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Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
Transição Império –
República: “Mitos e Verdades”
• Introdução;
• O Século XIX e a Ideia de República;
• D. Pedro II – Um Carismático se Equilibrando no Trono;
• Do Manifesto Republicano de 1870 à Convenção de Itu de 1873;
• O Positivismo e a Causa Republicana;
• A Maçonaria na Causa Republicana;
• As Crises que Colocaram a Monarquia em Xeque;
• Uma República para os Bestializados;
• Proclamando a República;
• Considerações Finais.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
· Estudar e interpretar criticamente o movimento republicano para en-
tender se as elites da política brasileira tinham ou não a intenção de
proclamar a República no crepúsculo do século XIX.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.
Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.
Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.
Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;
No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Contextualização
Refletindo o passado através de ações do presente!
Caros alunos, por favor façam o cadastro no site do jornal Folha de S. Paulo, ele será muito
Explor
importante para futuras indicações de textos para contextualização e ou para suas Atividades
e Pesquisa. O texto indicado a seguir, para quem ainda não teve acesso, é muito importante!
Entrevista com a Consulesa francesa Alexandra Baldeh Loras, francesa, negra e estudiosa
do fenômeno da discriminação na França do slogan “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Disponível em: https://goo.gl/fxt3jn
Alexandra afirma que “a França ainda precisa se assumir como nação multicultural
e multirracial” para evitar que alguns de seus filhos de ascendência árabe e africana
não sejam “adotados pelo terrorismo”.
A seguir, trechos da entrevista concedida dois dias depois do ataque que matou
12 jornalistas do “Charlie Hebdo” e na tarde do sequestro que acabou na morte de
quatro reféns.
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Um Nome Familiar
Quando vi nos telejornais que o sequestrador do supermercado kosher em Paris
se chamava Coulibaly, fiquei rezando para que não fosse um dos meus primos.
É um sobrenome comum na África. O terrorista que matou quatro reféns não era
meu parente, mas é como se fosse. É negro e francês como eu. O que aconteceu
na vida dele para que se tornasse tão violento?
Ouvi e li nas redes sociais muitas reações violentas: “esses animais, selvagens,
negro sujo, árabes imundos...”. A lista de insultos é longa, mas gostaria de convidar
a todos a se perguntarem o que levou esses franceses a cometer tais crimes he-
diondos. Os terroristas passaram alguns meses no Iêmen sendo treinados e várias
décadas na França. Então, a base da identidade deles é francesa.
Foi uma dor imensa crescer na França como negra. Sou de origem muçulmana,
já que meu pai é da Gâmbia, um país da África Ocidental. Nasci em Paris, de mãe
francesa, branca e católica.
Je Suis Charlie
É muito fácil dizer ‘Eu Sou Charlie’. Eu gostaria que todos fossem Charlie tam-
bém quando jogaram o coquetel molotov na Redação anos atrás. Quando eles de-
senhavam Maomé de quatro. Quando Phillipe Val [ex-editor] foi vítima de violência
da extrema direita. Quando o Charb [Stéphane Charbonnier, diretor da publicação
morto no ataque] precisou de escolta policial por oito anos. Não é ser Charlie só
hoje, quando houve a morte deles.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Após os ataques, tenho escutado: “Temos que matar esses terroristas”. Vamos ma-
tar como eles mataram? É essa a solução? Sou contra a pena de morte. Gostaria de
conhecer as reivindicações deles. Por que se tornaram loucos assim? Por que caíram
no extremismo?
Para eles, talvez, nós é que sejamos terroristas. Quantas atrocidades foram come-
tidas nas ex-colônias? Pegaram argelinos, marroquinos, senegaleses para lutar pela
França e defendê-la para ser um país livre. Aprendi na escola que eram voluntários.
Hoje, documentários mostram que não tiveram escolha, as famílias eram ameaçadas.
Há um lado da história da França muito obscuro, que ela não quer assumir.
A pátria mãe francesa parece ter esquecido os 400 anos de escravidão e 300
de colonização. A França ainda não se desculpou pelas dores imensas que causou
na África. Precisa se aceitar como sociedade multicultural e multirracial. E hoje
ela não quer assumir esses filhos. Eu me coloco entre eles. Nos sentimos rejei-
tados. E me refiro aos africanos, aos árabes, aos asiáticos e aos judeus também.
A todas as minorias.
Pai Terrorismo
E quando um filho não tem pai, ele pode ter outro que o acolhe e lhe dá im-
portância. O “pai terrorismo” pegou alguns desses filhos e deu a eles o senso
de pertencimento a um grupo, lhes deu espaço, comida e dinheiro. Precisamos
tentar resgatá-los.
Falam: “Ah, eles não se integraram”. Eles têm que adivinhar como se integrar?
A riqueza da cultura deles não tem que desaparecer. É a riqueza da França.
É preciso ter coragem de pesquisar sobre esses jovens que vão para a Al-Qaeda.
Saber o que vai pela cabeça deles para trilhar esse lado da escuridão. Do que eles
precisam para se sentir parte do povo francês?
Sempre que abrem espaço para o debate sobre a França multirracial e multicul-
tural convidam rappers e jogadores de futebol para falar, que nem sempre estão
preparados para debater com o outro lado. Quase nunca convidam intelectuais.
Só o Tariq Ramadan [professor da Universidade de Oxford, de origem Egípcia e
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autor de “Radical Reform, Islamic Ethics and Liberation”], que é muito inteligen-
te, mas sempre pegam frases dele fora de contexto.
É como dar muito espaço para Michel Houellebecq [escritor francês que acaba
de lançar “Submissão”, livro sobre uma França governada por um partido muçul-
mano em 2022].
É assim que criam um mundo muçulmano que eu não vejo ao meu redor.
Entre todos os meus amigos e na minha família, ninguém é extremista. Eles não
acham o lugar deles na sociedade francesa nem na África. Quando vão pra lá,
tampouco são bem-vindos.
Monocromática
No poder e na televisão também, onde trabalhei como jornalista e apresenta-
dora nos canais France 3 e TF1, sempre era a única negra. Aprendi muitas coisas
tendo esse olhar de “infiltrada”.
A França é ainda uma espécie de monarquia. Cortaram a cabeça do rei, mas ele
ainda vive na elite oligárquica. Houve a revolução de 1789, mas todo o espectro
atual de líderes empresariais e políticos é aristocrata. Eles não representam a diver-
sidade da França de hoje.
Muitos falavam: “Ah, você é parte da cota?” Eles selecionam alguns alunos dos
guetos que tiveram notas excelentes. Pensam que cheguei lá como parte desse pro-
grama. Respeito muito os cotistas, mas não percebem que me insultam ao concluir
que uma negra não pode entrar lá por outro caminho.
Invisibilidade
Fiz meu mestrado sobre a invisibilidade dos negros na televisão francesa.
Quando vamos sair dos estereótipos? Tenho 50% de sangue branco, mas minha
pele é negra. Tenho 50% de sangue africano e meu filho é louro. A pele de meu
pai era de ébano. É um desafio ser mãe de um negro que é branco de pele.
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Vejo no Brasil um racismo diferente. Quando vou ao clube com meu filho, me
olham torto porque não estou usando branco como as babás.
Comecei a dar palestras nas escolas públicas daqui para trabalhar a autoestima
das crianças de cor. Falo dos inventores e das grandes figuras negras. Aqui também
os negros só são retratados dentro do estereótipo: no esporte, na música e no
crime. Falo para os estudantes o que gostaria de ter ouvido na escola, mas que só
descobri aos 30 anos no meu mestrado sobre o tema: a geladeira foi inventada por
um negro, assim como a antena parabólica e o marca-passo.
A Babá
Os brancos têm que se olhar e ver os privilégios que têm. Precisam entender
o que é ser negro ou árabe diariamente. E o que vem com isso, quando se está
procurando um apartamento para alugar ou concorrendo a uma vaga de emprego.
O que é muito triste é que temos um marketing ótimo: a França defensora dos
direitos humanos, a França da “igualdade, liberdade e fraternidade”. Onde você vê
igualdade e fraternidade? Quem tem liberdade de expressão? Só um lado.
Ao investigar essa realidade, descobri que eles existem, sim, e que potencial e
talento não têm nada a ver com a quantidade de melanina na pele. Precisamos re-
parar e aliviar a dor que nossa sociedade gera sem que nem percebamos. E tentar
entender quanto é nossa responsabilidade ter criado esses monstros.
de expressão na França, mas não estavam no evento que mobilizou milhões de pessoas, e
sim em uma rua paralela para “tirar” a foto estampada pela “Grande Imprensa” mundial.
Matéria disponível em: https://goo.gl/RQ2tbe
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Imagem dos Líderes em Protesto na França foi Montada
Fotos estampadas em jornais de todo o mundo sugeriram que líderes mundiais
estavam à frente da marcha em Paris. Mas eles na verdade estavam em uma outra
rua, isolados e protegidos por seguranças.
Quem viu as fotos dos líderes mundiais estampadas nas capas de sites de notícias
e jornais pode ter tido a impressão de que eles estavam à frente da gigantesca mar-
cha que tomou conta das ruas de Paris neste domingo (11/01). Mas, na verdade, as
fotos foram tiradas numa rua lateral, e os líderes estavam acompanhados de asses-
sores e protegidos por seguranças. Encerrada a “sessão”, eles se retiraram do local.
Ainda que, nas redes sociais, muitas pessoas tenham mostrado indignação com
“essa cínica manifestação de oportunismo”, como escreveu um usuário, provavel-
mente os líderes mundiais não quiseram deliberadamente enganar alguém – até
porque a sessão de fotos foi acompanhada por centenas de pessoas e ocorreu num
espaço público, à vista de todos.
A situação é fácil de entender: teria sido um pesadelo para os responsáveis
garantir a segurança de líderes como François Hollande, David Cameron, Angela
Merkel, Mahmud Abbas, Benjamin Netanyahu, entre muitos outros, se eles esti-
vessem misturados a uma multidão de milhões de pessoas. O presidente do EUA,
Barack Obama, justificou sua ausência com o trabalho que a sua participação daria
às equipes de segurança em Paris.
Merkel é uma das ausências mais claras da edição. A chanceler alemã estava
entre o presidente da França, François Hollande, e o presidente da ANP (Autori-
dade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas. Assim como Merkel, Hidalgo também
estava na linha de frente da marcha e com um cachecol azul. Ela foi eleita no ano
passado a primeira prefeita da história de Paris.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
The Announcer foi acusado de manipular a imagem e foi criticado por desres-
peitar a marcha a partir de uma edição sexista. O veículo foi fundado por Meir Po-
rush, membro do Knesset (Parlamento de Israel), pelo partido conservador United
Torah Judaism. Em partidos ultraortodoxos, as mulheres são proibidas de concor-
rerem ao Knesset e, em publicações do setor, imagens femininas são completa-
mente banidas aos olhos públicos.
DW e Opera Mundi
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Introdução
Após quase 70 anos de regime monárquico, o Brasil deixou de ser “um impé-
rio entre repúblicas”, nas palavras de Denis Bernardes. O Brasil não se tornou
republicano, como as demais nações do continente americano, pelo fato de na
ocasião da nossa independência estar aqui um legítimo representante da coroa
portuguesa, o príncipe D. Pedro. Mas isso não explicaria tudo. O contexto inter-
nacional estava propício a essa atitude. Apesar de todos os países sul-americanos
terem se tornado repúblicas, o Brasil seguiu uma tendência europeia de “restau-
ração da ordem” – o ancien régime. Até a França revolucionária caiu na tentação
de restaurar a monarquia.
Importante! Importante!
1. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. 3ª ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1987, p. 9.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
2. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de república no Império do Brasil. In: Revista de história, online.
Publicação de 19 set. 2007. Disponível em: https://goo.gl/eG4ZS6. Acesso em: 17 fev. 2015.
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Um dos expedientes mais usados, por parte dos jornais republicanos, era o emprego de
expressões como “monarquia americana” ou “sistema americano” para designar o conceito de
república. Por oposição, o governo hereditário e vitalício seria denominado de “monarquia
europeia” ou “sistema europeu”. (FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república
nos primeiros anos do império: a semântica histórica como um campo de investigação das
ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350, jan./dez. 2006.)
3. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica his-
tórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350,
jan./dez. 2006.
4. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica históri-
ca como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p.323-350, jan./
dez. 2006, p. 328.
5. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica históri-
ca como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350, jan./
dez. 2006. p. 328-329, apud Koselleck, 1979, p. 353.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império:
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a semântica histórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto
Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350, jan./dez. 2006, p. 328 e 329.
FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de república no Império do Brasil: Rio de
Janeiro e Pernambuco (1824-1834). Tese de Doutorado, UFRJ, 2004.
D. Pedro II – Um Carismático
se Equilibrando no Trono
A monarquia no Brasil conseguiu uma sobrevida nas últimas décadas do século
XIX em razão da figura carismática de seu monarca. Mas Pedro II, atacado por um
diabetes, ficou de fora das disputas políticas entre liberais e conservadores, justo o im-
perador que era um importante elemento estabilizador na política do Segundo Reina-
do. Com seu prestígio pessoal e o derivado do trono, Pedro II servia de amortecedor
das queixas. Coincidentemente, foi se enfraquecendo, juntamente com sua figura,
cada vez mais e mais, o prestígio da monarquia.8 D. Pedro II foi um homem que
deixou sua excessiva prudência se transformar em pedra de tropeço. “O Imperador
e a burocracia imperial atendiam à essência dos interesses dominantes, ao promover
a ordem em geral, ao dar tratamento gradativo ao problema da escravidão”.9
Entre outros assuntos de trato delicado, não se nega sua participação em todas
as decisões políticas importantes sob sua responsabilidade. Foi um homem astuto
6. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica his-
tórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350,
jan./dez. 2006, p. 329.
7. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica his-
tórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350,
jan./dez. 2006, p. 330.
8. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 235.
9. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 190.
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a ponto de trazer para seu lado oposicionistas declarados10. No entanto, apesar de
sua astúcia e dita pouca coragem para levar projetos importantes à frente, “não
lhe faltavam meios de vislumbrar algumas das grandes reformas de que o Império
precisava, mas em geral tinha voo baixo”.11
10. HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. V. 7, 2: Do Império
à República. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005, p. 25.
11. HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. V. 7, 2: Do Império
à República. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005, p. 25-26.
12. PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico no segundo reinado: 1870 –
1889. 1972. Tese de Doutorado em História Social. FFLCH-USP. São Paulo: AESP, 1983. Coleção Monografias
6, p. 220.
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Saquarema nos primeiros anos do Segundo Império era o apelido dos conservadores. Deriva
do município fluminense de Saquarema, onde os principais chefes do partido possuíam suas
terras e se notabilizaram pelos desmandos eleitorais. Luzia era o apelido dos liberais, em
uma alusão à Vila de Santa Luzia, em Minas Gerais, onde ocorreu a maior derrota destes,
no curso da Revolução de 1842. A ideia de indiferenciação dos partidos parecia também
confirmar-se pelo fato de ser frequente a passagem de políticos de um campo para outro.
(FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 180; ver também
comentário de Holanda Cavalcanti: Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª
ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p. 182.)
Com isso, a economia brasileira, que dava os primeiros sinais de integração com
o mundo capitalista, a partir da segunda metade do século XIX não sustentava mais o
peso de um regime monárquico absolutista, em que a participação dos que geravam
o capital ficava, ainda, na dependência do aval de um monarca para ascender
politicamente, por causa do poder moderador. Segundo Sérgio Buarque de Holanda,
os movimentos reformadores no Brasil partem sempre de cima para baixo:
É curioso notar que os movimentos aparentemente reformadores, no
Brasil, partiram quase sempre de cima para baixo: foram de inspiração
intelectual, se assim se pode dizer, tanto quanto sentimental. Nossa inde-
pendência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa
evolução política vieram quase sempre de surpresa; a grande massa do
povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade. Não emanam de uma
predisposição espiritual e emotiva particular, de uma concepção da vida
bem definida e específica, que tivesse chegado à maturidade plena14.
E foi dessa forma que as elites no Brasil começaram a se articular para derrubar
o regime monárquico no país, foram se articulando e aproveitando alguns conflitos
que fragilizaram a relação da monarquia com instituições como a igreja, o exército
e o escravismo, e fizeram campanha contra um terceiro reinado que não estavam
dispostas a aceitar. Os republicanos se lançaram à ofensiva.
13. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 182.
14. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 160-161.
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Do Manifesto Republicano de 1870
à Convenção de Itu de 1873
No ano de 1870, no dia 3 do mês de dezembro, na cidade do Rio de Janeiro,
surgiu o jornal “A República”. Faziam parte desse grupo pessoas insatisfeitas com a
monarquia e a divisão de poder que dela emanava, favorecendo no jogo de poder a
política tradicional entre liberais e conservadores. Os republicanos eram, em sua maio-
ria, dissidentes do Partido Liberal, capitaneados por Quintino Bocaiuva e Joaquim
Saldanha Marinho. Em seu primeiro número, o jornal publicou um manifesto que ficou
conhecido na história política do Brasil como “Manifesto Republicano”.15 Nele foram
expostos, de forma moderada, os ideais desse grupo, representado por profissionais
liberais, como, por exemplo, médicos, jornalistas e advogados, entre outros.
15. Esta “Carta Manifesto” pode ser acessada em: https://goo.gl/qL2wgr. Acesso em: 17 fev. 2015.
16. Manifesto Republicano, p. 3. Disponível em: https://goo.gl/qL2wgr.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
17. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002.
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No convengo en el sistema federal Não concordo com o sistema da fe-
entre los populares y representativos, deração entre o povo e representantes,
por ser demasiado perfecto y exigir por ser demasiado perfeito e exigir vir-
virtudes y talentos políticos muy tudes e talentos políticos muito superio-
superiores a los nuestros; por igual res aos nossos; pela mesma razão recu-
razón rehuso la monarquía mixta de so a monarquia mista de aristocracia e
aristocracia y democracia que tanta democracia, que tanta riqueza e esplen-
fortuna y esplendor ha procurado a dor tem proporcionado à Inglaterra.
Inglaterra. No siéndonos posible lograr Não nos sendo possível alcançar entre
entre las repúblicas y monarquías lo as repúblicas e monarquias o mais per-
más perfecto y acabado, evitemos feito e acabado, evitemos cair em anar-
caer en anarquias demagógicas, o en quias demagógicas, ou em tiranias mo-
tiranías monócratas. Busquemos un nocratas. Busquemos um meio termo
medio entre extremos opuestos que nos entre extremos opostos que nos levam
conducirán a los mismos escollos, a la às mesmas armadilhas, à infelicidade
infelicidad y al deshonor. Voy a arriesgar e à desonra. Vou arriscar o resultado
el resultado de mis cavilaciones sobre la dos meus pensamentos sobre o destino
suerte futura de América; no la mejor, futuro da América; não o melhor, mas
sino la que sea más asequible. sim o que seja mais acessível.
Para cada região, Bolívar havia pensado em um sistema que fosse mais adequado
para a transição política, até se chegar ao modelo republicano. No Brasil, o ideal
republicano não encontrou solo fértil até o final dos oitocentos, pois “a consolidação
da monarquia brasileira não abriu mão do poder e da autonomia das elites provinciais,
mas foi na negociação da elite política imperial com as elites provinciais que a
monarquia pôde firmar-se como modelo de governo da nação independente”.18
Foi somente quando essas elites provinciais se sentiram alijadas do pacto imperial,
e de sua parcela de poder, que se aliaram a movimentos e instituições insatisfeitas
com a monarquia e que o poder do regime monárquico começou a ruir. O ideal
republicano estava longe de ser consenso entre os que aderiram a esse regime
de governo, nem mesmo havia coerência em sua interpretação, tanto que o PRP
passou longe de tratar da condição dos cativos, mas de uma coisa estavam certos:
precisavam se unir para chegar ao poder.
18. BORGES, Luiz Adriano Gonçalves. Notas sobre o conceito de elite para Brasil do oitocentos. In: Anais do Encontro
Estadual de História da ANPUH-SP, 2010, Franca, p. 11. Disponível em: https://goo.gl/mDwuRe. Acesso em:
17 fev. 2015.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
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Observe os quadros a seguir! Eles dão uma amostra de como os republicanos se articularam para
divulgar seu ideário. Fonte: Oliveira Vianna. O ocaso do Império. São Paulo: Melhoramentos,
s/d, p. 112-114.
Quadro 1 – Jornais Republicanos por Província
São Paulo (21), Rio de Janeiro (14), Minas Gerais (11), Rio Grande do Sul (11),
Pernambuco (3), Santa Catarina (3), Amazonas (2), Paraíba (2), Sergipe (2), Alagoas (1),
Bahia (1), Espírito Santo (1), Maranhão (1), Mato Grosso (1).
Quadro 2 – Clubes Republicanos por Província
Minas Gerais (56), São Paulo (48), Rio de Janeiro (46), Rio Grande do Sul (32),
Santa Catarina (15), Espírito Santo (8), Pernambuco (6), Pará (5), Paraná (4), Sergipe (3),
Mato Grosso (3), Bahia (3), Maranhão (2), Cerará (2), Rio Grande do Norte (1),
Amazonas (1), Alagoas (1), Piauí (1), Goiás (1).
Segundo Ana Luiza Martins, “foi desenvolvido pelos republicanos um papel dou-
trinador efetivo, atingindo diversos canais, que incluíam jornais, clubes republica-
nos, criação de bibliotecas populares, escolas de primeiras letras para os desvali-
dos, sociedades secretas”.19 O alcance da propaganda republicana, apesar do alto
índice de analfabetismo no país, não foi nada desprezível. Ana Luiza Martins ainda
comenta que, ao cair o império, a ideia de República já estava bastante dissemina-
da, principalmente nas Províncias de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul
e Rio de Janeiro. A propaganda republicana foi intensificada, principalmente após
a reunião de políticos em Itu no ano de 1873, e contou com a oratória fácil dos
jovens políticos que espalhavam as ideias liberais e ao mesmo tempo apontavam os
males que eles acreditavam ser o motivo do atraso do país, ainda vinculado a uma
monarquia absolutista.
19. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, pp. 70-71.
20. D. MACCANN, Frank. Soldados da pátria: história do exército brasileiro 1889-1937. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
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Figura 2 – ASV. Fasc. 417, p. 25v
Fonte: Archivio Segreto Vaticano
O povo continua sendo o que definiu José Murilo de Carvalho: “para os conse-
lheiros do Império, o Brasil era um sistema heliocêntrico, dominado pelo sol do es-
tado, em torno do qual giravam os grandes planetas do que chamavam “as classes
conservadoras” e, muito longe, a miríade de estrelas da grande massa do povo”21.
Carneiro Pessoa, no capítulo IV da sua tese de doutoramento (USP), analisou “a li-
nha de ação revolucionária da propaganda republicana”22 e fez uma observação so-
bre a propagação desse ideal através dos grupos republicanos e suas divergências:
Isto posto leva-se a crer que não existia, já nessa época, unidade quanto
ao encaminhamento que deveria ser dado para se alcançar o objetivo
principal, ou seja, a derrubada da monarquia no país. Em 1883, na pu-
blicação do opúsculo de sua autoria ‘Combate Republicano n. 1’ (TRO-
VÃO, Lopes. O combate: republicanos brasileiros. Rio de Janeiro, Imp.
Contemporânea, 1883. n. 1. p. 27), Lopes Trovão atesta a existência, no
município da Corte, de três grupos republicanos distintos. Denomina-os
‘evolucionistas’, ‘evolucionistas revolucionários’ e ‘revolucionários’, que
tinham em Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo e Ferro Cardoso, respec-
tivamente, os mais lídimos representantes. Informa ainda existirem duas
facções intermediárias, uma simbolizada por Ubaldino Amaral, que con-
federava os ‘evolucionistas’ aos ‘evolucionistas-revolucionários’, e a outra
representada por ele mesmo – Lopes Trovão – ou Matias Carvalho, que
concatenava os ‘evolucionistas-revolucionários’ aos ‘revolucionários’23.
21. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 190.
22. PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico no segundo reinado: 1870-
1889. Tese de doutorado em História Social. FFLCH USP. São Paulo: AESP, 1983, Coleção Monografias 6, p. 169.
23. Idem, pp. 176-177.
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25
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
para se instalar no poder. Agiu como outros grupos, pensando mais em seus inte-
resses do que no povo.
De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder
das ideias pareceu-nos a mais dignificante em nossa difícil adolescência
política e social. Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e
acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da
vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições imporiam.
Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se
naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até
onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade in-
cômoda [...] Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de
acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios [...] E assim
puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou
decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a
época e eram exaltados nos livros e discursos24.
24. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 160.
25. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, p. 56-58.
26
Explor
Positivismo: “é uma corrente de pensamento cujos princípios básicos foram formulados
pelo pensador francês Augusto Comte (1798-1857). [...] Partindo da tradição romana e
da experiência jacobina na Revolução Francesa de 1789, Comte considerava ser a ditadura
republicana a melhor forma de governo para as condições de sua época. Opunha-se assim
à Republica liberal, que se baseia na ideia de soberania popular, sendo o poder exercido em
nome do povo através de um mandato. Membros do Congresso ou o presidente da República
recebem dos eleitores esse mandato periodicamente renovável, por ocasião das eleições. O
princípio de representação é assim básico no modelo liberal de República. [...] A ditadura
republicana concebida por Comte não correspondia ao nepotismo, mas implicava a ideia de
um governo de salvação no interesse do povo. Teoricamente, o ditador republicano deveria
ser representativo, mas poderia afastar-se do povo em nome do bem da República. Ele seria
eleito por toda a vida e poderia influir na escolha de seu sucessor. [...] Nos meios militares
brasileiros, a influência do positivismo só raramente se deu pela aceitação ortodoxa de seus
princípios. Em geral, os oficiais do Exército, assim como muitos estudantes e professores,
absorvem aqueles aspectos mais afinados com suas percepções. A ditadura republicana
assumiu a forma de defesa de um Exército forte e intervencionista, capaz de modernizar o
país, ou simplesmente a da ditadura militar [...] Outros elementos de atração do positivismo
eram a separação da Igreja e do Estado e a clara preferência pela formação técnica, pela
ciência e pelo desenvolvimento industrial [...] na neutralização dos políticos tradicionais
[...]”. BORIS, Fausto. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 232.
O positivismo serviu como um ideal para uma classe esquecida desde a Indepen-
dência do Brasil pelo governo monárquico. A doutrina foi bem recebida, então, en-
tre os militares que almejavam maior influência no destino do país, principalmente
depois da campanha “vitoriosa” na Guerra do Paraguai. O positivismo foi uma
“tábua de salvação”, na visão deles, para renovar o país. Então, o que aconteceu
foi que no meio em que essa doutrina conseguiu penetração se propagou, mas não
a ponto de ser consenso entre os republicanos. Encantou, no entanto, uma parcela
considerável de atores do movimento republicano que conheceu a doutrina positi-
vista. Ana Luiza Martins escreveu ainda que
[...] a doutrina positivista - baseada nas ciências exatas, no conhecimento
racional e pregando a Ordem e o Progresso - contrapunha-se às ideias
românticas e não muito objetivas que caracterizavam o Segundo Império.
[...] Correspondia de certa forma a um anseio generalizado das camadas
letradas do país que esperavam do governo projetos mais consistentes [...]
oferecendo mudanças, que passavam pela separação entre Igreja e Esta-
do, pelo trabalho e educação para todos [...] combatendo os privilégios
[...] Positivistas ortodoxos foram poucos, que inclusive propunham uma
ditadura republicana para a manutenção da ordem. [...] Adotou-se o po-
sitivismo como rótulo de uma conduta ideal de oposição à Monarquia26.
26. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, p. 56-58.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
27. ANRJ. Cocac/Bib: microfilme 0017 COD. OR-F-SPO/003 OR 040 4 [sobre o positivismo].
28
Religiosas; os irmãos Andradas, políticos influentes no período da Independência;
D. Pedro I; depois D. Pedro II; entre outros influentes políticos e homens de negó-
cios. Segundo Ana Luiza Martins,
Loja Maçônica Tito Escocês Antigo (RJ). Câmara do Santo Império é usada para reuniões
Explor
Importante! Importante!
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
religiosa e a questão militar, já foram bem exploradas na disciplina de Brasil Império, mas
para aprofundar esses temas ficam as indicações bibliográficas a seguir:
GOMES, Edgar da Silva. A dança dos poderes. São Paulo: D’Escrever, 2009.
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
CARVALHO, José Murilo de (Coord.). A construção nacional (1830-1889). Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
28. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 236.
29. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto: 2001, p. 79.
30
Deodoro se concentrava antes em derrubar o gabinete do Visconde de Ouro Preto,
do que propriamente em se fazer a proclamação da República. Em tradução livre
da parte que nos interessa do documento, o núncio diz: “Algumas particularidades
em torno da revolução [...] a Proclamação da República dos Estados Unidos do
Brasil [...] várias pessoas sérias me repetiram o que me parece bastante fundamen-
tado, especialmente depois que um grande amigo que tenho em comum com o
Marechal Deodoro me confidenciou esta manhã que este não intencionava pro-
clamar a república, mas derrubar [...] o Visconde de Ouro Preto do qual a todos é
notória a energia e audácia, e que se preparava para fazer um golpe de estado”.
Minas Gerais e São Paulo ainda sustentavam a organização do poder pelo viés
do liberalismo político, enquanto que a forte tradição militar do Rio Grande do Sul,
de formação positivista, defendia, assim como outros militares do exército que fre-
quentavam o poder, um modelo forte centralizado no soldado cidadão, que levaria
a nação ao desenvolvimento político e social através da ordem e do progresso.
Positivistas ou não, o exército, por natureza, combatia o modelo de política liberal;
defendia, antes de qualquer coisa, um Poder Executivo forte. O exército, berço dos
positivistas republicanos, queria o progresso, desde que feito com ordem, nem que
para isso fosse necessária uma ditadura.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
30. ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República brasileira. In: Ibérica Revista
Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010.
31. ROMERO, Sílvio. Doutrina contra doutrina. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 100.
32. “Um estado de espírito é utópico quando está em incongruência com o estado de realidade dentro do qual ocorre [...]
Iremos referir como utópicas somente aquelas orientações que, transcendendo a realidade, tendem a se transformarem
em conduta, a abalar, seja parcial ou totalmente, a ordem de coisas que prevaleça no momento”. Cf. MANNGEIM,
Karl. Ideologia e utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 216.
32
moralizador, baseado não na preservação de sórdidos interesses mate-
riais, mas fundado nas virtudes republicanas. Ao ver que suas ideias não
tiveram efeito no plano nacional, decidiu encarnar a sua ideia no governo
do Rio Grande do Sul33.
Com todas essas divisões internas, nem mesmo a Constituição trouxe grandes
avanços políticos e sociais para o país. Para Bonavides e Andrade,34 sobre esse
tema, o fracasso da Primeira República foi, sem dúvida, a demora em se fazer uma
revisão apropriada da Constituição, ao se passar o imediatismo do momento, que
foi necessário para frear o ímpeto dos amantes do monarquismo de reconduzir o
país ao antigo regime.
“Um estado de espírito é utópico quando está em incongruência com o estado de realidade
Explor
dentro do qual ocorre [...] Iremos referir como utópicas somente aquelas orientações que,
transcendendo a realidade, tendem a se transformarem em conduta, a abalar, seja parcial ou
totalmente, a ordem de coisas que prevaleça no momento”. Cf. MANNGEIM, Karl. Ideologia
e utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 216.
33 RODRIGUES, Ricardo Velez. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: BSB, 2000, p. 103.
34 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
35 ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República brasileira. In: Ibérica Revista
Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010, p. 59.
36 ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República brasileira. In: Ibérica Revista
Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010, p. 59.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Proclamando a República
O imperador, já bastante debilitado, estava chegando ao fim de sua vida. Morreu
pouco mais de dois anos após a proclamação da República, no dia 5 de dezembro
de 1891, em Paris. O temor de que seu genro, o francês Conde D’Eu, assumisse
o trono era temor de parte dos políticos do império brasileiro. Para Boris Fausto,
sua doença, um diabetes, teria tirado o elemento estabilizador da cena política e
acelerado o fim da monarquia. O Exército andava em constantes atritos com a elite
imperial, que acreditava na autoridade civil e afrontava o exército nomeando civis
para o Ministério da Guerra. O terceiro reinado foi na história do Brasil apenas um
sonho não concretizado pela princesa Isabel e seu consorte, o Conde D’Eu, consi-
derado uma personalidade “discutível”.
34
faltava principalmente confirmar a adesão de Deodoro e tentar ampliar contato
com outros oficiais superiores”.37
A preocupação do Marechal Deodoro com seu velho amigo D. Pedro foi tratada
pouco antes da derrubada da monarquia. “No dia 10, Benjamin foi à casa de
Deodoro informá-lo da sessão do dia anterior no Clube Militar e falar-lhe claramente
sobre a necessidade de uma revolução republicana”. Ao ser perguntado sobre “o
velho”, Benjamin garantiu que D. Pedro seria tratado com dignidade e ainda pediu
a Deodoro que se colocasse à frente do movimento republicano. Foi colocado a
Deodoro que os militares necessitavam dar um caráter mais amplo à “revolução” e,
no dia seguinte, republicanos históricos, como Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo,
e os de última hora, como Rui Barbosa e Francisco Glicério, foram convidados a
tomar parte no plano de proclamação da República.38
37. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 67.
38. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, pp. 68-69.
39. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 69.
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Quadro 1
Composição do Governo Provisório da República
Marechal Deodoro Presidente
Benjamin Constant Guerra
Quintino Bocaiuva Relações Exteriores
Rui Barbosa Fazenda
Aristides Lobo Interior
Campos Sales Justiça
Eduardo Wandenkolk Marinha
Demétrio Ribeiro Agricultura, Comércio e Obras Públicas
Considerações Finais
A situação na Monarquia, após a Guerra do Paraguai, se complicaria bastan-
te. A guerra, que se estendeu por mais de cinco anos, provocou muitos gastos e
aumentou muito o endividamento do país com a Inglaterra e, após seu final, em
março de 1870, os políticos tradicionais pretendiam retornar a seu status quo,
mas o exército, que levou a cabo o projeto republicano, estava se afirmando como
40. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, pp. 69-73.
41. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 75.
42. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, pp. 75-76.
36
uma instituição com fisionomia e objetivos próprios. Afinal, quem se arriscou nos
campos de batalha foram os militares, que passaram a repudiar o tratamento dado
a eles pelos políticos que ficaram a salvo no país. Os personagens na transição
Império – República são inúmeros e suas causas variadas; existiram desde os mo-
narquistas convictos até os republicanos de última hora, os defensores da abolição
e os aliados da igreja no intrincado quebra cabeça do jogo político. Segundo Ana
Luiza Martins, havia
[...] a valorização dos personagens, reduzindo os movimentos coletivos
às suas figuras de destaque, sobretudo se apresentassem um perfil épico,
glorioso, conveniente à exaltação [...] Nestas circunstâncias, este foi o
momento propício para construção de alguns mitos que perpassam a nossa
história, decalcados até o presente na cena republicana, obscurecendo a
participação de um coletivo que não foi nada desprezível na apreciação
que hoje se faz do movimento.43
43. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto: 2001, pp. 29-30.
44. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 245.
37
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Explor
Para além dos personagens “mitológicos”, a história da transição Império-República deixa
margens para novos estudos do contexto e de personagens que se tornaram “invisíveis” na leitura
positivista, que realçou alguns “heróis” da disputa entre monarquistas e republicanos. É uma
história que pode ser revisitada, onde novas pesquisas poderão trazer à luz fatos e personagens
importantes desse contexto, e que serão uma nova contribuição para a historiografia da
República no Brasil. Está aí um campo de pesquisas a ser explorado por futuros historiadores.
38
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
A Primeira República (1889-1930): texto e contexto
CARONE, E. A Primeira República (1889-1930): texto e contexto. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Difel, 1976.
1932: imagens construindo a história
DE PAULA, J. 1932: imagens construindo a história. Campinas: Unicamp, 1999.
A Revolução de 1930: historiografia e história
FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e história. 16ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
O governo Juscelino Kubitschek
MARANHÃO, R. O governo Juscelino Kubitschek. 5ª ed., v. 1. São Paulo:
Brasiliense, 1988.
Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964)
SKIDMORE, T. E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 14ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.
Filmes
Policarpo Quaresma, Herói do Brasil
Direção: Paulo Thiago.
Produção:Gláucia Camargos / Vitória Produções Cinematográficas.
Ano: 1998.
Mauá - O Imperador e o Rei
Data de lançamento 15 de outubro de 1999 (2h 15min)
Direção: Sergio Rezende
Senhora
Data de lançamento 10 de maio de 1976 (1h 50min)
Direção: Geraldo Vietri
O Cortiço
Data de lançamento 16 de julho de 1945 (1h 44min)
Direção: Francisco Ramalho Jr.
A Moreninha
Direção: Glauco Mirko Laurelli
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UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”
Referência
ANRJ. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Cocac/Bib: microfilme 0017 COD.
OR-F-SPO/003 OR 040 4 [sobre o positivismo].
BORGES, Luiz Adriano Gonçalves. Notas sobre o conceito de elite para Brasil do
oitocentos. In: Anais do Encontro Estadual de História da ANPUH-SP, 2010,
Franca, p. 11. Disponível em: <http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/
CD%20XX%20Encontro/PDF/Autores%20e%20Artigos/Luiz%20Adriano%20
Gon%E7alves%20Borges.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2015.
CARONE, E. O Estado Novo: 1937-1945. 5ª ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1988.
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. 3ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002.
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GOMES, Edgar da Silva. A dança dos poderes. São Paulo: D’Escrever, 2009.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.
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