associando-o ao imaginário do impávido colosso,
gigante pela própria natureza. Potência nuclear? O Ministério de Minas e Energia
revelara a descoberta de excepcionais jazidas de urânio no Nordeste e anunciara a
compra de uma usina atômica, a ser montada em Angra dos Reis. Integração
nacional? Medici determinara a construção da rodovia Transamazônica, que
rasgaria 2280 quilômetros de mata tropical, ligando o Maranhão ao Acre. Gigante
soberano? Estendeu-se a duzentas milhas da costa o limite das águas territoriais
brasileiras. Tecnologia nacional? A Embraer recebera 230 milhões de dólares para
fabricar o primeiro jato brasileiro. Obras históricas? Acelerou-se a abertura dos
metrôs do Rio de Janeiro e de São Paulo, e anunciou-se o início da construção da
ponte que atravessaria a baía de Guanabara, ligando a praia do Caju a Niterói.

Não havia motivo aparente para repudiar os meios ditatoriais de estabelecimento do poder
militar quando deparando-se com uma decolagem tão pujante da economia brasileira9. A

9
O crescimento do PIB costuma ser o indicativo mais acessado para se diagnosticar a expansão da economia de
um país, e o milagre econômico contava com uma média incrível de 11,2% entre 1968 e 1973, com uma
máxima de 14% em 1973 (Almeida, 2006, p. 211). Vale aprofundar-se na elencagem de dados que Lago (1989,
democracia já dera o que tinha que dar: décadas de crescimento aos solavancos,
acompanhado de crises de inflação, de crédito e de dívida externa entre 1945 e 1964; agora
era vez da oposição encarar fatos duros que comprovaram a capacidade da firmeza
verde-oliva em oferecer os fundamentos para o "impávido colosso" que representava o Brasil
militar – pago com o temerário preço da censura e da repressão (Gaspari, 2002b).
Além disso, o país também brilhava para o exterior como uma alternativa de
alavancagem financeira explosiva, com taxas extraordinárias de crescimento da bolsa de
valores (Gaspari, 2002b), o que dava sinais de prosperidade para qualquer investimento
estrangeiro que pudesse ser feito, isto é, uma quantidade maciça de dólares eram emprestados
ao Brasil anualmente para realização das obras megalomaníacas e dos investimentos na
incipiente e promissora indústria brasileira. É aqui, contudo, que chegamos ao revés
envolvido no milagre econômico: o endividamento externo. É notável que eventos externos
foram cruciais para os bons resultados da balança comercial10, mas a participação
surpreendente da nossa produção no total de transações do mercado internacional foi o que
gerou confiança para uma quadruplicação da dívida externa até 1973 (tomando como
referência 1966), principalmente, mas não exclusivamente, por parte das empresas públicas
(Lago, 1989).
Por fim, vale a pena levar em conta o início do milagre econômico – sob a lente, aqui,
do I PND – pelo caminho do sucesso social, o que pode denotar certo progresso em termos
brutos, mas um fracasso desigualitário em termos relativos. Evidentemente, o avanço
industrial na produção de bens de consumo – especialmente, bens de consumo duráveis –
considerado na análise de Lago (1989) é um indicativo latente de uma modernização das
condições de vida da população brasileira, sobretudo de classe média, que agora tinha acesso
facilitado pela produção interna e pelos baixos juros a meios de transporte particulares e a
eletrodomésticos, sem contar com a pujante indústria de construção e os bem-sucedidos
programas de crédito à habitação. Por outro lado, Fausto (2006) argumenta na direção de
compreender o colossal avanço econômico apenas como o símbolo do progresso, de um
Brasil em constante avanço praticado pela rigidez de uma ditadura militar tropical, analisando
dados que flagram a desigualdade mantida no país até 1973, como os 75% dos cidadãos

p. 238-242) concernentes a setores específicos da economia e seus respectivos crescimentos, a fim de


compreender setorizadamente onde residiram os melhores e mais substantivos investimentos.
10
Lago (1989) faz a ressalva da crise envolvida no encarecimento da energia em fins de 1973, com o boom do
petróleo durante a manifestação dos países árabes produtores de petróleo em represália à Guerra do Yom Kippur.
No entanto, resultados positivos são encarados na participação galopante de bens industrializados na massa de
exportações brasileira, decorrente do investimento privado em infraestrutura industrial para produção de bens de
consumo e do câmbio progressivamente desvalorizado.
brasileiros que ganhavam mensalmente até dois salários mínimos. Notavelmente, a contração
da inflação deixou
Dessa maneira, o I PND se mostra uma marca da ditadura militar: sob a farda
verde-oliva, estavam prometidos a ordem e o progresso; era responsabilidade dos guardiões
do colosso ditatorial comandar o avanço, guardando-o das subversões de outrora a ferro e
fogo – e chumbo –, a que a população comum não deveria ser senão grata. Como tudo nesse
regime, no entanto, estavam guardados nos porões as bombas que estourariam em algum
momento, mas não era uma preocupação imediata. Por trás dos muitos números enérgicos
propagandeados à exaustão do Oiapoque ao Chuí, atestado da competência dos militares em
contraste com a confusão da era trabalhista, subjazia não só uma inadvertência em relação à
pobreza e à desigualdade no país, como também um progressivo endividamento que, uma
hora ou outra, precisaria ser encarado. É nesse contexto que não poderia haver nenhum
espaço para insurgências; é nesse contexto que a mão do Estado deveria ser mais firme do
que nunca, a fim de deixar escondidos debaixo dos seus coturnos o que jamais poderia ser
exposto.

4.4.2. Mais repressão


Não é possível negar que o aparato estatal de controle violento já estava muito bem
estabelecido desde que a ditadura começou, e notavelmente aprimorado a partir do AI-5.
Costa e Silva já se valia à extensão de órgãos como a Oban, o CIE, o Cenimar e o SNI – este
sendo o órgão de que saiu o agora Presidente. No entanto, depois do sequestro do embaixador
Charles Burke Elbrick, símbolo de organização das já mobilizadas forças de guerrilha,
Médici foi quem herdou a responsabilidade de sufocar a todo o custo a resistência. Se foi sob
Costa e Silva que a repressão tomou seu caráter violento e persecutório, foi sob Médici que
ela foi acentuada, e de maneira ímpar. Representando o auge da violência durante o regime
militar, seu governo contou com uma significativa acentuação das perseguições, das torturas
e da censura dos meios de comunicação (Skidmore, 1991).
Um governo frágil, instável não só pelas fragmentações no meio político e no corpo
militar, como também pelos compromissos financeiros que acumulava em seu pretenso
milagre, não poderia, como já afirmamos, deixar florescerem aos olhos públicos as podridões
dos seus porões. Para esse fim, a censura, até então prontamente praticada, era a mais firme
solução. Valendo-se dos dispositivos preexistentes, o regime já podia pôr em prática a
repressão dos meios de comunicação pela simples interpretação de seus riscos à segurança
nacional. Não só os artistas e intelectuais brasileiros eram submetidos a censura e a exílio,
mas até os políticos de oposição emedebistas tinham seus fervorosos discursos cortados nas
transmissões de TV (Skidmore, 1991). Em 1970, quando O Pasquim, um pequeno jornal
popular, publicou uma entrevista com a atriz Leila Diniz falando sobre seu amor livre, além
de outras afrontosas, picantes e recheadas de palavrões críticas ao regime, o governo fez
vigorar o Decreto-lei nº 1.077, o chamado Decreto Leila Diniz, pelo qual o governo se munia
da censura prévia – isto é, sem a obra ter sequer sido publicada – a qualquer conteúdo
moralmente subversivo; a qualquer ataque às tradições (Gaspari, 2002b).

Figura 2 – Capa da edição nº 22 d'O Pasquim

Fonte: O PASQUIM. Leila Diniz: &$£7! O Pasquim, 20-26 nov. 1969, nº 22. Disponível em:
https://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=124745&pagfis=145

Importante como a censura, porque vale manter-se neste nível por mais um parágrafo
antes de descer mais um andar nas catacumbas verde-oliva, foi a propaganda de Médici. Os
artistas brasileiros – Caetano, Chico, Gil – estavam exilados, embora suas canções, antes de
terem sua circulação vetada e seus discos destruídos, chegavam a atingir mais de 100 mil
exemplares; ademais, a chamada "imprensa nanica", jornais recentemente fundados e de
circulação limitada, fazia um certo sucesso nas bancas, espalhando pelas cidades grandes suas
charges, entrevistas, colunas e reportagens acentuadamente irônicas, como as canções da voz
tropicalista (Gaspari, 2002b). No entanto, não tinham relevância frente ao establishment da
propagando. Afora isso, os desfiles organizados pela ditadura em cooperação com a grande
mídia – sobretudo, na figura da Rede Globo – eram um sucesso (Gaspari, 2002b). Skidmore
(1991, p. 284) avalia as propagandas veiculadas pelo governo coadunado com a mídia
empresarial:

Certas frases de efeito davam bem a medida da filosofia que embasava a


[Assessoria Especial de Relações Públicas]: "Você constrói o Brasil!" "Ninguém
Segura Este País!" "Brasil, Conte Comigo!" Um estudo de 116 spots contratados
com 24 agências de propaganda mostrou que 80 por cento exaltavam a importância
do trabalho, o valor da educação e o papel construtivo das forças armadas. As
mensagens eram razoavelmente sutis, com habilidoso uso de imagens sonorizadas e
o emprego de frases extraídas da linguagem popular. Destinavam-se as mensagens,
nas palavras do coronel Octavio Costa, a fortalecer "uma saudável mentalidade de
segurança nacional" que é "indispensável para a defesa da democracia e para a
garantia do esforço coletivo com vistas ao desenvolvimento". O uso da televisão em
campanhas promocionais não surpreendia. O Brasil emergira subitamente como um
dos mais dinâmicos mercados de TV do Terceiro Mundo.

Não é possível dissociar, também, a evolução da produção nacional de bens duráveis,


como eletrodomésticos por exemplo (Lago, 1989), avaliado no tópico anterior, do alcance da
propaganda por meios telecomunicacionais. As rádios e as televisões eram alvo das mais
chamativas propagandas, com o alarde dos números do milagre e com as emocionantes frases
em garrafais, e isso só foi possibilitado pelo acesso estendido aos aparelhos e às emissoras de
televisão pelo Brasil decorrente da industrialização do milagre. O consumo deixava o povo
inexoravelmente exposto à influência da ditadura. Skidmore (1991, pp. 284-285) prossegue:

Em 1960 apenas 9,5 por cento das residências urbanas tinham TV, mas em 1970 já
chegavam a 40 por cento. Quando Médici assumiu, o Brasil tinha 45 emissoras de
TV licenciadas. Seu governo concedeu mais 20 licenças e nesse processo ajudou
consideravelmente o crescimento da Rede Globo. Criada por um império
jornalístico conservador muito bem sucedido, a TV Globo aceitara anteriormente
financiamento parcial das organizações Time-Life. Seus adversários - especialmente
aqueles ligados a uma rede de TV concorrente que estava perdendo suas licenças
para a TV Globo - denunciaram que os laços financeiros desta com Time-Life
violavam a lei brasileira de telecomunicações que proíbe a propriedade por
estrangeiros de órgãos de comunicação. O governo rejeitou a denúncia, e a TV
Globo continuou a crescer, ultrapassando suas concorrentes como líder de
audiência. Diziam seus críticos que esta ascensão podia ser explicada pela defesa
dos interesses oficiais através da programação da Rede Globo durante o governo
Medici.

A censura se acentuou, em uma confrontação sóbria e fria à subversão. O governo,


feito de chacota, não precisava levantar o cacetete para embarreirar a difusão das opiniões
negativas sobre ele – embora o fizesse diversas vezes, como "boicotes econômicos, censura,
duas bombas e [...] prisão de quase toda a sua redação" (Gaspari, 2002b, p. 224) dirigidos aO
Pasquim, por exemplo: bastava confiscar as páginas, pisar os discos e turbinar as figuras de
um Brasil decolando sobre a flâmula da Ordem e do Progresso. Era nosso Pindorama, de
repente tão irreconhecível, que ganhava pela terceira vez a Copa do Mundo de Futebol em
1970; eram nossos os mais de 10% de crescimento anual do PIB; eram nossas as usinas e as
estradas que faziam o país caminhar para o pódio do mundo; era nosso o destaque global nos
trópicos. As palavras de Médici eram estampadas ao lado de um Pelé comemorando o gol da
final: "Ninguém segura mais este Brasil." (Skidmore, 1991).
A herança que Médici recebeu no que tange ao estabelecimento da oposição política
no poder também parecia, ao ver das Forças Armadas, extasiante. Desde que o AI-5 havia
sido outorgado, 105 parlamentares da oposição já tiveram seus mandatos cassados, perdendo
o MDB dois terços de seus líderes na Câmara. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, se
encontrava esticado para fazer surgirem as cadeiras disponíveis para nomeação de Médici, ao
que o Presidente do STF, Antônio Gonçalves de Oliveira, junto com seu sucessor, Antônio
Carlos Lafayette de Andrada, responderam com suas demissões (Gaspari, 2002b). Com um
número nunca antes imaginado de Atos Institucionais – Médici assumiu com 17 –, o general
assumiu o poder com uma oposição ainda retraída: o sufocamento do movimento estudantil
pela prisão ou pelo expurgo de 65 professores universitários, um deles sendo o sociólogo
Caio Prado Jr. (Gaspari, 2002b); uma Constituição que suprimia as atribuições e até as
cadeiras do Legislativo na federação e nos estados (Skidmore, 1991); um Ato Complementar
que diminuía o poder de investimento dos estados, concentrando-o na esfera federal (Gaspari,
2002b); um número bem desanimador de eleitos pelo MDB no já depauperado Congresso
(Fausto, 2006) e entre os governadores (Skidmore, 1991) que não perdiam tempo no apoio à
crescente repressão em curso.
Skidmore (1991) dedica algumas linhas para elaborar o trabalho feito por Médici nas
reformas eleitorais, a fim de organizar novamente a política que precisava estar mansa nas
tenras mãos da ditadura. Alterou as datas das eleições legislativas em relação às eleições
municipais, agora descompassadas, para não afetar o resultado local da ARENA em um
cenário de oposição às decisões do governo; mudou bases de cálculo para as eleições
legislativas, agora por eleitor registrado, o que favorecia o Centro-Sul do país; impôs a
obrigatoriedade de mesmo partido para deputado estadual e federal votado, a fim de atrelar o
resultado local ao resultado federal, dando mais poder à federação. Seu trato, para Skidmore
(1991), tinha o viés de manter as eleições, pela tradição democrática brasileira, em
funcionamento, mas mesmo assim se valer de manobras que aumentariam o domínio arenista,
que tinha, havia quase 10 anos, a máquina pública turbinada em suas mãos.
Da mesma maneira, Gaspari (2002b) detalha como o empresariado brasileiro também
era o alvo da manipulação e do controle ditatorial sob o quatro-estrelas. O famoso banqueiro
Walter Moreira Salles, proprietário de uma miríade de instituições financeiras altamente
lucrativas, foi o primeiro a ser firmemente constrangido no ínterim das punições ao jogo do
bicho: fora apoiador de Jango, financiador do Última Hora – jornal que apoiou até o fim a
herança varguista; agora, estava sob a atenta vista dos militares, que ameaçaram chamá-lo,
como a muitas personalidades, só pelo truque de tê-lo depondo em um dos órgãos do
governo, seja a Receita Federal, seja mesmo o SNI. Confiscaram-se meios de produção e
documentos de empresas a fim de manter a postura do governo acima das aspirações de
quaisquer outros poderes. Aqueles que outrora financiaram a revolução de 64 já não tinham
mais tamanho poder de enrolar, segundo os próprios desígnios, o país. Era, portanto,
responsabilidade do governo agir segundo os seus ímpetos desenvolvimentistas a fim de que
os burgueses mantivessem crescentes os seus lucros, e os militares, silentes os seus súditos,
como afirma Gaspari (2002b, p. 240):

As organizações de industriais, fazendeiros e comerciantes mobilizadas para


financiar a Operação Bandeirante captaram tanto o recado da coerção como os
sinais sedutores do regime. Perceberam a essência da lógica desmobilizadora
segundo a qual cabia ao estudante estudar, ao operário trabalhar, ao padre rezar, aos
empresários ganhar dinheiro e ao governo cuidar de que cada um cumprisse suas
obrigações.

Quem fosse inteligente, notaria que a fórmula residia em caminhar com o governo –
cujo país "Ninguém Segura" – e manter rodando as engrenagens dessa locomotiva. Os acenos
à direita – com a vigilância ao empresariado – e à esquerda – com a prisão de professores –
tinham a intenção de cumprir a missão para a qual o italiano foi comissionado: reorganizar a
cena política, militar e econômica nas mãos do regime.

A ditadura assumira o controle das chaves dos cárceres e dos cofres, os partidos
políticos estavam inertes, a atividade parlamentar resumira-se ao exercício de
investigação dos limites do Congresso, e os empresários faziam seus negócios no
varejo enquanto seus órgãos de classe banqueteavam o regime no atacado.
Concluíra-se o processo de desmobilização da sociedade brasileira (Gaspari, 2002b,
p. 241)

Notavelmente, a opinião pública na ditadura era uma espada na mão do ditador,


podendo ser manipulada e movida para o sentido que bem se desejasse, mas na qual não se
poderia prescindir, sob o risco de perder a sua melhor ferramenta de defesa e de ataque. O
Brasil estava submisso ao espadachim, ainda mais quando se recordava do carro ou da
geladeira que comprou a baixos juros – ainda mais quando se recordava dos perniciosos
índices inflacionários a que lhe submetera o espectro do comunismo que antecedeu a
revolução militar. Restava saber o que jazia sete palmos abaixo desse Brasil, enterrado pela
tortura e pelo sequestro – algo sobre o que uma pátria, com os olhos vidrados em suas telas
azuis, verdes e amarelas, não se interessaria tão cedo.
A tortura já estava presente sob Costa e Silva, mas Médici ficou conhecido como
aquele que a levaria ao seu pico. Em resposta às vitórias que se podiam observar desde o
fiasco do caso Elbrick, os porões diversificaram suas técnicas e as aplicavam com ainda
menos pudor, a ponto de os torturados mais resistentes não aguentarem nem sequer um dia
sem delatar os colegas, sob constantes aplicações de "choques elétricos, surras, quase
afogamentos, execuções simuladas e acompanhamento forçado da tortura de amigos ou
membros de sua família" (Skidmore, 1991, p. 304). A intensificação das atividades de tortura
estavam relacionadas ao maior empenho que o regime despendia em encontrar, por meio das
delações, os guerrilheiros fugitivos. Gaspari (2002b, p. 162) põe em números:

Entre 1964 e 1968 foram 308 as denúncias de torturas apresentadas por presos
políticos às cortes militares. Durante o ano de 1969 elas somaram 1027 e em 70,
1206. De 1964 a 1968 instauraram-se sessenta [Inquéritos Policiais Militares] contra
organizações de esquerda; só em 69 abriram-se 83 novos inquéritos. O da ALN
formou doze volumes, com 3 mil páginas e 143 indiciados. Em apenas cinco meses,
de setembro de 1969 a janeiro de 70, foram estourados 66 aparelhos, encarceradas
320 pessoas e apreendidas mais de trezentas armas.

O temerário início do governo Médici era símbolo de terror para os resistentes, que já
sufocavam. No ímpeto da reordenação da estrutura de poderes, a grande inovação que o
general trouxe à tona, ao lado de seu ministro Orlando Geisel, foi a criação dos
Departamentos de Operações em Informação (DOIs), um órgão subordinado ao Exército em
que se concentravam todas as atividades relacionadas à repressão e ao controle dos inimigos
do Estado. Da mesma maneira que órgãos que o antecederam, como a Oban – com a exceção
de o destacamento novo ser jurisdição do Exército –, os DOIs encerravam em si todas as
atribuições necessárias à legalidade de uma perseguição: a investigação, a análise, o
mandado, a busca e a punição, da maneira que fosse necessária. Para aplacar os ânimos no
meio das demais Forças Militares, Médici articulou a divisão dos DOIs por zonas, sobre as
quais a responsabilidade não estaria sujeita à patente, mas à nomeação, sujeita ao Exército;
atrelado a eles, havia os Centros de Operações de Defesa Interna (CODI), colegiados
chefiados por oficiais do Exército, mas com alguma participação, embora parva, das demais
forças. Os DOI-CODIs foram estabelecidos a partir de julho de 1970 em cada estado, entre os
quais o paulista e o fluminense eram, de longe, os mais movimentados; as instalações foram
finalizadas em 1971, quando o sistema já se tinha espalhado por todo o Brasil (Gaspari,
2002b).
Gaspari (2002b, pp. 183-184), enquanto detalha as funções de cada destacamento do
DOI-CODI, trata daquele relacionado à análise e à informação:

Dentro do porão, estava a razão de sua existência: a seção de informações e análise.


Esta tinha dois braços. Um, de análise, recebia informações, mantinha fichários,
estudava interrogatórios e documentos. Cada organização perseguida
transformava-se numa pasta onde se colecionavam dados históricos, arrolavam-se
as ações por ela praticadas, e atualizavam-se listas de nomes de militantes. A
subseção de análise cuidava também de álbuns com fotografias e dados biográficos
de cada suspeito. Ela alimentava o coração do DOI: a subseção de interrogatórios,
que era composta por 36 pessoas, divididas em seis turmas. Três chamavam-se
turma de interrogatório preliminar. A cada uma delas estava apensa uma turma
auxiliar, encarregada das minudências burocráticas do cotidiano da prisão, cuidando
da carceragem e da versão datilografada dos interrogatórios. Cada turma tinha seis
pessoas. Portanto, nos DOIs de São Paulo e do Rio de Janeiro havia, a qualquer
momento, pelo menos seis funcionários prontos para interrogar um preso.

Além do preocupante caráter autárquico e crescente pelo qual rumava a repressão no


Brasil, não é possível deixar de notar a interferência dos Estados Unidos da América nos
processos investigativos internos, relacionados à nossa segurança nacional estritamente.
Naturalmente, o império ainda fazia cobranças com a assinatura do Presidente Robert Nixon
em relação ao combate à pobreza e, é claro, ao comunismo no país (Skidmore, 1991). Ao
mesmo tempo que cobrava uma abordagem um tanto mais humanitária no que diz respeito à
repressão, também separava programas de treinamento de métodos para inteligência e
espionagem, entre eles a tortura (Gaspari, 2002b). Em novembro 1970, o primeiro Presidente
comunista da América Latina alçara-se ao poder por vias eleitorais no Chile, abrigo para
muitos dos intelectuais e militantes brasileiros exilados, como Paulo Freire: o médico e
marxista Salvador Allende era agora a maior pedra no sapato do democrata na Casa Branca, e
não era sua intenção deixar que suas demandas pessoais fizessem cair a ditadura brasileira
pelo afrouxamento de sua repressão (Gaspari, 2002b). "Quaisquer que fossem suas restrições
sobre violações dos direitos humanos no Brasil, o governo Nixon decidiu apoiar
publicamente o governo Médici" (Skidmore, 1991, p. 376); "O governo Nixon apoiou a
ditadura, e os funcionários que desenharam essa política sabiam o que sucedia nas prisões. O
regime não precisava de mais" (Gaspari, 2002b, p. 312).
A repressão sob Médici era sobretudo vil. Ninguém estava fora da mira dos mais
leves aos mais pesados métodos de perseguição, tortura e punição. Os DOI-CODIs faziam os
papéis de juiz, investigador e executor ao mesmo tempo, nesta tragédia real à qual a platéia
preferiu virar os olhos. Suas consequências, no entanto, foram surpreendentemente eficazes:
o projeto do Presidente de amansar os corcéis da carruagem brasileira se sucedeu muito bem,
visto que impôs muito bem o terror e dispersou as lideranças dos movimentos que fustigavam
o pleno guiar da ditadura (Gaspari, 2002b). Skidmore (1991) argumenta que não era interesse
dos setores médios brasileiros pleitear seja a segurança nacional, seja os valores democráticos
populares: ver os números de um Brasil decolando, o que, embora, por vezes, de maneira
mínima, aparecia nas prateleiras do mercado, era o suficiente para manter-se desmobilizado,
dando lugar à aliança entre a linha-dura militar e os empresários tecnocratas, tomando de
assalto o país enquanto escondem seus opositores pendurados no pau-de-arara. Resta
explorar, então, o caminho percorrido por essa oposição durante a sufocante era de mais
densas trevas em toda a ditadura militar brasileira.

4.4.3. Mais resistência


Conhecemos os caminhos que tomava a oposição à ditadura: os emedebistas
guardavam consigo o baluarte da democracia, o discurso republicano em palanque, ora
cansado, ora ardente, mas nunca eficaz; já os revolucionários se arrebanhavam em
organizações de guerrilha no campo e na cidade, afrontando o Brasil verde-oliva com seus
ardis televisionáveis, mas sem angariar do Brasil popular tanta empatia assim. O divisor de
águas que representou o sequestro do embaixador Elbrick – seguido de muitos outros
(Skidmore, 1991; Gaspari, 2002b) – legou ao general Médici um período de intensificação no
embate entre a máquina esmagadora do Estado e os revolucionários que, treinados por
revolucionários, viram no combate armado a única solução para um país tão extremamente
tomado quanto o de 64. Notavelmente, as faces da resistência que eram refletidas no meio
legal institucional do que ainda restasse de aparato democrático era, em algum grau relevante;
no entanto, o destaque sob Médici residia na épica da luta armada, visto que o MDB e a
imprensa pouco logravam em seus objetivos (Skidmore, 1991; Gaspari, 2002b; Fausto,
2006). Dessa forma, limitar-se-á aqui ao detalhamento do combate frontal ao regime, ou
melhor, daquele que não se conteve nos discursos.
Médici teve a sorte de contabilizar, logo que se acomodou no Palácio do Planalto, um
feito ímpar: em 4 de novembro de 1969, foi assassinado pelas forças do delegado Sérgio
Fleury, do DOPS do Rio de Janeiro, o nêmesis da ditadura, Carlos Marighella. Proeminente
líder socialista, ex-deputado federal, industrioso escritor de discursos e de poemas, partícipe
de famosos escritos e convenções do Partido Comunista Brasileiro, este ainda em
recuperação depois dos violentos golpes e cismas que sofreu desde Vargas, foi dos que não se
acovardaram quando os fuzis das Forças Armadas tomaram o Brasil de assalto: muito pelo
contrário, mal esperou um mês de idade do golpe para reunir seus camaradas e traçar
diretrizes para a luta armada por vir. Igualmente, o golpe mal esperou um mês de idade para,
em 9 de maio de 64, arquitetar uma missão de captura que o seguiu, ele já ciente do risco que
corria, até o cinema, onde cercado, antes de lutar pela vida e tomar um tiro que quase o
matou, urrou: "Matem, bandidos! Abaixo a ditadura militar fascista! Viva a democracia! Viva
o Partido Comunista!" (Magalhães, 2012, p. 13). Seria sua primeira e única prisão pelos
militares, a cujos horrores sobreviveu a duras penas antes do seu habeas corpus, que só veio
dia 28 de julho. Já havia sido preso quando jovem, sob a ditadura de Vargas, mas dessa vez
saía ferido, doente e desencantado com a responsabilidade do Partido. A ditadura, contudo,
não lhe deu escolha: já em 1966, seu nome constava na lista de perseguidos do DOPS,
obrigando-o a viver como foragido na pátria que tanto amava. Castello Branco era um vil
ditador que tinha roubado os direitos de inúmeros cidadãos em atentado à democracia. O que
se seguiu era ainda mais desprezível, e em resposta a isso, Carlos Marighella assinaria seu
nome como organizador da guerrilha revolucionária que se lançaria contra o regime
(Magalhães, 2012).
O afã guerrilheiro que enchia o peito do escritor era recorrentemente levado por ele às
clandestinas conferências do Partido, que, para ele, havia se burocratizado e se enclausurado
nos protocolos e nas teorias marxistas sem deixar-se enxergar, pelas frestas, a praxis
revolucionária. Desentendido com o PCB, viajou para Cuba, onde recebeu treinamento e
participou de conferências; e de onde voltou para liderar a luta armada contra a ditadura.
Expulso do Partido junto com camaradas, como Joaquim Câmara Ferreira, disseminou seu
Minimanual do guerrilheiro urbano, difundido em todo o mundo, e fundou a Ação de
Libertação Nacional (ALN) a fim de colocar em prática a luta revolucionária pela qual
prezava. Em abril de 1968, a ALN praticou seu primeiro assalto a instituições financeira,
angariando recursos para próximas missões, dessa vez frontais ao regime (Magalhães, 2012).
O crescimento da organização foi veloz, incitando atos, plantando bombas, planejando
assaltos, distribuindo comida em comunidades pobres: até 1969, o rosto de Marighella, agora
de codinome Professor Menezes, já estava estampado em pôsteres, revistas e panfletos de
todo tipo, procurados pela sua subversão na guerrilha urbana. Gaspari (2002b) identifica que
Marighella era muito menor do que toda a sua fama em 1969, visto que a ALN não perpetrara
quase nenhuma ação muito relevante naquele ano, sucedendo-se mal no planejamento da
guerrilha, mas recebendo a atenção do Brasil ditatorial, recebendo humildemente a figura de
herói da luta armada revolucionária.
O delegado Fleury, famoso executor carioca e chefe do DOPS do Rio de Janeiro,
havia muito aliado ao Esquadrão da Morte, um grupo de milicianos que se encarregavam de
capturar ameaças ao governo, já estava no encalço do comunista. Por meio da tortura de
parceiros, Marighella foi encontrado e atraído para a ratoeira. Foi morto a tiros em novembro
de 1969, no quarto dia do governo Médici, encontrado e reconhecido com terror por vizinhos
e transeuntes em um fusca depois dos estampidos (Magalhães, 2012). A ALN passou a ser
dirigida por Joaquim Câmara Ferreira, o Velho – chefe da missão de sequestro de Charles
Elbrick –, que foi capturado em 1970 e morreu na tortura. Eduardo Leite, o Bacuri, também
foi assassinado, deixando um tanto quanto órfã a luta armada (Gaspari, 2002b). A moral da
guerrilha estava baixa. Todos choraram quando viram o Menezes, baluarte da esperança nas
trevas da ditadura, falecido desarmado, tendo sucumbido pelas mãos de Fleury.
Do mesmo modo, outras organizações também estavam a caminho de terem apagadas
suas chamas. Carlos Lamarca foi um exemplo: capitão desertor do Exército, se associou em
janeiro de 1969 à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um dos braços armados da Ação
Popular (AP) (Skidmore, 1991). Pouco depois do início de sua carreira na guerrilha, Lamarca
liderou o sequestro ao embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, no dia 7 de dezembro de
1970, na tônica do que a Dissidência Universitária, a ALN, o MR-8 e a VPR haviam
organizado no episódio de Charles Burke Elbrick. Os revolucionários enviaram um pedido de
70 prisioneiros, dos quais o governo vetou 13, respondidos com substituições.
Contrapropostas eram enviadas de ambos os lados e a tensão aumentava a cada momento,
sem se ter a certeza de que haveria a troca, ou se o embaixador precisaria ser executado: os
sistemas de inteligência já estavam munidos dos cálculos que decorreram de sequestros
anteriores, frios sob a égide do projeto de controle que Médici, desde o início, anunciara que
iria perpetrar (Gaspari, 2002b). Enfim, em 13 de janeiro de 1971, mais de um mês de
arriscado sequestro, um acordo foi encontrado e 70 presos foram libertos e banidos em troca
de Bucher, entregue em segurança. A inteligência parecia muito mais sufocante depois dos
dias de Médici, e a militância sentia isso.
Lamarca é uma figura interessante para compreendermos o contexto da guerrilha no
cenário específico rural. Em junho de 1971, o ex-capitão foi lutar pelo Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) no interior da Bahia, recusando-se a refugiar-se no
exterior (Skidmore, 1991). Não teve a oportunidade de atuar por muito tempo: em setembro,
Lamarca foi localizado. O método foi o mesmo utilizado para encontrar Marighella e os
quadros da ALN, torturados colegas do MR-8, além da esposa de Lamarca. Sua casa ficou
cercada por um tempo, e não conseguiu fugir da perseguição. Lamarca foi assassinado a tiros
no sertão baiano, aspirando a remeter à Guerra dos Canudos, à biografia de Euclides da
Cunha. Mesmo depois da morte, conteúdos que lhe eram associados foram proibidos por dias,
evidenciando a raiz de medo que ainda respirava o regime, mesmo sério e frio sob Médici
(Gaspari, 2002b).
Algumas frentes da militância abriram suas lutas no âmbito rural, mas o sufocamento
sobre elas estabelecido pelo regime verde-oliva foi regra em todos os casos. Normalmente,
seguiam no caminho de obter propriedades com dinheiro dos assaltos e dos parvos
desembolsos soviéticos que foram dirigidos a alguns movimentos (Skidmore, 1991; Gaspari,
2002b). Tentavam construir as suas comunidades próximas aos camponeses, comunicar-se
com eles e, enfim, construir regiões revolucionárias comunais em oposição ao regime
capitalista. As guerrilhas, no entanto, foram sendo sufocadas aos poucos, em virtude de sua
ineficácia e de sua desmobilização, até porque seus quadros andavam se desconectando da
massa trabalhadora, mantida na intelectualidade de classe média (Gaspari, 2002b). A
guerrilha que sobrou mobilizada por mais tempo foi a famosa Guerrilha do Araguaia, tocada
pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
No meio da Floresta Amazônica, desde 1966, os guerrilheiros mobilizados pelo
PCdoB se acomodavam junto a comunidades rurais na foz do Rio Araguaia, se mantendo lá
às dezenas em contato constante com o povo. Ensinavam, cuidavam, apresentavam técnicas:
nunca revelando sua identidade revolucionária, apenas planejavam edificar o apoio da massa
da região para acender a fagulha derradeira da revolução pelos campos, ao modelo dos
cubanos e dos chineses. O Exército tomou conhecimento da empreitada em 1972, quando se
mobilizaram em um ataque que fez 13 mortos e 7 presos, dos então 69 guerrilheiros que
havia nos 6.500 km² de superfície ocupada (Gaspari, 2002b). Retornaram em outubro de
1973, com ordens de não fazer prisioneiros: em janeiro de 1974, consta que não havia mais
de trinta restantes, a despeito dos que haviam chegado. À derrota, pensaram em recuar, pois
já estavam crescentemente desacreditados no meio da comunidade como a solução
revolucionária que tentaram, por um tempo, mascarar. Além disso, o progresso das obras da
Transamazônica davam mais acesso ao desmatamento irregular e à perseguição no interior da
mata. É possível até dizer que a campanha do Araguaia durou, aos trancos e barrancos, até
1975 – aí chegava o fim da luta armada contra a ditadura militar (Gaspari, 2002b).
Não é possível afirmar, no entanto, que as forças de resistência se limitassem às
recrudescidas alianças revolucionárias. Um ponto de derrota da ditadura residiu, de maneira
resoluta, na Igreja Católica. É conhecido que freis, padres e demais sacerdotes abrigam armas
e revolucionários em suas paróquias (Skidmore, 1991; Gaspari, 2002b), influenciados
profundamente pelas doutrinas da Teologia da Libertação e da Missão Integral. Em
consequência disso, muitos foram capturados e torturados em interrogatórios absurdamente
cruéis. A influência democrata que a igreja guardava ainda foi mantida, sem sucumbir,
mesmo sob a pesada mão de Médici, à repressão da ditadura.
Sendo assim, uma tônica fica cristalina: a ditadura aprendeu a organizar seu trato com
todas as hostes que obstavam seu projeto de poder. Médici aglutinou em sua imagem o temor
da repressão, a ordem da ditadura e o desenvolvimento da infraestrutura. Para o que se
propunha, o governo se saía bem, finalizando seus opositores e comprovando que era método
do autoritarismo que era capaz de garantir o crescimento econômico, contra o qual ninguém
tinha a coragem de falar. A linha sucessória estava em jogo, é claro; mas o legado militar
estava assegurado, e essa missão o italiano soube cumprir com a firmeza e a disciplina que se
esperam de um general quatro-estrelas do Exército brasileiro.

4.5. GOVERNO GEISEL


No final de uma era de terror e repressão, um retrato do presidente Emílio Garrastazu
Médici era uma égide capaz de provocar medo em qualquer um que pensasse em levantar um
dedo para questionar a força dos militares em seja qual fosse a área. Entre os que não o
pensassem, no entanto, o general guardava uma popularidade que chegava a 82%, números
animadores na economia e uma população que cada vez mais conseguia fazer o que sempre
foi o sonho tropical do cidadão médio: consumir (Gaspari, 2002b). Tortura e progresso: tal
era o binômio herdado pelo general Ernesto Geisel, o chamado "Alemão", quando já havia
sido selecionado pelo establishment militar para suceder o italiano – e enhorabuena, visto
que marcava, depois dos horrores da linha-dura, o retorno ao poder da frente castelista, em
talvez questionável direção à tão aclamada redemocratização.
O general não era muito conhecido da população comum: até havia sido ministro do
Gabinete Militar e, depois, do Superior Tribunal Militar no governo de Castello Branco, mas
agora se mantinha a alguns metros das janelas do escritório que ocupava como Presidente da
Petrobrás durante o mandato de seu antecessor, fruto do ostracismo silencioso a que estava
submetido como herança de breves relações com o marechal Henrique Lott e com o
janguismo de um modo geral, além dos estreitos laços com o castelismo (Gaspari, 2002b).
Foi escolhido, portanto, não por sua popularidade ou por seus feitos espetaculares, mas por
sua capacidade administrativa – além, é claro, de ser irmão do general Orlando Geisel, então
encarregado da poderosa posição de ministro do Exército. O Alemão, já com a vitória
garantida pelas cartas de que dispunha a ditadura para manter os seus no poder, enfrentou
apenas os ainda tímidos olhos azuis de Ulysses Guimarães, do MDB, que se candidatara
apenas pelo palanque em que denunciou para o Brasil as eleições indiretas que o levaram à já
esperada derrota (Fausto, 2006) – um projeto que não era nada páreo para a popularidade
acumulada pelos militares. Em março de 1974, assumia, enfim, Ernesto Geisel a presidência
de um Brasil militar, dividindo as expectativas do país sobre as hipóteses de comunismo,
fascismo e desenvolvimentismo (Gaspari, 2002b) que orbitavam a mística e difícil
personalidade em cujo peito pendia a estrela da República na verde e amarela faixa da
Presidência.

4.5.1. O Segundo Plano de Desenvolvimento Econômico (II PND)


Como já foi observado nos tópicos passados, as rédeas do planejamento econômico
ainda guiavam a economia brasileira, que galopava milagrosamente em direção ao
desenvolvimento; um arriscadíssimo desenvolvimento. Os números de crescimento
econômico apresentados pelo I PND nas mãos de Médici e do Ministro da Fazenda Delfim
Netto eram animadores, responsáveis pela diversificação e pela ampliação, sobretudo, da rede
de bens de capital, possibilitando o tão esperado progresso a caminho dos anseios havia tanto
suspirados pelas forças militares que possuíam agora o Brasil: a autossuficiência nacional em
bens industrializados. Sendo assim, era vez do regime militar, agora sob a presidência de
Geisel, estabelecer seu segundo, até o cenário atual o último, mas mais importante, Plano
Nacional de Desenvolvimento, concernente ao triênio que seguiu os anos de I PND, isto é,
iniciando-se após sua publicação em 1974. Havia, contudo, desafios se aproximando
rapidamente da economia brasileira, como o espinhoso contexto financeirizado e crítico após
o choque do mercado de petróleo e as incipientes reivindicações dos ainda depauperados
trabalhadores brasileiros, desafios tais que ainda haveriam de ser contemplados pelo otimista
e corajoso plano de Delfim. O milagre atravessava então um novo limiar, traçando diretrizes
históricas para o planejamento econômico nos trópicos enquanto envolto – como
frequentemente o Brasil costuma se encontrar – por uma tempestade de novidades que nossos
planejadores, amparados pelos firmes braços verde-oliva, adicionariam em seus intermináveis
e ambiciosos cálculos.
Desde o início do governo Geisel, notar-se-ia uma transformação no espírito das
expectativas em relação à economia, evidente pela troca ministerial: em substituição ao
longevo Delfim Netto, símbolo do otimismo espalhafatoso que guiou os elevados números do
milagre econômico, entrou o economista Mário Simonsen, conservador e objetivo em suas
análises e em seus planejamentos pragmáticos (Carneiro, 1989). O choque do petróleo, no
final do governo anterior, foi responsável por grande parte da nova direção. O preço anterior,
praticado desde por volta de 1969 – notavelmente o ano em que Geisel assumiu a presidência
da Petrobrás – tornava a importação do óleo mais favorável que o investimento pesado no
setor, o qual foi arrochado nos anos que precederam a quase quadruplicação, em dias, do
preço do barril de petróleo no mercado externo (Skidmore, 1991). Assim, muito embora a
taxa de exportações também tenha aumentado rapidamente, evidenciando o desenvolvimento
industrial garantido no I PND, um crescimento como esse, associado à elevação do poder de
consumo brasileiro (Lago, 1989), causou um aumento assustador nas importações também. A
dependência externa, ainda não eliminada no escopo do projeto nacionalista, tornou essa
alteração da dinâmica das transações globais muito custosa para o Brasil, e só poderia ser
respondida diminuindo o consumo (quanto menor o consumo, maior a poupança, utilizada
para investimentos) para aumentar os investimentos que garantiriam as taxas de crescimento
observadas nos anos de Médici (Carneiro, 1989). Além disso, vale lembrar que o I PND se
valeu da recuperação da capacidade ociosa da indústria brasileira, isto é, os meios de
produção então desativados por falta de confiança, rentabilidade ou demanda no Brasil; esse
método, no entanto, já não estava mais disponível a Geisel, visto que os investimentos para
instalar capacidade produtiva, ao invés de só reativá-la, eram muito mais desafiadores,
fazendo desafiador também o plano de postergar a data de validade do milagre econômico
(Fausto, 2006).
Sendo assim, II PND ainda se direcionava ao fortalecimento da indústria de bens de
capital e da produção de insumos para produção industrial, de maneira que as volatilidades do
mercado não afetassem a produção pretensamente autossuficiente brasileira (Fausto, 2006),
mas sem os planos faraônicos que delinearam a prática altamente otimista de Delfim Netto
desde o início do regime militar. O contexto que envolveu seu lançamento foi uma tentativa
curtoprazista de lidar com o problema inflacionário que estava contido pelo controle
institucional de preços praticado por Médici no fim do mandato: o trato econômico de Geisel
chegou desreprimindo os preços, causando uma instabilidade de taxas de inflação muito alta.
O governo, no entanto, não reduziu os gastos, nem aumentou os juros, e ainda aprimorou o
cálculo de reajuste salarial, buscando no crescimento do investimento interno uma solução
para ela (Carneiro, 1989). As vitórias conquistadas pelo MDB ao fim de 1974, contudo,
fizeram o governo enxergar que não deveria caminhar na direção de arrochar o poder de
demanda do consumidor, visto que precisaria de popularidade para o governo. A crise
financeira e o arrefecimento do valor de exportações foram os tópicos que, em consequência
da expansão do investimento e do dinheiro em circulação, circundaram a implementação do
II PND em 1975 (Carneiro, 1989; Skidmore, 1991).
As propostas do plano consideravam uma taxa de 10% de crescimento econômico
médio, um alto valor se comparado com os rumos normais do crescimento econômico prévios
ao milagre; para isso, considerou o crescimento da industrialização, do consumo, do
investimento e, é claro, da dívida – inclusive externa – condizentes com essa estimativa. O
foco, portanto, contando com uma janela larga para o investimento – oposta às sugestões
conservadoras de redução dos gastos públicos para conter a inflação –, se dirigiu à famosa
substituição de importações, a saber, um aumento do consumo do produto industrial interno
ao invés do externo. Nisso, o II PND foi muito bem sucedido, estabelecendo um aumento
expressivo da participação do produto nacional em detrimento das importações. Da mesma
maneira, o plano também foi responsável pela expansão e pela diversificação da rede
energética, de modo a fugir da hegemonia do petróleo, que abalava as estruturas do mercado
brasileiro, tão dependente da importação de petróleo para abastecimento de energia. É
notável, no entanto, que o final do plano com 38,7% de inflação era um indicativo que a
dinamização do consumo não encontravam mais as taxas de crescimento e de investimento
que faziam o país crescer sem crescerem tanto os preços (Carneiro, 1989).
É claro que as taxas obtidas pelo milagre não se repetiriam, mas a dívida externa que
o levou a acontecer também foi o motor escolhido pelo II PND para recolher investimentos
para os planos heterodoxos de desenvolvimento econômico. Durante o mandato de Geisel,
optou-se por não deixar o cruzeiro ser desvalorizado em relação ao dólar, mas o
endividamento continuou crescendo rapidamente, o que não foi notado a muito curto prazo
em virtude da diminuição das importações. Para o governo, a dívida era projetada condizente
com um aumento das exportações de 15%, muito superior ao que realmente se concretizou,
tornando-a algo com que não era necessário lidar com tanto conservadorismo, visto que
enxergavam muita elasticidade no crédito externo ao país (Carneiro, 1989). Acumulavam-se
números que, tampados por um processo bem-sucedido de substituição de importações e de
substituição da energia termoelétrica, ainda não mostravam a crise financeira que eram
capazes de gerar. A costa brasileira já começava a ser fustigada pelos ventos dos crescentes
juros da dívida ao mesmo tempo que se arrefeciam o milagre econômico e o otimismo dos
economistas que já repensavam se investiriam seu dinheiro no Brasil ou se o deixariam em
segurança na crescentemente rentável taxa de juros da Terra da Liberdade.
4.5.2. A transição democrática: “ampla, gradual e segura”
O governo Geisel se faz símbolo do momento mais ambíguo de todo o período
ditatorial no Brasil. As reivindicações que iam de encontro ao governo central eram
múltiplas, encaminhadas de dentro e de fora, em um redemoinho que os olhos do Alemão
deveriam ser, como de costume, criteriosos ao avaliar: de um lado, a abertura política
defendida de maneira resoluta por integrantes e adeptos ao MDB; de outro, a repressão, a
censura e a supressão de direitos realizadas e apoiadas por militares radicais e aderentes à
“linha-dura”.
Ao assumir a Presidência, Geisel preservou os seus poderes e anunciou que seu
governo iria priorizar o desenvolvimento do diálogo com a sociedade. Era o princípio de uma
distensão do regime organizada cautelosamente por ele e Golbery do Couto e Silva – Chefe
do Gabinete Civil da Presidência –, a qual foi caracterizada por eles como lenta, gradual e
segura, destacando seu caráter liberal e propenso a mudanças políticas. Essa abertura,
controlada pelos próprios militares, teria o fito de impedir radicalizações à esquerda e de
guiar a nação à redemocratização. Torna-se notório, portanto, que o abrandamento político
não ocorreu de maneira constante e linear, mas foi marcado por pequenos avanços e recuos,
de forma a evitar a chegada da oposição ao poder e, ao mesmo tempo, a introduzir a transição
para o fim do regime (Fausto, 2006).
Seguindo sua proposta, Geisel permitiu uma propaganda eleitoral mais livre nas
eleições parlamentares de novembro de 1974, com acesso dos partidos ao rádio e à televisão.
A expectativa governista era colher os frutos da liberalização, com um fácil triunfo da
ARENA. Entretanto, os resultados eleitorais surpreenderam e assustaram a Presidência. A
oposição – com uma campanha marcada por nacionalismo, senso democrático e defesa aos
direitos humanos – obteve uma soma de votos expressiva. De um total de 24,5 milhões de
votos para o Senado, 14,5 milhões eram para o MDB, isto é, 59% ou 16 das 22 cadeiras em
disputa. Todavia, a ARENA manteve sua maioria, uma vez que apenas parte do Senado foi
renovada naquele ano. Já para a Câmara Federal, os governistas superaram o MDB por
pequena maioria, obtendo 11,8 milhões de votos contra os 10,9 milhões da oposição, isto é,
52% contra 48%, ou 204 contra 160 cadeiras (Fausto, 2006).
Diante desse resultado insatisfatório, diversos militares da linha-dura começaram a
sabotar o abrandamento político de Geisel, com o objetivo de evidenciar o perigo da esquerda
revolucionária, a qual estaria infestando o país e o colocando sob perigo comunista. A
perseguição a jornalistas e operários, que já era intensa, se agravou. Episódios brutais, como
dois assassinatos ocorridos em São Paulo, abalaram a imagem do governo. Em outubro de
1975, Vladimir Herzog, jornalista da TV Cultura, ao ser intimado a comparecer ao DOI- Codi
por ser suspeito de ter ligações com o PCB, foi encontrado morto após supostamente ter se
suicidado. No entanto, as fotos divulgadas não convenceram a opinião pública, na medida em
que elas estavam evidentemente forjadas para encobrir a verdade. Entretanto, todos viram:
seus pés tocavam no chão e seus joelhos estavam dobrados – Herzog havia sido assassinado
(Neto; Morais, 2023).
O ocorrido causou grande indignação em São Paulo, onde um ato religioso comovido
de repulsa à violência foi realizado. O secretário de Segurança de São Paulo, coronel Erasmo
Dias – integrante da linha-dura –, ao saber do protesto, bloqueou o acesso da população ao
centro da cidade, resultando em uma intensificação significativa no trânsito. Contudo, apesar
disso, no dia 31 de outubro de 1975, cerca de 8 mil pessoas foram à Catedral Metropolitana e
compareceram ao Culto Ecumênico da Sé, celebração organizada pelo rabino Henry Sobel,
ao lado do Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, uma vez que Herzog era de origem judaica.
Não obstante tamanhas reivindicações e protestos, o operário metalúrgico Manuel Fiel
Filho foi morto, apenas alguns meses depois, em circunstâncias semelhantes às da morte de
Herzog: ele teria se suicidado por enforcamento e sido encontrado no prédio do DOI-Codi. A
cena do crime também foi notoriamente adulterada e sua morte abafada por policiais
aderentes à “linha-dura”.
Diante desses ocorridos, o presidente Geisel, que já emitira sinais de
descontentamento ao “público interno”, decidiu, enfim, tomar providências. Em primeiro
lugar, substituiu o comandante do II Exército, Ednardo D`Ávila Melo, por Dilermando
Gomes Monteiro, um general em quem confiava para garantir a já prometida comunicação
direta com a sociedade. Em seguida, demitiu o ministro do Exército, Sylvio Frota, devido ao
seu apoio evidente da “linha-dura” e reduziu a autonomia dos órgãos de repressão, como o
DOI-CODI, uma medida que não cessou toda a tortura e repressão, mas as tornou menos
recorrentes.
Todavia, com a aproximação das eleições municipais e o crescimento de um temor
pela futura possível vitória da oposição, Geisel manteve sua postura ambígua marcada por
progressos e retrocessos, criando a Lei Falcão, em 1º de julho de 1976. Essa legislação levava
o nome do Ministro da Justiça, Armando Falcão, e instituiu que, a partir daquela data, os
partidos poderiam apresentar apenas nomes, números, currículos e fotos de seus candidatos
nos meios de comunicação. Em suma, eles não poderiam falar.
Embora a Lei Falcão atingisse em princípio tanto a ARENA como o MDB, era o
partido da oposição o grande prejudicado. Ele perdia uma oportunidade única para
divulgar suas ideias. Nessa época, a propaganda eleitoral era uma novidade atraente,
mas ninguém poderia aguentar a monotonia da fala imposta pela Lei Falcão. Mesmo
assim, o MDB venceu as eleições para prefeito e conquistou maioria nas Câmaras
Municipais em 59 das cem maiores cidades do país (Fausto, 2006, p. 477).

Em decorrência da conjuntura, mais uma vez, amedrontadora, Geisel aumentou, em


1977, sua rigidez, colocando o Congresso em recesso – conforme permitia o AI-5 – e
decretando uma série de emendas e artigos que, reunidos, ficaram conhecidos como o “pacote
de abril”. Dentre eles, vale frisar a extensão do mandato presidencial de 5 para 6 anos; a
manutenção das eleições indiretas para cargos executivos e federativos; a criação da figura
do senador biônico – corresponderiam a ⅓ do Senado, sendo eleitos por indicação do
presidente e de maneira indireta por um Colégio Eleitoral, com a finalidade de manter a
maioria governista e, deste modo, conseguir a aprovação de emendas; e o aumento de
representatividade de estados menores no Congresso Nacional, sobretudo no Norte e
Nordeste, onde a ARENA obtinha maior influência e poder (Motta, 2017).
Sincronicamente, Ernesto Geisel encontrava-se novamente no impasse que marcou
todo o seu mandato: enquanto a oposição se fortalecia pelas vitórias eleitorais e exigia cada
vez mais a volta de seus direitos inalienáveis, os militares da “linha-dura” mantinham seus
caráteres conservadores e hostis, no que tangia ao processo de abrandamento. Tal situação
era, ainda, acentuada pela imprensa, a qual usufruiu de sua autonomia para denunciar as
ações da polícia política. O presidente, desta forma, ao manter seu plano primordial de mudar
o regime de maneira lenta, gradual e segura, iniciou em 1978, reuniões com líderes do MDB,
da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e representantes da CNBB (Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil) para desenvolver e colocar em prática, de fato, o processo de
restauração das liberdades públicas.
Nesse sentido, em outubro daquele ano, o Congresso aprovou a emenda constitucional
n.º11, que entrou em vigor em 1979 e teve como principal determinação a revogação do AI-5.
A partir desta data, os cidadãos recuperaram seus direitos políticos, como o habeas corpus; o
Congresso Nacional não poderia ser declarado em recesso pelo Executivo; e a caça de
mandatos, demissões e intimações não eram mais permitidas. Por outro lado, agora a
Presidência poderia declarar Estado de Sítio e decretar medidas de emergência, sob a
justificativa de sua imprescindibilidade para a preservação da paz e para restabelecer a ordem
pública.
Entretanto, contribuindo com seus temores e preocupações, o MDB prosseguiu, nas
eleições de 1978, com seus bons resultados, desta vez provenientes do apoio de diferentes
grupos da sociedade civil na campanha eleitoral, uma vez que garantiram e contribuíram com
o diálogo entre o partido e a grande massa.
A oposição obteve 57% dos votos válidos para o Senado, porém não conseguiu a
maioria daquela casa, uma vez que sua representação é determinada por Estados e não
proporcionalmente. Ademais, a presença dos biônicos também foi decisiva. A ARENA
permaneceu, do mesmo modo, majoritária na Câmara Federal, com 231 cadeiras contra 189
do MDB, o qual se manteve presente principalmente nos Estados mais desenvolvidos e nas
grandes cidades. O partido recebeu na votação para o Senado 83% dos votos em São Paulo,
63% no Estado do Rio de Janeiro e 62% no Rio Grande do Sul. Todavia, o governo
continuava com maioria no Congresso (Fausto, 2006). Por conseguinte, por ter sido escolhido
e apoiado por Geisel, foi, em 1978, eleito pelo Colégio Eleitoral com 355 votos (51%), o
General João Baptista de Oliveira Figueiredo, tornando-se o último presidente do regime
militar e marcando o final de um período repleto de contradições e ambiguidades, no qual o
princípio de um abrandamento político dividiu o povo brasileiro e causou revoltas por sua
condição lenta, gradual e segura.

5. OS ANOS DE HOJE
5.1. A BOMBA NO COLO DE JOÃO FIGUEIREDO
João Figueiredo é indicado por Geisel para ser seu sucessor na Presidência da
República do Brasil, por meio das eleições indiretas como era de praxe na ditadura.
Figueiredo, assim como fora Médici, presidia o Serviço Nacional de Informações (SNI) até
então, um órgão governamental que atuava no monitoramento de indivíduos vistos como
potenciais inimigos do regime.
O governo do recém eleito presidente foi marcado pela continuação da abertura
política iniciada no governo de seu antecessor e por críticas e pressões pelas constantes
violações aos direitos humanos. Além das crises sociais e políticas, a instabilidade econômica
também foi um fenômeno importante para compreender o governo de João Figueiredo e as
crescentes insatisfações.

5.2. PARA ONDE FOI O “MILAGRE ECONÔMICO”?


O chamado “milagre econômico” teria iniciado por volta de 1967, no qual as taxas
médias de crescimento do PIB e do PIB per capita teriam sido inéditas na economia
brasileira. As reformas estruturais promovidas pelo PAEG (1964-1966) – Plano de Ação
Econômica do Governos – na política econômica do governo ditatorial militar teriam sido o
principal motivo desse aumento. Tais planos surgiram, pois em 1963 até o início de 1964
houve uma estagflação, ou seja, uma estagnação da atividade econômica acompanhada de um
aumento da inflação, e esses planos emergenciais tinham como objetivo combater esse
problema. Por volta de 1968 a economia brasileira inaugurou uma fase de crescimento
vigoroso que se estendeu até 1973, tal ritmo de crescimento foi acompanhado da queda
inflacionária. Embora a maior taxa de crescimento econômico brasileiro na história tenha
ocorrido entre 1967 e 1973, nesse período de grande geração de riqueza, o salário mínimo é
contido politicamente, notando-se também uma tendência de concentração de renda nos
estratos de receita mais alta. Portanto, o caráter regressivo da distribuição do lucro brasileiro
torna-se cada vez mais explícito com o passar do tempo.
O livro de Carlos Langoni publicado em 1973, encomendado pelo Ministério da
Fazenda, veio a ser considerado como a tese “oficial” a respeito da piora na distribuição da
renda na década de 1960. O economista argumenta que o aumento da desigualdade da
repartição de lucros nesse período está estreitamente ligada ao próprio êxito do processo de
desenvolvimento econômico e social do Brasil. Portanto, alega-se que a desigualdade seria
decorrência natural do processo de desenvolvimento econômico. Ademais, a partir da visão
de Langoni, tal fato seria auto-corrigível, ou seja, essa concentração de capital exacerbada e a
desigualdade no caráter de distribuição dessa renda seriam passageiros.
Contudo, o aumento da dívida externa pós-milagre econômico ficava cada vez mais
evidente. A falta de variedades na comercialização dos produtos, além de carências nas
infra-estruturas e no sistema agrário afetavam intensamente a economia brasileira. Em 1973,
ocorreu o primeiro choque do petróleo11. Levando em conta que o Brasil já estava instável
economicamente com o cruzeiro estava desvalorizado e a inflação subindo, tal impacto
mundial não colaborou positivamente para a situação brasileira. O aumento das importações
em decorrência do choque do petróleo não ajudou a economia brasileira, já fragilizada. As
empresas públicas e privadas foram incitadas a buscar recursos no exterior para cumprir
metas de um plano de desenvolvimento profundamente ambicioso. Dos anos de 1974 a 1976
houve a implantação do chamado II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) e o fim do

11
Em outubro de 1973, os países árabes exportadores proclamaram um embargo às nações aliadas de Israel na
Guerra do Yom Kipur, conflito militar entre estados árabes liderados por Egito e Síria contra Israel. Em cinco
meses de embargo, o preço do barril de petróleo subiu de US$3 para quase US$12 dólares no mundo inteiro.
Nesse período era crescente o consumo de petróleo nos países industrializados, sendo o grande motivo do
primeiro choque do petróleo.
“milagre”. Tal plano de desenvolvimento, implementado ao final de 1974 durante o governo
de Geisel, teve como finalidade estimular os setores de bens de capital, fortalecer as
indústrias nacionais e investir em infraestrutura, alimentos e energia. Sendo assim,
substituíram-se as importações e aumentaram as exportações, diminuindo a dependência
externa do Brasil.
Em 1979 ocorreu o segundo choque do petróleo12, e como na época o Brasil dependia
de mais da metade da produção externa do petróleo, principalmente para área industrial
crescente no cenário brasileiro, o impacto econômico foi maior ainda. Contudo, o acréscimo
na dívida não foi exclusivamente ocasionado pelo choque do petróleo, mas também por uma
relação com a grande modificação da composição da economia do país até então, como por
exemplo o II PND.
Outrossim, o grande acúmulo de renda não se restringiu apenas às camadas
populacionais mais altas das sociedade, mas também havia uma grande disparidade de
acúmulo de renda ao se comparar regiões do Brasil. O nordeste por exemplo, era
extremamente dependente do Centro-Sul, não conseguindo ser auto-suficiente e tendo sua
industrialização como uma expansão do Centro-Sul. Outro fator que gerou um caos
econômico no final do período militar foram os planejamentos equivocados e as grandes
obras que necessitam de empréstimos internacionais, aumentando cada vez mais a dívida
externa.
Por fim, as rendas das classes ricas foram as mais privilegiadas e os mais pobres
foram penalizados, aumentando a desigualdade social. O crescimento que foi formulado no
período militar trouxe para as classes sociais uma grande desigualdade: um grupo de pessoas
bem pequeno favorecidas e o restante, que é a maioria, desfavorecido. Furtado (1981, apud
Fernandes, 2009, p. 14) revela portanto:

O que se identificou foi que no período militar a desigualdade social ficou bem mais
nítida, ocasionada pelo autoritarismo militar e também pelos os altos custos planos e
planejamentos dos Governos que eram voltados para o crescimento econômico em
geral, sem abranger o social e sem se preocupar com a distribuição das riquezas
geradas.

12
A segunda crise do petróleo, também conhecida como segundo choque do petróleo, foi o corte na venda e
distribuição de petróleo do Irã, elevando o preço médio do barril ao equivalente a US$80 atuais.. O Irã era o
segundo maior produtor de petróleo no mundo. Sendo que, a crise ocorreu na revolução fundamentalista,
também chamada Revolução Iraniana, que substituiu a monarquia iraniana por uma república islâmica teocrática
em 1979.
5.3. CULPA OU ANISTIA
A Lei da Anistia Brasileira (lei n. 6.683, de 1979) foi um marco legal fundante da
transição política brasileira, contudo foi uma transição feita enquanto os militares ainda
estavam no poder. Ao mesmo tempo que se estabelece de certa forma o Estado de direito com
essa nova lei, a impunidade do autoritarismo governamental se mantém. Dessa forma, fica
evidente o forte controle do regime sobre a democracia emergente e esse movimento de
abertura, que teve como principal símbolo a Lei da Anistia de 1979. Ao mesmo tempo que
essa lei pressupõe e impõe burocraticamente o conceito de perdão, no qual os ofensores
perdoariam os ofendidos, não há tentativa de reparação dos danos. Apesar de aprovada, essa
lei não prevê uma unanimidade, sendo definida por uma pequena maioria. O silêncio sobre a
tortura e os torturadores, o silêncio sobre o apoio da sociedade à ditadura e o silêncio sobre as
propostas revolucionárias de esquerda não são discutidas e acabam entrando numa caixa de
esquecimento da sociedade brasileira, o famosos perdoar e esquecer.
Com o agravamento das crises econômicas e sociais, tende-se a motivar atos
revolucionários e por isso, nestas condições, aqueles no poder passam a priorizar a proteção e
a preservação de seus postos e de suas riquezas. A anistia, portanto, pode ser entendida como
um instrumento para viabilizar tal preservação dentro do contexto de insurgências
revolucionárias mais efetivas e crises políticas. Assim sendo, ao mesmo tempo que se
permitia uma abertura, a política governamental brasileira ainda se encontrava dentro do
amparo dos militares.
Os discursos de medo dispersados pelo governo em si e por esses agentes políticos,
tem em vista desestabilizar a resistência e apontar a luta armada contra o governo militar
como atos terroristas e comunistas, isso ajudou a fundar o medo e o caos na sociedade em
geral, e na necessidade de progresso econômico (fazendo alusão ao chamado “milagre
econômico”) que se desenvolve o argumento dos opositores como inimigos e posteriormente
da anistia como um necessário pacto político de conciliação entre ambos os lados, sob
ameaça de nova instabilidade institucional .
A negociação da anistia implica o confronto entre os diversos projetos políticos
voltados para a conjuntura de transição democrática vivida pelo país. Desde que, ao assumir a
Presidência da República em 1974, o general Ernesto Geisel anunciou um programa de
“abertura lenta, gradual e segura”, o processo político nacional passou a ser polarizado pela
agenda da transição de regime. Os anos que seguiram foram marcados pelo crescimento de
movimentos civis em favor da redemocratização do país, como o surgimento do Movimento
Feminino pela Anistia, em 1975, e do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), em 1978.
O “perdão preventivo” se deu graças à extensão dos benefícios da anistia aos delitos
“conexos” aos crimes políticos. Concedido pela Lei nº 6683 a formuladores e agentes da
política repressiva, evitou que os mesmos fossem responsabilizados criminalmente por
torturas e assassinatos reproduzindo as condições de impunidade. A esquerda exigia uma
“anistia ampla, geral e irrestrita”, acompanhada da apuração dos crimes praticados por
funcionários do Estado contra opositores políticos e punição dos culpados. Questionava-se,
assim, o caráter recíproco da lei de anistia, porque não pode ser considerado anistiado de
determinado crime quem nunca foi oficialmente acusado de sua prática, já que nenhum
agente estatal do regime militar chegou a confessar algum crime cometido, sempre negando
discursos de tal natureza. Evidencia-se, portanto, a natureza contratual de tal lei, na qual seria
teoricamente estabelecido por iguais, mas imposta aos inferiorizados da ordem.
Por fim, a tese de anistia recíproca construída pelo regime militar teve como objetivo
principal contornar as contradições entre os grupos dominantes, tendo a ordem como alvo
final. A atitude conciliadora subentende, em geral, uma reivindicação à harmonia
conservadora, pois o pedir perdão seria reconhecer a culpa e o regime militar, em sua visão
não foi culpado de atos ilegais. Faz-se silêncio sobre a saga revolucionária e diz-se haver um
consentimento geral da impunidade. A admissão de culpa coletiva, muitas vezes, tem como
efeito a não culpa de todos, e a anistia cai sob o manto de “pacificação nacional”.

5.4. DIRETAS OU INDIRETAS


A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 05/198, mais conhecida como
Emenda Dante de Oliveira, apresentada pelo então deputado federal Dante de Oliveira do
PMDB, tinha por objetivo restaurar as eleições diretas para presidente da República no
Brasil, por meio da alteração dos artigos 74 e 148 da Constituição Federal de 1967.
A “campanha pelas diretas já” foi um movimento cívico/popular lançado no mesmo
ano de 1983, com o objetivo de retomar as eleições diretas para Presidente da República.
Fora uma simbiose entre bandeira política democrática e a ambição coletiva por liberdade,
com importantes aspirações republicanas, tais como: democracia política, representatividade,
eleições periódicas para cargos do Poder Executivo, do Poder Legislativo e preocupação
prioritária com os interesses públicos. Tal campanha reuniu os principais partidos de oposição
ao regime militar em torno da bandeira de retorno das eleições diretas para presidência da
república, além de reunir também inúmeras organizações da sociedade civil. O chamado
Comitê Nacional Partidário Pró-Diretas, composto principalmente pelos partidos PMDB,
PDT, PT são um exemplo dos principais setores oposicionistas ao regime militar, além de
contribuírem para a difusão do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Comunista
do Brasil (PCdoB), que na época eram ilegais. Contudo, haviam divergências internas,
portanto, cautela e negociação constantes eram fundamentais para que não houvesse
retrocesso político. Ruptura e negociação eram as principais desavenças internas dos grupos
participantes da campanha pelas eleições diretas.A primeira corresponderia a uma visão
revolucionária, de base socialista, contrária à negociação com adversários. Já a segunda
expressa uma concepção liberal democrática, que considera ser a prática política, espaço
privilegiado para a construção do consenso possível.
A economia brasileira entra em recessão a partir de 1981, pois os acordos assinados
entre o governo brasileiro e o FMI (Fundo Monetário Internacional) beneficia exclusivamente
o grande capital financeiro, prejudicando os demais setores capitalistas (indústria e
comércio), além do crescimento do endividamento estatal, que levou o Brasil a recorrer ao
FMI para obter empréstimo no primeiro plano. A insatisfação desses setores acaba sendo
canalizada na luta parlamentar (Câmara dos Deputados e Senado) e nos executivos estaduais
(governadores). Tais setores estavam presentes na campanha das Diretas Já. Portanto, o Brasil
nos anos de 1980 passava por um período recessivo e inflacionário, que corroía as condições
de vida da população brasileira. Crise econômica e aspiração democrática alimentaram a
campanha das Diretas Já levando em conta que o descontentamento com a condução da
economia pelo governo militar era quase geral. Essa crise levou os setores das classes
dominantes que apoiaram o golpe civil-militar de 1964 à oposição ao regime, logo o aparelho
estatal brasileiro encontrava-se bastante fragmentado. Entretanto, os grupos mais radicais das
esquerdas já tinham perdido sua força após partirem para a luta armada no final dos anos 60 e
início dos anos 70 e serem duramente reprimidos pelos agentes da ditadura. Isso, não
obstante, não impediu a resistência ao autoritarismo governamental e à tentativa de
restauração da democracia no Brasil.

5.5. REPRESSÃO OU RESISTÊNCIA


Repressão e resistência foram dois conceitos extremamente presentes durante o
período do regime militar brasileiro até então. Ao mesmo tempo que diversos partidos,
grupos e pessoas resistiam firmemente às imposições do governo autoritário dos militares, a
repressão desse mesmo governo era firme e impiedosa. Diversas vezes tal repressão ocorria
fora da lógica da legalidade instituída, não apenas através de desaparecimentos e centros de
tortura clandestinos, mas também a partir da destruição deliberada de documentos como
forma de ocultar as ações da polícia política dos militares.
Para mais, é comum até então a formação de guerrilhas, sejam elas rurais ou urbanas,
como formas de resistência contra a ditadura militar brasileira. Tais guerrilheiros faziam parte
da chamada luta armada, literalmente pegando em armas, abrindo mão de suas vidas e de sua
liberdade para lutar contra o autoritarismo governamental instituído pelos militares. A mais
famosa das guerrilhas foi chamada de Guerrilha do Araguaia, que surgiu por volta de 1972 e
até cerca de 1974, concentrada principalmente nas regiões do Pará, Maranhão e Tocantins.
Essa guerrilha fora organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) e a principal luta
armada no campo. Tais militantes, agora chamados de guerrilheiros eram potenciais
subversivos pela ótica do regime e devem ser imediatamente capturados e retirados de cena.
Suas atividades eram vistas como maléficas para a sociedade em si e para a visão de mundo
que o regime militar tentava ostentar, logo era de extrema importância apagar os sinais da
existência dessas práticas revolucionárias.
Contudo, muitas vezes a repressão não caia apenas sobre tais militantes, mas também
à população em geral, que muitas vezes eram obrigados pelos agentes de estado a guiá-los
pelas matas onde as guerrilhas se escondiam para ajudar a encontrá-los. Prisões não
convencionais eram feitas, além de interrogatórios extralegais para se conseguir informações
do paradeiro de tais militantes. Quando tais revolucionários eram capturados, na maior parte
das vezes, não havia registros oficiais sobre essas prisões, muito menos sobre suas mortes.
Fica evidente assim a grande violação de direitos humanos na região da Guerrilha do
Araguaia, até mesmo sob os moradores locais.
Ainda assim, as guerrilhas rurais não eram as únicas existentes durante o período da
ditadura brasileiro. Guerrilhas urbanas, em sua maioria tendo uma base operária, funcionam
como centros de resistência contra a ditadura militar nas cidades. A grande repressão,
obviamente, os levou à clandestinidade, mas isso não impedia seu funcionamento, sendo ele a
partir de ações contra a estrutura autoritária de governo existente ou a partir de desbastes e
discussões políticas. Uma das mais famosas guerrilhas urbanas era chamada Vanguarda
Popular Revolucionária (VPR), sendo difícil pontuar exatamente quando foi fundada suas
ações eram mais reativas e defensivas, com tentativas de buscar um movimento de massas
com inserção à liga operária que acabou tornando esse grupo militante uma das maiores
organizações da guerrilha armada brasileira. A VPR tinha algumas ações propagandísticas e
eventuais séries de ações armadas, principalmente com a finalidade de libertar presos
políticos que estavam sendo torturados em centros clandestinos do governo.
A estrutura de repressão possuía elos legais e ilegais e obedecia a uma cadeia de
comando, no qual a Presidência da República estava no topo. É possível afirmar, portanto,
que houve atividades repressoras que não deixaram registros escritos e que episódios de
resistência e de repressão foram comuns nesse período da ditadura militar brasileira.
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