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O SIGNIFICADO DA GRANDE QUARESMA1

1. A verdadeira natureza do jejum


2. Desenvolvimento histórico da Grande Quaresma
3. As regras do jejum
4. O conteúdo do Triódio
5. A unidade interna do Triódio

1. A verdadeira natureza do jejum

“Nós aguardamos e, finalmente, nossas expectativas foram satisfeitas”, escreve o bispo


sérvio Nicolau Velimirovich de Ochrid, descrevendo o ofício de Páscoa em Jerusalém. “Quando
o Patriarca canta – Cristo Ressuscitou! – um pesado fardo cai de nossas almas. Nós nos
sentimos como se também tivéssemos ressuscitado dos mortos. Todos imediatamente, de
todas as direções, com o mesmo grito ecoam como o barulho de muitas águas.“Cristo
Ressuscitou”, cantam os gregos, os russos, os árabes, os sérvios, os coptas, os armênios, os
etíopes – um após o outro, cada um em sua própria língua, em sua própria melodia... Saindo
do ofício da madrugada, nós começamos a considerar tudo na luz da Glória da Ressurreição
de Cristo, e tudo parece diferente do que tinha sido ontem; tudo parece melhor, mais
expressivo, mais glorioso. Apenas na luz da Ressurreição a vida realmente passa a ter
significado”.

Este sentido de júbilo da Ressurreição, tão vividamente descrito pelo bispo Nicolau,
forma a base de toda veneração da Igreja Ortodoxa; é o único fundamento para a nossa vida
e esperança cristã. Ainda assim, a fim de vivenciarmos o poder completo desta alegria Pascal,
cada um de nós precisa passar por um tempo de preparação. “Nós aguardamos – diz o bispo -
e finalmente nossas expectativas foram satisfeitas”. Sem esta espera, sem esta preparação e
expectativa, o profundo sentido da celebração da Páscoa terá sido perdido.
É por isso que, antes da Festa da Páscoa foi desenvolvido um longo período
preparatório de arrependimento e jejum, estendendo-se no atual uso a mais de dez semanas.
Inicialmente vêm vinte e dois dias (quatro domingos sucessivos) de preparação preliminar;
então seis semanas ou 40 dias do Grande Jejum da Quaresma; e finalmente a Semana Santa.
Equilibrando as sete semanas de Quaresma e Semana Santa, segue-se após a Páscoa um
período correspondente de cinqüenta dias de agradecimento, concluído com o Pentecostes.
Cada um desses períodos possui seu próprio livro litúrgico. Para o período da
preparação temos o Triódio de Quaresma ou “Livro das Três Odes”. Para o período de ação de
graças existe o Pentecostário ou Triódio Festivo2. O ponto de divisão dos dois livros é o ofício
de Matinas Pascais no Domingo de Páscoa, como primeiro ofício do Pentecostário. A divisão
feita por razões de ordem prática, não deve nos impedir de ver a unidade essencial entre a
Crucifixão de Nosso Senhor e Sua Ressurreição, que juntas formam uma única e indivisível
ação. Assim como a Crucifixão e a Ressurreição são uma única ação, assim também os “três
dias santos” – Sexta-Feira Santa, Sábado Santo e Domingo de Páscoa – constituem uma
observância litúrgica única. Na verdade, a divisão do Triódio e Pentecostário não se tornou
norma antes do século onze; nos manuscritos antigos eles estão contidos no mesmo codex.
O que nós encontramos, então, neste livro de preparação que nós denominamos
Triódio? Ele pode ser resumidamente descrito como o livro do jejum. Como os filhos de Israel
comeram o “pão da aflição” (Dn 16, 3), estão os cristãos preparando-se para a celebração da

1
Extraído do Livro “The Lenten Triodion”, do arquimandrita Kallistos Ware e Madre Mary, Faber and
Faber, Londres, 1978. Tradução Arquimandrita Jerônimo.
2
O Triódio de Quaresma recebe este título por que nos dias de semana da Grande Quaresma no cânon
de Matinas normalmente há apenas três odes, ao invés das oito costumeiras ao longo do resto do ano.
Para evitar confusão, segue-se aqui a prática grega, reservando-se o nome de Triódio para o volume
relativo ao período da Grande Quaresma, e para o período pós-Páscoa o título de Pentecostário.
1 – O Significado da Grande Quaresma
Nova Páscoa pela observação do jejum. Mas o que significa esta palavra “jejum” (nisteia)?
Aqui o máximo de cuidado é necessário, de modo a preservar o equilíbrio entre a alma e o
corpo. O nível exterior do jejum envolve a abstinência física de comida e bebida, sem tais
abstinências exteriores um jejum completo e verdadeiro não pode ser mantido, ainda assim as
regras sobre as refeições e bebida não podem ser tratadas como um fim em si mesmas, pois
o jejum ascético possui sempre um propósito interno e invisível. O homem é uma unidade de
corpo e alma, “uma criatura viva moldada de naturezas visível e invisível”, nas palavras do
Triódio3; e nosso jejum ascético deve, por isso, envolver ambas as naturezas
simultaneamente. A tendência a super-enfatizar as regras externas quanto a comida numa
forma jurídica, e a tendência oposta a desprezar estas regras como ultrapassadas e
desnecessárias, são ambas parecidas e deploráveis como uma traição à verdadeira Ortodoxia.
Em ambos os casos o adequado equilíbrio entre o espiritual e o corporal tem sido
negligenciado.
A segunda tendência é, sem dúvida, a mais prevalente nos nossos dias, especialmente
no ocidente. Até o século XIV, a maioria dos cristãos ocidentais, em comum com seus irmãos
no Oriente Ortodoxo, abstinha-se não apenas de carne, mas de todo produto animal, como
ovos, leite, manteiga e queijo. No Ocidente e no Oriente envolvia um severo esforço físico.
Mas na Cristandade Ocidental há mais de 500 anos, os requisitos físicos do jejum têm sido
constantemente reduzidos, até agora têm sido pouco mais que simbólicos. Quantos, gostaria-
se de saber, daqueles que comem panquecas na Terça-Feira Gorda estão conscientes deste
costume – consumir os ovos remanescentes antes do jejum começar? Exposto ao secularismo
ocidental, o mundo ortodoxo nos nossos tempos está também começando a seguir o mesmo
caminho de lassidão.
Uma razão para esse declínio no jejum é, certamente, uma atitude herética em face da
natureza humana, um falso “espiritualismo”, que rejeita ou ignora o corpo, vendo o homem
somente em termos de seu cérebro racional. Como resultado, muitos cristãos contemporâneos
perderam a verdadeira visão do homem como uma unidade integral do visível e do invisível;
eles negligenciam o papel positivo desempenhado pelo corpo na vida espiritual, esquecendo a
afirmação de São Paulo: “Seu corpo é o templo do Espírito Santo... glorificai a Deus com seu
corpo” (1 Co 6, 19-20). Uma outra razão para o declínio do jejum entre os ortodoxos é o
argumento, comumente desenvolvido em nossos tempos, que as regras tradicionais não são
mais possíveis hoje. Essas regras pressupõem, assim é enfatizado, uma sociedade cristã
precisamente organizada e não-pluralística, seguindo um estilo de vida agrícola que é agora,
cada vez mais, uma coisa do passado. Há um pouco de verdade nisso. Mas é necessário ser
dito também, que o jejum como tradicionalmente praticado na Igreja, tem sido sempre difícil
e tendo sempre envolvido esforço. Muitos de nossos contemporâneos estão dispostos ao
jejum por motivos de saúde ou beleza, a fim de perder peso; não podemos nós cristãos fazer
muito mais por amor ao reino dos céus?
Porque deveria a auto-negação com satisfação aceita por gerações anteriores de
ortodoxos mostrar-se um fardo tão intolerável para seus descendentes hoje? Uma vez
perguntaram a São Serafim de Sarov por que os milagres da graça, tão abundantemente
manifestados no passado, não mais aconteciam no seu tempo, ao que ele respondeu: “Apenas
uma coisa está faltando – uma firme determinação”.
O objetivo primário do jejum é tornar-nos conscientes de nossa dependência de Deus.
Se praticada seriamente, a abstinência quaresmal de comida – particularmente nos dias de
abertura – envolve uma medida real de fome e, também, um sentimento de cansaço e
exaustão física. O propósito disto é conduzir-nos de volta a um sentido de quebra interior e
contrição; para nos trazer ao ponto onde possamos avaliar completamente a força da
afirmação de Cristo, “Sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15, 5). Se sempre tomarmos
nossa porção habitual de comida e bebida, nós tornamo-nos super-confiantes em nossas

3
Vésperas do Sábado dos Defuntos.
2 – O Significado da Grande Quaresma
próprias habilidades, adquirindo um falso senso de autonomia e auto-suficiência. A
observância de um jejum físico mina esta complacência pecaminosa. Despindo-nos da ilusória
certeza do fariseu, que jejuava, é verdade, mas não no espírito correto – a abstinência de
quaresma nos dá o salvífico auto-descontentamento do publicano (Lc 18, 10-13). Tal é a
função da fome e do cansaço: nos tornar “pobres em espírito”, conscientes de nosso
desamparo e de nossa dependência da ajuda de Deus.
Ainda assim isto levaria a uma idéia errada, falar apenas deste elemento de fadiga e
fome. Abstinência leva, não meramente a isso, mas também ao sentido de moderação,
vigilância, liberdade e alegria. Mesmo que o jejum mostre-se debilitante inicialmente, depois
descobrimos que ele possibilita-nos dormir menos, pensar mais claramente, e trabalhar mais
decididamente. Como muitos médicos reconhecem, jejuns periódicos contribuem para a
higiene corporal4. Ao envolver uma genuína auto-negação, o jejum não visa violentar nosso
corpo, mas antes restaurar a sua saúde e o seu equilíbrio. A maioria de nós, no mundo
ocidental, come mais do que precisa. O jejum libera nosso corpo do fardo do peso excessivo e
torna-o um parceiro voluntário na tarefa de orar, estar alerta e receptivo à voz do Espírito.
Será percebido que no uso comum ortodoxo as palavras ‘jejum’ e ‘abstinência’ são
usadas intercambiavelmente. Antes do Concílio do Vaticano II, a Igreja Católica Romana fez
uma clara distinção entre os dois termos: abstinência está relacionada com o tipo de alimento
comido, sem considerar a quantidade, enquanto jejum significaria uma limitação no número
de refeições ou na quantidade de comida a ser tomada. Assim, em certos dias tanto
abstinência como jejum são exigidos; alternativamente, um pode ser prescrito, mas não o
outro. Na Igreja Ortodoxa uma distinção clara não é feita para os dois termos. Durante a
Quaresma há freqüentemente uma limitação no número de refeições tomadas por dia, mas
quando uma refeição é tomada não há restrição na quantidade de comida permitida. Os
Padres da Igreja simplesmente estabelecem, como um princípio norteador, que nós não
devemos comer até a saciedade, mas sempre levantar da mesa com a sensação de que
poderíamos ter comido mais e que estamos, agora, prontos para a oração.
Se, é importante não negligenciar os requisitos físicos do jejum, é ainda mais
importante não negligenciar seu significado espiritual. Jejum não é apenas uma mera questão
de dieta. É uma experiência moral assim como física. O verdadeiro jejum é para ser
convertido no coração e na vontade; é o retorno a Deus, é o vir para casa, como o Filho
Pródigo para a casa do Pai. Nas palavras de São João Crisóstomo, significa “não apenas jejum
de comida, mas também de pecados”. “O jejum – ele insiste – deve ser mantido não apenas
pela boca, mas também pelos olhos, ouvidos, pés, mãos e todos os membros do corpo”: o
olho tem que se abster de olhares impuros, os ouvidos de maliciosas maledicências, as mãos
de atos de injustiça. É inútil jejuar de comida, recomenda São Basílio, e ainda assim ceder ao
cruel criticismo e à difamação: “Você não come carne, mas devora o seu irmão” 5. O mesmo
ponto de vista é abordado no Triódio, especialmente durante a primeira semana da
Quaresma:

Enquanto jejuamos de comida, vamos nos abster também de toda paixão....

Vamos seguir um jejum aceitável e agradável ao Senhor.


O verdadeiro jejum é enviar para longe todo mal,
Controlar a língua, reprimir a ira
Abster-se da luxúria, da difamação, da falsidade e do perjúrio,
Se nós renunciarmos a essas coisas, então nosso jejum será verdadeiro e aceitável a Deus.
Vamos manter o jejum não apenas pela restrição de comida,

4
N.T. Obviamente trata-se, aqui, da higiene corporal interna: estômago, intestinos, baço, fígado, rins,
pulmões, sangue, glândulas e etc.
5
Homilias sobre o jejum, 1, 10 (PG XXXI, 18IB)
3 – O Significado da Grande Quaresma
Mas nos tornando estranhos a todas as paixões corporais. 6

O significado interior do jejum é melhor resumido na tríade: oração, jejum e caridade.


Separado da oração e da recepção dos santos sacramentos, desacompanhado de atos de
compaixão, nosso jejum torna-se farisaico e até mesmo demoníaco. Ele leva, não à contrição
e ao júbilo, mas ao orgulho, tensão interior e irritabilidade. A ligação entre oração e jejum
está corretamente indicada pelo padre Alexander Elchaninov. Um crítico do jejum diz a ele:
“Nossos trabalhadores sofrem e se tornam irritáveis... Eu não tenho visto servos (na Rússia
pré-revolucionária) tão mal-humorados como nos últimos dias da Semana Santa. Obviamente,
o jejum tem um efeito muito nefasto sobre os nervos”. A isso o padre Alexander responde:
“Você está certo...”. Se não é acompanhado por oração e uma vida espiritual mais intensa,
isto leva meramente a elevação do estado de irritabilidade. É natural que os servos que levam
seu jejum a sério e que são forçados a trabalhar duro durante a Quaresma, não sendo
permitido a eles irem à Igreja, fiquem com raiva e irritados” 7.
O jejum, então, é inútil e até mesmo prejudicial se não for combinado com oração. Nos
Evangelhos o demônio é expulso, não só por jejum apenas, mas por ‘jejum e oração’ (Mt 17,
21; Mc 9, 29); e sobre os primeiros cristãos não é dito que simplesmente jejuavam, mas que
‘jejuavam e oravam’ (At 13, 3; At 14, 23). Tanto no Antigo Testamento como no Novo
Testamento o jejum é visto, não como um fim em si mesmo, mas como uma ajuda para uma
mais intensa e vivificante oração, como uma preparação para uma decisiva ação ou para um
encontro direto com Deus. Assim, os 40 dias de jejum de Nosso Senhor no deserto foram a
imediata preparação para o Seu ministério público (Mt 4, 1-11). Quando Moisés jejuou no
Monte Sinai (Ex 34, 28) e Elias no Monte Horeb (1 Rs 19, 8-12), o jejum estava ligado a uma
teofania. A mesma conexão entre jejum e a visão de Deus é evidente no caso de São Pedro
(At 10, 9-17). Ele ‘seguiu para o terraço da casa para orar na sexta hora, e ficou com fome e
queria comer’; e estava neste estado quando caiu em transe e escutou a voz divina. Este é
sempre o propósito do jejum ascético – possibilita-nos, como coloca o Triódio, ‘levar-nos para
a montanha da oração’ 8.
Oração e jejum, por sua vez, devem ser acompanhados de caridade – por amor pelos
outros, expresso numa forma prática, por obras de compaixão e perdão. Oito dias antes do
início do jejum da grande quaresma, no domingo do Julgamento Final, o Evangelho indicado é
a Parábola da ovelha e dos cabritos (Mt 25, 31-46) lembrando-nos que o critério do
julgamento futuro não será o rigor de nosso jejum, mas o quanto de ajuda nós tivermos dado
àqueles que necessitavam. Nas palavras do Triódio:
Conhecendo os mandamentos do Senhor, deixemos ser este nosso caminho de vida:
Alimentemos os famintos, demos de beber aos sedentos
Vistamos os nus, saudemos os estrangeiros,
Visitemos os que estão nas prisões e os doentes,
Então, o Juiz de toda a terra certamente dirá para nós:
‘Venham benditos de Meu Pai, herdai o Reino preparado para vós’ 9
Esta estância, e isto pode ser notado de passagem, é um exemplo típico do caráter
‘evangélico’ dos livros litúrgicos ortodoxos. Em comum com tantos outros textos no Triódio, é
simplesmente uma paráfrase das palavras da Sagrada Escritura.

6
Vésperas de domingo à noite (Domingo do Perdão); Vésperas da segunda-feira e terça-feira da
primeira semana da Grande Quaresma.
7
Diário de um padre russo (Londres, 1967), p.128
8
Matinas da terça-feira na primeira semana da Grande Quaresma.
9
Vésperas de sábado à noite (Domingo do Julgamento Final)
4 – O Significado da Grande Quaresma
Não é por coincidência que bem no começo da Grande Quaresma, nas Vésperas do
Domingo do Perdão (domingo à noite) há uma cerimônia especial de mútua reconciliação: pois
sem amor para com os outros não pode haver nenhum genuíno jejum. E este amor pelos
outros não deve ser limitado a gestos formais ou emoções sentimentais, mas deve ser
concretizado em específicos atos de caridade. Tal era a convicção da Igreja primitiva. A obra
do segundo século “O Pastor de Hermas” diz que o dinheiro economizado com o jejum deve
ser doado às viúvas, aos órfãos e aos pobres. Mas a caridade significa mais que isso. Deve ser
doado não apenas nosso dinheiro, mas nosso tempo também, não apenas o que nós temos,
mas, também, o que nós somos, devemos doar uma parte de nós mesmos. Quando nós
escutamos o Triódio falar de caridade, a palavra deve sempre ser tomada neste sentido mais
profundo. A mera doação de dinheiro pode ser um substituto e uma evasão, uma maneira de
nos protegermos de um envolvimento pessoal mais íntimo com aqueles que se encontram no
infortúnio. Por outro lado, não fazer mais que oferecer palavras tranqüilizadoras de conselho
para alguém com uma necessidade material urgente é igualmente uma fuga de nossas
responsabilidades (Tg 2, 16). Tendo em mente a unidade, já enfatizada, entre o corpo do
homem e sua alma, nós procuramos oferecer ajuda tanto no nível material como no espiritual
simultaneamente.
A tradição litúrgica oriental, em comum com a do ocidente, trata a Isaías 58, 3-810
como o texto básico de quaresma. Então, nós lemos no Triódio:
Enquanto jejuamos com o corpo, irmãos, jejuemos também em espírito.
Desatemos todo laço de iniqüidade;
Desmanchemos os nós de todo contato feito pela violência
Desfaçamos todos os acordos injustos;
Demos pão ao faminto
E saudemos em nossa casa o pobre que não tem teto para cobri-lo,
Assim possamos receber a grande misericórdia de Cristo nosso Deus. 11

Sempre em nossos atos de abstinência devemos manter em mente a admoestação de


São Paulo em não condenar os que jejuam menos rigorosamente: “Que aquele que não come
não condene aquele que come” (Rm 14, 3). De igual modo, lembremos a condenação de
Cristo da exposição da oração, jejum e caridade (Mt 6, 1-18). Ambas as passagens da
Sagrada Escritura são freqüentemente relembradas no Triódio:

Considera bem, minha alma: você realmente jejua? Então não menospreze seu próximo.
Você se abstém de comida? Não condene seu irmão.
Vamos, vamos nos purificar pela caridade e atos de misericórdia para com o pobre,
Sem soar um trompete ou mostrando nossa caridade.
Não deixemos nossa mão esquerda saber o que a direita está fazendo;
Não deixemos a vanglória espalhar os frutos de nossa caridade;
Mas, em segredo vamos chamá-Lo, àquele que conhece todos os segredos:
Pai, perdoa as nossas transgressões, pois tu amas a humanidade. 12

Se nós quisermos compreender corretamente o texto do Triódio e a espiritualidade sub-


reptícia nele, há cinco concepções errôneas sobre o jejum de quaresma das quais devemos
nos precaver. Em primeiro lugar, o jejum de quaresma não é destinado a apenas monges e
monjas, mas é desfrutado por todo o povo cristão. Em nenhum lugar dos Cânones dos
Concílios Ecumênicos ou Concílios Locais sugere que o jejum destina-se apenas para monges

10
N.T. Vale a pena ler este fragmento, não reproduzido aqui por ser muito longo; expressa com
profundidade e precisão o espírito do jejum.
11
Vésperas de quarta-feira da primeira semana.
12
Matinas do Domingo do Julgamento Final; Vésperas de domingo à noite (Domingo da Ortodoxia)
5 – O Significado da Grande Quaresma
e monjas e não para os leigos. Pela virtude do seu Batismo, todos os cristãos – casados ou
sob votos monásticos – são portadores da Cruz, seguindo o mesmo caminho espiritual. As
condições exteriores nas quais eles vivem seu cristianismo exibem uma ampla variedade, mas
em sua essência interna a vida é uma só. Assim como o monge, por sua auto-negação
voluntária, está procurando asseverar a intrínseca bondade e beleza da criação de Deus,
assim também cada cristão casado é exigido a ser, até certo ponto, um asceta. O caminho da
negação e o caminho da afirmação são interdependentes e cada cristão é chamado a seguir a
ambos simultaneamente.
Em segundo lugar, o Triódio não deveria ser interpretado erroneamente em um
sentido pelagiano13. Se os textos de quaresma estão continuamente nos impelindo a um maior
esforço pessoal, isto não deve ser tomado como uma implicação de que nosso progresso
depende unicamente do empenho de nossa própria vontade. Pelo contrário, se nós
alcançamos o jejum de quaresma isto deve ser considerado como uma dádiva da graça de
Deus. O Grande Cânon de Santo André não deixa dúvida sobre este ponto:
Eu não tenho compunção nem lágrimas de arrependimento: dá-me tudo isso, meu
Salvador e meu Deus.14

Em terceiro lugar, nosso jejum não pode ser auto-orientado, mas obediente. Quando
jejuamos, nós deveríamos não tentar inventar regras especiais para nós mesmos, mas
devemos seguir tão fielmente quanto possível o padrão aceito antes de nós pela Santa
Tradição. Este padrão aceito, expressando como faz a consciência coletiva do Povo de Deus,
possui uma sabedoria oculta e um equilíbrio não encontrado em engenhosas austeridades
imaginadas pela nossa própria fantasia. Quando parece que os regulamentos tradicionais não
são aplicados a nossa situação pessoal, devemos procurar o conselho de nosso pai espiritual –
não a fim de legalmente assegurar uma “dispensa” dele, mas de modo a, humildemente, com
sua ajuda descobrir qual é a vontade de Deus para nós. Acima de tudo, se nós desejamos
para nós mesmos não alguma dispensa, mas algum tipo de rigor adicional, não devemos
arriscar sem a benção de nosso pai espiritual. Esta tem sido a prática desde os primeiros
séculos da vida da Igreja:
Abba Antônio disse: “Eu conheço monges que sucumbiram depois de muito trabalho e caíram
na loucura, por que confiaram em seu próprio trabalho e negligenciaram o mandamento que
diz: “Pergunte a seu pai, e ele lhe dirá””. (Dt 32, 7).
Novamente ele diz: “Tanto quanto possível, para cada passo que um monge dá, para cada
gota de água que ele bebe em sua cela, ele deve consultar os gerontes15, no caso em que ele
cometa algum erro nisso”.
Estas palavras se aplicam não apenas a monges, mas também a leigos que vivem no
“mundo”, mesmo que estes possam estar ligados por uma obediência menos rígida a seu pai
espiritual. Se orgulhoso e teimoso, nosso jejum assume um caráter diabólico, levando-nos não
para mais próximos de Deus, mas de Satã. Porque o jejum torna-nos sensíveis a realidades
do mundo espiritual, e pode ser perigosamente ambivalente: pois há maus espíritos assim
como bons.

13
N.T. Pelágio – Monge nascido na Grã-Bretanha em 354 (+410). Exaltou a natureza humana como
capaz, por si só, da prática das virtudes. No tratado “Sobre a natureza” desenvolve, de maneira
sistemática, suas teorias sobre a perfeição da natureza humana. Esta não é, para ele, de modo algum
tocada pelo pecado original. A natureza humana é capaz, com suas próprias forças, de evitar o pecado.
Suas teorias heréticas acabaram tomando a denominação de pelagianismo.
14
Ode dois, tropário 25.
15
O termo grego geron (na Rússia starets) significa literalmente homem idoso, não necessariamente
em anos, mas em experiência espiritual e sabedoria. Ele é dotado pelo Espírito Santo com o dom de ver
no coração dos homens e oferecer a eles orientação.
6 – O Significado da Grande Quaresma
Em quarto lugar, embora possa parecer paradoxal, o período de Quaresma é um
tempo não de tristeza, mas de júbilo. É verdade que o jejum nos leva ao arrependimento e à
aflição por causa do pecado, mas esta angústia penitente, na clara expressão de São João
Clímaco, é um “sofrimento que gera alegria” 16. O Triódio deliberadamente menciona tanto
lágrimas como alegria numa única frase:
Conceda-me lágrimas como que vertidas de um rio dos céus, ó Cristo, enquanto eu passo por
este feliz dia de jejum.17
É notável quão freqüentemente os temas de alegria e luz sucedem-se nos textos
para o primeiro dia da Quaresma:

Com alegria vamos iniciar o jejum,


Sem ficar com um semblante triste...

Vamos jovialmente começar o sagrado período de abstinência;


Vamos reluzir com o brilho radiante dos santos mandamentos...

Toda vida mortal nada mais é do que apenas um dia, então é dito,
àqueles que labutam com amor.
Há quarenta dias na quaresma;
Vamos mantê-los todos com alegria.18

O período da Quaresma, deve-se notar, não cai no meio do inverno quando o


campo está congelado e morto, mas na primavera quando tudo está retornando à vida. A
palavra inglesa “Lent” tinha originalmente o significado de “primavera”; e em um texto de
importância fundamental do Triódio, de igual modo, descreve a Grande Quaresma como
“primavera”19.

A primavera da Quaresma alvoreceu,


A flor do arrependimento começou a abrir-se.
Ó irmãos, purifiquemo-nos de toda impureza
e cantemos ao Doador da Vida:
Glória a Ti, que amas a humanidade.20

A Quaresma não significa inverno, mas primavera, nem escuridão, mas luz, nem morte, mas
vitalidade renovada. Certamente, ela possui seu aspecto melancólico, com as repetidas
prostrações nos ofícios feriais, com os paramentos escuros dos presbíteros 21, com os hinos
cantados num restrito tom, cheio de compunção. No Império Cristão Bizantino os teatros
eram fechados e os espetáculos públicos proibidos durante a Grande Quaresma 22; ainda hoje

16
A Escada para o paraíso, sétimo degrau.
17
Vésperas da segunda-feira da primeira semana.
18
Matinas da primeira segunda-feira.
19
N.T – No hemisfério sul o período de Quaresma cai no outono, período no qual a natureza também se
transforma para suportar as agruras do inverno. O simbolismo, aí também, fica mantido, pois a
Quaresma também transforma e purifica o homem a cada ano, fazendo as “folhas do pecado, os ramos
secos e mortos” saírem de sua alma tornando-o mais forte e mais apto ao combate das paixões
(inverno), com e pela graça de Deus.
20
Vésperas de quarta-feira da semana anterior à Quaresma.
21
N.T. - Na Tradição eslava durante os dias de semana da Grande Quaresma os paramentos usados
pelo clero são de cor negra. Aos sábados e domingos roxos.
22
Fócio, Nomocanon, Tit. Vii, c. I. Não poderia esta regra ser aplicada pela Ortodoxia contemporânea à
televisão?
7 – O Significado da Grande Quaresma
os casamentos são proibidos nas sete semanas da Quaresma23. Ainda assim estes elementos
de austeridade não deveriam nos cegar para o fato de que a Quaresma não é um fardo, nem
uma punição, mas uma dádiva da graça de Deus:

Venham, ó povos, hoje aceitar


a graça da Quaresma como uma dádiva de Deus 24.

Em quinto lugar, finalmente, nossa Quaresma não implica uma rejeição da


criação de Deus. Como São Paulo insiste, “Nada é impuro em si mesmo” (Rm 14, 14). Tudo
que Deus fez é ‘muito bom’ (Gn 1, 31): jejuar não é negar esta intrínseca bondade, mas
reafirmá-la. “Ao puro todas as coisas são puras” (Tt 1, 15), e então, no banquete Messiânico
no Reino dos céus não haverá nenhuma necessidade de jejum e auto-negação ascética. Mas,
vivendo como nós vivemos num mundo decaído, e sofrendo como nós sofremos as
conseqüências do pecado, tanto o original como o pessoal, nós não somos (estamos) puros;
então, nós temos necessidade do jejum. O mal reside, não nas coisas criadas como tais, mas
em nossa atitude em direção a elas, isto é, em nossa vontade. O propósito do jejum, então,
não é repudiar a criação divina, mas purificar nossa vontade. Durante o jejum nós
renunciamos aos nossos impulsos corporais – por exemplo, nosso apetite espontâneo para a
comida e bebida - não por que estes impulsos sejam em si mesmos maus, mas por que eles
foram desregrados pelo pecado e exigem ser purificados através da auto-disciplina. Desta
maneira, o ascetismo é uma luta não contra o corpo, mas uma luta para o corpo; o objetivo
de jejuar é purgar o corpo de impurezas estranhas e submetê-lo ao espiritual. Rejeitando o
que é pecaminoso em nossa vontade, nós não destruímos o corpo criado por Deus, mas
restauramos-lhe o seu verdadeiro equilíbrio e liberdade. Uma frase do padre Sergei Bulgakov
diz: “Nós matamos a carne a fim de adquirirmos um corpo”.
Mas, ao nos rendermos ao corpo espiritual, nós não o desmaterializamos por isso,
privando-o de seu caráter como uma entidade física. O ‘espiritual’ não é para ser equacionado
com o não-material, nem o carnal deve ser equacionado com o corporal. Conforme São Paulo
a ‘carne’ denota a totalidade do homem, corpo e alma juntos, na medida em que ele está
decaído e afastado de Deus; do mesmo modo o ‘espírito’ denota a totalidade do homem,
corpo e alma juntos, na medida em que ele está redimido e divinizado pela graça. Por isso a
alma, assim como o corpo, pode se tornar carnal e corporal, e o corpo, assim como a alma,
pode se tornar espiritual. Quando São Paulo enumera as “obras da carne” (Gl 5, 19-21), ele
inclui coisas como sedição, heresia e inveja, que envolvem mais a alma que o corpo. O jejum
da Quaresma ao tornar nosso corpo espiritual, então, não suprime o aspecto físico da nossa
natureza humana, mas torna nossa materialidade mais como Deus pretendeu que ela fosse.
Tal é o caminho pelo qual nós interpretamos nossa abstinência de comida. Pão e
vinho e outros frutos da terra são dádivas de Deus, das quais nós participamos com
reverência e agradecimento. Se os cristãos ortodoxos abstêm-se de comer carne em certas
épocas, ou em alguns casos continuamente, isto não significa que a Igreja Ortodoxa seja, em
princípio, vegetariana e que considera o comer carne um pecado; e se nós nos abstemos de
vinho, isto não significa que nós defendemos a abstinência. Quando nós jejuamos, não é por
que consideramos o ato de comer vergonhoso, mas a fim de tornar nosso ato de comer
espiritual, sacramental e eucarístico – não mais uma concessão à voracidade, mas um meio
de comunhão com o Deus provedor. Longe de fazer-nos olhar a comida como uma impureza,
o jejum possui exatamente o efeito oposto. Apenas aqueles que aprenderam a controlar seu
apetite através da abstinência podem apreciar a glória total e a beleza daquilo que Deus nos
dá. Para aquele que não comeu nada por 24 horas, uma azeitona pode parecer um alimento

23
Concílio de Laodicéia (c. 364), cânon 52. A dispensa desta regra requer permissão episcopal que, não
deveria ser concedida, exceto por graves motivos.
24
Matinas de segunda-feira da primeira semana.
8 – O Significado da Grande Quaresma
completo. Uma fatia de queijo ou um ovo cozido nunca possuem gosto tão bom quanto na
manhã de Páscoa, após sete semanas de jejum.
Nós podemos aplicar esta abordagem, também, à questão da abstinência de
relações sexuais. Há muito tempo a Igreja ensina que durante os períodos de jejum os casais
devem tentar viver como irmão e irmã, mas isto não significa que as relações sexuais, dentro
do casamento, sejam, em si mesmas, pecaminosas. Pelo contrário, o Grande Cânon de Santo
André de Creta - no qual, mais que em qualquer outro lugar do Triódio, nós encontramos
resumido o significado da Quaresma – estabelece sem a mínima ambigüidade:

O matrimônio é digno de honra, e o leito nupcial irrepreensível,


Pois Cristo abençoou-os nas Bodas de Caná,
Revestido de nossa carne, Ele mudou a água em vinho:
E este foi o primeiro dos Seus milagres que ele operou para te transformar. 25

A abstinência de casais, então, tem como seu objetivo não a supressão, mas a
purificação da sexualidade. Tal abstinência, praticada ‘com mútuo consentimento por um
período’, possui sempre um objetivo positivo, ‘que vocês possam entregar-se ao jejum e à
oração’ (1 Co 7, 5). O autodomínio, então, longe de indicar uma depreciação dualística do
corpo serve, ao contrário, para conferir ao lado sexual do casamento uma dimensão espiritual
que pode estar ausente.
Para prevenir de uma má interpretação do jejum, o Triódio fala repetidamente
sobre o bem inerente à criação material. No último dos ofícios que ele contém, Vésperas para
a Sexta-feira Santa, a seqüência de 15 leituras do Antigo Testamento abre com as primeiras
palavras do Gênesis, ‘No princípio Deus criou o céu e a terra.....’: todas as coisas criadas pelas
mãos de Deus, como tal, são ‘muito boas’. Cada parte da criação, insiste o Triódio, une-se em
louvar o Criador.

As hostes celestes O glorificam;


Diante d’Ele tremem os querubins e os serafins;
Que tudo que respira e toda a criação
Louve-O, Bendiga-O, exalte-O acima de tudo eternamente.

Ó Tu, que cobriste Tuas alturas com as águas,


Que fixaste a terra como um limite para o mar e manténs todas as coisas:

O sol canta louvores a Ti, e a lua Te dá glória,


Toda criatura oferece um hino a Ti,
Seu Autor e Criador, para sempre.

Que todas as árvores da floresta cantem e dancem...


Que todas as montanhas e montes
Exclamem com grande júbilo diante da misericórdia de Deus,
E que todas as árvores da floresta aplaudam. 26

Esta atitude assertiva em relação ao mundo material está fundamentada não


apenas na doutrina da criação, mas também na doutrina de Cristo. Constantemente no
Triódio, a verdadeira realidade física da natureza humana de Cristo está destacada. Como
pode, então, o corpo humano ser mau, se o próprio Deus tinha na Sua própria pessoa

25
Ode nove, tropário 12.
26
Irmos da ode oito do Grande Cânon; Completas da Quinta-Feira Santa; Matinas do Domingo da
Veneração da Santa Cruz; Matinas do Domingo de Ramos.
9 – O Significado da Grande Quaresma
assumido e divinizado o corpo? Como nós citamos nas Matinas do primeiro domingo da
Quaresma, o Domingo da Ortodoxia:

Tu não Te manifestaste a nós, ó Misericordioso Senhor, meramente em aparência exterior,


Como o dizem os seguidores de Maniqueu, que são inimigos de Deus,
Mas na completa e verdadeira realidade da carne. 27

Porque Cristo tomou um corpo material verdadeiro, os hinos para o Domingo da Ortodoxia
tornam claro que é possível, e na verdade essencial, retratar Sua Pessoa nos santos ícones,
usando madeira e tinta:

“O Verbo de Deus que o Universo não pode conter, Se deixa circunscrever encarnando
em Ti, ó Mãe de Deus, e restaurando a antiga imagem manchada pelo pecado, nela
acrescenta a Sua divina Beleza. Confessando a salvação em palavras e atos, restauramos, nós
também, nossa semelhança com Deus”.28

Esta afirmação das potencialidades portadoras do espírito da criação material é


um tema constante durante o período de Quaresma. No primeiro Domingo da Grande
Quaresma, nos é lembrado a natureza física da Encarnação de Cristo, da realidade material
dos santos ícones, e da visível beleza estética da Igreja. No segundo Domingo da Quaresma
fixamos a memória de São Gregório Palamas (1296-1359), que ensinou que toda a criação é
permeada pelas energias de Deus, e que mesmo na presente vida esta divina glória pode ser
percebida pelos olhos físicos do homem, contanto que seu corpo tenha se rendido ao espiritual
pela graça de Deus. No terceiro Domingo nós veneramos o madeiro da Cruz; no sexto
Domingo nós abençoamos os ramos das palmeiras; na quarta-feira da Semana Santa nós
somos marcados com o óleo material no sacramento da Unção; na quinta-feira Santa nós
relembramos como na Última Ceia Cristo abençoou o pão e o vinho materiais, transformando-
os em Seu Santo Corpo e Sangue.
Aqueles que jejuam, longe de repudiar as coisas materiais, estão, ao contrário,
participando na sua redenção. Eles estão cumprindo a vocação afirmada para os ‘filhos de
Deus’ por São Paulo: “Pois a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus.
De fato, a criação foi submetida à vaidade – não por seu querer, mas por vontade daquele
que a submeteu – na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para
entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e
sofre as dores de parto até o presente”. (Rm 8, 18-22). Por meio de nossa abstinência de
quaresma, nós buscamos com a ajuda de Deus exercitar este chamado como sacerdotes da
criação, restaurando todas as coisas ao seu esplendor primitivo. A auto-disciplina ascética,
então, significa uma rejeição ao mundo, apenas na medida em que está corrompido pela
queda; do corpo, apenas na medida em que está dominado pelas paixões pecaminosas. A
luxúria exclui o amor: na medida em que nós cobiçamos outras pessoas ou outras coisas, nós
não podemos amá-las verdadeiramente. Ao livrarmo-nos da luxúria, o jejum torna-nos
capazes do genuíno amor. Não mais dominados pelo desejo egoísta para saquear e explorar,
nós começamos a ver o mundo com os olhos de Adão no Paraíso. Nossa auto-negação é o
caminho que leva à nossa auto-afirmação; é o nosso meio de entrar na liturgia cósmica onde
todas as coisas visíveis e invisíveis atribuem glória ao seu Criador.

27
O persa Maniqeu (c. 216-276) fundador do Maniqueísmo, advogava um dualismo inflexível. Ele
considerava que não há salvação para o corpo humano ou para o resto da criação material; as
partículas de luz aprisionadas no homem são libertadas por um rígido ascetismo, incluindo o
vegetarianismo.
28
Kontakion do Domingo da Ortodoxia.
10 – O Significado da Grande Quaresma
2. Desenvolvimento histórico da Grande Quaresma29

A Quaresma, como existe hoje na Igreja Ortodoxa, é o resultado de um longo


desenvolvimento histórico, do qual não mais que um breve sumário pode ser oferecido aqui 30.
A porção do ano litúrgico coberta pelo Triódio de Quaresma cai em três períodos:
1. Período pré-quaresmal: três domingos preparatórios (Domingo do Fariseu e do
Publicano; Domingo do Filho Pródigo; Domingo do Julgamento Final), seguidos por uma
semana de jejum parcial, terminando com o Domingo do Perdão.
2. Os 40 dias da Grande Quaresma, começando na segunda-feira da primeira semana (ou,
mais exatamente, nas Vésperas de Domingo à noite), e acabando na Nona Hora de
sexta-feira da sexta semana.
3. Semana Santa, precedida pelo Sábado de Lázaro e do Domingo de Ramos.

O terceiro destes três períodos, o jejum Pascal da Semana Santa é o mais antigo, pois já
existia durante o segundo e terceiro séculos. O jejum de quarenta dias é mencionado em
fontes da primeira metade do quarto século em diante. O período pré-quaresmal foi o
desenvolvido mais tardiamente de todos: as primeiras referências a uma semana preliminar
de jejum parcial estão no sexto e sétimo séculos, mas a observância dos três outros
Domingos Preparatórios não se tornaram universais no Oriente até o décimo ou décimo
primeiro século.

(1) O jejum Pascal no segundo e terceiro séculos. No segundo século era costume dos cristãos
tanto do oriente como do ocidente observar, imediatamente antes do Domingo de Páscoa, um
curto período de um ou dois dias de jejum, ou no sábado apenas ou na sexta-feira e sábado
juntos31. Isto era especificamente um jejum Pascal de preparação para a noite de Páscoa. Era
um jejum de pesar pela ausência do Noivo, em cumprimento às próprias palavras de Cristo:
“Dias virão, porém, em que o noivo lhes será tirado; e então jejuarão naquele dia” (Mc 2, 20).
O jejum, se de um ou de dois dias, era em princípio total, sem qualquer comida ou bebida
tomada.

Pela metade do terceiro século, este jejum Pascal foi, em muitos lugares,
estendido para abarcar a semana inteira de segunda a sábado. Não havia, entretanto,
nenhuma uniformidade de prática, e alguns cristãos jejuavam mais que os seis dias inteiros.
Apenas alguns poucos conseguiam manter um jejum total durante o período inteiro. Em
alguns lugares, era a prática comer pão e sal, com água, na nona hora (15:00 h) nos quatro
primeiros dias de segunda à quinta, e então, manter, se possível, um jejum total na sexta e
no sábado; mas, nem todos os fiéis eram tão rigorosos assim. Os seis dias do jejum Pascal
podem ser vistos como as distantes origens da Semana Santa; mas, o ritual desenvolvido ao
qual estamos acostumados, com comemorações especiais para cada dia da semana, não é
encontrado senão pelo fim do século IV 32. Durante o período pré-Niceno parece ter havido
uma celebração única da morte e Ressurreição de Cristo, considerada como um mistério

29
O termo ‘Grande Quaresma’ serve para distinguir este período de outros três períodos de jejum no
Calendário Ortodoxo: a Quaresma de Natal, a Quaresma dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e a
Quaresma da Dormição da Santíssima Virgem Maria.
30
A história da Quaresma é discutida concisamente por Alexander Schememann em ‘Great Lent’ (St.
Vladimir’s Seminary Press, Crestwood, 1969). Este livro é a melhor introdução ao assunto, como um
todo, em língua inglesa por um autor ortodoxo.
31
Ver Ireneu, citado por Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica, V, xxiv, 12; Tertuliano, Sobre as
Quaresmas, 2, 13-14 (PL ii, 956A, 971B-974A); Hipólito, Tradição Apostólica, 20 (ed. Botte, p. 42).
32
Nada é dito sobre estas comemorações diárias nas ‘Homilias Catequéticas’ de São Cirilo de
Jerusalém, editada em c. 350, mas elas são descritas em detalhe pela peregrina Egeria, que esteve em
Jerusalém para a Quaresma e Semana Santa em c. 381-4; ver sua ‘Travels’.
11 – O Significado da Grande Quaresma
único, a vigília Pascal durando de sábado à noite até a manhã do Domingo de Páscoa. A
sexta-feira era mantida como um dia de jejum de preparação para esta vigília, mas ela ainda
não havia se tornado uma comemoração da Crucifixão, específica e distinta; a Cruz e a
Ressurreição eram comemoradas juntas durante a noite de Páscoa.

(2) Os 40 dias de jejum. Não havia nenhuma evidência de um período de 40 dias de jejum na
época pré-Nicena. A primeira referência explícita a este período de jejum está no Cânon 5 do
Concílio de Nicéia (325), onde é tratado como algo familiar e estabelecido, e não como uma
inovação da parte do Concílio 33. No final do século IV a observância do jejum de 40 dias
parece ter sido a prática padrão na maior parte da Cristandade, mas em algumas partes –
possivelmente incluindo Roma – um jejum mais curto pode ter sido mantido.
Este jejum de 40 dias, encontrado como evidência do século IV em diante difere
um pouco em teor e caráter do jejum de uma semana do período pré-Niceno, e a relação
precisa entre os dois não é fácil determinar. Tem sido sugerido que o jejum de 40 dias estava
ligado com a Epifania ao invés de com a Páscoa; mas, a evidência para isso parece ser
inconclusiva. É claro, entretanto, que enquanto o jejum pré-Niceno era especificamente uma
observância Pascal de preparação para a Páscoa, o jejum de 40 dias estava relacionado mais
particularmente com a preparação final dos catecúmenos para o sacramento do Batismo ou
‘iluminação’. Nas semanas anteriores aos seus batismos os candidatos passavam por um
período intensivo de treinamento, com instruções diárias, serviços especiais e jejum. Os
membros da comunidade da igreja eram encorajados a compartilhar com os catecúmenos as
orações e o jejum, renovando, assim, ano após ano sua dedicação batismal a Cristo. Então, os
40 dias de jejum vieram envolver o corpo de fiéis como um todo, e não apenas aqueles que
estavam se preparando para o Batismo.
A Quaresma, como nós a conhecemos, é, assim, o resultado de uma convergência
entre estes dois elementos – os seis dias de jejum do período pré-Niceno, que era
diretamente uma preparação para a Páscoa, e os 40 dias de jejum pós-Nicéia, que era,
originalmente, uma antiga parte do treinamento dos candidatos ao Batismo. Era natural que
estes dois elementos se fundissem em uma única observância, pois ambos possuem o mesmo
ponto final – a noite do Sábado Santo. A vigília Pascal nesta noite, em celebração da morte,
sepultamento e Ressurreição de Cristo era, por razões óbvias, escolhida como ocasião para a
administração do Batismo; por ser este sacramento, precisamente, uma iniciação à Cruz do
Senhor e à Sua Ressurreição (ver Rm 6, 3-4).
Hoje na maior parte das Igrejas não há um catecumenato organizado, e é
costume administrar o Batismo em muitas outras ocasiões além da noite do Santo Sábado;
ainda que o significado batismal da Quaresma ainda possua uma importância vital. Para todo
membro da comunidade cristã, a Quaresma é um tempo de treinamento espiritual e de
renovada iluminação. É um tempo para compreender mais uma vez que, pela virtude de nossa
iniciação batismal, nós fomos crucificados, enterrados e ressuscitados com Cristo; é um tempo
de reaplicar a nós mesmos as palavras de São Paulo, “Já não sou que vivo, mas é Cristo que
vive em mim” (Gl 2, 20). É um tempo para nós ouvirmos mais intimamente a voz do Espírito
com o qual nós fomos selados em nosso Crisma, imediatamente após nosso ‘enterro’ nas
águas batismais.
A escolha do número 40 para os dias da Quaresma tem precedentes bíblicos
óbvios. O povo de Israel passou 40 anos no deserto (Ex 16, 35); Moisés permaneceu jejuando
40 dias no Monte Sinai (Ex 34, 28); Elias absteve-se de toda comida por 40 dias em sua
jornada para o Monte Horeb (3 Rs 19, 8). O mais importante de todos, o jejum de Cristo por
40 dias e 40 noites no deserto, tentado pelo demônio (Mt 4, 1).

33
Para referências ao jejum de 40 dias no período imediatamente seguinte ao Concílio de Nicéia, ver
Atanásio, Festal Letters para os anos de 330-41, e Eusébio de Cesaréia, On the Feast of Pascha, 4-5
(PG, xxiv, 697C-770C), datado de c. 329.
12 – O Significado da Grande Quaresma
Mas como são os 40 dias computados? Nos séculos IV e V, a maneira de contar
variava. Alguns mantinham um jejum de seis semanas, alguns de sete ou mesmo de oito 34.
Três questões surgem:
(a) A Semana Santa está incluída nos 40 dias, ou era tratada como período distinto e
adicional?
(b) O Sábado é considerado um dia de jejum?
(c) Os 40 dias estão contados seqüencialmente, incluídos os sábados e domingos? Ou o
domingo é excluído da contagem, e o sábado também, se não é considerado um dia
de jejum?
Divergentes respostas a estas três questões são consideradas para as atuais
diferenças entre a Quaresma ocidental e a Ortodoxa. A Semana Santa em Roma era incluída
como parte dos quarenta dias, o sábado era considerado como um dia de jejum35, mas no
cálculo do número 40 todos os domingos foram excluídos da contagem. Isto produzia um
jejum de seis semanas de seis dias em cada semana, constituindo um total de 36 dias. Para
complementar o total de 40 dias, quatro dias adicionais eram, então, adicionados ao começo,
resultando na Quaresma no ocidente começando numa quarta-feira36.
Em Constantinopla, por outro lado, a Semana Santa – junto com o Sábado de
Lázaro e o Domingo de Ramos – não eram considerados como parte dos 40 dias de jejum no
sentido estrito. Nas Vésperas de sexta-feira à noite na sexta semana, imediatamente
precedendo ao Sábado de Lázaro, a distinção entre os 40 dias e a Semana Santa é muito
claramente marcada no seguinte texto do Triódio:

Tendo completado os 40 dias que trazem benefício à nossa alma


Nós imploramos a Ti, em Teu amor pelo homem:
Concede-nos, também, cumprir a Semana Santa da Tua Paixão...

Em Constantinopla e no Oriente em geral, os sábados, com a única exceção do


Sábado Santo, não eram considerados dias de jejum. Mas, na contagem do número 40 era
costume contar continuamente, incluindo os sábados e os domingos no cálculo. Assim, os 40
dias começam na primeira segunda-feira da Quaresma e terminam na sexta-feira da sexta
semana; então, vem o Sábado de Lázaro, o Domingo de Ramos e a Semana Santa, que,
enquanto distinta dos 40 dias era tratada como parte da Grande Quaresma num sentido mais
amplo. Desta maneira, os 40 dias e a Semana Santa juntos constituem um jejum de sete
semanas. Deste modo a Quaresma começa na Quarta-Feira de Cinzas na cristandade
ocidental, enquanto começa dois dias mais cedo no Oriente, na segunda-feira.
Os cristãos no Oriente grego, entretanto, como regra de contagem dos 40 dias,
têm, às vezes, escolhido excluir os sábados e os domingos dos cálculos, resultando nisso em
sete semanas de cinco dias cada, totalizando 35 dias. Mas, uma vez que o Sábado Santo é um
dia de jejum, sendo também incluído, totalizando 36 dias. Como vimos, o Ocidente antes da
adição dos quatro dias preliminares, de igual modo, possuía 36 dias de jejum, embora
computados de uma maneira um pouco diferente. Tanto no Ocidente como no Oriente a este

34
Ver Sócrates, História Eclesiástica, V, 22 (PG xvii, 632B-633B); Sozomen, História Eclesiástica, VII,
xix, 7 (ed. Bidez, p.331); Egeria, Travels, & 27 (tr. Wilkinson, p. 128). N.T. Existe um livro publicado
pela Editora Vozes, chamado ‘A Peregrinação de Etéria’, que acredito tratar-se do mesmo livro (Egeria,
Travels) pelo autor deste texto.
35
Para o costume latino de jejum aos sábados, ver Papa Inocêncio I, Letter to Decentius, 4 (PL 1vi,
516A); Augustine, Letter xxxvi, To Casulanus, 4 & 2 (PL xxxiii, I36); João Cassiano, Institutes, iii, 9-10.
A prática latina é condenada pelo Concílio in Trullo (A.D. 692), cânon 55, que proíbe jejum aos sábados
com a única exceção do Sábado Santo (confirmando, assim, a regra do Cânon Apostólico 66 [64]).
36
O mais antigo testemunho da adição destes 4 dias é o Gelasian Sacramentary (começo do século
VIII), mas há indícios da adição em fontes alcançando o século V (ver MacArthur, The Evolution of the
Year Christian, p.137)
13 – O Significado da Grande Quaresma
número de 36 dias tem sido dado um significado simbólico. Como os israelitas dedicavam a
Deus um dízimo ou um décimo de sua produção, os cristãos dedicam o período de Quaresma
a Deus como dízimo ou um décimo do ano. Esta parte é oferecida como um símbolo do todo:
em retribuição a Deus de um décimo daquilo que Ele nos dá, nós invocamos a Sua benção
sobre o restante do ano e reconhecemos que todas as coisas materiais e todos os momentos
da vida são uma dádiva de Sua mão. Esta noção de Quaresma, como um dízimo dos primeiros
frutos do ano, não é muito enfatizada em textos existentes do Triódio, mas é mencionada no
Sinaxário para o Domingo do Perdão37.

(3) A complementação da configuração. Em Constantinopla do século sexto ou sétimo em


diante, surgiu a prática de acrescentar, antes das sete semanas de jejum, uma oitava semana
ou uma semana preliminar de jejum modificado. Em nossa tradução do Triódio, nós
denominamos esta semana de ‘Semana antes da Quaresma’; ela é freqüentemente chamada
de ‘Semana do queijo’ ou ‘Semana sem carne’, por que durante estes dias a carne é proibida,
mas queijo e outros laticínios são permitidos. Esta semana preliminar foi acrescentada, entre
outras razões, pelo mesmo motivo que levou à adição de quatro dias extras ao começo da
Quaresma no Ocidente: totalizar os 40 dias. No Ocidente, um jejum de seis semanas de seis
dias em cada deixava faltando 4 dias do total requisitado. Em Constantinopla, por outro lado,
os dias da Quaresma eram contados (como vimos) continuamente, e, então, não havia
necessidade de um período preliminar para formar o total de 40 dias. Mas, os cristãos da
Palestina calculavam em termos de oito semanas, com cinco dias de jejum cada (sem levar
em consideração o Sábado Santo para propósito de contagem); e, então, eles necessitavam
de uma semana adicional no começo da Quaresma. A observância da ‘Semana do queijo’ no
Triódio existente representa um compromisso entre a prática de Constantinopla e a da
Palestina: pois a ‘Semana do Queijo’ deve ser considerada parte do jejum, ainda que não
esteja completamente dentro da Quaresma38.
Durante os séculos sexto ao décimo-primeiro, o período de preparação pré-
quaresmal foi gradualmente expandido para incluir três outros domingos preliminares: o
Domingo do Fariseu e do Publicano, dez semanas antes da Páscoa; seguindo-o, o Domingo do
Filho Pródigo; e, então, o Domingo do Julgamento Final, imediatamente antes do começo da
‘Semana do queijo’. Junto com o Domingo do Perdão ao final da ‘Semana do queijo’, formam
quatro domingos ao todo. Desta maneira a configuração total do período de Quaresma está
completa. O Triódio, como o temos agora, inicia-se com o último domingo acrescentado, a
saber, o Domingo do Fariseu e do Publicano.

3. As regras do jejum
Com este padrão aqui desenvolvido de quaresma, o que exatamente as regras de jejum
exigem? Nem nos tempos antigos nem nos modernos não tem havido uma exata

37
Para a Quaresma como um dízimo do ano, ver João Cassiano, Conferences, xxi, 24-5; Dorotheus,
Teachings, 15 (PG 1xxxviii, I788BC); Gregório, o Grande, Homilies on the Gospel, xvi, 5 (PL 1xxvi,
II37C). Mas o simbolismo do dízimo é rejeitado por João Damasceno, On the Holy Fasts, 3 (PG xcv,
68C). Para a oferta israelita do dízimo, ver Lv 27, 30-32 e Dt 14, 22-24.
38
Dorotheus, escrevendo na Palestina c. 540-580, faz uma clara referência a esta oitava semana
preliminar em Teachings, 15 (PG 1xxxviii, I788C). Uma obscura passagem em Theophanes,
Chronographia for the year 6038, i.e. A.D. 546 (ed. Boor, vol. I, p.225), pode ser interpretada como
significando que a semana preliminar era observada em Constantinopla já no tempo do reinado de
Justiniano (525-565). Mas, o Sinaxário para o Sábado na Semana antes da Quaresma conecta a
introdução da ‘Semana do queijo” com as vitórias do imperador Heráclio sobre os persas Chosroes em
629 ou nos anos imediatamente seguintes. No tempo de João de Damasco (primeira metade do século
oitavo), a observância desta semana preliminar não era, como ainda não é, de modo algum universal
no Oriente cristão: ver, On the Holy Fasts (PG xcv, 64-77).
14 – O Significado da Grande Quaresma
uniformidade, mas a maior parte das autoridades ortodoxas concorda com as seguintes
regras:

1) Durante a semana entre o Domingo do Fariseu e do Publicano e o do Filho Pródigo, há


uma dispensa geral de jejum. Carne e produtos de origem animal podem ser comidos
mesmo às quartas e sextas-feiras.
2) Na semana seguinte, normalmente denominada “Semana do Carnaval” o jejum normal
às quartas e sextas-feiras é mantido. Fora isso, não há nenhum jejum adicional.
3) Na semana anterior à Quaresma, a carne é proibida, mas ovos, queijo e outros
laticínios podem ser comidos todos os dias, inclusive às quartas e sextas-feiras.
4) Nos dias de semana (de segunda à sexta-feira inclusive) durante as sete semanas da
quaresma, há restrições tanto no número de refeições tomadas diariamente quanto no
tipo de alimentos permitidos; mas quando um alimento é permitido, não há limitação
fixa quanto à quantidade de comida a ser ingerida.

a) Nos dias de semana da primeira semana, o jejum é particularmente severo. De acordo


com uma rígida observância, no curso dos cinco dias iniciais da Quaresma apenas duas
refeições são tomadas, uma na quarta-feira e outra na sexta-feira, em ambos os casos após a
Liturgia dos Dons Pré-Santificados. Nos outros três dias, aqueles que têm força são
encorajados a manter um jejum total; para aqueles a quem isto se mostra impraticável
podem comer na terça-feira e quinta-feira (mas, se possível, não na segunda-feira), à noite
após as Vésperas, quando eles podem comer pão e água, ou talvez chá ou suco de frutas,
mas não uma comida cozida. Deve-se acrescentar imediatamente que na prática, hoje, estas
regras estão normalmente relaxadas. Nas refeições de quarta e sexta-feira a tirofagia está
prescrita. Literalmente isto significa “dry eating”. Rigorosamente interpretando, isto significa
que nós podemos comer apenas vegetais cozidos com água e sal, e também coisas como
frutas, nozes, pão e mel. Na prática, polvo e crustáceos também são permitidos nos dias de
tirofagia; de igual modo margarina vegetal, óleos de milho e outros óleos vegetais, à exceção
do de oliva. Mas as seguintes categorias de alimentos estão definitivamente excluídas:
- carne;
- produtos de origem animal (queijo, leite, manteiga, ovos, toucinho, gorduras);
- peixes (isto é, peixes com espinhas)
- óleo (isto é, óleo de oliva) e vinho (isto é, bebidas alcoólicas em geral)

b) Nos dias de semana (de segunda a sexta-feira, inclusive) na segunda, terceira, quarta,
quinta e sexta semanas uma refeição por dia é permitida, a ser tomada à tarde em
seguida às Vésperas, nestas refeições a tirofagia é observada. 39

c) Semana Santa. Nos primeiros três dias há uma refeição por dia com tirofagia; mas alguns
tentam um jejum completo nestes dias, ou ainda comem apenas alimentos não cozidos,
como nos dias de abertura para a primeira semana.

Na Quinta-feira Santa uma refeição é permitida com vinho e óleo (isto é, óleo de oliva,
azeite).

39
As fontes primitivas não concordam entre si em relação à aplicação da regra da tirofagia. O Concílio
de Laodicéia, cânon 50, e Teodoro, o Estudita, Doctrina Chronica, 9 (P.G. XCIX, 1700B) prescrevem a
tirofagia em todos os dias da semana na Quaresma; mas João Damasceno, On the Holy Fasts, 5 (P.G.
xcv, 69D) e Teodoro Balsamon (Rallis-Potlis, Sytagma, vol. iii, p. 217) parecem considerar uma
observância menos rígida.
15 – O Significado da Grande Quaresma
Na Sexta-feira Santa aqueles que tiverem força seguem a prática da Igreja Primitiva e
mantém um jejum absoluto. Aqueles que são incapazes disso podem comer pão, com um
pouco de água, chá ou suco de fruta, mas não antes do pôr-do-sol ou de qualquer maneira
não antes do final da veneração do Epitáfio nas Vésperas.

No Sábado Santo não há a princípio nenhuma refeição, a não ser de acordo com uma antiga
prática após a Liturgia de São Basílio ao fiel que permanecer na igreja para a leitura dos Atos
dos Apóstolos, para sustentar suas forças é dado um pouco de pão e frutas secas, com um
copo de vinho. Se, como normalmente acontece agora, eles retornam para casa para uma
refeição, eles podem usar vinho, mas não óleo, para apenas este único sábado entre os
sábados do ano, azeite não é permitido.

A regra da tirofagia é relaxada nos seguintes dias:


(1) Aos sábados e domingos na Quaresma, com a exceção do Sábado Santo, duas refeições
podem ser tomadas da maneira usual, em torno do meio-dia e à noite, com vinho e
óleo de oliva, isto é azeite; mas carne, produtos de origem animal e peixe não são
permitidos.
(2) Na Festa da Anunciação e Domingo de Ramos, o peixe é permitido assim como vinho e
azeite, mas carne e produtos de origem animal não são permitidos. Se a Festa da
Anunciação cai num dos quatro primeiros dias da Semana Santa, vinho e óleo são
permitidos, mas peixe não. Se a Festa cai na Sexta-feira Santa ou Sábado Santo, o
vinho é permitido, mas não o peixe e o óleo.
(3) Vinho e óleo são permitidos nos seguintes dias se eles caem num dia de semana da
segunda, terceira, quarta, quinta ou sexta semana da Quaresma:
 Primeiro e segundo encontro da cabeça de São João Batista (9/3).
 40 Santos mártires de Sebástia (22/3)
 Ante-Festa da Anunciação (6/3)
 Sinaxis do Arcanjo Gabriel (8/4)
 Festa do patrono da igreja ou mosteiro.

(4) Vinho e óleo são também permitidos na quarta e sexta-feira da quinta semana, por
causa da Vigília do Grande Cânon de Santo André de Creta. O vinho é permitido e de
acordo com algumas autoridades, óleo também – na sexta-feira na mesma semana, por
causa da Vigília do Hino Acatiste à Mãe de Deus.

Estas regras de jejum têm sido sempre mantidas, podendo ser relaxadas no caso de
idosos e de pessoas doentes. Na prática atual, mesmo para os de boa saúde, a completa
rigidez do jejum está normalmente atenuada. Apenas poucos ortodoxos, hoje, tentam manter
um jejum total na segunda-feira, terça-feira e quinta-feira na primeira semana ou nos três
primeiros dias da Semana Santa. Nos dias de semana – exceto, talvez, durante a primeira
semana e durante a Semana Santa – é comum atualmente comer duas refeições cozidas
diariamente ao invés de uma. Da segunda até a sexta semana, muitos ortodoxos usam vinho,
e talvez óleo também, às terças e quintas-feiras, e menos usualmente nas segundas-feiras
também. Permissão é dada para que se coma peixe nestas semanas. Fatores pessoais devem
ser levados em consideração como, por exemplo, a situação de um ortodoxo vivendo na
mesma casa de um não-ortodoxo, ou obrigado a fazer suas refeições na cantina de uma
fábrica ou de uma escola. Em casos de dúvida cada um deve procurar o conselho de seu pai
espiritual. Em todos os casos deve-se ter na mente que “você não está sob a lei, mas sob a
graça” (Rm 6, 14), e que “a letra mata, mas a palavra vivifica” (2 Co 3, 6). As regras do
jejum, devem ser consideradas seriamente, e não devem ser interpretadas com um severo e

16 – O Significado da Grande Quaresma


pedante legalismo; “...porquanto o Reino de Deus não consiste em comida e bebida, mas é
justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14, 17).

4. Os conteúdos do Triódio
No livro da Grande Quaresma, o Triódio de Quaresma, dois elementos constitutivos podem
ser distintos: o primeiro, o ciclo do Saltério e de outras leituras das Escrituras; o segundo, o
ciclo da hinografia litúrgica – dos cânones, estikera, catismas poéticos e etc.

O Saltério e as leituras das Escrituras. São de inestimável importância, pois a Quaresma é o


retorno anual às nossas raízes bíblicas. É mais especificamente um retorno às nossas raízes
no Antigo Testamento, pois durante a Grande Quaresma num grau muito maior do que em
qualquer outra parte do ano as leituras das Escrituras são tiradas do Antigo Testamento mais
do que do Novo Testamento.
Esta ênfase no Antigo Testamento é evidente, em primeiro lugar, no lugar proeminente
ocupado pelo Saltério durante a Grande Quaresma. Ao invés de ser lido apenas uma vez,
como em todas as outras semanas do ano, durante a Grande Quaresma o Saltério é lido todo
duas vezes a cada semana. Nossas aspirações de Quaresma estão concentradas nas palavras
dos Salmos que o próprio Nosso Senhor sabia de cor desde criança e usava nas suas orações
da manhã e da noite. A centralidade do Saltério é particularmente evidente em Matinas dos
dias de semana, quando quase metade do ofício é tomado dos Salmos e o cânon é muito mais
curto que em outros períodos (em geral apenas três odes 40). Durante o cânon em si, uma
particular proeminência é, de igual modo, dada às Escrituras do Antigo Testamento, pois as
odes (cânticos) do Antigo Testamento são cantadas totalmente nos dias de semana da Grande
Quaresma, ao invés de serem grandemente abreviadas ou omitidas de todo, como em outros
períodos do ano. Isto serve como uma reminiscência da forma original do cânon, que
originalmente consistia dos cânticos bíblicos com não mais que um pequeno refrão entre seus
versículos.
O aumento do uso dos textos do Antigo Testamento é evidente, também, em outros ofícios
da Grande Quaresma além das Matinas. Nos dias de semana ocorrem leituras adicionais do
Saltério nas Horas Canônicas (prima, tércia, sexta e nona). No lugar da Epístola e Evangelho
indicados para a Liturgia a cada dia durante o resto do ano, ocorrem nos dias de semana da
Grande Quaresma três leituras do Antigo Testamento, uma lida na Sexta Hora Canônica e
duas lidas em Vésperas. Mas aos sábados e domingos, quando a Eucaristia é celebrada
totalmente, a Epístola e o Evangelho são indicados da maneira usual. As leituras de Epístola
na Grande Quaresma são normalmente tiradas do livro de Hebreus, e as leituras do Evangelho
de Marcos; em ambos os casos elas estão ordenadas numa seqüência cuidadosamente
planejada.
O esquema das leituras do Antigo Testamento no Triódio foi, provavelmente, elaborado
entre o quinto e sexto século. As três leituras diárias são tomadas de três principais categorias
da literatura do Antigo Testamento – dos livros históricos, dos profetas e da literatura
sapiencial – de acordo com o seguinte padrão:

(1) Livros históricos (Pentateuco) para a primeira leitura de Vésperas:


 Gênesis (nas seis semanas da Quaresma)
 Êxodo (na Semana Santa)

(2) Os profetas na Sexta Hora Canônica:


 Isaías (nas seis semanas da Quaresma)
 Ezequiel (na Semana Santa)

40
N.T. do tradutor.
17 – O Significado da Grande Quaresma
(3) Literatura sapiencial para a segunda leitura nas Vésperas:
 Provérbios (nas seis semanas da Quaresma)
 Jó (na Semana Santa)

Tanto representando as várias categorias de literatura do Antigo Testamento, estes livros


foram escolhidos devido à sua adequação ao espírito de Quaresma:

(1) O Gênesis descreve a queda do homem e sua expulsão do Paraíso, que é um tema
dominante ao longo de todo o Triódio. Os últimos capítulos do Gênesis contam a
história de José, que em seus sofrimentos, sendo inocente, serve como um
“protótipo” de Cristo.
(2) Nas leituras do Êxodo, Moisés prefigura a Cristo, a velha Páscoa (Passagem)
antecipa a Nova, a passagem pelo Mar Vermelho prefira a morte redentora e a
ressurreição de Cristo.
(3) O Livro de Isaías começa com um apelo ao arrependimento e ao jejum.
(4) As leituras de Ezequiel falam da Glória de Deus – a Glória que é também
manifestada pela Cruz e a Ressurreição: “...Agora o Filho do Homem foi glorificado e
Deus foi glorificado nele” (Jo 13, 31).
(5) A instrução ética nos Provérbios nos relembra que a Quaresma é um tempo para um
esforço moral: arrepender-se não é meramente experimentar certas emoções, mas
ao nível de conduta prática, alterar nosso estilo de vida com a ajuda da graça de
Deus. Se nós achamos a leitura dos Provérbios chata e procuramos por algo mais
“dramático” e “excitante”, isto mostra que queremos fugir daquilo que nos foi
ensinado a seguir.
(6) Os sofrimentos pacientes de Jó e seu desfecho final apontam para a Paixão e
Ressurreição de Cristo.
Então, torna-se evidente que as leituras do Antigo Testamento não foram escolhidas ao acaso,
mas cada uma delas possui seu lugar na unidade interligada do Triódio.

A Hinografia litúrgica. O material não-Bíblico do Triódion foi composto ao longo de um período


de aproximadamente 1000 anos, do século VI ao século XV. Três principais fases podem ser
distintas:

(1) O início (século VI ao século VIII). Provavelmente os mais antigos elementos existentes
são os textos do ciclo diário dos troparia da Profecia, ditos antes da leitura da Profecia na
Sexta Hora Canônica. São muito simples na forma, sendo um pouco mais que uma paráfrase
rítmica de algum texto da Bíblia. Quase tão antigo é o Hino Acatiste, provavelmente trabalho
de São Romano, o Mélodo (†c. 560)41. Um pouco mais tardio, em data, encontra-se o mais
antigo dos Cânones, o Grande Cânon de Santo André de Creta (c. 660-740), aparentemente

41
Antigas fontes discordam quanto à data e autoria do Hino Acatiste. A questão tem sido muito
debatida nos últimos 80 anos; muitos eruditos apoiam uma data no começo do século VI e atribuem a
autoria a S. Romano como provável, embora não indubitavelmente provado. Para uma ampla discussão
do problema, com bibliografia, ver K. Mitsakis, Vyzantini Ymnographia, vol. 1 (Thessalonica, 1971), p.
483-509. Em inglês ver E. Wellesz, The Akathistos Hymn (Copenhagen, 1957) e A History of Bizantine
Music and Hymnography (2ª ed., Oxford, 1961), p. 191-197. O Hino tem sido atribuído, também, a
Sérgio, Patriarca de Constantinopla (610-638), que na verdade pode ser o autor do kontakion: “A ti os
acentos da vitória...”, mas parece ser muito tardio para que seja o autor do próprio Hino. Outros a
quem a autoria do Hino tem sido atribuída incluem Jorge de Pisídia (primeira metade do século VI), S.
Germano, Patriarca de Constantinopla (†740), Jorge de Nicomédia (segunda metade do século IX) e S.
Fócio, Patriarca de Constantinopla (†890); mas há pouco a favorecer qualquer uma destas sugestões.
18 – O Significado da Grande Quaresma
composto no fim de sua vida – ele refere-se muitas vezes à sua idade avançada e pretende
ser, por seu autor, uma obra mais de expressão de devoção pessoal do que para uso litúrgico
público. No fim do século VIII André, conhecido como “Piros” ou “o Cego”, monge da Lavra de
São Sawa compôs um ciclo de idiomela, dois para cada dia de semana da Quaresma, um
cantado na apóstica de Matinas e outro na das Vésperas; o ciclo foi completado e expandido
pelo contemporâneo e companheiro de André, também monge, Estevão, o Sabaíta (725-807),
o sobrinho de São João Damasceno. Estes idiomela, que são indicados para serem cantados
duas vezes, são excepcionalmente ricos em teor doutrinal, resumo de toda a teologia da
Grande Quaresma e devem ser estudados com particular atenção.
Entre outros autores, que datam do século VI ao século VIII e representados no Triódio
estão S. Sofrônio, Patriarca de Jerusalém (†638), S. João Damasceno (c. 680-749), e S.
Cosme de Maiuma (c. 685-c. 750). Quase todos os hinógrafos pertencentes a esta primeira
fase estão associados com a Síria ou Palestina, e a maioria deles está relacionada com a Lavra
de São Sawa fora de Jerusalém.

(2) O período formativo (século IX). Durante este século, o centro líder de atividade desloca-
se da Palestina para Constantinopla, dentro de Constantinopla no Mosteiro de Studios, então,
no auge de sua influência. Foram os monges estuditas do século IX que deram não apenas ao
Triódio de Quaresma sua estrutura presente, como também, compuseram a maior parte de
seu conteúdo. Este livro (Triódion de Quaresma), assim como o Pentecostário é
substancialmente o produto editorial Estudita. Eles trazem a marca em particular de dois
irmãos S. Teodoro, o Estudita (759-826) e S. José, o Estudita, Arcebispo de Tessalônica (762-
832). São Teodoro compôs o segundo cânon para os dias de semana na Quaresma, e seu
irmão José o primeiro42. Estes cânones variam no conteúdo de acordo com o dia da semana:
Às segundas e terças são dedicados ao arrependimento; às quartas e sextas, à Cruz; às
quintas aos apóstolos; aos sábados aos mártires e à morte.
Outros escritores do século IX cujos trabalhos são encontrados no Triódion são S.
Teófano Graptos (778-845), S. José, o Hinógráfo (c. 816-c. 886), o Imperador Leão VI, o
Sábio (reinou de 886-912) e a poetisa Cássia ou Cassiani que desprezou as chances de se
casar com o Imperador Teófilo (829-842) pelo atrevimento de sua resposta, e posteriormente
tornou-se monja43. Ela é a autora de um célebre hino das Matinas de Quarta-feira Santa, “A
mulher que caiu em muitos pecados....”.

(3) Adições suplementares (século X ao século XV). Apesar da estrutura básica do Triódio
estar completa no século IX, muitas adições suplementares foram feitas durante os cinco
séculos subseqüentes, ainda que sem alterar o padrão geral articulado pelos redatores do
Mosteiro de Studios. Manuscritos de Triódia (plural de Triódio) do século XI mostram que
havia naquela época uma ampla variedade de usos locais, mas do século XII em diante passa
a existir uma crescente uniformidade. Dentre os mais notáveis escritores desta terceira fase
está Simeão, o Logothete, conhecido como “o Tradutor” (século X), autor da Lamentação da
Mãe de Deus usada em Completas na Sexta-feira Santa; João Marvopous, Metropolita de
Euchaita (século XI), autor de dois cânones para São Teodoro para o sábado da primeira
semana; e o Patriarca Filoteos de Constantinopla (século XIV), autor do ofício em honra de
São Gregório Palamas no segundo domingo.
Surpreendentemente, alguns dos mais amados elementos do Triódio são, também, os
mais recentes em data. Os três tropários cantados nas Matinas de domingo após a leitura do
Evangelho, “Abra-me, ó Doador da Vida, as portas do arrependimento...”, “Guia-me no
caminho da salvação...”, “Enquanto eu meditava em minha infelicidade...”, não aparecem

42
Possivelmente o autor não é José, o Estudita, mas José, o Hinógrafo. Ver E. I. Tomadakis, Iosiph o
Ymnographos (Athens, 1971), p. 200-201.
43
Ver Simeon Magister, Annals (P.G. cix, 685C); George, o Monge, Chronicle, iv, 264, (P.G. cx, 1008B)
19 – O Significado da Grande Quaresma
nesta posição antes do século XIV, apesar dos textos em si mesmo serem, provavelmente,
mais antigos. As Laudes cantadas nas Matinas no Sábado Santo são encontradas pela primeira
vez em manuscritos dos séculos XIV ou XV. Os manuscritos de Triodia contêm mais material
adicional - cânones, idiomela e estikera – não incluídos no Triódio impresso que agora está em
uso; muitos destes textos não publicados são de elevado padrão artístico e espiritual. Assim, o
Triódio hoje existente, apesar de rico e complexo, não representa mais que uma seleção de
um todo maior. Em sua origem, um livro de ofício monástico, refletindo mais particularmente
a observância da fraternidade Estudita, o Triódio veio, com o tempo, a ser adotado também
pelas paróquias. Este processo pelo qual o rito de “catedral” foi gradualmente substituído pelo
rito “monástico” já havia se iniciado no século XII e estava mais ou menos completo por volta
do século XIV. Quaisquer que fossem os méritos do rito de “catedral” – e existem pessoas que
são favoráveis ao seu renascimento em uma forma modificada – não havia nada de absurdo
ou espiritualmente inadequado na adoção do Triódio monástico pelas paróquias. Pois os textos
do Triódio são endereçados não apenas a monges, mas a todo cristão; o caminho de contrição
e jejum ao longo do qual ele nos guia possui validade universal.

5. A unidade interna do Triódio


O Triódio possui uma coerência interna e uma unidade que não são evidentes de
imediato. Por que, por exemplo, S. Teodoro de Tiro deve ser comemorado no sábado da
primeira semana, os santos ícones no primeiro Domingo e S. Gregório Palamas no segundo?
Que conexão especial possui estas três observâncias com o jejum ascético da Quaresma?
Vamos considerar brevemente o padrão que une num todo único as diferentes comemorações
durante as dez semanas do Triódio. Não entraremos em detalhes, mas procuraremos
simplesmente indicar o lugar de cada observância na estrutura geral da Quaresma.
(1) O período pré-quaresmal.
(a) O Domingo do Zaqueu. Uma semana antes do Triódio entrar em uso há uma leitura de
Evangelho de Domingo, que olha em direção à Quaresma que está por vir – Lc 19, 1-10,
descrevendo como Zaqueu subiu em uma árvore ao lado do caminho onde Cristo iria passar.
Nesta leitura nota-se o senso de ansiedade, de expectativa, de intensidade do seu desejo de
ver nosso Senhor e, nós aplicamos isto a nós mesmos. Se, enquanto nós nos preparamos
para a Quaresma, existe uma real ansiedade em nossos corações, se nós temos um desejo
intenso de uma visão clara de Cristo, então nossas esperanças serão realizadas durante a
Quaresma; na verdade, nós deveremos, como Zaqueu, receber muito mais do que
esperamos. Mas, se não existe dentro de nós nenhuma expectativa ansiosa e nenhum desejo
sincero, nós não iremos ver nem receber nada. E, então, nós nos perguntamos a nós
mesmos: “Qual é meu estado de espírito e se eu estarei preparado para embarcar na jornada
da Grande Quaresma?44
(b) O Domingo do fariseu e do publicano (Lc 18, 10-14). Neste e nos dois domingos
seguintes o tema é o do arrependimento. O arrependimento é a porta através da qual nós
entramos na Quaresma, o ponto de partida de nossa jornada para a Páscoa. E arrepender-se
significa mais que auto-piedade ou remorso fútil sobre coisas feitas no passado. O termo
grego metanoia significa “mudança de espírito”: arrepender-se é estar renovado, estar
transformado em nosso ponto de vista interior, atingir uma nova maneira de olhar para nosso
relacionamento com Deus e com os outros. O erro do fariseu é que ele não deseja mudar sua

44
No Domingo anterior ao do Zaqueu a leitura do Evangelho é, às vezes, o encontro de Cristo com a
mulher cananéia (Mt 15, 21-28). Aqui o significado espiritual é o mesmo que o do Domingo do Zaqueu.
A filha da mulher foi curada pela fé e persistência de sua mãe. Do mesmo modo, na Quaresma
precisamos deixar a fé em Cristo nos curar e para isso nós temos que aliá-la à persistência da oração.
Então, todas as coisas são possíveis.
20 – O Significado da Grande Quaresma
perspectiva; ele é complacente, auto-satisfeito e, então, ele não deixa espaço para Deus agir
dentro dele. O publicano, por outro lado, procura verdadeiramente por uma “mudança de
espírito”: ele está auto-insatisfeito, “pobre de espírito” e, onde há esta “auto-insatisfação”
redentora há espaço para Deus atuar. A menos que aprendamos com a secreta pobreza
interna do publicano nós não poderemos participar na primavera da quaresma. O tema do dia
pode ser resumido por uma sentença dos Padres do Deserto: “Melhor o homem que pecou, se
ele sabe que pecou e se arrepende, que o homem que não pecou e considera-se um justo”45.
(c) O Domingo do Filho Pródigo (Lc 15, 11-32). A parábola do Filho Pródigo forma uma
imagem exata do arrependimento em seus diferentes estágios. O pecado é o exílio, a
escravização aos estrangeiros, a fome. O arrependimento é o retorno do exílio ao nosso
verdadeiro lar; é receber de volta nossa herança e a liberdade na casa do Pai. Mas
arrependimento implica ação: “Levantar-me-ei e irei a meu pai...” (v.18). Arrepender-se não
é apenas sentir-se insatisfeito, mas tomar uma decisão e agir de acordo com ela.
Neste e nos dois domingos seguintes, após as solenes e jubilosas palavras do Polieleos
em Matinas, nós acrescentamos os pesarosos versículos do Salmo 136 (137), “Às margens
dos rios da Babilônia nos assentávamos chorando, lembrando-nos de Sião...”. Este Salmo do
exílio, cantado pelos filhos de Israel em seu cativeiro na Babilônia, possui uma adequação
especial ao Domingo do Filho Pródigo, quando nos vem à memória nosso exílio atual no
pecado e a resolução de voltar ao lar.
(d) O Sábado dos defuntos. No dia anterior ao Domingo do Julgamento Final e, em íntima
conexão com o tema deste domingo, há uma comemoração universal dos defuntos ‘de todas
as épocas’. Existem comemorações dos defuntos adicionais no segundo, terceiro e quarto
sábados da Grande Quaresma. Antes de relembrarmos a Segunda Vinda de Cristo nos ofícios
de Domingo, nós confiamos a Deus todos aqueles que partiram antes de nós, que estão agora
esperando o Julgamento final. Nos textos deste sábado há um forte senso de continuidade, de
ligação, de amor mútuo que interliga todos os membros da Igreja, sejam vivos ou mortos.
Para aqueles que acreditam na Ressurreição de Cristo, a morte não constitui uma barreira
intransponível, uma vez que todos estão vivos n’Ele; os que partiram são ainda nossos
irmãos, membros da mesma família conosco e, então, nós estamos conscientes da
necessidade de rezar insistentemente a seu favor.
(e) O Domingo do Julgamento Final. (Mt 25, 31-46). Os dois domingos anteriores falam-
nos da paciência de Deus e sua ilimitada compaixão, de Sua prontidão em aceitar qualquer
pecador que retorne para Ele. Neste terceiro domingo, nós somos intensamente lembrados de
uma verdade complementar: ninguém é tão paciente e tão misericordioso como Deus, mas
mesmo Ele, não perdoa aqueles que não se arrependem. O Deus do Amor é também o Deus
da Retidão e, quando Cristo vier novamente em glória, Ele virá como nosso juiz. “Vê então a
bondade e a severidade de Deus...” (Rm 11, 22) Tal é a mensagem da Quaresma para cada
um de nós: vire-se enquanto ainda há tempo, arrependa-se antes que o Fim chegue. Nas
palavras do Grande Cânon:
O fim aproxima-se, minh’alma, ele aproxima-se e tu te descuidas de te preparares: o
tempo urge, levanta-te, porque o Juiz está às portas: como um sonho ou uma flor, a nossa
vida se desvanece e nós nos agitamos em vão. 46
Este Domingo situa diante de nós a dimensão ‘escatológica’ da Grande Quaresma: a Grande
Quaresma é a preparação para a Segunda Vinda do Salvador, para a eterna Páscoa na Era por
vir. (Este é um tema que será retomado nos primeiros três dias da Semana Santa). Não é o
julgamento meramente no futuro. Aqui e agora, a cada dia e a cada hora, ao endurecer

45
Apophthegmata Patrum, alphabetical colection, Sarmatas I.
46
Cântico 4, tropário 2.
21 – O Significado da Grande Quaresma
nossos corações em relação ao próximo e ao falhar em responder às oportunidades que nos
são dadas de ajudá-lo, nós já estamos estabelecendo a sentença sobre nós mesmos.
(f) No sábado da semana anterior ao início da Grande Quaresma, há uma comemoração
geral de todos os santos ascetas da Igreja, tanto homens como mulheres. Como partimos na
jornada do jejum da Quaresma, nós somos lembrados que não seguimos sozinhos, mas como
membros de uma família, apoiados pela intercessão de muitos auxiliares invisíveis.
(g) O Domingo anterior ao início da Grande Quaresma. O último dos domingos
preparatórios possui dois temas: A expulsão de Adão do Paraíso e, é também, o Domingo do
Perdão. Existem razões óbvias por que estas duas coisas devem ser trazidas à nossa atenção
enquanto estamos no limiar da Grande Quaresma. Uma das imagens básicas do Triódio é a do
retorno ao Paraíso. A Quaresma é o tempo quando choramos com Adão e Eva diante das
portas fechadas do Éden arrependidos, como eles, de nossos pecados que nos privaram de
nossa livre comunhão com Deus. Mas a Quaresma é também um tempo em que nos
preparamos para celebrar o evento salvífico da morte e Ressurreição de Cristo, que reabriu o
Paraíso mais uma vez para nós (Lc 23, 43). Então, o pesar por nosso exílio é suavizado com
nossa esperança de re-entrada no Paraíso:
“Ó precioso Paraíso, insuperado em beleza,
Tabernáculo criado por Deus, interminável felicidade e delícia,
Glória do justo, júbilo dos profetas, e morada dos santos,
Com o som de tuas folhagens rogue ao Criador de tudo:
Que Ele abra-me as portas que eu fechei com minha transgressão,
E que Ele possa considerar-me digno de participar da Árvore da Vida
E do júbilo que era meu, quando eu habitava em ti anteriormente47.

Nota-se que o Triódio fala aqui não de “Adão”, mas de “mim”: “Que Ele abra-me as
portas que eu fechei...”. Aqui, assim como ao longo de todo o Triódio, os eventos da história
sagrada não são tratados como acontecimentos distantes no passado ou futuro, mas como
experiências vivenciadas por mim aqui e agora dentro da dimensão sagrada do tempo.
O segundo tema, o do perdão, está enfatizado na leitura do Evangelho deste Domingo
(Mt 6, 14-21) e na cerimônia especial do perdão mútuo no final do ofício de Vésperas no
domingo à noite. Antes de entrarmos no jejum da Quaresma, somos lembrados que não pode
haver verdadeiro jejum, nenhum arrependimento genuíno, nenhuma reconciliação com Deus,
a menos que estejamos ao mesmo tempo reconciliados uns com os outros. Um jejum sem
amor mútuo é o jejum dos demônios. A comemoração dos santos ascetas do sábado anterior
tornou claro para nós que nós não trilhamos a estrada da Quaresma como indivíduos isolados,
mas como membros de uma família. Nosso ascetismo e jejum não devem nos separar de
nossos companheiros, mas ligar-nos a eles com vínculos ainda mais fortes. O asceta da
Quaresma é convocado para ser um homem para os outros.
(2) Os quarenta dias. Os dois domingos precedentes, o do Julgamento Final e o do Perdão,
juntos constituem – ainda que em ordem inversa – uma recapitulação de toda a extensão da
história sagrada, desde seu ponto inicial, Adão no Paraíso, até seu ponto final, a Segunda
Vinda de Cristo, quando todo o tempo e toda a história estão contidos na eternidade. Durante
os quarenta dias que agora se seguem, embora esta ampla perspectiva não se perca, há uma
crescente concentração no momento central da história sagrada, no evento salvífico da Paixão
de Cristo e de Sua Ressurreição, que tornam possível o retorno do homem ao Paraíso e
inaugura o Fim. A Quaresma é, deste ponto de vista, uma viagem com uma direção precisa; é
uma viagem para a Páscoa48. O objetivo da viagem é concisamente expresso na oração de

47
Vésperas do Sábado à noite (Domingo do Perdão).
48
A frase é tomada de Schememann, A Grande Quaresma, p.11.
22 – O Significado da Grande Quaresma
encerramento da Liturgia dos Dons Pré-Santificados: “...sair vitoriosos do pecado e conseguir,
sem perigo de condenação, adorar também a Tua Santa Ressurreição”. Ao longo dos quarenta
dias somos chamados a lembrar que nós estamos em movimento, viajando no caminho que
leva diretamente ao Gólgota e ao Túmulo Vazio. Então, nós dizemos no começo da primeira
semana:

Vamos nos por a caminho com alegria,...


Tendo navegado pelo grande mar do Jejum,
Possamos alcançar o terceiro dia, a Ressurreição de nosso Senhor.
Vamos nos apressar para a Santa Ressurreição ao terceiro dia....
Enquanto nossa viagem prossegue, como viajantes nós regularmente lembramos o quão
distante nós avançamos:
Quando começamos o segundo dia...
Vamos iniciar a terceira semana de Quaresma, ó fiéis...
Vamos glorificar a Santíssima Trindade,
E alegremente atravessar o tempo que ainda resta...
Acenando com guirlandas de flores para o rei dos dias
- o dia da Ressurreição do Senhor. Então, continuamos:

Agora que nós ultrapassamos a metade do período da Quaresma,


Vamos nos apressar ansiosamente em direção ao fim da jornada...
De modo que possamos ser considerados dignos de venerar a divina Paixão de Cristo nosso
Deus,
E alcançar Sua Venerável e Santa Ressurreição.

Durante cada semana da Quaresma, nossas faces são direcionadas para o objetivo de
nossa jornada: o sofrimento do Salvador e Sua Triunfante Ressurreição.
Os quarenta dias da jornada da Quaresma relembram, em particular, os quarenta anos
que o Povo Escolhido vagou pelo deserto. Para nós, como para os filhos de Israel, a Quaresma
é um tempo de peregrinação. É um tempo de libertação de nossas amarras do Egito, de nosso
domínio pelas paixões pecaminosas; um tempo para progredir pela fé através de um deserto
estéril e sem água; um tempo para uma inesperada certeza restabelecida, quando em nossa
fome nós somos alimentados pelo maná dos céus; um tempo no qual nós nos aproximamos
da Terra Prometida, de nosso verdadeiro lar no Paraíso cujas portas o Cristo Crucificado e
Ressuscitado reabriu para nós.

Os dias de semana da Quaresma. Uma característica do período é dada aos dias de semana
da Quaresma pelas grandes metanoias freqüentemente repetidas, usadas especialmente em
conjunção com a Oração de Santo Efrém (Senhor e Mestre de minha vida...) 49. Breve e sóbria,
ainda que notavelmente completa, esta oração leva-nos ao âmago do que a Quaresma
significa.
Um outro aspecto significativo dos dias de da Quaresma é a Liturgia dos Dons Pré-
Santificados, celebrados de acordo com a prática atual a cada quarta-feira e sexta-feira, mas

49
Aos sábados e domingos, quando a rigidez do jejum é relaxada, a Oração de Santo Efrém não é dita,
nem se faz grande metanoia, mas apenas pequenas metanoias.
23 – O Significado da Grande Quaresma
em certa época em todos os dias de semana da Quaresma50. Estritamente falando, o termo
‘Liturgia’ é uma denominação incorreta, uma vez que não há consagração eucarística neste
ofício; é um simples ofício de Vésperas, seguido da distribuição da Santa Comunhão de
elementos consagrados no Domingo anterior. A completa celebração da Eucaristia, sendo
sempre um evento triunfante e festivo é considerada inconsistente com a austeridade dos dias
de semana da Grande Quaresma; e, então, já no século IV foi declarado que não deveria
haver a completa celebração da Liturgia durante a Grande Quaresma exceto aos sábados e
domingos51. Mas de modo a possibilitar ao fiel receber a Comunhão nos dias de semana da
Grande Quaresma, pois na Igreja Primitiva era normal comungar freqüentemente e, em
alguns lugares até mesmo diariamente, o ofício da Liturgia dos Dons Pré-Santificados foi
estabelecido.
Muitos momentos na Liturgia dos Dons Pré-Santificados rememoram o período quando
a Grande Quaresma era um período de treinamento final antes da recepção do Batismo, o
Sacramento da luz ou da “iluminação”. Assim, entre as duas leituras do Antigo Testamento, o
presbítero segurando o turíbulo e uma vela abençoa a assembléia, dizendo: “A Luz de Cristo é
manifestada a todos”; e, em seguida à Litania pelos Catecúmenos e sua despedida, há
durante a segunda metade da Grande Quaresma uma Litania adicional ‘para aqueles que
estão prontos para a iluminação’. A cada vez que nós tomamos parte na Liturgia dos Dons
Pré-Santificados, nós devemos nos perguntar: Em um mundo que está cada vez mais alienado
de Cristo, o que eu tenho feito desde a última Quaresma para disseminar a luz do Evangelho?
E onde estão os catecúmenos nas nossas igrejas ortodoxas hoje?
Às quartas e sextas-feiras na Quaresma, assim como ao longo de todo o ano, os hinos
normais à mãe de Deus ‘Theotokia’ são substituídos pelos ‘Stavrotheotokia’, isto é, hinos que
se referem tanto à Cruz quanto à Theotokos, que descrevem a aflição da Mãe que permanece
ao lado da Cruz de seu filho. Através destes hinos, nós nos tornamos conscientes da
participação da Bendita Virgem na nossa prática da Quaresma.
Vamos agora considerar a seqüência dos quarenta dias com mais detalhes.
a) A primeira semana da Grande Quaresma: de segunda à sexta-feira. Em Completas nos
primeiros quatro dias da Quaresma, o Grande Cânon de Santo André de Creta é lido, dividido
em quatro seções; na quinta-feira da quinta semana ele será lido novamente, mas desta vez
por completo. Com seu constante refrão: “Tem piedade de mim, ó Deus, tem piedade de
mim”, o Grande Cânon forma uma prolongada confissão de pecados, um incessante chamado
ao arrependimento. Ao mesmo tempo, é uma meditação sobre o conjunto total da Escrituras,
abarcando todos os pecadores e todos os justos desde a criação do mundo até a Segunda
Vinda de Cristo. Aqui, mais que em qualquer outro lugar do Triódio, nós experimentamos a
Quaresma como uma reafirmação de nossas “raízes Bíblicas”. Ao longo de todo o Grande
Cânon os dois níveis, o histórico e o pessoal, são habilmente entrelaçados. ‘Os eventos da
história sagrada são revelados como eventos da minha vida; os atos de Deus no passado
como atos direcionados a mim e à minha salvação; a tragédia do pecado e traição como
minha tragédia pessoal52. O apelo do Grande Cânon é muito amplo: o escocês presbiteriano
Alexander Whyte o considerou ‘a coisa mais bela: a coisa, de todas as categorias, que eu mais
gosto de todos os Ofícios da Igreja Grega’.
b) O sábado da primeira semana. Após o jejum penitencial dos cinco primeiros dias da
Quaresma, o sábado e o domingo são mantidos como festas de agradecimento jubiloso. No

50
Ver o Concílio em Trullo, cânon 52. Sobre a Liturgia dos Dons Pré-Santificados, ver D. N. Moraitis, I
Leitourgia ton Proigiasmenon (Thessalonica, 1955).
51
Concílio de Laodicéia, cânon 49. Quando a Festa da Anunciação da Santíssima Virgem Maria foi fixada
em 7 de abril, foi decidido que a Liturgia completa deveria ser celebrada neste dia (Concílio em Trullo,
cânon 52).
52
Schememann, A Grande Quaresma, p. 71.
24 – O Significado da Grande Quaresma
Sábado comemoramos o grande mártir São Teodoro de Tiro, o Recruta, um soldado
romano na Ásia Menor, martirizado no começo do século IV sob o imperador Maximiano
(286-305). Isto aqui pode ser visto ao serviço de uma regra aplicada pela Igreja desde o
século IV: como a Liturgia completa não pode ser realizada nos dias de semana na
Quaresma, a memória de santos que no calendário fixo ocorrem durante a semana é
transferida para o sábado ou domingo53. Então, a memória de São Teodoro de Tiro, cuja
festa cai em 2 de março, tem sido transferida para o primeiro sábado. Os textos para o dia
no Triódio fazem referência ao significado literal do nome de Teodoro, “Dádiva de Deus”.
Há uma razão específica por que São Teodoro tem sido associado com a primeira semana
da Quaresma. De acordo com a Tradição registrada no Sinaxário 54, o imperador Juliano, o
Apóstata (reinou de 361 a 363), como parte de sua campanha contra os cristãos tentou
perverter sua prática da primeira semana da Quaresma ordenando que todos os alimentos
à venda no mercado de Constantinopla fossem respingados com sangue de sacrifícios
pagãos. São Teodoro, então, apareceu em sonho a Eudóxio, arcebispo da cidade,
ordenando a ele aconselhar o seu rebanho a não comprar nada do mercado; em vez disso,
disse o santo a ele, eles deveriam cozinhar trigo (kolyva) e comer apenas isso. Em
memória a este evento, após a Liturgia dos Dons Pré-Santificados na primeira sexta-feira,
um cânon de intercessão é cantado a São Teodoro e um prato de trigo é abençoado em
sua honra55.
Porém, fora esta associação histórica do grande Mártir Teodoro com a primeira semana da
Quaresma, é também espiritualmente adequado que ele deva ser comemorado durante
estes dias. O Grande Jejum é um período de luta não observável, de martírio invisível,
quando por nossa morte ascética para o pecado nós parecemos imitar o auto-sacrifício dos
mártires. É por isso que, em adição a tais comemorações como a de São Teodoro no
primeiro sábado, existam também hinos freqüentes aos mártires em todos os dias de
semana da Quaresma. Seu exemplo tem um significado especial para nós em nossos
esforços ascéticos durante os Grandes Quarenta Dias.
c) O Domingo da Ortodoxia. O sentido de alegria e gratidão já evidente no sábado de São
Teodoro é ainda mais aparente no primeiro Domingo da Quaresma, quando celebramos o
Triunfo da Ortodoxia. Neste dia a Igreja comemora o fim da controvérsia Iconoclasta e a
definitiva restituição dos santos ícones às igrejas pela imperatriz Teodora agindo como
regente de seu filho Miguel III. Isto teve lugar no primeiro Domingo da Quaresma a 11 de
março de 84356. Há, entretanto, não apenas um elo histórico entre o primeiro domingo e a
reinstituição dos ícones, mas também, no caso de São Teodoro, uma afinidade espiritual.
Se a Ortodoxia triunfou na época da controvérsia iconoclasta, isto se deu por que muitos
dos fiéis estavam preparados para sofrer o exílio, a tortura e até mesmo a morte, a favor
da fé. A Festa da Ortodoxia é acima de tudo uma celebração em honra dos mártires e
confessores que lutaram e sofreram pela fé: daí sua adequação para o período de
Quaresma, quando nós empenhamos em imitar os mártires por meio de nossa auto-

53
Ver o Concílio de Laodicéia, cânon 51. Atualmente esta regra não é mais aplicada rigorosamente, pois
os textos do Menaia comemorando o santo do dia são freqüentemente incluídos nos dias de semana da
Quaresma.
54
Sinaxário para o sábado da primeira semana, no Triodion Katanyktikon (ed. Apostoliki Diakonia), p.
128; ver também Narrative atribuída a São Nectário, Patriarca de Constantinopla (381-397),
especialmente os parágrafos 4-13 (P.G. xxxix, 1825A-1832D).
55
N.T. Na Polônia esta prática é realizada, sendo o trigo integral cozido misturado com mel e
consumido pelos fiéis após a benção do mesmo.
56
Provavelmente a celebração anual deste evento não foi estabelecida de imediato. Ver J. Mateos, Le
Typicon de la Grande Eglise. Ms. Saint-Croix no 40, Xe siècle (Orientalia Christiana Analecta 165-
6:Rome, 1962-3), vol. i, pp. x-xiv; J. Gouillard, Le Synodikon de l’Orthodoxie. Edition et commentaire
(Travaux et Mémoires 2: Paris, 1967), pp. 129-38.
25 – O Significado da Grande Quaresma
negação ascética. A determinação do Triunfo da Ortodoxia no primeiro Domingo é, por
isso, muito mais que o resultado de uma conjunção de acasos históricos.
O Triódio fornece o texto de um “Ofício da Ortodoxia” especial, que é lido no final de
Matinas, ou mais comumente, no final da Divina Liturgia deste domingo. O Ofício celebra
não apenas a reinstituição dos santos ícones, mas de um modo geral, a vitória da
verdadeira fé sobre todas as heresias e erros. Uma procissão é feita com os santos ícones
e, após isto alguns trechos do decreto sinodal do Sétimo Concílio Ecumênico (787) são
lidos. Então, sessenta anátemas são pronunciados contra vários heréticos do terceiro-
quarto séculos; ‘Memória Eterna’ é cantada em honra de imperadores, patriarcas e padres
que defenderam a fé Ortodoxa; e ‘Muitos Anos’ é proclamado em favor de nossos atuais
bispos e governantes57.
d) O segundo domingo. Desde 1368 este domingo tem sido dedicado à memória de São
Gregório Palamas, arcebispo de Tessalônica (1296-1359). Esta comemoração forma
uma continuação da festa celebrada no domingo anterior: A vitória de São Gregório
contra Barlaão, Akindinos e outros heréticos desta época é vista como um renovado
Triunfo da Ortodoxia. Anteriormente neste dia era comemorado o grande mártir São
Policarpo de Esmirna (+c. 155), cuja festa foi transferida para o calendário fixo a 8 de
março. Esta comemoração, como a de São Teodoro sublinha a conexão entre o
ascetismo quaresmal e a vocação do mártir. O segundo domingo também tem relação
com o Domingo do Filho Pródigo como modelo de arrependimento, com o primeiro dos
dois cânones de Matinas sendo dedicado a esta parábola.
e) O terceiro Domingo (o Domingo da Cruz). Neste dia o ofício de Matinas termina com a
solene veneração da Preciosa e Vivificante Cruz; as cerimônias são bastante parecidas
entre si: a deste Domingo, a da Festa da Exaltação da Cruz (27 de setembro) e a da
Procissão da Cruz (14 de agosto). A veneração da Cruz neste terceiro Domingo da
Quaresma prepara-nos para a comemoração da Crucifixão que ocorre logo a seguir à
Semana Santa e, ao mesmo tempo, recorda-nos que a Quaresma inteira é um período
em que nós estamos crucificados com Cristo: como o Sinaxário em Matinas diz,
‘Durante os quarenta dias de jejum, nós também estamos de certa maneira
crucificados, morrendo para as paixões’. A nota dominante deste domingo, assim como
dos dois domingos precedentes, é de alegria e triunfo. No cânon de Matinas, os irmoi
(plural de irmos) são os mesmos da noite de Páscoa, ‘Este é o dia da Ressurreição....’,
e os tropários são, em parte, uma paráfrase do Cânon Pascal de São João Damasceno.
Nenhuma separação é feita entre a morte de Cristo e Sua Ressurreição, mas a Cruz é
considerada como um emblema de vitória e o Calvário é visto à luz túmulo vazio.
f) O quarto domingo. Neste dia é comemorado São João Clímaco, o abade do Sinai (sexto-
sétimo século), a quem é designado um domingo especial na Quaresma porque pelas
virtudes de seus escritos e sua própria vida, ele constitui um modelo de verdadeiro
asceta cristão. São João é o autor de “A Escada do Paraíso”, um dos textos indicados
para ser lido na igreja durante a Quaresma. Sua memória, como a de São Teodoro foi
transferida do calendário móvel para o fixo, onde é comemorado a 12 de abril. O
primeiro cânon em Matinas deste domingo é baseado na parábola do Bom Samaritano
(Lc 10, 30-35): o cristão penitente é semelhante ao homem que caiu nas mãos dos
ladrões.
g) A Quinta semana. Durante esta semana, ocorrem dois ofícios especiais.

57
Para uma tradução em inglês deste Ofício, como celebrado pela Igreja Russa no século XVIII, ver J.
G. King, The Rites and Ceremonies of the Greek Church, in Russia (London, 1772), pp. 399-407. A
forma grega do ofício é consideravelmente mais longa.
26 – O Significado da Grande Quaresma
(1) Em Matinas na quinta-feira, o Grande Cânon de Santo André de Creta é lido
inteiramente, junto com um Cânon de Santa Maria do Egito; e a vida de Santa Maria
do Egito também é lida durante o ofício.
(2) Em Matinas no sábado, é cantado o Hino Acatiste à Mãe de Deus. Uma das maiores
maravilhas da poesia grega religiosa, com uma riqueza de imagens que são o
desespero de qualquer tradutor, o Hino Acatiste possui 24 estâncias principais,
alternadamente longas e curtas: cada estância longa recebe o nome de ‘ikos’ e
termina com o refrão ‘Rejubila, Esposa inesposada’ enquanto cada estância curta é
denominada ‘kontakion’ e termina com o refrão ‘Aleluia’. O título Acatiste significa
literalmente ‘não sentado’, o hino é assim chamado porque todos permanecem de pé
enquanto ele é cantado. A maior parte do hino é feita de louvores endereçados à
Santíssima Virgem, cada um deles começando a saudação do Arcanjo Gabriel:
Rejubila (Lc 1, 28). O Hino revê os principais eventos relacionados com a
Encarnação de Cristo, começando com a Anunciação (primeiro ikos) e terminando
com a Fuga para o Egito (sexto ikos) e a Apresentação no Templo (sétimo
kontakion).
O Hino Acatiste, supõe-se, foi originalmente composto em uma época quando a
Anunciação era ainda celebrada junto com o Natal e não tinha ainda se tornado uma
festa separada58. Talvez ele tenha sido, a princípio, cantado a 8 de janeiro na
Sináxis da Santíssima Mãe de Deus. E foi, provavelmente, durante o reinado do
imperador Justiniano (527-565) que a Anunciação tenha começado a ser celebrada a
7 de abril; e, ou quando isto aconteceu ou ainda logo depois - e em qualquer caso
não mais tarde que 718 – o Hino Acatiste foi indicado para ser cantado a 7 de abril.
Mais recentemente, talvez durante o período da turcocracia após a queda de
Constantinopla (1453), o Hino tenha sido transferido do calendário fixo para o móvel
e, ao invés de ser cantado a 7 de abril, foi indicado para o Sábado da quinta
semana. O costume de cantar uma parte do Hino em Completas nas primeiras
quatro sextas-feiras da Quaresma é mais recente ainda: enquanto realizada pelos
gregos, tal prática não faz parte do uso eslavo. A relação entre o Hino Acatiste e a
Festa da Anunciação continua a ser ainda mais evidente: por exemplo, a maioria dos
textos das Vésperas de sexta-feira antes da Vigília do Acatiste são tirados
diretamente do ofício da Festa de 7 de abril. A Anunciação sempre cai dentro do
período da Grande Quaresma59 e é por isso que este ofício especial de louvor à Mãe
de Deus tomou lugar no Triódio de Quaresma. No início do Hino Acatiste, é cantado
um kontakion muito amado pelo povo ortodoxo: ‘Que ressoem os acentos da vitória
em tua honra....’ celebrando a libertação da cidade de Constantinopla de seus
inimigos através da ajuda da Mãe de Deus. Parece que este kontakion originalmente
não fazia parte do Hino Acatiste, pois no Hino em si não há em nenhum lugar
qualquer alusão a tal libertação. Muito provavelmente, o kontakion foi escrito pelo
Patriarca Sérgio para celebrar a salvação da capital bizantina do ataque dos persas
em 62660; neste caso, o Hino Acatiste é certamente mais antigo que o kontakion.

58
Ver R. ª Fletcher, ‘Três hinos bizantinos antigos e seus lugares na Liturgia da Igreja de
Constantinopla’, Byzantinische Zeitschrift li (1958), pp. 53-65; J. Grosdidier de Matons, Romanos le
Mélode: Hymnes, vol ii (Sources chrétiennes 110: Paris, 1965, pp. 15-16).
59
De acordo com o Tipikon de São Sawa, o mais cedo que no calendário móvel a Festa da Anunciação
pode ocorrer é na terceira semana da Quaresma; o mais tarde na quarta-feira da Semana Jubilosa
(quarta-feira após a Páscoa). O Tipikon de São Sawa também especifica que a Festa da Anunciação
nunca deva ser transferida, mesmo se cair na Sexta-feira Santa. Estas regras estão modificadas na
atual prática grega.
60
Ver o Sináxario no Triodion Katanyktikon (ed. Apostoliki Diakonia), pp. 302-303. Também tem sido
sugerido que o kontakion ‘Que ressoem os acentos da vitória em tua honra...’ tenha sido escrito em
27 – O Significado da Grande Quaresma
Talvez este kontakion e o Hino Acatiste em si mesmo eram também cantados nas
celebrações de ações de graças por outras libertações de Constantinopla: dos árabes
na metade da década de 670, dos árabes novamente em 717-718 e dos russos
(ainda não convertidos à Ortodoxia) em 860. Entendido num sentido mais amplo o
kontakion expressa, na consciência do fiel ortodoxo, seu sentido de contínua
dependência da protetora intercessão da Santíssima Virgem em todos os momentos
de crise e perigo.
h) O quinto domingo. Este domingo corresponde precisamente ao domingo anterior: uma vez
que o quarto domingo é dedicado a São João Clímaco, o modelo dos ascetas, o quinto
domingo celebra Santa Maria do Egito, o modelo dos penitentes. Como o Domingo de São
João Clímaco, a festa dela foi transferida do calendário fixo, onde é comemorada a 14 de
abril. Sua vida, recontada por São Sofrônio, Patriarca de Jerusalém, é lida, como já
mencionamos, na quinta-feira da quinta semana – coloca diante de nós um verdadeiro
ícone verbal da essência do arrependimento. Em sua juventude Santa Maria viveu de uma
maneira dissoluta e pecaminosa em Alexandria. Movida pela curiosidade viajou com alguns
peregrinos para Jerusalém, chegando a tempo para a Festa da Exaltação da Cruz.
Entretanto, quando ela tentou entrar na Igreja do Santo Sepulcro com os outros, uma
força invisível empurrou-a para trás para o átrio. Isto aconteceu três ou quatro vezes.
Caída em súbita contrição por esta estranha experiência, ela rezou por toda a noite para a
Mãe de Deus com lágrimas e na manhã seguinte, para sua alegria, conseguiu entrar sem
qualquer dificuldade na igreja. Após venerar a Santa Cruz ela partiu de Jerusalém naquele
mesmo dia, seguindo pelo rio Jordão e estabeleceu-se como eremita numa remota região
do deserto. Lá, permaneceu por quarenta e sete anos, escondida do mundo até que
finalmente foi encontrada pelo asceta São Zózimo, que pode lhe dar a comunhão pouco
antes de sua morte. Alguns escritores modernos têm questionado a acuracidade histórica
da narrativa de São Sofrônio, mas não existe nada em si mesmo de impossível sobre tal
história. No ano de 1890 o sacerdote grego Joachim Spetsieris encontrou uma ermitã no
deserto além do Jordão vivendo quase exatamente como Santa Maria do Egito deve ter
vivido61. Neste domingo o primeiro cânon de Matinas é baseado na história de Lázaro e o
homem rico (Lc 16, 19-31): como a parábola do Bom Samaritano do domingo anterior,
esta é aplicada, simbolicamente, ao cristão penitente.
i) A sexta semana. Durante os ofícios desta semana e, ainda em uma extensão maior
durante a Semana Santa, o Triódio assume a característica de uma narrativa histórica. Dia
após dia nós acompanhamos Cristo: estamos com Ele à medida que se aproxima de
Jerusalém, quando chega a Betânia para ressuscitar Lázaro, quando Ele entra na Cidade
Santa no Domingo de Ramos, enquanto se aproxima de Sua Paixão. Os ofícios diários são
marcados por um sentido de movimento progressivo e realismo dramático. A cada dia nos
recordamos, o mais exatamente possível, das coisas que devem ter ocorrido no dia
correspondente durante o último ano do ministério terreno de Cristo.
Tudo isso não é para ser visto meramente como simples comemoração de ocorrências
no passado distante. Ao contrário, através da celebração litúrgica nós revivemos estes
eventos. Participando deles como contemporâneos. Nós somos elevados do nível do tempo
secular, como medido pelo relógio ou calendário, a um nível de tempo ‘sagrado’ ou
‘litúrgico’; somos transferidos para o ponto onde a dimensão vertical da eternidade
intercepta o tempo linear. Esta transposição do passado no presente, de lembrança em
realidade é expressa acima de tudo pela palavra Hoje. Então, nós cantamos no Sábado de

532 para celebrar a salvação da cidade dos chamados distúrbios NIKA. Com esta hipótese, o kontakion
pode ter sido contemporâneo do resto do Hino Acatiste, e pode até mesmo ter sido obra de São
Romano, o Mélodo. Mas o Sinaxário não fala nada sobre os tais distúrbios NIKA.
61
Ver seu vívido relato: I erimitis Photeini eis tin erimon tou Iordanou (6ª ed., Volos, 1971).
28 – O Significado da Grande Quaresma
Lázaro: “Hoje Betânia proclama antecipadamente a Ressurreição de Cristo”. “Hoje Cristo
entra na Cidade Santa”, nós afirmamos no Domingo de Ramos. “Hoje Cristo vem à casa do
fariseu”, nós declaramos na Quarta-feira Santa, “e a mulher pecadora se aproxima e cai a
Seus pés...”. “Hoje Judas faz um pacto com o chefe dos sacerdotes”. “Hoje o Mestre da
Criação fica diante de Pilatos”, nós dizemos na Sexta-feira Santa: “...Hoje Ele, que
sustenta a terra sobre as águas, está pendurado na Cruz”. Então, na noite de Páscoa nós
afirmamos: “Ontem eu estava sepultado conTigo, ó Cristo, e hoje eu ressuscito conTigo.
Ontem eu estava crucificado conTigo...”. Nós não compreenderemos o significado destas
duas últimas semanas do Triódio a menos que escutemos esta palavra Hoje que ressoa em
cada ofício. Não é uma mera metáfora ou uma instância de licença poética, mas incorpora
uma experiência espiritual específica. Tudo aquilo que foi testemunhado pelas multidões na
Semana Santa, todas as palavras endereçadas aos discípulos, todos os sofrimentos
sofridos por Cristo – tudo isso é para ser vivenciado por mim aqui e agora.

(3) A Semana Santa.

a) O Sábado de Lázaro. Este dia, junto com o Domingo de Ramos, ocupa uma posição
especial entre a Quaresma e a Semana Santa. Seguindo os quarenta dias de penitência que
terminaram e imediatamente antes dos dias de escuridão e lamento que estão por vir na
semana da Paixão, seguem-se dois dias de alegria e triunfo nos quais a Igreja festeja. O
sábado anterior ao Domingo de Ramos celebra a ressurreição de Lázaro em Betânia (Jo 11, 1-
46). O milagre realizado por Cristo como uma reafirmação aos Seus discípulos anterior à
Paixão por vir: eles têm que compreender que, mesmo que Ele sofra e morra, ainda assim Ele
é o Senhor e Vitorioso sobre a morte. A ressurreição de Lázaro é uma profecia na forma de
ação. Isso prenuncia a própria Ressurreição de Cristo oito dias mais tarde e, ao mesmo
tempo, antecipa a ressurreição dos justos no Último Dia: Lázaro é ‘.... dos primeiros frutos da
regeneração do mundo’.
Como os textos litúrgicos enfatizam, o milagre de Betânia revela as duas naturezas de
Cristo, o Deus-homem. Cristo pergunta onde Lázaro está sepultado e chora por ele e, assim,
Ele mostra a plenitude de sua humanidade como faz a ignorância humana e o genuíno pesar
por um amigo amado. Então, revelando a plenitude de Seu divino poder Cristo ressuscita
Lázaro dos mortos, apesar de que seu cadáver já tenha começado a se decompor e a cheirar
mal. Esta dupla plenitude da Divindade do Senhor e Sua humanidade deve ser mantida em
vista ao longo de toda a Semana Santa e, acima de tudo, na Sexta-feira Santa. Na Cruz nós
vemos uma agonia genuinamente humana, tanto física como mental, mas nós vemos mais
que isso: nós vemos não apenas um homem sofredor, mas um Deus sofredor.

b) O Domingo de Ramos. ‘Bendito é Aquele que vem...’: esta é a Festa de Cristo, o Rei –
saudado pelas crianças em Sua entrada em Jerusalém e para ser saudado de igual modo por
cada um de nós em nosso próprio coração. ‘Bendito é Aquele que vem...’ – não tanto do
passado como do futuro: pois no Domingo de Ramos nós saudamos não apenas ao Senhor
que entrou em Jerusalém há muito tempo atrás, montado num jumento, mas o Senhor que
vem novamente em poder e grande glória, como Rei da era futura. Palmas e ramos são
abençoados após a leitura do Evangelho em Matinas e segurados com velas acessas durante o
restante do ofício62. Apesar de, em certa época a Igreja Oriental, como a Igreja Ocidental até
hoje, costumava fazer uma procissão no Domingo de Ramos, esta prática caiu em desuso e
não há menção dela no Triódio atual 63.

62
N.T. Após a veneração do Evangelho os fiéis recebem do celebrante os ramos recém-abençoados e
velas que acendem e os seguram até o final do ofício. Esta prática é adotada na Polônia.
63
Tal procissão ocorria em Constantinopla no século XI: ver, Mateos, Le Typicon de la Grande Eglise,
vol. ii, pp. 66-67.
29 – O Significado da Grande Quaresma
Repetido muito freqüentemente nesta festa está o stikeron inicial, ‘Hoje a graça do
Espírito Santo reuniu-nos a todos...’. É possível ver refletida aqui a prática de S. Eutímio, S.
Sawa e outros monges palestinos no quinto e sexto séculos. Logo após a Festa da Teofania
eles deixavam seus mosteiros para fazer a Quaresma em retiro no deserto, separadamente ou
em grupos, não comendo nada além de raízes selvagens. Então, no sábado pela manhã da
sexta semana da Quaresma, todos eles retornavam aos seus mosteiros para a Vigília do
Domingo de Ramos, a fim de celebrar a Semana Santa junto com seus irmãos. Em paróquias
ortodoxas isoladas por todo o mundo ocidental, algo similar ocorre a cada ano. Membros
espalhados da comunidade da paróquia vivendo longe e raramente podendo freqüentar os
ofícios em outros períodos começam a aparecer na Vigília do Domingo de Ramos e a medida
que se segue a Semana Santa seu número aumenta gradativamente. Como os monges da
antiga Palestina nós, no século XX, também podemos dizer com verdade no Domingo de
Ramos, ‘Hoje a graça do Espírito Santo reuniu-nos a todos...’
c) Semana Santa: Segunda, Terça e Quarta-feira. Nos dias que se seguem à Sua entrada
em Jerusalém, Cristo fala a Seus discípulos em particular sobre os sinais que precederão o
Último Dia (Mt 24 e 25); e, então, isto forma o tema da primeira parte da Semana Santa. Por
outro lado, a veneração Ocidental rememora as “coisas finais” principalmente durante o
período Pré-Natalino do Advento. O desafio escatológico dos três primeiros dias da Semana
Santa é resumido no tropário e hexapostiliário em Matinas, ambos são repetidos três vezes
em uma solene e lenta melodia. O tropário, ‘Olhem, o Noivo vem no meio da noite....’ é
baseado na parábola das três virgens (Mt 25, 1-13); e o hexapostiliário, ‘Eu vejo Tua câmara
nupcial...’, sobre a parábola do homem expulso das núpcias por não estar vestido
adequadamente (Mt 22, 11-13). Aqui, apresentado em termos especialmente urgentes, está o
chamado que nós temos escutado em muitas ocasiões durante a Quaresma: o fim está
próximo; estejamos atentos!; arrependam-se enquanto ainda há tempo.
Cada um dos três dias possui seu tema próprio:
1) Na segunda-feira comemora-se o Patriarca José, que sendo inocente sofreu (Gn, capítulos
37, 39 e 40) e prefigura a Paixão de Cristo. Também recordamos a figueira estéril
amaldiçoada por Cristo (Mt 21, 18-20) – um símbolo do julgamento que cairá sobre aqueles
que não mostrarem nenhum fruto do arrependimento; um símbolo, mais especificamente, da
incrédula sinagoga judaica.
2) Na terça-feira os textos litúrgicos referem-se, principalmente, à parábola das Dez Virgens,
que forma o tema geral destes três dias. Os textos também se referem à parábola dos
Talentos que vem imediatamente após (Mt 25, 14-30). Ambas são interpretadas como
parábolas do julgamento.
3) Na Quarta-feira nós relembramos a mulher pecadora, que ungiu os pés de Cristo enquanto
Ele estava sentado na casa de Simão. Na hinografia do dia, a narrativa de Mateus 26, 6-13
está combinada com a de Lucas 7, 36-50 (conforme também João 12, 1-8). Um segundo tema
é o acordo feito por Judas com as autoridades judaicas: o arrependimento da prostituta
pecadora é contrastado com a trágica queda do discípulo escolhido. O Triódio torna isso claro,
que Judas pereceu não apenas porque havia caído no pecado da traição, mas porque se
recusara a acreditar na possibilidade de perdão: “Em sofrimento ele perdeu sua vida,
preferindo uma corda ao invés de se arrepender” 64. Se nós deploramos as ações de Judas,
então, nós devemos agir não com vingativa auto-justiça, mas com consciência de nossa
própria culpa: ‘Livra nossas almas, ó Senhor, da condenação devida a ele’ 65. Em geral, todas
as passagens do Triódio que parecem ser estar direcionadas contra os judeus devem ser
entendidas da mesma maneira. Quando o Triódio denuncia aqueles que rejeitaram a Cristo e
entregaram-No à morte, nós reconhecemos que estas palavras aplicam-se não apenas aos

64
Completas da Quarta-feira Santa.
65
Matinas da Terça-feira Santa.
30 – O Significado da Grande Quaresma
outros, mas a nós mesmos: pois não traímos o Salvador muitas vezes em nossos corações e
crucificamo-Lo de novo?
Na noite da Quarta-feira Santa o sacramento da Unção dos Enfermos é normalmente
celebrado na Igreja e todos são ungidos, estejam fisicamente doentes ou não, pois não há
uma demarcação nítida entre as doenças físicas e as espirituais, e este sacramento confere
não apenas a cura física, mas também, a espiritual, servindo assim como uma preparação
para a recepção da Santa Comunhão no dia seguinte 66.
d) Quinta-feira Santa. Neste dia quatro eventos são celebrados, a lavagem dos pés dos
discípulos, a instituição do Mistério da Santa Eucaristia na Última Ceia, a agonia no jardim de
Gethsemane (mas os textos litúrgicos não dão ênfase a este tema) e a traição de Cristo por
Judas. Em certas catedrais e mosteiros, há uma cerimônia especial de lava-pés ao final da
Liturgia, com o bispo ou o superior do mosteiro assumindo o papel de Cristo e doze padres
representando os apóstolos. No Patriarcado Ecumênico em Constantinopla, em outros
Patriarcados e em Igrejas Autocéfalas, o Santo Óleo de Crisma é abençoado durante a Liturgia
deste dia; mas o rito não ocorre todos os anos. O significado da Quinta-feira Santa é resumido
em um texto de beleza singular, repetido muitas vezes na Liturgia, que combina os temas da
Comunhão Eucarística, a traição de Judas e a confissão de Bom Ladrão:

Na Tua Mística Ceia, ó Filho de Deus,


Hoje recebe-me como participante:
Pois eu não desvendarei o mistério aos Teus inimigos;
Eu não Te darei um beijo como Judas
Mas como o ladrão eu Te confesso:
Lembra-Te de mim, Senhor, quando vieres em Teu Reino.

e) Sexta-feira Santa. Neste dia nos recordamos dos sofrimentos de Cristo: o escárnio, a
coroa de espinhos, os açoites, os pregos, a sede, o vinagre e o fel, o grito de desolação e tudo
que o Salvador suportou sobre a Cruz; também a confissão do Bom Ladrão. Ao mesmo tempo,
a Paixão não está separada da Ressurreição; e mesmo neste dia da mais profunda auto-
humilhação de Nosso Senhor, nós olhamos em direção à revelação de Sua eterna glória:
Nós veneramos a Tua Paixão, ó Cristo:
Mostra-nos, também, a Tua gloriosa Ressurreição.

A Cruz e a Ressurreição, como nós a vemos, são aspectos de um único e indiviso ato de
salvação:

A Tua Cruz, ó Senhor, é Vida e Ressurreição...

As Matinas de Sexta-feira são normalmente ‘antecipadas’ e realizadas na noite de


Quinta-feira. Elas tomam uma forma especial, com uma série de 12 leituras de Evangelho que
começam com o discurso de Cristo na Última Ceia e terminam com a narrativa de Seu
sepultamento. Na prática grega aqui ocorre um ‘clímax’ imediatamente antes do sexto
Evangelho, quando o presbítero carrega uma grande cruz do santuário para colocá-la no
centro da igreja. Esta cerimônia, que se originou na Igreja de Antioquia foi adotada em
Constantinopla somente em 182467; esta prática não é encontrada nas Igrejas eslavas. Aqui
nós achamos o princípio de uma representação dramática conduzida até um ponto além do
mostrado até aqui, através do uso não apenas de palavras, mas também, de ações visíveis.

66
N.T. O que não exime o doente de se confessar antes da recepção da Eucaristia, conforme atestado
em seu período na Polônia.
67
Ver A. Couturier, Cours de Liturgie grecque-melkite, vol. ii (Jerusalém, 1914), p. 270.
31 – O Significado da Grande Quaresma
Na Sexta-feira pela manhã, as Horas (Horas Reais) tomam uma forma solene, como nas
Vigílias do Natal e Teofania, com leituras do Antigo Testamento, uma Epístola e um Evangelho
em cada uma das Horas. As Vésperas seguem-se, imediatamente após as Horas (uso grego
normal) ou à tarde (prática eslava). No final das Vésperas, como feito anteriormente em
Matinas na prática grega, os eventos da Sexta-feira Santa são representados não apenas por
palavras, mas, também, através de ações dramáticas68. O Epitáfio – um pedaço retangular de
tecido encorpado no qual está pintada ou bordada a figura de Cristo morto deitado para o
sepultamento – é carregado em procissão do santuário para o centro da igreja e é, então,
venerado pelos fiéis. Existem mais uns poucos momentos de movimentação ao longo do ano
da Igreja. Os Triodia grego e eslavo não mencionam nada sobre esta procissão com o Epitáfio
ao final de Vésperas, nem sobre a correspondente procissão no final de Matinas no Sábado
Santo. Parece que esta prática de conduzir o Epitáfio em procissão nestes dois momentos foi
originada num período relativamente recente, no século XV ou XVI.
Na prática atual nenhuma Liturgia é celebrada na Sexta-feira Santa (exceto quando cai
a Festa da Anunciação) – nem a Liturgia completa nem a Liturgia dos Dons Pré-Santificados.
Mas em tempos passados havia uma Liturgia dos Dons Pré-Santificados neste dia69.
f) Sábado Santo. Neste dia nós rememoramos o sepultamento de Cristo e Sua descida ao
Inferno. Em Matinas, normalmente realizada na Sexta-feira à noite, o ofício começa com as
Laudes (em grego, Enkomia) sendo cantada diante do Epitáfio no centro da igreja. A nota
predominante neste ofício não é tanto de lamentação, mas de atenta expectativa. Para o
tempo vindouro Deus observa um repouso sabático no túmulo, enquanto nós ansiamos pelo
momento quando Ele se levantará de novo, trazendo nova vida e recriando o mundo:
Hoje Tu santificas o sétimo dia que outrora abençoaras ao cessares toda obra; Tu reanimas
todas as coisas, ó meu Salvador, e renová-as observando o Sábado e recriando tudo por ele.
Ao final do ofício, todos vão com o Epitáfio em procissão em volta da igreja, cantando “Deus
Santo, Santo Forte...” exatamente como fariam em um funeral, ainda que isto não seja, de
fato, uma procissão de um funeral. Deus que morreu na Cruz, e ainda assim Ele não está
morto. Ele que morreu, o Verbo de Deus, é a Vida em Si Mesmo, Santo e Imortal; e nossa
procissão pela noite significa que Ele está agora prosseguindo pela escuridão do Inferno,
anunciando a Adão e a todos os mortos Sua vindoura Ressurreição, na qual eles são, também,
chamados a compartilhar.
Na manhã e no começo da tarde do Santo Sábado seguem-se as Vésperas e a Liturgia
de São Basílio70. Originalmente este ofício começava mais tarde, à noite, e continuava até as
primeiras horas da manhã do Domingo de Páscoa; mas agora foi antecipado e seu lugar
tomado pelo atual ofício à meia-noite das Matinas Pascais, com o Cânon de São João de
Damasco, ‘Hoje é o dia da Ressurreição ...’, seguido pela Liturgia de São João Crisóstomo. O
mais antigo ofício de vigília, agora celebrado no Sábado pela manhã, possui um caráter
fortemente batismal, refletindo o período quando este sacramento era administrado na noite
de Páscoa. Os textos em Vésperas estão dominados por três temas relacionados: Páscoa,
Ressurreição e iniciação batismal. Das 50 leituras do Antigo Testamento constituindo o estágio
final de instrução destinada aos catecúmenos antes que fossem batizados, as leituras 3, 5, 6 e
10 referem-se diretamente ou simbolicamente à Páscoa; as leituras 4, 7, 8 12 e 15 referem-

68
No uso grego moderno há uma cena de representação dramática mais cedo nas Vésperas. Na
conclusão da leitura do Evangelho, à medida que a deposição de Cristo vai sendo descrita o sacerdote
retira a figura de Cristo da Cruz que havia sido colocada no centro da igreja. Por isso esta cerimônia é
chamada em grego de Apokathilosis (N.T. algo como “descrucificação”, ou retirada dos cravos).
69
Tal era a prática em Constantinopla na metade do século XI; mas até 1200 não havia Liturgia dos
Dons Pré-Santificados (Mateos, Le Typicon de la Grande Eglise, vol. ii, pp. 82-83).
70
Ver G. Bertonière, The Historical Development of the Easter Vigil and Related Services in the Greek
Church (Orientalia Christiana Analecta 193: Roma, 1972).
32 – O Significado da Grande Quaresma
se à Ressurreição; e as leituras 4, 6, 14 e 15 referem-se simbolicamente ao Batismo. O
caráter batismal do ofício do Santo Sábado é, também, evidente no hino cantado em lugar do
Trisághion, ‘Vós todos que fostes batizados em Cristo...’, e na escolha da leitura da Epístola
(Rm 6, 3-11). Com o versículo que se segue à Epístola ‘Levanta-Te, ó Deus..........’, a
celebração da Ressurreição inicia-se.
Na noite do Sábado Santo o povo gradualmente começa a reunir-se na igreja escura
enquanto os Atos dos Apóstolos são lidos e, então, o Ofício da Meia-noite é cantado. À medida
que se aproxima a meia-noite, as luzes no corpo da igreja são apagadas. Todos esperam pelo
momento em que o padre sairá do santuário com a vela acesa que simboliza a luz do Cristo
Ressuscitado. Então, o período do Triódio de Quaresma encerra-se numa intensa e ansiosa
expectativa. “Sim! Eu venho em breve” nos diz o Salvador (Apocalipse 22, 20) e, em nossos
corações, nos apressamos em responder ao Cristo Ressuscitado: “Amém! Vem, Senhor
Jesus”!

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33 – O Significado da Grande Quaresma

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