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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO - PUC-SP

Carlos Eduardo Pinheiro

MEMÓRIA DOS PRESOS POLÍTICOS NO PERIODO DITATORIAL


BRASILEIRO.

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2015
Carlos Eduardo Pinheiro

MEMÓRIA DOS PRESOS POLÍTICOS NO PERIODO DITATORIAL


BRASILEIRO.

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de MESTRE
em Ciências Sociais, sob a orientação da
Profa. Dra. Teresinha Bernardo

SÃO PAULO

2015
PINHEIRO, Carlos Eduardo.

Memória dos presos políticos no período ditatorial


brasileiro Carlos Eduardo Pinheiro. 2015.

182 fls

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de MESTRE em Ciências Sociais. São Paulo: PUC,
2014.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Teresinha Bernardo

Palavras-chave: 1. Presos políticos 2. Memórias. 3. Ditadura.


BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________

_______________________________________________

_______________________________________________
Aos meus grandes amores, Luiz Felipe, Ana
Clara e Maria Eduarda.

A Maria Clara, companheira de uma vida, em


dias de muito sol e chuva passageira, cúmplice
de um sonho.
AGRADECIMENTO

Os créditos maiores para a realização deste trabalho são


atribuídos a Profa. Dra. Teresinha Bernardo, minha
orientadora, agradeço as valiosas críticas e sugestões, a
dedicação, o incentivo, a paciência e a amizade.

Aos professores que tive o prazer de conhecer no


Programa de Pós–Graduação em Ciências Sociais da
Pontifícia Universidade Católica (PUC- SP), pela
contribuição na minha vida acadêmica. Aos funcionários
da secretaria de Pós- Graduação da PUC, e também ao
Prof. Dr. Edson Nunes, agradeço a esta equipe que pela
simpatia e a presteza no atendimento, sempre com um
sorriso no rosto conseguem suavizar os caminhos
burocráticos inerentes a qualquer curso.

Agradeço aos meus colegas de curso, pelas boas


conversas e amizade.

O meu mais sincero agradecimento à minha mãe e ao


meu irmão Luiz Antônio Pinheiro pela torcida e aos meus
filhos Luiz Felipe, Ana Clara e Maria Eduarda, porque a
existência de vocês já basta para que eu siga em frente.

Agora a uma pessoa a quem vou dedicar este trabalho e


essa titulação, a minha querida esposa Maria Clara
Pinheiro, que praticamente cursou comigo este mestrado
me apoiando e me dando força até nos momentos mais
improváveis. Agradeço também as pessoas que em
absolutamente nenhum momento me concederam o seu
apoio, mas com essa atitude apenas me impulsionaram
cada vez mais para frente.

E para concluir, que sejam bem vindos os novos amigos.


E aos amigos mais íntimos, deixo aqui consignado a
minha mais profunda gratidão e a certeza de que muitos
caminhos ainda devo trilhar.
RESUMO

Este Trabalho tem como objetivo discutir a memória dos ex-presos políticos e
torturados. Na análise de autores como Michel Pollak e Maurice Halbwachs é
notória a concordância de que a memória é uma construção feita no presente a
partir das vivências do passado, sendo, portanto, uma reconstrução do
passado e não um relato fiel dos fatos ocorridos. Procurando sistematizar a
memória dos ex-presos políticos, com ênfase na prática da tortura durante a
repressão ditatorial no Brasil. A partir da vigência da Lei 11.255/95 criou-se um
lugar de memória para que este grupo registrasse a sua história e assim
promovesse uma confrontação com a versão oficial. A análise dos documentos
reunidos pela Comissão Especial de Indenização implantada por força da Lei
revela os dados obtidos pela burocracia que determinava a vigilância, a coleta
de informações, a prisão, e que tinha como instrumental a institucionalização
da tortura praticada por seus agentes em prédios públicos. Neste cenário, se
traz à luz os fatos e personagens de uma batalha que se travou no Brasil e
seus desdobramentos. Foi possível ainda estabelecer, a partir dos
documentos, um breve perfil dos militantes políticos perseguidos pela
repressão, os prédios públicos onde o Regime Militar empreendeu sua lógica,
as técnicas de tortura e quem eram os responsáveis pela implantação da
política de Segurança Nacional. Por fim, nos deparamos com outro discurso da
memória nacional, onde os ex-presos políticos superam o estigma de 'inimigos
da pátria' impingido pela versão oficial e passam a ser considerados 'heróis da
resistência democrática'.

Palavras chave: Presos políticos; memórias; ditadura.


ABSTRACT

This work aims to discuss the memory of former political prisoners and tortured.
In the analysis of authors like Michael Pollak and Maurice Halbwachs is notorius
agree that the memory is a construction made in this livings from the past, and
therefore a reconstruction of the past and not a faithful and reporting of the
facts. Looking systematize the memory of former political prisoners, with
emphasis on the practice of torture during the dictatorial repression in Brazil.
After the effective date of Law 11,255 / 95 created a place of memory for this
group register its history and thus promote a confrontation with the official
version. The analysis of documents collected by the Special Committee on
Compensation implanted under the Law reveals the data obtained by the
bureaucracy that determined the surveillance, information collection, arrest, and
had as instrumental institutionalization of torture committed by its agents in
public buildings. In this scenario, it brings to light the facts and characters in a
battle that happened in Brazil and its consequences. It was also possible to
establish from the documents, a brief profile of political activists persecuted by
repression, public buildings where the military regime undertook its logic, the
torture techniques and who were responsible for the implementation of the
National Security Policy. Finally, we come across another discourse of national
memory, where the former political prisoners overcome the stigma of 'enemies
of the fatherland' foisted by the official version and now considered to be
'heroes of the democratic resistance'.

Keywords: political prisoners; memories; dictatorship.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................... 12

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............. 18

2.1 Entrevistas............................................................ 20

3 O GOLPE.............................................................. 33

3.1 Antecedentes do golpe....................................... 36

3.2 Campanha da legalidade..................................... 37

3.2.1 A rede da legalidade, mobilização popular e


Carlos Lacerda.....................................................
42

3.3 Posse..................................................................... 49

3.4 Governo João Goulart......................................... 51

3.4.1 Presidente, os militares e o ano de 1963.......... 54

3.4.2 O comimício da central do Brasil, a marcha da


familia com Deus pela liberdade e o discurso
no automóvel clube............................................. 56

3.4.3 A queda................................................................. 59
3.4.4 Participação Estadunidense............................... 60

3.5 Reflexões políticas sobre o período.................. 62

3.5.1 Mobilização das classes populares................... 65

3.5.2 A mobilização do bloco internacional


associado à preparação do golpe....................
68

4 A MAQUINA SE ORGANIZA PARA PRENDER


E MATAR.............................................................
83

4.1 Organização da maquina de repressão........... 85

4.2 A forma como eram executadas as prisões... 93

4.2.1 Apresentação espontanea a polícia................. 98

4.3 Instituições para interrogatório e reclusão..... 100

4.3.1 Aqui é o inferno.................................................. 107

4.3.1.1 A ‘casa dos horrores........................................ 108

4.3.1.2 A casa de São Conrrado................................... 110

4.3.1.3 A casa de Petrópolis.......................................... 110

4.3.1.4 O ‘local ignorado’ de Belo Horizonte.............. 111

4.3.1.5 O colégio militar de Belo Horizonte.................. 111

4.3.1.6 A ‘fazenda’ e a casa de São Paulo.................. 112

4.4 Perfil dos atingidos............................................ 127


4.4.1 As organizações de esquerda…………………. 130

4.4.1.1 Partido Comunista Brasileiro (PCB)…………. 132

4.4.1.2 As dissidências armadas: ALN, PCBR, MR-8


e outras...............................................................
135

4.4.1.3 Partido Comunista do Brasil (PC do B)......... 139

4.5 Tortura e seus mortos....................................... 141

4.5.1 Métodos de tortura e seu descontrole............. 142

4.6 A luta das organizações não governamentais


contra a tortura...................................................
158

5 NEGAÇÃO SOBRE A EXISTENCIA DE


PRESOS POLITICOS NO BRASIL........... 162

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................... 169

REFERÊNCIAS................................................................................ 176
12

1 INTRODUÇÃO.

Para definirmos memória, na sua amplitude, seria a presença do passado. A


memória é uma construção psíquica e intelectual que acarreta de fato uma
representação seletiva do passado, que nunca é somente aquela do indivíduo,
mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional.

A história de um país pode ser traduzida como a soma dos fatos de maior
relevância a um grupo de cidadãos, mas encontra-se distante das percepções
do indivíduo, surgindo à diferenciação estabelecida por Halbwachs (1990) entre
memória e história. Desta forma, podemos então questionar a historiografia que
não leva em consideração a voz dos individuos que nela estavam presentes,
pois falta a esta historiografia, como fala Halbwachs (1990), o detalhe, a classe
destituida de direitos e liberdade, sujeitos fundamentais na reconstrução das
histórias e memórias decorrentes do golpe militar de 1º de Abril de 1964 e aos
21 anos que se sucederam, deixando um gosto amargo para muitos dos
cidadãos que o viveram.

Pollak (1989) analisa a cientificidade da história, e a confronto entre fontes


escritas e orais, assim como o confronto entre memórias oficiais e populares.
Para Pollak (1989) o estudo da memória de grupos ou organizações privilegia
acontecimentos, datas e personagens. A memória coletiva é parte de tentativas
mais ou menos conscientes de definir e reforçar sentimentos de pertencimento
e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes (POLLAK,
1989).

Pollak (1989) usa a expressão ‘memórias em disputas’ ao analisar a memória


dominante ou memória oficial e a memória subterrânea. Algumas memórias,
13

mantidas durante muito tempo, submersas ou, no silêncio, aguardam o


momento adequado para surgir, revelando aspectos de nossa história social
que se encontravam enterradas. Para Pollak (1989), as possibilidades de
abertura de novas memórias marginalizadas se colocam como terreno fértil da
história, isso não significa tratar-se de historicizar memórias que já não existem
mais, e sim, trazer à tona memórias que prosseguem seu trabalho de
subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível e que afloram em
momentos de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados.

A urgência das referidas memórias vem ocasionando, conforme aponta Pollak


(1989), a disputa entre memórias, ou o embate entre a memória oficial e as
memórias subterrâneas. Esta luta que se trava pela incorporação destas
memórias marginalizadas, silenciadas, é um luta, sobretudo pela afirmação, de
uma identidade que, por pertencer a uma minoria, encontra-se marginalizada
(POLLAK, 1989). O espaço de disputa, protagonizado por setores da esquerda
e membros das Forças Armadas, durante o regime militar brasileiro se refletiu
na produção de uma extensa memória. Mesmo no período em que ainda
vigorava a ditadura militar, surgiram publicações narrando os fatos segundo
abordagens específicas. No campo do jornalismo as notícias eram construidas
a partir da dialética ‘lembrança e esquecimento’: enquanto de um lado há uma
preocupação com a seleção de fragmentos de memória e não com a memória
integral ou completa, do outro lado há a preocupação em tentar controlar a
memória que será recuperada no futuro. Porém, também é uma complexa
reunião que contraditórias faz assim surgir um espaço de disputa pela versão
do que foram aqueles anos de chumbo. São variadas as temáticas e debates
que se apresentam visando definir ou rever memórias que, inevitavelmente,
estão atreladas a ressentimentos, derrota e vitórias. Identificamos a
necessidade de reconstruir a história e a memória por meio da visão dos
oprimidos pela Ditadura Militar, por meio das suas lembranças, buscando
lembranças do grupo. Nesse sentido Halbwachs (1990, p. 39) diz que:
14

(...) É necessário que esta reconstrução se opere a partir de


dados ou noções comuns que se encontram tanto no nosso
espírito como no dos outros, porque elas passam
incessamente desses para aquele reciprocamente (...).
Somente assim podemos compreender que uma lembrança
possa ser ao mesmo tempo reconhecida e reconstruída (...).

A presente dissertação pretende discutir aspectos da memória dos ex-presos


políticos brasileiros. Nossa intenção é compreender como aconteceu a
resistência à ditadura militar. Por meio da memória dos ex-militantes políticos.
Como se estruturavam, suas práticas, sociabilidades e resistências cotidianas?
A maioria dos presos políticos estudados, participaram da resistência à
ditadura civil-militar, atuando nas organizações de vanguarda armadas ou não
Daremos destaque aos eventos traumáticos, difíceis de serem traduzidos, bem
como às memórias permeadas de silenciamentos, sobrevivências, solidão e
torturas. Analisaremos também quais tipos de relações sociais foram
construídas e como foram relacionadas às memórias com seus silêncios e lutas
contra o esquecimento, entendendo como se davam as representações e
reconstruções das memórias que focalizam suas vivências, durante os ‘anos de
chumbo’. A comunicação procura discutir alguns conceitos de memória, o
formulado principalmente pelo sociólogo Maurice Halbwachs, de Michael
Pollack e Pierre Nora.

Para podermos dissertar sobre o pilar principal descrito acima, se fez


necessário entender como o poder constituido se estruturou com a sua
máquina de repressão e a maneira como eram efetuadas as prisões, de
maneira arbitrária, que na maioria das vezes, era acompanhada de tortura, e a
partir deste momento acompanhar e descrever os tipos de memórias e de
sequelas deixadas no corpo e na alma desses presos políticos.

Mas antes de qualquer coisa, se faz necessário expor, em um exercício de


memória as razões que me levaram a escolher este tema em particular.
15

O fato gerador foi uma cena presenciada por mim na minha infância. Nasci no
ano de 1965, crescendo sob o regime autoritário, em uma família que tinha
como seu líder o meu saudoso avô Ernesto, totalmente alinhado em suas
lembranças com o governo de Getúlio Vargas, mas que tratava os
acontecimentos da época como tabu. Lembro-me que quando criança achava
muito natural ir a exposições do Exército com a escola, mas um fato me
chamou a atenção e me despertou a curiosidade para entender algo que para
minha infantil compreensão me parecia confuso. Em frente à casa do meu avô,
na época, existia um bar e um fato que aconteceu um dia me chamou a
atenção. Um automóvel ‘Veraneio’ sem nenhuma inscrição que o diferencia-se
de um automóvel normal em frente ao referido bar, após todos os ocupantes
saltarem e darem início a uma blitz, tudo isso de uma maneira brusca e
impondo maus tratos aos frequentadores, coisa normal pelo que me lembro da
época, e quase ao mesmo tempo, com uma freada brusca, outra viatura
‘Veraneio’ para em frente ao bar, mas essa caracterizada como uma viatura
policial. Desceram com armas em punho, rendendo os ocupantes do primeiro
‘camburão’ e novamente os ocupantes do bar. Após um breve ‘acerto’, os
policiais foram embora, deixando a primeira viatura sem inscrições no bar,
dando continuidade aos maus tratos aos seus frequentadores.

Isso me pôs a pensar, quem são os bandidos afinal? Os frequentadores que


não são, pois conhecia todos. Essa dúvida infantil foi crescendo e culminou no
meu interesse sobre o assunto. Por isso esse trabalho é direcionado as
pessoas da minha geração que tem algum interesse pela história recente do
Brasil e suas memórias, de que fizemos parte sem perceber e para todas as
pessoas, que por quaisquer outros motivos, tiverem interesse nos fatos e nas
memórias por ela criada.

Cada vez mais nos damos conta da linha que separa diversos campos da
história. Pôr isso sendo necessário situar esse trabalho, diria que ele nos
remete ao campo da Nova História Política na medida em que serão estudadas
as organizações de vanguarda, e pelo fato de se refletir sobre a ditadura militar
16

que se instaurou no Brasil no ano de 1964, e no ponto de criação de memória


que se estabeleceu.

A seção um trata da introdução.

A segunda seção trata dos procedimentos metodológicos e das entrevistas


realizadas com pessoas que por algum motivo foram presos e torturados seja
qual for à forma no período de recessão no Brasil.

A terceira seção estuda toda a historicidade do período da implantação do


golpe militar e também no conjunto de fatos e eventos que antecederam 31 de
março de 1964, a luta do governo de direito e as manobras diversas usadas
pelas forças armadas e uma grande parcela da população e o resultado de
dessas manobras que eclodiram no dia 1 de abril do mesmo ano que nos
deixou como legado um gosto amargo que perdurou por mais de 20 anos.
Usando o que diz Michael Pollak, não vê com tanto pessimismo as relações
entre história e memória ou entre a memória oficial (nacional) e aquilo que
denominou as ‘memórias subterrâneas’ em referência às camadas populares.
Para Pollak (1989), estas memórias marginalizadas abriram novas
possibilidades no terreno fértil da História Oral. Não se trata de historicizar
memórias que já deixaram de existir, e sim, trazer à superfície memórias “que
prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase
imperceptível” e que “afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos
e exacerbados”. (POLLAK, 1989, p. 3-15). É por isto, que se pode afirmar, no
que diz Rousso (2002, p. 95) que a “história da memória tem sido quase
sempre uma história das feridas abertas pela memória”.

O objetivo da quarta seção é demonstrar que houve tortura, contrapondo o que


dizem os radicais de direita e os militares de que nada disso aconteceu,
dissertando sobre a formação da máquina de tortura, citando os centros de
informação das três forças militares e a partir desta fase a descrição de como
eram efetuadas as prisões e os locais de tortura, identificando os atingidos pela
repressão e suas organizações de esquerda, descrevendo os depoimentos dos
17

indivíduos cujas vozes se encontram fora da historiografia oficial, sobre suas


prisões tipos de tortura e sevicias praticadas pelo aparelho repressor e a luta
das organizações não governamentais contra a tortura e neste ponto a
formação do embrião das memórias subterrâneas, conjuntamente com a
finalização da organização da máquina repressora por parte do governo
ditatorial e a identificação do sujeito ‘preso’ por motivos políticos.

A quinta seção trata do não reconhecimento da existência de presos políticos


no Brasil, dando ênfase a legislação e também a reafirmação da terceira
geração de ‘presos políticos’ devido a recusa do governo ditatorial em não
admitir a existência de presos políticos na época e ao fazer isso, possibilitou
que presos políticos e assaltantes de banco, sem nenhum engajamento
politico-partidário, fossem enquadrados e tratados da mesma forma que os
militantes oriundos das organizações de vanguarda em relação a Lei de
Segurança Nacional (LSN) de 1969. (BRASIL, 1969).

A legislação que descaracterizava as ações armadas praticadas pelos


guerrilheiros somadas ao total desprezo pelas condições dos presos políticos,
obrigando-os a protestar para terem sua condição de presos políticos
reconhecida e respeitada.

Por fim a sexta seção é a que corresponde as considerações finais, onde


dissertamos sobre as marcas da lembrança e sequelas psicológicas deixadas
em relação a violência das prisões as quais os presos políticos foram
submetidos., Analisando o retorno do reprimido, sendo que uma vez rompido o
tabú, e as memórias subterrâneas conseguindo invadir o espaço público,
deixando de ser o ‘não dito’ ou ‘indizível’ para se transformar em reivindicação .
18

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.

Essas informações sobre memórias dos presos políticos durante a ditadura, e


os seus variados desdobramentos são possibilitadas por meio da história oral.
No desenvolvimento precoce da pesquisa, o nosso recurso a esta seria uma
opção à escassez, ou quase inexistência, de fontes documentais escritas.

Lidávamos ainda com o fato de uma pesquisa sobre um período recente


possibilitar o maior acesso aos personagens históricos daquele momento,
estando conscientes de que estaríamos investigando um período traumático
para as pessoas que o vivenciaram. No entanto, justificávamos que, ignorar
essa oportunidade seria relegar a história desses cidadãos ao esquecimento.

Porém, com o desenvolvimento da pesquisa, passamos a nos desligar


efetivamente de considerações por certo limitadas quanto ao uso da oralidade.
E nos depararmos com as possibilidades desta para com o nosso objeto de
estudo, que no presente trabalho, acreditamos ultrapassar uma função de
alternativa à dificuldade de acesso às fontes documentais escritas.

Da mesma forma, a contribuição dessa metodologia não se restringe apenas a


um recurso técnico de coleta de depoimentos de setores relegados à margem
na história oficial, para não caírem no esquecimento. Este último intento, por si
só, mesmo que nobre, não atinge os objetivos aos que pretende o
levantamento de fontes quaisquer que sejam aliadas à capacidade de análise
crítica da formação de memória oficial por parte do Estado se contrapondo aos
testemunhos que por si só são uma interpretação da realidade, e não muitas
vezes a pura realidade dos fatos.
19

Assim, consideramos os testemunhos como uma fonte importante para nossa


pesquisa porque a análise dos depoimentos nos possibilita caracterizar e
quase vivenciar as torturas cevícias e o estado de horror vivido pelas pessoas
perseguidas pela ditadura.

O trabalho possibilitou-nos também conhecer melhor o processo de construção


de memória. Com a leitura dos relatos publicados, visualizávamos o processo
da memória, segundo uma visão etapista, que seriam a luta da memória oficial
versus a memoria coletiva e tambem a passagem da fase das memórias
subterrâneas até que a mesma se aflore, ou seja, a sua passagem do silêncio
para a reinvidicação.

O trabalho de memória se desenvolve a partir de um estímulo externo e


específico, ou seja, a curiosidade do pesquisador sobre a experiência de
presos políticos. Dessa forma, a lembrança desses fatos é a conseqüência de
um ‘encontro direto’ entre duas pessoas, a testemunha e o entrevistador, o que
‘confere uma característica particular à natureza da lembrança. Os relatos
muitas vezes foram marcados por silêncios, hesitações, risos ou comoções.
Reações que dominam o entrevistado quando relembram os temas
relacionados ao sofrimento, como as prisões e torturas. Muitas dessas
pontuações emotivas expressam dizeres que os depoentes não conseguem
concretizar em palavras. Nesse sentido, a transcrição desse material perde em
conteúdo, ao se tornar um novo documento que inevitavelmente omite algumas
dessas interjeições, “(...) procedimentos constitutivos da oralidade”.
(PORTELLI, 1997, p. 69).
20

2.1 Entrevistas.

Para esse trabalho foram contactadas 11 pessoas que por algum motivo na
primeira metade dos anos 1970, que foram presos,detidos ou torturados pela
máquina repressora do regime.

A seleção prévia da amostra não pretendeu a um rigor específico quanto um


número pré-estabelecido de testemunhos, pois segundo afirma Thomson, “se
houver um conselho universal sobre entrevistas de história oral, este será que
o entrevistador precisa estar constantemente alerta para perceber qual a boa
prática de entrevista em culturas e circunstâncias particulares”. (THOMSON,
IN: FERREIRA; FERNANDES, ALBERTI (Orgs.), 2000, p. 51).

Iniciamos nossa pesquisa com os testemunhos, entrevistas e contatos, esses


feitos pessoalmente ou mesmo por telefone, em virtude da maior facilidade do
contato. A totalidade dos contatos foi efetuado por meio de amigos ou pessoas
muito próximas, sendo que grande parte dos contatados faziam parte do
quadro de professores da Universidade de São Paulo ou do quadro de
militantes do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), com algumas exceções.

Durante esse percurso, por indicação de pessoas nas mais variadas situações,
fomos efutuando os contatos, e das 11 pessoas contatadas, 6 pessoas não
aceitaram falar sobre o assunto, e em todos os casos,não por qualquer outro
motivo a não ser, não querer se recordar do referido episódio que já foi
superado e não se sentir a vontade de trazer isso a tona novamente .

Dentre os cinco depoentes que aceitaram ser entrevistados, percebemos de


uma maneira absolutamente límpida e transparente, que está ferida ainda não
fechou, e absolutamente ainda por parte deles mesmos ou por parte da familia
21

ainda não estão preparados para revelar as tais ‘memórias subterrâneas’, com
exceção dos integrantes da familia Barreto.

Podemos relatar que dois entrevistados, não faziam parte de nenhuma


organização de vanguarda e por puro acaso, teremos a oportunidade de
transcrever quatro situações distintas: a prisão por depoimento voluntário,
sobre prisão sem tortura fisica, mas com um grau elevado de tortura
psicológica, o terceiro caso de prisão em forma de sequestro com tortura
psicológica e fisica, o quarto caso de prisão aconpanhada de ferimentos com
arma de fogo, tortura fisica, e instauração de inquérito e o quinto caso de
testemunha de morte em uma das maiores atrocidades cometidas na história
do nosso país executada pela maquina de repressão.

A Saga da Família Barreto.

Após contatarmos a Sra. Nádia, militante do PSOL (Partido Socialismo e


Liberdade) e por sua indicação, conseguimos, após contato telefônico,
entrevistar o Sr. Divá (Olival Campos Barreto) e Sr. Olderico Campos Barreto,
irmãos do militante e guerrilheiro urbano Zequinha Barreto (José Carlos
Barreto), perseguido e morto em 17 de setembro de 1971, no povoado de
Pintada em Ipupiara (BA).

Olival Campos Barreto (Sr. Divá).

No dia 21 de Dezembro de 2014, uma tarde de domingo, aproximadamente


15h30min chegamos ao município de Osasco, sendo recebidos na sua própria
residência por nosso entrevistado Sr. Divá. Apresentamos-nos e imediatamente
demos inicio a nossa ‘conversa’ sobre a saga da família Barreto no período
ditatorial brasileiro.
22

Notamos de imediato, um desejo latente por parte do entrevistado para iniciar a


entrevista, não motivada pelo fator tempo, mas sim pela emergência em tornar
pública as memórias, que por muitos anos permaneceram subterrâneas. Pois
Falar de suas dores e marcas, no corpo e na alma, é restabelecer certa justiça
em relação ao que a história não registrou, não mostrou. É deixar de ser vítima
e passar a ser cidadão, em busca do reconhecimento e da justiça. A memória,
as motivações íntimas e a subjetividade são uma revanche contra o
esquecimento, um alerta às novas gerações. O primado da existência, o
espaço interior e a alma, presentes na narrativa, ganham maior importância do
que a cronologia e os marcos estabelecidos pela história. O passado evocado
atende às necessidades do presente, recuperando o tempo perdido e ignorado
pela história. O presente no qual esses narradores estão inseridos colabora
para essa busca constante de um passado redimido e ‘justiçado.

Iniciamos a nossa entrevista com o Sr Divá nos falando sobre Zequinha e sua
família:

Zequinha, meu irmão mais velho, nasceu em Brotas de


Marcaubas, Bahia,em 2 de outubro de 1946,assim como todos
nós .A nossa família era constituída por 7 irmãos: Eu (Olival),
Zequinha, Olderico, Otoniel, Maria, Ana e Ednalva1.

Zequinha aos 12 anos ,em 1959,foi para o seminário, estudar


para ser padre em Campina Grande - Paraíba e posteriormente
em Garanhuns-Pernambuco, cumprindo o desejo de nossos
pais. Muito religioso nosso pai dizia: A gente nasceu para ser
santo e não gente.

Ficando no seminário dos 12 aos 17 anos. Zequinha desistiu


dessa vida e voltou para casa, voltou com jeito de homem, alto
(mais de 1,80m) e forte.

1
Olderico Campos Barreto: Preso e torturado pela ditadura militar, sobreviveu aos ‘anos de
chumbo’, atualmente reside na propriedade da família, na Bahia.
Otoniel Campos Barreto: Morreu assassinado pela repressão poucos dias antes de Zequinha.
Olival Campos Barreto (Divá): Nosso entrevistado, que ainda menino sobreviveu à invasão
de sua casa em agosto de 1971, atualmente vivendo em Osasco.
Maria Dolores Campos Barreto: Atualmente vive em Osasco.
Ana Campos Barreto: Atualmente vive no Bairro de Santo Amaro, em São Paulo.
Edinalva Campos Barreto: Atualmente vive na Itália.
23

Após sair do seminário, passou a trabalhar com meu irmão,


Olderico, como garimpeiro, sendo que, ao mesmo tempo,
participava da vida cultural da cidade, sem ter contato com as
organizações camponesas ou estudantis, mas por outro lado,
nessa época, já discutia, com oratória própria adquirida ao
longo dos anos no seminário. Na época existia a “Aliança para
o Progresso”, que era um programa estadunidense (anterior a
ditadura brasileira) de ajuda pretensamente humanitária aos
países mais pobres. Só que Zequinha percebeu que os
produtos (alimentos, mantimentos em geral) da Aliança, que
deveriam ser distribuídos gratuitamente aos flagelados da
seca, iam parar não mãos dos “coronéis” do Nordeste que os
desviavam e os vendiam, sendo essa a primeira luta de
Zequinha que passou a reivindicar para que as embalagens
das doações viessem com inscrições proibindo a venda e com
a frase “Distribuição gratuita”.

Sr. Diva neste momento interrompe a sua fala, me olha nos olhos e diz:

Zequinha, nesta época, não tinha feito contato com ideias


socialistas, sabe, o meu irmão Olderico me disse uma vez, que
havia um comerciante lá na nossa cidade, cujo o nome ele
também não lembra, que se dizia “teórico do socialismo“, mas
quando Zequinha começou a se interressar pelas ideias
Socialistas e o convidou para partir para a prática, o
comerciante desconversou (risos)”

Depois de um ano que tinha abandonado o seminário,


Zequinha mudou-se, no final de 1963, para São Paulo
(Osasco), onde meu tio morava.

Em 6 de maio de 1964, poucos dias após o golpe militar, Zequinha Barreto fez
o alistamento militar obrigatório, sendo chamado para servir o exército naquele
mesmo ano.

O Zequinha, logo que chegou a São Paulo, teve que servir o


exército em Quitauna, Osasco. Eu acho que ali, provavelmente,
ele deve ter conhecido o Lamarca, mas muitas outras pessoas
também falam que eles se conheceram na clandestinidade,
depois que o Lamarca já tinha abandonado o exército.
24

Zequinha é dispensado do exercito após período obrigatório.

Após a sua dispensa do exercito em 1965, Zequinha iniciou


contatos com movimentos de operários e estudantes da cidade,
que eram muito avançados para a época, aqui em Osasco,
apesar da ditadura, os jovens e operários viviam em plena
efervescência política.

A luta operária e a prisão em 1968.

Em julho de 1968, eclode a histórica greve dos operários de


Osasco, que é reprimida com violência pela polícia”. Zequinha
que trabalhava na Cobrasma e foi um dos principais lideres do
movimento. Durante a desocupação da Cobrasma foram
presos em torno de 60 operários, porém todos foram soltos
alguns dias depois, com exceção de Zequinha que ficou 98
dias preso, tendo sido barbaramente torturado. Solto, volta a
militar na VPR, indo morar em São Paulo, Rio de Janeiro e
Salvador.

Pós-prisão

Foi solto, e retornou ao Buriti levando os jornais. Olderico fica


sabendo do acontecido, viajam os dois para São Paulo, onde
Zequinha milita na VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Daí mudam para Salvador, onde Olderico trabalha como
motorista, e retornam ao Buriti. Com a morte de minha mãe
(Dona Nair), eles se separam, indo Olderico para São Paulo e
Zequinha para o Rio, onde milita na VAR- Palmares
(dissidência da VPR). Decide mudar do Rio para Salvador e
convence Olderico a acompanhá-lo.

Neste momento Zequinha sai do Rio de Janeiro indo para Buriti


Cristalino, na rodoviária, Zequinha fala para Spinoza, seu
companheiro de militância, que era para o mesmo tomar muito
cuidado porque as coisas se tornaram muito perigosas
dizendo: “Spinoza, vou para um lugar onde a repressão nunca
vai chegar”.
25

Neste momento a tristeza se abate sob o Sr Divá, e percebi que a partir deste
ponto o tom da entrevista deixa de ser histórico e passa a ser melancólico, o
que ele era nos relatar a partir de agora foi a desgraça da sua familia.

As consequências da ditadura militar sobre os familiares de militantes políticos


podem ser compreendias no estudo de Gianordoli-Nascimento (2006) realizado
com mulheres ex-presas políticas durante o regime. Em seus relatos as
mulheres salientam as perdas e sofrimentos que a repressão causou aos
membros de suas famílias. Estes, muitas vezes foram presos, perseguidos e
ameaçados como forma, bastante eficaz, de atingirem e fragilizarem as
resistências das militantes no período, deixando um amálgama de sofrimento e
culpa até os dias atuais. Em geral, são experiências familiares que para alguns
nunca foram compartilhadas entre os parentes após os acontecimentos.
Memórias enredadas em silêncios e segredos que até os dias atuais formam a
trama de um presente-passado compartilhado por nuances de histórias
coletivamente únicas. Nesse sentido, o trabalho da autora elucidou o lugar dos
familiares na trajetória destas e aponta para as dificuldades enfrentadas pelos
parentes, seja no contexto de prisão ou desaparecimento do membro militante.

Olha, depois que o Zequinha já estava em Buriti Cristalino, o


MR8 entrou em contato com ele dizendo que ele deveria
esconder 2 militantes, se não fosse isso talvez meus irmãos
estivessem vivos ate hoje.

Estes dois militantes eram: Lamarca e Luiz Antonio Santa Barbara, codinome
Professor Roberto (um Militante de feira de Santana, estudante secundarista)

Lamarca chega ao Buriti, juntamente com Santa Bárbara (um


militante de Feira de Santana) em 29 de junho de 1971.

Lamarca e Zequinha ficaram escondidos lá por dois meses,


entre junho e agosto, a aproximadamente 1,5 km da nossa
casa, mas Professor Roberto (Luiz Antonio Santa Barbara)
convivia dentro de casa, pois fazia um trabalho na escola local,
eu nunca cheguei a ver o Lamarca.
26

Em 28 de agosto daquele mesmo ano, militares e policiais à paisana cercaram


a pequena casa no povoado de Buriti Cristalino (Bahia), fazendo todos reféns.
A ação fez parte da chamada ‘Operação Pajussara’, liderada pelo então major
Nilton Cerqueira e pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, que tinha como
objetivo capturar e assassinar Carlos Lamarca.

No dia da invasão a minha casa, lembro claramente do


delegado Fleury sentado na cozinha da minha casa e também
de um outro agente, moreno de barba.

Ao amanhecer do dia 28 de agosto de 1971, vi toda a minha


familia se desfacelar.

No momento do tiroteio, eu entrei debaixo da cama, o que me


permitiu ver apenas a parte das pernas do Santa Bárbara, que
estava junto comigo no quarto. Quando os militares entraram
atirando, Santa Bárbara tombou do meu lado, chegando a me
sujar de sangue, mataram também Otoniel, meu irmão. Meu
outro irmão Olderico foi torturado no meio da rua, levou tiros e
carrega até hoje as cicatrizes no seu corpo. Meu pai, José de
Araújo Barreto, então com 64 anos, também foi preso e
torturado. Com todo o barulho dos tiros Zequinha e Lamarca
conseguiram fugir. Os agentes então, juntamente com o
carrasco Fleury, ficaram com meu pai, fazendo buscas,
tentando descobrir onde estava o Lamarca. Eles ficaram ali do
sábado até a sexta-feira seguinte. Eu fiquei na casa de uns
tios, o único lugar que deu algum apoio, porque todas as
pessoas do lugar sentiram muito medo. Eu mesmo cheguei a ir
a casas de pessoas que bateram a porta na minha cara. “Aí eu
fiquei imaginando que se eu recebi uma porta na cara, imaginei
quantas portas na cara o Zequinha e o Lamarca não
receberam naquele período que eles ficaram naquela serra,
procurando uma comida, alguma coisa.

Otoniel meu irmão, bem como Luiz Antônio Santa Bárbara,


foram assassinados e seus corpos foram jogados em frente de
casa e sepultados no povoado. Horas depois, foram
desenterrados e levados em um helicóptero para Salvador. Em
Salvador, também foi enterrado Zequinha Barreto, a revelia da
família. Meu pai, José de Araújo Barreto, foi levado até
Salvador para reconhecer os corpos, que foram enterrados no
cemitério do Campo Santo. Até hoje, apesar dos pedidos, nós
não sabemos localização dos restos mortais dos meus irmãos.
27

Lembrou seu Devá, que na época tinha 11 anos. Poucos dias depois, em 17 de
setembro, exaustos e doentes, Lamarca e Zequinha foram encontrados e
executados no povoado de Pintada, município de Ipupiara, no sertão da Bahia.

Olderico Campos Barreto.

Minha história já começa em Buriti Cristalino, no dia da invasão


a casa de meu pai,

Era o dia 28 de agosto de 1971. Eu estava com 23 anos, tinha


sido ferido no ataque, à casa do meu pai, o velho José Barreto,
em Buriti Cristalino, povoado do município de Brotas de
Macaúbas, na Chapada Diamantina, a cerca de 600
quilômetros de Salvador.

Fleury e sua corja estava à procura do Lamarca, que estava


escondido no mato, a pouca distância do da minha casa, junto
com meu irmão mais velho Zequinha (José Campos Barreto).
Lamarca e Zequinha ouviram a fuzilaria no povoado, na casa
do velho José Barreto, e fugiram tentando escapar do cerco.
Pelo mato, a pé, fragilizados pela desnutrição, isolados dos
moradores levados a vê-los como terroristas, foram mortos
poucos dias depois, no dia 17 de setembro, após uma marcha
heróica pela região do semiárido. Já sem condições de
oferecer resistência foram metralhados por um comando do
Exército, sob a chefia do então major Nilton Cerqueira, nas
proximidades de Pintada, povoado do município de Ipupiara,
pertinho do limite com Brotas de Macaúbas. .

Ao amanhecer do dia 28 de agosto de 1971, eu estava no


centro do furacão. Por um momento eu estive frente a frente
com Fleury, mas tive a sorte de não morrer, fui ferido na mão e
no rosto, tombei para dentro de um dos cômodos da casa e sai
da linha de fogo.

Fico muito aflito quando me lembro daqueles momentos de


extrema aflição.

Os truculentos agentes de Fleury chutavam e pisavam na sua mão direita,


ferida à bala, e até hoje deformada.
28

Quando fui atingido por um disparo no rosto desmaiei, Quando


recobrei os sentidos, fui preso e conduzido, juntamente com o
meu pai e o meu irmão Otoniel, para frente da casa.

O Otoniel foi despido, permanecendo apenas de calção e que,


na sua calça, deixada nas proximidades, havia uma arma de
fogo, os agentes não perceberam. Levaram meu pai para o
barracão, onde o velho foi pendurado em uma corda, de
cabeça para baixo e, com socos, golpes de armas e ameaças
de morte, exigiam saber o paradeiro do meu irmão Zequinha.
Do lado de fora, Otoniel, em desespero pelos gritos do pai,
alcançou a arma, deu um disparo e saiu correndo, tendo sido
atingido e morto.

Olderico diz ainda que: “Enquanto era novamente espancado, um policial disse,
referindo-se ao meu irmão morto (Otoniel): Isso é para ver o que acontece com
quem foge".

Olderico conta como foi a sua prisão:

Foi dentro de casa, depois de ter sido ferido. Tomei uma rajada
de tiros que me pegou na mão e no rosto e me tirou os
sentidos por algum tempo. A minha atitude de atirar contra os
homens que cercavam a casa do meu pai não foi de
resistência, mas uma forma de avisar o Zequinha e o Lamarca.

Fui preso, passei a ser torturado e brutalmente espancado,


num processo que foi ficando cada vez mais sofisticado. Eles
passaram a usar produtos químicos. Perguntavam se eu ia
colaborar, se queria um tratamento de açougueiro ou um
tratamento digno. Jogavam mertiolate na mão aberta pelos
tiros. O rosto costuraram na marra, sem anestésico nenhum.

Sentiam prazer fazendo essas coisas. Eu fui tratado


simultaneamente por duas equipes que achavam que a outra
era bunda mole. Quando a equipe de São Paulo me soltava,
me pegava uma equipe do Rio. Eu estava quebrado havia uma
disputa entre eles para ver quem conseguia mais informações.
Mas saí dali íntegro, o corpo todo quebrado, mas não a mente.

Depois de 49 dias no hospital da vila militar em Salvador, fui


encaminhado para um local onde estavam vários presos
políticos. Fiquei preso por 2 anos.

Sobre a localização dos corpos de Zequinha e Otoniel, Olderico, diz:


29

Esta é ainda uma grande luta. Percorri todos os lugares


possíveis e imagináveis em Salvador para ter notícias, mas não
há qualquer registro de onde eles possam ter sido enterrados,
se é que foram enterrados. Meu pai foi chamado a Salvador,
mas não viu os corpos. E o lugar deles é lá no cemitério do
Buriti Cristalino, ao lado do meu pai e outros parentes.

Olderico Barreto ficou preso por mais de dois anos, enquadrado por dois
artigos da Lei de Segurança Nacional (resistência armada e terrorismo). O
enquadramento na LSN poderia render-lhe de 13 a 30 anos de prisão, mas
depois a pena foi abrandada. Em 1979, com a Lei da Anistia, seu processo foi
considerado extinto. Até hoje Olderico aguarda uma indenização do governo
federal, que ainda não chegou.

Prof. Antonio Carlos Bernardo.

Professor, estado civíl não informado na data da prisão, não era um militante,
mas ao chegar em sua casa, em uma noite no ano de 1974, lhe é entregue
por sua família, um bilhete não oficial, escrito em papel de pão (palavras do
entrevistado), escrito para que o entrevistado se apresenta-se o mais rapido
possível, nas estalações do Doi-Codi, na rua Tutóia. O entrevistado, na manhã
seguinte se dirigiu ao endereço citado, sendo detido imediatamente a sua
chegada. Após a sua prisão foi colocado em sua cabeça um capuz de tecido
preto, sem aberturas e encaminhado para uma sala, que o entrevistado relatou
sendo uma sala de identificação. Após ser fotografado e ter suas digitais
colhidas foi encaminhado para uma cela onde não tinha nenhum outro preso.

A tortura psicológica se inicia a partir deste momento onde os agentes, a todo


momento, o encapuzavam e o levavam para uma sala onde alí se encontrava
uma maquina de tortura (maquina de choque), permanecendo assim até o dia
da sua saida dois dias depois, neste ponto da entrevista fomos interrompidos
por um familiar que dizia que este fato não deveria ser relatado e que estava
encerrada a entrevista, nos deixando sem algumas respostas .
30

Mario Rosa.

Professor, foi detido no ano de 1974, ao chegar em casa no final da tarde de


um dia ignorado do mês de agosto,foi sequestrado por agentes , e colocado
no banco de trás do automóvel entre duas pessoas, anteriormente a sua
entrada no altomóvel foi encapuzado, sem nenhuma cerimônia e as vistas dos
transeuntes. Foi levado até um local ignorado, mas posteriormente, soube que
era o Doi-Codi na Rua Tutóia, após sua identificação já foi iniciada a tortura,
mas com as palavras do próprio entrevistado, não exixtiu o uso de máquinas,
apenas tapas no rosto e murros no estomago. Ficou detido por quatro dias
restando apenas às sequelas psicológicas e um dente quebrado, e
coincidentemente, nesta fase da entrevista, me comunicou que não queria mais
falar sobre o assunto, e de uma maneira muito educada me pediu desculpas e
desligou o telefone, também nos deixando com algumas questões a responder.

Em relação às entrevistas podemos concluir que, as mazelas da ditadura ainda


perduram nos dias de hoje. As feridas dos anos de regime totalitário ainda não
estão totalmente cicatrizadas, percebemos então que ainda existe muito
ressentimento, achando que o silêncio é a melhor forma de se lidar com o
passado, o desconforto provocado por essas lembranças, o retornar a situação
traumática pode não ser uma situação encerrada para alguns, já que não é
possível apaga-la deliberadamente.

No que se refere ao período do regime militar no Brasil, a época do silêncio já


foi encerrada, mas para alguns as rachaduras na superfície social que
possibilitem o jorro de suas memórias no ambiente público ainda não são
devidamente consolidadas.

Iremos usar agora uma frase, que no meu modo de ver traduz esse momento,
dita pelo Prof. Antonio Carlos Bernardo: “Tive um bom psicólogo, foi o Henfil”.
31

Jaime da Silva Santos.

Sujeito calmo e de poucas palavras hoje Militante do PSOL (Partido Socialismo


e Liberdade), metalúrgico aposentado da cidade de Osasco. Em 1972 tinha um
cômodo em sua casa onde morava o seu sobrinho militante politico de
movimentos estudantis, que panfletava nas redondezas contra a ditadura
militar e que no mesmo Comodo guardava um mimeógrafo.

Após uma batida policial em sua casa, onde o Sr Jaime não se encontrava,
foram efetuadas as prisões do seu sobrinho e das pessoas que lá estavam, seu
Jaime foi apanhado e preso em seu local trabalho no meio do expediente, na
época era funcionário empresa Cobrasma.

Devido a indícios encontrados em sua casa foi preso e levado para o DOI-
CODI na Rua Tutóia onde foi interrogado e torturado, para entregar outros
participantes do movimento por 6 dias. A sua tortura foi executada por 2 grupos
de 3 agentes que lhe aplicaram choques, telefone e também afogamento. Após
a sua soltura, o mesmo Sr Jaime nos informou que era seguido por agentes do
DOI-CODI:

Eu tinha a sensação que era seguido o tempo todo, eles


queriam quebrar o pessoal aqui de Osasco.

Era uma vida muito aflita, porque você, até pra entrar dentro de
casa a gente ficava com medo de entrar e ter gente. Nossa
casa foi roubada, tiraram umas pastas que tinham e a gente
não sabe como, mas entraram e tiraram. A gente saia na rua,
olhando pra praça porque a gente não sabia se tava sendo
perseguido, se ia ser preso, sabe.

Tinha sempre alguém rondando lá [casa da família], a polícia


estava sempre rondando lá, isso a gente chegou um ponto que
já conhecia, olhava pela janela e sabia. Homens fardados
óbvio... fingiam que estavam passeando, davam volta, a gente
já percebia o que era. É... essas coisas malucas...
32

As memórias ainda continuam vivas na mente do Sr Jaime: “Sabe, muitos anos


fiquei sem contar essa história lembrando todos os dias, mas parece que agora
todos resolveram falar“.

O silêncio sobre o passado não é esquecimento é a resistência que uma


sociedade civil impotente se opõe ao excesso de discursos oficiais, dos grupos
majoritários e sociedades englobantes estas lembranças se transformam em
algo indizível, inconfessável, algo que não se alinhava com a imagem que a
sociedade majoritária desejava impor. Estas lembranças só eram transmitidas
no quadro familiar, ou em redes de sociabilidade afetiva.

O problema que se coloca a longo prazo para essas memórias subterrâneas é


o de sua transmissão intacta, até o dia em que elas possam aproveitar uma
ocasião para invadir o espaço público e passar do ‘não-dito’ à contestação e à
reivindicação.
33

3 O GOLPE.

Golpe Cívil Militar de 1964 se traduz no conjunto de fatos e eventos que


aconteceram em 31 de março de 1964 no Brasil, que eclodiram, no dia 1 de
abril de 1964, com um golpe de estado que colocou fim ao governo do
presidente João Goulart (Jango).

Os militares brasileiros a favor do Golpe costumam referencia-lo como


Revolução de 1964 ou Contrarrevolução de 1964. (SORIANO NETO, 2013).
Em geral, a expressão (Revolução ou Contrarrevolução) é associada a
defensores da ditadura. (ARRUDA, 2013).

Para que haja uma definição de qual a natureza política e social do acontecido
no Brasil em março de 64, é preciso, antes de tudo, deixar claro que se
entende por ‘revolução’ e por ‘golpe de Estado’.

Revolução é uma violenta quebra de hierarquia social e política, em uma


nação, pondo abaixo o que estava no topo e em seu lugar colocando os que
estavam embaixo na hierarquia social e política.

Costuma-se, por exemplo, chamar de ‘revolução’ o que aconteceu na França


de 1789 em diante, pois o que estava na hierarquia superior da sociedade, a
nobreza foi derrubada por uma classe que lhe era inferior no antigo regime, a
burguesia. Esta subiu para a posição de classe dominante, enquanto que os
antigos aristocratas se tornaram cidadãos comuns aos outros, sem previlégios,
sem poder político e foram colocados como foras da lei, aprisionados, julgados,
condenados e guilhotinados.
34

Golpe de Estado é a ruptura ou quebra da ordem jurídica para a substituição de


elementos no governo. Jango havia sido eleito democraticamente vice-
presidente pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no mesmo pleito que
conduziu Jânio da Silva Quadros do Partido Trabalhista Nacional (PTN) à
presidência, apoiado pela União Democrática Nacional (UDN). A ordem jurídica
foi não só quebrada, mas substituida por um regime de exceção, com os Atos
Institucionais 1, 2, 3, e 4, e sobretudo o de nº 5. São importantes os atos
abaixo enumerados para persebermos a sua abrangência.

AI-1: Redigido por Francisco dos Santos Nascimento foi editado em 9 de abril
de 1964 pela junta militar. Passou a ser designado como Ato Institucional
Número Um, ou AI-1 somente após a divulgação do AI-2. Com 11 artigos, o AI-
1 dava ao governo militar o poder de alterar a constituição, cassar mandatos
legislativos, suspender direitos políticos por dez anos e demitir, colocar em
disponibilidade ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa que tivesse
atentado contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da
administração pública.

Determinava eleições indiretas para a presidência da República no dia 11 de


abril, estipulando que fosse terminado o mandato do presidente em 31 de
janeiro de 1966, quando expiraria a vigência do ato.

AI-2: Com 33 artigos, o ato instituiu a eleição indireta para presidente da


República, dissolveu todos os partidos políticos, aumentou o número de
ministros do Supremo Tribunal Federal de 11 para 16, reabriu o processo de
punição aos adversários do regime, estabeleceu que o presidente poderia
decretar estado de sítio por 180 dias sem consultar o Congresso, intervir nos
estados, decretar o recesso no Congresso, demitir funcionários por
35

incompatibilidade com o regime e baixar decretos-lei e atos complementares


sobre assuntos de segurança nacional.

AI-3: Em 5 de fevereiro de 1966, o presidente Castelo Branco editou o Ato


Institucional Número Três, ou AI-3, que estabelecia eleições indiretas para
governador e vice-governador e que os prefeitos das capitais seriam indicados
pelos governadores, com aprovação das assembléias legislativas. Estabeleceu
o calendário eleitoral, com a eleição presidencial em 3 de outubro e para o
Congresso, em 15 de novembro.

AI-4: Editado por Castelo Branco em 7 de dezembro de 1966, o Ato


Institucional Número Quatro, ou AI-4, convocou ao Congresso Nacional o
estabelecimento de uma nova carta constitucional, a Constituição de 1967, que
revogaria definitivamente a Constituição de 1946.

AI-5: Em 13 de dezembro de 1968, foi baixado o Ato Institucional n° 5. O ato


dava ao presidente Artur da Costa e Silva o poder de cassar mandatos, intervir
em estados e municípios e suspender direitos políticos. Além disso, a tortura foi
praticamente instituída. Este ato incluía a proibição de manifestações contra a
natureza política, além de vetar o habeas corpus para crimes contra a
segurança nacional (ou seja, crimes políticos).

O Ato Institucional Número Cinco (AI-5) concedia ao Presidente da Republica


enormes poderes, tais como: fechar o Congresso Nacional; demitir, remover ou
aposentar quaisquer funcionários; cassar mandatos parlamentares; suspender
por dez anos os direitos políticos de qualquer pessoa; decretar estado de sítio;
julgamento de crimes políticos por tribunais militares, etc.
36

O AI-5 foi um instrumento de poder que deu ao regime poderes absolutos e


cuja primeira e maior consequência foi o fechamento do Congresso Nacional
por quase um ano.

O golpe estabeleceu um regime político alinhado aos Estados Unidos


(SCHWARZ, 2001 e AYERBE, 2002) ocasionando profundas modificações na
organização política, social e econômica do país. Cinco presidentes militares se
sucederam desde então, declararam-se herdeiros e continuadores da
Revolução de 1964. (DIAS, 2013).

O regime militar durou até 1985, quando Tancredo Neves foi eleito,
indiretamente, o primeiro presidente civil desde 1964.

3.1 Antecedentes do golpe.

Jânio da Silva Quadros renunciou ao mandato em 25 de agosto de 1961 no


mesmo ano de sua posse, e seu substituto legal a Presidência era João
Goulart, segundo a Constituição vigente à época, promulgada em 1946.

A renúncia criara uma grave situação de instabilidade política. Jango na data


se encontrava em visita diplomática na República Popular da China, com a qual
o Brasil ainda não mantinha relações diplimáticas. Lá fora recebido por Mao
Tsé Tung e Chou En-lai falando perante Assembléia do Povo e proferindo
declarações simpáticas ao regime socialista chinês, o que só fez aumentar a
oposição dos circulos militares tradicionalmente antijanguistas.

A Constituição era clara: o vice-presidente deveria assumir o governo. Porém,


os ministros militares Odílio Denys (Exército), Gabriel Grün Moss (Aeronáutica)
e Sílvio Heck (Marinha) se opuseram à sua posse tentando impedi-la, pois viam
37

nele uma ameaça ao país, por seus vínculos com políticos do Partido
Comunista Brasileiro (PCB) e do Partido Socialista Brasileiro (PSB)

Foi empossado o presidente da Câmara dos Deputados, Paschoal Ranieri


Mazzilli como presidente da Republica. (BIGELI, 2004).

Alguns dias após a sua posse, o então Presidente, envia ao Congresso a


mensagem 471/61, solicitando um parecer sobre a discordância dos militares
quanto à posse de Jango nas funções de Presidente da República. (SILVA
NETO, 2003).

3.2 Campanha da legalidade.

A Campanha da Legalidade foi um movimento popular com o envolvimento dos


militares legalistas, ocorrido no Rio Grande do Sul, com inicio em 25 de agosto
de 1961 e durando aproximadamente dez dias. O movimento se deu em função
da renúncia do então Presidente da República, Jânio Quadros, e o não
cumprimento da lei que previa que, em caso de renúncia, o vice-presidente
deveria assumir.

A notícia da Renúncia chega ao Governador Leonal Brizola, por meio do seu


assessor de imprensa Hamilton Chaves, neste momento, Brizola já estava
ciente das restrições impostas pelo Ministro da Guerra Marechal Odílio Dennys
quanto à posse de Jango, assim, Brizola entrou em contato com o General
Machado Lopes, expondo os fatos e questionando a sua posição quanto a
estes atos contrários a legalidade constitucional, quando o mesmo respondeu:
“Bom, governador, eu não posso me definir assim. Sou soldado e fico com o
Exército”. (MAIA, 2004, p.27).
38

Após esta conversa, Brizola mobilizou o apoio da Brigada Militar, que após uma
reunião com os oficiais dirigentes, manifestando-se a favor da constituição e a
resistência. (BRAUN, 2007).

Na mesma noite do dia 25 de agosto, o Marechal Henrique Lott divulga um


manifesto demonstrando-se a favor da posse de João Goulart.

Marechal Henrique Lott, teve sempre uma posição legalista possuindo um


apoio considerável dos militares, tentou remover o Ministro da Guerra Odílio
Denys utilizando sua influência política, mas não teve sucesso, buscando,
então, a opinião pública. (CARLONI, 2010).

Desta forma, publicou um manifesto repudiando a ação dos ministros militares:

Tomei conhecimento, nesta data, da decisão do Senhor


Ministro da Guerra, Marechal Odílio Dennys, manifestada ao
representante do governo do Rio Grande do Sul, deputado Rui
Ramos, no Palácio do Planalto, em Brasília, de não permitir
que o atual Presidente da República, Sr. João Goulart, entre no
exercício de suas funções, e ainda, de detê-lo no momento em
que pise o território nacional. [...] Dentro dessa orientação,
conclamo todas as forças vivas do país, as forças da produção
e do pensamento, dos estudantes e intelectuais, dos operários
e o povo em geral, para tomar posição decisiva e enérgica no
respeito à Constituição e preservação integral do regime
democrático brasileiro, certo ainda de que os meus camaradas
das Forças Armadas saberão portar-se à altura das tradições
legalistas que marcam sua história no destino da Pátria 11.
(VICTOR, 1965, p. 359).

Frente ao Manifesto lançado pelo Marechal Lott, que foi divulgado amplamente
pelos jornais, o Ministro da Guerra Odílio Dennys ordenou o recolhimento dos
jornais e a sua prisão.

Antes de ser preso, este aconselha o Governador Brizola a entrar em contato


com os Generais Osmar Osório (comandante da divisão de Santiago do
Boqueirão) e Pery Beviláqua (comandante da divisão de Santa Maria), que
eram legalistas. Após o primeiro contato recebe a manifestação de apoio de
ambos. O General Osmar Osório solicita caminhões e trens, e pede um acordo
39

entre General Machado Lopes (Comandante do III Exército) e o Governador,


nos seguir dos dias o General Osmar Osório, com sua solicitação atendida,
alcançou com suas tropas o Estado do Paraná, sendo comparado com o
General Patton por Brizola pela sua rápida habilidade. (MAIA, 2004).

Com a divulgação ampla do manifesto do Marechal Henrique Lott pelas rádios


no Rio Grande do Sul e por ordem do Ministério da Guerra Odílio Denys, uma a
uma, das rádios que divulgaram o manifesto foram fechadas e tiveram os seus
equipamentos de transmissão recolhidos, sobrando apenas a Rádio Guaíba,
que acabou sendo instalada nos porões do Palácio Piratini.

No dia 27 de Agosto, na sua residência em Copacabana, o Marechal Marechal


Henrique Lott recebeu ordem de prisão, que resistiu devido a patente inferior
do oficial que foi cumpri-lá, desta forma, a efetivação da sua detenção ocorreu
com a chegada do Marechal Nilo Sucupira.

Na saída de sua casa foi aclamado pelo povo, sendo chamado de ‘Marechal da
Legalidade’, ficando preso por um mês, logo após a sua libertação, em
comunicado público, ainda, demostrou-se defensor da legalidade
constitucional. (CARLONI, 2010).

Além da prisão do Marechal Henrique Lottt, o Ministro da Guerra Odílio Dennys


declara que se Jango tocasse em solo brasileiro, sua prisão deveria ser
imediata, por tratar-se de um inimigo da ordem pública e uma ameaça à
segurança nacional.

O dia 28 de Agosto era conturbado na Sede do Governo do Rio Grande do Sul,


com muitas pessoas dentro e fora do Palácio Piratini a espera de uma
definição. As seis da manhã, um rádio amador interceptou uma mensagem do
General Orlando Geisel para o III exército onde o Ministério da Guerra dava
ordem para que o III exército parasse as atividades ilegais realizadas pelo
Governador Brizola, utilizando a força se necessário. As palavras de ordem do
General Geisel ao General Machado Lopes foram: “Faça convergir sobre o
40

Porto Alegre toda a Tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente [...]
Empregue a Aeronáutica, realizando inclusive o bombardeio, se necessário”.
(FELIZARDO, 1991, p.32).

Na madrugada do dia 28, uma ordem de ataque foi expedida pela Aeronáutica
para o que 1º Esquadrão do 14º Grupo de Aviação de Canoas. Para garantir
que o bombardeio não ocorresse a Brigada Militar cercou a base da
Aeronáutica em Canoas Impedindo, desta maneira, que os aviões decolassem
rumo ao Palácio Piratini. Mesmo que estes conseguissem decolar, o ataque já
estava frustrado devido à sabotagem realizada pelos próprios militares de baixa
patente, que haviam desarmado as bombas e furado os pneus das aeronaves,
assim, sabotando as ordens do Ministério da Guerra e de seus superiores
imediatos. (ROLIM, 2009).

Às dez horas da manhã, o comandante do 3° exército General Machado Lopes


convoca uma reunião com o Governador Brizola, para meio dia. Às onze horas
da manhã, Leonel Brizola aciona a Rede da Legalidade, e realiza um discurso
inflamado, demonstrando claramente que o Estado resistiria ao golpe a favor
da posse de Jango.

O General Machado Lopes chega ao Palácio Piratini acompanhado da sua


comitiva, após ser recebido rol de entrada Palácio Piratini pelo Coronel Emilio
Neme conduzindo-o para a sala de reunião com o Governador Brizola. Na
reunião, o General Machado Lopes representando o III Exército, colocava-se
ao lado Governo do Estado a favor da Legalidade, desacatando as ordens
vindas de Brasília para o ataque ao Palácio Piratini.

Neste encontro Brizola passou o controle da Brigada Militar para General


Machado Lopes, formando um contingente de 53 mil (40 mil das tropas
militares e 13 mil da Brigada Militar).
41

O apoio do III Exército a Campanha da Legalidade, deve ser analisado a partir


das características de composição da sua tropa, que era majoritariamente
gaúcha, além da própria conduta legalista do seu comandante. (ROLIM, 2009).

Assim, era impossível que os aquartelados atacassem seu próprio povo, que
estava à frente do Palácio. Por fim, o seu comandante tinha opção
conservadora e legalista e também aderiu ao Movimento da Legalidade.

Após a conversa e envio de telegrama, demonstrando a posição assumida


pelos militares do Rio Grande do Sul, frente às ações inconstitucionais do
Ministro da Guerra, Brizola e Machado Lopes, foram à sacada do Palácio
Piratini e acenaram para a população que se concentrava na Praça da Matriz.
(BRAGA, 2004).

Numa entrevista posterior aos fatos ao Jornal Cruzeiro, em 2 de Dezembro de


1961, Leonel Brizola, destacou a importância do III Exército:

Quando o general Machado Lopes me comunicou sua corajosa


e patriótica atitude, eu lhe disse que, a partir daquele momento,
ele iria desempenhar um papel histórico. Foi estabelecido que
todo o comando das operações militares ficaria com o general,
e o comando civil, comigo. Foram combinadas medidas
visando a normalizar a situação na esperança de que a atitude
do II Exército fizesse recuar a pressão golpista [...]. (ROLIM,
2009, p.148).

Segundo Ferreira (1997a), em consequência do apoio manifestado pelo III


Exército a Campanha da Legalidade uma rebelião militar se desencadeou no
Pará, São Paulo, Belém e Amazônia além, da insubordinação massiva das
tropas do Exército, num âmbito nacional que se declaram a favor da posse de
Jango. (FERREIRA, 1997a).

As forças golpistas presenciavam um crescente do movimento legalista com


apoio civil e militar, inúmeros militares da reserva foram para Porto Alegre para
participar de diretamente da Campanha.
42

O apoio dos militares foi de suma importância para as ações realizadas pela
Campanha da Legalidade, a capacidade de perceber a fragilidade do momento
pesou na decisão e também a pressão das minorias militares, colocando assim
ao lado de Brizola, um dos melhores e mais bem equipados dos regimentos do
Exército Nacional, que se uniu aos Comitês de Resistência Civil pelo interior do
Estado, com base na capital do Rio Grande do Sul.

3.2.1 A rede da legalidade, mobilização popular e Carlos Lacerda.

Enquanto, no Rio Grande Sul, Brizola colocava a população em alerta quanto


ao ataque à democracia e a constituição nacional.

No Rio de Janeiro, o Governo da Guanabara Carlos Lacerda, manipulava os


fatos, realizando uma ampla campanha contra a posse de Jango e a favor dos
ministros militares, acusando o Governador gaúcho de ser um agitador
disposto a romper com a ordem pública e propagador do comunismo.
(FERREIRA, 1997a)

As manifestações populares começavam a tomar as ruas do Rio de Janeiro,


sendo reprimidas com violência, a Cinelândia era um palco de batalha entre as
forças do governador Lacerda e os favoráveis a Jango.

O governador Lacerda, ainda, lançou um manual, para o bom Cidadão, mas


este não impediu as manifestações populares:

(Receita Do Bom Cidadão)

Para sua segurança nestes dias, em que baderneiros


aproveitam-se das circunstâncias para agitar as ruas, siga
estas regras:

1 - não ande sem documentos;


2 - sempre que qualquer autoridade pedir identifique-se;
3 - obedeça sem discutir qualquer ordem da Polícia;
43

4 - não pare para apreciar badernas na rua;


5 - não aceite e não guarde qualquer tipo de ‘proclamação’;
6 - não corra nas ruas à-tôa;
7 - não participe de grupinhos e aglomerações;
8 - não discuta nas esquinas, principalmente política;
9 - não ande armado;
10 - não seja “curioso”. (FERREIRA, 1997a, p.162).

A censura às notícias inerentes às manifestações contrárias ao movimento


golpista foi promovida pelo Ministério da Guerra e como apoio do Governador
Lacerda, esta chegou a atingir o Rio Grande do Sul, tendo alguns jornais
fechados.

Às três horas da manhã do dia 27, o Governador Brizola, na sua primeira


declaração pelas rádios: Difusora, Farroupilha e a Gaúcha, apresentou a
posição unânime do Estado a favor da Constituição e convocando a população
gaúcha a resistir.

Por ordem do Ministro da Guerra, são retirados os cristais dos transmissores


das rádios de Porto Alegre, em uma tentativa de calar a opinião pública, como
havia sido realizado nas capitais com governos golpistas.

Com o fechamento das rádios, como o governador poderia informar a


população sobre os fatos que estavam acontecendo devido à renúncia de
Jânio?

O povo já se encontrava em frente do Palácio Piratini. As notícias eram


perturbadoras. O Ministro Odílio Dennys deu ordens para o bombardeio do
Palácio Piratini, a notícia que chegou ao Governador graças à interceptação
deste comunicado por um radioamador, estes fatos deviam ser repassados ao
povo.

Assim, a ameaça de bombardeio tornou-se real, segundo Ferreira (1997a,


p.151):
44

A Brigada Militar (legalista) instalou ninhos de metralhadoras


no alto do Palácio e na Catedral Metropolitana. Funcionários,
jornalistas e civis receberam revólveres e granadas. Populares
dispostos à luta assumiram comando militar. Caminhões, jipes
e carros oficiais foram amontoados em volta do Palácio para
impedir a passagem dos tanques. Convivendo com tantas
tensões, alguns sorriam, como disfarce emocional. Outros,
mais controlados, despediam-se de suas mulheres e filhos.

Às dez horas da manhã deste dia, o General Machado Lopes marca uma
reunião com o Governador do Rio Grande do Sul que esperava ser preso,
como insurgente, o que não ocorreu devido ao apoio do III Exército a
Campanha da Legalidade que seria manifestado nesta reunião.

Antes desta reunião, em uma conversa com seu assessor de imprensa Chaves
Hamilton, o Governador Brizola descreve a necessidade de um canal de
comunicação com a população, assim, surge à ideia de solicitar a Rádio
Guaíba, que ainda estava em funcionamento. Compartilhando com o diretor da
Rádio Gaúcha Maurício Sirotsky Sobrinho, que abre a possibilidade da
requisição pelo Estado dos equipamentos da Rádio Guaíba que se encontrava
em funcionamento, já que os da sua rádio haviam sido apreendidos.

Após contato com o proprietário da Rádio Guaíba, Breno Caldas Junior, este
pede ao governador uma garantia legal, um ofício para a carga dos
equipamentos, sendo feito pelo Secretário da Fazenda Gabriel Obino, neste
momento a Brigada Militar colocava-se em guarda perante as antenas de
transmissão que se localizavam na Ilha da Pintada, em Porto Alegre.

Além desta exigência, Breno Caldas Junior pede que a Rádio Guaíba seja
instalada em outro lugar. Acompanhado de alguns policiais da Brigada Militar, o
Secretário da Fazenda vai à sede da rádio Guaíba e retira os equipamentos
que seriam levados ao Palácio Piratini.
45

O responsável pela montagem foi o engenheiro Homero Carlos Simon que


utilizou os cabos da rede telefônica para transmitir o sinal da rádio para as
antenas, na Ilha da Pintada, colocando no ar a Rede da Legalidade.

A rádio instalada nos porões do Palácio Piratini deu eco à voz de Brizola que
clamava pela Legalidade, mesmo que as instalações fossem precárias, sua voz
era forte e mobilizou o Rio Grande do Sul e o Brasil.

“A Rede da Legalidade serviu de base para mobilizar milhares de pessoas”


(BRAGA, 2004, p.3-74), composta por mais de 100 emissoras afiliadas,
espalhadas pelo interior gaúcho e nos estados de Santa Catarina e Paraná.
Da´se início as transmissões e em seu primeiro discurso Brizola convoca a
população a fazer cumprir a Constituição Nacional, que havia sido exercida
pelo voto, este discurso ficou conhecido com ‘o discurso dramático’, algumas
frases marcantes foram:

[...] Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em


Porto Alegre. Fechem as escolas. [...] Quero vos dizer que será
possível que eu não tenha oportunidades falar-vos mais, que
eu nem deste serviço possa mais, comunicando
esclarecimentos a população. [...] Porque nos não nos
submeteremos a nenhum golpe, a nenhuma solução arbitrária.
Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos
destruam! Que nos chacinem, neste Palácio! Chacinado estará
o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a vontade de
seu povo. O certo, porém é que não será silenciada sem balas.
(BRAGA, 2004, p.3-74).

O povo gaúcho era acostumado a ouvir a voz do seu governador que


pronunciava se semanalmente pela Rádio Farroupilha, logo quando este
chamou, o povo atendeu. Brizola era um homem do povo, assumindo a
representação deste, dizia: ‘Eu tenho as virtudes e os defeitos de meu povo’.

A programação da rede da legalidade era baseada em discursos do


governador Brizola e de lideranças gaúchas e nacionais e músicas marciais,
46

posteriormente substituídas pelo ‘Hino da Legalidade2’, boletins de notícias


sobre a evolução da crise por todo país, leituras de manifestos, telegramas.
(BRAUN, 2007, p.56).

Doações chegavam, minuto a minuto, desde alimentos, carros e caminhões


eram doados ao Movimento em prol da Legalidade. Segundo Ferreira (1997a,
p. 156), durante a Campanha realizada por Brizola, em Porto Alegre, até
diminuiu-se a criminalidade, as doações de sangue encheram as geladeiras
dos hospitais, mulheres eram voluntárias para serem enfermeiras, o povo se
auto-organizou formando filas e marchando, por Porto Alegre, com armas de
pequeno porte em punho. (FERREIRA, 1997a, p.156).

Além de centenas de comitês, formaram-se batalhões


operários e populares que, armados, defendiam a cidade.
Marchando pelas ruas de Porto Alegre, surgiam, a todo o
momento, batalhões de universitários, transviários, marítimos,
ferroviários, escoteiros, bancários, artistas, intelectuais,
secundaristas, enfermeiros, operários da construção civil,
metalúrgicos, militares reformados, dos Centros de Tradições
Gaúchas, entre outros. Um dos que mais chamou a atenção
das pessoas foi o desfile, na Avenida Borges de Medeiros, de
mulheres provenientes das vilas populares. De aparência
pobre, roupas humildes, algumas grávidas, elas marchavam,
tal como soldados, com panelas e talheres nas mãos 16.
(FERREIRA, 1997a, p.157).

Do interior do Estado, muitas pessoas rumavam para Porto Alegre, por ordem
do Governador Brizola, foram distribuídos dois mil revólveres para os civis que
estavam na frente do Palácio Piratini e para a fábrica Taurus foi solicitada a
produção massiva de armas de pequeno porte, especialmente, metralhadoras.
(MAIA, 2004, p.24).

2
O hino da Legalidade foi composto pela poetiza gaúcha Laura de Lemos, a pedido do
governador Leonel Brizola, a composição realizou em poucas horas, no Teatro de Equipe, em
Porto Alegre. A letra do hino ressalta o desejo de luta pela constituição: “Avante brasileiros de
pé/ Unidos pela liberdade/ Marchemos todos juntos/ Com a bandeira que prega a lealdade/
Protesta contra o tirano/ E recusa a traição/ Que um povo só é bem grande/ Se for livre sua
Nação”. (MAIA, 2004: p.31).
47

A adesão popular foi total, eram jovens, estudantes, operários, pais de família,
todos se alistam em postos espalhados pelas cidades do Rio Grande do Sul, o
histórico espírito de luta do povo gaúcho tinha acordado.

O depoimento de Moacir Scliar (escritor gaúcho) que na época era apenas um


estudante de medicina demonstra o grau de mobilização alcançada pela Rede
da Legalidade:

O movimento se propagava. Batalhões de operários da Carris


desfilavam pelas ruas, voluntários se alistavam, a cadeia de
emissoras que formavam a Rede da Legalidade estava
constantemente no ar, irradiando o famoso Hino que tinha
letras de Lara de Lemos – e outros estados começavam a
aderir. O espectro de uma guerra civil deve ter aparecido bem
visível aos ministros, que optaram por negociar. Jango
assumiria, sim, mas com um regime parlamentarista. Não era
bem o que as pessoas, e, sobretudo, os estudantes, queriam.
Mas a alternativa, acho, poderia ter sido terrível. (CHEUICHE,
1991, p. 86).

O apoio a Campanha da Legalidade aumentava, depois do III Exército


demonstrar-se favorável a legalidade, os dos governadores do Paraná, Nei
Braga, e de Goiás, Mauro Borges também se aliaram ao movimento.

No dia 30 de Agosto, os governadores Mauro Borges (militar, sob o posto de


tenente-coronel) de Goiás e Nei Braga (major) do Paraná em Manifesto,
alertam o povo sobre a manipulação dos Ministros Militares sobre o Congresso,
conclamando para o povo o exercício da sua vontade que havia sido manifesta
por voto.

Afirmando que: “do exame dêsses fatos resulta em só um caminho digno,


democrático e constitucional, na letra e no espírito da lei – a posse do Vice-
presidente João Goulart, no cargo vago de Presidente de República”. (VICTOR
1965, p.353).
48

Em declaração similar, o Governador do Paraná, que também lança um


manifesto de apoio ao movimento legalista, convocando uma resistência. Em
suas palavras a constituição estava ameaçada:

Trabalhadores, soldados, homens e mulheres! Assumam com


coragem, bravura, heroísmo, e determinação, o vosso lugar
nesta luta pela Pátria, pela família brasileira e pelos direitos
democráticos que é nosso dever. Querem humilhar o nosso
povo, querem enxovalhar a Nação, mesmo à custa de nossas
próprias vidas saberemos defender a dignidade da Pátria.
(VICTOR, 1965, p.354).

A campanha da legalidade, que foi desencadeada por Leonel Brizola, foi à


última grande mobilização popular antes do golpe de 1964.

Para os golpistas serviu de um ensaio geral que alinhavou as coisas para a


derrocada da democracia em 64.

O desfecho dos eventos desencadeados pelo Governador gaúcho foi decidido,


em Montevidéu no Uruguai, onde desembarcou João Goulart da Europa, no dia
31 de Agosto, talvez, aconselhado por Brizola que havia no seu discurso de 27
de Agosto acenado com esta possibilidade, foi neste país vizinho, que em
reunião com Tancredo Neves, representante dos interesses golpistas que
ocorreu o acordo para o estabelecimento do regime parlamentarista no lugar do
presidencialismo.

O parlamentarismo caracterizou aos golpistas uma derrota, por que Jango


tomou posse como Presidente da República.

Mas a maior derrota ficou por conta da população que se mobilizou no Rio
Grande do Sul, Goiás e Paraná, para garantir a sua posse conforme a
constituição vigente, o que não aconteceu de fato.

Por fim, Jango chegou a Brasília no dia 5 de Setembro, sendo empossado


como presidente dia 7, dia da Proclamação da República.
49

A posse do Presidente João Goulart, tornou-se possível, graças à mobilização


popular que fez cumprir sua vontade, mas esta foi enganada pelo
parlamentarismo, ou melhor, pela posse de Goulart como ‘Rainha da
Inglaterra’, situação que só mudaria com o plebiscito de 6 de Janeiro de 1963.

3.3 Posse.

No Congresso Nacional, os parlamentares também se opuseram ao


impedimento da posse de Jango. Na volta da China, Jango aguardou em
Montevidéu, capital do Uruguai, a solução da crise politico - militar
desencadeada após a renúncia de Jânio. Como os militares não retrocediam, o
Congresso fez uma proposta conciliatória, a adoção do parlamentarismo. O
presidente tomaria posse, preservando a ordem constitucional, mas parte do
seu poder seria deslocado para o primeiro ministro, que chefiaria o governo.

No dia 2 de Setembro, o congresso aprova a toque de caixa a emenda


constitucional nº 4, que implanta o sistema parlamentarista de governo com o
nome de Ato Adicional. Essa emenda parlamentarista é aprovada na Câmara
dos Deputados por duzentos e trinta e tres votos a favor e cinquenta e cinco
contra.

No dia 5 de setembro, quando João Goulart estava em Porto Alegre, o Palácio


do Planalto divulga nota em que os três ministros militares informam finalmente
que:

acatam a deliberação do Congresso Nacional, com a


promulgação da emenda constitucional que institui o sistema
parlamentar de governo.As Forças Armadas, em
consequência, asseguram as garantias necessárias ao
desembarque nesta capital (Brasília),a sua permanência e a
50

sua posse na Presidência da Republica. (PINHEIRO 1993,


p.62).

Algumas garantias seriam necessárias, haja vista que circulavam boatos, que
alguns militares da Aeronáutica, não conformados com a decisão conciliatória
da posse de Jango, estavam preparando uma operação secreta para abater o
avião que o levaria de Porto Alegre para Brasilia.

João Goulart embarcou em um jato ‘Caravelle’, avião de carreira da Varig que


decolou da capital gaucha por volta de 17h30, do dia 5 de setembro de 1961,
não com os 63 passageiros que poderia transportar, mas sim com apenas trinta
e quatro passageiros para esse voo estremamente arriscado. O jato subiu a
onze mil metros, para supostamente escapar dos aviões caças da FAB. A
viagem foi tensa com as cortinas baixadas todo o tempo, sob a tensão de
suposto ataque, porém nada aconteceu e Jango desembarcou são e salvo no
aeroporto de Brasilia por volta de 20h20 do mesmo dia.

Recebido por autoridades dos três poderes, jornalistas e grande massa popular
e com um forte aparato de segurança, chefiado pelo general Ernesto Geisel (na
época subchefe do Gabinete Militar do renunciante presidente Jânio Quadros)
e seguindo para a Granja do Torto, onde seria sua residencia oficial por todo
tempo em que foi presidente da república, isto é, até a noite de 1º de Abril de
1964. (PINHEIRO 1993, p.63).

No dia 8, João Goulart assumiu a presidência e Tancredo Neves, do PSD de


Minas Gerais, ministro do governo Vargas, tornou-se primeiro-ministro.

Tancredo Neves demitiu-se do cargo em julho de 1962, sendo que após isso se
tornou primeiro-ministro o gaúcho Brochado da Rocha, também do PSD, que
deixou o cargo em setembro do mesmo ano, sendo sucedido por Hermes Lima.

Em 1962 foi convocado um plebiscito sobre a manutenção do parlamentarismo


ou o retorno ao presidencialismo, para janeiro de 1963. O parlamentarismo foi
51

amplamente rejeitado, graças, em parte, a uma forte campanha publicitária


promovida pelo governo.

O regime presidencialista só foi restabelecido em 1963, por via de um plebiscito


no qual a população escolheu a volta desse sistema. João Goulart teve seus
poderes restabelecidos e aproveitou para promover medidas que antes eram
barradas.

3.4 Governo João Goulart.

Com altos níveis de inflação, sendo San Tiago Dantas como Ministro da
Fazenda e Celso Furtado como Ministro do Planejamento, foi lançado o Plano
Trienal, um plano que pretendia atuar sobre os problemas estruturais do país.
Entre as medidas, previa-se o controle do déficit público e a manutenção da
política desenvolvimentista, usando a captação externa de recursos para o
financiamento das chamadas reformas de base, que eram medidas
econômicas e sociais de caráter nacionalista que previam uma maior
intervenção do Estado na economia. Na denominação de reformas de base,
incluíam-se as reformas bancária, fiscal, urbana, eleitoral, agrária e
educacional, defendia-se também o direito de voto para os militares de baixa
patente e para os analfabetos, além disso, eram propostas medidas de corte
nacionalista, como maior intervenção do Estado na vida econômica e maior
controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação
das remessas de lucros para o exterior. (GENNARI, 1964)3.

3
Decreto nº 53451, de 20 de janeiro de 1964, e lei nº 4131, de 13 de setembro de 1962, sobre
remessa de lucros. (GENNARI, 1997).
52

Dentre as reformas, destacaram-se seguintes medidas:

 Reforma agrária - Promover a democratização da terra,


paralelamente à promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural,
estendendo ao campo os direitos dos trabalhadores urbanos.
Nessa área, havia um decreto que previa a desapropriação das
áreas rurais inexploradas ou exploradas contrariamente à função
social da propriedade, situadas às margens dos eixos rodoviários e
ferroviários federais e as terras beneficiadas ou recuperadas por
investimentos da União em obras de irrigação, drenagem e
açudagem. (BRASIL, 1964 e STEDILE, 2003). No entanto, a
implementação da reforma agrária exigia mudança constitucional,
já que o governo pretendia que as indenizações aos proprietários
fossem pagas com títulos da dívida pública, enquanto que a
Constituição previa indenização paga previamente e em dinheiro.

 Reforma educacional: valorização do magistério e do ensino


público em todos os níveis, combater o analfabetismo com a
multiplicação nacional das pioneiras experiências do Método Paulo
Freire. O governo também se propunha a realizar uma reforma
universitária, com abolição da cátedra vitalícia.

 Reforma fiscal: Tinha como objetivo promover a justiça fiscal e


aumentar a capacidade de arrecadação do Estado. Além disso,
pretendia-se limitar a remessa de lucros para o exterior, sobretudo
por parte das empresas multinacionais, o que foi feito por meio do
decreto nº 53451/64 e lei 4131/62. (GENNARI, 1997).

 Reforma eleitoral: consistia basicamente na extensão do direito de


voto aos analfabetos e aos militares de baixa patente. Previa-se
também a legalização do Partido Comunista brasileiro.
53

 Reforma urbana, entendida como conjunto de medidas do Estado,


"visando à justa utilização do solo urbano, à ordenação e ao
equipamento das aglomerações urbanas e ao fornecimento de
habitação condigna a todas as famílias". O projeto foi elaborado
principalmente por urbanistas ligados ao IAB. (RIBEIRO E
PONTUAL, 2009).

 Reforma bancária: com o objetivo de ampliar o acesso ao crédito


pelos produtores.

As reformas também incluíam a nacionalização de vários setores industriais -


energia elétrica, refino de petróleo, químico-farmacêutico. Os congressistas
não aprovaram a proposta, o que impediu que o Plano Trienal obtivesse
sucesso.

As aspirações das reformas pretendidas coincidiam com os anseios da classe


média brasileira, dos trabalhadores e dos empresários nacionalistas. Por esse
motivo, grande parte do povo brasileiro aderiu ao movimento, o que
desagradou os setores mais conservadores do Brasil. Enquanto isso, o povo
pressionava o governo pela efetiva implantação das propostas.

Em 1962 o presidente João Goulart criou o Conselho Nacional de Reforma


Agrária na tentativa de ajilizar a principal das reformas pretendidas, mas tal
conselho não ofereceu nenhum resultado prático. Naquele momento o Brasil
vivia também um regime parlamentarista, no qual o Presidente perde em
poderes para o Primeiro Ministro.

Em março de 1963 o Estatuto do Trabalhador Rural de autoria do deputado


Fernando Ferrari foi aprovado no Congresso. Por meio desse os trabalhadores
do campo passavam a ter os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos,
tendo até mesmo a sindicalização fortalecida. Obviamente, os latifundiários e
empresários do setor sentiram-se imediatamente lesados e descontentes com
tal medida.
54

No dia 3 de setembro ainda de 1963, outra lei foi aprovada, esta alterava a
estrutura de contabilidade das grandes empresas estrangeiras e reduzia o
altíssimo índice de lucros que conquistavam no Brasil.

O somatório das duas leis incentivou o debate entre conservadores e


progressistas no Brasil. Para que o presidente João Goulart tivesse todas suas
medidas aprovadas era preciso mudar a Constituição, o plano então foi chamar
o povo para participar do projeto por meio de grandes comícios que causassem
a inflamação da população para pressionar o Congresso a promover as
medidas. Essa fase da investida do governo pela aplicação das reformas de
base começou no dia 13 de março de 1964 por meio de um grande comício na
Central do Brasil, Rio de Janeiro, no qual João Goulart e Leonel Brizola
anunciavam grandes mudanças no Brasil.

3.4.1 Presidente, os militares e o ano de 1963.

A partir de janeiro de 1963, com plenos poderes, Jango formou um bom


Ministério em relação a nomes, mas com pouca representatividade política ou
eleitoral. Além da nomeação de Roberto Campos, outra indicação foi a do
general Amaury Kruel como ministro da Guerra, mais tarde foi chefe da Casa
Militar do próprio Jango, promovido a general de 4 estrelas (Exército) e
nomeado comandante do II Exército.

Ao longo do ano de 1963, cresceu a politização entre os setores da baixa


hierarquia das Forças Armadas (sargentos, cabos, soldados e marinheiros), por
esse motivo, em 12 de setembro de 1963 irrompeu em Brasília uma rebelião de
sargentos da Aeronáutica e da Marinha, inconformados com a decisão do
Supremo Tribunal Federal, baseada na Constituição vigente, de não
reconhecer a elegibilidade dos sargentos para o Legislativo. O movimento foi
facilmente debelado, mas a posição de neutralidade adotada por Jango diante
55

do movimento, desagradou grande parte da oficialidade militar, preocupada


com a quebra dos princípios de hierarquia e disciplina das Forças Armadas.

Intensificaram-se suspeitas de que estivesse em preparação um golpe de


Estado, de orientação esquerdista, apoiado por cabos e sargentos, ao mesmo
tempo, fortalecia-se a posição dos oficiais generais que, em 1961, haviam sido
contra a posse de João Goulart como presidente.

Mesmo os chamados legalistas estavam inquietos, ainda em setembro, o


general Peri Bevilaqua, comandante do II Exército, que fora um dos apoiadores
da Campanha da Legalidade, divulgou ordem do dia contra a rebelião dos
sargentos, denunciando a infiltração esquerdista e a atuação política do
Comando Geral dos Trabalhadores nos quartéis. Na sequência, o general foi
exonerado do comando. (CASTRO, 2012).

Em outubro, uma entrevista concedida pelo governador do Estado da


Guanabara, Carlos Lacerda, ao jornal Los Angeles Times tem forte
repercussão, na entrevista, Lacerda atacava violentamente o presidente da
República e criticava também os chefes militares.

A situação política do país é tensa, os ministros militares solicitam ao


presidente a decretação de estado de sítio. O pedido, encaminhado ao
Congresso Nacional, não encontra receptividade diante da maioria dos
parlamentares, sendo então retirado, diante disso, oficiais até então neutros
passam a apoiar a conspiração golpista. (CASTRO, 2012).

Todo mundo conspira, direita e esquerda, civis e militares; moderados e


radicais; operários e camponeses e os governadores Ademar de Barros (SP),
Magalhães Pinto (MG) e Carlos Lacerda (GB) conspiravam com a ala militar
antijanguista.

O golpe estava em andamento, a direita se congregava em organizações como


o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e o Instituto Brasileiro de
56

Ação Democrática (Ibad), financiados pelos Estados Unidos, e outras tantas


que se uniram para impedir as reformas sociais.

Verdade é que o presidente João Goulart, em nada contribuia para baixar a


temperatura nos meios políticos e na caserna, ignorava o Congresso e a ala
conservadora, procurando impor suas reformas baseado no lastro da sua
popularidade.

Em 20 de março de 1964, o general Humberto Castelo Branco, chefe do


Estado-Maior do Exército, envia uma circular reservada aos oficiais do Exército,
advertindo contra os perigos do comunismo.

No dia 28 de março, irrompe a revolta dos marinheiros e fuzileiros navais no


Rio, Goulart recusou-se a punir os insubmissos, concentrados na sede do
Sindicato dos Metalúrgicos, o que provocou a indignação dos oficiais da
Marinha.

3.4.2 O comimício da central do Brasil, a marcha da familia com Deus


pela liberdade e o discurso no automóvel clube.

Março de 1964 entrou violentamente na história recente do Brasil. É o último


mês do governo João Goulart, empossado na Presidência da republica a
menos de três anos antes.

O Comício da Central, realizado no dia 13 de março de 1964 na cidade do Rio


de Janeiro, na Praça da República, situada em frente à Estação da Central do
Brasil onde cerca de 150 mil pessoas ali se reuniram sob a proteção de tropas
do I Exército, da Marinha e da Polícia, para ouvir o Presidente João Goulart e o
governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola.

As bandeiras vermelhas que pediam a legalização do Partido Comunista


Brasileiro e as faixas que exigiam a reforma agrária foram vistas pela televisão,
causando arrepios nos meios conservadores.
57

Na data, Jango assinou dois decretos, com o poder que a Constituição de 1946
o destinava.

O primeiro deles era simbólico e consistia na desapropriação das refinarias de


petróleo que ainda não estavam nas mãos da Petrobrás.

O segundo, chamado decreto da SUPRA (Superintendência da Reforma


Agrária) - declarava sujeitas a desapropriação propriedades subutilizadas,
especificando a localização e a dimensão das que estariam sujeitas à medida.
O presidente revelou também que estavam em preparo a reforma urbana, um
temor para a classe média, temerosa de perder seus imóveis para os inquilinos
e propostas a serem encaminhadas ao Congresso, que previam mudanças nos
impostos e concessão de voto aos analfabetos e aos quadros inferiores das
Forças Armadas.

Com o Comício da Centraldo Brasil, as ideias de Jango foram decisivamente


vinculadas pelos setores conservadores à República Sindicalista e ao
Comunismo, ou seja, a grande guinada de Jõao Goulart para a esquerda.

Na noite de 30 de março todo o país estava ligado no discurso que Jango faria
para um auditório superlotado de cabos e sargentos, no Automóvel Clube do
Rio. Perante mil sargentos das Fôrças Armadas e Auxiliares, o presidente João
Goulart, em violento discurso, tornou irreversível sua posição de esquerda e
desencadeou, graças a essa definição, feita em têrmos candentes, a
movimentação das fôrças que o derrubaram.

O discurso de Jango foi o começo do fim, sendo considerado pelos


observadores como o mais violento de sua carreira, acusando seus adversários
de subsidiados pelo estrangeiro e prometendo as devidas ‘represálias do povo’.

A exaltação do ambiente, carregada ainda mais pela presença de agitadores


comunistas, atingiu o auge quando da chegada do Almirante Cândido Aragão e
do Cabo José Anselmo, tendo-se ambos sidos recebidos sob calorosos
58

aplausos. Cabo Anselmo quis falar à fôrça na reunião, só sendo impedido por
interferência direta do Gabinete Militar de Goulart.

Talves tudo isso acontecera ocasionado pelo momento político e em


cosequência dos fatos que passo a relatar.

Dois dos seus amigos pessoais, Samuel Wainer e João Etcheverry, foram ao
encontro dele no Palácio Laranjeiras, para repassar o discurso preparado e
acompanhá-lo ao Automóvel clube. Encontraram um Jango inesperado, abatido
e muito nervoso, temendo sofrer provocações, e estava convencido de que
aconteceriam.

O Jango que se viu e ouviu, naquela noite, era desconhecido, de ar sempre


plácido, fala pausada, gestos comedidos e todo o aspecto de forte timidez, este
era o Jango conhecido. O que se mostrou na noite de 30 de março de 64 era
um homem exaltado, de fisionomia alterada pela ira, os gestos endurecidos, as
veias das têmporas intumescidas. O discurso escrito era abandonado para a
inclusão de frases cada vez mais fortes. Resultou em discurso de incitação, foi
ovacionado pelos cabos e sargentos já em francas e sucessivas atitudes de
demolição da hierarquia militar. Mas eles não sabiam que Jango não estava em
seu estado normal.

De acordo com o colunista da Follha Jânio de Freitas:

Samuel Wainer deu a Jango um produto estimulante, uma das


chamadas bolinhas, de que era consumidor habitual na sua
vida agitada. O remédio funcionou. Foi um Jango mais do que
animado que saiu do Laranjeiras para o clube. O efeito
animador da primeira bolinha levou à ingestão de mais uma, no
carro, já a caminho do clube. E Jango, dotado de boa
intimidade com os efeitos do whisky, não tinha o menor preparo
para a mistura de álcool e bolinha, aliás, duas. Quando, bem
depois do golpe, Etcheverry contou este episódio a José e
Maria Yedda Linhares e a mim, disse haver desaconselhado a
primeira bolinha e protestado contra a segunda e, tendo-o
conhecido bem, acredito que tenha dito a verdade. (FREITAS,
1994).
59

Naquela noite estava generalizada a convicção de que o discurso indicara faltar


pouco para alguma iniciativa extremada de Jango.

Dois personagens puseram-se imediatamente de acordo na ideia de antecipar-


se, precipitando o levante. Já no dia seguinte, 31 de Março, Magalhães Pinto,
governador de Minas e aspirante à sucessão de Jango, e o marechal Odylio
Denys, que nove anos antes conduzira as derrubadas dos presidentes Café
Filho e Carlos Luz. A decisão consolidou-se com a adesão do ramal-motriz da
conspiração, o general Vernon Walthers, cabeça da CIA no Brasil, garantia a
intervenção militar americana se o êxito da rebelião fosse ameaçado pelo =
‘dispositivo militar’.

Iniciado o levante em Minas, San Thiago Dantas foi a Jango comunicar-lhe que
uma frota americana estava a caminho da costa do Espírito Santo, para o
possível apoio ao golpe. O aviso apenas apressou a fuga de Jango do Rio de
Janeiro. O ‘dispositivo militar’ não apareceria e Jango não quis acionar o que
lhe restava, nem mesmo quando a tropa gaúcha, ao menos esta, propôs-se a
resistir.

3.4.3 A queda.

Juíz de Fora, 31 de março, 5 horas da manhã. O general Olímpio Mourão Filho


desencadeia a ‘Operação Popeye’ promovendo o levante das tropas da 4ª
Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, apoiado pelo entusiasmo da jovem
oficialidade e dos ‘meninos recrutas’, submetidos que foram a um mês de
rigoroso e mortal treinamento. É o momento de provar se aqueles ‘meninos’,
com seu entusiasmo, teriam condições de usar a audácia para superar as
limitações da inexperiência. À frente das tropas seguia o general Murici.

Em São Paulo, o comandante do 2º Exército, general Amaury Kruel aderiu ao


movimento e enviou tropas ao encontro de Mourão, não foi tão espontâneo
quanto possa parecer, ficou até o último minuto em cima do muro.
60

Do Rio de Janeiro partem, também, tropas do Regimento Sampaio (1ª


Regimento de Infantaria), comandadas pelo coronel Raimundo Ferreira de
Sousa, supostamente para dar combate aos rebeldes. O coronel Raimundo,
entretanto, após um contato telefônico com Juíz de Fora, falando diretamente
com o marechal Odílio Denis, adere ao movimento, juntando seus soldados
aos de São Paulo e Minas, e passa a integrar as forças rebeldes que entram
vitoriosamente na cidade do Rio de Janeiro, sendo que a essa altura o
presidente João Goulart teria ido para Brasília, em seguida para Porto Alegre e,
por fim, se exilando no Uruguai.

O Congresso Nacional declara vago o cargo e empossa como presidente da


República, dentro da linha de sucessão, o presidente da Câmara, Ranieri
Mazzilli, um Presidente fantasia, já que todas as decisões políticas estavam
sendo tomadas pelo novo comando militar, no Rio de Janeiro.

Com efeito, ao chegar ao Rio de Janeiro, comandando as tropas


revolucionárias, o general Mourão encontra um esquema previamente montado
que torna inútil a sua presença ali. Costa e Silva se fizera ministro da Guerra;
Castelo Branco era o nome indicado para assumir a presidência da República,
e cumpridas as formalidades, o general Ururai assumira o comando do 1º
Exército e o general Taurino, a 1ª Região Militar. Os comandantes do
movimento no Rio de Janeiro tomavam posse de seus cargos antes mesmo
que o Congresso declarasse a vacância do cargo de Presidente e Mazzili
tivesse tempo de nomear seu ministério.

3.4.4 Participação Estadunidense.

Cabe estabelecer a participação dos Estados Unidos da América, durante o


período de conspiração e no momento em que se verificou a eclosão do
movimento militar de 1964. Ela aconteceu e recebeu o nome de Operação
61

Brother Sam, representando um apoio importante para que o movimento anti-


Jango se desenvolvesse.

No correr dos tempos, os Estados Unidos disolveu um estranho conceito de


domínio que ficou conhecido como Doutrina do Destino Manifesto, segundo
ele, em linhas gerais, Deus entregou aos americanos o dever de zelar pelos
destinos do mundo, cabendo-lhes interferir, quando necessário, para garantir a
estabilidade das nações. Esse conceito se aplicou particularmente ao
continente americano, sobretudo a partir do século 19, com a doutrina Monroe
(A América para os americanos), reavivada, de tempos em tempos, com nomes
e propósitos diversos, mas sempre, dentro do mesmo princípio.

Por outro lado, a partir da 2ª Guerra Mundial, os militares brasileiros se


afastaram da escola francesa, que treinava nossos soldados, e se
aproximaram dos Estados Unidos, junto aos quais deveríamos lutar nos
campos da Itália. Com isso, nosso conceito de segurança militar foi adaptado
também às doutrinas do National War College, segundo as quais o verdadeiro
perigo pode não vir de fora, mas, se achar instalado dentro do próprio país. Em
resumo o verdadeiro perigo à nação brasileira pode ser o próprio cidadão
brasileiro, que passa a ser tratado como inimigo em potencial.

Foi dentro desse espírito que os conspiradores anti-Jango, desde o princípio,


aproximaram-se dos Estados Unidos, procurando obter destes a garantia de
apoio na luta contra o ‘perigo interno’.

Nesse processo, exerceram papel importante o embaixador dos EUA no Brasil


entre 1961 e 1966, professor Lincoln Gordon, e seu assessor, o coronel Vernon
Walters, este último tinha uma proximidade maior com o Brasil, pois, na
Segunda Guerra, ainda major, atuou como interprete entre os comandos do 5º
Exército e a Força Expedicionária Brasileira, trabalhando ao lado do tenente-
coronel Humberto de Alencar Castelo Branco e em permanente contato com o
nosso comando militar.
62

Como falava fluentemente o português e tinha um grande relacionamento com


os setores civil e militar, Walters era um contato valioso entre a embaixada
americana e os conspiradores, levando a vantagem de poder circular com
maior liberdade, sem chamar tanto à atenção, o que não aconteceria se as
conversações se dessem diretamente com o embaixador.

Foi a partir desses contatos, transmitidos fielmente por Lincoln Gordon ao


Secretário de Estado americano, Dean Rusk, que surgiu a ideia de se montar a
Operação Brother Sam, pela qual os Estados Unidos se comprometiam a dar
toda cobertura de retaguarda para evitar a comunização do país.

Não se conhece toda extensão do acordo, oficialmente, a participação dos


Estados Unidos se deu apenas com o envio de uma força-tarefa às águas do
Atlântico Sul, sob o pretexto de garantir a retirada dos 40 mil cidadãos
americanos residentes no Brasil. A chegada dessa força-tarefa, ainda em
águas internacionais, ocorreu em 28 de março de 1964.

Devido aos acontecimentos e pela ação do general Mourão Filho, liquidando o


assunto em dois dias, não é possível avaliar até que ponto os Estados Unidos
estariam dispostos a intervir para garantir o sucesso do movimento se este se
prolongasse por mais tempo.

3.5 Reflexões políticas sobre o período.

Anteriormente ao golpe o momento era de crise do modelo de dominação


populista que estava presente na política brasileira desde 1945, segundo
Dreifuss (1981, p. 125).
63

O fato se dava tanto por conta da insatisfação do bloco multinacional associado


(a aliança do empresariado nacional e internacional) acompanhado pela
demanda de distribuição de renda das classes populares. Jânio Quadros em
seu governo realizou a última tentativa de manter o pacto populista, mas não
obteve êxito. O populismo udenista, aliança das forças conservadoras com o
pequeno PDC de Jânio Quadros, representava o projeto político da UDN
(União Democrática Nacional) e da ESG (Escola Superior de Guerra), no qual
se expressavam os anceios dos grupos econômicos em ascensão, anceio este
que seria a existencia da possibilidade da realização de um governo que
atendesse aos interesses empresariais “contra herdeiros do getulismo, contra a
esquerda e a demagogia governamental” nas palavras da ESG-Escola Superior
de Guerra. (DREFRUSS, 1981, p.128).

De um lado, encontravam-se setores populares que demandavam o


crescimento distributivo da economia com uma divisão de renda justa, o que
não figurava nos planos do populismo (principalmente em sua versão
udenista).

As reivindicações mais avançadas da classe trabalhadora levavam a uma


ruptura da forma de dominação e controle tradicionais. Os sindicatos não eram
mais inteiramente subordinados ao governo como haviam sido por anos, desde
a construção de uma estrutura de cooptação e repressão na ditadura de
Getúlio. Com tal mudança, tornava-se mais evidente: o conflito de classe, até
então maquiado pelo consenso populista.

Do outro lado, o bloco internacional não possuía, dentro do modelo populista,


um poder de participação política proporcional à parte que detinha da
economia. (DREFRUSS, 1981 p. 138). O fato de concentrar os recursos
financeiros e poder econômico, dentro da lógica capitalista o daria maior
espaço para direcionar as políticas a serem adotadas pelo governo. A
manutenção do consenso populista dependia das propostas do capital
internacional, da burguesia nacional e as de outros setores da sociedade. Um
64

regime pluralista não conseguia levar a cabo os interesses diretos do bloco


internacional associado, uma vez que “tal sistema, apesar de restrito, era
aberto a interesses e pressões conflitantes que, segundo a política comum do
populismo, deviam ser pelo menos por parte conciliados”. (DREIFUSS, 1981, p.
129).

A aposta do bloco internacional no populismo udenista foi frustrada. Jânio


Quadros, apesar de unir ao seu governo elementos do bloco, somadas as
dificuldades econômicas e ao projeto conservador da UDN, demonstraram a
impossibilidade de realizar o crescimento distributivo prometido à população. A
UDN chegou ao executivo pela demagogia e apelo popular do excêntrico líder
do PDC, o que dificultava a manutenção da conciliação populista. Isso
possibilitou a ascensão de um executivo nacional-reformista encabeçado por
João Goulart, o que abriu mais espaço para a pressão das classes populares,
que apresentaram um programa de reformas de base (reforma ad ministrativa,
reforma fiscal, reforma agrária e reforma bancária).

Nas palavras de João Goulart, desejavam a transformação de “um capitalismo


selvagem, em um mais humano e patriótico”. (DREIFUSS, 1981, p.130). O
crescente das pressões populares precionou a classe burguesa; a distribuição
de riqueza desejada com tais reformas ameaçava diminuir as relações de
super-exploração, fundamentais para o capitalismo brasileiro (DREIFUSS, 1981,
p.131). Ainda para Dreifuss (1981), a crise do populismo se inseria em um
contexto de deslocamento ideológico entre representantes e representados, ou
seja, as pessoas não reconheciam seus interesses nas posturas adotadas pela
classe política. Não existia uma identificação de programas entre os partidos
políticos e seus eleitores, o que tornava possível uma saída autoritária.

Mesmo dentro dos partidos não havia identidade entre os eleitos e o projeto do
partido, sendo um fato comum, após as eleições, a troca de partidos entre
deputados.
65

Na política brasileira, não encontramos, salvo em raros


momentos, uma identificação de programa ideológico entre
representantes e representados. Apesar disto, temos que
admitir que os grandes partidos tradicionais perderam espaço
entre 1945 e 1962 para partidos de centro usualmente mais fi
siológicos. (DREIFUSS, 1981, p. 136).

3.5.1 Mobilização das classes populares.

O envolvimento dos diversos setores da sociedade na mobilização política


entre 1961 e 1964 foi mais intenso do que a vista até então. O envolvimento
das classes populares aconteceram tanto no campo quanto na cidade em lutas
econômicas e políticas.

Na cidade, a atividade sindical ganhou força. Esta força se materializa em uma


central sindical que agregava diversas categorias profissionais (a Central Geral
dos Trabalhadores – CGT), o que era proibido pela legislação brasileira.

As ações grevistas e reivindicatórias convocadas pela CGT uniram diversos


setores da classe trabalhadora. A burguesia brasileira encarava a CGT como o
‘quarto poder’ que visava tornar o Brasil comunista, ficando assustada com o
diálogo estabelecido entre o presidente João Goulart e a central sindical
(TOLEDO, 2006). Ideologicamente, a CGT era hegemonizada pelo Partido
Comunista Brasileiro (PCB), que propagava um ideal nacional-reformista, em
que a partir da aliança com os ditos setores progressistas da burguesia se
conse guiria estabelecer um programa de desenvolvimento nacional para o
Brasil aliado às reformas sociais. Tal posicionamento justificava o apoio da
CGT às iniciativas do governo Jango. O objetivo da direção da CGT era que,
com as greves políticas pelas reformas de base, pressionar o congresso para a
aprovaçãodas medidas nacionalistas do executivo.
66

Podemos então identificar que as greves tinham um forte caráter político, e que
não se restringiam a reivindicações por melhores salários, mas lutavam por um
determinado projeto para o Brasil.

Uma análise mais aprofundada das mobilizações feitas pela CGT nos mostra
que a força atribuída à central era maior que a sua real inserção entre os
trabalhadores, ressaltando que a maior parte dos trabalhadores mobilizados
nas greves pertencia ao funcionalismo público, permanecendo pouco
mobilizados os trabalhadores industriais de São Paulo (onde se concentrava
boa parte do proletariado brasileiro), além disso, não existiu uma política de
fortalecimento das bases sindicais, a preocupação exclusiva era a de pressio
nar o Congresso, deixando de lado a atuação direta dentro das empresas, no
sentido de ampliar a organização dos trabalhadores. Este distanciamento,
explica porque o operariado assistiu de braços cruzados “à preparação e ao
desfecho do golpe anti-popular e anti- operário”. (TOLEDO, 2006, p. 76).

A mobilização das classes populares no campo, onde tiveram, inicialmente, um


papel destacado, as Ligas Camponesas, que tinham como principal
reivindicação uma reforma agrária radical. Nas palavras do líder Francisco
Julião (TOLEDO, 2006, p. 75): "O inimigo era o latifundiário que tirava a terra
do camponês, portanto, a reivindicação devia ser pela divisão da propriedade
da terra".

Os sindicatos de trabalhadores rurais, unidos inicialmente pela ideia de que no


campo predominavam relações capitalistas, consideravam que era necessário
lutar por melhores condições de trabalho, mas rapidamente abandonam esta
concepção e, seguindo a orientação do PCB, adotam como lema a
reivindicação pela reforma agrária e a luta pela terra.

Esta linha política de atuação é duramente criticada por Caio Prado Jr. em seu
livro ‘A revolução brasileira’, em que sustenta que o campo brasileiro é
estruturado de forma capitalista, e, portanto, a atuação nele deve ser no
sentido de melhoria das condições de trabalho do proletariado rural. Para ele,
67

ao contrário do que pensa a direção do PCB, o espaço rural brasileiro nunca


viveu um sistema feudal, não predomina uma relação camponesa de posse da
terra. Assim, organizar-se em torno da luta pela posse da terra não faz sentido
no campo brasileiro, estruturado desde o início com mão-de-obra intensiva,
voltado para a produção em larga escala para importação. Para Caio Prado, a
luta social só avançaria se fosse por melhores condições de trabalho.

Juntamente a estas mobilizações das classes populares, existia o movimento


estudantil, que tinha como objetivo principal a reforma universitária. Esta se
encontrava muito próxima do pacote de reformas de base, que deveria
constituir-se como um projeto nacional para o Brasil. Por conta deste
entendimento, vemos a UNE- União Nacional dos Estudantes, engajando-se na
luta pela reforma agrária, contra o latifúndio e sempre contra o imperialismo.

É possível afirmar que as forma de mobilização da esquerda às vésperas do


golpe, fosse ela ligada à CGT, às Ligas Camponesas, ao PCB ou a UNE, se
aproximavam todas de um projeto nacional-re formista, influenciado em certa
medida pelo pensamento cepalino4 (que entendia ser necessário passar por
um amplo processo de industrialização elaborado a partir do planejamento
estatal para romper com o subdesenvolvimento).

Havia uma perspectiva anti-imperialista de um processo capitaneado pelo


Estado com o objetivo de superar o atraso, diminuir a pobreza e garantir uma
melhor distribuição de renda, para isso, era necessário forjar um pacto nacional
em prol do desenvolvimento e da soberania.

4
A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), vinculada à ONU, nasce no fi nal da
década de 1940 – quando se vivia um momento de crise do pensamento liberal clássico – com
o objetivo de promover o desenvolvimento econômico do continente latino-americano. Em meio
à crise do liberalismo, um dos pilares do pensamento cepalino torna-se a discussão sobre o
papel do Estado, fortemente infl uenciada pelo pensamento keynesiano e marcada por uma
tentativa de interpretar a crise do capitalismo liberal a partir da periferia. A importância da
CEPAL nos anos 1950 e 1960 é tamanha que dois de seus principais colaboradoreso argentino
Raúl Prebisch e o brasileiro Celso Furtado – alcançaram papel de destaque na discussão
teórica sobre a economia da América Latina e na formulação de políticas públicas para o
desenvolvimento latino- americano. Celso Furtado chegou a ser ministro do Planejamento no
governo João Goulart.
68

Não se tratava de romper imediatamente com o capitalismo, era necessário


uma mudaça de modelo e melhorar o patamar de bem-estar social da
população por meio de algumas reformas e do desenvolvimento econômico,
objetivos que só se alcançaria por meio de um projeto nacional. De qualquer
forma, mesmo sem propor uma transformação radical, o pensamento nacional-
reformista mexia com interesses fundamentais das potências centrais do
capitalismo e da própria burguesia nacional.

Notamos que de fato existiu uma maior mobilização das forças populares
durante o governo João Goulart, a atuação dava-se no sentido de pressionar o
poder público para conquistar reformas na tentativa de construir o projeto
nacional-reformista. Porém, a força de mobilização encontrava-se mais nos
discursos exaltados dos dirigentes do que dentro da classe Proletária.

3.5.2 A mobilização do bloco internacional associado à preparação do


golpe.

Em resposta à intensa mobilização das classes populares e a um governo


disposto a realizar as reformas de base, setores da burguesia nacional, sob
tutela de grupos econômicos internacionais.

Estabelecidos no país, reagiram com a efetivação de um projeto de ideologia


político militar visando à tomada do Estado, trata-se da criação do Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais - IPES (DREIFUSS, 1981) e de uma prática de
participação política baseada na pressão sobre o governo e principalmente
baseada em um projeto golpista para o controle do Estado articulado pela elite
econômica do país.

O IPES foi criado em fins de 1961, por um grupo de empresários com o intuito
de estimular em todo o país uma reação empresarial ao que consideravam
uma “tendência esquerdista da vida política” (DREIFUSS, 1981, p.90), e logo
se uniu ao IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática, criado na década de
69

1950), criando um poderoso complexo político-militar em que o IPES


funcionava como centro estratégico de atuação e decisão, realizando de forma
encoberta suas atividades, e, o IBAD funcionava como instrumento público de
atuação.

O complexo IPES/IBAD tinha por objetivos unir as classes burguesas ao redor


dos interesses corporativos do bloco internacional associado, buscando a
contribuição, mobilização e integração do maior número possível de pessoas
para as atividades de forma a se tornarem efetivamente uma classe ‘para si’
agindo contra o governo nacional reformista e contra o alinhamento das forças
sociais que o apoiavam, preparando o cenário político nacional para uma in
tervenção militar e dinamizar o processo de modernização capitalista
conservadora. Para tanto, consideravam necessário o exercício de uma
“liderança política compatível com sua supremacia econômica” (DREIFUSS,
1981, p. 90) possibilitando readequar e reformular o Estado de acordo com
seus interesses.

Os líderes do IPES eram em sua maioria empresários representantes de


associações de classe, mas também contava com militares ligados à Escola
Superior de Guerra, dentre eles o General Golbery do Couto e Silva,
intelectuais alinhados aos interesses do bloco internacional associado e
membros do clero católico. Os trabalhos do complexo IPES/IBAD estavam
centralizados nas unidades de São Paulo e Rio de Janeiro, mas contavam
também com unidades em outras regiões e por meio de uma rede de
articulação com associações classe de outros estados e municípios e
estendiam suas ações por todo o território nacional.

Os recursos financeiros provinham de industriais brasileiros e estrangeiros,


bancos nacionais e multinacionais, grandes proprietários, companhias de
segurança, de publicidade etc. Também havia contribuições por meio de
fornecimento de equipamentos ou prestação de serviços (como transporte
70

aéreo e hospedagem). 297 corporações estadunidenses deram apoio fi


nanceiro ao IPES, 101 empresas de outros países deram contribuição adicional

Uma CPI foi criada para investigar a suspeita de corrupção eleitoral nas
eleições de 1962 para o Congresso. O alvo da Comissão era o envolvimento
ilegal do capital privado e estrangeiro nos assuntos políticos por via do
complexo IPES/IBAD. O IBAD foi considerado culpado por corrupção eleitoral e
foi fechado, o IPES foi absolvido com base no argumento de que não havia
realizado nenhuma atividade incomum que infringisse seus objetivos
publicamente declarados em sua carta de fundação.

As atividades de doutrinação ideológica do IPES dividiam-se entre, as voltadas


para toda a sociedade e as voltadas especificamente para as classes
dominantes.

Por meio da doutrinação geral, buscavam apresentar sua abordagem em


relação aos problemas políticos e econômicos do país tanto aos responsáveis
pela tomada de decisões políticas quanto ao público em geral, na tentativa de
criar um descontentamento social aos objetivos do governo nacional-reformista,
geralmente relacionando-o a uma suposta ameaça comunista que vinha
contaminando setores de toda a sociedade.

A mídia tinha um papel importante nesse tipo de atividade (Os Diários


Associados – rede de jornais, rádio e televisão de Assis Chateaubriand, a
Folha de S. Paulo, do grupo de Octávio Frias, associado ao IPES, o Estado de
S. Paulo e o Jornal da Tarde, do grupo Mesquita, ligado ao IPES, a TV Record,
a TV Paulista (rede Globo), o Jornal do Brasil, o Correio do Povo, O Globo e a
Rádio Globo entre outros).

O IPES con seguiu impor seus interesses à opinião pública por meio de seu
relacionamento com os grandes veículos de comunicação da época.
(DREIFUSS, 1981). O controle que o complexo IPES/IBAD tinha sobre as
principais agências de publicidade também exercia forte influência na linha
71

editorial dos principais jornais, rádios e televisões. O complexo apoiava e


garantia a publicação na imprensa de manifestos produzi- dos por associações
e categorias funcionais e profissionais veiculados por todo o país com grande
repercussão. Essa ação nos meios de comunicação envolvia desde uma
distorção dos fatos conforme os seus interesses até a simples publicação de
mentiras.

O Globo destacava-se por publicar ‘notícias’ sem a divulgação do autor ou da


fonte. Um notável exemplo, que teve grande repercussão, foi a ‘notícia’
publicada de que a União Soviética imporia a instalação de um Gabinete
Comunista no Brasil. (DREIFUSS, 1981).

O complexo IPES/IBAD também realizava atividades de doutrinação ideológica


voltada especificamente para as classes dominantes, visando moldar a
consciência dessas classes e envolvê-las para a ação.

Consolidava-se assim a posição política do bloco multinacional associado.


Segundo Dreifuss, “tomava tal atitude, objetivando unir o emergente bloco de
poder em torno de um programa específi co de modernização econômica e
conservadorismo sócio-político”. (DREIFUSS, 1981, p. 97). O lema que
expressava essa ação ideológica era “se você não abandona os seus negócios
por uma hora hoje, amanhã não terá negócio algum para se preocupar” 4.
(DREIFUSS, 1981, p. 97).

Essas ações envolviam atividades como a realização de palestras, simpósios,


congressos, publicação de artigos, revistas, livros e filmes, sempre em torno
das questões políticas nacionais pela ótica do IPES.

Além das ações de doutrinação ideológica, o IPES realizava uma campanha


política com o objetivo de manipular a opinião pública para transformar a classe
média em massa de manobra, unir as forças sociais empresariais, bloquear as
forças nacional-reformistas e impedir a solidariedade da classe proletária. Suas
72

atividades tinham por objetivo conduzir a situação política e social a um ponto


de crise em que as forças armadas fossem conclamadas a intervir.

O IPES agia politicamente no sindicalismo urbano e rural, no movimento


estudantil, em mo- vimentos urbanos da classe média que atuavam em defesa
da ‘educação cívica’ e da ‘democracia cristã’ e também no Congresso Nacional
por meio dos políticos ligados ao bloco multipartidário da ADP (Ação
Democrática Parlamentar). A intervenção no meio estudantil se deu pelo
envolvimento em eleições com a formação de chapas anticomunistas, pelo
financiamento de publicações, criação de entidades estudantis paralelas (como
o MED – Movimento Estudantil Democrático, em oposição à UNE),
fornecimento de bolsas de estudo e patrocínio de viagens para os EUA.
Tinham a intenção de infiltrar elementos ‘democráticos’ no movimento
estudantil e conter a mobilização política de esquerda.

No meio sindical, sua atuação se deu pelo financiamento de organizações de


classe ‘democráticas’ e anticomunistas, tendo exercido a Igreja Católica papel
fundamental, por meio de sindicatos e associações cristãs. Em geral, essas
entidades procuravam seduzir os filiados com serviço dentário e médico
gratuito, bem como cursos especializantes, enfatizando a possibilidade
individual de ascensão social dos trabalhadores.

Se o IPES falhou em arregimentar completamente o movimento estudantil e o


sindical, suas ações tiveram êxito em frear a influência da esquerda na
sociedade, ganhando tempo para o momento da ação militar.

A maior vitória das atividades políticas e ideológicas do IPES/IBAD foi a


conquista da classe média enquanto massa de manobra. Aos olhos das elites,
a opinião pública era determinada pela vontade da classe média urbana
(DREIFUSS, 1981) sempre sujeita à forte influência dos meios de
comunicação.
73

Enquanto a vontade e as manifestações das classes populares eram vistas


como fruto da “infiltração da ideologia comunista” (DREIFUSS, 1981, p. 102),
além da campanha midiática, foram criados movimentos paralelos femininos,
cristãos e de ‘educação cívica’, no geral, coordenados por membros de famílias
de alto status social. O auge dos esforços dessas associações orientadas pelo
IPES se deu no dia de São José, 19 de março, padroeiro das famílias, com a
Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu mais de quinhentas
mil pessoas em São Paulo. A marcha foi organizada em oposição ao comício
pelas reformas, realizado seis dias antes (na sexta-feira, 13 de março de 1964)
e que foi a última tentativa de Jango, em meio à crise política de conseguir
apoio popular ao seu governo.

A importância da marcha, e da conquista da classe média em oposição ao


nacional-reformismo foi de legitimar uma ação de intervenção militar. Era
necessário demonstrar aos militares que a opinião pública era favorável à
derrubada do governo para que estes agissem. (DREIFUSS, 1981). Menos de
duas semanas depois da marcha, o golpe foi realizado.

O IPES também exerceu infl uência fundamental no Congresso, agindo


principalmente por meio da ADP. (DREIFUSS, 1981).

A ADP apresentava anteprojetos de leis elabora dos pelo IPES e que


consideravam serem projetos técnicos em oposição aos projetos ‘demagógicos’
dos ‘agitadores’. Sua ação se dava no sentido de evitar que as reivindicações
populares ganhassem espaço e de minar os projetos nacional-reformistas,
forçando o Executivo a legislar por decretos e criando um clima de
ingovernabilidade que apontava para soluções extra-constitucionais.Essas
medidas tem referência imediata com as prisões as torturas e as mortes.

Existem muitas discussões nas últimas décadas sobre a questão da memória,


apoiando-se principalmente na abordagem proposta por Maurice Halbawachs
em seu livro: A Memória Coletiva de 1950. Contrapondo-se às ideias surgidas
no início do século XX, período em que a memória era tratada, como fenômeno
74

individual dentro de uma perspectiva psicológica ou filosófica, Halbwacs (1990,


p.52), afirma que: “A memória é, por natureza, social, ou seja, um fenômeno
construído coletivamente a partir da articulação entre os grupos. Nesse sentido,
todo indivíduo está interagindo e sofrendo a ação da sociedade”.

Halbawachs (1990) nos mostra que as lembranças mesmo as mais pessoais


buscam sua fonte nos meios e nas circunstâncias sociais definidas, mesmo
que os sujeitos tenham dificuldade de reconhecer que os pensamentos
apresentam como ponto de origem um grupo e um contexto de interação.

A capacidade de lembrar está diretamente associada a esse conhecimento que


vem do domínio comum.

É por meio da memória dos outros que somos capazes de organizar, a


qualquer momento, as informações acerca do passado.

A análise mostra ainda como as situações do momento e os dados


emprestados do presente constituem em um elemento de estruturação da
memória. Ela sofre mutações de acordo com o papel ocupado pelo indivíduo
dentro do grupo. Halbawachs (1990, p. 51) diz que: “cada memória individual é
um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda
conforme o lugar que ali ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as
relações que mantenho com outros meios”.

O conceito de memória individual e coletiva, que se interpenetram


frequentemente, forma um dos sistemas criados por Halbawachs. Ele também
vai definir os quadros sociais que compõem esta memória. Os quadros sociais
são os instrumentos por meio dos quais a memória coletiva se serve para
reconstruir o passado e lembrar aquilo que está próximo ou distante. Esses
instrumentos são as palavras e as ideias que o indivíduo emprestou do seu
meio e a localização espaço-temporal da lembrança.

Pollak (1989) aponta que, em todos os grupos, há uma marca comum que
caracteriza o fenômeno da memória: a sua seletividade. A apropriação do
75

passado, construída a partir de demandas do presente, tem sempre caráter


seletivo e pressupõe enquadramentos, escolhas, esquecimentos e silêncios. A
memória resulta então de um processo de ordenamento e de organização que
vai definir o que deve ser lembrado e o que deve ser esquecido.

Ao se perguntar sobre os motivos que levam os grupos do presente a destacar


determinados aspectos do passado, negligenciando outros, Pollak (1992)
percebe nesse enquadramento uma forte relação entre a memória e o
sentimento de identidade.

A lembrança e o esquecimento são utilizados, portanto, como estratégia para


fortalecer sentimentos de pertencimento e fronteiras entre diferentes
coletividades, como os partidos, sindicatos, associações profissionais, igrejas,
famílias e nações. Surge dessa análise uma das funções essenciais da
memória: “a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e
das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar
respectivo, sua complementaridade, mas também as oposições irredutíveis”.
(HALBWACHS, 1989, p. 9).

A abordagem até aqui oferece alguns indicadores para entendermos a questão


da memória em sua conceituação mais geral, mas a análise deve ser vista
também a partir dos fenômenos que são próprios da sociedade em que
vivemos.

Em 1964 o Brasil foi assaltado, roubaram-lhe a democracia, juntamente com


ela levaram também a liberdade. Usando a desculpa que o comunismo já se
encontrava nos calcanhares da República, aplicaram-lhe um ‘revolução
redentora’ um Golpe. Os ladrões eram os militares e uma grande parcela da
sociedade civil que se uniram para assalto, culminando no golpe de 1º de Abril
de 1964 e que produziu uma sociedade para sempre marcada, mas que não
se calou.
76

Como houve resistências no período escravista também houve no período


militar pós-64, contrariando o pacifismo com que somos vistos.

Ao analisar o período ditatorial pós-1964, amparados pelas discussões teóricas


sobre a memória, nos valemos da análise de Rousso (in FERREIRA, 2002, p.
95) na qual a “história da memória tem sido quase sempre uma história das
feridas abertas pela memória”. Ora, dessa maneira não haveria complicação
em entender como este dizer de Rousso (in FERREIRA, 2002) se conecta a
realidade brasileira por meio da memória; seja ela coletiva, dos grupos que
lutaram contra a ditadura ou mesmo a memória individual, dos cidadãos
engajados e das famílias que perderam seus filhos, que de alguma maneira
tenha se envolvido com alguma organização de vanguarda ou mesmo na
situação política pela qual o Brasil passava e tiveram suas vidas ceifadas nas
mãos dos representantes do Estado.

Após anos convivendo com as “lembranças traumatizantes” (POLLAK, 1992, p.


05), hoje se busca mais que recuperar as memórias, mas sim uma
reconstrução da memória daqueles grupos que se organizaram contra o
regime, neste sentido “a memória como construção social é formação de
imagem necessária para os processos de constituição e reforço da identidade
individual, coletiva e nacional”.

Desde algum tempo, mais propriamente após o fim do período de exceção


(1985) as organizações e mesmo os indivíduos em particular, tem demonstrado
a vontade de analisar as trajetórias daquele tempo, nos conduzindo para o que
Pollak (1992) demonstrava em seus estudos sobre a identidade social de um
grupo pela da memória.

Há a necessidade de os grupos se organizarem, organizarem seus dados e


conhecimentos para “realizar o trabalho de rearrumação da memória do próprio
grupo”. (POLLAK, 1992, p. 206). Um trabalho que muita das vezes é um
processo psicológico quanto aos “modos de construção (que) podem tanto ser
conscientes como inconscientes”. (POLLAK, 1992, p. 206).
77

Essa busca é necessária tanto para reescrever o passado quanto na busca


empírica por fontes históricas para organização política da memória.
Documentos já revelados trazem dados como a relação de mortos e
desaparecidos na ditadura. De acordo com o levantamento atualizado pelo
Grupo Tortura Nunca Mais, 183 pessoas foram mortas pelos órgãos militares
de 1964 a 1983.

Esses são classificados como militantes políticos. Outros 134, dentre homens e
mulheres, são atualmente considerados como desaparecidos, casos onde não
exixtem cadáveres e nem mesmo evidências de mortes, sem dar oportunidade
às familias de promover um enterro digno aos seus filhos. Como mostramos, há
uma dívida a ser saldada com uma parcela da população que em sua memória,
e pela memória, ainda possui tais feridas abertas e delas surgem clamores
para que as verdades do passado sejam de fato reveladas. Essas vozes ativas
de uma parcela da sociedade fazem surgir suas memórias “que prosseguem
seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase imperceptível
afloram em momento de crise em sobressaltos bruscos e exacerbados”.
(POLLAK, 1992, p. 04).

Mesmo distantes e separados pelo tempo que nos separam dos fatos, nos
comprometemos a realizar por meio do estudo a guarda da memória.
Diferentemente do que nos mostrou Rollemberg (in Azevedo, 2009, p. 381),
não nos vemos como “saudosistas de um passado não vivido” e sim nos
enquadramos nas observações de Pollak (1992, p. 201) quanto a quase uma
memória herdada, pois, “por meio da socialização política, ou da socialização
histórica,[...] (ocorrem) fenômenos de projeção ou de identificação com
determinado passado”.

Esse debate ganhou mais relevância após a eleição do candidato do Partido


dos Trabalhadores que de acordo com a trajetória do partido, representava
uma alternativa de reformulações com um viés mais a esquerda.
78

Diríamos então que a ‘subversão do silêncio’ foi mais usual neste período e a
sua luta pela construção dessa memória seguiu caminho com o governo de
continuidade dos integrantes de grupos de resistência à ditadura.

Instalada oficialmente em 16 de maio de 2012 a Comissão Nacional da


Verdade, órgão que teria por objetivo de esclarecer os casos de violação de
direitos humanos entre 1946-1988, como parte do Plano Nacional de Direitos
Humanos (PNDH). Logo que a proposta foi apresentada surgiram grupos que
apoiavam a sua criação, como movimentos sociais, partidos políticos e também
grupos que eram literalmente contrários ao projeto, entre eles estavam a
parcela mais conservadora da sociedade brasileira juntamente com as Forças
Armadas.

Porém, por mais estranho que possa parecer, não houve um amplo debate na
sociedade brasileira. O senso comum ainda não se articulou para essa questão
da memória, como diz Rolland (in AZEVEDO, 2009, p. 419): “nada aflora à
superfície da memória [...] do maior país da América Latina, o Brasil”.

Por falta desse envolvimento mais amplo da sociedade brasileira, perdendo a


oportunidade de passar a limpo o passado, o projeto foi aprovado após
alterações significativas em seu texto original, demonstrando assim as disputas
permanentes de memória entre os diferentes grupos que possuem objetivos
distintos quando ao assunto que abrange crimes cometidos por agentes do
Estado e colaboradores durante a Ditadura. O que ratifica a posição de Pollak
(1992, p. 04) quando mostra que “existe conflito e competição entre memórias
concorrentes”. (ROLLAND, in AZEVEDO, 2009, p.419). Concorrendo entre si
elas lutam pela hegemonia na construção/reconstrução da identidade nacional.
Essa questão-problema demonstra que a elaboração da memória se dá no
presente e para responder as solicitações do presente.

É do presente que a memoria recebe incentivo, tanto quanto condições para se


formar”. (MENESES, 1992, p.11). Sendo assim é necessário que os grupos
79

que se articularam na resistência romper com “as condições em que


socialmente se produz p silêncio, por pressão coletiva ou conveniência
pessoal, até que a memória possa sair de sua letargia e possa atuar como
alavanca propulsora para reivindicações”. (MENESES, 1992, p.15).

Conforme mencionou Halbwachs (1990, p. 74) a memória tem por base o


“passado vivido”, dessa forma trazemos conosco toda a memória das nossas
realizações do passado, sejam atos heróicos ou atrocidades, contudo, há
formas de construção da memória que podem evidenciar alguns fatos e
mascarar outros.

Fato importante em relação às disputas em torno da memória do período foi a


criação do grupo TERNUMA (Terrorismo Nunca Mais) em contraposição ao
grupo Tortura Nunca Mais, formado em sua maioria por ex-militares, ex-
colaboradores do regime e cidadãos com viés politico de direita , os defensores
da ‘revolução de 64’ ,que teriam como objetivo combater as memórias dos que
foram vítimas do Estado autoritário5.

Sobre estas duas construções de memória, oriundas dos grupos TERUMA e


Tortura Nunca Mais, Costa (2007, pp. 314-315) recolheu depoimentos que
deixam bem claro os discursos dos que viveram o pós-64, porém em situações
opostas. Citamos aqui uma síntese das entrevistas dos dois personagens
antagônicos:

O coronel Juarez de Deus participou do golpe militar de 1964,


que, como todos os seus defensores, chamam de “revolução” e
não se arrepende do que fez.

Para Amadeu Felipe da Luz Ferreira, comandante militar da


Guerrilha do Caparaó, valeu a pena ter lutado. Se fosse
preciso, faria tudo outra vez. (COSTA, 2007, p. 314-315).

5
Para mais informações sobre os grupos acessar os sites: <www.ternuma.com.br>
(TERNUMA) e <www.torturanuncamais-rj.org.br> (TORTURA NUNCA MAIS).
80

Retornamos assim, às questões que orbitam a memória, principalmente aos


fatos de sua organização pelos diversos grupos. Quando se observa a
resistência durante o regime militar, não tivemos homogeneidade e sua
diversidade é uma dificuldade a mais a ser considerada quando se pretende
organizar a sua memória, pois no período ditatorial tinhamos várias as ‘famílias
políticas e ideológicas’ no que se traduz nas diversas Organizações de
Vanguarda sendo que as suas memórias podem ser conflitantes no que tange
a hegemonia das esquerdas e mesmo das recordações de suas respectivas
lutas políticas e maneiras com que eram executadas.

Contudo, cabe ressaltar como Meneses (1992, p. 10) diz:

Que a substância memorialística não pode ser “redutível a um


pacote de recordações”, ela tem uma função pedagógica, não
mecânica, onde apenas se concentrariam as lembranças de
um passado vivido, tem uma função social a ser considerada
em amplos aspectos, a constituição de identidade, a reificação,
a autenticação dos fatos históricos etc.

Se de fato ela é amparada pelas disputas políticas, como mencionou Pollak


(1992, p. 204) diz que “ao tratar da ‘memória organizadíssima, que é a
memória nacional’, podemos concluir que as disputas políticas pela hegemonia
na construção ou obstrução das lembranças do passado se concretizam a
todos os instantes e em todos os campos possíveis da memória”.

Para Meneses (1992, p.10): “Memória nacional [...] não é o somatório das
diferentes memórias coletivas de uma nação apresenta-se como unificada e
integradora, procurando a harmonia e escamoteando ou sublimando o conflito:
é da ordem da ideologia”.

Neste caso há jogos de disputas, de ambos os lados e entre eles, entre


memórias coletivas para reavaliar e constituir uma memória nacional. Com isso
podemos, então, confirmar a tese de que a memória é “espaço contínuo de
construção e reconstrução” (MENESES, 1992, p. 10) e que havendo essa
disputa dos grupos pela hegemonia memorialística há também um processo
81

intenso onde interagem “mecanismos de seleção e descarte” dos dados da


memória. (MENESES, 1992, p. 16). Como entendemos – mediante explicitado
por Nora (1993) e Pollak (1992)–, que a memória está em diversos locais,
dentre eles a canção, podemos considerar que esses espaços, no tocante a
‘seleção e descarte’ estão amplamente conectados as quest ões levantadas
por Meneses quando trata da ‘amnésia social e a gestão social da memória’.
Esses espaços podem ser gerenciados, tratados de acordo com determinados
interesses em relação aos fatos, em relação à história. Segundo Pollak (1992,
p. 05) “um passado que permanece mudo é muitas vezes menos o produto do
esquecimento do que de um trabalho de gestão da memória segundo as
possibilidades de comunicação”.

Com a instauração do golpe de 1964 veio com ele seu aparato burocrático que
também intervinham nos processos culturais e intelectuais. Dessa maneira agia
naquele momento influenciando as memorias futuras, em forma de censura ou
mesmo das musicas encomendadas por ela.

Se as lembranças do passado foram, e ainda são, em muito tuteladas,


reafirmamos aqui a resistência de alguns grupos, dentre eles os de aspecto
cultural que podemos chamar de arte engajada, dentre os movimentos
agregadores entre cultura política e identidade nacional numa época de
contradições e que naquele período com certeza faziam parte da história
política e cultural brasileira.

De fato memória e história são distintas entre si e se formam em uma relação


de interatividade passando pelas questões inerentes a ideologia e ao processo
de conhecimento intelectual. (MENESES, 1992, p. 22) 6. Observando nosso
passado recente e extraindo seus momentos, estamos aí tomando o
conhecimento da história, de seus fatos, suas trajetórias e as problemáticas
que em torno de situações foram criadas. Como afirma Nora (1993, p. 08): “a

6
Para Meneses (1992) memória e história não podem se confundir. A primeira é ‘operação
ideológica’, a segunda é ‘operação cognitiva, forma intelectual’.
82

história é o que as sociedades fazem do passado”, ou seja, a história é a


representação do passado.

Na história se abre espaço para os dados empíricos que necessitam de


interpretações da sociedade por outro lado a memória é ‘um fenômeno sempre
atual’, que somada aos preceitos históricos, auxiliam nas construções por meio
das lembranças daquilo que foi vivido ou herdado.

Em relação ao Golpe militar, tratando neste capítulo, concluímos que ainda se


tem necessidade de respostas em relação à acumulação de vestígios para a
construção de uma memória coletiva solidificada. E muito dessas
problemáticas ficam sem solução, devido às disputas entre as memórias
concorrentes, ligadas aos principais grupos políticos que outrora atuaram em
lados distintos.

Então nossa memória não pode ser negligenciada, ela deve submeter os
indivíduos mesmo que sendo por meio de organizações governamentais ou
não, para auxílio da construção e mesmo de uma reconstrução de suas
memórias e de suas vidas.
83

4 A MÁQUINA SE ORGANIZA PARA PRENDER E MATAR.

Houve repressão imediatamente após o golpe militar de 1964 com a ‘operação


limpesa’ e os IPMs (Inquéritos Policiais - Militares), que tinham por objetivo
desarticular e oprimir os setores de esquerda e os apoiadores do governo João
Goulart. “O contrário do que se pensa esse período de 1964-65 foi fortemente
repressivo, com a prisão de cerca de 50 mil pessoas” (ALVES, 1984, p.72).

Exército, Marinha e Aeronautica trabalharam para impor a construção de uma


memória oficial para emcobrir as atrocidades praticadas, sendo ao mesmo
tempo, continuavam com as prisões que na maioria ds vezes era
acompanhada de torturas. Negavam veementemente tais prisões e torturas,
dizento que este tipo de coisa não existia, ou seja, não exixtiam torturas e
muito menos presos politicos. (CARVALHO, in FREIRE e outros, 1997, p.194).
O processo repressivo foi intensificando a partir do ano de 1969, ano que se
inicia a construção de um sistema repressivo, que seria uma das marcas do
regime.

Se por um lado, parte da sociedade costuma recordar o período com certa


nostalgia, em razão da formação de memorias pela qual foram sujeitos e com a
suposta impressão de ordem e progresso, levados a isso em razão da
propaganda oficial, utilizada pelo regime como justificativa para suas ações
repressivas 7.

Finda a fase das grandes passeatas estudantis e greves anteriores ao Ato


Institucional nº 5 (13 de dezembro de 1968), passaram a ser promovidas por

7
Sobre o assunto ver: <www.history.umd.edu/HistoryCenter/2004-
05/conf/Brazil64/papers/cficoport.pdf.>. Acesso em 25/02/2014.
84

organizações clandestinas de esquerda, novas formas de luta contra o regime


autoritário, as ações destas organizações iam desde simples contestações com
discursos e panfletos clamando por liberdade até atitudes mais extremadas,
como as ações armadas. Algumas dessas organizações defendiam a luta
armada e outras não, mas havia entre elas um ponto comum que era a
oposição ao governo e a defesa do socialismo como sistema de governo.

Com o tempo, os militantes de organizações de vanguarda, foram associados


ao terrorismo, com seus rostos impressos em cartazes e panfletos com os
dizeres: “Ajude-nos a proteger sua própria vida e a de seus familiares”.

Segundo Halbwachs (1990) não seria possível existir uma memória individual,
pois os seus comportamentos pessoais são reflexos do grupo. A visão de um
acontecimento, portanto, não poderia ser tida como algo elaborado
isoladamente, posto que ela está carregada de sinais que a marcam, segundo
o contexto em que foi produzida

Apartir de deste momento, da-se início a criação da máquina de repressão,


esta composta por efetivos de origem policial e membros das três forças
armadas, sendo os oficiais do Exército que a comandavam.

Existia uma explicação para reunir em um só órgão indivíduos da força policial


e das três forças armadas, a explicação encontra-se na maneira pela qual o
governo militar encarava a oposição naquela época, o adversário agora era
outro: o ‘inimigo interno’, o ‘subversivo’ ou ‘terrorista’, que eram considerados
elementos extremamente perigosos e que tinham por objetivo desestabilizar,
com suas ‘táticas traiçoeiras’, o regime militar8.

8
O auge dos protestos estudantis se deram a partir da morte do estudante paraense Edson
Luís de Lima Souto assassinado pela Polícia Militar em 28 de março de 1968 durante um
confronto no restaurante Calabouço, centro do Rio de Janeiro. Edson foi o primeiro estudante
assassinado pela Ditadura Militar e sua morte marcou o início de um ano turbulento de intensas
mobilizações contra o regime militar.
85

Tal perspectiva justificava a utilização de variados métodos de tortura nos


interrogatórios. Ao capturar um suspeito, era preciso obter dele, o mais rápido
possível, informações que levassem a outros militantes, estabelecendo-se a
partir daí uma cadeia de prisões sucessivas.

4.1 Organização da máquina de repressão.

Nos anos iniciais, houve o investimento nos centros de informação das três
forças militares:

Exército (CIE) foi um serviço de inteligência do governo brasileiro durante o


regime militar. Foi o órgão a propor a maior quantidade de censura o material
considerado subversivo pela ditadura e responsável por grande parte da
estrutura da máquina de repressão do governo, tendo torturado centenas de
cidadãos brasileiros.

Aeronáutica (CISA) foi um órgão interno da Força Aérea Brasileira, extinto em


13 de janeiro de 1988. Foi precedido pelo Serviço de Informações da
Aeronáutica (1968), pelo Serviço de Informações de Segurança da Aeronáutica
(1969) e pelo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (1970),
sendo afinal extinto em 1988 e substituído pela Secretaria de Inteligência da
Aeronáutica (SECINT).

Em 26 de agosto de 2004, por meio do Decreto n° 5.196 (BRASIL, 2013a), a


SECINT passou a compor a estrutura do Comando da Aeronáutica, com a
denominaçăo de Centro de Inteligência da Aeronáutica – CIAER (BRASIL,
2013b).
86

O CISA era parte da rede de serviços de informação constituída por unidades


especializadas das Forças Armadas e concebidas para colher informações de
interesse da segurança nacional. Integrando, portanto, o Sistema Nacional de
Informações, cujo principal órgão era o Serviço Nacional de Informações (SNI).

Marinha (CENIMAR): foi criado pelo Decreto nº 42.688, de 21 de novembro de


1957 (BRASIL, 2013c), com a finalidade de obter informações de interesse da
Marinha do Brasil, conforme as diretrizes do Estado-Maior da Armada.

O CENIMAR, subordinado ao Estado-Maior da Armada e dirigido por um


Diretor com o posto de Capitão-de-Mar-e-Guerra (que, no Exército e na
Aeronáutica, é equivalente ao de coronel) nomeado pelo Presidente da
República, era a integrado por três divisões, cada uma delas dirigida por um
Capitão-de-Corveta (que, nas demais forças, é equivalente ao de major):

 Divisão de Busca

 Divisão de Registro e Seleção

 Serviços Gerais

As Divisões subdividiam-se em Seções operadas por oficiais de Marinha,


auxiliados por pessoal militar subalterno e civis requisitados . (BRASIL, 2013c).

Durante a ditadura militar, notadamente a partir de 1968, o órgão passou a ser


empregado na repressão.

Passou a subordinar-se ao Ministro da Marinha e foi considerado como o mais


eficiente órgão de informação militar, dentre outros similares como o DOI-
CODI, do Exército e o CISA, da FAB, que atuavam com os mesmos propósitos.

Nesse período extrapolou da competência originária no campo da informação


para desenvolver ações repressivas, investigações e prisões com torturas de
presos (ARQUIDIOCESE, 1985) que tornaram a sede do Rio de Janeiro,
87

localizada na Ilha das Flores, um dos mais conhecidos porões do regime (SNI,
2014) para combater o chamado inimigo interno.

Ainda no primeiro ano, mais exatamente em 13 de junho de 1964 foi criado o


SNI- Serviço Nacional de Informações comandado pelo general Golbery do
Couto e Silva, que se desenvolveu ao longo do período, transformando-se
numa sofisticada comunidade de informações. (FICO, 2004).

Coube ao SNI (Serviço Nacional de Informações) realizar o esforço de criar um


arquivo sobre os brasileiros, vigiando e armazenando informações sobre
parlamentares, estudantes, religiosos, intelectuais, líderes sindicais, além de
outros indivíduos considerados inimigos do regime. Seus arquivos continham
informações produzidas por funcionários públicos das agências espalhadas
pelo território nacional, instaladas nas centenas de órgãos setoriais de
informações organizados na administração pública, nos serviços secretos das
Forças Armadas e nas instituições policiais.

Os registros de suas bases de dados orientaram os agentes do Estado à


execução de violações às liberdades e às garantias fundamentais dos cidadãos
brasileiros e estrangeiros, indicando demissões, a não admissão de
concursados públicos, a não emissão de passaportes ou negação da
renovação de vistos, controlando e punindo os cidadãos no Brasil e no exterior,
e indicando também a realização de prisões que resultaram em inúmeros
casos de tortura, morte e desaparecimento de opositores do sistema que a
partir do momento em que eram detidos eram denominados presos politicos.

Dos quadros do SNI, saíram dois presidentes militares: o então coronel João
Baptista Figueiredo, que comandou a Agência Central e o general Emílio
Garrastazu Médici, que, em 1967, assumiu a chefia do SNI, substituindo o
demitido Golbery do Couto e Silva.

No entanto, o processo ainda não era considerado satisfatório


por setores militares de linha dura, estes acreditavam que os
resultados obtidos pelos inquéritos constituíam-se
88

inexpressivos para os objetivos da Revolução, apesar da “(...)


deformação da Justiça brasileira, imposta por sucessivos atos
institucionais e restante legislação repressiva (...)”. (FICO,
2004, p.s/n).

A evolução do aparelho repressivo culmina em 13 de dezembro de 1968, “Era


a ditadura sem disfarces”. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 62).

Com o AI-5, o Congresso e várias sedes do poder legislativo estadual e


municipal foram colocadas em recesso. Pessoas acusadas de infrações
prescritas, segundo a Lei de Segurança Nacional, perderam o direito ao
habeas-corpus. O AI-5 representaria, ainda, a oficialização do terrorismo de
Estado, praticado no interior da instituição militar. (GORENDER, 1987).
Momento que de defato o país foi entregue às forças do establishment, a linha-
dura do regime. Apartir de então, o número de processos chega a totalizar de
70 a 100 por ano. (D’ ÁRAÚJO, 1994).

Em 1969, mais exatamente no dia 1º de julho, o aparato da Doutrina de


Segurança Nacional tem o seu auge operacional com a criação em São Paulo
da Operação Bandeirante (Oban), que tinha por objetivo destruir os grupos de
esquerda que atuavam no país. A organização era financiada por empresários
e banqueiros, agregando militares e membros de todas as forças policiais.

A Oban se especializou em capturas e no interrogatório de suspeitos de


subversão. Os agentes da Oban seguiam algumas orientações diferenciadas
de suas unidades militares. Não tinham corte de cabelo do tipo militar e não
usavam fardas, usavam barba e andavam a paisana, utilizavam apelidos
(codinomes) para não serem identificados e assim tendo condições de infiltar-
se em lugares frequentados por militantes de esquerda. Suas atividades eram
realizadas sob o maior grau de sigilo, até para os familiares. Circulavam pela
cidade em carros de ‘chapa fria’, razão pela qual, em muitas vezes, eram
detidos pelos próprios colegas, que os confundiam com suspeitos.

Mesmo utilizando de meios brutais e ilegais a Oban obteve exito, alcançando o


seu objetivo, de desarticular as uma a uma as organizações de esquerda como
89

a Ação Libertadora Nacional (ALN), o Partido Comunista Revolucionário


Brasileiro (PCBR), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a Vanguarda
Armada Revolucionária (VAR Palmares), o Partido Operário Comunista (POC)
e muitas outras entidades de esquerda que tiveram militantes assassinados.
Mas, à medida que essas organizações eram desmanteladas, outros alvos
tinham de ser estabelecidos para justificar a necessidade permanente de um
órgão dessa natureza.

Por esse motivo a máquina de repressão foi se sofisticando. Se aproveitando


da experiencia bem sucedida da criação da Oban em São Paulo, o exército
resolveu ampliar e consolidar sua presença mudando o nome da organização e
ampliaando este dominio para outras capitais do país, como São Paulo, Rio de
Janeiro, Recife, Brasília, Curitiba, Belo Horizonte, Salvador, Belém, Fortaleza e
Porto Alegre, assim entre 1970 e 1974 foram criados os Centros de Operações
de Defesa Interna (CODIs), compostos por representantes das forças militares,
da polícia e do governo. Tinha a incumbencia de planejar, controlar e
assessorar as medidas de defesa interna, incluindo a ‘propaganda psicológica’,
considerada também como importante arma de combate à guerra
revolucionária e a criação dos Destacamentos de Operações de Informações
(DOIs) cuja equipe especializada em operações cabia investigar, prender,
interrogar e analisar as informações estava subordinada aos CODIs e
funcionava como o “braço armado da Inquisição”, segundo o general Fiúza de
Castro. (CARVALHO, in FREIRE e outros, 1997, P. 404).

Conjuntamente com os Centros de Operações de Defesa Interna (DOIs-CODIs)


existia também o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) , criado em
30 de dezembro de 1924, foi o órgão do governo, utilizado durante o Estado
Novo e servindo para uma ‘soma’ de forças, exercendo função de orgão
policial, tendo como objetivo criada para manter o controle do cidadão e vigiar
as manifestações políticas na ditadura pós-64 instaurada pelos militares no
Brasil. O DOPS perseguia, acima de tudo, as atividades intelectuais, sociais,
políticas e partidárias de cunho comunista.
90

Sob o aspecto jurídico, conjuntamente com a nova Lei de Segurança Nacional


- Decreto-lei n. 898/1969 – (BRASIL, 2013d) eleva as penas e o rigor punitivo.
Sendo que Alves (1984) caracteriza o período como o de implantação definitiva
da Doutrina de Segurança Nacional. Esta se constitui como: “(...) um corpo
orgânico de pensamento que inclui uma teoria de guerra, uma teoria de
revolução esubversão interna, (...) tendo sido utilizada para justificar a
imposição de um sistema de controle e dominação”. (ALVES, 1984, p.26).

O aparelho repressivo estruturava-se segundo uma trama que ignorava as leis


constitucionais. Nesse sentido, as prisões, via de regra, ocorriam sob forma de
seqüestro. Estas eram geralmente acompanhadas de torturas precedendo ao
interrogatório formal.

As torturas eram aplicadas de forma profissional e ‘científica’. Médicos e


enfermeiros acompanhavam e avaliavam as condições físicas do torturado
para saber se resistiriam novas torturas. Os torturadores, por sua vez, eram
violentos, mas sempre mantendo certa dose de calma e frieza, pois ao
contrário perderiam a ‘superioridade’ em relação ao interrogado. Enquanto os
torturadores procuravam arrancar a ‘verdade’ dos presos políticos, os agentes
de análise avaliavam como se juntassem as peças de um quebra-cabeça, o
teor das informações obtidas, para prender outro suspeito ou ‘estourar’ um
novo ‘aparelho’, como era chamado os locais de moradia ou de encontros
utilizados pelos ativistas de esquerda.

Muitas vezes, o interrogado não resistia às torturas e morria, sendo assim os


agentes do DOI forjavam falsas versões como ‘tentativa de fuga’, ‘morte por
atropelamento’, ‘suicídio’ ou ‘morte em tiroteio’ eram as mais comuns. Como
esses argumentos foram ficando desgastados, os orgãos de repressão foram
obrigados a declarar esses presos políticos que não resistiam às torturas como
‘desaparecidos’, enterrando seus corpos em valas clandestinas como
indigente. Mas quando sobreviviam e as informações obtidas dos presos
políticos, eram satisfatórias, iniciava-se a fase de formalização dos inquéritos,
91

quando então a Justiça Militar era comunicada da prisão. Após a sua


elaboração, os inquéritos eram encaminhados às Auditorias Militares para que
o procurador militar fizesse a denúncia.

Então o preso politico teria o direito a um advogado e seria submetido a novo


interrogatório. (ARQUIDIOCESE, 1985). Esta conduta no sistema repressivo se
desenrrolava em duas fases que segundo Gorender (1987, p. 250) as duas
fases eram: “primeiro era o das instituições de interrogatório e formalização dos
processos da fase policial (...) e o segundo tipo abrangia as instituições de
reclusão onde os detentos aguardavam julgamento ou cumpriam pena”.

Essa divisão está contida nos relatos de presos políticos caracterizando a


primeira fase como inferno como o inferno, e a segunda fase como o
purgatório. Conforme José Nonato Mendes, sobre sua transferência de uma
instituição para a outra, “seria como sair do inferno e cair no purgatório”
(MENDES, In: FREIRE, e outros, 1997, p.79).

Na primeira fase - o inferno, era associada às torturas, permanecendo detido


no ‘sub-sistema criminal’9, as instituições de interrogatório.

Na segunda fase - o purgatório, a detenção era efetuada em presídios ou


penitenciárias permitindo aos presos políticos se reemcontrar com o seu grupo,
quepor diversas vezes, se transformavam em ações de resistência ao aparelho
repressivo.

Nesta fase, os presos políticos estavam amparados pela abertura formal de um


inquérito policial ou processo10.

9
Expressão adotada por Nilo Batista, defensor de presos políticos detidos na Penitenciária
Regional de Linhares, em aula sobre Criminologia e Execução Penal, na Pós-Graduação em
Ciências Criminais promovida pela Faculdade de Direito da UFJF, no dia 20/05/05.

10
A segurança do preso não era total devido às novas transferências para locais ignorados,
como no caso do frei Tito de Alencar Lima, retirado do Presídio Tiradentes para ser
barbaramente seviciado na Oban, in: GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. SP:
Companhia das Letras, 2002, p. 278. Ainda sobre o assunto, cabe registrar a simulação do
suicídio de Milton Soares de Castro numa cela da Penitenciária Regional de Linhares, morto
92

As lembranças da melhora com a trransferência para os presidios, “só fazem


demonstrar o pavor que eram os primeiros tempos de prisão para cada um
daqueles brasileiros” (GOMES, in FREIRE e outros, 1997, p. 176).

Mas à medida que o sistema repressivo transferia os presos politicos para as


penitenciárias e com a abertura do processo legal de punição daqueles
considerados subversivos, possibilitava o restabelecimento dos indivíduos
enquanto agentes contestadores, proporcionando condições dos mesmos
atuararem contra o regime de dentro do próprio sistema repressivo.

A prisão, como um meio para afastar o individuo da sociedade,


possibilitando o isolamento do indivíduo e enquadrando-o
dentro de regras que visam disciplinálo, pode ser um
instrumento eficaz do Estado para sufocar manifestações
ideológicas, porém, uma instituição total não existe
empiricamente. (SÁ, 1990, p.73).

Desse modo, o sistema oferece ‘brechas’ que permite ao indivíduo criar


mecanismos para transgredir a rotina, segundo os quais “(...) os grupos e as
pessoas atuam com uma própria estratégia significativa capaz de deixar
marcas duradouras na realidade política que, embora não sejam suficientes
para impedir as formas de dominação, conseguem condicioná-las e modificá-
las”. (LEVI, 2000, p. 45).

No caso dos presos políticos da ditadura militar, “havia a esperança de que a


chegada ao purgatório fosse o passo precedente ao paraíso, isto é, a
liberdade”. (PAIVA, 2004, p. 82). Mas por muitas vezes os presos viam-se de
volta aos interrogatórios e sevícias cometidas contra eles, caso a maquina
represiva chegasse à conclusão que seus depoimentos foram inconcistentes
ou mesmo se achassem que teriam mais a falar, então voltariam a fase de
depoimentos e torturas, ou seja, mesmo no purgatório poderiam retornar a fase
de inferno, havia a consciência da ação política e a noção de coletivo entre os
presos, oriunda de suas origens enquanto organizações com ações positivas.

em 28 de abril de 1967 no Quartel General Regional do Exército em Juiz de Fora. IN: ARBEX,
Daniela. Cova de militante desaparecido é encontrada em JF. Tribuna de Minas,
28/04/2002, Geral, p. 3.
93

Esta formatação de militante, que estes presos carregavam em sua história,


possibilitou a organização em grupo para enfrentar a vida no cárcere ou para
atuar com denúncias contra o regime.

4.2 A forma como eram executadas as prisões.

Os presos da ditadura militar eram enquadrados como criminosos contra a


Segurança Nacional. A Lei de Segurança Nacional sofreria transformações
para se adaptar à escalada repressiva, embora seus aspectos transcendessem
qualquer possibilidade de punição legal visto que, com o objetivo de resguardar
o sistema, prevaleceu sobre todas as leis, inclusive a Constituição Federal,
adquirindo um caráter “totalizante”. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 75-76).

Com a edição, em outubro de 1966, do AI-2, os inquéritos para julgar crimes


contra a Segurança Nacional “passam a ser encaminhados às Auditorias”.
(ARQUIDIOCESE, 1985). A Lei de Segurança Nacional instituiu a noção de
guerra no interior da nação. (FICO, 2004b). Desta forma, todo civil enquadrado
na Lei 1802/53 passou a responder a processo na Justiça Militar, reforçada
pela LSN de 1967.

O novo decreto-lei 898/1969, contribuiria ainda mais para a exacerbação da


pena e o rigor punitivo, aumentando a “avalancha de prisões” (GORENDER,
1987, p. 245) pois, definia como sujeito ao processo na Justiça Militar todo o
tipo de assalto à banco. (SÁ, 1990).

Porém, o aparelho repressivo militar tinha por base, principalmente, a forma


como eram efetuadas as prisões das pessoas consideradas ameaçadoras ao
regime. Ignorando as leis constitucionais elaboradas pelos próprios militares,
94

as prisões, como já foi dito anteriormente, via de regra, ocorriam sob a forma
de sequestro. Sem mandato judicial, sob um clima de horror que implicava a
todos aqueles que possuíssem algum tipo de relação com o detido.

Curiosamente o regime não reconhecia a existência de presos políticos e fazia


um esforço para simular um clima de legalidade durante a implantação da
Doutrina de Segurança Nacional. (CARVALHO, in FREIRE eoutros, 1997).
Mas, conforme revela Brasil: Nunca Mais, as informações obtidas na fase
preliminar do inquérito não possuíam valor jurídico por terem sido conseguidas
na ilegalidade, no entanto, os inquéritos somente eram formalizados e, as
prisões comunicadas, após o momento em que os órgãos de informação
obtivessem o que buscavam: implicações de outros elementos envolvidos na
mesma organização de esquerda.

Com a edição do AI-5 foi necessária a adequação da Justiça Militar aos novos
tempos. Esta necessidade foi suprida por decretos-lei (1001, 1002 e 1003 de
21 de setembro de 1969) efetivando a perseguição e a punição políticas,
segundo os objetivos arbitrários do segmento que organizara o sistema, e
visava o controle estatal de todas as esferas políticas, econômicas e sociais.
Entre as medidas adotadas, a Lei de Organização Judiciária Militar indicava a
divisão das circunscrições da Justiça Militar, por competências, tornando
grupos políticos especialidades de algumas Auditorias. (ARQUIDIOCESE,
1995).

O labirinto montado no sistema repressivo do Regime Militar brasileiro tinha


como ponta do novelo de lã o modo pelo qual eram presos os suspeitos de
atividades políticas contrárias ao govêrno.

Selecionamos alguns casos que serão apresentados a seguir, que ilustram


com fidelidade a prática rotineira das prisões ilegais ocorridas naqueles anos
difíceis da vida nacional.
95

Cabe observar, nesse testemunho abaixo, que os presos políticos eram


capturados sempre da mesma forma e torturados da mesma maneira; nesse
sentido, as narrativas se repetem11.

A Funcionária pública Lara de Lemos, de 50 anos, narrou ao juiz - auditor , em


1973, como fora presa no Rio:

(...) a depoente estranhou a maneira pela qual foi feita a sua


detenção, altas horas da noite, por três indivíduos de aspecto
marginal, sem nenhum mandato judicial, os quais intimaram a
depoente a acompanhá-los; no veículo para onde fora
conduzida ,fora encapuzada e obrigada a deitar-se no chão do
carro para não ser vista; posteriormente veio a saber que o
local de sua prisão era a P.E. (Polícia do Exército);
(ARQUIDIOCESE, 1985, p.1017)

As capturas eram cercadas de um clima de terror, da qual não se poupavam


pessoas isentas de qualquer suspeita, conforme carta, anexada aos autos, do
estudante de Medicina Adail Ivan de Lemos de 22 anos , encaminha s Justiça
Militar carioca em 1970:

(...) Quando entrei na sala de jantar, minha mãe, sentada


escrevendo à maquina, chorava em silêncio. Um pouco antes,
por volta das 15:30 h, meu irmão tinha sido preso enquanto
estudava. Minutos depois começou a ser agredido fisicamente,
no quarto de minha mãe, levando, segundo suas palavras, " um
pau violento". Socos, cuteladas, empurrões, seriam "café
pequeno" perto do vira mais tarde. Mas ainda ali, separado da
mãe por alguns metros ,teve a sua cabeça soqueada contra a
parede. (ARQUIDIOSESE, 1985, p.114).

Experiência similar teve, também no Rio, o jornalista Paulo César Farah, de 24


anos, segundo declarou em Juízo, no mesmo ano (1970):

(...) que na residência de seus pais o referido grupo chegou ao


extremo das torturas morais, obrigando que sua progenitora se
despisse na presença dos demais integrantes do grupo; que
em seguida, a sua esposa foi levada para o CODI e seviciada
até que declarasse sua residência, coisa que vinha silenciando

11
Mesmo que existam diferenças, nos testemunhos, referimo-nos a determindas invariantes
dos mesmos na sequência seqüestro-tortura, entre outras.
96

que em seguida, sua residência, no dia sete foi invadida por


oficiais da referida Unidade, ainda sem qualquer mandado,
participando da diligência a sua esposa, ostentando as marcas
das sevícias. (ARQUIDIOSESE, 1985, p.1120).

A suspeita de subversão estendia-se a familiares e amigos das pessoas


procuradas pelas forças policiais militares. A luz da ideologia de Segurança
Nacional ,o inimigo não era apenas uma pessoa física ,era um eixo de relações
visto potencialmente como núcleo de uma organização ou partido
revolucionário. Assim, os que se encontrassem ao lado da pessoa visada,
ainda que por vinculações profissionais, afetivas ou consanguíneas, eram
indistintamente atingidas pela ação implacável dos agentes que encarnavam o
poder do Estado, como comprova o caso do Professor Luiz Andréa Fávero, de
26 anos, preso em Foz do Iguaçu, em 1970:

(...) o interrogado foi surpreendido na residência de seus pais


por uma verdadeira caravana policial; que ditos indivíduos
invadiram a casa, algemaram seus pais e, inicialmente,
conduziram o interrogado a uma das dependências lá
existentes; e que em dita dependência os policias tiraram
violentamente as roupas do interrogando e, utilizando de uma
bacia com água onde colocaram os pés do interrogado,
valendo-se de um fio que era ligado em um aparelho,
passaram a aplicar choques (...) em seguida foi conduzido a
porta do quarto onde se encontrava a sua esposa e lá
constatou que o mesmo processo de torturas era aplicado na
mesma; que o interrogado foi, em seguida conduzido para fora
de casa, lá avistando seus pais amarrados em uma viatura.
(ARQUIDIOSESE, 1985, p. 187 e 188).

Seviciava-se antes, para perguntar depois. Criava-se, desse modo, o clima


psicológico aterrorizante, favorável à obtenção de confissões que enredassem,
na malha repressiva, o maior número de pessoas. O inusitado, no caso
brasileiro, era a aplicação de torturas antes que o capturado fosse recolhido a
uma dependência policial ou militar, sem se importar com a presença de
visinhos ou transeuntes. Foi o que ocorreu ao advogado José Afonso de
Alencar, de 28 anos, e a seus companheiros, ao ser invadida a casa em que
habitavam em Belo Horizonte, em 1969.
97

(...) que o interrogado começou a ser espancado no dia em que


foi preso, espancamento esse com um batedor de bifes,martelo
e um cassetete de alumínio, isso depois de serem postos nús;
que um de seus torturadores bateu-lhe com o amassador de
bife até arrancar sangue do ombro, o que lhe deixou uma
marca; que com o cassetete de alumínio, os torturadores
batiam ,principalmente nas juntas, isso ocorrendo até as
23:00h aproximadamente, pois a vizinhança, um tanto
alarmada, obrigou que os policiais levassem o interrogado e
seus companheiros para o 12º RI. (ARQUIDIOSESE, 1985, p.
1574 a 1576).

Por vezes os policiais chegavam atirando a esmo, conforme relata a carta,


anexada aos autos, do estudante Júlio Antonio Bittencourt Almeida, de 24
anos, preso também em Belo Horizonte:

(...) No dia 28 de janeiro de 1969, fomos surpreendidos de


madrugada, pela ação de uma caravana policial comandada
pelo torturador Luiz Soares da Rocha. O que presenciei foi isto:
estava eu dormindo, quando acordei com som de tiros de
revolver. Logo vó a porta da copa (onde eu estava) ser
arrombada e logo surgiu um vulto que entrou, logo disparando
muitos tiros; logo depois ouvi a minha direita, rajadas de
metralhadoras. A minha esquerda, vi o companheiro Maurício
cambaleando, ferido nas costas. A polícia invadiu a casa e (...).
Fomos, nesta ocasião severamente espancados pela caravana
policial que queria nos fuzilar. (ARQUIDIOSESE, 1985, p. 1574
a 1576).

Mesmo feridos alguns, alguns prisioneiros eram levados diretamente à tortura,


como registra em carta à sua advogada o comerciante José Calistrato Cardoso
Filho de 29 anos, preso no Recife e interrogado em 1972.

(...) Preso, fui baleado, recebi quatro balas na coxa e mesmo


assim sofri choque elétrico, imersão, pau-de arara, "telefone",
queimaduras, surras violentas; apertavam o meu pescoço e
quando perdia os sentidos, aplicavam injeções para voltar a
mim e deixavam-me repousar para recomeçar as torturar.
(ARQUIDIOSESE, 1985, p. 270).

Caso semelhante deu-se com o técnico em contabilidade João Manuel


Fernandes, de 22 anos segundo seu depoimento à justiça Militar, em 1970:

(...) no DOPS do Paraná, onde fui submetido a espancamento


na face, no abdômen, chutes na perna, palmatória, não sendo
98

levado para o pau- de -arara porque estava se convalescendo


de um tiro que levou quando da sua prisão; (...) que quer agora
esclarecer como fora preso: que na ocasião de sua prisão se
encontrava no apartamento da rua Presidente Farias Lima, (...)
número 1.305, em Curitiba. Eram aproximadamente 23:00 h,
quando a porta da sala foi escancarada, sendo que vários
policiais invadiram, com armas na mão, a sala, atirando; que
um dos projéteis atingiu o depoente na garganta e saiu no
omoplata esquerdo;que,a partir daí, foi levado aos pontapés
até o pronto socorro do Hospital Cajuru, em Curitiba ,onde lhe
foram ministrados os primeiros socorros. (ARQUIDIOSESE,
1985, p. 270).

4.2.1 Apresentação espontânea a policia.

Houve casos de pessoas procuradas pelos órgãos de segurança que, por sua
própria vontade compareceram as dependências policiais ou militares, no
intuito de esclarecer possíveis suspeitas que recaiam sobre elas. Alguns
desses casos, registrados pelos Conselhos de Justiça das auditorias,
demonstram que, nem assim, o sistema repressivo agiu dentro do respeito aos
direitos fundamentais da pessoa, exemplo disso é o depoimento prestado em
1973,no Rio de Janeiro, pela estudante Lúcia Regina Florentino Souto, de 23
anos :

(...) que a declarante se apresentou espontaneamente ao I


Exército para prestar declarações, sendo dali levada
encapuzada para outro local, onde foi agredida e foi submetida
a diversas espécies de maus-tratos, tendo inclusive ficado sem
alimentação; que a declarante se achava, na ocasião com o
braço engessado, e veio a ter de ser atendida no Hospital
Central do Exército. (ARQUIDIOSESE, 1985, p. 593v).

Acolhida idêntica teve a Jornalista Jandira Andrade Gitirana Praia Fiuza, de 24


anos, no Rio, segundo contou ao ser interrogada em 1973:

(...) não foi detida, mas se apresentou espontaneamente às


autoridades, em companhia de seu marido, co-réu neste
processo,ficando presa 22 dias, que por cinco dias foi metida
99

numa "geladeira " na Polícia do Exército, da (rua) Barão de


Mesquita ,onde sofreu torturas físicas ,orais e psicológicas.
(ARQUIDIOSESE, 1985, p. 1331).

Situação semelhante reproduz-se no auto de interrogatório da secretária


Rosane Reznik, de 20 anos, ouvida no Rio, em 1970:

(...) que a primeira vez foi a Ilha das Flores12 visitar a irmã que
estava presa, naquela ocasião, o Comandante disse que fosse
prestar um esclarecimento e, como lá estava, prontificou-se a
depor; (...) que uma semana depois, foi a sua casa um agente
pedindo que fosse à Ilha da Flores, que o Comandante
precisava lhe falar e, assim atendeu o convite e lá compareceu,
ficando, na ocasião, presa; que no dia seguinte, foi prestar
depoimento, depoimento este que foi conseguido a peso de
choque elétrico no seio, espancamento com palmatória,
tentativa de enforcamento, tapas no rosto, além de terem dito
que sua irmã seria assassinada. (ARQUIDIOSESE, 1985, p.
1843).

E o episódio mais conhecido de apresentação aos órgãos de segurança, com


desdobramentos trágicos, deu-se com o Jornalista Wladimir Herzog morto, no
DOI-CODI de são Paulo, a 25 de outubro de 1975, dez horas após ter-se
dirigido àquela unidade para prestar esclarecimentos. (ARQUIDIOSESE, 1985,
p. 683).

Os relatos descritos tem a pretenção de principalmente narrar a experiência


brutal experiência sofrida pelos presos políticos aplicadas pela mão não
invisível da repressão. Nesse caso, o sofrimento causado pelas torturas e
presões produziu uma maneira quase única de acordo nos relatos sobre a

12
http://www.hospedariailhadasflores.com.br/historico_item_09.asp. Cessadas as atividades da
Hospedaria, foi instalado na Ilha das Flores o CENATRE, Centro Nacional de Treinamento para
oficiais militares administrados pela Marinha. Três anos depois a ilha passou a ser um presídio
de reclusão de opositores ao regime militar, instaurado após o golpe civil-militar de 1964. O
presídio utilizou as antigas instalações da Hospedaria que anteriormente serviram para
atividades congêneres: a ala norte. Um dos alojamentos, repleto de quartos de ambos os
lados, foi transformado em carceragem. No final deste pavilhão ficavam a ala feminina e as
celas dos presos incomunicáveis. Esta se voltava para São Gonçalo. A ala masculina voltava-
se para a baía de Guanabara. Ao chegar à ilha os presos eram encaminhados às celas dos
incomunicáveis. Após um período de isolamento, eram transferidos para as celas dos
comunicáveis. Estas comportavam de quatro a seis pessoas. A partir deste momento, tinham
acesso a livros, jornais, toca-disco, banho de sol e práticas esportivas.
100

brutalidade do regime. Embora efetuados de uma maneira, em momentos


diversos, os relatos não se contradizem ao demonstrar a violência dos
interrogatórios.

Essas memórias são construidas em um momento de emoção intensa, e nesse


tipo de sentimento, de sofrimento, que é produzida uma recordação de pós
tortura mesmo na época, essas narrativas tenham sido caladas e não tendo a
mínima possibilidade decserem expressadas em público, pelo contrário,
permanecem subterrâneas, sendo compartilhadas com familiares, amigos ou
grupo ideológico.Em lugar de grandes relatos ou testemunhos, na maioria dos
casos trata-se de pequenas marcas físicas que tentam fazer lembrar, comover
e chamar a atenção sobre os fatos violentos que marcaram a vida de uma
família ou uma comunidade, estamos diante das memórias subterrâneas. A
categoria de memórias subterrâneas a retomamos de Pollak (2006) que analisa
a relação entre memória, poder e identidade a partir dos processos e atores
que intervêm na constituição e formalização das mesmas. O autor privilegia a
análise dos marginais e das minorias, em lugar das memórias oficiais ou
nacionais. Porém adverte que o rompimento entre memórias dominantes e
memórias subterrâneas não remete, forçosamente, à oposição entre Estado e
sociedade civil, em muitos casos o problema ocorre na relação entre grupos
minoritários e sociedade. (POLLAK, 1992, p. 20).

4.3 Instituições para interrogatório e reclusão.

A distinção entre as duas fases do período da detenção, surge com frequência


nos relatos memorialísticos de ex-presos políticos. Portanto, foi possível
detectar que, embora não de forma delineada nos depoimentos, também para
101

os presos políticos havia uma distinção clara entre as duas fases do processo
de prisão.

As memórias de Jacob Gorender relacionam as diferenças existentes entre as


duas espécies de reclusão. Quanto ao Dops, ele recorda que:

(...) todos os encarcerados se achavam sujeitos à tortura.


Quando soava, a campainha da carceragem produzia
taquicardia generalizada. Já no Presídio Tiradentes significava
proteção judicial, uma vez que só então a detenção deixava de
ser sigilosa e incomunicável e se formalizava na Auditoria
Militar. (GORENDER, 1987, p. 249).

A reclusão nos presídios e penitenciárias representaria o reencontro dos


companheiros, o acesso mais facilitado às informações, a organização do
grupo por meio dos ‘coletivos’, bem como a possibilidade de resistência ao
sistema por meio de protestos e greves de fome. Cabe ressaltar que, a
oportunidade dos presos políticos estarem novamente reunidos em grupo é de
enorme importância para a reabilitação de indivíduos, fragilizados pelas
violentas experiências a que haviam sido submetidos nas instituições de
interrogatório.

O reencontro nas instituições de reclusão também possibilitava aos grupos de


esquerda se reorganizarem dentro da proposta de luta contra o regime militar
formando células de estudos e debates sobre a conjuntura daquele momento.
Principalmente, os presos políticos nas instituições de reclusão se sentiam
seguros por serem, a partir de então, reconhecidos pelo Estado.

Jacob Gorender, sobre o Presídio Tiradentes, conta ter sido a instituição


conhecida pelos militares da OBAN como ‘aparelhão’. Isto porque, embora
seguissem a rotina carcerária imposta numa instituição punitiva, os presos
possuíam a característica peculiar de serem presos políticos e, assim, “faziam
política em tempo integral, 24 horas por dia”. (GORENDER, 1987, p.251).
102

Seria inconseqüente de nossa parte abordar esta etapa da prisão como uma
resistência ampla, visto as condições degradantes em que ainda se
encontravam os presos políticos. Mesmo com o alívio, sentido pelos presos
políticos, quando reconhecidos pelo Estado, a garantia de maior segurança não
era efetiva com a transferência, pois muitos presos ainda foram torturados
nesse período, como é o caso do Frei Tito. A transferência para as instituições
de reclusão não eliminava por completo o contato com as sevícias e torturas,
pois frequentemente presos comuns eram torturados por carcereiros e
funcionários (...) ou mesmo retirados do presídio e assassinados pelo
Esquadrão da Morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. (RANGEL, In:
FREIRE, e outros, 1997). Segundo Goffman (1987, p. 82), as prisões
caracterizam-se por instituições totais que visam à fragmentação do “eu”
interno do preso. Ou seja, a desarticulação do indivíduo que é tido como
membro ameaçador do status quo e que, portanto, deve ser isolado.

No caso específico da ditadura militar, a repressão àqueles considerados


inimigos da segurança nacional tinha por objetivo, num primeiro momento, a
obtenção de informações que proporcionassem a desarticulação dos grupos de
esquerda.

Mas à medida que o sistema repressivo estabelecia o processo legal de


punição daqueles considerados subversivos, possibilitava o restabelecimento
dos indivíduos enquanto agentes contestadores que, atuaram contra o regime
a partir do interior do próprio sistema repressivo. A cadeia, como um meio para
afastar o preso da sociedade, possibilitando o isolamento do indivíduo e
enquadrando-o dentro de regras normativas que visam discipliná-lo, pode ser
um instrumento eficaz do Estado para sufocar manifestações ideológicas.
Porém, uma instituição total não existe empiricamente. (SÁ, 1990).

Diante das ações criminosas cometidas pela repressão na fase primeira da


detenção, quando o interrogatório era acompanhado por sevícias que
resultaram em inúmeras mortes ou traumas, a segunda fase da detenção foi
103

menos valorizada nas memórias de presos políticos. No entanto, vemos esse


período como sendo de grande importância no que constitui a resistência ao
regime feita por setores de contestação à ditadura a partir de dentro dos
próprios aparelhos utilizados na repressão.

As memórias de presos políticos do Presídio Tiradentes tratam esse período, o


da fase de detenção para aguardar o julgamento ou cumprir a pena, como o
purgatório. Mesmo que isso se constitua:

(...) um paradoxo pensar que um presídio possa ser um alívio -


salvo se for um pensamento de um masoquista -, mas o
presídio Tiradentes nos anos negros da ditadura, foi para mim,
e para muitos que lá estiveram, uma espécie de alívio, 98 isso
por que neste momento os presos adquiriam, amparados pela
abertura formal de um inquérito policial, a condição de
existência visto que não estavam mais desaparecidos, ou seja,
tão vulneráveis ao terrorismo do Estado militar. (FREIRE e
outros, 1997, p.29).

Com a instauração do sistema repressivo, desencadeado pelo golpe militar de


1964, e seu agravamento provocado a partir dos fatos desencadeados pelo AI-
5, ocorre o aumento do número de indivíduos processados por subversão, e
listados na Auditoria da IV Região Militar. A Penitenciária seria, então, utilizada
a serviço de um regime de exceção abrigando os presos políticos qualificados
ou processados na 4ª C.J.M. Durante o processo, as características originais
da penitenciária foram transgredidas e esta passou a funcionar também como
presídio. Linhares abrigou presos da fase pré-processual, quando instaurado
os Inquéritos- Policial Militar, processual e os condenados 13.

A instituição recebia presos políticos da região e de outros lugares que eram


deslocados para a cidade para serem interrogados, visto que, conforme
relatado anteriormente, algumas Auditorias eram especializadas em processos

13
Livro de Cópias de Mandados de Prisão e Alvarás de Soltura (1969 a 1972) localizado no
arquivo da Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar em Juiz de Fora (MG).
104

contra determinado grupo político14. Os presos ficavam distribuídos pelas alas


do presídio de acordo com a gravidade do ato que os enquadrara, ou seja,
segundo o seu grau de periculosidade para o Estado.

Um novo detento era recebido na Penitenciária pelos presos em coro,


entoando a Internacional Socialista. O ato seria realizado com o objetivo de
levantar o moral do recém-chegado que, ainda passaria alguns dias trancafiado
numa cela isolada das demais, até prestar depoimento na Justiça Militar 15.

Afirmamos anteriormente que, a diferença entre as instituições de interrogatório


e as de reclusão está relacionada, para os presos políticos, respectivamente,
às metáforas correspondentes ao inferno e ao purgatório. Segundo o relato do
preso político José Nonato Mendes, sobre sua transferência de uma instituição
de interrogatório para uma instituição de reclusão, “seria como sair do inferno e
cair no purgatório”. (MENDES, 1997, p. 79). Ou ainda, segundo desabafo de
Carmela Pezutti, ao retornar à Penitenciária Regional de Juiz de Fora, não
exatamente um purgatório, mas o limbo, onde existia a esperança de melhora,
ou seja, de liberdade. (PAIVA, 1996).

Ao trabalharmos a hipótese da capacidade de organização dos militantes de


esquerda no interior de algumas instituições de reclusão, devemos ser
cuidadosos para o perigo de generalizações, no entanto, de acordo com a
memorialística dos militantes de esquerda, as instituições de reclusão
possuem, segundo nossa concepção, dois elementos facilitadores para a
construção de uma resistência ao sistema.

O primeiro estaria relacionado ao espaço, conforme apresentado por Jacob


Gorender, ao se referir ao Presídio Tiradentes, o local teria sido conseqüência
do esquema forjado pelo próprio sistema, de repressão na fase de
14
Ver seção ‘A forma como eram executadas as prisões’ do presente trabalho monográfico.
15
Entrevista com Luiz Flávio Rainho Thomaz Ribeiro, professor universitário aposentado,
militante da APML – Ação Popular Marxista-Leninista durante o período e detido na
Penitenciária Regional de Linhares em 1972. Depoimento coletado em 08/03/2004
105

interrogatórios. E que, no segundo momento, resultou por reunir presos


políticos com variadas proposições numa mesma instituição. Maurício Paiva,
ao rememorar sua passagem por Linhares, em 1969, relembra que:

Até que éramos poucos, tendo-se em conta as dimensões do


presídio que nos destinaram. Chegávamos a 70 ou 80 presos
políticos (...)”. A rotina carcerária estava dividida entre limpeza
das celas, bate-papos, banhos de sol ou artesanato. (PAIVA,
2004, p. 75-77).

De fato, o local era constituído de 196 celas individuais 16. Construído em 1966,
a penitenciária foi utilizada antes do término das obras para abrigar presos
comuns. Mais tarde, seria readequada para a utilização como presídio político
para presos enquadrados na Lei de Segurança Nacional, o que embora
implicasse na ocupação por presos políticos, acabou por receber outros
indivíduos detidos, segundo os ditames desta lei, por outras razões 17.

Outro fator a ser destacado, é a crença do ideal revolucionário vivenciado pelos


mais diversos setores da sociedade durante a década de 1960 e início dos
anos 70. O período estava influenciado, segundo Marcelo Ridenti, de uma
utopia revolucionária romântica onde se valorizava a ação humana objetivando
a transformação de sua realidade histórica. (RIDENTI, in FREIRE e outros,
1997). Embora análises posteriores vejam o período sobre um enfoque mais
crítico18, o ideal do “homem novo” e a valorização da ação revolucionária,

16
“ESTADO terá dificuldade para amenizar o presente de grego da penitenciária de JF”. Diário
Mercantil, 25/01/1966, p. 05. SM-BMMM/JF.
17
O assaltante de bancos Dino Valesi teve sua prisão preventiva decretada pelo juiz auditor da
4ª C. J.M. fundamentada na Lei de Segurança Nacional (Decreto-lei 898/69). IN: SÃO 17
processos contra Dino Valesi. Diário Mercantil, 03/10/1972, p. 06.
18
Segundo Carlos Fico, à análise romantizada do período se contrapõe as memórias de alguns
ex-integrantes da luta armada que analisam o processo como experiência ingênua. No
entanto, afirma o historiador, foi Daniel Aarão Reis Filho quem melhor definiu as arestas do
debate ao abordar o assunto fora das duas classificações, definindo oprojeto da luta armada
segunda a intenção de tomada do poder político. (FICO, 2004ª, p. 22-23).
106

temas comuns às organizações armadas, serão fatores importantes na


construção da noção de coletivo na prisão. (RIDENTI, In: FREIRE, e outros,
1997, p.417-418).

Uma relação entre os dois momentos pode ser descrita a partir da experiência
de Maurício Paiva, militante do COLINA, Comando de Libertação Nacional, que
vivenciou as duas fases do processo de detenção. Esteve preso na Vila Militar
da Polícia do Exército, no Rio de Janeiro, instituição de interrogatório e lugar
onde: “(...) Deus não entra. Se entrar, a gente (os torturadores) dependura no
pau-de-arara! (...)”. (PAIVA, 2004, p. 61).

Naquele local, os presos seriam cobaias nas aulas de tortura para oficiais das
Forças Armadas com práticas minuciosamente explicadas por meio de slides
acompanhados de demonstrações práticas.

As aulas da Vila Militar foram relatadas, juntamente com outros casos de


prisões e sevícias, num documento que, distribuído em 1970 na Europa e nos
Estados Unidos, denunciou a institucionalização da prática no interior do
sistema repressivo. Transferidos para a Penitenciária Regional Edson Cavalieri,
em Juiz de Fora, os membros da organização se reuniram para redigir, em
1969, o texto conhecido como Documento de Linhares. O nome faz referência
à instituição onde foi escrito. O relato desmontaria o discurso militar sobre
casos de tortura tidos apenas excessos cometidos por alguns setores policiais.
Entre os desdobramentos da divulgação do Documento de Linhares está a
abertura de um processo contra os signatários acusados de formar “uma
verdadeira célula comunista” no interior do aparelho repressivo.
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 163).

Dessa maneira, acreditamos que as situações propiciadas pelo espaço punitivo


da Penitenciária Regional de Linhares, enquadram-se nas características de
uma instituição de reclusão, segundo relatado na memória dos presos políticos.
107

Nesse sentido, a conveniência do espaço associada ao ideal revolucionário


que envolvia a população carcerária daquele estabelecimento, teria
influenciado a realização de ações de contestação ao regime, saídas do interior
da própria instituição. E que estas posturas políticas, adotadas pelos presos
políticos, se não romperam diretamente com o sistema, teriam deflagrado o
processo de desmoralização da polícia política no âmbito internacional.
(GASPARI, 2002, p.271).

Como no poema de Alex Polari, “Compensação”, que diz: “Melhor que lutar
pela liberdade/ é vivê-la/ já que nem sempre isso dá pé,/ melhor que lembrá-la/
é ir à luta”. (ALVARENGA, 1980, p. 149).

4.3.1 Aqui é o inferno.

Para facilitar ainda mais o seu trabalho, o sistema repressivo passou a dispor
de seus próprios ‘aparelhos’: O Aparelho Repressivo.

Palavra repressão pode ser conceituada pela psicanálise como a capacidade


individual de controlar instintos e desejos para o bom convívio em uma
coletividade/sociedade, sentido político: Ação de uma força, o Estado no
sentido de impedir que os seus membros expressem ou tomem atitudes que
destoem da comunidade e suas leis. Órgão repressivo do Estado: as polícias
(militar, civil). A repressão é utilizada nos Estados dentro da força da lei, aquilo
que Weber chamou de Monopólio da violência nas mãos do Estado.

Foi por meio dos aparatos repressivos das unidades de forças militares ou
policiais que guardavam autonomia de ação entre si, que as ações eram
ordenadas a partir de um núcleo central, o Serviço Nacional de Informações –
SNI, criado em 1964. O SNI subordinava outros órgãos repressivos, como os
centros de informações das três armas (CIEX, CINEMAR), a polícia federal e
as polícias estaduais (como por exemplos os DOPS). Para integrá-los criou-se
o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de
108

Defesa Interna, DOI-CODI, oficializado em 1970, que congrega representantes


de todas as forças policiais.

Dotados de recursos financeiros e tecnológicos, as atividades do DOI -CODI


eram planejadas e orientadas pela lógica da disciplina militar, com propósitos
de enfrentar agentes como uma guerra revolucionária.

Com isso presos políticos eram mantidos em cárcere privado, após serem
seqüestrados alguns encontraram a morte naqueles locais. Outros, mantidos
permanentemente encapuzados, retornaram sem noção de onde haviam
estado. São raros os que viram com os próprios olhos os sinistros imóveis
devidamente equipados e adaptados para toda a sorte de torturas e que
retiveram em suas memórias, detalhes como vias de acesso e tempo de
percurso, que talvez facilitem a identificação exata daqueles aparelhos do
sistema repressivo.

4.3.1.1 A ‘casa dos horrores’.

O bancário Gil Fernandes de Sá, 29 anos, preso em Fortaleza, narrou ao


Conselho de Justiça Militar, em 1973:

(...) que do quartel do 10º GO foi conduzido em uma camioneta


veraneio, deitado sobre o piso da mesma, a um lugar distante
da cidade, cerca de uma hora de viagem; (...) que os policiais
diziam que iam conduzir o interrogando a uma casa chamada
“Casa dos Horrores”; que, lá chegando, o interrogando
realmente percebeu que a coisa era séria porque ouviu gritos e
gemidos. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 659 a 662).

A existência daquela prisão clandestina foi confirmada, no mesmo ano, pelo


depoimento do comerciante Geraldo Magela Lins Guedes, 24 anos:

(...) uma vez aqui em Fortaleza, a camioneta trafegou por cerca


de uma hora, terminando afinal por chegar a um local que o
interrogando ignora; que, nesse local, o interrogando foi
conduzido a um pavimento superior do prédio, onde o piso é de
assoalho; (...) que nesse pavimento superior viu e ouviu
109

pessoas serem torturadas; (...) que durante o tempo em que


esteve nesse local ignorado presenciou todas essas torturas,
ouvindo gritos e ruídos decorrentes da aplicação de pancadas
e outros maus-tratos sendo que, durante a noite, descia e
deitava-se numa dependência de formato longo no pavimento
térreo, onde se tinha a impressão de que aquele imóvel era
uma casa de campo, pois nesse pavimento térreo estavam
depositados pneus velhos, espigas de milho, esteiras,
camburões; (...) que havia, ainda, nesse local, um elemento
que preparava as refeições e que era homossexual; que esse
elemento era conhecido por CILENE. (ARQUIDIOCESE, 1985,
p. 659v a 662).

Como os prisioneiros eram transportados de olhos vendados para o misterioso


local nas cercanias da capital cearense, era difícil identificá-lo com precisão,
ainda que pudessem vê-lo quando se encontravam em seu interior. É o que
confirma o interrogatório, em 1974, do farmacêutico José Elpídio Cavalcante:

(...) que, desse quartel, foi conduzido pelos policiais e, de novo,


com o capuz na cabeça, a uma propriedade fora desta cidade;
que observou uma mudança de clima quando saiu dos limites
da cidade; que essa casa ou propriedade é cercada por um
muro alto; que, lá chegando, o interrogando foi encaminhado
ao pavimento superior do prédio (...) (que ouviu) de outro
policial a explicação de que “AQUI NÃO É O EXÉRCITO, NEM
MARINHA E NEM AERONÁUTICA, AQUI É O INFERNO”.
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 902 a 903).

A ‘mudança de clima’ constatada pelo farmacêutico encontra confirmação no


depoimento, em 1973, do arquiteto José Tarcísio Crisóstomo Prata, 28 anos:
(...) que essa casa de campo fica próxima a uma lagoa; (...) que o interrogando
ouviu os gritos e gemidos daquelas pessoas que eram torturadas, lá do
depósito, onde se encontrava recolhido, no pavimento térreo da referida casa
de campo. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 671 a 673).

Para o auxiliar de contador Francisco Nilson de Vasconcelos, 24 anos, que foi


torturado no mesmo local, os policiais “diziam ser uma fazenda”.
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 930v a 931).
110

4.3.1.2 A casa de São Conrrado

O estudante Ottoni Guimarães Fernandes Júnior, 24 anos, contou na lª


Auditoria da Aeronáutica, em 1974, o que lhe ocorreu após ter sido preso, no
Rio, pela equipe comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury:

(...) conduzido para uma casa particular, situada em São


Conrado; que o interrogado foi retirado do veículo algemado,
com os olhos vendados e os pés também amarrados; que o
interrogado foi carregado e notou que estava descendo uma
escada íngreme com cerca de quarenta degraus; que a casa
em questão era de dois pavimentos, que na parte superior
existia uma varanda, acrescentando o detalhe que a casa
estava apoiada, na parte traseira, no morro de pedra, e o
banheiro estava localizado na parte inferior, tendo como uma
das paredes a própria pedra; (...) que se tratava de uma
residência de alto padrão, de estilo colonial, e que na ocasião
estava desabitada, pois nem a luz e nem a água estavam
ligadas e que, da varanda da casa, podia divisar o Hotel
Nacional. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 213v a 214).

4.3.1.3 A casa de Petrópolis.

Ouvida pela Justiça Militar no Rio, em 1972, a bancária Inês Etiene Romeu, 29
anos, contou: “(...) que esteve cem dias em cárcere privado, onde foi submetida
a coações e sevícias de ordem física, psicológica e moral”. (ARQUIDIOCESE,
1985, p. 301).

Dez anos depois, já em liberdade, Inês entregou à imprensa minucioso relato


das circunstâncias de sua prisão e do local em que ficara presa em Petrópolis:

(...) Chegando ao local, uma casa de fino acabamento, fui


colocada numa cama de campanha, cuja roupa estava mar-
cada com as iniciais C.I.E. (Centro de Informação do Exército),
onde o interrogatório continuou. (...) Colocavam-me
completamente nua, de madrugada, no cimento molhado,
quando a temperatura estava baixíssima. Petrópolis é
intensamente fria na época em que lá estive (oito de maio a
onze de agosto). (PASQUIM, 1981, p.4).
111

Posteriormente, Inês identificou a casa utilizada como cárcere privado como


sendo de propriedade de Mano Lodders, situada à Rua Arthur Barbosa n0 120.

Também se refere a uma casa em Petrópolis a cabeleireira Jussara Lins


Martins, 24 anos, que, em 1972, depôs na auditoria de Minas Gerais, onde fora
presa: “(...) que posteriormente a isso, foi enviada para a Guanabara onde,
novamente, foi submetida a torturas numa casa que, ao que pensa, está
localizada no caminho de Petrópolis, ficando ali no período de quatro dias.
(ARQUIDIOCESE, 1985, p 443v).

4.3.1.4 O ‘local ignorado’ de Belo Horizonte.

O juiz auditor da Auditoria de Juiz de Fora, em Minas Gerais passou aos autos
este trecho do depoimento do repórter fotográfico José do Carmo Rocha, 39
anos, quando este foi interrogado em 1976:

(...) que foi preso na sua residência, pela manhã, por vários
homens armados, em número de seis (6) aproximadamente e
levado para um local ignorado; que nesse lugar passou nove
(9) dias, depois foi interrogado na Polícia Federal; que quando
esteve preso, no lugar que ignora, foi espancado; (...) que após
ser ouvido na Policia Federal retornou ao lugar de onde viera
antes, onde passou mais dois dias. (ARQUIDIOCESE, 1985, p.
740v).

4.3.1.5 O colégio militar de Belo Horizonte.

Processos pesquisados registram que até uma instituição de ensino, que


abriga menores, foi utilizada para a prática de torturas, como é o caso do
Colégio Militar da capital mineira. Consta do auto de qualificação e
interrogatório do professor José Antônio Gonçalves Duarte, 24 anos, que
prestou depoimento em 1970: “(...) que depois desse episódio foi levado para o
Colégio Militar, onde foi submetido a torturas no ‘pau-de-arara’, local em que
presenciou, também, ser torturada da mesma forma a acusada Neuza”.
112

(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 442 a 444).

O depoimento da socióloga Neuza Maria Marcondes Viana de Assis, 33 anos,


prestado em 1970, confirma a denúncia acima: “(...) que a interrogada, ao ser
levada para dentro do mato, dentro da área do Colégio Militar, para ser
colocada no pau-de-arara, viu quando JOSÉ ANTONIO GONÇALVES
DUARTE, ali estava amarrado apanhando com vareta nas costas”.
(ARQUIDIOCESE, 1985, p 471 a 473).

O registro do depoimento do professor Lamartine Sacramento Filho, 28 anos,


colhido no mesmo ano, comprova a utilização daquela instituição de ensino em
atividades repressivas:

(...) que depois desse período foi levado para o Colégio Militar,
onde foi interrogado sem que as autoridades tomassem por
termo suas declarações, havendo durante esses interrogatórios
sofridos, ameaças de torturas; que depois daí foi transferido
para Neves onde passou mais ou menos uns 40 dias, sendo,
nesse período, vez por outra, trazido ao Colégio Militar, onde
era interrogado; que dessas últimas vezes em que esteve no
Colégio Militar, assinou vários depoimentos. (ARQUIDIOCESE,
1985, p. 464 a 468).

4.3.1.6 A ‘fazenda’ e a casa de São Paulo.

São de 1975 os depoimentos mais significativos sobre os cárceres privados do


‘braço clandestino da repressão’ em São Paulo. O jornalista-vendedor Renato
Oliveira da Motta, 59 anos, contou ao Conselho Militar que o inquiriu: “(...) que
foi encapuzado e levado para uma casa onde lhe tiraram o capuz, numa
habitação inacabada e iluminada por lampiões a gás”. (ARQUIDIOCESE, 1985,
p. 997).

O mesmo depoente descreve em carta anexada aos autos:

(...) O prédio deveria ter vários aposentos, porém observei a


existência de três: uma sala de uns 4 x 4 ms 2, com armário
onde eram guardados os instrumentos de tortura e roupas.
113

Uma janela que dava a impressão de a casa estar localizada


em terreno amplo, embora não muito longe da estrada. Uma
saleta que serviu de escritório, junto à qual um quarto. Che-
gava-se ao mesmo passando pela cozinha. Tinha uma janela
lacrada e, no seu interior, dois grandes blocos de cimento
retangulares. Em um dos blocos havia uma argola afixada
numa das faces laterais; no outro, na face superior, havia duas
argolas destinadas a prenderem os pés dos prisioneiros. Na
saleta, um rádio e uma vitrola ligados, alternadamente, no mais
alto volume. (...) A casa, sem acabamento, não tinha luz
elétrica. As vezes faltava água. Para iluminação, usavam-se
lampiões de gás colocados em pedestais de uns dois metros
de altura. A alimentação era preparada pelos próprios
indivíduos que ali atuavam. (...) No dia 17 de maio, enfim, fui
transferido para outro local. Vendaram-me os olhos com largos
esparadrapos e uns óculos pretos. Rodamos horas e horas,
dando voltas intermináveis, até chegarmos a uma casa resi-
dencial. Para chegarmos ao corpo da casa havia uma escada.
O prédio iluminado a eletricidade tinha banheiro completo e
uma estação radiotransmissor, como no outro local. No quarto
que me servia de cela, tinha mesa e cama. Um bloco de ci-
mento semelhante aos já descritos. Para a entrada de ar, um
pequeno vasculante. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 986 a 996).

O comerciário Ednaldo Alves Silva, 31 anos, também se refere a um local


semelhante, conforme registra sua carta anexada aos autos. Após ter sido
preso, a 30 de setembro de 1975, por um grupo de homens que o seqüestrou
no centro de São Paulo, obrigando-o a entrar num Volks, Ednaldo foi conduzido
a um local onde lhe trocaram o capuz preto por óculos escuros e prosseguiram
viagem:

(...) Rodamos bastante, a certa altura percebi que percorríamos


uma estrada, tendo, inclusive, surgido o problema de um
pedágio, quando me advertiram para ficar calado e não me
mover, caso contrario eles atirariam em mim. (...) Percebi,
também, que os que agora me transportavam não eram os
mesmos que haviam me seqüestrado em plena via pública. (...)
Após uma hora e meia ou duas horas de viagem percebi, pela
ausência de trafego e por rodarmos em estrada não
pavimentada, que saíramos da estrada principal. Logo o carro
parou. Desceram-me e fui conduzido para uma casa que julgo
localizada em lugar distante de local habitado. (...) Imedia-
tamente guiaram-me por uma escada abaixo e ao chegarmos a
uma sala de chão de cimento áspero começam a espancar-me
selvagemente. (...) Logo depois guiaram-me para subir a
escada, através de um corredor chegamos a um pequeno quar-
to. Colocaram-me uma argola de ferro em um pulso e outro no
114

tornozelo, que através de correntes prendiam-me no estrado de


uma cama, com colchão de palha sem lençol. (...) Para se ter
uma idéia do meu estado, a minha primeira impressão era que
eu estava escutando meus próprios gritos. Mas, logo voltando
à realidade, percebi que outras pessoas, tal como eu, eram
vítimas daquele autêntico inferno. (ARQUIDIOCESE, 1985, p.
2179 a 2190).

Já o advogado Affonso Celso Nogueira Monteiro, ex-vereador e ex-deputado,


em carta anexada aos autos e datada de 26 de outubro de 1975, redigida na
terceira pessoa, indica que passou pelo local descrito acima, após sofrer
suplícios numa propriedade rural sofisticada:

(...) foi iniciada viagem que durou, ao que supõe, perto de uma
hora, das quais uns dez minutos em zona urbana, meia hora
em estrada de intenso tráfego e vinte minutos em estrada
ascendente não pavimentada, de solo irregular, cheia de
curvas e que atravessa uma linha férrea, fato este indicado
pela coincidência da passagem, na ocasião, de um trem a
velocidade bem reduzida. Chegando ao destino, foi retirado do
carro por alguém que, chamando-o pelo nome, disse estar em
poder do “braço clandestino da repressão do governo”, do qual
ninguém poderia tirá-lo e que havia chegado a sua hora. Em
seguida, é conduzido por um gramado até uma calçada
cimentada, transposta a qual segue-se uma escada que desce
uns quatro lances em ângulo reto, até um recinto que
denominam de “buraco”, onde o colocam voltado para um
canto da parede. (...) sente que o chão de cimento é lamacento
e escorregadio e que as paredes são úmidas, com o reboco em
decomposição, caindo aos pedaços ao nele se apoiar. Supõe,
por isso, tratar-se de ambiente subterrâneo. (...) foi levado para
um quarto de piso de tacos, tendo passado de novo pela
calçada e pelo gramado, entrando em um prédio, subindo nova
escada e atravessado corredores que dobram em ângulo reto.
(...) é mais uma vez levado à tortura, agora ao ar livre, sem
pau-de-arara, mas com novo método que consiste em pendurar
a vítima pelos pés, mantendo os braços suspensos, (...)
Descido do novo instrumento de martírio, perguntaram-lhe se
sabe nadar e informaram-no de que tomaria um banho de
cachoeira e a seguir de rio. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 2190).

No entanto, para que sua condição de prisioneiro não fosse esquecida,


‘grilhões’ prendiam permanentemente uma de suas pernas à cama onde se
encontrava e, em um dos ângulos do quarto, existiam dois blocos cúbicos de
cimento com argolas. A partir das novas condições, foi-lhe possível reestru-
turar-se em relação a espaço e tempo. Deduziu, então, que o local onde
115

estivera era de natureza rural, situado em meio à mata, onde se ouviam


pássaros e, ocasionalmente, ruído de chuva ou vento em árvores, e cuja única
referência com cidade era a periódica chegada de carros, quase sempre
seguida dos gritos dos torturados.

No local atual, lhe era evidente estar em zona de subúrbio, ouvindo, com
regularidade, passagem de carros, inclusive ônibus.

(...) Quanto às características dos imóveis, o anterior, rural,


supõe ser sítio ou fazenda de bom nível de construção e
tratamento, com ajardinado e instalação de lazer (piscina ou
poço), amplo e com mais de um bloco de construção. Já o
imóvel da nova estadia era evidentemente urbano (suburbano
em relação a 5. Paulo, possivelmente), de tamanho médio,
comprido, de laje, de acabamento tosco, com corredor de
ladrilhos e vários quartos ao longo do corredor. Dispunha de
geladeira, chuveiro elétrico no banheiro e lhe pareceu ser o
único prisioneiro na oportunidade. (ARQUIDIOCESE, 1985, p
2163 a 2177).

Posteriormente, a imprensa descobriu que aquela propriedade rural era um


pequeno sítio no bairro de Embura, em Parelheiros, na região da Grande São
Paulo, em cuja entrada havia uma indicação: “Fazenda 31 de Março”
(FONTOURA, 1979, p. 40).

A memória dos ex-presos políticos sistematizada nesta dissertação está


colaborando para reviver e refletir sobre fatos políticos da história brasileira
recente. Aqui, vamos tratar da memória socialmente construída por este grupo
e a sua confrontação com a memória oficial. A política pública para fins de
defesa da Segurança Nacional - engendrada nas salas da Escola Superior de
Guerra - deu prioridade para o surgimento de uma burocracia racional e
especializada na prática da repressão aos seus opositores. A mesma
burocracia que determinava a vigilância, a coleta de informações e que tinha
como instrumental a tortura em seus prédios públicos nos serve agora de fonte
para iluminar o passado e as declarações pessoais no presente que promovem
a reencamação de uma memória resistente.
116

Nos dossiês apresentados à Comissão Especial nos deparamos com os fatos a


partir da versão dos presos políticos, esta condicionada e alimentada após
anos de sofrimento, seqüelas físicas e psicológicas praticamente insuperáveis.
O que na concepção de Pierre Nora representa “a ascensão à consciência de
si mesmo sob o signo do terminado; o fim de alguma coisa desde sempre
começada” (NORA, 1993, p.07). E justamente nas reflexões de Nora sobre a
forma é possível constatar o que ele reconhece como um momento particular
da nossa história ocidental. Em outros termos, “uma articulação onde a
consciência da ruptura com o passado se confunde com o sentimento de uma
memória esfacelada, mas onde o esfacelamento desperta ainda memória
suficiente para que se possa colocar o problema de sua encarnação”.
Atualmente, suscita-se tanto a memória porque ela não existe mais. “(...) A
curiosidade pelos lugares onde a memória se cristaliza e se refugia revela que
há locais de memória, porque não há mais meios de memória”. (NORA, 1993,
p.7).

Se somos tentados a considerar a atitude dos homens e mulheres que se


sentiram vitimados pela violência do regime militar como uma forma de ‘recriar’
a história recente do país , o esclarecimento de alguns conceitos nos ajudam a
concluir que esse ‘resgate’ pode não ser possível em sua totalidade. Trata-se,
na verdade, de reavivar, em termos novos, a memória daquele período a partir
da versão de um grupo. É mais uma vez Pierre Nora quem distingue esses dois
movimentos, memória e história. Pela clareza de sua argumentação, vale
reproduzir este trecho em que o autor descarta a ideia de conceitos sinônimos:

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e,


nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à
dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e
manipulações, susceptível de longas latências e de
repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre
problemática e incompleta do que não existe mais.

A memória é um fenômeno atual, um elo vivido no eterno


presente; a história, uma representação do passado. Porque
é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes
117

que a confrontam; ela se alimenta de lembranças vagas,


telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou simbólicas,
sensível a todas as transferências, cenas, censura ou
projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante,
demanda análise e discurso crítico. A memória instala a
lembrança no sagrado, a história a liberta, e a toma sempre
prosaica. A memória emerge de um grupo que ela une, o que
quer dizer, como Halbwachs o fez, que há tantas memórias
quantos grupos existem: que ela é, por natureza, múltipla e
desacelerada, coletiva, plural e individualizada. A história, ao
contrário, pertence a todos e a ninguém, o que lhe dá uma
vocação para o universal. A memória se enraíza no concreto,
no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se
liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações
das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece
o relativo”. (NORA, 1993, p. 9)

A partir desse paralelo interessa-nos destacar dois pontos: O papel Comissão


da Verdade, como impulsionadora da memória subterrânea. Foi nessa
iniciativa, primeira oportunidade real para que o grupo de ex-presos políticos e
o público em geral, buscasse na sua memória os fragmentos que reavivam a
história, localizando a ação da repressão de forma precisa e objetiva. Até
então, apenas alguns relatos de caráter nacional haviam sido publicados, mas
nada comparado à especificidade dos documentos reunidos pela Comissão
Especial, funcionando como um instrumento para uma revisão da memória
ou, como prefere Nora, um remanejamento histórico que, como todo
remanejamento neste sentido, consiste em “alargar o campo da memória
Coletiva”. (NORA, 1993, p. 10).

A partir do momento que se inicia uma história da História, movimento crítico


visualizado por Pierre Nora na França, muda-se a “consciência historiográfica”
e reforça-se o estabelecimento de uma memória que pode se transformar em
“objeto de uma história possível”. Dá-se início a algo fundamental quando a
História começa a fazer a sua própria história: “O nascimento de uma
preocupação historiográfica; é a história que se empenha a emboscar em si
mesma o que não é ela própria, descobrindo-se vítima da memória e fazendo
um esforço para se livrar dela”. (NORA, 1993, p. 10-11).
118

Dois exemplos são apresentados por Nora (1993). O primeiro deles trata do
que ocorre nos Estados Unidos com relação às diferentes interpretações da
Independência ou da guerra civil, onde a tradição americana não é
questionada, muito devido ao fato de que não há uma cultura baseada na
tradição da história; ao contrário, na França, a historiografia é iconoclasta e
irreverente. “Ela consiste em tomar para si os objetos melhor constituídos da
tradição - uma batalha chave, como Bouvines, um manual canônico, como o
pequeno Lassive - para demonstrar o mecanismo e reconstituir ao máximo as
condições de sua elaboração”. (NORA, 1993, p. 10). Ao interrogar uma
tradição, a historiografia reconstitui seus mitos e suas interpretações,
revelando que nós não nos identificamos mais completamente com a sua
herança. Nora utiliza a metáfora da lâmina que é introduzida entre a árvore da
memória e a casca da história para evidenciar o fim da adequação da história
e da memória. Nessa ‘mistura’, nem história, nem memória emergem
incólumes do processo de auto-afirmação, “não mais buscando a gênese,
mas o deciffamento do que somos à luz do que não somos mais”. (NORA,
1993, p. 20).

O segundo ponto a salientar com relação e à memória diz respeito ao


momento decorrente, ou seja, à produção da memória a partir da ação de
indivíduos. Nora acredita que o “fim de uma tradição da memória” deu-se
numa legitimação pelo futuro em detrimento do passado, inaugurando um
novo regime, agora privado: “Está dada a ordem de se lembrar, mas cabe a
mim me lembrar e sou eu que me lembro. O preço da metamorfose histórica
da memória foi a conversão definitiva à psicologia individual”. Se nos tempos
clássicos os três grandes produtores de arquivos reduziam-se às grandes
famílias, à Igreja e ao Estado, atualmente constatamos uma mudança em seu
status, “onde o dever de memória faz de cada um o historiador de si mesmo”.
(NORA, 1993, p. 12-17) .

A partir da noção de “lugares da memória” é possível entender essa


necessidade que a memória transformada (pela nova História) em saber da
119

sociedade sobre si mesma projeta sobre as memórias particulares, memórias


estas que se tomaram um laboratório das “mentalidades do passado”. E o que
são os lugares senão restos, afirma o autor, organizados em arquivos, um
imperativo da época moderna e ocidental. “E uma memória registradora, que
delega ao arquivo o cuidado de se lembrar por ela”. Assim, “a medida em que
desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular
religiosamente vestígios, testemunhos, documentos, imagens, discursos,
sinais visíveis do que foi, como se esse dossiê cada vez mais prolifero
devesse se tomar prova em não se sabe que tribunal da história”.
(NORA,1993,p.15).

Mas de nada servem os lugares se não os investimos de sentido material,


simbólico e funcional, em graus diversos e simultaneamente. Mesmo um lugar
de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar
de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um
lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma
associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um
ritual. Nesse jogo entre memória e história, é preciso ter, de início, “vontade
de memória” para que haja “sobre determinação recíproca”, já que “na falta
dessa intenção de memória os lugares de memória serão lugares de história”.
(NORA, 1993, p. 21-22).

A memória desses ex-presos políticos deu origem a um conjunto de


informações dossiês, que passaram a reconhecer esse elemento a partir
dessa ‘vontade de memória’. Essa mentalidade, como não poderia ser
diferente, de transferir para os ‘papéis’ a vontade de que fala Pierre Nora
ainda é novidade nos países latino-americanos, ou nos quais onde é recente
o desaparecimento dos diversos regimes autoritários que os dominaram. Mas
em outros locais da Europa Central e do Leste já há uma preocupação em
definir e classificar em categorias as instituições de natureza repressiva:
Serviço de informação, corpos paramilitares, tribunais especiais, campos de
120

concentração, prisões especiais, centros psiquiátricos para ‘reeducação’ e


outros.

Essas instituições produziram o que a arquivística moderna classifica como


“documentos pessoais existentes em arquivos de proveniência pública” e que
atualmente passam a ser alvo de pesquisadores.

Tais critérios levam em conta uma especificidade destes arquivos conforme


afirma Garcia (1997, p 182), do Instituto de Arquivos Nacionais/Torre do
Tombo e Biblioteca Nacional de Lisboa: “Os documentos pessoais que
integram os arquivos das instituições repressivas foram obtidos em
circunstâncias claramente violadoras dos Direitos Humanos, com recurso à
denúncia, ao depoimento falso, ao documento forjado, à informação obtida
sob coação psicológica e física, ao confisco”. Para Garcia, a responsabilidade
do Estado democrático é garantir, em primeiro lugar, o seu uso para fins
administrativos, isto é, “para o exercício dos direitos individuais, como a
anistia, a indenização às vítimas diretas ou indiretas da repressão ou às suas
famílias e o apuramento de suas responsabilidades”. Se este é o valor
primário da gestão dos arquivos, a pesquisadora portuguesa defende como
fundamental ainda o acesso de estudiosos a esses documentos para que a
“consciência coletiva reflita sobre a sua influência na vida das pessoas e
conheça as dimensões reais do seu passado recente". (GARCIA, 1997, p.
182-5).

“A memória emerge de um grupo que ela une, o que quer dizer, como
Halbwachs o fez, que há tantas memórias quantos grupos existem; que ela é,
por natureza, múltipla e desacelerada, coletiva, plural e individualizada”.
(NORA, 1993, p. 9).

Esta formulação nos remete imediatamente ao conceito de memória coletiva


empreendido por Maurice Halbwachs. Se for levada em consideração a ideia
de que a memória coletiva é uma construção social, e a sua força e duração
vêm "do fato de ter por suporte um conjunto de homens”, “... indivíduos que se
121

lembram, enquanto membros do grupo"...; "diríamos voluntariamente que


cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva".
(HALBWACHS, 1990, p. 51).

E este grupo, e não o indivíduo, que dá suporte para a permanência do


passado no presente, segundo afirma D'Aléssio (1992, p. 98), para quem
somente a partir da sensação de pertencimento a um grupo é que situações
vividas se transformam em memória. "Se, no presente, alguém não se
recorda de uma vivência coletiva do passado é porque não pertencia àquele
grupo".

Ao partirmos da concepção halbwachiana de que ao lado da história escrita,


há uma história viva que se perpetua ou se renova através do tempo, e que a
história não é todo o passado, mas também não tudo aquilo que resta do
passado, abre-se a possibilidade para considerar as lembranças como uma
reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente.
Ora, o próprio Halbwachs admite que a parte do social, ou se quisermos, do
histórico em nossa memória de nosso próprio passado, “é muito maior do que
pensávamos". (HALBWACHS, 1990, p. 67-72).

Assim, acreditamos ser perfeitamente legítimo reivindicar a memória dos ex-


presos políticos para reconstruir a memória, não só pela obrigação em
conservar o passado, mas pela própria sobrevivência do passado.

E é neste relembrar que a linguagem se transforma no "instrumento


socializador da memória", como diz Ecléa Bosi, em livro Memória e Sociedade
- Lembranças de Velhos. Ao lembrar, o sujeito vai "lendo" as informações
armazenadas na memória. Bosi (1997) acredita que não se relê da mesma
maneira um livro. Por analogia, pode-se dizer que a memória não "lembra" a
lembrança da mesma maneira. Assim se dá o que Halbwachs entende por
lembrança: "(...) é, em larga medida, uma reconstrução do passado com a
ajuda de dados emprestados do presente, e além disso, preparada por outras
122

reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora se


manifestou já bem alterada". (HALBWACHS,1990, p.71).

Com o auxílio da História Oral como metodologia de análise de objetos, que


dá atenção especial aos dominados, aos silenciosos e aos excluídos,
podemos perceber que, apesar das diferentes construções e estruturações
dos discursos, uma semelhança permanece no sentido de privilegiar a
“história vista de baixo”, nas palavras de François (in AMADO e FERREIRA,
1998, p.3-13). Para ela, a função desta disciplina é “propriamente política de
purgação da memória, de ‘luto’”. François (in AMADO e FERREIRA,
19981998, p.3-13 está se referindo especificamente ao caráter militante da
História Oral na Alemanha, “marcada de maneira indelével pelo nazismo e
pelo fascismo, dando condições de contribuir para que se libere o que está
reprimido e se exprima o inexprimível”. (FRANÇOIS, in AMADO e FERREIRA,
1998, p. 3-13). Este princípio pode ser relacionado com a realidade brasileira,
que se encontra profundamente imbricada com o passado recente. A partir de
depoimentos particulares, é impossível não retomar a ideia de que a força da
memória coletiva - vem da natureza social desta memória ‘viva’, que faz parte
de uma pessoa que lembra enquanto integrante de um grupo. Embora
algumas lembranças tenham como origem o mesmo fenômeno social, podem
ser lembradas de formas diferentes pelos indivíduos, mas conservam pontos,
relativamente invariantes, sob a ótica de Michel Pollak, que aborda a memória
numa visão mais contemporânea. Ele realiza trabalhos que evidenciam a
relação entre a política e as Ciências Sociais no que se refere ao problema da
identidade social em situações limites nos quartéis e centros de torturas.Uma
única versão para os acontecimentos pós-64 foi difundida no Brasil durante
décadas ou enquanto prevaleceu a memória oficial como fonte exclusiva de
um abordagem histórica. A partir do uso sistemático do testemunho após a
década de 1990 foi possível esclarecer trajetórias individuais, eventos ou
processos que não poderiam ser elucidados de outra forma. A fecundidade da
História Oral, que inaugurou técnicas específicas de pesquisa, procedimentos
metodológicos singulares e um conjunto próprio de conceitos, contribuiu para
123

a emersão de uma memória construída no silêncio a partir da


resistência.Podemos considerar Michel Pollak um dos incentivadores desta
metodologia, adotando como princípio para análise a existência de uma
inscrição social na memória formada por elementos constitutivos que são
irredutíveis e invariáveis. É como se, a despeito das influências que o social
pode exercer na construção dessa memória, ocorresse uma solidificação que
evita mudanças.

É possível observar que os mesmos acontecimentos são repetidos de forma a


transparecer que estes fatos fazem parte da memória do grupo. (POLLAK,
1992. p. 201). Ao fundamentar sua tese de que a memória apresenta
particularidades, Pollak aponta os elementos formadores da memória. O
primeiro deles é que a memória, individual ou coletiva, é formada por cinco
aspectos invariantes.

Primeiro como acontecimentos vividos pessoalmente; segundo, como


acontecimentos ‘vividos por tabela’, vividos pelo grupo à qual a pessoa se
sente pertencer; terceiro, por pessoas, personagens; em quarto, pelos
lugares; e, por último, como um fenômeno de projeção e transferência.

Assim, Pollak (1992) está pensando a memória, além de socialmente


construída, tendo como atributo a seletividade, elemento este já esboçado por
Halbwachs. Nem tudo fica gravado. Nem tudo fica registrado. E possível
haver um trabalho de organização, hierarquização e classificação para a
reconstrução de uma "imagem de si, para si e para os outros". (POLLAK,
1992, p. 203).

Enquanto Halbwachs (1990) prevê uma negociação voltada para o acordo


das informações, Pollak (1992) reconhece outro caráter, agora problemático,
ao privilegiar o conflito entre memória individual e a memória definida como
‘oficial’. Aplicada à memória coletiva, essa abordagem irá se interessar
portanto pelos processos e atores que intervém no trabalho de constituição e
de formalização das memórias. Ao privilegiar a análise dos excluídos, dos
124

marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a importância da


memória subterrânea que. como parte integrante das culturas minoritárias e
dominadas, se opõem à memória oficial, no caso da memória nacional.
(POLLAK, 1989, p. 5).

Ao privilegiar o estudo das memórias subterrâneas, que mesmo no silêncio


continuam um trabalho de resistência à mudança ou à incorporação dos
dados apresentados pela memória oficial, a História Oral está dando
preferência como objeto de pesquisa aos conflitos e à competição entre
memórias concorrentes, uma tendência das atuais abordagens sobre o
conflito que desemboca na construção social da memória.

O caso registrado no Brasil é um exemplo desta revisão da memória coletiva,


reabilitando presos políticos torturados, que nos anos do regime ditatorial
haviam sido vítimas do terror da ditadura. "Uma vez rompido o tabu, uma vez
que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço público,
reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa
da memória, no caso, as reivindicações". (POLLAK, 1989, p. 5) .

Ao promover uma revisão crítica do passado, a memória oficial anterior não


consegue evitar a queda dos tabus. Ainda o caso do Brasil permite também
verificar como ocorreu.

(...) a sobrevivência, durante esses anos, de lembranças


traumatizantes, lembranças que esperam o momento propício
para serem expressas. A despeito da importante doutrinação
ideológica, essas lembranças durante tanto tempo confinadas
ao silêncio e transmitidas de uma geração a outra oralmente,
e não através de publicações, permanecem vivas.

O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao


esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil
impotente opõe ao excesso de discursos oficiais. Ao mesmo
tempo, ela transmite cuidadosamente as lembranças
dissidentes nas redes familiares e de amizade, esperando a
hora da verdade e da redistribuição das cartas políticas e
ideológicas. (POLLAK, 1989, p. 5).
125

A relação com o caso brasileiro começa a se estabelecer a partir da


publicação do dossiê Brasil: Nunca Mais - Um relato para a História,
organizado por Dom Paulo Evaristo Arms e publicado em 1985. Se contarmos
a partir da revogação do Ato Institucional n° 5 e da promulgação da Lei da
Anistia, ambas em 1979, a maioria das vítimas do Regime Militar confinou por
um longo período suas lembranças ao silêncio, mas não ao esquecimento.
Seria, como afirma Pollak, "uma forma de resistência que a sociedade civil
impotente opõe ao excesso de discursos oficiais". (POLLAK, 1989, p. 5).

Além dos títulos referenciados neste trabalho, há uma vasta bibliografia


apontando para a emersão dessa memória subterrânea, podemos somar a
eles alguns exemplos mais expressivos para uma visão certamente
incompleta: Memórias do exílio, de Pedro Celso Uchoa Cavalcanti e Jovelino
Ramos, 1976;. O canto na fogueira, Frei Betto, 1977; O caso, eu conto como
o caso foi, 1978, Paulo Cavalcanti, O que é isso companheiro, 1979, O
crepúsculo do macho, 1980 e Entradas e bandeiras, 1981 de Fernando
Gabeira; Depoimento de um torturado, 1979. Dimas Perrin; Memória 2, 1980
Pedro Pomar; Os carbonários, 1980, Alfredo Syrkis; Resistir é preciso, 1980,
Alípio de Freitas; Tirando o capuz, 1981, Álvaro Caldas; Batismo de sangue,
1982, Frei Betto; Passagem para o próximo sonho, 1982, Herbert Daniel; e. O
riso dos torturados, 1982, Jorge Fischer Nunes; Tiradentes, um presídio da
ditadura, de Alipio Freire, Izaías Almada e J.A. de Granville Ponce (orgs.),
1997; 1968 faz 30 anos, de João Roberto Martins Filho (org.), 1998; Abaixo a
ditadura, de Vladimir Palmeira & José Dirceu, 1998; Mulheres que foram à
luta armada, de Luiz Maklouf Carvalho, 1998; Autênticos do MDB: história oral
de vida política, de Ana Beatriz Nader, 1998; História indiscreta da ditadura e
da abertura - Brasil: 1964-1985, 1998 e Memória Viva do Regime Militar -
Brasil: 1964-1985, 1999, ambos de Ronaldo Costa Couto, entre outros.

Estes são os primeiros sinais de que havia uma memória subterrânea viva e
que começava a se manifestar. Estes relatos são, inegavelmente, um impulso
para a memória dos militantes políticos contra a repressão.
126

Organizar a memória deste grupo é compatível. Curioso notar que ao mesmo


tempo em que presenciamos a proliferação dos relatos baseados na memória
dos perseguidos pelo regime percebemos como regra o sistemático silêncio
dos arquitetos da repressão, que se recusam sistematicamente a falar sobre o
período.

Mas para toda regra há exceções. Mesmo raras e dispersas, já são


registradas a quebra de algumas resistências. Importantes depoimentos de
militares foram colhidos pelos pesquisadores do Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil, CPDOC - da Fundação
Getúlio Vargas, instituição que aparece quase isolada como pólo divulgador
dos pontos de vista de militares golpistas”. Não é de surpreender. É comum,
aliás, os militares lamentarem o fato de terem vencido a que denominam
guerra aos subversivos, mas perdido acintosamente a disputa pela História
devido à incapacidade orgânica de elaborar sua visão como vencedores de
um passado paradoxalmente conhecido e ensinado por meio da ótica dos
vencidos. Uma incapacidade justificável, a meu ver, devido à política de
esquecimento adotada pelos militares. Embora este grupo social não seja o
foco desta análise, não há como deixar de notar a discrepância entre as
narrativas apresentadas pelos agentes da repressão - daqueles poucos que
ousaram se expor - e pelos ex- políticos e familiares de mortos e
desaparecidos. Essa oposição tem facilitado a incorporação à memória
nacional da versão das vítimas do arbítrio.

Assim, anos depois da abertura política no Brasil, é possível se falar numa


superação do sentimento de exclusão e do restabelecimento do que se
considera a justiça e a verdade dos fatos.

A partir dos depoimentos sistematizados em livros, filmes, documentário e


estudos acadêmicos sobre o período, presencia-se hoje uma concorrência
entre memória majoritária/oficial e a memória da sociedade civil
dominada/subterrânea.
127

Verifica-se junto aos ex-presos políticos que, apesar do silêncio imposto pela
necessidade de sobrevivência, estes foram difundindo as suas lembranças
nas redes familiares e de amizade, "esperando a hora da verdade e da
redistribuição das cartas políticas e ideológicas". (POLLAK, 1989, p. 5).

4.4 Perfil dos atingidos.

Serão apresentados a seguir, alguns números importantes que tornam possivel


formar um perfil dos atingidos pela repressão política entre 1964 a
1979,extraidos de 695 do conjunto total de processos pesquisados pelo projeto
Brasil Nunca Mais .

Com os dados compilados por meio do projeto, esses 695 processos somaram
um total de 7.367 nomes de pessoas que foram levadas ao banco dos réus, em
processos politicos formados na justiça militar no período.Necessário se faz
registrar que um certo percentual desses nomes é composto de cidadãos que
responderam a mais de um processo.A média de réus por unidade de processo
fica, então próxima do número 10.

Em números aproximados, 88% dos réus eram do sexo masculino e apenas


12% eram mulheres.

A distribuição dos processos ao longo dos anos mostra como a repressão


esteve concentrada em duas fases; a primeira entre 1964 e 1966 , coincidindo
com o governo Castello Branco,quando se soma 2.127 nomes de cidadãos
processados.A segunda fase corresponde quase por completo ao mandato de
Garrastazu Médici, registraram-se 4.460 denunciados entre 1969 e 1974, na
avalanche repressiva que se seguiu a decretação do Ato Institucional nº 5,de
13 de dezembro de 1968.
128

Os números referentes á idade dos atingidos causam impacto e convidam a


reflexão,38,9% tinham idade igual ou inferior a 25 anos,realçando a forte
participação dos jovens nas atividades de resistencia ao regime militar e
evidenciando sua corajosa predisposição ao enfrentamento de risco .E mais:
em meio a esses 2.868 jovens processados em idade inferior a 25 anos ,91
ainda não tinham sequer atingido os 18 anos quando começou a ser formada a
ação penal.

O estudo estatístico a cerca da origem geográfica dos réus reflete a realidade


migratória do país, de sistemático fluxo em direção ás cidades, a partir do
campo. De outro lado, esses números mostram que a resistência foi um
fenômeno predominantemente urbano. Enquanto a maior parte dos réus (cujos
locais de nascimento constavam dos autos estudados) vinham do interior 3.572
contra 1.833 nascidos nas capitais. O registro do local de moradia quando do
início dos processos invertia essa proporção, 4.077 residiam nas capitais e
apenas 1.894 no interior . Entre as capitais, o Rio de janeiro ocupa o primeiro
lugar, com 1.872 réus residindo ali na ocasião dos processos, seguindo-se
São Paulo, com 1.517.

O grau de instrução dos processados permite induzir, com certa segurança, se


invocados os próprios dados governamentais acerca da pirâmede seletiva que
existe no sistema de educação, no país, que a extração social dos envolvidos
na resistência era predominantemente classe média. Entre 4.476 réus, cujo
nível de escolaridade aparecia registrado nos processos, 2.491 possuiam grau
universitário, ou seja, mais da metade havia atingido a universidade .

Passando agora para os dados referentes aos orgãos de segurança, vê-se que
o exército foi o principal agente da repressão, sendo responsável direto por
1.430 prisões, além de outras 884 efetuadas pelos DOI-CODIs, também
comandados por oficiais dessa arma,sem contar o elevado número de casos
(3.754 - 51%) em que inexistem registro sobre o orgão que efetuou a prisão.
129

Dentro do universo geral de 7.367 denunciados, o momento da prisão surge


descrito nos autos em apenas 3.975 dos casos, o que já representa uma
irregularidade sugestiva do desrespeito a lei, e esse desrespeito torna-se
evidente quando se verifica que , desses 3.975 , nada menos que 1.997 foram
presos mesmo antes da abertura do inquérito ,comprovando que os orgãos de
segurança,apesar de todo o arsenal de leis arbitrárias á sua disposição , ainda
se esmeravam em descumpri-las para agravar ainda mais o seu arbítrio sobre
os detidos.

Sobre a frequência do tipo de acusação que era dirigida aos réus demonstrou
que, em primeiro lugar , apareceria a questão da militância em organização
partidária proibida sao de 4.935 casos .

Em seguida ,vem a acusação de participação em ação violenta ou armada ,e


18 pessoas pela constiruição de ideias por meios artísticos .A participação em
diferentes postos do govêrno deposto em 1964, bem como a simples
identificação política com ele,foram motivos de incriminação em 484 casos e
uma derradeira causa de acusação, que notoriamente viola preceitos
constitucionais, foi a manifestação de ideias por meios legais (imprensa, aulas,
sermões, etc) fato de acusação em 145 casos.

Quando se estuda a variação ao longo dos anos do tipo de acusação mais


frequente nas denúncias dos processos, verifica-se uma distribuição que vale
como fotografia da triste história de uma pressão que se abateu sobre um tipo
de atividade, e induz o surgimento de outras mais duras. Nos processos mais
próximos a abril de 1964 e, de um modo geral, nos grupos que se
desenrolaram antes da decretação do AI-5, o maior grupo de acusações se
encontra no item referente á participação em entidades ou movimentos sociais
,era a fase dos IPMs voltados contra o movimento sindical, as mobilizações
nacionalistas entre militares, atividades estudantis e órgãos de representação
da sociedade civil.
130

A partir de 1969, entretanto, a acusação predominante passa a ser a militância


em organizações de vanguarda, crescendo intensamente no período do
governo Médice o item referente a ações armadas. Ou seja, o próprio Regime
Militar, na medida em que fechava, com a repressão dos primeiros tempos, os
canais de oposição por meios legais, empurrava a clandestinidade e a métodos
violentos os setores sociais com o seu modelo político-social.

4.4.1 As organizações de esquerda.

Quase dois terços dos processos reunidos para o estudo do Projeto BRASIL
NUNCA MAIS -BNM referem-se a organizações partidárias proibidas pela
legislação vigente já antes de abril de 1964, perseguidas após a instalação do
Regime Militar.

Torna-se necessário, portanto, para melhor compreender a natureza da ação


repressiva executada pelos órgãos de segurança, tomar conhecimento sobre
as características daqueles grupos, suas afinidades e suas diferenças
quanto à linha de ação. Para tanto, é indispensável apresentar um pequeno
resumo sobre a história dessas dezenas de siglas enfocadas nas peças de
inquérito, nas denúncias e nas sentenças da Justiça Militar.

Seria exaustivo discorrer sobre cada uma das quase 50 organizações de


esquerda abordadas, detalhando informações sobre suas origens, contingente,
alcance geográfico e métodos de ação. Mas pelo menos um resumo acerca
dos principais grupos atingidos parece ser útil nesse esforço de descrever a
repressão efetuada pelos governos militares a partir de sua própria documen-
tação judicial punitiva.

Os órgãos de segurança sempre argumentaram que sua violência era resposta


à violência dos grupos de esquerda; este resumo permite mostrar que muitos
dos partidos atingidos não advogavam o emprego de métodos militares. As
autoridades do regime sempre aludiram à existência de uma ameaça real ao
131

Estado, dado o poderio bélico dessas organizações postas na ilegalidade; a


descrição que se segue ·permite verificar qual dose de verdade existiria em tais
afirmações.

Como explicação inicial a respeito da natureza política desses grupos


clandestinos, é preciso começar dizendo que, em sua grande maioria, adotam
uma orientação marxista. Quase todos resultam de divisões ou subdivisões
ocorridas a partir de um mesmo tronco, o PCB, fundado em março de 1922. Tal
sigla significava, então, Partido Comunista do Brasil, organização política que
até o final da década de 50 reunia praticamente todos os marxistas brasileiros.

Especialmente na década de 60, isso se modifica, com o surgimento de novas


organizações como a AP, ALN POLOP, PC do B, MR-8, VPR, e muitas outras.
Tais grupos se diferenciam, entre si, em torno de questões chamadas
programáticas (como cada organização enxerga a sociedade brasileira e quais
mudanças propõe em sua estrutura), estratégias (qual o caminho geral a
ser seguido para chegar ao poder e seguir aquelas transformações) e táticas
(métodos de ação e propostas políticas de conteúdo mais imediato).

Em outras palavras, apesar de terem como ponto comum a busca de uma


sociedade socialista, com a conquista do poder pelos trabalhadores, as
organizações enfocadas nos processos podiam divergir entre si, por exemplo, a
respeito da necessidade ou não de etapas intermediárias entre a atual
sociedade e o almejado socialismo. Ou então, a respeito da necessidade, ou
não, do emprego violência para a conquista do poder político, ou ainda acerca
questões imediatas como alianças políticas, participação em eleições, métodos
de propaganda, etc.

No chamado campo da ‘estratégia’, quase todos os grupos baseiam-se na


argumentação feita pelos marxistas a respeito da legitimidade de uma violência
revolucionária dos oprimidos, quando estes lutam contra governos sustentados
pela força e contra sistema econômico-social que, segundo eles, emprega no
cotidiano a violência institucionalizada da exploração do trabalho.
132

Mas ao proporem o tipo de luta mais adequado ao momento brasileiro vivido


após 1964, muitos desses partidos não defenderam o recurso imediato a
métodos militares. E pelo menos uma das principais organizações atingidas
deixa entrever claramente, nos documentos apreendidos e na totalidade dos
depoimentos examinados uma estratégia de transição pacífica ao socialismo.

Quanto às transformações que essas organizações consideram necessárias ao


país (programa) há os que se batem por socializantes imediatas, há os que
defendem uma etapa ‘democrático-burguesa’ ou ‘nacional-democrática’ e
existem ainda as que que se situam em variadas fases intermediárias entre os
dois tipos de modelo referidos.

Para tornar mais didática a exposição a ser feita em seguida, preferimos


agrupar as dezenas de organizações atingidas em grandes grupos, a partir de
origens comuns ou afinidades explicitas.

4.4.1.1 Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Foi fundado em março de 1922, durante um congresso operário promovido em


Niterói, Rio de Janeiro, sob o impacto da Revolução de Outubro de 1917, na
Rússia. Seu surgimento coincide com o declínio, no movimento operário
nascente no país, da influência do anarquismo, que até então ocupava lugar de
destaque na inspiração das primeiras lutas populares.

Em toda a sua existência, o PCB só viveu três curtos períodos de legalidade:


os dois primeiros na década de 20 e o terceiro no final da Segunda Guerra,
quando caiu a ditadura do Estado Novo. O mesmo destino de vida clandestina
compulsória haveria de marcar todas as organizações de esquerda surgidas a
partir da década de 60.

A primeira divisão mais expressiva nas fileiras do PCB, que resultou em duas
forças partidárias com linha claramente diferenciadas e que continuam assim
133

até a atualidade - o PCB e o PC do B - consumou-se em 1962. A maioria do


PCB alinhou-se com as ideias de Khrushchev, formuladas a partir de 1956 no
209º Congresso do PC soviético: crítica a Stalin, defesa da concorrência
pacífica entre os blocos socialista e capitalista e crença na transição pacífica ao
socialismo.

Mas um grupo de dirigentes importantes, tendo à frente João Amazonas, Pedro


Pomar, Maurício Grabois e Diógenes Arruda Câmara, formou um núcleo
discordante da nova orientação, até constituir um partido dissidente,
denominado PC do B.

A diferenciação das siglas decorre de uma bizarra questão de nomenclatura.


Para driblar o argumento formal utilizado na cassação do PCB em 1947, de
que o nome Partido Comunista do Brasil deixava implícito tratar-se de uma
organização internacional ligada a potência estrangeira, sendo o PCB mera
seção ‘do Brasil’, a direção modifica seu nome, em 1961, para Partido
Comunista Brasileiro. Em fevereiro de 1962, quando se formaliza a criação do
partido resultante da cisão liderada por João Amazonas, este grupo permanece
fiel à orientação da época stalinista e retoma o nome original - Partido
Comunista do Brasil.

Ao longo de sua história, o PCB sempre defendeu um programa de


transformações tendentes a desenvolver um capitalismo nacional, visto como
pressuposto para futuras lutas em direção ao socialismo. Para tanto, seria
necessário construir uma aliança entre operários, camponeses e a burguesia
nacional, em contraposição ao chamado ‘imperialismo’ e seus aliados
latifundiários. Na década de 60, o PCB propõe, cada vez mais claramente, uma
estratégia de transição pacífica ao socialismo - causa principal dos ‘rachas’ que
deram origem a uma constelação de organizações clandestinas.

Surpreendido pelo golpe militar em abril de 1964, o PCB sofre durante com a
repressão. É praticamente desmantelado o aparelho sindical que tinha sido
estruturado ao longo de duas décadas sob sua hegemonia; intelectuais
134

vinculados ao partido são perseguidos e processados em todo o país; forjam-


se em todos os célebres ‘IPMs (Inquérito Policial Militar) da subversão’.

Nestes Inquéritos Policiais Mlitares (IPM), atribui-se ao PCB a responsabilidade


por tudo o que existiu de apoio ao governo deposto: das Forças Armadas aos
governadores estaduais progressistas; dos ‘Grupos de Onze’, propostos por
Leonel Brizola, às manifestações estudantis lideradas pela AP (Ação popular);
da Frente Parlamentar Nacionalista às atividades das Ligas Camponesas, de
Francisco Julião.

A partir de 1966, o PCB sofre uma luta interna que resulta no surgimento de
inúmeros grupos dissidentes. As divergências se deram em torno do balanço
sobre os ‘erros e causas da derrota de 64’ e a respeito da questão da luta
armada que vinha impulsionada em vários países da América Latina
desde a revolução Cubana, de 1959, culminando com a morte de Che
Guevara, na Bolívia, em outubro de 1967.

O bloco ortodoxo do PCB, que se reúne em torno de Luís Carlos Prestes,


rejeita a luta armada e adota uma tática de recuo politico para sobrevivência,
editando o jornal ‘Voz Operária’ e vinculando-se ao MDB (Movimento
Democrático Brasileiro) para ação parlamentar legal. Dessa forma, fica
relativamente resguardado, num primeiro momento, da repressão seletiva
dirigida prioritariamente, após 1968, contra as organizações guerrilheiras
formadas em decorrência do estrangulamento dos canais convencionais de
oposição.

Só a partir de 1974, quando já tinha início a ‘distensão’ de Geisel e os órgãos


de segurança afirmavam ter controlado as atividades das organizações
armadas e dos grupos marxistas, tidos como radicais, é que seria lançada uma
caça generalizada ao PCB.

Entre 1974 e 1976, esse partido enfrenta, então, sucessivas ondas de prisões,
com centenas de cidadãos sendo presos e torturados em todo o país. Parte
135

importante de seus dirigentes nacionais desaparece nos porões da repressão


política do Regime Militar: David Capistrano da Costa; Luís Inácio Maranhão
Filho, João sena de Melo, José Montenegro de Lima, Elson Costa, Nestor
Veras e outros.

Essas prisões causaram forte impacto político, e até mesmo um despertar da


consciência nacional contra a repressão com as mortes do jornalista Wladimir
Herzog, em outubro de 1975, e do operário Manoel Fiel Filho, em janeiro de
1976, ambas ocorridas nas dependências do 001-CODI-II Exército, na Rua
Tutóia, em São Paulo.

4.4.1.2 As dissidências armadas: ALN, PCBR, MR-8 e outras.

A referida luta interna, que sacudiu o PCB após 1964, gerou inúmeras
organizações que se estruturaram em todo o país, rompendo com o bloco
ortodoxo que tinha em Luis Carlos Prestes a principal liderança. Algumas das
organizações nascentes teriam certa abrangência nacional e outras não
passariam de círculos de militantes confinados a uma única região.

Comum às organizações dissidentes foi o projeto de passar, logo após a


primeira onda repressiva que se seguiu a abril de 1964, à preparação da luta
armada guerrilheira que já crescia em toda a América Latina, sob inspiração
guevarista.

A organização de maior expressão e contingente, entre todos os grupos que


deflagraram a guerrilha urbana entre 1968 e 1973, foi a Ação Libertadora
Nacional (ALN). Cisão do PCB, surgida em 1967, a ALN tem sua história
intimamente ligada ao nome de Carlos Marighella, antigo dirigente do partido.

No final de 1966, Marighella se desliga da Comissão Executiva do PCB e viaja,


em 1967, para Havana, onde participa da assembleia da Organização 'Latino-
Americana de Solidariedade (OLAS), que tenta articular um plano de ação
136

revolucionária continental. Rejeitando a ideia da construção de um novo


partido, Marighella começa a se distanciar de outros setores dissidentes do
PCB e trilha um caminho próprio. ‘A ação faz a vanguarda’ torna-se o lema de
sua organização, que nasce sem uma estruturação orgânica precisa, apoiando-
se na autonomia de grupos armados e contando com forças mais expressivas
em São Paulo.

Discordando das teses ortodoxas do PCB, que apontavam a burguesia como


aliada dos operários e camponeses no processo revolucionário brasileiro, a
organização de Marighella propôs o cadeamento imediato de operações
armadas nas grandes cidade brasileiras, com vistas a recolher recursos para o
lançamento da guerrilha rural. Da luta armada no campo deveria nascer, um
Exército de Libertação Nacional, apto a derrotar a ditadura Militar e aplicar um
programa de transformações, cujo eixo central era o ‘anti-imperialismo’.

A ALN ganhou dentro e fora do país, em setembro 1969, ao seqüestrar,


juntamente com o MR-8, o embaixador americano no Brasil, por cujo resgate
foram libertados 15 prisioneiros políticos e divulgado um manifesto.

A escalada repressiva que se segue termina por atingir o próprio Marighella,


morto em novembro do mesmo ano, em São Paulo, numa emboscada
comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, num rumoroso episódio
que envolvia versões sobre a vinculação de sacerdotes dominicanos com a
ALN. Em outubro do ano seguinte, o sucessor de Marighella, Joaquim Câmara
Ferreira, é preso em São Paulo, sendo seqüestrado e morto sob torturas, pelo
mesmo delegado Fleury, num sítio clandestino da repressão. Entre 1969 e
1971, a ALN foi atingida pela repressão em vários outros Estados, sendo
detidas várias centenas de seus membros.

Em 1971, surgem duas dissidências da ALN que teriam existência efêmera e


contingentes reduzidos: o Movimento de Libertação Popu lar (MOLIPO) e a
Tendência Leninista (TL).
137

A ALN tenta um recuo, a partir de 1972, em direção ao trabalho de ‘massa’,


como forma de romper o círculo vicioso das operações armadas para
manutenção da estrutura clandestina grupal. Mas, no primeiro semestre de
1974, ocorreu uma derradeira seqüência de prisões e ‘desaparecimentos’ de
seus membros no eixo Rio-São Paulo, que resultou no desmantelamento da
organização.

Outros dois pequenos grupos armados costumam ser apontados como


resultantes de cisões na ALN. Um deles é o M3G – ‘Marx, Mao, Marighella e
Guevara’, que existiu em Porto Alegre, em 1969 e 1970, fundado por Edmur
Péricles de Camargo, que fora anteriormente ligado a Marighella. Esse M3G
situou-se, na verdade, mais como um grupo intermediário entre a militância
política revolucionária e o que seria certo tipo de banditismo, visto que o
dinheiro resultantes dos assaltos realizados era repartido entre os
participantes. O paradeiro de Edmur tornou-se, mais tarde muito polêmico.
Preso em abril de 1970 e libertado quando do seqüestro do embaixador suíço,
Edmur dirigiu-se ao Chile. Há quem afirme que ele tenha sido morto durante o
golpe militar de Pinochet e há quem levante a possibilidade de se tratar de
outro caso de agente duplo, semelhante ao conhecido ‘Cabo Anselmo’.

O outro grupo é a Frente de Libertação do Nordeste (FLNE), que estava sendo


criada no Ceará e em Pernambuco, no início de 1972, por ex-militantes da ALN
e da VAR, quando seus integrantes foram presos pelos órgãos de segurança.

Trajetória semelhante à da ALN teve o Partido Comunista Brasileiro


Revolucionário (PCBR), cujas origens remontam aos primeiros tempos após
1964, quando o seu principal dirigente, Mário Alves, jornalista e intelectual de
forte prestígio na Executiva do PCB, começou a se opor às posições de Luís
Carlos Prestes no Comitê Central, formando uma ‘Corrente Revolucionária’
com força no Rio e no Nordeste. Mas a constituição formal do PCBR deu-se
apenas em abril de 1968, no Rio de Janeiro.
138

A proposta geral dó PCBR consistia na construção de um novo partido


marxista, que reformulasse a linha tradicional do PCB a respeito da
necessidade de aliança com a burguesia brasileira sem, no entanto, abraçar a
bandeira da ‘Revolução Socialista’ imediata, como fariam, por exemplo, os
dissidentes fundadores do MR-8. Quanto à estratégia, a proposta não divergia
muito do que foi visto acerca da ALN, coincidindo na escolha da área rural
como palco mais importante da luta rumo a um ‘Governo Popular Re-
volucionário’.

Desde abril de 1969, o PCBR se ocupou com operações armadas urbanas,


essencialmente voltadas para a propaganda revolucionária.

O grupo que iria se consolidar na década de 70 sob o nome de Movimento


Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), lembrando a morte de ‘Che’ Guevara,
ocorrida a 8 de outubro de 1967, era conhecido inicialmente como ‘DI da
Guanabara’, ou seja,dissidência da Guanabara do PCB.Outro grupo, a ‘DI de
Niterói’, também adotou o nome MR-8, teve vida efêmera e não chegou a
elaborar uma política global por meio de documentos escritos.

A ‘DI da Guanabara’ começou a atuar como grupo indepedente já em 1966,


confinando-se praticamente ao meio universitário.

Ao contrário da ALN, defendia a necessidade da construção de um novo


partido marxista e, na crítica ao programa do PCB, indicava que o chamado
‘caráter da revolução’ no Brasil devia ser visto como ‘socialista’, e não
‘democrático-burguês’ ou de ’libertação nacional’. A visão estratégica tinha
grande semelhança com ideias já vistas sobre a ALN e o PCBR.

Em consequência da operação de sequestro do embaixador norte-americano,


em setembro de 1969, o MR-8 sofreu os primeiros golpes da repressão.

Em 1970, prosseguem no Rio suas operações armadas, intercalando êxitos e


novas prisões de militantes .
139

Em 1971, a desestruturação da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), fez


com que um núcleo de militantes desta organização, entre eles, seu mais
importante dirigente, Carlos Lamarca, pedisse ingresso no MR-8. É como
membro do MR-8 que o capitão Lamarca seria morto, no sertão da Bahia, em
setembro de 1971 juntamente com Zequinha Barreto.

Em 1972, a estrutura orgânica do MR-8 foi desativada no país com a saída de


quase todo o seu contingente para o Chile.

Nos anos seguintes, a organização começou a ser remontada no Brasil,


atingindo novos Estados, com seus integrantes fazendo uma ‘autocrítica’ da
luta armada e assumindo uma orientação política bastante diferente da
anterior.

No mesmo processo de luta interna do PCB, que gerou a ALN, o PCBR e o


MR-8, surgiram outros grupos de importância mais limitada: a Corrente
Revolucionária de Minas Gerais (Corrente), reunindo universitários e
funcionários da Prefeitura de Belo Horizonte; as Forças Armadas de Libertação
Nacional (FALN), de Ribeirão Preto.

Na seqüência de prisões que levou à desarticulação da FALN, em outubro de


1969, tornou-se nacionalmente conhecido o caso da Madre Maurina Borges da
Silveira, barbaramente violentada por seus torturadores. Tal episódio levou a
Igreja Católica a excomungar dois delegados do DOPS de Ribeirão Preto,
Miguel Lamano e Renato Ribeiro Soares.

4.4.1.3 Partido Comunista do Brasil (PC do B).

Uma ‘Conferência Nacional Extraordinária’, realizada pelos seguidores de João


Amazonas, Grabois e Pomar, em São Paulo, em fevereiro de 1962, costuma
ser apontada como o marco de nascimento dessa organização que, no entanto,
140

disputa com o PCB a chancela de verdadeiro continuador histórico do partido


criado em 1922.

Desde o primeiro momento, o PC do B dirigiu uma forte crítica ao que


considera ‘linha pacífica’ do PCB e, aos poucos, foi sitematizado um projeto
global a respeito de como deveria se desenrolar a chamada luta revolucionária
no país. Esse pensamento apareceu formulado, em janeiro de 1969, sob o
título ‘Guerra popular: Caminho da Luta Armada no Brasil, documento que uma
revela uma forte influência do processo revolucionário vivido pelo pelo povo
chinês entre 1927 e 1949, e de todo o pensamento de Mao Tsé Tung.

Em outras palavras, no campo da estratégia, o PC do B considerava que a luta


revolucionária teria na área rural brasileira seu mais importante palco de luta,
por meio de uma guerra sustentada, desde seu início, por fortes contingentes
populares, especialmente camponeses. Quanto ao programa, o PC do B não
alterava, na essência as afirmações feitas pelo PCB em defesa de uma etapa
‘democratico burguesa, anti-imperialista e antifeudal, como preliminar para
futuras lutas pelo socialismo. E na tática mais mediata, esse partido se
distinguia do PCB por defender pontos de vista mais a esquerda e formas de
mobilização mais radicais.

O PC do B condenou a guerrilha urbana lançada por outros partidos a partir de


1968, considerando-a ‘foquismo pequeno burguês’ que desprezava a
participação das ‘massas’ na luta revolucionária. Enfrentou, por isso, uma luta
interna que culminou com o desmembramento de duas dissidências: a Ala
Vermelha, em São Paulo Centro-Sul, e o PCR - Partido Comunista
Revolucionário, no nordeste. Ambos os grupos surgiram entre 1966 e 1967,
descrendo dos propósitos da direção do PC do B em realmente preparar a luta
armada. Essas duas dissidências manifestavam muitos outros pontos de
divergência com a linha oficial do partido e assumiram uma posição política
semelhante à dos grupos de guerrilha urbana.
141

Desde o final de 1966, o PC do B dedicou-se à implantação quadros partidários


na região do rio Araguaia, no Sul do Pará, escolhida como área mais adequada
para o surgimento de um futuro ‘Exército Popular’. Com a escalada repressiva
desencadeada pelo Regime Militar após o AI-5 o PC do B acelerou o
deslocamento de militantes para essa ‘área estratégica’, contando, para tanto,
principalmente com lideranças estudantis obrigadas a viver na clandestinidade
por força da perseguição policial.

4.5 Tortura e seus mortos.

Sob o lema de ‘Segurança e Desenvolvimento’, Médici dá


início, em 30 de outubro de 1969, ao governo que representará
o período mais absoluto de repressão, violência e supressão
das liberdades civis de nossa história republicana. Desenvolve-
se um aparato de ‘órgãos de segurança’, com características
de poder autônomo, que levará aos cárceres políticos milhares
de cidadãos, transformando a tortura e o assassinato numa
rotina. (ARNS, 1987, p. 63).

A tortura contra umaoutra pessoa é a forma mais covarde de cometer violência


física, psíquica e moral, fazendo sofrer a vítima, degradando o sujeito do
próprio torturador e transcendendo valores que são de toda a humanidade.
Tem havido momentos na história humana em que a prática de violências se
torna rotina, ou sob a influência da guerra ou de profunda desordem social,
duas situações igualmente próprias à degradação moral.

Nessas ocasiões fica claro que a força prevaleça sobre a razão, ficando aberto
o caminho às expansões da maldade e da violência, com o apoio ou através
dos governos criando leis e formas que permitam a tortura, em nome da defesa
da liberdade ou da proteção da sociedade. O espetáculo punitivo é instaurado
e a execução da pena passa a ser apenas “um novo ato de procedimento ou
142

de administração” (FOUCALT, 1999, p.13-14). Mesmo a fatalidade da morte


por excesso de tortura ou como objetivo principal do ato é um acontecimento
burocrático quase secreto.

4.5.1 Métodos de tortura e seu descontrole.

Para tentar tirar informações e confissões dos presos políticos, os militares


usaram vários métodos. A pesquisa nesta área revela que em
aproximadamente vinte anos de ditadura militar foram utilizadas centenas de
modos diferentes de tortura, ouvia-se falar em Pau- de- arara, choque elétrico,
telefone, afogamento na calda da verdade entre outros que passo a descrever :

Pau-de-arara: O preso político era obrigado a sentar, abraçando os joelhos e


com os pés e as mãos amarradas. Um cano era introduzido sob os joelhos.
Nesta posição, a vítima era pendurada entre dois cavaletes, com cerca de 1,5
metro de altura, muitas pessoas não conseguem suportar o suplício e chegam
até perder a vida.

Choque elétrico: O torturador usa um magneto de telefone, acionado por uma


manivela que conforme a velocidade imprimida fornece uma descarga elétrica
de maior ou menor intensidade. Esta corrente é transmitida ao corpo dos
presos políticos pelos pólos positivo e negativo. O choque elétrico é dado na
cabeça, nos membros superiores e inferiores e também nos órgãos genitais da
vítima.

Telefone: O torturador, com as palmas das mãos em posição côncava aplica


violento golpe, atingindo ambos os ouvidos da vítima a um só tempo. O
impacto é insuportável, em virtude da pressão (e sempre há) causando o
rompimento do tímpano, fazendo o torturado perder a audição.

Afogamento na calda da verdade: Consiste em afundar a cabeça da vítima


em um tambor com água, urina e fezes e outros detritos repugnantes. A cabeça
143

da vítima é mergulhada na ‘calda da verdade’ várias vezes. Depois o preso


político é obrigado ficar sem tomar banho por vários dias e o seu cheiro torna-
se insuportável.

Mamadeira de subversivo: Consiste em introduzir um gargalo de garrafa,


cheia de urina quente, na boca aberta do preso, pendurado em um pau-de
arara. Com o uso de uma estopa os torturadores comprimem a boca do
torturado, fazendo-o engolir o excremento.

Balé no pedregulho: A vítima é colocada descalça e nua, em temperatura


abaixo de zero, sob um chuveiro gelado, tendo como piso pedriscos ponte
agudos, que chegam a retalhar os pés da vítima. Para amenizar as dores a
tendência do preso é bailar sobre os pedriscos e os torturadores ainda fazem
uso da palmatória para ferir as partes mais sensíveis do corpo.

Afogamento com capuz: Consiste em afundar a cabeça da vítima, totalmente


encapuzada, em córregos de água podre ou tambor d’água poluída. O
torturado, desesperadamente, tenta respirar e o capuz molhado se introduz nas
narinas, produzindo um mal-estar horrível, levando-o, ás vezes, a perder o
fôlego.

Massagem: o preso é algemado e encapuzado e o torturador faz uma violenta


massagem nos nervos mais sensíveis do corpo, deixando-o totalmente
paralisado por alguns minutos. As dores são Horríveis, levando a vítima a um
estado de desespero. (VIEIRA, 1991, p. 247).

Muitos inocentes foram presos. Estes sofriam mais. Por não ter o que dizer e
confessar eram vistos com desconfiança, cada vez mais as torturas que
sofriam se intensificavam.

A violência política não foi aplicada somente aos que eram suspeitos de
estarem lutando contra o governo. Uma reportagem publicada na folha de
Londrina em 27 de fevereiro de 1970 trazia informações sobre a denúncia de
um inocente que estava sendo torturado em uma delegacia. O caso se deu da
144

seguinte forma: J.C.S, na época com 28 anos, efetuou a compra de um carro


pertencente a I.V, de 21 anos, e lhe pagou com um cheque roubado. J.C.S foi
preso e torturado, e sua estratégia diante da tortura foi transformar a vítima em
seu cúmplice. Lembrou do nome de I.V e o delatou.

Os policiais perseguiram I.V, com a alegação de que queriam comprar outro


carro seu que estava à venda. Por isso, a família de I.V. não desconfiou de seu
desaparecimento. O jovem só não veio a óbito na tortura (sendo que já estava
no pau-de-arara), porque um repórter da folha de Londrina que estava na
delegacia e ouviu os gritos, comunicou imediatamente o delegado superior e
solicitou para intervir em favor do rapaz. Com a reportagem, se percebe como
todos os cidadãos estavam expostos á violência imposta pelos meios de
repressão da ditadura militar Milhares foram atingidos:

Um balanço ainda precário registra a prisão de 50 mil pessoas.


Pelo menos20 mil sofreram torturas. Além dos 320 militantes
da esquerda mortos“desaparecidos”. No fim do governo Geisel
existiam cerca de 10 mil exilados. As cassações atingiram
4.682 cidadãos. Foram expulsos das faculdades 243
estudantes. (CHIAVENATO, 1997, p. 131).

Neste período de repressão, os estudantes ganharam espaço na cena política


e deram contribuições importantes, reivindicando seus direitos e de todos os
brasileiros. Em busca de melhores condições de vida, eles se dirigiam para as
ruas a fim de realizar protestos para questionar e combater a Ditadura Militar. A
violência era descarregada contra este pessoal.

Um exemplo desta violência foi o estudante Edison Luiz, morto em uma


manifestação em 1968. Os estudantes estavam realizando um protesto contra
a alta das refeições no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Policiais, no
entanto, acreditando que aqueles estudantes iriam atacar a Embaixada dos
Estados Unidos, invadiram o Restaurante, e o Comandante da tropa da PM,
Aloísio Raposo, efetuou disparos contra os estudantes. Com isso, o estudante
secundarista Edison Luiz foi morto com um tiro à queima roupa.
145

Passamos agora ao testemunho de pessoas que presenciaram, nos


cárceres brasileiros, a morte de outros presos políticos, sob tortura. Pode ser
que, nas mesmas circunstâncias, tenham se dado outras mortes de pessoas
tidas como ‘desaparecidas’ ou apontadas como falecidas em ‘tiroteio’ com
os agentes do governo. Como neste trabalho não cabem as conjecturas —
dada a natureza da pesquisa — mas tão somente os relatos oficialmente
registrados nos processos, será feita a narrativa dos episódios de mortes
denunciadas em juízo.

Chael Charles Schreider.

Ao depor no Rio, em 1969, a estudante Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de


25 anos, denunciou:

(...) que a declarante ouviu os gritos de Chael, quando es-


pancado; (...) que das dez horas da noite às quatro da ma-
nhã, Antonio Roberto e Chael ficaram apanhando; (...) que
lã pelas quatro horas da madrugada,

Chael e Roberto saíram da sala onde se encontravam,


visivelmente ensanguentados, inclusive no pênis, na orelha
e ostentando cortes nas cabeças; (...) que ouvia gritos de
Chael dizendo não saber de nada; (...) que tais torturas
duraram até sete horas da manhã, quando Chael parou de
gritar, ficando caído no chão; (...) que Chael foi pisado; que
era uma sexta-feira, tendo Chael morrido no sábado; C..)
que Chael estava gritando desesperadamente na Policia do
Exército, no sábado pela manhã; que somente vinte dias
depois veio (a) ter notícias da morte de Chael; que Antonio
Roberto assistiu à morte de Chael; (...) CHARLES CHAEL,
que foi chutado igual a um cão, cujo atestado de óbito
registra 7 costelas quebradas, hemorragia interna,
hemorragias puntiformes cerebrais, equimoses em todo o
corpo. (CHIAVENATO, 1997, p.131).

Em seus depoimentos no Rio e em São Paulo, o estudante Antônio Roberto


Espinosa, de 23 anos, confirma o que declarara Maria Auxiliadora Lara
Barcelos:

(...) que estava preso no quartel já citado, em companhia de


146

Chael, o qual, não aguentando os sofrimentos, acabou


falecendo; (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 1040 a 1043).

(...) que após essas 3 horas de torturas, Chael foi conduzido


a uma sala contígua, onde havia uma máquina de choques;
que, nesta ocasião, o declarante foi colocado no corredor
contíguo à sala de onde o declarante ouvia os gritos de
Maria Auxiliadora e Chael; (...) que o declarante, enquanto
sofria choques, ouvia os gritos de Chael, até que às 2 horas
da tarde cessaram os gritos de Chael; que Chael havia sido
assassinado pelo Capitão José Luiz, pelo Capitão Lauria e
pelos policiais do DOPS; que é capaz de reconhecê-los (...).
(ARQUIDIOCESE, 1985, p.1010 a 1012).

O auto de autópsia de Chael Charles Schreider foi realizado, a 24 de


novembro de 1969, no Serviço Médico-Legal do Hospital Central do
Exército, no Rio, e é assinado pelo Major-médico Dr. Oswaldo Cayammi
Ferreira, chefe do SML; pelo Capitão-médico Dr. Guilherme Achilles de Faria
Mello; e pelo médico civil Dr. Rubens Pedro Macuco Janini. Traz a seguinte
conclusão: “Justificada a causa da morte é encerrada a necrópsia e
concluída por contusão abdominal com roturas do mesocolon transverso e
mesentério, com hemorragia interna.(...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p 86 a
88).

João Lucas Alves e Severino Viana Calú.

O assassinato dessas duas pessoas foi denunciado, em 1970, no decorrer do


interrogatório, em Juiz de Fora, do estudante Afonso Celso Lana Leite, de 25
anos:

(...) que os interrogatórios dos acusados, inclusive os do


interrogado, foram feitos sob torturas as mais atrozes, oca-
sionando a morte de dois companheiros seus: João Lucas
Alves e Viana Calú; que esses dois companheiros morreram
em virtude de não terem aquiescido com os depoimentos que
lhe eram impostos pelos torturadores THACYR MENEZES SIA,
do DOPS, ARIOSVALDO, do DOPS e diversos outros, dos
quais não se lembra o nome, no DOPS; (...). (ARQUIDIOCESE,
1985, p. 42 a 43).
147

No mesmo processo, o trocador de ônibus Antonio Pereira Mattos, de 36 anos,


reforça a denúncia:

(...) que dá, como exemplos de torturas, o caso de João Lucas


Alves que, depois de seis (6) meses de prisão, mais ou menos,
e depois de barbaramente torturado, em conseqüência veio a
falecer, e foi dado pelas Autoridades Policiais, como “causa
mortis”, o suicídio, quando é do conhecimento do púbico, e isto
consta da perícia médica, que esse companheiro tinha os olhos
perfurados ao falecer e as unhas arrancadas; (...) que morreu
também, em razão de torturas, um outro companheiro do
interrogado, de nome Severino Viana Calú;

(...) que Severino Viana Calú faleceu na Guanabara e João


Lucas Alves, na (delegacia de) Furtos e Roubos de Belo Ho-
rizonte, ambos companheiros do interrogado na Guanabara;
que soube que o falecimento de João Lucas Alves ocorreu em
razão de torturas, porque os próprios policiais contaram ao
interrogado; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 33 a 34).

O auto de corpo de delito de João Lucas Alves, 36 anos, foi reallzado a 6 de


março de 1969 no Departamento de Medicina Legal de Belo Horizonte, e está
assinado pelos doutores Djezzar Gonçalves Leite e João Bosco Nacif da Silva.
Nela consta:

Autoridade que requisitou — Del. de Furtos e Roubos.

LESÕES CORPORAIS: (...) Duas escoriações lineares alar-


gadas, medindo a maior cerca de 5 cm, e situadas na face in-
terna, terço inferior do antebraço esquerdo. Escoriações ver-
melhas situadas nos 4 últimos pododátilos (dedos do pé) es-
querdos: Edema do pé direito. Contusão com equimose arro-
xeada sobre a unha do primeiro pododátilo direito. Equimose
arroxeada na região glútea direita, face posterior da região
escapular direita e flanco direito. Região anal normal. Ausên-
cia da unha do primeiro pododátilo esquerdo.

CAUSA DA MORTE — asfixia mecânica. (ARQUIDIOCESE,


1985, p. 33 a 34).
148

Eduardo Leite.

A morte premeditada de Eduardo Leite, em 1970, foi denunciada, no Rio, pelo


estudante Ottoni Guimarães Fernandes Júnior, de 24 anos, que esteve com ele
no cárcere privado numa residência no bairro de São Conrado:

(...) que os policiais apresentaram para o interrogado, ainda quando se


encontravam na casa de São Conrado, um cidadão de nome Eduardo Leite,
cognominado Bacuri; que Bacuri também estava sendo torturado em outra
dependência da casa; que, no instante em que apresentaram Bacuri ao
interrogado, os policiais declararam que ele iria ser morto, como realmente
ocorreu no mês de novembro, em São Paulo; (...)

Em São Paulo, o economista Vinicius José Nogueira Caldeira Brant, de 30


anos, também declarou em Juízo ter visto Eduardo Leite num cárcere oficial
paulista:

(...) que as ameaças de sua vida tiveram uma base concreta ao


se concretizarem na pessoa de outro preso, que sofria
juntamente com o interrogado, tratando-se de Eduardo Leite,
que estava preso na solitária ao lado da sua, no DOPS; que
dali foi retirado na madrugada do dia 27 de outubro, 3 dias
depois que os jornais haviam noticiado a sua fuga, sendo de
conhecimento público que Bacuri foi assassinado com requin-
tes de perversidade; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 932v e
933).

A certidão de óbito de Eduardo Leite, de 25 anos, técnico em telefonia, foi


assinada, a 8 de dezembro de 1970, pelo médico-legista Dr. Aloisio Fernandes.
Dá como causa mortis: “hemorragia interna e fratura de crânio por ferimento
pérfuro contuso por projéteis de arma de fogo (balas)”. Consta ainda que o
local do óbito foi a “Estrada Bertioga/Boracéia” e o sepultamento deu-se no
cemitério de Areia Branca, em Santos. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 117).

O exame necroscópico, realizado na mesma data no Posto Médico-Legal de


Santos, e assinado pelos doutores Aloisio Fernandes e Décio Brandão
Camargo, registra:
149

HISTÓRICO: Segundo consta, este cadáver foi encontrado às


vinte e duas horas do dia sete de dezembro do corrente ano,
na estrada que liga o Distrito de Bertioga com o de S.
Sebastião. (...).

CONCLUSÃO — Em face dos achados necroscópios, concluí-


mos que a morte se deu por fratura do crânio, destruição da
massa encefálica, hemorragia interna, traumatismos
consequentes a ferimentos contusos produzidos por
instrumentos pérfuro-contundentes (bala), com lesão do
encéfalo e do coração. (ARQUIDIOCESE, 1985, p 110).

Luiz Eduardo da Rocha Menino.

A 1ª Auditoria de São Paulo consignou nos autos, em 1972, as seguintes


declarações do físico Laurindo Martins Junqueira Filho, de 26 anos:

(...) quer afirmar, também, que nesse processo de torturas


assistiu a espancamentos de um companheiro de “organiza-
ção”, chamado Luiz Eduardo da Rocha Mercino, e que poste-
riormente, ainda na fase do interrogatório, esse companheiro
foi retirado da OBAN em estado lastimável, vindo a falecer em
conseqüência das torturas que recebeu; (...).
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 3240v).

No mesmo ano, essas declarações foram reiteradas, em São Paulo, pelo depoimento
da socióloga Eleonora de Oliveira Soares, de 27 anos:

(...) que durante sua estadia na OBAN sofreu torturas físicas,


desde choques elétricos até pauladas no corpo, ameaças de
torturarem sua filha menor, de um ano e dez meses, e ter
assistido à morte de Luiz Eduardo da Rocha Merlino no recinto
da OBAN, morte esta provocada por torturas; (...).
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 1777 a 1783).

O réu Ricardo Prata Soares também confirmou em juízo, em 1972, ter


presenciado os suplícios do referido preso:

(...) que o depoimento policial foi realizado sob coações moral e


física, às quais deixou o interrogando de resistir após
presenciar as torturas infligidas em Luiz Eduardo da Rocha
Merlino, que deram como consequência, em poucos dias, no
falecimento do mesmo; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 3455).
150

O exame necroscópico do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, de 23


anos, foi realizado no Instituto Médico-Legal de São Paulo, a 12 de agosto de
1971, e assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitc e Abeylard de
Queiroz Orsini. Nele consta: “HISTÓRICO: Segundo consta, foi vítima de
atropelamento”. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 2415).

Joaquim Alencar Seixas

Ao depor em São Paulo, em 1972, a senhora Fanny Aksclrud Seixas, de 54


anos, fez registrar no auto de interrogatório e qualificação da 2a Auditoria do
Exército:

(...) que não procede o (ilegível) de seu interrogatório de fls.


217, onde consta que seu marido morreu em tiroteio travado
com a Polícia, na rua, porquanto a interrogada o viu no interior
da OBAN sendo seviciado,

ouvindo inclusive a sua voz e seus gritos; que a interrogada viu


quando colocaram o corpo de seu marido numa camionete,
ouvindo naquele momento alguém indagar de quem era aquele
corpo, ao que responderam que se tratava de Joaquim Alencar
Seixas; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 2458 e 2459).

O exame necroscópico de Joaquim Alencar Seixas, 49 anos, foi feito no


Instituto Médico-Legal de São Paulo, a 19 de abril de 1971, e assinado pelos
médicos legistas Pérsio José R. Carneiro e Paulo Augusto de Q. Rocha.
Constata-se que, entre várias equimoses e hematomas, a vítima foi atingida
por sete tiros. Consta ainda:

HISTÓRICO: faleceu em virtude de ferimentos recebidos após


travar violento tiroteio com os órgãos da Secretaria de Segu-
rança do Estado de São Paulo, às treze horas de dezesseis de
abril de mil novecentos e setenta e um, na Av. do Cursino –
Ipiranga – Capital. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 87 a 89).
151

Carlos Nicolau Danielíl.

A primeira denúncia desta morte foi na 1ª Auditoria de São Paulo, em 1973, por
meio do auto de interrogatório e qualificação da professora Maria Amélia de
Almeida Telles, de 28 anos.

Foram conduzidos para a OBAN todos os três, ou seja:

Carlos Nicolau Danielli, (ela e) seu marido, foram encami-


nhados para três salas de tortura diferentes, sendo que pediu a
eles que não torturassem seu marido, pois estava tuberculoso,
acabara de sair de um sanatório e era diabético; que seu
marido quando foi preso portava um cartão de diabético e uma
receita; que seu marido chegou a ficar em estado de coma e só
então recebeu insulina, porque senão morreria naquela hora;
que seu marido desmaiou e, em estado de coma, eles me
chamaram para vê-lo; que Carlos Danielli foi torturadíssimo
durante três dias, pois a interroganda ouvia seus gritos até que
ele faleceu; (...) que eles mostraram para a interroganda um
jornal noticiando a morte de Carlos Nicolau Danielli,
descrevendo que ele teria sido morto num tiroteio, exatamente
como a história da morte que teriam a depoente e seu marido;
(...) que Carlos Nicolau Danielli era pai de três filhos; (...).
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 535 a 438).

Em 1973, também em São Paulo, o motorista César Augusto Telles, de 29


anos, confirmou o depoimento de sua esposa:

(...) apeados do carro, fomos levados para o Opala sob a mira


das referidas armas, sob ameaça de morte em caso de
resistência, onde verifiquei que já se encontrava dentro do
veículo meu amigo Carlos Danielli, manietado por um outro
elemento e denotando ter sido espancado; já mesmo ao entrar
no pátio desse departamento policial, ao descer do carro Carlos
Danielli foi espancado à vista de centenas de pessoas que ali
se aglomeravam. (...) Fomos levados, em seguida, para o
interior do edifício, onde, ao entrar, ouvi de imediato gritos
lancinantes que reconheci serem de Carlos Danielli, no
pavimento térreo. (...) Já pela madrugada, sob ameaça
constante de morte e ouvindo constantemente os gritos de
Carlos Danielli, minha esposa entrou em estado de choque
psíquico, o que tornou inútil os esforços de seus agressores.
(...) Nesse meio tempo e até o 49 dia, Nicolau Danielli con-
tinuou sendo torturado barbaramente e, à medida que o tempo
152

passava, seus gritos se transformavam em lamentos e, final-


mente, constatamos o seu silêncio, apesar de que ouvíamos o
barulho de espancamentos. No 50 dia, foram apresentadas a
mim e à minha esposa manchete de jornais que anunciavam a
morte de Carlos Danielli, como tendo tombado num tiroteio com
agentes policiais. Sob os nossos protestos de que ele havia
sido morto como conseqüência e ao cabo das torturas que
sofreu na OBAN, fomos ameaçados de ter o mesmo destino.
(...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 8971 a 8973).

A certidão de óbito de Carlos Nicolau Danielli, 43 anos, datada de 30 de


dezembro de 1972 e assinada pelo Dr. Isaac Abramovitc, registra como causa
mortis: anemia aguda traumática. Dá como local do óbito a Av. Armando de
Arruda Pereira, 1800, S. Paulo. Seu corpo foi sepultado no cemitério de Perus.

O exame necroscópico, realizado no Instituto Médico Legal de São Paulo, a 2


de janeiro de 1973, é assinado pelos médicos legistas Isaac Abramovitc e
Paulo A. de Queiróz Rocha. Não se refere a marcas de sevícias e traz a
seguinte: “CONCLUSÃO: Concluímos que o examinado faleceu em virtude de
anemia aguda traumática produzida por projétil de arma de fogo, cuja direção
foi de trás para frente, ligeiramente de baixo para cima (...)”. (ARQUIDIOCESE,
1985, p. 680 e 681).

Odijas Carvalho de Souza.

A morte sob tortura deste preso político, em Pernambuco, está consignada em


dois processos penais. O primeiro tem como réu Alberto Vinícios Meio do
Nascimento, estudante, ouvido pelo Conselho de Justiça em 1971, no Recife:

(...) que aqui no DOPS, presenciou a tortura, ou melhor,


escutou os efeitos da tortura por que passou um preso por
nome Odijas; que após essas torturas o referido preso veio a
falecer; (...) que o responsável por essas ocorrências é o
próprio delegado do DOPS, que é o Dr. Silvestre; que segundo
Odijas lhe contou ainda em vida, existe um investigador que é
responsável por torturas; que esse investigador foi um dos
torturadores de Odijas, chegando a bater no mesmo até se
cansar, segundo relato do próprio Odijas; que esse investigador
atende pelo nome de Miranda; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p.
153

375v a 376v).

No segundo processo figura a estudante Lylia da Silva Guedes, de 18 anos,


interrogada no Recife em 1971:

(...) que assistiu quando um outro prisioneiro era torturado,


sendo tal prisioneiro de nome Odijas Carvalho de Souza; que o
referido indivíduo se encontrava sentado, despido, e era
agredido por cerca de quinze pessoas; que a interroganda
reconheceria cerca de dez dessas pessoas, entre essas: MI-
RANDA,EDMUNDO, EUSEBIO, DR. CARLOS DE BRITO,
OSWALDQ FAUSTO, ROCHA, BRITO, sendo as torturas
comandadas pelo Dr. SILVESTRE, atual diretor do DOPS do
Recife — PE; que, em conseqüência das torturas, ODIJAS
CARVALHO veio a falecer; (...) que a interroganda pôde rela-
cionar os diversos elementos que torturaram Odijas por já co-
nhecer os referidos indivíduos da DOPS do Recife e vê-los dia-
riamente, inclusive quando foi torturada dois dias; que os jor-
nais noticiaram a morte de ODIJAS, como tendo ocorrido no dia
8 de fevereiro, em virtude de “embolia pulmonar”; (...).
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 155v a 156v).

De fato, na certidão de óbito de Odijas Carvalho de Souza, 25 anos, fornecida


a 8 de fevereiro de 1971 pelo Hospital da Polícia Militar do Estado de
Pernambuco, e assinada pelo médico legista Dr. Ednaldo Paz de Vasconcelos,
consta: causa mortis – Embolia pulmonar. (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 27).

Alexandre Vannucchi Leme.

Todas as denúncias sobre a morte deste estudante de Geologia da USP foram


feitas em 1973, na 1ª Auditoria Militar de São Paulo, exceção apenas para este
depoimento do engenheiro Marcus Costa Sampaio, de 27 anos, colhido no
mesmo ano pela Auditoria Militar de Fortaleza:

(...) que quando estava nesta última cela, de certa feita ouviu
os gritos e gemidos de uma pessoa que foi colocada na cela
solitária; que já estava em tal cela 15 dias antes do
interrogando chegar ao pavilhão; (...) quer esclarecer também
que, durante sua permanência em tal pavilhão, sempre ouviu
gritos e gemidos, quer durante o dia, quer durante à noite; que
observou, com respeito àquele rapaz da solitária, que no início
154

os seus gritos tinham certa intensidade, que foi diminuindo


gradativamente até se tornar débil; que esse rapaz foi chamado
a depor, ocasião em que deixou, caminhando normalmente,
essa solitária e, em seguida, retornou à mesma solitária nos
braços de alguns soldados, ao que lhe parecem pertenciam à
Polícia Militar, o que não tem certeza; que em seguida o
interrogando constatou que o carcereiro, ao abrir a porta da
cela onde se encontrava o mencionado rapaz, saiu correndo e
foi chamar algumas pessoas; que foi dada a ordem para que os
presos permanecessem no fundo de suas celas e não se
aproximassem das portas das mesmas que davam para o
corredor e, em seguida, foi determinada uma revista em todas
as celas e em todos os presos, sob a alegativa que se
procurava instrumentos cortantes, ocasião em que declarou, o
carcereiro, que aquele moço da solitária havia tentado o
suicídio cortando os pulsos; que o interrogando veio a saber
que o nome desse rapaz da solitária era ALEXANDRE VAN-
NUCHI; que estando aqui em Fortaleza, e lendo o jornal O
Estado de S. Paulo, viu duas notícias: uma que diz respeito à
morte do mesmo ALEXANDRE VANNUCCHI, que teria
ocorrido por atropelamento ao tentar fugir de uma abordagem
policial, notícia esta que era dada como tendo sido fornecida
por órgãos policiais; que também, no mesmo jornal e na
mesma edição, (havia) uma outra notícia dando conta de que o
magnífico reitor da Universidade de São Paulo, Miguel Reali,
buscava o paradeiro do referido moço que cursava Geologia e
era (o) representante dos alunos na Congregação da Escola de
Geologia; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p606 e 607v).

Consta do auto de interrogatório e qualificação do radiotécnico Carlos Vitor


Alves Delamónica, de 27 anos, ouvido em São Paulo, em 1973:

(...) que ainda na fase que passei na OBAN, e como prova


cabal das torturas a mim e a outros submetidos, veio a falecer,
em conseqüência dos maus-tratos e das barbaridades, o meu
vizinho de cela, o estudante de 49 anos de Geologia, Alexandre
Vannucchi; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 9003).

A mesma tragédia foi testemunhada pelo vendedor Roberto Ribeiro Martins de


28 anos:

(...) essas torturas foram presenciadas por muitas pessoas,


como também presenciei muitas pessoas sendo torturadas,
entre as quais posso citar Luiz Vergatti, José Augusto Pereira e
o caso mais grave deu-se com um jovem de nome Alexandre
Vannucchi. Durante dois ou três dias ouvi os seus gritos e, por
fim, na tardezinha do dia 19 de março, salvo engano, vi o seu
cadáver ser retirado da cela forte, espalhando sangue por todo
155

o pátio da carceragem, e depois ouvi comentários dos


carcereiros que falavam em suicídio, e para justificar foi feita
uma revista em todas as celas; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p.
433 e v.).

Também a psicóloga Leopoldina Brás Duarte, de 25 anos, revelou ter


presenciado esta morte:

(...) esclarecendo que foi coagida a assinar, pois quando


chegou ao DOPS haviam mais acusações e, caso a interro-
ganda não (as) aceitasse, teria de voltar para o DOI e, como lá
havia sido muito torturada com ameaças de prisão de seu pai e
irmão e, inclusive, assistindo à morte de um menino que, mais
tarde, veio a saber que se chamava Alexandre Vannucchi, não
teve condições de recusar a assinatura; (...). (ARQUIDIOCESE,
1985, p. 8969 e v.).

Igual experiência teve a auxiliar pedagógica Neide Richopo, de 26 anos,


conforme narrou em seu depoimento:

(...) que, além de ser torturada e de assistir torturas em outras


pessoas, presenciou também o assassinato de um rapazinho
no DOI, chamado Alexandre; que se ouviam os gritos de tortura
de Alexandre durante todo o dia e, no segundo dia, ele foi
arrastado, já morto, da cela onde ele se encontrava. E, depois
disso, os interrogadores apresentaram, pelo menos, três
versões sobre a morte dele como sendo suicídio, sendo que a
versão oficial é totalmente diferente das três anteriores, pois
era a de que ele havia sido atropelado; que (ele) jamais poderia
ser atropelado, porque já estava morto quando saiu do DOI.
Que tudo o que disse com referência à morte de Alexandre é
porque encara isso como meio de coação psicológica. Se a
interroganda não assinasse o seu depoimento, poderia
acontecer com ela o mesmo que aconteceu com Alexandre;
(...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p. 8955 e v.).

Incluído em processo político com outros companheiros de farda, este tenente


da Polícia Militar de São Paulo, de 63 anos, veio a morrer em conseqüência
das sevícias sofridas, conforme depoimento registrado pelo Conselho de
Justiça. Em 1975, escreveu o capitão PM, Manoel Lopes, de 68 anos, em carta
156

ao juiz-auditor:

(...) Neste dia, quando me recolheram à cela, encontrei na


mesma Carlos Gomes Machado, Luiz Gonzaga Pereira e José
Ferreira de Almeida, que tinham ido para o DOPS e agora
retornavam ao DOI. José Ferreira de Almeida, deitado num
colchão imundo estendido sobre o chão, agarrou a mão que eu
lhe estendia para cumprimentá-lo e me disse: Lopes, eu não
agüento mais, eu te acusei injustamente quando me tor-
turavam; perdoa-me; e os soluços vieram-lhe até a garganta,
dizendo por fim: eu vou morrer (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p.
966 a 971).

Também em carta às autoridades, o coronel PM Carlos Gomes Machado, 62


anos, reafirmou a denúncia:

(...) Além disso, embora sabendo ser eu cardíaco, não podendo


sofrer emoções, levaram-me para ver outros colegas meus
serem torturados, como foram os casos do tenente Atílio
Geromin, que ficou com marcas indeléveis nas duas pernas,
visto que fora amarrado em uma cadeira de braços chamada,
pelos interrogadores, de “cadeira do dragão”; tenente José
Ferreira de Almeida que, apesar de seus 63 anos de idade, foi
levado à morte em virtude das torturas que lhe foram aplicadas,
tais como “pau-de-arara”, choques elétricos, palmatória, etc.,
que se repetiam diariamente; (...). (ARQUIDIOCESE, 1985, p.
899 a 904).

Assinado pelos doutores Harry Shibata e Marcos Almeida, o exame


necroscópico de José Ferreira de Almeida foi realizado no Instituto Médico
Legal de São Paulo, a 12 de agosto de 1975, e registra: “HISTÓRICO: segundo
consta, faleceu por enforcamento em sua cela, onde estava detido”.
(ARQUIDIOCESE, 1985, p. 488 a 489).

Wladimir Herzog

A 7 de novembro de 1975, o jornalista Rodolfo Osvaldo Konder, co-réu no


mesmo processo do jornalista Wladimir Herzog, prestou depoimento
157

juramentado, em São Paulo, cujos termos foram tomados e assinados pelo


padre Olivo Caetano Zolin e pelos juristas Prudente de Moraes Neto, Goffredo
da Silva Telles Júnior, Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach, José Roberto
Leal de Carvalho e Arnaldo Malheiros Filho. O depoimento foi, posteriormente,
anexado aos autos do processo:

(...) No sábado pela manhã, percebi que Wladimir Herzog tinha


chegado. (...) Wladimir Herzog era muito meu amigo e nós
comprávamos sapatos juntos, e eu o reconheci pelos sapatos.
Algum tempo depois, Wladimir foi retirado da sala. Nós
continuamos sentados lá no banco, até que veio um dos
interrogadores e levou a mim e ao Duque Estrada a uma sala
de interrogatório no andar térreo, junto à sala em que nós nos
encontrávamos. Wladimir estava lá, sentado numa cadeira,
com o capuz enfiado, e já de macacão. Assim que entramos na
sala, o interrogador mandou que tirássemos os capuzes, por
isso nós vimos que era Wladimir, e vimos também o inter-
rogador, que era um homem de trinta e três a trinta e cinco
anos, com mais ou menos um metro e setenta e cinco de al-
tura, uns 65 quilos, magro, mas musculoso, cabelo castanho
claro, olhos castanhos apertados e uma tatuagem de uma
âncora na parte interna do antebraço esquerdo, cobrindo
praticamente todo o antebraço. Ele nos pediu que disséssemos
ao Wladimir “que não adiantava sonegar informações”. Tanto
eu, como Duque Estrada de fato aconselhamos Wladimir a
dizer o que sabia, inclusive porque as informações que os
interrogadores desejavam ver confirmadas, já tinham sido
dadas por pessoas presas antes de nós. Wladimir disse que
não sabia de nada e nós dois fomos retirados da sala e levados
de volta ao banco de madeira onde antes nos encontrávamos,
na sala contígua. De lá, podíamos ouvir nitidamente os gritos
primeiro do interrogador e, depois, de Wladimir, e ouvimos
quando o interrogador pediu que lhe trouxessem a “pimentinha”
e solicitou ajuda de uma equipe de torturadores. Alguém ligou o
rádio e os gritos de Wladimir confundiam-se com o som do
rádio. Lembro-me bem que durante essa fase o rádio dava
notícia de que Franco havia recebido a extrema-unção, e o fato
me ficou gravado, pois naquele mesmo momento Wladimir
estava sendo torturado e gritava. A partir de um determinado
momento, o som da voz de Wladimir se modificou, como se
tivessem introduzido coisa em sua boca; sua voz ficou abafada,
como se lhe tivessem posto uma mordaça. Mais tarde, os
ruídos cessaram. (...) O interrogador saiu novamente da sala e
dali a pouco voltou para me apanhar pelo braço e me levar até
à sala onde se encontrava Wladimír, permitindo mais uma vez
que eu tirasse o capuz. Wladimir estava sentado na mesma
cadeira, com o capuz enfiado na cabeça, mas agora me
parecia particularmente nervoso, as mãos tremiam muito e a
158

voz era débil. (...) Na manhã seguinte, domingo, fomos


chamados (...) para ouvirmos uma preleção sobre a penetração
russa no Brasil, feita por um homem que me pareceu o
principal responsável pela análise das informações colhidas no
DOI. Este cidadão, acompanhado pelo “Doutor Paulo”, um
japonês de cerca de quarenta e poucos anos, magro, um metro
e setenta de altura, e de um interrogador de cerca de vinte e
cinco anos, alourado, magro e alto, com mais ou menos um
metro e setenta e sete. O homem que me pareceu ser o
principal é um homem moreno, rosto redondo, gordo, estatura
mediana, e uma barba emoldurando o rosto. Ele primeiro se
estendeu sobre a questão da espionagem russa no Brasil, e
depois nos comunicou que Wladimir Herzog se suicidara na
véspera, para concluir que Wladimir devia ser um agente da
KGB, sendo ao mesmo tempo “o braço direito do governador
Paulo Egydio”. (...) Que o interrogador de Wladimir Herzog
vestia camiseta branca de gola olímpica e mangas curtas, e
uma calça de brim que lhe pareceu ser do uniforme do
Exército. (...) Que o interrogador de Wladimir, antes descrito
pelo depoente como sendo aquele que tinha uma tatuagem de
âncora no braço, era branco. Que quando se iniciou a tortura
de Wladimir, o declarante, estando na sala ao lado, chegou a
ouvir sons de pancadas que lhe eram desferidas. Que o
declarante, embora não possuísse relógio, calcula que a tortura
de Wladimir tenha durado cerca de duas horas, menos que a
do próprio declarante, que teria durado cerca de quatro horas.
Que a tortura de Wladimir a que acima se referiu foi aquela que
pôde ouvir, ignorando se Wladimir sofreu outras posteriormente
em outra dependência do próprio DOI. (ARQUIDIOCESE,
1985, p. 1546 e 1547).

4.6 A luta das organizações não governamentais contra a


tortura.

No exterior as notícias sobre a repressão começaram a chegar com os


exilados. Até então a tática de “ocultamento” da ditadura funcionara
razoavelmente bem - sempre que surgiam indagações de países estrangeiros
159

sobre o assunto a máquina governamental funcionava e “produzia” documentos


desmentindo os “boatos”. Como observou Annina Alcântara de Carvalho:

Os militares tentaram manter (sobretudo para a opinião pública


internacional) uma aparência de legalidade. O estudo das leis
da época permite entender não só o aspecto de ‘legalidade’
alegado como também o mecanismo de não respeito dessas
próprias leis e dos direitos humanos fundamentais dos presos
políticos. (ROLLEMBERG, 2001, p. 159).

Para a denúncia de todas as práticas coercitivas e dos abusos cometidos pelo


regime de exceção brasileiro, foi fundamental o apoio das Organizações Não
Governamentais, ONGs, internacionais.

A Anistia Internacional (AI) – organização mundial fundada em 1961 pelo


britânico Peter Benenson e alguns juristas para atuar “na defesa dos direitos
individuais fundamentais, independentemente de todo governo, partido político
ou religião” (ROLLEMBERG, 2001, p. 229 e 259) demonstrou, pela primeira
vez, interesse pelo desrespeito do governo brasileiro aos Direitos Humanos na
publicação de seu Relatório Anual relativo ao período 1966/1967. A partir de
então, esse interesse não só tornou-se permanente como foi crescendo nos
anos seguintes, conforme se confirmavam as ‘suspeitas’ da existência de
torturas, não só pelas denúncias feitas pelos brasileiros banidos ( os primeiros
chegaram no exterior em 1969), mas também pelo resultado de pesquisas que
a própria Anistia Internacional implementou no Brasil. Entretanto, a Anistia
Internacional só ‘confirmou’ a existência de tortura no Brasil em um relatório
específico, em outubro de 197219.

Além da Anistia Internacional outras organizações não governamentais


estrangeiras tais como: a Associação dos Juristas Democratas, Associação dos
Juristas Católicos, France-Amérique Latine (ligada ao Partido Comunista
Francês, PCF), Liga Comunista, Partido Socialista Unitário, etc.

19
Estas eram práticas específicas da AI – AMNESTY.
160

desempenharam um importante papel na divulgação das arbitrariedades


cometidas pela ditadura brasileira.

A maneira encontrada por essas ONGs para colaborar nas campanhas pela
defesa dos Direitos Humanos e, mais tarde, na luta pela anistia, se fazia de
várias maneiras: publicação das denúncias nos Relatórios Anuais, dossiês e
relatórios específicos sobre o Brasil e ‘adoção’20 de presos, divulgação de
denúncias por meio da mídia internacional, pressão sobre o governo brasileiro,
envio de correspondência para autoridades brasileiras, palestras,
manifestações e passeatas de protesto, criação de comitês em diversos países
e cessão de material para as três sessões do Tribunal Bertrand Russell II 21.
Este tribunal, sem filiação a qualquer governo ou partido político, tinha como
objetivo julgar, a princípio, a ditadura brasileira e, posteriormente, as ditaduras
latino- americanas. Os exilados brasileiros também tomaram parte nas
campanhas, denunciando por meio da mídia e do tribunal Bertrand Russel II, as
torturas e as prisões arbitrárias que aconteciam no Brasil, além de fundarem
e/ou atuarem nos vários comitês que reivindicavam a anistia. Apesar da
Anistia Internacional se interessar pelo caso brasileiro desde 1966, por
princípio, a instituição se limitava à defesa de ‘presos de opinião’, segundo
denominação própria. Aqueles que tivessem usado a violência não seriam
contemplados. Na prática, no entanto, este princípio, em alguns casos
conhecidos foram deixados de lado, e a AI (Anistia Internacional), assumiu a
defesa de diversos militantes da luta armada. Foi a partir de denúncias sobre a
prática de tortura em presos políticos que os presos comuns puderam,
posteriormente, ser beneficiados por campanhas internacionais. Na medida em
que o número de presos políticos diminuía, a Anistia Internacional foi
deslocando seu interesse para as denúncias de tortura em presos comuns

20
Alguns presos cujos processos sensibilizavam mais a opinião pública ou alcançavam maior
repercussão na mídias recebiam um tratamento especial, ou seja, eram “adotados”, conforme
denominação da AI.
21
As sessões ocorreram em mar./abr. de 1974, jan. de 1975 e jan. de 1976 (ROLLEMBERG,
2001, p. 233).
161

(AMNESTY, 1981). Este trabalho teve desdobramentos. A AI, Anistia


Internacional, continua emitindo relatórios sobre o assunto e, em 2001, a ONU,
Organização das Nações Unidas, em Genebra, e a OEA, Organização dos
Estados Americanos, publicaram um relatório denunciando o governo brasileiro
pelo fato de persistir tortura no país, pela promiscuidade e pela disseminação
da AIDS e de outras doenças infecto-contagiosas nas prisões brasileiras, e
pelas péssimas condições aí encontradas, incluindo a superlotação 22.

22
Cf. O Globo, 10/06/2001, p. 8/9
162

5 NEGAÇÃO SOBRE A EXISTENCIA DE PRESOS POLITICOS


NO BRASIL.

A preocupação com a segurança nacional e o aparecimento de uma legislação


que viesse a garanti-la datam, no Brasil, do governo Getúlio Vargas, e foi nesse
contexto que surgiu a Lei Nº 38, de 4 de abril de 1935 (BRASIL, 1935), a
primeira Lei de Segurança Nacional (LSN).A partir desta, outras foram criadas
com o objetivo de atender às demandas políticas e de segurança do Estado, ou
seja, sempre que o projeto de governo ou o regime se modificaram, a lei era
alterada.

Embora alguns autores só identifiquem a preocupação com o ‘inimigo interno’


durante a ditadura (GERALDO in DREIFUSS, 1998), tais ameaças já estavam
presentes desde a década de 1930, ou seja, a ‘ameaça vermelha’. Os
anarquistas, com forte atuação nos sindicatos e/ou associações profissionais,
além dos comunistas poderiam ‘seduzir’ os brasileiros com uma ideologia
considerada estrangeira e perigosa. Logo, a LSN de 1935 (BRASIL, 1935), a
primeira deste gênero a ser editada, demonstra que o governo de Vargas e
alguns segmentos da sociedade23 desejavam prevenir-se contra o ódio e a luta
violenta entre as classes sociais; contra atentados a pessoas ou bens com
motivação ideológica; contra a existência de partidos, sindicatos, associações
profissionais e agremiações que exercessem atividades subversivas da ordem

23
Não podemos esquecer que a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional e que não houve
protestos da imprensa ou da sociedade.
163

política e social; e contra os estrangeiros com atividades políticas nocivas ao


interesse nacional.

O fórum escolhido para julgar os crimes previstos pela lei foi a Justiça Federal
e seus praticantes eram sujeitos a julgamento singular, ou seja, havia distinção
entre crimes políticos e comuns.

A Lei de Segurança Nacional instituída em 5 de janeiro de 1953 (BRASIL,


1953), durante o segundo governo Vargas, tem poucas diferenças em relação
à anterior a lei de 1935 (BRASIL, 1935). Em plena Guerra Fria, o ‘perigo
vermelho’ mantinha o Ocidente em estado de alerta constante, talvez por isso
ela tenha permanecido em vigor até 1967. Esses exemplos demonstram que,
a preocupação e a perseguição aos cidadãos brasileiros que aderiram à
ideologia marxista que já existiam antes da ditadura militar. Na verdade, o que
houve nas décadas de 1960-1970 foi um dimensionamento exacerbado da
teoria do ‘ inimigo interno’. Em outras palavras, após o golpe civil-militar de
1964, o governo passou a ver os próprios brasileiros que lutavam pelas
reformas sociais e pelo fim da ditadura como seus opositores e potenciais
inimigos, ou seja, todo aquele que discordasse da política estabelecida era
considerado inimigo nacional.

A esse respeito Fico (2001, p. 136) diz :

(...) as ações no interior dos países são contra um inimigo


interno, cada vez maispreparado, capaz de ganhar espaço
para seus patrões alienígenas, evitando os engajamentos
diretos (...). A estratégia direta, subversiva, insidiosa, lenta e
contínua, mas sempre violenta, faz-se cada vez mais presente
no interior do Estado moderno.

No pós-64 a tese do inimigo interno ganhou mais força. A Revolução Cubana


foi interpretada como um sinal de que a ideologia socialista não ficaria
confinada ao Leste Europeu e à Ásia. Cuba tornou-se um exemplo e uma
ameaça para todo o continente Americano. Os Estados Unidos aumentaram a
vigilância não só no Brasil, mas em toda a América Latina, pois, se Cuba, que
164

ficava no ‘quintal’ deles, sucumbira à ‘escalada do Movimento comunista


internacional’, qualquer um podia ser influenciado e tornar-se um subversivo da
‘ordem política e social do governo’. Para que o novo regime cubano não se
espalhasse pelo continente, os norte-americanos, por meio de uma estratégia
que combinava desenvolvimento e segurança, passaram a combater com rigor
as demonstrações de nacionalismo e manifestações de soberania, por um lado,
enquanto, por outro lado, implementavam a Aliança para o Progresso,
concessão de verbas para ajudar a modernização dos países latino-
americanos em troca de uma maior subordinação dessas nações aos seus
interesses. Porém, os objetivos iniciais (desenvolvimento e segurança) foram
sendo abandonados pouco a pouco e substituídos pela intervenção militar onde
houvesse ameaça de se repetir o exemplo cubano.

(...) a “doutrina” supunha que o Brasil integrava-se ao contexto


internacional da Guerra Fria considerando (a) sua grande
população e extensão territorial; (b) seu posicionamento
geopolítico, que lhe confere importância estratégica no âmbito
das relações políticas internacionais e (c) sua vulnerabilidade
ao comunismo, à luz de supostas fragilidades internas
(população “despreparada” e políticos “corruptíveis”). Desse
diagnóstico, decorria que (a) o Brasil tinha condições de se
tornar uma das grandes potências mundiais e (b) era
necessário precaver-se contra a “ameaça comunista”. Em
consequência a ESG elaborou caminhos brasileiros possíveis
para (a) hipóteses de guerra entre os países capitalistas e
comunistas; (b) mecanismos internos de combate ao
comunismo e (c) um desenvolvimento econômico que
reforçasse o destino brasileiro de “grande potência”, isto é, de
país superiormente desenvolvido do ponto de vista industrial e,
também, estratégico quanto à interlocução política internacional
(ABRIL CULTURAL, 1980, p. 160).

Na verdade, mais do que uma simples lei que garantisse a segurança nacional,
a Doutrina de Segurança Nacional (DSN), elaborada basicamente pela ESG,
‘aperfeiçoada’ com a criação dos órgãos de informação e repressão da ditadura
brasileira e compartilhada com os outros regimes ditatoriais estabelecidos na
América Latina, ou seja, as leis foram sendo criadas na medida em que o
regime se consolidava.
165

De acordo com Fico (2001) os militares tinham um projeto de segurança e que,


mesmo com avanços e recuos, este foi colocado em prática. E se houve a
impressão de ‘abrandamento’ ou ‘endurecimento’ da linha governamental, isso
ocorreu porque os governos enfatizaram mais alguns aspectos, em detrimento
de outros, da Doutrina.

Entretanto, observando sob uma perspectiva mais geral, percebe-se que a


DSN (Doutrina de Segurança Nacional), em sua ânsia por terminar a chamada
“guerra interna”, institucionalizou a tortura e criou um aparato legal para
garantir o estado de exceção.

Dela derivam os expurgos, as cassações de parlamentares e partidos políticos,


o fechamento do Congresso e dos sindicatos, os banimentos, os decretos
secretos, o fim do habeas corpus, os mortos e os “desaparecidos”, além da
censura e do estímulo à delação.

A politização da sociedade brasileira havia atingido seu ápice, do ponto de vista


da história republicana, no período 1961-1964. O golpe civil-militar foi uma
ruptura neste processo de organização política e social. Em nome da “ordem”,
os militares, com o apoio de parcelas importantes da sociedade civil,
pretenderam atuar no sentido de conter, desmobilizar ou reprimir os
movimentos sociais.

O primeiro Ato Institucional (AI) foi decretado, em 2 de abril de 1964, pelo


autonomeado Supremo Comando da Revolução e atribuía ao Executivo
poderes para expurgar as principais instituições do país, enquanto o presidente
da Câmara, o deputado Ranieri Mazzilli assumia interinamente a presidência
do país. Como resultado do Ato, entre abril e novembro, aconteceu ‘uma onda’
de prisões de líderes políticos, sindicais e camponeses e, oficiais do Exército,
Marinha e da Aeronáutica foram transferidos para a reserva. Os ex-presidentes
Juscelino Kubtschek, Jânio Quadros e João Goulart, seis governadores, vários
deputados federais e senadores, líderes estudantis, intelectuais e funcionários
públicos tiveram seus direitos políticos suspensos por dez anos. Em novembro
166

do mesmo ano, setores do governo já falavam da necessidade de um segundo


ato institucional para a ampliação do processo punitivo.

O AI-2, porém só foi editado em 27 de outubro de 1965. Por meio dele os


partidos existentes foram extintos e instituíram-se a Arena (Aliança Renovadora
Nacional), representante do status quo, e o MDB (Movimento Democrático
Brasileiro), no qual a oposição se agregaria.

Interessante notar que a palavra partido não podia compor a sigla dos novos
movimentos políticos, além disso, tornaram-se indiretas as eleições para os
cargos de presidente da República e vice-presidente, reinstituindo-se os
poderes do executivo para dar continuidade às cassações. Quanto aos
governadores de estado e seus respectivos vices, também passaram a ser
eleitos indiretamente com o AI-3, decretado em 5 de fevereiro de 1966.

A nova Constituição, promulgada em 24 de janeiro de 1967, incorporou as


medidas político-administrativas centralizadoras implantadas até o momento,
apesar de alterar o nome do país de Estados Unidos do Brasil para República
Federativa do Brasil. Neste ano foram também sancionadas uma nova Lei de
Imprensa, em 9 de fevereiro, e outra Lei de Segurança Nacional191, em 13 de
março, institucionalizando as medidas coercitivas do regime. Sobre essa
legislação noticiou-se a seguinte matéria:

O presidente Castelo Branco assinou, ontem, (...) a nova LSN,


cujo texto lhe foi levado pelo ministro da Justiça, Sr. Carlos
Medeiros da Silva. (...) Fontes chegadas ao governo, que
haviam anunciado a assinatura do novo diploma legal,
observaram que este completa o conjunto de leis que o atual
presidente da República deixa ao seu sucessor, marechal
Costa e Silva, dentre os objetivos da revolução de 31 de abril
(sic) de 1964. (...) Com a nova Lei de Imprensa, a Constituição
votada pelo Congresso [expurgado] e, agora, a nova LSN,
estão institucionalizados, disseram ainda as mesmas fontes, os
princípios do movimento iniciado pelas Forças Armadas no
sentido de reformar o país. (...) Ao assumir o governo, no
próximo dia 15, o presidente Costa e Silva contará, assim
concluíram as fontes oficiais, com instrumentos adequados
167

para impedir que o Brasil volte a cair na subversão e na


corrupção24.

O AI-5, editado em 13 de dezembro de 1968, foi o ponto culminante do


processo de restrição aos direitos civis iniciado em 1964. Conferia poderes
quase absolutos ao governo. Por meio dele, o presidente podia decretar o
recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras
de Vereadores por ato complementar, em estado de sítio ou fora dele; no
“interesse nacional”, tinha liberdade para intervir nos estados e municípios; com
o apoio do Conselho de Segurança Nacional, os direitos políticos de qualquer
cidadão poderiam ser suspensos por até dez anos e mandatos eletivos
federais, estaduais e municipais poderiam ser cassados; ficava suspensa a
garantia de habeas corpus; e o estado de sítio poderia ser instituído e
prorrogado à luz da conveniência presidencial. Enfim, o governo,
particularmente o poder Executivo, assumia o controle integral da sociedade
brasileira (VIZENTINI, 1998).

Mesmo tendo em mãos um instrumento coercitivo como o AI-5, a ditadura, em


20de março de 1969, editou o Decreto-Lei Nº 510 que alterava alguns
dispositivos da Lei de Segurança Nacional de 1967. O Jornal do Brasil publicou
o decreto na íntegra, para que melhor compreendessem o texto. Assim a
população carioca foi informada que:

O presidente Costa e Silva baixou ontem decreto-lei que altera


vários dispositivos da LSN, com o objetivo de reforçar e
aperfeiçoar o sistema em vigor,eliminar dúvidas e
impropriedades e aumentar a maioria das penas
cominadas.(...) Os ladrões de bancos foram enquadrados, pelo
novo decreto, na LSN. É punido o incitamento contra a ordem
estabelecida, mesmo que não seja público, com pena que varia
de um a três anos de detenção. Antes a lei só falava em
incitamento público. O decreto inova a parte que trata dos
meios de comunicação, estabelecendo como delito a
divulgação “truncada” de notícias. (...) Juntamente com os
ladrões de bancos, são punidos com reclusão de dois a seis
anos os que praticarem devastação, saque, roubo, seqüestro,
incêndio ou depredação, ato de sabotagem ou terrorismo,
massacre, atentado pessoal ou que impedirem ou dificultarem
o funcionamento dos serviços essenciais. (...) O decreto traz
24
Cf. Jornal do Brasil, 22/03/1969, p. 1. O texto integral do Decreto-Lei Nº 510 está disponível no site
www.senado.org
168

uma série de inovações na parte que trata do processo e do


julgamento das pessoas que infringirem a Lei de Segurança.
Durante as investigações policiais, o indiciado poderá ficar
preso trinta dias, prazo que poderá ser prorrogado uma vez.
Até dez dias o preso poderá ser mantido incomunicável
(BRASIL, 1967).
169

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A mais completa das memórias coletivas é, com certeza, a memória nacional.

A memória coletiva dos cidadãos de um país é processo importante e


fundamental para se formar uma memória nacional bem consolidada.

Por sua vez, a construção de uma nação, passa pela seleção dos ‘lugares de
memória’ descritos por Pierre Nora. Todos esses lugares de memória, se forem
objeto de um ritual, possibilitam em termos material, simbólico e funcional que
os indivíduos se encontrem em sentimento com seus compatriotas. Tornar-se-
ia possível desenhar fronteiras mais ou menos sólidas que separassem um
grupo de indivíduos dos demais grupos existentes a partir do esforço de se
criar “pontos de referência que [estruturem] nossa memória e que a [insiram] na
memória da coletividade a que pertencemos”. (POLLAK, 1989, p. 3-15).

Ocorre que, quando existem dois projetos políticos , o projeto totalizante e o


projeto das minorias, a formação de identidades e memórias nacionais não
obedecem a uma lógica.

Enquanto projeto totalizante, a memória coletiva nacional está sempre


acompanhada do objetivo de fazer calar a dissidência. Sobre memória coletiva,
Halbwachs, tende a dar maior ênfase o papel desse tipo da memória, tornando
menor as críticas no sentido de ser esta “uma imposição, uma forma específica
de dominação ou violência simbólica”. (POLLAK, 1989, p.3-15).

Ainda que não fuja a Halbwachs, um ponto importante na discussão da


memória, será Michael Pollak que trará também importantes esclarecimentos
no que diz respeito aos processos de ‘negociação’ onde demonstra que a
170

memória nacional entra em disputa quando ‘as memórias subterrâneas, que


prosseguem seu trabalho de subversão no silêncio e de maneira quase
imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos bruscos e
exacerbados’.

A partir desse momento dá-se início as batalhas da memória e as tentativas de


revisão da memória nacional.

A memória oficial busca calar a memória das minorias ou as memórias que não
estão alinhadas as memórias totalizantes, mas esta minoria silenciada tem a
missão de preserva-la e transmiti-la as novas gerações para que possam
aflorar em momentos de crise ou de movimentos bruscos. Este período de
silêncio, de maneira alguma é resultado do esquecimento, mas se transforma
em fonte de resistência para os silenciados. É desta forma que, para aquele
grupo de indivíduos que tiveram suas vivências renegadas pela memória
coletiva nacional, o testemunho se apresenta como a maior arma de resgate
dessas memórias subterrâneas.

Quando um grupo se percebe incapaz de transmitir suas memórias


publicamente por força de interesses de outros grupos que, em posição
dominante, buscam fazer calar os testemunhos das memórias clandestinas,
surge o risco da obrigação do silêncio público gerar esquecimento. A memória
coletiva subterrânea dos grupos dominados sobrevive por meio de sua
transmissão em níveis mais profundos, como em associações de vítimas de um
desastre, redes familiares ou de praticantes de algum culto, “esperando a hora
da verdade e da redistribuição das cartas políticas e ideológicas”. (POLLAK,
1989, p.3-15).

Os testemunhos dos indivíduos dos grupos oprimidos são ferramentas


fundamentais para a transmissão e consequente sobrevivência das memórias
subterrâneas.
171

Quando o testemunho se refere a um acontecimento traumático, torturas


sofridas por presos políticos na repressão, remetendo o indivíduo a lembranças
de dor e ao sofrimento físico e psicológico sofrido, o quadro se torna mais
complexo em torno desse resgate da memória é como se retirássemos o
trauma do passado e colocássemos no momento presente, sem garantias que
irão superá-los, pois existiram perdas irreparáveis como, por exemplo, um
sepultamento que não aconteceu em razão de não haver um corpo ou mesmo
situações de envolvimento familiar indireto com a clandestinidade causando um
trauma pessoal e consequentemente familiar.

“O trauma é caracterizado por ser uma memória de um passado que não


passa” (SELIGMANN-SILVA, in SELIGMANN-SILVA, 2003, p.73-98) que
acompanha sempre sua vítima.

Mesmo com a chegada dos tempos de democracia, percebia-mos a opção pelo


silêncio e pelo esquecimento, como alternativa para encarar o problema das
torturas, prisões e mortes políticas ocorridas durante a ditadura.

No que se refere ao período do regime militar no Brasil, o período de silêncio


dos excluídos, dos marginalizados e das minorias foi encerrada, pelo menos
dos que fazem parte do grupo dos antigos opositores do regime. Mas por parte
das Forças Armadas persiste a política de silêncio oficial, ainda que de forma
mais branda em relação aos primeiros anos após o fim da ditadura, orientada
pelo ‘acordo’ que servia como pacto mútuo de esquecimento e silêncio em prol
da construção de uma sociedade harmônica, mas que não foi construído com
concordância de ambas as partes

A esse respeito Passarinho (2001) diz: “os vencedores pelas armas não
pregam o perdão, que pressupõe arrependimento, mas o esquecimento mútuo,
fundamental para a reconciliação”.

O ‘acordo’ se traduz na lei da anistia que é a denominação popular dada à lei


n° 6.683, promulgada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto
172

de 1979, após uma ampla mobilização social, ainda durante o regime militar de
1964.

Em sua redação original dada pelo Projeto de Lei n° 14 de 1979-CN (BRASIL,


1979), dizia-se o seguinte:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período


compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de
1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes
eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e
aos servidores da Administração Direta e Indireta, de
fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos
Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes
e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos
Institucionais e Complementares e outros diplomas legais.

Embora esta tenha sido a redação original, o trecho final onde se lê ‘ e outros
diplomas legais’ foi vetado por orientação do então presidente João Batista
Figueiredo em mensagem apresentada à sessão conjunta do congresso
nacional em 22 de agosto de 1979.

Esse acordo unilateral de anistia fez surgir imediatamente inúmeros


depoimentos de presos, torturados e opositores. As memórias que até 1979,
que poderiam ser consideradas como subterrâneas ganham espaço para
eclodir, mesmo que isso tem sido feito a contragosto dos militares que na
época de ditadura eram os responsáveis pela construção da deturpada
memória oficial.

Nos relatos dos presos políticos há espaço para a memória da resistência, e da


clandestinidade. No entanto, o que diz respeito ‘a denúncia da tortura’ aparece
como ponto principal na construção de memória dos militantes sobre o período
da ditadura militar no Brasil.

É unanime surgir nos relatos dos presos políticos, relatos sobre as condições
de ferimentos e traumas sobre seu corpo e as condições que foram submetidos
173

após serem torturados. Relatam e relembram com muita clareza das dores, das
fraturas e dos traumas a que foram submetidos.

O corpo é o lugar de memória por excelência das vítimas de violências e


tortura, ter vivido um trauma anterior no mesmo corpo que hoje se encontra
livre da tortura, representa uma maior dificuldade em afastar o passado vivido
do momento atual. Naquele momento a tortura da consciência se confunde
com a tortura do corpo, uma vez que se pode compreender que a:

(...) principal meta do torturador é despir o corpo e tentar


alcançar a alma do torturado, estabelecer uma cunha entre o
corpo e a mente com o propósito de desconstruir a inteireza, a
integridade e a privacidade do seu alvo e que a incorporação
da construção da subjetividade nos estudos históricos e
antropológicos (ARAÚJO & SANTOS, 2007. p. 34 e 109).

26
A Comissão Nacional da Verdade, que foi responsável por investigar as
‘graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946
e 5 de outubro de 1988’, nos mostrou que quando se trata de batalhas por
memórias não se pode produzir o perdão levando em consideração o tempo
que passou, pois as feridas ,neste sentido, estão ainda com a casca muito fina
e sempre irão estar lá, pois para Halbwacs (2006), a duração de uma memória
está limitada a duração da memória do grupo, isso significa dizer que há
necessidade de preservação de elos entre os integrantes de um grupo para
que sua memória permaneça. Como exemplo dessa afirmação, descreveremos
lembranças a respeito da relação torturado, torturador e corpo. Enquanto os
torturados tem uma facilidade maior de se lembrarem dos momentos vividos,
descartando sempre das lembranças a figura real do torturado, ficando apenas
uma imagem, o torturador menos envolvido com o individuo, não recupera
facilmente a mesma lembrança com a riqueza de detalhes rememorado pelo
lado do torturado, haja vista que o torturado sempre estará ligado ao grupo
,tendo como elo de ligação o corpo que é um lugar de memória e carrega as
marcas e os traumas .
174

É nesse sentido que o Brasil, buscou formas e alternativas “no intuito de


superar o distanciamento entre passado e presente e estabelecer uma agenda,
em que a lembrança se vincula à possibilidade do esquecimento”. (ARAÚJO &
SANTOS, 2007, p. 96). Esses esforços de ressurgimento das memórias
subterrâneas são de suma importância, e neste sentido Pollak diz: “ainda que
quase sempre acreditem que ‘o tempo trabalha a seu favor’ e que ‘o
esquecimento e o perdão se instalam com o tempo’”. (POLLAK, 1989, p. 9).

O grupo dominante na maioria das vezes reconhece, as vezes tarde e com


pesar, o ressentimento e o ódio dos dominados .

Os relatos e pesquisas desempenha papel fundamental na preservação de


memórias subterrâneas. O testemunho dos que se opuseram ao regime militar,
sejam eles cidadãos descontentes ou militantes de esquerda ligados a
organizações de vanguarda, são os responsáveis pelas primeiras tentativas de
abertura política, exercendo papel fundamental para a constituição do rosto, e
principalmente a voz sobre as perseguições ideológicas, torturas e prisões
arbitrárias.

Apesar da existência de tortura não ser um fato desconhecido pela maioria dos
cidadãos, foi rompida a fronteira do ‘dizível’ e do ‘indizível’ ,submergindo com
as memórias subterrâneas da sociedade civil dominada, passando então do
“não dito” a a situação de contestação e reinvindicação. (POLLAK, 1989).

Nesse sentido, um grande passo para a saída do estado de letargia, foi


lançamento do livro ‘Brasil nunca mais’, em 1985, que trouxe ao grande público
uma ‘arrasadora exposição do sistema repressivo’, detalhando em um longo
relato as mais diversas e cruéis práticas de tortura utilizadas pelo regime em
prisões e centros clandestinos de detenção pelo país,fez com que a
perspectiva dos antigos opositores do regime eclodisse definitivamente da sua
posição subterrânea. Nesse momento, o Estado brasileiro já não possuía
ferramentas para conter a vinda a público dessa memória tão traumática.
175

Mas definitivamente a criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e suas


réplicas em nível municipal e estadual, foi o principal motivo para que a
verdade viesse à tona.

As violências não se superam com falsas políticas de esquecimento.

No que diz respeito à ditadura militar brasileira: “os subterrâneos das


delegacias, os espaços do DOPS, DOI-CODI, são os campos nos quais a
exceção fez da tortura a norma biopolítica de governo no estado de exceção do
Brasil”. (RUIZ, 2912, p. 82).

As testemunhas verdadeiras são as que vivenciaram a violência, sendo que


esse sofrimento não pode ser traduzido em palavras. E as testemunhas mais
radicais não podem mais dizer por que morreram em razão da violência
aplicada sobre elas. Mas seu silêncio serve como testemunho

A relação entre memória individual e memória coletiva proposta por Halbwachs


(2006) vem suscitando cada vez mais outras considerações e abordagens.

Para revisar a história é de fato fundamental a memória das vítimas,


testemunho da vítima revela uma verdade impossível de ser substituída por um
terceiro.

Mesmo, o ressentimento não tendo, necessariamente, um caráter negativo.


Quando advindo de situações de extrema violência, pode ser considerado uma
virtude moral contra o esquecimento.

O testemunho de um militante politico que sobreviveu a tortura e a prisão é a


denúncia de um tempo em que os falsos pressupostos de uma doutrina,
chamada de segurança nacional, se cravam como garras no corpo social da
nação, dilacerando-a bárbara e impunimente. Apesar de narrar uma
experiência pessoal, pode ser lido como um pedaço da história de cada um, ou
de todos aqueles que, direta ou indiretamente, foram atingidos pela repressão
política que se abateu sobre a nação a partir de 1964.
176

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