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SOCIAL
HOMILIA DIÁRIA
“Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (João 6,33).
Jesus está nos apresentando o verdadeiro pão, o verdadeiro alimento. Já acordamos
sedentos e famintos, passamos o dia pensando no que vamos comer, mas há uma sede
mais profunda, há uma fome que inquieta a nossa alma e o nosso coração e, muitas vezes,
descontamos nos alimentos do cotidiano aquilo que é a sede mais profunda da alma,
aquilo que é a fome mais funda do coração do homem.
A nossa alma e o nosso coração estão sedentos da verdade e da eternidade, o nosso
coração e o nosso interior têm sede do verdadeiro alimento, têm sede de algo que sacie
aquilo que dentro de nós está vazio. E preenchemos com os alimentos desse mundo a sede
que é eterna, a fome que é infinita dentro do nosso coração.
Só Deus pode saciar a nossa fome, só o amor divino pode saciar a nossa sede, por isso,
Jesus está afirmando que o Pão que desce do Céu é aquele dá vida, é aquele que sacia e,
verdadeiramente, alimenta a fome e a sede da alma.
A Eucaristia é Jesus quem entra em nós, mas precisamos entrar na Eucaristia, mergulhar
a nossa vida na Eucaristia. A Palavra de Deus é Ele quem entra em nós, mas eu preciso
entrar na Palavra, penetrar nela, mergulhar, me saciar e me entregar a ela para que a
obra de Deus vá se realizando, vá saciando, vá preenchendo os vazios da minha alma e do
meu coração.
Não seja simplesmente aquela pessoa que foi à Missa, que comungou, mas não entrou em
comunhão com Deus; não seja aquela pessoa que abriu a Bíblia, mas não contemplou, não
entrou na ação renovadora de Deus na alma e no coração.
É preciso ter comunhão com Deus, e comunhão com Ele é mergulhar a nossa vida em
Deus e deixar que Ele esteja presente em todas as áreas da nossa vida, é saciar-se,
preencher-se e alimentar-se d’Ele, é viver na presença de Deus em tudo que realizarmos
nessa vida.
É preciso saciar-se do pão que dá vida e traz sentido para a nossa existência.
COMO ENXERGAR DE FORMA VIRTUAL ESTE TEMPO QUE
ESTAMOS VIVENDO?
Nenhum de nós sabe lidar com a situação, deixou todos mais vulneráveis.
Tempo em que sentimentos uma incerteza muito grande, crise, um tempo precário.
Este é um tempo para sonhos grandes, para passos novos, para sair da caixa, para inventar um
novo formato.
Tempo para sentir coisas que até aqui nós não sentimos.
Se tivéssemos que escolher um dia do Tríduo Pascal para contar o que está acontecendo,
diríamos: a Sexta-Feira Santa. Porque neste dia entramos na igreja e o sacrário está vazio, a
porta aberta, as cruzes cobertas, o altar nu, e é esse tempo de esvaziamento que estamos
vivendo. Mas não há Domingo da Ressurreição sem passarmos pela sexta-feira Santa e por
aquilo que ela significa: silêncio, abandono e capacidade de mergulhar fundo, mergulhar
existencialmente até o fim.
E para nós cristãos há muitas questões, porque nosso cristianismo é muito de superfície, e a
sexta-feira Santa fala de um cristianismo que dói, trágico, que nos desnuda.
ESPIRITUALIDADE
A espiritualidade cristã pode ser definida como o espaço que damos para o Espírito Santo agir
em nossa vida, a partir de dentro da realidade a qual estamos inseridos. Desse modo, ela é o que
está em nosso coração e nos anima para a defesa da vida, para o fortalecimento da esperança.
Ela tem como ponto de partida e de chegada em Jesus, nosso Mestre e Senhor!
A espiritualidade não se constrói com a força, Jesus nos ensinou isso com a Páscoa, pois tudo
tem que passar pelo mistério da cruz.
Precisamos interpretar este tempo do ponto de vista espiritual como um tempo de graça.
Qual a qualidade das perguntas que nós escutamos e fazemos uns aos outros?
Qual o termômetro para medir isso? São as perguntas, perguntas fundamentais que nós estamos
fazendo.
A Pandemia revelou uma doença que são no fundo os nossos estilos de vida que não há lugar
para o humano, para o encontro, para o Transcendente, nem para uma vida interior digna desse
nome, nem lugar para uma oração, tudo é cronometrado.
ESPIRITUALIDADE EUCARÍSTICA
Eucaristia é uma grande memória de amor, que foi até o fim, e se manifestou num
momento dramático. Mas esse amor conseguiu transformar o momento trágico num
momento de entrega e dom.
Além de ser um tempo de perda, este também pode ser um momento para ampliar a nossa
compreensão da Eucaristia e aprofundar a nossa espiritualidade para além dos muros do nosso
local habitual de culto.
Muitas vezes estamos na Igreja, e estamos completamente ausentes. Muitas vezes estamos na
Igreja, e nos esbarramos nos outros. Muitas vezes estamos em comunidade e somos ilhas.
Não somente o padre comunga naquele momento, mas todos comungam. É um momento de
comunhão, comunhão pelo desejo, comunhão espiritual.
No entanto, precisamos ser encorajados pelo fato de que esta não é a primeira vez que a Igreja
se encontra em uma posição em que não foi capaz de se encontrar corporativamente. Não é a
primeira vez que indivíduos são impedidos de se reunir para palavra e sacramento. Muitas
vezes na história da igreja, governos hostis suprimiram o culto público, tornando impossível ou
quase impossível para os cristãos se reunirem.
Citar como exemplo a comunidade no Japão que sobreviveu 300 anos sem padre.
Historicamente, a missão na Ásia teve início com o trabalho de São Francisco Xavier e
a missão dos jesuítas. No Japão e na China, criou-se uma tendência contrária ao cristianismo
desde a questão dos ritos chineses e malabáricos e o seu desfecho. Entretanto, ficaram alguns
cristãos nos territórios asiáticos. No século XIX, com a abertura do Japão ao comércio
internacional, há uma volta dos cristãos ao Japão. O retorno do trabalho missionário no Japão
faz encontrar grupos de cristãos que perduraram desde o século XVI, com a evangelização de
Francisco Xavier. Na China, subsistiu uma colônia de portugueses até 1999 e ali se manteve o
regime de padroado: assim, o catolicismo teve acesso à China e à Coréia. Por isso mesmo, o
século XIX vê a fundação de várias congregações com o objetivo de fazer missão na Ásia.
E lamentar até que possamos nos reunir publicamente novamente para recebê-lo e
confessá-lo juntos na assembleia.
Se permitirmos que este prolongado tempo de doença e ansiedade seja uma oportunidade de
arrependimento, um tempo para repensar a realidade, vamos chegar a um anseio pela adoração
comunitária, e quando pudermos nos unir novamente, a veremos como uma consumação muito
esperada, com corações gratos pelo que estamos perdendo.
Como os sacramentos são a celebração da realidade da presença de Deus em nossas vidas, neste
momento em que muitos de nós não podem receber a Eucaristia, devemos refletir como se pode
viver eucaristicamente sem comungar fisicamente.
Viver eucaristicamente significa estar atento ao como vivemos a caridade, cuja raiz é “caris”,
de onde se deriva a palavra “Eucaristia”.
Vale ressaltar que na última ceia Jesus instituiu a eucaristia, mas o Evangelho de João
colocou na última ceia o lava-pés e o novo mandamento do amor fraterno, completando a
dimensão litúrgica com a mais existencial e evitando assim que a Eucaristia se tornasse
um mero rito vazio.
Se entendermos que fechar os templos não significa privar os fiéis do fruto do encontro com o
Senhor Jesus Cristo e, mais ainda, dos frutos da Eucaristia, isso deve nos motivar a buscar,
aprender a valorizar e encorajar diferentes formas de encontro com o Senhor. >> Citar como
exemplo as manifestações que andam fazendo para reabrir as Igrejas.
“A imagem em nossas mentes é que a Eucaristia é algo ‘lá fora’, a que assistimos ou de
alguma forma obtemos e da qual nos apossamos, como se fôssemos frequentadores de
teatro ou consumidores. Mas a palavra ‘Eucaristia’ se refere a um verbo: é algo que nós,
todo o povo de Deus, fazemos”.
A linguagem que usamos é reveladora. Falamos sobre “ter missa” e “assistir à missa”, “receber
a Comunhão” e “tomar a Comunhão”. A imagem em nossas mentes é que a Eucaristia é algo
“lá fora”, a que assistimos ou de alguma forma obtemos e da qual nos apossamos, como se
fôssemos frequentadores de teatro ou consumidores.
Mas a palavra “Eucaristia” se refere a um verbo: é algo que nós, todo o povo de Deus,
fazemos. É a atividade de agradecer a Deus Pai como uma comunidade reunida – e oferecemos
esse louvor e agradecimento por meio de Cristo, nosso Senhor. O foco é agradecer ao Pai. O
acesso ao Pai nos é fornecido no Espírito por meio de Jesus Cristo – e as orações são
conduzidas pelo padre. É a nossa atividade básica como cristãos, não uma “coisa” que o padre
faz por nós ou realiza por nós.
“Se vivermos os sacramentos na sua verdadeira profundidade como fiéis batizados, quando
nos sentamos à mesa da Eucaristia, experimentaremos uma autêntica comunhão familiar, e
quando nos sentarmos à mesa familiar, experimentaremos uma Eucaristia, porque ambas as
atividades serão participação na morte e ressurreição de Cristo”.
Podemos acolher isso como um kairós: um momento oportuno para ‘avançar para águas mais
profundas’ e procurar uma nova identidade para o cristianismo, em um mundo que se
transforma radicalmente debaixo dos nossos olhos”.
Há quem não goste da ideia de “faltar a missa”. Eles perguntam ansiosamente se poderiam “ter
missa” mesmo que não possam estar fisicamente presentes em um rito?
Então, se não podemos nos reunir por causa do coronavírus, ainda podemos dar graças ao Pai
por meio de Cristo? Reaprendamos algumas noções básicas.
Segundo, seu quarto é um lugar básico de oração. Às vezes, pensamos que temos um
mandato de rezar apenas em um edifício da igreja – crescemos com a ideia da
participação na missa dominical como um regulamento –, mas é sensato recordar esta
instrução de Jesus: “Quando vocês rezarem, não sejam como os hipócritas, que gostam
de rezar em pé nas sinagogas e nas esquinas, para serem vistos pelos homens. Eu garanto
a vocês: eles já receberam a recompensa. Ao contrário, quando você rezar, entre no seu
quarto, feche a porta, e reze ao seu Pai ocultamente; e o seu Pai, que vê o escondido,
recompensará você” (Mateus 6,5-6).Agora, estamos sendo aconselhados a não ir ao
trabalho, ou usar o transporte público, a não comparecer aos ritos eclesiais e a manter
distância das pessoas. É um momento para redescobrir a arte de fechar a porta e rezar
sozinhos – sabendo que o Pai ouvirá as nossas orações.
É evidente que o discurso de São João sobre o Pão da Vida faz referência à Eucaristia que se
celebrava já nessa comunidade. Na missa somos convidados para duas mesas: a mesa da
Palavra e a mesa da Eucaristia. Pela escuta da Palavra nós comemos essa Palavra que nos dá
vida, para tornarmos Palavra de vida, de amor e de esperança para todas e todos os que nós
encontramos nas nossas vidas. E, pela comunhão com o pão eucarístico, comemos esse pão que
é a vida entregue de Cristo, para tornarmos, por nossa vez, pão de vida para os outros; isto é,
entregar a nossa vida àquelas e àqueles que nós reencontramos nas nossas vidas.
Não é por nada que a Eucaristia deve nos transformar se queremos transformar os outros. Se a
missa não nos transforma, se ela não nos faz termos mais amor, mais justiça, mais paz, mais
esperança, mais perdão, mais reconciliação, mais tolerância, mais respeito das nossas
diferenças, mais aceitação dos nossos limites e das nossas fragilidades humanas e daquelas dos
outros, mais, mais, mais VIDA, a missa é inútil e assistimos em vão.
Além do mais, por alguma acrobacia perversa, chegamos a proibir que algumas pessoas
participem da Eucaristia? Quem não é digno de se aproximar da mesa eucarística? Os
divorciados e casados de novo? Os homossexuais? Os feridos da vida? As pessoas em situação
de pecado?
Para responder a essas perguntas precisamos ler São Paulo, na primeira Carta aos Coríntios,
capítulo 11, versículos 17 a 34, onde São Paulo nos fala da indignidade em relação
à Eucaristia. De que indignidade será que ele nos fala? Ele diz: “Por isso, todo aquele que
comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente, será réu do corpo e do sangue do
Senhor“ (v. 27). Será que se trata das pessoas divorciadas que ousam se aproximar da mesa
eucarística? Ou será que fala dos homossexuais que vivem uma relação amorosa com uma
pessoa do mesmo sexo?
Não! É tudo o contrário: segundo São Paulo, trata-se daquelas e daqueles que rejeitam partilhar
com os outros, sobretudo com os mais desprovidos e com os mais feridos da vida. Ele diz: “De
fato, quando se reúnem, o que vocês fazem não é comer a Ceia do Senhor, porque cada um se
apressa em comer a sua própria ceia. E, enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Será
que vocês não têm suas casas onde comer e beber? Ou desprezam a Igreja de Deus e querem
envergonhar aqueles que nada têm? O que vou dizer para vocês? Devo elogiá-los? Não! Nesse
ponto não os elogio“ (vs. 20 a 22).
Então, se entendo bem São Paulo, os que são indignos de comungar na missa são os que
proíbem os outros, em nome do seu prestígio e da sua autoridade... Isso é grave, vocês sabem!
Pois impedem as pessoas de se nutrirem do Cristo, e frequentemente são as pessoas que mais o
precisariam...
PARA CONCLUIR...
A minha reflexão, porém, vai noutra direção. Quero aqui trazer o exemplo admirável de Charles
de Foucauld (1858-1916), que, não fosse esta dura e terrível pandemia, já teria sido canonizado
pelo Papa Francisco. Apesar de ser padre, Charles de Foucauld vivia sozinho no deserto, numa
época em que estava proibido celebrar a eucaristia sem nenhum participante. Ainda pediu uma
dispensa a Roma, mas a resposta positiva tardou três anos e a primeira resposta que obteve foi
negativa. O irmão Carlos aceitou esta decisão, dizendo que era melhor renunciar à eucaristia
que renunciar à lógica da eucaristia. E este é o ponto aonde quero chegar. Também nós hoje nos
vemos na necessidade de renunciar à eucaristia, mas não há Covid, nem Governo nem sequer
Conferência Episcopal que nos obriguem a renunciar à lógica da eucaristia. Podemos
permanecer sem eucaristia, mas continuamos a procurar estar onde e como estaria Jesus.
Podemos abster-nos do sacramento – e os motivos são mais do que razoáveis – mas não
podemos prescindir da sua lógica. Com efeito, celebrar a eucaristia significa aceitar a lógica do
pão que se deixa comer até desaparecer. Aliás, pode acontecer que a lógica de que a eucaristia é
memória possa tornar impossível a celebração da mesma, sem que isto empobreça a fidelidade
ao evangelho.
Também S. Bento viveu durante três anos na gruta de Subiaco sem comunhão e sem confissão e
isto assinalou a sua iniciação à vida cristã na forma própria da sua vocação monástica. De igual
forma, o Padre Dehon não anda muito longe desta convicção, quando propõe que vivamos a
nossa vida como uma «missa permanente».