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iropa-ai
Falar desenvolvidamente da vastíssima obra do Prof. Dr. Fi-
delino de Figueiredo ao longo de sessenta anos de actividade
literária constante, desde o romance Os Humildes, ou da obra
de história crítica da literatura O Espírito Histórico, publicada em
1910, até Entre Dois Universos, seu último livro editado; falar
de uma figura sobre a qual já se debruçaram valores mundiais
como Unamuno, Keyserling, Brion, Cassou, Gilberto Freyre, não
cabe na capacidade dimensional deste apontamento.
Bastará dizer que a todo este vasto conjunto constituído por
algumas dezenas de volumes faltava, no julgamento do próprio
autor, uma conclusão geral equivalente à moralidade de uma fá
bula extensa e intensamente vivida. Surgiu ela neste inesperado
livro. Um livro com funda vibração humana, em que o autor
avança na confissão dos seus entusiasmos e das suas ansiedades,
mais que nos volumes anteriores. Quase um auto-retrato de pin
tor ao lado da paisagem que contempla e extracta na sua tela.
Símbolos & Mitos, escrito num estilo puríssimo e calmo de
filólogo e filósofo, de escritor e pensador, é uma longa medi
tação sobre os últimos acontecimentos nos mais variados ramos
da ciência, da literatura, da filosofia, onde o autor rememora o
estilo de cultura em que se formara, o considera derrubado, e
corajosamente se propõe enfrentar uma nova visão do mundo,
uma nova explicação científica, uma nova interpretação estética
o -fí 1/t v Á 4 ir*n
COLECÇÃO ESTUDOS E DOCUMENTOS
Obras publicadas:
FIDELINO DE FIGUEIREDO
SÍMBOLOS
&
MI TOS
Todos os direitos reservados.
Capa de Ibolya Salkovits
A o s m eus filh o s, M aria Graziela,
Jorge Fidelino, H e le n a D u lc e e
N uno Fidelino — todos m u ito dis
ta n te s e sem pre bem 'presentes.
Breve prólogo
Nestas magras 'páginas se recolhe um solüóquio
lentamente meditado e rosnado, mas com sua varie
dade nos temas, nos andamentos e nos tons.
Nas antigas oratórias havia um evangelista, que
representava o desdobramento do compositor, para
conduzir o fio do entrecho, ainda que este fosse de
ordinário bem conhecido por ter sua versão prefi
xada.
Também tio presente monólogo, apesar de debater
só matéria viva e comum, se entendeu útil desdobrar
o agonista único em duas personagens — o protago
nista, que vai meditando, e um secretário, que lhe
registra as palavras com fidelidade aproximativa.
Precariamente aproximativa, porque não se gravou
um disco ou uma fita magnética, nem se recorreu
à colaboração de cügum cérebro electrónico; apenas
se rabiscou papel. E essas mesmas palavras recolhi
das seriam já na origem rigorosamente fiéis às ver
dadeiras idéias e intuições pensadas e sentidas?
Como sabê-lo? Em caso nenhum o protagonista de
sautorizaria o seu secretário.
Ave, Lector.
Dois símbolos
S. M. — 2
►
Sísifo de Corinto
Os Helenos demonstraram mestria, até hoje inex-
cedida, para a criação de mitos ou ficções de inter
pretação estética, bem expressivos, em sua antropo-
morfose, de relevantes fenômenos naturais e morais.
Mitos dinâmicos ou susceptíveis de ilimitados desen
volvimentos ulteriores, como biografias de heróis,
semideuses e deuses sempre vivos e activos, a obrar
prodígios e a infligir más surpresas e percalços aos
pobres seres humanos*, sem poder mítico ou mágico.
De resto, toda a mitologia clássica deslumbra pela
inicial inspiração criadora; decepciona pela aplica
ção do poder mítico e volta a deslumbrar ou a hor
rorizar pela magnitude cruel dos castigos das rebel-
dias e aventuras que desagradavam aos deuses por
que ofendiam a sua soberania ou despertavam a sua
inveja rancorosa. B astará lembrar os suplícios im
postos aos títanes que ousaram coligar-se para guer
rear Zeus. Eem mostrou Camões sentir a essência
dessa mitologia na criação de Adamastor. Os homens
comuns, com sua perversa imaginação, sedentos de
mal, encarregavam os deuses de executar as per-
veraidades morais que lhes enchiam os corações e
quo eles não podiam pôr em obra. Assim será sempre
m im mitologias ou teogonias que soem acompanhar
80 F ID E L IN O D E FIG U E IR E D O
SÍM B O L O S d M IT O S 33
s. m. —3
34 F ID E L IN O D E F IG U E IR E D O
SÍM B O LO S & M IT O S 63
M. — 6
Os deuses eram iníquos. E não esqueciam as suas
iniquidades, ou para vigiar a rigorosa expiação dos
supliciaáos ou para as alterar com agravamentos e
variantes que proporcionassem gozos novos ao seu
incontestável sadismo. Os desgraçados que houves-
sem mostrado ousadias insólitas e espírito inventivo
não saíam mais da s-ua memória. Zeus perguntava
amiúde à sua cruel imaginação que fruto poderia co
lher das advertências dos audaciosos. Bem analisa
das, as sentenças que fulminou contra os títanes
mostraram um sábio aproveitamente das aptidões
dos vencidos para ao mesmo tempo os fazer sofrer
e utilizar os seus sofrimentos. A audácia sem par
de Prometeu nunca mais foi esquecida. A par dessa
audácia havia no roubador do fogo celeste, fonte
de toda a vida, uma preocupação antropófila, que
dava que pensar a Zeus — omnipotente m as não
omnisciente. Prometeu não se contentara de entre
gar aos homens os poderes mágicos do fogo, da sua
luz e do seu calor; ensinara-lhes o uso desse fogo na
produção de muitas coisas úteis à sua miséria de
samparada. E isso intrigava muito a Zeus, quando
os cuidados do seu reino olímpico e as suas travessu
ras eróticas lhe deixavam algum lazer meditativo.
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# • m
S. M. — 0
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(*
Príncipios e limites
(Interpolação)
Quero voar!
— mas saem da lama
garras de chão
que me prendem os tornozelos.
Quero morrer!
— mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.
E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
— tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algem as...
J o s é G o m es F e r r e i r a , Poesia, II.
Sumário
S. M. — 8
114 F ID E L IN O D E F IG U E IR E D O
S. M. — 9
130 FID E L1N O D E F IG U E IR E D O
S. M. — 10
146 F ID E L IN O D E FIG U E IR E D O
S. M. — 11
162 F ID E L IN O D E F IG U E IR E D O
Ú ltim o alto
(Outra vez o secretário, cansado, afrou
xou no seu esforço, vendo que a febre do pa
trão também abrandara, com a aproximação
da terra e da gente portuguesa. Por mais
amplo que seja o alcance de uma angústia,
sempre ela nascerá num horizonte pátrio e
se expressará num idioma nacional. Os sis-
mos, ainda os mais violentos, também têm seu
epicentro. Terra e gente eqüivalem para cada
pensador à célula de um favo, onde cada abe
lha deposita o seu mel, que depois o crestador
ou o centrifugador fundirá num mel único.
E o pobre olhava as garatujas que ainda
lhe faltava decifrar, olhava-as com esperança
numa pausa. Enganou-se, porque o albatroz
de asas quebradas já levantava imprudente
voo para as nuvens.)
Ladeira final
( O secretário não era um Zagalo qualquer,
mantinha dentro de 'perfeita lealdade a sua
independência crítica. Chegando aqui, depôs
a caneta em descanso para se permitir algu
mas reflexões leais — tão leais que pareciam
trechos de um «diálogo ao espelho». E pensou:
«Que adianta a quem vai acabar saber que
morre vitimado pela assincronia de duas
grandes civilizações rivais e pela falta de ho
mens de estatura gigantesca para abarcar o
conjunto dos problemas de escala mundial ou
planetária, porque o mundo político dorme
um sono de imobilidade pré-ptolomaica, sem
recolher o impulso da era espacial, ou por
ser apenas instrumento de uma experiência
de Zeus?» Entretanto, olhando as suas notas,
cobrou ânimo como um cavalinho fiel, à vista
prometedora da coudelaria.)
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Epílogo
.
8 m . — 12
Que longe e alto o levou a simples contemplação
de dois expressivos desenhos a que ele atribuiu sen
tido amargurado! Não há nada pequeno e isolado
da realidade universal. Tudo se articula ao conjunto
cósmico. A mais reduzida partícula do átomo invi
sível ou a dor dum mísero calinho no dedo mínimo
de um pé levam a igual distância e altura. O mesão
e a dor do calo exprimem a mesma energia com que
o Sol nos ilumina e aquece; o calo evoca-nos a cir
culação sanguínea, o sistema nervoso, o estado ge
ral do organismo, o estado ocasional da atmosfera,
os raios cósmicos, e funde-se com o seu ridículo pun-
gir na energia que move miríades de galáxias há tri-
liões de anos. Isso pode inspirar orgulho e humil
dade, porque somos tudo e ao mesmo tempo quase
nada nesse tudo.
Partira de dois desenhos convertidos em sím
bolos do carácter e do destino de uma vida obscura,
para de conversão em conversão, dialècticamente,
através de mitos de vário conteúdo e diversa vali
dade, chegar ao abismo sem fundo da dor humana —
onde tudo se sumiu. Seguira o fio ondulatório ou
sinuoso da sua meditação ensimesmada. Realmente,
ondulatória? A ondulação exprime flutuação mais
que seqüência; e produz pequenas e indecisas dés-
180 FID EU NO DE FIGUEIREDO
Natal de 1963.
»
Pág.
Breve prólogo .......................................................... 13
I — Dois símbolos .......................................................... 17
— Sísiío de Coriu to ................................................................. - ......... 27
— Sisifismo e existendalism o .................... .............. 51
— Uma experiência de Zeus ...................................... 65
— Vertigem e perplexidade ...................................... 89
— Princípios e lim ites (Interpolação) ....................... 95
Primeiro alto ............................. ...... .................. 116
Segundo alto ........................................................• 138
Ültimo alto ......................... ........................ 162
Ladeira final .................................. ........... ......j 172
VII — Epílogo ...................................... ........... ........... . 177
*
ADDENDA