Você está na página 1de 42

História do Brasil República:

Aspectos Formativos
Material Teórico
Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Dr. Edgar Silva Gomes

Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Kelciane da Rocha Campos
Transição Império –
República: “Mitos e Verdades”

• Introdução;
• O Século XIX e a Ideia de República;
• D. Pedro II – Um Carismático se Equilibrando no Trono;
• Do Manifesto Republicano de 1870 à Convenção de Itu de 1873;
• O Positivismo e a Causa Republicana;
• A Maçonaria na Causa Republicana;
• As Crises que Colocaram a Monarquia em Xeque;
• Uma República para os Bestializados;
• Proclamando a República;
• Considerações Finais.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
· Estudar e interpretar criticamente o movimento republicano para en-
tender se as elites da política brasileira tinham ou não a intenção de
proclamar a República no crepúsculo do século XIX.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você
também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Contextualização
Refletindo o passado através de ações do presente!

Eu como pesquisador da “Relação Estado-Igreja no Brasil”, ou seja, da política


de duas importantes instituições da história do Ocidente, costumo dizer que “a
política não é inocente” – e para contextualizar os interesses políticos que levaram
à queda da Monarquia no Brasil e à instalação do regime republicano no poder,
gostaria que vocês refletissem sobre as disputas de poder na política, através de um
texto publicado na coluna de Eliane Trindade no jornal Folha de S. Paulo. É uma
entrevista sobre o evento dos ataques à redação da Charlie Hebdo. Percebam as
mobilizações justas em repúdio às ações de terroristas, mas não se esqueçam de
que “a política não é inocente”, e observem em outra matéria, do site Pragmatismo
Político, como as fotos dos estadistas na mobilização de apoio à liberdade foram
forjadas para impressionar a opinião pública!
Prof. Dr. Edgar da Silva Gomes (Conteudista)

Caros alunos, por favor façam o cadastro no site do jornal Folha de S. Paulo, ele será muito
Explor

importante para futuras indicações de textos para contextualização e ou para suas Atividades
e Pesquisa. O texto indicado a seguir, para quem ainda não teve acesso, é muito importante!
Entrevista com a Consulesa francesa Alexandra Baldeh Loras, francesa, negra e estudiosa
do fenômeno da discriminação na França do slogan “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.
Disponível em: https://goo.gl/fxt3jn

Liberdade, Igualdade e Fraternidade na França? Para Quem?


A questão acima é colocada por Alexandra Baldeh Loras, 37, francesa de origem
muçulmana e judaica, que vive no Brasil há dois anos como consulesa do país em
São Paulo.

Como todos os cidadãos franceses, ela procura respostas para os atentados


terroristas em Paris em meio ao luto. Formada em ciências políticas e estudiosa do
fenômeno da integração, ela assina um blog sobre minorias.

Fez sua tese de mestrado na prestigiosa SciencePo (L’École Livre de Sciences


Politiques, onde se forma a elite política) sobre os negros na televisão francesa,
onde foi apresentadora por sete anos.

Alexandra afirma que “a França ainda precisa se assumir como nação multicultural
e multirracial” para evitar que alguns de seus filhos de ascendência árabe e africana
não sejam “adotados pelo terrorismo”.

A seguir, trechos da entrevista concedida dois dias depois do ataque que matou
12 jornalistas do “Charlie Hebdo” e na tarde do sequestro que acabou na morte de
quatro reféns.

8
Um Nome Familiar
Quando vi nos telejornais que o sequestrador do supermercado kosher em Paris
se chamava Coulibaly, fiquei rezando para que não fosse um dos meus primos.
É um sobrenome comum na África. O terrorista que matou quatro reféns não era
meu parente, mas é como se fosse. É negro e francês como eu. O que aconteceu
na vida dele para que se tornasse tão violento?

As mortes na redação do “Charlie Hebdo” e no supermercado são atos detes-


táveis do terrorismo. Antes de falar de liberdades, o respeito pela vida humana
me leva a condenar os ataques categoricamente como um ato bárbaro inaceitável.
Estou de luto pelas famílias das vítimas.

Ouvi e li nas redes sociais muitas reações violentas: “esses animais, selvagens,
negro sujo, árabes imundos...”. A lista de insultos é longa, mas gostaria de convidar
a todos a se perguntarem o que levou esses franceses a cometer tais crimes he-
diondos. Os terroristas passaram alguns meses no Iêmen sendo treinados e várias
décadas na França. Então, a base da identidade deles é francesa.

Apesar do nosso lema “liberdade, igualdade e fraternidade”, fomos de gera-


ção em geração condicionados a pensar que o racismo e o sexismo são naturais.
Uma hierarquia construída durante séculos declarou que os homens são superiores
às mulheres, que só tiveram direito de voto em 1944, e que os brancos eram supe-
riores a árabes e negros.

Foi uma dor imensa crescer na França como negra. Sou de origem muçulmana,
já que meu pai é da Gâmbia, um país da África Ocidental. Nasci em Paris, de mãe
francesa, branca e católica.

O que me machucava quando criança é que sempre me perguntavam de onde


vinha. Até os meus 21 anos, eu não conhecia a Gâmbia. Fui criada na França.
Meu avô era comunista, foi secretário-geral do partido anarquista, mas era super-racista.

O “Charlie Hebdo” é um jornal de esquerda, que sempre publicou charges que


podem ser interpretadas como xenófobas, racistas e antissemitas. Defendem um
Estado laico, o que não quer dizer ateísta. Ser laico, na verdade, é respeitar todas
as religiões. Que liberdade de expressão estamos defendendo? Pode-se faltar com
respeito a profetas reverenciados por uma comunidade que não tem poder nos
meios de comunicação para se expressar?

Je Suis Charlie
É muito fácil dizer ‘Eu Sou Charlie’. Eu gostaria que todos fossem Charlie tam-
bém quando jogaram o coquetel molotov na Redação anos atrás. Quando eles de-
senhavam Maomé de quatro. Quando Phillipe Val [ex-editor] foi vítima de violência
da extrema direita. Quando o Charb [Stéphane Charbonnier, diretor da publicação
morto no ataque] precisou de escolta policial por oito anos. Não é ser Charlie só
hoje, quando houve a morte deles.

9
9
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Eu me emociono ao ver a caminhada de quase 4 milhões de pessoas em Paris.


bom ver a França tão unida. Acho muito triste que tenham morrido personalidades
conhecidas. Mas me entristece também a explosão de um carro bomba que matou
37 pessoas no Iêmen, em um atentado do mesmo grupo da Al-Qaeda, quatro
dias antes do de Paris. Por que ninguém falou mais disso? As vidas do Charb e do
Wolinski valem mais?

Após os ataques, tenho escutado: “Temos que matar esses terroristas”. Vamos ma-
tar como eles mataram? É essa a solução? Sou contra a pena de morte. Gostaria de
conhecer as reivindicações deles. Por que se tornaram loucos assim? Por que caíram
no extremismo?

Para eles, talvez, nós é que sejamos terroristas. Quantas atrocidades foram come-
tidas nas ex-colônias? Pegaram argelinos, marroquinos, senegaleses para lutar pela
França e defendê-la para ser um país livre. Aprendi na escola que eram voluntários.
Hoje, documentários mostram que não tiveram escolha, as famílias eram ameaçadas.
Há um lado da história da França muito obscuro, que ela não quer assumir.

A pátria mãe francesa parece ter esquecido os 400 anos de escravidão e 300
de colonização. A França ainda não se desculpou pelas dores imensas que causou
na África. Precisa se aceitar como sociedade multicultural e multirracial. E hoje
ela não quer assumir esses filhos. Eu me coloco entre eles. Nos sentimos rejei-
tados. E me refiro aos africanos, aos árabes, aos asiáticos e aos judeus também.
A todas as minorias.

Pai Terrorismo
E quando um filho não tem pai, ele pode ter outro que o acolhe e lhe dá im-
portância. O “pai terrorismo” pegou alguns desses filhos e deu a eles o senso
de pertencimento a um grupo, lhes deu espaço, comida e dinheiro. Precisamos
tentar resgatá-los.

Falam: “Ah, eles não se integraram”. Eles têm que adivinhar como se integrar?
A riqueza da cultura deles não tem que desaparecer. É a riqueza da França.

O prato preferido do francês hoje é o cuscuz. Entre os artistas mais amados


estão Omar Sy —ator de origem senegalesa que ganhou o César [o Oscar francês],
pelo filme “Os Intocáveis” (2011)— e Jamel Debbouze, ator e comediante de ori-
gem marroquina [de “Astérix e Obélix - Missão Cleópatra”].

É preciso ter coragem de pesquisar sobre esses jovens que vão para a Al-Qaeda.
Saber o que vai pela cabeça deles para trilhar esse lado da escuridão. Do que eles
precisam para se sentir parte do povo francês?

Sempre que abrem espaço para o debate sobre a França multirracial e multicul-
tural convidam rappers e jogadores de futebol para falar, que nem sempre estão
preparados para debater com o outro lado. Quase nunca convidam intelectuais.
Só o Tariq Ramadan [professor da Universidade de Oxford, de origem Egípcia e

10
autor de “Radical Reform, Islamic Ethics and Liberation”], que é muito inteligen-
te, mas sempre pegam frases dele fora de contexto.

É como dar muito espaço para Michel Houellebecq [escritor francês que acaba
de lançar “Submissão”, livro sobre uma França governada por um partido muçul-
mano em 2022].

Eu não concordo com ele e outros pensadores, mas se falamos de liberdade de


expressão temos que deixar todo mundo se exprimir. Não só os pensadores da
extrema direita, que está crescendo.

É assim que criam um mundo muçulmano que eu não vejo ao meu redor.
Entre todos os meus amigos e na minha família, ninguém é extremista. Eles não
acham o lugar deles na sociedade francesa nem na África. Quando vão pra lá,
tampouco são bem-vindos.

Monocromática
No poder e na televisão também, onde trabalhei como jornalista e apresenta-
dora nos canais France 3 e TF1, sempre era a única negra. Aprendi muitas coisas
tendo esse olhar de “infiltrada”.

A França é ainda uma espécie de monarquia. Cortaram a cabeça do rei, mas ele
ainda vive na elite oligárquica. Houve a revolução de 1789, mas todo o espectro
atual de líderes empresariais e políticos é aristocrata. Eles não representam a diver-
sidade da França de hoje.

É o mesmo em governos de direita ou de esquerda: são brancos e elitistas.


São intelectuais que cresceram no “quinto arrondissement” [região administrativa
de Paris], foram estudar no sexto e trabalhar no sétimo. São da “rive gauche” [mar-
gem esquerda do Sena]. Não conhecem o que acontece lá fora.

Na ENA [École Nationale D’Aministration, símbolo da meritocracia republica-


na francesa], onde os presidentes estudam, só tem brancos. Na SciencePo, todos
os alunos afrodescendentes franceses acabam indo trabalhar nos Estados Unidos e
na Inglaterra. Eu me formei lá.

Muitos falavam: “Ah, você é parte da cota?” Eles selecionam alguns alunos dos
guetos que tiveram notas excelentes. Pensam que cheguei lá como parte desse pro-
grama. Respeito muito os cotistas, mas não percebem que me insultam ao concluir
que uma negra não pode entrar lá por outro caminho.

Invisibilidade
Fiz meu mestrado sobre a invisibilidade dos negros na televisão francesa.
Quando vamos sair dos estereótipos? Tenho 50% de sangue branco, mas minha
pele é negra. Tenho 50% de sangue africano e meu filho é louro. A pele de meu
pai era de ébano. É um desafio ser mãe de um negro que é branco de pele.

11
11
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Vejo no Brasil um racismo diferente. Quando vou ao clube com meu filho, me
olham torto porque não estou usando branco como as babás.

Comecei a dar palestras nas escolas públicas daqui para trabalhar a autoestima
das crianças de cor. Falo dos inventores e das grandes figuras negras. Aqui também
os negros só são retratados dentro do estereótipo: no esporte, na música e no
crime. Falo para os estudantes o que gostaria de ter ouvido na escola, mas que só
descobri aos 30 anos no meu mestrado sobre o tema: a geladeira foi inventada por
um negro, assim como a antena parabólica e o marca-passo.

A Babá
Os brancos têm que se olhar e ver os privilégios que têm. Precisam entender
o que é ser negro ou árabe diariamente. E o que vem com isso, quando se está
procurando um apartamento para alugar ou concorrendo a uma vaga de emprego.

O que é muito triste é que temos um marketing ótimo: a França defensora dos
direitos humanos, a França da “igualdade, liberdade e fraternidade”. Onde você vê
igualdade e fraternidade? Quem tem liberdade de expressão? Só um lado.

Onde você vê os ciganos se expressarem? E eles estão lá há várias gerações.


Você ouve falar dos sem-teto? Onde se fala dos jovens que não podem entrar numa
discoteca por terem mais melanina?

O conhecimento é a melhor arma para combater a desigualdade e desconstruir os


fundamentos do racismo e do extremismo. Quase nenhum escritor, filósofo, cientista
negros e árabes ganha visibilidade na televisão e nos livros didáticos na França.

Ao investigar essa realidade, descobri que eles existem, sim, e que potencial e
talento não têm nada a ver com a quantidade de melanina na pele. Precisamos re-
parar e aliviar a dor que nossa sociedade gera sem que nem percebamos. E tentar
entender quanto é nossa responsabilidade ter criado esses monstros.

Você Sabia? Importante!

Eliane Trindade é repórter da coluna ‘Mônica Bergamo’ e foi editora da ‘Revista


da Folha’. É autora do livro-reportagem ‘As Meninas da Esquina’ e venceu o prêmio
Ayrton Senna de Jornalismo com a reportagem ‘O que Eles Vão Ser Quando Crescer’. Nes-
te espaço, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social, espalhando
também nas redes sociais. Escreve às terças.

Estadistas são apresentados ao mundo de braços dados na mobilização contra a liberdade


Explor

de expressão na França, mas não estavam no evento que mobilizou milhões de pessoas, e
sim em uma rua paralela para “tirar” a foto estampada pela “Grande Imprensa” mundial.
Matéria disponível em: https://goo.gl/RQ2tbe

12
Imagem dos Líderes em Protesto na França foi Montada
Fotos estampadas em jornais de todo o mundo sugeriram que líderes mundiais
estavam à frente da marcha em Paris. Mas eles na verdade estavam em uma outra
rua, isolados e protegidos por seguranças.

Jornais venderam imagens como se líderes mundiais estivessem puxando manifestações.


Explor

Foto, na verdade, foi montada (Pragmatismo Político): https://goo.gl/RKHUH4

Quem viu as fotos dos líderes mundiais estampadas nas capas de sites de notícias
e jornais pode ter tido a impressão de que eles estavam à frente da gigantesca mar-
cha que tomou conta das ruas de Paris neste domingo (11/01). Mas, na verdade, as
fotos foram tiradas numa rua lateral, e os líderes estavam acompanhados de asses-
sores e protegidos por seguranças. Encerrada a “sessão”, eles se retiraram do local.
Ainda que, nas redes sociais, muitas pessoas tenham mostrado indignação com
“essa cínica manifestação de oportunismo”, como escreveu um usuário, provavel-
mente os líderes mundiais não quiseram deliberadamente enganar alguém – até
porque a sessão de fotos foi acompanhada por centenas de pessoas e ocorreu num
espaço público, à vista de todos.
A situação é fácil de entender: teria sido um pesadelo para os responsáveis
garantir a segurança de líderes como François Hollande, David Cameron, Angela
Merkel, Mahmud Abbas, Benjamin Netanyahu, entre muitos outros, se eles esti-
vessem misturados a uma multidão de milhões de pessoas. O presidente do EUA,
Barack Obama, justificou sua ausência com o trabalho que a sua participação daria
às equipes de segurança em Paris.

Jornal de Israel Apaga Foto de Líderes Femininas


Outra polêmica envolvendo as fotos dos líderes foi promovida por um dos prin-
cipais jornais ultraortodoxos de Israel. O jornal The Announcer (“HaMevaser”)
apagou as imagens das líderes femininas que participaram do protesto em Paris.

Entre as mulheres que foram omitidas na fotografia estão a chanceler da Alema-


nha, Angela Merkel, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, a primeira-ministra da Di-
namarca, Helle Thorning-Schmidt, e a alta representante da União Europeia para
Política Externa e Segurança, Federica Mogherini. Quem primeiramente notou a
omissão foi o site de notícias israelense Walla.

Merkel é uma das ausências mais claras da edição. A chanceler alemã estava
entre o presidente da França, François Hollande, e o presidente da ANP (Autori-
dade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas. Assim como Merkel, Hidalgo também
estava na linha de frente da marcha e com um cachecol azul. Ela foi eleita no ano
passado a primeira prefeita da história de Paris.

13
13
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

The Announcer foi acusado de manipular a imagem e foi criticado por desres-
peitar a marcha a partir de uma edição sexista. O veículo foi fundado por Meir Po-
rush, membro do Knesset (Parlamento de Israel), pelo partido conservador United
Torah Judaism. Em partidos ultraortodoxos, as mulheres são proibidas de concor-
rerem ao Knesset e, em publicações do setor, imagens femininas são completa-
mente banidas aos olhos públicos.

DW e Opera Mundi

14
Introdução
Após quase 70 anos de regime monárquico, o Brasil deixou de ser “um impé-
rio entre repúblicas”, nas palavras de Denis Bernardes. O Brasil não se tornou
republicano, como as demais nações do continente americano, pelo fato de na
ocasião da nossa independência estar aqui um legítimo representante da coroa
portuguesa, o príncipe D. Pedro. Mas isso não explicaria tudo. O contexto inter-
nacional estava propício a essa atitude. Apesar de todos os países sul-americanos
terem se tornado repúblicas, o Brasil seguiu uma tendência europeia de “restau-
ração da ordem” – o ancien régime. Até a França revolucionária caiu na tentação
de restaurar a monarquia.

Importante! Importante!

A Restauração Bourbon foi um período da história francesa que compreende a queda de


Napoleão Bonaparte em 1814 e a Revolução de Julho em 1830. Inicialmente com Luís
XVIII, a França viveu um período de monarquia constitucional. Seu irmão Carlos X, que
o sucedeu no trono, restaurou o antigo regime de monarquia absolutista. A atitude de
Carlos X, de restaurar o Antigo Regime, lhe trouxe enorme impopularidade. No início da
restauração, o novo regime Bourbon foi diferente do Antigo Regime absolutista; havia
limites em seu poder. Mesmo assim, o período foi caracterizado por reações bem con-
servadoras e por pequenas perturbações civis. Também houve o reestabelecimento da
Igreja Católica com grande poder de interferência nas políticas francesas. Com Carlos, o
absolutismo foi restaurado e sepultado definitivamente na França.

Houve uma série de fatores que contribuíram para o desgaste da monarquia e


a implantação da república no ano de 1889. Desde a independência, como em
outras partes da América, o republicanismo foi um sonho acalentado por parte dos
brasileiros, como, por exemplo, a brevíssima república instaurada nos estados de
Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte, por ocasião da “Revolução
Pernambucana de 1817”. Na segunda metade do século XIX, por volta de 1870,
instala-se uma crise política no país, que só fez aumentar até o ano de 1889.

Silva Jardim e Lopes Trovão, signatários do Manifesto Republicano de 1870,


propuseram formas radicais para se implantar a república. Eles propunham uma
revolução popular, o que não aconteceu, nem mesmo no dia 15 de novembro de
1889. José Murilo de Carvalho citou na introdução de seu livro Os bestializados
Aristides Lobo, famoso propagandista da república, segundo o qual “o povo, que
pelo ideário republicano deveria ter sido protagonista dos acontecimentos, assistira
a tudo bestializado, sem compreender o que se passava, julgando talvez ser uma
parada militar”.1

Algumas instituições, caras à monarquia, como a escravidão, a igreja e o exérci-


to, contribuíram para a derrocada desse sistema de governo. Ideologias como o po-

1. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. 3ª ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1987, p. 9.

15
15
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

sitivismo e o republicanismo foram ganhando força nas classes médias de cidades


como São Paulo e Rio de Janeiro, e a maçonaria, sempre presente na vida política
brasileira, se manteve no novo sistema até perder seu destaque. Com o passar do
tempo, nem mesmo o positivismo passou de uma célebre frase na bandeira nacio-
nal: “Ordem e Progresso”.

É a partir dessas bases que passaremos a estudar esta unidade.

O século XIX e a Ideia de República


Para Silvia Carla Fonseca (2007), havia diversos projetos de república no Brasil.
Segundo a autora, o conceito de república que entendemos hoje não é o mesmo
que estava no imaginário político do início do século XIX:
Engana-se quem pensa que as ideias republicanas no Brasil surgem em
torno da proclamação da República. O projeto de instituição de uma
república federativa já estava presente no cenário político do Primeiro
Reinado (1822-1831), assim como no período das regências (1831-1840),
bem antes de 15 de novembro de 1889.

A palavra república possuía significados muito diferentes na primeira


metade do século XIX. Em primeiro lugar, de acordo com a herança do
Antigo Regime, seria ainda associada à identificação de um território regido
pelas mesmas leis, ou submetido ao mesmo governante, independente da
forma de governo. Em segundo lugar, a ideia de república também era
compreendida como a precedência do bem comum e a prevalência da
lei e da Constituição sobre os interesses individuais. Em terceiro lugar, o
conceito de república denotava o governo eletivo e temporário. [...]2

Na Idade Moderna, mais ou menos até o século XVIII, o entendimento do que


seria a República foi emprestado do romano Cícero. “Nessa medida Cícero acen-
tua que os elementos distintivos da República seriam o interesse público e, sobre-
tudo, a conformidade com uma lei comum”, revestindo-se de uma consciência
secular. É por excelência um governo finito, diferente do conceito de governo da
Idade Média, em que “às denominações de regnum e civitas se sobrepôs a noção
universalizante de Respublica Christiana em vista da ordenação da sociedade sob
os dois poderes universais, a Igreja e o Império, cuja legitimação divina assimilava
o governo dos homens às leis da natureza”.

2. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de república no Império do Brasil. In: Revista de história, online.
Publicação de 19 set. 2007. Disponível em: https://goo.gl/eG4ZS6. Acesso em: 17 fev. 2015.

16
Explor
Um dos expedientes mais usados, por parte dos jornais republicanos, era o emprego de
expressões como “monarquia americana” ou “sistema americano” para designar o conceito de
república. Por oposição, o governo hereditário e vitalício seria denominado de “monarquia
europeia” ou “sistema europeu”. (FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república
nos primeiros anos do império: a semântica histórica como um campo de investigação das
ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350, jan./dez. 2006.)

Segundo os estudos de Fonseca3, na Idade Moderna é que “tanto a concepção


de república quanto o ideário republicano revestem-se de uma consciência política
secular”. É que nesse contexto o ideal de polis, emprestado de Aristóteles, em que
o governo está localizado no tempo e no espaço, ganha inteligibilidade histórica,
deixando de lado a intervenção sagrada cristã na história e sobrepondo o valor da
política dos homens, ou noção não sagrada de se fazer política, uma política secular
com virtude cívica. Sendo assim, “afirmar a república, então, implicaria quebrar a
continuidade de um universo hierárquico em momentos particulares, promovendo
a particularização da História e sua secularização”.

No século XVIII, o conceito de república se torna mais complexo. Apesar da


centralidade da lei e da Constituição, os governos não serão classificados apenas de
acordo com a tríade aristotélica - monarquia, aristocracia, democracia. “Fundada
num critério quantitativo e referida à elaboração de experiências históricas,
sucede a tipologia moderna, alicerçada em princípios qualitativos, elaborada por
Montesquieu a partir da herança de Maquiavel”. Será agregada à tríade aristotélica
fatores distintivos,4
[...] relativos à extensão dos territórios; à igualdade ou não dos cidadãos;
à origem da formulação da lei; aos elementos constitutivos dos governos,
como a honra, a virtude ou o medo. Efetivamente, os três tipos de
organização resumem-se, no âmbito da filosofia da História, a categorias
temporais, uma vez que o conceito de Constituição se fundamenta na
crença em uma separação consciente entre o espaço da experiência e o
horizonte da esperança. Nessa medida, o próprio conceito de Constituição
remeteria à conciliação entre o passado e o futuro.5

O interesse dessa introdução ao conceito de república, no século XIX, e como


república foi entendida no país, é que se por um lado esquecemos que os conceitos
têm um contexto histórico, no alvorecer da república brasileira dois grupos lutavam
para que sua visão política de república prevalecesse. São as disputas de grupos
políticos, envolvendo paulistas e gaúchos, pela hegemonia do poder, que será

3. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica his-
tórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350,
jan./dez. 2006.
4. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica históri-
ca como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p.323-350, jan./
dez. 2006, p. 328.
5. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica históri-
ca como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350, jan./
dez. 2006. p. 328-329, apud Koselleck, 1979, p. 353.

17
17
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

retomada mais adiante. Sobre a contextualização de um conceito, Fonseca afirma


que “parece ser uma obviedade afirmar que as palavras têm história. Todavia, o
descaso com a história dos conceitos no âmbito da História política gera imprecisão,
empobrecimento no estudo dos diferentes grupos e facções presentes no cenário
político de um dado período”.6

FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império:
Explor

a semântica histórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto
Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350, jan./dez. 2006, p. 328 e 329.
FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de república no Império do Brasil: Rio de
Janeiro e Pernambuco (1824-1834). Tese de Doutorado, UFRJ, 2004.

O importante é que desde a abdicação de D. Pedro em 1831, o imaginário de


um país republicano já começava a rondar o ideário político. “Em seguida à abdi-
cação do imperador em 1831, amplia-se o número de periódicos que passam a
propor abertamente a República enquanto forma de governo”.7 Sabemos que pre-
valeceu a posição dos monarquistas, apesar da campanha em prol da implantação
da república, que voltaria com força a partir da década de setenta do século XIX.

D. Pedro II – Um Carismático
se Equilibrando no Trono
A monarquia no Brasil conseguiu uma sobrevida nas últimas décadas do século
XIX em razão da figura carismática de seu monarca. Mas Pedro II, atacado por um
diabetes, ficou de fora das disputas políticas entre liberais e conservadores, justo o im-
perador que era um importante elemento estabilizador na política do Segundo Reina-
do. Com seu prestígio pessoal e o derivado do trono, Pedro II servia de amortecedor
das queixas. Coincidentemente, foi se enfraquecendo, juntamente com sua figura,
cada vez mais e mais, o prestígio da monarquia.8 D. Pedro II foi um homem que
deixou sua excessiva prudência se transformar em pedra de tropeço. “O Imperador
e a burocracia imperial atendiam à essência dos interesses dominantes, ao promover
a ordem em geral, ao dar tratamento gradativo ao problema da escravidão”.9

Entre outros assuntos de trato delicado, não se nega sua participação em todas
as decisões políticas importantes sob sua responsabilidade. Foi um homem astuto

6. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica his-
tórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350,
jan./dez. 2006, p. 329.
7. FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros anos do Império: a semântica his-
tórica como um campo de investigação das ideias políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p. 323-350,
jan./dez. 2006, p. 330.
8. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 235.
9. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 190.

18
a ponto de trazer para seu lado oposicionistas declarados10. No entanto, apesar de
sua astúcia e dita pouca coragem para levar projetos importantes à frente, “não
lhe faltavam meios de vislumbrar algumas das grandes reformas de que o Império
precisava, mas em geral tinha voo baixo”.11

O desgaste da monarquia não se deu por acaso. “Cresceram as funções urbanas e


as camadas populacionais cujos interesses se apresentavam distintos dos ‘barões’ do
meio rural12”, apesar de ainda não ter nenhuma interferência na vida política do país.
Contudo, o desgaste público é consideravelmente maior quando há concentração,
mesmo que apenas teórica, nas mãos de uma só pessoa, como ocorre nos regimes
absolutistas, exercendo-se de fato e de direito os atributos da soberania “sem limites”,
como foi o caso da monarquia no Brasil. Apesar do dito carisma de D. Pedro II, o
governo imperial carecia de uma sólida base de apoio popular, já que os barões do
café do vale do Paraíba estavam quebrados. D. Pedro continuava se valendo do
poder moderador para limitar ou implantar as reformas que pretendesse.
A inicial popularidade do monarca,
sob cujo reinado deslanchou a econo-
mia cafeeira, adivinha da onda de me-
lhoramentos que assolava o país [...]
Não obstante, já na década de 1860,
sua imagem se desgastava, fosse pelo
encaminhamento da Guerra do Para-
guai (1865-1870), pela mancha da es-
cravidão, pela centralização do poder
e, igualmente, pelos privilégios que seu
reino concedia à parte diminuta da po-
pulação. O imperador envelhecia e com
ele envelheceria o modelo monárquico
que representava. O país mudara e exi-
gia transformações, sobretudo de ordem
política (MARTINS, Ana Luiza. Op. cit.,
Figura 1 – Capa da Revista Ilustrada 450, de 1887
p. 20-21). Fonte: Museu Imperial

Na década de 80 do século XIX, o Império entra em sua fase agonizante, dado


o imobilismo vivido até então, em que as contradições forjadas até 1850 e os
interesses de alguns setores atravancavam a economia, que foi se transformando
em busca do progresso que fizesse participar da vida política um número maior de
pessoas, que não fosse aquele rodízio feito pelos partidos Conservador e Liberal.
Segundo a definição do político pernambucano Holanda Cavalcanti, “nada se as-
semelha mais a um ‘saquarema’ do que um ‘luzia’ no poder”.

10. HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. V. 7, 2: Do Império
à República. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005, p. 25.
11. HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira: o Brasil monárquico. V. 7, 2: Do Império
à República. 7ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2005, p. 25-26.
12. PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico no segundo reinado: 1870 –
1889. 1972. Tese de Doutorado em História Social. FFLCH-USP. São Paulo: AESP, 1983. Coleção Monografias
6, p. 220.

19
19
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Explor
Saquarema nos primeiros anos do Segundo Império era o apelido dos conservadores. Deriva
do município fluminense de Saquarema, onde os principais chefes do partido possuíam suas
terras e se notabilizaram pelos desmandos eleitorais. Luzia era o apelido dos liberais, em
uma alusão à Vila de Santa Luzia, em Minas Gerais, onde ocorreu a maior derrota destes,
no curso da Revolução de 1842. A ideia de indiferenciação dos partidos parecia também
confirmar-se pelo fato de ser frequente a passagem de políticos de um campo para outro.
(FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002. p. 180; ver também
comentário de Holanda Cavalcanti: Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª
ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p. 182.)

A esse respeito, comenta ainda o historiador Sérgio Buarque de Holanda que


“efetivamente quase nada os distinguia, salvo os rótulos, que tinham apenas o valor
de bandeira de combate”.13 O país foi gradativamente entrando na dinâmica mundial
capitalista, deixando para trás o retrógrado e desumano sistema escravista. Nesse
sentido, a própria situação do escravo como meio de produção das riquezas de seus
senhores foi cedendo espaço à mão de obra assalariada do imigrante branco.

Com isso, a economia brasileira, que dava os primeiros sinais de integração com
o mundo capitalista, a partir da segunda metade do século XIX não sustentava mais o
peso de um regime monárquico absolutista, em que a participação dos que geravam
o capital ficava, ainda, na dependência do aval de um monarca para ascender
politicamente, por causa do poder moderador. Segundo Sérgio Buarque de Holanda,
os movimentos reformadores no Brasil partem sempre de cima para baixo:
É curioso notar que os movimentos aparentemente reformadores, no
Brasil, partiram quase sempre de cima para baixo: foram de inspiração
intelectual, se assim se pode dizer, tanto quanto sentimental. Nossa inde-
pendência, as conquistas liberais que fizemos durante o decurso de nossa
evolução política vieram quase sempre de surpresa; a grande massa do
povo recebeu-as com displicência, ou hostilidade. Não emanam de uma
predisposição espiritual e emotiva particular, de uma concepção da vida
bem definida e específica, que tivesse chegado à maturidade plena14.

E foi dessa forma que as elites no Brasil começaram a se articular para derrubar
o regime monárquico no país, foram se articulando e aproveitando alguns conflitos
que fragilizaram a relação da monarquia com instituições como a igreja, o exército
e o escravismo, e fizeram campanha contra um terceiro reinado que não estavam
dispostas a aceitar. Os republicanos se lançaram à ofensiva.

13. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 182.
14. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 160-161.

20
Do Manifesto Republicano de 1870
à Convenção de Itu de 1873
No ano de 1870, no dia 3 do mês de dezembro, na cidade do Rio de Janeiro,
surgiu o jornal “A República”. Faziam parte desse grupo pessoas insatisfeitas com a
monarquia e a divisão de poder que dela emanava, favorecendo no jogo de poder a
política tradicional entre liberais e conservadores. Os republicanos eram, em sua maio-
ria, dissidentes do Partido Liberal, capitaneados por Quintino Bocaiuva e Joaquim
Saldanha Marinho. Em seu primeiro número, o jornal publicou um manifesto que ficou
conhecido na história política do Brasil como “Manifesto Republicano”.15 Nele foram
expostos, de forma moderada, os ideais desse grupo, representado por profissionais
liberais, como, por exemplo, médicos, jornalistas e advogados, entre outros.

Os republicanos da Capital do Império apelaram para as liberdades individuais,


a justiça, o progresso, os direitos políticos dos cidadãos e a liberdade dos escra-
vos. Apesar do tom ameno do manifesto de 1870, alguns republicanos, como
Lopes Trovão, defendiam uma revolução popular para derrubar a monarquia,
mas a voz que prevaleceu foi a de Quintino Bocaiuva, que defendia a transição
pacífica e, se possível, após a morte do imperador Pedro II. O manifesto ata-
cava os privilégios da elite palaciana como sendo um atraso para a sociedade e
reivindicava maior participação política do povo e seus direitos democráticos de
participação na vida pública.
A sociedade brasileira, após meio século de existência como coletividade
nacional independente, encontra-se hoje, apesar disso, em face do
problema da sua organização política, como se agora surgisse do caos
colonial. As tradições do velho regime, aliadas aos funestos preconceitos
de uma escola política meticulosa e suspicaz, que só vê nas conquistas
morais do progresso e da liberdade invasões perigosas, para quem cada
vitória dos princípios democráticos se afigura uma usurpação criminosa,
há por tal forma trabalhado o espírito nacional, confundido todas as
noções do direito moderno, anarquizado todos os princípios tutelares da
ordem social, transformado todas as consciências, corrompido todos os
instrumentos de governo, sofismado todas as garantias da liberdade civil e
política, que no momento atual têm de ser forçosamente ou a aurora da
regeneração nacional ou o acaso fatal das liberdades públicas.16

Em 1873, no mês de março, a cidade de Itu, no estado de São Paulo, abrigou a


primeira convenção republicana da história do país. Dessa convenção, que contou
com políticos de várias regiões do estado, fundou-se o PRP, Partido Republicano
Paulista, que viria a se somar a outros partidos republicanos: gaúcho e mineiro.
A maioria dos políticos pertencentes ao PRP provinha da elite cafeeira paulista,
portanto seus ideais de república divergiam em certo grau dos ideais dos signatários

15. Esta “Carta Manifesto” pode ser acessada em: https://goo.gl/qL2wgr. Acesso em: 17 fev. 2015.
16. Manifesto Republicano, p. 3. Disponível em: https://goo.gl/qL2wgr.

21
21
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

do Manifesto de 1870. Para os paulistas, o ponto fundamental era a federalização


do país, pois propugnavam maior autonomia política e econômica em relação à
Capital do Império. Um ponto que não foi tocado pelos paulistas foi a liberdade
dos escravos, haja vista que a mão de obra escrava ainda não havia sido substituída
totalmente pela imigração europeia; também não defendiam as liberdades civis e
políticas dos cidadãos.

Os cafeicultores paulistas estavam entre os insatisfeitos com o regime vigente.


Era apenas o começo do caminho que seria percorrido até o final do século XIX.
A monarquia continuava concedendo títulos e honrarias e privilegiando pequenos
grupos que giravam em torno do imperador no Rio de Janeiro, enquanto que São
Paulo continuava sub-representado no Parlamento e nos órgãos da monarquia.
A província de São Paulo, com economia em expansão, contribuía cada vez mais para
a receita do Império, gerando insatisfação na elite paulista, alijada do poder central.

Os republicanos da capital foram bastante ativos em suas propagandas pelos


jornais e clubes republicanos, mas não constituíram um partido, como os que
foram organizados em São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul. Os paulistas do
PRP se alinharam aos Conservadores e elegeram, na década de 80 do século
XIX, dois representantes para a Câmara dos Deputados: Prudente de Morais e
Campos Sales, que por coincidência se tornariam os dois primeiros presidentes
civis da história da república brasileira. Mesmo elegendo dois representantes
para a Câmara, o PRP paulista ainda era o terceiro partido em importância
na província. “Segundo estimativas de 1889, um quarto do eleitorado paulista
(3592 pessoas) era republicano, ficando, porém, atrás dos liberais (6637) e dos
conservadores (3597)”.17

O regime de governo republicano foi um ideal presente no meio político-inte-


lectual desde o primeiro reinado brasileiro. A mesma coisa ocorreu na segunda
década do século XIX na América espanhola. Simón Bolívar, ao desencadear a luta
pela independência, se questionava sobre qual a melhor forma de governo para a
América independente. Apesar de rejeitar uma monarquia nos moldes europeus,
não estava convicto de que o ideário republicano seria a melhor forma de governo
para um território tão extenso. No Brasil, o modelo monárquico prevaleceu auto-
maticamente. Apesar de não ter se tornado o “grande país”, como propugnava
Bolívar, cada país independente da América espanhola aderiu ao republicanismo.
Bolívar chegou a pensar em um “meio termo” para se fazer a transição da América
cativa para a liberdade.

17. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002.

22
No convengo en el sistema federal Não concordo com o sistema da fe-
entre los populares y representativos, deração entre o povo e representantes,
por ser demasiado perfecto y exigir por ser demasiado perfeito e exigir vir-
virtudes y talentos políticos muy tudes e talentos políticos muito superio-
superiores a los nuestros; por igual res aos nossos; pela mesma razão recu-
razón rehuso la monarquía mixta de so a monarquia mista de aristocracia e
aristocracia y democracia que tanta democracia, que tanta riqueza e esplen-
fortuna y esplendor ha procurado a dor tem proporcionado à Inglaterra.
Inglaterra. No siéndonos posible lograr Não nos sendo possível alcançar entre
entre las repúblicas y monarquías lo as repúblicas e monarquias o mais per-
más perfecto y acabado, evitemos feito e acabado, evitemos cair em anar-
caer en anarquias demagógicas, o en quias demagógicas, ou em tiranias mo-
tiranías monócratas. Busquemos un nocratas. Busquemos um meio termo
medio entre extremos opuestos que nos entre extremos opostos que nos levam
conducirán a los mismos escollos, a la às mesmas armadilhas, à infelicidade
infelicidad y al deshonor. Voy a arriesgar e à desonra. Vou arriscar o resultado
el resultado de mis cavilaciones sobre la dos meus pensamentos sobre o destino
suerte futura de América; no la mejor, futuro da América; não o melhor, mas
sino la que sea más asequible. sim o que seja mais acessível.
Para cada região, Bolívar havia pensado em um sistema que fosse mais adequado
para a transição política, até se chegar ao modelo republicano. No Brasil, o ideal
republicano não encontrou solo fértil até o final dos oitocentos, pois “a consolidação
da monarquia brasileira não abriu mão do poder e da autonomia das elites provinciais,
mas foi na negociação da elite política imperial com as elites provinciais que a
monarquia pôde firmar-se como modelo de governo da nação independente”.18
Foi somente quando essas elites provinciais se sentiram alijadas do pacto imperial,
e de sua parcela de poder, que se aliaram a movimentos e instituições insatisfeitas
com a monarquia e que o poder do regime monárquico começou a ruir. O ideal
republicano estava longe de ser consenso entre os que aderiram a esse regime
de governo, nem mesmo havia coerência em sua interpretação, tanto que o PRP
passou longe de tratar da condição dos cativos, mas de uma coisa estavam certos:
precisavam se unir para chegar ao poder.

18. BORGES, Luiz Adriano Gonçalves. Notas sobre o conceito de elite para Brasil do oitocentos. In: Anais do Encontro
Estadual de História da ANPUH-SP, 2010, Franca, p. 11. Disponível em: https://goo.gl/mDwuRe. Acesso em:
17 fev. 2015.

23
23
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Explor
Observe os quadros a seguir! Eles dão uma amostra de como os republicanos se articularam para
divulgar seu ideário. Fonte: Oliveira Vianna. O ocaso do Império. São Paulo: Melhoramentos,
s/d, p. 112-114.
Quadro 1 – Jornais Republicanos por Província
São Paulo (21), Rio de Janeiro (14), Minas Gerais (11), Rio Grande do Sul (11),
Pernambuco (3), Santa Catarina (3), Amazonas (2), Paraíba (2), Sergipe (2), Alagoas (1),
Bahia (1), Espírito Santo (1), Maranhão (1), Mato Grosso (1).
Quadro 2 – Clubes Republicanos por Província
Minas Gerais (56), São Paulo (48), Rio de Janeiro (46), Rio Grande do Sul (32),
Santa Catarina (15), Espírito Santo (8), Pernambuco (6), Pará (5), Paraná (4), Sergipe (3),
Mato Grosso (3), Bahia (3), Maranhão (2), Cerará (2), Rio Grande do Norte (1),
Amazonas (1), Alagoas (1), Piauí (1), Goiás (1).

Segundo Ana Luiza Martins, “foi desenvolvido pelos republicanos um papel dou-
trinador efetivo, atingindo diversos canais, que incluíam jornais, clubes republica-
nos, criação de bibliotecas populares, escolas de primeiras letras para os desvali-
dos, sociedades secretas”.19 O alcance da propaganda republicana, apesar do alto
índice de analfabetismo no país, não foi nada desprezível. Ana Luiza Martins ainda
comenta que, ao cair o império, a ideia de República já estava bastante dissemina-
da, principalmente nas Províncias de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul
e Rio de Janeiro. A propaganda republicana foi intensificada, principalmente após
a reunião de políticos em Itu no ano de 1873, e contou com a oratória fácil dos
jovens políticos que espalhavam as ideias liberais e ao mesmo tempo apontavam os
males que eles acreditavam ser o motivo do atraso do país, ainda vinculado a uma
monarquia absolutista.

O Positivismo e a Causa Republicana


O Positivismo, filosofia que prevaleceu entre os militares do exército20 brasileiro
e que muitos historiadores afirmam ter influenciado ideologicamente a proclamação
da República, é um tema complexo. Para José Carlos Souza Araújo, o positivismo
esteve recluso ao campo da utopia. É interessante notar que, na história política do
Brasil, o que prevalece, invariavelmente, são as alianças por interesses particulares,
havendo, assim, uma troca de favores que parece interminável. Dado o exemplo de
nosso contexto atual, em que as alianças parecem ser feitas, única e exclusivamente,
para a manutenção do status quo.

19. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, pp. 70-71.
20. D. MACCANN, Frank. Soldados da pátria: história do exército brasileiro 1889-1937. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.

24
Figura 2 – ASV. Fasc. 417, p. 25v
Fonte: Archivio Segreto Vaticano

O povo continua sendo o que definiu José Murilo de Carvalho: “para os conse-
lheiros do Império, o Brasil era um sistema heliocêntrico, dominado pelo sol do es-
tado, em torno do qual giravam os grandes planetas do que chamavam “as classes
conservadoras” e, muito longe, a miríade de estrelas da grande massa do povo”21.
Carneiro Pessoa, no capítulo IV da sua tese de doutoramento (USP), analisou “a li-
nha de ação revolucionária da propaganda republicana”22 e fez uma observação so-
bre a propagação desse ideal através dos grupos republicanos e suas divergências:
Isto posto leva-se a crer que não existia, já nessa época, unidade quanto
ao encaminhamento que deveria ser dado para se alcançar o objetivo
principal, ou seja, a derrubada da monarquia no país. Em 1883, na pu-
blicação do opúsculo de sua autoria ‘Combate Republicano n. 1’ (TRO-
VÃO, Lopes. O combate: republicanos brasileiros. Rio de Janeiro, Imp.
Contemporânea, 1883. n. 1. p. 27), Lopes Trovão atesta a existência, no
município da Corte, de três grupos republicanos distintos. Denomina-os
‘evolucionistas’, ‘evolucionistas revolucionários’ e ‘revolucionários’, que
tinham em Quintino Bocaiúva, Aristides Lobo e Ferro Cardoso, respec-
tivamente, os mais lídimos representantes. Informa ainda existirem duas
facções intermediárias, uma simbolizada por Ubaldino Amaral, que con-
federava os ‘evolucionistas’ aos ‘evolucionistas-revolucionários’, e a outra
representada por ele mesmo – Lopes Trovão – ou Matias Carvalho, que
concatenava os ‘evolucionistas-revolucionários’ aos ‘revolucionários’23.

A política esteve sempre mais a serviço de interesses particulares e alianças do


que na defesa de ideais e da boa conduta dos políticos. Então, o positivismo foi
mais uma defesa acadêmica do que uma ideologia que moveu seus seguidores a im-
plementar mudanças no país. Baseado nessa filosofia, importada do velho mundo
sem ser adaptada à nossa realidade, o positivismo foi utilizado por um dos grupos

21. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 190.
22. PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico no segundo reinado: 1870-
1889. Tese de doutorado em História Social. FFLCH USP. São Paulo: AESP, 1983, Coleção Monografias 6, p. 169.
23. Idem, pp. 176-177.

25
25
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

para se instalar no poder. Agiu como outros grupos, pensando mais em seus inte-
resses do que no povo.
De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder
das ideias pareceu-nos a mais dignificante em nossa difícil adolescência
política e social. Trouxemos de terras estranhas um sistema complexo e
acabado de preceitos, sem saber até que ponto se ajustam às condições da
vida brasileira e sem cogitar das mudanças que tais condições imporiam.
Na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se
naturalizou entre nós. Só assimilamos efetivamente esses princípios até
onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade in-
cômoda [...] Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de
acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios [...] E assim
puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou
decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para a
época e eram exaltados nos livros e discursos24.

Inegável que essas mudanças vieram, gradativamente, com o tempo e com as


novas políticas, mas não porque essas mudanças estavam bem fundamentadas em
uma ideologia, que pouquíssimos aqui conheciam, com seu devido rigor científico,
a ponto de propagá-la como fundamento para as reformas políticas no país, no
momento da proclamação da República. Estou de acordo nesse ponto com Ana
Luiza Martins, que aborda o positivismo no Brasil da seguinte forma:
Fala-se muito na influência do positivismo entre os homens que prepara-
ram a República no Brasil, como se aquela geração conhecesse a fundo
a imensa obra do filósofo francês Augusto Comte (1798-1857), seu fun-
dador. [...] Isso precisa ser visto com reservas. [...] Os livros positivistas,
naquela altura sem tradução no Brasil e pouco encontrados no original
francês, não constavam do acervo das bibliotecas do país [...] De uma
ou outra biblioteca particular talvez, como a de Teixeira Mendes (1855-
1927), Pereira Barreto (1843-1923) ou Miguel Lemos (1854-1917), or-
todoxos da doutrina. Além do mais, num país de grande maioria analfabe-
ta, os poucos alfabetizados não tinham na filosofia sua leitura predileta25.

Não se deve negar, totalmente, a influência dessa doutrina positivista em alguns


meios de influência política, como foi o caso no Rio Grande do Sul, entre um grande
número de militares, pois essa doutrina foi aplicada com eficiência por Benjamim
Constant, e pela “mocidade militar”, na academia militar do Rio de Janeiro e se ex-
pandiu fortemente para aquela região de fronteira, onde o Brasil mantinha um gran-
de contingente de soldados para se precaver de invasões e demarcar seu território.

24. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 160.
25. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, p. 56-58.

26
Explor
Positivismo: “é uma corrente de pensamento cujos princípios básicos foram formulados
pelo pensador francês Augusto Comte (1798-1857). [...] Partindo da tradição romana e
da experiência jacobina na Revolução Francesa de 1789, Comte considerava ser a ditadura
republicana a melhor forma de governo para as condições de sua época. Opunha-se assim
à Republica liberal, que se baseia na ideia de soberania popular, sendo o poder exercido em
nome do povo através de um mandato. Membros do Congresso ou o presidente da República
recebem dos eleitores esse mandato periodicamente renovável, por ocasião das eleições. O
princípio de representação é assim básico no modelo liberal de República. [...] A ditadura
republicana concebida por Comte não correspondia ao nepotismo, mas implicava a ideia de
um governo de salvação no interesse do povo. Teoricamente, o ditador republicano deveria
ser representativo, mas poderia afastar-se do povo em nome do bem da República. Ele seria
eleito por toda a vida e poderia influir na escolha de seu sucessor. [...] Nos meios militares
brasileiros, a influência do positivismo só raramente se deu pela aceitação ortodoxa de seus
princípios. Em geral, os oficiais do Exército, assim como muitos estudantes e professores,
absorvem aqueles aspectos mais afinados com suas percepções. A ditadura republicana
assumiu a forma de defesa de um Exército forte e intervencionista, capaz de modernizar o
país, ou simplesmente a da ditadura militar [...] Outros elementos de atração do positivismo
eram a separação da Igreja e do Estado e a clara preferência pela formação técnica, pela
ciência e pelo desenvolvimento industrial [...] na neutralização dos políticos tradicionais
[...]”. BORIS, Fausto. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 232.

O positivismo serviu como um ideal para uma classe esquecida desde a Indepen-
dência do Brasil pelo governo monárquico. A doutrina foi bem recebida, então, en-
tre os militares que almejavam maior influência no destino do país, principalmente
depois da campanha “vitoriosa” na Guerra do Paraguai. O positivismo foi uma
“tábua de salvação”, na visão deles, para renovar o país. Então, o que aconteceu
foi que no meio em que essa doutrina conseguiu penetração se propagou, mas não
a ponto de ser consenso entre os republicanos. Encantou, no entanto, uma parcela
considerável de atores do movimento republicano que conheceu a doutrina positi-
vista. Ana Luiza Martins escreveu ainda que
[...] a doutrina positivista - baseada nas ciências exatas, no conhecimento
racional e pregando a Ordem e o Progresso - contrapunha-se às ideias
românticas e não muito objetivas que caracterizavam o Segundo Império.
[...] Correspondia de certa forma a um anseio generalizado das camadas
letradas do país que esperavam do governo projetos mais consistentes [...]
oferecendo mudanças, que passavam pela separação entre Igreja e Esta-
do, pelo trabalho e educação para todos [...] combatendo os privilégios
[...] Positivistas ortodoxos foram poucos, que inclusive propunham uma
ditadura republicana para a manutenção da ordem. [...] Adotou-se o po-
sitivismo como rótulo de uma conduta ideal de oposição à Monarquia26.

26. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto, 2001, p. 56-58.

27
27
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Corroborando e concluindo a nossa análise sobre a real influência do positivis-


mo, no início da “velha república”, o diretor do Centro Positivista do Brasil, Miguel
Lemos, em 25 de maio de 1889, enviou uma correspondência ao Senador Silveira
Martins, na qual os pontos fundamentais seguem:
Permita V. Es. Que oponha algumas observassões a un tópico de seu
discurso pronunsiado onten no Senado, en que V. Es. fês algumas refe-
rências à dotrina de Augusto Comte [...] não é meu propozito entrar en
grandes dezenvolvimentos [...] Não á duvida que a nóssa propaganda,
que já conta con nove anos de trabalhoza ezistensia ten nessessariamen-
te modificado a orientassão das aspirassões republicanas entre nós. Esta
influênsia á de ir cressendo com o tenpo até tornar-se dessiziva i predo-
minante no dia en que o partido republicano axar enfin un xéfe na altura
das sircunstânsias, tão diferente dos retóricos i jornalistas que até oje o
ten capitaneado, como dos falsos profétas, que se esforsarão por esplorar
en proveito próprio o crédito cada vês maiór da dotrina rejeneradora. En-
cuanto a situassão não se tornar ben nítida, não será pequena dificuldade
para o partido republicano separar en similhante influcso o esforso onésto
i convensido da mistificassão xarlatanesca i inepta27. [sic]

Mesmo o positivismo não tendo a influência que alguns pesquisadores apontam,


o catolicismo, atrelado ao poder, combateu sua ideologia “funesta”, que poderia
desencaminhar principalmente a juventude, devido à ênfase laicista da educação.
No jogo político, as ideologias que tentavam servir de base para o republicanismo
no Brasil foram ganhando adeptos e adversários ao longo de nossa história, que,
cada vez mais, foi se tornando um caldeirão de ideais para satisfazer os diversos
grupos que compunham o poder.

A Maçonaria na Causa Republicana


A maçonaria foi um importante agente político-institucional que perpassou toda
a história do Brasil Império e com ele se confunde. A maçonaria é uma sociedade
secreta e que tradicionalmente esteve presente na base de divulgação do pensa-
mento liberal e da propaganda republicana. Difundida em todo o mundo, ela adota
os princípios da fraternidade e da filantropia, sendo uma associação exclusivamen-
te de homens, pelo menos até boa parte do século XX. Os quadros da maçonaria
eram compostos por profissionais liberais que davam suporte teórico à luta pela
emancipação do sistema colonialista em todo contexto latino-americano onde este-
ve presente e, consequentemente, participou da propaganda republicana no país.

No Brasil, a maçonaria se envolveu, mesmo antes de ter uma loja formalmente


instalada em nosso território, com a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana
no final do século XVIII e início do século XIX. Em seus quadros passaram impor-
tantes personalidades: do clero, em especial o alto clero; homens ligados às Ordens

27. ANRJ. Cocac/Bib: microfilme 0017 COD. OR-F-SPO/003 OR 040 4 [sobre o positivismo].

28
Religiosas; os irmãos Andradas, políticos influentes no período da Independência;
D. Pedro I; depois D. Pedro II; entre outros influentes políticos e homens de negó-
cios. Segundo Ana Luiza Martins,

Loja Maçônica Tito Escocês Antigo (RJ). Câmara do Santo Império é usada para reuniões
Explor

administrativas do Supremo Conselho: https://goo.gl/5esSfv

A maçonaria [...] sempre presente nos movimentos liberais do Brasil,


desenvolveu um papel fundamental, que ainda está para ser estudado.
Já fizera sua parte na independência política do país e agora trabalhava
pela República. Tratava-se de instituição poderosa internacionalmente,
que pairava acima dos partidos, dos credos religiosos, das agremiações
cristãs e laicas do período [...] Encontravam-se liberais e conservadores,
republicanos e monarquistas, militares, civis e religiosos, fossem católicos,
protestantes e até espíritas. E com “lojas” disseminadas por todo o país,
comandou parte significativa da campanha republicana.

Esse “serviço” prestado pela maçonaria em prol da campanha republicana foi


articulado através da instalação de bibliotecas públicas, que emprestavam livros
para pessoas que não poderiam adquiri-los. Assim poderiam, sem levantar suspei-
tas, politizar e informar os usuários de seus serviços gratuitos. Ana Luiza Martins
nos informa em seu livro que nas bibliotecas eram encontrados muitos roman-
ces inofensivos, mas também teóricos que contestavam o regime monárquico.
Como exemplo, a autora cita iluministas como Montesquieu, Rousseau e Voltaire,
além de jornais republicanos e livros de teóricos liberais. Nas escolas de alfabetiza-
ção dos republicanos, o lema era “ilustrar para libertar”. Essas escolas de alfabeti-
zação também contavam com professores para o período noturno, onde a filiação
também era às lojas maçônicas. Os clubes republicanos completavam o sistema
propagandístico dos republicanos com o apoio da maçonaria.

Importante! Importante!

A imprensa constitui-se num dos mais poderosos recursos da campanha (republicana),


arma eficaz de contestação do regime (monárquico). A imprensa foi a responsável pela
criação da mítica republicana como proposta de modernidade, tratou de demolir o ed-
ifício monárquico pelo simples uso da palavra (Ana Luiza Martins). As charges impressas
nos jornais republicanos foram uma importante arma didática para instruir a população
pouco letrada. A charge também foi utilizada pelos jornais abolicionistas dos oitocentos
para tentar conscientizar as pessoas sobre os males da escravidão! Ver em: MODENESI,
Thiago Vasconcellos.

29
29
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

As Crises que Colocaram


a Monarquia em Xeque
Tornou-se um clássico da historiografia do Império brasileiro a análise que
coloca grande assento em três instituições, que primeiramente sustentaram e
depois abalaram os alicerces da Monarquia. Boris Fausto28 ameniza o acento
dado ao abalo entre o catolicismo e a monarquia, no entanto em estudos mais
recentes, o catolicismo, ao se ressentir com o trono, tirou-lhe a sustentação do altar
e contribui bastante para sua queda. Para Fausto, o acento está na disputa entre
elites divergentes, esquecendo-se de que o catolicismo era formado por uma forte
“elite eclesiástica” que defendia interesses!

Para Ana Luiza Martins, essas três crises são fatais:


Já se viu que a monarquia no Brasil assentava-se na ordem escravocrata,
ligava-se à Igreja Católica e, nos últimos anos, dependia de um exército in-
satisfeito. Assim na eventualidade da suspensão desses laços, o Império não
se sustentaria, apoiado que estava nessas instituições já debilitadas. Foi ao
que se assistiu ante as três crises que abalaram a posição do Trono, levando-
-o à queda fatal. A abolição da escravatura, a questão religiosa e a questão
militar, três manchetes decisivas que encaminharam o fim do regime.29

As crises que colocaram em xeque a monarquia, a saber: a abolição da escravatura, a questão


Explor

religiosa e a questão militar, já foram bem exploradas na disciplina de Brasil Império, mas
para aprofundar esses temas ficam as indicações bibliográficas a seguir:
GOMES, Edgar da Silva. A dança dos poderes. São Paulo: D’Escrever, 2009.
CHALHOUB, Sidney. A força da escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
CARVALHO, José Murilo de (Coord.). A construção nacional (1830-1889). Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

Uma República para os Bestializados


O republicanismo, apesar das raízes profundas em nível de debate teórico-ide-
ológico, foi implantado no Brasil na base do susto, como uma forma de disputa
interna na hegemonia de poder político entre monarquistas e republicanos, que
não desejavam dar mais poder a Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde
de Ouro Preto. No quadro abaixo, uma correspondência do núncio brasileiro ao
Secretário de Estado do Vaticano nos revela que o maior interesse do Marechal

28. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 236.
29. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto: 2001, p. 79.

30
Deodoro se concentrava antes em derrubar o gabinete do Visconde de Ouro Preto,
do que propriamente em se fazer a proclamação da República. Em tradução livre
da parte que nos interessa do documento, o núncio diz: “Algumas particularidades
em torno da revolução [...] a Proclamação da República dos Estados Unidos do
Brasil [...] várias pessoas sérias me repetiram o que me parece bastante fundamen-
tado, especialmente depois que um grande amigo que tenho em comum com o
Marechal Deodoro me confidenciou esta manhã que este não intencionava pro-
clamar a república, mas derrubar [...] o Visconde de Ouro Preto do qual a todos é
notória a energia e audácia, e que se preparava para fazer um golpe de estado”.

Segretario di Stato (CONFIDENCIALE)


Alcuni Particolari intorno alla rivoluzine
Non posso lasciar partire il mio foglio d’officio di ieri n. 529 sulla condotta dell’Impero
e la Proclamazione della Republica degli Stati Uniti del Brasile senza riferire
confidenzialmente a V.Ex.R. una spriegazione da varie persone serie ripetutami e
che mi sembra abbastanza fondata, specialmente dopo che ho intesa un’apertura
fatta con tutta sincetita e confidenza questa mattina dal Meresciallo Deodoro ad
un suo grande e mio amico, che cioè questo non intendeva affatto proclamare la
repubblica, ma gettare a terra il Ministro e specialmente il Visconte d’Ouro Preto di
cui a tutti è nota l’energia e l’audacia e che si preparava a fare un colpo di stato nel
in Xbre. Tutti del resto affermano che la reazione era stabilita per quel giorno la casa
e come segue. ASV. LIBRI 60, p. 86v.

Este documento confidencial, trocado entre a nunciatura do Brasil e o secre-


tário de Estado do vaticano, nos aponta uma possibilidade, e como nenhuma
mudança política contenta a todos os grupos, houve sim um conturbado proces-
so de disputa de poderes entre os diversos grupos que detinham algum poder.
Nessa fase de transição, havia muitos interesses divergentes, inclusive em relação
à organização do novo regime e a como as forças políticas em disputa seriam
rearranjadas no poder. Por exemplo, as principais províncias da época - Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo - defendiam a organização da nação em
unidades federativas, onde cada Estado da União pudesse gozar de certa sobe-
rania político-administrativa. Contudo, a ala republicana mais conservadora do
regime nascente combatia esse formato por achar que este poderia ser o aval
para o desmantelamento da nação.

Minas Gerais e São Paulo ainda sustentavam a organização do poder pelo viés
do liberalismo político, enquanto que a forte tradição militar do Rio Grande do Sul,
de formação positivista, defendia, assim como outros militares do exército que fre-
quentavam o poder, um modelo forte centralizado no soldado cidadão, que levaria
a nação ao desenvolvimento político e social através da ordem e do progresso.
Positivistas ou não, o exército, por natureza, combatia o modelo de política liberal;
defendia, antes de qualquer coisa, um Poder Executivo forte. O exército, berço dos
positivistas republicanos, queria o progresso, desde que feito com ordem, nem que
para isso fosse necessária uma ditadura.

31
31
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Mesmo com todos os conflitos existentes entre as correntes que compunham


o incipiente republicanismo brasileiro, a transição Império-República não foi um
evento traumático e de grandes conflitos no que diz respeito às transformações na
vida da sociedade.

A mudança de regime político continuou justificando estruturas sociais e econô-


micas opressivas para a grande maioria da população. Em geral, a vida das cama-
das baixa e média da sociedade continuava sem muita novidade. O maior problema
foi que “os vários grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos e
divergiam quanto à concepção e organização da forma de governar a República”30.
Para Silvio Romero, em 1894, a situação política do país estava confusa e, mais
ainda, com a interferência desordenada dos positivistas:
E, se quereis a prova, experimentai. Pegai dum desses maiores agitados
[...] e perguntai-lhes sobre suas ideias, por suas doutrinas, suas vistas práti-
cas sobre os mais sérios problemas nacionais; indagai sobre seu programa
político-social, e em respostas, recebereis apenas sofisticarias e rabulices
[...] como a do tempo do Império31. [sic]

Em vez de trazer as reformas sociais de que o país necessitava para se inserir


no desejado progresso técnico-científico, que estava bastante atrasado por aqui em
relação à Europa e aos Estados Unidos, as reformas político-sociais, decisivamente,
não foram implantadas pelos republicanos, pois havia duas vertentes “promotoras”
da nova ordem republicana, que não falavam a mesma língua.

De um lado, os representantes, em especial do PRP, em ascensão, detentores


de capital, mas sem poder efetivo, ainda lutavam por maior representação no
cenário político. Além disso, os republicanos estiveram aninhados no poder mo-
nárquico sem grandes transtornos, pois o ideário republicano no Brasil convivia
com as conveniências do absolutismo imperial e era afagado pelo regime no
velho sistema do “toma lá, dá cá”.
Do outro lado, os militares, com suas metas distantes da realidade brasileira,
tinham feições utópicas32 por causa do forte viés ideológico-positivista. Em sua
maioria alocados no sul do país, eram estes mais intelectuais do que republicanos,
no senso estrito da palavra ideologia, uma vez que estavam mais ligados ao exérci-
to, longe de serem políticos empreendedores.
Para Júlio de Castilhos, como para todos os pensadores positivistas, a
falência da sociedade liberal consistia em basear-se nas transações em-
píricas, fruto exclusivo da procura dos interesses materiais. [...] O líder
gaúcho propunha ao Congresso constituinte a instauração de um regime

30. ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República brasileira. In: Ibérica Revista
Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010.
31. ROMERO, Sílvio. Doutrina contra doutrina. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 100.
32. “Um estado de espírito é utópico quando está em incongruência com o estado de realidade dentro do qual ocorre [...]
Iremos referir como utópicas somente aquelas orientações que, transcendendo a realidade, tendem a se transformarem
em conduta, a abalar, seja parcial ou totalmente, a ordem de coisas que prevaleça no momento”. Cf. MANNGEIM,
Karl. Ideologia e utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 216.

32
moralizador, baseado não na preservação de sórdidos interesses mate-
riais, mas fundado nas virtudes republicanas. Ao ver que suas ideias não
tiveram efeito no plano nacional, decidiu encarnar a sua ideia no governo
do Rio Grande do Sul33.

Com todas essas divisões internas, nem mesmo a Constituição trouxe grandes
avanços políticos e sociais para o país. Para Bonavides e Andrade,34 sobre esse
tema, o fracasso da Primeira República foi, sem dúvida, a demora em se fazer uma
revisão apropriada da Constituição, ao se passar o imediatismo do momento, que
foi necessário para frear o ímpeto dos amantes do monarquismo de reconduzir o
país ao antigo regime.

O exército era antiliberal e, apesar da divisão, Benjamin Constant e Floriano


Peixoto se uniram em nome da ordem e da preservação do exército como força
constituinte do Estado. Eram contrários à autonomia dos estados pelo medo de
fragmentação do país, mas aceitavam o modelo federativo para barganhar em ou-
tros campos. A política do “toma lá, dá cá” é bastante persistente na nossa história
política, fazendo, muitas vezes, alianças bastante ecléticas para acomodar todos os
interesses existentes.

“Um estado de espírito é utópico quando está em incongruência com o estado de realidade
Explor

dentro do qual ocorre [...] Iremos referir como utópicas somente aquelas orientações que,
transcendendo a realidade, tendem a se transformarem em conduta, a abalar, seja parcial ou
totalmente, a ordem de coisas que prevaleça no momento”. Cf. MANNGEIM, Karl. Ideologia
e utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, p. 216.

“Na constituição do primeiro governo, Deodoro o faz de maneira bastante ec-


lética já que positivistas, e republicanos, históricos e liberais, estivessem juntos em
uma mesma forma de governabilidade”35. Foram feitos muitos arremedos que, na
teoria, não deixavam de ser interessantes, mas cujo funcionamento, na prática, era
bem outro. “[...] A primeira constituição republicana foi inspirada na constituição
dos Estados Unidos, consagrando assim a república federativa liberal [...] entretanto
toda essa força dos Estados não se comparava a um ultrafederalismo”36.

33 RODRIGUES, Ricardo Velez. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília: BSB, 2000, p. 103.
34 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
35 ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República brasileira. In: Ibérica Revista
Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010, p. 59.
36 ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República brasileira. In: Ibérica Revista
Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-americanos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010, p. 59.

33
33
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

“Não se definindo quanto à questão primordial da escravidão, o Partido Repu-


blicano Paulista pôde abrigar fazendeiros escravistas declarados e abolicionistas
ferrenhos. Naturalmente, o grupo urbano, abolicionista, retraiu-se e, à margem do
partido, envolveu-se profundamente e à sua
maneira na campanha da emancipação e da
abolição do então chamado ‘elemento servil’.
O que se formou, portanto, ao constituir-se o
Partido Republicano Paulista, foi um partido de
fazendeiros cafeicultores na sua maioria, mas
que incluía também bacharéis progressistas”
(MARTINS, op. cit., p. 65).

A política reforçou seu enfoque de poder


na regionalização, na qual a radicalização e o
mandonismo, na figura dos “coronéis”, man-
tiveram a economia anterior, ou seja, focada
na agricultura, pois até mesmo a industrializa-
ção do país só ganhou contornos novos após
a década de 30 do século XX. Com os republi-
canos fracionados, o novo regime acaba não
Figura 3 – Revista Illustrada 351,
resolvendo tudo o que propunha após derruba- de 1883. (MODENESI, op. cit.)
rem a monarquia. Fonte: Museu Imperial

Proclamando a República
O imperador, já bastante debilitado, estava chegando ao fim de sua vida. Morreu
pouco mais de dois anos após a proclamação da República, no dia 5 de dezembro
de 1891, em Paris. O temor de que seu genro, o francês Conde D’Eu, assumisse
o trono era temor de parte dos políticos do império brasileiro. Para Boris Fausto,
sua doença, um diabetes, teria tirado o elemento estabilizador da cena política e
acelerado o fim da monarquia. O Exército andava em constantes atritos com a elite
imperial, que acreditava na autoridade civil e afrontava o exército nomeando civis
para o Ministério da Guerra. O terceiro reinado foi na história do Brasil apenas um
sonho não concretizado pela princesa Isabel e seu consorte, o Conde D’Eu, consi-
derado uma personalidade “discutível”.

A transição do Império para a República, no dia 15 de novembro de 1889, foi


quase um acaso da história. Parte do exército estava ávida pela proclamação da
República. Em uma sessão do Clube Militar, Benjamin Constant e a “Mocidade
Militar” se sentiam humilhados e tolhidos do poder pelos civis que comandavam
a política, mas “para que o movimento não ficasse qualificado como uma simples
quartelada, já se havia feito a aproximação com alguns republicanos civis [...]

34
faltava principalmente confirmar a adesão de Deodoro e tentar ampliar contato
com outros oficiais superiores”.37

A preocupação do Marechal Deodoro com seu velho amigo D. Pedro foi tratada
pouco antes da derrubada da monarquia. “No dia 10, Benjamin foi à casa de
Deodoro informá-lo da sessão do dia anterior no Clube Militar e falar-lhe claramente
sobre a necessidade de uma revolução republicana”. Ao ser perguntado sobre “o
velho”, Benjamin garantiu que D. Pedro seria tratado com dignidade e ainda pediu
a Deodoro que se colocasse à frente do movimento republicano. Foi colocado a
Deodoro que os militares necessitavam dar um caráter mais amplo à “revolução” e,
no dia seguinte, republicanos históricos, como Quintino Bocaiuva e Aristides Lobo,
e os de última hora, como Rui Barbosa e Francisco Glicério, foram convidados a
tomar parte no plano de proclamação da República.38

Pouco antes da proclamação da República, os “revolucionários” acreditavam


que encontrariam resistência por parte do Governo. Esse foi um dos motivos para
que o Marechal Deodoro tomasse a frente da tropa, pois o marechal era um militar
bastante respeitado, tanto no exército quanto pelo próprio imperador, que estava
para ser deposto. Para ajudar mais a calmaria da transição, Deodoro comunicou a
Floriano Peixoto que nos quartéis havia um clima de revolta com a política de Ouro
Preto, mas Floriano ainda pensava em conciliação com o governo. No entanto, foi
convencido por Deodoro, que disse que não ficaria mais contente só com palavras.
Com isso, Floriano toma parte no plano e teria dito: “enfim, se a coisa é contra os
casacas, lá tenho ainda a minha espingarda velha”.39
Textos básicos para entender mais sobre o conteúdo produzido nesta Unidade!
Explor

CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.


MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto: 2001.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002.

Para o governo, seria muito importante que Floriano estivesse no comando de


suas linhas de defesa contra os “revolucionários”. Para Celso Castro, o persona-
gem Floriano é uma incógnita na história, tratando-o como uma “esfinge” da polí-
tica brasileira. Não se sabe se Floriano estava ao lado dos rebeldes ou se esperava
para tomar partido do “vencedor”, deixando sua decisão de qual lado ficar para os
últimos instantes dos acontecimentos.
O fato é que tanto golpistas quanto governo contavam com Floriano a seu
lado na hora do combate. Floriano escreveu uma carta, no dia 14 de no-
vembro, para Ouro Preto informando que: “se tramava algo”, que tomou
diversas providências, ordenando que a Polícia e a Guarda Nacional fossem
postas de prontidão [...] Durante toda a madrugada, oficiais inferiores dos
regimentos de artilharia e cavalaria, além dos alferes-alunos da ESG, rebe-
lados, organizaram a saída das tropas para atacar o governo. Ouro Preto,

37. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 67.
38. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, pp. 68-69.
39. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 69.

35
35
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

informado do que se passava, convoca diversas unidades e se refugia com o


ministério no Quartel-General do exército, de onde deveria ser organizada
a resistência ao golpe. Do lado dos rebeldes, toda a preparação da tropa
para o combate se deu sem a presença de Benjamin e Deodoro, ambos
doentes [...] Do lado do governo, Ouro Preto tentava inutilmente organizar
a resistência. As tropas rebeladas entraram no Campo de Santana no início
da manhã [...] Deodoro entrou na sala em que estava reunido o ministério,
seguido de um grande número de acompanhantes.40

Estava “proclamada a República”. A falta de diplomacia de Ouro Preto no trato


com os militares pode ter sido a faísca que faltava para incendiar o tanque de ga-
solina que estava sendo estocado há quase três décadas. “De qualquer modo, na
tarde do dia 15, embora já deposto o gabinete, republicanos militares e civis ainda
estavam inquietos, por não ter sido formalmente instituída a república”.41

A movimentação se deu apenas após a recepção da notícia que D. Pedro II


pretendia convocar Silveira Martins, inimigo pessoal de Deodoro, para organizar
um novo gabinete. Nesse momento, decidiu-se criar um “Governo Provisório” para
governar o país até a realização de sua Primeira Constituição Republicana.

Quadro 1
Composição do Governo Provisório da República
Marechal Deodoro Presidente
Benjamin Constant Guerra
Quintino Bocaiuva Relações Exteriores
Rui Barbosa Fazenda
Aristides Lobo Interior
Campos Sales Justiça
Eduardo Wandenkolk Marinha
Demétrio Ribeiro Agricultura, Comércio e Obras Públicas

Primeiro decreto republicano: “Fica proclamada provisoriamente e decretada


como forma de governo da Nação Brasileira – A República Federativa”.42 Foram
signatários desse decreto os personagens do quadro acima.

Considerações Finais
A situação na Monarquia, após a Guerra do Paraguai, se complicaria bastan-
te. A guerra, que se estendeu por mais de cinco anos, provocou muitos gastos e
aumentou muito o endividamento do país com a Inglaterra e, após seu final, em
março de 1870, os políticos tradicionais pretendiam retornar a seu status quo,
mas o exército, que levou a cabo o projeto republicano, estava se afirmando como

40. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, pp. 69-73.
41. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 75.
42. CASTRO, Celso. A proclamação da República. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, pp. 75-76.

36
uma instituição com fisionomia e objetivos próprios. Afinal, quem se arriscou nos
campos de batalha foram os militares, que passaram a repudiar o tratamento dado
a eles pelos políticos que ficaram a salvo no país. Os personagens na transição
Império – República são inúmeros e suas causas variadas; existiram desde os mo-
narquistas convictos até os republicanos de última hora, os defensores da abolição
e os aliados da igreja no intrincado quebra cabeça do jogo político. Segundo Ana
Luiza Martins, havia
[...] a valorização dos personagens, reduzindo os movimentos coletivos
às suas figuras de destaque, sobretudo se apresentassem um perfil épico,
glorioso, conveniente à exaltação [...] Nestas circunstâncias, este foi o
momento propício para construção de alguns mitos que perpassam a nossa
história, decalcados até o presente na cena republicana, obscurecendo a
participação de um coletivo que não foi nada desprezível na apreciação
que hoje se faz do movimento.43

Boris Fausto argumenta, em História do Brasil, que a passagem do Império


para a República foi praticamente um passeio. Essa fala é acertada, principalmente
se a compararmos com as transições políticas que fundaram as repúblicas no século
XIX nas Américas, após suas independências. Mas, segundo o mesmo autor, “os
vários grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos e divergiam em
suas concepções de como organizar a república”44.
Quadro 2
PERSONAGENS POSIÇÃO POLÍTICA
Marechal Deodoro da Fonseca Monarquista / Republicano de última hora
Benjamin Constant Militar positivista / de ideário republicano
Saldanha Marinho Republicano histórico
Quintino Bocaiuva Republicano histórico
Francisco Glicério Republicano histórico
Aristides Lobo Republicano histórico
Silva Jardim Republicano histórico
Lopes Trovão Republicano histórico
Rui Barbosa Monarquista / Republicano de última hora
Joaquim Nabuco Monarquista abolicionista
André Rebouças Monarquista abolicionista
Visconde de Ouro Preto Monarquista
Princesa Isabel Monarquista / Religiosa “carola”
Conde D’Eu Monarquista marido da princesa
D. Pedro II Monarquista / Imperador
Américo Brasiliense Republicano líder do PRP
Américo de Campo Republicano do PRP / Abolicionista
Campos Salles Republicano do PRP / Escravista

43. MARTINS, Ana Luiza. O despertar da República. São Paulo: Contexto: 2001, pp. 29-30.
44. FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 245.

37
37
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Explor
Para além dos personagens “mitológicos”, a história da transição Império-República deixa
margens para novos estudos do contexto e de personagens que se tornaram “invisíveis” na leitura
positivista, que realçou alguns “heróis” da disputa entre monarquistas e republicanos. É uma
história que pode ser revisitada, onde novas pesquisas poderão trazer à luz fatos e personagens
importantes desse contexto, e que serão uma nova contribuição para a historiografia da
República no Brasil. Está aí um campo de pesquisas a ser explorado por futuros historiadores.

38
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Livros
A Primeira República (1889-1930): texto e contexto
CARONE, E. A Primeira República (1889-1930): texto e contexto. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Difel, 1976.
1932: imagens construindo a história
DE PAULA, J. 1932: imagens construindo a história. Campinas: Unicamp, 1999.
A Revolução de 1930: historiografia e história
FAUSTO, B. A Revolução de 1930: historiografia e história. 16ª ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
O governo Juscelino Kubitschek
MARANHÃO, R. O governo Juscelino Kubitschek. 5ª ed., v. 1. São Paulo:
Brasiliense, 1988.
Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964)
SKIDMORE, T. E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 14ª ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.

Filmes
Policarpo Quaresma, Herói do Brasil
Direção: Paulo Thiago.
Produção:Gláucia Camargos / Vitória Produções Cinematográficas.
Ano: 1998.
Mauá - O Imperador e o Rei
Data de lançamento 15 de outubro de 1999 (2h 15min)
Direção: Sergio Rezende
Senhora
Data de lançamento 10 de maio de 1976 (1h 50min)
Direção: Geraldo Vietri
O Cortiço
Data de lançamento 16 de julho de 1945 (1h 44min)
Direção: Francisco Ramalho Jr.
A Moreninha
Direção: Glauco Mirko Laurelli

39
39
UNIDADE Transição Império – República: “Mitos e Verdades”

Referência
ANRJ. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Cocac/Bib: microfilme 0017 COD.
OR-F-SPO/003 OR 040 4 [sobre o positivismo].

ARAUJO, Bernardo Goytacazes. A instabilidade política na Primeira República


brasileira. Ibérica Revista Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-america-
nos. Juiz de Fora, n. 12, dez/2009 – mar/2010.

ASV. Archivio Segreto Vaticano, Fasc. 417, p. 25 v. Relatório da nunciatura às


dioceses no ano de 1898, comentando a pouca influência do positivismo no ideá-
rio republicano no Brasil.

BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica. Disponível em: <https://docs.google.


com/file/d/0B5LvcFo6F8zsQWdaaGV5T2tCbUE/edit?pli=1>. Acesso em: 17
fev. 2015.

BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 3ª ed.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

BORGES, Luiz Adriano Gonçalves. Notas sobre o conceito de elite para Brasil do
oitocentos. In: Anais do Encontro Estadual de História da ANPUH-SP, 2010,
Franca, p. 11. Disponível em: <http://www.anpuhsp.org.br/sp/downloads/
CD%20XX%20Encontro/PDF/Autores%20e%20Artigos/Luiz%20Adriano%20
Gon%E7alves%20Borges.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2015.

CARONE, E. O Estado Novo: 1937-1945. 5ª ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 1988.

CARVALHO, J. M. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil.


São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados. 3ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987.

D. MACCANN, Frank. Soldados da pátria: história do exército brasileiro 1889-


1937. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

DOLHNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do


século XIX. São Paulo: Globo, 2005.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 10ª ed. São Paulo: EDUSP, 2002.

FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de república no Império do Brasil.


In: Revista de História, online. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.
com.br/secao/capa/a-ideia-de-republica-no-imperio-do-brasil>. Acesso em: 17
fev. 2015.

FONSECA. Silvia Carla Pereira de Brito. O conceito de república nos primeiros


anos do Império: a semântica histórica como um campo de investigação das ideias
políticas. Anos 90, Porto Alegre, v. 13, n. 23/24, p.323-350, jan./dez. 2006.

40
GOMES, Edgar da Silva. A dança dos poderes. São Paulo: D’Escrever, 2009.

GOMES, Edgar da Silva. O catolicismo nas tramas do poder: a estadualização


diocesana na primeira república (1889-1930). Tese de Doutorado em História So-
cial, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.

HOLANDA, Sérgio Buarque de (Dir.). História geral da civilização brasileira:


o Brasil monárquico, V.7, 2: Do Império à República. 7ª ed. Rio de Janeiro: Ber-
trand, 2005.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995.

JANOTTI, M. L. M. O coronelismo. 4ª ed., v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.

Manifesto Republicano de 1870: Carta Manifesto. Disponível em: <http://dis-


ciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/132887/mod_resource/content/2/manifes-
to%20republicano%201870.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2015.

MANNGEIM, Karl. Ideologia e utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

MARTINS, Ana Luiza. O despertar da república. São Paulo: Contexto, 2001.

MODENESI, Thiago Vasconcellos. Educação para abolição: charges e histó-


rias em quadrinhos no Segundo Reinado. Dissertação de Mestrado em Educação,
UFPE, 2011.

PESSOA, Reynaldo Xavier Carneiro. O ideal republicano e seu papel histórico


no segundo reinado: 1870 – 1889. 1972. Tese de Doutorado em História Social,
FFLCH-USP. São Paulo: AESP, 1983. Coleção Monografias 6.

RODRIGUES, Ricardo Velez. Castilhismo: uma filosofia da República. Brasília:


BSB, 2000.

41
41

Você também pode gostar