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SHIRER
VOLUME I
tradução de
PEDRO POMAR
5. a edição.
o incêndio do Reichstag
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que voltara a pensar na "grande mentira" de Putzi Hansfstaengl,
tinha efetuado alguns chamados telefônicos e verificado que o
Reichstag se incendiava. Dentro de poucos segundos êle e seu
Führer saíram correndo "a sessenta milhas a hora, pela Chaussee
Charlottenburger, em direção ao local do crime".
Isto era um crime, um crime comunista, proclamaram tão
logo chegaram ao incêndio. Goering, transpirando e bufando,
completamente fora de si pela excitação, ali mesmo diante dêles
clamava aos céus, como depois recordou Papen, que "êste é um
crime comunista contra o nôvo govêrno". Para o nôvo chefe
da Gestapo, Rudolf Diels, Goering gritava: "Isto é o princípio
da revolução comunista! Não devemos esperar um minuto. Não
teremos piedade. Todo funcionário comunista deve ser morto,
onde fôr encontrado, todo deputado comunista deve nesta mes-
ma noite ser enforcado. G
A verdade completa sôbre o incêndio do Reichstag provà-
velmente nunca virá a ser cO,nhecida. Quase todos que a conhe-
ciam estão agora mortos, a maioria chacinada por Hitler, nos
meses que se seguiram. Mesmo em Nuremberg o mistério não
pôde ser inteiramente desenredado, embora haja bastante evi-
dência para que se estabeleça, além de qualquer dúvida razoável,
que os nazistas é que planejaram o premeditado incêndio e o
utilizaram para seus próprios fins políticos.
Do Palácio do Presidente do Reichstag, uma passagem
-subterrânea, construída para canalização do sistema de aque-
cimento central, levava ao edifício do Reichstag. Através dêste
túnel Karl Ernst, um antigo empregado do hotel que se havia
tornado líder das S. A. em Berlim, dirigiu, na noite de 27 de
fevereiro, um pequeno destacamento das tropas de assalto ao
Reichstag, espalharam gasolina e substâncias químicas de auto-
combustão e regressaram ràpidamente ao Palácio pelo mesmo
caminho. Ao mesmo tempo, um comunista holandês idiota, com
a mania incendiária, Marinus van der Lubbe, havia penetrado
no imenso, escuro e para êle desconhecido edifício, e riscou ali
alguns de seus fósforos ~ O piromaníaco imbecil foi um verda-
deiro achado para os nazistas. Pôra prêso pelas S.A. poucos dias
antes, por ter se gabf).do num bar de que tentara incendiar alguns
edifícios l?úblicos e de que o próximo seria o Reichstag.
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A coincidência de que os nazistas tenham encontrado um
comunista demente e incendiári.O, que saía para realizar exata-
mente .O que êles mesmos tinham decidido fazer, parece incrível,
mas, apesar disso, é verossímil, havend.O indícios de que isso
realmente .Ocorreu. A idéia do incêndi.O quase com certeza sur-
giu de Goebbels e Goering. Hans Gisevius, funci.Onário do Mi-
nistério d.O Interior da Prússia na época, afirmou em Nurem-
berg que "foi Goebbe1s o primeiro a pensar em atear fog.O n.O
Reichstag". E Rudolf Diels, o chefe da Gestap.O, acrescentou
num depoiment.O que "G.Oering sabia exatamente como o fog.O
iria começar" e lhe ordenara preparar, antes do incêndio, uma
lista de pessoas que deviam ser prêsas em seguida". O general
Franz Halder, chefe do Estado-Mai.Or Alemão durante a pri-
meira parte da II Guerra Mundial, recordou, em Nuremberg,
com.O Goering certa ocasião tinha alardeado seu feito.
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fício, nem lhe teria sido possível começar tantos incêndios, em
tantos lugares espalhados, e em tão curto tempo.
Van der Lubbe foi prêso no local e Goering, como poste-
riormente contou ao tribunal, queria enforcá-lo imediatamente.
No dia seguinte Ernst Torgler, líder parlamentar dos comunistas,
apresentou-se à polícia quando soube que Goering o acusara.
E poucos dias depois Georgi Dimitroff, um comunista búlgaro
que mais tarde se tornou Primeiro-Ministro da Bulgária, e dois
outros comunistas búlgaros, Popov e Tanev, foram presos pela
polícia. O julgamento subseqüente dos mesmos pela Suprema
Côrte de Leipzig converteu-se em algo como um revés para os
nazistas, e sobretudo para Goering, a quem Dimitroff, atuando
como seu próprio advogado, irritou-o fàcilmente, transforman-
do-o num bôbo com uma série de perguntas. Num determinado
ponto, segundo a ata do tribunal, Goering gritou para o búlgaro:
"Fora daqui, seu miserável!"
Juiz (para o oficial da polícia): Conduza~o para fora.
Dimitroff (sendo conduzido para fora pela polícia): Tem mêdo
das minhas' perguntas, Herr Ministerpraesident?
Goering:" Espere que ainda o pegaremos fora dêste tribunal,
seu miserável!
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ruas, ornadas de bandeiras suásticas, ecoavam sob os passos das
tropas de assalto. Havia comícios populares, paradas de archotes,
o ruído dos alto-falantes nas praças. Os espaços a isso destina-
dos ficavam cobertos de brilhantes cartazes nazistas e à noite
fogueiras iluminavam as montanhas. Por sua vez, .o eleitorado era
iludido com promessas de um paraíso germânico, intimidado
pelo terror pardo nas ruas e atemorizado pelas, "revelações" a
respeito da "revolução" comunista. Um dia antes do incêndio
do Reichstag o govêrno prussiano publicou uma longa exposi-
ção, declarando que havia encontrado "documentos" comunistas
que provavam:
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uma investigação sôbre o suposto incêndio do Reichstag e con-
vocando o Presidente Hindenburg "para proteger os oprimidos
contra seus opressores". Apêlo inútil! O idoso Presidente man-
teve seu silêncio. Agora era a hora de o povo, convulsionado,
falar.
A cinco de março de 1933, dia das últimas eleições demo-
cráticas de que teriam notícia durante a vida de Hitler, êle falou
com suas cédulas eleitorais. Apesar de tôda a intimidação e de
todo o terror, a maioria repudiou Hitler. Os nazistas alcançaram
17.277.180 votos ----:- um aumento de cinco e meio milhões, -
mas representavam sàmente 44 por cento da votação total. Uma
clara maioria ainda evitava Hitler. Tôda a perseguição e a re-
pressão das semanas antecedentes não impediram que o Partido
do Centro elevasse efetivamente sua votação de 4.230.600 para
4.424.900 votos. Com seu aliado, o Partido Bávaro Católico do
Povo, obteve um total de cinco e meio milhões de votos. Inclu-
sive os socialdemocratas mantiveram sua posição de segundo
maior partido, atingindo 7. 181 .629 votos, com uma queda de
apenas 70.000. Os comunistas perderam um milhão de aderen-
tes, mas ainda contaram com 4. 848 .058 votos. Os nacionalistas,
dirigidos por Papen e Hugenberg, ficaram amargamente desa-
pontados com sua própria contagem de 3. 136. 760 votos, sim-
plesmente oito por cento dos votos computados e um ganho de
menos de 200. 000 . .
Com as 52 cadeiras dos nacionalistas somadas às 288 dos
nazistas, obtinha o govêrno uma maioria de 16 lugares no
Reichstag. Suficiente, talvez, para enfrentar os assuntos governa-
mentais do dia-a-dia, mas bastante longe da maioria de dois
terços de que Hitler necessitava para empreender um nôvo e
audacioso plano de implantação de uma ditadura com o consen-
timento do Reichstag.
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mento Alemão seria solicitado a transferir suas funções consti-
tucionais a Hitler e a tomar longas férias. Desde, porém, que
isto exigia uma alteração na Constituição, seriam necessários
dois terços para aprová-lo.
Como obter essa maioria foi o mais importante item da
ordem-do-dia da reunião de 15 de março de 1933, cuja ata foi
apresentada em Nuremberg. lO Parte do problema seria resolvido
pela "ausência" dos oitenta e um mebros comunistas do
Reichstag. Goering tinha certeza de que o problema restante
seria fàcilmente removido "pela recusa da admissão de alguns
social democratas," . Hitler estava alegre, de bom-humor confiante.
Afinal de contas, com o decreto de 28 de fevereiro, que êle
induzira Hindenburg a assinar um dia após o incêndio do
Reichstag, podia prender tantos deputados oposicionistas quan-
tos fôssem necessários para assegurar a sua maioria de dois
terços. Havia alguma dificuldade com o Centro Católico, que
exigia garantias, mas o Chanceler estava seguro de que êste par-
tido o acompanharia. Hugenberg, o líder nacionalista, que não
tinha nenhuma vontade de colocar todo o poder nas mãos de
Hitler, exigiu que o Presidente fôsse autorizado a participar da
elaboração das leis decretadas pelo ministério, durante a vigên-
cia do decreto. O Dr. Meissner, Secretário de Estado na Chan-
celaria Presidencial, que já tinha confiado seu futuro aos
nazistas, respondeu que "a colaboração do Presidente do Reich
não seria necessária". Percebeu logo que Hitler não tinha ne-
nhuma vontade de ser manietado pelo teimoso e velho Presidente,
como os chanceleres republicanos haviam sido.
Mas Hitler desejava, nessa fase, homenagear o idoso Ma-
rechal-de-Campo e o Exército, bem como os conservadores na-
cionalistas, ligandO' seu turbulento e revolucionário regime ao
venerando nome de Hindenburg e a tôdas as glórias militares da
Prússia. Para realizar o plano, êle e Goebbels, que a 13 de março
se convertera em Ministro da Propaganda, conceberam um golpe
de mestre. Hitler abriria o nôvo Reichstag, que êle mesmo estava
prestes a destruir, na Igreja da Guarnição de Potsdam, o grande
santuário do Prussianismo que despertava em tantos alemães as
lembranças da grandeza e das glórias imperiais, pois nela re-
pousavam os restos de Frederico, o Grande, nela os reis
Hohenzollerns foram venerados, nela Hindenburg havia ido pela
primeira vez em 1866, numa peregrinação, quando regressava
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como jovem oficial de Guarda da guerra Austro-Prussiana, guer-
ra que dera à Alemanha sua primeira unificação.
A data escolhida para a cerimônia de instalação do pri-
meiro Reichstag do Terceiro Reich, 21 de março, também era
significativa, pois correspondia ao aniversário do dia em que
Bismarck havia inaugurado o primeiro Reichstag do Segundo
Reich, em 1871. Quando os velhos marechais, generais e almi-
rantes dos tempos do império se reuniram em seus resplande-
centes uniformes, na Igreja da Guarnição, tendo à frente o ex-
Príncipe Herdeiro e o Marechal von Mackensen em imponente
vestimenta e com o capacete dos Hussardos, as sombras de Fre-
derico, o Grande, e do Chanceler de Ferro pairaram sôbre a
assembléia.
Hindenburg estava viSIvelmente comovido e, a certa altura,
Goebbels, que estava dirigindo a cerimônia e a sua irradiação
para a nação, observou - e anotou em seu diário - que o
velho Marechal tinha lágrimas nos olhos. Ladeado por Hitler,
que parecia pouco à vontade em seu fraque de cerimônia matu-
tina, o Presidente, envergando seu uniforme cinza-escuro com o
grande alamar da Águia Negra e portando um capacete belíssimo
numa das mãos e o cetro de marechal na outra, marchou va-
garosamente para a nave, deteve-se para saudar a cadeira vazia
do Kaiser Guilherme II, na galeria imperial e, depois, defronte
do altar, leu um curto discurso de consagração ao nôvo govêrno
de Hitler.
Possa o velho espírito dêste ilustre santuário impregnar a gera-
ção atual, possa êle nos libertar de egoísmos e disputas partidá-
rias e manter-nos unidos numa consciência nacional para abençoar
uma Alemanha orgulhosa e livre.
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Graças a um inaudito esfôrço nestas últimas semanas, a honra
nacional foi restaurada. E graças à VOssa compreensão, Herr Ge-
neralfeldmarschall, a união dos símbolos da antiga grandeza com a
nova fôrça foi exaltada. Nós vos rendemos homenagem. Uma pro-
vidência protetora vos colocou à frente das novas fôrças da nação'!!
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Hitler reiterou êsses dois últimos pontos num discurso de
inesperado comedimento aos deputados reunidos no engalanado
teatro da ópera, casa há muito tempo especializada na apresen-
tação de operetas e cujos corredores laterais agora estavam
repletos de camisas-pardas das tropas de assalto, todos de sem-
bla~te arrogante, como a indicar que nenhuma insensatez da·
parte dos representantes do povo seria tolerada.
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e a vossa em declínio. Soou a hora de vossa morte. ( ... ) Não
desejo vossos votos. A Alemanha se libertará, sim, mas não por
vosso intermédio! [aplausos ensurdecedores].