Acídia: a doença espiritual que nos aparta da vontade
de Deus
o pecado mais pesado de todos
Quem lembra quais são os sete pecados capitais? Gula,
Avareza, Luxúria, Ira, Inveja, orgulhou ou vaidade e Preguiça. Qual o último da lista? O sétimo pecado capital não é apenas aquilo que dizemos (a preguiça). Ele é bem mais grave que ficarmos na cama quando o despertador toca ou deixamos para amanhã o que deveríamos ter feito ontem. Ele é um vício misterioso com um nome bizarro: acídia. Sua definição do latim – a tristitia de bono divino (a tristeza do bem divino). Sua mordida é indolor. Mas seu veneno paralisa a alma no seu elo com Deus, insensivelmente. Foi o pecado dos discípulos no Getsêmani. Ele atinge a todos nós, um dia ou outro. Os antigos chamavam a acídia o “demônio do meio-dia”, pois esta densa fadiga interior, esta apatia espiritual, este desgosto pelas coisas de Deus, este desejo de ir para outro lugar, se manifesta em pleno meio-dia da nossa vida. 1. O que é a acídia? 1.1 Acídia, tristeza diante do bem divino A acídia se opõe à alegria que a presença de Deus traz à nossa alma. Este pecado desliga a alma de Deus, nos desconecta da divindade. A alegria da sua presença vai se desligando progressivamente como a luz de uma lanterna que tem sua bateria retirada. Uma tristeza viciosa se apossa da alma. A acídia é uma tristeza que não suporta mais o bem divino. Mas que a esperança, ela ataca em nós a caridade, refusa a comunhão com Deus. E como resultado temos como uma queda de tensão do amor em nós, uma anemia espiritual, uma falta de gosto pelo face a face da oração. A vida interior se torna árida e sem sabor. A missa repele, a oração enoja. Marthe Robin ousava dizer que entre a missa na semana e um tempo de oração pessoal, seria melhor escolher a oração: a missa poderia camuflar a acídia. Aqui, não se trata para ela de colocar em questão a primazia da missa – que é “a fonte e o ápice da vida da Igreja” – mas de se perguntar nossa maneira de viver. Nós podemos participar da missa todos os dias sem uma verdadeira união de coração com Jesus: pelo prazer estético da liturgia, o interesse intelectual da homilia, etc. Mas nós não perseveramos fielmente, atentivamente, na oração pessoal diária, sem comunhão íntima de fé, de esperança e de amor, com o Senhor. 1.2 Acídia, aversão ao agir Não podemos limitar esta aversão à preguiça. Charles Péguy gostava de contar a história de um visitante que encontra um trabalhador com uma picareta na mão: “O que você está fazendo? Ele pergunta – Eu cavo um buraco.” Mais longe, um outro trabalhador também munido de uma picareta: “O que fazes? – Eu construo um muro.” Um terceiro trabalhador carregava pedras. “E você, o que fazes? Pergunta o visitante. – Eu construo uma catedral!” De passo a passo a verdade se aprofunda. Se continuássemos chegaríamos ao fim último das nossas ações: a felicidade. O homem age sempre para ser feliz (mesmo quem se suicida): ele busca a plenitude, o bem perfeito. Ora, o único bem que preenche o nosso coração e satisfaz todos os nossos desejos é a comunhão com Deus. Em cada coração bate o desejo de ver Deus. “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em ti.”, dizia Santo Agostinho. Em cada um de nós não é diferente; todas as nossas ações nos aproximam ou nos afastam da nossa finalidade, a união ao Deus-Trindade, dependendo se elas são vividas ou não na verdade e no amor. Então, não existe nada de pior do que a aversão ao agir. A acídia não é uma simples passagem ao nada fazer. É muito mais profunda, um refusar de navegar em direção a Deus, é a renúncia da felicidade, uma ausência de escuta dos desejos mais profundos do seu coração. Ela é, dizia o monge Evágrio Pôntico, o pecado “mais pesado de todos”: pela nossa passividade, nós não estagnamos, nós nos lançamos para baixo, ao invés de nos lançarmos para o alto. 2. Um pecado na origem de outros pecados O acidioso peca primeiro pela procrastinação (deixar para amanhã o que eu posso fazer hoje). A imprudência e a injustiça vêm junto. Muitas vezes ele faz múltiplas atividades, menos o que deveria fazer aqui e agora (como rezar o rosário, por exemplo). O acidioso busca múltiplas compensações ao seu vazio interior. A busca pelo prazer é “eficaz” nesse caso. Horas no celular, aquela comida desejada, a bebida, o jogo, a televisão, até os prazeres da carne mais graves. Muito mais do que a preguiça, a acídia é a mãe de todos os vícios. Ela leva a encontrar compensações mais e mais extremas ao tédio e ao desespero. Enfim, o acidioso troca o serviço de Deus pela servidão do ativismo. Este pecado se manifesta ainda no medo da solidão, no medo de si mesmo, no medo do silêncio. E são filhas da acídia: a agitação interior, a busca eterna pela novidade, a inconstância, a falta de firmeza nas suas resoluções, até a indiferença às coisas de Deus e da fé, a covardia, o rancor e a maldade deliberada. 3. Como reconhecer? 3.1 A impaciência Para o acidioso, o tempo não parece apenas longo, mas terrivelmente morno e monótono. A impaciência contemporânea é uma forma de acídia. O adolescente se impressiona de não conseguir ainda saltar 1,50 m depois de três semanas de atletismo. O lema é: tudo, agora e sempre mais rápido. 3.2 A instabilidade Para não andar em círculos, o acidioso não se mantém no seu lugar. Blaise Pascal chamava a “diversão” esta atitude pela qual o homem foge de sua miséria, de sua angústia, mais sobretudo de seu coração e as suas questões essenciais. O acidioso quer se mexer para enganar seu tédio: o monge acidioso quer deixar seu mosteiro; o trabalhador acidiosos muda de emprego a cada 3 anos; o solteiro acidioso muda de amigos assim que estes não lhe interessam mais; o casado acidioso acha todas as mulheres bonitas, menos a dele; o padre acidioso quer mudar de paroquia ou ir em missão, etc. 3.3 Dispersão e desvio O acidioso faz tudo, menos a sua obrigação. 3.4 A crise do meio da vida A acídia pode tomar a imagem da crise do meio da vida. Esta crise pode vir entre os 40 e 50 anos. Ela pode provocar, principalmente se não identificada, divórcio, rupturas, saída de uma comunidade, depressão... Questões profundas vêm fazer tremer nossas bases, mexendo com nossos engajamentos fundamentais em todos os estados de vida. 3.5 O gosto exagerado pelo repouso O acidioso adora um descanso e é desmesurado nele. Se pudesse viveria de férias ou não teria nenhuma obrigação. Perdeu o gosto pelo amor e pelo sacrifício. 4. Como remediar? 4.1 Descobrir sua vocação de filho de Deus Descer ao interior de si mesmo para redescobrir o quanto sou habitado pelo desejo de Deus, o quanto, mesmo a angústia e o tédio são sinais positivos, que mostram a sede da minha alma pelo Eterno. O acompanhamento espiritual, e, às vezes, psicológico, é muito útil para atingirmos esse passo. 4.2 Viver o momento presente O acidioso foge do presente e vive na ilusão: ele prefere idealizar o passado ou sonhar o futuro. Sua atitude deverá de receber o momento presente como um dom e o transformar em ato de amor. Cada ato do meu dia é uma ocasião para amar e é cara aos olhos de Deus. 4.3 Redescobrir a oração Não nos iludamos: a oração é um combate. É rezando que encontraremos o gosto de rezar. O essencial é a fidelidade. Reza, reza, reza! Quem reza, vive! 4.4 “Ficar na sua célula” Em outras palavras: resistir à tentação de mudar de lugar. A mudança externa não induzirá a mudança interna. 4.5 Perseverar Renovar sua oferta a Deus nas pequenas coisas. Perseverar é já uma forma de esperança. 4.6 Chorar Quando nos deparamos com o demônio da acídia, com lágrimas, partamos nossa alma em duas: uma que consola e outra que é consolada e, semeemos em nós a esperança, como o fez o salmista: “Por que te entristeces minh’alma a gemer no meu peito? Espera em Deus, O louvarei novamente, Ele minha salvação e meu Deus”. 4.7 Praticar a humildade A acídia está liga ao orgulho. Os padres da Igreja entendem como uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, a baixa da vigilância, a negligencia do coração. Através da humildade, reconhecer nossa miséria, confiar e ficar firme na constância. 4.8 Não nos refugiarmos no sono A hipersonia é tão anormal quanto a insônia. Ela é uma fuga do real. Combater a acídia supõe guardar para o sono o tempo e a medida “fixadas pela regra”, ou seja, pela real necessidade. 4.9 Agir enquanto é tempo Senta; Faça a lista das coisas urgentes; classifique por ordem de importância; calcule o tempo necessário para cada uma delas; e comece pela coisa mais importante. 4.10 Tome a iniciativa Pare de ser vagão, seja de vez em quando a locomotiva. Pare de deixar os acontecimentos decidirem no seu lugar e as situações “apodrecerem”. 4.11 Combata a ociosidade A ociosidade é a mãe de todos os vícios. “O monge que trabalha é tentado por um só demônio, mas aquele que está ocioso é a presa de incontáveis espíritos”. 4.12 Não coloque em jogo seus compromissos O acidioso se arrepende de ter se comprometido. A fidelidade é antidoto que combate a acídia.