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Nos últimos anos, muito foi falado sobre uma possível intervenção militar no Brasil. Quando
assuntos deste tipo começam a florescer é importante refletirmos sobre a história da democracia
no nosso país. Então, você já parou para pensar em como ocorreu a redemocratização no
Brasil e quais são seus impactos na atualidade?
Nesta leitura, iremos discutir sobre isso. Para fazer esse caminho, é interessante começarmos
pelo cenário no qual o golpe de 1964 ocorreu e ver, brevemente, a dinâmica política desse
período.
Em meio a essa tensão internacional, o Brasil, em 1961, passava pelo governo de João Goulart,
popularmente conhecido como Jango. Seu governo teve como pauta questões que atendiam
demandas populares, como a realização da reforma agrária e o reajuste salarial. Por conta disso,
seu governo não agradou a elite e a direita brasileira, a qual era representada pelo partido UDN e
que vinha perdendo as eleições presidenciais desde 1945.
Com isso, diversas forças sociais apoiaram o golpe militar de 1964: militares, grupos políticos de
direita e civis. Os protagonistas do golpe não se juntaram por uma afinidade ideológica, mas sim
como uma maneira de tirar a esquerda do poder. Além disso, por conta do medo instaurado na
sociedade civil, muitos apoiaram o golpe por uma descrença em uma vertente política, o
socialismo e a esquerda como um todo. Por esse motivo, a ditadura militar brasileira foi marcada
por uma não uniformidade, a qual se observa nas diferentes visões que os grupos que fizeram
parte do golpe tinham no momento que assumiram o poder.
Exemplo dessa situação é a ideia da duração do regime. Grupos políticos de direita, como o
partido UDN, acreditavam que a presença dos militares no poder seria passageira até que a
ordem no país estivesse reestabelecida. Mesmo uma ala dos militares, chamada
moderada, também pensava que esse era o caminho. No entanto, durante os primeiros anos do
regime, a chamada linha dura dos militares se fortaleceu e assumiu o poder em 1968. Essa ala
visava eliminar a oposição e limitar a vida pública, além de acreditarem que não era o momento
de devolver o poder para os civis. Com isso, ocorreu o endurecimento do regime.
A redemocratização do Brasil
No contexto de disputas internas que perdurou toda a ditadura, a transição para o regime
democrático começou a dar sinais no governo de Ernesto Geisel – penúltimo presidente militar e
representante da ala moderada.
Essa situação aconteceu por iniciativa do próprio governo que viu nas eleições legislativas de
1974 a perda da legitimidade do regime. Isso porque o resultado das eleições foi favorável ao
MDB – único partido da oposição permitido pelo regime militar.
Além disso, na mesma época, ocorreu a rearticulação dos movimentos sociais. Dessa maneira, o
governo queria ter, e teve, o controle sobre a transição, pois encontrou nela uma forma de
negociar algumas questões com a oposição em troca da abertura do regime. Um exemplo disso
foi a decisão de não julgar os crimes contra os Direitos Humanos, especialmente os de tortura,
cometidos durante a ditadura. Além disso, ao controlar a transição, o governo conseguiu se inserir
no novo regime e, portanto, se manteve no poder.
Assim, ocorreu no Brasil a chamada transição negociada, a qual é marcada pelo controle do
processo feito pelo governo militar através de constantes mudanças nas regras políticas. Vale
lembrar que uma transição negociada significa que a redemocratização brasileira aconteceu por
meio de um acordo feito entre os moderados da oposição e do regime: a abertura política
ocorre e em troca os interesses militares não são feridos.
Lei da Anistia
Um exemplo claro da transição negociada é a Lei da Anistia, promulgada em agosto de 1979 pelo
presidente João Batista Figueiredo. De acordo com o primeiro artigo desta lei,
A lei considera crimes conexos aqueles que se relacionam com crimes políticos ou que são
cometidos por uma motivação política. Contudo, a lei exclui do benefício aqueles que cometeram
crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.
Desse modo, a lei perdoou os crimes cometidos pelos militares durante o regime militar, não
promovendo, portanto, um julgamento e nem uma eventual condenação desses crimes.
No entanto, ao mesmo tempo, a lei trouxe benefícios para a sociedade civil. Já que concede
anistia àqueles que tiveram seus direitos políticos restringidos por conta dos Atos Institucionais e
Complementares. Além disso, ela prevê o retorno à vida política-partidária dos anistiados, desde
que seja em partidos legalmente constituídos.
Assim, percebemos que a Lei da Anistia trouxe contribuições para a sociedade civil, mas, ao
mesmo tempo, promoveu o perdão para os crimes cometidos pelos militares, além de
permitir que estes voltassem para a vida política.
Vemos, então, que não foi feito um debate político sobre o regime entre a oposição e o governo,
ou seja, não foram discutidas as políticas adotadas pelos militares – desde questões econômicas
e sociais até os crimes de tortura. A falta dessa discussão gerou impactos na nossa política e
sociedade que se estendem até hoje.
O discurso adotado por essas pessoas era de que os militares restabeleceriam a ordem no país –
retomando o crescimento econômico e diminuindo a taxa de desemprego – e expulsariam todos
os corruptos, algo parecido com o que foi veiculado no contexto do golpe de 64.
Esse discurso – observado nos cartazes dos manifestantes – parte da ideia de que, apesar da
falta de liberdades civis, as “coisas funcionavam” durante a ditadura. Há uma idealização do
regime no sentido de que muitos acreditam que nessa época não existia corrupção no país! No
entanto, o que sabemos é que muitas obras grandiosas foram realizadas sem ter um objetivo
prático. Exemplo disso é a Transamazônica que nunca terminou de ser construída, além de ter
tido como consequência as disputas agrárias na região, e a expulsão e morte de milhares de
indígenas.
Além do fato de não terem um objetivo prático, parte do dinheiro para construir essas obras veio
de empréstimos concedidos principalmente pelos EUA. Fato que gerou uma grande dívida
externa ao Brasil, a qual se acentuou com o aumento de juros durante o governo de João
Figueiredo.
Vale lembrar: Ustra foi o chefe do DOI-CODI entre 1969 e 1974. DOI-CODI foi como ficaram
conhecidos o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e o Destacamento de
Operações de Informações (DOI). Esses órgãos estatais foram criados por diretrizes do
Exército e tinham como objetivo centralizar e organizar as ações repressivas aos contrários ao
regime. Ustra foi acusado pela morte e pelo desaparecimento de, pelo menos, 60 pessoas.
Além disso, ao menos 500 casos de tortura foram cometidos enquanto chefiou o DOI-CODI.
Portanto, a aberta exaltação de um torturador pode ser entendida como um reflexo do processo
de redemocratização brasileira, que nunca puniu os crimes da Ditadura Militar.
A Comissão Nacional da Verdade (CNV) é um órgão temporário criado por países com o intuito
de investigar violações aos Direitos Humanos que ocorreram no país. Dessa forma,
geralmente é estabelecido em Estados que passaram por períodos autoritários e, assim, contribui
para o fortalecimento da memória da ditadura militar.
Vários países latino-americanos realizaram a CNV após o fim de seus respectivos regimes
ditatoriais, como o Chile, a Argentina e o Brasil. No Chile, a Comissão da Verdade foi instituída
logo depois de seu processo de redemocratização e tinha como objetivo investigar os crimes
cometidos durante o governo de Pinochet (1973-1990). Assim como no Chile, na Argentina, a
CNV foi instaurada logo após o fim da ditadura com o intuito de investigar o desaparecimento de
pessoas. Já no Brasil, as coisas ocorreram de forma um pouco diferentes.
A CNV brasileira foi criada pela Lei 12528/2011, sendo oficialmente instituída em maio de 2012.
Desse modo, somente depois de quase 30 anos que a ditadura militar havia acabado, o Estado
brasileiro criou o órgão. Isso favoreceu também o enfraquecimento da memória das pessoas
sobre esse período, afinal muito tempo se passou até que uma investigação sobre o período
fosse conduzida.
Além disso, diferentemente da Argentina, a CNV brasileira não possui força judicial por conta da
Lei de Anistia, ou seja, ela não possui o poder de punir ou condenar qualquer pessoa que
tenha violado os Direitos Humanos no regime ditatorial. Nesse sentido, a investigação teve
como propósito o conforto às famílias, prestar esclarecimentos à população e elaborar
documentos para estudos.
A Comissão Nacional da Verdade brasileira durou até 2014 e foi um importante instrumento de
esclarecimento sobre questões relacionadas a este período: muitos crimes e casos de tortura
vieram à tona graças à Comissão Nacional da Verdade.
Seu relatório final foi entregue em dezembro e contou com informações sobre os métodos de
tortura, execuções e desaparecimento de cadáveres, além das informações sobre detenções
ilegais e os desaparecimentos forçados. Além disso, no relatório ainda consta: depoimentos de
mulheres violentadas; de mães que perderam os filhos; de militantes políticos que perderam seus
companheiros; de advogados que andavam de lá para cá o dia todo com uma máquina de
escrever em um carro para defender os detidos; de assassinos que descrevem como matavam
impiedosamente. Descrevem-se ainda os lugares de tortura, as celas, as empresas envolvidas e
as ramificações internacionais da repressão brasileira (…)
Por conta da sistematicidade e da escala que esses crimes contra a humanidade foram
cometidos, o relatório final entende que não são passíveis de anistia e pede punição aos 377
agentes do Estado – pela primeira vez nomeados – que foram acusados de cometer esses
crimes. Contudo, o pedido não foi levado adiante.
Assim, a Comissão Nacional da Verdade contribuiu para que a memória da ditadura militar
brasileira fosse fortalecida e fez isso tanto pela divulgação dos crimes cometidos, ainda que tenha
havido punição, quanto pelo material que forneceu para estudos sobre o período.