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TEORIAS ~

ESTRUTURALISTAS E POS-
E S T R U T URALIS TAS

Thoma's Bonnici r

As NOVAS !DEIAS

É intrigante saber o porquê da preocupação dos formalistas russos e da Escola de Praga


sobre a forma e a estrutura das obras literárias. Seria insuficiente a tradicional análise da obra
literária? Não seria perda de tempo discutir algo de segunda importância, como a estrutura?
Discussões sobre a forma dos textos literários não seriam tediosas e maçantes, já que deslocam
a nossa atenção do prazer da leitura de um romance ou de um poema para a discussão sobre
sua forma e estrutura? Muitas pessoas, habituadas ao método crítico humanista, sentem que a
discussão sobre a forma e a estrutura dos textos ameaça sua experiência de leitura. Para muitos,
isso subverte o espírito e a liberdade do romance ou do poema, implode a perspectiva humanista
supostamente subjacente e introduz uma abordagem depreciativa à literatura e à cultura .
... > .••.• ".,." ••.,.-" '.

É interessante notar que, à semelhança das "provocações" dos formalistas russos, as abordagens
dos estruturalistas desafiamcertos conceitos arraigados no leitor. Para muitos a obra lit-êr~ria é o
produto da criatividade do autor e expressa o seu íntimo. Ou seja, o texto é o lugar ondecomungamos '.'
os pensamentos e os sentimentos do autor. Outros assumem que o texto do romance ou da peça
teatral nos revela como são as coisas realmente. Não se pode, todavia, prescindir da forma e, mais
ainda, da estrutura. Parece que a arte exige forma e estrutura. Por mais próximo que um romance
esteja da realidade, é o produto e o resultado de muitas decisões, que envolvem a forma e a estrutura
com que o "material" seria apresentado ao leitor. Para os formalistas, a forma está intimamente
ligada ao significado. Para os estruturalistas, a estrutura é a condição para que o significado seja
compreendido. Em outras palavras, a estrutura contribui para que o significado do texto literário
venha à tona.
Enquanto os formalistas russos desenvolviam seus trabalhos literários sobre a forma,
iniciava-se talvez o derradeiro esforço literário para o controle e a explicação da realidade
histórica. Yeats, Eliot,Pound, Joyce, Lawrence insistiam sobre o antropocentrismo da literatura
e da compreensão exaustiva da realidade através do texto literário.
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~ A perspectiva humanista de análise textual faz com que o leitor fique quase alheio às estruturas
1 que funcionam na formação do significado. Tem-se a impressão de que o autor e o leitor criam
o significado. Não é verdade que criamos o significado quando queremos expressar algo através
da linguagem, da música, da pintura, da coreografia? Parece que o significado é criado por nós e
jamais pela estrutura fria, intocável e invisível. Apesar dessas indagações, a "morte" do autor já
foi declarada pelos estruturalistas, os quais também afirmam que o discurso literário carece do
conceito "verdade". Os estruturalistas opõem-se a todas as formas de crítica literária nas quais o
indivíduo é a fonte e a origem do significado literário, ou seja, jamais pode expressar-se nos textos
literários.
o Estruturalismo é, portanto, uma prática interpretativa que procura certa ordem e inteligibilidade
nas inúmeras possibilidades de padrões do texto. O crítico estruturalista é capaz de isolar os padrões
significativos de signos a partir dos quais poderá chegar a conclusões sobre o significado e a cultura que
estão sep:Çl~·.Hansmitidos
..• ",,,
. "
e pesquisados. .,.:t' .

A BASE LINGUÍSTICA

O Estruturalismo tem sua origem na obra do línguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-
1913), que revolucionou o estudo da linguagem no início do século XX. A linguística do século
XIX consistia em trabalhos filológicos, ou seja, estava interessada na história das línguas naturais
e formulava as leis que regiam os processos de alterações linguísticas. Seu interesse, portanto,
consistia em reconstruir a maneira pela qual as várias línguas europeias se desenvolveram
diacronicamente. No mesmo século houve também o trabalho dos gramáticos, que sistematizavam
as regras gramaticais que usamos inconscientemente quando falamos ou escrevemos. Os gramáticos
analisavam instâncias individuais da linguagem (mais tarde chamadas de parole por Saussure)
para obter as regras gramaticais. A abordagem de Saussure era algo completamente diferente.
A abordagem diacrônica foi abandonada e a linguagem começou a ser tratada do ponto de vista
a-histórico e abstrato. Perguntava-se: Como é que a langue funciona? É a pergunta fundamental
de Saussure, a qual deu início à línguística moderna. A finalidade de Saussure, portanto, era
proporcionar entendimentos que seriam válidos para todas as línguas e para todos as funções da
língua.
Os princípios básicos da linguística saussuriana são: (1) a linguagem deve ser concebida
corno um sistema de significantes (Saussure não usou o termo estrutura); (2) os significantes são
arbitrários, já que o significado não lhes dá uma forma específica; (3) os significantes têm a atual
forma devido à sua diferença de outros significantes. Vamos entender melhor esses princípios. Os
significantes são as palavras faladas ou escritas: livro, cão, ilha. Sabe-se que essas palavras, referentes
a objetos conhecidos no nosso dia-a-dia, são diferentes em outras línguas (book, dog, island, em
inglês; livre, chien, fie, em francês). Compreende-se, portanto, que é arbitrária a ligação fundamental
entre o significante e o significado. Isso significa que o modo de dizer ou escrever ilha não é uma
necessidade. Na realidade, essa ligação arbitrária tornou-se uma convenção porque, na mesma
língua, há um relacionamento padrão entre, por exemplo, o significante ilha e "terra cercada por
água de todos os lados".
Se não há relação entre as palavras e o significado, de onde se origina o significante? Saussure
responde que vem da diferenciação: o sistema de linguagem está baseado nas diferenças. Nas
palavras p.0rta, morta, torta, corta, aorta, apenas o primeiro fonema é diferente. As palavras, portanto,
funcionam 'nüm sistema que usa a diferença para criar seus componentes. Porém encontramos
aqui a genialidade da teoria de Saussure, quando diz que o princípio da diferença não apenas cria
os significantes (palavras), mas também seu sentido. Nesse ponto, a lógica exigiria que os objetos
no mundo real em que vivemos dessem às palavras o seu sentido. Os objetos deveriam dar o

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TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURALISTAS

sentido às palavras. Isso não acontece. Se fosse assim, as palavras não difeririam de uma língua
para outra.

SIGNIFICADO

~
SIGNIFICANTE REFERENTE
/kaza/ (o objeto real
chamado casa
em português)
Quadro 1. Esquema linguístico de Saussure

Para Saussure, o significante (a forma) e tu significado (o sentido) não podem ser separados.
Se trocarmos porta por aorta, teremos não apenas outro significante (outra forma, ou palavra)
mas também um significado completamente diferente. O princípio diferenciador não funciona
apenas para distinguir as palavras, mas, ao mesmo tempo, diferenciar os significados. Uma
mudança, por menor que seja, no significante, produz novo significado. .-.. ·_·_~':~~·T-;.c·

Há outro item extremamente importante. Talvez contrariamente àquilo que normalínente


pensamos, o significado não é um objeto no mundo real (referente), No dicionário, o verbete peixe$o
é definido como "animal cordado, aquático, com nadadeiras". Essa definição não se refere a um
peixe específico no mundo real, mas a uma categoria de objetos. Peixe poderia incluir o dourado,
a curvina, a sardinha, a piapara e outros. O significado é uma categoria humana e um conceito.
Todas as palavras, como amor,país, criança, mão, referem-se a conceitos, indiretamente relacionados
ao mundo real. Os significados são o resultado de generalização e de abstração.

o ESTRUTURALISMO ANTROPOLÓGICO

Os princípios analisados acima são fundamentais para que se compreendam as várias abordagens
no campo da literatura que formam o Estruturalismo literário desenvolvido nas décadas de 1960 e
1970. Serão ainda mais indispensáveis para compreender o Pós-estruturalismo. Será com tal intuito
que analisaremos alguns aspectos do Estruturalismo antropológico desenvolvido na década de 1940
pelo francês Claude Lévi-Strauss (nascido em 1908). Embora o Estruturalismo antropológico exercessc;
apenas influência indireta nos estudos literários, sua compreensão e adaptação pelos estrutll~~listas e
pelos pós-estruturalistas sãograndemente significativas. .
Um dos princípios mais importantes no Estruturalismo antropológico consiste na concepção
saussuriana deque a linguagem é um sistema de signos regido pela diferença. O Estruturalismo
antropológico alargou a aplicação desse princípio, estendendo-o à antropologia, ou seja, ao
estudo das culturas "primitivas". O encontro e a colaboração entre Roman J akobson (1896-
1982) e Claude Lévi-Strauss, na New School of Social Research em Nova York, a partir de

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(~o N N [ C [
'?;5
f 1941, foram decisivos para o desenvolvimento e a difusão do Estruturalismo no campo literário
1 e antropológico.
No século XIX e no irucio do século :XX, a antropologia era uma ciência descritiva:
apresentava as funções dos mitos, tabus, rituais e costumes de culturas não-ocidentais. Lévi-
Strauss quebrou essa tradição, (1) pela utilização dos estudos de Vladimir Propp e (2) pela
aplicação do princípio saussuriano da diferença. Em primeiro lugar, Lévi-Strauss estabeleceu
que os mais diversos mitos encontrados nas culturas analisadas são variações de um único padrão
narrativo. Em segundo lugar, percebeu que o sentido dos mitos e dos rituais nas culturas está na
diferença. Os mais insignificantes elementos que constituem uma cultura formam um sistema
de signos. Tudo o que não é biologicamente determinado é um signo. Por si só, cada item não
possui nenhum sentido; adquire sentido a partir do sistema de signos em que funciona, ou seja,
a partir das diferenças de outros signos. O item cultural não tem nenhum sentido intrínseco;
depende de todo o sistema para possuir sentido.

PROPP LÉVI-STRAUSS

Estudo sobre os contos populares russos ~ Os rriitos são variações do mesmo padrão de narrativa.

O significado é o produto da diferença --> Os fenômenos culturais (costumes de alimentação, tabu sobre
a menstruação, ritos de iniciação, parentesco) formam um
sistema sígnico
-l.-

oposições binárias:

natureza I cultura
luzi escuridão
em cima I embaixo
-l.-

presença I ausência
(esse binarismo será o fundamento do Pós-estruturalismo
dos anos 1970)

Quadro 2. A influência de Propp sobre Lévi-Strauss

O Estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss indagou sobre como os primeiros homínidas


começaram a dar sentido ao universo. A operação mental básica dos opostos foi provavelmente
utilizada: há coisas que se podem comer e outras que não se podem comer; há animais perigosos e
outros que são inócuos. O princípio básico de Lévi-Strauss foi o de que o homem primitivo usou
tal estrutura para compreender o mundo. O pensamento primitivo, portanto, era binário, ou seja,
ele começou a catalogar as coisas através de. termos básicos envolvendo a presenfa e a ausência: luz
I escuridão; sagrado I profano; voz I silêncio; em cima I embaixo. As oposições binárias formam o
que chamamos de cultura. Evidentemente, ao longo dos séculos, essas oposições sofreram tantas
mutações e adaptações que, na maioria das vezes, tornaram-se irreconhecíveis ou contraditórias.
Sempre houve, todavia, um relacionamento de presença e de ausência entre os dois termos
opostos. Sabe-se que não apenas Lévi-Strauss emprestou essa ideia dos estudos de Jakobson sobre
os fonemas como opostos binários (/bl e Ip/) , mas também os pós-estruturalistas dos anos 1970
retomarão e empregarão o conceito da oposição.

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É mister frisar que; apesar de realçar a inter-relação entre a mente humana e o ambiente, o
Estruturalismo antropológico continua adotando a posição antl-humanista, ou seja, sua indiferença
pelo indivíduo. O Estruturalismo nega que os indivíduos sejam autônomos: os membros de uma
tribo primitiva não têm uma intenção subjetiva ou uma função individual, mas a contribuição de cada
um tem sentido apenas no contexto geral do universo deles. O Estruturalismo é também a-histórico,
porque resume todas as culturas e todas as versões culturais anteriores a um conjunto de dados não-
mutáveis, de número limitado. Diacronicamente, somente existem variações do mesmo padrão básico
de oposições binárias.

A SEMIÓTICA

A partir da análise estruturalista dos mitos primitivos realizada por Lévi-Strauss, desenvolveu-se
uma investigação estruturalista de todos os fenômenos culturais. Em 1957, Roland Barthes (1915-1980)
publicou Mythologies, no qual aplicou o método estruturalista a fenômenos culturais contemporâneos.
O método de Barthes consiste em desmontar os elementos constituintes (signos) de uma certa
estrutura. Em seguida, analisa o modo como el<:;,sadquirem sentido pelas suas diferenças com outros
elementos na sequência. O Estruturalismo cultural é extremamente produtivo para se saber como as
culturas e as subculturas funcionam. Um senhor alto, uniformizado, usando óculos grandes de sol,
educadíssimo, ppra o motorista, vestido de calça comprida e camiseta, na estrada. O fato de que o
policial rodoviário usar uniforme já é um sinal de autoridade e de poder. Uma criança que frequenta a
escola também usa uniforme, mas nem por isso tem poder ou autoridade. Quer dizer, (1) o uniforme
em si não tem nenhum sentido inerente: seu sentido aparece em decorrência da diferença; (2) o
relacionamento entre o signo e o sentido é arbitrário: dependendo das circunstâncias, o uniforme tem
conotação de poder e de autoridade; (3) o uniforme do policial funciona de acordo com as oposições
básicas do Estruturalismo: dominação/submissão.

.-

SISTEMA (LANGUE) SINTAGMA (PAROLE)


_.-
--
MODA

Conjunto de peças de vestuário as quais não podem Justaposição de elementos diferentes com o mesmo
ser usadas ao mesmo tempo para cobrir a mesma parte estilo de roupa: saia, blusa e blazer.
do corpo. Sua .variação corresponde a urna mudança
de significado da roupa (chapéu, boné, gorro) .
.} .}
A moda não é vista como expressão pessoal ou O vestuário que se usa numa determinada ocasiao '-
estilo individual, mas como sistema de vestimenta constitui sentença específica dita por um indivíduo por
que funciona como a linguagem. um objetivo específico (fala e sua competência na fala).

CULINÁRIA

Conjunto de alimentos com afinidades e diferenças, A sequência de pratos específicos escolhidos nurna
do qual o indivíduo escolhe os pratos com o objetivo refeição.
de inculcar significação.

Quadro 3. Detalhes semióticos segundo Barthes

TIIOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZADORE-S) 1"35


o N N I C I

Podemos dizer que, conscientes da função dos signos das coisas, começamos a enxergar os signos
em tudo o que vemos ou experimentamos (por exemplo, o status que certo tipo de carro nos dá).
Essa abordagem serniótica ou semiológica em que os signos em si não têm nenhum sentido, mas o
adquirem a partir de sua função dentro de uma estrutura, é de suma importância. O ponto de vista
estruturalista da cultura é muito funcional em estudos literários e é por isso que atualmente a análise
literária inclui a cultura em geral no ensino da literatura e na crítica literária.

o ESTRUTURALISMO LITERÁRIO

O Estruturalismo literário se desenvolveu a partir dos estudos linguísticos e da antropologia


. esrrururalisra.j ã.vimos como Lévi-Strauss procurou e analisou a estrutura subjacente em todas as
narrativas, consideradas no sentido mais amplo da palavra. Todorov em Grammaire du Décaméron,
publicada em 1969; Barthes, em Mythologies, publicada em 1957, ~ Bremond, em La logique des
possibles narratifs e Logique du récit, publicadas em 1966 e 1973 respectivamente, tentaram encontrar
uma gramática universal da narrativa que revelasse como a mente humana organiza sua experiência.
O resultado foi algo muito abstrato.

o MODELO DE BARTHES E BREMOND

Bremond (1973) sugere as possibilidades lógicas da narrativa, baseadas num modelo padrão
com três fases: (1) a virtualidade, ou a possibilidade de realização de uma ação; (2) a realização, ou
a passagem ao ato; (3) o resultado, o melhoramento ou a degradação. A fase 1 é básica: a narrativa
prepara um quadro que oferece uma possibilidade de ação. Em todas as narrativas há uma expectativa
de que algo vai acontecer. Na fase 2, pode haver elementos que levam (presença) ou não levam
(ausência) à ação. Se esta última opção acontece, a narrativa para; se a primeira opção é escolhida, há
o desenvolvimento da narrativa. Se há o desenvolvimento da narrativa, pode haver o melhoramento
ou a degradação. O novo estado servirá como um novo ponto de partida, uma nova virtualidade,
especialmente se uma degradação aconteceu.

sucesso
(objetivo alcançado)
processo de atualização__ --l

(os passos tomados)


potencialidade fracasso
(objetivo)
- (objetivo não alcançado)
nenhuma atualização
(nenhum passo tomado)

Quadro 4. Estágios lógicos da potencialidade, processo e resultado (BREMOND, 1973)

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TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURALISTAS

Tebas Édipo

Situação ruim: má situação


P~ste
\
Necessidade dever de ouvir
de ajuda

apelo à ajuda ouve


~ ajuda concedida ~ ajuda concedida dever de ajudar

ação para
ajudar \
processo de processo de
melhoria deterioração necessidade
de oráculo

ação para
obter oráculo

oráculo necessidade de
obtido punir assassino

ação punitiva

necessidade de necessidade ·de


descobrir :lssassino-- obt er evidência

procedimento para processo p:lr:l ol:ter


descobri-lo evidências

assassino descoberto evidência obtida


I
situação situação ajuda dada assassino
melhor trágica punido

Quadro 5. A trama em Édipo Rei, de Sófocles, conforme o método de


Bremond (RIMMON-KENAN, 1986)

o MODELO DE PROPP E GREIMAS

Antes de analisar a abordagem de A. J. Greimas, encontrada em Sémantique structurale (1966),


é bom lembrar o método e as estruturas desenvolvidos por Propp (1984). Isso se..faz nece:~"~ri,Q":,
porque, semelhantemente aos formalistas, os estruturalistas partem de pressupostos linguísticos e
querem introduzir uma nova poética que estabeleça uma "gramática" da literatura, ou sejâ;a"s regras
subjacentes que determinem a prática literária. Como eles concordam que há uma relação especial.
entre a literatura e a língua, a teoria narrativa estruturalista se desenvolve a partir de certas analogias
linguísticas elementares. A sintaxe (ou as regras de construção de sentenças) é o modelo básico das
regras narrativas. A divisão sintática de uma oração envolve o sujeito e o predicado: "Lalino (sujeito)
depõe o violão e vai apanhar uma melancia" (predicado). Se substituímos Lalino por "caboclo" e
violão ou melancia por "paletó", a estrutura da oração fica a mesma. Foi exatamente essa analogia
entre a estrutura da oração e a narrativa que Vladimir Propp (1895-1970) usou em Moifologia do conto,
publicada em 1928, para desenvolver sua teoria dos contos populares russos.
A abordagem de Propp pode ser entendida quando substituímos o "sujeito" da oração pelos
personagens (o herói, o vilão) e o "predicado" pelas ações. Embora contenham muitos detalhes, todos

THOMAS BONN/C/ / LÚC/A OSANA ZOLlN (ORGAN/ZADORES) - 137


@o N N I C I
~
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I
esses contos são construídos sobre um conjunto de trinta e uma funções. A função pode ser definida
como a unidade básica da linguagem narrativa e se refere às ações significantes que constroem a
narrativa. Embora nenhum conto as contenha em sua totalidade, as funções sempre têm a sequência
abaixo:

1. Situação inicial.
2. Proibição.
3. A proibição é violada.
4. O agressor tenta conseguir um esclarecimento.
5. O agressor recebe uma informação.
6. O agressor procura enganar a vítima com a mentira.
7. A vítima deixa-se enganar.
8. A falta do agressor,
9. A falta é divulgada e o herói fica sabendo.
10. O herói consente em agir.
11. Início da ação na qual o herói parte.
12. Primeira função de um doador.
13. Reação do herói.
14. Um objeto mágico é dado ao herói.
15. O herói se desloca e se aproxima do objeto da busca.
16. .O herói e o agressor se enfrentam.
17. O herói se distingue no combate.
18. O agressor é vencido.
19. A má ação inicial é reparada.
20. Volta do herói.
21. O herói é perseguido.
22. O herói é socorrido.
23. O herói chega incógnito (sem ser reconhecido).
24. Um falso herói se apresenta.
25. É dada ao herói uma tarefa difícil.
26. O herói cumpre a tarefa .
.27. O herói é reconhecido .
.28. O falso herói é desmascarado.
29. O herói tem nova aparência.
30. O falso herói é punido.
31. O herói casa e ascende ao trono.

Quadro 6. As funções de Propp (1984)

Por exemplo, ao final da Odisséia, aplicam-se as funções 20-31, porque revelam a volta de Ulisses à
sua casa em Ítaca; seu encontro com os pretendentes de Penélope; a competição com o arco e a flecha;·.
o desfecho vitorioso; a morte dos príncipes; o reencontro do casal após a separação de tantos anos.
Pode-se deduzir que as funções acima encontram-se não apenas em contos populares russos, mas em
comédias, mitos, épicas e romances em geral.
Como, porém, as funções proppianas têm grande simplicidade arquetípica, uma certa sofisticação
é necessária quando essas funções são aplicadas a textos mais complexos. No mito de Édipo, Édipo
consegue desvendar o enigma da Esfinge, o herói é reconhecido, casa-se e ascende ao trono. Édipo,

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TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURALISTAS

contudo, é também à falso herói e o vilão (ele mata seu pai e casa-se com a mãe); portanto, é
desmascarado e se pune.
Propp acrescentou sete esferas de ação ou papéis às trinta e uma funções: vilão, doador, ajudante,
objeto da procura, mandatário, herói, falso herói. ''A mesma composição pode servir de base para
enredos diferentes. Se o dragão rapta a princesa, ou o diabo rapta a filha de um camponês, ou do pope
[sacerdote ortodoxo], é indiferente do ponto de vista da composição" (PROPP, 1984, p. 104).
Em Sémantique structurale (1966), Algirdas-J ulien Greimas (1917-1992) elaborou a teoria dePropp-
'" Não se restringi rido a um único gênero literário dos contos maravilhosos populares, Greimas queria
chegar a uma gramática universal da narrativa. Portanto, aplicou à narrativa a análise semântica da
estrutura da oração. Substituiu as esferas de ação por três pares de oposições binárias que incluemos
seis papéis, chamados actantes:

Poder
Auxiliar ~ Sujeito ~ Oponente
,j,
Querer
Destinador ~ Objeto ~ Destinatário
Saber
'.
Quadro 7. O esquema actancial de Greimas (1966)

Os elementos básicos são os actantes, dos quais dois são mais fundamentais do que os outros:
o sujeito e o objeto. Portanto, em nível de querer ou de desejo, há o binário sujeito-objeto. O sujeito
(geralmente uma pessoa) é o elemento central na fábula e o objeto é a finalidade que o sujeito deseja
alcançar. Esse desejo dá o impulso aos eventos e os faz mover. Em nível de saber 'oude éc:iinUrtídlçã5;
encontra-se o binário destinador / destinatário. O binário auxiliar / oponente pertence ao nível-do poder,
ou de auxílio ou de impedimento. É importante notar que Greimas distingue actante de personagem
(acteur): enquanto os personagens são muitos, o número de actantes é limitado, O mesmo actante
pode ser manifestado por vários personagens isincreiismo actancial) e o mesmo personagem pode ser
caracterizado por vários actantes (sincretismo atoriab,

Sincretismo actancial Sincretismo atorial

Um actante Vários actantes


,j,,j,,j, ,j,,j,J

Vários personagens Um personagem


Quadro 8. Relação entre personagem e actante, segundo Greimas (1966)

Para Greimas, os actantes e as relações imutáveis entre eles formam o modelo básico de todas as
narrativas. Contudo, não se pode aplicar esse modelo como se fosse uma matriz interpretativa para analis'if
os textos literários ou não. Em muitas ocasiões, é o leitor que escolhe se um personagem funciona como
auxiliar ou oponente. Ademais, em romances complexos há muitas subfábulas e, portanto, o modelo
greimasiano deve ser aplicado várias vezes ao mesmo texto. Pode acontecer que Um personagem-dê
função auxiliar numa subfábula exerça função oponente numa outra. Esse modelo ajuda o leitor a olhar o

TJ-JOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLIN (OllGANIZADORES) - 139


texto mais "clinicamente". O sentido de um texto literário será produzido pelo leitor como também pela
estrutura. São esses dois agentes que fazem emergir o sentido.
Greimas reduziu para vinte as trinta e uma sequências narrativas de Propp (1984) e as agrupou em
três estruturas: (1) o sintagma contratual; (2) o sintagma peJjàrmativo; (3) o sintagma disjuntiuo. Por exemplo, o
sintagma contratual se refere à criação ou à quebra de regras. Ou seja, as narrativas podem usar uma das
seguintes estruturas: (1) o contrato (proibição) entre a pessoa e a sociedade gera a violação que resulta em
punição; (2) a falta de contrato (desordem) gera o estabelecimento da ordem.
Vamos agora aplicar esse esquema de Greimas a Édipo Rei, de Sófocles. Édipo procura os assassinos
de Laio e, ironicamente, ele (sujeito) está procurando a si mesmo (objeto). O oráculo de Apolo revela
as talhas trágicas de Édipo. Tirésias, Jocasta, o mensageiro e o pastor confirmam a veracidade desse
oráculo. Realmente a peça gira em torno da incompreensão da mensagem por Édipo. Embora Tirésias
e Jocasta tentem impedir Édipo de descobrir o assassino, o mensageiro e o pastor, sem o saberem, o
assistem nessa procura. Édipo mesmo põe obstáculos à verdadeira interpretação da mensagem. Além
do mais, a narrativa de Édipo contempla o sintagma contratual: ele quebra a proibição sobre o incesto
e o parricídio, o que resulta na própria punição.

o MODELO DE TODOROV

Todorov (1973) compilou sua teoria a partir dos trabalhos de Propp (1984) e de Greimas (1966).
Em primeiro lugar, as regras sintáticas da linguagem são utilizadas para analisar a narrativa. A unidade
mínima da narrativa é a proposição, a qual poderia ser agente (pessoa) ou predícado (ação). Na oração
"Édipo I casa-se com Jocasta sua mãe", a primeira proposição refere-se ao agente; a segunda refere-
se ao predicado, que funciona ou como acljetivo (proposição estática) ou como verbo (proposição
dinâmica).
A partir dessa unidade mínima, Todorov (1973) descreve dois níveis superiores de organização:
a sequêruia e o texto. Um conjunto de proposições forma uma sequência. A sequência fundamental é
2
feita de cinco proposições (equilibriov.jorça', desequilibric.jorça", equilíbrío ), descrevendo a violação de um
estado e o restabelecimento do mesmo, embora com certas modificações. Finalmente, as sequências
formam o texto. O texto, então, é formado pelas sequências organizadas por encaixamento (uma fábula
dentro de outra fábula; digressões), encadeamento (justaposição de diferentes histórias ou uma série
de sequências) e aliernãncia (duas fábulas são contadas ao mesmo tempo, interrompendo ora uma
ora outra, para retomá-Ia na interrupção seguinte). O primeiro e o segundo tipos projetam as duas
relações sintáticas de subordinação e de coordenação. O terceiro tipo é o mais distante da literatura
oral (TODOROV, 1973).

1 Proposição Agente (e.g. personagem) - predicado (e.g. ação)

Equilíbrio' (e.g. paz)


Força' (e.g. o inimigo invade um país)
Sequência (o conjunto de
2 Desequilíbrio (e.g. guerra)
proposições)
Força" (e.g. o inimigo é derrotado)
Equilfbrio? (e.g. a paz, em termos diferentes)

Organização das sequências:


Texto (o conjunto de (a) Encaixamento
3
sequências) (b) Encadeamento
(c) Alternância

Quadro 9. O modelo de Todorov (1973)

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T E O n I A S E S T R U T UnA L 1ST A S E PÓS - E S T n U T u n x L I S i-Á S

A NARRATOLOGIA

A teoria da narrativa teve seu grande expositor em Gérard Genette (nascido em 1930), especialmente
em Discurso da narrativa, publicado em 1972. Maiores detalhes já foram expostos e analisados nó Capítulo 2
e apenas um esquema sucinto será desenvolvido aqui. A partir da distinção formalista entrejàbula (eventos)
e syuzhet (trama ou discurso), Genette(1982) divide a narrativa em três níveis: (1) a fábula (histoire) , a
.ordem cronológica dos eventos; (2) o discurso (récit), o~ eventos e as ações como apresentados no texto; (3)
narração (narration), o próprio ato de narrar.

Formalistas russos Genette

Fabula Histoire Eventos narrados cronologicamente - .

Syuzhet Récit A narrativa como contada ou escrita ...


.. "

Narration ~elação entre a voz do narrador e o narratário

Quadro 10. Componentes do discurso segundo os formalistas russos e Genette

Em Os lusiadas, Vasco da Gama é o narrador que desenvolve um discurso, revelando eventos em


que ele mesmo aparece como personagem. Essas três dimensões da narrativa são relacionadas por
três aspectos: (1) tempo; (2) modo; (3) voz, como se fossem a expressão de um verbo gramatical. O
item tempo analisa a ordem temporal e a disposição dos acontecimentos na narrativa, sua frequência e
duração. O modo analisa a colocação em perspectiva da narrativa, enquanto a voz detalha o emprego de
primeira ou terceira pessoa e a narrativa em primeiro ou segundo grau. O foco narrativo fica melhor
esclarecido através da distinção entre o modo e a voz, já que frequentemente deixamos de distinguir
entre a voz do narrador e o modo(a perspectiva) do personagem. Em Dom Casmurro (1900), Bentinho
apresenta a perspectiva de quando ainda era jovem através da voz narrativa dele mesmo, mas agora
com idade avançada.. ._
.. o~_•• -c'

A categoria ordem relaciona as discordâncias temporais entre a fábula e o discurso/tramaecataloga


três posições: a narrativa pode vir depois (analepse ou flashback), ao mesmo tempo (sincronia) ou à
frente da ordem cronológica (prolepse). Genette (1982) também discursa sobre a categoria duraçã~?ou
seja, o relacionamento entre o tempo que um evento durou na narrativa e o tempo que realmente se
ocupou para narrá-Io. Trata de como a narrativa pode elidir eventos, fazer pausas, expandir e resumir
os episódios. No resumo, o tempo de leitura é menor do que o tempo cronológico descrito. Por outro
lado, um certo período temporal pode ser eliminado (elipse). Isso acontece quando o tempo da narrativa
vaga em cenas, comentários ou descrições.
A terceira categoria se refere àfrequência. É a relação entre o número de vezes em quecerto evento
ocorre na narrativa e o número de vezes em que é realmente narrado. Um único evento pode ser
narrado uma única vez (narrativa singulativa). Frequentemente, porém, ocorre o oposto, ou seja, um
evento que ocorreu apenas uma vez é repetidamente narrado (narrativa repetitiva). O mesmo evento
pode ser narrado por várias pessoas sob ângulos diferentes ou pela mesma pessoa em diferentes estágios
de sua vida e, portanto, a partir de perspectivas diferentes. O assassinato de Charles Bon por Henry
Sutpen no romance Absalom, Absalom! (1936), de William Faulkner, é narrado 39 vezes. Há também
a narrativa iterativa, quando se narra uma vez o que aconteceu várias vezes. A quarta categoria de modo

TI-IOMA~ BONNICI / LÚCIA O~ANA ZOLIN (onGANIZADonEs) - 141


'P'0 N N I C I

~ pode ser subdividida em distância e perspectiva. A distância se refere a recontar a fábula (diegese) ou
• representá-Ia (mimese).
A grande inovação de Genette (1982) consiste na categoria perspectiva, que vai além daquilo que
tradicionalmente se chama foco narrativo ou ponto de vista. Faz-se, em primeiro lugar, a abordagem
binária entre o narrador (Quem narra?) e o focalizador (Quem vê?). O narrador é capaz de falar e
ver, e pode realizar as duas ações ao mesmo tempo. Todavia, um narrador pode narrar o que uma
outra pessoa está vendo ou tem visto. Narrar e ver, a narração e a focalização, portanto, podem ser
atribuídas ao mesmo agente ou ã agentes diferentes. Podemos resumir as distinções entre o narrador
e o focalizador: "
1) Em princípio, a narração e a focalização são atividades distintas;
2) Em narrativas "terceira pessoa", o centro de consciência é o focalizador, e o narrador é terceira
pessoa;
3) A focalização e a narração são atividades distintas também em narrativas "primeira pessoa" de
narração retrospectiva;.
4) No que diz respeito à focalização, não há nenhuma diferença entre o centro de consciência
"terceira pessoa" e a narração "primeira pessoa" de narração retrospectiva. O focalizador é uma
personagem na narrativa. A única diferença é a identidade do narrador;
5) Em certas ocasiões, a focalização e a narração podem coincidir.
O narrado r que está fora da narrativa (ou seja, não é uma personagem diegética) é um narrador
extradiegético. Por outro lado, se o narrador é também uma personagem diegética, ele é um narrador
intradiegético. O narrador intradiegético e o narrador extradiegético podem contar a própria história
ou a história de outrem. O narrado r heterodiegético conta a história de outra personagem (não a
história dele próprio); o narrador que conta a própria história ou, de algum modo, participa na
narrativa, é chamado narrador homodiegético, O grau de participação de narradores homodiegéticos
(quer extradiegéticos quer intradiegéticos) pode variar muito. Às vezes o narrador tem o papel
principal e narra a sua própria narrativa (é um narrador autodiegético), como o velho Bentinho,
atualmente Dom Casmurro, o narrador de Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis; às vezes.
o seu papel é apenas de testemunha, como Nick, em The Great Gatsby (1925), de Francis Scott
Fitzgerald. Tom Jones, de Fielding, Sons and Lovers, de D.H. Lawrence e Pêre Goriot, de Balzac,
têm narrador extradiegético e heterodiegético. Em Great Expectations, de Charles Dickens, e em
Dom Casmurro, de Machado de Assis, os narradores Pip e Casmurro respectivamente podem ser
chamados extradiegéticos e homodiegéticos. Podem ser chamados simplesmente autodiegéticos.
Xerazade é uma narradora intradiegética e heterodiegética, porque ela é uma personagem ficcional
que está ausente nas histórias que conta. Lockwood, em Wuthering Heíghts, e Nick, em The Great
Catsby, são narradores intradiegéticos e homodiegéticos, porque narram histórias nas quais são
apenas personagens-testemunhas.

Homodiegético (narrado r conta a própria história)


/" Extradiegético (terceira pessoa) [ I-Ieterodiegético (narrador conta a história de outrem)

Narrador

Homodiegético (narrador conta a própria história)


lntradiegético (primeira pessoa) [
Heterodiegético (narrado!" conta a história de outrem)

Quadro 11. O narrador conforme Genette (1982)

142 -T E o R I A LITERÁRIA
TEORIAS ESTRUTURALISTAS E rÓS-ESTRUTURALISTAS

A focalização tem um sujeito, o focalizador, e um objeto, o focalizado. O focalizador é o agente cuja


percepção dirige a apresentação. O focalizado é o objeto que o focalizador percebe. A focalização pode ser
externa ou interna. Afocalização externa é de um agente (chamado narrador-focalizador) intimamente perto do
narrador ("terceira pessoa"). Pode haver focalização externa também em narrativas de "primeiràpêssõa"
Isso pode acontecer ou quando a distância temporal e psicológica entre o narrador e o personagem é
mínima (O estrangeiro, de Camus), ou quando a percepção é mais do personagem que narra do que do
personagem que experimenta (o conto ''Araby'', deJamesJoyce).
Ademais, afocalização interna acontece dentro dos eventos representados, vistos por um focalizador-
'personagem.

Agora, A [...] entrou no quarto pela porta interna que dá para o corredor central. Ela não olha
pela janela escancarada, por onde, desde a porta, veria este canto da varanda, Voltou-se agora
para a porta a fim de fechá-Ia. [...]
O grosso corrimão da balaustrada quase não tem mais pintura na parte superior. O cinzento
da madeira aparece, estriado de pequenas fendas longitudinais. Do outro lado do corrimão, a
dois bons metros abaixo do nível da varanda, começa o jardim,
Mas o olhar que, vindo do fundo do quarto, passa por cima da balaustrada, só vai encontrar
a terra muito mais longe, no lado oposto do pequeno vale, entre as bananeiras da plantação.
Não se vê o chão entre seus penachos espessos de grandes folhas verdes. Não obstante,
como o cultivo desse setor é bastante recente, ainda se pode acompanhar distintamente o
cntrccruzamcnto regular das fileiras de mudas. Isso aconteceu também em quase toda essa
parte visível da concessão [...] (ROBBE-GRILLET, 1986, p. 7-8),

No romance de Robbe-Grillet não há um focalizador personificado e à primeira vista parece uma


ytll?<?
focalização externa. Certas expressões como" [ela] veria este canto da varanda", "oolhar [:J ..
do fundo do quarto, passa por cima da balaustrada", "em quase toda essa parte visível da concessão"
conotam, porém, uma posição (provavelmente do marido ciumento) na narrativa a partirda qual se
observam as coisas.
O focalizador externo pode perceber um "objeto" focalizado por fora ou por dentro. No
primeiro caso, apenas os fatores externos (atos, movimentos) aparecem, enquanto os fatores internos
(sentimentos, pensamentos) são ausentes. Na segunda hipótese, o focalizador externo (narrador-
focalizador) apresenta o focalizado por dentro e descreve seus pensamentos e sentimentos. "Havia algo
estranhamente penetrante em seu fito. Yvette sentiu isso; sentiu em seus joelhos. Fingiu que estava
interessada no cão vermelho-escuro" (LAWRENCE, 1982, p. 25). Do mesmo modo, um focalizador
interno pode perceber um objeto por dentro. Isso aconteceu no monólogo de Molly Bloomem Ulysscs
(1922), de James J oyce, quando o focalizador e o focalizado são o mesmo personagem. O focalizador
interno pode perceber apenas as ações externas do focalizado, como na passagem acima, deRobbe-
Grillet.

Narrador-focalizador
Exterior da narrativa
r Percebe objeto de fora (as manifesrações externas do focalizado)

Focalizador
L Percebe objeto de dentro (sentimentos e pensamentos do focalizado)'" ....~""..,.,.

.[ Percebe objeto do 'o," (as manifestações _O" do focalizado, )


Personagem -focalizador
Interior à. narrativa.

Percebe objeto de dentro (as manifestações do focalizado. A personagem Molly


Bloom em Ulysses, deJoyce, é focalizadora e focalizada).

Quadro ,12. O focalizador conforme Genette (1982)

THOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZ'ADORES) - 143


N N I C I

Com referência à narração, no interior da fábula pode haver várias narrativas: um personagem
pode narrar outra fábula, a qual pode conter outro personagem narrando outra. As narrativas
dentro de narrativas produzem uma estratificação de níveis a partir da qual uma narrativa interna
está subordinada à narrativa na qual está encaixada. O nível mais alto está ocupado pela narração
(nível extradiegético em Genette). É o nível do narrador de Contos de Caniuária (1387), de Geoffrey
Chaucer (1343-1400), que apresenta os peregrinos. Imediatamente vem o nível diegético, ou seja,
os eventos: a romaria dos peregrinos ao santuário de São Thomas à Becket, em Cantuária. Nesses
eventos pode haver narrativas de personagens, as quais constituem narrativas de segundo grau em
nível hipodiegético.

NARRADOR NÍVEL

Narrador extradiegéticonarra a narrativade 1 grau


0
= o nível diegético

Narradordiegético narra a narrativade 2°grau = o nível hipodiegético

Narrador hipodiegético narra a narrativade 3° grau = o nível hipo-hipodiegético


-
Quadro 13. Níveis da narrativa

As narrativas hipodiegéticas têm várias funções dentro das narrativas nas quais estão encaixadas.
(1) Através dafunfão actional a narrativa hipodiegética simplesmente causa o avanço da primeira
narrativa. Em Mil e uma noites, a vida de Xerazade depende de suas narrativas, cuja única finalidade
é manter a atenção do sultão. A narrativa hipodiegética pode desempenhar umafunfão explícativa: o
nível hipodiegético explica o nível diegético. Frequentemente responde à pergunta: Quais foram
os episódios que causaram a presente situação? Em Absalom, Absalom! (1936), Thomas Sutpen
narra eventos de sua infância ao general Compson. A finalidade dessa narrativa é explicar como
Sutpen tornou-se um mau caráter. A narrativa hipodiegética pode ter ainda umafimfão temática:
as relações entre os níveis diegético e hipodiegético são analógicas, de semelhança ou contraste.
EmThe Real Life of Sebastian Knight (1941), o personagem V tenta alcançar o moribundo Sebastian
porque tem certeza de que este vai dizer algo importantíssimo para ele (nível diegético). Em
nível hipo-hipodiegético, todavia, Sebastian escreve um romance no qual há um agonizante que
guarda um segredo e morre antes de poder contá-lo e mudar a vida de muita gente. Contudo,
numerosos romances contemporâneos contêm muitos níveis narrativos, justamente para
problematizar a fronteira entre a realidade e a ficção ou para sugerir que não há outra realidade
além da narrativa.
Quando se refere ao texto, em Palimpsestos (1982), Genette discute os problemas da
transtextualidade,ou seja, a relação entre determinado texto e os outros textos existentes. São
cinco os fatores que compõem esse relacionamento. (1) A intertextualidade é a presença efetiva
de um texto dentro de outro; (2) a paratextualidade é a relação do texto com tudo o que o
acompanha, como título, prefácio, ilustrações, notas, epígrafes; (3) a metatextualidade consiste
no comentário ou crítica de um texto por outro texto; (4) a arquítextualidade é a relação que une
o hipertexto a um texto anterior chamado hipotexto . Enquanto a transformação (pela paródia) e
a imitação (pelo pastiche) de uma narrativa por outra caracterizarão a teoria de Júlia Kristeva,
a reescrita de obras canônicas será uma das estratégias mais importantes do pós-colonialismo
(Capítulo 14).

144 - T E O R I A LITERÁRIA
ESTRUTURALISTAS E

REFLEXÕES SOBRE O ESTRUTURALISMO

Reconhece-se que o Estruturalismo é uma tentativa de fornecer parâmetros científicos


na análise de narrativas. De fato, os trabalhos dos autores acima mencionados estabelecem
aspectos para certa teoria científica fundamentada numa sintaxe universal da narrativa. Por
outro lado, parece que a poética estruturalista tem pouco a oferecer ao crítico literário. É
muito significativo o fato de que nos textos dos estruturalistas predominam os exemplos
envolvendo contos de fadas, mitos e histórias policiais e de aventura. Além disso, os estudos
dos estruturalistas definem os princípios gerais da estrutura literária e não fornecem
interpretações de textos específicos. Tais objeções podem ser válidas; porém, para a finalidade
em razão da qual os estruturalistas se empenharam, talvez um conto de fadas, mais do que
Sagarana ou Macunaima, forneça exemplos muito mais eloquentes sobre a gramática narrativa
essencial.
O Estruturalismo seduz porque pretende introduzir uma profunda objetividade e rigor
científico à análise e à crítica literária. Essa objetividade, contudo, vem acompanhada de
certos prejuízos. O estruturalista negligencia a especificidade de textos reais e os trata como se
fossem configurações ordenadas e criadas por forças invisíveis. Ao isolar e analisar o"sis!erI1c~.A"?,.
narrativa e ao se propor contrário à tradição humanista que considera o autor como a origem do
texto, o estruturalista elimina o autor, o contexto da obra literária e os substratos sociopolíticos
envolvidos. Para os estruturalistas, a narrativa prescinde de qualquer autoria, a linguagem ganha
precedência e o texto torna-se algo composto pelo material que já foi escrito .. " ~.
Como o principal objetivo é isolar o sistema narrativo, os estruturalistas subestimam e, às
vezes, eliminam a história. Para eles, as estruturas narrativas são universais; em consequência,
os segmentos arbitrários (problemas de história versando sobre a mudança e a inovação) do
processo evolutivo e mutante são rejeitados. Os estruturalistas não estão interessados no
desenvolvimento do romance, na evolução das formas literárias, no momento da produção
literária ou de sua recepção e interpretação, mas na mera estrutura da narrativa,ü que torna
estática e a-histórica a sua abordagem. As leis da mente que o Estruturalismo isola agem em
um nível de generalidades bastante distante das diferenças concretas da história hum-ana
(EAGLETON, 1983).
Ademais, o Estruturalismo é um desafio à crítica humanista representada e desenvolvida
por Matthew Arnold, em Critical Essays, 1865; por F. R. Leavis, em The Great Tradition, 1948;
por O. M. Carpeaux, em A história da literatura ocidental, 1959; por Benedetto Croce, em Estetica
come scienza dell'espressione, 1902; por E.R. Curtius em European Literature and the Late Middle
Ages, 1979; por Harold Bloom,em The Western Canon, 1994. Todos esses autores pressupõem
a linguagem como capaz de compreender a realidade como tal. A linguagem havia sido
compreendida como uma reflexão da mente do escritor ou do mundo visto" pelo "escritor;"
além de expressar a própria personalidade dele. No período pré-estruturalista, dizia-se que a
linguagem deu origem ao texto; os estruturalistas afirmam que a estrutura da linguagem cria a
"realidade", e assim desmistificam a literatura. "As observações frouxamente subjetivas foram ..-
castigadas por uma crítica que reconhecia ser a obra literária, como qualquer outro produto
da linguagem, um construto, cujos mecanismos poderiam ser classificados e analisados como
os objetos de qualquer outra ciência" (EAGLETON, 1983, p. 113). O significado não está
mais na experiência do escritor ou do leitor, mas nas estruturas pertencentes à linguagem.
A interpretação não depende do indivíduo, mas do sistema de linguagem do indivíduo. No
Estruturalismo, portanto, há uma busca científica para descobrir os códigos, as regras e os
sistemas que subjazem a todas as narrativas. Não somente há vários conjuntos dê oposições,
sequências de funções e regras sintáticas por baixo de práticas individuais, mas também
as diferenças individuais se originam das estruturas. Foi justamente contra essa posição
supostamente objetiva que os pós-estruturalistas reagiram.

THOMAS BONNICI I LÚCIA OSANA ZOLlN (OI\GANIZADOI\ES) - 145


(~o N N I C I
~?'
1o PÓS-ESTRUTURALISMO

Entre o fim dos anos 1960 e o início da década de 1970, muitos adeptos do Estruturalismo, baseados
principalmente em teóricos franceses, tentaram ir além das ideias de Propp, Todorov e Genette. O Pós-
estruturalismo é a continuação do Estruturalismo e, ao mesmo tempo, a rejeição dele. A aceitação, pelo
Pós-estruturalismo, das posições mais contundentes do Estruturalismo e o surgimento do primeiro,
no final dos anos 1960, quando o Estruturalismo ainda se desenvolvia, mostram que as duas correntes
são, de fato, bifurcações do movimento linguístico anti-humanista. Como nessa época ainda vigorava
nos estudos literários a ideia humanista tradicional, os críticos e teóricos contemporâneos acharam
que o hurnanismo clássico e o essencialismo (pelo qual se pretende conhecer a essência das coisas) não
eram mais sustentáveis e tornaram-se o principal alvo dos pós-estruturalistas. Ao mesmo tempo, a
crítica feminista, nas vertentes não-marxista e marxista, admitia ser possível uma concepção precisa e
verdadeira da realidade do mundo. Segue-se que, embora muitos críticos aceitem os postulados contra
-c·---------------os·
essencialistas, há outros que defendem a' crítica -humanista (Nova 'Crítica, a crítica conforme os
parâmetros de Leavis, certa crítica feminista e afro-americana). Enfim, todos são conscientes de que
cada perspectiva é problemática e sujeita a questionamentos. De fato, será difícil proferir a última
palavra sobre o texto literário.

DIFERENÇA

Não é possível conceber o Pós-estruturalismo sem o Estruturalismo. O Pós-estruturalismo (1)


adota a perspectiva anti-humanista do Estruturalismo e (2) acredita que a linguagem seja a chave
do conhecimento de nós mesmos e do mundo. Porém o Estruturalismo é subvertido pelo Pós-
estruturalismo, quando algumas de suas pressuposições são questionadas. A linguagem encontra-se
no âmago dessa subversão e na diferença entre os dois "movimentos". Considerado uma sensibilidade
estética, o Pós-estruturalismo quebra o sistema de relações sobre as quais está construído o
Estruturalismo. Isso acontece porque os pós-estruturalistas admitem que o indivíduo é formado por
'-estruturas sociológicas, psicológicas e linguísticas sobre as quais ele não tem nenhum controle, mas
.que poderiam ser descobertas por métodos investigatórios. Afirmam que é instável o relacionamento
estrutural entre as unidades e as configurações internas dessas mesmas unidades. Para os pós-
estruturalistas, o Estru'turalismo não tem consistência, pela simples razão de que todo significado
é :relativo. Ou seja, questionam-se os métodos que tradicionalmente foram usados para conhecer
e descrever a realidade. O Pós-estruturalismo percebe as construções racionais como estratégias de
poder e controle social.
É interessante notar, também, que o Pós-estruturalismo não é uma escola de pensamento, mas
um conjunto de abordagens, as quais nem sempre são compartilhadas na íntegra por todos os adeptos.
É um conjunto de posições teóricas que tem em comum a ideologia de que o relacionamento entre o
texto e seu significado é apenas aproximado, resvalado e ambíguo.
Vamos dar um exemplo. Embora inicialmente rotulado como estruturalista, o filósofo e historiador
francês Michel Foucault (1926-1984) é um dos representantes mais importantes do movimento
pós-estruturalista. Foucault concorda com os estruturalistas em que a linguagem e a sociedade são o;;.
formadas por sistemas e regras, mas discorda deles em dois pontos. Não admite (1) que haja estruturas
subjacentes definitivas que possam explicar a condição humana e (2) que seja possível ir além do
discurso e analisar objetivamente nenhuma situação. Influenciado por Heidegger e Nietzsche,]acques
Derrida (1930-2004) afirma que todo texto é ambíguo e, portanto, é impossível uma interpretação
completa e definitiva. A desconstrução é empregada como uma técnica para revelar as múltiplas
interpretações de um texto.

146 - T E o R I A LITERÁRIA
• !~
TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURAL~ISTAS

ESTRUTURALISMO PÓS-ESTRUTURALISMO

1. anti-humanismo 1. anti-humanismo
2. antiessencialismo 2. antiessencialismo
3. a língua é chave do conhecimento 3. a língua é chave do conhecimento
4. há estruturas subjacentes que explicam a 4. o indivíduo é formado por estruturas sobre os
condição humana quais ele não tem controle .... ~.'.
5. pode-se Ir além do discurso e analisar 5. o texto é ambíguo e o significado é relaÚ\To;'
objetivamente qualquer situação há múltiplas interpretações e a interpretação
- definitiva é impossível
6. a leitura é o consumo passivo do produto 6. a leitura é desempenho através da pluralidade__ de
significados dados pelo leitor
7. o texto é uma sensibilidade estética 7. o texto é uma construção com estratégias de poder
e controle
Quadro 14. Semelhanças e diferenças principais entre o Estruturalismo e o Pós-estruturalismo

Pós-estruturalismo, portanto, é o nome dado à filosofia crítica e ao desenvolvimento da teoria


crítica moderna nos anos 1960 a partir das obras de Roland Barthes (1915-1980),]acques Lacan (1901-
1981), ]acques Derrida (1930-2004), Michel Foucault (1926-1984), ]ean-François Lyotard (1925-
1998), Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix G'uattari (1930-1992). °
ponto de partida é Ferdinand
de Saussure (1857-1913) e, embora os aspectos discutidos pelos autores acima mencionados sejam
diversos, é possível identificar algumas tendências gerais em sua rejeição ou extensão das teorias
estruturalistas. As tendências são:
1) A crítica do sujeito humano: os Pós-estruturalistas desconstroem a noção de "sujeito". Alegam
que a finalidade das ciências humanas não consiste na compreensão ou na construção do
ser humano, mas em sua dissolução. A realidade humana é um construto social' e a própria
consciência humana é descentralizada.
2) A crítica do historicismo: os Pós-estruturalistas rejeitam a tese de que haja um padrão universal
de história ou que exista um texto confiável sobre a história. Não aceitam uma progressão
histórica linear a partir de um passado primitivo até a civilização presente, caminhando para
um futuro utópico.
3) A crítica do significado: o Pós-estruturalismo nega a existência de uma verdade inerente ao
texto. ° signo linguístico é arbitrário e significa algo apenas pelo uso e por convenção.
Pós-estruturalismo insistesobre a interação do leitor e o texto, ou produtividade. A leitura
°
não é mais o consumo passivo do produto; ao contrário, ela é um desempenho, Partindo do
princípio estruturalista da "morte do autor" e da não-existência da intenção autoral, o jogo de
significados e a pluralidade de significados do texto são realçados. A pluralidade textual nega
um discurso "científico" e objetivo, e consequentemente, elimina a demarcação nítida entrea
literatura e qualquer outra forma de escrita.
A este último item, o Pós-estruturalismo dá ênfase ao resvalamento entre o significante (a
palavra escrita ou pronunciada) e o significado (a abstração ou figura mental), entre um signo e seu
sucessor, entre um contexto e o contexto seguinte. °
significado sempre está contextualizado, ou
seja, específico a um contexto dado. Isso acontece porque os pós-estruturalistas consideram inútil
a finalidade estruturalista de descobrir as regras pelas quais os significantes codificam a realidade.
Quando pronunciamos ou lemos a palavra água, podemos pensar em gotas d'ãgua.mum.lagoçauuna
poça d'água, num copo d'água, no símbolo quimicoHjt.), no oceano, no orvalho etc. Não v~m à nossa
mente, portanto, uma imagem da "quintessência da água". Portanto, é solapada a opinião estruturalista
de um relacionamento direto entre o significante e o significado. Quando consideramos o conceito
água na expressão poça d'água,o processo continua, ou seja, pensamos em chuva, lama, barro, respingos
de água. Não pensamos num significado definitivo e comum. Portanto, os significantes levam a outros

THOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZA DORES) - 147


fID,', , o N N I C I

Y
!- significantes e não a significados definitivos. Esse conceito, chamado díjférance por Derrida (1976), e
traduzido por "deferimento do significante" ou "o jogo incessante do significante", é o elemento-
chave da desconstrução, que é basicamente uma crítica pós-estruturalista. O Capítulo 10 retomará
com mais detalhes o problema da desconstrução.

Pobreza -+ exclusão -+ silêncio -+ revolta -+ violência -+ obséquio ardiloso -+ subversão -+ autonomia


t ,- , ,
marginalização
t
vida difícil -+ primitivismo -+ falta de cultura -+ oralidade -+ jeito diferente de pensar
r
SERT ÁO -+ pouca vegetação -+ deserto
(região agreste, distante das povoações ou das terras cultivadas)

Quadro 15. Deferimento do significante "sertão"

ROLAND BARTHES: A INTERPRETAÇÃO i>LURAL DO TEXTO

o tema central na obra de Barthes (1915-1980) é sem dúvida a convencionalidade de todas


as formas de representações, incluindo a literatura. Para o autor, a literatura é uma mensagem da
significação das coisas e não o significado das coisas. É ilusório o escritor fingir que a linguagem
seja um meio natural e transparente pelo qual o leitor compreende a "verdade" e a "realidade". O
verdadeiro escritor reconhece que toda escrita é uma impostura e que, portanto, ele tenta transformá-
Ia em jogo. É a ideologia burguesa que propaga a ilusão de que a leitura é algo natural e transparente.
Quando insiste que o significante (a palavra) acompanha o significado (a figura mental), todo discurso
é limitado a um único significado. Os pós-estruturalistas deixam os significantes criarem ad iibitum seu
próprio significado e solapam a sua censura e sua insistência unificadora.
No ensaio "Amorte do autor", publicado originalmente em 1968, Barthes (1977) rejeita a noção
tradicional referente ao autor como a origem do texto, a fonte do significado do texto e a única autoridade
para slfa interpretação. O autor é uma espécie de encruzilhada onde cruza e volta a cruzar a linguagem
composta por citações, repetições e referências. O leitor, portanto, pode penetrar no texto por todos os
lados.já que não há um caminho considerado unicamente "correto". O processo significatório do texto
pode ser aberto ou fechado ao bel-prazer do leitor. A intenção do autor sobre o significado específico do
texto é descartada e o leitor poderá se conectar a qualquer sistema de significados. Barthes (1975) distingue
entre o texto de prazer e o texto de fruição ou de êxtase (jouissance). O texto de prazer "vem da cultura,
não rompe com ela e está ligado a uma prática confortável da leitura". Por outro lado, o texto de fruição
é "aquele que nos coloca em estado de perda, aquele que desconforta, que faz vacilar as bases históricas,
culturais e psicológicas do leitor" (BARTHES, 1975, p. 25). Esse tipo de texto fomenta inclusive uma crise
no leitor em suas relações com a linguagem. Evidentemente esse êxtase produzido pelo texto não é o tipo
de prazer que a economia de mercado pressupõe. É mais do que provável que o contrário aconteça: para o
leitor ingênuo, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, ou Finnegans Jili&ke,de James Joyce, ambos
textos de fruição, são "chatíssimos".
Contrariamente à presunção estruturalista de ver todas as fábulas do mundo dentro de uma
estrutura única, Barthes insiste em que cada texto é diferente. Cada texto se refere a um grande oceano
ou depósito que contém tudo o que havia sido escrito em épocas anteriores. O texto acabado (o
romance realista), com significado limitado e único, desencoraja o leitor para fazer uma ligação entre
o texto e o que havia sido escrito antes. O leitor é apenas o consumidor de um significado fixo. Barthes

148 - T E o R I A LITERÁRIA
'-'~'~~TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTUI\ALISTAS

(1975) chama esse texto de legível (lisible). Outros textos (os romances modernos) dão ao leitor o
máximo de liberdade para produzir significados. Isso acontece porque colocam o leitor em contato
com a pluralidade dos outros textos. Esse segundo tipo de texto é escrevível (scriptible) porque é uma
"galáxia de significantes e não uma estrutura de significados; [...] temos acesso a ele através de várias
entradas e nenhuma delas pode ser considerada a principal".

OBRA ACABADA OBRA ABERTA

Texto de prazer Texto de fruição


(leitura de best-sellers) (leitura que desconforta o leitor)

-. 7..: -e ":'!-

Texto legível
v."

Texto escrevível
(significado fixo) (pluralidade de significados) .-""-"

Quadro 16. Texto e leitura conforme Barthes (1975)

Barthes (1975), em vista disso, introduz cinco códigos que determinam a legibilidade do texto
narrativo. O código hermenêutico se refere ao questionamento, aos enigmas e às perguntas no início
de qualquer discurso, tais como:' O que está acontecendo? Qual é o impedimento? Quais são as
finalidades do herói? Essas questões podem ser resolvidas ou deixar de ser resolvidas na fábula. O
código sêmico se refere aos temas eàs conotações na caracterização (por exemplo, riqueza, feminilidade,
objetificação). O código simbólico diz respeito às polaridades e às antíteses que permitem a multivalência
(por exemplo, os padrões do relacionamento sexual e psicológico que os personagens adotam). O
código proairético (escolhas ou ações) estuda a sequência de ações, acontecimentos e comportamento.
O código cultural engloba todas as referências de conhecimento produzidas pela sociedade ou seus
pressupostos ideológicos (por exemplo, o conhecimento físico, médico, psicológico, literário etc.).
O quadro abaixo toma como exemplo o conto Bliss, de Katherine Mansfield (1888-1923), utilizando
certas frases e aplicando os cinco códigos barthianos.

"

O título Bllss (Êxtase), embora enigmático, é um resumo da narrativa, Quem experimenta o êxtase?
Código Em quais circunstâncias? Que resultados? No código hermcnêutico revelam-se, no processo dá'
hermenêutico leitura, certos descortinamentos parciais, demoras e arnbiguidades, A frase "esperando algo [",]
divino para acontecer" é a sinalização que inevitavelmente mostrará outras revelações.

A palavra êxtase mostra um estado emocional e a frase inicial "Embora Bcrtha Young tivesse tI'in~a
Código sêmico anos", ligada a outras informações sobre caráter e expressões específicas formam um conjunto de semes
que resultam na totalidade do personagem.

"Por que nos é dado um corpo se temos de rnantê-lo guardado numa mala, como um violino
muito, muito raro", Baseado em antíteses, o código simbólico opõe o exteriorc o interior, o
Código simbólico
fechamento e a abertura, o calor (a queirnação 11,0 peito) e o frio (dos quartos), Segundo Barrhcs,
o lugar de encontro desses opostos se dá no corpo (no corpo de Bertha em Bliss) .

"Ela ainda tinha momentos iguais a este," Procede a coleção dessas ações em grupos que movem
Código proaerético
a narrativa até o final.

A sua idade (30 anos) pertence ao vasto armazém de saber pelo qual interpretamos a nossa
Código cultural
experiência.

Quadro 17. Aplicação dos códigos de Barthes ao conto Bliss, de Mansfield

TI-IOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOllN (OI<GANIZADOI<ES) - 149


ICfJONNICI
'I
,
JÚLlA KiuSTEVA: A REVOLUÇAo DA LINGUAGEM

Grande parte do trabalho de Kristeva é baseado no sistema psicanalítico e no processo pelo qual tudo
o que é ordeiro e racional está continuamente ameaçado pela heterogeneidade e pelo irracional.
O pensamento ocidental sempre teve a necessidade de um "sujeito" que tem o conhecimento e que
unifica a consciência. O meio pelo qual o sujeito percebe os objetos e a verdade é a sintaxe que requer
uma mente ordeira. Porém a razão ~empre foi ameaçada pelo prazer, pelo sorriso, pela dança e pela poesia.
Diga-se de passagem que Platão alertava contra essas influências perigosas, as quais podem ser resumidas na
palavra desejo. A ruptura poderá acontecer, não apenas no nívélliterário mas também no nível social.
Kristeva (1974) mostra o relacionamento entre o normal e o poético. No início de sua vida, o ser
humano é o espaço pelo qual transitam ritmicamente os impulsos psíquicos e físicos. Aos poucos,
esse fluxo indefinido de impulsos é ordenado pelos ditames da família e da sociedade (identificação de
gênero, a distinção entre o público e o privado, e outros). No estágio pré-edípico o fluxo de impulsos se
concentra namãe e na demarcação de partes do corpo humano e suas relações. Um fluxo desorganizado
e pré-linguístico de movimentos, gestos, ritmos e sons forma o semiótíco, que permanece ativo sob o
desempenho linguístico maduro do adulto. Kristeva (1974) usa o termo semiôtico porque descreve um
processo significante não-organizado (a ilógica dos sonhos parece mostrar esse fato). Com o tempo,
o semiôtico fica regulamentado e transforma-se na sintaxe lógica e coerente e na racionalidade do
adulto. Kristeva chama simbólico a linguagem falocêntrica, enquanto o semiôtico continua representando
o aspecto feminino e reprimido da linguagem. Usando o 'semiótico e dominando-o parcialmente, o
simbôlico coloca as coisas ordenadamente e dá aos sujeitos a própria identidade. Contudo, o semiôtico é
sempre capaz de subverter o simbólico.
Kristeva (1974), portanto, considera a poética como o lugar privilegiado de análise, porque está
equilibrada entre os dois palas do sistema e porque, em muitas ocasiões, se abre aos impulsos básicos
do desejo e do medo que funcionam fora dos sistemas racionais. Se constatamos que a mudança social
acontece quando há o rompimento dos discursos autoritários, é através da subversão do semiótico que
a linguagem poética abala a ordem simbólica e fechada da sociédade. Para Kristeva, a linguagem poética
irrompe dentro da e contra a ordem social, especialmente quando se trata do semiótico como associado ao
corpo feminino. O anarquismo (a concretização do semiótico) é a posição filosófica e política adotada pelo
feminismo para acabar com a predominância do falogocentrismo. Nos Capítulos 12 e 18 sobre o gênero,
essas teorias serão retomadas e discutidas no contexto do feminino e da literatura feminina e feminista.

É a presunção de que a linguagem seja autêntica e capaz de produzir um significado fixo e


Logocentrismo
exato.
A organização dos sistemas simbólicos de diferença sobre a sexualidade, nos quais a diferença é
Falocentrismo
determinada de acordo com a posse ou a falta do falo como significante privilegiado.
O sistema que privilegia o falo como o rnarcador principal da diferença sexual e a garantia da
Falogocentrismo
verdade e do significado na linguagem.
(não é a ciência da Semiótica) o estágio pré-sirnbólico da criança, antes que seu corpo e sua mente
sejam regulados pela linguagem e pela ordem simbólica. Localiza-se o feminino no serniótico
Semiótico quando o sujeito integra-se na ordem masculina. O semiótico não é anulado quando de sua
entrada no simbólico; vigora como força subversiva por comportamento antissocial, transgressão,
pela arte da vanguarda.
A alegria suprema contém o aspecto transgressor; não aceita sua representação no simbólico e,
[ouissance
portanto, é associada ao feminino.
O desejo é produzido por uma lacuna entre a necessidade básica e. a incapacidade da linguagem
de articular um pedido para que a necessidade seja satisfeita. O desejo (acontece na transição do
Desejo
imaginário para o simbólico) é uma marca do insucesso da linguagem e da perda do estado pré-
simbólico indiferenciado da criança.
Quadro 18. A nomenclatura da linguagem segundo Kristeva (1974).

150 - T E O R I A L I T E R A R J A
TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURALISTAS

IMPLICAÇÓES DO PÓS-ESTRUTURALISMO

o Pós-estruturalismo introduziu na análise literária a descrença no logocentrismo e uma


implosão dos centros privilegiados que ele constrói, além da quebra do sujeito. As implicações do
Pós-estruturalismo podem ser assim apresentadas: ..•.
• O Pós-estruturalismo contrapõe-se ao Estruturalismo em suas pretensões "científicas". Para
os estruturalistas, as estruturas que eles descreviam e analisavam estavam objetivamente no
texto. Qualquer um podia descobri-Ias. Para os pós-estruturalistas, a estrutura de um texto
é uma combinação produzida pelo leitor, que, temporariamente, sustou o fluxo infinito dos
significados gerados pelo texto. O texto, portanto, não é uma estrutura, mas uma seqüência de
signos que produzem o sentido, os quais têm uma posição privilegiada.
• O Pós-estruturalismo é mais abrangente do que o Estruturalismo. A filosofia ocidental é
basicamente fundamentada na razão pela qual o homem tem oportunidade e capacidade de
conhecer a realidade dos objetos. Um dos princípios fundamentais do Pós-estruturalismo éa
incontrolabilidade do sentido. Segue-se que a pretensão da filosofia ocidental de conhecer o
mundo é falsa.
• O Pós-estruturalismo revela algo sobre nós mesmos. Normalmente pensamos que a nossa
razão e o nosso ser não têm nada a ver com a linguagem que usamos. A razão e a presença
são aspectos do "eu" que considera a linguagem um instrumento de comunicação. Os
estruturalistas questionam esse "eu" porque usamos uma estrutura linguística que existia antes
de nós e porque nos expressamos no contexto de estruturas culturais também pré-exl~;tentes.
Os pós-estruturalistas afirmam que o indivíduo é o produto dessas estruturas. ,!'O·"eu' que
vem ao encontro do texto já é uma pluralidade de outros textos, uma pluralidade de códigos
infinitos ou, mais exatamente, de códigos cuja origem se perdeu" (BARTHES, 1975, p,-10).
Para os pós-estruturalistas, o indivíduo (como qualquer outra estrutura inerentemente instável)
é também um arranjo temporário ou uma interrupção passageira de um fluxo de sentido. A
nossa estabilidade é mera aparência; somos instáveis e sem um centro. Somos, portanto, sem
estrutura, apenas constituídos por fragmentos conflitantes. A noção de sujeito livre, dotado
de autodeterminação, autonomia moral e coerência, foi constantemente subvertida a partir
da década de 1970 pelos pós-estruturalistas. Outros não concordam com essas afirmações dos
pós-estruturalistas e alegam que a experiência diz o contrário.
• A interpretação de textos literários não tem um resultado determinado e definitivo. As
interpretações são uma imagem instantânea num fluxo de significações.
• O Pós-estruturalismo aboliu a diferença entre a literatura e outras escritas: Tradicionalmente,
o texto literário tem um significado permanente, porque nos mergulha na condição humana.
A literatura introduz o indivíduo nas verdades e nos valores imutáveis. Esses fatores são
negados pelos pós-estruturalistas. Como qualquer outra forma de linguagem, a literatura
é condicionada à différance. A única diferença admitida entre um certo tipo de literatura e
outras escritas é afinal aberto ou a incapacidade de ter um fechamento (Diante da lei, de Kafka;
Finnegans VVczke, deJamesJoyce). Esses textos de final aberto são muito maisinteressanres'tlo
que aqueles que tentam esconder sua impotência (textos de filosofia, história) ou pretendem
apresentar o mundo real (os romances realistas). Os textos oriundos da estética realista
escondem a supressão da différance e realçam a presunção de que o leitor tenha absoluto
controle do texto. Para os pós-estruturalistas, qualquer texto literário cria uma infinidade de
sentidos e, portanto, a interpretação depende do leitor. Isso equivale à morte do autor e ao
nascimento do leitor (BARTHES, 1977). Podemos concluir que, se para os estruturalistas o
sentido estável do texto está prestes a ser descoberto nas estruturas analisadas cientificamente,
para,os pós-estruturalistas há apenas a interação do texto e do leitor para produzir relances
diferentes e momentâneos de sentido.

TlIOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZADOl1tS) - 151


'f0 NNI CI .
IA
I
CULTURA E OS ESTUDOS CULTURAIS

Em seu livro Culture and Anarchy, publicado em 1869, Matthew Arnold, um dos críticos ingleses
mais renomados e influentes do século XIX, fabrica uma oposição binária entre a cultura (sinônimo de
coerência e ordem) e a anarquia. °
termo cultura é definido de modo específico como "alta cultura", a
cultura de uma elite específica. ] amaisArnold refere-se à cultura no sentido antropológico ou sociológico,
como se faz atualmente. Para acadêmicos do final do século :xx e do início do século XXI, a cultura
também se refere ao modo de viver e ao Weltanschauung da classe operária, algo incompreensível para
Amold. A classe baixa e os empresários ávidos, fabricantes de uma economia desumana e utilitária, só
seriam capazes de criar anarquia, ou seja, a antítese de qualquer cultura.
A oposição entre a "alta cultura" (a literatura é incluída nessa categoria) e as "culturas" das
classes baixas permeia praticamente toda a crítica literária ocidental, inclusive a de nações jovens
influenciadas pelo Ocidente. A consolidação do cânone literário brasileiro é um caso eloqüente. O
escritor e crítico anglo-americano T. S. Eliot (1888-1965) culpa "a dissociação de sensibilidade" no
final do século XVII, a qual cria a anarquia contra o mundo ordeiro do Renascimento. Em meados
do século:XX, F. R. Leavis (1895-1978) escreveu The Great Tradition (1948), retomando a posição
de Eliot e afirmando que a civilização tecnológica e a industrialização produziram esse hiato entre
a "alta cultura" e as várias "culturas". A "alta cultura" assume, portanto, uma posição proselitista
e, ao mesmo tempo, uma atitude de defesa, já que se considera cercada por todos, prontos para
destruí-Ia. É interessante notar que a "alta cultura", avessa à "cultura da classe baixa" e à "cultura
de massa", jamais se mostrou interessada em conhecê-Ias e examiná-Ias (CUI,-LER, 1999).
A publicação de The Uses ofLiteracy, em 1957, de Richard Hoggart (nascido em 1918), e Culture
and Sodety 1780-1950, em 1958, de Raymond Williams (1921-1988), provocou uma reviravolta.
Embora I-Ioggart analisasse a cultura do ponto de vista humanista e Williams da perspectiva marxista,
ambos insistiam sobre os valores das culturas, especialmente a cultura da classe operária, condenada
categoricamente pela "alta cultura". Apesar de insistir no final de Culture and Society sobre a necessidade
de uma cultura comum, Williams sabe que, na sociedade, sempre haverá várias culturas. "Em nossa
cultura como um conjunto há uma interação constante entre esses modos de vida [culturas] e uma
área que pode ser considerada comum ou subjacente a ambas" (WILLIAMS, 1961, p. 313). Williams,
portanto, dá à cultura uma dimensão antropológica, sem desmerecer o papel da literatura:

Além da literatura são várias as maneiras pelas quais recorremos a outra experiência. No caso
da experiência formalmente presente recorremos não apenas à fonte riquíssima da literatura,
mas também à história, à arquitetura, à pintura, à música, à filosofia, à teologia e à teoria
social, às ciências físicas e biológicas, à antropologia e, de fato, a todo o conjunto do saber. Se
somos sábios, recorremos também à experiência presente nas instituições, nos costumes, no
comportamento e nas memórias das famílias" (WILLIAMS, 1961, p. 248).

Tornaram-se, portanto, a partir da década de 1960, de interesse acadêmico os assim chamados


Estudos Culturais, analisados no Capítulo 17. Os críticos começaram então a ir além das relações entre
literatura e sociedade, e, de fato, testemunhamos, desde meados da década de 1970, a expansão dos
estudos literários para outras disciplinas ou grandes áreas. Essa interdisciplinariedade foi extremamente
realçada devido à contribuição pós-estruturalista na ruptura da presumida diferença entre o texto
literário e o não-literário. Nos anos 1980 e 1990, os especialistas em Estudos Culturais adotaram os
parâmetros pós-estruturalistas, especialmente as ideias de Derrida e de Foucault. A cultura, seja aquela
oriunda do Renascimento, seja aquela nascida nas favelas ou nos acampamentos do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, é atualmente concebida como algo artificial. A cultura é algo
fabricado e o produto final de uma série de interações e trocas. Nenhuma cultura pode autodenominar-
se autêntica ou pretender atingir a verdade além de seu discurso. Consequentemente, a fabricação
da cultura e sua ligação à história produziram duas tendências críticas extremamente férteis para os
estudos literários: o Novo Historicismo e o Materialismo Cultural (CEVASCO, 2003).

152 - T E o R I A LITERÁRIA
T E O· R I A 5 E 5 T R U T U R A L 1ST A 5 E PÓS - E 5 T R U T U R A L 1ST A 5

SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS

Nas décadas de 1980 e 1990, surgiram nos Estados Unidos da América e na Inglaterra duas
modalidades de críticas históricas vigorosas influenciadas principalmente pelas teorias de Foucault.
O Novo Historicismo e o Materialismo Cultural nasceram, respectivamente, nos Estados Unidos e
na Inglaterra. A finalidade de ambas é detectar e trazer à tona as relações de poder e os processos de
construção ideológicos e culturais. O Materialismo Cultural diferencia-se do Novo Historicismo,
talvez, unicamente em sua busca de instâncias de dissidências, subversão e transgressão que sejam
relevantes na luta política contemporânea e em seu compromisso de transformar a ordem social que
explora as pessoas através da raça, gênero e classe.
As duas correntes introduzem nas análises tradicionais (inicialmente sobre o Renascimerito inglês,
de modo especial, nos estudos shakespearianos e depois em todas as épocas literárias) parâmetros
marxistas e pós-estruturalistas. Concentram-se nas noções pós-estruturalistas sobre o sujeito.va
construção da identidade, o discurso, o poder, os discursos como meio de poder. Embora haja diferenças
conceituais entre o Marxismo e o Pós-estruturalismo, a tendência do Materialismo Cultural (termo
cunhado por Raymond Williams em 1977 com a publicação de Marxism and Literature) gira em torno
de esquemas marxistas, focalizando a ideologia, a função das instituições, a dissidência e a subversão.
O Novo Historicismo e o Materialismo Cultural têm em comum os seguintes princípios:
1. Ambos rejeitam a autonomia do autor e do texto literário, este último visto como inseparâvel de
seu contexto histórico. O papel do autor é determinado por circunstâncias históricas. "A obra
de arte é o produto de um acordo entre o artista ou classe de artistas, munidos de um conjunto
de convenções, compartilhado pela comunidade, e as instituições e práticas da sociedade"
(GREENBLATT, 1989, p. 12).
2. O texto literário está envolvido num amplo conjunto formado por elementos históricos,
culturais, políticos, econômicos e sociais. O texto literário está imerso numa construção verbal
ligada a um período e a um lugar específicos, os quais sempre têm conotações políticas. Como
discurso ideológico, o texto literário veicula o poder e participa positivamente na construção
e na consolidação de discursos e ideologias. Ele também é um instrumento na construção de
identidades individuais e coletivas (por exemplo, de nações). A literatura e qualquer outrot"êxtü"'C.
religioso, político, histórico, portanto, fazem a história, desenvolvem a ideologia e-iniciam a
hegemonia.
Em meados da década de 1980, o Novo Historicismo e o Materialismo Cultural estenderam
o âmbito de seus estudos e começaram a abranger todas as correntes e épocas literárias. O rápido
desenvolvimento dos Estudos Feministas e a consolidação dos Estudos Pós-coloniais no início dos anos
1990 fizeram com que as linhas divisórias entre o Materialismo Cultural e o Historicismo Cultural
se apagassem. Consequentemente, o final do século XX e o começo do século XXI viram as quatro
correntes como um conjunto coesa de crítica acadêmica tentando efetivar as mudanças políticas num
mundo globalizado.

o Novo HISTORICISMO

O termo Novo Historicismo foi cunhado por Stephen Greenblatt, em 1980, na publicação de
Renaissance Selflashioning: From More to Shakespeare. O Novo Historicismo é definido como "uma
interpretação crítica que privilegia as relações de poder, [...] uma prática de crítica que apresenta os
textos literários como um espaço no qual tornam-se visíveis as relações de poder" (BRANNIGAN;"'~-
1998, p. 6). O Novo Historicismo, portanto,

THOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGMIIZADORES) - 153"


(mo N N I C I
~f
i rastreia as ligações entre os textos, os discursos, o poder e a constituição da subjetividade [...)
[Seus adeptos] enfocam como os textos literários renascentistas se situam em meio a práticas
discursivas e às instituições do período, tratando a literatura não como um reflexo ou um
produto de uma realidade social mas como uma das diversas práticas às vezes antagonistas
(CULLER, 1999, p. 125).

o Novo I-listoricismo analisa os textos para detectar:


1. a construção, mesmo parcial, da identidade e subjetividade humana;
2. a submissão do indivíduo às relações de poder;
3. a forma pela qual o indivíduo é o produtode 'uma inreração entre a maneira como ele se
apresenta (seus discursos, as omissões) e as relações de poder em que participa;
4. a maneira como a literatura está positivamente envolvida na construção da história através de
sua participação em práticas discursivas;
5. as fontes, frequentemente escondidas e inimagináveis, e os veículos de poder;
6. a maneira pela qual o poder suprime ou marginaliza discursos rivais.
Seus métodos podem ser resumidamente listados:
1. As circunstâncias sacio econômicas de um período histórico e os dados biográficos do autor não
são levantados com a finalidade de esclarecer o texto literário, ou vice-versa;
2. O período histórico é considerado como uma cultura remota, cujas manifestações discursivas
(relatos de viagens, textos religiosos, despachos governamentais, cartas etc.) são analisadas
e contrastadas para que se conheçam as relações de poder e as forças existentes naquela
cultura;
3. São analisadas asjormas discursiuas, especialmente a retórica, que o poder usa;
4. É utilizada a descrição densa ("thick description"), ou seja, a leitura e a investigação detalhada e
minuciosa de práticas sociais e culturais.
Como exemplo dessa prática, pode-se analisar a influência que a obra shakespeariana teve
no favorecimento da classe dominante na Inglaterra e, portanto, a maneira pela qual os leitores
foram orientados a ater-se à ideologia dominante e evitar significados subversivos. Em [ulius
Caesar, os tribunas romanos Flavius e Marullus entram em cena para dispersar alguns cidadãos
que desejam homenagear o imperador. No diálogo entre os tribunos e o sapateiro, os primeiros
ganham no "bate-boca" e mandam a turba para casa. O trocadilho verbal usado pelo sapateiro
(impossível na tradução. para o português), todavia, é uma magnífica vitória contra o discurso
dominante do tribuna. Acontece que jamais foi dada muita importância a esse episódio. Se muita
importância tivesse sido dada ao evento, a interpretação da peça inteira colocaria sérias dúvidas
sobre a excelência da classe governante. A partir desse ponto, o Novo Historicismo analisaria esse
discurso no contexto do poder nas décadas finais do século XVI: a caracterização e a degradação
das classes baixas, a repressão, o abuso intencional da classe dominada pelos nobres, a interação
entre a força bruta e a inteligência do marginalizado. Semelhante análise poderá ser feita no caso
das peças Medida por medida, Rei Lear, A comédia dos erros e outras. O Novo Historicismo jamais
nega o. contexto social, as contradições e a pluralidade do discurso, mas desmascara a maneira
como a ideologia dominante manteve-se presente e continuamente impôs-se através da prática
educacional.
Pesa sobre o Novo Historicismo seu pessimismo referente à possibilidade de resistência
oriunda dos marginalizados e oprimidos - é patente a grande influência de Foucault. De fato,
muitos novos historicistas começam sua análise a partir do pressuposto de que a subversão é
produzida e usada pelos mantenedores do poder. Esse pressuposto coloca a metodologia a priori
numa arapuca, porque concede ao sujeito uma liberdade limitada diante do discurso hegemônico
da cultura.

154 - T E o R I A LITERÁRIA
TEORIAS ESTRUTURALISTAS E PÓS-ESTRUTURALISTAS

o MATERIALISMO CULTURAL

o Materialismo Cultural estabeleceu-se como crítica literária em meados dos anos 1980, e seus
maiores expoentes foram os ingleses Jonathan Dillimore, Catherine Belsey, Alan Sinfield e John
Drakakis. O termo cultura (no adjetivo cultural) é usado analiticamente, já que procura descrever todo
o sistema de significações através das quais uma sociedade compreende a si mesma e suas relações
com o mundo. Inclui-se a pesquisa sobre as culturas dos subalternos, marginalizados, música popular
-e outras manifestações. Nesse caso, cultura não tem-a conotação valorativa, ou seja, mantenedora da
"alta cultura" com seus valores superiores e uma sensibilidade refinada. Contrapondo-se ao idealismo,
o termo materialismo mostra que a cultura não pode transcender as forças materiais e as relações de
produção. O Materialismo Cultural, portanto, estuda as implicações dos textos literários na história.
O Materialismo Cultural propõe-se como uma alternativa à prática tradicional da crítica literária.
O envolvimento do contexto histórico, método teórico, compromisso político e análise literária com
o texto proporcionará ao crítico mais ferramentas em sua crítica literária. Em primeiro lugar, o contexto
histórico subverte o sentido tradicional dado ao texto literário e recupera seu próprio histórico. O método
teórico distancia o texto de uma crítica imanente cuja tendência é se reproduzir e se perpetuar. O
compromisso socialista efeminista desafia as categorias conservadoras que até então foram predominantes
.na crítica literária. A análise textual cerceia a crítica das abordagens tradicionais. Três aspectos éIoi)rocess~'
histórico e cultural são proeminentes e investigados pelo Materialismo Cultural: (1) a consolidação se
refere aos meios ideológicos pelos quais uma posição dominante se perpetua; (2) a subversão mostra
a transgressão e as tentativas de solapar essa ordem; (3) a contenção revela a repressão às pressões'
subversivas.
O Materialismo Cultural acentua que no âmago do texto literário encontram-se indícios eficazes de
subversão e de dissidência. Em outras palavras, embora muitos fatores no discurso literário indiquem
apoio à hegemonia ou à ideologia contemporâneas, os materialistas culturais admitem que a cultura
dominante sempre está sob pressão de pontos de vista alternativos. A coerência do discurso é apenas
aparente e a ordem está constantemente ameaçada em seu interior por contradições internas e por
tensões que o discurso tenta esconder. Na Carta, de Caminha, escrita em 1500, abundam episódios de
visão panótica do colonizador português, de seu fitar objetificador, de sua superioridade cultural diante
da nudez dos nativos. O discurso, porém, revela inúmeras tensões, ou seja, traços de insubordinação
(a recusa de alguns indígenas para depor as armas), indiferença (o modo sem-cerimônia como dois
nativos brasileiros embarcam no navio de Cabral; o velho indígena com grande cocar), cortesia ardilosa
(imitação de atividades dramáticas na primeira missa, no levantamento da cruz, nas atitudes da jovem
tupiniquim), todas indicativas de contradições num texto hegemônico.
Sinfield (1992) chama essas contradições internas de falha tectõnica, a qual, por sua vez, produz
a potencialidade dissidente. (1) As falhas tectõnlcas encontram-se em todas as culturas e, evidentemente,
em textos literários. Embora sob controle ideológico, a literatura abre espaço onde as col)tradiç.(}~,~,ç:-"
as tensões podem ser localizadas e trabalhadas. Mesmo nos textos mais reacionários, o Materialismo
Cultural detecta pontos de dissidência que permitem ouvir a voz dos indivíduos socialmente
marginalizados e expõe o sistema ideológico responsável pela exclusão. (2) O Materialismo Cultura)
investiga como a recepção de textos literários ofusca a presença de falhas tectônicas ideológicas. Essa
cumplicidade entre o texto e a crítica literária pode ser vista, por exemplo, na presença de Iracema
(1865), de José Alencar, na crítica literária brasileira. O romance mostra as primeiras relações entre
colonizadores brancos e indígenas brasileiros na terra recém-aberta aos colonizadores portugueses
e a chegada da cultura branca, cristã, ocidental. A luta pela terra e a aniquilação da cultura indígena,
entretanto, são relativizadas e deslocadas para o fundo da cena, significativamente no contexto da
afirmação e na consolidação da subjetividade da nação brasileira no período pós-independência.
Legitimam-se, portanto, as leituras alternativas e subversivas. (3) As leituras dissidentes do Materialismo
Cultural desafiam a crítica tradicional e conservadora de estudos acadêmicos e daqueles que controlam
instituições de cultura (currículo das escolas secundárias, dos cursos de Letras nas universidades)
para efetivar mudanças políticas na atualidade a partir dos pontos de vista socialista ou feminista.

THOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZADORES) - 155


~o N N 1 C 1

t A constataçâo da supressão ("ausência") da voz da mulher negra na literatura brasileira até o século
XIX provoca discussões sobre as causas e, mais ainda, sobre a situação da mulher na literatura e nas
práticas sociais contemporâneas. "Contrariamente à crítica consolidada, o Materialismo Cultural não
mistifica sua perspectiva como a interpretação natural, óbvia e correta de um texto, mas registra seu
compromisso na transformação de uma ordem social que explora as pessoas através de argumentos
de raça, sexo e classe" (DOLLIMORE; SINFIELD, 1989, p. viii). Por isso, o Materialismo Cultural
focaliza episódios de dissidência, subversão e transgressão em textos literários, já que sua relevância
influencia a luta política (feminista, pós-colonial, de minorias) contemporânea.
O Materialismo Cultural analisa como a literatura canônica (por exemplo, os relatos de
viagens nos séculos XVI e XVII, os poemas de Gregório de Matos, a épica de Santa Rita Durão
e de Basílio da Gama, os romances de Alencar e de Machado de Assis) foi utilizada em épocas
diferentes, a ênfase dada nos exames vestibulares, as seleções mais antologizadas. Analisa não
apenas a literatura não-canônica, intencionalmente deixada ao esquecimento e sistematicamente
menosprezada, mas também discursa sobre quem se apoderou e se privilegiou da perpetuação
dessa seleção e
da sua colocação no currículo escolar. Os materialistas culturais (DOLLIMORE;
SINFIELD, 1989) descobriram que as peças de Shakespeare foram apropriadas pela direita
política para mostrar a superioridade da literatura inglesa em detrimento das culturas de povos
colonizados pelos ingleses. Certas peças ou atos específicos foram inclusive utilizados para
conter as aspirações de classes subordinadas dentro da Inglaterra (irlandeses, galeses, os fora-
da-lei) e de povos não-europeus. Elizabeth I reclamou que a peça Ricardo II (provavelmente de
Shakespeare) foi encenada quarenta vezes nas ruas e nas casas particulares antes da sublevação de
1601 contra a sua autoridade (apud DOLLIMORE; SINFIELD, 1989, p. 8). A rainha percebeu
que a identificação do personagem Richard com ela, a repetitividade da encenação e a aniquilação
da ficcionalidade causada pela apresentação nas casas serviam à causa da rebelião contra o estado
inglês. Macbeth (1603) foi também utilizada por representantes do império inglês para consolidar
a legitimidade da realeza e mostrar a punição implacável de quem se levanta contra ela. A rebeldia
de Calibã, Trínculo e Stefano em A tempestade (1611) foi realçada para mostrar a incapacidade de
povos marginalizados de organizar um governo e para ridicularizar as pessoas que, na periferia da
sociedade, tentam fazer ouvir a sua voz de protesto e de resistência.

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THOMAS BONNICI / LÚCIA OSANA ZOLlN (ORGANIZADORES) - 157

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