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A Fábula “A Cigarra e a Formiga”

e as Fronteiras da Tradução

Fabiana da Silva Pereira

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Tradução e Interpretação Especializadas

Porto – 2017

INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DO PORTO

INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO


A Fábula “A Cigarra e a Formiga”

e as Fronteiras da Tradução

Fabiana da Silva Pereira

Dissertação de Mestrado

apresentada ao Instituto de Contabilidade e Administração do Porto para


a obtenção do grau de Mestre em Tradução e Interpretação
Especializadas, sob orientação da Mestre Especialista Laura Tallone

“Esta versão contém as críticas e sugestões dos elementos do júri”

Porto – 2017

INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DO PORTO

INSTITUTO POLITÉCNICO DO PORTO


Resumo:

A conjugação da fábula com a tradução torna-se muito pertinente para a compreensão dos
seus limites e fronteiras em relação com a adaptação, a recriação e a transmutação. Trata-
se de um género literário bastante flexível que, neste âmbito, é utilizado com o propósito
de ilustrar as dificuldades que apresentam as suas variadas manifestações e de que forma
podem, ou não, constituir tradução.

A presente dissertação irá seguir esta linha de raciocínio recorrendo a uma abordagem
diacrónica breve da fábula, com particular foco n“A Cigarra e a Formiga”, por ser uma
das fábulas mais populares, culminando com a análise comparativa das versões de Félix
María Samaniego, de Miguel Torga e de Arturo Pérez-Reverte. Para além disso, dá-se
também destaque às diversas manifestações da fábula de Esopo que passam pelo cinema,
pela música, e pelas artes plásticas, entre outros.

Palavras chave: Tradução; Fábula; Tradução Intersemiótica; Tradução Intermedial.

Abstract:

The combination of fable and translation becomes very relevant to understand the limits
and boundaries of the former, in contrast with the notions of adaptation, recreation and
transmutation. Within this context, this flexible literary genre turns out to be instrumental
to illustrate the difficulties posed by its multiple manifestations, as well as the way in
which these can, or cannot, be instances of translation.

The present dissertation follows this line of reasoning through a brief diachronic approach
of the fable, with particular focus on "The Grasshopper and The Ants" — one of the most
popular fables —, followed by a comparative analysis of the versions of Félix María
Samaniego, Miguel Torga and Arturo Pérez-Reverte. In addition, it discusses the different
configurations of Aesop’s fable, including media as diverse as the cinema, music and the
plastic arts, among others.

Key words: Translation; Fable; Intersemiotic Translation; Intermedial Translation.

II
Se busca un traductor
que sepa coser
que separe los hilos del texto, que lo desgarre amorosamente en trapos
que sepa bordar
que descubra los colores, los relieves, que cambie las agujas si hay hilos
gruesos y los hay finos, que recame, que enhebre, que deshebre y pesebre, que
dé pespuntes, encuentre el grado cero y en un pronto se enardezca y vuelva
a la calma cuando el tejido del texto lo exija.
Se busca un traductor
que no sólo borde sino también aborde lenguajes, códigos, señales, guiños,
cuerdas, broches, corchetes y pendientes.
Se busca un traductor que haya probado todos los transbordadores del
mundo incluso sin haberse movido de su casa.
Se busca un traductor que sepa abrir la puerta.
Se busca un traductor que confunda la palabra con el paladar.
Se busca un traductor que no se paralice y se mueva al ritmo de la lengua
que se mueve, que se mueve se mueve sin embargo se mueve, que sea capaz
de revolcarse y revolverse en las inmensas sábanas del lenguaje.
Se busca, ante todo, un traductor que reniegue de los dogmas, de los policías
del idioma.
Se busca un traductor, un errabundo. Se busca a Penélope o a Ulises.

Mario Merlino, Anuncio por palabras

III
Dedicatória

A todas as pessoas que, apesar das adversidades da vida,


nunca baixaram os braços e alcançaram os seus sonhos.

IV
Agradecimentos

À minha orientadora, Mestre Especialista Laura Tallone, pelo apoio, pela força, pela
paciência, por acreditar sempre em mim e nas minhas capacidades, pela disponibilidade,
pela dedicação, e por ser uma grande fonte de inspiração para a vida e um ótimo exemplo
de profissionalismo.

À Pipa, pela companhia e pelo carinho.

À minha mãe e irmã, Margarida e Raquel, pela paciência e compreensão durante os meus
momentos de desespero, e também pelas iguarias anti-stress.

Ao meu pai, Francisco, por me incentivar a não desistir de lutar.

Ao Fábio, por me ter possibilidado esta oportunidade.

A todos os que, de uma maneira ou outra, me apoiaram e não me permitiram fraquejar.

A todos os que não me apoiaram e acreditaram que eu nunca seria capaz, deixando-me
ainda mais orgulhosa de mim própria por lhes provar o contrário.

V
Índice Geral

Introdução 1

Capítulo 1 – Origens, Estrutura e Desenvolvimento da Fábula na Europa 4


1.1. Antiguidade 9
1.2. Idade Média 12
1.3. Idade Moderna 13
1.4. Idade Contemporânea 16

Capítulo 2 – A Tradução Intersemiótica e Intermedial 19


2.1. Definições 20
2.2. Tradução, Adaptação e Recriação. Limites e Fronteiras 30
2.3. Os Cruzamentos entre a Literatura e as Outras Artes 37

Capítulo 3 – A Cigarra e a Formiga 44


3.1. A Cigarra e a Formiga e as Suas Múltiplas Adaptações 45
3.1.1. A Cigarra e a Formiga na Literatura 46
3.1.2. A Cigarra e a Formiga na Música e na Ópera 52
3.1.3. A Cigarra e a Formiga nas Artes Plásticas 53
3.1.4. A Cigarra e a Formiga no Cinema e no Ballet 55
3.1.5. A Cigarra e a Formiga em Medalhas, Selos de Correio e no
Pictograma 58
3.2. A Versão de Samaniego 60
3.3. A Versão de Torga 62
3.4. A Versão de Pérez-Reverte 63

Conclusão 68

Bibliografia 70
1. Fontes Primárias 70
2. Fontes Secundárias 70
2.1. Fontes em Formato Físico 70

VI
2.2. Fontes em Formato Digital 71
3. Bibliografia Complementar 83

Anexos 85
Anexo 1 - Fábula de Samaniego, La cigarra y la hormiga 85
Anexo 2 - Fábula de Torga, Fábula da fábula 87
Anexo 3 - Fábula de Pérez-Reverte, Canción de Navidad 88
Lista de Anexos em Formato Digital 91

Apêndice 92
Versão Portuguesa de “Canción de Navidad” de Arturo Pérez-Reverte 92

Índice de Autores 95

VII
Índice de Ilustrações

Figura 1 – La Cigale et la Fourmi de Gustave Doré 51

Figura 2 – La Cigale et la Fourmi de Ignaz Stern 53

Figura 3 – La Cigale de Edouard Bisson 54

Figura 4 – Les Cigales et les Fourmis, litografia de Paul Gauguin 54

Figura 5 – The Ant and the Grasshopper de Jacob Lawrence 55

Figura 6 – Selo húngaro de 60 florins 58

Figura 7 – La cigarra y la hormiga, pictograma 59

VIII
Introdução

Durante séculos, todas as crianças alguma vez leram ou ouviram fábulas: contos breves
em que os animais falam e agem como seres humanos, espelhando os nossos sentimentos
e com frequência as nossas piores características. A fábula faz parte do cânone da
literatura infantojuvenil em numerosos países. Ela é repetida, transformada e recriada
vezes sem conta, não só pela literatura, mas também pela música, a pintura, a escultura,
o cinema… Perante tanta diversidade, cabe perguntar se todas as diferentes versões da
mesma fábula podem ser consideradas ou não traduções. Se tudo for tradução, então como
é que esta se define? Se o não for, onde estão as suas fronteiras? Foram estas questões
que deram início à pesquisa representada neste estudo.

A presente dissertação focaliza-se na área da tradução, tendo em atenção o género literário


da fábula. Contudo, a intenção não será a de fazer a sua análise enquanto género literário,
apesar da sua necessária contextualização, mas a de utilizar algumas das diversas
manifestações da fábula, em diferentes línguas e meios, para abordar as fronteiras entre a
tradução, a adaptação, a transmutação, utilizando noções elaboradas no seio dos Estudos
de Tradução, em particular da Tradução Intersemiótica.

Deste modo, no trabalho são problematizadas diferentes versões da fábula "A Cigarra e a
Formiga", nomeadamente os textos "La Cigarra y la Hormiga" de Félix María Samaniego,
"Canción de Navidad" de Arturo Pérez-Reverte e "Fábula da Fábula" de Miguel Torga,
bem como diversos exemplos encontrados no ballet, no cinema, na música e nas artes
visuais, entre outros, numa tentativa de conhecer melhor os âmbitos da tradução e da
adaptação.

A pesquisa desenvolvida para o presente trabalho teve os seguintes objetivos: descrever


os diferentes formatos da fábula na Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea;
analisar a evolução desse género literário ao longo do tempo, focando nalguns exemplos
pontuais em períodos em que a fábula teve maior difusão; reunir as diversas definições
de tradução intersemiótica e de tradução intermedial, para tentar diferenciar entre
tradução, adaptação, recriação e transmutação, passando de seguida a analisar mais em

1
detalhe a fábula "A Cigarra e a Formiga" e a examinar as distinções entre as versões mais
famosas desta fábula, de forma a determinar de que forma os textos contemporâneos
representam os textos clássicos.

Relativamente à estrutura do presente trabalho, este divide-se em três capítulos. Assim,


no Capítulo 1, o tema do trabalho é contextualizado: abordam-se as origens da fábula e
seu desenvolvimento na Europa, passando pela Antiguidade Clássica, pela Idade Média,
Moderna e Contemporânea, dando um especial relevo a este género literário na Grécia,
Roma, França e Espanha. Descrevem-se as suas principais caraterísticas e distinguem-se
as variações na sua estrutura, nomeadamente o uso de animais para representar, criticar e
ridicularizar os comportamentos humanos, bem como a localização da lição de moral
quando ela está presente.

No Capítulo 2, a própria tradução interlinguística, a tradução intersemiótica e a tradução


intermedial são problematizadas, em particular no que diz respeito aos cruzamentos entre
a literatura e as outras artes. Neste capítulo são também abordados os limites e fronteiras
entre tradução e adaptação, através de uma breve análise da literatura produzida nesta
matéria.

Finalmente, no Capítulo 3 concentra-se o cerne desta dissertação, ao focar-se em torno da


fábula "A Cigarra e a Formiga" nas versões de Esopo e de La Fontaine. Dão-se também
diversos exemplos de tradução intersemiótica no que respeita a esta fábula em particular,
recorrendo a diversas configurações do conto na música e nas artes visuais. Este capítulo
termina com uma exposição mais aprofundada da versão de Samaniego (o mais moderno
recriador do género), assim como das de Torga e Pérez-Reverte, que podem ser
consideradas exemplos subversivos do género. Da "fábula" de Pérez-Reverte é incluída
em apêndice uma versão portuguesa, a fim de facilitar a sua compreensão e ilustrar, pelo
menos em parte, os desafios que um texto desta natureza coloca ao tradutor.

Com o desenvolvimento desta dissertação, espera-se iluminar um pouco os âmbitos da


tradução, da adaptação e da recriação. Contudo, não devem esperar-se respostas últimas
nem demarcações precisas destas atividades. As perguntas iniciais continuarão sem
resposta definitiva. Tentar fixá-las, para além de estar muito além das nossas
possibilidades e do alcance deste trabalho, afigura-se um trabalho menos profícuo do que

2
a própria procura. Quantas vezes, numa viagem, o percurso é muito mais interessante do
que o destino final!

3
Capítulo 1 - Origens, Estrutura e
Desenvolvimento da Fábula na Europa

Por tratar-se, provavelmente, de um dos géneros literários de maior longevidade e que


"mais continuidade apresenta ao longo da história humana" (Moreira, 2014: 2251), seguir
o desenvolvimento da fábula clássica através dos séculos afigura-se uma tarefa árdua e
complexa – que excederia os limites desta pesquisa –, semelhante a percorrer "uma árvore
que se ramifica infinitamente” (Van Dijk, 2003: 268). Assim, a nossa abordagem
diacrónica incidirá por força nalguns períodos nos quais a fábula teve particular
vitalidade.

Na sua etimologia, o termo ‘fábula’ deriva do latim fabula, que significa ‘narração’,
‘história’ ou ‘conto’, cuja raiz se encontra no verbo latino fari, com o significado ‘falar,
contar histórias, narrar’ (Pereira e Neves, s.d.: 2-3), e no grego phao, que significa ‘contar
algo’.

Trata-se de um texto literário “narrativo, alegórico e curto, escrito em prosa ou em verso,


no qual as personagens são geralmente animais […]” (Silva, 2014: s.p.). Esses animais
têm um “comportamento antropomórfico” (id., ibid.), o que significa que são personagens
dotadas de idiossincrasias humanas tendo em atenção que falam, cantam, dançam,
sorriem e conseguem expressar um sem-número de emoções.

Dado que esses textos eram utilizados para criticar as pessoas e os costumes e vícios dos
seus contemporâneos, os fabulistas disfarçavam as personagens das suas narrativas sob a
forma de animais, para deste modo se esquivarem a possíveis perseguições e agressões
(id., ibid.). Conforme assinala Baptista (2003: 123), os animais são representados como
portadores dos vícios, sentimentos, atitudes, virtudes e defeitos do Homem. Assim, estas
pequenas histórias fazem com que o Homem se encante e se divirta, com frequência rindo
até de si próprio sem sequer se aperceber (id., ibid.: 124).

1 Todas as traduções são nossas, exceto indicação em contrário.

4
Levando isto em conta, podem caracterizar-se as personagens das fábulas como
personagens-tipo, “porque representam um modo de ser de um conjunto de pessoas”
(Alfredina, 2005: s.p.), ou encarnam um único atributo, do qual podem tornar-se
símbolos: o leão costuma representar a força; a raposa, a astúcia traiçoeira e a formiga, o
trabalho árduo.

Porém, na fábula, as personagens não são só animais. Ruiz Rodríguez (2010: 22) afirma
que “[…] podemos encontrar seres humanos, tais como crianças malcriadas, ciumentas
ou egoístas, ou também objetos ou elementos de diferentes origens”, nomeadamente na
fábula “A Panela de Ferro e a Panela de Barro” de La Fontaine, ou “El diamante y el
Cristal” do hoje esquecido fabulista espanhol, Juan Eugenio Hartzenbusch.

Outra particularidade essencial deste género literário é que, geralmente, abarca uma lição
de moral no final da história, ou, em outras palavras, uma mensagem, um ensinamento,
que o autor pretende transmitir como desfecho da sua obra. Por outro lado, “[a]creditava-
se que a moralidade seria mais fácil de assimilar, quanto maior fosse a alegria e a distração
contida na história dos animais que possuíam características humanas” (de Figueiredo,
2011: 40).

A localização da lição de moral no texto é utilizada para uma possível taxonomia da


fábula. De acordo com Guijarro Zabalegui e López Sáez (1998: 329), se a moral se
encontrar no início, trata-se de uma adfabulación; se no final, de uma posfabulación. Em
contrapartida, Braga Onelley e de Almeida Peçanha (2010: 176) argumentam que se a
moral estiver expressa no início, dá-se o nome de promýthion, e no final, epimýthion. No
caso de Moreira (2014: 228), este refere promitios encontrando-se a moralidade no início
da história, e epimitios quando se utiliza para concluir a história.

Conjuntamente, existem fábulas que deliberadamente omitem a lição de moral explícita,


deixando ao leitor a tarefa de encontrar o elemento de identificação com as personagens.

[A] moralidade, na sua dimensão mais apropriada, tem que ser de entendimento
próprio de quem lê a fábula, […] pois só o ouvinte na sua amplitude pessoal e íntima
poderá determinar o que crê ser a moralidade em cada fábula. […] o espectador é
responsável pela assunção concreta de uma moral através daquilo que lhe é dado

5
escutar. Ao invés da moralidade esopiana que se estabelece como norma
universalmente determinada, logo a ser adotada (Rodrigues, 2012: 27).

Nalguns casos, a fábula, embora não inclua uma lição de moral desenvolvida, conclui
com uma máxima, que condensa o propósito pedagógico da história e que, em muitos
casos, se torna um provérbio ou ditado com um funcionamento autónomo. Assim, na
fábula “A Lebre e a Tartaruga”, a primeira tinha por hábito fazer troça dos movimentos
lentos da segunda. Esta, cansada de ser motivo de chacota para deleite da Lebre, desafiou-
a para uma corrida. No tiro de partida, a Lebre desapareceu num ápice e, para demonstrar
o quão ridícula era a Tartaruga, deitou-se a dormir uma sesta até que ela a alcançasse.
Adormeceu profundamente, e a Tartaruga conseguiu ultrapassá-la e ganhar a corrida. A
lição de moral que se depreende na versão de Esopo é “devagar se vai ao longe” (Pinheiro,
2012: 185-6).

Semelhantemente, na fábula “A Raposa e as Uvas”, a primeira deparou-se com uma vinha


muito alta, repleta de uvas amadurecidas e vistosas, deixando-a desejosa de as comer. A
Raposa tentou subir a vinha, mas como não as conseguiu alcançar e a subida era muito
acentuada, acabou por desistir. Porém, sem antes as desdenhar dizendo que as uvas
estavam verdes (id., ibid.: 99). Portanto, a lição de moral esopiana que se compreende é
que “[a]queles que são incapazes de atingir uma meta tendem a depreciá-la, para diminuir
o peso de seu insucesso” (“A Raposa e as Uvas”, s.d.). O conhecido provérbio português
"quem desdenha quer comprar" também pode ser associado a esta fábula.

Nas histórias de Esopo a lição de moral está situada no final; já em Fedro podemos ver,
muitas vezes, uma lição de moral implícita ou então referenciada no início dos seus textos
(Braga Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 176). Um exemplo é a fábula “Vipera et
Lima” (A Víbora e a Lima), onde o fabulista começa os dois primeiros versos com a lição
de moral “Mordaciorem qui improbo dente adpetit, Hoc argumento se describi sentiat”,
ou seja, “(Aquele) que cobiça com dente ímprobo (perverso) um mais mordaz do que ele,
compreenda (sinta) que ele é descrito por este argumento” (Elias, 2013: s.p.).

No que concerne à temática do género literário em questão, ela é de uma grande


variedade, podendo contemplar questões como “a morte, os erros e vícios a emendar, as
virtudes” (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 327-8), “a inveja, a avareza, a

6
arrogância, a mentira” (Ruiz Rodríguez, 2010: 22), “a vitória da fraqueza sobre a força, a
bondade sobre a astúcia e a derrota de preguiçosos” (“Confabulando: De onde surgiram
as Fábulas?”, s.d.). Deste modo, pode-se afirmar que a fábula tem um caráter didático-
moral, na qual o propósito é o de transmitir valores morais.

Com ou sem moralidade, para Van Dijk (2003: 264) a fábula “é um género flexível e
multifuncional, sendo isto precisamente a sua maior força e a razão da sua vitalidade”.
Este autor distingue as fábulas das anedotas e dos mitos, enfatizando a importância da
narração, da ficção e da metáfora nas histórias.

En estos dos últimos respectos [ficticio y metafórico] las fábulas difieren de las
anécdotas y los mitos. Las anécdotas puedes inventarlas y los mitos parecen ser
fantásticos también, pero lo que es relevante es que se presentan como si realmente
ocurrieran, mientras que la ficcionalidad de las fábulas es evidente. Además, las
anécdotas y los mitos se toman literalmente. Las fábulas, sin embargo, no dicen lo que
cuentan. La fábula de la cigarra y la hormiga […] no trata de dos insectos, sino de la
prudencia, o del egoísmo, depende de hacia quién va la simpatía o del autor o del
lector (id., ibid.).

Agregada à sua realidade distorcida e à fantasia, a fábula é capaz de revelar verdades


irrefutáveis, levando muitas vezes o leitor a espelhar-se nas personagens e/ou na própria
história, e a identificar-se nelas (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 328). É
importante o facto de a ficção ir de encontro com as experiências do leitor. Embora as
fábulas não reportem a vida quotidiana, elas também não se separam totalmente dessa
realidade, apesar de não serem um espelho dela.

Por norma, nestas histórias existe um narrador que as conta cronologicamente, fazendo
uso da terceira pessoa. Elas não estão focalizadas num período de tempo em particular,
sendo intemporais (Ruiz Rodríguez, 2010: 22). Os títulos dos textos deste género literário
habitualmente enunciam as personagens da história desvendando o mínimo possível da
narrativa, para não antecipar o tema da mesma (Luna, 2011: s.p.).

As fábulas assentam sobre uma estrutura dupla. Desde o título é possível observar-se um
contraste opositivo entre personagens, que se encontram sempre numa situação de
disparidade social, ou seja, são evidentes uma posição alta e uma posição baixa e

7
desfavorável (Ruiz Rodríguez, 2010: 22-3); um contraste entre o forte e o fraco; um
antagonismo entre o querer e o poder. Apesar desta característica, o objetivo não é o de
salientar a vitória ou o fracasso de nenhuma das partes, mas sim criticar esse contraste e
expor a sua hipocrisia, revelando um conceito mais realista (Braga Onelley e de Almeida
Peçanha, 2010: 176).

Uma outra classificação da fábula clássica baseia-se, já não na presença e localização da


moral, mas na sua estrutura. Assim é possível aludir aos seguintes cinco géneros,
conforme os enuncia Guijarro Zabalegui e López Sáez (1998: 328-9):
▪ Esópicas, provenientes de Esopo e copiadas por Fedro;
▪ Milesianas, contos ou romances sem uma moral, com o único propósito de
entreter;
▪ Mitológicas, esclarecem a origem dos mitos e dos deuses mitológicos que
possuíam o destino dos homens e governavam a Terra;
▪ Literárias, com destaque para o estilo da escrita, nomeadamente as Fábulas
Literarias de Iriarte, obra que por sua vez inspirou o francês Florian;
▪ Morais, de que são exemplo as fábulas de Samaniego.2

Moreira menciona ainda que as fábulas podem ser classificadas como agonais e
etiológicas (2014: 229).

Na visão de Adrados, a fábula […] apresenta um tipo fixo de organização que contém:
situação, agón e conclusão. A situação é o início, a apresentação do problema. O agón
é o conflito e a conclusão é constituída por uma ação ou palavra da última personagem
que intervém. As fábulas que possuem essa estrutura formal são chamadas de agonais
[…]. Geralmente apresentam um embate entre duas personagens que se desenvolve e
se resolve por meio de palavras ou ações. […] há ainda as fábulas […] etiológicas
[que] […] consistem apenas em um relato e, em geral, apresentam uma personagem
que reage diante de determinada situação. Dependendo do desenvolvimento da ação,
as fábulas [etiológicas] podem apresentar nuances de proximidade com as fábulas
[agonais] (apud. de Souza, 2010: 88-9).

2
Existem mais dois tipos de textos narrativos alegóricos – a parábola e o apólogo –, ambos habitualmente
confundidos com a fábula. A parábola compara “a ficção com a realidade”, no que toca a questões religiosas e lições
éticas e, assim, transmite uma “lição de sabedoria”. É diferente da fábula e do apólogo visto que as personagens são
sempre seres humanos. O apólogo transmite um ensino da vida com acontecimentos idênticos aos que acontecem na
realidade, sendo as personagens “pessoas, objetos ou animais, seres animados ou inanimados”. É diferente da fábula
porque aborda, na sua grande maioria, acontecimentos da vida real, e é diferente da parábola pois engloba qualquer
tipo de questões, não se limitando apenas às que esta se limita (Rodrigues, 2010: 48).

8
Este género literário, “desenhando um arco diacrónico […] estende[-se] da antiguidade
clássica até à contemporaneidade”, perdurando até aos dias de hoje (Pereira e Neves, s.d.:
2). Assim sendo, nas páginas seguintes apresenta-se um sintético panorama cronológico
do desenvolvimento da fábula, com início na Idade Antiga, passando pela Idade Média e
Moderna, e culminando na Contemporânea.

1.1. Antiguidade

Já na Grécia Antiga, nas obras épicas atribuídas a Homero era possível se observar as
emoções do Homem assemelhadas às dos animais, como também era visível a
comparação entre a valentia dos heróis e a robustez dos monstros (Baptista, 2003: 124).
“Algumas fábulas famosas desta época clássica atribuem-se a Homero […]” (Guijarro
Zabalegui e López Sáez, 1998: 329) que, apesar de o seu género literário não ser
efetivamente a fábula, as comparações que escrevia com animais já continham, de forma
concisa, o gérmen do género.

Nos seus primórdios, a fábula surgiu na Idade Antiga, mas gozava de uma estima muito
reduzida. O género literário era empregue como um simples recurso retórico, ou escrito
quase como uma paródia de situações muito amplas. Era visto com um único propósito:
o de servir de exemplo, e para quem o exortasse, o objetivo era o de influenciar quem
escutasse. Posteriormente, a utilização do género, conforme supradito, caiu em desuso
(Moreira, 2014: 228).

No mundo greco-romano, os professores – que eram escravos – usavam as fábulas como


forma de ensino da conduta ética às crianças que tinham ao seu encargo. Nesse tempo,
com o Paganismo, os religiosos acreditavam que era impossível evitar-se o próprio
destino, ou seja, o ser humano não tinha qualquer liberdade individual, e era quase como
um “refém” da ordem natural de acontecimento das coisas. Já com o Determinismo,
existia a filosofia de que todos os acontecimentos, inclusivamente o mental, eram
explicados pela determinação, ou seja, por relações de causalidade (“Determinismo”, s.d.)
que se encadeavam inexoravelmente. Deste modo, pode-se afirmar que o Determinismo
tem este aspeto em comum com o Paganismo. Com a chegada do Cristianismo,

9
introduziu-se o conceito de “livre arbítrio”, que estabeleceu não só uma rutura com as
crenças anteriores, mas entregou ao ser humano a liberdade e a responsabilidade pelos
seus próprios atos, e gerou a possibilidade de o Homem mudar a sua natureza com um
julgamento moral. Desta mudança de mentalidade advém, em parte, a popularidade que
a fábula foi adquirindo a partir da Idade Média.

A questão sobre qual região originou a fábula poderá ser discutível. Existem
investigações que conduzem a sua génese à antiga Mesopotâmia, onde se encontravam
nas bibliotecas das escolas, em tábuas de argila (Ruiz Rodríguez, 2010: 20); outras
investigações se direcionam à Índia, com a mais antiga coleção de fábulas indianas
conhecida – o Panchatantra (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 329); mas também
existem investigações que levam à Grécia de Esopo, ao Egito e a Babilónia.

No período arcaico, época em que a Grécia atravessou uma época de grande


desenvolvimento a nível cultural, político e social, e em que a democracia começou a
florescer e a escrita foi renovada, a fábula era escassa. Era frequente a existência de
apenas algumas alusões a fragmentos de poetas como Sólon, Semónides de Amorgos e
Íbico de Régio (Braga Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 180).

No entanto, as fábulas adquiriram prestígio no mundo greco-romano com Esopo, o


principal e lendário fabulista de narrativa curta, onde o seu cuidado não se centrava tanto
nas personagens, mas sim nas lições de moral e naquilo que poderiam vir a ensinar (id.,
ibid.: 179). Entre os romanos, destacam-se Horácio e a sua famosa fábula “O Rato do
Campo e o Rato da Cidade”; “Fedro, que copiou Esopo e foi famoso durante a Idade
Média; Apuleio; Énio” (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 329); e Bábrio, um poeta
romano que compunha fábulas em grego.

“O Gavião e o Rouxinol”, do poema com oitocentos e vinte e oito versos As Obras e os


Dias, escrito por Hesíodo na Grécia antiga, é a mais antiga fábula documentada. O
objetivo de criar esse texto foi o de incitar uma reflexão sobre a justiça na mente de quem
o lesse. Todavia, foi Demétrio de Faleros, a partir do período helenístico, quando Roma
havia ganho o legado da Grécia, “quem publicou a primeira coleção de fábulas
historicamente comprovada”: a Coletânea de Discursos Esópicos (Ruiz Rodríguez, 2010:

10
20), de onde surgiram “todas as coleções de fábulas da tradição greco-latina” (Braga
Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 181).

Em Roma, Fedro e Aviano foram os principais escritores por detrás da evolução da fábula
(id., ibid.), sendo que o segundo elaborou aproximadamente quarenta fábulas, no século
IV, apesar de um grande número serem adaptações dos contos de Fedro (Ruiz Rodríguez,
2010: 21). O primeiro compôs cento e trinta e cinco fábulas, das quais quarenta e sete
abordavam temas de Esopo. Este fabulista tinha a pretensão de gerar mais esplendor a
nível estilístico no género literário, compondo em versos. Porém, as suas intenções eram
somente deixá-lo melhor delineado, aproximando-se, mesmo assim, da língua coloquial
(Braga Onelley e de Almeida Peçanha, 2010: 181-2). Não foi por acaso que a fábula só
se integrou como um género autónomo por si só, após Fedro publicar a sua compilação
(Moreira, 2014: 229).

Nas escolas retóricas da antiguidade já se parafraseavam fábulas, semelhantemente aos


dias atuais em que se fazem paráfrases de fábulas antigas (Van Dijk, 2003: 270). No que
concerne às variações, existem diferentes tipos que podem ir desde “[…] alterar a
natureza e/ou o número de personagens”, acrescentar ou eliminar motivos narrativos, até
hispanizar a geografia, os costumes, a cozinha ou a economia do texto (id., ibid.: 270-1).

As fábulas novas foram trabalhadas por Fedro, Bábrio e pelos alunos das escolas retóricas
da antiguidade. Devido a contar fábulas deste género e também até por constar nelas,
Esopo tem uma grande influência neste fenómeno (id., ibid.: 272).

É possível encontrar as fábulas criadas na Idade Antiga nos dias de hoje. Poderão estar
visivelmente transformadas pelos motivos aqui abordados, mas o conteúdo moral
mantém-se, na maioria dos casos, intacto (Ruiz Rodríguez, 2010: 20).

11
1.2. Idade Média

Na Idade Média, as fábulas eram usadas como um meio de difusão de exemplos morais e
normas cristãs. “A importância dada à moralidade era tanta que os […] [escrivães
redigiam] as lições finais das fábulas com letras vermelhas ou douradas para [as]
destacar” (Andrea, et al., 2011: s.p.). Autores e coleções como Romulus, Syntipas,
Dositeo e Isopete foram os responsáveis por o género literário começar a ter uma maior
divulgação (Ruiz Rodríguez, 2010: 21).

Em França, no século XI, surgiram os seguintes primeiros textos: as Chansons de Geste,


pequenos poemas épicos que retratavam heróis3; as sátiras, entre elas o Le Roman de
Renard, inspiradas nas fábulas de Esopo, sendo o conjunto mais famoso de histórias de
animais; e o Roman de la Rose, um poema francês medieval alegórico sobre o amor
(“Literatura Francesa - História da Literatura Francesa”, s.d.).

Es en el siglo XII, con la colección de sesenta y tres fábulas de María de Francia,


cuando la fábula comienza a ser lo más parecida a la de nuestros días, donde animales,
cosas o personas tienen problemas que no saben solucionar de manera correcta y ello
les trae consigo serios problemas (Ruiz Rodríguez, 2010: 21).

Nos séculos XIII e XIV, circulavam pela Europa várias coleções de fábulas indianas que
pertenciam a uma tradição autónoma e diferente, o Hitopadexa e o Panchatantra (já
referido no início do capítulo). Estas coleções tiveram um grande alcance devido às suas
traduções árabes, judaicas, espanholas e sicilianas. Em virtude do contato com as culturas
árabe e judaica, a literatura espanhola estava repleta de fábulas nesses mesmos séculos
(Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998: 329).

O Panchatantra foi traduzido para castelhano no século XIII4 com o título Kalila e
Dimna, sendo uma influência de peso “[…] na história da fábula em geral, e na Península
Ibérica em particular”. Esta coleção tem a particularidade de representar o momento em
que a fábula greco-latina e a indiana se juntam (Van Dijk, 2003: 264-5).

3
Ao mesmo tempo, a literatura popular criou os fabliaux – poemas narrativos curtos de carácter erótico ou
humorístico com personagens reais e vulgares (“Literatura Francesa…”, s.d.).
4 Chave para a difusão da tradição referida, foi a Escola de Tradução de Toledo que surgiu no século XII. Foi a

primeira escola espanhola com traduções da língua árabe para a latina.

12
Contudo, Van Dijk (2003: 269) identifica a circulação da fábula greco-latina na literatura
espanhola em formatos distintos, nomeadamente traduções, paráfrases, variações, anti-
fábulas ou fábulas novas. No ano de 1438, aproximadamente, em Espanha traduziram-se
numerosas fábulas antigas e, nos anos posteriores, empregaram-se no ensino das línguas.
Apenas ulteriormente foram aplicadas no seu sentido moralista ao longo dos séculos.

1.3. Idade Moderna

Desde a Idade Moderna, a escrita em geral e a fábula em particular foram alvo de


transformações, em grande parte devido ao papel que as crianças desempenhavam na
sociedade.

Na era renascentista, a criança não era vista como hoje em dia é, sendo tida apenas como
um pequeno adulto que participava e intervinha nos mesmos eventos reservados aos
adultos, inclusive na literatura. “Até então, a criança era considerada tão-somente como
um ser em construção, que valia apenas pelo que viria a ser” (de Figueiredo, 2011: 23).

Neste período, a literatura provinha do conhecimento oral do povo, ou seja, passava de


boca em boca, designando os textos, portanto, como anónimos.

Até ao século XVII não existia uma definição específica sobre a infância.

[S]egundo Bettelheim […], a infância é a fase em que a criança precisa de ajuda para
encontrar um significado para a vida, desenvolver sua personalidade e suas
convicções, e a literatura é parte importante nesse processo. A leitura precisa dar
acesso “ao significado mais profundo e àquilo que é significativo para ela neste
estágio do desenvolvimento” […]: os contos precisam entreter e despertar a
curiosidade das crianças, estimulando acima de tudo a imaginação: “através deles
pode-se aprender mais sobre os problemas interiores dos seres humanos, e sobre as
soluções corretas para seus predicamentos em quaisquer sociedades, do que com
qualquer outro tipo de estória dentro de uma compreensão infantil” (apud. de Araújo
Rodrigues, 2012: 20-1).

Nessa época, os laços de afetividade entre a família e a criança eram negligenciados e a


família tinha simplesmente o papel de transmitir os bens e o nome da linhagem.

13
Contrariamente ao que acontece hoje em dia, as crianças careciam de cuidados próprios
e específicos dos quais, nessa época, ainda não eram alvo. Consequentemente, a taxa de
mortalidade infantil era elevada.

No início do século XVIII, contudo, a perspetiva do que era a criança passou a ser
separada da do adulto. A criança passou a ser considerada um ser humano com
necessidades e particularidades próprias, com direito a receber uma educação especial
que a preparasse para a vida adulta.

Passou-se a ter em vista uma escrita mais apropriada para crianças, e procedeu-se à
adaptação das diversas histórias que já haviam sido criadas. Eliminaram-se os traços de
violência e tudo o que fosse considerado pejorativo à educação infantil, como por
exemplo, a brutalidade contida nos contos dos Irmãos Grimm, que eram extremamente
sangrentos e frios.

Em reverso ao[s] contos de fadas destinados às crianças, com um teor inocente e, acima
de tudo, inofensivo, os Grimm optam por nos alertar não quanto às dificuldades que
enfrentaremos em um momento que está por vir ou a lidar com os sentimentos, mas
quanto à confiança e ambição, exemplificando que há uma linha tênue entre a cobiça, a
crueldade e a violência (Beatriz, 2016: s.p.).

Sem embargo, esta adaptação não causou nenhuma alteração drástica na fábula a nível da
sua preservação enquanto àquilo que representa. Os textos modernos mantêm-se
conforme eram nos tempos antigos (Luna, 2011: s.p.). Mas são cada vez mais as crianças
as que vão conformando o público-leitor deste tipo de literatura.

Ainda na Idade Moderna, a escrita tinha particularidades próprias e distintas. Um


equilíbrio entre fantasia e realidade era essencial em virtude de serem ambas muito
importantes, posto que a fantasia ajudava a compreender a realidade e,
inconscientemente, ajudava a criança a ter esperança na vida.

Na época renascentista, escritores como Leonardo da Vinci, Napoleão, Sá de Miranda e


Alciato deram origem a grandes fábulas (Ruiz Rodríguez, 2010: 21). No século XVII,
assinala-se a época clássica da literatura, realçando-se França e Jean de La Fontaine, com

14
a reputação de ser um dos maiores fabulistas de todos os tempos (“Literatura Francesa…”,
s.d.).

La Fontaine introduziu a fábula de forma definitiva na literatura ocidental, e apesar de


inicialmente ter escrito somente para adultos, o escritor é considerado uma leitura
indispensável para todas as crianças. “O lobo e o Cordeiro”, “A Raposa e o Esquilo”, “O
Leão e o Rato” e “A Cigarra e a Formiga” são algumas das fábulas imortalizadas pelo
autor (Andrea, et al., 2011: s.p.).

Considerando que o fabulista pertencia à corte francesa, ele usava as fábulas como meio
de crítica à sociedade que o rodeava. Nelas eram discretamente evidenciados o snobismo
e a imbecilidade das pessoas, personificando os animais com tais características. Como
já evidenciado, La Fontaine escreveu as suas próprias fábulas, mas também reescreveu
algumas outras em francês, tais como as fábulas de Esopo e as de Fedro, tornando possível
a sua divulgação transversalmente pela Europa (de Figueiredo, 2011: 23).

Simultaneamente, nesta época, foram escritos os textos de Sebastián Mey, Rabelais, John
Gay, Lessing, Passeroni, Iriarte e de Samaniego (Guijarro Zabalegui e López Sáez, 1998:
330).

Ainda assim, todos os autores supramencionados caíram no esquecimento, excetuado


Jean de La Fontaine, que originou o autêntico Século de Ouro das fábulas (id., ibid.), e
Jean-Pierre Claris de Florian, originador de uma coleção de cem fábulas de lição de moral
pública ou privada, muitas vezes inspiradas nas fábulas literárias de Tomás de Iriarte. Por
outro lado, Florian inspirou John Gay e Félix María de Samaniego, “[…] de quem se diz
que não fazia mais que traduzir as fábulas de La Fontaine” (Moreira, 2014: 225).5

Punto de partida e inspiración para las fábulas de Samaniego, […] fueron no


solamente el Esopo griego y el Fedro latino sino también las colecciones del inglés
Gay y del francés La Fontaine, que a su vez se remonta […] a modelos clásicos […]
(Van Dijk, 2003: 268-9).

5
Na Alemanha, o género literário foi iniciado por Gotthold Ephraim, e na Polónia por Ignacy Krasicki.

15
Contudo, durante o Barroco, as fábulas foram menosprezadas e esquecidas concebendo-
se a ideia que eram exclusivamente adequadas para mentes incultas e fúteis (Guijarro
Zabalegui e López Sáez, 1998: 330). “Desde o século XVIII, a função das fábulas tornou-
se menor na literatura moderna, particularmente a partir do Romantismo, embora tenham
existido alguns autores, como por exemplo, R. Tagore, que as adotaram” (id., ibid.).

Traduções das fábulas de Esopo e Fedro surgiram em Portugal no século XVII, sendo
textos construídos em prosa e em verso (de Figueiredo, 2011: 43). Manuel Mendes da
Vidigueira foi um dos tradutores que privilegiou o país com o género literário, ao
construir uma coleção de noventa e dois textos intitulada Vida e Fabulas do Insigne
Fabulador Grego Esopo. Esta coleção foi muito importante também para o país quanto à
difusão das fábulas, e foi várias vezes editada e imprimida até ao começo do século XX
(Morais, 2014: s.p.).

1.4. Idade Contemporânea

A fábula começou a ascender plenamente após o século XVIII. Na Idade Contemporânea,


a maioria dos textos foram provenientes de Espanha, onde se publicaram ilustres
coleções. Félix María de Samaniego e Tomás de Iriarte foram dois dos fabulistas com
maior sucesso e divulgação. No entanto, Ramón de Campoamor y Campoosorio,
Fernando Badía, Concepción Arenal de Carrasco e Juan Eugenio Hartzenbusch também
contribuíram para a ascensão deste género literário, embora com publicações de coleções
menos famosas. Houve o cuidado de se traduzir estes sucessos para todas as línguas
ibéricas, excluindo a língua portuguesa e incluindo o catalão, galego e o basco. Além
disso, também passaram a existir muitas fábulas inseridas noutros géneros literários,
sendo título de exemplo a poesia (Van Dijk, 2003: 267).

No século XIX, com exceção da França, a fábula conseguiu alcançar o mundo inteiro
(Ruiz Rodríguez, 2010: 21). Textos com temas concretos foram os que alcançaram maior
sucesso. Deste modo, destacaram-se a Rússia com Ivan Krylov, conhecido como o “La
Fontaine Russo” por ser o mais famoso fabulista da sua nacionalidade; a Espanha, com
Cristóbal de Beña e a sua obra Fábulas Políticas; e o México com José Rosas Moreno.
Nos EUA, evidenciou-se Ambrose Bierce com Esopo Emendado e Outras Fábulas

16
Fantásticas, uma sátira política, e na Grã-Bretanha, Beatrix Potter (“Fábula”, s.d.). Neste
século, segundo Van Dijk, “em Espanha havia uma “abundante produção fabulística”
criativa […]. Por vezes, as fábulas, mesmo sendo novas, inspiravam-se clara e
diretamente na tradição greco-latina” (2003: 272-3).

No início do século XX, mais precisamente em 1945 aquando do início da Segunda


Guerra Mundial, o autor inglês George Orwell publicou o famoso romance satírico
Animal Farm. Esta obra, comparada a uma fábula em que as personagens principais são
animais que se revoltam contra os seus donos (humanos), é tida como uma metáfora e
uma sátira em que retrata a traição por parte dos soviéticos na Revolução. “O livro narra
uma história de corrupção e traição e recorre a figuras de animais para retratar as
fraquezas humanas e demolir o “paraíso comunista” proposto pela Rússia na época de
Stalin” (“Animal Farm”, s.d.).

No mesmo século, Ramón de Basterra retirou o carácter humano às personagens dos seus
textos, e passou a utilizar máquinas, cambotas, pistões, cabos e guindastes, em
substituição dos animais. Desta maneira, ele integrou a segunda e a terceira Revolução
Industrial e as Vanguardas nas fábulas. Jean Anouilh, com a sua coleção bastante vendida
de quarenta e três fábulas, rejuvenesceu, assim, o género. Também Jean Chollet compôs
numerosas fábulas com inspiração na atualidade (“Fábula”, s.d.).

Uma prova de que a fábula não se extinguiu neste século, é constituída pelas compilações
de Helmut Arntzen, Rudolf Kirsten, Wolfdietrich Schnurre e James Thurber. Da escrita
de Arntzen era característica a ligação entre tradição, ironia e um certo questionamento
dessa mesma tradição. Já nas fábulas de Kirsten, são visíveis as tradições de Esopo e de
Lessing, e nas de Schnurre as tradições do passado não superado. Nos textos de Thurber,
evidenciava-se um humor picante que demonstrava a típica fraqueza moral da sociedade
moderna e dos homens, com uma tendência para a sátira e a ironia (“Visão geral da
história do gênero. – Fábulas”, s.d.).

Um fenómeno também mais moderno é a anti-fábula, que ocorre quando a história se


encontra invertida comparativamente àquela que já conhecíamos. Os fabulistas
contemporâneos escrevem estes textos com o intuito de demonstrar que o que acontecia
nas fábulas antigas já não é o que atualmente se verifica (Van Dijk, 2003: 271). Exemplos

17
deste formato são os casos das versões da fábula “A Cigarra e a Formiga” escritas por
Miguel Torga e por Arturo Pérez-Reverte, que serão abordadas no capítulo 3 do presente
trabalho.

No início do século XXI, o género literário sofreu uma imprevista revolução literária
devido à obra Protesto Ocidental de Sabatino Scia, com mais de duas centenas de fábulas.
Nestes textos, os animais comunicam entre si através da fala, e usam os estratagemas do
Homem para se tentarem libertar das situações problemáticas em que sempre se
encontram. São personagens idênticas às das fábulas de Esopo, mas com a diferença de
não ser pretendido que provoquem uma lição de moral (“Fábula”, s.d.).

As fábulas dos dias de hoje já não são só histórias que retratam os vícios do Homem, da
sociedade, ou os problemas da natureza. Atualmente, também retratam os vícios que as
pessoas manifestam espontaneamente.

La fábula es, en definitiva, un género literario que podría continuar utilizándose a lo


largo de los años debido a la utilidad que tiene, esto es, la de reflejar el
comportamiento humano mediante otros elementos, con el fin de poner de manifiesto
situaciones sociales desfavorables o injustas que, probablemente, nunca
desaparecerán (Amezaga Gómez, 2015: 10-1).

18
Capítulo 2 - A Tradução Intersemiótica e a Tradução Intermedial

Independentemente da nomenclatura utilizada, adaptação, cruzamento inter artes ou artes


comparadas, a tradução intersemiótica e a tradução intermedial não são fenómenos novos.
Basta pensar nas composições musicais do século XIX "inspiradas" em obras pictóricas
(Quadros de uma Exposição, de Mussorgski, ou 24 Caprichos de Goya, de Mário
Castelnuovo-Tedesco, por exemplo), na infindável quantidade de arte pictórica baseada
em episódios bíblicos ao longo da história do mundo ocidental, ou, já no século XX, na
passagem de romances ou de peças de teatro para o cinema.

Contudo, quando atualmente se fala em tradução e em cruzamento entre diferentes


linguagens, é inegável, devido à sua omnipresença, falar-se também na Internet. Esta, ao
longo dos anos, foi capaz de evoluir rapidamente, alterando rotinas e comportamentos e
criando novas formas de comunicação e de alcance de informação, que têm vindo a
transformar a vida das pessoas. A Internet é, portanto, mais que um meio de comunicação
ou de busca de conhecimentos – é um campo de acolhimento de diferentes média e,
consequentemente, o espaço ideal para o seu cruzamento e hibridação.

Relativamente às novas formas de comunicação nos dias de hoje, as redes sociais e os


blogues, por exemplo, não são desconhecidos para os utilizadores da Internet. Com o
crescimento da sua popularidade, muitas pessoas desenvolveram as suas competências
linguísticas para poderem alcançar um território ainda maior e mais abrangente de
comunicação. Simultaneamente, o interesse pela tradução desta nova geração tecnológica
formou-se progressivamente.

Com todo este desenvolvimento tecnológico e comunicativo, gerou-se a necessidade de


estudar o fluxo dos textos e signos entre os diferentes média, ou seja, o campo da
intersemiótica (Medeiros, Teixeira e Gonçalves, 2016: 1). Consequentemente, a
adaptação, a recriação, e a transmutação, por exemplo, foram também estudados e
desenvolvidos, tendo em vista que são conceitos que envolvem a intersemiótica e a
tradução. Todos estes processos também são relevantes de abordar relativamente às
fábulas, tendo em mente que os contos eram do conhecimento oral entre adultos, sendo

19
natural a existência de muitas adaptações, recriações, transmutações, entre outros, para
que a literatura alcançasse as versões infantis da atualidade (de Araújo Rodrigues, 2012:
19).

2.1. Definições

Segundo Bassnet “é fácil de ver que estamos a viver numa época de mudanças sociais
rápidas e radicais” (1991: IX), e, conforme esta autora argumenta no ensaio The
Manipulation of Literature de Theo Hermans de 1985, no qual foi uma das colaboradoras
de sua escrita, “a tradução, tal como a crítica, a edição e outras formas de reescrita, é um
processo de manipulação” (apud. Bassnet, 1991: XII).

A palavra ‘traduzir’ deriva do latim traducĕre, e segundo o Dicionário Priberam significa


“fazer passar (uma obra) de uma língua para outra; trasladar; verter; exprimir; interpretar
e manifestar-se"6. Devido à sua evolução e às suas transformações, o termo alcançou um
conjunto de aceções muito vasto e, segundo Vasconcellos, “além do original “transferir”
quer dizer, entre outras coisas, também transpor, […], revelar, explicar, […] explanar,
representar [e] simbolizar” (apud. Segala, 2010: 26).

“Assim, traduzir designa, de modo restrito, uma operação de transferência linguística e,


de modo amplo, qualquer operação de transferência entre códigos ou, inclusive, dentro
de códigos” (Guerini e Costa, 2006: 2).

Susan Bassnett menciona que a tradução é genericamente entendida como a passagem de


um texto de uma língua de origem para um texto de uma língua de chegada, sendo que o
significado e a estrutura entre os dois se mantêm tão semelhantes quanto possível.
Menciona ainda que a tradução é, erradamente, tida como um processo mecânico e
recusada como um processo criativo (1991: 2).

De acordo com Di Paola, a tradução é polissémica, dado que

6 https://www.priberam.pt/dlpo/traduzir

20
[n]o sólo concierne la traslación de una lengua a otra, sino que se asocia a numerosas
acepciones que la sitúan en la sinonimia de la trasformación, de la reproducción, de
la multiplicidad y de la difusión. Por lo tanto, su valor implícito caracteriza no sólo la
traslación de una lengua a otra, sino también el acto de transformar, de recrear y
reescribir (2012: 2).

Comparativamente a Bassnett e Di Paola, Hawkes apresenta uma visão um pouco díspar


no que concerne a definir o conceito de tradução, afirmando que esta “[…] tem um núcleo
central de atividade linguística, que pertence principalmente à semiótica, ciência que
estuda os sistemas ou estruturas dos signos, os processos dos signos e as funções dos
signos” (apud. Bassnett, 1991: 13).

A tradução exige pesquisas intensas e cuidadas, e carece de uma atenção redobrada no


sentido em que não se traduz palavra a palavra ou frase a frase, mas um texto,
independentemente do seu tamanho, como um todo. Conforme distingue Cicero já no
século I a.C., "se eu traduzir palavra por palavra, o resultado vai parecer grosseiro, e se
for forçado pela necessidade eu não altero nada na ordem ou no texto, vai parecer que eu
me afastei da função de um tradutor" (id., ibid.: 43-4). Também Purvey afirma que “o
tradutor deve traduzir “seguindo a frase” (significado) e não apenas seguindo as palavras”
(id., ibid.: 47).

Gorlée defende que o maior problema da tradução é saber distinguir as barreiras do que
é construtivo e destrutivo entre culturas diferentes (2015: 27), o que pode pôr em causa,
muitas vezes, a qualidade do trabalho de um tradutor.

As línguas sofreram várias transformações ao longo do tempo. Umas multiplicaram-se


com o passar dos anos, outras desapareceram (como algumas línguas indígenas
americanas). No entanto, um facto muito importante a se ter em conta ao proceder ao ato
de traduzir é o das línguas não se separarem das culturas, visto que o profissional não faz
apenas a tradução em si, mas funciona como um moderador e como uma ponte entre
culturas. Todo o trabalho feito tem que ter em consideração o público e a cultura alvo.

Edward Sapir defende que a língua e a sociedade são uma só, porque dependem uma da
outra para existirem (apud. Bassnett, 1991: 13), e isto faz com que o trabalho dos
tradutores seja mais complexo ao “traduzir não só palavras, mas também culturas”

21
(Segala, 2010: 13). Sapir reitera ainda que “os seres humanos estão à mercê da língua que
se tornou uma forma de expressão para a sua sociedade” (apud. Bassnett, 1991: 13).

Em conformidade com de Oliveira Agra, um tradutor tem que ter sempre em vista a face
da língua e a da cultura ao remeter-se ao ato tradutório (2007: 2). Lotman completa
ideologicamente de Oliveira Agra, ao afirmar que “nenhuma língua pode existir a menos
que esteja inserida no contexto da cultura; e nenhuma cultura pode existir se não tiver no
seu centro, a estrutura da língua natural” (apud. Bassnett, 1991: 14).

Language, then, is the heart within the body of culture, and it is the interaction between
the two that results in the continuation of life-energy. In the same way that the
surgeon, operating on the heart, cannot neglect the body that surrounds it, so the
translator treats the text in isolation from the culture at his peril (Bassnett, 1991: 14).

Portanto, e conforme afirma Bassnett, não se pode definir tradução apenas como uma
mera transmissão de textos entre línguas diferentes. A tradução é também uma ferramenta
de “negociação entre textos e entre culturas, um processo em que ocorrem todos os tipos
de transações mediadas pela figura do tradutor” (apud. Guerini e Costa, 2006: 6).

Umberto Eco partilha da opinião da teórica anterior, e realça ainda que o ato de traduzir
não passa apenas por duas ou mais línguas distintas, mas também por duas culturas, ou
duas enciclopédias, sendo necessário que o profissional da área dê tanta relevância aos
aspetos linguísticos como aos culturais (id., ibid.: 7).

Assim sendo, a tarefa do tradutor acarreta uma grande responsabilidade. Ele está
encarregue de fazer o transporte de sentidos e de contextos entre culturas e línguas, com
a particularidade de não os poder alterar, ou seja, têm que ser mantidos desde o texto de
origem até ao texto de chegada (de Oliveira Agra, 2007: 1).

Consequentemente, sempre que o tradutor mantém a cultura do texto de origem numa


tradução, ele estará a fazer com que determinada cultura, de sociedades contemporâneas
ou até mesmo antigas, sejam eternizadas através da literatura, por exemplo (Sales e
Procópio, 2012: 15), e mesmo através dos códigos visuais, sonoros ou gestuais.

22
Tendo em conta a visão de Dinda L. Gorlée (2004: 41), podemos definir semiótica de
uma forma mais vasta e não tão concisa. Na semiótica reside “o estudo e análise de todas
as práticas – verbais, não-verbais, ou uma combinação das duas – nas quais criaturas
vivas, humanas e não-humanas, comunicam”. Por conseguinte, a semiótica é a ciência
que pode “descrever, explicar, bem como prever o pensamento humano como atuante no
processo dos signos” (id., ibid.: 42). Eco refere que a “semiótica abarca tudo o que pode
ser tido como signo” (apud. Baiccbi, 2013: 174).

Deste modo, é importante reter que traduzir representa um campo muito mais vasto do
que fazer uma simples replicação de textos. É um processo onde é exigido re-imaginar e
reformular o símbolo original, para assim enriquecer o texto de destino (Gorlée, 2015:
26).

Conforme assinala Peirce, a semiótica é composta por três partes essenciais; o signo, o
objeto, e o intérprete. O teórico concebe como semiótica tanto a ação do próprio signo
como o processo da sua interpretação e, de acordo com o que o filósofo enfatiza, o
significado da semiótica é o de “ação ou influência que […] envolve uma cooperação
[entre as suas três partes] […] que não pode ser solucionada em pares” (apud. Gorlée,
2004: 64-5).

De acordo com o pensamento de Diniz, toda a prática semiótica tem um sistema de


sentido muito particular, sendo o objeto de estudo da tradução intersemiótica a forma de
como cada signo representa um outro signo e as relações entre eles (apud. de Lima, 2011:
19).

Para Roman Jakobson “o significado de qualquer palavra ou frase é sempre um fato


semiótico” (apud. Segala, 2010: 7). Segundo este autor, podemos classificar a tradução
em três variedades distintas:

[t]radução Intralíngual ou reformulada (uma interpretação de signos verbais por meio


de outros signos na mesma língua); Tradução Interlíngual ou tradução adequada (uma
interpretação de signos verbais por meio de alguma outra língua); [e] Tradução
Intersemiótica ou transmutação (uma interpretação de signos verbais por meio de
significados de signos não verbais) (apud. de Oliveira Agra, 2007: 4).

23
A tradução intersemiótica, ou transmutação, teve um maior impulso, ainda nos anos 50
do século XX, através dos estudos de Jakobson (1959), compilados em língua inglesa no
livro The Translation Studies Reader, cuja primeira edição é do ano 2000, apesar de nos
dias de hoje ainda ser uma matéria em desenvolvimento académico (de Souza Galdino,
2013: 47-8), como é exemplo o presente trabalho. Este género de tradução favorece um
engrandecimento dos signos, imagens e sentidos presentes numa obra, bem como oferece
a viabilidade de interação e comunicação entre diferentes artes (da Silva, 2011: 130).

Seja intralíngual, interlíngual ou intersemiótica, é possível observar-se a existência de


reescrita ou recodificação na tradução, que envolve “reimaginar, repensar, remodelar e
recontextualizar” o que se compreende de um texto (Gorlée, 2004: 102-3).

Dinda Gorlée consagrou muitos dos seus estudos à tradução intersemiótica de Jakobson.
Ela argumenta que os tradutores “traduzem signos de texto de uma língua e cultura para
outra, consequentemente criando um ambiente de signos inovador repleto de signos
intuitivos, dinâmicos e variáveis” (id., ibid.: contracapa). Não é viável descrever
diretamente o termo ‘signo’ como ‘signo linguístico’; contudo, pode ser definido como
um fenómeno que desperta interesse e cativa o público-alvo, seja ele auditivo, visual ou
olfativo, por exemplo. Deste modo, o signo semiótico consegue atingir o seu propósito,
isto é, o de transmitir uma mensagem a alguém capaz de o interpretar (id., ibid.: 21).

Apesar de existirem vários códigos (como Gorlée evidencia anteriormente, o visual, o


auditivo/sonoro, o olfativo, mas também o verbal e o gestual), o visual é o mais utilizado,
juntamente com o verbal e o gestual. O código olfativo é o mais escasso de todos, o que
não põe em causa a veracidade da sua existência. Dentro do campo dos códigos, existe
ainda o tátil, como é exemplo o braille, utilizado por pessoas cegas ou com visão reduzida.

Para Morris, os signos não se relacionam apenas numa dimensão, mas numa tricotomia
de dimensões. A primeira denomina-se “dimensão sintática” e consiste na relação entre
signos-veículos distintos; a segunda, designada “dimensão semântica”, trata da relação
que os signos têm com os objetos; por fim, a “dimensão pragmática” que aborda a relação
signo-intérprete (apud. Gorlée, 2004: 41). Dinda Gorlée (ibid.: 53) complementa
afirmando que dentro desta tricotomia, a primeira e a segunda dimensão estão agregadas
à última, e são, consequentemente, ocultadas por ela.

24
É de notar que os textos não são apenas textos, ou seja, não são apenas palavras ou frases
prontas a serem lidas e interpretadas. Conforme reitera Gambier (2013: 2), os textos não
são monomodais como muitas pessoas acreditam que são; eles também comportam um
lado bastante visual e, de acordo com este teórico, os signos podem ser classificados nos
três tipos distintos seguintes:

[…] linear signs (verbal code, numbers, symbols); iconic signs (photos, still images,
satellite, microscope and X-ray images, drawings, terminological charts and maps);
iconographic signs (charts, plans, diagrams, tables and sketches).

Conforme já evidenciado no presente trabalho, Roman Jakobson cunhou a expressão


“tradução intersemiótica” e, de acordo com este teórico, ela acontece quando há uma
tradução “de um sistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música,
dança, cinema ou pintura” (apud. Bassnet, 1991: 15). É na passagem da língua verbal
para a não-verbal ou vice-versa, onde os signos formam novos sentidos e novas estruturas
(de Faria, 2012: 29). Jakobson defende que traduzir não é apenas transportar uma
mensagem de uma língua para a outra, mas recodificar a mensagem e que, no caso da
tradução intersemiótica, esse processo é definido pelo sistema de signos de chegada. Para
este teórico, a semiótica é o foco da tradução, tendo em atenção que a primeira é usada
para decifrar signos. Deste modo, a transferência de códigos torna-se o maior problema
do estudo dos signos e da semiose, que necessita de uma forte capacidade humana para
codificar (Frawley, 2000: 251).

Eco apoia a teoria de Jakobson quando afirma que a tradução intersemiótica não é o
mesmo que traduzir de uma língua natural para outra, mas sim entre sistemas semióticos
distintos e diversos, “como quando, por exemplo, se ‘traduz’ um romance para um filme,
um poema épico para uma obra em quadradinhos ou se extrai um quadro do tema de uma
poesia” (apud. Botelho, 2016: 16). Dentro de um sistema de signos desconhecido ao
sistema original, é a tradução intersemiótica que define os caminhos escolhidos (de Lima,
2011: 85).

Para Rónai, a tradução intersemiótica é aquela a que nos entregamos ao procurarmos


interpretar o significado de uma expressão fisionômica, um gesto, um ato simbólico
mesmo desacompanhado de palavras. É em virtude dessa tradução que uma pessoa se

25
ofende quando outra não lhe aperta a mão estendida ou se sente à vontade quando lhe
indicam uma cadeira ou lhe oferecem um cafezinho (apud. Guerini e Costa, 2006: 22).

Jakobson acrescenta ainda que a tradução intersemiótica “envolve mensagens


equivalentes em códigos diferentes” (apud. de Oliveira, 2013: 228), mas não é apenas
uma mera transposição de códigos. Plaza acredita que este género de tradução se foca
principalmente nas transmutações intersígnicas, para além de se preocupar com a
passagem de signos linguísticos para signos não linguísticos (Coutinho, s.d.: 4).

Diniz tem uma definição de tradução intersemiótica muito semelhante aos escritores
anteriores. Para ele a tradução intersemiótica define-se

[…] como um processo de transformação de um texto, construído através de um


determinado sistema semiótico, em um outro texto, de outro sistema semiótico. Isso
implica que, ao decodificar uma informação dada em uma “linguagem” e codificá-la
através de um outro sistema semiótico, torna-se necessário modificá-la, nem que seja
ligeiramente, pois todo sistema semiótico é caracterizado por qualidades e restrições
próprias, e nenhum conteúdo existe independentemente do meio que incorpora. (apud.
Passos, 2010: 18)

Gorlée reitera que os símbolos são signos que apenas têm significado quando decifrados
de forma inteligente e, segundo Pierce “todos os pensamentos são conduzidos em signos
que têm […] a mesma estrutura das palavras ou símbolos” (apud. Gorlée, 2004: 58). Um
signo que não é interpretado, converte-se num não-signo e desvanece porque a finalidade
de um signo é ser interpretado para se poder desenvolver (Gorlée, 2004: 167).

Os signos, de acordo com Peirce, podem ser

[…] something which stands to somebody for something in some respect or capacity.
It addresses somebody, that is, creates in the mind of that person an equivalent sign,
or perhaps a more developed sign. The sign which it creates I call the interpretant of
the first sign. The sign stands for something, its object (apud. Baiccbi, 2013: 174).

Considerando que a tradução intersemiótica se dá entre sistemas de signos distintos, é


importante ter em vista as conexões entre os sentidos, os meios e os códigos envolvidos
na realização desta mesma tradução (Segala, 2010: 29). Os signos são criados em função
dos códigos verbais de que irão fazer parte, para depois serem articulados no sistema

26
sensorial do Homem (Segala, 2010: 29). A título de exemplo de tal facto, existe a tradução
de uma língua oral para a legendagem de um vídeo, sendo um signo extremamente útil
para os surdos.

Tendo isto em atenção, pode-se afirmar que a tradução intersemiótica pode abranger
tradução, adaptação ou transmutação, em que o signo pertencente a um sistema de
significação, passa a ser desenvolvido por um sistema semiótico completamente diferente
(de Brito Carvalho, 2013: 35).

Sales e Procópio complementam ao afirmar que os signos devem sofrer uma transmutação
para que tenham representantes num sistema de sentido diferente (2012: 4). Deste modo,
pode-se argumentar que a tradução intersemiótica procura fazer uma representação do
texto original através do texto traduzido. A título de exemplo, a já referida obra Pictures
at an Exhibition (Quadros de uma Exposição) que foi escrita originalmente para piano
por Mussorgsky, tornando-se uma tradução a partir da orquestração por Ravel e uma
representação musical dos quadros incluídos na obra. As versões mais recentes desta
mesma peça, nomeadamente em música rock7, também são traduções na medida em que
representam a obra original. Todas estas adaptações fizeram com que fosse possível o
reconhecimento e popularidade da obra através dos anos.

Tendo em conta que, na área da tradução, a forma como se tratam as línguas é a mesma
em que se tratam os sistemas semióticos, é possível afirmar que também é tradução
(intersemiótica) quando se adapta um texto a um filme, a um vídeo, a uma banda
desenhada, a um pictograma, a uma música, entre outros (Guerini e Costa, 2006: 5).

Os exemplos são infindáveis. Alguns, escolhidos ao acaso, incluem o romance Pride and
Prejudice de Jane Austen, com adaptações para o cinema, televisão e teatro; o romance
The Great Gatsby de F. Scott Fitzgerald também com adaptações para o cinema; a banda
desenhada The Walking Dead de Robert Kirkman com adaptações para a televisão e jogos
de vídeo; o romance Manolito Gafotas de Elvira Lindo adaptado para cinema e televisão;
e a fábula alvo de análise no presente trabalho, “A Cigarra e a Formiga”, com adaptações
para o cinema, a música e as artes plásticas, entre outros.

7 Existe uma versão de Pictures at an Exhibition, gravada pela banda de rock Emerson, Lake & Palmer em 1971.

27
A particularidade que todas as adaptações têm é que nem sempre é possível fazer uma
tradução justa ao original, devido a os signos e a transmutação transporem mensagens de
forma diferente.

Assim, Tradução e Adaptação repousam no limiar entre dois universos significativos:


no primeiro, a relação de códigos é interlinguística e, no segundo, intersemiótica.
Quando se fala em adaptação fílmica como um processo de tradução, entende-se que
o material textual verbal, grosso modo, transmuta-se em material textual não verbal
(Sales e Procópio, 2012: 7).

Nos dias atuais, a tradução intersemiótica alcançou uma grande influência e um grande
poder no que concerne aos grupos sociais, em virtude da transferência das culturas na
tradução. Este acontecimento é notório na literatura, mas quando feita a adaptação de um
texto para o cinema, o impacto é extraordinário, visto que existe um grande número de
pessoas que se dedicam à leitura, mas um número ainda maior das que procuram e
preferem assimilar uma história através do mundo audiovisual (id., ibid.: 14).

A tradução intermedial define-se pela tradução de signos verbais entre diferentes média
(Scott, 2012: 13), como por exemplo, romance para peça de teatro, peça de teatro para
cinema, entre outros. De acordo com Rajewski, “intermedial designa configurações que
têm a ver com o cruzamento de fronteiras entre média” (apud. Rodrigues, 2013: 3-4).

Numa tradução intermedial, o texto de destino pode ser transmutado de formas


completamente diferentes das línguas naturais, ou seja, para línguas artificiais, como é o
caso de uma ópera adaptada para cinema, ou para dança, por exemplo (Gorlée, 2015: 25).

De acordo com Bal e Morra, o vocábulo ‘intermedial’ significa a tradução através dos
média, e abarca a intertextualidade, a intersemiótica e a interdisciplinaridade, o que pode
levar a alterações de género, de média e de tema do texto original. Por vezes a tradução
intermedial leva-nos à tradução intercultural, sendo necessária uma abordagem entre
nações, etnias, subjetividades, histórias, políticas e éticas diferentes (apud. Di Paola,
2015: 118). Conjuntamente, tradução intermedial significa desafiar e ultrapassar a
barreira dos média, podendo existir um envolvimento intracultural e transcultural, como

28
é o que acontece na tradução de um romance para um filme (Millán e Bartrina, 2017:
262).

Di Paola afirma que “a intermedialidade acontece nas artes reproduzidas a partir da


interligação entre média e linguagens” (2015: 7). Portanto, o termo não concerne apenas
ao que é genericamente definido como ‘artes’ – música, dança, teatro, entre outros – mas
também aos média e aos seus textos (Clüver, 2006: 18). O texto intermedial recorre a
vários sistemas de signos e/ou média fazendo com que as características visuais, musicais,
verbais, dos signos lhes sejam fundamentais e indispensáveis (id., ibid.: 20).

Segundo Segala, tradução intermedial engloba a tradução interlingual e a tradução


intersemiótica (apud. Segala e de Quadros, 2015: 359). No caso de Millán e Bartrina, eles
referem que “a tradução é uma interação cultural convencional que, modal e medialmente,
transfere textos de uma entidade de comunicação para um grupo alvo diferente do grupo
alvo inicialmente pretendido” (2017: 261).

Any translation is a struggle with the material dimensions of language, and


intermedial translation especially - because it concerns itself primarily with the
physical medium - makes the reader more aware of the materiality of the text.
Changing from one medium to another, perhaps even more than translation proper
(within a single medium) from one language to another, is always a matter of violence,
disruption, and distortion (Aichele, 2001: 63).

Quando um objeto está disponível para o acolhimento por parte de vários média, de
acordo com Karl Prümm, dá-se o fenómeno de “multimidialidade” (Clüver, 2006: 33), e
Segala reitera que a tradução intermedial pode ser vista como um quarto tipo distinto de
tradução dos identificados por Jakobson, mais precisamente, ela está difundida nos três
tipos de tradução apontada pelo teórico (apud. Segala e de Quadros, 2015: 358).

É necessário o tradutor possuir um elaborado “dicionário conceitual” para que seja capaz
de construir significados em distintas modalidades semióticas, mas também em diferentes
média e géneros multimodais (Lemke, 2013: 30).

29
2.2. Tradução, Adaptação e Recriação. Limites e Fronteiras

A tradução é um verdadeiro ato de comunicação que ocorre porque existe uma


necessidade de compreender e/ou de ser compreendido. Para tal, é essencial reter que
traduzir não consiste em apenas um código, mas sim em dois códigos que podem ser
completamente desiguais – o código da língua de partida, e o código da língua de chegada
(Brisset, 2000: 343-4).

Metaforicamente, para Derrida, traduzir não é nada menos que “o romper do hímen, a
penetração ou violação do texto de origem” (apud. Bassnett, 1991: XV), e o simples
pensamento pode ser considerado uma tradução, tendo em conta que pensar é transmutar
signos (Sales e Procópio, 2012: 1). Para Octavio Paz, o pensamento analógico que,
segundo Souza (2010: s.p.) “envolve a representação mental que fazemos das relações
existentes entre objetos e/ou pessoas”, está associado à escrita de poesia. Tais
pensamentos podem ser racionais, irracionais, ou até mesmo completamente desfasados
da realidade, mas servem de inspiração para a escrita, sendo então “traduzidos” para o
papel.

[…] por seu caráter de transmutação de signo em signo, qualquer pensamento é


necessariamente tradução. Quando pensamos, traduzimos aquilo que temos presente
à consciência, sejam imagens, sentimentos ou conceções (que, aliás, já são signos ou
quase-signos) em outras representações que também servem como signos. Todo
pensamento é tradução de outro pensamento, pois qualquer pensamento requer ter
havido outro pensamento para o qual ele funciona como interpretante. Como se pode
ver, o próprio pensamento já é intersemiótico (apud. de Sousa Silva, 2015: 20).

Durante muito tempo, o ato de traduzir foi utilizado, na grande maioria dos casos, como
um meio de ensino de línguas estrangeiras, e não era abordado como operação cultural
(Bassnett, 1991: 1). Atualmente, esta visão está ultrapassada, ou seja, há um grande
investimento na tradução enquanto tradução em si. Além disso, este conceito tem agora
uma maior amplitude e é entendido como transmutação entre línguas, mas também entre
linguagens (Sales e Procópio, 2012: 7).

Se tentarmos definir tradução enquanto atividade, Theodore Savory utiliza o termo ‘arte’;
Eric Jacobsen, por sua vez, usa o termo ‘ofício’; mas também pode ser empregue o termo

30
‘ciência’. Já Horst Frenz também define a tradução como ‘arte’, mas explica que não é
qualquer arte – “tradução não é uma arte criativa nem uma arte imitativa, mas posiciona-
se entre estas duas” (apud. Bassnett, 1991: 4-5).

Contudo, Susan Bassnett relembra que a tradução está intimamente ligada com o contexto
em que se insere, logo, é inútil debater qual é a definição precisa de tradução (ibid.: 9). A
autora refere ainda que “traduzir é muito mais que substituir as partes lexicais e
gramaticais entre idiomas” (ibid.: 25), e para Venuti (2000: 215) a tradução é
independente, não tendo a necessidade de ser relacionada ao texto original, e possuindo
os seus próprios significados e contextos diferentes.

Traduzir é, na sua aceção mais conservadora e tradicional, fazer a ponte de significados


e de mensagens de uma língua para outra, onde esses significados e mensagens têm que
se manter o mais fiéis possível ao texto original. Na adaptação já é um pouco diferente,
ou seja, é um processo de reescrita com mudanças significativas onde o texto de chegada
fica diferente do texto de partida, mas ambos mantêm uma estreita relação, podendo ser
associados um ao outro em qualquer instante.

De acordo com Venuti,

[a]n adaptation, in contrast, might depart widely from its prior materials, submitting
them to various kinds of manipulation and revision. Nonetheless, a translation can
never simply communicate in whole or in part the text that it translates; it can only
inscribe an interpretation that inevitably varies the form and meaning of that text.
Translation can be regarded as intercultural communication only if we recognize that
it communicates one interpretation among other possibilities (apud. de Oliveira, 2013:
222).

Amorim adiciona que a adaptação é mais flexível que a tradução, visto que a primeira
permite modificações ou omissões, mas a segunda reproduz a informação total com um
elevado nível de rigor e fidelidade relativamente ao texto original (apud. de Oliveira,
2013: 226).

Conforme o que já foi abordado no presente trabalho, Roman Jakobson define tradução
intersemiótica como transmutação. O termo deriva do latim transmutare, e significa um

31
“ato que promove mudança ou converte algo em outra coisa” (de Araújo Serrão, 2010:
17). Jakobson define que na transmutação se verifica um processo de recodificação e de
transferência proveniente de origem distinta, compreendendo duas mensagens
semelhantes dentro de dois códigos díspares (apud. Francisco, 2015: 22-3).

De acordo com Plaza (apud. Meneghello, 2014: 309), transmutação envolve a


representação das relações entre objetos, a relação mútua estabelecida entre os sentidos e
a transferência de formas, enquanto para Balogh o termo designa a

[…] leitura e interpretação de signos de um determinado sistema linguístico por meio


de outro sistema linguístico. Leitura esta contextualizada, que sugere a criação de uma
outra obra a partir de uma matriz ou a recriação de uma obra segunda, em um meio
diferente do da inicial (apud. Santos, 2006: 13).

Igualmente Guzzi (2012: 49) refere que a transmutação define “de forma mais exata a
passagem da materialidade homogênea do verbal – o texto de partida – para as
materialidades heterogêneas do sincrético e seus diferentes suportes (filme, minissérie,
seriados)”.

De acordo com Silva (2013: 151), a transmutação abrange atos tradutórios como a
adaptação de literatura para cinema, por exemplo, sendo um processo bastante amplo que
não se define como um processo pura e unicamente verbal.

No que concerne à adaptação, Baker e Saldanha (2009: 3-4) afirmam que esta é empregue
quando o contexto cultural original não existe no de destino, forçando o tradutor a, de
alguma forma, recriar. Em regra geral, procura que o autor do texto original seja invisível,
isto é, que transforme os traços próprios de autoria e de identidade cultural, de forma a
que, no texto de chegada, não sejam percetíveis quaisquer elementos que identifiquem o
escritor (Segala, 2010: 47). Posto isto, é possível afirmar que o “adaptador” é visível no
texto de chegada, sendo um contraste com a tradução, na qual o tradutor, por norma,
permanece invisível.

Conforme afirma Hutcheon, a tradução assemelha-se à adaptação no que concerne à


transcodificação entre sistemas de comunicação distintos. A tradução tem a capacidade
de transformar o sentido literal do texto, bem como algumas nuances, associações

32
presentes nele e também o seu significado cultural. Na adaptação as mudanças focalizam-
se mais a nível dos média, do género e da cultura (apud. Botelho, 2016: 22).

As marcas culturais e sociais do texto original são adaptadas para a língua de destino da
tradução, mas principalmente para a cultura a que se destina, de maneira a que a sua
leitura e compreensão seja clara e plena, não restando dúvidas sobre o significado de uma
palavra ou uma expressão que pertença ao público de origem, mas não ao público-alvo.
É essencial haver uma preocupação em se adaptar a fluidez, o ritmo e as imagens para o
idioma do texto-alvo, e tudo isto tem que ser realizado de forma a que a tradução tenha
um aspeto natural, frisando que irá remeter-se à língua do leitor e não à do autor (Segala,
2010: 46).

Brezolin reitera que o tradutor deve possuir um profundo conhecimento cultural das
línguas com que trabalha para que o seu trabalho possa ser considerado credível. Deste
modo, fazer adaptações em contexto desportivo ou político, por exemplo, pode ser crucial
no que tange a causar o mesmo efeito aos leitores da adaptação da mesma maneira que
causaria aos leitores do original (apud. de Oliveira Abbate, 2010: 73).

Nesta visão, a adaptação é entendida como uma exteriorização do processo cultural em


mudança constante (Camati, 2009: 295), e de acordo com Venuti também pode ser vista
como

[…] uma interpretação que constrói uma forma e sentido no texto de partida de acordo
com crenças, valores e representações da língua e cultura de chegada […] [,] essa
atividade é uma forma de comunicação transcultural que deve procurar não relações
[…] entre textos de partida e de chegada, mas saber que essas relações estão sujeitas
às exigências de um trabalho interpretativo que é determinado pelas língua e cultura
de chegada. Há, dessa forma, uma visão da adaptação como um processo de
recontextualização: de um contexto – de partida – a outro – de chegada (apud. de
Amorim, 2013: 25).

No entanto, existem adaptações nas quais se conservam, intencionalmente, certos aspetos


da língua original. Baker e Saldanha (2009: 24) denominam este processo como
“foreignization”, onde a adaptação oferece aos leitores a oportunidade de experienciar a

33
“otherness” de um texto estrangeiro, o que por sua vez exige que esses leitores sejam
intérpretes inteligentes (Gorlée, 2015: 66).

Sendo a circulação pela arte através da união de tipologias e épocas distintas uma das
maiores contribuições da adaptação (de Brito Carvalho, 2013: 35), neste processo, é
possível analisarem-se sistemas de signos e média distintos pertencentes a um texto, tendo
em conta que o processo compreende os seus elementos da narrativa e a intermedialidade
(Passos, 2010: 18). Fazer uma adaptação é, antes de mais, fazer uma comparação, onde
há uma relação, um confronto, uma aproximação, e depois, um afastamento. A adaptação
não apaga o texto original, mas desmantela-o (da Costa Pina, 2014: 150).

Hutcheon reitera que

[a] adaptação não é vampiresca: ela não retira o sangue de sua fonte, abandonando-a
para a morte ou já morta, nem é mais pálida do que a obra adaptada. Ela pode, pelo
contrário, manter viva a obra anterior, dando-lhe uma sobrevida que esta nunca teria
de outra maneira (apud. Botelho, 2016: 78).

Para Robert Stam, o processo de adaptação assemelha-se ao processo de reciclagem, onde


textos produzem outros textos, analogicamente ao vidro que produz outro vidro, ou ao
papel que produz outro papel. Na adaptação existe uma transformação e uma
transmutação a nível intertextual (apud. da Costa Pina, 2014: 152). Este professor
universitário ainda refere que “[...] uma adaptação não é tanto a ressuscitação de uma
palavra original, mas uma volta num processo dialógico em andamento” (id., ibid.).

Da mesma maneira que o texto de origem tem um público-alvo específico, o texto


adaptado também o tem. Trata-se de um público de destino cujos gostos e consumos são
fatores relevantes, havendo assim um contacto ainda mais próximo com cada leitor, não
impedindo, porém, que a adaptação seja alvo de outro público além do inicialmente
pretendido (apud. da Costa Pina, 2014: 153). Por conseguinte, é irrevogável que o texto
original funcione como forma de prisão sobre o texto adaptado. Mesmo assim, este último
é também um texto autónomo devido ao seu processo de domesticação, de onde advêm
as discrepâncias em relação ao original (apud. Metz, s.d.: 10).

34
De acordo com a perspetiva de Zeni, a adaptação é também releitura. Quando se relê um
texto de origem, existem aspetos que vão ser enfatizados e relacionados com o resto do
seu conteúdo e forma, originando uma nova, embora provisória, leitura desse mesmo
texto (apud. da Costa Pina, 2014: 155).

Na adaptação, o texto original deve ser alvo de diálogo tanto quanto o seu contexto,
podendo, dessa forma, atualizar o texto, mas também assinalar os valores que nele
constam (apud. Curado, 2007: 2), sendo então capaz de “restituir o essencial do texto e
do espírito” (id., ibid.: 13).

Hutcheon declara que

[s]een as a formal entity or product, an adaptation is an announced and extensive


transposition of a particular work or works. This “transcoding” can involve a shift of
medium (a poem to a film) or genre (an epic to a novel), or a change of frame and
therefore context: telling the same story from a different point of view, for instance,
can create a manifestly different interpretation. Transposition can also mean a shift in
ontology from the real to the fictional, from a historical account of biography to a
fictionalized narrative or drama (apud. Francisco, 2015: 18).

Portanto, podemos afirmar que a adaptação não trata de copiar ipsis verbis o texto de
origem, mas de reler o mesmo, dando a possibilidade – tal como acontece na tradução,
mas em menor medida – ao tradutor de introduzir a sua própria perspetiva (política,
ideológica, ética), conhecimento do mundo e subjetividade no que está a recontar, de
acordo com a cultura de chegada (Botelho, 2016: 15).

O adaptador/tradutor procura os sentidos contidos num texto e analisa os seus


equivalentes noutro texto de natureza semiótica diferente. Assim, o adaptador fará
trocas, remissões, alterações, modificações e omissões entre os dois textos,
concebendo este trabalho de adaptar um texto literário para um texto fílmico como
uma reescrita ou uma recriação (da Silva Pinho, 2015: 8).

Deste modo, e conforme Hutcheon, é percetível que a adaptação é também considerada


como um método de recriação que se apodera do texto original para recriá-lo (apud. de
Amorim, 2013: 22), no qual o tradutor deve propagar, o mais corretamente possível, a
mensagem do autor, tendo “autorização” para a ajustar e transformar essa mesma

35
mensagem sempre com a preocupação de ser fiel ao texto original, e, ao mesmo tempo,
sempre com atenção ao contexto histórico, temporal, social e cultural do público-alvo
(Dias, 2015: 72).

De acordo com Campos, recriação é o mesmo que transposição criativa (apud. de Melo,
2006: 24), e completa ainda afirmando que “a tradução de textos criativos será sempre
recriação” (apud. Santos, 2006: 34), “uma vez que a articulação de seus signos
linguísticos de maneira imprevisível é possível, quer dizer, uma vez que a leitura e a
interpretação desses signos propiciam a criação de uma coisa nova” (Santos, 2006: 34).

Para o tradutor poder ser visto como o autor de um novo texto traduzido, é necessário que
o mesmo recorra à recriação, ou seja, que execute a reconstrução desse mesmo texto (de
Melo, 2006: 35). O melhor texto passível de ser alvo de uma recriação é aquele que
apresenta mais possibilidades de ser de difícil compreensão na língua e cultura de chegada
(Santos, 2006: 34).

Para Lefevère, recriação é a tradução de textos, principalmente os literários, e Giraud


descreve que no ato de recriar “passa a ser o texto que se apaga, em cada comunidade
cultural e em cada época, para dar lugar a outra escritura (ou interpretação, ou leitura, ou
tradução) do mesmo texto” (apud. da Silva Pinho, 2015: 21). Neste sentido, recriação
pode ser considerada como sinónimo de tradução, atendendo que a primeira está sempre
em contacto próximo com o texto recriado (de Carvalho, 2015: 23).

Mediante a afirmação de McFarlane, é possível existir recriação dentro de adaptação. A


título de exemplo, temos as adaptações da literatura para o cinema, em que, por exemplo,
as emoções e as sensações, que são muito exploradas num livro, tornam-se mais
complicadas de serem transmitidas, com a mesma exatidão, para os ecrãs. Portanto, é
necessário o recurso à recriação dessas mesmas emoções e sensações (apud. Botelho,
2016: 23).

36
2.3. Os Cruzamentos entre a Literatura e as Outras Artes

A controvérsia sobre a relação entre a literatura e outras artes tem uma longa tradição
(Tavares e Steil, 2015: 7), e quando abordada, de forma subentendida aborda-se também
a intersemiótica e intermedialidade, tal como se aborda a tradução, a adaptação, a
recriação e a transmutação.

O estudo inter artes tem sido alvo de uma crescente evolução, com foco nas inter-relações
da literatura com as outras artes. Contudo, as ligações intermediais também se envolvem
com os diferentes média, onde a palavra pouca importância tem (Clüver, 2007: 20).

O termo ‘arte’ tem a origem latina ars e significa “técnica ou habilidade para despertar
emoções estéticas” (Coimbra, 2014: s.p.). A arte origina-se sempre que o ser humano
sente a necessidade de comunicar e/ou de se expressar, por conseguinte, a arte pode ser
definida como um meio de expressão (Jiménez, 2014: s.p.), que por sua vez está ligada
com a expressão artística.

Segundo o Dicionário inFormal, expressão artística

[é] uma forma de o ser humano expressar suas emoções, sua história e sua cultura
através de alguns valores estéticos, como beleza, harmonia, equilíbrio. A arte pode ser
representada através de várias formas, em especial na música, na escultura, na pintura,
no cinema, na dança, entre outras (“Expressão artística”, 2013: s.p.).

Nesse caso, podemos afirmar que o ser humano não se expressa e comunica apenas por
palavras, mas também através das cores, dos sons, das formas, e dos movimentos, por
exemplo (Jiménez, 2014: s.p.), apesar de a linguagem ser utilizada na sua comunicação
com todas as artes (Torop, 2002: 11).

O ser humano usa a arte para expor a sua visão sobre o mundo, sendo ela real ou utópica,
expressando pensamentos, emoções, conhecimentos e sentimentos (Selva Más, 2011:
s.p.). Assim sendo, as obras de arte podem ser vistas como livros, mas que se encontram
escritas com signos muito diferentes das palavras (“El arte en la literatura y la literatura
en el arte”, 2015: s.p.).

37
O vocábulo ‘literatura’, com a raiz etimológica latina litteris, que significa ‘letras ou
palavras’, é considerado a arte da palavra (Coimbra, 2014: s.p.). Segundo Paúls, de todas
as artes, “a literatura é, decididamente, aquela que mais se interrelaciona com as outras”
(2009: s.p.), sendo que todas se influenciam umas às outras. Como muitos artistas se
deixaram influenciar por obras literárias ao longo dos anos, será correto afirmar que a
literatura sempre funcionou como base para as artes (Ortíz, et al., 2008: s.p.).
Consequentemente, será possível verificarem-se textos inspirados, por exemplo, em
pinturas ou em peças de teatro, como também na música ou em quadros inspirados em
textos literários, ao longo da história da literatura (“El arte en la literatura…”, 2015: s.p.).

Este relacionamento não se produziu recentemente, tendo em conta que, já há muito


tempo, o texto literário se interliga, principalmente, com a poesia, o teatro e o cinema,
consideradas formas de arte bastante antigas (Vieira, 2007: 9). Jürgen E. Müller sugere
que “nós deveríamos entender a conexão indissolúvel dos vários média como uma fusão
e interação dos diferentes processos mediais” (apud. Clüver, 2007: 27).

É evidente a relação entre a literatura e a música quando pensamos que ambas refletem
as mesmas preocupações socias, mas também é possível verificar-se que, em termos de
escrita, as letras das músicas são estruturadas tal como um poema, tendo o mesmo estilo
e o mesmo ritmo. Um outro aspeto que cruza estas duas artes é o facto de ambas
despertarem o imaginário aquando da sua leitura ou audição, quase que de uma forma
forçosa ou obrigatória, devido a nenhuma possuir ilustrações (Surber, s.d.). Um exemplo
histórico da ligação entre literatura e música é a referência ao Harlem Renaissance dos
anos 20, onde os principais escritores foram influenciados pelo jazz, devido à opressão e
ao racismo de que ambos – autores e músicos – eram alvo. Um outro exemplo é a Guerra
do Vietnam, quando os autores criavam livros sobre a própria guerra, e os músicos
compunham música sobre o mesmo tema (id., ibid.).

A relação entre a literatura e o cinema é, provavelmente, o cruzamento que melhor reflete


a realidade de todo o artista ambicionar capturar a essência de uma obra de arte, noutro
tipo de manifestação artística. Filmes como The Great Gatsby, Pride and Prejudice, The
Color Purple e Twelve Years a Slave são romances adaptados para cinema, mas, como
referido anteriormente, também existem séries de televisão provenientes da literatura,
como é o caso da banda desenhada (Surber, s.d.). No entanto, os livros infantis também

38
são um ótimo exemplo de tradução intermedial, no sentido em que contêm muitas
ilustrações justapostas com texto, e muitos destes géneros de livros são dependentes tanto
do texto, como das imagens, para fazerem sentido (Clüver, 2007: 27).

O cruzamento entre literatura e pintura, conforme já evidenciado anteriormente no


presente trabalho, existe ao longo da história. Não fosse verdade que, já durante o
Renascentismo do século XIV, os autores escreviam e também pintavam. Por vezes, os
escritores e os pintores uniam esforços para conseguirem obter um trabalho o mais
homogéneo possível (Surber, s.d.). Segundo Helmut Hatzfeld, pode-se definir este
cruzamento de acordo com os seguintes quatro prismas: em primeiro lugar, é o de a
pintura ajudar à compreensão de um texto; por sua vez, a literatura ajuda a compreender
um pintor ou uma pintura; em segundo lugar, é o de as obras pictóricas esclarecerem o
paralelismo entre as formas linguísticas e literárias, da mesma maneira que os aspetos
formais do texto esclarecem as formas artísticas; por último, as diferenças fundamentais
entre as duas artes, explicarem as disparidades entre elas mesmas (Paúls, 2009: s.p.). Um
exemplo de relação entre literatura e pintura é a enciclopédia de Plínio, o Velho, onde ele
escreve sobre uma lenda que atribui a origem da pintura a Dibutade, uma jovem que
tentou captar a imagem do homem que amava e que ia partir para a guerra, ao desenhar o
contorno do rosto dele na parede. Mais tarde, o pai dessa jovem, preencheu os traços
desenhados pela filha com argila, criando, assim, uma escultura (Gabrieloni, 2007: s.p.).

O estudo da intermedialidade que envolve a literatura e também o conceito da literatura


como um meio verbal tem recebido atenção (Clüver, 2007: 32). Mas ao longo da história,
existiram diferentes abordagens relativamente ao cruzamento artístico-literário (Paúls,
2009: s.p.). Simónides de Ceos e Plutarco conceituavam a poesia como “uma pintura que
falava, e a pintura como uma poesia que silenciava” (Paúls, 2009: s.p.). Estas duas artes
foram primeiramente comparadas por Platão (que correlacionava a poesia, a pintura, a
musica, a dança, entre outros), por Aristóteles, e por Horácio (mais conhecido pelo ut
pictura poesis, ou seja, “como a pintura, é a poesia”, mas também pelas suas regras e
limites para as artes em geral) (id., ibid.). Também ainda no classicismo do século XVI,
Luis Alfonso de Carvalho assemelhou estas mesmas duas artes ao afirmar que “as pinturas
dos antigos foram alteradas para letras, pelos poetas” (id., ibid.).

39
[…] Dryden afirma que la expresión y las palabras son en la poesía como los colores
en la pintura y que el fin del poeta es alcanzar la perfección de las palabras tal como
el del pintor es alcanzar una perfecta combinación de los colores (apud. Gabrieloni,
2007: s.p.).

Segundo Lichtenstein, a partir do Renascimento, começou-se a comparar as artes entre si


de uma forma genérica e de uma forma restrita. A primeira consiste na aproximação das
artes consoante a sua relação com os sentidos, e a última está limitada à relação entre
pintura e escultura (apud. Siqueira, 2015: 167). Esta dupla forma de comparação é alvo
de uma inter-relação, na medida em que só assim se explica verdadeiramente o paragone
que detém uma estreita relação ao conceito ut pictura poesis de Horácio. Ao favorecer as
artes da imagem, o filósofo também as relacionou com as artes da linguagem, sendo que
os estudiosos do Renascimento alteraram o seu mote para “a pintura é como a poesia, o
quadro é como um poema” (id., ibid.: 168).

Foi no século XVII que a poesia se começou a inserir nas obras pictóricas de forma a
complementar representações verbais (Clüver, 2007: 23).

Na segunda metade do século XVIII, por ação de Baumgarten e de Winckelmann, surgiu,


na Alemanha, a Estética, termo proveniente do latim Aesthética. Este fenómeno tem a
ambição de agregar todas as artes num domínio teórico equivalente (Paúls, 2009: s.p.), e
para ser interpretado e entendido de forma precisa, tem que se ter em atenção as
perspetivas intermediais (Clüver, 2007: 16). G. Ephrain Lessing, conhecido pelo seu
clássico da teoria estética Laokoon, oder über die Grenzen der Malerei und Poesie de
1766, define os limites das artes e recusa aceitar a definição trazida pela Estética. O poeta
alemão determina que, “as artes, para além de serem diferenciadas pelo meio em que se
inserem, também implicam a diferença dos objetos e dos modos de imitação” (apud.
Paúls, 2009: s.p.). Paúls corrobora essa visão afirmando que cada arte é uma mimese
(2012: s.p.). A titulo de exemplo, a pintura emprega a cor, a textura e o material de forma
justaposta para que o público-alvo a consiga contemplar de uma só vez, sendo
considerada histórica na medida em que captura um momento exato e o imortaliza. Já a
literatura usa consecutivamente a linguagem podendo imitar apenas objetos consecutivos,
sendo considerada descritiva na medida em que copia um acontecimento de um momento
(Paúls, 2009: s.p.).

40
Aquando do Romantismo, Georg Wilhelm Friedrich Hegel apresentou a seguinte divisão
tripartida sobre as formas de arte, relativamente à sua forma e conteúdo: arte simbólica,
percetível na arquitetura, consistia na procura; arte clássica, percetível na escultura,
consistia na harmonia; e arte romântica, percetível na poesia, pintura e música, consistia
no rompimento da mesma harmonia onde o conteúdo transpunha a forma (apud. Paúls,
2009: s.p.).

Foi durante o século XIX, que a relação histórica entre palavras e quadros, e entre escrita
e pintura, atingiu o seu auge. Desta forma, Théophile Gautier e Joris-Karl Huysmans
denominaram de ‘transposição’ o processo de inter-relação das artes, mas Baudelaire
preferiu associar o termo ‘tradução’ (apud. Gabrieloni, 2007: s.p.).

No século XX, a arte e a literatura passaram a ser consideradas distintivamente através da


forma, expressão, imitação ou comunicação (Paúls, 2009: s.p.), e a partir da segunda
metade deste século, a literatura conseguiu afirmar-se fortemente nos média, sobretudo
através da televisão, mas também do rádio, do telemóvel, do computador, dos jogos de
vídeo, entre outros (Vieira, 2007: 9).

Como observa Claus Clüver […], “o século XX foi marcado por um alto grau de
interactividade entre as artes”. Esta tendência da prática artística, ainda visível
atualmente, está centrada nas formas mistas, isto é, em criações que configuram
interação ou a reunião de diferentes mídias. O caráter predominantemente misto das
artes contemporâneas pode ter impulsionado o debate sobre a intermidialidade;
contudo, como argumenta Clüver, o fenômeno intermidiático não é recente na
produção literária: “os escritores sempre tiveram tendência para atravessar não apenas
as fronteiras nacionais e linguísticas, mas ainda as que separam as artes” (apud.
Tavares e Steil, 2015: 8).

Este feito também foi possível graças à consideração tida pelos textos que, nos anos 60,
sofreram uma grande evolução, transformando e reutilizando o termo ‘texto’ em
conceitos como ‘textualidade’, ‘intertexto’, ‘autotexto’ e ‘intratexto’ (Clüver, 2006: 15-
6).

41
Foi no século XX que a poesia se desenvolveu plenamente a nível dos média, onde os
textos passaram a ter vertentes visuais, auditivas e cinéticas. O objetivo da poesia, neste
século, era o de se tornar cada vez mais interativa até ao ponto de o recetor poder decidir
a direção dos acontecimentos. Quanto mais a poesia estivesse inserida na era digital
eletrónica dos média, mais hipóteses tinha de se disseminar por todo o mundo (Clüver,
2007: 20-1).

O cruzamento da literatura com as outras artes também pode ser nomeado conforme o
termo grego ekphrasis, segundo o qual um texto descreve uma arte visual. Segundo
Gabrieloni (2007: s.p.), o conceito não é recente sendo que as suas primeiras menções
datam o século II, apesar de ser ainda por muitos desconhecido. Michael Riffaterre afirma
que o conceito difere da tradução entendida como equivalente, na medida em que a
ekphrasis por norma tem o objetivo de ser uma versão melhorada relativamente ao
original (apud. Gabrieloni, 2007: s.p.).

Schneck propone desplazar la definición de écfrasis que se considera canónica en la


modernidad («la descripción de una obra de arte visual») por la de «traducción» de
ciertas propiedades y efectos desde un medio (en términos generales, el visual) a otro
(el verbal), es decir, por la «traducción de un modo de experiencia a otro modo de
experiencia» (Gabrieloni, 2007: s.p.).

No período helenístico, ekphrasis descrevia um objeto ou uma cena, para aquilo que
estivesse ausente, ficasse evidente através das palavras. Mais tarde, e até ao século II d.
C., o conceito foi alvo de um uso mais limitado, uma vez que foi associado à descrição
de obras de arte. Uma outra transformação do significado do termo ocorreu a meio do
século XX, quando adquiriu o caráter de género literário com a teoria de Leo Spitzer (id.,
ibid.). Este romanista fez com que os estudos da palavra e das imagens abordassem as
representações verbais do visual, e sugeriu que ekphrasis fosse definida como “a
representação verbal composta por sistemas de signos não-verbais”. Deste modo, pode-
se afirmar que algumas formas deste conceito correspondem à tradução intermedial e/ou
intersemiótica (Clüver, 2007: 23-4).

Atualmente, as investigações académicas direcionam-se cada vez mais para o cruzamento


dos géneros e dos média (id., ibid.: 13), como é exemplo o presente trabalho.

42
While discussions comparing what much later came to be considered as “the arts”
have a long history that reaches back to antiquity, serious and influential academic
studies concerned with the interrelations of the arts began to be published around the
middle of the twentieth century (Clüver, 2007: 21).

Logo, a cultura contemporânea segue uma escrita discursiva, mas também medial, onde
um texto pode conter formas semióticas desiguais, e a sua mensagem é manifestada em
diferentes sistemas de signos (Torop, 2002: 3).

A relação entre a literatura e as outras artes é uma relação de conveniência, na medida em


que uma aproveita-se das outras, e vice-versa, para se destacarem. A literatura usa as
outras artes tornando-as elementos fulcrais nas suas obras, e as outras artes usam a
literatura como fonte de inspiração das suas criações artísticas (Sillas, 2012: s.p.). No
entanto, exatamente o mesmo tema pode ser representado por todas as artes, incluindo a
literatura (Elena, 2012: s.p.).

43
Capítulo 3 - A Cigarra e a Formiga

Conhecida mundialmente, a fábula A Cigarra e a Formiga nasceu das mãos de Esopo, na


Grécia Antiga, com a lição de moral concentrada em valorizar aqueles que trabalham
arduamente e que planeiam o futuro. O conto retrata uma previdente Formiga que trabalha
sem descanso à procura de comida durante o verão, para não passar fome durante o
inverno, e uma despreocupada Cigarra que passa o tempo a cantar, sem ouvir as
advertências da Formiga no sentido de se precaver contra os rigores do frio iminente.
Numa leitura tradicional, e atendendo à moral explícita da história, esta fábula pode ser
entendida como apologia do trabalho recompensado, e como advertência sobre os riscos
de não nos precavermos para o futuro. Porém, a partir de uma leitura mais contemporânea,
pode-se afirmar que a fábula faz um contraste entre duas classes sociais, bem como uma
caraterização simplista delas: por um lado, a classe operária, representada pela Formiga,
focada no trabalho e na sobrevivência material, sem imaginação nem aspirações
espirituais; pelo outro, a classe dos artistas e intelectuais, ociosos e improdutivos, dado
não aportarem nada ao funcionamento prático da sociedade, e que acabam por se tornarem
num lastro que as "formigas" deste mundo devem escolher entre socorrer ou deixar
afundar.

Ao longo do tempo, a história foi objeto de numerosas adaptações, nomeadamente em


verso por poetas da Antiguidade como Bábrio e Flávio Aviano, da Idade Média como
Eustache Deschamps, e em prosa, por Syntipas, e pelo autor clássico Aftónio de
Antioquia. Depois do Renascimento, vários poetas neolatinos inspiraram-se na fábula
para construírem as suas obras, tais como, Gabriele Faerno (1510-1561), Hieronymus
Osius (1530-1575) e Candidus Pantaleon (1540-1608) (“The Ant and the Grasshopper”,
s.d.). É de notar que, conforme a versão de Esopo, a grande maioria das adaptações tem
como personagens principais uma Cigarra e uma Formiga, mas existem exceções.
Existem fábulas em que é um escaravelho, um grilo, ou até mesmo um mosquito que
substitui a Cigarra.

Devido à notoriedade alcançada pela versão de La Fontaine, que ainda hoje faz parte do
cânone da literatura infantojuvenil, nela costumam basear-se as adaptações posteriores,

44
cujos diversos autores têm vindo a recriar ou reelaborar a história de diversas formas,
sempre preservando a intenção crítica que é característica deste subgénero literário. Como
é possível verificar, o alvo dessa intenção crítica terá algumas variantes, e poderá ir desde
a censura das "misérias" da natureza humana à condenação de uma organização social
injusta. Em qualquer caso, contudo, todas elas podem ser interpretadas à luz de um
discurso que parte de uma posição ideológica, facto que, em última análise, é constatável
em qualquer tipo de texto.

No presente trabalho, para além dos textos de Esopo e de La Fontaine, o foco recai nas
versões de Félix María Samaniego, Miguel Torga e Arturo Pérez-Reverte, sendo estas
duas últimas, conforme já referido no presente trabalho, anti-fábulas. No seu sentido
emblemático, as versões de Esopo, La Fontaine e Samaniego destacam-se, na medida em
que são os textos mais lidos ao longo do tempo, e que também serviram de base com mais
frequência para adaptações de outros artistas. As três têm uma lição de moral bastante
semelhante, onde a Formiga é exposta como má e egoísta, visto que, por exemplo, na
versão de La Fontaine ela “convida” a Cigarra a “dançar” sozinha no inverno, e na versão
de Esopo o mesmo acontece quando a Cigarra pede algo para comer, e as Formigas lhe
viram costas e continuam a trabalhar. Contudo, a versão de Samaniego transparece uma
pequena diferença, em que o narrador reprova o comportamento da Formiga criticando-a
enquanto gananciosa, e descrevendo a Cigarra como ingénua e respeitadora.

3.1. A Cigarra e a Formiga e as Suas Múltiplas Adaptações

Conforme já referido, a fábula "A Cigarra e a Formiga" é um exemplo perfeito do


cruzamento entre artes. Na maioria das suas adaptações, existe uma aprovação visível do
comportamento da segunda personagem, muito influenciada também pelo muito antigo
Livro dos Provérbios. Um livro onde existem provérbios que descrevem a Formiga como
um exemplo a seguir, sendo ela inteligente porque mesmo não tendo quem a vigie e
obrigue, ela procura e armazena comida, e, apesar de as formigas não serem dos insetos
mais fortes, mesmo assim conseguem fornecer comida (“The Ant...”, s.d.).

45
3.1.1. A Cigarra e a Formiga na Literatura

Na literatura encontramos numerosíssimas versões da fábula esopiana.

➢ Na história "A Formiga" (em inglês, "Zeus and the Ant") pertencente a Esopo, a
personagem já não é assim tão heroica. Trata-se de um homem muito focado na
sua agricultura, mas que não conseguia alcançar os seus objetivos, resolvendo
roubar as colheitas dos vizinhos. Consequentemente, recebeu o castigo de se
transformar naquilo que hoje em dia é uma formiga. Mas, apesar de a sua
aparência se alterar, o comportamento continuou o mesmo, sendo que continua a
recolher as frutas das outras pessoas, guardando-as para si próprio (“The Ant...”,
s.d.).

As adaptações dentro da literatura questionavam várias vezes a utilidade do trabalho da


Cigarra.

➢ Já na época medieval, Marie de France escreveu a fábula "La Fourmi et le


Criquet", que retrata uma Cigarra cujo trabalho era cantar para que todos se
sentissem bem. Mas, apesar de animar todos os insetos, reclamava também que
ninguém iria fazer o mesmo por ela, ninguém iria ajudá-la se necessário, ao que a
Formiga lhe pergunta porque haveria de lhe dar comida, se ela não lhe podia dar
auxílio (id., ibid.).

➢ No final do século XV, mais precisamente em 1499, o escritor neolatino Lauretius


Abstemius criou o conto "De Culice Cibum et Hospitium ab Apetente", no qual
as personagens eram um Mosquito e uma Abelha. No entanto, esta história estava
evidentemente relacionada com a fábula “A Cigarra e a Formiga”, visto que o
Mosquito pede ajuda à Abelha em troca de ensinar música aos seus filhos, mas
ela responde que prefere ensinar-lhes um ofício útil (id., ibid.). Esta ideia reflete
o pensamento burguês da época, cuja ascensão social resultou da atividade
mercantil e da acumulação de riqueza, e que não considerava a arte como um valor
de câmbio (uma commodity), sendo, portanto, inútil.

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➢ Mais tarde, no século XXI, Slade and Toni Morrison, criam o livro de literatura
infantil Who's Got Game? The Ant or the Grasshopper? (2003), no qual a Cigarra
– um artesão –, debate-se sobre a arte e o seu valor (“The Ant...”, s.d.).

➢ No século XIX, mais precisamente em 1808, na Rússia, Ivan Krylov escreveu o


texto The Dragonfly and The Ant, que serviu de inspiração para outras adaptações.
Em 1851, Anton Rubinstein adaptou-a para voz e piano, e em 1864, serviu de base
para uma adaptação alemã intitulada "Der Ameise und die Libelle" (id., ibid.).
Este conto alemão foi também adaptado, em 1913, para um filme de animação
russo (“Die Ameise und die Heuschrecke”, s.d.). O texto de Krylov foi ainda
utilizado por Dmitri Shostakovich em Two Fables of Krylov (1922), para
adaptações com mezzo-soprano, coro feminino e orquestra de câmara e,
igualmente na Rússia em 1913, por Ladislas Starevich, na curta-metragem
Strekoza i Muravey, e em 1927, estando o cineasta já em França, na La Cigale et
la Fourmi (“The Ant...”, s.d.).

➢ Em 1810, Pierre-Louis Ginguené inclui no seu livro Fables nouvelles, o conto “La
Cigale et les Autres Insectes”, onde fica claro que o autor não considera as artes
importantes ao narrar a história de uma Cigarra que pede aos outros insetos para
seguirem o seu exemplo de atividade artística, mas eles acham que tal só
aconteceria se tivesse alguma utilidade social (id., ibid.).

➢ Contudo, oito anos depois, Thomas Bewick incluiu a fábula "A Gnat and a Bee"
na sua edição de Fábulas de Esopo, onde conclui que aqueles que cantam
tristemente para animar os outros devem demonstrar àqueles encarregues da
educação das crianças o quão importante é elas se juntarem ao mundo artístico
(id., ibid.).

➢ Em contrapartida, no século XX essa utilidade foi contestada por George


Topîrceanu com a "Balada Unui Greier Mic" (em inglês, "The Ballad of a Small
Grasshopper"), onde um grilo canta todo o verão e o outono, mas no inverno,
como não procurou anteriormente por comida, pede auxílio a uma formiga, que
recusa ajudá-lo por ele ter perdido o seu tempo durante todo o verão (id., ibid.).

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➢ Na obra de Jacques-Melchior Villefranche com o nome Fables de 1851, o escritor
conta a história de uma Formiga que perde tudo o que armazenou e pede ajuda a
uma Abelha. Entretanto esta revela que já havia abrigado a Cigarra, e ajuda a
Formiga dizendo que “todos os que sofrem merecem ser ajudados de forma igual”
(“The Ant...”, s.d.).

A fábula "A Cigarra e a Formiga" foi também alvo de várias paródias.

➢ O primeiro exemplo foi o de Tristan Corbière, que redigiu um poema em 1873,


chamado "Le Poète et la Cigale", no qual a Formiga trabalha incansavelmente na
sua poesia, enquanto a Cigarra, a sua amada, vive de forma imprudente e ainda
desvaloriza as proezas do poeta (id., ibid.).

➢ Em 1962, Jean Anouilh cria duas fábulas, uma denominada "La Fourmi et la
Cigale", onde a Formiga é uma dona de casa atormentada pelo pó até ao fim dos
seus dias, mas no que concerne à Cigarra, ela simplesmente contrata uma
empregada. Na outra, intitulada "La Cigale", a Cigarra trabalha como música,
sendo que o seu agente é uma Raposa que a tenta enganar, mas ao não conseguir,
acaba por cantar sozinho (id., ibid.).

➢ Por sua vez, em 1990, Pierre Perret criou a fábula "La Cigale et la Fourmi", onde
emprega o calão urbano com o objetivo de ridicularizar a Cigarra enquanto
“rainha da tabela de êxitos” desleixada (id., ibid.).

Estas últimas três adaptações da fábula prefiguraram a versão de Pérez-Reverte –


abordada mais à frente no presente trabalho – dado que partilham das mesmas
particularidades, tais como, o facto de a Formiga trabalhar até ficar com a “língua de
fora”, o de a Cigarra não ser enganada, mas sim ainda sair vitoriosa da história, e o uso
do calão.

Com o passar dos tempos, o foco principal dos artistas alterou-se, passando a ser mais
habitual a ênfase nas personagens, que se tornaram maiores e passaram a usar roupa,
aproximando-se assim ainda mais dos humanos.

48
➢ O livro Choix de Fables de La Fontaine, Illustrée par un Groupe des Meilleurs
Artistes de Tokio, criado em 1894, retrata a fábula ilustrada, na qual um dos
insetos, que interpreta a Formiga, está vestido com um traje azul. Por sua vez,
Félix-Sébastien Feuillet de Conches cria uma ilustração representativa da cultura
chinesa, La Cigale et la Fourmi, onde se pode ver uma mulher com roupas velhas
em frente a uma outra que está a trabalhar numa roca de fiar (“The Ant...”, s.d.) .

➢ Em 1924, W. Somerset Maugham escreve um conto que inverte a tão conhecida


lição de moral da fábula, intitulado "The Ant and The Grasshopper", onde os dois
insetos são irmãos. A Cigarra não trabalha e gasta tudo o que tem, enquanto a
Formiga trabalha imenso e ainda ajuda o irmão. Apesar de o primeiro gastar mais
do que tinha e dar problemas à Formiga, no final acaba por herdar uma fortuna.
Este conto conseguiu uma adaptação cinematográfica em 1951 com o título
Encore, e também uma adaptação televisiva em 1960 chamada Somerset
Maugham Hour (id., ibid.).

➢ Não seria esta a única vez em que uma fábula abordava conflitos entre irmãos, já
que em 1928, James Joyce escreveu "The Ondt and the Gracehoper", um conto
sobre dois irmãos gémeos (id., ibid.).

➢ Após a fábula ser introduzida na política por Walt Disney em 1934 – conforme se
faz referencia (mais) abaixo – mais tarde, em 1994, Jim Quinn produziu uma nova
adaptação intitulada The Ant and the Grasshopper, na qual o escritor atacou a
administração de Bill Clinton nos Estados Unidos da América: quando a Cigarra,
ao ver que a Formiga estava confortável no inverno – devido ao seu trabalho árduo
– convoca uma conferência de imprensa para questionar porque é que uns estavam
quentes e tinham comida, e outros estavam ao frio e com fome. No final, a
Formiga tem que pagar uma multa, e para isso o governo penhora-lhe a casa (id.,
ibid.).

➢ A sátira de Roland Bacri com o nome Fable Electorale (1995), também se


enquadra no mesmo campo, onde a Cigarra é um político não-eleito, e quando a
Formiga o questiona sobre o que fez durante as eleições, ele responde que cantou
o hino nacional (id., ibid.).

49
➢ Em 2008, uma nova adaptação, também com o nome The Ant and the
Grasshopper, foi criada por Michelle Malkin, que satirizou as políticas de
“Barack Cicada” resultando em novas adaptações para outros países. A Cigarra,
mais uma vez, não se preocupou em armazenar comida para o inverno,
aconselhando a Formiga a fazer como ela, dizendo que não valia a pena se
incomodar com tanto trabalho. No final, a Cigarra junta-se ao governo como
cobrador de impostos, e vai rapidamente atrás das posses da Formiga, que, no
entanto, havia seguido o conselho da “amiga” (“The Ant...”, s.d.).

Apesar de durante séculos, a Cigarra ter sido apontada como uma personagem fraca e
defeituosa por não ser trabalhadora como a Formiga, no século XVIII, mas mais
abundantemente no século XX, verificou-se uma inversão dos papéis, em que a Formiga
passou a ser vista como impiedosa, ingrata e egoísta.

➢ Um exemplo claro é a versão de Félix María de Samaniego, na qual, como já


referido no presente trabalho, o autor descreve a Cigarra como codiciosa e
avarenta mesmo com quem é educado.

Em repercussão ao facto de já no século XVII os cristãos entenderem o dever de caridade


– que a Formiga não sentia –, nos anos 80 do século XX, a mesma personagem começou
a ser “atacada” nas várias adaptações.

➢ A título de exemplo, Jean-Jacques Boisard escreveu "La Cigale et la Fourmi", que


termina com a frase “Amasser est d'un fol, et jouir est d'un sage” (Amontoar é de
loucos, mas desfrutar é de sábios), tendo em conta que todos morremos e que
devemos gozar enquanto estamos vivos (id., ibid.).

➢ Esta ambiguidade havia sido também anteriormente exposta na ilustração de


figuras humanas intitulada La Cigale et la Fourmi (1867) de Gustave Doré (ver
Figura 1), onde duas crianças olham com amabilidade para uma mulher que tem
um mandolim nas mãos, e a sua mãe olha para o chão enquanto está a tricotar,
uma atividade associada à falta de piedade (id., ibid.).

50
➢ Em 1982, Janosch escreve a história
"Die Fiedelgrille und der Maulwurf"
(traduzida para inglês no ano
seguinte, intitulada "The Fiddling
Cricket and The Mole"), onde um
Grilo toca violino para todos os
animais desfrutarem durante o verão,
mas quando o inverno chega ninguém
o ajuda. No final, acaba por ser
ajudado pela Toupeira que gosta
muito de música (“The Ant...”, s.d.).

➢ O conto "Brother Grasshopper", Figura 1 – La Cigale et la Fourmi de Gustave Doré


criado por John Updike em 1987, fala
sobre dois cunhados, um que vive de forma conservadora e comedida, e o outro
que esbanja o seu dinheiro em férias de família. No entanto, o cunhado esbanjador
morre, e o outro apercebe-se que sem a sua generosidade não teria herdado
memórias tão bonitas (id., ibid.).

➢ Através da Liga Contra o Cancro francesa, a fábula também serviu como


campanha de sensibilização contra o tabagismo. Em 1991 foi criado um poema
nomeado "La Cigale, Le Tabac et La Fourmi", onde a Cigarra se encontra
desesperada por fumar um cigarro, e ao pedir um à Formiga ela responde-lhe que
já que fumou durante todo o verão, agora que tossisse (id., ibid.).

➢ Apesar de a fábula original valorizar aqueles que trabalham muito, conforme já


referido, Francoise Sagan critica na sua sátira "La Fourmi et la Cigale" de 1998,
esses mesmos trabalhadores árduos. Retrata a Formiga, que depois de juntar
demasiada comida todo o inverno, incentiva a Cigarra a comprar-lhe alguma na
estação seguinte (id., ibid.), sublinhando, deste modo, a ideologia capitalista, onde
o que tem valor é a lei da oferta e da procura.

51
3.1.2. A Cigarra e a Formiga na Música e na Ópera

A fábula "A Cigarra e a Formiga" não despertou o interesse apenas de escritores, mas
também de artistas de variados quadrantes, como é o caso da música, das artes plásticas,
do ballet e do pictograma, por exemplo.

Entre 1730 a 1999, existiram grandes adaptações musicais, englobando compositores


como Jacques Offenbach, com Six Fables de La Fontaine (1842) para soprano e pequena
orquestra; Charles Lecocg, com Six Fables de Jean de La Fontaine (1900) para voz e
piano, tal como André Caplet com Trois Fables de Jean de La Fontaine (1919); Charles
Trenet acompanhou Django Reinhardt e o Hot Club de France em 1941 no instrumental
de um vídeo da fábula; Marie-Madeleine Duruflé compôs "La Cigale et la Fourmi" em
quinto lugar em 6 Fables de La Fontaine, para vozes femininas a capella (1960); Antal
Dorati adaptou o conto para o instrumental 5 Pieces for Oboe em 1980; Ida Gotkovsky
compôs a primeira fábula de Hommage à Jean de La Fontaine para coros mistos e
orquestra em 1995 (ver Anexo Digital 4); e Isabelle Aboulker compôs a quarta peça em
Femmes en fables (1999) para voz aguda com piano (ver Anexo Digital 5) (“The Ant...”,
s.d.).

No ano de 1941, Joseph Jongen adaptou a fábula para coro infantil e piano, e em 1964,
Rudolf Koumans adaptou as Vijf Fabels van La Fontaine, para coro escolar e orquestra
(id., ibid.).

O cantor Leon Rosselson cria a música The Ant and the Grasshopper (1975), onde critica
a Formiga por ser arrogante, por deixar os outros morrer, e por ela querer desfrutar tanto
da vida (id., ibid.). Conforme referido anteriormente, e tal como acontece na fábula de
Samaniego, este é um outro exemplo de uma evidente inversão dos papéis tradicionais
das personagens da história.

Dois anos mais tarde, em 1977, a fábula foi traduzida pelo húngaro Dezső Kosztolányi
para a sua língua nativa, e foi adaptada por Ferenc Farkas para mezzo-soprano, coro misto
de quatro partes e quatro guitarras ou piano (id., ibid.).

52
Posteriormente, em 1995, na Catalunha, Xavier Benguerel i Godó adaptou a fábula para
orquestra no conto musical infantil 7 Fábulas de La Fontaine, e, oito anos depois, Karim
Al-Zand também a adaptou para o instrumental Four Fables for flute, clarinet and piano
(“The Ant...”, s.d.).

As adaptações da fábula também foram bem-sucedidas na ópera no século XIX.


Ferdinand Poise criou uma peça de um ato intitulada La Cigale et la Fourmi, em 1870, e
Edmond Audran produziu uma peça de três atos em 1886 em Paris, em 1890 em Londres,
e no ano seguinte em Nova Iorque, com o mesmo nome que a peça de Poise (id., ibid.).

Em 1989, a ópera infantil de 30 minutos de Shawn Allen, The Ant and the Grasshopper,
termina de uma forma invulgar – depois da Formiga ajudar a Cigarra, as duas se tornam
parceiras musicais durante o inverno (id., ibid.).

3.1.3. A Cigarra e a Formiga nas Artes Plásticas

Nas artes plásticas também se encontram diversas manifestações da fábula em discussão


no presente trabalho. É na escultura e na pintura que o comportamento antropomórfico
das personagens – referido no capítulo 1 – mais se destaca. Até então, o uso dos insetos
era apenas um disfarce das verdadeiras intenções dos artistas que, conforme já
evidenciado, era falar dos seres humanos, sendo
que nas artes plásticas esse disfarce cai em desuso.
Os artistas param com o fingimento e expõem a nu
as virtudes e os defeitos humanos. Um exemplo do
século XIX, do cruzamento da literatura com a
escultura, foram as duas estátuas com o nome La
Cigale et la Fourmi, produzidas por Ignaz Stern
(ver Figura 2), onde uma representa a Cigarra
encolhida a tremer de frio, e outra representa a
Formiga com um ar radiante (id., ibid.).

Figura 2 – La Cigale et la Fourmi de Ignaz


Stern

53
Apesar de o foco dos artistas se ter alterado com o passar dos tempos – conforme
mencionado anteriormente – antes dessa alteração, na pintura, o foco centrava-se em
retratar na tela, os insetos e o frio do inverno.
Entre os pintores destacam-se Jules-Joseph
Lefebvre, Edouard Bisson e Henrietta Rae,
que, representando a Cigala, criaram obras
distintas, mas com o mesmo nome – La Cigale.
O primeiro pintou, em 1872, um nu feminino
no meio de folhas de árvore, visivelmente
vulnerável e com frio. O seguinte (ver Figura
3) pintou, em 1890, um retrato feminino na
neve, com um mandolim na mão, a tremer de
frio. E a última, no ano seguinte, pintou
também um nu feminino entre folhas de árvore,
Figura 3 – La Cigale de Edouard Bisson
com um mandolim às costas, encolhido devido
ao frio, amparando-se numa árvore. Numa grande fração dos textos, os dois insetos eram
descritos como sendo do sexo feminino, o que fez com que as pinturas fossem também
representações do mesmo género, tal como se pode confirmar nos exemplos
supramencionados. Tal realidade reflete também a consideração tida pela mulher nesta
época, em que era vista como um ser inútil, preguiçoso e fraco, tal como a Cigarra. Mas
a pintura de Jehan Georges Vibert, intitulada La Cigale et la Fourmi, do ano 1875, foi
uma exceção dado os insetos serem do género masculino e a Cigarra ter um instrumento
musical às costas, enquanto a Formiga repreende a primeira (“The Ant...”, s.d.).

No ano de 1889, a litografia de


Paul Gauguin, Les Cigales et les
Fourmis, (ver Figura 4) desafiou
o número de personagens
tradicional da fábula, onde
apresenta não duas, mas várias.
Observam-se algumas mulheres
pobres, no chão, e outras a
Figura 4 – Les Cigales et les Fourmi, litografia de Paul Gauguin caminhar por detrás delas, com
comida à cabeça. Também na

54
pintura de Victor Gabriel Gilbert, La Cigale et la Fourmi, podemos encontrar três
mulheres – uma jovem e as outras duas, idosas. Uma das idosas, com fraco aspeto, em
jeito de peditório, e as outras duas mulheres a negar-lhe ajuda (“The Ant...”, s.d.).

Jacob Lawrence elaborou um desenho a


tinta, intitulado The Ant and the
Grasshopper (1969) (ver Figura 5), onde a
Cigarra chora em frente à Formiga
desfalecida, enquanto esta fecha a porta do
seu armazém, transmitindo assim a
imagem que o desmazelo não é a única
causa de pobreza (id., ibid.). Pode-se
afirmar que esta adaptação do conto é mais
original comparativamente às restantes
apresentadas no presente trabalho, tendo
Figura 5 – The Ant and the Grasshopper de Jacob
em conta que a maioria apresenta a
Lawrence
improvidência, o desmazelo e o ócio como
algo desprezível ao Homem que, consequentemente, o levará à ruína, ou até mesmo à
morte. No entanto, a variante de Jacob Lawrence apresenta a antinomia de que, para além
da preguiça, o excesso de trabalho, a ambição e a avareza também são causadores de
pobreza.

3.1.4. A Cigarra e a Formiga no Cinema e no Ballet

A fábula esopiana foi adaptada para o cinema numa curta-metragem de George Méliès
em 1897, intitulada La Cigale et la Fourmi. Outras adaptações com o mesmo nome foram
a curta-metragem de Georges Monca em 1910, e a curta-metragem muda de Louis
Feuillade no ano anterior. Durante esses anos, mais precisamente em 1908, a Itália não
foi exceção no que toca às adaptações do conto para cinema, sendo que intitularam como
La cicala e La Formica o filme de Mario Caserini, e o filme de Renato Molinari em 1919
(“The Ant...”, s.d.).

55
Conforme supracitado, Walt Disney introduziu esta fábula na política com a curta-
metragem The Grasshopper and the Ants em 1934 (ver Anexo Digital 6), onde aborda o
problema da imprevidência pelo olhar de Franklin D. Roosevelt e o seu New Deal (“The
Ant...”, s.d.). É percetível uma Cigarra esbanjadora que cospe tabaco para o chão, tal
como as pessoas negras faziam, mas também é visível um fator característico da própria
época: um sistema de divisão de trabalho representado pelas Formigas. Na história deste
pequeno filme, a Cigarra é ajudada por uma espécie de “assistência social” das Formigas,
e em troca dessa ajuda, a Formiga-Rainha diz-lhe “only those who work may stay, so take
your fiddle and play”, o que transparece a ideia utilitária das Formigas a respeito da arte.
Para elas, a música não se trata apenas de um prazer espiritual, mas sim de uma ferramenta
graciosa para as ajudar a desenvolver mais e melhor o seu trabalho, sendo, deste modo, a
sua função sempre subordinada à produtividade.

Também no ano 1941, Friz Freleng adaptou a fábula no seu desenho animado da Warner
Bros, chamado Porky's Bear Facts. Nele, o Porky Pig é um trabalhador dedicado e o seu
vizinho – um Urso – é o oposto. Quando o mau tempo chega, o Urso vê que não tem
mantimentos, mas no final o Porky Pig ajuda-o, apesar de isso não ser o suficiente para
ele aprender a lição (id., ibid.).

A curta-metragem The Grasshopper and the Ant, na qual as personagens são silhuetas,
foi criada em 1954 por Lotte Reiniger, no Reino Unido (ver Anexo Digital 7). As
personagens principais da história são vistas como humanos sem o serem, e as restantes
personagens são vistas como animais e insetos. A Formiga recusa ajudar a Cigarra,
deixando-a para morrer. Mas os Esquilos salvam-na em troca de ela tocar violino para
eles. No final, a Formiga tenta juntar-se à festa e os Esquilos afastam-na, mas a Cigarra
pede-lhe para se juntar a eles (id., ibid.). Deste modo, a história espelha mais uma vez,
uma Cigarra imprevidente e uma Formiga impiedosa, que mais tarde “prova do seu
próprio veneno” através dos animais que ajudaram a Cigarra. Estes dizem-lhe que, já que
ela não havia tido tempo para ouvir a música da Cigarra durante o verão, por estar tão
preocupada em juntar comida, agora poderia ir comê-la sozinha. Este facto, demonstra
uma reviravolta da história original em que a Formiga manda a Cigarra dançar já que
havia cantado todo o verão, mas, nesta adaptação, a Formiga é alvo de amabilidade por
parte da Cigarra, demonstrando assim a caridade desta com quem lhe havia feito mal. O
facto de os animais que ajudaram a Cigarra terem mandado a Formiga comer sozinha o

56
que havida juntado, foi alguns anos mais tarde refletido na versão fabulística de Miguel
Torga – analisada mais abaixo no presente trabalho –, quando o autor termina dizendo
“que quem não cantava morria de fartura”.

Em 1977, foi criada uma adaptação humorística da fábula "A Cigarra e a Formiga",
introduzida num episódio de The Muppet Show (ver Anexo Digital 8), onde no final a
Cigarra vai-se embora num carro desportivo e a Formiga é esmagada (“The Ant ...”, s.d.).
Mais uma vez há aqui uma relação com a anti-fábula narrada por Pérez-Reverte.

A Bug's Life foi lançado pela Pixar Animation Studios, em 1988. Um filme que retrata
um grupo de Cigarras que são cruéis com uma colónia inteira de Formigas. Estas,
cansadas de se rebaixarem e de sofrerem, chamam os outros insetos para ajudá-las a
enfrentar as Cigarras. Uma diferença evidente nesta adaptação em relação à fábula de
Esopo é que, apesar de as formigas trabalharem também arduamente para juntar
alimentos, no filme elas fazem-no porque são obrigadas pelas cigarras que as maltratam.
Um percetível antagonismo que faz o espectador perceber que nesta história não é a
Cigarra que pede por comida e que é rudemente rejeitada pela Formiga, mas sim as
Cigarras que têm poder sobre as Formigas, descartando-se, portanto, de terem que
trabalhar. Assim, este filme possibilita a leitura ideológica de que a classe trabalhadora é
esmagada por uma classe parasitária, ou seja, as Cigarras que não querem ter nada a ver
com produtividade, vivem do trabalho dos que se esforçam para sobreviver – as Formigas.

No século XX, em 1904 a fábula renasceu como ballet através de Jules Massenet. Uma
peça com o nome Cigale, onde a Cigarra tem misericórdia para com a Formiga no
momento em que ela mais precisa, mas quando chega a vez de esta retribuir a ajuda, não
o faz, deixando a Cigarra para morrer (id., ibid.). Este ballet reflete um aspeto muito
interessante para o género literário onde, tal como Homero incluiu o que viria a ser mais
tarde a fábula, no género épico, no ballet de Massenet existe um cruzamento com outro
género literário, a tragédia.

Outras adaptações da fábula para o ballet foram a de Henri Sauguet, intitulado La cigale
at la fourmi de 1941, e a de Francis Poulenc no terceiro episódio de Les Animaux Modèles
em 1942 (id., ibid.).

57
No século seguinte, o ballet La C et la F de la F adapta a fábula A Cigarra e a Formiga
(ver Anexo Digital 9), no qual os bailarinos interpretam o texto através da coreografia de
Herman Diephuis (“The Ant ...”, s.d.).

3.1.5. A Cigarra e a Formiga em Medalhas, Selos de Correio e no Pictograma

Um outro tipo de adaptação do século XX, inseriu-se na coleção de medalhas


emblemáticas de variadíssimas fábulas, de Jean Vernon, entre as quais existe uma que
retrata "A Cigarra e a Formiga". Nela é visível a Formiga com as patas sobre umas frutas,
e a seguinte frase: “Vous chantiez? J’en suis fort aise. Eh bien! Dansez maintenant.” (id.,
ibid.).

A fábula foi também adaptada em vários selos, por


distintos países. Em 1958, na Hungria, criou-se um selo
de 60 florins para divulgar uma campanha de poupança
(ver Figura 6). No ano seguinte, foram criados vários
selos representativos de contos, sendo que, na Mongólia,
se produziu um selo de 1,50 Tugrik (id., ibid.).
Figura 6 – Selo húngaro de 60 florins

Para além de todas as adaptações já supraditas, a fábula alvo de análise no presente


trabalho foi também recriada em pictograma.

Os pictogramas existem desde os tempos primitivos em que o Homem traçava pequenos


desenhos nas paredes das grutas e das cavernas. Através deles podemos representar ideias
através de símbolos ou imagens, substituindo assim o uso de texto. Deste modo, as
histórias tornam-se visualmente menos extensas e podem ser entendidas por falantes de
diversas línguas.

No blog Orientación Andújar8 – criado com o intuito de disponibilizar recursos


educativos para pessoas interessadas em aprender espanhol – foi criada uma série de
contos com pictogramas, incluindo um pictograma de 2009, representativo da fábula A

8
http://www.orientacionandujar.es/

58
Cigarra e a Formiga, mais especificamente da
versão de Samaniego (ver Figura 7). O
pictograma é um caso particularmente
interessante, na medida em que comporta uma
dupla adaptação. Por um lado, é alvo de uma
tradução intermedial, sendo que existe uma
mudança de médium, uma transposição de um
texto de um sistema de signos para outro
diferente (Guimarães, 2003: 73), ou seja, do
escrito para o visual, e pelo outro lado, adapta-
se a um público-alvo específico – o
infantojuvenil. É possível afirmar-se que este
pictograma em particular funciona como um
“texto autónomo”, sendo que através das
Figura 7 – La cigarra y la hormiga, pictograma
imagens é possível a compreensão de toda
história sem o recurso a palavras escritas.

De acordo com Haroldo de Campos,

[p]ictogramas são signos de comunicação visual, gráficos e sem valor fonético, de


natureza icônica figurativa e de função sinalética. São autoexplicativos e apresentam
como principais características: concisão gráfica, densidade semântica e uma
funcionalidade comunicativa que ultrapassa as barreiras linguísticas (apud. Moro,
2016: 18).

Depois de uma análise mais pormenorizada do pictograma, pode-se afirmar que o mesmo
transparece a sua mensagem de forma clara e objetiva. A ideia tradicional da fábula
original é mantida, ou seja, aqueles que não fazem providências para os tempos mais
difíceis, acabam por sofrer as consequências. Nos diferentes quadrados, é possível
observarem-se vários elementos que nos transportam para diferentes passagens da fábula
escrita, como por exemplo, a da Cigarra que apenas cantava durante o verão; a da Formiga
que procura arduamente por alimentos, encontra-os e armazena-os em sua casa para se
preparar para a chegada do inverno; e à chegada do inverno e do frio, em que a Cigarra
pede ajuda à Formiga, mas esta nega-lhe tal ajuda, finalizando a história com a Cigarra
triste e a Formiga contente.

59
Devido à notoriedade que alcançou a fábula de La Fontaine, a maioria das adaptações
abordadas no presente trabalho provêm dela, mas, apesar de as adaptações à versão
esopiana serem poucas, elas também existiram. Em 1920 destacou-se o cruzamento com
a música no Aesop's Fables Interpreted Through Music em Nova York, de Mabel Wood
Hill e em 2009, com várias peças de ópera curtas. No ano seguinte, Lefteris Kordis
adaptou a fábula no seu "Aesop Project" para octeto e voz. O Aesop’s Fables Studio
produziu, na América, uma série de desenhos animados, entre eles The Ants and the
Grasshopper, em 1921 (“The Ant ...”, s.d.).

Considerando todos os exemplos supramencionados, pode-se afirmar que o género


literário em discussão no presente trabalho é bastante rico, e que, particularmente, a fábula
"A Cigarra e a Formiga" é um conto muito “fértil”, tendo dado azo a variadíssimas
manifestações ao longo do tempo.

Também é de notar a importância desta mesma fábula no sentido em que, devido à sua
versatilidade, ela proporciona a cada autor a hipótese de criar uma leitura ideológica, ou
seja, um enredo e uma conclusão que enfatizam determinadas caraterísticas, qualidades
ou defeitos, de acordo com a postura do autor. Tal pode ser verificado nas versões que
realçam as qualidades da Formiga, ou seja, a poupança, a previsão para o futuro, a
disciplina, o espírito de sacrifício, ou então nas versões em que o oposto é evidenciado,
tal como quando a formiga é egoísta, impiedosa, sem sentido de caridade e capaz de
abandonar a Cigarra, mesmo tendo a consciência que iria resultar na sua morte.

3.2. A Versão de Samaniego

Félix María Serafín Sánchez de Samaniego Zabala, nasceu em Espanha, em 1745 e


faleceu aos 55 anos, em 1801, no seu país. Este escritor deve a sua fama às suas fábulas
com finalidade didática. Proveniente de uma família com muitas posses, descendente da
nobreza, Samaniego estudou Direito na Universidade de Valladolid, apesar de nunca
chegar a concluir o curso (“Félix María Samaniego”, s.d.).

60
Viveu muitos anos em França, mas foi quando regressou a Espanha que passou a morar
com o seu tio-avô, um conde, que lhe transmitiu os seus valores e ideais nobres. Começou
a ler as primeiras fábulas aquando da sua junção à La Real Sociedad Vascongada de
Amigos del País, que tinha o objetivo de promover o desenvolvimento cultural (“Real
Sociedad Bascongada de Amigos del País”, s.d.), e ao El Real Seminario Patriótico
Vascongado para Caballeros Alumnos de Vergara, uma instituição de ensino superior
destinada a educar filhos de nobres, funcionários estaduais e militares (“Seminario de
Nobles de Vergara”, s.d.). Contudo, Samaniego era um bon vivant, que gostava muito da
vida social e da música.

Publicou a sua primeira coleção de fábulas no ano de 1781, constituída por cinco livros,
intituladas Fábulas en verso castellano, mas só em 1784 é que foi publicada uma versão
definitiva em Madrid, com o título Fábulas morales, composta por nove livros com 157
fábulas (“Félix María Samaniego”, s.d.).

O escritor foi enormemente inspirado por Esopo, Fedro, La Fontaine e John Gay, e os
seus contos possuíam um estilo simples e uma métrica variada, transparecendo a sua
inerente espontaneidade e graça. O século XVIII ficou marcado por várias fábulas de
Samaniego, sendo as principais, contos como La lechera, La paloma, Congreso de
ratones, La codorniz, Las moscas, El asno y el cochino, El perro y el cocodrilo, entre
outros.

Samaniego escreveu ainda uma outra fábula bastante conhecida – La cigarra y la hormiga
(ver Anexo 1). Nela, é evidente o favorecimento do trabalhador árduo que faz provisões
a pensar no futuro, recorrendo à poupança – traços característicos da Formiga – e um
desfavorecimento do preguiçoso que não quer trabalhar, nem se previne para um possível
futuro difícil – tal como a Cigarra.

No entanto, para o escritor, não é só a improvidência da Cigarra que está errada, mas
também o egoísmo e a falta de solidariedade e compreensão da Formiga, resultante do
seu trabalho árduo excessivo, chegando a chamar-lhe de codiciosa. Ao fazê-lo,
Samaniego emite um juízo de valor próprio que marca a sua opinião perante a
personagem, o que não é tão evidente nas outras duas versões em análise no presente
trabalho.

61
Esta versão da fábula, tem muitas semelhanças com a fábula original, onde a Cigarra pede
à Formiga por um pouco de comida, mas tal pedido é rejeitado. No entanto, uma diferença
se destaca, em que na versão de Samaniego, a Cigarra é muito educada no seu pedido e
ainda promete, sob seu nome, pagar com juros.

A versão de Félix María de Samaniego é claramente uma adaptação da fábula originada


por Esopo. Consoante o que já foi definido no capítulo anterior, a La cigarra y la hormiga
é uma reescrita da versão esopiana, com mudanças visíveis e significativas, e que, apesar
disso, ambas comportam uma inter-relação facilmente identificável. O mesmo não deixa
de acontecer com as versões dos subcapítulos seguintes.

3.3. A Versão de Torga

Adolfo Correia da Rocha, de pseudónimo Miguel Torga, foi um prestigioso poeta e


escritor do século XX, em Portugal. Nasceu em 1907, em Vila Real, e faleceu em 1995,
aos 87 anos. Ao longo da sua vida publicou mais de cinquenta livros. Recebeu vários
prémios importantes, sendo um deles o Prémio Camões em 1989 (“Miguel Torga” 1, s.d.),
um prémio atribuído a autores que contribuem para o enriquecimento do património
literário e cultural da língua portuguesa (“Prémio Camões”, s.d.). Miguel Torga foi o
primeiro escritor a ganhar este prémio, e também foi indicado para o Prémio Nobel da
Literatura.

Em 1928 entrou na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e publicou o


primeiro dos seus livros intitulado Ansiedade. A profissão de médico serviu para Torga
estar em contacto com os mais desfavorecidos, com quem teve sempre um
comportamento comprometido e solidário.

Reflete-se, em muitos dos seus poemas, uma inspiração genesíaca, ou seja, a sua
convicção que o Homem deve ser fiel à Terra que representa a base da vida,
personificando-a como um ventre materno. Para ele, a Terra é a ligação com o sagrado
(“Miguel Torga” 2, s.d.).

62
Torga criou o poema irónico "Fábula da Fábula" (ver Anexo 2), publicado no seu Diário
VIII em 1959 que é visivelmente uma versão crítica da fábula "A Cigarra e a Formiga".
Nesta versão, não é só a lição de moral que é contestada, mas também a pertinência do
género literário, sendo que o título – "Fábula da Fábula" – indica uma metapoesia (Costa,
s.d.: 4-5).

Comparativamente, a versão de Torga conservou alguns elementos da fábula original,


mas também alterou outros. Na primeira, os insetos são mantidos, mas Torga não
específica quantos nem quais, visto “que não vale a pena fixar o nome”. Um elemento
que desapareceu foram as estações do ano, tendo em conta que na versão original a
Cigarra canta no verão, e no inverno passa frio e fome. Também é omitido o pedido de
ajuda da Cigarra à Formiga na versão de Torga, mas, no entanto, o autor aproveitou o
final subentendido da versão original, e escreveu-o de forma explícita dizendo “que quem
cantava morria de fome”. Acrescentou ainda o final como forma de crítica e como
reviravolta escrevendo “que quem não cantava morria de fartura", fazendo assim uma
subversão relativamente à lição de moral original (id., ibid.).

Desta forma, compreende-se que apesar de a versão original criticar severamente aqueles
que não trabalhavam nem faziam provisões para o futuro, sentenciando-os à morte, Torga
reprova essa visão radicalista, e explicita que cantando ou não cantando, todos morremos,
ao que se pode afirmar que o poeta defende a Cigarra e condena a Formiga por procurar
a fartura.

3.4. A Versão de Pérez-Reverte

O escritor Arturo Pérez-Reverte Gutiérrez nasceu em Espanha, em 1951. Antes de


escrever romances, foi repórter de guerra em países como o Líbano e Moçambique, por
exemplo, durante vinte anos. Enquanto jornalista testemunhou situações extremas como
violações e torturas, sendo que tal acontecimento afetou a sua visão da existência,
tornando-a bastante pessimista e sombria, o que se reflete na sua escrita (“Arturo Pérez-
Reverte”, s.d.).

63
Pérez-Reverte desconsidera por completo a doutrina e a prática cristã, acreditando que a
visão do paganismo acerca do mundo é a mais louvável. Enquanto romancista, Reverte
explora frequentemente

[t]emas como o cansaço do herói, a aventura, a amizade, a viagem como perigo, a


morte [como a] última viagem, e a cultura e a memória como única salvação que
permite compreender a realidade, suportar a dor e conhecer a identidade da pessoa e
do mundo (“Arturo Pérez-Reverte”, s.d.).

No ano de 1998, o autor escreveu um artigo intitulado Canción de Navidad (ver Anexo
3), publicado no jornal espanhol El Semanal, com a intenção de criticar a fábula "A
Cigarra e a Formiga". Posteriormente, este mesmo artigo foi compilado no seu livro Con
Ánimo de Ofender, de 2001.

Tal como acontece na versão debatida no subcapítulo anterior, existem elementos da


fábula de Esopo que se mantêm, mas outros que sofreram alterações propositadas. Logo
no início, o escritor assume uma posição captatio benevolentiæ quando expressa que “[a]
lo mejor ya conocen la historia. O les suena”, crendo assim que diante tal declaração
sincera e aberta, os leitores não iriam censurar as suas falhas (“Captatio benevolentiæ”,
s.d.). Desta forma, Pérez-Reverte também destaca a questão da transmissão oral quando
refere “ouviram” em vez de “leram”, transformando assim a história num texto coloquial.

Nesta versão, e contrariamente à de Torga, o escritor explicita que as personagens


principais são uma “cigarra muy canalla” e uma “hormiga curranta”. Também as estações
do ano são evidenciadas no texto do novelista, tendo em conta que na história “hacía un
calor que se iba de vareta” enquanto a formiga ia “amontonando provisiones para el
invierno”. O final do conto demonstra toda a irreverência de Pérez-Reverte, e também
uma certa negação da tradição literária iniciada na Antiguidade, sendo que o autor não
faz nenhuma questão de ser fiel à lição de moral tradicional, por achar que a mesma já
não corresponde à verdade. Deste modo, termina o conto com uma grande reviravolta,
insinuando que o mesmo já está ultrapassado. Quando a Formiga pensa que se vai vingar
da Cigarra, esta bate-lhe à porta “vestida con un abrigo de visón que te cagas, y con un
Rolls Royce esperándola en la calle”. Em oposição ao que a Formiga pensava, a Cigarra
não lhe pede ajuda, mas despede-se dela porque havia conhecido um grilo rico que a ia
levar a viajar por todo o mundo. Então, a Formiga, revoltada, faz uma reflexão final:

64
[s]e me ha olvidado decirle a la cigarra que, ya que va a Grécia, pregunte si todavia
vive allí un tal Esopo. Un señor mayor, que escribe. Y si se lo encuentra, que le dé
recuerdos de mi parte. A él y a la madre que lo parió.

Para além disto, a versão pode ser denominada “irreverente” também pelo que pode ser
considerado o primeiro aspeto que se destaca inevitavelmente na sua leitura – o uso do
calão9 – uma característica constante na escrita de Pérez-Reverte. Com o calão, o autor
consegue atingir duas funções; a função de sobressaltar o leitor, no sentido de se certificar
que a sua atenção à leitura não esmorece; e a função humorística.

A crítica contida na fábula de Reverte não se destina exclusivamente às personagens, mas


à época em que se insere, fazendo assim uma alusão à conhecida cultura del pelotazo da
Espanha dos anos noventa. Este fenómeno consistia na crença da obtenção célere de
dinheiro, do culto da estupidez, do sucesso rápido e fácil, e da convicção que o trabalho
de nada servia.

Apesar de esta versão poder ser considerada uma adaptação do conto originário de Esopo,
o romancista não se autointitula como autor, mas como “repetidor” da fábula original
num registo puramente oral.

"A Cigarra e a Formiga" é uma história extremamente flexível uma vez que, conforme já
exemplificado, sem deixar de ser reconhecível, podem-se alterar as personagens
principais por outros insetos, a lição de moral, as estações do ano, o início ou o final da
história, por exemplo, e mesmo assim ela será sempre adaptada e inserida na época
pretendida, fazendo, todavia, todo o sentido, ensinando e demonstrando sempre mais
alguma coisa nova que ainda não havia sido transmitida. O conto prima pela sua
flexibilidade também no sentido em que é possível, conforme já exposto, a sua adaptação
em variadíssimos suportes e média diferentes.

9
A tradução do texto em questão para a língua portuguesa apresenta um grande desafio devido ao uso do calão.
Enquanto que em espanhol, será considerada uma escrita normal, sem provocar escândalo ou estranheza, tendo em
conta que é a realidade do espanhol falado nas ruas, o leitor português ficará bastante escandalizado. Os portugueses
estão habituados a uma “filtragem” da linguagem em que é proibido dizer palavrões, tal como na televisão ou na
rádio, sendo isto, na realidade, uma convenção. Portanto, numa possível tradução do texto de Pérez-Reverte para
português, existirá uma certa necessidade de recorrer a essa “filtragem” – como poderá ser visível na tradução em
apêndice.

65
Trata-se de uma história que cria a possibilidade de diferentes interpretações de acordo
com a já referida leitura ideológica, mas também devido ao passar dos anos, visto que
uma adaptação escrita no século XVII será alvo de uma interpretação no século XXI, por
exemplo.

Considerando o cerne do presente trabalho – as fronteiras da tradução – e toda a


argumentação nele exposta, pode-se concluir que a adaptação e a tradução estão separadas
por uma linha ténue, sendo frequentemente gerada uma confusão entre os dois conceitos,
dificultando a sua distinção.

A tradução pode ser definida como sendo a transmissão de um texto de uma determinada
língua para um texto de outra língua diferente, ou então, como sendo a transformação de
um texto para outro tipo qualquer de suporte ou média. Os vários e diferentes tipos de
adaptações da fábula expostos no presente trabalho, diferenciam-se consoante estas
definições. O ato tradutório, conforme já evidenciado, comporta processos como a
intersemiótica e a intermedialidade, onde um texto pode ser adaptado para uma música
ou para um ballet, e mesmo assim tratar-se de tradução. Consequentemente, mediante
todos os argumentos apresentados, pode-se considerar as manifestações da fábula
esopiana, instâncias de tradução.

Se apenas se entendesse a tradução interlinguística como a passagem de uma mensagem


do texto A para o texto B, as diferentes manifestações não seriam consideradas traduções.
Mas, de acordo com Susan Bassnett (apud. Guerini e Costa, 2006: 6), tradução não passa
apenas pela transferência de textos em idiomas distintos, e segundo Di Paola (2012: 2),
para além de a tradução ser a passagem de um idioma para outro, é também um processo
de transformação, recriação e reescrita. Então, alargando mais o espectro, e dizendo que
uma tradução é qualquer texto representativo de um outro texto, então as diferentes
manifestações são traduções da fábula esopiana, o que coincide com a visão de Guerini e
Costa (2006: 5) de que a adaptação de um texto para um filme, para uma música, por
exemplo, se trata de tradução. O tradutor não só recria o texto numa língua diferente, mas
também consegue readaptar, re-imaginar, remodelar, reconstruir o próprio texto, e adapta
o tema, espaço, tempo e os conceitos da língua de origem para a língua de chegada. Muitas
vezes, na tradução existe um propósito de reatualizar o texto, ou seja, um texto antigo
pode ser traduzido, nos dias de hoje, atribuindo-lhe uma interpretação conforme a

66
realidade em que vivemos. Deste modo, o texto de origem mantém-se, mas consegue
abranger o leitor de uma forma diferente.

À luz do ponto de vista de Edward Sapir (apud. Bassnett, 1991: 13), a tradução depende
e existe em consonância com a sociedade, não existindo uma sem a outra. Assim, para
que uma tradução e/ou adaptação faça sentido, elas têm de ir de encontro com a cultura-
alvo, podendo-se afirmar que é o que acontece com todas as adaptações expostas no
presente trabalho. A título de exemplo, La Fontaine usou a fábula de Esopo para criticar
a “sua” corte, e, fora dessa sociedade, a sua versão não surte o mesmo efeito.

As diferentes adaptações da fábula também podem ser consideradas instâncias de


tradução à luz do pensamento de Roman Jakobson e da “sua” tradução intersemiótica.
Este tipo de tradução, conforme já definido, rege-se pela passagem de um sistema de
signos para outro completamente diferente, sendo um tipo de tradução que representa o
texto original através do texto traduzido. A obra Pictures at an Exhibition – anteriormente
referida – tornou-se num exemplo puro de tradução intersemiótica, na qual as suas
adaptações, tal como as diferentes manifestações da fábula esopiana, possibilitaram a sua
disseminação e reconhecimento ao longo dos tempos.

Assim, torna-se evidente que a fábula "A Cigarra e a Formiga" é um verdadeiro exemplo
de inspiração para variadíssimas adaptações, nas quais, apesar do cunho próprio dos
artistas, existe uma preocupação em difundir a mensagem de Esopo, mesmo que com
pequenas alterações. Deste modo, à luz do ponto de vista de Botelho (2016: 15), que
refere que na adaptação é introduzida a perspetiva que cada tradutor tem da vida, e
juntamente à luz do ponto de vista de Dias (2015: 72) de que adaptar é propagar a
mensagem do texto de origem, também se pode considerar as diferentes manifestações
abordadas no presente trabalho como instâncias de tradução.

67
Conclusão

Após uma necessária e pertinente contextualização, o presente trabalho teve porém como
objetivo, mais do que uma caracterização da fábula enquanto género literário – tarefa aliás
quase ciclópea, atendendo à multiplicidade de manifestações em diversas culturas e
períodos históricos – a análise da sua articulação com a tradução, no sentido amplo em
que ela é entendida atualmente pelos Estudos de Tradução, evidenciando, através de uma
abordagem que não pôde deixar de ser diacrónica, alguns exemplos das variadas
configurações, em diferentes meios e suportes, que a fábula adquiriu em certos períodos
nos quais teve particular destaque.

A fábula é, portanto, um dos géneros literários com maior longevidade ao longo dos
tempos. Surgida na Antiguidade com uma finalidade exclusivamente didática, na Idade
Média passou a ser utilizada como meio de difusão de exemplos morais e de normas
cristãs, até cair num certo menosprezo durante a Idade Moderna, ao ser considerada
apenas própria para mentes incultas e fúteis. Foi preciso assim esperar até à Idade
Contemporânea para, devido fundamentalmente à pena de La Fontaine, a fábula recuperar
o prestígio de outrora e ser reincorporada ao cânone literário.

Como é fácil perceber, a fábula sofreu diversas transformações através dos séculos, tanto
na forma e no tom, como na função desempenhada e no público-leitor. Contudo, as
principais caraterísticas nucleares – que permitem a adscrição ao género de textos muito
díspares – mantiveram-se quase sempre constantes, i.e., o uso de animais com
comportamentos e sentimentos humanos e a intenção do autor de retratar os vícios dos
seus contemporâneos.

Hoje em dia, tantos séculos depois de terem sido criadas, as mesmas fábulas continuam a
ser adaptadas, reescritas, transmutadas ou, em última instância, traduzidas. É por esse
motivo que se trata de um género particularmente rico para ilustrar de que forma se podem
aplicar as diversas conceções mais atuais daquilo que constitui tradução. Afigurou-se,
portanto, importante abordar alguns exemplos que pudessem representar exemplos de

68
tradução intersemiótica e intermedial, tentando, se possível, examinar as fronteiras entre
estas e a tradução interlinguística no sentido mais ortodoxo.

O presente trabalho pretendeu recolher da literatura recente as principais definições destas


modalidades de tradução. Assim, enquanto na tradução propriamente dita parece
enfatizar-se a preservação do conteúdo do texto (a "mensagem") e da maior quantidade
possível de caraterísticas formais, a adaptação é entendida como um processo de reescrita
que, embora sem quebrar a relação entre texto de partida e texto de chegada, produz
mudanças significativas a diversos níveis (formais, estruturais e estilísticos, entre outros).
Por outro lado, a tradução intersemiótica refere-se à passagem do texto para um sistema
de signos diferente, podendo existir imbricações e entrecruzamentos entre diversos
códigos, nomeadamente do verbal para o não verbal (música, artes visuais) e vice-versa.

Por ser uma das fábulas mais populares, "A Cigarra e a Formiga" tem tão grande
variedade de manifestações que é possível encontrá-la traduzida, adaptada ou
transformada nos mais diversos média e nos mais diversos suportes, oferecendo
incontáveis exemplos de praticamente todos os tipos de tradução. O corpus escolhido na
presente dissertação, atendendo aos limites no alcance desta e às línguas de trabalho da
autora, tentou dar amostras, tão variadas quanto possível, dessas múltiplas configurações.

Este estudo não teria sido possível antes da frequência do Mestrado em Tradução e
Interpretação Especializadas do ISCAP. Este curso revelou-se fundamental para
ultrapassar as noções mais conservadoras e restritivas da tradução e alargar os horizontes
desta atividade a áreas antes não imaginadas. Se, para esta autora, traduzir sempre foi
entendido como o estabelecimento de pontes entre línguas e culturas, hoje é possível
afirmar que essas pontes se tornaram mais amplas, mais variadas e infinitamente mais
enriquecedoras.

Tal enriquecimento comporta, contudo, a responsabilidade, quase a obrigação, de


continuar a explorar novos caminhos. Um desses caminhos poderá passar por aprofundar
as formas expressivas adotadas pela fábula na cultura de língua portuguesa, analisando
de que forma ela pode ter contribuído para a construção do nosso património literário e
artístico.

69
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3. Bibliografia Complementar

Baker, M. (1998). In Other Words: A Coursebook on Translation. London: Routledge.

Baker, M., & Malmkjær, K. (Eds.). (2001). Routledge Encyclopedia of Translation Studies.
London: Routledge.

“Fabliaux”. Wikipedia, la enciclopedia libre, recurso eletrónico disponível em


<https://es.wikipedia.org/wiki/Fabliaux>, acedido em 16 de dezembro de 2016.

83
“O Romance de Renart”. Biblioteca Digital Mundial, recurso eletrónico disponível em
<https://www.wdl.org/pt/item/594/>, acedido em 16 de dezembro de 2016.

“Período Arcaico”. Wikipédia, a enciclopédia livre, recurso eletrónico disponível em


<https://pt.wikipedia.org/wiki/Per%C3%ADodo_Arcaico>, acedido em 14 de fevereiro de 2017.

“Romance da Rosa”. Wikipédia, a enciclopédia livre, recurso eletrónico disponível em


<https://pt.wikipedia.org/wiki/Romance_da_Rosa>, acedido em 16 de dezembro de 2016.

84
Anexos

Anexo 1 – Félix María Samaniego, "La cigarra y la hormiga",.

85
86
Anexo 2 – Miguel Torga, "Fábula da fábula"

Era uma vez


uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda a gente
Inteligente
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.
E, realmente…
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.

87
Anexo 3 – Arturo Pérez-Reverte, "Canción de Navidad"

88
89
90
Lista de Anexos em Formato Digital

Anexo Digital 4 – Trecho de Hommage à Jean de La Fontaine, de Ida Gotkovsky, para


coros mistos e orquestra, registo de 1995.

Anexo Digital 5 – Trecho de Femmes en fables (1999), de Isabelle Aboulker, para voz
aguda e piano.

Anexo Digital 6 – Curta-metragem The Grasshopper and the Ants, de Walt Disney
(1934).

Anexo Digital 7 – The Grasshopper and the Ant, curta-metragem de Lotte Reiniger
(1954).

Anexo Digital 8 – Episódio de The Muppet Show (1977).

Anexo Digital 9 – La C et la F de la F, bailado de 2004 coreografado por Herman


Diephuis.

91
Apêndice

Cantiga de Natal

Provavelmente já conhecem a história. Ou soa familiar. Era uma vez uma formiga, a típica
gaja trabalhadora, que não parava até ficar com a língua de fora a carregar grãos de trigo,
e tudo mais que podia, para o seu formigueiro, enquanto transpirava rios de sal, castigada
pelo sol de agosto. A fulana ia e vinha, para lá e para cá, com aquela seriedade metódica
e disciplinada que têm as formigas comme il faut, a acumular mantimentos para o inverno.
Ia tão atarefada que até passava por um musculado formigo, e nem se apercebia que o
fulano lhe dizia certas coisas. Até já, boazona, mandava-lhe piropos, a roçar-lhe com as
antenas. Pudera abrir-te as seis patas de uma vez. E ela, carregada com o seu grão de trigo
ou a sua folhinha de salsa, continuava o seu um-dois, um-dois, obcecada com o
abastecimento da despensa, porque rápido chegava o inverno e vai-se lá saber.

Todos os dias, a formiga passava à frente de uma cigarra que tinha uma cara de pau... A
gaja passava o tempo todo de papo para o ar debaixo de um arbusto de alecrim,
acompanhada da guitarra a cantar canções do Salvador Sobral e essas coisas. Amar pelos
dois, dizia a idiota, a gozar da pobre formiga quando esta passava por perto. Às vezes,
quando tinha fumado um paiva e ficava mais alterada, massacrava a formiga até mais não
poder. Até já, proletária, trotskista, dizia-lhe a cabra. Vais ter um AVC. Noutras alturas,
partia-se a rir às gargalhadas, e atirava joaninhas à formiga, se não fosse mais, só para
chatear, e dizia-lhe anda pela sombra, suada, que trabalhas mais que o Diogo Morgado.
Deves ser otária para andar a descer e a subir a carregar trigo, com o calor que está. És a
estupidez em pessoa.

A formiga, claro, ficava com umas trombas até ao chão. Às vezes parava e ameaçava a
cigarra com um manguito. Vai chupá-la a alguém, dizia. E respondia a cigarra: pois ouve,
se calhar vou, já que tu não tens tempo. Outras vezes ignorava-a a ranger os dentes, ou o
que for que têm as formigas na boca. Não tarda a chegar o inverno, resmungava arqueada
sob a sua carga. Não tarda a chegar o inverno, filha da mãe, e vais ver o que é bom para

92
a tosse. Tu canta, canta. Aquele que em agosto canta, em dezembro não janta. Mas a
cigarra partia-se a rir às gargalhadas.

Chegou o inverno e, como era previsível, caiu uma montanha de neve. E a formiga
reconfortava-se no seu formigueiro quentinho, junto ao aquecedor, e contemplava a
despensa cheia. E pensava: agora vai aparecer aquela cabra pedir abrigo, morta de fome
e de frio. Agora virá fazer-se de coitadinha para eu ter pena dela. Mas que se ponha fina
comigo, que eu não lhe abro a porta. Ela fica lá fora e aqui não entra.

Então, estava a formiga de roupão e chinelos, com a televisão ligada a ver O Preço Certo,
e a campainha toca. A formiga levanta-se devagar, a disfrutar do momento, enquanto
esfregava duas das suas patas com ar maquiavélico. Aqui está a porca, pensa. Cheia de
fome e de frio. Vamos ver se agora ainda tem vontade de cantar. Mas a verdade é que,
mal abre a porta, fica especada pela surpresa: na entrada, está a cigarra vestida com um
casaco de visom que até te passas, e com um Rolls Royce à espera dela na rua.

- Vim despedir-me – anuncia a cigarra –, porque enquanto tu trabalhavas, eu engatei um


grilo do CDS que está podre de rico. Mas mesmo podre, meu.

- Não acredito – disse a formiga, estupefacta.

- Juro-te. E Manolo (porque o grilo chama-se Manolo e é um fofo) tirou-me das ruas e
deu-me um apartamento que até alucinas, vizinha. E agora vou a Londres gravar um disco.

- A sério?

- É mesmo. E depois o Manolo vai levar-me a fazer um cruzeiro pelo Mediterrâneo, tu


sabes: Itália, Turquia, Grécia… Eu mando-te um postalzinho de vez em quando. Chao.

A cigarra ajeita-se então o colarinho do visom e entra no Rolls Royce. A formiga fica em
choque à porta e depois fecha-a devagarinho. Volta pensativa para o aquecedor e para a
televisão, senta-se, olha para a despensa, depois olha outra vez para a porta. E recorda-se
daquele formigo do verão, que acabou por juntar os trapinhos com outra formiga sua
amiga, uma tal de Matilde. Porra, pensa. Esqueci-me de dizer à cigarra que, já que vai à

93
Grécia, pergunte se ainda vive por lá um tal de Esopo. Um escritor com alguma idade. E
se o encontrar, que lhe dê os meus melhores cumprimentos. A ele e à mãe que o pariu.

Versão portuguesa de Fabiana da Silva Pereira,


a partir do texto "Canción de Navidad" de Arturo Pérez-Reverte

94
Índice de Autores

Aftónio de Antioquia, 44 George Orwell, 17


Alciato, 14 George Topîrceanu, 47
Ambrose Bierce, 16 Georges Monca, 55
André Caplet, 52 Gustave Doré, 50
Antal Dorati, 52 Helmut Arntzen, 17
Anton Rubinstein, 47 Henri Sauguet, 57
Apuleio, 10 Henrietta Rae, 54
Aristóteles, 39 Herman Diephuis, 58
Arturo Pérez-Reverte, 18, 45, 48, 57, 63, 64, Hesíodo, 10
65 Hieronymus Osius, 44
Bábrio, 10, 11, 44 Homero, 9, 57
Baudelaire, 41 Horácio, 10, 39, 40
Baumgarten, 40 Horst Frenz, 31
Beatrix Potter, 17 Íbico de Régio, 10
Candidus Pantaleon, 44 Ida Gotkovsky, 52
Charles Lecocg, 52 Ignacy Krasicki, 15
Charles Trenet, 52 Ignaz Stern, 53
Cicero, 21 Irmãos Grimm, 14
Concepción Arenal de Carrasco, 16 Isabelle Aboulker, 52
Cristóbal de Beña, 16 Isopete, 12
Demétrio de Faleros, 10 Ivan Krylov, 16, 47
Dezső Kosztolányi, 52 Jacob Lawrence, 55
Dmitri Shostakovich, 47 Jacques Offenbach, 52
Dositeo, 12 Jacques-Melchior Villefranche, 48
Edmond Audran, 53 James Joyce, 49
Edouard Bisson, 54 James Thurber, 17
Énio, 10 Janosch, 51
Eric Jacobsen, 30 Jean Anouilh, 17, 48
Esopo, 6, 8, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 44, 45, Jean Chollet, 17
46, 47, 57, 61, 62, 64, 65, 67 Jean de La Fontaine, 5, 14, 15, 44, 45, 60, 61,
Eustache Deschamps, 44 67
Fedro, 6, 8, 10, 11, 15, 16, 61 Jean Vernon, 58
Félix María Samaniego, 8, 15, 16, 45, 50, 52, Jean-Jacques Boisard, 50
59, 60, 61, 62 Jehan Georges Vibert, 54
Félix-Sébastien Feuillet de Conches, 49 Jim Quinn, 49
Ferdinand Poise, 53 John Gay, 15, 61
Ferenc Farkas, 52 John Updike, 51
Fernando Badía, 16 Joris-Karl Huysmans, 41
Flávio Aviano, 11, 44 José Rosas Moreno, 16
Florian, 8, 15 Joseph Jongen, 52
Francis Poulenc, 57 Juan Eugenio Hartzenbusch, 5, 16
Francoise Sagan, 51 Jules Massenet, 57
Friz Freleng, 56 Jules-Joseph Lefebvre, 54
G. Ephrain Lessing, 15, 17, 40 Karim Al-Zand, 53
Gabriele Faerno, 44 Ladislas Starevich, 47
Georg Wilhelm Friedrich Hegel, 41 Lauretius Abstemius, 46
George Méliès, 55 Lefteris Kordis, 60

95
Leo Spitzer, 42 Renato Molinari, 55
Leon Rosselson, 52 Roland Bacri, 49
Leonardo da Vinci, 14 Roman Jakobson, 23, 24, 25, 26, 29, 31, 32,
Lotte Reiniger, 56 67
Louis Feuillade, 55 Romulus, 12
Luis Alfonso de Carvalho, 39 Rudolf Kirsten, 17
Manuel Mendes da Vidigueira, 16 Rudolf Koumans, 52
Marie de France, 12, 46 Sá de Miranda, 14
Marie-Madeleine Duruflé, 52 Sabatino Scia, 18
Mario Caserini, 55 Sebastián Mey, 15
Mário Castelnuovo-Tedesco, 19 Semónides de Amorgos, 10
Michelle Malkin, 50 Shawn Allen, 53
Miguel Torga, 18, 45, 57, 62, 63, 64 Simónides de Ceos, 39
Mussorgski, 19 Slade and Toni Morrison, 47
Napoleão, 14 Sólon, 10
Passeroni, 15 Syntipas, 12, 44
Paul Gauguin, 54 Theodore Savory, 30
Pierre Perret, 48 Théophile Gautier, 41
Pierre-Louis Ginguené, 47 Thomas Bewick, 47
Platão, 39 Tomás de Iriarte, 8, 15, 16
Plínio, o Velho, 39 Tristan Corbière, 48
Plutarco, 39 Victor Gabriel Gilbert, 55
R. Tagore, 16 W. Somerset Maugham, 49
Rabelais, 15 Walt Disney, 49, 56
Ramón de Basterra, 17 Winckelmann, 40
Ramón de Campoamor y Campoosorio, 16 Wolfdietrich Schnurre, 17
Ravel, 27 Xavier Benguerel i Godó, 53

96

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