Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
e as Fronteiras da Tradução
Dissertação de Mestrado
Porto – 2017
e as Fronteiras da Tradução
Dissertação de Mestrado
Porto – 2017
A conjugação da fábula com a tradução torna-se muito pertinente para a compreensão dos
seus limites e fronteiras em relação com a adaptação, a recriação e a transmutação. Trata-
se de um género literário bastante flexível que, neste âmbito, é utilizado com o propósito
de ilustrar as dificuldades que apresentam as suas variadas manifestações e de que forma
podem, ou não, constituir tradução.
A presente dissertação irá seguir esta linha de raciocínio recorrendo a uma abordagem
diacrónica breve da fábula, com particular foco n“A Cigarra e a Formiga”, por ser uma
das fábulas mais populares, culminando com a análise comparativa das versões de Félix
María Samaniego, de Miguel Torga e de Arturo Pérez-Reverte. Para além disso, dá-se
também destaque às diversas manifestações da fábula de Esopo que passam pelo cinema,
pela música, e pelas artes plásticas, entre outros.
Abstract:
The combination of fable and translation becomes very relevant to understand the limits
and boundaries of the former, in contrast with the notions of adaptation, recreation and
transmutation. Within this context, this flexible literary genre turns out to be instrumental
to illustrate the difficulties posed by its multiple manifestations, as well as the way in
which these can, or cannot, be instances of translation.
The present dissertation follows this line of reasoning through a brief diachronic approach
of the fable, with particular focus on "The Grasshopper and The Ants" — one of the most
popular fables —, followed by a comparative analysis of the versions of Félix María
Samaniego, Miguel Torga and Arturo Pérez-Reverte. In addition, it discusses the different
configurations of Aesop’s fable, including media as diverse as the cinema, music and the
plastic arts, among others.
II
Se busca un traductor
que sepa coser
que separe los hilos del texto, que lo desgarre amorosamente en trapos
que sepa bordar
que descubra los colores, los relieves, que cambie las agujas si hay hilos
gruesos y los hay finos, que recame, que enhebre, que deshebre y pesebre, que
dé pespuntes, encuentre el grado cero y en un pronto se enardezca y vuelva
a la calma cuando el tejido del texto lo exija.
Se busca un traductor
que no sólo borde sino también aborde lenguajes, códigos, señales, guiños,
cuerdas, broches, corchetes y pendientes.
Se busca un traductor que haya probado todos los transbordadores del
mundo incluso sin haberse movido de su casa.
Se busca un traductor que sepa abrir la puerta.
Se busca un traductor que confunda la palabra con el paladar.
Se busca un traductor que no se paralice y se mueva al ritmo de la lengua
que se mueve, que se mueve se mueve sin embargo se mueve, que sea capaz
de revolcarse y revolverse en las inmensas sábanas del lenguaje.
Se busca, ante todo, un traductor que reniegue de los dogmas, de los policías
del idioma.
Se busca un traductor, un errabundo. Se busca a Penélope o a Ulises.
III
Dedicatória
IV
Agradecimentos
À minha orientadora, Mestre Especialista Laura Tallone, pelo apoio, pela força, pela
paciência, por acreditar sempre em mim e nas minhas capacidades, pela disponibilidade,
pela dedicação, e por ser uma grande fonte de inspiração para a vida e um ótimo exemplo
de profissionalismo.
À minha mãe e irmã, Margarida e Raquel, pela paciência e compreensão durante os meus
momentos de desespero, e também pelas iguarias anti-stress.
A todos os que não me apoiaram e acreditaram que eu nunca seria capaz, deixando-me
ainda mais orgulhosa de mim própria por lhes provar o contrário.
V
Índice Geral
Introdução 1
Conclusão 68
Bibliografia 70
1. Fontes Primárias 70
2. Fontes Secundárias 70
2.1. Fontes em Formato Físico 70
VI
2.2. Fontes em Formato Digital 71
3. Bibliografia Complementar 83
Anexos 85
Anexo 1 - Fábula de Samaniego, La cigarra y la hormiga 85
Anexo 2 - Fábula de Torga, Fábula da fábula 87
Anexo 3 - Fábula de Pérez-Reverte, Canción de Navidad 88
Lista de Anexos em Formato Digital 91
Apêndice 92
Versão Portuguesa de “Canción de Navidad” de Arturo Pérez-Reverte 92
Índice de Autores 95
VII
Índice de Ilustrações
VIII
Introdução
Durante séculos, todas as crianças alguma vez leram ou ouviram fábulas: contos breves
em que os animais falam e agem como seres humanos, espelhando os nossos sentimentos
e com frequência as nossas piores características. A fábula faz parte do cânone da
literatura infantojuvenil em numerosos países. Ela é repetida, transformada e recriada
vezes sem conta, não só pela literatura, mas também pela música, a pintura, a escultura,
o cinema… Perante tanta diversidade, cabe perguntar se todas as diferentes versões da
mesma fábula podem ser consideradas ou não traduções. Se tudo for tradução, então como
é que esta se define? Se o não for, onde estão as suas fronteiras? Foram estas questões
que deram início à pesquisa representada neste estudo.
Deste modo, no trabalho são problematizadas diferentes versões da fábula "A Cigarra e a
Formiga", nomeadamente os textos "La Cigarra y la Hormiga" de Félix María Samaniego,
"Canción de Navidad" de Arturo Pérez-Reverte e "Fábula da Fábula" de Miguel Torga,
bem como diversos exemplos encontrados no ballet, no cinema, na música e nas artes
visuais, entre outros, numa tentativa de conhecer melhor os âmbitos da tradução e da
adaptação.
1
detalhe a fábula "A Cigarra e a Formiga" e a examinar as distinções entre as versões mais
famosas desta fábula, de forma a determinar de que forma os textos contemporâneos
representam os textos clássicos.
2
a própria procura. Quantas vezes, numa viagem, o percurso é muito mais interessante do
que o destino final!
3
Capítulo 1 - Origens, Estrutura e
Desenvolvimento da Fábula na Europa
Na sua etimologia, o termo ‘fábula’ deriva do latim fabula, que significa ‘narração’,
‘história’ ou ‘conto’, cuja raiz se encontra no verbo latino fari, com o significado ‘falar,
contar histórias, narrar’ (Pereira e Neves, s.d.: 2-3), e no grego phao, que significa ‘contar
algo’.
Dado que esses textos eram utilizados para criticar as pessoas e os costumes e vícios dos
seus contemporâneos, os fabulistas disfarçavam as personagens das suas narrativas sob a
forma de animais, para deste modo se esquivarem a possíveis perseguições e agressões
(id., ibid.). Conforme assinala Baptista (2003: 123), os animais são representados como
portadores dos vícios, sentimentos, atitudes, virtudes e defeitos do Homem. Assim, estas
pequenas histórias fazem com que o Homem se encante e se divirta, com frequência rindo
até de si próprio sem sequer se aperceber (id., ibid.: 124).
4
Levando isto em conta, podem caracterizar-se as personagens das fábulas como
personagens-tipo, “porque representam um modo de ser de um conjunto de pessoas”
(Alfredina, 2005: s.p.), ou encarnam um único atributo, do qual podem tornar-se
símbolos: o leão costuma representar a força; a raposa, a astúcia traiçoeira e a formiga, o
trabalho árduo.
Porém, na fábula, as personagens não são só animais. Ruiz Rodríguez (2010: 22) afirma
que “[…] podemos encontrar seres humanos, tais como crianças malcriadas, ciumentas
ou egoístas, ou também objetos ou elementos de diferentes origens”, nomeadamente na
fábula “A Panela de Ferro e a Panela de Barro” de La Fontaine, ou “El diamante y el
Cristal” do hoje esquecido fabulista espanhol, Juan Eugenio Hartzenbusch.
Outra particularidade essencial deste género literário é que, geralmente, abarca uma lição
de moral no final da história, ou, em outras palavras, uma mensagem, um ensinamento,
que o autor pretende transmitir como desfecho da sua obra. Por outro lado, “[a]creditava-
se que a moralidade seria mais fácil de assimilar, quanto maior fosse a alegria e a distração
contida na história dos animais que possuíam características humanas” (de Figueiredo,
2011: 40).
[A] moralidade, na sua dimensão mais apropriada, tem que ser de entendimento
próprio de quem lê a fábula, […] pois só o ouvinte na sua amplitude pessoal e íntima
poderá determinar o que crê ser a moralidade em cada fábula. […] o espectador é
responsável pela assunção concreta de uma moral através daquilo que lhe é dado
5
escutar. Ao invés da moralidade esopiana que se estabelece como norma
universalmente determinada, logo a ser adotada (Rodrigues, 2012: 27).
Nalguns casos, a fábula, embora não inclua uma lição de moral desenvolvida, conclui
com uma máxima, que condensa o propósito pedagógico da história e que, em muitos
casos, se torna um provérbio ou ditado com um funcionamento autónomo. Assim, na
fábula “A Lebre e a Tartaruga”, a primeira tinha por hábito fazer troça dos movimentos
lentos da segunda. Esta, cansada de ser motivo de chacota para deleite da Lebre, desafiou-
a para uma corrida. No tiro de partida, a Lebre desapareceu num ápice e, para demonstrar
o quão ridícula era a Tartaruga, deitou-se a dormir uma sesta até que ela a alcançasse.
Adormeceu profundamente, e a Tartaruga conseguiu ultrapassá-la e ganhar a corrida. A
lição de moral que se depreende na versão de Esopo é “devagar se vai ao longe” (Pinheiro,
2012: 185-6).
Nas histórias de Esopo a lição de moral está situada no final; já em Fedro podemos ver,
muitas vezes, uma lição de moral implícita ou então referenciada no início dos seus textos
(Braga Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 176). Um exemplo é a fábula “Vipera et
Lima” (A Víbora e a Lima), onde o fabulista começa os dois primeiros versos com a lição
de moral “Mordaciorem qui improbo dente adpetit, Hoc argumento se describi sentiat”,
ou seja, “(Aquele) que cobiça com dente ímprobo (perverso) um mais mordaz do que ele,
compreenda (sinta) que ele é descrito por este argumento” (Elias, 2013: s.p.).
6
arrogância, a mentira” (Ruiz Rodríguez, 2010: 22), “a vitória da fraqueza sobre a força, a
bondade sobre a astúcia e a derrota de preguiçosos” (“Confabulando: De onde surgiram
as Fábulas?”, s.d.). Deste modo, pode-se afirmar que a fábula tem um caráter didático-
moral, na qual o propósito é o de transmitir valores morais.
Com ou sem moralidade, para Van Dijk (2003: 264) a fábula “é um género flexível e
multifuncional, sendo isto precisamente a sua maior força e a razão da sua vitalidade”.
Este autor distingue as fábulas das anedotas e dos mitos, enfatizando a importância da
narração, da ficção e da metáfora nas histórias.
En estos dos últimos respectos [ficticio y metafórico] las fábulas difieren de las
anécdotas y los mitos. Las anécdotas puedes inventarlas y los mitos parecen ser
fantásticos también, pero lo que es relevante es que se presentan como si realmente
ocurrieran, mientras que la ficcionalidad de las fábulas es evidente. Además, las
anécdotas y los mitos se toman literalmente. Las fábulas, sin embargo, no dicen lo que
cuentan. La fábula de la cigarra y la hormiga […] no trata de dos insectos, sino de la
prudencia, o del egoísmo, depende de hacia quién va la simpatía o del autor o del
lector (id., ibid.).
Por norma, nestas histórias existe um narrador que as conta cronologicamente, fazendo
uso da terceira pessoa. Elas não estão focalizadas num período de tempo em particular,
sendo intemporais (Ruiz Rodríguez, 2010: 22). Os títulos dos textos deste género literário
habitualmente enunciam as personagens da história desvendando o mínimo possível da
narrativa, para não antecipar o tema da mesma (Luna, 2011: s.p.).
As fábulas assentam sobre uma estrutura dupla. Desde o título é possível observar-se um
contraste opositivo entre personagens, que se encontram sempre numa situação de
disparidade social, ou seja, são evidentes uma posição alta e uma posição baixa e
7
desfavorável (Ruiz Rodríguez, 2010: 22-3); um contraste entre o forte e o fraco; um
antagonismo entre o querer e o poder. Apesar desta característica, o objetivo não é o de
salientar a vitória ou o fracasso de nenhuma das partes, mas sim criticar esse contraste e
expor a sua hipocrisia, revelando um conceito mais realista (Braga Onelley e de Almeida
Peçanha, 2010: 176).
Moreira menciona ainda que as fábulas podem ser classificadas como agonais e
etiológicas (2014: 229).
Na visão de Adrados, a fábula […] apresenta um tipo fixo de organização que contém:
situação, agón e conclusão. A situação é o início, a apresentação do problema. O agón
é o conflito e a conclusão é constituída por uma ação ou palavra da última personagem
que intervém. As fábulas que possuem essa estrutura formal são chamadas de agonais
[…]. Geralmente apresentam um embate entre duas personagens que se desenvolve e
se resolve por meio de palavras ou ações. […] há ainda as fábulas […] etiológicas
[que] […] consistem apenas em um relato e, em geral, apresentam uma personagem
que reage diante de determinada situação. Dependendo do desenvolvimento da ação,
as fábulas [etiológicas] podem apresentar nuances de proximidade com as fábulas
[agonais] (apud. de Souza, 2010: 88-9).
2
Existem mais dois tipos de textos narrativos alegóricos – a parábola e o apólogo –, ambos habitualmente
confundidos com a fábula. A parábola compara “a ficção com a realidade”, no que toca a questões religiosas e lições
éticas e, assim, transmite uma “lição de sabedoria”. É diferente da fábula e do apólogo visto que as personagens são
sempre seres humanos. O apólogo transmite um ensino da vida com acontecimentos idênticos aos que acontecem na
realidade, sendo as personagens “pessoas, objetos ou animais, seres animados ou inanimados”. É diferente da fábula
porque aborda, na sua grande maioria, acontecimentos da vida real, e é diferente da parábola pois engloba qualquer
tipo de questões, não se limitando apenas às que esta se limita (Rodrigues, 2010: 48).
8
Este género literário, “desenhando um arco diacrónico […] estende[-se] da antiguidade
clássica até à contemporaneidade”, perdurando até aos dias de hoje (Pereira e Neves, s.d.:
2). Assim sendo, nas páginas seguintes apresenta-se um sintético panorama cronológico
do desenvolvimento da fábula, com início na Idade Antiga, passando pela Idade Média e
Moderna, e culminando na Contemporânea.
1.1. Antiguidade
Já na Grécia Antiga, nas obras épicas atribuídas a Homero era possível se observar as
emoções do Homem assemelhadas às dos animais, como também era visível a
comparação entre a valentia dos heróis e a robustez dos monstros (Baptista, 2003: 124).
“Algumas fábulas famosas desta época clássica atribuem-se a Homero […]” (Guijarro
Zabalegui e López Sáez, 1998: 329) que, apesar de o seu género literário não ser
efetivamente a fábula, as comparações que escrevia com animais já continham, de forma
concisa, o gérmen do género.
Nos seus primórdios, a fábula surgiu na Idade Antiga, mas gozava de uma estima muito
reduzida. O género literário era empregue como um simples recurso retórico, ou escrito
quase como uma paródia de situações muito amplas. Era visto com um único propósito:
o de servir de exemplo, e para quem o exortasse, o objetivo era o de influenciar quem
escutasse. Posteriormente, a utilização do género, conforme supradito, caiu em desuso
(Moreira, 2014: 228).
9
introduziu-se o conceito de “livre arbítrio”, que estabeleceu não só uma rutura com as
crenças anteriores, mas entregou ao ser humano a liberdade e a responsabilidade pelos
seus próprios atos, e gerou a possibilidade de o Homem mudar a sua natureza com um
julgamento moral. Desta mudança de mentalidade advém, em parte, a popularidade que
a fábula foi adquirindo a partir da Idade Média.
A questão sobre qual região originou a fábula poderá ser discutível. Existem
investigações que conduzem a sua génese à antiga Mesopotâmia, onde se encontravam
nas bibliotecas das escolas, em tábuas de argila (Ruiz Rodríguez, 2010: 20); outras
investigações se direcionam à Índia, com a mais antiga coleção de fábulas indianas
conhecida – o Panchatantra (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 329); mas também
existem investigações que levam à Grécia de Esopo, ao Egito e a Babilónia.
10
20), de onde surgiram “todas as coleções de fábulas da tradição greco-latina” (Braga
Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 181).
Em Roma, Fedro e Aviano foram os principais escritores por detrás da evolução da fábula
(id., ibid.), sendo que o segundo elaborou aproximadamente quarenta fábulas, no século
IV, apesar de um grande número serem adaptações dos contos de Fedro (Ruiz Rodríguez,
2010: 21). O primeiro compôs cento e trinta e cinco fábulas, das quais quarenta e sete
abordavam temas de Esopo. Este fabulista tinha a pretensão de gerar mais esplendor a
nível estilístico no género literário, compondo em versos. Porém, as suas intenções eram
somente deixá-lo melhor delineado, aproximando-se, mesmo assim, da língua coloquial
(Braga Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 181-2). Não foi por acaso que a fábula só
se integrou como um género autónomo por si só, após Fedro publicar a sua compilação
(Moreira, 2014: 229).
As fábulas novas foram trabalhadas por Fedro, Bábrio e pelos alunos das escolas retóricas
da antiguidade. Devido a contar fábulas deste género e também até por constar nelas,
Esopo tem uma grande influência neste fenómeno (id., ibid.: 272).
É possível encontrar as fábulas criadas na Idade Antiga nos dias de hoje. Poderão estar
visivelmente transformadas pelos motivos aqui abordados, mas o conteúdo moral
mantém-se, na maioria dos casos, intacto (Ruiz Rodríguez, 2010: 20).
11
1.2. Idade Média
Na Idade Média, as fábulas eram usadas como um meio de difusão de exemplos morais e
normas cristãs. “A importância dada à moralidade era tanta que os […] [escrivães
redigiam] as lições finais das fábulas com letras vermelhas ou douradas para [as]
destacar” (Andrea, et al., 2011: s.p.). Autores e coleções como Romulus, Syntipas,
Dositeo e Isopete foram os responsáveis por o género literário começar a ter uma maior
divulgação (Ruiz Rodríguez, 2010: 21).
Nos séculos XIII e XIV, circulavam pela Europa várias coleções de fábulas indianas que
pertenciam a uma tradição autónoma e diferente, o Hitopadexa e o Panchatantra (já
referido no início do capítulo). Estas coleções tiveram um grande alcance devido às suas
traduções árabes, judaicas, espanholas e sicilianas. Em virtude do contato com as culturas
árabe e judaica, a literatura espanhola estava repleta de fábulas nesses mesmos séculos
(Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 329).
O Panchatantra foi traduzido para castelhano no século XIII4 com o título Kalila e
Dimna, sendo uma influência de peso “[…] na história da fábula em geral, e na Península
Ibérica em particular”. Esta coleção tem a particularidade de representar o momento em
que a fábula greco-latina e a indiana se juntam (Van Dijk, 2003: 264-5).
3
Ao mesmo tempo, a literatura popular criou os fabliaux – poemas narrativos curtos de carácter erótico ou
humorístico com personagens reais e vulgares (“Literatura Francesa…”, s.d.).
4 Chave para a difusão da tradição referida, foi a Escola de Tradução de Toledo que surgiu no século XII. Foi a
12
Contudo, Van Dijk (2003: 269) identifica a circulação da fábula greco-latina na literatura
espanhola em formatos distintos, nomeadamente traduções, paráfrases, variações, anti-
fábulas ou fábulas novas. No ano de 1438, aproximadamente, em Espanha traduziram-se
numerosas fábulas antigas e, nos anos posteriores, empregaram-se no ensino das línguas.
Apenas ulteriormente foram aplicadas no seu sentido moralista ao longo dos séculos.
Na era renascentista, a criança não era vista como hoje em dia é, sendo tida apenas como
um pequeno adulto que participava e intervinha nos mesmos eventos reservados aos
adultos, inclusive na literatura. “Até então, a criança era considerada tão-somente como
um ser em construção, que valia apenas pelo que viria a ser” (de Figueiredo, 2011: 23).
Até ao século XVII não existia uma definição específica sobre a infância.
[S]egundo Bettelheim […], a infância é a fase em que a criança precisa de ajuda para
encontrar um significado para a vida, desenvolver sua personalidade e suas
convicções, e a literatura é parte importante nesse processo. A leitura precisa dar
acesso “ao significado mais profundo e àquilo que é significativo para ela neste
estágio do desenvolvimento” […]: os contos precisam entreter e despertar a
curiosidade das crianças, estimulando acima de tudo a imaginação: “através deles
pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos seres humanos, e sobre as
soluções corretas para seus predicamentos em quaisquer sociedades, do que com
qualquer outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil” (apud. de Araújo
Rodrigues, 2012: 20-1).
13
Contrariamente ao que acontece hoje em dia, as crianças careciam de cuidados próprios
e específicos dos quais, nessa época, ainda não eram alvo. Consequentemente, a taxa de
mortalidade infantil era elevada.
No início do século XVIII, contudo, a perspetiva do que era a criança passou a ser
separada da do adulto. A criança passou a ser considerada um ser humano com
necessidades e particularidades próprias, com direito a receber uma educação especial
que a preparasse para a vida adulta.
Passou-se a ter em vista uma escrita mais apropriada para crianças, e procedeu-se à
adaptação das diversas histórias que já haviam sido criadas. Eliminaram-se os traços de
violência e tudo o que fosse considerado pejorativo à educação infantil, como por
exemplo, a brutalidade contida nos contos dos Irmãos Grimm, que eram extremamente
sangrentos e frios.
Em reverso ao[s] contos de fadas destinados às crianças, com um teor inocente e, acima
de tudo, inofensivo, os Grimm optam por nos alertar não quanto às dificuldades que
enfrentaremos em um momento que está por vir ou a lidar com os sentimentos, mas
quanto à confiança e ambição, exemplificando que há uma linha tênue entre a cobiça, a
crueldade e a violência (Beatriz, 2016: s.p.).
Sem embargo, esta adaptação não causou nenhuma alteração drástica na fábula a nível da
sua preservação enquanto àquilo que representa. Os textos modernos mantêm-se
conforme eram nos tempos antigos (Luna, 2011: s.p.). Mas são cada vez mais as crianças
as que vão conformando o público-leitor deste tipo de literatura.
14
a reputação de ser um dos maiores fabulistas de todos os tempos (“Literatura Francesa…”,
s.d.).
Considerando que o fabulista pertencia à corte francesa, ele usava as fábulas como meio
de crítica à sociedade que o rodeava. Nelas eram discretamente evidenciados o snobismo
e a imbecilidade das pessoas, personificando os animais com tais características. Como
já evidenciado, La Fontaine escreveu as suas próprias fábulas, mas também reescreveu
algumas outras em francês, tais como as fábulas de Esopo e as de Fedro, tornando possível
a sua divulgação transversalmente pela Europa (de Figueiredo, 2011: 23).
Simultaneamente, nesta época, foram escritos os textos de Sebastián Mey, Rabelais, John
Gay, Lessing, Passeroni, Iriarte e de Samaniego (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998:
330).
5
Na Alemanha, o género literário foi iniciado por Gotthold Ephraim, e na Polónia por Ignacy Krasicki.
15
Contudo, durante o Barroco, as fábulas foram menosprezadas e esquecidas concebendo-
se a ideia que eram exclusivamente adequadas para mentes incultas e fúteis (Guijarro
Zabalegui e López Sáez, 1998: 330). “Desde o século XVIII, a função das fábulas tornou-
se menor na literatura moderna, particularmente a partir do Romantismo, embora tenham
existido alguns autores, como por exemplo, R. Tagore, que as adotaram” (id., ibid.).
Traduções das fábulas de Esopo e Fedro surgiram em Portugal no século XVII, sendo
textos construídos em prosa e em verso (de Figueiredo, 2011: 43). Manuel Mendes da
Vidigueira foi um dos tradutores que privilegiou o país com o género literário, ao
construir uma coleção de noventa e dois textos intitulada Vida e Fabulas do Insigne
Fabulador Grego Esopo. Esta coleção foi muito importante também para o país quanto à
difusão das fábulas, e foi várias vezes editada e imprimida até ao começo do século XX
(Morais, 2014: s.p.).
No século XIX, com exceção da França, a fábula conseguiu alcançar o mundo inteiro
(Ruiz Rodríguez, 2010: 21). Textos com temas concretos foram os que alcançaram maior
sucesso. Deste modo, destacaram-se a Rússia com Ivan Krylov, conhecido como o “La
Fontaine Russo” por ser o mais famoso fabulista da sua nacionalidade; a Espanha, com
Cristóbal de Beña e a sua obra Fábulas Políticas; e o México com José Rosas Moreno.
Nos EUA, evidenciou-se Ambrose Bierce com Esopo Emendado e Outras Fábulas
16
Fantásticas, uma sátira política, e na Grã-Bretanha, Beatrix Potter (“Fábula”, s.d.). Neste
século, segundo Van Dijk, “em Espanha havia uma “abundante produção fabulística”
criativa […]. Por vezes, as fábulas, mesmo sendo novas, inspiravam-se clara e
diretamente na tradição greco-latina” (2003: 272-3).
No mesmo século, Ramón de Basterra retirou o carácter humano às personagens dos seus
textos, e passou a utilizar máquinas, cambotas, pistões, cabos e guindastes, em
substituição dos animais. Desta maneira, ele integrou a segunda e a terceira Revolução
Industrial e as Vanguardas nas fábulas. Jean Anouilh, com a sua coleção bastante vendida
de quarenta e três fábulas, rejuvenesceu, assim, o género. Também Jean Chollet compôs
numerosas fábulas com inspiração na atualidade (“Fábula”, s.d.).
Uma prova de que a fábula não se extinguiu neste século, é constituída pelas compilações
de Helmut Arntzen, Rudolf Kirsten, Wolfdietrich Schnurre e James Thurber. Da escrita
de Arntzen era característica a ligação entre tradição, ironia e um certo questionamento
dessa mesma tradição. Já nas fábulas de Kirsten, são visíveis as tradições de Esopo e de
Lessing, e nas de Schnurre as tradições do passado não superado. Nos textos de Thurber,
evidenciava-se um humor picante que demonstrava a típica fraqueza moral da sociedade
moderna e dos homens, com uma tendência para a sátira e a ironia (“Visão geral da
história do gênero. – Fábulas”, s.d.).
17
deste formato são os casos das versões da fábula “A Cigarra e a Formiga” escritas por
Miguel Torga e por Arturo Pérez-Reverte, que serão abordadas no capítulo 3 do presente
trabalho.
No início do século XXI, o género literário sofreu uma imprevista revolução literária
devido à obra Protesto Ocidental de Sabatino Scia, com mais de duas centenas de fábulas.
Nestes textos, os animais comunicam entre si através da fala, e usam os estratagemas do
Homem para se tentarem libertar das situações problemáticas em que sempre se
encontram. São personagens idênticas às das fábulas de Esopo, mas com a diferença de
não ser pretendido que provoquem uma lição de moral (“Fábula”, s.d.).
As fábulas dos dias de hoje já não são só histórias que retratam os vícios do Homem, da
sociedade, ou os problemas da natureza. Atualmente, também retratam os vícios que as
pessoas manifestam espontaneamente.
18
Capítulo 2 - A Tradução Intersemiótica e a Tradução Intermedial
19
natural a existência de muitas adaptações, recriações, transmutações, entre outros, para
que a literatura alcançasse as versões infantis da atualidade (de Araújo Rodrigues, 2012:
19).
2.1. Definições
Segundo Bassnet “é fácil de ver que estamos a viver numa época de mudanças sociais
rápidas e radicais” (1991: IX), e, conforme esta autora argumenta no ensaio The
Manipulation of Literature de Theo Hermans de 1985, no qual foi uma das colaboradoras
de sua escrita, “a tradução, tal como a crítica, a edição e outras formas de reescrita, é um
processo de manipulação” (apud. Bassnet, 1991: XII).
6 https://www.priberam.pt/dlpo/traduzir
20
[n]o sólo concierne la traslación de una lengua a otra, sino que se asocia a numerosas
acepciones que la sitúan en la sinonimia de la trasformación, de la reproducción, de
la multiplicidad y de la difusión. Por lo tanto, su valor implícito caracteriza no sólo la
traslación de una lengua a otra, sino también el acto de transformar, de recrear y
reescribir (2012: 2).
Gorlée defende que o maior problema da tradução é saber distinguir as barreiras do que
é construtivo e destrutivo entre culturas diferentes (2015: 27), o que pode pôr em causa,
muitas vezes, a qualidade do trabalho de um tradutor.
Edward Sapir defende que a língua e a sociedade são uma só, porque dependem uma da
outra para existirem (apud. Bassnett, 1991: 13), e isto faz com que o trabalho dos
tradutores seja mais complexo ao “traduzir não só palavras, mas também culturas”
21
(Segala, 2010: 13). Sapir reitera ainda que “os seres humanos estão à mercê da língua que
se tornou uma forma de expressão para a sua sociedade” (apud. Bassnett, 1991: 13).
Em conformidade com de Oliveira Agra, um tradutor tem que ter sempre em vista a face
da língua e a da cultura ao remeter-se ao ato tradutório (2007: 2). Lotman completa
ideologicamente de Oliveira Agra, ao afirmar que “nenhuma língua pode existir a menos
que esteja inserida no contexto da cultura; e nenhuma cultura pode existir se não tiver no
seu centro, a estrutura da língua natural” (apud. Bassnett, 1991: 14).
Language, then, is the heart within the body of culture, and it is the interaction between
the two that results in the continuation of life-energy. In the same way that the
surgeon, operating on the heart, cannot neglect the body that surrounds it, so the
translator treats the text in isolation from the culture at his peril (Bassnett, 1991: 14).
Portanto, e conforme afirma Bassnett, não se pode definir tradução apenas como uma
mera transmissão de textos entre línguas diferentes. A tradução é também uma ferramenta
de “negociação entre textos e entre culturas, um processo em que ocorrem todos os tipos
de transações mediadas pela figura do tradutor” (apud. Guerini e Costa, 2006: 6).
Umberto Eco partilha da opinião da teórica anterior, e realça ainda que o ato de traduzir
não passa apenas por duas ou mais línguas distintas, mas também por duas culturas, ou
duas enciclopédias, sendo necessário que o profissional da área dê tanta relevância aos
aspetos linguísticos como aos culturais (id., ibid.: 7).
Assim sendo, a tarefa do tradutor acarreta uma grande responsabilidade. Ele está
encarregue de fazer o transporte de sentidos e de contextos entre culturas e línguas, com
a particularidade de não os poder alterar, ou seja, têm que ser mantidos desde o texto de
origem até ao texto de chegada (de Oliveira Agra, 2007: 1).
22
Tendo em conta a visão de Dinda L. Gorlée (2004: 41), podemos definir semiótica de
uma forma mais vasta e não tão concisa. Na semiótica reside “o estudo e análise de todas
as práticas – verbais, não-verbais, ou uma combinação das duas – nas quais criaturas
vivas, humanas e não-humanas, comunicam”. Por conseguinte, a semiótica é a ciência
que pode “descrever, explicar, bem como prever o pensamento humano como atuante no
processo dos signos” (id., ibid.: 42). Eco refere que a “semiótica abarca tudo o que pode
ser tido como signo” (apud. Baiccbi, 2013: 174).
Deste modo, é importante reter que traduzir representa um campo muito mais vasto do
que fazer uma simples replicação de textos. É um processo onde é exigido re-imaginar e
reformular o símbolo original, para assim enriquecer o texto de destino (Gorlée, 2015:
26).
Conforme assinala Peirce, a semiótica é composta por três partes essenciais; o signo, o
objeto, e o intérprete. O teórico concebe como semiótica tanto a ação do próprio signo
como o processo da sua interpretação e, de acordo com o que o filósofo enfatiza, o
significado da semiótica é o de “ação ou influência que […] envolve uma cooperação
[entre as suas três partes] […] que não pode ser solucionada em pares” (apud. Gorlée,
2004: 64-5).
23
A tradução intersemiótica, ou transmutação, teve um maior impulso, ainda nos anos 50
do século XX, através dos estudos de Jakobson (1959), compilados em língua inglesa no
livro The Translation Studies Reader, cuja primeira edição é do ano 2000, apesar de nos
dias de hoje ainda ser uma matéria em desenvolvimento académico (de Souza Galdino,
2013: 47-8), como é exemplo o presente trabalho. Este género de tradução favorece um
engrandecimento dos signos, imagens e sentidos presentes numa obra, bem como oferece
a viabilidade de interação e comunicação entre diferentes artes (da Silva, 2011: 130).
Dinda Gorlée consagrou muitos dos seus estudos à tradução intersemiótica de Jakobson.
Ela argumenta que os tradutores “traduzem signos de texto de uma língua e cultura para
outra, consequentemente criando um ambiente de signos inovador repleto de signos
intuitivos, dinâmicos e variáveis” (id., ibid.: contracapa). Não é viável descrever
diretamente o termo ‘signo’ como ‘signo linguístico’; contudo, pode ser definido como
um fenómeno que desperta interesse e cativa o público-alvo, seja ele auditivo, visual ou
olfativo, por exemplo. Deste modo, o signo semiótico consegue atingir o seu propósito,
isto é, o de transmitir uma mensagem a alguém capaz de o interpretar (id., ibid.: 21).
Para Morris, os signos não se relacionam apenas numa dimensão, mas numa tricotomia
de dimensões. A primeira denomina-se “dimensão sintática” e consiste na relação entre
signos-veículos distintos; a segunda, designada “dimensão semântica”, trata da relação
que os signos têm com os objetos; por fim, a “dimensão pragmática” que aborda a relação
signo-intérprete (apud. Gorlée, 2004: 41). Dinda Gorlée (ibid.: 53) complementa
afirmando que dentro desta tricotomia, a primeira e a segunda dimensão estão agregadas
à última, e são, consequentemente, ocultadas por ela.
24
É de notar que os textos não são apenas textos, ou seja, não são apenas palavras ou frases
prontas a serem lidas e interpretadas. Conforme reitera Gambier (2013: 2), os textos não
são monomodais como muitas pessoas acreditam que são; eles também comportam um
lado bastante visual e, de acordo com este teórico, os signos podem ser classificados nos
três tipos distintos seguintes:
[…] linear signs (verbal code, numbers, symbols); iconic signs (photos, still images,
satellite, microscope and X-ray images, drawings, terminological charts and maps);
iconographic signs (charts, plans, diagrams, tables and sketches).
Eco apoia a teoria de Jakobson quando afirma que a tradução intersemiótica não é o
mesmo que traduzir de uma língua natural para outra, mas sim entre sistemas semióticos
distintos e diversos, “como quando, por exemplo, se ‘traduz’ um romance para um filme,
um poema épico para uma obra em quadradinhos ou se extrai um quadro do tema de uma
poesia” (apud. Botelho, 2016: 16). Dentro de um sistema de signos desconhecido ao
sistema original, é a tradução intersemiótica que define os caminhos escolhidos (de Lima,
2011: 85).
25
ofende quando outra não lhe aperta a mão estendida ou se sente à vontade quando lhe
indicam uma cadeira ou lhe oferecem um cafezinho (apud. Guerini e Costa, 2006: 22).
Diniz tem uma definição de tradução intersemiótica muito semelhante aos escritores
anteriores. Para ele a tradução intersemiótica define-se
Gorlée reitera que os símbolos são signos que apenas têm significado quando decifrados
de forma inteligente e, segundo Pierce “todos os pensamentos são conduzidos em signos
que têm […] a mesma estrutura das palavras ou símbolos” (apud. Gorlée, 2004: 58). Um
signo que não é interpretado, converte-se num não-signo e desvanece porque a finalidade
de um signo é ser interpretado para se poder desenvolver (Gorlée, 2004: 167).
[…] something which stands to somebody for something in some respect or capacity.
It addresses somebody, that is, creates in the mind of that person an equivalent sign,
or perhaps a more developed sign. The sign which it creates I call the interpretant of
the first sign. The sign stands for something, its object (apud. Baiccbi, 2013: 174).
26
sensorial do Homem (Segala, 2010: 29). A título de exemplo de tal facto, existe a tradução
de uma língua oral para a legendagem de um vídeo, sendo um signo extremamente útil
para os surdos.
Tendo isto em atenção, pode-se afirmar que a tradução intersemiótica pode abranger
tradução, adaptação ou transmutação, em que o signo pertencente a um sistema de
significação, passa a ser desenvolvido por um sistema semiótico completamente diferente
(de Brito Carvalho, 2013: 35).
Sales e Procópio complementam ao afirmar que os signos devem sofrer uma transmutação
para que tenham representantes num sistema de sentido diferente (2012: 4). Deste modo,
pode-se argumentar que a tradução intersemiótica procura fazer uma representação do
texto original através do texto traduzido. A título de exemplo, a já referida obra Pictures
at an Exhibition (Quadros de uma Exposição) que foi escrita originalmente para piano
por Mussorgsky, tornando-se uma tradução a partir da orquestração por Ravel e uma
representação musical dos quadros incluídos na obra. As versões mais recentes desta
mesma peça, nomeadamente em música rock7, também são traduções na medida em que
representam a obra original. Todas estas adaptações fizeram com que fosse possível o
reconhecimento e popularidade da obra através dos anos.
Tendo em conta que, na área da tradução, a forma como se tratam as línguas é a mesma
em que se tratam os sistemas semióticos, é possível afirmar que também é tradução
(intersemiótica) quando se adapta um texto a um filme, a um vídeo, a uma banda
desenhada, a um pictograma, a uma música, entre outros (Guerini e Costa, 2006: 5).
Os exemplos são infindáveis. Alguns, escolhidos ao acaso, incluem o romance Pride and
Prejudice de Jane Austen, com adaptações para o cinema, televisão e teatro; o romance
The Great Gatsby de F. Scott Fitzgerald também com adaptações para o cinema; a banda
desenhada The Walking Dead de Robert Kirkman com adaptações para a televisão e jogos
de vídeo; o romance Manolito Gafotas de Elvira Lindo adaptado para cinema e televisão;
e a fábula alvo de análise no presente trabalho, “A Cigarra e a Formiga”, com adaptações
para o cinema, a música e as artes plásticas, entre outros.
7 Existe uma versão de Pictures at an Exhibition, gravada pela banda de rock Emerson, Lake & Palmer em 1971.
27
A particularidade que todas as adaptações têm é que nem sempre é possível fazer uma
tradução justa ao original, devido a os signos e a transmutação transporem mensagens de
forma diferente.
Nos dias atuais, a tradução intersemiótica alcançou uma grande influência e um grande
poder no que concerne aos grupos sociais, em virtude da transferência das culturas na
tradução. Este acontecimento é notório na literatura, mas quando feita a adaptação de um
texto para o cinema, o impacto é extraordinário, visto que existe um grande número de
pessoas que se dedicam à leitura, mas um número ainda maior das que procuram e
preferem assimilar uma história através do mundo audiovisual (id., ibid.: 14).
A tradução intermedial define-se pela tradução de signos verbais entre diferentes média
(Scott, 2012: 13), como por exemplo, romance para peça de teatro, peça de teatro para
cinema, entre outros. De acordo com Rajewski, “intermedial designa configurações que
têm a ver com o cruzamento de fronteiras entre média” (apud. Rodrigues, 2013: 3-4).
De acordo com Bal e Morra, o vocábulo ‘intermedial’ significa a tradução através dos
média, e abarca a intertextualidade, a intersemiótica e a interdisciplinaridade, o que pode
levar a alterações de género, de média e de tema do texto original. Por vezes a tradução
intermedial leva-nos à tradução intercultural, sendo necessária uma abordagem entre
nações, etnias, subjetividades, histórias, políticas e éticas diferentes (apud. Di Paola,
2015: 118). Conjuntamente, tradução intermedial significa desafiar e ultrapassar a
barreira dos média, podendo existir um envolvimento intracultural e transcultural, como
28
é o que acontece na tradução de um romance para um filme (Millán e Bartrina, 2017:
262).
Quando um objeto está disponível para o acolhimento por parte de vários média, de
acordo com Karl Prümm, dá-se o fenómeno de “multimidialidade” (Clüver, 2006: 33), e
Segala reitera que a tradução intermedial pode ser vista como um quarto tipo distinto de
tradução dos identificados por Jakobson, mais precisamente, ela está difundida nos três
tipos de tradução apontada pelo teórico (apud. Segala e de Quadros, 2015: 358).
É necessário o tradutor possuir um elaborado “dicionário conceitual” para que seja capaz
de construir significados em distintas modalidades semióticas, mas também em diferentes
média e géneros multimodais (Lemke, 2013: 30).
29
2.2. Tradução, Adaptação e Recriação. Limites e Fronteiras
Metaforicamente, para Derrida, traduzir não é nada menos que “o romper do hímen, a
penetração ou violação do texto de origem” (apud. Bassnett, 1991: XV), e o simples
pensamento pode ser considerado uma tradução, tendo em conta que pensar é transmutar
signos (Sales e Procópio, 2012: 1). Para Octavio Paz, o pensamento analógico que,
segundo Souza (2010: s.p.) “envolve a representação mental que fazemos das relações
existentes entre objetos e/ou pessoas”, está associado à escrita de poesia. Tais
pensamentos podem ser racionais, irracionais, ou até mesmo completamente desfasados
da realidade, mas servem de inspiração para a escrita, sendo então “traduzidos” para o
papel.
Durante muito tempo, o ato de traduzir foi utilizado, na grande maioria dos casos, como
um meio de ensino de línguas estrangeiras, e não era abordado como operação cultural
(Bassnett, 1991: 1). Atualmente, esta visão está ultrapassada, ou seja, há um grande
investimento na tradução enquanto tradução em si. Além disso, este conceito tem agora
uma maior amplitude e é entendido como transmutação entre línguas, mas também entre
linguagens (Sales e Procópio, 2012: 7).
Se tentarmos definir tradução enquanto atividade, Theodore Savory utiliza o termo ‘arte’;
Eric Jacobsen, por sua vez, usa o termo ‘ofício’; mas também pode ser empregue o termo
30
‘ciência’. Já Horst Frenz também define a tradução como ‘arte’, mas explica que não é
qualquer arte – “tradução não é uma arte criativa nem uma arte imitativa, mas posiciona-
se entre estas duas” (apud. Bassnett, 1991: 4-5).
Contudo, Susan Bassnett relembra que a tradução está intimamente ligada com o contexto
em que se insere, logo, é inútil debater qual é a definição precisa de tradução (ibid.: 9). A
autora refere ainda que “traduzir é muito mais que substituir as partes lexicais e
gramaticais entre idiomas” (ibid.: 25), e para Venuti (2000: 215) a tradução é
independente, não tendo a necessidade de ser relacionada ao texto original, e possuindo
os seus próprios significados e contextos diferentes.
[a]n adaptation, in contrast, might depart widely from its prior materials, submitting
them to various kinds of manipulation and revision. Nonetheless, a translation can
never simply communicate in whole or in part the text that it translates; it can only
inscribe an interpretation that inevitably varies the form and meaning of that text.
Translation can be regarded as intercultural communication only if we recognize that
it communicates one interpretation among other possibilities (apud. de Oliveira, 2013:
222).
Amorim adiciona que a adaptação é mais flexível que a tradução, visto que a primeira
permite modificações ou omissões, mas a segunda reproduz a informação total com um
elevado nível de rigor e fidelidade relativamente ao texto original (apud. de Oliveira,
2013: 226).
Conforme o que já foi abordado no presente trabalho, Roman Jakobson define tradução
intersemiótica como transmutação. O termo deriva do latim transmutare, e significa um
31
“ato que promove mudança ou converte algo em outra coisa” (de Araújo Serrão, 2010:
17). Jakobson define que na transmutação se verifica um processo de recodificação e de
transferência proveniente de origem distinta, compreendendo duas mensagens
semelhantes dentro de dois códigos díspares (apud. Francisco, 2015: 22-3).
Igualmente Guzzi (2012: 49) refere que a transmutação define “de forma mais exata a
passagem da materialidade homogênea do verbal – o texto de partida – para as
materialidades heterogêneas do sincrético e seus diferentes suportes (filme, minissérie,
seriados)”.
De acordo com Silva (2013: 151), a transmutação abrange atos tradutórios como a
adaptação de literatura para cinema, por exemplo, sendo um processo bastante amplo que
não se define como um processo pura e unicamente verbal.
No que concerne à adaptação, Baker e Saldanha (2009: 3-4) afirmam que esta é empregue
quando o contexto cultural original não existe no de destino, forçando o tradutor a, de
alguma forma, recriar. Em regra geral, procura que o autor do texto original seja invisível,
isto é, que transforme os traços próprios de autoria e de identidade cultural, de forma a
que, no texto de chegada, não sejam percetíveis quaisquer elementos que identifiquem o
escritor (Segala, 2010: 47). Posto isto, é possível afirmar que o “adaptador” é visível no
texto de chegada, sendo um contraste com a tradução, na qual o tradutor, por norma,
permanece invisível.
32
presentes nele e também o seu significado cultural. Na adaptação as mudanças focalizam-
se mais a nível dos média, do género e da cultura (apud. Botelho, 2016: 22).
As marcas culturais e sociais do texto original são adaptadas para a língua de destino da
tradução, mas principalmente para a cultura a que se destina, de maneira a que a sua
leitura e compreensão seja clara e plena, não restando dúvidas sobre o significado de uma
palavra ou uma expressão que pertença ao público de origem, mas não ao público-alvo.
É essencial haver uma preocupação em se adaptar a fluidez, o ritmo e as imagens para o
idioma do texto-alvo, e tudo isto tem que ser realizado de forma a que a tradução tenha
um aspeto natural, frisando que irá remeter-se à língua do leitor e não à do autor (Segala,
2010: 46).
Brezolin reitera que o tradutor deve possuir um profundo conhecimento cultural das
línguas com que trabalha para que o seu trabalho possa ser considerado credível. Deste
modo, fazer adaptações em contexto desportivo ou político, por exemplo, pode ser crucial
no que tange a causar o mesmo efeito aos leitores da adaptação da mesma maneira que
causaria aos leitores do original (apud. de Oliveira Abbate, 2010: 73).
[…] uma interpretação que constrói uma forma e sentido no texto de partida de acordo
com crenças, valores e representações da língua e cultura de chegada […] [,] essa
atividade é uma forma de comunicação transcultural que deve procurar não relações
[…] entre textos de partida e de chegada, mas saber que essas relações estão sujeitas
às exigências de um trabalho interpretativo que é determinado pelas língua e cultura
de chegada. Há, dessa forma, uma visão da adaptação como um processo de
recontextualização: de um contexto – de partida – a outro – de chegada (apud. de
Amorim, 2013: 25).
33
“otherness” de um texto estrangeiro, o que por sua vez exige que esses leitores sejam
intérpretes inteligentes (Gorlée, 2015: 66).
Sendo a circulação pela arte através da união de tipologias e épocas distintas uma das
maiores contribuições da adaptação (de Brito Carvalho, 2013: 35), neste processo, é
possível analisarem-se sistemas de signos e média distintos pertencentes a um texto, tendo
em conta que o processo compreende os seus elementos da narrativa e a intermedialidade
(Passos, 2010: 18). Fazer uma adaptação é, antes de mais, fazer uma comparação, onde
há uma relação, um confronto, uma aproximação, e depois, um afastamento. A adaptação
não apaga o texto original, mas desmantela-o (da Costa Pina, 2014: 150).
[a] adaptação não é vampiresca: ela não retira o sangue de sua fonte, abandonando-a
para a morte ou já morta, nem é mais pálida do que a obra adaptada. Ela pode, pelo
contrário, manter viva a obra anterior, dando-lhe uma sobrevida que esta nunca teria
de outra maneira (apud. Botelho, 2016: 78).
34
De acordo com a perspetiva de Zeni, a adaptação é também releitura. Quando se relê um
texto de origem, existem aspetos que vão ser enfatizados e relacionados com o resto do
seu conteúdo e forma, originando uma nova, embora provisória, leitura desse mesmo
texto (apud. da Costa Pina, 2014: 155).
Na adaptação, o texto original deve ser alvo de diálogo tanto quanto o seu contexto,
podendo, dessa forma, atualizar o texto, mas também assinalar os valores que nele
constam (apud. Curado, 2007: 2), sendo então capaz de “restituir o essencial do texto e
do espírito” (id., ibid.: 13).
Portanto, podemos afirmar que a adaptação não trata de copiar ipsis verbis o texto de
origem, mas de reler o mesmo, dando a possibilidade – tal como acontece na tradução,
mas em menor medida – ao tradutor de introduzir a sua própria perspetiva (política,
ideológica, ética), conhecimento do mundo e subjetividade no que está a recontar, de
acordo com a cultura de chegada (Botelho, 2016: 15).
35
mensagem sempre com a preocupação de ser fiel ao texto original, e, ao mesmo tempo,
sempre com atenção ao contexto histórico, temporal, social e cultural do público-alvo
(Dias, 2015: 72).
De acordo com Campos, recriação é o mesmo que transposição criativa (apud. de Melo,
2006: 24), e completa ainda afirmando que “a tradução de textos criativos será sempre
recriação” (apud. Santos, 2006: 34), “uma vez que a articulação de seus signos
linguísticos de maneira imprevisível é possível, quer dizer, uma vez que a leitura e a
interpretação desses signos propiciam a criação de uma coisa nova” (Santos, 2006: 34).
Para o tradutor poder ser visto como o autor de um novo texto traduzido, é necessário que
o mesmo recorra à recriação, ou seja, que execute a reconstrução desse mesmo texto (de
Melo, 2006: 35). O melhor texto passível de ser alvo de uma recriação é aquele que
apresenta mais possibilidades de ser de difícil compreensão na língua e cultura de chegada
(Santos, 2006: 34).
36
2.3. Os Cruzamentos entre a Literatura e as Outras Artes
A controvérsia sobre a relação entre a literatura e outras artes tem uma longa tradição
(Tavares e Steil, 2015: 7), e quando abordada, de forma subentendida aborda-se também
a intersemiótica e intermedialidade, tal como se aborda a tradução, a adaptação, a
recriação e a transmutação.
O estudo inter artes tem sido alvo de uma crescente evolução, com foco nas inter-relações
da literatura com as outras artes. Contudo, as ligações intermediais também se envolvem
com os diferentes média, onde a palavra pouca importância tem (Clüver, 2007: 20).
O termo ‘arte’ tem a origem latina ars e significa “técnica ou habilidade para despertar
emoções estéticas” (Coimbra, 2014: s.p.). A arte origina-se sempre que o ser humano
sente a necessidade de comunicar e/ou de se expressar, por conseguinte, a arte pode ser
definida como um meio de expressão (Jiménez, 2014: s.p.), que por sua vez está ligada
com a expressão artística.
[é] uma forma de o ser humano expressar suas emoções, sua história e sua cultura
através de alguns valores estéticos, como beleza, harmonia, equilíbrio. A arte pode ser
representada através de várias formas, em especial na música, na escultura, na pintura,
no cinema, na dança, entre outras (“Expressão artística”, 2013: s.p.).
Nesse caso, podemos afirmar que o ser humano não se expressa e comunica apenas por
palavras, mas também através das cores, dos sons, das formas, e dos movimentos, por
exemplo (Jiménez, 2014: s.p.), apesar de a linguagem ser utilizada na sua comunicação
com todas as artes (Torop, 2002: 11).
O ser humano usa a arte para expor a sua visão sobre o mundo, sendo ela real ou utópica,
expressando pensamentos, emoções, conhecimentos e sentimentos (Selva Más, 2011:
s.p.). Assim sendo, as obras de arte podem ser vistas como livros, mas que se encontram
escritas com signos muito diferentes das palavras (“El arte en la literatura y la literatura
en el arte”, 2015: s.p.).
37
O vocábulo ‘literatura’, com a raiz etimológica latina litteris, que significa ‘letras ou
palavras’, é considerado a arte da palavra (Coimbra, 2014: s.p.). Segundo Paúls, de todas
as artes, “a literatura é, decididamente, aquela que mais se interrelaciona com as outras”
(2009: s.p.), sendo que todas se influenciam umas às outras. Como muitos artistas se
deixaram influenciar por obras literárias ao longo dos anos, será correto afirmar que a
literatura sempre funcionou como base para as artes (Ortíz, et al., 2008: s.p.).
Consequentemente, será possível verificarem-se textos inspirados, por exemplo, em
pinturas ou em peças de teatro, como também na música ou em quadros inspirados em
textos literários, ao longo da história da literatura (“El arte en la literatura…”, 2015: s.p.).
É evidente a relação entre a literatura e a música quando pensamos que ambas refletem
as mesmas preocupações socias, mas também é possível verificar-se que, em termos de
escrita, as letras das músicas são estruturadas tal como um poema, tendo o mesmo estilo
e o mesmo ritmo. Um outro aspeto que cruza estas duas artes é o facto de ambas
despertarem o imaginário aquando da sua leitura ou audição, quase que de uma forma
forçosa ou obrigatória, devido a nenhuma possuir ilustrações (Surber, s.d.). Um exemplo
histórico da ligação entre literatura e música é a referência ao Harlem Renaissance dos
anos 20, onde os principais escritores foram influenciados pelo jazz, devido à opressão e
ao racismo de que ambos – autores e músicos – eram alvo. Um outro exemplo é a Guerra
do Vietnam, quando os autores criavam livros sobre a própria guerra, e os músicos
compunham música sobre o mesmo tema (id., ibid.).
38
são um ótimo exemplo de tradução intermedial, no sentido em que contêm muitas
ilustrações justapostas com texto, e muitos destes géneros de livros são dependentes tanto
do texto, como das imagens, para fazerem sentido (Clüver, 2007: 27).
39
[…] Dryden afirma que la expresión y las palabras son en la poesía como los colores
en la pintura y que el fin del poeta es alcanzar la perfección de las palabras tal como
el del pintor es alcanzar una perfecta combinación de los colores (apud. Gabrieloni,
2007: s.p.).
Foi no século XVII que a poesia se começou a inserir nas obras pictóricas de forma a
complementar representações verbais (Clüver, 2007: 23).
40
Aquando do Romantismo, Georg Wilhelm Friedrich Hegel apresentou a seguinte divisão
tripartida sobre as formas de arte, relativamente à sua forma e conteúdo: arte simbólica,
percetível na arquitetura, consistia na procura; arte clássica, percetível na escultura,
consistia na harmonia; e arte romântica, percetível na poesia, pintura e música, consistia
no rompimento da mesma harmonia onde o conteúdo transpunha a forma (apud. Paúls,
2009: s.p.).
Foi durante o século XIX, que a relação histórica entre palavras e quadros, e entre escrita
e pintura, atingiu o seu auge. Desta forma, Théophile Gautier e Joris-Karl Huysmans
denominaram de ‘transposição’ o processo de inter-relação das artes, mas Baudelaire
preferiu associar o termo ‘tradução’ (apud. Gabrieloni, 2007: s.p.).
Como observa Claus Clüver […], “o século XX foi marcado por um alto grau de
interactividade entre as artes”. Esta tendência da prática artística, ainda visível
atualmente, está centrada nas formas mistas, isto é, em criações que configuram
interação ou a reunião de diferentes mídias. O caráter predominantemente misto das
artes contemporâneas pode ter impulsionado o debate sobre a intermidialidade;
contudo, como argumenta Clüver, o fenômeno intermidiático não é recente na
produção literária: “os escritores sempre tiveram tendência para atravessar não apenas
as fronteiras nacionais e linguísticas, mas ainda as que separam as artes” (apud.
Tavares e Steil, 2015: 8).
Este feito também foi possível graças à consideração tida pelos textos que, nos anos 60,
sofreram uma grande evolução, transformando e reutilizando o termo ‘texto’ em
conceitos como ‘textualidade’, ‘intertexto’, ‘autotexto’ e ‘intratexto’ (Clüver, 2006: 15-
6).
41
Foi no século XX que a poesia se desenvolveu plenamente a nível dos média, onde os
textos passaram a ter vertentes visuais, auditivas e cinéticas. O objetivo da poesia, neste
século, era o de se tornar cada vez mais interativa até ao ponto de o recetor poder decidir
a direção dos acontecimentos. Quanto mais a poesia estivesse inserida na era digital
eletrónica dos média, mais hipóteses tinha de se disseminar por todo o mundo (Clüver,
2007: 20-1).
O cruzamento da literatura com as outras artes também pode ser nomeado conforme o
termo grego ekphrasis, segundo o qual um texto descreve uma arte visual. Segundo
Gabrieloni (2007: s.p.), o conceito não é recente sendo que as suas primeiras menções
datam o século II, apesar de ser ainda por muitos desconhecido. Michael Riffaterre afirma
que o conceito difere da tradução entendida como equivalente, na medida em que a
ekphrasis por norma tem o objetivo de ser uma versão melhorada relativamente ao
original (apud. Gabrieloni, 2007: s.p.).
No período helenístico, ekphrasis descrevia um objeto ou uma cena, para aquilo que
estivesse ausente, ficasse evidente através das palavras. Mais tarde, e até ao século II d.
C., o conceito foi alvo de um uso mais limitado, uma vez que foi associado à descrição
de obras de arte. Uma outra transformação do significado do termo ocorreu a meio do
século XX, quando adquiriu o caráter de género literário com a teoria de Leo Spitzer (id.,
ibid.). Este romanista fez com que os estudos da palavra e das imagens abordassem as
representações verbais do visual, e sugeriu que ekphrasis fosse definida como “a
representação verbal composta por sistemas de signos não-verbais”. Deste modo, pode-
se afirmar que algumas formas deste conceito correspondem à tradução intermedial e/ou
intersemiótica (Clüver, 2007: 23-4).
42
While discussions comparing what much later came to be considered as “the arts”
have a long history that reaches back to antiquity, serious and influential academic
studies concerned with the interrelations of the arts began to be published around the
middle of the twentieth century (Clüver, 2007: 21).
Logo, a cultura contemporânea segue uma escrita discursiva, mas também medial, onde
um texto pode conter formas semióticas desiguais, e a sua mensagem é manifestada em
diferentes sistemas de signos (Torop, 2002: 3).
43
Capítulo 3 - A Cigarra e a Formiga
Devido à notoriedade alcançada pela versão de La Fontaine, que ainda hoje faz parte do
cânone da literatura infantojuvenil, nela costumam basear-se as adaptações posteriores,
44
cujos diversos autores têm vindo a recriar ou reelaborar a história de diversas formas,
sempre preservando a intenção crítica que é característica deste subgénero literário. Como
é possível verificar, o alvo dessa intenção crítica terá algumas variantes, e poderá ir desde
a censura das "misérias" da natureza humana à condenação de uma organização social
injusta. Em qualquer caso, contudo, todas elas podem ser interpretadas à luz de um
discurso que parte de uma posição ideológica, facto que, em última análise, é constatável
em qualquer tipo de texto.
No presente trabalho, para além dos textos de Esopo e de La Fontaine, o foco recai nas
versões de Félix María Samaniego, Miguel Torga e Arturo Pérez-Reverte, sendo estas
duas últimas, conforme já referido no presente trabalho, anti-fábulas. No seu sentido
emblemático, as versões de Esopo, La Fontaine e Samaniego destacam-se, na medida em
que são os textos mais lidos ao longo do tempo, e que também serviram de base com mais
frequência para adaptações de outros artistas. As três têm uma lição de moral bastante
semelhante, onde a Formiga é exposta como má e egoísta, visto que, por exemplo, na
versão de La Fontaine ela “convida” a Cigarra a “dançar” sozinha no inverno, e na versão
de Esopo o mesmo acontece quando a Cigarra pede algo para comer, e as Formigas lhe
viram costas e continuam a trabalhar. Contudo, a versão de Samaniego transparece uma
pequena diferença, em que o narrador reprova o comportamento da Formiga criticando-a
enquanto gananciosa, e descrevendo a Cigarra como ingénua e respeitadora.
45
3.1.1. A Cigarra e a Formiga na Literatura
➢ Na história "A Formiga" (em inglês, "Zeus and the Ant") pertencente a Esopo, a
personagem já não é assim tão heroica. Trata-se de um homem muito focado na
sua agricultura, mas que não conseguia alcançar os seus objetivos, resolvendo
roubar as colheitas dos vizinhos. Consequentemente, recebeu o castigo de se
transformar naquilo que hoje em dia é uma formiga. Mas, apesar de a sua
aparência se alterar, o comportamento continuou o mesmo, sendo que continua a
recolher as frutas das outras pessoas, guardando-as para si próprio (“The Ant...”,
s.d.).
46
➢ Mais tarde, no século XXI, Slade and Toni Morrison, criam o livro de literatura
infantil Who's Got Game? The Ant or the Grasshopper? (2003), no qual a Cigarra
– um artesão –, debate-se sobre a arte e o seu valor (“The Ant...”, s.d.).
➢ Em 1810, Pierre-Louis Ginguené inclui no seu livro Fables nouvelles, o conto “La
Cigale et les Autres Insectes”, onde fica claro que o autor não considera as artes
importantes ao narrar a história de uma Cigarra que pede aos outros insetos para
seguirem o seu exemplo de atividade artística, mas eles acham que tal só
aconteceria se tivesse alguma utilidade social (id., ibid.).
➢ Contudo, oito anos depois, Thomas Bewick incluiu a fábula "A Gnat and a Bee"
na sua edição de Fábulas de Esopo, onde conclui que aqueles que cantam
tristemente para animar os outros devem demonstrar àqueles encarregues da
educação das crianças o quão importante é elas se juntarem ao mundo artístico
(id., ibid.).
47
➢ Na obra de Jacques-Melchior Villefranche com o nome Fables de 1851, o escritor
conta a história de uma Formiga que perde tudo o que armazenou e pede ajuda a
uma Abelha. Entretanto esta revela que já havia abrigado a Cigarra, e ajuda a
Formiga dizendo que “todos os que sofrem merecem ser ajudados de forma igual”
(“The Ant...”, s.d.).
➢ Em 1962, Jean Anouilh cria duas fábulas, uma denominada "La Fourmi et la
Cigale", onde a Formiga é uma dona de casa atormentada pelo pó até ao fim dos
seus dias, mas no que concerne à Cigarra, ela simplesmente contrata uma
empregada. Na outra, intitulada "La Cigale", a Cigarra trabalha como música,
sendo que o seu agente é uma Raposa que a tenta enganar, mas ao não conseguir,
acaba por cantar sozinho (id., ibid.).
➢ Por sua vez, em 1990, Pierre Perret criou a fábula "La Cigale et la Fourmi", onde
emprega o calão urbano com o objetivo de ridicularizar a Cigarra enquanto
“rainha da tabela de êxitos” desleixada (id., ibid.).
Com o passar dos tempos, o foco principal dos artistas alterou-se, passando a ser mais
habitual a ênfase nas personagens, que se tornaram maiores e passaram a usar roupa,
aproximando-se assim ainda mais dos humanos.
48
➢ O livro Choix de Fables de La Fontaine, Illustrée par un Groupe des Meilleurs
Artistes de Tokio, criado em 1894, retrata a fábula ilustrada, na qual um dos
insetos, que interpreta a Formiga, está vestido com um traje azul. Por sua vez,
Félix-Sébastien Feuillet de Conches cria uma ilustração representativa da cultura
chinesa, La Cigale et la Fourmi, onde se pode ver uma mulher com roupas velhas
em frente a uma outra que está a trabalhar numa roca de fiar (“The Ant...”, s.d.) .
➢ Não seria esta a única vez em que uma fábula abordava conflitos entre irmãos, já
que em 1928, James Joyce escreveu "The Ondt and the Gracehoper", um conto
sobre dois irmãos gémeos (id., ibid.).
➢ Após a fábula ser introduzida na política por Walt Disney em 1934 – conforme se
faz referencia (mais) abaixo – mais tarde, em 1994, Jim Quinn produziu uma nova
adaptação intitulada The Ant and the Grasshopper, na qual o escritor atacou a
administração de Bill Clinton nos Estados Unidos da América: quando a Cigarra,
ao ver que a Formiga estava confortável no inverno – devido ao seu trabalho árduo
– convoca uma conferência de imprensa para questionar porque é que uns estavam
quentes e tinham comida, e outros estavam ao frio e com fome. No final, a
Formiga tem que pagar uma multa, e para isso o governo penhora-lhe a casa (id.,
ibid.).
49
➢ Em 2008, uma nova adaptação, também com o nome The Ant and the
Grasshopper, foi criada por Michelle Malkin, que satirizou as políticas de
“Barack Cicada” resultando em novas adaptações para outros países. A Cigarra,
mais uma vez, não se preocupou em armazenar comida para o inverno,
aconselhando a Formiga a fazer como ela, dizendo que não valia a pena se
incomodar com tanto trabalho. No final, a Cigarra junta-se ao governo como
cobrador de impostos, e vai rapidamente atrás das posses da Formiga, que, no
entanto, havia seguido o conselho da “amiga” (“The Ant...”, s.d.).
Apesar de durante séculos, a Cigarra ter sido apontada como uma personagem fraca e
defeituosa por não ser trabalhadora como a Formiga, no século XVIII, mas mais
abundantemente no século XX, verificou-se uma inversão dos papéis, em que a Formiga
passou a ser vista como impiedosa, ingrata e egoísta.
50
➢ Em 1982, Janosch escreve a história
"Die Fiedelgrille und der Maulwurf"
(traduzida para inglês no ano
seguinte, intitulada "The Fiddling
Cricket and The Mole"), onde um
Grilo toca violino para todos os
animais desfrutarem durante o verão,
mas quando o inverno chega ninguém
o ajuda. No final, acaba por ser
ajudado pela Toupeira que gosta
muito de música (“The Ant...”, s.d.).
51
3.1.2. A Cigarra e a Formiga na Música e na Ópera
A fábula "A Cigarra e a Formiga" não despertou o interesse apenas de escritores, mas
também de artistas de variados quadrantes, como é o caso da música, das artes plásticas,
do ballet e do pictograma, por exemplo.
No ano de 1941, Joseph Jongen adaptou a fábula para coro infantil e piano, e em 1964,
Rudolf Koumans adaptou as Vijf Fabels van La Fontaine, para coro escolar e orquestra
(id., ibid.).
O cantor Leon Rosselson cria a música The Ant and the Grasshopper (1975), onde critica
a Formiga por ser arrogante, por deixar os outros morrer, e por ela querer desfrutar tanto
da vida (id., ibid.). Conforme referido anteriormente, e tal como acontece na fábula de
Samaniego, este é um outro exemplo de uma evidente inversão dos papéis tradicionais
das personagens da história.
Dois anos mais tarde, em 1977, a fábula foi traduzida pelo húngaro Dezső Kosztolányi
para a sua língua nativa, e foi adaptada por Ferenc Farkas para mezzo-soprano, coro misto
de quatro partes e quatro guitarras ou piano (id., ibid.).
52
Posteriormente, em 1995, na Catalunha, Xavier Benguerel i Godó adaptou a fábula para
orquestra no conto musical infantil 7 Fábulas de La Fontaine, e, oito anos depois, Karim
Al-Zand também a adaptou para o instrumental Four Fables for flute, clarinet and piano
(“The Ant...”, s.d.).
Em 1989, a ópera infantil de 30 minutos de Shawn Allen, The Ant and the Grasshopper,
termina de uma forma invulgar – depois da Formiga ajudar a Cigarra, as duas se tornam
parceiras musicais durante o inverno (id., ibid.).
53
Apesar de o foco dos artistas se ter alterado com o passar dos tempos – conforme
mencionado anteriormente – antes dessa alteração, na pintura, o foco centrava-se em
retratar na tela, os insetos e o frio do inverno.
Entre os pintores destacam-se Jules-Joseph
Lefebvre, Edouard Bisson e Henrietta Rae,
que, representando a Cigala, criaram obras
distintas, mas com o mesmo nome – La Cigale.
O primeiro pintou, em 1872, um nu feminino
no meio de folhas de árvore, visivelmente
vulnerável e com frio. O seguinte (ver Figura
3) pintou, em 1890, um retrato feminino na
neve, com um mandolim na mão, a tremer de
frio. E a última, no ano seguinte, pintou
também um nu feminino entre folhas de árvore,
Figura 3 – La Cigale de Edouard Bisson
com um mandolim às costas, encolhido devido
ao frio, amparando-se numa árvore. Numa grande fração dos textos, os dois insetos eram
descritos como sendo do sexo feminino, o que fez com que as pinturas fossem também
representações do mesmo género, tal como se pode confirmar nos exemplos
supramencionados. Tal realidade reflete também a consideração tida pela mulher nesta
época, em que era vista como um ser inútil, preguiçoso e fraco, tal como a Cigarra. Mas
a pintura de Jehan Georges Vibert, intitulada La Cigale et la Fourmi, do ano 1875, foi
uma exceção dado os insetos serem do género masculino e a Cigarra ter um instrumento
musical às costas, enquanto a Formiga repreende a primeira (“The Ant...”, s.d.).
54
pintura de Victor Gabriel Gilbert, La Cigale et la Fourmi, podemos encontrar três
mulheres – uma jovem e as outras duas, idosas. Uma das idosas, com fraco aspeto, em
jeito de peditório, e as outras duas mulheres a negar-lhe ajuda (“The Ant...”, s.d.).
A fábula esopiana foi adaptada para o cinema numa curta-metragem de George Méliès
em 1897, intitulada La Cigale et la Fourmi. Outras adaptações com o mesmo nome foram
a curta-metragem de Georges Monca em 1910, e a curta-metragem muda de Louis
Feuillade no ano anterior. Durante esses anos, mais precisamente em 1908, a Itália não
foi exceção no que toca às adaptações do conto para cinema, sendo que intitularam como
La cicala e La Formica o filme de Mario Caserini, e o filme de Renato Molinari em 1919
(“The Ant...”, s.d.).
55
Conforme supracitado, Walt Disney introduziu esta fábula na política com a curta-
metragem The Grasshopper and the Ants em 1934 (ver Anexo Digital 6), onde aborda o
problema da imprevidência pelo olhar de Franklin D. Roosevelt e o seu New Deal (“The
Ant...”, s.d.). É percetível uma Cigarra esbanjadora que cospe tabaco para o chão, tal
como as pessoas negras faziam, mas também é visível um fator característico da própria
época: um sistema de divisão de trabalho representado pelas Formigas. Na história deste
pequeno filme, a Cigarra é ajudada por uma espécie de “assistência social” das Formigas,
e em troca dessa ajuda, a Formiga-Rainha diz-lhe “only those who work may stay, so take
your fiddle and play”, o que transparece a ideia utilitária das Formigas a respeito da arte.
Para elas, a música não se trata apenas de um prazer espiritual, mas sim de uma ferramenta
graciosa para as ajudar a desenvolver mais e melhor o seu trabalho, sendo, deste modo, a
sua função sempre subordinada à produtividade.
Também no ano 1941, Friz Freleng adaptou a fábula no seu desenho animado da Warner
Bros, chamado Porky's Bear Facts. Nele, o Porky Pig é um trabalhador dedicado e o seu
vizinho – um Urso – é o oposto. Quando o mau tempo chega, o Urso vê que não tem
mantimentos, mas no final o Porky Pig ajuda-o, apesar de isso não ser o suficiente para
ele aprender a lição (id., ibid.).
A curta-metragem The Grasshopper and the Ant, na qual as personagens são silhuetas,
foi criada em 1954 por Lotte Reiniger, no Reino Unido (ver Anexo Digital 7). As
personagens principais da história são vistas como humanos sem o serem, e as restantes
personagens são vistas como animais e insetos. A Formiga recusa ajudar a Cigarra,
deixando-a para morrer. Mas os Esquilos salvam-na em troca de ela tocar violino para
eles. No final, a Formiga tenta juntar-se à festa e os Esquilos afastam-na, mas a Cigarra
pede-lhe para se juntar a eles (id., ibid.). Deste modo, a história espelha mais uma vez,
uma Cigarra imprevidente e uma Formiga impiedosa, que mais tarde “prova do seu
próprio veneno” através dos animais que ajudaram a Cigarra. Estes dizem-lhe que, já que
ela não havia tido tempo para ouvir a música da Cigarra durante o verão, por estar tão
preocupada em juntar comida, agora poderia ir comê-la sozinha. Este facto, demonstra
uma reviravolta da história original em que a Formiga manda a Cigarra dançar já que
havia cantado todo o verão, mas, nesta adaptação, a Formiga é alvo de amabilidade por
parte da Cigarra, demonstrando assim a caridade desta com quem lhe havia feito mal. O
facto de os animais que ajudaram a Cigarra terem mandado a Formiga comer sozinha o
56
que havida juntado, foi alguns anos mais tarde refletido na versão fabulística de Miguel
Torga – analisada mais abaixo no presente trabalho –, quando o autor termina dizendo
“que quem não cantava morria de fartura”.
Em 1977, foi criada uma adaptação humorística da fábula "A Cigarra e a Formiga",
introduzida num episódio de The Muppet Show (ver Anexo Digital 8), onde no final a
Cigarra vai-se embora num carro desportivo e a Formiga é esmagada (“The Ant ...”, s.d.).
Mais uma vez há aqui uma relação com a anti-fábula narrada por Pérez-Reverte.
A Bug's Life foi lançado pela Pixar Animation Studios, em 1988. Um filme que retrata
um grupo de Cigarras que são cruéis com uma colónia inteira de Formigas. Estas,
cansadas de se rebaixarem e de sofrerem, chamam os outros insetos para ajudá-las a
enfrentar as Cigarras. Uma diferença evidente nesta adaptação em relação à fábula de
Esopo é que, apesar de as formigas trabalharem também arduamente para juntar
alimentos, no filme elas fazem-no porque são obrigadas pelas cigarras que as maltratam.
Um percetível antagonismo que faz o espectador perceber que nesta história não é a
Cigarra que pede por comida e que é rudemente rejeitada pela Formiga, mas sim as
Cigarras que têm poder sobre as Formigas, descartando-se, portanto, de terem que
trabalhar. Assim, este filme possibilita a leitura ideológica de que a classe trabalhadora é
esmagada por uma classe parasitária, ou seja, as Cigarras que não querem ter nada a ver
com produtividade, vivem do trabalho dos que se esforçam para sobreviver – as Formigas.
No século XX, em 1904 a fábula renasceu como ballet através de Jules Massenet. Uma
peça com o nome Cigale, onde a Cigarra tem misericórdia para com a Formiga no
momento em que ela mais precisa, mas quando chega a vez de esta retribuir a ajuda, não
o faz, deixando a Cigarra para morrer (id., ibid.). Este ballet reflete um aspeto muito
interessante para o género literário onde, tal como Homero incluiu o que viria a ser mais
tarde a fábula, no género épico, no ballet de Massenet existe um cruzamento com outro
género literário, a tragédia.
Outras adaptações da fábula para o ballet foram a de Henri Sauguet, intitulado La cigale
at la fourmi de 1941, e a de Francis Poulenc no terceiro episódio de Les Animaux Modèles
em 1942 (id., ibid.).
57
No século seguinte, o ballet La C et la F de la F adapta a fábula A Cigarra e a Formiga
(ver Anexo Digital 9), no qual os bailarinos interpretam o texto através da coreografia de
Herman Diephuis (“The Ant ...”, s.d.).
8
http://www.orientacionandujar.es/
58
Cigarra e a Formiga, mais especificamente da
versão de Samaniego (ver Figura 7). O
pictograma é um caso particularmente
interessante, na medida em que comporta uma
dupla adaptação. Por um lado, é alvo de uma
tradução intermedial, sendo que existe uma
mudança de médium, uma transposição de um
texto de um sistema de signos para outro
diferente (Guimarães, 2003: 73), ou seja, do
escrito para o visual, e pelo outro lado, adapta-
se a um público-alvo específico – o
infantojuvenil. É possível afirmar-se que este
pictograma em particular funciona como um
“texto autónomo”, sendo que através das
Figura 7 – La cigarra y la hormiga, pictograma
imagens é possível a compreensão de toda
história sem o recurso a palavras escritas.
Depois de uma análise mais pormenorizada do pictograma, pode-se afirmar que o mesmo
transparece a sua mensagem de forma clara e objetiva. A ideia tradicional da fábula
original é mantida, ou seja, aqueles que não fazem providências para os tempos mais
difíceis, acabam por sofrer as consequências. Nos diferentes quadrados, é possível
observarem-se vários elementos que nos transportam para diferentes passagens da fábula
escrita, como por exemplo, a da Cigarra que apenas cantava durante o verão; a da Formiga
que procura arduamente por alimentos, encontra-os e armazena-os em sua casa para se
preparar para a chegada do inverno; e à chegada do inverno e do frio, em que a Cigarra
pede ajuda à Formiga, mas esta nega-lhe tal ajuda, finalizando a história com a Cigarra
triste e a Formiga contente.
59
Devido à notoriedade que alcançou a fábula de La Fontaine, a maioria das adaptações
abordadas no presente trabalho provêm dela, mas, apesar de as adaptações à versão
esopiana serem poucas, elas também existiram. Em 1920 destacou-se o cruzamento com
a música no Aesop's Fables Interpreted Through Music em Nova York, de Mabel Wood
Hill e em 2009, com várias peças de ópera curtas. No ano seguinte, Lefteris Kordis
adaptou a fábula no seu "Aesop Project" para octeto e voz. O Aesop’s Fables Studio
produziu, na América, uma série de desenhos animados, entre eles The Ants and the
Grasshopper, em 1921 (“The Ant ...”, s.d.).
Também é de notar a importância desta mesma fábula no sentido em que, devido à sua
versatilidade, ela proporciona a cada autor a hipótese de criar uma leitura ideológica, ou
seja, um enredo e uma conclusão que enfatizam determinadas caraterísticas, qualidades
ou defeitos, de acordo com a postura do autor. Tal pode ser verificado nas versões que
realçam as qualidades da Formiga, ou seja, a poupança, a previsão para o futuro, a
disciplina, o espírito de sacrifício, ou então nas versões em que o oposto é evidenciado,
tal como quando a formiga é egoísta, impiedosa, sem sentido de caridade e capaz de
abandonar a Cigarra, mesmo tendo a consciência que iria resultar na sua morte.
60
Viveu muitos anos em França, mas foi quando regressou a Espanha que passou a morar
com o seu tio-avô, um conde, que lhe transmitiu os seus valores e ideais nobres. Começou
a ler as primeiras fábulas aquando da sua junção à La Real Sociedad Vascongada de
Amigos del País, que tinha o objetivo de promover o desenvolvimento cultural (“Real
Sociedad Bascongada de Amigos del País”, s.d.), e ao El Real Seminario Patriótico
Vascongado para Caballeros Alumnos de Vergara, uma instituição de ensino superior
destinada a educar filhos de nobres, funcionários estaduais e militares (“Seminario de
Nobles de Vergara”, s.d.). Contudo, Samaniego era um bon vivant, que gostava muito da
vida social e da música.
Publicou a sua primeira coleção de fábulas no ano de 1781, constituída por cinco livros,
intituladas Fábulas en verso castellano, mas só em 1784 é que foi publicada uma versão
definitiva em Madrid, com o título Fábulas morales, composta por nove livros com 157
fábulas (“Félix María Samaniego”, s.d.).
O escritor foi enormemente inspirado por Esopo, Fedro, La Fontaine e John Gay, e os
seus contos possuíam um estilo simples e uma métrica variada, transparecendo a sua
inerente espontaneidade e graça. O século XVIII ficou marcado por várias fábulas de
Samaniego, sendo as principais, contos como La lechera, La paloma, Congreso de
ratones, La codorniz, Las moscas, El asno y el cochino, El perro y el cocodrilo, entre
outros.
Samaniego escreveu ainda uma outra fábula bastante conhecida – La cigarra y la hormiga
(ver Anexo 1). Nela, é evidente o favorecimento do trabalhador árduo que faz provisões
a pensar no futuro, recorrendo à poupança – traços característicos da Formiga – e um
desfavorecimento do preguiçoso que não quer trabalhar, nem se previne para um possível
futuro difícil – tal como a Cigarra.
No entanto, para o escritor, não é só a improvidência da Cigarra que está errada, mas
também o egoísmo e a falta de solidariedade e compreensão da Formiga, resultante do
seu trabalho árduo excessivo, chegando a chamar-lhe de codiciosa. Ao fazê-lo,
Samaniego emite um juízo de valor próprio que marca a sua opinião perante a
personagem, o que não é tão evidente nas outras duas versões em análise no presente
trabalho.
61
Esta versão da fábula, tem muitas semelhanças com a fábula original, onde a Cigarra pede
à Formiga por um pouco de comida, mas tal pedido é rejeitado. No entanto, uma diferença
se destaca, em que na versão de Samaniego, a Cigarra é muito educada no seu pedido e
ainda promete, sob seu nome, pagar com juros.
Reflete-se, em muitos dos seus poemas, uma inspiração genesíaca, ou seja, a sua
convicção que o Homem deve ser fiel à Terra que representa a base da vida,
personificando-a como um ventre materno. Para ele, a Terra é a ligação com o sagrado
(“Miguel Torga” 2, s.d.).
62
Torga criou o poema irónico "Fábula da Fábula" (ver Anexo 2), publicado no seu Diário
VIII em 1959 que é visivelmente uma versão crítica da fábula "A Cigarra e a Formiga".
Nesta versão, não é só a lição de moral que é contestada, mas também a pertinência do
género literário, sendo que o título – "Fábula da Fábula" – indica uma metapoesia (Costa,
s.d.: 4-5).
Desta forma, compreende-se que apesar de a versão original criticar severamente aqueles
que não trabalhavam nem faziam provisões para o futuro, sentenciando-os à morte, Torga
reprova essa visão radicalista, e explicita que cantando ou não cantando, todos morremos,
ao que se pode afirmar que o poeta defende a Cigarra e condena a Formiga por procurar
a fartura.
63
Pérez-Reverte desconsidera por completo a doutrina e a prática cristã, acreditando que a
visão do paganismo acerca do mundo é a mais louvável. Enquanto romancista, Reverte
explora frequentemente
No ano de 1998, o autor escreveu um artigo intitulado Canción de Navidad (ver Anexo
3), publicado no jornal espanhol El Semanal, com a intenção de criticar a fábula "A
Cigarra e a Formiga". Posteriormente, este mesmo artigo foi compilado no seu livro Con
Ánimo de Ofender, de 2001.
64
[s]e me ha olvidado decirle a la cigarra que, ya que va a Grécia, pregunte si todavia
vive allí un tal Esopo. Un señor mayor, que escribe. Y si se lo encuentra, que le dé
recuerdos de mi parte. A él y a la madre que lo parió.
Para além disto, a versão pode ser denominada “irreverente” também pelo que pode ser
considerado o primeiro aspeto que se destaca inevitavelmente na sua leitura – o uso do
calão9 – uma característica constante na escrita de Pérez-Reverte. Com o calão, o autor
consegue atingir duas funções; a função de sobressaltar o leitor, no sentido de se certificar
que a sua atenção à leitura não esmorece; e a função humorística.
Apesar de esta versão poder ser considerada uma adaptação do conto originário de Esopo,
o romancista não se autointitula como autor, mas como “repetidor” da fábula original
num registo puramente oral.
"A Cigarra e a Formiga" é uma história extremamente flexível uma vez que, conforme já
exemplificado, sem deixar de ser reconhecível, podem-se alterar as personagens
principais por outros insetos, a lição de moral, as estações do ano, o início ou o final da
história, por exemplo, e mesmo assim ela será sempre adaptada e inserida na época
pretendida, fazendo, todavia, todo o sentido, ensinando e demonstrando sempre mais
alguma coisa nova que ainda não havia sido transmitida. O conto prima pela sua
flexibilidade também no sentido em que é possível, conforme já exposto, a sua adaptação
em variadíssimos suportes e média diferentes.
9
A tradução do texto em questão para a língua portuguesa apresenta um grande desafio devido ao uso do calão.
Enquanto que em espanhol, será considerada uma escrita normal, sem provocar escândalo ou estranheza, tendo em
conta que é a realidade do espanhol falado nas ruas, o leitor português ficará bastante escandalizado. Os portugueses
estão habituados a uma “filtragem” da linguagem em que é proibido dizer palavrões, tal como na televisão ou na
rádio, sendo isto, na realidade, uma convenção. Portanto, numa possível tradução do texto de Pérez-Reverte para
português, existirá uma certa necessidade de recorrer a essa “filtragem” – como poderá ser visível na tradução em
apêndice.
65
Trata-se de uma história que cria a possibilidade de diferentes interpretações de acordo
com a já referida leitura ideológica, mas também devido ao passar dos anos, visto que
uma adaptação escrita no século XVII será alvo de uma interpretação no século XXI, por
exemplo.
A tradução pode ser definida como sendo a transmissão de um texto de uma determinada
língua para um texto de outra língua diferente, ou então, como sendo a transformação de
um texto para outro tipo qualquer de suporte ou média. Os vários e diferentes tipos de
adaptações da fábula expostos no presente trabalho, diferenciam-se consoante estas
definições. O ato tradutório, conforme já evidenciado, comporta processos como a
intersemiótica e a intermedialidade, onde um texto pode ser adaptado para uma música
ou para um ballet, e mesmo assim tratar-se de tradução. Consequentemente, mediante
todos os argumentos apresentados, pode-se considerar as manifestações da fábula
esopiana, instâncias de tradução.
66
realidade em que vivemos. Deste modo, o texto de origem mantém-se, mas consegue
abranger o leitor de uma forma diferente.
À luz do ponto de vista de Edward Sapir (apud. Bassnett, 1991: 13), a tradução depende
e existe em consonância com a sociedade, não existindo uma sem a outra. Assim, para
que uma tradução e/ou adaptação faça sentido, elas têm de ir de encontro com a cultura-
alvo, podendo-se afirmar que é o que acontece com todas as adaptações expostas no
presente trabalho. A título de exemplo, La Fontaine usou a fábula de Esopo para criticar
a “sua” corte, e, fora dessa sociedade, a sua versão não surte o mesmo efeito.
Assim, torna-se evidente que a fábula "A Cigarra e a Formiga" é um verdadeiro exemplo
de inspiração para variadíssimas adaptações, nas quais, apesar do cunho próprio dos
artistas, existe uma preocupação em difundir a mensagem de Esopo, mesmo que com
pequenas alterações. Deste modo, à luz do ponto de vista de Botelho (2016: 15), que
refere que na adaptação é introduzida a perspetiva que cada tradutor tem da vida, e
juntamente à luz do ponto de vista de Dias (2015: 72) de que adaptar é propagar a
mensagem do texto de origem, também se pode considerar as diferentes manifestações
abordadas no presente trabalho como instâncias de tradução.
67
Conclusão
Após uma necessária e pertinente contextualização, o presente trabalho teve porém como
objetivo, mais do que uma caracterização da fábula enquanto género literário – tarefa aliás
quase ciclópea, atendendo à multiplicidade de manifestações em diversas culturas e
períodos históricos – a análise da sua articulação com a tradução, no sentido amplo em
que ela é entendida atualmente pelos Estudos de Tradução, evidenciando, através de uma
abordagem que não pôde deixar de ser diacrónica, alguns exemplos das variadas
configurações, em diferentes meios e suportes, que a fábula adquiriu em certos períodos
nos quais teve particular destaque.
A fábula é, portanto, um dos géneros literários com maior longevidade ao longo dos
tempos. Surgida na Antiguidade com uma finalidade exclusivamente didática, na Idade
Média passou a ser utilizada como meio de difusão de exemplos morais e de normas
cristãs, até cair num certo menosprezo durante a Idade Moderna, ao ser considerada
apenas própria para mentes incultas e fúteis. Foi preciso assim esperar até à Idade
Contemporânea para, devido fundamentalmente à pena de La Fontaine, a fábula recuperar
o prestígio de outrora e ser reincorporada ao cânone literário.
Como é fácil perceber, a fábula sofreu diversas transformações através dos séculos, tanto
na forma e no tom, como na função desempenhada e no público-leitor. Contudo, as
principais caraterísticas nucleares – que permitem a adscrição ao género de textos muito
díspares – mantiveram-se quase sempre constantes, i.e., o uso de animais com
comportamentos e sentimentos humanos e a intenção do autor de retratar os vícios dos
seus contemporâneos.
Hoje em dia, tantos séculos depois de terem sido criadas, as mesmas fábulas continuam a
ser adaptadas, reescritas, transmutadas ou, em última instância, traduzidas. É por esse
motivo que se trata de um género particularmente rico para ilustrar de que forma se podem
aplicar as diversas conceções mais atuais daquilo que constitui tradução. Afigurou-se,
portanto, importante abordar alguns exemplos que pudessem representar exemplos de
68
tradução intersemiótica e intermedial, tentando, se possível, examinar as fronteiras entre
estas e a tradução interlinguística no sentido mais ortodoxo.
Por ser uma das fábulas mais populares, "A Cigarra e a Formiga" tem tão grande
variedade de manifestações que é possível encontrá-la traduzida, adaptada ou
transformada nos mais diversos média e nos mais diversos suportes, oferecendo
incontáveis exemplos de praticamente todos os tipos de tradução. O corpus escolhido na
presente dissertação, atendendo aos limites no alcance desta e às línguas de trabalho da
autora, tentou dar amostras, tão variadas quanto possível, dessas múltiplas configurações.
Este estudo não teria sido possível antes da frequência do Mestrado em Tradução e
Interpretação Especializadas do ISCAP. Este curso revelou-se fundamental para
ultrapassar as noções mais conservadoras e restritivas da tradução e alargar os horizontes
desta atividade a áreas antes não imaginadas. Se, para esta autora, traduzir sempre foi
entendido como o estabelecimento de pontes entre línguas e culturas, hoje é possível
afirmar que essas pontes se tornaram mais amplas, mais variadas e infinitamente mais
enriquecedoras.
69
Bibliografia
1. Fontes Primárias
Samaniego, F. M. (1841). "La cigarra y la hormiga", in Fabulas, Madrid: Librería de la Sra. Viuda
de Calleja e hijos, pp. 12-13.
Torga, M. (1999). "Fábula da fábula", in Antologia Poética, Lisboa: D. Quixote, 5ª edição, pp.
331-332.
"La cigarra y la hormiga" (2009). in “Fábulas con pictogramas”. Orientación Andújar, recurso
eletrónico disponível em <http://www.orientacionandujar.es/2009/05/05/fabulas-con-
pictogramas/>, acedido em 28 de agosto de 2017.
2. Fontes Secundárias
Aichele, G. (2001). The Control of Biblical Meaning: Canon as Semiotic Mechanism. Harrisburg,
PA: Trinity Press International.
Baiccbi, A. (2013). “Film and Literary Titles: An Analysis of ‘Threshold Items’ in Different
Modes of Communication”, in Montagna, Elena (ed.), Readings in Intersemiosis and Multimedia.
Como: Ibis, pp. 169-90
Baker, M., & Saldanha, G. (eds.) (2009). Routledge Encyclopedia of Translation Studies. (2nd
ed.), London & New York: Routledge.
70
Brisset, A. (2000). “The Search for a Native Language: Translation and Cultural Identity”, in
Venuti, Lawrence (ed.), The Translation Studies Reader. London: Routledge, pp. 343-75
Lemke, J. (2013). “Transmedia Traversals: Marketing Meaning and Identity”, in Montagna, Elena
(ed.), Readings in Intersemiosis and Multimedia. Como: Ibis, pp. 13-34
Millán, C., & Bartrina, F. (2017). The Routledge Handbook of Translation Studies. Abingdon,
Oxon: Routledge.
Scott, C. (2012). Literary Translation and the Rediscovery of Reading. Cambridge: Cambridge
University Press.
Alfredina, N. (2005). “Fábula: Animais Dão Lição de Moral”. Pesquisa Escolar - UOL Educação,
recurso eletrónico disponível em <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/fabula-
animais-dao-licao-de-moral.htm>, acedido em 09 de dezembro de 2016.
71
Amezaga Gómez, I. (2015). “La fábula en educación primaria. El caso de La cigarra y la
hormiga”. (Trabajo de Fin de Grado. Escuela Universitaria de Magisterio de Bilbao), recurso
eletrónico disponível em
<https://addi.ehu.es/bitstream/10810/17645/5/TFG_Amezaga_Gomez.pdf>, acedido em 26 de
janeiro de 2017.
Andrea, et al. (2011). “O Papel dos Animais nas Fábulas”. Blogger, recurso eletrónico disponível
em <http://www.graudez.com.br/litinf/textos.htm>, acedido em 20 de janeiro de 2017.
Beatriz (2016). “Os Irmãos Grimm e sua Importância no Mundo dos Contos de Fadas”. Pavê,
recurso eletrónico disponível em <[https://oblogpave.wordpress.com/2016/08/29/os-irmaos-
grimm-e-a-sua-importancia-no-mundo-dos-contos-de-fadas/>, acedido em 17 de fevereiro de
2017.
Braga Onelley, G., & de Almeida Peçanha, S. F. G. (2010). “O Relato Fabulístico na Grécia
Antiga e em Roma”. Politeia: História e Sociedade, 10(1), 175-185, recurso eletrónico disponível
em <http://periodicos.uesb.br/index.php/politeia/article/view/651>, acedido em 08 de dezembro
de 2016.
72
<https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/article/view/152/162>, acedido em 19 de julho
de 2017.
Clüver, C. (2006). “Inter Textus/Inter Artes/Inter Media” (versão portuguesa sem indicação do
tradutor). Aletria: Revista de Estudos de Literatura, 14, 10-41, recurso eletrónico disponível em
<http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/1357/1454>, acedido em
02 de agosto de 2017.
Costa, P. C. (s.d.). “Num «Fabulário Ainda por Encontrar» – A Fábula na Poesia Portuguesa do
Século XX”. História Crítica da Fábula na Literatura, capítulo 7, recurso eletrónico disponível
em <http://www.memoriamedia.net/fabula/index.php/historia-critica>, acedido em 28 de agosto
de 2017.
73
Curado, M. E. (2007). “Literatura e Cinema: Adaptação, Tradução, Diálogo, Correspondência ou
Transformação?” RevistaTemporis[ação], 1(9), 88-102, recurso eletrónico disponível em
<http://www.revista.ueg.br/index.php/temporisacao/article/view/5990/4093>, acedido em 02 de
julho de 2017.
de Araújo Serrão, R. (2010). “Sabor, Emoção e Tradução em Como Água para Chocolate”
(Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual da Paraíba), recurso eletrónico disponível em
<http://tede.bc.uepb.edu.br/jspui/handle/tede/2492>, acedido em 20 de julho de 2017.
74
Federal da Paraíba), recurso eletrónico disponível em
<http://tede.biblioteca.ufpb.br/handle/tede/6244>, acedido em 20 de julho de 2017.
de Oliveira Abbate, F. A. (2010). “Traduzindo Saul Bellow: Nas Trilhas de By the Saint
Lawrence”. Tradução & Comunicação: Revista Brasileira de Tradutores, (21), 65-80, recurso
eletrónico disponível em
<www.pgsskroton.com.br/seer/index.php/traducom/article/download/1922/1827>, acedido em
19 de julho de 2017.
75
de Oliveira Agra, K. L. (2007). “A Integração da Língua e da Cultura no Processo de Tradução”.
Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, recurso eletrónico disponível em
<http://www.bocc.ubi.pt/pag/agra-klondy-integracao-da-lingua.pdf>, acedido em 13 de março de
2017.
Di Paola, M. (2012). “El Arte que traduce: sobre On Translation de Antoni Muntadas”. Congresso
Internacional da Associação de Pesquisadores em Crítica Genética, X Edição, recurso eletrónico
disponível em <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/apcg/edicao10/Modesta.Paola.pdf>,
acedido em 14 de março de 2017.
Di Paola, M. (2015). “El arte que traduce. 1995-2015. La traducción como mediación cultural en
los procesos de transmisión y recepción de las obras de arte” (Tese de Doutoramento, Universitat
de Barcelona), recurso eletrónico disponível em
<http://diposit.ub.edu/dspace/handle/2445/66764>, acedido em 20 de julho de 2017.
76
Dias, J. (2015). “Sagrada Melancolia: Tradução para inglês” (Trabalho de Projeto de Mestrado,
Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto), recurso eletrónico disponível em
<http://recipp.ipp.pt/handle/10400.22/7793?locale=en>, acedido em 19 julho de 2017.
“Die Ameise und die Heuschrecke”. (s.d.). Wikipedia, Die freie Enzyklopädie, recurso eletrónico
disponível em <https://de.wikipedia.org/wiki/Die_Ameise_und_die_Heuschrecke>, acedido em
18 de agosto de 2017.
“Félix María Samaniego”. (s.d.). Biografías y Vidas, La enciclopedia biográfica en línea, recurso
eletrónico disponível em
<https://www.biografiasyvidas.com/biografia/s/samaniego.htm#header>, acedido em 17 de
setembro de 2017.
77
Guerini, A., & Costa, W. C. (2006). “Introdução aos Estudos da Tradução” (Dissertação de
Licenciatura e Bacharelato, Universidade Federal de Santa Catarina), recurso eletrónico
disponível em
<http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/prelogin/adl/fb/logs/Arquivos/textos/estud
os_da_traducao/Introd.%20Estudos%20da%20Tradu%C3%A7%C3%A3o.pdf>, acedido em 14
de março de 2017.
Guijarro Zabalegui, M., & López Sáez, G. (1998). “Valor literario-pedagógico de la fábula
(Estudio comparativo de Leonardo da Vinci y Félix María Samaniego)”. Revista Complutense de
Educación, 9(2), 327-340, recurso eletrónico disponível em
<https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=150253>, acedido em 11 de dezembro de
2016.
Jiménez, M. (2014). “La literatura y su relación con las artes”. SlideShare, recurso eletrónico
disponível em <https://prezi.com/n2gjjkxu4o_8/la-literatura-y-su-relacion-con-las-artes/>,
acedido em 04 de agosto de 2017.
Luna, V. (2011). “Fábulas (Marly Aparecida G. Souto)”. Blogger, recurso eletrónico disponível
em <http://portuguesveronicaluna.blogspot.pt/2011/11/fabulas-marly-aparecida-gsouto.html>,
acedido em 09 de dezembro de 2016.
78
Ortíz, R. M., et al. (2008). “La literatura como base de otras artes”. SlideShare, recurso eletrónico
disponível em <https://es.slideshare.net/xiu/la-literatura-como-base-de-otras-artes>, acedido em
04 de agosto de 2017.
Morais, A. P. (2014). “Cultura - Séculos de Fábula Portuguesa num Catálogo Online”. Instituto
de Estudos de Literatura e Tradição - patrimónios, artes e culturas, recurso eletrónico disponível
em <https://ielt.fcsh.unl.pt/pt/imprensa/jornais/140>, acedido em 19 de fevereiro de 2017.
Moreira, L. A. (2014). “Tradición clásica: dos fábulas revisitadas”. Arquías. Revista humanística
para las lenguas en cambio, Año I, (1), 225-241, recurso eletrónico disponível em
<https://scholar.google.com/scholar_url?url=http://www.academia.edu/download/40237970/Re
vista__Arquias.pdf%23page%3D225&hl=pt-PT&sa=T&oi=gsb-
gga&ct=res&cd=0&ei=GAmFWJL2CNS9mAHqlKegDQ&scisig=AAGBfm0luKxvVsRBUm-
PC2WIe6YPzs3vTA>, acedido em 21 de novembro de 2016.
79
Moro, G. H. M. (2016). “Pictograma e Pictografia: Objeto, Representação e Conceito”. (Tese de
Doutoramento, Universidade Tecnológica Federal do Paraná) , recurso eletrónico disponível em
<http://repositorio.utfpr.edu.br/jspui/handle/1/1942>, acedido em 29 de agosto de 2017.
Passos, L.R. (2010). “A Imagem pelas Palavras: O Processo Narrativo de Luiz Vilela e seu
Desdobramento Hipertextual no Cinema e na Televisão” (Dissertação de Mestrado, Universidade
Federal de Minas Gerais), recurso eletrónico disponível em
<http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/ECAP-83WG44>, acedido em 20 de
julho de 2017.
Paúls, E. G. (2009). “La literatura y las demás artes”. Hypotheses, recurso eletrónico disponível
em <http://peripoietikes.hypotheses.org/61>, acedido em 03 de agosto de 2017.
Paúls, E. G. (2012). “La literatura y las demás artes”. SlideShare, recurso eletrónico disponível
em <https://pt.slideshare.net/ElenaGallardo/tema-2-literatura-y-otras-artes-
11845407?from_action=save>, acedido em 04 de agosto de 2017.
“Real Sociedad Bascongada de Amigos del País”. (s.d.). Wikipedia, la enciclopedia libre, recurso
eletrónico disponível em
<https://es.wikipedia.org/wiki/Real_Sociedad_Bascongada_de_Amigos_del_Pa%C3%ADs>,
acedido em 17 de setembro de 2017.
80
Rodrigues, F. M. (2013). “Intermidialidade e Transmídia: o Desdobramento da Narrativa em
Assassin’s Creed II”. Associação Brasileira de Pesquisadores
em Cibercultura, Eixo 5 - Entretenimento Digital, recurso eletrónico disponível em
<http://abciber.org.br/simposio2013/anais/pdf/Eixo_5_Entretenimento_Digital/25807arq062957
85670.pdf>, acedido em 19 de julho de 2017.
Ruiz Rodríguez, A. B. (2010). “La fábula en la educación primaria”. Pedagogía Magna, (5), 19-
26, recurso eletrónico disponível em <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/3391385.pdf>,
acedido em 11 de dezembro de 2016.
Sales, K. L. B., & Procópio, E. (2012). “Adaptação Fílmica como Tradução: Transmutação de
Signos entre Sistemas Semióticos”. Revista Philologus, Ano 18, nº54, pp. 37-52, recurso
eletrónico disponível em <http://www.filologia.org.br/revista/artigo/18(54)37-52.html>, acedido
em 10 de abril de 2017.
Santos, D. C. F. (2006). “Um Olhar Sobre o Fantástico: Análise das Estratégias de Construção do
Universo Maravilhoso de Hoje é Dia de Maria” (Monografia de Bacharelato, Universidade
Federal da Bahia), recurso eletrónico disponível em
<https://ateve.files.wordpress.com/2011/02/santos-debora.pdf>, acedido em 20 de julho de 2017.
81
Segala, R. R. (2010). “Tradução Intermodal e Intersemiótica/Interlingual: Português Brasileiro
Escrito para Língua Brasileira de Sinais” (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de
Santa Catarina), recurso eletrónico disponível em
<http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/20023.pdf>, acedido em 7 de março de
2017.
Selva Más, J. D. (2011). “La literatura como base de otras artes”. SlideShare, recurso eletrónico
disponível em <https://pt.slideshare.net/crevillent/la-literatura-en-otras-artes>, acedido em 04 de
agosto de 2017.
Sillas, L. (2012). “El arte y la literatura, una relación constante”. Cambio de Michoacán, recurso
eletrónico disponível em <http://www.cambiodemichoacan.com.mx/editorial-7262>, acedido em
04 de agosto de 2017.
Siqueira, J. S. (2015). “Do Ut Pictura Poesis à Narrativa de Clarice Lispector”. Letras, 25(51),
167-186, recurso eletrónico disponível em
<https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/23553/13909>, acedido em 04 de agosto de 2017.
Surber, K. (s.d.). “Connecting Literature to Other Art Forms”. Study.com, recurso eletrónico
disponível em <http://study.com/academy/lesson/connecting-literature-to-other-art-forms.html>,
acedido em 04 de agosto de 2017.
82
Tavares, E. F., & Steil, J. (2015). “Literatura, Cultura e Outras Artes: Percursos Críticos,
Interpretativos e Metodológicos”. Letras, 25(51), 7-11, recurso eletrónico disponível em
<https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/23543/13900>, acedido em 03 de agosto de 2017.
“The Ant and the Grasshopper”. (s.d.). Wikipedia, the free encyclopedia, recurso eletrónico
disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/The_Ant_and_the_Grasshopper>, acedido em 10
de agosto de 2017.
Vieira, A. S. (2007). “Apresentação”. Letras, nº34, pp. 9-11, recurso eletrónico disponível em
<https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11929/7350>, acedido em 03 de agosto de 2017.
“Visão Geral da História do Gênero. – Fábulas”. (s.d.). Cantinho Infantil, MiniWeb Educação,
recurso eletrónico disponível em
<http://www.miniweb.com.br/cantinho/infantil/38/didaticos_fabulas.html>, acedido em 12 de
dezembro de 2016.
3. Bibliografia Complementar
Baker, M., & Malmkjær, K. (Eds.). (2001). Routledge Encyclopedia of Translation Studies.
London: Routledge.
83
“O Romance de Renart”. Biblioteca Digital Mundial, recurso eletrónico disponível em
<https://www.wdl.org/pt/item/594/>, acedido em 16 de dezembro de 2016.
84
Anexos
85
86
Anexo 2 – Miguel Torga, "Fábula da fábula"
87
Anexo 3 – Arturo Pérez-Reverte, "Canción de Navidad"
88
89
90
Lista de Anexos em Formato Digital
Anexo Digital 5 – Trecho de Femmes en fables (1999), de Isabelle Aboulker, para voz
aguda e piano.
Anexo Digital 6 – Curta-metragem The Grasshopper and the Ants, de Walt Disney
(1934).
Anexo Digital 7 – The Grasshopper and the Ant, curta-metragem de Lotte Reiniger
(1954).
91
Apêndice
Cantiga de Natal
Provavelmente já conhecem a história. Ou soa familiar. Era uma vez uma formiga, a típica
gaja trabalhadora, que não parava até ficar com a língua de fora a carregar grãos de trigo,
e tudo mais que podia, para o seu formigueiro, enquanto transpirava rios de sal, castigada
pelo sol de agosto. A fulana ia e vinha, para lá e para cá, com aquela seriedade metódica
e disciplinada que têm as formigas comme il faut, a acumular mantimentos para o inverno.
Ia tão atarefada que até passava por um musculado formigo, e nem se apercebia que o
fulano lhe dizia certas coisas. Até já, boazona, mandava-lhe piropos, a roçar-lhe com as
antenas. Pudera abrir-te as seis patas de uma vez. E ela, carregada com o seu grão de trigo
ou a sua folhinha de salsa, continuava o seu um-dois, um-dois, obcecada com o
abastecimento da despensa, porque rápido chegava o inverno e vai-se lá saber.
Todos os dias, a formiga passava à frente de uma cigarra que tinha uma cara de pau... A
gaja passava o tempo todo de papo para o ar debaixo de um arbusto de alecrim,
acompanhada da guitarra a cantar canções do Salvador Sobral e essas coisas. Amar pelos
dois, dizia a idiota, a gozar da pobre formiga quando esta passava por perto. Às vezes,
quando tinha fumado um paiva e ficava mais alterada, massacrava a formiga até mais não
poder. Até já, proletária, trotskista, dizia-lhe a cabra. Vais ter um AVC. Noutras alturas,
partia-se a rir às gargalhadas, e atirava joaninhas à formiga, se não fosse mais, só para
chatear, e dizia-lhe anda pela sombra, suada, que trabalhas mais que o Diogo Morgado.
Deves ser otária para andar a descer e a subir a carregar trigo, com o calor que está. És a
estupidez em pessoa.
A formiga, claro, ficava com umas trombas até ao chão. Às vezes parava e ameaçava a
cigarra com um manguito. Vai chupá-la a alguém, dizia. E respondia a cigarra: pois ouve,
se calhar vou, já que tu não tens tempo. Outras vezes ignorava-a a ranger os dentes, ou o
que for que têm as formigas na boca. Não tarda a chegar o inverno, resmungava arqueada
sob a sua carga. Não tarda a chegar o inverno, filha da mãe, e vais ver o que é bom para
92
a tosse. Tu canta, canta. Aquele que em agosto canta, em dezembro não janta. Mas a
cigarra partia-se a rir às gargalhadas.
Chegou o inverno e, como era previsível, caiu uma montanha de neve. E a formiga
reconfortava-se no seu formigueiro quentinho, junto ao aquecedor, e contemplava a
despensa cheia. E pensava: agora vai aparecer aquela cabra pedir abrigo, morta de fome
e de frio. Agora virá fazer-se de coitadinha para eu ter pena dela. Mas que se ponha fina
comigo, que eu não lhe abro a porta. Ela fica lá fora e aqui não entra.
Então, estava a formiga de roupão e chinelos, com a televisão ligada a ver O Preço Certo,
e a campainha toca. A formiga levanta-se devagar, a disfrutar do momento, enquanto
esfregava duas das suas patas com ar maquiavélico. Aqui está a porca, pensa. Cheia de
fome e de frio. Vamos ver se agora ainda tem vontade de cantar. Mas a verdade é que,
mal abre a porta, fica especada pela surpresa: na entrada, está a cigarra vestida com um
casaco de visom que até te passas, e com um Rolls Royce à espera dela na rua.
- Juro-te. E Manolo (porque o grilo chama-se Manolo e é um fofo) tirou-me das ruas e
deu-me um apartamento que até alucinas, vizinha. E agora vou a Londres gravar um disco.
- A sério?
A cigarra ajeita-se então o colarinho do visom e entra no Rolls Royce. A formiga fica em
choque à porta e depois fecha-a devagarinho. Volta pensativa para o aquecedor e para a
televisão, senta-se, olha para a despensa, depois olha outra vez para a porta. E recorda-se
daquele formigo do verão, que acabou por juntar os trapinhos com outra formiga sua
amiga, uma tal de Matilde. Porra, pensa. Esqueci-me de dizer à cigarra que, já que vai à
93
Grécia, pergunte se ainda vive por lá um tal de Esopo. Um escritor com alguma idade. E
se o encontrar, que lhe dê os meus melhores cumprimentos. A ele e à mãe que o pariu.
94
Índice de Autores
95
Leo Spitzer, 42 Renato Molinari, 55
Leon Rosselson, 52 Roland Bacri, 49
Leonardo da Vinci, 14 Roman Jakobson, 23, 24, 25, 26, 29, 31, 32,
Lotte Reiniger, 56 67
Louis Feuillade, 55 Romulus, 12
Luis Alfonso de Carvalho, 39 Rudolf Kirsten, 17
Manuel Mendes da Vidigueira, 16 Rudolf Koumans, 52
Marie de France, 12, 46 Sá de Miranda, 14
Marie-Madeleine Duruflé, 52 Sabatino Scia, 18
Mario Caserini, 55 Sebastián Mey, 15
Mário Castelnuovo-Tedesco, 19 Semónides de Amorgos, 10
Michelle Malkin, 50 Shawn Allen, 53
Miguel Torga, 18, 45, 57, 62, 63, 64 Simónides de Ceos, 39
Mussorgski, 19 Slade and Toni Morrison, 47
Napoleão, 14 Sólon, 10
Passeroni, 15 Syntipas, 12, 44
Paul Gauguin, 54 Theodore Savory, 30
Pierre Perret, 48 Théophile Gautier, 41
Pierre-Louis Ginguené, 47 Thomas Bewick, 47
Platão, 39 Tomás de Iriarte, 8, 15, 16
Plínio, o Velho, 39 Tristan Corbière, 48
Plutarco, 39 Victor Gabriel Gilbert, 55
R. Tagore, 16 W. Somerset Maugham, 49
Rabelais, 15 Walt Disney, 49, 56
Ramón de Basterra, 17 Winckelmann, 40
Ramón de Campoamor y Campoosorio, 16 Wolfdietrich Schnurre, 17
Ravel, 27 Xavier Benguerel i Godó, 53
96